David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDar a vida pelos outros No passado dia 13, em Melbourne, Austrália, uma professora morreu ao tentar salvar os seus alunos. O incidente ocorreu porque o condutor de um camião que transportava um depósito de água se sentiu mal pelo que o veículo se despistou e embateu contra as instalações de um jardim infantil. Bryant, uma terapeuta da fala de 43 anos, ignorando a sua segurança fez todos os possíveis para afastar as crianças da trajectória do camião, mas acabou por ser atingida e teve morte imediata. A polícia declarou que se Bryant não se tivesse sacrificado, muito mais crianças teriam morrido ou ficado feridas. Toda a comunidade teve rapidamente conhecimento da acção heroica de Bryant e os residentes locais deslocaram-se à cena do acidente para depositar flores e expressar a sua admiração infinita e as suas condolências. Bryant deixou um marido que a amava profundamente, um filho de 11 anos e uma filha de 9 anos. A família ficou destroçada. Em contrapartida, registou-se um caso oposto com o professor Fan. No terramoto de 2008 em Wenchuan, na província de Sichuan, China, este professor foi o primeiro a sair da aula quando se apercebeu do abalo. Só depois é que os estudantes evacuaram a sala, um atrás do outro. O professor Fan disse à comunicação social: “Escolhi viver, só me sacrificaria pela minha filha. Mesmo que a minha mãe estivesse em perigo, não queria saber, porque não consigo transportar um adulto. Em momentos de crise, só se pode salvar uma pessoa de cada vez.” Estes comentários causaram indignação na Internet e o professor foi alcunhado de “Fan Run Run” (“Corre, corre, Fan”). O Ministro da Educação chinês reviu subsequentemente o “Código de Ética Profissional dos Professores do Ensino Primário e Secundário” de forma a incluir disposições para a “protecção da segurança dos estudantes.” Presentemente, o Código estipula que os professores devem “cultivar sentimentos nobres.” Posteriormente, o professor Fan pediu desculpa pelas suas declarações à imprensa. Mas anos mais tarde, ainda afirmava que faria o mesmo se voltasse a haver um incidente idêntico. Não tem remorsos porque sabe que era incapaz de salvar todos os alunos. Diz que admira heróis, mas que não é um deles. Aprecia sobretudo a própria vida. Confrontados com duas opções completamente diferentes, qual devemos escolher? Como devemos avaliar? Talvez uma história Budista nos possa ajudar a encontrar a resposta. Havia na floresta um elefante com seis presas. Era gentil, forte e diligente. Certo dia, salvou um caçador seriamente ferido e levou-o para a aldeia. Depois de o caçador recuperar dos ferimentos, viu um édito do rei, que dizia: Quem caçar um elefante de seis presas e me trouxer como tributo o marfim será recompensado. O caçador ficou ganancioso, disfarçou-se de médico bondoso, entrou sorrateiramente na floresta, aproximou-se e atingiu o elefante com setas venenosas. O elefante das seis presas caiu ao chão por causa do veneno. Os outros elefantes cercaram rapidamente o caçador, mas o elefante das seis presas pôs as patas dianteiras em torno do caçador para o proteger e para dar sinal aos outros para se retirarem. O elefante das seis presas perguntou ao caçador: “Porque é que me feriste?” O caçador ficou envergonhado e contou-lhe a verdade. O elefante partiu as suas presas e deu-as ao caçador, dizendo-lhe: “Com este donativo, podes entender o lado glorioso da vida. Se eu me tornar um Buda, voltarei para te salvar e retirar as três setas venenosas do teu coração: a ganância, o ódio e o engano.” Esta fábula ilustra o verdadeiro significado do amor. O amor e a bondade do elefante das seis presas são incondicionais, tal como o amor de muitas mães pelos seus filhos, que se sacrificam para os proteger em alturas difíceis. O amor de Bryant pelos seus alunos, como o amor maternal, aquece os corações, ajuda as crianças a crescerem harmoniosamente e faz a escola brilhar. Assim sendo, os professores têm a obrigação de se sacrificarem pelos seus alunos? Na perspectiva de Fan Run Run a profissão de professor não implica sacrificar a vida. Mas, em certas circunstâncias, o cumprimento do dever do professor pode custar-lhe a vida. Professores que arriscam a vida para salvar os alunos praticam actos heroicos e demonstram ter os mais altos padrões morais. Mas também devemos compreender que os professores não têm obrigação de sacrificar a vida. Uma das principais prioridades dos professores é a protecção da vida dos seus alunos, mas isso não significa que tenham de se sacrificar. Como optar? As escolhas das pessoas baseiam-se nos seus valores e experiência de vida, por isso deixo ao leitor a capacidade de julgar. Mas prestemos aqui a mais alta homenagem à dedicação de Bryant que sacrificou a vida para salvar e iluminar os seus alunos. Amamo-la e sentimos a sua falta. A sua família está extremamente orgulhosa dela. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLicença parental As leis laborais de alguns locais, contemplam a “licença parental” destinada a facultar aos trabalhadores com filhos mais tempo livre para se ocuparem das crianças e de assuntos familiares, de forma a ser obtido um maior equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar. Tomando o exemplo de Guangxi, na China, os “Regulamentos para o Planeamento da População e da Família da Região Autónoma de Guangxi Zhuang” estipulam que cada um dos membros do casal tem direito a dez dias de licença parental por ano até que os filhos atinjam os três anos de idade. Se os dois progenitores tiverem 20 dias de licença parental todos os anos, têm a possibilidade de lidar com vários assuntos relativos à criança e à própria vida familiar. Olhando para Hong Kong e para Macau, verificamos que em Macau não existe actualmente licença parental. Nas linhas para a governação, recentemente apresentadas, o Governo de Hong Kong propõe-se implementar a partir de Abril de 2025 a licença parental anual para funcionários públicos com crianças até 3 anos de idade. Um estudo realizado em Hong Kong mostrou que perto de 80 por cento dos inquiridos acredita que criar um filho até aos 22 anos custa pelo menos 6 milhões de dólares de Hong Kong. Este tipo de pessoas espera que as empresas possam ter mais flexibilidade laboral. Os inquiridos ainda acrescentaram que se pensarem ter um filho num período em que estão muito ocupados, para se dedicarem totalmente ao trabalho e atingirem os seus objectivos, podem ter de adiar ou desistir dessa ideia. Os resultados do referido estudo demonstram que mesmo que as pessoas queiram ter filhos, a sua principal preocupação é a questão económica. Se a situação económica for boa, a hipótese de virem a ser pais mais melhora relativamente. Se a empresa que os emprega lhes proporcionar medidas que os ajudem a tratar das crianças e dos problemas familiares esse factor será certamente tomado em conta. As notícias não mencionavam se, para além da licença parental a ser atribuída aos funcionários públicos, o Governo de Hong Kong irá tomar outras medidas para ajudar a coordenar as relações entre o trabalho e a família. Mas podemos encontrar outros exemplos na sociedade de Hong Kong que ilustram estas medidas. Para que os empregados lidem melhor com as questões familiares, uma empresa permitiu que coordenassem com os seus superiores horas e locais de trabalho flexíveis e, ao mesmo tempo, aumentou as licenças parentais. Esta empresa criou também o “Dia de Levar o Filho para o Trabalho” para permitir que a próxima geração tenha contacto com o mundo empresarial e ainda para aumentar e cultivar o relacionamento entre os empregados e os seus filhos. Durante o “Dia de Levar o Filho para o Trabalho”, a empresa proporciona actividades para pais e filhos, tais como brincadeiras com balões, espectáculos de magia, confecção de sobremesas, etc., para assegurar que o trabalho dos pais não afecta a vida familiar. Licença parental, disposições para a flexibilização do trabalho, licença paterna, “Dia de Levar o Filho para o Trabalho”, etc. são todas medidas favoráveis implementadas no local de trabalho. “Ambiente de trabalho amigável” é sinónimo de reconhecimento por parte das empresas dos diversos talentos dos seus elementos, pelo que lhes proporcionam cuidados extensos, não discriminatórios e justos, para que eles possam trabalhar sem preocupações, dar o seu melhor e usar as suas capacidades a bem dos empregadores e da produtividade da empresa. Um ambiente de trabalho amigável contem três elementos: diversidade, igualdade e inclusão. Podemos dar como exemplo típico de diversidade uma empresa que emprega diferentes tipos de pessoas; mais velhas, mais jovens, pessoas de diferentes etnias e nacionalidades, etc. Uma empresa que pratica a igualdade trata todos os funcionários com equidade e submete todos aos mesmos procedimentos. Uma empresa inclusiva ouve e respeita as opiniões dos empregados. Por exemplo, algumas universidades realizam todos os semestres sessões de perguntas e respostas com funcionários e estudantes para ouvir as suas opiniões. Para alcançar estes três elementos, diversidade, igualdade e inclusão, uma empresa não deva apenas proporcionar licenças parentais, trabalho flexível, licenças paternas, etc, mas também ter em termos gerais um código interno que proíba os vários tipos de discriminação. Estas medidas ajudam os empregados a compreender que a criação de um ambiente de trabalho amigável faz parte da cultura ética da empresa. Ambiente de trabalho amigável é uma designação que surgiu nos últimos anos. As disposições e medidas que implementa permitem que os empregados tenham espaço para as suas famílias, e evoluíram do conceito de “equilibrar o trabalho com a família” para “integrar o trabalho e a família”, tornando assim os empregados mais devotados ao trabalho, aumentando a produtividade e a competitividade das empresas, e, por conseguinte, alcançando uma situação vantajosa para todos. São medidas que vale a pena a sociedade vir a considerar. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRevogação da pena de morte Na antiguidade, um criminoso só podia ser executado depois do Imperador o ordenar. O Imperador, enquanto “Filho Celestial”, administrava o seu povo em nome de Deus, incorporando o conceito tradicional do “direito divino dos monarcas.” Hoje em dia, esse conceito já não existe. Nos países que ainda aplicam a pena de morte, o poder de revogar a sentença de morte foi transferido para as autoridades judiciais e tem de ser exercido de acordo com o Código Penal. O procedimento jurídico japonês obedece ao sistema de “três níveis e três tentativas”. Depois de o Supremo Tribunal deliberar, o réu tem o direito de requer novo julgamento se a sentença lhe desagradar. O Artigo 420, parágrafo 1, do Código Penal japonês estipula que o pedido de novo julgamento deve por regra assentar na apresentação de novos factos e novas provas que possam vir a inocentar o réu ou a reduzir a sua pena. Recentemente, um prisioneiro japonês condenado à pena de morte consegui um novo julgamento ao fim de 48 anos e foi finalmente inocentado. Foi o prisioneiro que passou mais tempo com uma condenação à morte em todo o mundo. O seu nome é Hakama Tianyan e tem 88 anos. Em 1966, foi acusado de roubar e matar o dono de uma fábrica de miso e quatro pessoas da sua família. Nessa altura, Hakamada, um jogador de boxe profissional, foi preso porque tinha uma mão ferida e o pijama sujo de sangue. Nos 20 dias que se seguiram, foi interrogado pela polícia numa média de 12 horas por dia e finalmente confessou o crime. Além disso, mais de um ano após o incidente, a polícia encontrou cinco peças de roupa manchadas de sangue nos barris de miso que estavam dentro da fábrica, que foram usadas como provas materiais do caso. Em Setembro de 1968, o Tribunal do Distrito de Jinggang considerou Hakamada culpado e condenou-o à morte. Em 1981, o Supremo Tribunal do Japão confirmou a sentença de morte. Hakamada pediu repetidamente, desde 1981, um novo julgamento. Teve de esperar 23 anos até ser julgado de novo e, entretanto, ocorreram muitas peripécias. Como acima foi referido, no Parágrafo 1º do Art. 420 do Código Penal, a razão que justifica um novo julgamento é o surgimento de novas provas que possam inocentar o réu ou reduzir a sua pena. Por conseguinte, a defesa de Hakamada mergulhou peças de roupa sujas de sangue num barril de miso, comparou-as com as peças originais e apoiou-se nesta experiência para requer um novo julgamento. Além disso, para apresentar novos factos, a defesa solicitou o acesso aos ficheiros para examinar as provas apresentadas pela acusação. No entanto, vale a pena salientar que no sistema de acusação japonês, as provas que não são utilizadas no processo não constam dos ficheiros. Este método beneficia sem dúvida os advogados de acusação porque podem escolher as provas mais incriminadoras e sonegar as outras. Por outro lado, a defesa do réu, como não tem acesso a todas as provas, não pode escolher as que lhe são mais favoráveis. Depois de Hakamada submeter muitos pedidos, o delegado do ministério público permitiu finalmente que a defesa tivesse acesso a todas as provas. No passado dia 8 de Outubro, a acusação declarou que não iria recorrer da decisão do Tribunal e Hakamada tornou-se o quinto prisioneiro japonês do período pós-guerra a ser inocentado depois de um novo julgamento. Em contrapartida, o sistema de investigação criminal de Hong Kong é mais transparente. Quando a polícia de Hong Kong investiga casos criminais, as provas que encontra, quer venham ou não a constar dos processos, são entregues à defesa para serem analisadas. Este método assegura que a defesa pode usar todas as provas a favor do réu. Claro que, desta forma, a acusação vê reduzidas as suas possibilidades de ser bem-sucedida, mas, ao abrigo do direito consuetudinário, o réu só pode ser condenado “para além de qualquer dúvida razoável”. A polícia entrega todas as provas à defesa antes do julgamento para garantir que o réu não seja condenado sem que se estabeleça que é culpado “para além de qualquer dúvida razoável”. Este método reduz também a possibilidade de virem a ocorrer julgamentos injustos. A possibilidade do caso de Hakamada ter acontecido em Hong Kong é extremamente baixa. O caso de Hakamada foi sem dúvida para os japoneses condenados à pena de morte uma luz ao fundo do túnel, dando-lhes esperança que, através de novos julgamentos, possam vir um dia a ser exonerados e terem as penas comutadas. Mas também aumentou a pressão sobre os órgãos judiciais japoneses em relação a novos julgamentos. Tudo tem seus prós e contras. Os novos julgamentos dão esperança aos condenados à morte de verem as suas penas exoneradas ou reduzidas, mas é um processo frequentemente muito longo e difícil. Para os condenados à morte, a longa espera e a incerteza sobre a decisão que será tomada no novo julgamento são simultaneamente um raio de esperança e uma forma de tortura. Este processo vale a pena? Isso vai depender das escolhas e da atitude de cada um destes prisioneiros. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTrabalho para estudantes não residentes No passado dia 18, o Governo de Hong Kong anunciou oficialmente que irá implementar um programa que permite aos estudantes vindos de outras localidades trabalharem na cidade sem qualquer tipo de restrições. Esta medida vai ao encontro do programa político recentemente divulgado pelo Governo, que pretende fazer de Hong Kong um local de eleição para a formação de estudantes oriundos de outras regiões. Este programa destina-se a estudantes que não sejam residentes permanentes de Hong Kong e que frequentem Universidades acreditadas, a fazer licenciaturas que têm geralmente a duração de quatro anos. Esta decisão é uma ramificação da política introduzida pelo Governo em Novembro de 2023. Simultaneamente, os estudantes de pós-graduação não residentes têm autorização para trabalhar, sem restrição de horário nem de funções. O Executivo afirmou que devido à falta de pessoas qualificadas em Hong Kong, esta medida pode atrair quem tem mais capacidades e aumentar o seu desejo de se fixar na cidade depois da licenciatura, podendo ainda vir a atrair mais estudantes internacionais a formarem-se em Hong Kong. Os estudantes internacionais têm a possibilidade de diversificar os seus conhecimentos ao ficarem expostos a uma outra cultura e a um outro estilo de vida. Se a região de Hong Kong puder proporcionar mais oportunidades de emprego aos estudantes que vêm de fora eles terão mais vontade de se fixarem após a formatura. E o que pensam os pais destes estudantes da nova política do Governo de Hong Kong? Imaginemos que depois dos filhos terem terminado o ensino secundário, os enviam para Hong Kong para se licenciarem. A seguir, podem querer fazer o mestrado. Os programas de mestrado de Hong Kong são divididos em dois tipos e têm uma duração que varia de um a dois anos. Neste caso, os estudantes completam a sua formação num período de cinco a seis anos. Se os resultados forem muito bons, os jovens poderão querer fazer o doutoramento, o que implica uma permanência de nove anos na Universidade. Durante este período, se os estudantes puderem trabalhar a tempo parcial em Hong Kong, não só podem adquirir experiência e desenvolver as suas capacidades competitivas, como também podem ter oportunidade de virem a obter a residência na cidade. Esta medida é, sem dúvida, atractiva. Em Macau, a taxa de natalidade diminuiu nos últimos anos, a população está a envelhecer e há falta de mão de obra. Devido a estas circunstâncias, deverá Macau considerar a adopção de políticas semelhantes? Macau e Hong Kong têm políticas diferentes. Em Macau, mesmo ao fim de mais de sete anos de trabalho, não é possível obter residência permanente. Embora esta política não seja favorável aos trabalhadores vindos de fora da região, protege as oportunidades de emprego dos residentes de Macau. O mesmo se aplica aos estudantes internacionais que se formam na cidade. Macau tem “Regulamentos para a Proibição do Trabalho Ilegal” para lidar com esta questão. De um modo geral, os estudantes não residentes têm de ter uma permissão especial emitida pela Polícia de Segurança Pública, que os autorize a permanecer e a estudar em Macau, durante o período estipulado. Este documento não é uma permissão de trabalho. Os estudantes não residentes não têm autorização para trabalhar em Macau, durante o período em que frequentam a Universidade. O programa universitário pode ser considerado um “estágio” e o estágio pode ser equivalente a trabalho, mas isso é uma situação que não pode ser generalizada. Portanto, em Macau, ao contrário de Hong Kong, os estudantes não residentes não podem trabalhar, nem a tempo inteiro nem a tempo parcial. Para perceber se ao autorizar os estudantes não residentes a trabalhar iremos resolver o problema do déficit do mercado laboral é necessário fazer estudos mais profundos. Existe ainda mais um ponto a salientar. A Portaria para o Emprego de Hong Kong estipula claramente que um empregado que trabalhe para o mesmo patrão durante pelo menos quatro semanas consecutivas, com um horário mínimo de 18 horas semanais, fica abrangido por um “contrato a termo incerto” e pode desfrutar dos benefícios que constam na Portaria para o Emprego. Estas pessoas são consideradas “trabalhadores a tempo inteiro” em Hong Kong, ao passo que aqueles que não reúnem estes requisitos são considerados “trabalhadores a tempo parcial”. A Legislação Laboral de Macau não especifica a definição de trabalhadores a tempo parcial. Se em Macau os estudantes não residentes forem autorizados a trabalhar a tempo parcial, poderá ser necessário definir melhor este conceito. O que é necessário é a sociedade de Macau manter uma mentalidade aberta, considerar cuidadosamente a viabilidade e o impacto de cada sugestão e tomar decisões baseadas na situação real da região. Não deve seguir cegamente as tendências e copiar o que é feito noutros locais. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAumentar a idade da reforma Se tiver chegado à idade da reforma e não se conseguir sustentar, como é que vai resolver o problema? Se as pensões públicas forem aumentadas, os impostos sobem inevitavelmente. Aumentar as contribuições mensais das entidades empregadoras e dos trabalhadores pode impor um encargo demasiado pesado a ambas as partes. O apoio dado pelos familiares aos aposentados varia consoante as situações e não pode ser generalizado. A forma mais segura de garantir uma reforma digna depende do próprio aposentado. Será que a sociedade não tem realmente maneira de lidar com esta questão? Claro que não. Em face deste desafio global, os diferentes países e regiões adoptaram estratégias particulares com base nas suas próprias circunstâncias. De entre as medidas adoptadas destaca-se o aumento da idade da reforma, política que está gradualmente a ser implementada em diversas zonas. França deu o primeiro passo, e alterou a lei para passar a idade da reforma dos 62 para os 64 anos, medida que foi implementada a 1 de Setembro de 2023. Embora esta medida vise a redução dos encargos do Governo, também fez desencadear discussões a nível global sobre direitos dos trabalhadores e equidade social. Simultaneamente, Taiwan, na China, fez alterações mais detalhadas às leis laborais. No passado dia 20 de Julho, a comunicação social assinalou que tinha sido revisto o artigo 54 do Direito das Normas do Trabalho. O Direito das Normas do Trabalho de Taiwan, na China, inclui dois modelos de regulação do regime de aposentadoria. O modelo obrigatório estabelece os 65 anos como idade da reforma. No entanto, se a pessoa se quiser aposentar antes desta idade a sua reforma será regulada pelo modelo voluntário. O modelo obrigatório do regime de reformas mudou depois da lei ser revista. As entidades patronais não podem obrigar os trabalhadores a reformar-se aos 65 anos, esse momento tem de ser negociado por ambas as partes. O modelo voluntário não foi alterado. Os trabalhadores podem solicitar à entidade patronal a aposentação em qualquer altura e não precisam de esperar pelos 65 anos. A China Continental também anunciou a maior alteração de sempre da idade da reforma a 15 de Setembro do corrente ano. Está planeado um aumento gradual, efectuado ao longo de 15 anos e com início a 1 de Janeiro de 2025. A idade da reforma dos homens aumentará dos 60 anos actuais para os 63 e a das mulheres dos 50 e 55 anos actuais para os 55 e 58 respectivamente. No entanto, o aumento da idade da reforma não é uma panaceia que possa ser alcançada de um dia para o outro. Há duas questões a que é necessário prestar atenção. Em primeiro lugar, há que reconhecer que nem todos os trabalhadores estão dispostos ou em condições de prolongar a sua vida activa. A idade da aposentadoria não pode ser prolongada só porque algumas pessoas recebem pensões insuficientes. Mas o mais importante é que o momento da reforma não pode apenas ser decidido a partir do valor das pensões. A saúde do pensionista, as necessidades familiares, os desejos pessoais, etc. são todos factores que o trabalhador deve tomar em conta no momento de decidir quando se vai reformar. Em segundo lugar, o que aconteceu em França pode alertar-nos para o facto de os ajustes na idade da reforma puderem vir a desencadear conflitos sociais e insatisfação. Por conseguinte, deve optar-se por uma abordagem cautelosa e gradual, que tome plenamente em conta os problemas sociais que podem surgir quando se aumenta a idade da reforma. Talvez o modelo de Taiwan, na China, seja uma solução mais exequível e moderada, que se espera poder vir a solucionar o primeiro problema e o segundo. Este modelo, enquanto aumenta a idade da reforma, mantem as condições da reforma voluntária e dá algum espaço às pessoas para tomarem as suas próprias decisões. Não só demonstra respeito pela vontade de cada trabalhador, como ajuda a minimizar a resistência aos ajustes na idade da reforma. Quanto ao período de aumento da idade da reforma, é uma questão de precisa de ser estudada em profundidade com base nas actuais condições económicas e níveis de desenvolvimento de cada país e região. No Reino Unido, as pessoas reformam-se aos 66 anos e passarão progressivamente a reformar-se aos 67. Entre 2044 e 2046, a idade da reforma vai subir para os 68 anos. Actualmente, Hong Kong, na China, e Macau, na China, estabelecem políticas diferenciadas a esse respeito baseadas nos diferentes cargos e responsabilidades dos funcionários públicos e, para os trabalhadores do sector privado não existe uma idade padrão. Os funcionários públicos de Hong Kong reformam-se aos 55, 60 e 65 anos consoante os critérios acima referidos. Em Macau, os funcionários públicos reformam-se aos 65 anos, mas podem pedir a reforma antecipada. Aumentar a idade da reforma significa dilatar o período de vida activa dos cidadãos, permitindo-lhes ganhar mais dinheiro e prepararem-se para a aposentadoria, reduzindo desta forma a pressão exercida na sociedade, nos próprios reformados e nas suas famílias. Ao promover esta política, os decisores políticos devem manter a lucidez e não considerarem apenas o efeito a longo prazo e a sustentabilidade da medida, mas também respeitar plenamente os desejos e direitos pessoais dos trabalhadores. Se, à semelhança do Artigo 54 de Taiwan, a Lei das Normas Laborais da China, conceder aos trabalhadores um certo espaço de auto-ajuste no quadro da moldura legal, a sociedade estará mais receptiva à mudança. O problema do aumento da idade da reforma será então resolvido. 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David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCinco pilares do sistema de pensões No contexto do aumento significativo da esperança de vida a nível global, o Banco Mundial publicou um relatório, que revela os cinco pilares económicos que apoiam os reformados: (1) Sistema Público de Pensões; (2) Sistema Privado de Pensões; (3) Poupança Reforma; (4) Apoio Social e, finalmente, (5) Apoio Familiar. Estes cinco pilares estão interligados e, juntos, criam uma rede de segurança financeira na terceira idade. O sistema público de pensões é geralmente parte integrante do sistema de segurança social. Sendo a garantia mais básica dada pelo governo ao povo, a sua importância é evidente. Em Macau, este sistema tem duas vertentes, a Pensão para Idosos e o Subsídio para Idosos. Actualmente, a Pensão para Idosos é de 3.840 patacas mensais, paga em 13 prestações anuais. O Subsídio para Residentes Idosos monta a 9.000 patacas anuais. O Sistema Privado de Pensões é alimentado pelos pagamentos mensais dos empregados e das respectivas entidades patronais que, assim, contribuem para este fundo. À luz de estudos sobre a matéria realizados em Macau, deverá ser implementado o Fundo de Previdência Central Obrigatório até 2026 para fortalecer a segurança dos planos de pensões privados através de retenções obrigatórias. É recomendado que os trabalhadores contribuam mensalmente com 5 por cento do seu salário e a entidade patronal com outro tanto. Ou seja, os trabalhadores acumularão em cada mês 10 por cento dos seus salários no Fundo de Previdência Central Obrigatório, valor que reverterá a seu favor na altura da reforma. Devido à lentidão da recuperação económica depois da pandemia, ainda não se sabe se esta medida será implementada até 2026. Independentemente da altura em que será implementado o Fundo de Previdência Central Obrigatório, actualmente, e sempre que haja um excedente orçamental, o Governo de Macau deposita nas contas do Fundo de Previdência Central Não Obrigatório de cada residente elegível, a quantia anual de 7.000 patacas. O total destes depósitos irá beneficiar os residentes na idade da reforma. As Poupanças Reforma são uma iniciativa pessoal que também integram o plano de pensões e exigem bons hábitos de gestão financeira durante o período de vida activa. Quem as faz, vem a usufruir do valor acumulado futuramente, na idade da reforma. As modalidades mais comuns são os seguros de poupança e os seguros de pensões adquiridos antes da reforma. O Apoio Social dado pelo Governo aos reformados não é geralmente de ordem monetária. Em Macau, proporciona-se-lhes um ambiente acolhedor através da construção das Residências do Governo para Idosos, da disponibilização de serviços de saúde gratuitos e da atribuição de subsídios de transporte. Sendo parte do modelo de apoio tradicional à terceira idade, o Apoio Familiar é garantido pelas famílias dos reformados. A pensão de alimentos, os cuidados diários e o conforto espiritual garantidos pelos filhos são a manifestação concreta da assistência familiar. Esta assistência não se traduz meramente em apoio material, mas também em apoio emocional, espiritual e companhia. Observando estes cinco pilares, compreendemos que a segurança na reforma advém da sociedade, do próprio e da família. Independentemente da forma de protecção que é dada pela sociedade, para que seja garantida é fundamental que os cidadãos paguem impostos. Se o Governo não tiver receitas e excedente fiscal suficientes a segurança dada aos reformados não será garantida pois os fundos não são ilimitados. Além disso, com os avanços constantes da medicina, a esperança de vida humana aumenta de dia para dia e o envelhecimento da população é já um problema global. O Sistema Público de Pensões está grandemente dependente da situação financeira do Governo. O Apoio Familiar depende da situação financeira de cada família e não pode ser generalizado. Verifica-se que o que as pessoas podem controlar são as suas poupanças. Quanto maiores forem, mais certos ficam de que terão qualidade de vida durante a reforma. Que valor deve ser poupado antes da reforma? Varia de pessoa para pessoa, não existe uma resposta que sirva a todos A Hong Kong and Shanghai Banking Corporation publicou recentemente um relatório onde afirma que, por regra, uma pessoa da classe média precisa de ter um património de 20 milhões de Hong Kong dólares para ter uma vida ideal durante a reforma. Este património inclui casa própria paga, poupança reforma, um montante extra para despesas médicas inesperadas, e um rendimento médio mensal de 27.000 dólares de Hong Kong. Algumas pessoas preferem usar as casas para aluguer. O que deve fazer se não tiver um património tão vasto, quando chega à idade da reforma? Debateremos esta questão na próxima semana. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO negócio da aparência e a aparência do negócio (III) – Um alerta para Macau Nas duas últimas semanas, analisámos o modelo de negócio do Physical Fitness & Beauty Centre (PFBC), uma cadeia de ginásios e institutos de beleza de Hong Kong. Este método passa pela cobrança de assinaturas em que o cliente “paga primeiro e acede aos serviços depois”, ou seja, a modalidade de pré-pagamento. Esta semana, vamos virar a nossa atenção para Macau e analisar as implicações deste caso na cidade e as possíveis contramedidas para prevenir os inconvenientes dos pagamentos antecipados. O pré-pagamento é acordado entre as empresas e os clientes. A forma mais eficaz de evitar os problemas que daí decorrem é ir directamente à raiz do problema. Se as empresas não exigirem pagamentos antecipados, não existe naturalmente qualquer questão. Mas isto não se aplica necessariamente a todas as situações. Por exemplo, os estudantes pagam propinas semestrais nas universidades privadas. Esta situação não será facilmente alterada. Portanto, embora as empresas devam reduzir as modalidades de pré-pagamento, podem não o conseguir na totalidade devido à natureza do seu sector de negócio. Macau pode retirar ensinamentos da experiência de Hong Kong e criar mecanismos semelhantes de auto-regulação do negócio. Como mencionámos a semana passada, o negócio da estética em Hong Kong tem um sistema de “rede de segurança do consumidor” garantido pela Hong Kong Beauty Industry Federation (Federação de Estética de Hong Kong), que permite que os clientes de um salão de beleza que fechou continuem a desfrutar dos serviços noutro salão. A maioria das notícias sobre casos que envolvem pré-pagamentos estão relacionadas com os sectores dos ginásios e da estética. Se em Macau estes sectores criarem um sistema de “rede de segurança do consumidor” semelhante ao de Hong Kong, os consumidores locais vão sentir-se mais à vontade quando adquirem os seus serviços. Claro que a empresa que assume a conclusão dos serviços que já foram pagos à que encerrou, vai ter algumas despesas adicionais. Estas despesas vão ser suportadas por quem conclui o serviço? Como é que devem ser geridas? A empresa que se propõe concluir o serviço deve equacionar estas questões antes de tomar uma decisão. A criação de um fundo é também uma boa forma de solucionar os problemas. Este conceito não é estranho à sociedade de Macau. Como mencionámos a semana passada, o sector de negócio pode considerar a criação de um ‘Fundo de Compensação Turística’ semelhante ao de Hong Kong. Quando uma empresa prestadora de serviços abre falência, o fundo garante as indemnizações. Para o conseguir, é indispensável legislação adequada. Por outras palavras, no caso de falência, pode haver situações em que os credores são defraudados e outras em que não são. No primeiro caso, deve haver legislação adequada para punir os infractores, regular os detalhes da indemnização paga pelo fundo e a responsabilidade do operador pela indemnização, etc. Se os credores não tiverem sido defraudados, basta considerar os detalhes da indemnização paga pelo fundo e a responsabilidade do operador, etc. O Governo de Macau pode considerar a formulação de leis e regulamentos adequados à regulação das questões de pré-pagamento. Além da situação comum de pré-pagamento em alguns sectores, a regulamentação será reforçada para as empresas que abusam do pagamento antecipado. Como já foi mencionado, a legislação pertinente tem de lidar com os casos em que os credores são defraudados e com os casos em que não são. Também é possível considerar a obrigação de a empresa ter de cumprir certas condições e normas ao cobrar pagamentos antecipados. Por exemplo, o período coberto pelo pagamento antecipado não pode exceder o período do contrato de arrendamento da empresa. etc. Tudo isso mostra quanto tempo a pesquisa levou. Agora será um bom momento para começar a estudar as leis que regulam o pré-pagamento. Os consumidores também devem reduzir os pagamentos antecipados. Embora este tipo de pagamento esteja associado a grandes descontos, devem ser avaliadas com antecedência as capacidades financeiras. Só depois de a empresa ir à falência e não ter sido reembolsado é que o cliente costuma pensar se devia ter feito o pré-pagamento. Os clientes devem reduzir os pagamentos antecipados e também devem prestar atenção às práticas comerciais das empresas. Devemos continuar a permitir a celebração de contratos de serviços que terminam em 2050? Ou deverá ser aditada uma cláusula de período de reflexão ao contrato para garantir que, num prazo razoável, como um mês, o consumidor tenha o direito de rescindi-lo sem apresentar qualquer motivo nem seja obrigado a pagar uma indemnização? O incidente do PFBC funcionou como um importante alerta para Macau. A sociedade de Macau deve retirar ensinamentos desta situação, reforçar a supervisão e a prevenção das questões relacionadas com pagamentos antecipados, e tentar criar um ambiente de consumo mais seguro e mais fiável. Ao mesmo tempo, as empresas devem também fortalecer a sua consciencialização e auto-disciplina, padronizar as práticas comerciais e evitar pedir aos clientes pré-pagamentos em excesso. Os consumidores devem ainda ser cautelosos e evitar a compra por impulso de serviços a longo prazo. Só com uma boa gestão empresarial se pode garantir um serviço a longo prazo, satisfazer os clientes e criar uma situação vantajosa para ambas as partes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesNegócio da aparência e a aparência do negócio (II) – Contramedidas A semana passada, falámos sobre o encerramento do Physical Fitness & Beauty Centre (PFBC) em Hong Kong, que nos relembrou a importância de as empresas se inovarem constantemente para se manterem competitivas num mercado imprevisível. Esta semana, vamos analisar de que forma a sociedade de Hong Kong respondeu a este incidente. Não é a primeira vez nesta cidade que os clientes não conseguem reaver os pagamentos antecipados que fizeram a empresas que posteriormente encerraram. Podemos considerar a reacção da sociedade de Hong Kong a partir de quatro perspectivas: da empresa, do sector, do Governo e da lei. Claro que a solução ideal seria o PFBC ter continuado a funcionar. Nesse caso, os contratos de arrendamento das lojas e os contratos com os clientes continuariam activos e ninguém teria sido prejudicado. Teria havido um final feliz. Para que isto tivesse sido possível, teria sido necessário que novos investidores tivessem injectado dinheiro no PFBC, ou que recursos adicionais tivessem sido providenciados através de aquisições e fusões. Fosse qual fosse o modelo, desde que o PFBC continuasse a funcionar, o problema teria naturalmente desaparecido. Vale a pena mencionar que já foi noticiado que o PFBC de Wan Chai se mantém aberto, mas com outro nome. Não podemos concluir que a utilização de outro nome implique necessariamente que a filial foi adquirida por outra empresa, porque o proprietário inicial pode continuar a operar alterando o nome da marca. Se uma nova empresa adquirir o negócio compra também as suas dívidas da empresa fundadora o que é problemático. No entanto, a comunicação social não forneceu detalhes a este respeito, por isso não temos informação suficiente para análise. Ao nível do sector, o “Beauty Consumption Safety Net System” (Sistema de Rede de Segurança no Consumo de Serviços de Beleza) lançado pela Hong Kong Beauty Industry Federation (Federação da Indústria de Beleza de Hong Kong) demonstra o poder do sector para se proteger. Este sistema permite que os salões de beleza assumam a responsabilidade de finalizar tratamentos que tinham sido interrompidos devido ao encerramento de outros salões e assim fornecerem aos clientes os serviços em falta. O mecanismo de auto-resgate do sector é sem dúvida um bom método, que não só protege os direitos e os interesses dos consumidores, como também encaminha novos clientes para os salões que assumem a responsabilidade de completar os serviços, obtendo-se uma situação em que todos saem a ganhar. Claro que a conclusão destes tratamentos implica despesas. Estas despesas são suportadas pelo salão de beleza? Como é que são geridas? A comunicação social não avançou mais detalhes por isso não podemos comentar. Para além dos mecanismos de auto-resgate tomados pelas empresas envolvidas e pelo sector de actividade, as agências do Governo de Hong Kong intervieram no caso do encerramento do PFBC e Hong Kong também tem leis aplicáveis para a protecção dos direitos e interesses dos consumidores. Enquanto agência governamental, o Hong Kong Consumer Council (Conselho dos Consumidores de Hong Kong) é validado pela Hong Kong Consumer Council Ordinance (Portaria do Conselho de Consumidores de Hong Kong). Depois de receber as queixas dos consumidores, o Consumer Council pode pronunciar-se publicamente sobre os produtos e serviços da empresa, melhorando assim a transparência do mercado e apelando às empresas para que padronizem os seus modelos operativos. Depois de os consumidores apresentarem queixa no Consumer Council, a imprensa recebe o comunicado. Os casos são divulgados, o que não só informa o público, como também incentiva os lesados mal informados a agirem de imediato e a moverem acções de compensação. Do ponto de vista jurídico, a secção 13I(1) da Portaria de Descrições Comerciais de Hong Kong estipula claramente que qualquer empresa que aceite indevidamente pagamentos de clientes para prestação de serviços está a incorrer numa ilegalidade. Indevidamente inclui muitos cenários, um dos quais é a empresa não ter intenção de prestar os referidos serviços aos clientes. Para as empresas mal-intencionadas, esta disposição legal é como uma faca encostada à cabeça. Outra disposição importante, surge na secção 275 da Companies (Winding Up and Miscellaneous Provisions) Ordinance (Portaria Empresarial (Dissoluções e Disposições Diversas), Capítulo 32. Em resumo, se uma empresa opera com a intenção de defraudar os credores, os seus proprietários estão sujeitos a responsabilidade pessoal ilimitada. Estas disposição obriga os responsáveis da empresa a compensar as vítimas. Além disso, a secção 168L ainda estipula que os tribunais de Hong Kong têm o poder de emitir uma ordem proibindo o gerente de um negócio fraudulento de voltar a exercer um cargo semelhante num período máximo de 15 anos. Para os consumidores um sistema externo de protecção é importante, mas o melhoramento da protecção própria e a consciencialização também são indispensáveis. Antes de pagarem mensalidades antecipadas, não só devem considerar cuidadosamente se podem suportar os riscos correspondentes, mas também avaliar as condições operacionais da empresa e a sua possibilidade de falência, por exemplo se a empresa tem ou não fortes probabilidades de continuar a funcionar durante o período coberto pelas mensalidades antecipadas. Um dos factores a considerar é o aluguer. Se as lojas forem arrendadas e não propriedade da empresa, os clientes podem pedir para verem se o período do contrato de arrendamento é igual ou superior ao período abrangido pelo seu pré-pagamento. Claro que mesmo que esta condição se verifique, não é prova de que a empresa tenha capacidade financeira para continuar a funcionar até ao final do período coberto pelas prestações pagas com antecedência. Mas o mais importante, é que as empresas podem recusar-se a mostrar o contrato de arrendamento aos clientes alegando quebra de confidencialidade. Em conclusão, a sociedade de Hong Kong apresentou medidas adequadas em resposta ao incidente do PFBC. Foi criado um sistema de proteção relativamente completo através de vários métodos como o auto-resgate das empresas, a assistência mútua do sector, a supervisão governamental e as sanções legais. Na próxima semana, analisaremos as implicações do caso do PFBC em Macau, bem como os ensinamentos que Macau pode retirar desta experiência a fim de incrementar a protecção dos direitos dos consumidores. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesNegócio da aparência ou a aparência do negócio (I) O encerramento do Hong Kong Physical Fitness & Beauty Center (PFBC) desencadeou uma verdadeira tempestade em Hong Kong. Sendo uma empresa que controlava uma enorme cadeia de ginásios e institutos de beleza, e que chegou a ser propriedade do conhecido artista Aaron Kwok, a notícia do seu fim é triste. O PFBC não só tinha muitas filiais em Hong Kong, como também tinha expandido o negócio para a China continental e Macau. A filial de Macau, sediada no Centro comercial LandMark, já tinha fechado anteriormente. Informação que circula online refere que alguns clientes ainda não foram reembolsados das mensalidades que já pagas. As notícias apontam como principal motivo do encerramento do PFBC o atraso no pagamento dos alugueres das filiais. Mas antes de fechar, o PFBC continuou a vender assinaturas. Este método de cobrança antecipada afectou muitos clientes. Uma estimativa por alto aponta para um prejuízo de cerca de 130 milhões de dólares de Hong Kong. Notícias online indicam que algumas pessoas compraram assinaturas que expiravam em 2036 e em 2040. Outros clientes compraram assinaturas para as classes 1,914 fitness, que eram válidas até 2050, um prazo que excede o da Lei Básica de Hong Kong, que será revista a 30 de Junho de 2047. Por aqui se vê que os clientes tinham confiança no PFBC quando adquiriram as assinaturas. Os proprietários das lojas das filiais e os clientes continuam a queixar-se e, em resposta, o Governo de Hong Kong criou prontamente uma equipa inter-departamental que reúne os esforços da Alfândegas, da Polícia, do Conselho dos Consumidores, do Gabinete de Economia e de outros departamentos. O encerramento do PFBC voltou a levantar a questão do “pré-pagamento”, ou seja, o modelo de cobrança “paga hoje, desfruta dos serviços amanhã”. Quem gere negócios espera estabilizar o fluxo de caixa e a fidelização dos clientes através do “pré-pagamento”, para ter boas perspectivas comerciais. Por outro lado, os clientes são atraídos pelos descontos e não se importam de pagar com antecedência. Aparentemente, ambas as partes obtêm o que precisam. Do ponto de vista do cliente, se pagar com antecedência tem mais descontos e, desde que possua capacidade financeira, pode desfrutar por muito tempo de um serviço que lhe agrada. Por isso, porque não? Os clientes da nova geração valorizam o seu espaço e detestam ser incomodados por outras pessoas. No entanto, o PFBC adoptou o modelo comercial tradicional, o qual permite que durante um ou dois meses as pessoas acedam aos seus serviços de forma gratuita e depois convence-os a comprar assinaturas. Quanto mais alargado for o período da assinatura, maiores serão os descontos. Mas este modelo de vendas contraria as expectativas dos clientes, e esta pode ter sido uma das razões pelas quais o PFBC não foi capaz de atrair muitos clientes jovens. Em contrapartida, em 2018, existia uma grande cadeia de ginásios em Hong Kong. Os gerentes compreenderam que muitas pessoas tinham horários alargados e chegavam a fazer horas extraordinárias, o que impossibilitava frequentar o ginásio nos horários normais, por isso passaram a ter os espaços abertos 24 h por dia e substituíram o pré-pagamento por mensalidades fixas. Este modelo de negócio vai ao encontro das necessidades dos utilizadores e por isso floresce. Esta cadeia de ginásios estabeleceu-se com sucesso na China continental, em Hong Kong, Macau, Taiwan e Singapura. A ausência de inovação e a incapacidade de quebrar os modelos de negócio tradicionais podem ter sido outras razões que levaram o PFBC a ser confrontado com dificuldades. As empresas devem compreender a situação actual e escolher o modelo de negócio mais apropriado para se afirmarem no mercado. Lembremo-nos que o McDonald’s começou como uma cadeia de restaurantes à beira da auto-estrada. Os tempos mudaram, e actualmente o McDonald’s tornou-se uma cadeia global de fast-food. Os pequenos restaurantes à beira da estrada tornaram-se coisa do passado. Podemos constatar que o método de gestão evoluiu com os tempos o que permitiu à empresa tornar-se mais competitiva e conquistar o mercado. Há ainda a considerar a forma de vendas da empresa. As assinaturas expiravam em 2036, 2040 e em 2050, ou seja, tinham uma duração de 20 ou 30 anos. Isto faz-nos pensar como é que os clientes assinavam contratos tão prolongados? Será que teve a ver com técnicas de venda a que devemos prestar atenção? Tudo isto são assuntos que a sociedade de Hong Kong deve considerar. Na próxima semana analisaremos como a população de Hong Kong reagiu e lidou com o incidente do PFBC. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRegresso ao trabalho (II) A semana passada, falámos sobre a passagem por Macau do tufão Yagi, que levou ao hasteamento do sinal n.º 8, e sobre o facto de o sinal ter sido levantado às 14.00h do dia seguinte. Após o levantamento do sinal n.º8, a maioria dos residentes da cidade teve de voltar ao trabalho num período de apenas uma hora e meia. Os noticiários assinalaram que o regresso precipitado ao trabalho num curto intervalo de tempo provocou longas filas nas paragens de autocarros. Além disso, pessoas que habitualmente se deslocam em motociclos optaram por usar o carro, devido à chuva intensa que nessa altura ainda caía, o que resultou em enormes congestionamentos do trânsito. Vale a pena reflectir sobre a altura em que as pessoas devem regressar ao trabalho quando o sinal n.º8 de tufão é levantado às 14.00h. Os trabalhadores do sector privado têm de respeitar as disposições do contrato laboral que regulam o regresso ao trabalho após o levantamento do sinal nº8de tufão. Se o contrato de trabalho não incluir disposições relativas a esta matéria, os empregadores e os empregados podem guiar-se pelas “Directrizes Laborais durante Tufões e Emergências Públicas” publicadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais. De acordo com estas directrizes, os empregados devem voltar ao trabalho no espaço de uma hora e meia após ter sido levantado o sinal nº8de tufão. As directrizes em si não têm qualquer problema. Não há dúvida que respeitam as normas da legislação laboral. É natural que as pessoas regressem ao trabalho depois de ter sido levantado o sinal nº8de tufão. Se compararmos o que acontece quando este sinal é levantado às 10.00 e as 14.00 h, seja qual for a situação, haverá sempre congestionamentos de trânsito. No entanto, no primeiro caso as pessoas poderão ainda trabalhar até seis horas, enquanto no segundo trabalharão apenas duas horas. Baseados neste critério, em qual das situações se pode garantir mais horas de trabalho e mais produtividade e eficácia? A resposta é óbvia. Se o empregador optar por disposições mais flexíveis, e não obrigar os funcionários a regressar ao trabalho num curto espaço de tempo após ter sido levantado o sinal nº8de tufão, irá sentir que fica a perder? Ou irão os empregados pensar que o patrão é generoso? Os pontos de vista e os sentimentos das pessoas são diferentes. As respostas a estas perguntas também variam. A este respeito, podemos retirar ensinamentos das providências laborais tomadas durante a pandemia. Nesse período, devido à necessidade de reduzir o contacto entre as pessoas, muitas empresas optaram pelo trabalho a partir de casa. Antes de o Yagi atingir Macau, a Direcção dos Serviços Meteorológicos tinha emitido um boletim informativo rigoroso, onde claramente se previa a possibilidade de vir a ser hasteado o sinal nº 8 de tufão. Se futuramente se vier a registar uma situação semelhante, poderão os empregadores permitir que os funcionários venham a trabalhar a partir de casa, depois de o sinal nº 8 de tufão ter sido levantado? Desta forma, não só o congestionamento de trânsito seria reduzido, mas também seriam asseguradas dentro do possível a eficácia e produtividade do trabalho; seria também uma manifestação concreta da responsabilidade social das empresas. Claro que este método não pode ser aplicado a todos os sectores e a todas as empresas, especialmente àquelas cujos serviços implicam contacto presencial, como instituições públicas e empresas de restauração. Por conseguinte, cada sector deve considerar a adopção de procedimentos baseados na sua própria especificidade para evitar a implementação de medidas uniformizadas. Em resumo, os trabalhadores devem compreender que é adequado os patrões pedirem que regressem ao trabalho num período de uma hora e meia após ter sido levantado o sinal nº 8 de tufão. Se o empregador estiver disposto a permitir que os seus funcionários trabalhem a partir de casa nessa circunstância, está a dar um sinal concreto de empatia com os trabalhadores e a optar por uma via de cumprimento da sua responsabilidade social. A situação difere conforme o sector de actividade e a natureza de cada serviço prestado também é diversa. Existe a possibilidade de o tele-trabalho não ser viável. Só quando os patrões e os empregados chegam a um entendimento existe oportunidade para implementar o trabalho a partir de casa ou qualquer outra disposição mais humanitária que regule o regresso ao trabalho depois do levantamento do sinal nº 8 de tufão. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRegresso ao trabalho (I) Depois de ter sido assolado durante vários dias pelos diversos avisos da passagem do tufão “Yagi”, Macau viu finalmente hasteado, na sexta-feira dia 6, o sinal nº 8 de tufão. Embora tenha passado rapidamente sobre Macau e o sinal tenha sido oficialmente levantado em menos de 24 horas, o impacto que teve no funcionamento da cidade não pode ser ignorado. Macau levantou oficialmente o sinal nº8 de tufão às 14.00 h de 6 de Setembro. De acordo com as disposições legais das autoridades competentes, os departamentos governamentais deviam retomar o serviço às 15.30 h. Os funcionários de empresas ou instituições privadas devem decidir o momento do seu regresso ao trabalho com base no estipulado nos contratos de trabalho, que incluem disposições sobre o regresso ao trabalho após ser levantado o sinal nº8 de tufão. Se o contrato de trabalho não incluir disposições sobre esta matéria, os empregadores e os empregados podem guiar-se pelas “Directrizes Laborais durante Tufões e Emergências Públicas” publicadas pela Direcção dos Serviços para Assuntos Laborais. De acordo com as directrizes, os funcionários devem regressar ao trabalho uma hora e meia após ser levantado o sinal nº8 de tufão. No entanto, independentemente das directrizes serem ou não seguidas, sempre que uma empresa decide que os seus funcionários têm de regressar ao trabalho na parte da tarde, o problema dos transportes faz-se sentir. Depois de ter sido levantado o sinal nº8 de tufão, continuou a chover intensamente. Muitos residentes que costumam deslocar-se de mota passaram a usar o carro, o que aumentou o trânsito na cidade. Os noticiários assinalaram que muitas pessoas estavam a regressar ao trabalho praticamente ao mesmo tempo pelo que se formaram longas filas nas paragens dos autocarros e o trânsito aumentou drasticamente. Nesta situação, muitos terão chegado atrasados ao trabalho. Assumindo que um funcionário só conseguiu chegar ao local de trabalho às 16.30, a sua produtividade nesse dia foi muitíssimo reduzida. Mesmo que tivesse conseguido chegar às 15.30, só tinha conseguido trabalhar duas horas. Não sabemos que contributo é que um funcionário pode dar à empresa ao trabalhar uma ou duas horas, mas sabemos com toda a certeza que os patrões pagam salários aos seus empregados para garantir que eles asseguram um determinado horário de trabalho a bem da empresa. Portanto, desde que as disposições legais, as cláusulas contratuais de trabalho e as directrizes laborais sejam respeitadas, os funcionários devem voltar ao trabalho quando o sinal nº8 de tufão é levantado. No entanto, os engarrafamentos de trânsito estiveram à vista de toda a gente. Na parte da tarde, em apenas quatro horas, Macau teve dois picos de congestionamento, o que implicou que as pessoas só tenham conseguido trabalhar durante duas horas. Estamos em Setembro e, como cidade costeira, Macau receberá constantes alertas de tufão. O facto de o “Yagi” ter deixado a cidade às 14.00h é uma oportunidade para reflectirmos sobre a existência de disposições de regresso ao trabalho depois da passagem de um tufão. Podemos comparar o levantamento do sinal nº8 de tufão às 10.00 e às 14.00h. Seja qual for a situação, irá sempre ocorrer congestionamento do trânsito, mas no primeiro caso as pessoas ainda podem trabalhar até seis horas, enquanto no segundo só poderão trabalhar duas. Em qual das situações é que se pode trabalhar mais? Em qual das duas pode o funcionário realizar um trabalho mais eficaz e eficiente para a empresa? A resposta é óbvia. De facto, não existe nada de errado nas directrizes. Não há dúvida que respeitam as normas ditadas pelas leis laborais. Se o empregador apresentar requisitos mais rigorosos do que aqueles que estão previstos, por exemplo, a exigência de os funcionários regressarem ao trabalho uma hora após o levantamento do sinal nº8 de tufão, está claramente a encurtar o intervalo horário mencionado nas directrizes laborais. Se pelo contrário, o empregador decidir dar aos funcionários mais tempo para regressarem depois do sinal nº8 de tufão ter sido levantado, para que possam ficar com a tarde livre, estamos perante um requisito mais flexível que, obviamente, cumpre as especificações pertinentes das directrizes laborais. Continua na próxima semana Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInício do semestre “Bom dia classe, podem sentar-se. Hoje é a cerimónia de abertura deste semestre. Imaginem como vão estar elegantes quando daqui a uns anos se vestirem a rigor no dia da vossa formatura. Primeiro têm de pagar as imprescindíveis propinas e depois espera-vos um ano de trabalho árduo. O dia de amanhã trará sempre um novo semestre. ” A melodia “Opening Ceremony” (Cerimónia de Abertura) da cantora de Hong Kong Hacken Lee, pode sempre despertar em inúmeros alunos o entusiasmo e a ânsia de aprender. A sociedade, os professores e os pais também continuam a encorajar os jovens para estudarem com aplicação. Mas o que é que isso significa? Qual é o objectivo de estudar aplicadamente? Se andarmos para trás na História, um pequeno episódio que teve como protagonista Euclides, o matemático grego e o pai da geometria, talvez nos possa servir de inspiração. Um estudante perguntou-lhe que benefícios lhe poderia trazer a aprendizagem da geometria. Em resposta Euclides limitou-se a pedir ao criado que lhe desse algumas moedas e mandou-o embora. Mais tarde, Euclides explicou que “a aprendizagem não traz benefícios monetários.” Este episódio fez com que as declarações do matemático ficassem famosas e popularizou a geometria na Grécia. O imperador veio pedir-lhe conselhos. Confrontado com o pedido do imperador para encontrar o caminho mais curto para aprender, Euclides sorriu e disse: “Aprender matemática é como aprender qualquer outra ciência. Não existem atalhos. Para aprender matemática, todos têm de pensar de forma independente.” As palavras de Euclides revelam de forma profunda a verdade sobre a aprendizagem, “Quer se trate de matemática ou de qualquer outra matéria, os alunos têm de estudar constante e aplicadamente. Não existem atalhos.” Talvez possam perguntar, porque é que temos de nos esforçar para estudar? Não vamos obter benefícios monetários. Talvez possamos ver esta questão a partir de um outro ângulo, o que vai acontecer se não nos esforçarmos? Basta pensar nisto. Os médicos não podem de repente olhar para os livros e diagnosticar uma doença numa consulta. Os advogados não podem verificar as disposições legais à pressa quando estão a defender alguém em tribunal. Estes exemplos salientam como o conhecimento é indispensável na vida diária. Os profissionais que irão beneficiar futuramente a sociedade são os estudantes que hoje estudam afincadamente para poderem aprender. No entanto, será a aprendizagem escolar uma mera acumulação de conhecimentos? A resposta é, não. Euclides também salientou a importância do pensamento independente e do pensamento lógico. A geometria está interligada com a lógica e cada progressão resulta de uma dedução lógica. A geometria não se limita a desvendar os mistérios dos planos e dos triângulos, mas também cultiva as capacidades do nosso pensamento lógico. Capacidades semelhantes são também desenvolvidas com o estudo de outras matérias. Enquanto aprendem as várias disciplinas, os estudantes devem procurar entender as capacidades que cada uma delas os vai ajudar a exercitar. Estas capacidades, quais asas invisíveis, acompanham-nos e ajudam-nos a voar ao longo das nossas vidas. Se pudermos combinar diferentes capacidades, possuiremos um valor inestimável que conseguiremos usar para sempre. Na vida diária, a importância do pensamento lógico é evidente, mas nem sempre podemos depender da lógica. Tomando o direito como exemplo, um simples pensamento lógico pode tornar-se ineficaz porque não tem em conta factores chave como a intenção e a motivação. Por exemplo, porque as impressões digitais de alguém estão na arma do crime, essa pessoa é acusada de ser o assassino. Esta dedução lógica tem lacunas. Porque a arma tem as impressões digitais do suspeito, apenas podemos inferir que ele a segurou, mas não significa que tenha sido o assassino. Existem ainda mais questões que têm de ser clarificadas. Qual o motivo do assassínio? A vítima foi morta pela arma que o suspeito segurou, etc.? Apenas compreendendo totalmente os detalhes do caso e expandindo o raciocínio podemos revelar os mistérios e descobrir a verdade. É precisamente esta sabedoria que o direito nos dá – como manter uma mente lúcida e fazer julgamentos correctos em situações complexas. A honestidade é também uma parte integrante do processo de aprendizagem. Nos inquéritos policiais, as declarações falsas levantam frequentemente mais suspeitas e por regra afectam a decisão do juiz – afinal de contas, ninguém acredita num mentiroso. Da mesma forma, copiar nos exames, embora possa permitir que o burlão tenha temporariamente bons resultados, vai afectar o seu caracter e a sua reputação, e também coloca uma bomba prestes a explodir na sua carreira futura. Não podemos deixar de mencionar que um médico que copiou nos exames não vai conseguir curar os pacientes. Os advogados que copiam nos exames dificilmente terão capacidades analíticas. Como é que os clientes os podem contratar para litigar? Não é vergonhoso ter más notas nos exames. Desde que o aluno se aplique e volte a tentar, pode fazer progressos. Copiar é sinónimo de mau carácter e significa que se está disposto a fazer qualquer coisa para atingir os objectivos. Se se fizer isto na escola, o que é que vai acontecer depois da formatura? Este tipo de comportamento egoísta trará consequências negativas para os demais e deve ser evitado. Por conseguinte, “o objectivo do estudo não é obter notas altas.” Esta frase não é apenas um slogan, mas indica-nos qual deve ser a atitude correcta de quem está a aprender e quais devem ser as suas metas. O propósito do estudo não é apenas a aquisição de conhecimentos, mas também a obtenção de capacidades que as matérias estudadas nos dão e saber aplicá-las na vida diária, para que a aprendizagem possa ter sido significativa. Se tiverem bom carácter, os estudantes de hoje podem naturalmente vir a brilhar na sociedade de amanhã. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMais fácil atar o nó que desatá-lo II A semana passada analisámos as alterações ao Regulamento do Registo Matrimonial contidas na Proposta de Lei apresentada pelo Governo Central da China. As duas alterações que chamaram mais à atenção foram o período de 30 dias de reflexão antes da efectivação do divórcio e a obrigação de informar o futuro cônjuge de qualquer doença grave, antes do casamento. Nas menos significativas estão incluídas a eliminação da necessidade de um registo do agregado familiar para o certificado de casamento e a obtenção do “acesso a nível nacional”, ou seja, o registo de casamento pode ser feito em qualquer local da China continental. O objectivo da criação dos “30 dias de reflexão” é muito claro. Dá uma oportunidade aos cônjuges para reflectirem e comunicarem entre si. Durante este processo, podem ambos rever os bons momentos que passaram juntos, pensar sobre os problemas do seu casamento e tentar encontrar uma solução. A outra alteração importante contida na Proposta de Lei é a notificação de doenças graves. Segundo o Artigo 12 da Proposta de Lei, alguém que sofra de uma doença grave tem de informar o futuro cônjuge da situação antes do casamento. Se isto não se verificar, pode ser requerida a anulação do matrimónio. A introdução desta clausula não só reforça o direito de ambas as partes à informação, como aumenta a transparência e a equidade no casamento. Esta alteração parece simples, mas existem vários aspectos que devem ser considerados. Primeiro, a julgar apenas pelas disposições da Proposta de Lei, se um homem for infértil, tem obrigação de informar a mulher antes do casamento, e sobre ele recai o ónus da prova caso venha a ter lugar um processo jurídico. Portanto, em tribunal, se o homem quiser demonstrar que cumpriu a lei, tem de provar que informou a mulher da sua infertilidade, antes do casamento. Nesse caso, como é que ele pode provar que informou a mulher atempadamente? A mulher tem de assinar um documento que o comprove? Terá o homem de gravar o momento em que informa a mulher da sua infertilidade? Ou precisará de uma testemunha? Segundo, a Proposta de Lei não define claramente o conceito de “doença grave”. Não são facultados padrões específicos para a definição de “doença grave”. Hoje em dia, a prática jurídica na China continental remete para os tribunais a decisão de classificar uma doença como “grave” e essa decisão é baseada na “Lei de Cuidados Materno Infantis da República Popular da China”. No entanto, devido a limitações das disposições da Lei dos Cuidados Materno Infantis quanto ao âmbito dos exames de despistagem de doenças pré-natais a nível da saúde mental, apenas são referidas a “esquizofrenia, a psicose maníaco-depressiva e outras doenças mentais graves”, mas não existe regulação sobre o distúrbio de ansiedade e depressão, a mania da perseguição e outras doenças que podem ter um impacto negativo no cônjuge. Existem algumas dúvidas sobre se estas últimas perturbações são consideradas como doenças graves na Proposta de Lei. De acordo com os objectivos da Proposta de Lei, é esperado que os futuros esposos estejam a par da condição física e mental um do outro, antes de casarem. Segundo esta perspectiva, qualquer doença que possa afectar a vida a dois deve ser revelada antecipadamente à outra parte. No entanto, a interpretação da lei pode estar sujeita a diferentes análises e interpretar a Proposta de Lei à luz do seu objectivo original é apenas uma das formas de o fazer. Na medida em que existem várias formas de interpretar a lei, se o devemos ou não fazer de acordo com o propósito original já é outra questão. Algumas pessoas sugerem que deveriam ser listadas todas as doenças consideradas “graves”; outras acreditam que devido à sua enorme variedade e às complexas e variadas situações, é difícil fornecer um padrão unificado. Ambos os argumentos têm o seu mérito. Aparentemente, será apenas através da prática jurídica que este sistema será gradualmente clarificado e aperfeiçoado. Terceiro, na China continental, desde 2003, os exames de saúde pré-nupciais deixaram de ser obrigatórios. Em certa medida, a exigência destes exames resolveria o problema. Mas como este sistema já não está implementado, vai depender do casal encontrar outras formas de o solucionar. Em nenhuma das duas Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau existem disposições que obriguem os futuros esposos a informar a outra parte, antes do casamento, de qualquer “doença grave”, nem são exigidos exames médicos pré-nupciais. É questionável se nestas regiões se pode pedir a anulação do casamento se alguém só vier a saber que o cônjuge sofre de uma doença grave depois do casamento. Nas outras alterações estão incluídas a eliminação da necessidade de um registo do agregado familiar para o certificado de casamento e a obtenção do livre “acesso a nível nacional”. O propósito é claramente facilitar o casamento. Antigamente, o casamento tinha de ser registado no local de origem. À luz da Proposta de Lei, os casamentos podem ser agora celebrados em qualquer localidade da China continental. Se compararmos com a necessidade dos 30 dias de reflexão antes do divórcio, não admira que os internautas acreditem que uma das funções da Proposta de Lei é ajudar as pessoas a manter os seus casamentos. Não deixa de ser verdade dizer que o casamento é mais fácil do que o divórcio. A lei estabelece a necessidade de informar o futuro cônjuge de qualquer doença grave de que se padeça, mas é difícil regular a franqueza e a confiança. Num casamento, devem ser ambos honestos um com o outro. Quem está doente informa do seu problema e ao outro cabe aceitá-lo. Isto é um sinal de confiança. A franqueza e a confiança são elementos essenciais num casamento bem-sucedido e são também uma solução eficaz para o problema da obrigação de “notificar a outra parte de uma doença grave”. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMais fácil atar o nó que desatá-lo No passado dia 13, o Governo Central da China anunciou as alterações ao “Regulamento do Registo de Casamento (Rascunho a ser comentado e revisto)” (a que nos passaremos a referir como “Projecto de lei”). O Projecto de Lei introduz muitas alterações ao Regulamento do Registo de Casamento, sendo que as duas mais significativas são a criação de um período de 30 dias de reflexão antes do divórcio ser declarado e a obrigação de informar o futuro cônjuge antes do casamento de qualquer doença grave de que se possa padecer. Nas menos significativas estão incluídas a eliminação da necessidade de um registo do agregado familiar para o certificado de casamento e a obtenção de “acesso a nível nacional”, ou seja, o registo de casamento pode ser feito em qualquer local da China continental. Muitos internautas acreditam que o objectivo do Projecto de Lei é reduzir o número de divórcios e consequentemente aumentar o número de nascimentos. De acordo com as estatísticas divulgadas recentemente na China continental, pelo Ministério dos Assuntos Civis, registaram-se 3,43 milhões de casamentos a nível nacional na primeira metade de 2024, cerca de 50 por cento dos enlaces registados no mesmo período de 2014, o número mais baixo da última década. Ao mesmo tempo, verificaram-se 1,274 milhões de divórcios a nível nacional sendo actualmente a taxa de separações de 37.1 por cento, o que representa um aumento quando comparado com 2023. Tendo em conta este cenário, a sociedade passou a estar mais atenta ao Projecto de Lei. Nos Artigos 16 a 19 do Projecto de Lei foi acrescentada a regra do “período de reflexão de 30 dias” antes do divórcio. No período de 30 dias após a conservatória receber a requisição do divórcio, qualquer uma das partes pode anular o pedido e o processo é cancelado. Uma vez expirado o período de 30 dias, o casal pode divorciar-se. O objectivo da criação dos “30 dias de reflexão” é muito claro. Dá uma oportunidade aos cônjuges para reflectirem e comunicarem entre si. Durante este processo, podem ambos rever os bons momentos que passaram juntos, pensar sobre os problemas do seu casamento e tentar encontrar uma solução. Simultaneamente, o período de reflexão também ajuda a reduzir os efeitos negativos das decisões precipitadas, tais como os danos provocados nos filhos e nos outros membros da família. Além disso, também pode guiar a sociedade a formar um conceito do casamento mais racional e saudável. Afinal de contas, o casamento não é fácil. Porque não dar mais um tempo para resolver os problemas? Outra importante alteração que consta do Projecto de Lei é a disposição relativa à notificação de doenças graves. Segundo o Artigo 12 do Projecto de Lei, se alguém sofrer de uma doença grave terá de informar o parceiro antes do casamento. Se isto não acontecer, a outra parte pode pedir ao tribunal a anulação do casamento. A alteração a esta cláusula não só fortalece o direito de cada pessoa a estar informada sobre a vida daquele que escolheu para ser o seu consorte, como também aumenta a transparência e a equidade dentro do casamento. No actual Regulamento do Registo de Casamento, a expressão usada é “notificar o outro”, mas o Projecto de Lei acrescenta a palavra “parte” e reformulou a frase para “notificar a outra parte”. Podemos demonstrar o impacto destas alterações com um exemplo simples. Suponhamos que um homem e uma mulher se casam. O homem sabe que é infértil. De acordo com o Regulamento do Registo de Casamento, antes do enlace, só revelou esse problema aos pais da noiva, mas não a ela. Estará a cumprir os requisitos legais? O entendimento de “notificar o outro” é, evidentemente, informar o futuro cônjuge. Mas na prática jurídica, uma das interpretações pode ser informar os ‘pais ou os membros da família do outro’. O motivo desta interpretação é que o casamento não diz apenas respeito ao casal, mas também aos seus familiares. Do ponto de vista genérico, se o homem informasse os parentes da mulher de que é infértil, cumpria os requisitos legais estipulados no Regulamento do Registo de Casamentos. Posteriormente, quando a mulher requeresse a anulação do casamento por não ter sido informada de um problema de saúde do marido, é provável que surgissem litígios. O Projecto de Lei elimina as interpretações generalistas ao acrescentar a palavra “parte”. O homem deve claramente informar a mulher de que é infértil. Se mesmo assim ela continuar a concordar com o casamento, claro que não existirá qualquer problema. Mas se a mulher só vier a saber disso depois do enlace, tem o direito de requerer a anulação do casamento. A maior vantagem desta alteração é a clarificação dos direitos de ambas as partes à informação. A partir daqui, ninguém pode pedir a anulação do casamento alegando que não sabia dos problemas de saúde do cônjuge, antes de se casar. O casamento não será posto em causa pela existência de doenças pré-nupciais e a sua estabilidade aumentará devido às disposições acrescentadas pelo Projecto de Lei. Na próxima semana, vamos analisar os tópicos a que devemos prestar mais atenção no Projecto de Lei. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDiversificação das gorjetas A semana passada, uma notícia escaldante atraiu por todo o lado a atenção dos internautas. O motivo da polémica foi a adição nas contas de alguns restaurantes norte-americanos de uma taxa designada por “kitchen appreciation fee” (KAF) (gorjeta para o pessoal da cozinha), que representa aproximadamente 2 por cento do total do consumo. Muitos clientes estranharam quando receberam a conta e ao tentaram ser esclarecidos não receberam uma resposta clara dos empregados. O incidente ocorreu num restaurante em Maryland, EUA. O cliente pediu dois pequenos almoços, dois sumos de laranja e um cocktail, o que perfazia 56 dólares. Mas quando recebeu a conta, percebeu que também teria de pagar a KAF. De acordo com as notícias que circulam online, a KAF não é novidade nos Estados Unidos. Antes da pandemia, alguns restaurantes já a incluíam. O montante desta taxa adicional, que pode variar entre 2 por cento e 10 por cento do valor da conta, destina-se ao pessoal da cozinha que tem salários baixos e está sob grande pressão económica. Simultaneamente, as notícias online também mencionam a cultura das “gorjetas”, semelhante à KAF, mas que tem uma longa história. A KAF destina-se ao pessoal da cozinha, enquanto a “gorjeta” é entregue ao empregado que serve à mesa. “Gorjeta” é o pagamento extra dado pelo cliente à pessoa que o atendeu. O montante habitual varia entre 10 por cento a 25 por cento do consumo e representa o reconhecimento do trabalho do empregado que serve à mesa. Esta tradição teve a sua origem em Londres no século XVIII. Existia uma taça na mesa de hotel com uma etiqueta que dizia “para garantir um serviço imediato”. Os clientes só precisavam de pôr algumas moedas na taça e eram rápida e atenciosamente atendidos. À medida que os tempos foram mudando, estas taças foram sendo substituídas por caixas registadoras, mas a cultura das “gorjetas” permaneceu. Quando a conta do cliente é feita, no ecrã da caixa registadora aparecem opções pré-definidas para as gorjetas, com percentagens de 15 por cento, 20 por cento, 25 por cento. Para não fazerem má figura, muitos clientes dão grandes gorjetas mesmo que não tivessem vontade de o fazer. Alguns estudos também provam que uma gorjeta inferior a 20 por cento é considerada “uma ninharia”. As pessoas têm opiniões diferentes sobre o sistema das gorjetas. De acordo com os dados de uma empresa de serviços financeiros, 66 por cento dos inquiridos têm uma opinião negativa do sistema das “gorjetas”, 41 por cento disseram que os patrões deveriam pagar melhor aos empregados e não depender das gorