David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCaem as máscaras [dropcap]C[/dropcap]omo a comunidade internacional já esperava, a 4 de Outubro, o Governo de Hong Kong promulgou finalmente a Lei Anti-Máscaras, uma Portaria de Regulamentação de Emergência que entrou em vigor a 5 de Outubro. A Portaria é simples e contempla apenas duas infracções. Em primeiro lugar, em qualquer concentração de mais de 50 pessoas, ou numa marcha de mais de 30, autorizados ou não pela polícia, os participantes não podem usar máscaras. Os infractores incorrem numa pena de prisão até 12 meses e numa multa de HK$25.000. Em segundo lugar, em presença de alguém que tenha o rosto coberto num local público, a polícia está autorizada a exigir-lhe que se descubra. Os infractores incorrem numa pena de prisão até seis meses e numa multa de HK$10.000. A Lei Anti-Máscara proíbe o uso de máscaras, propriamente ditas, de pinturas faciais ou de qualquer adereço que esconda o rosto, total ou parcialmente. Esta lei só pode ser quebrada por alguém que possua permissão legal ou em caso de existir motivo de força maior. A Portaria enuncia três motivos de força maior, a saber, motivos religiosos, de saúde, ou por exigência da profissão, por exemplo agentes de autoridade destacados para manifestações públicas. No último caso o uso de máscara destina-se a garantir a segurança pessoal dos agentes. Estão também abrangidos por esta isenção os profissionais de saúde, obrigados ao uso de máscara por motivos sanitários. A Portaria também estipula que o Governo de Hong Kong deverá formular acusação no prazo máximo de um ano, a contar da data da infracção. O Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau apoiou o Governo da RAEHK na promulgação desta Portaria porque acredita que ajuda a combater os crimes violentos e a restaurar a ordem social. Segundo o editorial do “Global Times”, esta lei não afecta o direito da população a manifestar-se pacificamente e a expressar as suas opiniões, mas ajudará a reduzir a violência e a manter o estado de direito em Hong Kong. No entanto, se olharmos para o exemplo de outros países, verificamos que as leis anti-máscara não surtem grande efeito. A 21 de Novembro de 2013, na Ucrânia, devido à recusa do Presidente Viktor Yanukovych de assinar um tratado comercial com a União Europeia, a população de Kiev manifestou-se na Praça da Liberdade (Maidan Nezalezhnosti). Em Janeiro de 2014, o Governo promulgou uma medida contra o uso de máscaras e de capacetes. A lei foi aprovada, mas os manifestantes desobedeceram-lhe. A lei foi retirada 12 dias após a sua promulgação e o Primeiro Ministro Mykola Azarov demitiu-se. Em França, em Novembro de 2018, irrompeu o movimento dos coletes amarelos. O Parlamento aprovou em Maio de 2019, uma lei que proíbia o uso de máscaras durante a manifestações. A lei continua em vigor. Contas feitas, esta Portaria é uma medida legal que vai acabar com a violência social ou que, pelo contrário, vai deitar mais achas para a fogueira? Como a lei foi promulgada há poucos dias, é impossível fazer para já uma avaliação correcta. No entanto, a comunidade de Hong Kong deverá reflectir na possibilidade de criar uma outra lei que possa efecivamente erradicar a violência das ruas se, por via desta Portaria, tal não vier a acontecer. Mas temos de esperar para ver se a lei vai ou não atingir os seus objectivos. Mas uma coisa é certa. Os transgressores desta lei incorrem em penas de prisão e no pagamento de multas. No entanto, a legislação de Hong Kong, prevê a pena máxima. O que quer dizer que não terão de cumprir a pena de prisão e pagar a multa em simultâneo. Se os Tribunais condenarem os infractores apenas ao pagamento das multas, será esta Portaria suficiente para acabar com a violência na cidade? Mas, independentemente do resultado, os comentários do editorial do Global Times e do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau estão certos. Esta lei não afecta o direito da população a manifestar-se pacificamente e a expressar as suas opiniões. No entanto, se a violência não puder ser combatida eficazmente, Hong Kong não vai poder restabelecer a ordem social. Em última análise, Hong Kong seria a maior vítima da violència. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO rugido do leão (II) [dropcap]O[/dropcap]s anos 70 foram marcados em Hong Kong pela canção “Under the Lion Rock”. Na década de 90, esse papel coube a uma outra canção, “In the Same Boat”, composta por Xu Guanjie. A canção apelava às pessoas para não sairem do território. Era preciso ficar e reunir esforços para reconstruir Hong Kong. A letra desta canção erguia bem alto o espírito de “Under the Lion Rock”. Aqui fica um excerto: “Sigo convosco neste barco, As vagas cruéis fustigam-no, O vento sopra, o horizonte não se alcança, Por todo o lado reina o caos. Não sabemos o que nos espera. Decidi seguir neste barco, e com coragem evitar os danos, Desafio-me e enfrento o perigo, para que o navio nunca afunde.” Nessa época, respirava-se em Hong Kong uma atmosfesra de pessimismo, toda a gente sentia que tinha um longo e árduo caminho a percorrer. A letra da canção representava metafóricamente “Hong Kong” como um barco. O vento e as vagas, as dificuldades que a cidade enfrentava na altura. Mas a canção encorajava as pessoas a enfrentar os problemas com bravura, para que o o navio/Hong Kong não se viesse a afundar. E a seguir vinham palavras de esperança: “O espelho quebrado vai voltar a reflectir-nos, Tudo vai melhorar. A luta será compensada , O navio nunca irá afundar.” Desde que se mantenha acesa a luz da esperança, depois de ultrapassadas as maiores tormentas, o navio Hong Kong não afundará e há-de manter os seus passageiros confortáveis e em segurança. As ideias que as canções “Under the Lion Rock” e “In the Same Boat” tentam passar são basicamente idênticas. Ambas encorajam os hongkongers a manter-se unidos, ter fé no futuro e a construirem Hong Kong em conjunto. Em 2013, Hong Kong conheceu outro sucesso musical, “Love in the same boat”, que manteve a tradição das que a precederam. Apelava ao fim da discórdia e à manutenção da harmonia. A letra era mais ou menos assim: “A vida reluz e fluta, lá em baixo, junto ao porto, O amor passeia nas ruelas da cidade antiga, Depois das provações, o sofrimento foi esquecido o que importa agora é estar aqui, contigo ao meu lado” Aqui o que ressalta é o sentimento de proximidade, o amor e o companheirismo. No entanto, nessa altura ainda havia muitos motivos de preocupação, porque Hong Kong tinha vários problemas. Por isso era preciso esquecer as mágoas para continuar a viver. Estas canções épicas que marcaram várias décadas, exemplificavam de uma maneira ou de outra “o espírito of Lion Rock, Hong Kong”. Foram gradualmente mudando, com a mudança dos tempos. No entanto, preservaram o essencial. O sentimento de unidade, a luta contra o preconceito, o respeito mútuo, a solidariedade e a esperança, e a construção permanente de Hong Kong. Infelizmente, hoje em dia, o mesmo se poderá dizer daqueles que subiram a Lion Rock para se manifestarem? Poderão eles ignorar os preconceitos e respeitar os demais? E, sobretudo, estarão ainda esperançados e dispostos a continuar a construção de Hong Kong? Estou em crer que ninguém pode ver na destruição de edifícios do Governo, nem na destruição de estações de metro, sinais da construção de Hong Kong. As pessoas acreditarão verdadeiramente que ao usarem cocktails molotov e lasers nas manifestações, estão a dar mostras de civismo e de respeito pelo próximo? “O espírito de Lion Rock, Hong Kong” busca a unidade e a tolerância. O que importa acima de tudo é não ser dogmático, aceitar as opiniões dos outros, tendo em vista o bem-estar geral. Ter esperança e trabalhar em conjunto, com os olhos postos no futuro. Fazer cordões humanos ao longo do monte Lion Rock, em protesto, e considerar essa acção uma manifestação do espírito de Lion Rock é um erro. Apenas mostra que estas pessoas não fazem ideia do verdadeiro significado do “espírito de Lion Rock”. O que é realmente aterrador é pensar que as novas gerações nunca irão compreender o essencial do significado do “espírito de Lion Rock” e, por isso, não vão poder mantê-lo vivo. Desta forma , que futuro espera Hong Kong? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO rugido do leão (I) [dropcap]N[/dropcap]a noite que marca o início do Festival de Outono, 13 de Setembro, centenas de pessoas envolvidas nos protestos contra a lei de extradição, responderam a uma convocatária online e fizeram uma cadeia humana no cimo do monte Lion Rock, em Hong Kong. Esta cadeia humana iluminou-se subitamente com a luz de telemóveis e de canetas laser. Alguns dos manifestantes, que usavam máscaras e lanternas, gritavam slogans como “Cinco reivindicações, já!”. A escolha do local foi determinada pela tradição. É precisamente no topo do monte Lion Rock que as pessoas costumam celebrar a chegada do Outono. Festejam e admiram a Lua, um ritual chinês muito antigo de boas vindas a esta estação do ano. Mas existiu outro motivo que presidiu à escolha dos manifestantes. Lion Rock é mais do que um miradouro sobre a cidade, é o símbolo da unidade e da identidade de Hong Kong. Mas será Lion Rock apenas a materialização do espírito de Hong Kong? Esta pergunta não tem resposta fácil. Por isso, vou recorrer às letras de canções muito famosas e que marcaram uma época para tentar explicar o significado do “espírito de Lion Rock e de Hong Kong”. Os hongkongers têm desde sempre vivido no sopé do monte Lion Rock, por isso ele passou a ser o símbolo da sua identidade. Nos anos 70, os célebres compositores Huang Wei e Gu Jiahui criaram a canção, “Under the Lion Rock”. Desde essa altura, este tema tem sido o estandarte do “espírito de Lion Rock e de Hong Kong”. Nos anos 60 e 70, Hong Kong estava mergulhada em corrupção, violência, pornografia, jogo e droga. A polícia tinha uma ligação com o sub-mundo. Era voz corrente que as autoridades controlavam indirectamente estes negócios. Não é difícil imaginar o descrédito em que tinham caído as forças da ordem. Nessa altura, Hong Kong era uma colónia britânica. Para dialogar com o Governo era necessário falar inglês. No entanto, na época, o ensino superior estava reservado às elites e poucas pessoas falavam inglês fluentemente. A economia estava sub-desenvolvida e a vida das pessoas era muito difícil. Neste período, o Governo de Hong Kong homologou a “Lei do Trabalho” que garantia aos empregados uma certa protecção, o que era melhor que nada. A famosa canção “Workers”, de Xu Guanjie, falava do problema social e laboral da época. Além da questão das relações sociais e laborais, as pessoas trabalhavam em espaços sem condições. Devido a um sistema de abastecimento deficitário, Hong Kong ficava frequentemente sem água. Numa determinada altura a cidade só tinha fornecimento de água um em cada quatro dias. Mais uma vez a música veio dar voz ao descontentamento popular. Desta feita foi através da canção “The Water Song”, de Xu Gongjie, que o desagrado se fez ouvir. Foi um período de pobreza e de dificuldades em Hong Kong. As pessoas só podiam contar umas com as outras, porque todos estavam a passar um mau bocado. Havia pouco dinheiro, poucas condições, mas muita solidariedade. Foi precisamente nesta altura que Roman Tam, interpretou a emblemática canção “Under the Lion Rock”: “A vida é muito dura, tanta preocupação, Sob a Lion Rock, navegamos juntos e damos as mãos, esquecemos as diferenças, buscamos a união.” Como vemos, desde os primórdios, o espírito de Hong Kong, materializado em Lion Rock, é o espírito de união e de inter-ajuda. Ponhamos de parte o preconceito e tentemos compreender o ambiente social que se vivia na altura. Continuemos a escutar a canção: “Esquece o que divide os nossos corações, Lembra-te dos ideais que nos movem, Navegamos no mesmo barco, Seguimos juntos, sem medo” Os hongkongers seguem no mesmo barco. Será que já avistam terra? “Aqui, na curva do cabo, Unam as mãos, enfrentem as altas vagas, Eu sou cada um de vós, Sofro para deixar escrito o lema da imortal Xiangjiang (Hong Kong)” É o espírito de união face à adversidade que aqui é louvado. Embora o caminho seja difícil, podemos imortalizar o nome de Hong Kong. A intenção do poema “Under the Lion Rock” é muito clara. Apela à inter-ajuda, à superação das dificuldades e dos preconceitos e à construção conjunta de Hong Kong. Continua na próxima semana. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOficialmente afastada [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 4, Carrie Lam, Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, anunciou oficialmente que a proposta de emenda à Lei de Extradição de Condenados em Fuga seria retirada. O afastamento da proposta será apresentado pelo secretário da Segurança no Conselho Legislativo, assim que os trabalhos do plenário sejam retomados. O afastamento da revisão da lei de extradição não está dependente da votação dos deputados. A proposta de emenda à lei foi apresentada e elaborada pelo Governo. De acordo com a lógica do processo legislativo, o anúncio do afastamento da proposta de emenda à lei, a ser feito pelo secretário da Segurança, em nome do Governo, é o suficiente para que se venha a dar o assunto por encerrado. Tendo em conta a situação que se vive actualmente em Hong Kong, este anúncio representa um passo muito positivo. Em primeiro lugar, vai dissipar as dúvidas da maioria dos manifestantes. A partir do momento em que o secretário da Segurança declare a retirada oficial da proposta de lei, deixará de existir o perigo de ela vir a ser debatida no Conselho Legislativo. Desta forma, a situação fica mais clara do que quando existia apenas a “suspensão da revisão da lei”. Em segundo lugar, esta decisão vem ao encontro das reivindicações que os manifestantes têm vindo a fazer ao longo dos últimos dois ou três meses. Uma vez satisfeita esta condição, a agitação irá diminuir. Se com esta decisão se conseguir acabar com os protestos em Hong Hong, será efectivamente algo fantástico. Esta decisão já provocou diversos comentários positivos e negativos. Em geral, as pessoas congratulam-se com esta medida, no entanto criticam-na por ter sido tomada demasiado tarde, só depois de ter havido imensas manifestações e protestos violentos. Se esta resolução tivesse sido apresentada antes de todos estes distúrbios, muitos dos problemas teriam sido evitados. Agora, depois de toda esta explosão de violência, será esta decisão suficiente para acalmar os ânimos? Esta questão tem suscitado muitas reservas. Mas, independentemente de todas as reticências, podemos ter a certeza que a declaração de que a proposta de lei não vai avançar, vai ajudar a aliviar a atmosfera de tensão que se respira em Hong Kong. Algum impacto positivo terá. Além do anúncio do cancelamento da proposta de revisão, o Governo de Hong Kong também propôs que não fosse criada nenhuma comissão independente para averiguar os incidentes sociais. Essa medida será substituída, pelo ingresso de mais dois membros no IPCC (Conselho Independente de Reclamações Policiais). O IPCC vai contratar cinco peritos estrangeiros na qualidade de conselheiros. Esta decisão já provocou algum descontentamento na cidade. É do conhecimento geral que o IPCC só tem capacidade para investigar a acção da polícia no decurso dos incidentes. Os motivos que desencadearam os conflitos, o seu impacto, a sua evolução e os efeitos que provocaram na comunidade, não podem ser averiguadas pelo IPCC, porque este organismo não tem autoridade para conduzir esse tipo de investigação. Assim sendo, o IPCC não pode substituir uma comissão de inquérito independente. A terceira proposta do Governo visa promover a compreensão das necessidades da população, através do diálogo directo entre os responsáveis governamentais e o povo, para que, em futuras acções administrativas, se possa agir de forma mais adequada e que vá mais ao encontro dos anseios populares. A última proposta centra-se na contratação de peritos para ajudarem a estudar os diversos aspectos da sociedade de Hong Kong. Por agora, é impossível saber ao certo que assuntos específicos vão ser analisados, nem que recomendações esses peritos irão fazer. À partida, se estes estudos forem bem sucedidos, irão ajudar a encontrar formas de aliviar os antagonismos que se vivem em Hong Kong. Pelo menos, a disparidade que existe entre pobres e ricos é um problema que deveria ser resolvido imediatamente. Embora as decisões do Governo de Hong Kong possam não vir a corresponder às reivindicações de todas as pessoas envolvidas nos protestos, vão sem dúvida ajudar a aliviar as tensões actuais e, além disso, algumas das exigências foram efectivamente satisfeitas. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA urgência da paz [dropcap]N[/dropcap]o dia 30 de Agosto, seis líderes religiosos de Hong Kong pediram publicamente aos beligerantes que fizessem um período de tréguas de dois meses. A pausa destinar-se-ia à reflexão e à procura de consensos. Este grupo de religiosos era composto pelo Presidente da Associação Budista de Hong Kong, pelo Grande Mestre da Associação Budista de Hong Kong, por John Tong Hon, Cardeal da Diocese Católica de Hong Kong, por Tang Enjia, Deão do Instituto Confúcio, por Sa Zhisheng, Presidente da Sociedade Muçulmana Chinesa, por Su Chengyi, Presidente da Associação Cristã de Hong Kong, e por Dao Dehua, líder da Assoiação Taoísta. Estes homens, como todos os habitantes de Hong Kong, foram testemunhas de uma série de episódios violentos desencadeados pela revisão da Lei de Extradição. Estes distúrbios causaram sérios transtornos em todos os sectores da comunidade. O pedido de tréguas, endereçado ao Governo e aos manifestantes, prevê, para já, um período de dois meses de “paz”, tendo em vista o bem-estar da sociedade de Hong Kong, no seu todo. Este período também deverá destinar-se à reflexão e à procura de consensos. Todos aqueles que consideram Hong Kong como o seu lar deverão dar ouvidos a este apelo. Na verdade, a proposta é altamente exequível. Na situação que Hong Kong atravessa actualmente, se não se encontrarem soluções compatíveis com os interesses dos principais sectores da sociedade, a violência só terá tendência para escalar. A manutenção da violência vai continuar a desgastar Hong Kong a cada dia que passa. A declaração de um período de tréguas seria extremamente benéfica para a cidade. A reflexão proposta pelos religiosos, e a procura de consensos, também parece ser uma boa sugestão. A avaliar pelos últimos acontecimentos, se todos os fins de semana se registarem situações violentas, Hong Kong acabará por ser destruída. A continuidade da violência vai esgotar as forças da ordem. É difícil calcular o número de pessoas envolvidas nos desacatos, mas a força policial de Hong Kong conta apenas com 30.000 efectivos. Pensar que com este número de agentes se pode acabar com a violência é irrealista. É imperativo que as pessoas compreendam que a violência não é a solução para as divergências. Nenhum Governo pode ceder a este tipo de pressão, porque se cede uma vez terá de ceder muito mais vezes, e a violência não parará de aumentar. É um trunfo que não se pode dar a multidões enraivecidas. Se através do terror se puder impôr reivindicações de natureza política o terror não terá fim. O apelo dos religiosos é simples e fácil de compreender. É totalmente bem intencionado. No entanto, poderá ser um pouco irrealista. Pedir a pessoas enfurecidas que parem de lutar, é talvez um pouco ilusório. Além disso, esta multidão revoltosa não fala a uma única voz. Não defendem todos a mesma estratégia. Mesmo que alguns aceitem as tréguas a maioria não o fará e, infelizmente, este ambicionado período de pacificação não passará de mais um slogan politico, muito difícil de levar à prática. Nunca ouvi dizer que a destruição de uma família torne o seu futuro melhor, mas parece que actualmente há muita gente em Hong Kong que defende esta ideia perversa. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz e macau Professor Associado do Instituto Plitécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTodos no mesmo barco (II) [dropcap]C[/dropcap]omo vimos na semana passada, criou-se um movimento na internet apelando aos cidadãos de Hong Kong que retirassem o dinheiro dos Bancos, para pressionar as instituições, diminuir a confiança que as pessoas nelas depositam, afectando directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro e, muito provavelmente, prejudicando também outros locais. Além das consequências que se podem constatar directamente, este tipo de comportamento destrói completamente as conquistas consagradas na canção “Under the Lion Rock” que os hongkongers tanto trabalharam para alcançar. Estes comportamentos e a filosofia de “arrasar tudo e morrer unidos”, destruirá completamente o espírito nuclear e os ideais da Hong Kong do passado. Este movimento advoga um ideário divisionista e a divisão empurrará a cidade para um abismo sem retorno. Se assim for, Hong Kong deixará de ter qualquer futuro. Vai ser impossível preservar a imagem do território, mesmo que seja apenas para manter o status quo. Tudo isto trará danos irreparáveis a Hong Kong. Xu Guanjie, o deus da música de Hong Kong compôs a canção “Together in the same boat” nos anos 90. A intenção do poema era incentivar as pessoas a não emigrarem e permanecerem na cidade. A letra tem muitos pontos de contacto com a de “Under the Lion Rock”: “Sigo contigo neste barco, por ondas impiedosas fustigado, No horizonte, só vento e chuva nunca vistos, tudo se afigura caótico. Não sei o que nos espera. Mas decidimos continuar a navegar e tornar o nosso barco inquebrável, Luta para enfrentar as dificuldades e os desafios, Assim o barco nunca se afundará.” Aqueles que querem recorrer à violência para destruir Hong Kong, ou que incentivam as pessoas a tirar as suas poupanças dos Bancos, para criar o pânico financeiro, deveriam compreender que, enquanto viverem em Hong Kong, precisam de unir esforços para melhorar a cidade, essa é a sua obrigação. Qualquer forma de destruição só fará as coisas irem de mal a pior. Estas acções não irão ter qualquer tipo de reconhecimento. Só quando todos se puderem inter-ajudar e se mantiver acesa a chama e o espírito de Under the Lion Rock, Hong Kong poderá vir a ter um futuro grandioso. Na situação actual, é impossível solucionar os problemas com uma panaceia. Dado que toda a gente reconhece que esta é uma situação impossível, que caminho seguir? Em resposta, continuo a citar a letra da canção de Xu Guanjie, “Together in the same boat”: “Sigamos confiantes e reforcemos as fundações. Se cada um fizer a sua parte, abriremos caminho através da escuridão. ” “O espelho quebrado amanhã estará intacto e tudo irá melhorar. Com esperança, comecemos de novo, Conservemos para sempre o nosso barco aquecido. ” Desde que os hongkongers estejam confiantes, vão sempre esforçar-se por conseguir o melhor e trabalharão com afinco para criarem segundas oportunidades brilhantes. Juntos, sob o espírito de “Under the Lion Rock” – encorajamento, ajuda e entusiasmo mútuos, a população de Hong Kong vai fazer prevalecer a sua opinião. Os problemas que não puderem ser resolvidos hoje, se-lo-ão amanhã. Se cada facção se agarrar ao seu ponto de vista, excluindo o compromisso, puser de lado a cooperação, ou partir simplesmente para a destruição, o futuro de Hong Kong vai descrever-se apenas numa única palavra – “escuridão”. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTodos no mesmo barco (I) [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 16, alguns hongkongers lançaram através da internet um apelo designado “816 Withdrawal Day”, instando todos os residentes da cidade a levantar o dinheiro do Banco e, de preferência, a trocá-lo por dólares americanos. Este movimento pretende pressionar o sistema financeiro de Hong Kong e forçar o Governo a dar resposta ao cinco pontos da agenda dos manifestantes contra a Lei de Extradição dos Condenados em Fuga. Até ao momento, os Bancos da cidade não registaram qualquer movimentação fora do normal. Hong Kong começou a implementar o sistema indexado de câmbio a 17 de Outubro de 1983. Os três Bancos emissores de moeda em Hong Kong, o Bank of China, o HSBC e o Standard Chartered Bank, precisam de ter em depósito dólares americanos para cobrirem a emissão da moeda local, emissão que é feita sob a supervisão da Autoridade Monetária de Hong Kong. A taxa de conversão é fixa; 1US dólar equivale a 7,8 HK dólares. Até ao momento, o sistema indexado de câmbio tem funcionado bem, sem quaisquer efeitos adversos. A grande vantagem deste sistema é a paridade entre as duas moedas em termos de confiança. Quem confia na moeda americana, confia na moeda de Hong Kong. Os Bancos emissores de moeda em Macau, o BNU e o Banco da China (Filial de Macau) emitem moeda, contra a entrega na Autoridade Monetária de HK dólares. A taxa de câmbio é fixa; 1,03 pataca equivale a 1 HK dólar. No sistema indexado de câmbio, o dólar americano representa a reserva financeira do dólar de Hong Kong, pela mesma lógica, o HK dólar é a reserva financeira na emissão da moeda em Macau, ao abrigo do sistema indexado câmbio desta cidade. Acreditar no valor da pataca significa acreditar no valor do HK dólar e do dólar americano. A confiança é o valor mais importante de qualquer moeda. Quem não confia na moeda, prefere apostar noutros bens, como por exemplo imobiliária, ouro, jóias, etc. E agora há quem queira lançar uma campanha para retirar o dinheiro dos bancos, para criar de forma maliciosa tensões financeiras, caos e mesmo o pânico em Hong Kong. Este movimento tende a afectar directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro. Estas pessoas procuram lutar pelos seus objectivos destruindo Hong Kong. Contudo, ao destruirem Hong Kong, também vão afectar Macau. Tudo isto é totalmente desnecessário. Até ao momento, não há notícias de qualquer prejuízo causado em Macau. É sem dúvida algo de positivo. A série de incidentes, desencadeada em Hong Kong pela revisão da Lei de Extradição, não afectou, nem irá afectar Macau. Hong Kong tornou-se um centro financeiro a nível mundial devido aos esforços que desenvolveu ao longo de vários anos. Não é um objectivo que se possa atingir de um dia para o outro. O factor mais importante em qualquer sistema financeiro é a confiança que as pessoas nele depositam. Uma vez que essa confiança se perde, todos os sistemas financeiros colapsam. Se Hong Kong vier a ter problemas de ordem financeira e perder o seu estatuto de centro financeiro mundial, que mais valia lhe vai restar? Hong Kong não tem recursos naturais, as conquistas que alcançou foram obtidas com muito esforço, durante muitos anos. Os hongkongers alcançaram estas metas porque durante muito tempo possuiram espírito de inter-ajuda, encorajamento mutúo e, depois, colheram juntos os frutos do seu suor. Os hongkongers também preferem “navegar no mesmo barco”. Nos anos 70, acreditavam que quem trabalhasse com afinco, teria um futuro brilhante. Por isso, a partir dessa altura Hong Kong desenvolveu o espírito consagrado na canção “Under the Lion Rock”. A letra desta canção, interpretada pelo famoso cantor “Luo Wen”, já falecido, dizia o seguinte: “Evitem os conflitos e persigam juntos os vossos ideais Estamos no mesmo barco, jurámos não ter medo e permanecer unidos Deste lado do Cabo, demos as mãos e enfrentemos as intempéries, Trabalhamos com afinco e escrevemos a história da Imortal Hong Kong” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLazer ofensivo [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 6, a polícia de Hong Kong prendeu Fang Zhongxian, Presidente da Associação de Estudantes da Baptist University de Hong Kong. A detenção deveu-se alegadamente à posse de armas ofensivas, melhor dizendo, “armas laser”. Fang Zhongxian declarou que apenas disparava estas armas para observar o céu nocturno, foram compradas para lhe permitir “ver as estrelas.” Quando a notícia da prisão foi divulgada, um grande número de pessoas reuniu-se em frente à esquadra de Sham Shui, exigindo explicações. Um dos elementos do grupo dirigiu-se a um agente nos seguintes termos: “Gostaria de lhe perguntar quantas flashlights tem em sua casa? Tem pelo menos uma? Ter uma flashlight em casa é crime?” O agente replicou: “Não respondo a essa pergunta.” No cruzamento da Qinzhou Street com a Apex Street, Deng Yunan, o advogado da Baptist University of Hong Kong, dirigiu-se aos manifestantes, com estas palavras: “Por favor dispersem o mais rapidamente possível, especialmente os estudantes da Baptist University. O Presidente da Associação de estudantes está de momento hospitalizado, por isso não têm de ficar aqui. A polícia pode intervir e obrigar-vos a sair à força.” E realmente foi o que aconteceu, de manhã, a polícia acabou por actuar e lançar gás lacrimógeneo. Algumas pessoas foram presas. Posteriormente, Fang Zhongxian foi libertado. Será que as armas laser são armas ofensivas? A expressão “em posse de armas ofensivas” tem três elementos, “posse”, “armas” e “ofensivas”. Neste caso, não existem dúvidas quanto ao primeiro elemento “posse”, porque Fang Zhongxian tinha consigo dez armas laser quando foi detido pela polícia. O segundo elemento “armas”, significa literalmente um objecto que pode ser usado para atacar terceiros, bem como para defesa pessoal. Uma faca e um garfo não são, à partida, armas ofensivas. No entanto, se forem usados para atacar outras pessoas, serão considerados armas. O terceiro elemento, “ofensivas,” significa que têm capacidade para causar danos a terceiros, ferimentos ou mesmo a morte. Voltando ao exemplo acima citado, a faca e o garfo, utensílios usados para comer, podem ser considerados ofensivos se houver intenção de lhes dar esse uso. Desta forma, quando se apreende um objecto por ser considerado uma potencial arma ofensiva, não quer dizer que, à partida, seja esse o seu propósito. Mais tarde será verificado se existia intenção de o utilizar com fins agressivos. Um objecto é considerado arma ofensiva quando é potencialmente perigoso e é usado para atacar terceiros. Nas manifestações foram usadas armas laser para atear incêndios. Se for usada com este fim pode causar danos físicos e materiais. Nessas mesmas manifestações, alguns agentes da polícia foram feridos com armas laser. Por aqui se vê que estes objectos podem ser perigosos e utilizados como arma ofensiva, mas não se pode afirmar que a pessoa que possui uma arma laser tenha intenção de agredir, porque pode tê-la apenas para actividades de lazer. Mas, voltando ao exemplo acima citado, se um objecto tem várias finalidades, sendo que uma delas poderá ser a agressão, excluir todas as outras e fixarmo-nos apenas nos propósitos ofensivos, só terá impactos sociais negativos e servirá para fomentar a discórdia. Ao reflectirmos sobre esta questão, também devemos considerar a posição da polícia Hong Kong. Em várias, das recentes manifestações, houve efectivamente pessoas que usaram armas para agredir a polícia. Vários agentes ficaram feridos, sendo que a maior parte dos manifestantes eram jovens. Nestas circunstâncias, a prisão de Fang Zhongxian faz sentido. Do ponto de vista da manutenção da ordem e da segurança públicas, é razoável deter Fang Zhongxian e pedir-lhe que coopere em futuras investigações. No entanto, se acreditarmos que um objecto que serve para iluminar o céu e permitir ver as estrelas é uma arma ofensiva, será difícil convencermo-nos do contrário. David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA quimera do ouro [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 23, a Radio Television Hong Kong anunciou a reunião entre os representantes do New People’s Party e o Secretário das Finanças, Paul Chan. Na reunião foi discutido o próximo Orçamento e foram apresentadas propostas. Este partido sugeriu que todos os residentes permanentes de Hong Kong, com idade superior a 18 anos, deveriam passar a receber uma verba do Governo de HK$8.000. O New People’s Party acredita que a entrega desta verba trará mais benefícios do que o reembolso dos impostos. As pessoas ficarão felizes por receberem esta quantia. O New People’s Party propôs também a atribuição de um subsídio de maternidade no valor HK$20.000. Este montante ajudará a aliviar os encargos financeiros dos jovens casais e aumentará os rendimentos da população de Hong Kong. Esta distribuição de dinheiro pela população concretiza-se em Macau através da atribuição de cheques pecuniários. Este ano, os residentes permanentes receberam 10.000 patacas. Entre 2014 e 2018, recebiam 8.000 patacas anuais. O subsídio atribuído por cada recém-nascido, proposto pelo New People’s Party, é o subsídio de maternidade de Macau. Nesta cidade, ambos os pais podem solicitar o subsídio. O valor de cada contribuição é de 5.260 patacas. Se o pai e a a mãe se candidatarem, podem receber um total de 10.520 patacas. Em 2011, o Governo de Hong Kong implementou a atribuição anual de HK$6.000 aos residentes permanentes maiores de 18 anos. Este foi um período dourado, de grande crescimento económico. No entanto esta decisão sofreu alguma contestação. Algumas pessoas consideraram esta verba muito baixa e que faria pouca diferença na melhoria da qualidade de vida da população. A mina de ouro não estava a beneficiar toda a gente. Em 2018, o Governo de Hong Kong voltou a instituir o plano de pagamentos. Desta vez, foram distribuidos HK$4.000 per capita, através do sistema “Caring and Sharing Scheme.” Qualquer pessoa, com bilhete de identidade de Hong Kong e residência permanente na cidade, estava em condições de receber esta verba. Hongkongers com residência noutros locais e residentes não permanentes não tinham acesso a este benefício. Mas este plano de pagamentos foi também bastante criticado. Aqui, em Macau, não se conhece ninguém que pense que os cheques pecuniários são uma má medida. Talvez Hong Kong precise de se aproximar do modelo de Macau, onde, tanto os residentes permanentes como os não permanentes recebem verbas anuais. Talvez toda a gente fique satisfeita se receber uma fatia do bolo. É um facto indiscutível que, nos dias que correm, os Hongkongers precisam de algo que os façam sorrir. Recentemente a Faculdade de Medicina e a Universidade de Hong Kong levaram a cabo um estudo, não relacionado com os deploráveis incidentes violentos que tiveram lugar na cidade. Mais de 1.200 adultos foram entrevistados por telefone e cerca de 9.1% foram considerados vítimas de depressão. Além disso, no grupo etário acima dos 50 anos, esse valor aumentava. A cerca de 4.6% foram diagnosticadas ideias suicidas. Estes números indicam que 108 pessoas em 1.200, sofrem de depressão. Não há dúvida de que é uma percentagem muito alta. Durante os dois últimos meses, a comunidade de Hong Kong experienciou diversos incidentes relacionados com a contestação à revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga. Este estudo indica que muitas pessoas em Hong Kong sofrem de depressão, mas não provam que exista qualquer relação entre as duas situações. Em todo o caso, os números provam que a sociedade de Hong Kong tem de enfrentar esta doença. O sonho é um tratamento eficaz contra a depressão. Se o Governo de Hong Kong distribuir dinheiro por todos, no quadro do próximo Orçamento, pode fazer toda a gente sorrir e sonhar. Espero que este sorriso possa trazer uma nova esperança a todos os habitantes de Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesImposto digital [dropcap]A[/dropcap] última cimeira do G20 aprovou a implementação do imposto digital, para ser aplicado a empresas que fornecem serviços digitais (as DPC sigla em inglês). Das empresas deste ramo destacam-se o Facebook, o Google, a Apple e a Amazon, conhecidas em todo o mundo. No universo online, onde vivemos actualmente, as DPC vendem e-books, publicidade e colocam os seus motores de busca ao nosso dispor, para nos permitir procurar todo o tipo de informação. Os consumidores pagam estes serviços. Estes pagamentos geram os lucros das DPC. Sem um imposto digital não há forma de taxar as DPC e, ao contrário das empresas tradicionais, as DPC pagam impostos baixos. Quando na cimeira do G20 foi estabelecida a necessidade de cobrar o imposto digital, foram avançados dois princípios. O primeiro consistiu na regulação das taxas. Debateu-se se os impostos deveriam ser cobrados nos países onde os serviços são prestados ou nos locais onde as empresas estão sediadas. Mas, como as DPC não são empresas físicas, nem estão registadas num determinado país, estabeleceu-se que as taxas seriam cobradas pelos países onde os serviços são prestados. Serão, pois, os Governos dos países consumidores destes serviços a cobrar o imposto. Nestas questões a justiça fiscal é importante. Se os países não tiverem implementado o imposto digital, por mais dinheiro que as DPC ganhem, os governos não o podem cobrar. Para a economia desses países também é injusto que empresas que facturam milhões não contribuam com uma parte dos seus lucros. Em segundo lugar, a cimeira decidiu que se estabeleceria uma taxa mínima para esta contribuição fiscal. Este princípio é bom, mas encerra alguns problemas. A Irlanda e o Luxemburgo já têm imposto digital, cobrado a uma percentagem relativamente baixa. Para evitar pagar mais, as DPC têm-se estabelecido nos países que cobram taxas baixas. Nos países que cobram imposto mais alto, as DPC só têm fornecido os seus serviços. Se for criada uma percentagem global para o imposto digital, as vantagens que os países como a Irlanda e o Luxemburgo oferecem vão ser significativamente reduzidas; por isso estes países têm-se oposto à percentagem global. Se esta questão não for resolvida, vai ser difícil o G20 estabelecer uma regulamentação global até 2020. Singapura já tinha anunciado a implementação do registo de fornecedores estrangeiros para 2020. Neste regime DPCs com uma receita anual superior a 1 milhão de dólares, e uma facturação local superior a 100.000 dólares, deverá pagar este imposto. O Japão reviu os impostos ao consumo em 2015 e expandiu a taxação a empresas estrangeiras que vendam produtos digitais em solo japonês. Desde que a transacção ocorra no Japão, o fornecedor tem de pagar imposto ao Governo nipónico. A definição do local da transacção foi alterada de “localização do fornecedor do serviço” para “morada do consumidor do serviço”. Estamos, pois, perante a eclosão de um novo imposto global. De que forma deverão Hong Kong e Macau lidar com esta situação? Se Hong Kong continuar a manter o seu sistema fiscal, ou seja, omitindo o imposto digital, pode vir a atrair para o seu território muitas DPCs. Mas se isto se verificar, o Governo de Hong Kong vai perder uma fonte de rendimento fiscal. Actualmente, a maior parte dos dividendos do Governo de Hong Kong são obtidos através da venda de terras. É uma receita instável. Para além disso, existem poucos impostos em Hong Kong. Do ponto de vista dos cofres da cidade, seria uma boa decisão a implementação do imposto digital Saliente-se ainda que a comunidade internacional defende a criação deste imposto num futuro próximo e, para se manter alinhado com o resto do mundo, Hong Kong também o deveria implementar. A receita do Governo de Macau provém sobretudo dos casinos. Após a reunificação da China, os casinos são fonte de enormes lucros e a receita do Governo também tem vindo a subir. Para já, em Macau o imposto digital não parece ser uma prioridade. Outra vantagem possível da não implementação deste imposto é o encorajamento ao crescimento do comércio online na cidade. Pode vir a atrair DPCs estrangeiras para aqui se estabelecerem. De qualquer forma, continuemos a acompanhar os desenvolvimentos da implementação do imposto digital e depois tiraremos mais conclusões. Legal consultant of Macau Jazz Promotion Association Associate Professor, Macao Polytechnic Institute Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSomos campeões [dropcap]P[/dropcap]ara todos os estudantes do ensino secundário de Hong Kong o dia 10 de Julho é um marco importante, porque é nesse dia que são anunciados os resultados dos exames finais de curso, designados por HKDSE. Deste resultado depende o futuro dos estudantes. Os que passarem continuam rumo à Universidade, os que não passarem rumam em direcção ao mundo do trabalho. Dos exames deste ano destacaram-se 12 campeões. Os ditos campeões são alunos que ficam classificados em primeiro lugar em pelo menos sete disciplinas. Ao contrário dos anos anteriores, dois destes campeões não vieram das escolas tradicionalmente mais importantes. Esta mudança demonstra que os resultados dependem em muito do empenho dos estudantes. Quem trabalha com afinco tem necessariamente boas notas. Às escolas, aos colegas e aos pais cabe o papel de formação e encorajamento, o papel de apoio aos candidatos. Mas o mais importante é o esforço de cada um. Esperemos que esta mudança sirva para que os estudantes, que não frequentam as escolas mais afamadas, compreendam a importância do empenhamento pessoal. Esta é a grande verdade. O HKDSE é um exame público. Os enunciados são criados pela Autoridade de Examinação de Hong Kong. As grandes vantagens do exame público são a objectividade e a equidade. É muito difícil haver fugas dos conteúdos destes enunciados. Usar os mesmo critérios de avaliação para todos, faz com que a credibilidade dos exames seja bastante elevada. Em Macau, para acesso às quatro Universidades, existe apenas um exame conjunto. Futuramente o exame de acesso à universidade irá fundir-se com o exame final do secundário e terá a sua importância acrescida. Este ano, apresentaram-se 56.000 candidatos ao HKDSE. Nos anos 80, apenas existia o Exame de Certificação Educativa de Hong Kong (HKCEE – sigla em inglês). O exame actual, o HKDSE, ainda não tinha surgido. Todos os anos, cerca de 130.000 candidatos participavam no HKCEE. Nesta época, quando o candidato falhava o exame, tinha de repeti-lo no ano seguinte ou ingressar directamente no mundo do trabalho. Hoje em dia a situação é muito diferente. Actualmente, quando o estudante não tem resultados satisfatórios, embora não possa ingressar directamente na Universidade, tem a possibilidade de aceder a um programa de equivalências onde pode obter um bacharelato e futuramente uma formatura universitária. À medida que o tempo passa o sistema educativo muda. Quanto mais facilitado for o acesso às universidades, menos valor terão os cursos superiores. Nos anos 80 um curso superior dava acesso imediato a uma posição bem remunerada, os licenciados passavam a pertencer à classe média e construíam uma vida confortável. Podiam comprar casa, carro e criar uma família. Mas hoje em dia, quer seja em Macau ou em Hong Kong, quem é que pode atingir esse nível de vida quando acaba a Universidade? A popularização do ensino superior provocou a sua própria desvalorização e os estudantes deixaram de acreditar que o curso lhes vá proporcionar um bom futuro. Esta situação acaba por desencorajá-los e isso ressente-se nos estudos. Não se aplicam o suficiente porque não acreditam que o seu esforço vá verdadeiramente dar frutos e acabam por sair da Universidade mal preparados. Se uma geração com poucos conhecimentos vier a ocupar lugares de destaque, que tipo de sociedade nos espera? O principal objectivo da Universidade é a formação de pessoas especializadas de forma a permitir o bom funcionamento da sociedade no seu todo. A conjuntura social não pode ser controlada pela Universidade, mas os factores que a condicionam afectam directamente o desempenho académico dos estudantes. Se as condicionantes actuais se mantiverem, é pouco provável que o desempenho académico em termos globais melhore e, em última análise, a vítima da situação será a sociedade em geral. Cumprimentemos os campeões que obtiveram as melhores notas nos exames; no entanto, e ao mesmo tempo, devemos reflectir sobre os resultados académicos em termos globais. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesJurisdição além fronteiras [dropcap]A[/dropcap]pós o anúncio oficial da suspensão da revisão da lei dos condenados em fuga por parte da Chefe do Executivo, este processo chegou ao fim. Embora nos últimos dias ainda se tenham efectuado pequenas manifestações em Hong Kong, têm sido em geral demonstrações pacíficas. No entanto houve uma excepção, a invasão e vandalização do edifício do Conselho Legislativo. Na sociedade actual as pessoas têm a obrigação de se manifestar de forma pacífica, independentemente das causas que defendem. Ninguém pode apoiar manifestações que degeneram em motins e dão origem a violência física e a danos materiais. Uma sociedade evoluída permite que as pessoas manifestem as suas opiniões de forma pacífica e dá espaço para os diferentes pontos de vista. No entanto, não se pode aceitar o recurso à violência como forma de imposição das ideias de um determinado grupo de pessoas. É um comportamento que nos vemos forçados a condenar. Na sequência do ataque ao Parlamento, ficou a saber-se que o edifício não tinha seguro. Não se sabe se este lapso se deveu a uma recusa da companhia seguradora ou a um simples esquecimento por parte do Governo. Seja qual for o caso, este problema tem de ser resolvido. Claro que pôr trancas à porta depois da casa arrombada não é a melhor ideia e, neste caso, não sabemos que companhia seguradora irá estar interessada no negócio depois da vandalização do edíficio. Estamos sem dúvida perante um problema. Se não houver forma de fazer um seguro, será que podemos contar com uma alternativa? A questão central que desencadeou a vontade de rever a lei de extradição dos condenados em fuga foi o alegado crime perpetrado em Taiwan por um residente de Hong Kong. A revisão da lei foi suspensa. Não restam dúvidas que este suspeito vai beneficiar da suspensão revisão da lei. Já não vai ser julgado em Taiwan; significando que não irá responder pelas suas acções perante o Tribunal. No passado dia 28, o jornal Sing Tao Daily anunciou que Yang Yueqiao, deputado do Conselho Legislativo, escreveu à Chefe do Executivo manifestando vontade de ver aprovada a jurisdição extraterritorial do Tribunal de Hong Kong. Do ponto de vista legal, em princípio, um tribunal local só tem capacidade de julgar casos ocorridos no seu território; nas situações que se verificam fora de Hong Kong a legislação local não se aplica. As leis de Hong Kong não podem ser usadas como padrão em julgamentos de crimes praticados além fronteiras. No entanto, se for aplicada a jurisdição extraterritorial, as leis de Hong Kong podem passar a ser aplicadas a casos ocorridos fora do território. Desta forma o suspeito do homicídio de Taiwan poderia vir a ser julgado em Hong Kong. Mas esta possibilidade levanta dois problemas óbvios. Em primeiro lugar, estender a jurisdição local a um caso ocorrido além fronteiras é alargar o seu poder a território estrangeiro. Se as autoridades da outra região discordarem, que consequências poderão daí advir? Ou seja, se as autoridades de Taiwan não concordarem que o suspeito venha a ser julgado em Hong Kong e, por isso, não quiserem entregar as provas comprometedoras, o julgamento não se poderá efectuar. Em segundo lugar, o Governo de Hong Kon é um governo local. Estender a jurisdição da RAEHK a outras regiões está completamente para lá dos limites da Lei Básica da cidade. Sem o consentimento do Governo Central tal nunca será permitido. A possibilidade da jurisdição extraterritorial depende de vários factores, não parece fácil implementá-la para levar o suspeito do crime de Taiwan a comparecer perante a justiça. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDesvalorização da educação [dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira da semana passada os jornais de Hong Kong publicaram a notícia do suicídio de uma jovem universitária. No bilhete que deixou, apelava à manutenção da luta contra o projecto de lei de extradição dos condenados em fuga. Lembrava que os esforços empreendidos por dois milhões de pessoas não podiam ser desperdiçados. A notícia também adiantava que a jovem tinha rompido com o namorado. Durante o período de luta contra a lei de extradição já morreram duas pessoas. A primeira foi o homem que se suicidou em Admiralty e agora esta rapariga. Dois suicídios merecem alguma reflexão. Porque é que os jovens são actualmente tão frágeis? Porque é que encaram o suicídio como saída? É compreensível que o suicídio possa ser visto como uma forma de fugir dos problema, mas não os resolve de forma alguma. Os adultos devem enfrentar as dificuldades e lidar com elas com calma. O suicídio, para além de ser uma forma de fuga, provoca grande sofrimento aos familiares. Praticar suicídio por causa da lei de extradição provoca sofrimento à sociedade em geral. Se estes suicídios provocarem problemas sociais desnecessários, então serão ainda mais inaceitáveis. Muitas das pessoas envolvidas nas manifestações contra a lei de extradição são universitários e estudantes do secundário. Existirá um problema no sistema educativo que leve os estudantes a sair para a rua e defenderem as suas opiniões? Penso que a resposta a esta pergunta é muito complexa e não pode ser dada sucintamente. No entanto, uma coisa é certa. Hong Kong era relativamente pobre nos anos 60 e 70. Apenas uma percentagem mínima podia aceder ao ensino superior. Nos anos 80, Hong Kong começou a enriquecer. A pessoas compreenderam que a educação proporciona um futuro melhor. Por isso, nesta altura, houve uma corrida às Universidades, toda a gente queria ter um doutoramento. Pensavam que não teriam de se preocupar com o futuro nunca mais; a entrada na Universidade era um feito glorioso. Nos anos 90, viveu-se a febre do investimento. Imensa gente investiu dinheiro na Bolsa e em vários negócios. Além disso o Governo criou mais cursos superiores para compensar a saída de especialistas para o estrangeiro. Em comparação com os anos 70 e 80, a cotação do ensino superior começou a baixar. Além disso tinha deixado de ser necessário um grau universitário para ganhar dinheiro. Hoje em dia o preço das casas em Hong Kong e em Macau é altíssimo. Alguém que tenha acabado de se formar não consegue comprar um apartamento. A educação superior já não pode proporcionar um futuro radioso. Os jovens começam a desvalorizar o ensino universitário, e interrogam-se se vale a pena perder tempo a frequentar uma Faculdade. Trabalham apenas para a nota que garante passarem. Tudo o que vai para além disso é excessivo. Como não concentram as suas energias nos estudos, aplicam-nas noutras coisas. Coisas essas que podem ser, por exemplo, lutas sociais. Questões de ordem social geram naturalmente problemas sociais. A participação dos estudantes nas manifestações está intimamente ligada à sua atitude perante o estudo. Portanto, se não se ultrapassarem os problemas económicos e de qualidade de vida, será muito difícil Hong Kong voltar a ser uma sociedade harmoniosa e inclusiva. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLei de extradição continua na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, os últimos domingos foram assinalados por duas enormes manifestações contra a revisão da lei de extradição dos condenados em fuga. De acordo com os dados da organização, na primeira manifestação participou cerca de um milhão de pessoas e na segunda participaram cerca de dois milhões. Um dos manifestantes morreu em Admiralty ao cair de um edifício. Segundo os dados do Governo de Hong Kong o número de participantes foi muito inferior. De qualquer forma, esta questão não é muito relevante. A segunda manifestação, que começou às 14.40, congregou tantas pessoas que só se pôde ver o seu final pelas 23.00. A participação massiva nestas manifestações confirma que o Governo de Hong Kong tem um problema sério entre mãos. Em primeiro lugar, as manifestações revelam que os habitantes de Hong Kong estão muito preocupados com a revisão da lei e que querem suavizar as alterações. Em segundo lugar, o aperfeiçoamento em termos de organização que se verificou da primeira para a segunda manifestação, muitíssimo bem organizada, colocou o Governo da cidade perante um difícil dilema. Por um lado, os manifestantes tinham um objectivo muito bem definido e transmitiram as suas exigências de forma pacífica, sem necessidade de recorrer a qualquer tipo de violência. De certa forma obrigaram o Governo a aceitar os seus pontos de vista. O que se passou desta vez em Hong Kong, nada teve a ver com o que por vezes acontece noutros locais do globo, que degenera em tumultos incontroláveis. A forma pacífica das pessoas se manifestarem impediu a polícia de intervir. Efectivamente, nesta segunda demonstração, a polícia limitou-se a abrir caminho para os manifestantes passarem e a velar para que a ordem se mantivesse. Se de futuro os hong kongers passarem a demonstrar desta forma as suas insatisfações o Governo vai ficar numa posição difícil. Em terceiro lugar, a Chefe do Executivo de Hong Kong anunciou a suspensão da revisão da lei de extradição dos condenados em fuga e não a abolição da revisão. Estas palavras “suspensão” e “abolição” deram o mote para algumas pequenas manifestações, que se realizaram depois da segunda grande manifestação. A questão estava precisamente no facto de suspender ou abolir a revisão da lei. Claro que a suspensão implica o regresso do projecto de lei ao Conselho Legislativo, enquanto a abolição implica a morte imediata deste projecto. No entanto, algumas pessoas próximas dos círculos governamentais têm salientado que, se o Governo não tiver forma de lidar com as exigências deste número esmagador de manifestantes, será impossível reiniciar o processo de revisão da lei. Desta forma, a “suspensão” de Carrie Lam talvez venha a ser sinónimo de “abolição”. É evidente que no seio da sociedade de Hong Kong se encontram apoiantes da “suspensão” e da “abolição”. Mas independentemente das diferentes opiniões, o facto que salta à vista é que o Governo não está em posição de resolver esta disputa e que será melhor não levar para a frente a revisão da lei. No decurso das duas manifestações massivas as exigências dos habitantes de Hong Kong foram expressas de forma inequívoca e o Governo da cidade anunciou a “suspensão” da revisão. As pessoas devem reflectir sobre estes dois factos. Será que ainda é necessário continuarem as manifestações para exigir a “abolição” da revisão? Se continuarmos a escalpelizar este assunto que consequências podem daí advir? Rowan Tam, um antigo cantor de Hong Kong, tinha uma canção,”Under the Lion Rock”, que dizia mais ou menos o seguinte: “Navegamos no mesmo barco sob a Lion Rock, devemos ajudarmo-nos uns aos outros, esquecer as diferenças e procurar as semelhanças.” Quer sejamos a favor ou contra a revisão da lei de extradição, Hong Kong tem de seguir em frente, olhar para o futuro e deixar o passado para trás. Unamos esforços para que Hong Kong possa vir a ter um futuro brilhante. Este deverá ser o desejo de todos nós. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesExtradição na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong esta semana ficou marcada pelas manifestações de protesto contra a proposta de lei de extradição dos condenados em fuga. Na demonstração de 9 de Junho compareceram imensas pessoas. As autoridades adiantaram o número de 153.000 participantes, ao passo que o porta-voz da organização apontava para cerca de um milhão. Mas todos sabemos que estes cálculos nunca são precisos. Durante o desfile, o responsável pelo cálculo do número de participantes tira fotos, conta as pessoas que aparecem na foto e calcula a área que ocupam. Se continuar a fotografar a mesma área a intervalos regulares é possível fazer uma estimativa do número de pessoas presentes. Esta estimativa pode variar conforme a área escolhida. Mas, seja qual for o número apontado, estiveram presentes sem dúvida muitos milhares de pessoas nesta manifestação. No dia seguinte, segunda-feira, 10 de Junho, a TVB de Hong Kong entrevistou a Chefe do Executivo Carrie Lam. No decurso da entrevista, Lam deixou bastante clara a sua posição sobre o assunto. Em primeiro lugar, admitiu que esta proposta de lei toca questões muito controversas. Estas declarações foram úteis, mas as dúvidas não ficaram eliminadas. Mas Lam também assinalou que, se a oportunidade de rever a lei não for agora aproveitada, não se saberá quando o poderá vir a ser. Além disso resta a dúvida se a próxima proposta de revisão da lei vai ser bem-sucedida. Carrie Lam foi peremptória. Acredita que não vai ser. Por estas declarações podemos deduzir que, se duvidamos que a nova proposta de lei venha a ser bem aceite, então mais vale lidar com o assunto agora do que adiar a sua resolução. Ainda a entrevista não tinha sido transmitida, quando se deu um motim em Hong Kong. A multidão ocupou as principais vias rápidas da cidade causando o congestionamento do tráfego. Depois da intervenção da polícia a situação começou a normalizar. As manifestações e marchas realizadas na quarta-feira em Admiralty provocaram ferimentos em manifestantes e em agentes da autoridade. Mas na quinta-feira a situação agravou-se. Os organizadores convocaram as pessoas para as estações de Metro. Multidões precipitaram-se para as entradas do Metro durante a hora de ponta e os comboios não puderam circular normalmemte. O caos instalou-se. As pessoas que queriam chegar ao trabalho a horas não conseguiram. É inquestionável que este método acabou por envolver nos protestos pessoas que não tinham qualquer intenção de se manifestar contra a proposta de lei de extradição. Se as manifestações são uma forma de expressar a opinião pública, a participação forçada é o seu oposto e, portanto, é uma forma de privar as pessoas dos seus direitos. É absolutamente incorrecto. Como é que podemos considerar pacífica uma manifestação que recorre ao uso de uma série de métodos para impedir o Metro de circular? A legalização das manifestações é um dos valores fundamentais de Hong Kong, bem como permitir que as pessoas expressem os seus desejos e aspirações. Mas é fundamental que não envolvam violência e que pessoas com outros pontos de vista se não vejam envolvidas à força numa luta que não lhes diz respeito. No sábado, 15 de Junho, Lin declarou suspensa a discussão da proposta de lei de extradição. O Governo estava já preparado para submeter a proposta à discusão no Conselho Legislativo. Em teoria, depois da transmissão da entrevista com Carrie Lam, os ânimos deveriam ter acalmado, mas tal não aconteceu. Durante a tarde, um homem morreu em Admiralty. Manifestações de pesar e de indignção espalharam-se rapidamente através da internet. Este incidente vai marcar o tom da manifestação de domingo, 16 de Junho. A avaliar pelos noticiários esta manifestação ainda vai ser maior do que a do domingo anterior. Embora no momento em que este artigo foi escrito ainda não houvesse cálculos, nem da parte do Governo nem da dos organizadores, tudo aponta que efectivamente o número de participantes aumentará. Mas, de qualquer forma, ainda vai ser necessário esperar pela contagem oficial. Às 19.30 de sábado, 16, os manifestantes voltaram a ocupar as vias rápidas de Central e de Sheung Wan, pelo que o trânsito ficou completamente congestionado. Mas, estranhamente, no momento em que escrevo, os condutores fizeram seguir os veículos e começaram a desimpedir as vias. É preciso continuar a acompanhar o desenrolar da situação. Felizmente hoje ninguém ficou ferido, porque todos amamos a paz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPublicidade enganosa [dropcap]N[/dropcap]o dia 2 deste mês o jornal de Hong Kong Sing Tao Daily publicou uma notícia sobre a jovem Miss Wong, proveniente de Hong Kong e estudante no Reino Unido. Miss Wong levantou um processo num tribunal londrino contra a Universidade Angelia Ruskin. O artigo não adiantava os motivos de forma muita clara, limitando-se a mencionar “publicidade falsa aos serviços”. Miss Wong inscreveu-se nesta Universidade em 2011, para fazer uma pós-graduação em administração internacional, um curso com duração de dois anos. A jovem escolheu a Angelia Ruskin devido ao panfleto promocional que garantia “Formação de Alta Qualidade” e “Boas Perspectivas de Emprego”. Estas indicações impressionaram favoravelmente Miss Wong. Mas depois do início do ano lectivo ficou decepcionada. As aulas começavam com atraso e terminavam antes da hora. Os estudantes eram incentivados ao “auto-didactismo”. Por tudo isto, a queixosa acusou a Universidade de fraude, na medida em que estava longe de garantir a “Formação de Alta Qualidade” anunciada no prospecto. Mesmo assim, terminou a formação em 2013 certa de que tinha assegurado o início de uma sólida carreira profissional. Mas sempre que se candidatava a um emprego era rejeitada. O diploma não era reconhecido no mundo do trabalho. Portanto, para Miss Wong, o curso não assegurava formação de qualidade nem garantia perspectivas de emprego e, como tal, considerou que o prospecto publicitário era enganador. Após negociação entre as partes, a Universidade indeminizou a queixosa com o montante de 61.000 libras. Deste valor, 46.000 libras eram destinadas a custas processuais. O sistema legal britânico é diferente do de Macau. A parte que perde o processo arca com as custas da outra parte. A principal despesa deste bolo são os honorários do advogado, que neste caso foram pagos pela parte acusada. Em entrevista ao jornal Sunday Telegraph, Miss Wong afirmou sentir-se satisfeita com o resultado do julgamento. Disse ainda estar convencida que de futuro a Universidade iria ter mais cuidado com o que escrevia nos prospectos promocionais. Promessas irrealizáveis não devem estar impressas em panfletos informativos. Embora este caso não envolva uma notícia de monta, para nós, não deixa de ser motivo de reflexão. Como sabemos, actualmente existem nove Universidades em Macau. Devido à implementação da Lei do Ensino Superior, estamos a entrar numa nova era da educação. Quase todas as Universidades têm de estar certificadas. A certificação atesta o grau de qualidade de cada uma delas. Desta forma, as Universidades devem poder garantir até certo ponto o seu nível de ensino. No entanto, Miss Wong processou a Universidade por incumprimento das promessas feitas aos estudantes no programa promocional. Segundo a notícia, a queixosa baseou o seu processo na falsidade do prospecto. Se tinha ou não tinha razão, é uma questão que fica em aberto. Mas uma coisa é certa, segundo a lei do Reino Unido, a partir do momento em que os estudantes pagam as propinas e ingressam na Universidade, estes prospectos fazem parte do contrato entre as partes. A Universidade é responsável por honrar os termos do contrato. Se não o fizer, entra em incumprimento e os estudantes podem processá-la. Embora a situação em Macau seja significativamente diferente da do Reino Unido, o prospecto é considerado um documento oficial na admissão à Universidade. Se existirem diferenças consideráveis entre o programa apresentado e a experiência que os estudantes vivem posteriormente, existirão naturalmente motivos de descontentamento. Consequentemente, as Universidades terão de ter muito cuidado com a forma com que redigem estes panfletos. Se as promessas se cumprirem todos ficam satisfeitos, mas se não se cumprirem os problemas hão-de surgir. Este caso acaba por ser um alerta para todas as Universidades, lembrando que devem ser cuidadosas na forma de divulgar os seus programas e responsáveis pelas expectativas que criam aos estudantes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPortas do Cerco em estado de sítio [dropcap]N[/dropcap]os últimos dias, devido às obras de manutenção e reparação das escadas rolantes, as pessoas que viajavam de Zhuhai e Macau acumularam-se no corredor das partidas das Portas do Cerco. Dia 22 deste mês, a Polícia de Segurança Pública, o Gabinete das Forças de Segurança e o Gabinete de Transportes deram uma conferência de imprensa conjunta para apresentarem o plano de emergência para lidar com a situação. As medidas incluem a abertura de 13 guichets do controlo alfandegário, para que sejam evacuadas 12.000 pessoas num espaço de quatro horas. Na medida em que a entrada do edifício de controlo de fronteiras é estreita e as escadas rolantes estão em manutenção, o risco de acidentes aumenta com a enorme concentração de pessoas. É portanto urgente fazer sair esta multidão. Após a implementação das medidas, as pessoas só esperam cerca de 10 minutos até entrarem no edíficio da alfândega. Espera-se que abram mais dois guichets durante o fim de semana, passando assim de 13 para 15. O Gabinete de Transportes pediu às companhias transportadoras que os autocarros mudassem de rota, para que os passageiros pudessem sair junto aos portões de embarque. Os autocarros que fazem a volta dos hotéis foram reduzidos para um terço e os passageiros são encorajados a entrar e sair de Macau pela Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. A substituição das escadas rolantes do edifício da alfândega das Portas do Cerco causou a concentração de uma multidão, e demonstrou a capacidade de infraestrutura pública de Macau para dar resposta a incidentes. O projecto de manutenção das escadas rolantes surgiu no princípio de 2018, mas o público só foi informado no dia anterior ao início das obras. Muitos dos residentes e turistas só se aperceberam da situação quando chegaram às Portas do Cerco. Esta situação sugere que as autoridades deverão fazer um esforço para publicitar este tipo de ocorrências com maior antecedência e que haja um controlo mais apertado das entradas e saídas em Macau. Fora isso, seria possível que o Governo providenciasse no sentido de serem utilizados outros postos de controlo alfândegário, para libertar a pressão das instalações das Portas do Cerco? Como o tempo de espera para entrar e sair de Macau está a aumentar, é possível que venha a ser necessário criar condições especiais para idosos, crianças, grávidas e pessoas com incapacidades, para evitar qualquer mal estar causado pelas altas temperaturas que se fazem sentir no Verão. Mas, pior do que isso, é a possibilidade de transmissão viral, frequente em locais super-lotados. Se uma pessoa estiver doente, facilmente muitas outras serão contagiadas e todos sabemos que se há vírus inofensivos, há infelizmente outros muito perigosos. Também é necessário alertar a população para o uso de máscaras. A presença de médicos no local e o controlo sanitário poderão ser ainda questões a considerar. As obras de manutenção e reparação das escadas rolantes do átrio das Partidas do edifício alfandegário das Portas do Cerco irão demorar cerca de 60 dias. O público irá sentir os seus transtornos por igual período. As escadas estão montadas paralelamente, em grupos de três. Devido às restrições de espaço, é possível que passem para grupos de duas, diminuindo grandemente a capacidade de transporte. Há uns tempos atrás estas escadas causaram muitos acidentes. Alguns turistas do continente forçavam manualmente a paragem das escadas e as pessoas que iam mais abaixo, como não conseguiam aguentar o impacto, perdiam o equilíbrio e caíam, fazendo cair também os que estavam atrás deles. Este foi um dos motivos que levou a separar as escadas em várias secções, de forma a diminuir os danos dos possíveis acidentes. Este aspecto deve de ser considerado na actual remodelação. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireitos dos Animais (II) [dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre duas das alterações à lei de protecção dos animais em Hong Kong. A primeira, reflecte-se na seccção 56 da Lei do Tráfego Rodoviário e prevê que, quem atropele um animal tem de parar, prestar auxílio e notificar a polícia num espaço de 24 horas. A segunda, estipula que os donos são responsáveis pelos seus animais, sendo sua obrigação cuidar e atender às suas necessidades. Esta obrigação constitui o “dever de cuidar”. Na sequência desta alteração, os tribunais podem privar uma pessoa do direito de possuir um animal para sempre, se este dever for seriamente violado A Lei de protecção dos animais de Macau não estipula esta condição, mas o parágrafo 1 do artigo 28 enuncia: Artigo 28.º Penas acessórias 1. A quem for condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 25.º e 26.º podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias: 1) Declaração de perda a favor do IACM do animal do infractor; 2) Proibição de aquisição e criação de animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos; 3) Proibição do exercício de actividades que impliquem o contacto efectivo com animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos; Como vemos, este artigo estipula que quem violar a lei será privado do seu animal, o qual será entregue ao cuidado do IACM. Isto implica que os animais sujeitos a maus tratos serão imediatamente resgatados. Embora aqui se preveja que quem infligir maus tratos a animais seja proibido de os ter por um período de um a três anos, não é uma interdição para toda a vida, conforme enuncia a emenda à legislação de Hong Kong. As leis da Região Administrativa Especial de Macau foram buscar o modelo da legislação portuguesa. Segundo o Código Penal português, a pena máxima é de 25 anos. Não existe prisão perpétua. Transpondo este princípio para a lei de protecção dos direitos dos animais, faz sentido que não se proíba ninguém de ter um animal para o resto da vida. Uma das antigas propostas de alteração a esta lei previa a criação de um corpo policial dedicado em exclusivo à protecção animal. Mas a polícia opôs-se argumentando a falta de efectivos. Sem intervenção policial, existirão inevitavelmente bloqueios à implementação da lei, especialmente quando os donos se recusam a colaborar, ou resistem violentamente, os responsáveis ficam incapacitados de agir. Outra crítica às emendas da lei de Hong Kong prende-se com a falta de uniformização, o que deu origem a dificuldades na compreensão e confusões. Também dificulta o trabalho dos departamentos responsáveis ao tentarem aplicar a lei correctamente. Conforme já foi referido, a legislação de protecção animal em Hong Kong, inicialmente, apenas se destinava a preservar a segurança e a sáude públicas. Actualmente foi alargada aos conceitos de direitos e bem-estar animal. Direitos e bem-estar animal e saúde e segurança públicas são dois binários conceptuais distintos. Misturar conceitos gera confusão, daí que as críticas pareçam ser compreensíveis. Em oposição, a legislação de protecção animal de Macau é basicamente um conjunto de quatro regulamentos, a Lei No. 4/2016, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 335/2016 que – Determina a proibição da aquisição, criação, reprodução ou importação das raças de cães e animais, o Regulamento Administrativo n.º 28/2004 que – Aprova o Regulamento Geral dos Espaços Públicos e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 106/2005 que – Aprova o Catálogo das Infracções a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, alínea 2, do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. Como Macau tem basicamente nesta matéria este conjunto de leis e Despachos, e a legislação sobre protecção animal remonta a 2016, pode afirmar-se que é uma lei recente. Além disso podemos classificar a legislação de Macau como “simples e clara” . No Génesis, é dito que Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. E Deus ordenou ” Ao homem é dado domínio sobre todas as coisas e ele recebe mandamento de se multiplicar e de encher a Terra.” Embora nem todos acreditem na Bíblia, o princípio sagrado de usar a lei para proteger os direitos dos animais e a promoção do seu bem estar, faz parte de uma sociedade saudável e evoluída. O primeiro passo para que este objectivo seja cumprido é compreender que os animais não são brinquedos, nem podem servir para descarregar frustrações; se assim não for, o agressor despe-se do sentido de moralidade que todo o ser humano deve possuir e será altamente provável que a lei de protecção animal venha a ser violada. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireitos dos animais (I) [dropcap]S[/dropcap]oube-se há cerca de duas semanas que o Governo de Hong Kong está a preparar uma revisão da legislação sobre protecção aos animais, nomeadamente para combater comportamentos cruéis. Em Macau, a Lei de Protecção dos Animais é relativamente recente. Esta é uma boa oportunidade para analisarmos a legislação das duas cidades e vermos o que cada uma delas pode aprender com a outra. Em Hong Kong, a “Lei de combate à Raiva” e os “Regulamentos sobre Animais Perigosos” destinam-se a promover a vacinação dos cães e o uso de trela em locais públicos, de forma a evitar que alguém possa ser mordido. O principal objectivo destas leis é garantir que os animais não constituam uma ameaça para a saúde nem para a segurança do público. A salvaguarda dos direitos dos animais não tem sido até agora uma preocupação. A protecção dos direitos dos animais centrou-se na legislação contra a crueldade. Exemplo disso é a Lei para a Prevenção da Crueldade para com os Animais, publicada em 1935 e elaborada de acordo com o Acto 1911 de Protecção dos Animais, britânico. Esta lei estipula que o tratamento cruel ou negligente, que causa sofrimento desnecessário, é ilegal e pode ser punido com uma multa até $200.000 e pena de prisão até três anos. Mas, desta vez, o Governo de Hong anunciou que irá introduzir alterações à lei. A primeira irá incidir na secção 56 da Legislação de Circulação Rodoviária. A alteração exige que o condutor que atropele cavalos, vacas, burros, ovelhas, porcos (excepto javalis), cabras, cães ou gatos, deve parar de imediato e comunicar o acidente à polícia num espaço de 24 horas. Se estas medidas forem tomadas, a hipótese de sobrevivência do animal atropelado aumenta significativamente. Por seu lado, o Parágrafo 1 do artigo 3 do MAPL estipula: Maus tratos a animais 1. É proibido o tratamento de animais por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que lhes inflijam dor e sofrimento. Embora o artigo condene a crueldade, a violência e a tortura não específica o que considera como tal. Por exemplo, o atropelamento e abandono de um animal pode ser considerado cruel, violento ou uma forma de tortura? Haverá necessidade que a lei seja mais específica e se venha a debruçar sobre a intencionalidade ou a não intencionalidade nestas circunstâncias? É considerado como crueldade, violência ou tortura, embora não só, pontapear, bater e provocar ferimentos ou mutilações. O Artigo 25 do MAPL estipula: Artigo 25.º Crime de crueldade contra animais Quem, com a intenção de infligir dor e sofrimento a animal, o tratar por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que resultem em mutilações graves, perda de órgãos importantes ou morte, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias. Embora a lei não enumere os comportamentos específicos que provocam estas consequências, condena todos os actos que as provoquem. Claro que enumerar comportamentos específicos seria exaustivo. Na sociedade actual, os meios pelos quais a violência, a crueldade e a tortura se exercem são inumeráveis. Embora a lei actual contemple um vasto leque de comportamentos, não quer dizer que esteja preparada para lidar com novos comportamentos crúeis, violentos e perversos que possam surgir no futuro. Os animais não falam e, como tal, não se podem queixar. Por isso, a lei tem de definir muito bem o que são actos de crueldade, violência e tortura, para que possam ser convenientemente punidos. É possível implementar a protecção dos direitos dos animais. Hoje em dia, nos países dos continentes europeu e americano a legislação de protecção animal já não se limita a condenar os maus tratos e a negligência. A lei estipula o “dever de cuidar” para proteger os direitos dos animais. É disso exemplo o Acto 2006 de Bem-Estar Animal, que foi acrescentado à legislação do Reino Unido em 2006. O “Dever de Cuidar” estipula que os donos têm de dar garantias de possuir os meios necessários para prover às necessidades básicas dos animais ao seu cuidado; além disso garante que os agentes das autoridades possam intervir sempre que um animal é encontrado em situação deficitária, como forma de prevenir tragédias futuras. É precisamente neste ponto que irá incidir a alteração à lei de protecção aos animais em Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInvestigação genética sujeita a novas regras [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 20, a Hong Kong TV anunciou que a China continental vai rever o Código Civil. As reformas jurídicas vão ter efeito em múltiplas áreas, nomeadamente na proibição do uso de tecnologia informática para fins que violem a privacidade dos cidadãos. Os órgãos estatais, e os seus funcionários, têm plena consciência da importância da salvaguarda da informação pessoal. Estão obrigados a manter a confidencialidade dos dados, não podendo em circunstância alguma, facultá-los indevidamente a terceiros. As reformas também se farão sentir nas áreas científica, académica e clínica, particularmente no que respeita à regulação dos procedimentos de manipulação de genes e embriões humanos. Estes procedimentos têm de obedecer à lei, aos regulamentos administrativos, não podendo nunca pôr em risco a saúde humana, nem violar princípios morais. Esta emenda específica do Código Civil teve obviamente em consideração a experência levada a cabo pelo Professor He Jiankui, em 2018. Ao criar uma transformação do genoma nos embriões de duas gémeas, o Professor imunizou-as contra o HIV. É consensual encarar a investigação de He Jiankui como um enorme avanço científico, mas ela constitui também uma violação clara das regras éticas e legais A transformação do genoma é uma caixa de Pandora que, uma vez aberta, pode libertar pesadelos imprevísiveis. Alterar o genoma pode agravar desigualdades entre os seres humanos e o agravamento de desigualdades pode gerar conflitos. A manipulação do genoma constitui uma clara violação da ética humana e, por isso, é totalmente pertinente a regulamentação desta área. A criação de mais leis e regulamentos é indispensável. Em primeiro lugar temos a investigação, depois as questões morais que levanta e finalmente a lei que a governa. Existem muitas questões nesta área na sociedade actual. A lei não pode limitar-se a regular os estudos genéticos. No último artigo, analisámos o caso de Jan Karbaat, o medico holandês, director do departamento reprodutivo de um Hospital estatal, que trocou o esperma dos dadores autorizados pelo seu, sem o consentimento das receptoras. Calcula-se que tenham sido geradas 60 pessoas com o material genético do médico. Organizadas em grupo, estas pessoas processaram-no, exigindo que fossem recolhidas amostras do seu ADN para comprovar a paternidade . A manipulação genética e a fertilização assistida representam, sem dúvida, enormes progressos científicos, mas, sem uma regulação com base na ética, podem ter resultados desastrosos e, sobretudo, imprevisíveis. É importantíssimo que a sociedade, através dos seus mecanismos jurídicos, supervisione e controle estes processos. A bem da igualdade de oportunidades e do bem estar social. A manipulação genética ilegal e a utilização não autorizada de esperma na fertilização assistida, são crimes aos olhos da lei. Pela sua natureza complexa, podem não ser facilmente identificáveis pelo homem comum. A sociedade tem obrigação de legislar e de punir os actos ilegais. Em conformidade, são necessárias mais leis para regularem os actos médicos. À semelhança da legislação que regula os crimes informáticos, as leis que regem os actos médicos serão independentes das leis tradicionais, terão de tomar em linha de conta todo o conjunto de incidentes que possam ter origem em actos médicos, de forma a governar de forma justa esta situação específica. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDoutor estranho amor [dropcap]N[/dropcap]o dia 16 deste mês, a TVB de Hong Kong passou uma estranha notícia. Um médico holandês, o Dr. Jan Karbaat, antigo director do departamento de medicina reprodutiva do Zuider Hospital, terá usado, ao longo de quinze anos, o seu sémen para fertilizar óvulos de pacientes. Não se sabe ao certo quantos bebés terão sido gerados desta forma. O Dr. Karbaat faleceu em 2017. A Direcção do Zuider Hospital veio a apurar que, entre 1973 e 1978, um total de 659 mulheres foram admitidas para serem submetidas ao processo de inseminação artificial, do qual resultaram 338 bebés. Se são, ou não, todos filhos do Dr. Karbaat, só a investigação em curso poderá dizer. Depois de deixar este Hospital em 1979, o médico abriu uma clínica reprodutiva, que viria a ser encerrada em 2009, devido a problemas administrativos. Profissionais da área afirmaram que este incidente só foi revelado muitos anos depois, porque antigamente a identidade do doador permanecia secreta, sendo apenas do conhecimento do pessoal clínico. Mas a legislação holandesa mudou em 2004 e a identidade dos doadores passou a ser pública. O médico foi acusado de usar o seu esperma para fertilizar pacientes, sem o conhecimento das interessadas. Existem suspeitas que tenham sido geradas mais de 60 crianças desta forma. Um dos membros e porta-voz, do auto-apelidado grupo “Filhos de Jan”, que se parece incrivelmente com o médico, solicitou ao Tribunal autorização para recolher uma amostra genética de Jan Karbaat, para comparar com o ADN dos membros do grupo. Após deferição do pedido, deu-se início a um longo processo de identificação. No seguimento destas investigações Joey, um dos filhos do médico, afirmou: “Depois de 11 anos de investigações, posso finalmente pôr um ponto final no assunto. Posso seguir em frente. Sinto-me feliz por ter identificado as minhas origens.” Tim Bueters, o advogado que representou os 49 filhos do médico, também se declarou satisfeito, por terem acabado as incertezas e os interessados terem tido, finalmente, acesso à verdade. Embora ainda não se saiba ao certo que acusação o Estado Holandês irá formular para estes crimes, pelo quadro apresentado, existem alguns pontos dignos de nota: 1. A lei holandesa estipula que uma pessoa só pode doar esperma por 6 vezes, no máximo, e que o número de mulheres que engravidam com esse esperma não pode ultrapassar as 25. O médico violou claramente estes limites. 2. As crianças nascidas por este método têm direito de saber quem é o seu pai biológico? Esta é uma questão legal, mas também moral, que dependerá da vontade do doador para se identificar. Será que as crianças merecem passar por isto? É claro que é um assunto que pode necessitar de privacidade. Mas se a identidade do doador for revelada, é natural que se pense na posição das mães, o que nos remete para outra área de privacidade. 3. Sem o consentimento das mães, e dos seus parceiros, o médico usou o seu próprio esperma, trocando-o pelo dos doadores “credenciados”. Pode este acto ser considerado uma violação da vontade dos receptores? Além disso, se o casal em causa tivesse conhecimento do sucedido durante a gestação, teria direito a recorrer ao aborto? A questão é complexa, não pode ser facilmente formulada. 1. Na Holanda, antes de 2004, as pessoas geradas com esperma de doadores não tinham direito de saber a identidade do progenitor biológico. Mas, depois de 2004, a situação mudou. No contexto actual, os seus “descendentes” tiveram possibilidade de reclamar a identidade do pai biológico . Jan Karbaat morreu em 2017 e deixou um legado. Naturalmente, os seus filhos têm direito a reclamar a herança. Esta situação é naturalmente desfavorável para a viúva e para os filhos do casamento. Se se confirmarem os 60 filhos, por via da inseminação artificial, então, cada um deles, terá direito a uma fatia – pequena – da herança do médico. Este é, de uma certa forma, um caso pioneiro. Sem a legislação adequada, teremos de pensar como se irá resolver o assunto e lidar com as lacunas da lei. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesEstacionamento inteligente [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 25 de Março, o Departmento de Transportes do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Municipal do Distrito de Sham Shui, para a construção de um parque de estacionamento inteligente, em Sham Shui Po. A área destinada ao parque tem cerca de 3.400 metros quadrados. As instalações terão a forma de uma espiral e os espaços de estacionamentos vão ser circulares. O estacionamento será inteiramente controlado por um sistema informático automatizado que incluirá uma rede de “paletes automáticas”. Este design permite maior facilidade e rapidez de estacionamento. No rés do chão do complexo prevê-se a construção de jardins, parques infantis e ginásios. Dia 7 deste mês, a Autoridade de Renovação Urbana de Hong Kong fez novas propostas para a construção do primeiro parque inteligente de Hong Kong, administrado por um sistema de estacionamento informatizado, responsável pelo controle das “paletes automáticas”. As paletes automáticas efectuam o estacionamento dos veículos. Primeiro o condutor pára o carro à entrada do parque e depois faz o seu registo no sistema. Quando este processo está concluído, a palete automática vai buscar o carro, introduzindo-se na parte de baixo do veículo e depois eleva-o para proceder ao transporte. O espaço de estacionamento é detectado automáticamente, bem como a trajectória até ao local. Este mecanismo de transporte está equipado com um sensor que lhe permite desviar-se dos obstáculos e evitar colisões. A Autoridade de Renovação Urbana alertou para o facto de não existir qualquer tipo de legislação que regule este sistema automatizado. Esta falha vai criar algumas dificuldades à aprovação do projecto por parte do Governo de Hong Kong. O conceito de parques de estacionamento inteligentes foi importado de Singapura. De forma a evitar o congestionamento do tráfego e as emissões de dióxido de carbono, Singapura tem encorajado o uso de bicicletas. Mas, tal como os carros, as bicicletas também necessitam de locais para estacionar. Se forem deixadas na rua, podem bloquear a circulação e, além disso, podem ser roubadas. Por causa disso, o Governo de Singapura criou um parque inteligente para estacionar bicicletas, com capacidade para albergar 500 unidades. Antes de entrar, o utilizador tem de se registar no sistema informático do parque, recebendo de seguida a password que lhe permite estacionar a bicicleta. O processo de estacionamente automático leva menos de um minuto a efectuar-se. Este sistema de estacionamento inteligente foi inventado no Japão, onde está em funcionamento já há algum tempo. É pois expectável que o novo parque de Hong Kong venha a funcionar às mil maravilhas. E que lições pode tirar Macau desta experiência? A 17 de Maio de 2018, o Governo da RAEM publicou a “Estratégia para o desenvolvimento da cidade inteligente de Macau e a construção nas áreas principais – Consulta Pública” . As plataformas automáticas de Singapura podem vir a ser tomadas em linha de conta para a implementação deste projecto em Macau. Macau tem imensos habitantes e, desde há muito tempo, que se sente a falta de parques de estacionamento na cidade. À noite, sobretudo, vêem-se bastantes carros estacionados na estrada. Este estacionamento desordenado provoca o caos, dificultando a circulação de veículos e de peões. Todos sabemos que durante a passagem dos super tufões Hato e Mangkhut em Macau, em 2017 e em 2018, muitos carros estacionados em parques subterrâneos ficaram literalmente desfeitos, devido às cheias. É urgente construir na cidade mais parques de estacionamento, em estruturas acima do solo. Quer do ponto de vista da vida do dia a dia, quer do ponto de vista do desenvolvimento urbano, os parques inteligentes são indispensáveis. Para estabelecer uma rede de parques inteligentes, são necessárias leis que os regulamentem. Embora exista em Macau muita legislação rodoviária, não existem leis que tenham em consideração as questões levantadas pelos parques inteligentes. Por isso, se quisermos construir parques inteligentes, temos de criar a respectiva legislação e agir antecipadamente. David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCrimes, escapadelas e computadores (III) [dropcap]H[/dropcap]á algumas semanas atrás, falámos sobre um caso ocorrido numa escola primária. Quatro professores divulgaram as perguntas dos exames e foram acusados de “aceder a computadores com intuitos desonestos”, ao abrigo da secção 161(1)(c) da Lei Criminal, de Hong Kong. Esta secção aplica-se a crimes informáticos. Este caso ficou famoso em Hong Kong e foi inicialmente julgado no Tribunal de Magistrados, posteriormente no Tribunal de Primeira Instância e finalmente no Tribunal de Recurso. A sentença desta última instância foi publicada no dia 4 deste mês. O julgamento durou, na totalidade, cinco anos. Da sentença publicada, destacam-se cinco pontos dignos de análise: Em primeiro lugar, fica bem claro que uma pessoa que cometa um crime abrangido pela secção 161 (1) (c) terá de usar o computador de outrém para satisfazer o pedido “irregular”. Se aplicarmos este princípio legal, a secção 161 (1) (c) não cobrirá situações em que o faltoso usa o seu próprio computador para actos fraudulentos a pedido de terceiros; ou no caso de usar o seu próprio computador para defraudar outras pessoas. Nestes casos, é problemático para o Governo da RAEHK acusar os responsáveis das infracções. Possivelmente, o Governo terá de analisar caso a caso antes de tomar uma decisão. Podemos apenas afirmar que não existe uma norma que regule todas estas situações. Em segundo lugar, na sentença nunca é dito que o smartphone é considerado um computador. Como o Tribunal de Recurso não se pronuncia sobre esta matéria, prevalece o parecer do Tribunal de Primeira Instância; ou seja, os smartphones são vistos como computadores. Relacionando o primeiro e o segundo pontos, não é difícil de concluir que o Governo da RAEHK será levado a legislar de forma a cobrir delitos que ainda não estão abrangidos por leis específicas. Um outro exemplo é o caso das fotos que são tiradas de forma a revelar o que as saias cobrem (muitas vezes sem o consentimento da mulher em questão). Ao abrigo da lei actual, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não existe crime. Se não houver uma nova legislação, o fotógrafo pode continuar a cometer este delito sem qualquer punição. No caso de o Governo da RAEHK promulgar uma nova legislação, esta deverá conter, pelo menos, dois elementos: 1. Fotografar partes intímas deverá ser considerado crime, mesmo que ocorra num espaço privado. 2. A nova lei deve estipular que o smartphone é um computador, ou em que circunstância o smartphone pode ser considerado uma ferramenta criminosa, que permita ao fotógrafo registar, à socapa, imagens de zonas intímas. Este elemento é fundamental, porque estas fotos são sempre tiradas com telemóveis e nunca com computadores. Em terceiro lugar, a secretária da Justiça propôs que a secção 161 (1) (c) se aplique a estas situações a bem das boas práticas públicas. Como já foi mencionado, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não é possível formular acusação. O Tribunal de Recurso não leva estes argumentos em consideração e afirma que a função do Tribunal é interpretar a lei e tomar decisões baseadas nessa interpretação. As boas práticas públicas são um factor com que o Tribunal não tem de lidar. A maior diferença entre o sistema da common law e o sistema da civil law reside no facto de, no primeiro caso, o Tribunal ter como função a interpretação da lei, ao passo que no segundo não terá. Após o Tribunal ter interpretado a lei, deve tomar a decisão de acordo com o seu próprio entendimento. A interpretação da lei só pode ser feita de acordo com métodos legais e segundo os princípios do estado de direito. Estes métodos não contemplam as boas práticas públicas. A secretária da Justiça apelou às boas práticas públicas por razões de ordem pessoal. Para além de ser representante do Governo da RAEHK, a secretária da Justiça é conselheira jurídica do Executivo. Uma das suas principais funções é a manutenção das boas práticas públicas através da aplicação da lei. No entanto, se o Tribunal de Recurso aceitar que este argumento é válido para recorrer de uma sentença, futuramente poderá usá-lo como critério para tomar decisões. Como as boas práticas públicas não são necessariamente princípios jurídicos, este método de interpretação legal não é, obviamente, compatível com uma interpretação apenas baseada na lei. Em quarto lugar, alguns casos têm estado pendentes à espera da clarificação do Tribunal de Recurso sobre o alcance da aplicação da secção COFA 161 (1) (c). No momento que que o Tribunal de Recurso publicar o seu Normativo estes casos serão retomados. Em função disso, o Governo da RAEHK pode manter ou rever as acusações. Depois das emendas, parece muito improvável que o Tribunal de Recurso venha a receber o mesmo tipo de apelos. Em quinto lugar, o caso dos professores que divulgaram os resultados dos exames foi julgado pelo Tribunal de Magistrados em 2014, depois passou ao Tribunal de Primeira Instência e, após recurso dos réus, ao Tribunal de Recurso, tendo ficado concluído só em 2019. Durou cinco anos. Independentemente de se ser, ou não, considerado culpado, é bastante difícil para alguém aceitar que um julgamento se arraste durante cinco anos. A pressão a que os réus ficam sujeitos é um trauma que dura uma vida. Este foi o preço que os professores tiveram de pagar por divulgarem as perguntas dos exames. Com a democratização da educação, um número cada vez maior de jovens ingressa nas escolas. Estas fugas de informação deveriam acabar, mas acontecem cada vez mais. Talvez o Governo da RAEHK tenha de considerar a possibilidade de legislar sobre esta matéria. Como Hong Kong realiza vários exames públicos, para simplificar, vamos dividi-los em dois tipos: públicos e privados. Antes das provas, as perguntas dos exames das escolas públicas, são consideradas documentos confidenciais do Governo. Mas os exames das escolas privadas são outro caso. Não podem ser considerados da mesma forma. Assim, se alguém divulgar as perguntas dos exames de uma escola privada, não incorre em nenhum crime. No entanto parece impossível que alguém que divulgue perguntas de um exame não venha a ser julgado. Macau tem a “Lei de Combate ao Crime Informático”. Se o caso da Escola Primária Heep Woh aqui tivesse acontecido, haveria forma de lidar com o assunto. Em breve irão realizar-se exames nas escolas primárias e secundárias e também provas de admissão às Universidades. Haverá necessidade de promulgar legislação especial para punir quem divulgue as perguntas dos exames? Conselheiro Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTratado de Extradição III [dropcap]Q[/dropcap]uem tem vindo a acompanhar os artigos sobre esta matéria, sabe que o pedido de extradição apresentado por Taiwan a Hong Kong esteve relacionado com um crime cometido naquele território por um cidadão de Hong Kong. Após cometer o crime o suspeito fugiu e o Governo de Taiwan apresentou um pedido de extradição ao Governo de Hong Kong. Este incidente esteve na origem da proposta de emenda à Lei dos Criminosos em Fuga (FOO sigla em inglês), feita após consulta pública. No espaço de dois meses, a sociedade de Hong Kong pronunciou-se através da sua comunidade empresarial e da Ordem dos Advogados, mas também se fizeram ouvir opiniões da American Chamber of Commerce e da União Europeia, que manifestaram diferentes pontos de vista sobre as emendas a introduzir na FOO. As emendas a um conjunto de leis de Hong Kong foram analisadas e comentadas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, o que é algo com que a maior parte das pessoas não teria ousado sonhar. A comunidade de Hong Kong manifestou diferentes opiniões a este respeito. Dezanove associações profissionais, como a “Faithful Relief” e a “Xinglin Awakened” emitiram um comunicado conjunto expressando a sua preocupação sobre a possibilidade das emendas deixarem os habitantes de Hong Kong desprotegidos, sem direito a um julgamento justo. Sublinharam ainda que a comunidade internacional pode vir a encarar o sistema jurídico independente de Hong Kong como parte do sistema jurídico da China continental. Na perspectiva destas associações profissionais o Governo de Hong Kong deverá limitar o alcance das emendas. Para já, pretende que o Tratado de Extradição se limite a Taiwan, ficando de fora a China continental e Macau. Além disto, de forma a evitar mais polémica sobre os casos de extradição, que podem inquietar os suspeitos e aumentar as possibilidades de fuga, o Governo de Hong Kong propõe que o Conselho Legislativo suspenda a discussão do assunto. As associações profissionais acreditam que este problema pode ser resolvido pela prisão preventiva do suspeito, antes que o Conselho Legislativo leve a matéria a debate. Lin Jianyue, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, pensa que a emenda não deve abarcar crimes económicos. Lin Jianfeng, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, defende que os crimes económicos deve ser tratados separadamente dos crimes violentos. No passado dia 7, a American Chamber of Commerce declarou junto do Governo de Hong Kong, que nutre “sérias reservas” em relação a estas emendas. A American Chamber of Commerce sublinha que as alterações à lei podem permitir que o Governo da China continental peça a extradição de empresários internacionais, que vivam ou estejam de passagem em Hong Kong, e que tenham sido acusados de crimes económicos no continente. Esta possibilidade iria desvalorizar a imagem de Hong Kong como cidade cosmopolita. A American Chamber of Commerce salientou ainda que, implementar ou não esta emenda, poderá ser um factor decisivo no estabelecimento e manutenção de grandes empresas internacionais em Hong Kong. A competitividade de Hong Kong poderá vir a ser afectada. No passado dia 23, Kano, Director do Gabinete da União Europeia em Hong Kong, declarou numa entrevista à RTHK, que tinha expressado ao Governo de Hong Kong a sua preocupação sobre o impacto destas alterações à lei nos cidadãos europeus, e que tinha solicitado que o Governo consultasse os estatutos da UE sobre Tratados de Extradição em Hong Kong. Kano propôs também que se dilatasse o período de revisão da legislação. Shi Shuming, membro executivo da Ordem dos Advogados de Hong Kong, salientou que se o Governo excluir um certo número de crimes em respostas às necessidades de alguns sectores, tornando impossível a extradição de certas pessoas, muita gente ficará demasiado “à vontade”. E nesse caso, porque não ter também em consideração as preocupações de outros sectores? Porque motivo há-de existir um tratamento diferenciado? É óbvio que existirão sempre stuações injustas. Tang Yingnian, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, acredita que o Conselho Legislativo irá discutir em detalhe a questão da repatriação nos casos de crimes não violentos como é o caso dos crimes fiscais e dos crimes económicos. No entanto defende as emendas a esta lei. Hong Kong não pode ser refúgio para quem quer fugir ao braço da lei. Tan Huizhu afirmou que qualquer assistência jurìdica mútua deve implicar quatro condições: 1. O crime na base do pedido de extradição, deve ser reconhecido nos dois locais; 2. O crime não pode ter, aos olhos da lei, diferenças óbvias entre os dois locais; 3. A existência de prova suficiente; 4. O crime deve ser encarado aos olhos da lei da mesma forma, antes e depois da transferência de soberania, Tan Huizhu salienta que as pessoas do mundo dos negócios não têm motivo para receios. Independentemente das várias opiniões, e quer estejamos ou não de acordo com elas, este assunto vai levar algum tempo a discutir até se conseguir um consenso, de forma a que a revisão da lei possa ser bem sucedida. A avaliar pelo estado das coisas, a entrada em vigor da emenda à lei não parece estar para breve. A função básica de qualquer lei é proporcionar equidade e justiça social. Nesta perspectiva, como lidar com o pedido de extradição de Taiwan para o suspeito da morte da jovem Poon Hiu-wing? A bem da justiça, não deveria a sociedade de Hong Kong pôr de lado as diferenças, concordar com esta extradição a título excepcional e, em seguida, colocar o assunto à discussão? Mas também podemos depreender pelas discussões que têm ocorrido no seio da comunidade de Hong Kong, que não existe nenhuma preocupação com o sistema jurídico. Será possível conseguir que Hong Kong e Macau assinem um Tratado de Extradição? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk «1...910111213141516171819»
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO rugido do leão (I) [dropcap]N[/dropcap]a noite que marca o início do Festival de Outono, 13 de Setembro, centenas de pessoas envolvidas nos protestos contra a lei de extradição, responderam a uma convocatária online e fizeram uma cadeia humana no cimo do monte Lion Rock, em Hong Kong. Esta cadeia humana iluminou-se subitamente com a luz de telemóveis e de canetas laser. Alguns dos manifestantes, que usavam máscaras e lanternas, gritavam slogans como “Cinco reivindicações, já!”. A escolha do local foi determinada pela tradição. É precisamente no topo do monte Lion Rock que as pessoas costumam celebrar a chegada do Outono. Festejam e admiram a Lua, um ritual chinês muito antigo de boas vindas a esta estação do ano. Mas existiu outro motivo que presidiu à escolha dos manifestantes. Lion Rock é mais do que um miradouro sobre a cidade, é o símbolo da unidade e da identidade de Hong Kong. Mas será Lion Rock apenas a materialização do espírito de Hong Kong? Esta pergunta não tem resposta fácil. Por isso, vou recorrer às letras de canções muito famosas e que marcaram uma época para tentar explicar o significado do “espírito de Lion Rock e de Hong Kong”. Os hongkongers têm desde sempre vivido no sopé do monte Lion Rock, por isso ele passou a ser o símbolo da sua identidade. Nos anos 70, os célebres compositores Huang Wei e Gu Jiahui criaram a canção, “Under the Lion Rock”. Desde essa altura, este tema tem sido o estandarte do “espírito de Lion Rock e de Hong Kong”. Nos anos 60 e 70, Hong Kong estava mergulhada em corrupção, violência, pornografia, jogo e droga. A polícia tinha uma ligação com o sub-mundo. Era voz corrente que as autoridades controlavam indirectamente estes negócios. Não é difícil imaginar o descrédito em que tinham caído as forças da ordem. Nessa altura, Hong Kong era uma colónia britânica. Para dialogar com o Governo era necessário falar inglês. No entanto, na época, o ensino superior estava reservado às elites e poucas pessoas falavam inglês fluentemente. A economia estava sub-desenvolvida e a vida das pessoas era muito difícil. Neste período, o Governo de Hong Kong homologou a “Lei do Trabalho” que garantia aos empregados uma certa protecção, o que era melhor que nada. A famosa canção “Workers”, de Xu Guanjie, falava do problema social e laboral da época. Além da questão das relações sociais e laborais, as pessoas trabalhavam em espaços sem condições. Devido a um sistema de abastecimento deficitário, Hong Kong ficava frequentemente sem água. Numa determinada altura a cidade só tinha fornecimento de água um em cada quatro dias. Mais uma vez a música veio dar voz ao descontentamento popular. Desta feita foi através da canção “The Water Song”, de Xu Gongjie, que o desagrado se fez ouvir. Foi um período de pobreza e de dificuldades em Hong Kong. As pessoas só podiam contar umas com as outras, porque todos estavam a passar um mau bocado. Havia pouco dinheiro, poucas condições, mas muita solidariedade. Foi precisamente nesta altura que Roman Tam, interpretou a emblemática canção “Under the Lion Rock”: “A vida é muito dura, tanta preocupação, Sob a Lion Rock, navegamos juntos e damos as mãos, esquecemos as diferenças, buscamos a união.” Como vemos, desde os primórdios, o espírito de Hong Kong, materializado em Lion Rock, é o espírito de união e de inter-ajuda. Ponhamos de parte o preconceito e tentemos compreender o ambiente social que se vivia na altura. Continuemos a escutar a canção: “Esquece o que divide os nossos corações, Lembra-te dos ideais que nos movem, Navegamos no mesmo barco, Seguimos juntos, sem medo” Os hongkongers seguem no mesmo barco. Será que já avistam terra? “Aqui, na curva do cabo, Unam as mãos, enfrentem as altas vagas, Eu sou cada um de vós, Sofro para deixar escrito o lema da imortal Xiangjiang (Hong Kong)” É o espírito de união face à adversidade que aqui é louvado. Embora o caminho seja difícil, podemos imortalizar o nome de Hong Kong. A intenção do poema “Under the Lion Rock” é muito clara. Apela à inter-ajuda, à superação das dificuldades e dos preconceitos e à construção conjunta de Hong Kong. Continua na próxima semana. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOficialmente afastada [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 4, Carrie Lam, Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, anunciou oficialmente que a proposta de emenda à Lei de Extradição de Condenados em Fuga seria retirada. O afastamento da proposta será apresentado pelo secretário da Segurança no Conselho Legislativo, assim que os trabalhos do plenário sejam retomados. O afastamento da revisão da lei de extradição não está dependente da votação dos deputados. A proposta de emenda à lei foi apresentada e elaborada pelo Governo. De acordo com a lógica do processo legislativo, o anúncio do afastamento da proposta de emenda à lei, a ser feito pelo secretário da Segurança, em nome do Governo, é o suficiente para que se venha a dar o assunto por encerrado. Tendo em conta a situação que se vive actualmente em Hong Kong, este anúncio representa um passo muito positivo. Em primeiro lugar, vai dissipar as dúvidas da maioria dos manifestantes. A partir do momento em que o secretário da Segurança declare a retirada oficial da proposta de lei, deixará de existir o perigo de ela vir a ser debatida no Conselho Legislativo. Desta forma, a situação fica mais clara do que quando existia apenas a “suspensão da revisão da lei”. Em segundo lugar, esta decisão vem ao encontro das reivindicações que os manifestantes têm vindo a fazer ao longo dos últimos dois ou três meses. Uma vez satisfeita esta condição, a agitação irá diminuir. Se com esta decisão se conseguir acabar com os protestos em Hong Hong, será efectivamente algo fantástico. Esta decisão já provocou diversos comentários positivos e negativos. Em geral, as pessoas congratulam-se com esta medida, no entanto criticam-na por ter sido tomada demasiado tarde, só depois de ter havido imensas manifestações e protestos violentos. Se esta resolução tivesse sido apresentada antes de todos estes distúrbios, muitos dos problemas teriam sido evitados. Agora, depois de toda esta explosão de violência, será esta decisão suficiente para acalmar os ânimos? Esta questão tem suscitado muitas reservas. Mas, independentemente de todas as reticências, podemos ter a certeza que a declaração de que a proposta de lei não vai avançar, vai ajudar a aliviar a atmosfera de tensão que se respira em Hong Kong. Algum impacto positivo terá. Além do anúncio do cancelamento da proposta de revisão, o Governo de Hong Kong também propôs que não fosse criada nenhuma comissão independente para averiguar os incidentes sociais. Essa medida será substituída, pelo ingresso de mais dois membros no IPCC (Conselho Independente de Reclamações Policiais). O IPCC vai contratar cinco peritos estrangeiros na qualidade de conselheiros. Esta decisão já provocou algum descontentamento na cidade. É do conhecimento geral que o IPCC só tem capacidade para investigar a acção da polícia no decurso dos incidentes. Os motivos que desencadearam os conflitos, o seu impacto, a sua evolução e os efeitos que provocaram na comunidade, não podem ser averiguadas pelo IPCC, porque este organismo não tem autoridade para conduzir esse tipo de investigação. Assim sendo, o IPCC não pode substituir uma comissão de inquérito independente. A terceira proposta do Governo visa promover a compreensão das necessidades da população, através do diálogo directo entre os responsáveis governamentais e o povo, para que, em futuras acções administrativas, se possa agir de forma mais adequada e que vá mais ao encontro dos anseios populares. A última proposta centra-se na contratação de peritos para ajudarem a estudar os diversos aspectos da sociedade de Hong Kong. Por agora, é impossível saber ao certo que assuntos específicos vão ser analisados, nem que recomendações esses peritos irão fazer. À partida, se estes estudos forem bem sucedidos, irão ajudar a encontrar formas de aliviar os antagonismos que se vivem em Hong Kong. Pelo menos, a disparidade que existe entre pobres e ricos é um problema que deveria ser resolvido imediatamente. Embora as decisões do Governo de Hong Kong possam não vir a corresponder às reivindicações de todas as pessoas envolvidas nos protestos, vão sem dúvida ajudar a aliviar as tensões actuais e, além disso, algumas das exigências foram efectivamente satisfeitas. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA urgência da paz [dropcap]N[/dropcap]o dia 30 de Agosto, seis líderes religiosos de Hong Kong pediram publicamente aos beligerantes que fizessem um período de tréguas de dois meses. A pausa destinar-se-ia à reflexão e à procura de consensos. Este grupo de religiosos era composto pelo Presidente da Associação Budista de Hong Kong, pelo Grande Mestre da Associação Budista de Hong Kong, por John Tong Hon, Cardeal da Diocese Católica de Hong Kong, por Tang Enjia, Deão do Instituto Confúcio, por Sa Zhisheng, Presidente da Sociedade Muçulmana Chinesa, por Su Chengyi, Presidente da Associação Cristã de Hong Kong, e por Dao Dehua, líder da Assoiação Taoísta. Estes homens, como todos os habitantes de Hong Kong, foram testemunhas de uma série de episódios violentos desencadeados pela revisão da Lei de Extradição. Estes distúrbios causaram sérios transtornos em todos os sectores da comunidade. O pedido de tréguas, endereçado ao Governo e aos manifestantes, prevê, para já, um período de dois meses de “paz”, tendo em vista o bem-estar da sociedade de Hong Kong, no seu todo. Este período também deverá destinar-se à reflexão e à procura de consensos. Todos aqueles que consideram Hong Kong como o seu lar deverão dar ouvidos a este apelo. Na verdade, a proposta é altamente exequível. Na situação que Hong Kong atravessa actualmente, se não se encontrarem soluções compatíveis com os interesses dos principais sectores da sociedade, a violência só terá tendência para escalar. A manutenção da violência vai continuar a desgastar Hong Kong a cada dia que passa. A declaração de um período de tréguas seria extremamente benéfica para a cidade. A reflexão proposta pelos religiosos, e a procura de consensos, também parece ser uma boa sugestão. A avaliar pelos últimos acontecimentos, se todos os fins de semana se registarem situações violentas, Hong Kong acabará por ser destruída. A continuidade da violência vai esgotar as forças da ordem. É difícil calcular o número de pessoas envolvidas nos desacatos, mas a força policial de Hong Kong conta apenas com 30.000 efectivos. Pensar que com este número de agentes se pode acabar com a violência é irrealista. É imperativo que as pessoas compreendam que a violência não é a solução para as divergências. Nenhum Governo pode ceder a este tipo de pressão, porque se cede uma vez terá de ceder muito mais vezes, e a violência não parará de aumentar. É um trunfo que não se pode dar a multidões enraivecidas. Se através do terror se puder impôr reivindicações de natureza política o terror não terá fim. O apelo dos religiosos é simples e fácil de compreender. É totalmente bem intencionado. No entanto, poderá ser um pouco irrealista. Pedir a pessoas enfurecidas que parem de lutar, é talvez um pouco ilusório. Além disso, esta multidão revoltosa não fala a uma única voz. Não defendem todos a mesma estratégia. Mesmo que alguns aceitem as tréguas a maioria não o fará e, infelizmente, este ambicionado período de pacificação não passará de mais um slogan politico, muito difícil de levar à prática. Nunca ouvi dizer que a destruição de uma família torne o seu futuro melhor, mas parece que actualmente há muita gente em Hong Kong que defende esta ideia perversa. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz e macau Professor Associado do Instituto Plitécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTodos no mesmo barco (II) [dropcap]C[/dropcap]omo vimos na semana passada, criou-se um movimento na internet apelando aos cidadãos de Hong Kong que retirassem o dinheiro dos Bancos, para pressionar as instituições, diminuir a confiança que as pessoas nelas depositam, afectando directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro e, muito provavelmente, prejudicando também outros locais. Além das consequências que se podem constatar directamente, este tipo de comportamento destrói completamente as conquistas consagradas na canção “Under the Lion Rock” que os hongkongers tanto trabalharam para alcançar. Estes comportamentos e a filosofia de “arrasar tudo e morrer unidos”, destruirá completamente o espírito nuclear e os ideais da Hong Kong do passado. Este movimento advoga um ideário divisionista e a divisão empurrará a cidade para um abismo sem retorno. Se assim for, Hong Kong deixará de ter qualquer futuro. Vai ser impossível preservar a imagem do território, mesmo que seja apenas para manter o status quo. Tudo isto trará danos irreparáveis a Hong Kong. Xu Guanjie, o deus da música de Hong Kong compôs a canção “Together in the same boat” nos anos 90. A intenção do poema era incentivar as pessoas a não emigrarem e permanecerem na cidade. A letra tem muitos pontos de contacto com a de “Under the Lion Rock”: “Sigo contigo neste barco, por ondas impiedosas fustigado, No horizonte, só vento e chuva nunca vistos, tudo se afigura caótico. Não sei o que nos espera. Mas decidimos continuar a navegar e tornar o nosso barco inquebrável, Luta para enfrentar as dificuldades e os desafios, Assim o barco nunca se afundará.” Aqueles que querem recorrer à violência para destruir Hong Kong, ou que incentivam as pessoas a tirar as suas poupanças dos Bancos, para criar o pânico financeiro, deveriam compreender que, enquanto viverem em Hong Kong, precisam de unir esforços para melhorar a cidade, essa é a sua obrigação. Qualquer forma de destruição só fará as coisas irem de mal a pior. Estas acções não irão ter qualquer tipo de reconhecimento. Só quando todos se puderem inter-ajudar e se mantiver acesa a chama e o espírito de Under the Lion Rock, Hong Kong poderá vir a ter um futuro grandioso. Na situação actual, é impossível solucionar os problemas com uma panaceia. Dado que toda a gente reconhece que esta é uma situação impossível, que caminho seguir? Em resposta, continuo a citar a letra da canção de Xu Guanjie, “Together in the same boat”: “Sigamos confiantes e reforcemos as fundações. Se cada um fizer a sua parte, abriremos caminho através da escuridão. ” “O espelho quebrado amanhã estará intacto e tudo irá melhorar. Com esperança, comecemos de novo, Conservemos para sempre o nosso barco aquecido. ” Desde que os hongkongers estejam confiantes, vão sempre esforçar-se por conseguir o melhor e trabalharão com afinco para criarem segundas oportunidades brilhantes. Juntos, sob o espírito de “Under the Lion Rock” – encorajamento, ajuda e entusiasmo mútuos, a população de Hong Kong vai fazer prevalecer a sua opinião. Os problemas que não puderem ser resolvidos hoje, se-lo-ão amanhã. Se cada facção se agarrar ao seu ponto de vista, excluindo o compromisso, puser de lado a cooperação, ou partir simplesmente para a destruição, o futuro de Hong Kong vai descrever-se apenas numa única palavra – “escuridão”. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTodos no mesmo barco (I) [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 16, alguns hongkongers lançaram através da internet um apelo designado “816 Withdrawal Day”, instando todos os residentes da cidade a levantar o dinheiro do Banco e, de preferência, a trocá-lo por dólares americanos. Este movimento pretende pressionar o sistema financeiro de Hong Kong e forçar o Governo a dar resposta ao cinco pontos da agenda dos manifestantes contra a Lei de Extradição dos Condenados em Fuga. Até ao momento, os Bancos da cidade não registaram qualquer movimentação fora do normal. Hong Kong começou a implementar o sistema indexado de câmbio a 17 de Outubro de 1983. Os três Bancos emissores de moeda em Hong Kong, o Bank of China, o HSBC e o Standard Chartered Bank, precisam de ter em depósito dólares americanos para cobrirem a emissão da moeda local, emissão que é feita sob a supervisão da Autoridade Monetária de Hong Kong. A taxa de conversão é fixa; 1US dólar equivale a 7,8 HK dólares. Até ao momento, o sistema indexado de câmbio tem funcionado bem, sem quaisquer efeitos adversos. A grande vantagem deste sistema é a paridade entre as duas moedas em termos de confiança. Quem confia na moeda americana, confia na moeda de Hong Kong. Os Bancos emissores de moeda em Macau, o BNU e o Banco da China (Filial de Macau) emitem moeda, contra a entrega na Autoridade Monetária de HK dólares. A taxa de câmbio é fixa; 1,03 pataca equivale a 1 HK dólar. No sistema indexado de câmbio, o dólar americano representa a reserva financeira do dólar de Hong Kong, pela mesma lógica, o HK dólar é a reserva financeira na emissão da moeda em Macau, ao abrigo do sistema indexado câmbio desta cidade. Acreditar no valor da pataca significa acreditar no valor do HK dólar e do dólar americano. A confiança é o valor mais importante de qualquer moeda. Quem não confia na moeda, prefere apostar noutros bens, como por exemplo imobiliária, ouro, jóias, etc. E agora há quem queira lançar uma campanha para retirar o dinheiro dos bancos, para criar de forma maliciosa tensões financeiras, caos e mesmo o pânico em Hong Kong. Este movimento tende a afectar directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro. Estas pessoas procuram lutar pelos seus objectivos destruindo Hong Kong. Contudo, ao destruirem Hong Kong, também vão afectar Macau. Tudo isto é totalmente desnecessário. Até ao momento, não há notícias de qualquer prejuízo causado em Macau. É sem dúvida algo de positivo. A série de incidentes, desencadeada em Hong Kong pela revisão da Lei de Extradição, não afectou, nem irá afectar Macau. Hong Kong tornou-se um centro financeiro a nível mundial devido aos esforços que desenvolveu ao longo de vários anos. Não é um objectivo que se possa atingir de um dia para o outro. O factor mais importante em qualquer sistema financeiro é a confiança que as pessoas nele depositam. Uma vez que essa confiança se perde, todos os sistemas financeiros colapsam. Se Hong Kong vier a ter problemas de ordem financeira e perder o seu estatuto de centro financeiro mundial, que mais valia lhe vai restar? Hong Kong não tem recursos naturais, as conquistas que alcançou foram obtidas com muito esforço, durante muitos anos. Os hongkongers alcançaram estas metas porque durante muito tempo possuiram espírito de inter-ajuda, encorajamento mutúo e, depois, colheram juntos os frutos do seu suor. Os hongkongers também preferem “navegar no mesmo barco”. Nos anos 70, acreditavam que quem trabalhasse com afinco, teria um futuro brilhante. Por isso, a partir dessa altura Hong Kong desenvolveu o espírito consagrado na canção “Under the Lion Rock”. A letra desta canção, interpretada pelo famoso cantor “Luo Wen”, já falecido, dizia o seguinte: “Evitem os conflitos e persigam juntos os vossos ideais Estamos no mesmo barco, jurámos não ter medo e permanecer unidos Deste lado do Cabo, demos as mãos e enfrentemos as intempéries, Trabalhamos com afinco e escrevemos a história da Imortal Hong Kong” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLazer ofensivo [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 6, a polícia de Hong Kong prendeu Fang Zhongxian, Presidente da Associação de Estudantes da Baptist University de Hong Kong. A detenção deveu-se alegadamente à posse de armas ofensivas, melhor dizendo, “armas laser”. Fang Zhongxian declarou que apenas disparava estas armas para observar o céu nocturno, foram compradas para lhe permitir “ver as estrelas.” Quando a notícia da prisão foi divulgada, um grande número de pessoas reuniu-se em frente à esquadra de Sham Shui, exigindo explicações. Um dos elementos do grupo dirigiu-se a um agente nos seguintes termos: “Gostaria de lhe perguntar quantas flashlights tem em sua casa? Tem pelo menos uma? Ter uma flashlight em casa é crime?” O agente replicou: “Não respondo a essa pergunta.” No cruzamento da Qinzhou Street com a Apex Street, Deng Yunan, o advogado da Baptist University of Hong Kong, dirigiu-se aos manifestantes, com estas palavras: “Por favor dispersem o mais rapidamente possível, especialmente os estudantes da Baptist University. O Presidente da Associação de estudantes está de momento hospitalizado, por isso não têm de ficar aqui. A polícia pode intervir e obrigar-vos a sair à força.” E realmente foi o que aconteceu, de manhã, a polícia acabou por actuar e lançar gás lacrimógeneo. Algumas pessoas foram presas. Posteriormente, Fang Zhongxian foi libertado. Será que as armas laser são armas ofensivas? A expressão “em posse de armas ofensivas” tem três elementos, “posse”, “armas” e “ofensivas”. Neste caso, não existem dúvidas quanto ao primeiro elemento “posse”, porque Fang Zhongxian tinha consigo dez armas laser quando foi detido pela polícia. O segundo elemento “armas”, significa literalmente um objecto que pode ser usado para atacar terceiros, bem como para defesa pessoal. Uma faca e um garfo não são, à partida, armas ofensivas. No entanto, se forem usados para atacar outras pessoas, serão considerados armas. O terceiro elemento, “ofensivas,” significa que têm capacidade para causar danos a terceiros, ferimentos ou mesmo a morte. Voltando ao exemplo acima citado, a faca e o garfo, utensílios usados para comer, podem ser considerados ofensivos se houver intenção de lhes dar esse uso. Desta forma, quando se apreende um objecto por ser considerado uma potencial arma ofensiva, não quer dizer que, à partida, seja esse o seu propósito. Mais tarde será verificado se existia intenção de o utilizar com fins agressivos. Um objecto é considerado arma ofensiva quando é potencialmente perigoso e é usado para atacar terceiros. Nas manifestações foram usadas armas laser para atear incêndios. Se for usada com este fim pode causar danos físicos e materiais. Nessas mesmas manifestações, alguns agentes da polícia foram feridos com armas laser. Por aqui se vê que estes objectos podem ser perigosos e utilizados como arma ofensiva, mas não se pode afirmar que a pessoa que possui uma arma laser tenha intenção de agredir, porque pode tê-la apenas para actividades de lazer. Mas, voltando ao exemplo acima citado, se um objecto tem várias finalidades, sendo que uma delas poderá ser a agressão, excluir todas as outras e fixarmo-nos apenas nos propósitos ofensivos, só terá impactos sociais negativos e servirá para fomentar a discórdia. Ao reflectirmos sobre esta questão, também devemos considerar a posição da polícia Hong Kong. Em várias, das recentes manifestações, houve efectivamente pessoas que usaram armas para agredir a polícia. Vários agentes ficaram feridos, sendo que a maior parte dos manifestantes eram jovens. Nestas circunstâncias, a prisão de Fang Zhongxian faz sentido. Do ponto de vista da manutenção da ordem e da segurança públicas, é razoável deter Fang Zhongxian e pedir-lhe que coopere em futuras investigações. No entanto, se acreditarmos que um objecto que serve para iluminar o céu e permitir ver as estrelas é uma arma ofensiva, será difícil convencermo-nos do contrário. David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA quimera do ouro [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 23, a Radio Television Hong Kong anunciou a reunião entre os representantes do New People’s Party e o Secretário das Finanças, Paul Chan. Na reunião foi discutido o próximo Orçamento e foram apresentadas propostas. Este partido sugeriu que todos os residentes permanentes de Hong Kong, com idade superior a 18 anos, deveriam passar a receber uma verba do Governo de HK$8.000. O New People’s Party acredita que a entrega desta verba trará mais benefícios do que o reembolso dos impostos. As pessoas ficarão felizes por receberem esta quantia. O New People’s Party propôs também a atribuição de um subsídio de maternidade no valor HK$20.000. Este montante ajudará a aliviar os encargos financeiros dos jovens casais e aumentará os rendimentos da população de Hong Kong. Esta distribuição de dinheiro pela população concretiza-se em Macau através da atribuição de cheques pecuniários. Este ano, os residentes permanentes receberam 10.000 patacas. Entre 2014 e 2018, recebiam 8.000 patacas anuais. O subsídio atribuído por cada recém-nascido, proposto pelo New People’s Party, é o subsídio de maternidade de Macau. Nesta cidade, ambos os pais podem solicitar o subsídio. O valor de cada contribuição é de 5.260 patacas. Se o pai e a a mãe se candidatarem, podem receber um total de 10.520 patacas. Em 2011, o Governo de Hong Kong implementou a atribuição anual de HK$6.000 aos residentes permanentes maiores de 18 anos. Este foi um período dourado, de grande crescimento económico. No entanto esta decisão sofreu alguma contestação. Algumas pessoas consideraram esta verba muito baixa e que faria pouca diferença na melhoria da qualidade de vida da população. A mina de ouro não estava a beneficiar toda a gente. Em 2018, o Governo de Hong Kong voltou a instituir o plano de pagamentos. Desta vez, foram distribuidos HK$4.000 per capita, através do sistema “Caring and Sharing Scheme.” Qualquer pessoa, com bilhete de identidade de Hong Kong e residência permanente na cidade, estava em condições de receber esta verba. Hongkongers com residência noutros locais e residentes não permanentes não tinham acesso a este benefício. Mas este plano de pagamentos foi também bastante criticado. Aqui, em Macau, não se conhece ninguém que pense que os cheques pecuniários são uma má medida. Talvez Hong Kong precise de se aproximar do modelo de Macau, onde, tanto os residentes permanentes como os não permanentes recebem verbas anuais. Talvez toda a gente fique satisfeita se receber uma fatia do bolo. É um facto indiscutível que, nos dias que correm, os Hongkongers precisam de algo que os façam sorrir. Recentemente a Faculdade de Medicina e a Universidade de Hong Kong levaram a cabo um estudo, não relacionado com os deploráveis incidentes violentos que tiveram lugar na cidade. Mais de 1.200 adultos foram entrevistados por telefone e cerca de 9.1% foram considerados vítimas de depressão. Além disso, no grupo etário acima dos 50 anos, esse valor aumentava. A cerca de 4.6% foram diagnosticadas ideias suicidas. Estes números indicam que 108 pessoas em 1.200, sofrem de depressão. Não há dúvida de que é uma percentagem muito alta. Durante os dois últimos meses, a comunidade de Hong Kong experienciou diversos incidentes relacionados com a contestação à revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga. Este estudo indica que muitas pessoas em Hong Kong sofrem de depressão, mas não provam que exista qualquer relação entre as duas situações. Em todo o caso, os números provam que a sociedade de Hong Kong tem de enfrentar esta doença. O sonho é um tratamento eficaz contra a depressão. Se o Governo de Hong Kong distribuir dinheiro por todos, no quadro do próximo Orçamento, pode fazer toda a gente sorrir e sonhar. Espero que este sorriso possa trazer uma nova esperança a todos os habitantes de Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesImposto digital [dropcap]A[/dropcap] última cimeira do G20 aprovou a implementação do imposto digital, para ser aplicado a empresas que fornecem serviços digitais (as DPC sigla em inglês). Das empresas deste ramo destacam-se o Facebook, o Google, a Apple e a Amazon, conhecidas em todo o mundo. No universo online, onde vivemos actualmente, as DPC vendem e-books, publicidade e colocam os seus motores de busca ao nosso dispor, para nos permitir procurar todo o tipo de informação. Os consumidores pagam estes serviços. Estes pagamentos geram os lucros das DPC. Sem um imposto digital não há forma de taxar as DPC e, ao contrário das empresas tradicionais, as DPC pagam impostos baixos. Quando na cimeira do G20 foi estabelecida a necessidade de cobrar o imposto digital, foram avançados dois princípios. O primeiro consistiu na regulação das taxas. Debateu-se se os impostos deveriam ser cobrados nos países onde os serviços são prestados ou nos locais onde as empresas estão sediadas. Mas, como as DPC não são empresas físicas, nem estão registadas num determinado país, estabeleceu-se que as taxas seriam cobradas pelos países onde os serviços são prestados. Serão, pois, os Governos dos países consumidores destes serviços a cobrar o imposto. Nestas questões a justiça fiscal é importante. Se os países não tiverem implementado o imposto digital, por mais dinheiro que as DPC ganhem, os governos não o podem cobrar. Para a economia desses países também é injusto que empresas que facturam milhões não contribuam com uma parte dos seus lucros. Em segundo lugar, a cimeira decidiu que se estabeleceria uma taxa mínima para esta contribuição fiscal. Este princípio é bom, mas encerra alguns problemas. A Irlanda e o Luxemburgo já têm imposto digital, cobrado a uma percentagem relativamente baixa. Para evitar pagar mais, as DPC têm-se estabelecido nos países que cobram taxas baixas. Nos países que cobram imposto mais alto, as DPC só têm fornecido os seus serviços. Se for criada uma percentagem global para o imposto digital, as vantagens que os países como a Irlanda e o Luxemburgo oferecem vão ser significativamente reduzidas; por isso estes países têm-se oposto à percentagem global. Se esta questão não for resolvida, vai ser difícil o G20 estabelecer uma regulamentação global até 2020. Singapura já tinha anunciado a implementação do registo de fornecedores estrangeiros para 2020. Neste regime DPCs com uma receita anual superior a 1 milhão de dólares, e uma facturação local superior a 100.000 dólares, deverá pagar este imposto. O Japão reviu os impostos ao consumo em 2015 e expandiu a taxação a empresas estrangeiras que vendam produtos digitais em solo japonês. Desde que a transacção ocorra no Japão, o fornecedor tem de pagar imposto ao Governo nipónico. A definição do local da transacção foi alterada de “localização do fornecedor do serviço” para “morada do consumidor do serviço”. Estamos, pois, perante a eclosão de um novo imposto global. De que forma deverão Hong Kong e Macau lidar com esta situação? Se Hong Kong continuar a manter o seu sistema fiscal, ou seja, omitindo o imposto digital, pode vir a atrair para o seu território muitas DPCs. Mas se isto se verificar, o Governo de Hong Kong vai perder uma fonte de rendimento fiscal. Actualmente, a maior parte dos dividendos do Governo de Hong Kong são obtidos através da venda de terras. É uma receita instável. Para além disso, existem poucos impostos em Hong Kong. Do ponto de vista dos cofres da cidade, seria uma boa decisão a implementação do imposto digital Saliente-se ainda que a comunidade internacional defende a criação deste imposto num futuro próximo e, para se manter alinhado com o resto do mundo, Hong Kong também o deveria implementar. A receita do Governo de Macau provém sobretudo dos casinos. Após a reunificação da China, os casinos são fonte de enormes lucros e a receita do Governo também tem vindo a subir. Para já, em Macau o imposto digital não parece ser uma prioridade. Outra vantagem possível da não implementação deste imposto é o encorajamento ao crescimento do comércio online na cidade. Pode vir a atrair DPCs estrangeiras para aqui se estabelecerem. De qualquer forma, continuemos a acompanhar os desenvolvimentos da implementação do imposto digital e depois tiraremos mais conclusões. Legal consultant of Macau Jazz Promotion Association Associate Professor, Macao Polytechnic Institute Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSomos campeões [dropcap]P[/dropcap]ara todos os estudantes do ensino secundário de Hong Kong o dia 10 de Julho é um marco importante, porque é nesse dia que são anunciados os resultados dos exames finais de curso, designados por HKDSE. Deste resultado depende o futuro dos estudantes. Os que passarem continuam rumo à Universidade, os que não passarem rumam em direcção ao mundo do trabalho. Dos exames deste ano destacaram-se 12 campeões. Os ditos campeões são alunos que ficam classificados em primeiro lugar em pelo menos sete disciplinas. Ao contrário dos anos anteriores, dois destes campeões não vieram das escolas tradicionalmente mais importantes. Esta mudança demonstra que os resultados dependem em muito do empenho dos estudantes. Quem trabalha com afinco tem necessariamente boas notas. Às escolas, aos colegas e aos pais cabe o papel de formação e encorajamento, o papel de apoio aos candidatos. Mas o mais importante é o esforço de cada um. Esperemos que esta mudança sirva para que os estudantes, que não frequentam as escolas mais afamadas, compreendam a importância do empenhamento pessoal. Esta é a grande verdade. O HKDSE é um exame público. Os enunciados são criados pela Autoridade de Examinação de Hong Kong. As grandes vantagens do exame público são a objectividade e a equidade. É muito difícil haver fugas dos conteúdos destes enunciados. Usar os mesmo critérios de avaliação para todos, faz com que a credibilidade dos exames seja bastante elevada. Em Macau, para acesso às quatro Universidades, existe apenas um exame conjunto. Futuramente o exame de acesso à universidade irá fundir-se com o exame final do secundário e terá a sua importância acrescida. Este ano, apresentaram-se 56.000 candidatos ao HKDSE. Nos anos 80, apenas existia o Exame de Certificação Educativa de Hong Kong (HKCEE – sigla em inglês). O exame actual, o HKDSE, ainda não tinha surgido. Todos os anos, cerca de 130.000 candidatos participavam no HKCEE. Nesta época, quando o candidato falhava o exame, tinha de repeti-lo no ano seguinte ou ingressar directamente no mundo do trabalho. Hoje em dia a situação é muito diferente. Actualmente, quando o estudante não tem resultados satisfatórios, embora não possa ingressar directamente na Universidade, tem a possibilidade de aceder a um programa de equivalências onde pode obter um bacharelato e futuramente uma formatura universitária. À medida que o tempo passa o sistema educativo muda. Quanto mais facilitado for o acesso às universidades, menos valor terão os cursos superiores. Nos anos 80 um curso superior dava acesso imediato a uma posição bem remunerada, os licenciados passavam a pertencer à classe média e construíam uma vida confortável. Podiam comprar casa, carro e criar uma família. Mas hoje em dia, quer seja em Macau ou em Hong Kong, quem é que pode atingir esse nível de vida quando acaba a Universidade? A popularização do ensino superior provocou a sua própria desvalorização e os estudantes deixaram de acreditar que o curso lhes vá proporcionar um bom futuro. Esta situação acaba por desencorajá-los e isso ressente-se nos estudos. Não se aplicam o suficiente porque não acreditam que o seu esforço vá verdadeiramente dar frutos e acabam por sair da Universidade mal preparados. Se uma geração com poucos conhecimentos vier a ocupar lugares de destaque, que tipo de sociedade nos espera? O principal objectivo da Universidade é a formação de pessoas especializadas de forma a permitir o bom funcionamento da sociedade no seu todo. A conjuntura social não pode ser controlada pela Universidade, mas os factores que a condicionam afectam directamente o desempenho académico dos estudantes. Se as condicionantes actuais se mantiverem, é pouco provável que o desempenho académico em termos globais melhore e, em última análise, a vítima da situação será a sociedade em geral. Cumprimentemos os campeões que obtiveram as melhores notas nos exames; no entanto, e ao mesmo tempo, devemos reflectir sobre os resultados académicos em termos globais. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesJurisdição além fronteiras [dropcap]A[/dropcap]pós o anúncio oficial da suspensão da revisão da lei dos condenados em fuga por parte da Chefe do Executivo, este processo chegou ao fim. Embora nos últimos dias ainda se tenham efectuado pequenas manifestações em Hong Kong, têm sido em geral demonstrações pacíficas. No entanto houve uma excepção, a invasão e vandalização do edifício do Conselho Legislativo. Na sociedade actual as pessoas têm a obrigação de se manifestar de forma pacífica, independentemente das causas que defendem. Ninguém pode apoiar manifestações que degeneram em motins e dão origem a violência física e a danos materiais. Uma sociedade evoluída permite que as pessoas manifestem as suas opiniões de forma pacífica e dá espaço para os diferentes pontos de vista. No entanto, não se pode aceitar o recurso à violência como forma de imposição das ideias de um determinado grupo de pessoas. É um comportamento que nos vemos forçados a condenar. Na sequência do ataque ao Parlamento, ficou a saber-se que o edifício não tinha seguro. Não se sabe se este lapso se deveu a uma recusa da companhia seguradora ou a um simples esquecimento por parte do Governo. Seja qual for o caso, este problema tem de ser resolvido. Claro que pôr trancas à porta depois da casa arrombada não é a melhor ideia e, neste caso, não sabemos que companhia seguradora irá estar interessada no negócio depois da vandalização do edíficio. Estamos sem dúvida perante um problema. Se não houver forma de fazer um seguro, será que podemos contar com uma alternativa? A questão central que desencadeou a vontade de rever a lei de extradição dos condenados em fuga foi o alegado crime perpetrado em Taiwan por um residente de Hong Kong. A revisão da lei foi suspensa. Não restam dúvidas que este suspeito vai beneficiar da suspensão revisão da lei. Já não vai ser julgado em Taiwan; significando que não irá responder pelas suas acções perante o Tribunal. No passado dia 28, o jornal Sing Tao Daily anunciou que Yang Yueqiao, deputado do Conselho Legislativo, escreveu à Chefe do Executivo manifestando vontade de ver aprovada a jurisdição extraterritorial do Tribunal de Hong Kong. Do ponto de vista legal, em princípio, um tribunal local só tem capacidade de julgar casos ocorridos no seu território; nas situações que se verificam fora de Hong Kong a legislação local não se aplica. As leis de Hong Kong não podem ser usadas como padrão em julgamentos de crimes praticados além fronteiras. No entanto, se for aplicada a jurisdição extraterritorial, as leis de Hong Kong podem passar a ser aplicadas a casos ocorridos fora do território. Desta forma o suspeito do homicídio de Taiwan poderia vir a ser julgado em Hong Kong. Mas esta possibilidade levanta dois problemas óbvios. Em primeiro lugar, estender a jurisdição local a um caso ocorrido além fronteiras é alargar o seu poder a território estrangeiro. Se as autoridades da outra região discordarem, que consequências poderão daí advir? Ou seja, se as autoridades de Taiwan não concordarem que o suspeito venha a ser julgado em Hong Kong e, por isso, não quiserem entregar as provas comprometedoras, o julgamento não se poderá efectuar. Em segundo lugar, o Governo de Hong Kon é um governo local. Estender a jurisdição da RAEHK a outras regiões está completamente para lá dos limites da Lei Básica da cidade. Sem o consentimento do Governo Central tal nunca será permitido. A possibilidade da jurisdição extraterritorial depende de vários factores, não parece fácil implementá-la para levar o suspeito do crime de Taiwan a comparecer perante a justiça. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDesvalorização da educação [dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira da semana passada os jornais de Hong Kong publicaram a notícia do suicídio de uma jovem universitária. No bilhete que deixou, apelava à manutenção da luta contra o projecto de lei de extradição dos condenados em fuga. Lembrava que os esforços empreendidos por dois milhões de pessoas não podiam ser desperdiçados. A notícia também adiantava que a jovem tinha rompido com o namorado. Durante o período de luta contra a lei de extradição já morreram duas pessoas. A primeira foi o homem que se suicidou em Admiralty e agora esta rapariga. Dois suicídios merecem alguma reflexão. Porque é que os jovens são actualmente tão frágeis? Porque é que encaram o suicídio como saída? É compreensível que o suicídio possa ser visto como uma forma de fugir dos problema, mas não os resolve de forma alguma. Os adultos devem enfrentar as dificuldades e lidar com elas com calma. O suicídio, para além de ser uma forma de fuga, provoca grande sofrimento aos familiares. Praticar suicídio por causa da lei de extradição provoca sofrimento à sociedade em geral. Se estes suicídios provocarem problemas sociais desnecessários, então serão ainda mais inaceitáveis. Muitas das pessoas envolvidas nas manifestações contra a lei de extradição são universitários e estudantes do secundário. Existirá um problema no sistema educativo que leve os estudantes a sair para a rua e defenderem as suas opiniões? Penso que a resposta a esta pergunta é muito complexa e não pode ser dada sucintamente. No entanto, uma coisa é certa. Hong Kong era relativamente pobre nos anos 60 e 70. Apenas uma percentagem mínima podia aceder ao ensino superior. Nos anos 80, Hong Kong começou a enriquecer. A pessoas compreenderam que a educação proporciona um futuro melhor. Por isso, nesta altura, houve uma corrida às Universidades, toda a gente queria ter um doutoramento. Pensavam que não teriam de se preocupar com o futuro nunca mais; a entrada na Universidade era um feito glorioso. Nos anos 90, viveu-se a febre do investimento. Imensa gente investiu dinheiro na Bolsa e em vários negócios. Além disso o Governo criou mais cursos superiores para compensar a saída de especialistas para o estrangeiro. Em comparação com os anos 70 e 80, a cotação do ensino superior começou a baixar. Além disso tinha deixado de ser necessário um grau universitário para ganhar dinheiro. Hoje em dia o preço das casas em Hong Kong e em Macau é altíssimo. Alguém que tenha acabado de se formar não consegue comprar um apartamento. A educação superior já não pode proporcionar um futuro radioso. Os jovens começam a desvalorizar o ensino universitário, e interrogam-se se vale a pena perder tempo a frequentar uma Faculdade. Trabalham apenas para a nota que garante passarem. Tudo o que vai para além disso é excessivo. Como não concentram as suas energias nos estudos, aplicam-nas noutras coisas. Coisas essas que podem ser, por exemplo, lutas sociais. Questões de ordem social geram naturalmente problemas sociais. A participação dos estudantes nas manifestações está intimamente ligada à sua atitude perante o estudo. Portanto, se não se ultrapassarem os problemas económicos e de qualidade de vida, será muito difícil Hong Kong voltar a ser uma sociedade harmoniosa e inclusiva. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLei de extradição continua na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, os últimos domingos foram assinalados por duas enormes manifestações contra a revisão da lei de extradição dos condenados em fuga. De acordo com os dados da organização, na primeira manifestação participou cerca de um milhão de pessoas e na segunda participaram cerca de dois milhões. Um dos manifestantes morreu em Admiralty ao cair de um edifício. Segundo os dados do Governo de Hong Kong o número de participantes foi muito inferior. De qualquer forma, esta questão não é muito relevante. A segunda manifestação, que começou às 14.40, congregou tantas pessoas que só se pôde ver o seu final pelas 23.00. A participação massiva nestas manifestações confirma que o Governo de Hong Kong tem um problema sério entre mãos. Em primeiro lugar, as manifestações revelam que os habitantes de Hong Kong estão muito preocupados com a revisão da lei e que querem suavizar as alterações. Em segundo lugar, o aperfeiçoamento em termos de organização que se verificou da primeira para a segunda manifestação, muitíssimo bem organizada, colocou o Governo da cidade perante um difícil dilema. Por um lado, os manifestantes tinham um objectivo muito bem definido e transmitiram as suas exigências de forma pacífica, sem necessidade de recorrer a qualquer tipo de violência. De certa forma obrigaram o Governo a aceitar os seus pontos de vista. O que se passou desta vez em Hong Kong, nada teve a ver com o que por vezes acontece noutros locais do globo, que degenera em tumultos incontroláveis. A forma pacífica das pessoas se manifestarem impediu a polícia de intervir. Efectivamente, nesta segunda demonstração, a polícia limitou-se a abrir caminho para os manifestantes passarem e a velar para que a ordem se mantivesse. Se de futuro os hong kongers passarem a demonstrar desta forma as suas insatisfações o Governo vai ficar numa posição difícil. Em terceiro lugar, a Chefe do Executivo de Hong Kong anunciou a suspensão da revisão da lei de extradição dos condenados em fuga e não a abolição da revisão. Estas palavras “suspensão” e “abolição” deram o mote para algumas pequenas manifestações, que se realizaram depois da segunda grande manifestação. A questão estava precisamente no facto de suspender ou abolir a revisão da lei. Claro que a suspensão implica o regresso do projecto de lei ao Conselho Legislativo, enquanto a abolição implica a morte imediata deste projecto. No entanto, algumas pessoas próximas dos círculos governamentais têm salientado que, se o Governo não tiver forma de lidar com as exigências deste número esmagador de manifestantes, será impossível reiniciar o processo de revisão da lei. Desta forma, a “suspensão” de Carrie Lam talvez venha a ser sinónimo de “abolição”. É evidente que no seio da sociedade de Hong Kong se encontram apoiantes da “suspensão” e da “abolição”. Mas independentemente das diferentes opiniões, o facto que salta à vista é que o Governo não está em posição de resolver esta disputa e que será melhor não levar para a frente a revisão da lei. No decurso das duas manifestações massivas as exigências dos habitantes de Hong Kong foram expressas de forma inequívoca e o Governo da cidade anunciou a “suspensão” da revisão. As pessoas devem reflectir sobre estes dois factos. Será que ainda é necessário continuarem as manifestações para exigir a “abolição” da revisão? Se continuarmos a escalpelizar este assunto que consequências podem daí advir? Rowan Tam, um antigo cantor de Hong Kong, tinha uma canção,”Under the Lion Rock”, que dizia mais ou menos o seguinte: “Navegamos no mesmo barco sob a Lion Rock, devemos ajudarmo-nos uns aos outros, esquecer as diferenças e procurar as semelhanças.” Quer sejamos a favor ou contra a revisão da lei de extradição, Hong Kong tem de seguir em frente, olhar para o futuro e deixar o passado para trás. Unamos esforços para que Hong Kong possa vir a ter um futuro brilhante. Este deverá ser o desejo de todos nós. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesExtradição na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong esta semana ficou marcada pelas manifestações de protesto contra a proposta de lei de extradição dos condenados em fuga. Na demonstração de 9 de Junho compareceram imensas pessoas. As autoridades adiantaram o número de 153.000 participantes, ao passo que o porta-voz da organização apontava para cerca de um milhão. Mas todos sabemos que estes cálculos nunca são precisos. Durante o desfile, o responsável pelo cálculo do número de participantes tira fotos, conta as pessoas que aparecem na foto e calcula a área que ocupam. Se continuar a fotografar a mesma área a intervalos regulares é possível fazer uma estimativa do número de pessoas presentes. Esta estimativa pode variar conforme a área escolhida. Mas, seja qual for o número apontado, estiveram presentes sem dúvida muitos milhares de pessoas nesta manifestação. No dia seguinte, segunda-feira, 10 de Junho, a TVB de Hong Kong entrevistou a Chefe do Executivo Carrie Lam. No decurso da entrevista, Lam deixou bastante clara a sua posição sobre o assunto. Em primeiro lugar, admitiu que esta proposta de lei toca questões muito controversas. Estas declarações foram úteis, mas as dúvidas não ficaram eliminadas. Mas Lam também assinalou que, se a oportunidade de rever a lei não for agora aproveitada, não se saberá quando o poderá vir a ser. Além disso resta a dúvida se a próxima proposta de revisão da lei vai ser bem-sucedida. Carrie Lam foi peremptória. Acredita que não vai ser. Por estas declarações podemos deduzir que, se duvidamos que a nova proposta de lei venha a ser bem aceite, então mais vale lidar com o assunto agora do que adiar a sua resolução. Ainda a entrevista não tinha sido transmitida, quando se deu um motim em Hong Kong. A multidão ocupou as principais vias rápidas da cidade causando o congestionamento do tráfego. Depois da intervenção da polícia a situação começou a normalizar. As manifestações e marchas realizadas na quarta-feira em Admiralty provocaram ferimentos em manifestantes e em agentes da autoridade. Mas na quinta-feira a situação agravou-se. Os organizadores convocaram as pessoas para as estações de Metro. Multidões precipitaram-se para as entradas do Metro durante a hora de ponta e os comboios não puderam circular normalmemte. O caos instalou-se. As pessoas que queriam chegar ao trabalho a horas não conseguiram. É inquestionável que este método acabou por envolver nos protestos pessoas que não tinham qualquer intenção de se manifestar contra a proposta de lei de extradição. Se as manifestações são uma forma de expressar a opinião pública, a participação forçada é o seu oposto e, portanto, é uma forma de privar as pessoas dos seus direitos. É absolutamente incorrecto. Como é que podemos considerar pacífica uma manifestação que recorre ao uso de uma série de métodos para impedir o Metro de circular? A legalização das manifestações é um dos valores fundamentais de Hong Kong, bem como permitir que as pessoas expressem os seus desejos e aspirações. Mas é fundamental que não envolvam violência e que pessoas com outros pontos de vista se não vejam envolvidas à força numa luta que não lhes diz respeito. No sábado, 15 de Junho, Lin declarou suspensa a discussão da proposta de lei de extradição. O Governo estava já preparado para submeter a proposta à discusão no Conselho Legislativo. Em teoria, depois da transmissão da entrevista com Carrie Lam, os ânimos deveriam ter acalmado, mas tal não aconteceu. Durante a tarde, um homem morreu em Admiralty. Manifestações de pesar e de indignção espalharam-se rapidamente através da internet. Este incidente vai marcar o tom da manifestação de domingo, 16 de Junho. A avaliar pelos noticiários esta manifestação ainda vai ser maior do que a do domingo anterior. Embora no momento em que este artigo foi escrito ainda não houvesse cálculos, nem da parte do Governo nem da dos organizadores, tudo aponta que efectivamente o número de participantes aumentará. Mas, de qualquer forma, ainda vai ser necessário esperar pela contagem oficial. Às 19.30 de sábado, 16, os manifestantes voltaram a ocupar as vias rápidas de Central e de Sheung Wan, pelo que o trânsito ficou completamente congestionado. Mas, estranhamente, no momento em que escrevo, os condutores fizeram seguir os veículos e começaram a desimpedir as vias. É preciso continuar a acompanhar o desenrolar da situação. Felizmente hoje ninguém ficou ferido, porque todos amamos a paz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPublicidade enganosa [dropcap]N[/dropcap]o dia 2 deste mês o jornal de Hong Kong Sing Tao Daily publicou uma notícia sobre a jovem Miss Wong, proveniente de Hong Kong e estudante no Reino Unido. Miss Wong levantou um processo num tribunal londrino contra a Universidade Angelia Ruskin. O artigo não adiantava os motivos de forma muita clara, limitando-se a mencionar “publicidade falsa aos serviços”. Miss Wong inscreveu-se nesta Universidade em 2011, para fazer uma pós-graduação em administração internacional, um curso com duração de dois anos. A jovem escolheu a Angelia Ruskin devido ao panfleto promocional que garantia “Formação de Alta Qualidade” e “Boas Perspectivas de Emprego”. Estas indicações impressionaram favoravelmente Miss Wong. Mas depois do início do ano lectivo ficou decepcionada. As aulas começavam com atraso e terminavam antes da hora. Os estudantes eram incentivados ao “auto-didactismo”. Por tudo isto, a queixosa acusou a Universidade de fraude, na medida em que estava longe de garantir a “Formação de Alta Qualidade” anunciada no prospecto. Mesmo assim, terminou a formação em 2013 certa de que tinha assegurado o início de uma sólida carreira profissional. Mas sempre que se candidatava a um emprego era rejeitada. O diploma não era reconhecido no mundo do trabalho. Portanto, para Miss Wong, o curso não assegurava formação de qualidade nem garantia perspectivas de emprego e, como tal, considerou que o prospecto publicitário era enganador. Após negociação entre as partes, a Universidade indeminizou a queixosa com o montante de 61.000 libras. Deste valor, 46.000 libras eram destinadas a custas processuais. O sistema legal britânico é diferente do de Macau. A parte que perde o processo arca com as custas da outra parte. A principal despesa deste bolo são os honorários do advogado, que neste caso foram pagos pela parte acusada. Em entrevista ao jornal Sunday Telegraph, Miss Wong afirmou sentir-se satisfeita com o resultado do julgamento. Disse ainda estar convencida que de futuro a Universidade iria ter mais cuidado com o que escrevia nos prospectos promocionais. Promessas irrealizáveis não devem estar impressas em panfletos informativos. Embora este caso não envolva uma notícia de monta, para nós, não deixa de ser motivo de reflexão. Como sabemos, actualmente existem nove Universidades em Macau. Devido à implementação da Lei do Ensino Superior, estamos a entrar numa nova era da educação. Quase todas as Universidades têm de estar certificadas. A certificação atesta o grau de qualidade de cada uma delas. Desta forma, as Universidades devem poder garantir até certo ponto o seu nível de ensino. No entanto, Miss Wong processou a Universidade por incumprimento das promessas feitas aos estudantes no programa promocional. Segundo a notícia, a queixosa baseou o seu processo na falsidade do prospecto. Se tinha ou não tinha razão, é uma questão que fica em aberto. Mas uma coisa é certa, segundo a lei do Reino Unido, a partir do momento em que os estudantes pagam as propinas e ingressam na Universidade, estes prospectos fazem parte do contrato entre as partes. A Universidade é responsável por honrar os termos do contrato. Se não o fizer, entra em incumprimento e os estudantes podem processá-la. Embora a situação em Macau seja significativamente diferente da do Reino Unido, o prospecto é considerado um documento oficial na admissão à Universidade. Se existirem diferenças consideráveis entre o programa apresentado e a experiência que os estudantes vivem posteriormente, existirão naturalmente motivos de descontentamento. Consequentemente, as Universidades terão de ter muito cuidado com a forma com que redigem estes panfletos. Se as promessas se cumprirem todos ficam satisfeitos, mas se não se cumprirem os problemas hão-de surgir. Este caso acaba por ser um alerta para todas as Universidades, lembrando que devem ser cuidadosas na forma de divulgar os seus programas e responsáveis pelas expectativas que criam aos estudantes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPortas do Cerco em estado de sítio [dropcap]N[/dropcap]os últimos dias, devido às obras de manutenção e reparação das escadas rolantes, as pessoas que viajavam de Zhuhai e Macau acumularam-se no corredor das partidas das Portas do Cerco. Dia 22 deste mês, a Polícia de Segurança Pública, o Gabinete das Forças de Segurança e o Gabinete de Transportes deram uma conferência de imprensa conjunta para apresentarem o plano de emergência para lidar com a situação. As medidas incluem a abertura de 13 guichets do controlo alfandegário, para que sejam evacuadas 12.000 pessoas num espaço de quatro horas. Na medida em que a entrada do edifício de controlo de fronteiras é estreita e as escadas rolantes estão em manutenção, o risco de acidentes aumenta com a enorme concentração de pessoas. É portanto urgente fazer sair esta multidão. Após a implementação das medidas, as pessoas só esperam cerca de 10 minutos até entrarem no edíficio da alfândega. Espera-se que abram mais dois guichets durante o fim de semana, passando assim de 13 para 15. O Gabinete de Transportes pediu às companhias transportadoras que os autocarros mudassem de rota, para que os passageiros pudessem sair junto aos portões de embarque. Os autocarros que fazem a volta dos hotéis foram reduzidos para um terço e os passageiros são encorajados a entrar e sair de Macau pela Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. A substituição das escadas rolantes do edifício da alfândega das Portas do Cerco causou a concentração de uma multidão, e demonstrou a capacidade de infraestrutura pública de Macau para dar resposta a incidentes. O projecto de manutenção das escadas rolantes surgiu no princípio de 2018, mas o público só foi informado no dia anterior ao início das obras. Muitos dos residentes e turistas só se aperceberam da situação quando chegaram às Portas do Cerco. Esta situação sugere que as autoridades deverão fazer um esforço para publicitar este tipo de ocorrências com maior antecedência e que haja um controlo mais apertado das entradas e saídas em Macau. Fora isso, seria possível que o Governo providenciasse no sentido de serem utilizados outros postos de controlo alfândegário, para libertar a pressão das instalações das Portas do Cerco? Como o tempo de espera para entrar e sair de Macau está a aumentar, é possível que venha a ser necessário criar condições especiais para idosos, crianças, grávidas e pessoas com incapacidades, para evitar qualquer mal estar causado pelas altas temperaturas que se fazem sentir no Verão. Mas, pior do que isso, é a possibilidade de transmissão viral, frequente em locais super-lotados. Se uma pessoa estiver doente, facilmente muitas outras serão contagiadas e todos sabemos que se há vírus inofensivos, há infelizmente outros muito perigosos. Também é necessário alertar a população para o uso de máscaras. A presença de médicos no local e o controlo sanitário poderão ser ainda questões a considerar. As obras de manutenção e reparação das escadas rolantes do átrio das Partidas do edifício alfandegário das Portas do Cerco irão demorar cerca de 60 dias. O público irá sentir os seus transtornos por igual período. As escadas estão montadas paralelamente, em grupos de três. Devido às restrições de espaço, é possível que passem para grupos de duas, diminuindo grandemente a capacidade de transporte. Há uns tempos atrás estas escadas causaram muitos acidentes. Alguns turistas do continente forçavam manualmente a paragem das escadas e as pessoas que iam mais abaixo, como não conseguiam aguentar o impacto, perdiam o equilíbrio e caíam, fazendo cair também os que estavam atrás deles. Este foi um dos motivos que levou a separar as escadas em várias secções, de forma a diminuir os danos dos possíveis acidentes. Este aspecto deve de ser considerado na actual remodelação. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireitos dos Animais (II) [dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre duas das alterações à lei de protecção dos animais em Hong Kong. A primeira, reflecte-se na seccção 56 da Lei do Tráfego Rodoviário e prevê que, quem atropele um animal tem de parar, prestar auxílio e notificar a polícia num espaço de 24 horas. A segunda, estipula que os donos são responsáveis pelos seus animais, sendo sua obrigação cuidar e atender às suas necessidades. Esta obrigação constitui o “dever de cuidar”. Na sequência desta alteração, os tribunais podem privar uma pessoa do direito de possuir um animal para sempre, se este dever for seriamente violado A Lei de protecção dos animais de Macau não estipula esta condição, mas o parágrafo 1 do artigo 28 enuncia: Artigo 28.º Penas acessórias 1. A quem for condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 25.º e 26.º podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias: 1) Declaração de perda a favor do IACM do animal do infractor; 2) Proibição de aquisição e criação de animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos; 3) Proibição do exercício de actividades que impliquem o contacto efectivo com animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos; Como vemos, este artigo estipula que quem violar a lei será privado do seu animal, o qual será entregue ao cuidado do IACM. Isto implica que os animais sujeitos a maus tratos serão imediatamente resgatados. Embora aqui se preveja que quem infligir maus tratos a animais seja proibido de os ter por um período de um a três anos, não é uma interdição para toda a vida, conforme enuncia a emenda à legislação de Hong Kong. As leis da Região Administrativa Especial de Macau foram buscar o modelo da legislação portuguesa. Segundo o Código Penal português, a pena máxima é de 25 anos. Não existe prisão perpétua. Transpondo este princípio para a lei de protecção dos direitos dos animais, faz sentido que não se proíba ninguém de ter um animal para o resto da vida. Uma das antigas propostas de alteração a esta lei previa a criação de um corpo policial dedicado em exclusivo à protecção animal. Mas a polícia opôs-se argumentando a falta de efectivos. Sem intervenção policial, existirão inevitavelmente bloqueios à implementação da lei, especialmente quando os donos se recusam a colaborar, ou resistem violentamente, os responsáveis ficam incapacitados de agir. Outra crítica às emendas da lei de Hong Kong prende-se com a falta de uniformização, o que deu origem a dificuldades na compreensão e confusões. Também dificulta o trabalho dos departamentos responsáveis ao tentarem aplicar a lei correctamente. Conforme já foi referido, a legislação de protecção animal em Hong Kong, inicialmente, apenas se destinava a preservar a segurança e a sáude públicas. Actualmente foi alargada aos conceitos de direitos e bem-estar animal. Direitos e bem-estar animal e saúde e segurança públicas são dois binários conceptuais distintos. Misturar conceitos gera confusão, daí que as críticas pareçam ser compreensíveis. Em oposição, a legislação de protecção animal de Macau é basicamente um conjunto de quatro regulamentos, a Lei No. 4/2016, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 335/2016 que – Determina a proibição da aquisição, criação, reprodução ou importação das raças de cães e animais, o Regulamento Administrativo n.º 28/2004 que – Aprova o Regulamento Geral dos Espaços Públicos e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 106/2005 que – Aprova o Catálogo das Infracções a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, alínea 2, do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. Como Macau tem basicamente nesta matéria este conjunto de leis e Despachos, e a legislação sobre protecção animal remonta a 2016, pode afirmar-se que é uma lei recente. Além disso podemos classificar a legislação de Macau como “simples e clara” . No Génesis, é dito que Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. E Deus ordenou ” Ao homem é dado domínio sobre todas as coisas e ele recebe mandamento de se multiplicar e de encher a Terra.” Embora nem todos acreditem na Bíblia, o princípio sagrado de usar a lei para proteger os direitos dos animais e a promoção do seu bem estar, faz parte de uma sociedade saudável e evoluída. O primeiro passo para que este objectivo seja cumprido é compreender que os animais não são brinquedos, nem podem servir para descarregar frustrações; se assim não for, o agressor despe-se do sentido de moralidade que todo o ser humano deve possuir e será altamente provável que a lei de protecção animal venha a ser violada. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireitos dos animais (I) [dropcap]S[/dropcap]oube-se há cerca de duas semanas que o Governo de Hong Kong está a preparar uma revisão da legislação sobre protecção aos animais, nomeadamente para combater comportamentos cruéis. Em Macau, a Lei de Protecção dos Animais é relativamente recente. Esta é uma boa oportunidade para analisarmos a legislação das duas cidades e vermos o que cada uma delas pode aprender com a outra. Em Hong Kong, a “Lei de combate à Raiva” e os “Regulamentos sobre Animais Perigosos” destinam-se a promover a vacinação dos cães e o uso de trela em locais públicos, de forma a evitar que alguém possa ser mordido. O principal objectivo destas leis é garantir que os animais não constituam uma ameaça para a saúde nem para a segurança do público. A salvaguarda dos direitos dos animais não tem sido até agora uma preocupação. A protecção dos direitos dos animais centrou-se na legislação contra a crueldade. Exemplo disso é a Lei para a Prevenção da Crueldade para com os Animais, publicada em 1935 e elaborada de acordo com o Acto 1911 de Protecção dos Animais, britânico. Esta lei estipula que o tratamento cruel ou negligente, que causa sofrimento desnecessário, é ilegal e pode ser punido com uma multa até $200.000 e pena de prisão até três anos. Mas, desta vez, o Governo de Hong anunciou que irá introduzir alterações à lei. A primeira irá incidir na secção 56 da Legislação de Circulação Rodoviária. A alteração exige que o condutor que atropele cavalos, vacas, burros, ovelhas, porcos (excepto javalis), cabras, cães ou gatos, deve parar de imediato e comunicar o acidente à polícia num espaço de 24 horas. Se estas medidas forem tomadas, a hipótese de sobrevivência do animal atropelado aumenta significativamente. Por seu lado, o Parágrafo 1 do artigo 3 do MAPL estipula: Maus tratos a animais 1. É proibido o tratamento de animais por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que lhes inflijam dor e sofrimento. Embora o artigo condene a crueldade, a violência e a tortura não específica o que considera como tal. Por exemplo, o atropelamento e abandono de um animal pode ser considerado cruel, violento ou uma forma de tortura? Haverá necessidade que a lei seja mais específica e se venha a debruçar sobre a intencionalidade ou a não intencionalidade nestas circunstâncias? É considerado como crueldade, violência ou tortura, embora não só, pontapear, bater e provocar ferimentos ou mutilações. O Artigo 25 do MAPL estipula: Artigo 25.º Crime de crueldade contra animais Quem, com a intenção de infligir dor e sofrimento a animal, o tratar por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que resultem em mutilações graves, perda de órgãos importantes ou morte, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias. Embora a lei não enumere os comportamentos específicos que provocam estas consequências, condena todos os actos que as provoquem. Claro que enumerar comportamentos específicos seria exaustivo. Na sociedade actual, os meios pelos quais a violência, a crueldade e a tortura se exercem são inumeráveis. Embora a lei actual contemple um vasto leque de comportamentos, não quer dizer que esteja preparada para lidar com novos comportamentos crúeis, violentos e perversos que possam surgir no futuro. Os animais não falam e, como tal, não se podem queixar. Por isso, a lei tem de definir muito bem o que são actos de crueldade, violência e tortura, para que possam ser convenientemente punidos. É possível implementar a protecção dos direitos dos animais. Hoje em dia, nos países dos continentes europeu e americano a legislação de protecção animal já não se limita a condenar os maus tratos e a negligência. A lei estipula o “dever de cuidar” para proteger os direitos dos animais. É disso exemplo o Acto 2006 de Bem-Estar Animal, que foi acrescentado à legislação do Reino Unido em 2006. O “Dever de Cuidar” estipula que os donos têm de dar garantias de possuir os meios necessários para prover às necessidades básicas dos animais ao seu cuidado; além disso garante que os agentes das autoridades possam intervir sempre que um animal é encontrado em situação deficitária, como forma de prevenir tragédias futuras. É precisamente neste ponto que irá incidir a alteração à lei de protecção aos animais em Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInvestigação genética sujeita a novas regras [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 20, a Hong Kong TV anunciou que a China continental vai rever o Código Civil. As reformas jurídicas vão ter efeito em múltiplas áreas, nomeadamente na proibição do uso de tecnologia informática para fins que violem a privacidade dos cidadãos. Os órgãos estatais, e os seus funcionários, têm plena consciência da importância da salvaguarda da informação pessoal. Estão obrigados a manter a confidencialidade dos dados, não podendo em circunstância alguma, facultá-los indevidamente a terceiros. As reformas também se farão sentir nas áreas científica, académica e clínica, particularmente no que respeita à regulação dos procedimentos de manipulação de genes e embriões humanos. Estes procedimentos têm de obedecer à lei, aos regulamentos administrativos, não podendo nunca pôr em risco a saúde humana, nem violar princípios morais. Esta emenda específica do Código Civil teve obviamente em consideração a experência levada a cabo pelo Professor He Jiankui, em 2018. Ao criar uma transformação do genoma nos embriões de duas gémeas, o Professor imunizou-as contra o HIV. É consensual encarar a investigação de He Jiankui como um enorme avanço científico, mas ela constitui também uma violação clara das regras éticas e legais A transformação do genoma é uma caixa de Pandora que, uma vez aberta, pode libertar pesadelos imprevísiveis. Alterar o genoma pode agravar desigualdades entre os seres humanos e o agravamento de desigualdades pode gerar conflitos. A manipulação do genoma constitui uma clara violação da ética humana e, por isso, é totalmente pertinente a regulamentação desta área. A criação de mais leis e regulamentos é indispensável. Em primeiro lugar temos a investigação, depois as questões morais que levanta e finalmente a lei que a governa. Existem muitas questões nesta área na sociedade actual. A lei não pode limitar-se a regular os estudos genéticos. No último artigo, analisámos o caso de Jan Karbaat, o medico holandês, director do departamento reprodutivo de um Hospital estatal, que trocou o esperma dos dadores autorizados pelo seu, sem o consentimento das receptoras. Calcula-se que tenham sido geradas 60 pessoas com o material genético do médico. Organizadas em grupo, estas pessoas processaram-no, exigindo que fossem recolhidas amostras do seu ADN para comprovar a paternidade . A manipulação genética e a fertilização assistida representam, sem dúvida, enormes progressos científicos, mas, sem uma regulação com base na ética, podem ter resultados desastrosos e, sobretudo, imprevisíveis. É importantíssimo que a sociedade, através dos seus mecanismos jurídicos, supervisione e controle estes processos. A bem da igualdade de oportunidades e do bem estar social. A manipulação genética ilegal e a utilização não autorizada de esperma na fertilização assistida, são crimes aos olhos da lei. Pela sua natureza complexa, podem não ser facilmente identificáveis pelo homem comum. A sociedade tem obrigação de legislar e de punir os actos ilegais. Em conformidade, são necessárias mais leis para regularem os actos médicos. À semelhança da legislação que regula os crimes informáticos, as leis que regem os actos médicos serão independentes das leis tradicionais, terão de tomar em linha de conta todo o conjunto de incidentes que possam ter origem em actos médicos, de forma a governar de forma justa esta situação específica. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDoutor estranho amor [dropcap]N[/dropcap]o dia 16 deste mês, a TVB de Hong Kong passou uma estranha notícia. Um médico holandês, o Dr. Jan Karbaat, antigo director do departamento de medicina reprodutiva do Zuider Hospital, terá usado, ao longo de quinze anos, o seu sémen para fertilizar óvulos de pacientes. Não se sabe ao certo quantos bebés terão sido gerados desta forma. O Dr. Karbaat faleceu em 2017. A Direcção do Zuider Hospital veio a apurar que, entre 1973 e 1978, um total de 659 mulheres foram admitidas para serem submetidas ao processo de inseminação artificial, do qual resultaram 338 bebés. Se são, ou não, todos filhos do Dr. Karbaat, só a investigação em curso poderá dizer. Depois de deixar este Hospital em 1979, o médico abriu uma clínica reprodutiva, que viria a ser encerrada em 2009, devido a problemas administrativos. Profissionais da área afirmaram que este incidente só foi revelado muitos anos depois, porque antigamente a identidade do doador permanecia secreta, sendo apenas do conhecimento do pessoal clínico. Mas a legislação holandesa mudou em 2004 e a identidade dos doadores passou a ser pública. O médico foi acusado de usar o seu esperma para fertilizar pacientes, sem o conhecimento das interessadas. Existem suspeitas que tenham sido geradas mais de 60 crianças desta forma. Um dos membros e porta-voz, do auto-apelidado grupo “Filhos de Jan”, que se parece incrivelmente com o médico, solicitou ao Tribunal autorização para recolher uma amostra genética de Jan Karbaat, para comparar com o ADN dos membros do grupo. Após deferição do pedido, deu-se início a um longo processo de identificação. No seguimento destas investigações Joey, um dos filhos do médico, afirmou: “Depois de 11 anos de investigações, posso finalmente pôr um ponto final no assunto. Posso seguir em frente. Sinto-me feliz por ter identificado as minhas origens.” Tim Bueters, o advogado que representou os 49 filhos do médico, também se declarou satisfeito, por terem acabado as incertezas e os interessados terem tido, finalmente, acesso à verdade. Embora ainda não se saiba ao certo que acusação o Estado Holandês irá formular para estes crimes, pelo quadro apresentado, existem alguns pontos dignos de nota: 1. A lei holandesa estipula que uma pessoa só pode doar esperma por 6 vezes, no máximo, e que o número de mulheres que engravidam com esse esperma não pode ultrapassar as 25. O médico violou claramente estes limites. 2. As crianças nascidas por este método têm direito de saber quem é o seu pai biológico? Esta é uma questão legal, mas também moral, que dependerá da vontade do doador para se identificar. Será que as crianças merecem passar por isto? É claro que é um assunto que pode necessitar de privacidade. Mas se a identidade do doador for revelada, é natural que se pense na posição das mães, o que nos remete para outra área de privacidade. 3. Sem o consentimento das mães, e dos seus parceiros, o médico usou o seu próprio esperma, trocando-o pelo dos doadores “credenciados”. Pode este acto ser considerado uma violação da vontade dos receptores? Além disso, se o casal em causa tivesse conhecimento do sucedido durante a gestação, teria direito a recorrer ao aborto? A questão é complexa, não pode ser facilmente formulada. 1. Na Holanda, antes de 2004, as pessoas geradas com esperma de doadores não tinham direito de saber a identidade do progenitor biológico. Mas, depois de 2004, a situação mudou. No contexto actual, os seus “descendentes” tiveram possibilidade de reclamar a identidade do pai biológico . Jan Karbaat morreu em 2017 e deixou um legado. Naturalmente, os seus filhos têm direito a reclamar a herança. Esta situação é naturalmente desfavorável para a viúva e para os filhos do casamento. Se se confirmarem os 60 filhos, por via da inseminação artificial, então, cada um deles, terá direito a uma fatia – pequena – da herança do médico. Este é, de uma certa forma, um caso pioneiro. Sem a legislação adequada, teremos de pensar como se irá resolver o assunto e lidar com as lacunas da lei. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesEstacionamento inteligente [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 25 de Março, o Departmento de Transportes do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Municipal do Distrito de Sham Shui, para a construção de um parque de estacionamento inteligente, em Sham Shui Po. A área destinada ao parque tem cerca de 3.400 metros quadrados. As instalações terão a forma de uma espiral e os espaços de estacionamentos vão ser circulares. O estacionamento será inteiramente controlado por um sistema informático automatizado que incluirá uma rede de “paletes automáticas”. Este design permite maior facilidade e rapidez de estacionamento. No rés do chão do complexo prevê-se a construção de jardins, parques infantis e ginásios. Dia 7 deste mês, a Autoridade de Renovação Urbana de Hong Kong fez novas propostas para a construção do primeiro parque inteligente de Hong Kong, administrado por um sistema de estacionamento informatizado, responsável pelo controle das “paletes automáticas”. As paletes automáticas efectuam o estacionamento dos veículos. Primeiro o condutor pára o carro à entrada do parque e depois faz o seu registo no sistema. Quando este processo está concluído, a palete automática vai buscar o carro, introduzindo-se na parte de baixo do veículo e depois eleva-o para proceder ao transporte. O espaço de estacionamento é detectado automáticamente, bem como a trajectória até ao local. Este mecanismo de transporte está equipado com um sensor que lhe permite desviar-se dos obstáculos e evitar colisões. A Autoridade de Renovação Urbana alertou para o facto de não existir qualquer tipo de legislação que regule este sistema automatizado. Esta falha vai criar algumas dificuldades à aprovação do projecto por parte do Governo de Hong Kong. O conceito de parques de estacionamento inteligentes foi importado de Singapura. De forma a evitar o congestionamento do tráfego e as emissões de dióxido de carbono, Singapura tem encorajado o uso de bicicletas. Mas, tal como os carros, as bicicletas também necessitam de locais para estacionar. Se forem deixadas na rua, podem bloquear a circulação e, além disso, podem ser roubadas. Por causa disso, o Governo de Singapura criou um parque inteligente para estacionar bicicletas, com capacidade para albergar 500 unidades. Antes de entrar, o utilizador tem de se registar no sistema informático do parque, recebendo de seguida a password que lhe permite estacionar a bicicleta. O processo de estacionamente automático leva menos de um minuto a efectuar-se. Este sistema de estacionamento inteligente foi inventado no Japão, onde está em funcionamento já há algum tempo. É pois expectável que o novo parque de Hong Kong venha a funcionar às mil maravilhas. E que lições pode tirar Macau desta experiência? A 17 de Maio de 2018, o Governo da RAEM publicou a “Estratégia para o desenvolvimento da cidade inteligente de Macau e a construção nas áreas principais – Consulta Pública” . As plataformas automáticas de Singapura podem vir a ser tomadas em linha de conta para a implementação deste projecto em Macau. Macau tem imensos habitantes e, desde há muito tempo, que se sente a falta de parques de estacionamento na cidade. À noite, sobretudo, vêem-se bastantes carros estacionados na estrada. Este estacionamento desordenado provoca o caos, dificultando a circulação de veículos e de peões. Todos sabemos que durante a passagem dos super tufões Hato e Mangkhut em Macau, em 2017 e em 2018, muitos carros estacionados em parques subterrâneos ficaram literalmente desfeitos, devido às cheias. É urgente construir na cidade mais parques de estacionamento, em estruturas acima do solo. Quer do ponto de vista da vida do dia a dia, quer do ponto de vista do desenvolvimento urbano, os parques inteligentes são indispensáveis. Para estabelecer uma rede de parques inteligentes, são necessárias leis que os regulamentem. Embora exista em Macau muita legislação rodoviária, não existem leis que tenham em consideração as questões levantadas pelos parques inteligentes. Por isso, se quisermos construir parques inteligentes, temos de criar a respectiva legislação e agir antecipadamente. David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCrimes, escapadelas e computadores (III) [dropcap]H[/dropcap]á algumas semanas atrás, falámos sobre um caso ocorrido numa escola primária. Quatro professores divulgaram as perguntas dos exames e foram acusados de “aceder a computadores com intuitos desonestos”, ao abrigo da secção 161(1)(c) da Lei Criminal, de Hong Kong. Esta secção aplica-se a crimes informáticos. Este caso ficou famoso em Hong Kong e foi inicialmente julgado no Tribunal de Magistrados, posteriormente no Tribunal de Primeira Instância e finalmente no Tribunal de Recurso. A sentença desta última instância foi publicada no dia 4 deste mês. O julgamento durou, na totalidade, cinco anos. Da sentença publicada, destacam-se cinco pontos dignos de análise: Em primeiro lugar, fica bem claro que uma pessoa que cometa um crime abrangido pela secção 161 (1) (c) terá de usar o computador de outrém para satisfazer o pedido “irregular”. Se aplicarmos este princípio legal, a secção 161 (1) (c) não cobrirá situações em que o faltoso usa o seu próprio computador para actos fraudulentos a pedido de terceiros; ou no caso de usar o seu próprio computador para defraudar outras pessoas. Nestes casos, é problemático para o Governo da RAEHK acusar os responsáveis das infracções. Possivelmente, o Governo terá de analisar caso a caso antes de tomar uma decisão. Podemos apenas afirmar que não existe uma norma que regule todas estas situações. Em segundo lugar, na sentença nunca é dito que o smartphone é considerado um computador. Como o Tribunal de Recurso não se pronuncia sobre esta matéria, prevalece o parecer do Tribunal de Primeira Instância; ou seja, os smartphones são vistos como computadores. Relacionando o primeiro e o segundo pontos, não é difícil de concluir que o Governo da RAEHK será levado a legislar de forma a cobrir delitos que ainda não estão abrangidos por leis específicas. Um outro exemplo é o caso das fotos que são tiradas de forma a revelar o que as saias cobrem (muitas vezes sem o consentimento da mulher em questão). Ao abrigo da lei actual, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não existe crime. Se não houver uma nova legislação, o fotógrafo pode continuar a cometer este delito sem qualquer punição. No caso de o Governo da RAEHK promulgar uma nova legislação, esta deverá conter, pelo menos, dois elementos: 1. Fotografar partes intímas deverá ser considerado crime, mesmo que ocorra num espaço privado. 2. A nova lei deve estipular que o smartphone é um computador, ou em que circunstância o smartphone pode ser considerado uma ferramenta criminosa, que permita ao fotógrafo registar, à socapa, imagens de zonas intímas. Este elemento é fundamental, porque estas fotos são sempre tiradas com telemóveis e nunca com computadores. Em terceiro lugar, a secretária da Justiça propôs que a secção 161 (1) (c) se aplique a estas situações a bem das boas práticas públicas. Como já foi mencionado, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não é possível formular acusação. O Tribunal de Recurso não leva estes argumentos em consideração e afirma que a função do Tribunal é interpretar a lei e tomar decisões baseadas nessa interpretação. As boas práticas públicas são um factor com que o Tribunal não tem de lidar. A maior diferença entre o sistema da common law e o sistema da civil law reside no facto de, no primeiro caso, o Tribunal ter como função a interpretação da lei, ao passo que no segundo não terá. Após o Tribunal ter interpretado a lei, deve tomar a decisão de acordo com o seu próprio entendimento. A interpretação da lei só pode ser feita de acordo com métodos legais e segundo os princípios do estado de direito. Estes métodos não contemplam as boas práticas públicas. A secretária da Justiça apelou às boas práticas públicas por razões de ordem pessoal. Para além de ser representante do Governo da RAEHK, a secretária da Justiça é conselheira jurídica do Executivo. Uma das suas principais funções é a manutenção das boas práticas públicas através da aplicação da lei. No entanto, se o Tribunal de Recurso aceitar que este argumento é válido para recorrer de uma sentença, futuramente poderá usá-lo como critério para tomar decisões. Como as boas práticas públicas não são necessariamente princípios jurídicos, este método de interpretação legal não é, obviamente, compatível com uma interpretação apenas baseada na lei. Em quarto lugar, alguns casos têm estado pendentes à espera da clarificação do Tribunal de Recurso sobre o alcance da aplicação da secção COFA 161 (1) (c). No momento que que o Tribunal de Recurso publicar o seu Normativo estes casos serão retomados. Em função disso, o Governo da RAEHK pode manter ou rever as acusações. Depois das emendas, parece muito improvável que o Tribunal de Recurso venha a receber o mesmo tipo de apelos. Em quinto lugar, o caso dos professores que divulgaram os resultados dos exames foi julgado pelo Tribunal de Magistrados em 2014, depois passou ao Tribunal de Primeira Instência e, após recurso dos réus, ao Tribunal de Recurso, tendo ficado concluído só em 2019. Durou cinco anos. Independentemente de se ser, ou não, considerado culpado, é bastante difícil para alguém aceitar que um julgamento se arraste durante cinco anos. A pressão a que os réus ficam sujeitos é um trauma que dura uma vida. Este foi o preço que os professores tiveram de pagar por divulgarem as perguntas dos exames. Com a democratização da educação, um número cada vez maior de jovens ingressa nas escolas. Estas fugas de informação deveriam acabar, mas acontecem cada vez mais. Talvez o Governo da RAEHK tenha de considerar a possibilidade de legislar sobre esta matéria. Como Hong Kong realiza vários exames públicos, para simplificar, vamos dividi-los em dois tipos: públicos e privados. Antes das provas, as perguntas dos exames das escolas públicas, são consideradas documentos confidenciais do Governo. Mas os exames das escolas privadas são outro caso. Não podem ser considerados da mesma forma. Assim, se alguém divulgar as perguntas dos exames de uma escola privada, não incorre em nenhum crime. No entanto parece impossível que alguém que divulgue perguntas de um exame não venha a ser julgado. Macau tem a “Lei de Combate ao Crime Informático”. Se o caso da Escola Primária Heep Woh aqui tivesse acontecido, haveria forma de lidar com o assunto. Em breve irão realizar-se exames nas escolas primárias e secundárias e também provas de admissão às Universidades. Haverá necessidade de promulgar legislação especial para punir quem divulgue as perguntas dos exames? Conselheiro Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTratado de Extradição III [dropcap]Q[/dropcap]uem tem vindo a acompanhar os artigos sobre esta matéria, sabe que o pedido de extradição apresentado por Taiwan a Hong Kong esteve relacionado com um crime cometido naquele território por um cidadão de Hong Kong. Após cometer o crime o suspeito fugiu e o Governo de Taiwan apresentou um pedido de extradição ao Governo de Hong Kong. Este incidente esteve na origem da proposta de emenda à Lei dos Criminosos em Fuga (FOO sigla em inglês), feita após consulta pública. No espaço de dois meses, a sociedade de Hong Kong pronunciou-se através da sua comunidade empresarial e da Ordem dos Advogados, mas também se fizeram ouvir opiniões da American Chamber of Commerce e da União Europeia, que manifestaram diferentes pontos de vista sobre as emendas a introduzir na FOO. As emendas a um conjunto de leis de Hong Kong foram analisadas e comentadas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, o que é algo com que a maior parte das pessoas não teria ousado sonhar. A comunidade de Hong Kong manifestou diferentes opiniões a este respeito. Dezanove associações profissionais, como a “Faithful Relief” e a “Xinglin Awakened” emitiram um comunicado conjunto expressando a sua preocupação sobre a possibilidade das emendas deixarem os habitantes de Hong Kong desprotegidos, sem direito a um julgamento justo. Sublinharam ainda que a comunidade internacional pode vir a encarar o sistema jurídico independente de Hong Kong como parte do sistema jurídico da China continental. Na perspectiva destas associações profissionais o Governo de Hong Kong deverá limitar o alcance das emendas. Para já, pretende que o Tratado de Extradição se limite a Taiwan, ficando de fora a China continental e Macau. Além disto, de forma a evitar mais polémica sobre os casos de extradição, que podem inquietar os suspeitos e aumentar as possibilidades de fuga, o Governo de Hong Kong propõe que o Conselho Legislativo suspenda a discussão do assunto. As associações profissionais acreditam que este problema pode ser resolvido pela prisão preventiva do suspeito, antes que o Conselho Legislativo leve a matéria a debate. Lin Jianyue, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, pensa que a emenda não deve abarcar crimes económicos. Lin Jianfeng, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, defende que os crimes económicos deve ser tratados separadamente dos crimes violentos. No passado dia 7, a American Chamber of Commerce declarou junto do Governo de Hong Kong, que nutre “sérias reservas” em relação a estas emendas. A American Chamber of Commerce sublinha que as alterações à lei podem permitir que o Governo da China continental peça a extradição de empresários internacionais, que vivam ou estejam de passagem em Hong Kong, e que tenham sido acusados de crimes económicos no continente. Esta possibilidade iria desvalorizar a imagem de Hong Kong como cidade cosmopolita. A American Chamber of Commerce salientou ainda que, implementar ou não esta emenda, poderá ser um factor decisivo no estabelecimento e manutenção de grandes empresas internacionais em Hong Kong. A competitividade de Hong Kong poderá vir a ser afectada. No passado dia 23, Kano, Director do Gabinete da União Europeia em Hong Kong, declarou numa entrevista à RTHK, que tinha expressado ao Governo de Hong Kong a sua preocupação sobre o impacto destas alterações à lei nos cidadãos europeus, e que tinha solicitado que o Governo consultasse os estatutos da UE sobre Tratados de Extradição em Hong Kong. Kano propôs também que se dilatasse o período de revisão da legislação. Shi Shuming, membro executivo da Ordem dos Advogados de Hong Kong, salientou que se o Governo excluir um certo número de crimes em respostas às necessidades de alguns sectores, tornando impossível a extradição de certas pessoas, muita gente ficará demasiado “à vontade”. E nesse caso, porque não ter também em consideração as preocupações de outros sectores? Porque motivo há-de existir um tratamento diferenciado? É óbvio que existirão sempre stuações injustas. Tang Yingnian, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, acredita que o Conselho Legislativo irá discutir em detalhe a questão da repatriação nos casos de crimes não violentos como é o caso dos crimes fiscais e dos crimes económicos. No entanto defende as emendas a esta lei. Hong Kong não pode ser refúgio para quem quer fugir ao braço da lei. Tan Huizhu afirmou que qualquer assistência jurìdica mútua deve implicar quatro condições: 1. O crime na base do pedido de extradição, deve ser reconhecido nos dois locais; 2. O crime não pode ter, aos olhos da lei, diferenças óbvias entre os dois locais; 3. A existência de prova suficiente; 4. O crime deve ser encarado aos olhos da lei da mesma forma, antes e depois da transferência de soberania, Tan Huizhu salienta que as pessoas do mundo dos negócios não têm motivo para receios. Independentemente das várias opiniões, e quer estejamos ou não de acordo com elas, este assunto vai levar algum tempo a discutir até se conseguir um consenso, de forma a que a revisão da lei possa ser bem sucedida. A avaliar pelo estado das coisas, a entrada em vigor da emenda à lei não parece estar para breve. A função básica de qualquer lei é proporcionar equidade e justiça social. Nesta perspectiva, como lidar com o pedido de extradição de Taiwan para o suspeito da morte da jovem Poon Hiu-wing? A bem da justiça, não deveria a sociedade de Hong Kong pôr de lado as diferenças, concordar com esta extradição a título excepcional e, em seguida, colocar o assunto à discussão? Mas também podemos depreender pelas discussões que têm ocorrido no seio da comunidade de Hong Kong, que não existe nenhuma preocupação com o sistema jurídico. Será possível conseguir que Hong Kong e Macau assinem um Tratado de Extradição? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk «1...910111213141516171819»
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA urgência da paz [dropcap]N[/dropcap]o dia 30 de Agosto, seis líderes religiosos de Hong Kong pediram publicamente aos beligerantes que fizessem um período de tréguas de dois meses. A pausa destinar-se-ia à reflexão e à procura de consensos. Este grupo de religiosos era composto pelo Presidente da Associação Budista de Hong Kong, pelo Grande Mestre da Associação Budista de Hong Kong, por John Tong Hon, Cardeal da Diocese Católica de Hong Kong, por Tang Enjia, Deão do Instituto Confúcio, por Sa Zhisheng, Presidente da Sociedade Muçulmana Chinesa, por Su Chengyi, Presidente da Associação Cristã de Hong Kong, e por Dao Dehua, líder da Assoiação Taoísta. Estes homens, como todos os habitantes de Hong Kong, foram testemunhas de uma série de episódios violentos desencadeados pela revisão da Lei de Extradição. Estes distúrbios causaram sérios transtornos em todos os sectores da comunidade. O pedido de tréguas, endereçado ao Governo e aos manifestantes, prevê, para já, um período de dois meses de “paz”, tendo em vista o bem-estar da sociedade de Hong Kong, no seu todo. Este período também deverá destinar-se à reflexão e à procura de consensos. Todos aqueles que consideram Hong Kong como o seu lar deverão dar ouvidos a este apelo. Na verdade, a proposta é altamente exequível. Na situação que Hong Kong atravessa actualmente, se não se encontrarem soluções compatíveis com os interesses dos principais sectores da sociedade, a violência só terá tendência para escalar. A manutenção da violência vai continuar a desgastar Hong Kong a cada dia que passa. A declaração de um período de tréguas seria extremamente benéfica para a cidade. A reflexão proposta pelos religiosos, e a procura de consensos, também parece ser uma boa sugestão. A avaliar pelos últimos acontecimentos, se todos os fins de semana se registarem situações violentas, Hong Kong acabará por ser destruída. A continuidade da violência vai esgotar as forças da ordem. É difícil calcular o número de pessoas envolvidas nos desacatos, mas a força policial de Hong Kong conta apenas com 30.000 efectivos. Pensar que com este número de agentes se pode acabar com a violência é irrealista. É imperativo que as pessoas compreendam que a violência não é a solução para as divergências. Nenhum Governo pode ceder a este tipo de pressão, porque se cede uma vez terá de ceder muito mais vezes, e a violência não parará de aumentar. É um trunfo que não se pode dar a multidões enraivecidas. Se através do terror se puder impôr reivindicações de natureza política o terror não terá fim. O apelo dos religiosos é simples e fácil de compreender. É totalmente bem intencionado. No entanto, poderá ser um pouco irrealista. Pedir a pessoas enfurecidas que parem de lutar, é talvez um pouco ilusório. Além disso, esta multidão revoltosa não fala a uma única voz. Não defendem todos a mesma estratégia. Mesmo que alguns aceitem as tréguas a maioria não o fará e, infelizmente, este ambicionado período de pacificação não passará de mais um slogan politico, muito difícil de levar à prática. Nunca ouvi dizer que a destruição de uma família torne o seu futuro melhor, mas parece que actualmente há muita gente em Hong Kong que defende esta ideia perversa. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz e macau Professor Associado do Instituto Plitécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTodos no mesmo barco (II) [dropcap]C[/dropcap]omo vimos na semana passada, criou-se um movimento na internet apelando aos cidadãos de Hong Kong que retirassem o dinheiro dos Bancos, para pressionar as instituições, diminuir a confiança que as pessoas nelas depositam, afectando directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro e, muito provavelmente, prejudicando também outros locais. Além das consequências que se podem constatar directamente, este tipo de comportamento destrói completamente as conquistas consagradas na canção “Under the Lion Rock” que os hongkongers tanto trabalharam para alcançar. Estes comportamentos e a filosofia de “arrasar tudo e morrer unidos”, destruirá completamente o espírito nuclear e os ideais da Hong Kong do passado. Este movimento advoga um ideário divisionista e a divisão empurrará a cidade para um abismo sem retorno. Se assim for, Hong Kong deixará de ter qualquer futuro. Vai ser impossível preservar a imagem do território, mesmo que seja apenas para manter o status quo. Tudo isto trará danos irreparáveis a Hong Kong. Xu Guanjie, o deus da música de Hong Kong compôs a canção “Together in the same boat” nos anos 90. A intenção do poema era incentivar as pessoas a não emigrarem e permanecerem na cidade. A letra tem muitos pontos de contacto com a de “Under the Lion Rock”: “Sigo contigo neste barco, por ondas impiedosas fustigado, No horizonte, só vento e chuva nunca vistos, tudo se afigura caótico. Não sei o que nos espera. Mas decidimos continuar a navegar e tornar o nosso barco inquebrável, Luta para enfrentar as dificuldades e os desafios, Assim o barco nunca se afundará.” Aqueles que querem recorrer à violência para destruir Hong Kong, ou que incentivam as pessoas a tirar as suas poupanças dos Bancos, para criar o pânico financeiro, deveriam compreender que, enquanto viverem em Hong Kong, precisam de unir esforços para melhorar a cidade, essa é a sua obrigação. Qualquer forma de destruição só fará as coisas irem de mal a pior. Estas acções não irão ter qualquer tipo de reconhecimento. Só quando todos se puderem inter-ajudar e se mantiver acesa a chama e o espírito de Under the Lion Rock, Hong Kong poderá vir a ter um futuro grandioso. Na situação actual, é impossível solucionar os problemas com uma panaceia. Dado que toda a gente reconhece que esta é uma situação impossível, que caminho seguir? Em resposta, continuo a citar a letra da canção de Xu Guanjie, “Together in the same boat”: “Sigamos confiantes e reforcemos as fundações. Se cada um fizer a sua parte, abriremos caminho através da escuridão. ” “O espelho quebrado amanhã estará intacto e tudo irá melhorar. Com esperança, comecemos de novo, Conservemos para sempre o nosso barco aquecido. ” Desde que os hongkongers estejam confiantes, vão sempre esforçar-se por conseguir o melhor e trabalharão com afinco para criarem segundas oportunidades brilhantes. Juntos, sob o espírito de “Under the Lion Rock” – encorajamento, ajuda e entusiasmo mútuos, a população de Hong Kong vai fazer prevalecer a sua opinião. Os problemas que não puderem ser resolvidos hoje, se-lo-ão amanhã. Se cada facção se agarrar ao seu ponto de vista, excluindo o compromisso, puser de lado a cooperação, ou partir simplesmente para a destruição, o futuro de Hong Kong vai descrever-se apenas numa única palavra – “escuridão”. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTodos no mesmo barco (I) [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 16, alguns hongkongers lançaram através da internet um apelo designado “816 Withdrawal Day”, instando todos os residentes da cidade a levantar o dinheiro do Banco e, de preferência, a trocá-lo por dólares americanos. Este movimento pretende pressionar o sistema financeiro de Hong Kong e forçar o Governo a dar resposta ao cinco pontos da agenda dos manifestantes contra a Lei de Extradição dos Condenados em Fuga. Até ao momento, os Bancos da cidade não registaram qualquer movimentação fora do normal. Hong Kong começou a implementar o sistema indexado de câmbio a 17 de Outubro de 1983. Os três Bancos emissores de moeda em Hong Kong, o Bank of China, o HSBC e o Standard Chartered Bank, precisam de ter em depósito dólares americanos para cobrirem a emissão da moeda local, emissão que é feita sob a supervisão da Autoridade Monetária de Hong Kong. A taxa de conversão é fixa; 1US dólar equivale a 7,8 HK dólares. Até ao momento, o sistema indexado de câmbio tem funcionado bem, sem quaisquer efeitos adversos. A grande vantagem deste sistema é a paridade entre as duas moedas em termos de confiança. Quem confia na moeda americana, confia na moeda de Hong Kong. Os Bancos emissores de moeda em Macau, o BNU e o Banco da China (Filial de Macau) emitem moeda, contra a entrega na Autoridade Monetária de HK dólares. A taxa de câmbio é fixa; 1,03 pataca equivale a 1 HK dólar. No sistema indexado de câmbio, o dólar americano representa a reserva financeira do dólar de Hong Kong, pela mesma lógica, o HK dólar é a reserva financeira na emissão da moeda em Macau, ao abrigo do sistema indexado câmbio desta cidade. Acreditar no valor da pataca significa acreditar no valor do HK dólar e do dólar americano. A confiança é o valor mais importante de qualquer moeda. Quem não confia na moeda, prefere apostar noutros bens, como por exemplo imobiliária, ouro, jóias, etc. E agora há quem queira lançar uma campanha para retirar o dinheiro dos bancos, para criar de forma maliciosa tensões financeiras, caos e mesmo o pânico em Hong Kong. Este movimento tende a afectar directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro. Estas pessoas procuram lutar pelos seus objectivos destruindo Hong Kong. Contudo, ao destruirem Hong Kong, também vão afectar Macau. Tudo isto é totalmente desnecessário. Até ao momento, não há notícias de qualquer prejuízo causado em Macau. É sem dúvida algo de positivo. A série de incidentes, desencadeada em Hong Kong pela revisão da Lei de Extradição, não afectou, nem irá afectar Macau. Hong Kong tornou-se um centro financeiro a nível mundial devido aos esforços que desenvolveu ao longo de vários anos. Não é um objectivo que se possa atingir de um dia para o outro. O factor mais importante em qualquer sistema financeiro é a confiança que as pessoas nele depositam. Uma vez que essa confiança se perde, todos os sistemas financeiros colapsam. Se Hong Kong vier a ter problemas de ordem financeira e perder o seu estatuto de centro financeiro mundial, que mais valia lhe vai restar? Hong Kong não tem recursos naturais, as conquistas que alcançou foram obtidas com muito esforço, durante muitos anos. Os hongkongers alcançaram estas metas porque durante muito tempo possuiram espírito de inter-ajuda, encorajamento mutúo e, depois, colheram juntos os frutos do seu suor. Os hongkongers também preferem “navegar no mesmo barco”. Nos anos 70, acreditavam que quem trabalhasse com afinco, teria um futuro brilhante. Por isso, a partir dessa altura Hong Kong desenvolveu o espírito consagrado na canção “Under the Lion Rock”. A letra desta canção, interpretada pelo famoso cantor “Luo Wen”, já falecido, dizia o seguinte: “Evitem os conflitos e persigam juntos os vossos ideais Estamos no mesmo barco, jurámos não ter medo e permanecer unidos Deste lado do Cabo, demos as mãos e enfrentemos as intempéries, Trabalhamos com afinco e escrevemos a história da Imortal Hong Kong” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLazer ofensivo [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 6, a polícia de Hong Kong prendeu Fang Zhongxian, Presidente da Associação de Estudantes da Baptist University de Hong Kong. A detenção deveu-se alegadamente à posse de armas ofensivas, melhor dizendo, “armas laser”. Fang Zhongxian declarou que apenas disparava estas armas para observar o céu nocturno, foram compradas para lhe permitir “ver as estrelas.” Quando a notícia da prisão foi divulgada, um grande número de pessoas reuniu-se em frente à esquadra de Sham Shui, exigindo explicações. Um dos elementos do grupo dirigiu-se a um agente nos seguintes termos: “Gostaria de lhe perguntar quantas flashlights tem em sua casa? Tem pelo menos uma? Ter uma flashlight em casa é crime?” O agente replicou: “Não respondo a essa pergunta.” No cruzamento da Qinzhou Street com a Apex Street, Deng Yunan, o advogado da Baptist University of Hong Kong, dirigiu-se aos manifestantes, com estas palavras: “Por favor dispersem o mais rapidamente possível, especialmente os estudantes da Baptist University. O Presidente da Associação de estudantes está de momento hospitalizado, por isso não têm de ficar aqui. A polícia pode intervir e obrigar-vos a sair à força.” E realmente foi o que aconteceu, de manhã, a polícia acabou por actuar e lançar gás lacrimógeneo. Algumas pessoas foram presas. Posteriormente, Fang Zhongxian foi libertado. Será que as armas laser são armas ofensivas? A expressão “em posse de armas ofensivas” tem três elementos, “posse”, “armas” e “ofensivas”. Neste caso, não existem dúvidas quanto ao primeiro elemento “posse”, porque Fang Zhongxian tinha consigo dez armas laser quando foi detido pela polícia. O segundo elemento “armas”, significa literalmente um objecto que pode ser usado para atacar terceiros, bem como para defesa pessoal. Uma faca e um garfo não são, à partida, armas ofensivas. No entanto, se forem usados para atacar outras pessoas, serão considerados armas. O terceiro elemento, “ofensivas,” significa que têm capacidade para causar danos a terceiros, ferimentos ou mesmo a morte. Voltando ao exemplo acima citado, a faca e o garfo, utensílios usados para comer, podem ser considerados ofensivos se houver intenção de lhes dar esse uso. Desta forma, quando se apreende um objecto por ser considerado uma potencial arma ofensiva, não quer dizer que, à partida, seja esse o seu propósito. Mais tarde será verificado se existia intenção de o utilizar com fins agressivos. Um objecto é considerado arma ofensiva quando é potencialmente perigoso e é usado para atacar terceiros. Nas manifestações foram usadas armas laser para atear incêndios. Se for usada com este fim pode causar danos físicos e materiais. Nessas mesmas manifestações, alguns agentes da polícia foram feridos com armas laser. Por aqui se vê que estes objectos podem ser perigosos e utilizados como arma ofensiva, mas não se pode afirmar que a pessoa que possui uma arma laser tenha intenção de agredir, porque pode tê-la apenas para actividades de lazer. Mas, voltando ao exemplo acima citado, se um objecto tem várias finalidades, sendo que uma delas poderá ser a agressão, excluir todas as outras e fixarmo-nos apenas nos propósitos ofensivos, só terá impactos sociais negativos e servirá para fomentar a discórdia. Ao reflectirmos sobre esta questão, também devemos considerar a posição da polícia Hong Kong. Em várias, das recentes manifestações, houve efectivamente pessoas que usaram armas para agredir a polícia. Vários agentes ficaram feridos, sendo que a maior parte dos manifestantes eram jovens. Nestas circunstâncias, a prisão de Fang Zhongxian faz sentido. Do ponto de vista da manutenção da ordem e da segurança públicas, é razoável deter Fang Zhongxian e pedir-lhe que coopere em futuras investigações. No entanto, se acreditarmos que um objecto que serve para iluminar o céu e permitir ver as estrelas é uma arma ofensiva, será difícil convencermo-nos do contrário.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA quimera do ouro [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 23, a Radio Television Hong Kong anunciou a reunião entre os representantes do New People’s Party e o Secretário das Finanças, Paul Chan. Na reunião foi discutido o próximo Orçamento e foram apresentadas propostas. Este partido sugeriu que todos os residentes permanentes de Hong Kong, com idade superior a 18 anos, deveriam passar a receber uma verba do Governo de HK$8.000. O New People’s Party acredita que a entrega desta verba trará mais benefícios do que o reembolso dos impostos. As pessoas ficarão felizes por receberem esta quantia. O New People’s Party propôs também a atribuição de um subsídio de maternidade no valor HK$20.000. Este montante ajudará a aliviar os encargos financeiros dos jovens casais e aumentará os rendimentos da população de Hong Kong. Esta distribuição de dinheiro pela população concretiza-se em Macau através da atribuição de cheques pecuniários. Este ano, os residentes permanentes receberam 10.000 patacas. Entre 2014 e 2018, recebiam 8.000 patacas anuais. O subsídio atribuído por cada recém-nascido, proposto pelo New People’s Party, é o subsídio de maternidade de Macau. Nesta cidade, ambos os pais podem solicitar o subsídio. O valor de cada contribuição é de 5.260 patacas. Se o pai e a a mãe se candidatarem, podem receber um total de 10.520 patacas. Em 2011, o Governo de Hong Kong implementou a atribuição anual de HK$6.000 aos residentes permanentes maiores de 18 anos. Este foi um período dourado, de grande crescimento económico. No entanto esta decisão sofreu alguma contestação. Algumas pessoas consideraram esta verba muito baixa e que faria pouca diferença na melhoria da qualidade de vida da população. A mina de ouro não estava a beneficiar toda a gente. Em 2018, o Governo de Hong Kong voltou a instituir o plano de pagamentos. Desta vez, foram distribuidos HK$4.000 per capita, através do sistema “Caring and Sharing Scheme.” Qualquer pessoa, com bilhete de identidade de Hong Kong e residência permanente na cidade, estava em condições de receber esta verba. Hongkongers com residência noutros locais e residentes não permanentes não tinham acesso a este benefício. Mas este plano de pagamentos foi também bastante criticado. Aqui, em Macau, não se conhece ninguém que pense que os cheques pecuniários são uma má medida. Talvez Hong Kong precise de se aproximar do modelo de Macau, onde, tanto os residentes permanentes como os não permanentes recebem verbas anuais. Talvez toda a gente fique satisfeita se receber uma fatia do bolo. É um facto indiscutível que, nos dias que correm, os Hongkongers precisam de algo que os façam sorrir. Recentemente a Faculdade de Medicina e a Universidade de Hong Kong levaram a cabo um estudo, não relacionado com os deploráveis incidentes violentos que tiveram lugar na cidade. Mais de 1.200 adultos foram entrevistados por telefone e cerca de 9.1% foram considerados vítimas de depressão. Além disso, no grupo etário acima dos 50 anos, esse valor aumentava. A cerca de 4.6% foram diagnosticadas ideias suicidas. Estes números indicam que 108 pessoas em 1.200, sofrem de depressão. Não há dúvida de que é uma percentagem muito alta. Durante os dois últimos meses, a comunidade de Hong Kong experienciou diversos incidentes relacionados com a contestação à revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga. Este estudo indica que muitas pessoas em Hong Kong sofrem de depressão, mas não provam que exista qualquer relação entre as duas situações. Em todo o caso, os números provam que a sociedade de Hong Kong tem de enfrentar esta doença. O sonho é um tratamento eficaz contra a depressão. Se o Governo de Hong Kong distribuir dinheiro por todos, no quadro do próximo Orçamento, pode fazer toda a gente sorrir e sonhar. Espero que este sorriso possa trazer uma nova esperança a todos os habitantes de Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesImposto digital [dropcap]A[/dropcap] última cimeira do G20 aprovou a implementação do imposto digital, para ser aplicado a empresas que fornecem serviços digitais (as DPC sigla em inglês). Das empresas deste ramo destacam-se o Facebook, o Google, a Apple e a Amazon, conhecidas em todo o mundo. No universo online, onde vivemos actualmente, as DPC vendem e-books, publicidade e colocam os seus motores de busca ao nosso dispor, para nos permitir procurar todo o tipo de informação. Os consumidores pagam estes serviços. Estes pagamentos geram os lucros das DPC. Sem um imposto digital não há forma de taxar as DPC e, ao contrário das empresas tradicionais, as DPC pagam impostos baixos. Quando na cimeira do G20 foi estabelecida a necessidade de cobrar o imposto digital, foram avançados dois princípios. O primeiro consistiu na regulação das taxas. Debateu-se se os impostos deveriam ser cobrados nos países onde os serviços são prestados ou nos locais onde as empresas estão sediadas. Mas, como as DPC não são empresas físicas, nem estão registadas num determinado país, estabeleceu-se que as taxas seriam cobradas pelos países onde os serviços são prestados. Serão, pois, os Governos dos países consumidores destes serviços a cobrar o imposto. Nestas questões a justiça fiscal é importante. Se os países não tiverem implementado o imposto digital, por mais dinheiro que as DPC ganhem, os governos não o podem cobrar. Para a economia desses países também é injusto que empresas que facturam milhões não contribuam com uma parte dos seus lucros. Em segundo lugar, a cimeira decidiu que se estabeleceria uma taxa mínima para esta contribuição fiscal. Este princípio é bom, mas encerra alguns problemas. A Irlanda e o Luxemburgo já têm imposto digital, cobrado a uma percentagem relativamente baixa. Para evitar pagar mais, as DPC têm-se estabelecido nos países que cobram taxas baixas. Nos países que cobram imposto mais alto, as DPC só têm fornecido os seus serviços. Se for criada uma percentagem global para o imposto digital, as vantagens que os países como a Irlanda e o Luxemburgo oferecem vão ser significativamente reduzidas; por isso estes países têm-se oposto à percentagem global. Se esta questão não for resolvida, vai ser difícil o G20 estabelecer uma regulamentação global até 2020. Singapura já tinha anunciado a implementação do registo de fornecedores estrangeiros para 2020. Neste regime DPCs com uma receita anual superior a 1 milhão de dólares, e uma facturação local superior a 100.000 dólares, deverá pagar este imposto. O Japão reviu os impostos ao consumo em 2015 e expandiu a taxação a empresas estrangeiras que vendam produtos digitais em solo japonês. Desde que a transacção ocorra no Japão, o fornecedor tem de pagar imposto ao Governo nipónico. A definição do local da transacção foi alterada de “localização do fornecedor do serviço” para “morada do consumidor do serviço”. Estamos, pois, perante a eclosão de um novo imposto global. De que forma deverão Hong Kong e Macau lidar com esta situação? Se Hong Kong continuar a manter o seu sistema fiscal, ou seja, omitindo o imposto digital, pode vir a atrair para o seu território muitas DPCs. Mas se isto se verificar, o Governo de Hong Kong vai perder uma fonte de rendimento fiscal. Actualmente, a maior parte dos dividendos do Governo de Hong Kong são obtidos através da venda de terras. É uma receita instável. Para além disso, existem poucos impostos em Hong Kong. Do ponto de vista dos cofres da cidade, seria uma boa decisão a implementação do imposto digital Saliente-se ainda que a comunidade internacional defende a criação deste imposto num futuro próximo e, para se manter alinhado com o resto do mundo, Hong Kong também o deveria implementar. A receita do Governo de Macau provém sobretudo dos casinos. Após a reunificação da China, os casinos são fonte de enormes lucros e a receita do Governo também tem vindo a subir. Para já, em Macau o imposto digital não parece ser uma prioridade. Outra vantagem possível da não implementação deste imposto é o encorajamento ao crescimento do comércio online na cidade. Pode vir a atrair DPCs estrangeiras para aqui se estabelecerem. De qualquer forma, continuemos a acompanhar os desenvolvimentos da implementação do imposto digital e depois tiraremos mais conclusões. Legal consultant of Macau Jazz Promotion Association Associate Professor, Macao Polytechnic Institute Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSomos campeões [dropcap]P[/dropcap]ara todos os estudantes do ensino secundário de Hong Kong o dia 10 de Julho é um marco importante, porque é nesse dia que são anunciados os resultados dos exames finais de curso, designados por HKDSE. Deste resultado depende o futuro dos estudantes. Os que passarem continuam rumo à Universidade, os que não passarem rumam em direcção ao mundo do trabalho. Dos exames deste ano destacaram-se 12 campeões. Os ditos campeões são alunos que ficam classificados em primeiro lugar em pelo menos sete disciplinas. Ao contrário dos anos anteriores, dois destes campeões não vieram das escolas tradicionalmente mais importantes. Esta mudança demonstra que os resultados dependem em muito do empenho dos estudantes. Quem trabalha com afinco tem necessariamente boas notas. Às escolas, aos colegas e aos pais cabe o papel de formação e encorajamento, o papel de apoio aos candidatos. Mas o mais importante é o esforço de cada um. Esperemos que esta mudança sirva para que os estudantes, que não frequentam as escolas mais afamadas, compreendam a importância do empenhamento pessoal. Esta é a grande verdade. O HKDSE é um exame público. Os enunciados são criados pela Autoridade de Examinação de Hong Kong. As grandes vantagens do exame público são a objectividade e a equidade. É muito difícil haver fugas dos conteúdos destes enunciados. Usar os mesmo critérios de avaliação para todos, faz com que a credibilidade dos exames seja bastante elevada. Em Macau, para acesso às quatro Universidades, existe apenas um exame conjunto. Futuramente o exame de acesso à universidade irá fundir-se com o exame final do secundário e terá a sua importância acrescida. Este ano, apresentaram-se 56.000 candidatos ao HKDSE. Nos anos 80, apenas existia o Exame de Certificação Educativa de Hong Kong (HKCEE – sigla em inglês). O exame actual, o HKDSE, ainda não tinha surgido. Todos os anos, cerca de 130.000 candidatos participavam no HKCEE. Nesta época, quando o candidato falhava o exame, tinha de repeti-lo no ano seguinte ou ingressar directamente no mundo do trabalho. Hoje em dia a situação é muito diferente. Actualmente, quando o estudante não tem resultados satisfatórios, embora não possa ingressar directamente na Universidade, tem a possibilidade de aceder a um programa de equivalências onde pode obter um bacharelato e futuramente uma formatura universitária. À medida que o tempo passa o sistema educativo muda. Quanto mais facilitado for o acesso às universidades, menos valor terão os cursos superiores. Nos anos 80 um curso superior dava acesso imediato a uma posição bem remunerada, os licenciados passavam a pertencer à classe média e construíam uma vida confortável. Podiam comprar casa, carro e criar uma família. Mas hoje em dia, quer seja em Macau ou em Hong Kong, quem é que pode atingir esse nível de vida quando acaba a Universidade? A popularização do ensino superior provocou a sua própria desvalorização e os estudantes deixaram de acreditar que o curso lhes vá proporcionar um bom futuro. Esta situação acaba por desencorajá-los e isso ressente-se nos estudos. Não se aplicam o suficiente porque não acreditam que o seu esforço vá verdadeiramente dar frutos e acabam por sair da Universidade mal preparados. Se uma geração com poucos conhecimentos vier a ocupar lugares de destaque, que tipo de sociedade nos espera? O principal objectivo da Universidade é a formação de pessoas especializadas de forma a permitir o bom funcionamento da sociedade no seu todo. A conjuntura social não pode ser controlada pela Universidade, mas os factores que a condicionam afectam directamente o desempenho académico dos estudantes. Se as condicionantes actuais se mantiverem, é pouco provável que o desempenho académico em termos globais melhore e, em última análise, a vítima da situação será a sociedade em geral. Cumprimentemos os campeões que obtiveram as melhores notas nos exames; no entanto, e ao mesmo tempo, devemos reflectir sobre os resultados académicos em termos globais. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesJurisdição além fronteiras [dropcap]A[/dropcap]pós o anúncio oficial da suspensão da revisão da lei dos condenados em fuga por parte da Chefe do Executivo, este processo chegou ao fim. Embora nos últimos dias ainda se tenham efectuado pequenas manifestações em Hong Kong, têm sido em geral demonstrações pacíficas. No entanto houve uma excepção, a invasão e vandalização do edifício do Conselho Legislativo. Na sociedade actual as pessoas têm a obrigação de se manifestar de forma pacífica, independentemente das causas que defendem. Ninguém pode apoiar manifestações que degeneram em motins e dão origem a violência física e a danos materiais. Uma sociedade evoluída permite que as pessoas manifestem as suas opiniões de forma pacífica e dá espaço para os diferentes pontos de vista. No entanto, não se pode aceitar o recurso à violência como forma de imposição das ideias de um determinado grupo de pessoas. É um comportamento que nos vemos forçados a condenar. Na sequência do ataque ao Parlamento, ficou a saber-se que o edifício não tinha seguro. Não se sabe se este lapso se deveu a uma recusa da companhia seguradora ou a um simples esquecimento por parte do Governo. Seja qual for o caso, este problema tem de ser resolvido. Claro que pôr trancas à porta depois da casa arrombada não é a melhor ideia e, neste caso, não sabemos que companhia seguradora irá estar interessada no negócio depois da vandalização do edíficio. Estamos sem dúvida perante um problema. Se não houver forma de fazer um seguro, será que podemos contar com uma alternativa? A questão central que desencadeou a vontade de rever a lei de extradição dos condenados em fuga foi o alegado crime perpetrado em Taiwan por um residente de Hong Kong. A revisão da lei foi suspensa. Não restam dúvidas que este suspeito vai beneficiar da suspensão revisão da lei. Já não vai ser julgado em Taiwan; significando que não irá responder pelas suas acções perante o Tribunal. No passado dia 28, o jornal Sing Tao Daily anunciou que Yang Yueqiao, deputado do Conselho Legislativo, escreveu à Chefe do Executivo manifestando vontade de ver aprovada a jurisdição extraterritorial do Tribunal de Hong Kong. Do ponto de vista legal, em princípio, um tribunal local só tem capacidade de julgar casos ocorridos no seu território; nas situações que se verificam fora de Hong Kong a legislação local não se aplica. As leis de Hong Kong não podem ser usadas como padrão em julgamentos de crimes praticados além fronteiras. No entanto, se for aplicada a jurisdição extraterritorial, as leis de Hong Kong podem passar a ser aplicadas a casos ocorridos fora do território. Desta forma o suspeito do homicídio de Taiwan poderia vir a ser julgado em Hong Kong. Mas esta possibilidade levanta dois problemas óbvios. Em primeiro lugar, estender a jurisdição local a um caso ocorrido além fronteiras é alargar o seu poder a território estrangeiro. Se as autoridades da outra região discordarem, que consequências poderão daí advir? Ou seja, se as autoridades de Taiwan não concordarem que o suspeito venha a ser julgado em Hong Kong e, por isso, não quiserem entregar as provas comprometedoras, o julgamento não se poderá efectuar. Em segundo lugar, o Governo de Hong Kon é um governo local. Estender a jurisdição da RAEHK a outras regiões está completamente para lá dos limites da Lei Básica da cidade. Sem o consentimento do Governo Central tal nunca será permitido. A possibilidade da jurisdição extraterritorial depende de vários factores, não parece fácil implementá-la para levar o suspeito do crime de Taiwan a comparecer perante a justiça. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDesvalorização da educação [dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira da semana passada os jornais de Hong Kong publicaram a notícia do suicídio de uma jovem universitária. No bilhete que deixou, apelava à manutenção da luta contra o projecto de lei de extradição dos condenados em fuga. Lembrava que os esforços empreendidos por dois milhões de pessoas não podiam ser desperdiçados. A notícia também adiantava que a jovem tinha rompido com o namorado. Durante o período de luta contra a lei de extradição já morreram duas pessoas. A primeira foi o homem que se suicidou em Admiralty e agora esta rapariga. Dois suicídios merecem alguma reflexão. Porque é que os jovens são actualmente tão frágeis? Porque é que encaram o suicídio como saída? É compreensível que o suicídio possa ser visto como uma forma de fugir dos problema, mas não os resolve de forma alguma. Os adultos devem enfrentar as dificuldades e lidar com elas com calma. O suicídio, para além de ser uma forma de fuga, provoca grande sofrimento aos familiares. Praticar suicídio por causa da lei de extradição provoca sofrimento à sociedade em geral. Se estes suicídios provocarem problemas sociais desnecessários, então serão ainda mais inaceitáveis. Muitas das pessoas envolvidas nas manifestações contra a lei de extradição são universitários e estudantes do secundário. Existirá um problema no sistema educativo que leve os estudantes a sair para a rua e defenderem as suas opiniões? Penso que a resposta a esta pergunta é muito complexa e não pode ser dada sucintamente. No entanto, uma coisa é certa. Hong Kong era relativamente pobre nos anos 60 e 70. Apenas uma percentagem mínima podia aceder ao ensino superior. Nos anos 80, Hong Kong começou a enriquecer. A pessoas compreenderam que a educação proporciona um futuro melhor. Por isso, nesta altura, houve uma corrida às Universidades, toda a gente queria ter um doutoramento. Pensavam que não teriam de se preocupar com o futuro nunca mais; a entrada na Universidade era um feito glorioso. Nos anos 90, viveu-se a febre do investimento. Imensa gente investiu dinheiro na Bolsa e em vários negócios. Além disso o Governo criou mais cursos superiores para compensar a saída de especialistas para o estrangeiro. Em comparação com os anos 70 e 80, a cotação do ensino superior começou a baixar. Além disso tinha deixado de ser necessário um grau universitário para ganhar dinheiro. Hoje em dia o preço das casas em Hong Kong e em Macau é altíssimo. Alguém que tenha acabado de se formar não consegue comprar um apartamento. A educação superior já não pode proporcionar um futuro radioso. Os jovens começam a desvalorizar o ensino universitário, e interrogam-se se vale a pena perder tempo a frequentar uma Faculdade. Trabalham apenas para a nota que garante passarem. Tudo o que vai para além disso é excessivo. Como não concentram as suas energias nos estudos, aplicam-nas noutras coisas. Coisas essas que podem ser, por exemplo, lutas sociais. Questões de ordem social geram naturalmente problemas sociais. A participação dos estudantes nas manifestações está intimamente ligada à sua atitude perante o estudo. Portanto, se não se ultrapassarem os problemas económicos e de qualidade de vida, será muito difícil Hong Kong voltar a ser uma sociedade harmoniosa e inclusiva. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLei de extradição continua na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, os últimos domingos foram assinalados por duas enormes manifestações contra a revisão da lei de extradição dos condenados em fuga. De acordo com os dados da organização, na primeira manifestação participou cerca de um milhão de pessoas e na segunda participaram cerca de dois milhões. Um dos manifestantes morreu em Admiralty ao cair de um edifício. Segundo os dados do Governo de Hong Kong o número de participantes foi muito inferior. De qualquer forma, esta questão não é muito relevante. A segunda manifestação, que começou às 14.40, congregou tantas pessoas que só se pôde ver o seu final pelas 23.00. A participação massiva nestas manifestações confirma que o Governo de Hong Kong tem um problema sério entre mãos. Em primeiro lugar, as manifestações revelam que os habitantes de Hong Kong estão muito preocupados com a revisão da lei e que querem suavizar as alterações. Em segundo lugar, o aperfeiçoamento em termos de organização que se verificou da primeira para a segunda manifestação, muitíssimo bem organizada, colocou o Governo da cidade perante um difícil dilema. Por um lado, os manifestantes tinham um objectivo muito bem definido e transmitiram as suas exigências de forma pacífica, sem necessidade de recorrer a qualquer tipo de violência. De certa forma obrigaram o Governo a aceitar os seus pontos de vista. O que se passou desta vez em Hong Kong, nada teve a ver com o que por vezes acontece noutros locais do globo, que degenera em tumultos incontroláveis. A forma pacífica das pessoas se manifestarem impediu a polícia de intervir. Efectivamente, nesta segunda demonstração, a polícia limitou-se a abrir caminho para os manifestantes passarem e a velar para que a ordem se mantivesse. Se de futuro os hong kongers passarem a demonstrar desta forma as suas insatisfações o Governo vai ficar numa posição difícil. Em terceiro lugar, a Chefe do Executivo de Hong Kong anunciou a suspensão da revisão da lei de extradição dos condenados em fuga e não a abolição da revisão. Estas palavras “suspensão” e “abolição” deram o mote para algumas pequenas manifestações, que se realizaram depois da segunda grande manifestação. A questão estava precisamente no facto de suspender ou abolir a revisão da lei. Claro que a suspensão implica o regresso do projecto de lei ao Conselho Legislativo, enquanto a abolição implica a morte imediata deste projecto. No entanto, algumas pessoas próximas dos círculos governamentais têm salientado que, se o Governo não tiver forma de lidar com as exigências deste número esmagador de manifestantes, será impossível reiniciar o processo de revisão da lei. Desta forma, a “suspensão” de Carrie Lam talvez venha a ser sinónimo de “abolição”. É evidente que no seio da sociedade de Hong Kong se encontram apoiantes da “suspensão” e da “abolição”. Mas independentemente das diferentes opiniões, o facto que salta à vista é que o Governo não está em posição de resolver esta disputa e que será melhor não levar para a frente a revisão da lei. No decurso das duas manifestações massivas as exigências dos habitantes de Hong Kong foram expressas de forma inequívoca e o Governo da cidade anunciou a “suspensão” da revisão. As pessoas devem reflectir sobre estes dois factos. Será que ainda é necessário continuarem as manifestações para exigir a “abolição” da revisão? Se continuarmos a escalpelizar este assunto que consequências podem daí advir? Rowan Tam, um antigo cantor de Hong Kong, tinha uma canção,”Under the Lion Rock”, que dizia mais ou menos o seguinte: “Navegamos no mesmo barco sob a Lion Rock, devemos ajudarmo-nos uns aos outros, esquecer as diferenças e procurar as semelhanças.” Quer sejamos a favor ou contra a revisão da lei de extradição, Hong Kong tem de seguir em frente, olhar para o futuro e deixar o passado para trás. Unamos esforços para que Hong Kong possa vir a ter um futuro brilhante. Este deverá ser o desejo de todos nós. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesExtradição na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong esta semana ficou marcada pelas manifestações de protesto contra a proposta de lei de extradição dos condenados em fuga. Na demonstração de 9 de Junho compareceram imensas pessoas. As autoridades adiantaram o número de 153.000 participantes, ao passo que o porta-voz da organização apontava para cerca de um milhão. Mas todos sabemos que estes cálculos nunca são precisos. Durante o desfile, o responsável pelo cálculo do número de participantes tira fotos, conta as pessoas que aparecem na foto e calcula a área que ocupam. Se continuar a fotografar a mesma área a intervalos regulares é possível fazer uma estimativa do número de pessoas presentes. Esta estimativa pode variar conforme a área escolhida. Mas, seja qual for o número apontado, estiveram presentes sem dúvida muitos milhares de pessoas nesta manifestação. No dia seguinte, segunda-feira, 10 de Junho, a TVB de Hong Kong entrevistou a Chefe do Executivo Carrie Lam. No decurso da entrevista, Lam deixou bastante clara a sua posição sobre o assunto. Em primeiro lugar, admitiu que esta proposta de lei toca questões muito controversas. Estas declarações foram úteis, mas as dúvidas não ficaram eliminadas. Mas Lam também assinalou que, se a oportunidade de rever a lei não for agora aproveitada, não se saberá quando o poderá vir a ser. Além disso resta a dúvida se a próxima proposta de revisão da lei vai ser bem-sucedida. Carrie Lam foi peremptória. Acredita que não vai ser. Por estas declarações podemos deduzir que, se duvidamos que a nova proposta de lei venha a ser bem aceite, então mais vale lidar com o assunto agora do que adiar a sua resolução. Ainda a entrevista não tinha sido transmitida, quando se deu um motim em Hong Kong. A multidão ocupou as principais vias rápidas da cidade causando o congestionamento do tráfego. Depois da intervenção da polícia a situação começou a normalizar. As manifestações e marchas realizadas na quarta-feira em Admiralty provocaram ferimentos em manifestantes e em agentes da autoridade. Mas na quinta-feira a situação agravou-se. Os organizadores convocaram as pessoas para as estações de Metro. Multidões precipitaram-se para as entradas do Metro durante a hora de ponta e os comboios não puderam circular normalmemte. O caos instalou-se. As pessoas que queriam chegar ao trabalho a horas não conseguiram. É inquestionável que este método acabou por envolver nos protestos pessoas que não tinham qualquer intenção de se manifestar contra a proposta de lei de extradição. Se as manifestações são uma forma de expressar a opinião pública, a participação forçada é o seu oposto e, portanto, é uma forma de privar as pessoas dos seus direitos. É absolutamente incorrecto. Como é que podemos considerar pacífica uma manifestação que recorre ao uso de uma série de métodos para impedir o Metro de circular? A legalização das manifestações é um dos valores fundamentais de Hong Kong, bem como permitir que as pessoas expressem os seus desejos e aspirações. Mas é fundamental que não envolvam violência e que pessoas com outros pontos de vista se não vejam envolvidas à força numa luta que não lhes diz respeito. No sábado, 15 de Junho, Lin declarou suspensa a discussão da proposta de lei de extradição. O Governo estava já preparado para submeter a proposta à discusão no Conselho Legislativo. Em teoria, depois da transmissão da entrevista com Carrie Lam, os ânimos deveriam ter acalmado, mas tal não aconteceu. Durante a tarde, um homem morreu em Admiralty. Manifestações de pesar e de indignção espalharam-se rapidamente através da internet. Este incidente vai marcar o tom da manifestação de domingo, 16 de Junho. A avaliar pelos noticiários esta manifestação ainda vai ser maior do que a do domingo anterior. Embora no momento em que este artigo foi escrito ainda não houvesse cálculos, nem da parte do Governo nem da dos organizadores, tudo aponta que efectivamente o número de participantes aumentará. Mas, de qualquer forma, ainda vai ser necessário esperar pela contagem oficial. Às 19.30 de sábado, 16, os manifestantes voltaram a ocupar as vias rápidas de Central e de Sheung Wan, pelo que o trânsito ficou completamente congestionado. Mas, estranhamente, no momento em que escrevo, os condutores fizeram seguir os veículos e começaram a desimpedir as vias. É preciso continuar a acompanhar o desenrolar da situação. Felizmente hoje ninguém ficou ferido, porque todos amamos a paz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPublicidade enganosa [dropcap]N[/dropcap]o dia 2 deste mês o jornal de Hong Kong Sing Tao Daily publicou uma notícia sobre a jovem Miss Wong, proveniente de Hong Kong e estudante no Reino Unido. Miss Wong levantou um processo num tribunal londrino contra a Universidade Angelia Ruskin. O artigo não adiantava os motivos de forma muita clara, limitando-se a mencionar “publicidade falsa aos serviços”. Miss Wong inscreveu-se nesta Universidade em 2011, para fazer uma pós-graduação em administração internacional, um curso com duração de dois anos. A jovem escolheu a Angelia Ruskin devido ao panfleto promocional que garantia “Formação de Alta Qualidade” e “Boas Perspectivas de Emprego”. Estas indicações impressionaram favoravelmente Miss Wong. Mas depois do início do ano lectivo ficou decepcionada. As aulas começavam com atraso e terminavam antes da hora. Os estudantes eram incentivados ao “auto-didactismo”. Por tudo isto, a queixosa acusou a Universidade de fraude, na medida em que estava longe de garantir a “Formação de Alta Qualidade” anunciada no prospecto. Mesmo assim, terminou a formação em 2013 certa de que tinha assegurado o início de uma sólida carreira profissional. Mas sempre que se candidatava a um emprego era rejeitada. O diploma não era reconhecido no mundo do trabalho. Portanto, para Miss Wong, o curso não assegurava formação de qualidade nem garantia perspectivas de emprego e, como tal, considerou que o prospecto publicitário era enganador. Após negociação entre as partes, a Universidade indeminizou a queixosa com o montante de 61.000 libras. Deste valor, 46.000 libras eram destinadas a custas processuais. O sistema legal britânico é diferente do de Macau. A parte que perde o processo arca com as custas da outra parte. A principal despesa deste bolo são os honorários do advogado, que neste caso foram pagos pela parte acusada. Em entrevista ao jornal Sunday Telegraph, Miss Wong afirmou sentir-se satisfeita com o resultado do julgamento. Disse ainda estar convencida que de futuro a Universidade iria ter mais cuidado com o que escrevia nos prospectos promocionais. Promessas irrealizáveis não devem estar impressas em panfletos informativos. Embora este caso não envolva uma notícia de monta, para nós, não deixa de ser motivo de reflexão. Como sabemos, actualmente existem nove Universidades em Macau. Devido à implementação da Lei do Ensino Superior, estamos a entrar numa nova era da educação. Quase todas as Universidades têm de estar certificadas. A certificação atesta o grau de qualidade de cada uma delas. Desta forma, as Universidades devem poder garantir até certo ponto o seu nível de ensino. No entanto, Miss Wong processou a Universidade por incumprimento das promessas feitas aos estudantes no programa promocional. Segundo a notícia, a queixosa baseou o seu processo na falsidade do prospecto. Se tinha ou não tinha razão, é uma questão que fica em aberto. Mas uma coisa é certa, segundo a lei do Reino Unido, a partir do momento em que os estudantes pagam as propinas e ingressam na Universidade, estes prospectos fazem parte do contrato entre as partes. A Universidade é responsável por honrar os termos do contrato. Se não o fizer, entra em incumprimento e os estudantes podem processá-la. Embora a situação em Macau seja significativamente diferente da do Reino Unido, o prospecto é considerado um documento oficial na admissão à Universidade. Se existirem diferenças consideráveis entre o programa apresentado e a experiência que os estudantes vivem posteriormente, existirão naturalmente motivos de descontentamento. Consequentemente, as Universidades terão de ter muito cuidado com a forma com que redigem estes panfletos. Se as promessas se cumprirem todos ficam satisfeitos, mas se não se cumprirem os problemas hão-de surgir. Este caso acaba por ser um alerta para todas as Universidades, lembrando que devem ser cuidadosas na forma de divulgar os seus programas e responsáveis pelas expectativas que criam aos estudantes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPortas do Cerco em estado de sítio [dropcap]N[/dropcap]os últimos dias, devido às obras de manutenção e reparação das escadas rolantes, as pessoas que viajavam de Zhuhai e Macau acumularam-se no corredor das partidas das Portas do Cerco. Dia 22 deste mês, a Polícia de Segurança Pública, o Gabinete das Forças de Segurança e o Gabinete de Transportes deram uma conferência de imprensa conjunta para apresentarem o plano de emergência para lidar com a situação. As medidas incluem a abertura de 13 guichets do controlo alfandegário, para que sejam evacuadas 12.000 pessoas num espaço de quatro horas. Na medida em que a entrada do edifício de controlo de fronteiras é estreita e as escadas rolantes estão em manutenção, o risco de acidentes aumenta com a enorme concentração de pessoas. É portanto urgente fazer sair esta multidão. Após a implementação das medidas, as pessoas só esperam cerca de 10 minutos até entrarem no edíficio da alfândega. Espera-se que abram mais dois guichets durante o fim de semana, passando assim de 13 para 15. O Gabinete de Transportes pediu às companhias transportadoras que os autocarros mudassem de rota, para que os passageiros pudessem sair junto aos portões de embarque. Os autocarros que fazem a volta dos hotéis foram reduzidos para um terço e os passageiros são encorajados a entrar e sair de Macau pela Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. A substituição das escadas rolantes do edifício da alfândega das Portas do Cerco causou a concentração de uma multidão, e demonstrou a capacidade de infraestrutura pública de Macau para dar resposta a incidentes. O projecto de manutenção das escadas rolantes surgiu no princípio de 2018, mas o público só foi informado no dia anterior ao início das obras. Muitos dos residentes e turistas só se aperceberam da situação quando chegaram às Portas do Cerco. Esta situação sugere que as autoridades deverão fazer um esforço para publicitar este tipo de ocorrências com maior antecedência e que haja um controlo mais apertado das entradas e saídas em Macau. Fora isso, seria possível que o Governo providenciasse no sentido de serem utilizados outros postos de controlo alfândegário, para libertar a pressão das instalações das Portas do Cerco? Como o tempo de espera para entrar e sair de Macau está a aumentar, é possível que venha a ser necessário criar condições especiais para idosos, crianças, grávidas e pessoas com incapacidades, para evitar qualquer mal estar causado pelas altas temperaturas que se fazem sentir no Verão. Mas, pior do que isso, é a possibilidade de transmissão viral, frequente em locais super-lotados. Se uma pessoa estiver doente, facilmente muitas outras serão contagiadas e todos sabemos que se há vírus inofensivos, há infelizmente outros muito perigosos. Também é necessário alertar a população para o uso de máscaras. A presença de médicos no local e o controlo sanitário poderão ser ainda questões a considerar. As obras de manutenção e reparação das escadas rolantes do átrio das Partidas do edifício alfandegário das Portas do Cerco irão demorar cerca de 60 dias. O público irá sentir os seus transtornos por igual período. As escadas estão montadas paralelamente, em grupos de três. Devido às restrições de espaço, é possível que passem para grupos de duas, diminuindo grandemente a capacidade de transporte. Há uns tempos atrás estas escadas causaram muitos acidentes. Alguns turistas do continente forçavam manualmente a paragem das escadas e as pessoas que iam mais abaixo, como não conseguiam aguentar o impacto, perdiam o equilíbrio e caíam, fazendo cair também os que estavam atrás deles. Este foi um dos motivos que levou a separar as escadas em várias secções, de forma a diminuir os danos dos possíveis acidentes. Este aspecto deve de ser considerado na actual remodelação. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireitos dos Animais (II) [dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre duas das alterações à lei de protecção dos animais em Hong Kong. A primeira, reflecte-se na seccção 56 da Lei do Tráfego Rodoviário e prevê que, quem atropele um animal tem de parar, prestar auxílio e notificar a polícia num espaço de 24 horas. A segunda, estipula que os donos são responsáveis pelos seus animais, sendo sua obrigação cuidar e atender às suas necessidades. Esta obrigação constitui o “dever de cuidar”. Na sequência desta alteração, os tribunais podem privar uma pessoa do direito de possuir um animal para sempre, se este dever for seriamente violado A Lei de protecção dos animais de Macau não estipula esta condição, mas o parágrafo 1 do artigo 28 enuncia: Artigo 28.º Penas acessórias 1. A quem for condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 25.º e 26.º podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias: 1) Declaração de perda a favor do IACM do animal do infractor; 2) Proibição de aquisição e criação de animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos; 3) Proibição do exercício de actividades que impliquem o contacto efectivo com animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos; Como vemos, este artigo estipula que quem violar a lei será privado do seu animal, o qual será entregue ao cuidado do IACM. Isto implica que os animais sujeitos a maus tratos serão imediatamente resgatados. Embora aqui se preveja que quem infligir maus tratos a animais seja proibido de os ter por um período de um a três anos, não é uma interdição para toda a vida, conforme enuncia a emenda à legislação de Hong Kong. As leis da Região Administrativa Especial de Macau foram buscar o modelo da legislação portuguesa. Segundo o Código Penal português, a pena máxima é de 25 anos. Não existe prisão perpétua. Transpondo este princípio para a lei de protecção dos direitos dos animais, faz sentido que não se proíba ninguém de ter um animal para o resto da vida. Uma das antigas propostas de alteração a esta lei previa a criação de um corpo policial dedicado em exclusivo à protecção animal. Mas a polícia opôs-se argumentando a falta de efectivos. Sem intervenção policial, existirão inevitavelmente bloqueios à implementação da lei, especialmente quando os donos se recusam a colaborar, ou resistem violentamente, os responsáveis ficam incapacitados de agir. Outra crítica às emendas da lei de Hong Kong prende-se com a falta de uniformização, o que deu origem a dificuldades na compreensão e confusões. Também dificulta o trabalho dos departamentos responsáveis ao tentarem aplicar a lei correctamente. Conforme já foi referido, a legislação de protecção animal em Hong Kong, inicialmente, apenas se destinava a preservar a segurança e a sáude públicas. Actualmente foi alargada aos conceitos de direitos e bem-estar animal. Direitos e bem-estar animal e saúde e segurança públicas são dois binários conceptuais distintos. Misturar conceitos gera confusão, daí que as críticas pareçam ser compreensíveis. Em oposição, a legislação de protecção animal de Macau é basicamente um conjunto de quatro regulamentos, a Lei No. 4/2016, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 335/2016 que – Determina a proibição da aquisição, criação, reprodução ou importação das raças de cães e animais, o Regulamento Administrativo n.º 28/2004 que – Aprova o Regulamento Geral dos Espaços Públicos e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 106/2005 que – Aprova o Catálogo das Infracções a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, alínea 2, do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. Como Macau tem basicamente nesta matéria este conjunto de leis e Despachos, e a legislação sobre protecção animal remonta a 2016, pode afirmar-se que é uma lei recente. Além disso podemos classificar a legislação de Macau como “simples e clara” . No Génesis, é dito que Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. E Deus ordenou ” Ao homem é dado domínio sobre todas as coisas e ele recebe mandamento de se multiplicar e de encher a Terra.” Embora nem todos acreditem na Bíblia, o princípio sagrado de usar a lei para proteger os direitos dos animais e a promoção do seu bem estar, faz parte de uma sociedade saudável e evoluída. O primeiro passo para que este objectivo seja cumprido é compreender que os animais não são brinquedos, nem podem servir para descarregar frustrações; se assim não for, o agressor despe-se do sentido de moralidade que todo o ser humano deve possuir e será altamente provável que a lei de protecção animal venha a ser violada. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireitos dos animais (I) [dropcap]S[/dropcap]oube-se há cerca de duas semanas que o Governo de Hong Kong está a preparar uma revisão da legislação sobre protecção aos animais, nomeadamente para combater comportamentos cruéis. Em Macau, a Lei de Protecção dos Animais é relativamente recente. Esta é uma boa oportunidade para analisarmos a legislação das duas cidades e vermos o que cada uma delas pode aprender com a outra. Em Hong Kong, a “Lei de combate à Raiva” e os “Regulamentos sobre Animais Perigosos” destinam-se a promover a vacinação dos cães e o uso de trela em locais públicos, de forma a evitar que alguém possa ser mordido. O principal objectivo destas leis é garantir que os animais não constituam uma ameaça para a saúde nem para a segurança do público. A salvaguarda dos direitos dos animais não tem sido até agora uma preocupação. A protecção dos direitos dos animais centrou-se na legislação contra a crueldade. Exemplo disso é a Lei para a Prevenção da Crueldade para com os Animais, publicada em 1935 e elaborada de acordo com o Acto 1911 de Protecção dos Animais, britânico. Esta lei estipula que o tratamento cruel ou negligente, que causa sofrimento desnecessário, é ilegal e pode ser punido com uma multa até $200.000 e pena de prisão até três anos. Mas, desta vez, o Governo de Hong anunciou que irá introduzir alterações à lei. A primeira irá incidir na secção 56 da Legislação de Circulação Rodoviária. A alteração exige que o condutor que atropele cavalos, vacas, burros, ovelhas, porcos (excepto javalis), cabras, cães ou gatos, deve parar de imediato e comunicar o acidente à polícia num espaço de 24 horas. Se estas medidas forem tomadas, a hipótese de sobrevivência do animal atropelado aumenta significativamente. Por seu lado, o Parágrafo 1 do artigo 3 do MAPL estipula: Maus tratos a animais 1. É proibido o tratamento de animais por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que lhes inflijam dor e sofrimento. Embora o artigo condene a crueldade, a violência e a tortura não específica o que considera como tal. Por exemplo, o atropelamento e abandono de um animal pode ser considerado cruel, violento ou uma forma de tortura? Haverá necessidade que a lei seja mais específica e se venha a debruçar sobre a intencionalidade ou a não intencionalidade nestas circunstâncias? É considerado como crueldade, violência ou tortura, embora não só, pontapear, bater e provocar ferimentos ou mutilações. O Artigo 25 do MAPL estipula: Artigo 25.º Crime de crueldade contra animais Quem, com a intenção de infligir dor e sofrimento a animal, o tratar por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que resultem em mutilações graves, perda de órgãos importantes ou morte, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias. Embora a lei não enumere os comportamentos específicos que provocam estas consequências, condena todos os actos que as provoquem. Claro que enumerar comportamentos específicos seria exaustivo. Na sociedade actual, os meios pelos quais a violência, a crueldade e a tortura se exercem são inumeráveis. Embora a lei actual contemple um vasto leque de comportamentos, não quer dizer que esteja preparada para lidar com novos comportamentos crúeis, violentos e perversos que possam surgir no futuro. Os animais não falam e, como tal, não se podem queixar. Por isso, a lei tem de definir muito bem o que são actos de crueldade, violência e tortura, para que possam ser convenientemente punidos. É possível implementar a protecção dos direitos dos animais. Hoje em dia, nos países dos continentes europeu e americano a legislação de protecção animal já não se limita a condenar os maus tratos e a negligência. A lei estipula o “dever de cuidar” para proteger os direitos dos animais. É disso exemplo o Acto 2006 de Bem-Estar Animal, que foi acrescentado à legislação do Reino Unido em 2006. O “Dever de Cuidar” estipula que os donos têm de dar garantias de possuir os meios necessários para prover às necessidades básicas dos animais ao seu cuidado; além disso garante que os agentes das autoridades possam intervir sempre que um animal é encontrado em situação deficitária, como forma de prevenir tragédias futuras. É precisamente neste ponto que irá incidir a alteração à lei de protecção aos animais em Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInvestigação genética sujeita a novas regras [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 20, a Hong Kong TV anunciou que a China continental vai rever o Código Civil. As reformas jurídicas vão ter efeito em múltiplas áreas, nomeadamente na proibição do uso de tecnologia informática para fins que violem a privacidade dos cidadãos. Os órgãos estatais, e os seus funcionários, têm plena consciência da importância da salvaguarda da informação pessoal. Estão obrigados a manter a confidencialidade dos dados, não podendo em circunstância alguma, facultá-los indevidamente a terceiros. As reformas também se farão sentir nas áreas científica, académica e clínica, particularmente no que respeita à regulação dos procedimentos de manipulação de genes e embriões humanos. Estes procedimentos têm de obedecer à lei, aos regulamentos administrativos, não podendo nunca pôr em risco a saúde humana, nem violar princípios morais. Esta emenda específica do Código Civil teve obviamente em consideração a experência levada a cabo pelo Professor He Jiankui, em 2018. Ao criar uma transformação do genoma nos embriões de duas gémeas, o Professor imunizou-as contra o HIV. É consensual encarar a investigação de He Jiankui como um enorme avanço científico, mas ela constitui também uma violação clara das regras éticas e legais A transformação do genoma é uma caixa de Pandora que, uma vez aberta, pode libertar pesadelos imprevísiveis. Alterar o genoma pode agravar desigualdades entre os seres humanos e o agravamento de desigualdades pode gerar conflitos. A manipulação do genoma constitui uma clara violação da ética humana e, por isso, é totalmente pertinente a regulamentação desta área. A criação de mais leis e regulamentos é indispensável. Em primeiro lugar temos a investigação, depois as questões morais que levanta e finalmente a lei que a governa. Existem muitas questões nesta área na sociedade actual. A lei não pode limitar-se a regular os estudos genéticos. No último artigo, analisámos o caso de Jan Karbaat, o medico holandês, director do departamento reprodutivo de um Hospital estatal, que trocou o esperma dos dadores autorizados pelo seu, sem o consentimento das receptoras. Calcula-se que tenham sido geradas 60 pessoas com o material genético do médico. Organizadas em grupo, estas pessoas processaram-no, exigindo que fossem recolhidas amostras do seu ADN para comprovar a paternidade . A manipulação genética e a fertilização assistida representam, sem dúvida, enormes progressos científicos, mas, sem uma regulação com base na ética, podem ter resultados desastrosos e, sobretudo, imprevisíveis. É importantíssimo que a sociedade, através dos seus mecanismos jurídicos, supervisione e controle estes processos. A bem da igualdade de oportunidades e do bem estar social. A manipulação genética ilegal e a utilização não autorizada de esperma na fertilização assistida, são crimes aos olhos da lei. Pela sua natureza complexa, podem não ser facilmente identificáveis pelo homem comum. A sociedade tem obrigação de legislar e de punir os actos ilegais. Em conformidade, são necessárias mais leis para regularem os actos médicos. À semelhança da legislação que regula os crimes informáticos, as leis que regem os actos médicos serão independentes das leis tradicionais, terão de tomar em linha de conta todo o conjunto de incidentes que possam ter origem em actos médicos, de forma a governar de forma justa esta situação específica. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDoutor estranho amor [dropcap]N[/dropcap]o dia 16 deste mês, a TVB de Hong Kong passou uma estranha notícia. Um médico holandês, o Dr. Jan Karbaat, antigo director do departamento de medicina reprodutiva do Zuider Hospital, terá usado, ao longo de quinze anos, o seu sémen para fertilizar óvulos de pacientes. Não se sabe ao certo quantos bebés terão sido gerados desta forma. O Dr. Karbaat faleceu em 2017. A Direcção do Zuider Hospital veio a apurar que, entre 1973 e 1978, um total de 659 mulheres foram admitidas para serem submetidas ao processo de inseminação artificial, do qual resultaram 338 bebés. Se são, ou não, todos filhos do Dr. Karbaat, só a investigação em curso poderá dizer. Depois de deixar este Hospital em 1979, o médico abriu uma clínica reprodutiva, que viria a ser encerrada em 2009, devido a problemas administrativos. Profissionais da área afirmaram que este incidente só foi revelado muitos anos depois, porque antigamente a identidade do doador permanecia secreta, sendo apenas do conhecimento do pessoal clínico. Mas a legislação holandesa mudou em 2004 e a identidade dos doadores passou a ser pública. O médico foi acusado de usar o seu esperma para fertilizar pacientes, sem o conhecimento das interessadas. Existem suspeitas que tenham sido geradas mais de 60 crianças desta forma. Um dos membros e porta-voz, do auto-apelidado grupo “Filhos de Jan”, que se parece incrivelmente com o médico, solicitou ao Tribunal autorização para recolher uma amostra genética de Jan Karbaat, para comparar com o ADN dos membros do grupo. Após deferição do pedido, deu-se início a um longo processo de identificação. No seguimento destas investigações Joey, um dos filhos do médico, afirmou: “Depois de 11 anos de investigações, posso finalmente pôr um ponto final no assunto. Posso seguir em frente. Sinto-me feliz por ter identificado as minhas origens.” Tim Bueters, o advogado que representou os 49 filhos do médico, também se declarou satisfeito, por terem acabado as incertezas e os interessados terem tido, finalmente, acesso à verdade. Embora ainda não se saiba ao certo que acusação o Estado Holandês irá formular para estes crimes, pelo quadro apresentado, existem alguns pontos dignos de nota: 1. A lei holandesa estipula que uma pessoa só pode doar esperma por 6 vezes, no máximo, e que o número de mulheres que engravidam com esse esperma não pode ultrapassar as 25. O médico violou claramente estes limites. 2. As crianças nascidas por este método têm direito de saber quem é o seu pai biológico? Esta é uma questão legal, mas também moral, que dependerá da vontade do doador para se identificar. Será que as crianças merecem passar por isto? É claro que é um assunto que pode necessitar de privacidade. Mas se a identidade do doador for revelada, é natural que se pense na posição das mães, o que nos remete para outra área de privacidade. 3. Sem o consentimento das mães, e dos seus parceiros, o médico usou o seu próprio esperma, trocando-o pelo dos doadores “credenciados”. Pode este acto ser considerado uma violação da vontade dos receptores? Além disso, se o casal em causa tivesse conhecimento do sucedido durante a gestação, teria direito a recorrer ao aborto? A questão é complexa, não pode ser facilmente formulada. 1. Na Holanda, antes de 2004, as pessoas geradas com esperma de doadores não tinham direito de saber a identidade do progenitor biológico. Mas, depois de 2004, a situação mudou. No contexto actual, os seus “descendentes” tiveram possibilidade de reclamar a identidade do pai biológico . Jan Karbaat morreu em 2017 e deixou um legado. Naturalmente, os seus filhos têm direito a reclamar a herança. Esta situação é naturalmente desfavorável para a viúva e para os filhos do casamento. Se se confirmarem os 60 filhos, por via da inseminação artificial, então, cada um deles, terá direito a uma fatia – pequena – da herança do médico. Este é, de uma certa forma, um caso pioneiro. Sem a legislação adequada, teremos de pensar como se irá resolver o assunto e lidar com as lacunas da lei. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesEstacionamento inteligente [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 25 de Março, o Departmento de Transportes do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Municipal do Distrito de Sham Shui, para a construção de um parque de estacionamento inteligente, em Sham Shui Po. A área destinada ao parque tem cerca de 3.400 metros quadrados. As instalações terão a forma de uma espiral e os espaços de estacionamentos vão ser circulares. O estacionamento será inteiramente controlado por um sistema informático automatizado que incluirá uma rede de “paletes automáticas”. Este design permite maior facilidade e rapidez de estacionamento. No rés do chão do complexo prevê-se a construção de jardins, parques infantis e ginásios. Dia 7 deste mês, a Autoridade de Renovação Urbana de Hong Kong fez novas propostas para a construção do primeiro parque inteligente de Hong Kong, administrado por um sistema de estacionamento informatizado, responsável pelo controle das “paletes automáticas”. As paletes automáticas efectuam o estacionamento dos veículos. Primeiro o condutor pára o carro à entrada do parque e depois faz o seu registo no sistema. Quando este processo está concluído, a palete automática vai buscar o carro, introduzindo-se na parte de baixo do veículo e depois eleva-o para proceder ao transporte. O espaço de estacionamento é detectado automáticamente, bem como a trajectória até ao local. Este mecanismo de transporte está equipado com um sensor que lhe permite desviar-se dos obstáculos e evitar colisões. A Autoridade de Renovação Urbana alertou para o facto de não existir qualquer tipo de legislação que regule este sistema automatizado. Esta falha vai criar algumas dificuldades à aprovação do projecto por parte do Governo de Hong Kong. O conceito de parques de estacionamento inteligentes foi importado de Singapura. De forma a evitar o congestionamento do tráfego e as emissões de dióxido de carbono, Singapura tem encorajado o uso de bicicletas. Mas, tal como os carros, as bicicletas também necessitam de locais para estacionar. Se forem deixadas na rua, podem bloquear a circulação e, além disso, podem ser roubadas. Por causa disso, o Governo de Singapura criou um parque inteligente para estacionar bicicletas, com capacidade para albergar 500 unidades. Antes de entrar, o utilizador tem de se registar no sistema informático do parque, recebendo de seguida a password que lhe permite estacionar a bicicleta. O processo de estacionamente automático leva menos de um minuto a efectuar-se. Este sistema de estacionamento inteligente foi inventado no Japão, onde está em funcionamento já há algum tempo. É pois expectável que o novo parque de Hong Kong venha a funcionar às mil maravilhas. E que lições pode tirar Macau desta experiência? A 17 de Maio de 2018, o Governo da RAEM publicou a “Estratégia para o desenvolvimento da cidade inteligente de Macau e a construção nas áreas principais – Consulta Pública” . As plataformas automáticas de Singapura podem vir a ser tomadas em linha de conta para a implementação deste projecto em Macau. Macau tem imensos habitantes e, desde há muito tempo, que se sente a falta de parques de estacionamento na cidade. À noite, sobretudo, vêem-se bastantes carros estacionados na estrada. Este estacionamento desordenado provoca o caos, dificultando a circulação de veículos e de peões. Todos sabemos que durante a passagem dos super tufões Hato e Mangkhut em Macau, em 2017 e em 2018, muitos carros estacionados em parques subterrâneos ficaram literalmente desfeitos, devido às cheias. É urgente construir na cidade mais parques de estacionamento, em estruturas acima do solo. Quer do ponto de vista da vida do dia a dia, quer do ponto de vista do desenvolvimento urbano, os parques inteligentes são indispensáveis. Para estabelecer uma rede de parques inteligentes, são necessárias leis que os regulamentem. Embora exista em Macau muita legislação rodoviária, não existem leis que tenham em consideração as questões levantadas pelos parques inteligentes. Por isso, se quisermos construir parques inteligentes, temos de criar a respectiva legislação e agir antecipadamente. David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCrimes, escapadelas e computadores (III) [dropcap]H[/dropcap]á algumas semanas atrás, falámos sobre um caso ocorrido numa escola primária. Quatro professores divulgaram as perguntas dos exames e foram acusados de “aceder a computadores com intuitos desonestos”, ao abrigo da secção 161(1)(c) da Lei Criminal, de Hong Kong. Esta secção aplica-se a crimes informáticos. Este caso ficou famoso em Hong Kong e foi inicialmente julgado no Tribunal de Magistrados, posteriormente no Tribunal de Primeira Instância e finalmente no Tribunal de Recurso. A sentença desta última instância foi publicada no dia 4 deste mês. O julgamento durou, na totalidade, cinco anos. Da sentença publicada, destacam-se cinco pontos dignos de análise: Em primeiro lugar, fica bem claro que uma pessoa que cometa um crime abrangido pela secção 161 (1) (c) terá de usar o computador de outrém para satisfazer o pedido “irregular”. Se aplicarmos este princípio legal, a secção 161 (1) (c) não cobrirá situações em que o faltoso usa o seu próprio computador para actos fraudulentos a pedido de terceiros; ou no caso de usar o seu próprio computador para defraudar outras pessoas. Nestes casos, é problemático para o Governo da RAEHK acusar os responsáveis das infracções. Possivelmente, o Governo terá de analisar caso a caso antes de tomar uma decisão. Podemos apenas afirmar que não existe uma norma que regule todas estas situações. Em segundo lugar, na sentença nunca é dito que o smartphone é considerado um computador. Como o Tribunal de Recurso não se pronuncia sobre esta matéria, prevalece o parecer do Tribunal de Primeira Instância; ou seja, os smartphones são vistos como computadores. Relacionando o primeiro e o segundo pontos, não é difícil de concluir que o Governo da RAEHK será levado a legislar de forma a cobrir delitos que ainda não estão abrangidos por leis específicas. Um outro exemplo é o caso das fotos que são tiradas de forma a revelar o que as saias cobrem (muitas vezes sem o consentimento da mulher em questão). Ao abrigo da lei actual, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não existe crime. Se não houver uma nova legislação, o fotógrafo pode continuar a cometer este delito sem qualquer punição. No caso de o Governo da RAEHK promulgar uma nova legislação, esta deverá conter, pelo menos, dois elementos: 1. Fotografar partes intímas deverá ser considerado crime, mesmo que ocorra num espaço privado. 2. A nova lei deve estipular que o smartphone é um computador, ou em que circunstância o smartphone pode ser considerado uma ferramenta criminosa, que permita ao fotógrafo registar, à socapa, imagens de zonas intímas. Este elemento é fundamental, porque estas fotos são sempre tiradas com telemóveis e nunca com computadores. Em terceiro lugar, a secretária da Justiça propôs que a secção 161 (1) (c) se aplique a estas situações a bem das boas práticas públicas. Como já foi mencionado, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não é possível formular acusação. O Tribunal de Recurso não leva estes argumentos em consideração e afirma que a função do Tribunal é interpretar a lei e tomar decisões baseadas nessa interpretação. As boas práticas públicas são um factor com que o Tribunal não tem de lidar. A maior diferença entre o sistema da common law e o sistema da civil law reside no facto de, no primeiro caso, o Tribunal ter como função a interpretação da lei, ao passo que no segundo não terá. Após o Tribunal ter interpretado a lei, deve tomar a decisão de acordo com o seu próprio entendimento. A interpretação da lei só pode ser feita de acordo com métodos legais e segundo os princípios do estado de direito. Estes métodos não contemplam as boas práticas públicas. A secretária da Justiça apelou às boas práticas públicas por razões de ordem pessoal. Para além de ser representante do Governo da RAEHK, a secretária da Justiça é conselheira jurídica do Executivo. Uma das suas principais funções é a manutenção das boas práticas públicas através da aplicação da lei. No entanto, se o Tribunal de Recurso aceitar que este argumento é válido para recorrer de uma sentença, futuramente poderá usá-lo como critério para tomar decisões. Como as boas práticas públicas não são necessariamente princípios jurídicos, este método de interpretação legal não é, obviamente, compatível com uma interpretação apenas baseada na lei. Em quarto lugar, alguns casos têm estado pendentes à espera da clarificação do Tribunal de Recurso sobre o alcance da aplicação da secção COFA 161 (1) (c). No momento que que o Tribunal de Recurso publicar o seu Normativo estes casos serão retomados. Em função disso, o Governo da RAEHK pode manter ou rever as acusações. Depois das emendas, parece muito improvável que o Tribunal de Recurso venha a receber o mesmo tipo de apelos. Em quinto lugar, o caso dos professores que divulgaram os resultados dos exames foi julgado pelo Tribunal de Magistrados em 2014, depois passou ao Tribunal de Primeira Instência e, após recurso dos réus, ao Tribunal de Recurso, tendo ficado concluído só em 2019. Durou cinco anos. Independentemente de se ser, ou não, considerado culpado, é bastante difícil para alguém aceitar que um julgamento se arraste durante cinco anos. A pressão a que os réus ficam sujeitos é um trauma que dura uma vida. Este foi o preço que os professores tiveram de pagar por divulgarem as perguntas dos exames. Com a democratização da educação, um número cada vez maior de jovens ingressa nas escolas. Estas fugas de informação deveriam acabar, mas acontecem cada vez mais. Talvez o Governo da RAEHK tenha de considerar a possibilidade de legislar sobre esta matéria. Como Hong Kong realiza vários exames públicos, para simplificar, vamos dividi-los em dois tipos: públicos e privados. Antes das provas, as perguntas dos exames das escolas públicas, são consideradas documentos confidenciais do Governo. Mas os exames das escolas privadas são outro caso. Não podem ser considerados da mesma forma. Assim, se alguém divulgar as perguntas dos exames de uma escola privada, não incorre em nenhum crime. No entanto parece impossível que alguém que divulgue perguntas de um exame não venha a ser julgado. Macau tem a “Lei de Combate ao Crime Informático”. Se o caso da Escola Primária Heep Woh aqui tivesse acontecido, haveria forma de lidar com o assunto. Em breve irão realizar-se exames nas escolas primárias e secundárias e também provas de admissão às Universidades. Haverá necessidade de promulgar legislação especial para punir quem divulgue as perguntas dos exames? Conselheiro Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTratado de Extradição III [dropcap]Q[/dropcap]uem tem vindo a acompanhar os artigos sobre esta matéria, sabe que o pedido de extradição apresentado por Taiwan a Hong Kong esteve relacionado com um crime cometido naquele território por um cidadão de Hong Kong. Após cometer o crime o suspeito fugiu e o Governo de Taiwan apresentou um pedido de extradição ao Governo de Hong Kong. Este incidente esteve na origem da proposta de emenda à Lei dos Criminosos em Fuga (FOO sigla em inglês), feita após consulta pública. No espaço de dois meses, a sociedade de Hong Kong pronunciou-se através da sua comunidade empresarial e da Ordem dos Advogados, mas também se fizeram ouvir opiniões da American Chamber of Commerce e da União Europeia, que manifestaram diferentes pontos de vista sobre as emendas a introduzir na FOO. As emendas a um conjunto de leis de Hong Kong foram analisadas e comentadas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, o que é algo com que a maior parte das pessoas não teria ousado sonhar. A comunidade de Hong Kong manifestou diferentes opiniões a este respeito. Dezanove associações profissionais, como a “Faithful Relief” e a “Xinglin Awakened” emitiram um comunicado conjunto expressando a sua preocupação sobre a possibilidade das emendas deixarem os habitantes de Hong Kong desprotegidos, sem direito a um julgamento justo. Sublinharam ainda que a comunidade internacional pode vir a encarar o sistema jurídico independente de Hong Kong como parte do sistema jurídico da China continental. Na perspectiva destas associações profissionais o Governo de Hong Kong deverá limitar o alcance das emendas. Para já, pretende que o Tratado de Extradição se limite a Taiwan, ficando de fora a China continental e Macau. Além disto, de forma a evitar mais polémica sobre os casos de extradição, que podem inquietar os suspeitos e aumentar as possibilidades de fuga, o Governo de Hong Kong propõe que o Conselho Legislativo suspenda a discussão do assunto. As associações profissionais acreditam que este problema pode ser resolvido pela prisão preventiva do suspeito, antes que o Conselho Legislativo leve a matéria a debate. Lin Jianyue, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, pensa que a emenda não deve abarcar crimes económicos. Lin Jianfeng, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, defende que os crimes económicos deve ser tratados separadamente dos crimes violentos. No passado dia 7, a American Chamber of Commerce declarou junto do Governo de Hong Kong, que nutre “sérias reservas” em relação a estas emendas. A American Chamber of Commerce sublinha que as alterações à lei podem permitir que o Governo da China continental peça a extradição de empresários internacionais, que vivam ou estejam de passagem em Hong Kong, e que tenham sido acusados de crimes económicos no continente. Esta possibilidade iria desvalorizar a imagem de Hong Kong como cidade cosmopolita. A American Chamber of Commerce salientou ainda que, implementar ou não esta emenda, poderá ser um factor decisivo no estabelecimento e manutenção de grandes empresas internacionais em Hong Kong. A competitividade de Hong Kong poderá vir a ser afectada. No passado dia 23, Kano, Director do Gabinete da União Europeia em Hong Kong, declarou numa entrevista à RTHK, que tinha expressado ao Governo de Hong Kong a sua preocupação sobre o impacto destas alterações à lei nos cidadãos europeus, e que tinha solicitado que o Governo consultasse os estatutos da UE sobre Tratados de Extradição em Hong Kong. Kano propôs também que se dilatasse o período de revisão da legislação. Shi Shuming, membro executivo da Ordem dos Advogados de Hong Kong, salientou que se o Governo excluir um certo número de crimes em respostas às necessidades de alguns sectores, tornando impossível a extradição de certas pessoas, muita gente ficará demasiado “à vontade”. E nesse caso, porque não ter também em consideração as preocupações de outros sectores? Porque motivo há-de existir um tratamento diferenciado? É óbvio que existirão sempre stuações injustas. Tang Yingnian, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, acredita que o Conselho Legislativo irá discutir em detalhe a questão da repatriação nos casos de crimes não violentos como é o caso dos crimes fiscais e dos crimes económicos. No entanto defende as emendas a esta lei. Hong Kong não pode ser refúgio para quem quer fugir ao braço da lei. Tan Huizhu afirmou que qualquer assistência jurìdica mútua deve implicar quatro condições: 1. O crime na base do pedido de extradição, deve ser reconhecido nos dois locais; 2. O crime não pode ter, aos olhos da lei, diferenças óbvias entre os dois locais; 3. A existência de prova suficiente; 4. O crime deve ser encarado aos olhos da lei da mesma forma, antes e depois da transferência de soberania, Tan Huizhu salienta que as pessoas do mundo dos negócios não têm motivo para receios. Independentemente das várias opiniões, e quer estejamos ou não de acordo com elas, este assunto vai levar algum tempo a discutir até se conseguir um consenso, de forma a que a revisão da lei possa ser bem sucedida. A avaliar pelo estado das coisas, a entrada em vigor da emenda à lei não parece estar para breve. A função básica de qualquer lei é proporcionar equidade e justiça social. Nesta perspectiva, como lidar com o pedido de extradição de Taiwan para o suspeito da morte da jovem Poon Hiu-wing? A bem da justiça, não deveria a sociedade de Hong Kong pôr de lado as diferenças, concordar com esta extradição a título excepcional e, em seguida, colocar o assunto à discussão? Mas também podemos depreender pelas discussões que têm ocorrido no seio da comunidade de Hong Kong, que não existe nenhuma preocupação com o sistema jurídico. Será possível conseguir que Hong Kong e Macau assinem um Tratado de Extradição? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk «1...910111213141516171819»
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSomos campeões [dropcap]P[/dropcap]ara todos os estudantes do ensino secundário de Hong Kong o dia 10 de Julho é um marco importante, porque é nesse dia que são anunciados os resultados dos exames finais de curso, designados por HKDSE. Deste resultado depende o futuro dos estudantes. Os que passarem continuam rumo à Universidade, os que não passarem rumam em direcção ao mundo do trabalho. Dos exames deste ano destacaram-se 12 campeões. Os ditos campeões são alunos que ficam classificados em primeiro lugar em pelo menos sete disciplinas. Ao contrário dos anos anteriores, dois destes campeões não vieram das escolas tradicionalmente mais importantes. Esta mudança demonstra que os resultados dependem em muito do empenho dos estudantes. Quem trabalha com afinco tem necessariamente boas notas. Às escolas, aos colegas e aos pais cabe o papel de formação e encorajamento, o papel de apoio aos candidatos. Mas o mais importante é o esforço de cada um. Esperemos que esta mudança sirva para que os estudantes, que não frequentam as escolas mais afamadas, compreendam a importância do empenhamento pessoal. Esta é a grande verdade. O HKDSE é um exame público. Os enunciados são criados pela Autoridade de Examinação de Hong Kong. As grandes vantagens do exame público são a objectividade e a equidade. É muito difícil haver fugas dos conteúdos destes enunciados. Usar os mesmo critérios de avaliação para todos, faz com que a credibilidade dos exames seja bastante elevada. Em Macau, para acesso às quatro Universidades, existe apenas um exame conjunto. Futuramente o exame de acesso à universidade irá fundir-se com o exame final do secundário e terá a sua importância acrescida. Este ano, apresentaram-se 56.000 candidatos ao HKDSE. Nos anos 80, apenas existia o Exame de Certificação Educativa de Hong Kong (HKCEE – sigla em inglês). O exame actual, o HKDSE, ainda não tinha surgido. Todos os anos, cerca de 130.000 candidatos participavam no HKCEE. Nesta época, quando o candidato falhava o exame, tinha de repeti-lo no ano seguinte ou ingressar directamente no mundo do trabalho. Hoje em dia a situação é muito diferente. Actualmente, quando o estudante não tem resultados satisfatórios, embora não possa ingressar directamente na Universidade, tem a possibilidade de aceder a um programa de equivalências onde pode obter um bacharelato e futuramente uma formatura universitária. À medida que o tempo passa o sistema educativo muda. Quanto mais facilitado for o acesso às universidades, menos valor terão os cursos superiores. Nos anos 80 um curso superior dava acesso imediato a uma posição bem remunerada, os licenciados passavam a pertencer à classe média e construíam uma vida confortável. Podiam comprar casa, carro e criar uma família. Mas hoje em dia, quer seja em Macau ou em Hong Kong, quem é que pode atingir esse nível de vida quando acaba a Universidade? A popularização do ensino superior provocou a sua própria desvalorização e os estudantes deixaram de acreditar que o curso lhes vá proporcionar um bom futuro. Esta situação acaba por desencorajá-los e isso ressente-se nos estudos. Não se aplicam o suficiente porque não acreditam que o seu esforço vá verdadeiramente dar frutos e acabam por sair da Universidade mal preparados. Se uma geração com poucos conhecimentos vier a ocupar lugares de destaque, que tipo de sociedade nos espera? O principal objectivo da Universidade é a formação de pessoas especializadas de forma a permitir o bom funcionamento da sociedade no seu todo. A conjuntura social não pode ser controlada pela Universidade, mas os factores que a condicionam afectam directamente o desempenho académico dos estudantes. Se as condicionantes actuais se mantiverem, é pouco provável que o desempenho académico em termos globais melhore e, em última análise, a vítima da situação será a sociedade em geral. Cumprimentemos os campeões que obtiveram as melhores notas nos exames; no entanto, e ao mesmo tempo, devemos reflectir sobre os resultados académicos em termos globais. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesJurisdição além fronteiras [dropcap]A[/dropcap]pós o anúncio oficial da suspensão da revisão da lei dos condenados em fuga por parte da Chefe do Executivo, este processo chegou ao fim. Embora nos últimos dias ainda se tenham efectuado pequenas manifestações em Hong Kong, têm sido em geral demonstrações pacíficas. No entanto houve uma excepção, a invasão e vandalização do edifício do Conselho Legislativo. Na sociedade actual as pessoas têm a obrigação de se manifestar de forma pacífica, independentemente das causas que defendem. Ninguém pode apoiar manifestações que degeneram em motins e dão origem a violência física e a danos materiais. Uma sociedade evoluída permite que as pessoas manifestem as suas opiniões de forma pacífica e dá espaço para os diferentes pontos de vista. No entanto, não se pode aceitar o recurso à violência como forma de imposição das ideias de um determinado grupo de pessoas. É um comportamento que nos vemos forçados a condenar. Na sequência do ataque ao Parlamento, ficou a saber-se que o edifício não tinha seguro. Não se sabe se este lapso se deveu a uma recusa da companhia seguradora ou a um simples esquecimento por parte do Governo. Seja qual for o caso, este problema tem de ser resolvido. Claro que pôr trancas à porta depois da casa arrombada não é a melhor ideia e, neste caso, não sabemos que companhia seguradora irá estar interessada no negócio depois da vandalização do edíficio. Estamos sem dúvida perante um problema. Se não houver forma de fazer um seguro, será que podemos contar com uma alternativa? A questão central que desencadeou a vontade de rever a lei de extradição dos condenados em fuga foi o alegado crime perpetrado em Taiwan por um residente de Hong Kong. A revisão da lei foi suspensa. Não restam dúvidas que este suspeito vai beneficiar da suspensão revisão da lei. Já não vai ser julgado em Taiwan; significando que não irá responder pelas suas acções perante o Tribunal. No passado dia 28, o jornal Sing Tao Daily anunciou que Yang Yueqiao, deputado do Conselho Legislativo, escreveu à Chefe do Executivo manifestando vontade de ver aprovada a jurisdição extraterritorial do Tribunal de Hong Kong. Do ponto de vista legal, em princípio, um tribunal local só tem capacidade de julgar casos ocorridos no seu território; nas situações que se verificam fora de Hong Kong a legislação local não se aplica. As leis de Hong Kong não podem ser usadas como padrão em julgamentos de crimes praticados além fronteiras. No entanto, se for aplicada a jurisdição extraterritorial, as leis de Hong Kong podem passar a ser aplicadas a casos ocorridos fora do território. Desta forma o suspeito do homicídio de Taiwan poderia vir a ser julgado em Hong Kong. Mas esta possibilidade levanta dois problemas óbvios. Em primeiro lugar, estender a jurisdição local a um caso ocorrido além fronteiras é alargar o seu poder a território estrangeiro. Se as autoridades da outra região discordarem, que consequências poderão daí advir? Ou seja, se as autoridades de Taiwan não concordarem que o suspeito venha a ser julgado em Hong Kong e, por isso, não quiserem entregar as provas comprometedoras, o julgamento não se poderá efectuar. Em segundo lugar, o Governo de Hong Kon é um governo local. Estender a jurisdição da RAEHK a outras regiões está completamente para lá dos limites da Lei Básica da cidade. Sem o consentimento do Governo Central tal nunca será permitido. A possibilidade da jurisdição extraterritorial depende de vários factores, não parece fácil implementá-la para levar o suspeito do crime de Taiwan a comparecer perante a justiça. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDesvalorização da educação [dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira da semana passada os jornais de Hong Kong publicaram a notícia do suicídio de uma jovem universitária. No bilhete que deixou, apelava à manutenção da luta contra o projecto de lei de extradição dos condenados em fuga. Lembrava que os esforços empreendidos por dois milhões de pessoas não podiam ser desperdiçados. A notícia também adiantava que a jovem tinha rompido com o namorado. Durante o período de luta contra a lei de extradição já morreram duas pessoas. A primeira foi o homem que se suicidou em Admiralty e agora esta rapariga. Dois suicídios merecem alguma reflexão. Porque é que os jovens são actualmente tão frágeis? Porque é que encaram o suicídio como saída? É compreensível que o suicídio possa ser visto como uma forma de fugir dos problema, mas não os resolve de forma alguma. Os adultos devem enfrentar as dificuldades e lidar com elas com calma. O suicídio, para além de ser uma forma de fuga, provoca grande sofrimento aos familiares. Praticar suicídio por causa da lei de extradição provoca sofrimento à sociedade em geral. Se estes suicídios provocarem problemas sociais desnecessários, então serão ainda mais inaceitáveis. Muitas das pessoas envolvidas nas manifestações contra a lei de extradição são universitários e estudantes do secundário. Existirá um problema no sistema educativo que leve os estudantes a sair para a rua e defenderem as suas opiniões? Penso que a resposta a esta pergunta é muito complexa e não pode ser dada sucintamente. No entanto, uma coisa é certa. Hong Kong era relativamente pobre nos anos 60 e 70. Apenas uma percentagem mínima podia aceder ao ensino superior. Nos anos 80, Hong Kong começou a enriquecer. A pessoas compreenderam que a educação proporciona um futuro melhor. Por isso, nesta altura, houve uma corrida às Universidades, toda a gente queria ter um doutoramento. Pensavam que não teriam de se preocupar com o futuro nunca mais; a entrada na Universidade era um feito glorioso. Nos anos 90, viveu-se a febre do investimento. Imensa gente investiu dinheiro na Bolsa e em vários negócios. Além disso o Governo criou mais cursos superiores para compensar a saída de especialistas para o estrangeiro. Em comparação com os anos 70 e 80, a cotação do ensino superior começou a baixar. Além disso tinha deixado de ser necessário um grau universitário para ganhar dinheiro. Hoje em dia o preço das casas em Hong Kong e em Macau é altíssimo. Alguém que tenha acabado de se formar não consegue comprar um apartamento. A educação superior já não pode proporcionar um futuro radioso. Os jovens começam a desvalorizar o ensino universitário, e interrogam-se se vale a pena perder tempo a frequentar uma Faculdade. Trabalham apenas para a nota que garante passarem. Tudo o que vai para além disso é excessivo. Como não concentram as suas energias nos estudos, aplicam-nas noutras coisas. Coisas essas que podem ser, por exemplo, lutas sociais. Questões de ordem social geram naturalmente problemas sociais. A participação dos estudantes nas manifestações está intimamente ligada à sua atitude perante o estudo. Portanto, se não se ultrapassarem os problemas económicos e de qualidade de vida, será muito difícil Hong Kong voltar a ser uma sociedade harmoniosa e inclusiva. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLei de extradição continua na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, os últimos domingos foram assinalados por duas enormes manifestações contra a revisão da lei de extradição dos condenados em fuga. De acordo com os dados da organização, na primeira manifestação participou cerca de um milhão de pessoas e na segunda participaram cerca de dois milhões. Um dos manifestantes morreu em Admiralty ao cair de um edifício. Segundo os dados do Governo de Hong Kong o número de participantes foi muito inferior. De qualquer forma, esta questão não é muito relevante. A segunda manifestação, que começou às 14.40, congregou tantas pessoas que só se pôde ver o seu final pelas 23.00. A participação massiva nestas manifestações confirma que o Governo de Hong Kong tem um problema sério entre mãos. Em primeiro lugar, as manifestações revelam que os habitantes de Hong Kong estão muito preocupados com a revisão da lei e que querem suavizar as alterações. Em segundo lugar, o aperfeiçoamento em termos de organização que se verificou da primeira para a segunda manifestação, muitíssimo bem organizada, colocou o Governo da cidade perante um difícil dilema. Por um lado, os manifestantes tinham um objectivo muito bem definido e transmitiram as suas exigências de forma pacífica, sem necessidade de recorrer a qualquer tipo de violência. De certa forma obrigaram o Governo a aceitar os seus pontos de vista. O que se passou desta vez em Hong Kong, nada teve a ver com o que por vezes acontece noutros locais do globo, que degenera em tumultos incontroláveis. A forma pacífica das pessoas se manifestarem impediu a polícia de intervir. Efectivamente, nesta segunda demonstração, a polícia limitou-se a abrir caminho para os manifestantes passarem e a velar para que a ordem se mantivesse. Se de futuro os hong kongers passarem a demonstrar desta forma as suas insatisfações o Governo vai ficar numa posição difícil. Em terceiro lugar, a Chefe do Executivo de Hong Kong anunciou a suspensão da revisão da lei de extradição dos condenados em fuga e não a abolição da revisão. Estas palavras “suspensão” e “abolição” deram o mote para algumas pequenas manifestações, que se realizaram depois da segunda grande manifestação. A questão estava precisamente no facto de suspender ou abolir a revisão da lei. Claro que a suspensão implica o regresso do projecto de lei ao Conselho Legislativo, enquanto a abolição implica a morte imediata deste projecto. No entanto, algumas pessoas próximas dos círculos governamentais têm salientado que, se o Governo não tiver forma de lidar com as exigências deste número esmagador de manifestantes, será impossível reiniciar o processo de revisão da lei. Desta forma, a “suspensão” de Carrie Lam talvez venha a ser sinónimo de “abolição”. É evidente que no seio da sociedade de Hong Kong se encontram apoiantes da “suspensão” e da “abolição”. Mas independentemente das diferentes opiniões, o facto que salta à vista é que o Governo não está em posição de resolver esta disputa e que será melhor não levar para a frente a revisão da lei. No decurso das duas manifestações massivas as exigências dos habitantes de Hong Kong foram expressas de forma inequívoca e o Governo da cidade anunciou a “suspensão” da revisão. As pessoas devem reflectir sobre estes dois factos. Será que ainda é necessário continuarem as manifestações para exigir a “abolição” da revisão? Se continuarmos a escalpelizar este assunto que consequências podem daí advir? Rowan Tam, um antigo cantor de Hong Kong, tinha uma canção,”Under the Lion Rock”, que dizia mais ou menos o seguinte: “Navegamos no mesmo barco sob a Lion Rock, devemos ajudarmo-nos uns aos outros, esquecer as diferenças e procurar as semelhanças.” Quer sejamos a favor ou contra a revisão da lei de extradição, Hong Kong tem de seguir em frente, olhar para o futuro e deixar o passado para trás. Unamos esforços para que Hong Kong possa vir a ter um futuro brilhante. Este deverá ser o desejo de todos nós. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesExtradição na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong esta semana ficou marcada pelas manifestações de protesto contra a proposta de lei de extradição dos condenados em fuga. Na demonstração de 9 de Junho compareceram imensas pessoas. As autoridades adiantaram o número de 153.000 participantes, ao passo que o porta-voz da organização apontava para cerca de um milhão. Mas todos sabemos que estes cálculos nunca são precisos. Durante o desfile, o responsável pelo cálculo do número de participantes tira fotos, conta as pessoas que aparecem na foto e calcula a área que ocupam. Se continuar a fotografar a mesma área a intervalos regulares é possível fazer uma estimativa do número de pessoas presentes. Esta estimativa pode variar conforme a área escolhida. Mas, seja qual for o número apontado, estiveram presentes sem dúvida muitos milhares de pessoas nesta manifestação. No dia seguinte, segunda-feira, 10 de Junho, a TVB de Hong Kong entrevistou a Chefe do Executivo Carrie Lam. No decurso da entrevista, Lam deixou bastante clara a sua posição sobre o assunto. Em primeiro lugar, admitiu que esta proposta de lei toca questões muito controversas. Estas declarações foram úteis, mas as dúvidas não ficaram eliminadas. Mas Lam também assinalou que, se a oportunidade de rever a lei não for agora aproveitada, não se saberá quando o poderá vir a ser. Além disso resta a dúvida se a próxima proposta de revisão da lei vai ser bem-sucedida. Carrie Lam foi peremptória. Acredita que não vai ser. Por estas declarações podemos deduzir que, se duvidamos que a nova proposta de lei venha a ser bem aceite, então mais vale lidar com o assunto agora do que adiar a sua resolução. Ainda a entrevista não tinha sido transmitida, quando se deu um motim em Hong Kong. A multidão ocupou as principais vias rápidas da cidade causando o congestionamento do tráfego. Depois da intervenção da polícia a situação começou a normalizar. As manifestações e marchas realizadas na quarta-feira em Admiralty provocaram ferimentos em manifestantes e em agentes da autoridade. Mas na quinta-feira a situação agravou-se. Os organizadores convocaram as pessoas para as estações de Metro. Multidões precipitaram-se para as entradas do Metro durante a hora de ponta e os comboios não puderam circular normalmemte. O caos instalou-se. As pessoas que queriam chegar ao trabalho a horas não conseguiram. É inquestionável que este método acabou por envolver nos protestos pessoas que não tinham qualquer intenção de se manifestar contra a proposta de lei de extradição. Se as manifestações são uma forma de expressar a opinião pública, a participação forçada é o seu oposto e, portanto, é uma forma de privar as pessoas dos seus direitos. É absolutamente incorrecto. Como é que podemos considerar pacífica uma manifestação que recorre ao uso de uma série de métodos para impedir o Metro de circular? A legalização das manifestações é um dos valores fundamentais de Hong Kong, bem como permitir que as pessoas expressem os seus desejos e aspirações. Mas é fundamental que não envolvam violência e que pessoas com outros pontos de vista se não vejam envolvidas à força numa luta que não lhes diz respeito. No sábado, 15 de Junho, Lin declarou suspensa a discussão da proposta de lei de extradição. O Governo estava já preparado para submeter a proposta à discusão no Conselho Legislativo. Em teoria, depois da transmissão da entrevista com Carrie Lam, os ânimos deveriam ter acalmado, mas tal não aconteceu. Durante a tarde, um homem morreu em Admiralty. Manifestações de pesar e de indignção espalharam-se rapidamente através da internet. Este incidente vai marcar o tom da manifestação de domingo, 16 de Junho. A avaliar pelos noticiários esta manifestação ainda vai ser maior do que a do domingo anterior. Embora no momento em que este artigo foi escrito ainda não houvesse cálculos, nem da parte do Governo nem da dos organizadores, tudo aponta que efectivamente o número de participantes aumentará. Mas, de qualquer forma, ainda vai ser necessário esperar pela contagem oficial. Às 19.30 de sábado, 16, os manifestantes voltaram a ocupar as vias rápidas de Central e de Sheung Wan, pelo que o trânsito ficou completamente congestionado. Mas, estranhamente, no momento em que escrevo, os condutores fizeram seguir os veículos e começaram a desimpedir as vias. É preciso continuar a acompanhar o desenrolar da situação. Felizmente hoje ninguém ficou ferido, porque todos amamos a paz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPublicidade enganosa [dropcap]N[/dropcap]o dia 2 deste mês o jornal de Hong Kong Sing Tao Daily publicou uma notícia sobre a jovem Miss Wong, proveniente de Hong Kong e estudante no Reino Unido. Miss Wong levantou um processo num tribunal londrino contra a Universidade Angelia Ruskin. O artigo não adiantava os motivos de forma muita clara, limitando-se a mencionar “publicidade falsa aos serviços”. Miss Wong inscreveu-se nesta Universidade em 2011, para fazer uma pós-graduação em administração internacional, um curso com duração de dois anos. A jovem escolheu a Angelia Ruskin devido ao panfleto promocional que garantia “Formação de Alta Qualidade” e “Boas Perspectivas de Emprego”. Estas indicações impressionaram favoravelmente Miss Wong. Mas depois do início do ano lectivo ficou decepcionada. As aulas começavam com atraso e terminavam antes da hora. Os estudantes eram incentivados ao “auto-didactismo”. Por tudo isto, a queixosa acusou a Universidade de fraude, na medida em que estava longe de garantir a “Formação de Alta Qualidade” anunciada no prospecto. Mesmo assim, terminou a formação em 2013 certa de que tinha assegurado o início de uma sólida carreira profissional. Mas sempre que se candidatava a um emprego era rejeitada. O diploma não era reconhecido no mundo do trabalho. Portanto, para Miss Wong, o curso não assegurava formação de qualidade nem garantia perspectivas de emprego e, como tal, considerou que o prospecto publicitário era enganador. Após negociação entre as partes, a Universidade indeminizou a queixosa com o montante de 61.000 libras. Deste valor, 46.000 libras eram destinadas a custas processuais. O sistema legal britânico é diferente do de Macau. A parte que perde o processo arca com as custas da outra parte. A principal despesa deste bolo são os honorários do advogado, que neste caso foram pagos pela parte acusada. Em entrevista ao jornal Sunday Telegraph, Miss Wong afirmou sentir-se satisfeita com o resultado do julgamento. Disse ainda estar convencida que de futuro a Universidade iria ter mais cuidado com o que escrevia nos prospectos promocionais. Promessas irrealizáveis não devem estar impressas em panfletos informativos. Embora este caso não envolva uma notícia de monta, para nós, não deixa de ser motivo de reflexão. Como sabemos, actualmente existem nove Universidades em Macau. Devido à implementação da Lei do Ensino Superior, estamos a entrar numa nova era da educação. Quase todas as Universidades têm de estar certificadas. A certificação atesta o grau de qualidade de cada uma delas. Desta forma, as Universidades devem poder garantir até certo ponto o seu nível de ensino. No entanto, Miss Wong processou a Universidade por incumprimento das promessas feitas aos estudantes no programa promocional. Segundo a notícia, a queixosa baseou o seu processo na falsidade do prospecto. Se tinha ou não tinha razão, é uma questão que fica em aberto. Mas uma coisa é certa, segundo a lei do Reino Unido, a partir do momento em que os estudantes pagam as propinas e ingressam na Universidade, estes prospectos fazem parte do contrato entre as partes. A Universidade é responsável por honrar os termos do contrato. Se não o fizer, entra em incumprimento e os estudantes podem processá-la. Embora a situação em Macau seja significativamente diferente da do Reino Unido, o prospecto é considerado um documento oficial na admissão à Universidade. Se existirem diferenças consideráveis entre o programa apresentado e a experiência que os estudantes vivem posteriormente, existirão naturalmente motivos de descontentamento. Consequentemente, as Universidades terão de ter muito cuidado com a forma com que redigem estes panfletos. Se as promessas se cumprirem todos ficam satisfeitos, mas se não se cumprirem os problemas hão-de surgir. Este caso acaba por ser um alerta para todas as Universidades, lembrando que devem ser cuidadosas na forma de divulgar os seus programas e responsáveis pelas expectativas que criam aos estudantes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPortas do Cerco em estado de sítio [dropcap]N[/dropcap]os últimos dias, devido às obras de manutenção e reparação das escadas rolantes, as pessoas que viajavam de Zhuhai e Macau acumularam-se no corredor das partidas das Portas do Cerco. Dia 22 deste mês, a Polícia de Segurança Pública, o Gabinete das Forças de Segurança e o Gabinete de Transportes deram uma conferência de imprensa conjunta para apresentarem o plano de emergência para lidar com a situação. As medidas incluem a abertura de 13 guichets do controlo alfandegário, para que sejam evacuadas 12.000 pessoas num espaço de quatro horas. Na medida em que a entrada do edifício de controlo de fronteiras é estreita e as escadas rolantes estão em manutenção, o risco de acidentes aumenta com a enorme concentração de pessoas. É portanto urgente fazer sair esta multidão. Após a implementação das medidas, as pessoas só esperam cerca de 10 minutos até entrarem no edíficio da alfândega. Espera-se que abram mais dois guichets durante o fim de semana, passando assim de 13 para 15. O Gabinete de Transportes pediu às companhias transportadoras que os autocarros mudassem de rota, para que os passageiros pudessem sair junto aos portões de embarque. Os autocarros que fazem a volta dos hotéis foram reduzidos para um terço e os passageiros são encorajados a entrar e sair de Macau pela Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. A substituição das escadas rolantes do edifício da alfândega das Portas do Cerco causou a concentração de uma multidão, e demonstrou a capacidade de infraestrutura pública de Macau para dar resposta a incidentes. O projecto de manutenção das escadas rolantes surgiu no princípio de 2018, mas o público só foi informado no dia anterior ao início das obras. Muitos dos residentes e turistas só se aperceberam da situação quando chegaram às Portas do Cerco. Esta situação sugere que as autoridades deverão fazer um esforço para publicitar este tipo de ocorrências com maior antecedência e que haja um controlo mais apertado das entradas e saídas em Macau. Fora isso, seria possível que o Governo providenciasse no sentido de serem utilizados outros postos de controlo alfândegário, para libertar a pressão das instalações das Portas do Cerco? Como o tempo de espera para entrar e sair de Macau está a aumentar, é possível que venha a ser necessário criar condições especiais para idosos, crianças, grávidas e pessoas com incapacidades, para evitar qualquer mal estar causado pelas altas temperaturas que se fazem sentir no Verão. Mas, pior do que isso, é a possibilidade de transmissão viral, frequente em locais super-lotados. Se uma pessoa estiver doente, facilmente muitas outras serão contagiadas e todos sabemos que se há vírus inofensivos, há infelizmente outros muito perigosos. Também é necessário alertar a população para o uso de máscaras. A presença de médicos no local e o controlo sanitário poderão ser ainda questões a considerar. As obras de manutenção e reparação das escadas rolantes do átrio das Partidas do edifício alfandegário das Portas do Cerco irão demorar cerca de 60 dias. O público irá sentir os seus transtornos por igual período. As escadas estão montadas paralelamente, em grupos de três. Devido às restrições de espaço, é possível que passem para grupos de duas, diminuindo grandemente a capacidade de transporte. Há uns tempos atrás estas escadas causaram muitos acidentes. Alguns turistas do continente forçavam manualmente a paragem das escadas e as pessoas que iam mais abaixo, como não conseguiam aguentar o impacto, perdiam o equilíbrio e caíam, fazendo cair também os que estavam atrás deles. Este foi um dos motivos que levou a separar as escadas em várias secções, de forma a diminuir os danos dos possíveis acidentes. Este aspecto deve de ser considerado na actual remodelação. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireitos dos Animais (II) [dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre duas das alterações à lei de protecção dos animais em Hong Kong. A primeira, reflecte-se na seccção 56 da Lei do Tráfego Rodoviário e prevê que, quem atropele um animal tem de parar, prestar auxílio e notificar a polícia num espaço de 24 horas. A segunda, estipula que os donos são responsáveis pelos seus animais, sendo sua obrigação cuidar e atender às suas necessidades. Esta obrigação constitui o “dever de cuidar”. Na sequência desta alteração, os tribunais podem privar uma pessoa do direito de possuir um animal para sempre, se este dever for seriamente violado A Lei de protecção dos animais de Macau não estipula esta condição, mas o parágrafo 1 do artigo 28 enuncia: Artigo 28.º Penas acessórias 1. A quem for condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 25.º e 26.º podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias: 1) Declaração de perda a favor do IACM do animal do infractor; 2) Proibição de aquisição e criação de animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos; 3) Proibição do exercício de actividades que impliquem o contacto efectivo com animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos; Como vemos, este artigo estipula que quem violar a lei será privado do seu animal, o qual será entregue ao cuidado do IACM. Isto implica que os animais sujeitos a maus tratos serão imediatamente resgatados. Embora aqui se preveja que quem infligir maus tratos a animais seja proibido de os ter por um período de um a três anos, não é uma interdição para toda a vida, conforme enuncia a emenda à legislação de Hong Kong. As leis da Região Administrativa Especial de Macau foram buscar o modelo da legislação portuguesa. Segundo o Código Penal português, a pena máxima é de 25 anos. Não existe prisão perpétua. Transpondo este princípio para a lei de protecção dos direitos dos animais, faz sentido que não se proíba ninguém de ter um animal para o resto da vida. Uma das antigas propostas de alteração a esta lei previa a criação de um corpo policial dedicado em exclusivo à protecção animal. Mas a polícia opôs-se argumentando a falta de efectivos. Sem intervenção policial, existirão inevitavelmente bloqueios à implementação da lei, especialmente quando os donos se recusam a colaborar, ou resistem violentamente, os responsáveis ficam incapacitados de agir. Outra crítica às emendas da lei de Hong Kong prende-se com a falta de uniformização, o que deu origem a dificuldades na compreensão e confusões. Também dificulta o trabalho dos departamentos responsáveis ao tentarem aplicar a lei correctamente. Conforme já foi referido, a legislação de protecção animal em Hong Kong, inicialmente, apenas se destinava a preservar a segurança e a sáude públicas. Actualmente foi alargada aos conceitos de direitos e bem-estar animal. Direitos e bem-estar animal e saúde e segurança públicas são dois binários conceptuais distintos. Misturar conceitos gera confusão, daí que as críticas pareçam ser compreensíveis. Em oposição, a legislação de protecção animal de Macau é basicamente um conjunto de quatro regulamentos, a Lei No. 4/2016, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 335/2016 que – Determina a proibição da aquisição, criação, reprodução ou importação das raças de cães e animais, o Regulamento Administrativo n.º 28/2004 que – Aprova o Regulamento Geral dos Espaços Públicos e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 106/2005 que – Aprova o Catálogo das Infracções a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, alínea 2, do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. Como Macau tem basicamente nesta matéria este conjunto de leis e Despachos, e a legislação sobre protecção animal remonta a 2016, pode afirmar-se que é uma lei recente. Além disso podemos classificar a legislação de Macau como “simples e clara” . No Génesis, é dito que Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. E Deus ordenou ” Ao homem é dado domínio sobre todas as coisas e ele recebe mandamento de se multiplicar e de encher a Terra.” Embora nem todos acreditem na Bíblia, o princípio sagrado de usar a lei para proteger os direitos dos animais e a promoção do seu bem estar, faz parte de uma sociedade saudável e evoluída. O primeiro passo para que este objectivo seja cumprido é compreender que os animais não são brinquedos, nem podem servir para descarregar frustrações; se assim não for, o agressor despe-se do sentido de moralidade que todo o ser humano deve possuir e será altamente provável que a lei de protecção animal venha a ser violada. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireitos dos animais (I) [dropcap]S[/dropcap]oube-se há cerca de duas semanas que o Governo de Hong Kong está a preparar uma revisão da legislação sobre protecção aos animais, nomeadamente para combater comportamentos cruéis. Em Macau, a Lei de Protecção dos Animais é relativamente recente. Esta é uma boa oportunidade para analisarmos a legislação das duas cidades e vermos o que cada uma delas pode aprender com a outra. Em Hong Kong, a “Lei de combate à Raiva” e os “Regulamentos sobre Animais Perigosos” destinam-se a promover a vacinação dos cães e o uso de trela em locais públicos, de forma a evitar que alguém possa ser mordido. O principal objectivo destas leis é garantir que os animais não constituam uma ameaça para a saúde nem para a segurança do público. A salvaguarda dos direitos dos animais não tem sido até agora uma preocupação. A protecção dos direitos dos animais centrou-se na legislação contra a crueldade. Exemplo disso é a Lei para a Prevenção da Crueldade para com os Animais, publicada em 1935 e elaborada de acordo com o Acto 1911 de Protecção dos Animais, britânico. Esta lei estipula que o tratamento cruel ou negligente, que causa sofrimento desnecessário, é ilegal e pode ser punido com uma multa até $200.000 e pena de prisão até três anos. Mas, desta vez, o Governo de Hong anunciou que irá introduzir alterações à lei. A primeira irá incidir na secção 56 da Legislação de Circulação Rodoviária. A alteração exige que o condutor que atropele cavalos, vacas, burros, ovelhas, porcos (excepto javalis), cabras, cães ou gatos, deve parar de imediato e comunicar o acidente à polícia num espaço de 24 horas. Se estas medidas forem tomadas, a hipótese de sobrevivência do animal atropelado aumenta significativamente. Por seu lado, o Parágrafo 1 do artigo 3 do MAPL estipula: Maus tratos a animais 1. É proibido o tratamento de animais por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que lhes inflijam dor e sofrimento. Embora o artigo condene a crueldade, a violência e a tortura não específica o que considera como tal. Por exemplo, o atropelamento e abandono de um animal pode ser considerado cruel, violento ou uma forma de tortura? Haverá necessidade que a lei seja mais específica e se venha a debruçar sobre a intencionalidade ou a não intencionalidade nestas circunstâncias? É considerado como crueldade, violência ou tortura, embora não só, pontapear, bater e provocar ferimentos ou mutilações. O Artigo 25 do MAPL estipula: Artigo 25.º Crime de crueldade contra animais Quem, com a intenção de infligir dor e sofrimento a animal, o tratar por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que resultem em mutilações graves, perda de órgãos importantes ou morte, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias. Embora a lei não enumere os comportamentos específicos que provocam estas consequências, condena todos os actos que as provoquem. Claro que enumerar comportamentos específicos seria exaustivo. Na sociedade actual, os meios pelos quais a violência, a crueldade e a tortura se exercem são inumeráveis. Embora a lei actual contemple um vasto leque de comportamentos, não quer dizer que esteja preparada para lidar com novos comportamentos crúeis, violentos e perversos que possam surgir no futuro. Os animais não falam e, como tal, não se podem queixar. Por isso, a lei tem de definir muito bem o que são actos de crueldade, violência e tortura, para que possam ser convenientemente punidos. É possível implementar a protecção dos direitos dos animais. Hoje em dia, nos países dos continentes europeu e americano a legislação de protecção animal já não se limita a condenar os maus tratos e a negligência. A lei estipula o “dever de cuidar” para proteger os direitos dos animais. É disso exemplo o Acto 2006 de Bem-Estar Animal, que foi acrescentado à legislação do Reino Unido em 2006. O “Dever de Cuidar” estipula que os donos têm de dar garantias de possuir os meios necessários para prover às necessidades básicas dos animais ao seu cuidado; além disso garante que os agentes das autoridades possam intervir sempre que um animal é encontrado em situação deficitária, como forma de prevenir tragédias futuras. É precisamente neste ponto que irá incidir a alteração à lei de protecção aos animais em Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInvestigação genética sujeita a novas regras [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 20, a Hong Kong TV anunciou que a China continental vai rever o Código Civil. As reformas jurídicas vão ter efeito em múltiplas áreas, nomeadamente na proibição do uso de tecnologia informática para fins que violem a privacidade dos cidadãos. Os órgãos estatais, e os seus funcionários, têm plena consciência da importância da salvaguarda da informação pessoal. Estão obrigados a manter a confidencialidade dos dados, não podendo em circunstância alguma, facultá-los indevidamente a terceiros. As reformas também se farão sentir nas áreas científica, académica e clínica, particularmente no que respeita à regulação dos procedimentos de manipulação de genes e embriões humanos. Estes procedimentos têm de obedecer à lei, aos regulamentos administrativos, não podendo nunca pôr em risco a saúde humana, nem violar princípios morais. Esta emenda específica do Código Civil teve obviamente em consideração a experência levada a cabo pelo Professor He Jiankui, em 2018. Ao criar uma transformação do genoma nos embriões de duas gémeas, o Professor imunizou-as contra o HIV. É consensual encarar a investigação de He Jiankui como um enorme avanço científico, mas ela constitui também uma violação clara das regras éticas e legais A transformação do genoma é uma caixa de Pandora que, uma vez aberta, pode libertar pesadelos imprevísiveis. Alterar o genoma pode agravar desigualdades entre os seres humanos e o agravamento de desigualdades pode gerar conflitos. A manipulação do genoma constitui uma clara violação da ética humana e, por isso, é totalmente pertinente a regulamentação desta área. A criação de mais leis e regulamentos é indispensável. Em primeiro lugar temos a investigação, depois as questões morais que levanta e finalmente a lei que a governa. Existem muitas questões nesta área na sociedade actual. A lei não pode limitar-se a regular os estudos genéticos. No último artigo, analisámos o caso de Jan Karbaat, o medico holandês, director do departamento reprodutivo de um Hospital estatal, que trocou o esperma dos dadores autorizados pelo seu, sem o consentimento das receptoras. Calcula-se que tenham sido geradas 60 pessoas com o material genético do médico. Organizadas em grupo, estas pessoas processaram-no, exigindo que fossem recolhidas amostras do seu ADN para comprovar a paternidade . A manipulação genética e a fertilização assistida representam, sem dúvida, enormes progressos científicos, mas, sem uma regulação com base na ética, podem ter resultados desastrosos e, sobretudo, imprevisíveis. É importantíssimo que a sociedade, através dos seus mecanismos jurídicos, supervisione e controle estes processos. A bem da igualdade de oportunidades e do bem estar social. A manipulação genética ilegal e a utilização não autorizada de esperma na fertilização assistida, são crimes aos olhos da lei. Pela sua natureza complexa, podem não ser facilmente identificáveis pelo homem comum. A sociedade tem obrigação de legislar e de punir os actos ilegais. Em conformidade, são necessárias mais leis para regularem os actos médicos. À semelhança da legislação que regula os crimes informáticos, as leis que regem os actos médicos serão independentes das leis tradicionais, terão de tomar em linha de conta todo o conjunto de incidentes que possam ter origem em actos médicos, de forma a governar de forma justa esta situação específica. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDoutor estranho amor [dropcap]N[/dropcap]o dia 16 deste mês, a TVB de Hong Kong passou uma estranha notícia. Um médico holandês, o Dr. Jan Karbaat, antigo director do departamento de medicina reprodutiva do Zuider Hospital, terá usado, ao longo de quinze anos, o seu sémen para fertilizar óvulos de pacientes. Não se sabe ao certo quantos bebés terão sido gerados desta forma. O Dr. Karbaat faleceu em 2017. A Direcção do Zuider Hospital veio a apurar que, entre 1973 e 1978, um total de 659 mulheres foram admitidas para serem submetidas ao processo de inseminação artificial, do qual resultaram 338 bebés. Se são, ou não, todos filhos do Dr. Karbaat, só a investigação em curso poderá dizer. Depois de deixar este Hospital em 1979, o médico abriu uma clínica reprodutiva, que viria a ser encerrada em 2009, devido a problemas administrativos. Profissionais da área afirmaram que este incidente só foi revelado muitos anos depois, porque antigamente a identidade do doador permanecia secreta, sendo apenas do conhecimento do pessoal clínico. Mas a legislação holandesa mudou em 2004 e a identidade dos doadores passou a ser pública. O médico foi acusado de usar o seu esperma para fertilizar pacientes, sem o conhecimento das interessadas. Existem suspeitas que tenham sido geradas mais de 60 crianças desta forma. Um dos membros e porta-voz, do auto-apelidado grupo “Filhos de Jan”, que se parece incrivelmente com o médico, solicitou ao Tribunal autorização para recolher uma amostra genética de Jan Karbaat, para comparar com o ADN dos membros do grupo. Após deferição do pedido, deu-se início a um longo processo de identificação. No seguimento destas investigações Joey, um dos filhos do médico, afirmou: “Depois de 11 anos de investigações, posso finalmente pôr um ponto final no assunto. Posso seguir em frente. Sinto-me feliz por ter identificado as minhas origens.” Tim Bueters, o advogado que representou os 49 filhos do médico, também se declarou satisfeito, por terem acabado as incertezas e os interessados terem tido, finalmente, acesso à verdade. Embora ainda não se saiba ao certo que acusação o Estado Holandês irá formular para estes crimes, pelo quadro apresentado, existem alguns pontos dignos de nota: 1. A lei holandesa estipula que uma pessoa só pode doar esperma por 6 vezes, no máximo, e que o número de mulheres que engravidam com esse esperma não pode ultrapassar as 25. O médico violou claramente estes limites. 2. As crianças nascidas por este método têm direito de saber quem é o seu pai biológico? Esta é uma questão legal, mas também moral, que dependerá da vontade do doador para se identificar. Será que as crianças merecem passar por isto? É claro que é um assunto que pode necessitar de privacidade. Mas se a identidade do doador for revelada, é natural que se pense na posição das mães, o que nos remete para outra área de privacidade. 3. Sem o consentimento das mães, e dos seus parceiros, o médico usou o seu próprio esperma, trocando-o pelo dos doadores “credenciados”. Pode este acto ser considerado uma violação da vontade dos receptores? Além disso, se o casal em causa tivesse conhecimento do sucedido durante a gestação, teria direito a recorrer ao aborto? A questão é complexa, não pode ser facilmente formulada. 1. Na Holanda, antes de 2004, as pessoas geradas com esperma de doadores não tinham direito de saber a identidade do progenitor biológico. Mas, depois de 2004, a situação mudou. No contexto actual, os seus “descendentes” tiveram possibilidade de reclamar a identidade do pai biológico . Jan Karbaat morreu em 2017 e deixou um legado. Naturalmente, os seus filhos têm direito a reclamar a herança. Esta situação é naturalmente desfavorável para a viúva e para os filhos do casamento. Se se confirmarem os 60 filhos, por via da inseminação artificial, então, cada um deles, terá direito a uma fatia – pequena – da herança do médico. Este é, de uma certa forma, um caso pioneiro. Sem a legislação adequada, teremos de pensar como se irá resolver o assunto e lidar com as lacunas da lei. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesEstacionamento inteligente [dropcap]N[/dropcap]o passado dia 25 de Março, o Departmento de Transportes do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Municipal do Distrito de Sham Shui, para a construção de um parque de estacionamento inteligente, em Sham Shui Po. A área destinada ao parque tem cerca de 3.400 metros quadrados. As instalações terão a forma de uma espiral e os espaços de estacionamentos vão ser circulares. O estacionamento será inteiramente controlado por um sistema informático automatizado que incluirá uma rede de “paletes automáticas”. Este design permite maior facilidade e rapidez de estacionamento. No rés do chão do complexo prevê-se a construção de jardins, parques infantis e ginásios. Dia 7 deste mês, a Autoridade de Renovação Urbana de Hong Kong fez novas propostas para a construção do primeiro parque inteligente de Hong Kong, administrado por um sistema de estacionamento informatizado, responsável pelo controle das “paletes automáticas”. As paletes automáticas efectuam o estacionamento dos veículos. Primeiro o condutor pára o carro à entrada do parque e depois faz o seu registo no sistema. Quando este processo está concluído, a palete automática vai buscar o carro, introduzindo-se na parte de baixo do veículo e depois eleva-o para proceder ao transporte. O espaço de estacionamento é detectado automáticamente, bem como a trajectória até ao local. Este mecanismo de transporte está equipado com um sensor que lhe permite desviar-se dos obstáculos e evitar colisões. A Autoridade de Renovação Urbana alertou para o facto de não existir qualquer tipo de legislação que regule este sistema automatizado. Esta falha vai criar algumas dificuldades à aprovação do projecto por parte do Governo de Hong Kong. O conceito de parques de estacionamento inteligentes foi importado de Singapura. De forma a evitar o congestionamento do tráfego e as emissões de dióxido de carbono, Singapura tem encorajado o uso de bicicletas. Mas, tal como os carros, as bicicletas também necessitam de locais para estacionar. Se forem deixadas na rua, podem bloquear a circulação e, além disso, podem ser roubadas. Por causa disso, o Governo de Singapura criou um parque inteligente para estacionar bicicletas, com capacidade para albergar 500 unidades. Antes de entrar, o utilizador tem de se registar no sistema informático do parque, recebendo de seguida a password que lhe permite estacionar a bicicleta. O processo de estacionamente automático leva menos de um minuto a efectuar-se. Este sistema de estacionamento inteligente foi inventado no Japão, onde está em funcionamento já há algum tempo. É pois expectável que o novo parque de Hong Kong venha a funcionar às mil maravilhas. E que lições pode tirar Macau desta experiência? A 17 de Maio de 2018, o Governo da RAEM publicou a “Estratégia para o desenvolvimento da cidade inteligente de Macau e a construção nas áreas principais – Consulta Pública” . As plataformas automáticas de Singapura podem vir a ser tomadas em linha de conta para a implementação deste projecto em Macau. Macau tem imensos habitantes e, desde há muito tempo, que se sente a falta de parques de estacionamento na cidade. À noite, sobretudo, vêem-se bastantes carros estacionados na estrada. Este estacionamento desordenado provoca o caos, dificultando a circulação de veículos e de peões. Todos sabemos que durante a passagem dos super tufões Hato e Mangkhut em Macau, em 2017 e em 2018, muitos carros estacionados em parques subterrâneos ficaram literalmente desfeitos, devido às cheias. É urgente construir na cidade mais parques de estacionamento, em estruturas acima do solo. Quer do ponto de vista da vida do dia a dia, quer do ponto de vista do desenvolvimento urbano, os parques inteligentes são indispensáveis. Para estabelecer uma rede de parques inteligentes, são necessárias leis que os regulamentem. Embora exista em Macau muita legislação rodoviária, não existem leis que tenham em consideração as questões levantadas pelos parques inteligentes. Por isso, se quisermos construir parques inteligentes, temos de criar a respectiva legislação e agir antecipadamente.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCrimes, escapadelas e computadores (III) [dropcap]H[/dropcap]á algumas semanas atrás, falámos sobre um caso ocorrido numa escola primária. Quatro professores divulgaram as perguntas dos exames e foram acusados de “aceder a computadores com intuitos desonestos”, ao abrigo da secção 161(1)(c) da Lei Criminal, de Hong Kong. Esta secção aplica-se a crimes informáticos. Este caso ficou famoso em Hong Kong e foi inicialmente julgado no Tribunal de Magistrados, posteriormente no Tribunal de Primeira Instância e finalmente no Tribunal de Recurso. A sentença desta última instância foi publicada no dia 4 deste mês. O julgamento durou, na totalidade, cinco anos. Da sentença publicada, destacam-se cinco pontos dignos de análise: Em primeiro lugar, fica bem claro que uma pessoa que cometa um crime abrangido pela secção 161 (1) (c) terá de usar o computador de outrém para satisfazer o pedido “irregular”. Se aplicarmos este princípio legal, a secção 161 (1) (c) não cobrirá situações em que o faltoso usa o seu próprio computador para actos fraudulentos a pedido de terceiros; ou no caso de usar o seu próprio computador para defraudar outras pessoas. Nestes casos, é problemático para o Governo da RAEHK acusar os responsáveis das infracções. Possivelmente, o Governo terá de analisar caso a caso antes de tomar uma decisão. Podemos apenas afirmar que não existe uma norma que regule todas estas situações. Em segundo lugar, na sentença nunca é dito que o smartphone é considerado um computador. Como o Tribunal de Recurso não se pronuncia sobre esta matéria, prevalece o parecer do Tribunal de Primeira Instância; ou seja, os smartphones são vistos como computadores. Relacionando o primeiro e o segundo pontos, não é difícil de concluir que o Governo da RAEHK será levado a legislar de forma a cobrir delitos que ainda não estão abrangidos por leis específicas. Um outro exemplo é o caso das fotos que são tiradas de forma a revelar o que as saias cobrem (muitas vezes sem o consentimento da mulher em questão). Ao abrigo da lei actual, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não existe crime. Se não houver uma nova legislação, o fotógrafo pode continuar a cometer este delito sem qualquer punição. No caso de o Governo da RAEHK promulgar uma nova legislação, esta deverá conter, pelo menos, dois elementos: 1. Fotografar partes intímas deverá ser considerado crime, mesmo que ocorra num espaço privado. 2. A nova lei deve estipular que o smartphone é um computador, ou em que circunstância o smartphone pode ser considerado uma ferramenta criminosa, que permita ao fotógrafo registar, à socapa, imagens de zonas intímas. Este elemento é fundamental, porque estas fotos são sempre tiradas com telemóveis e nunca com computadores. Em terceiro lugar, a secretária da Justiça propôs que a secção 161 (1) (c) se aplique a estas situações a bem das boas práticas públicas. Como já foi mencionado, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não é possível formular acusação. O Tribunal de Recurso não leva estes argumentos em consideração e afirma que a função do Tribunal é interpretar a lei e tomar decisões baseadas nessa interpretação. As boas práticas públicas são um factor com que o Tribunal não tem de lidar. A maior diferença entre o sistema da common law e o sistema da civil law reside no facto de, no primeiro caso, o Tribunal ter como função a interpretação da lei, ao passo que no segundo não terá. Após o Tribunal ter interpretado a lei, deve tomar a decisão de acordo com o seu próprio entendimento. A interpretação da lei só pode ser feita de acordo com métodos legais e segundo os princípios do estado de direito. Estes métodos não contemplam as boas práticas públicas. A secretária da Justiça apelou às boas práticas públicas por razões de ordem pessoal. Para além de ser representante do Governo da RAEHK, a secretária da Justiça é conselheira jurídica do Executivo. Uma das suas principais funções é a manutenção das boas práticas públicas através da aplicação da lei. No entanto, se o Tribunal de Recurso aceitar que este argumento é válido para recorrer de uma sentença, futuramente poderá usá-lo como critério para tomar decisões. Como as boas práticas públicas não são necessariamente princípios jurídicos, este método de interpretação legal não é, obviamente, compatível com uma interpretação apenas baseada na lei. Em quarto lugar, alguns casos têm estado pendentes à espera da clarificação do Tribunal de Recurso sobre o alcance da aplicação da secção COFA 161 (1) (c). No momento que que o Tribunal de Recurso publicar o seu Normativo estes casos serão retomados. Em função disso, o Governo da RAEHK pode manter ou rever as acusações. Depois das emendas, parece muito improvável que o Tribunal de Recurso venha a receber o mesmo tipo de apelos. Em quinto lugar, o caso dos professores que divulgaram os resultados dos exames foi julgado pelo Tribunal de Magistrados em 2014, depois passou ao Tribunal de Primeira Instência e, após recurso dos réus, ao Tribunal de Recurso, tendo ficado concluído só em 2019. Durou cinco anos. Independentemente de se ser, ou não, considerado culpado, é bastante difícil para alguém aceitar que um julgamento se arraste durante cinco anos. A pressão a que os réus ficam sujeitos é um trauma que dura uma vida. Este foi o preço que os professores tiveram de pagar por divulgarem as perguntas dos exames. Com a democratização da educação, um número cada vez maior de jovens ingressa nas escolas. Estas fugas de informação deveriam acabar, mas acontecem cada vez mais. Talvez o Governo da RAEHK tenha de considerar a possibilidade de legislar sobre esta matéria. Como Hong Kong realiza vários exames públicos, para simplificar, vamos dividi-los em dois tipos: públicos e privados. Antes das provas, as perguntas dos exames das escolas públicas, são consideradas documentos confidenciais do Governo. Mas os exames das escolas privadas são outro caso. Não podem ser considerados da mesma forma. Assim, se alguém divulgar as perguntas dos exames de uma escola privada, não incorre em nenhum crime. No entanto parece impossível que alguém que divulgue perguntas de um exame não venha a ser julgado. Macau tem a “Lei de Combate ao Crime Informático”. Se o caso da Escola Primária Heep Woh aqui tivesse acontecido, haveria forma de lidar com o assunto. Em breve irão realizar-se exames nas escolas primárias e secundárias e também provas de admissão às Universidades. Haverá necessidade de promulgar legislação especial para punir quem divulgue as perguntas dos exames? Conselheiro Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTratado de Extradição III [dropcap]Q[/dropcap]uem tem vindo a acompanhar os artigos sobre esta matéria, sabe que o pedido de extradição apresentado por Taiwan a Hong Kong esteve relacionado com um crime cometido naquele território por um cidadão de Hong Kong. Após cometer o crime o suspeito fugiu e o Governo de Taiwan apresentou um pedido de extradição ao Governo de Hong Kong. Este incidente esteve na origem da proposta de emenda à Lei dos Criminosos em Fuga (FOO sigla em inglês), feita após consulta pública. No espaço de dois meses, a sociedade de Hong Kong pronunciou-se através da sua comunidade empresarial e da Ordem dos Advogados, mas também se fizeram ouvir opiniões da American Chamber of Commerce e da União Europeia, que manifestaram diferentes pontos de vista sobre as emendas a introduzir na FOO. As emendas a um conjunto de leis de Hong Kong foram analisadas e comentadas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, o que é algo com que a maior parte das pessoas não teria ousado sonhar. A comunidade de Hong Kong manifestou diferentes opiniões a este respeito. Dezanove associações profissionais, como a “Faithful Relief” e a “Xinglin Awakened” emitiram um comunicado conjunto expressando a sua preocupação sobre a possibilidade das emendas deixarem os habitantes de Hong Kong desprotegidos, sem direito a um julgamento justo. Sublinharam ainda que a comunidade internacional pode vir a encarar o sistema jurídico independente de Hong Kong como parte do sistema jurídico da China continental. Na perspectiva destas associações profissionais o Governo de Hong Kong deverá limitar o alcance das emendas. Para já, pretende que o Tratado de Extradição se limite a Taiwan, ficando de fora a China continental e Macau. Além disto, de forma a evitar mais polémica sobre os casos de extradição, que podem inquietar os suspeitos e aumentar as possibilidades de fuga, o Governo de Hong Kong propõe que o Conselho Legislativo suspenda a discussão do assunto. As associações profissionais acreditam que este problema pode ser resolvido pela prisão preventiva do suspeito, antes que o Conselho Legislativo leve a matéria a debate. Lin Jianyue, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, pensa que a emenda não deve abarcar crimes económicos. Lin Jianfeng, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, defende que os crimes económicos deve ser tratados separadamente dos crimes violentos. No passado dia 7, a American Chamber of Commerce declarou junto do Governo de Hong Kong, que nutre “sérias reservas” em relação a estas emendas. A American Chamber of Commerce sublinha que as alterações à lei podem permitir que o Governo da China continental peça a extradição de empresários internacionais, que vivam ou estejam de passagem em Hong Kong, e que tenham sido acusados de crimes económicos no continente. Esta possibilidade iria desvalorizar a imagem de Hong Kong como cidade cosmopolita. A American Chamber of Commerce salientou ainda que, implementar ou não esta emenda, poderá ser um factor decisivo no estabelecimento e manutenção de grandes empresas internacionais em Hong Kong. A competitividade de Hong Kong poderá vir a ser afectada. No passado dia 23, Kano, Director do Gabinete da União Europeia em Hong Kong, declarou numa entrevista à RTHK, que tinha expressado ao Governo de Hong Kong a sua preocupação sobre o impacto destas alterações à lei nos cidadãos europeus, e que tinha solicitado que o Governo consultasse os estatutos da UE sobre Tratados de Extradição em Hong Kong. Kano propôs também que se dilatasse o período de revisão da legislação. Shi Shuming, membro executivo da Ordem dos Advogados de Hong Kong, salientou que se o Governo excluir um certo número de crimes em respostas às necessidades de alguns sectores, tornando impossível a extradição de certas pessoas, muita gente ficará demasiado “à vontade”. E nesse caso, porque não ter também em consideração as preocupações de outros sectores? Porque motivo há-de existir um tratamento diferenciado? É óbvio que existirão sempre stuações injustas. Tang Yingnian, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, acredita que o Conselho Legislativo irá discutir em detalhe a questão da repatriação nos casos de crimes não violentos como é o caso dos crimes fiscais e dos crimes económicos. No entanto defende as emendas a esta lei. Hong Kong não pode ser refúgio para quem quer fugir ao braço da lei. Tan Huizhu afirmou que qualquer assistência jurìdica mútua deve implicar quatro condições: 1. O crime na base do pedido de extradição, deve ser reconhecido nos dois locais; 2. O crime não pode ter, aos olhos da lei, diferenças óbvias entre os dois locais; 3. A existência de prova suficiente; 4. O crime deve ser encarado aos olhos da lei da mesma forma, antes e depois da transferência de soberania, Tan Huizhu salienta que as pessoas do mundo dos negócios não têm motivo para receios. Independentemente das várias opiniões, e quer estejamos ou não de acordo com elas, este assunto vai levar algum tempo a discutir até se conseguir um consenso, de forma a que a revisão da lei possa ser bem sucedida. A avaliar pelo estado das coisas, a entrada em vigor da emenda à lei não parece estar para breve. A função básica de qualquer lei é proporcionar equidade e justiça social. Nesta perspectiva, como lidar com o pedido de extradição de Taiwan para o suspeito da morte da jovem Poon Hiu-wing? A bem da justiça, não deveria a sociedade de Hong Kong pôr de lado as diferenças, concordar com esta extradição a título excepcional e, em seguida, colocar o assunto à discussão? Mas também podemos depreender pelas discussões que têm ocorrido no seio da comunidade de Hong Kong, que não existe nenhuma preocupação com o sistema jurídico. Será possível conseguir que Hong Kong e Macau assinem um Tratado de Extradição? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk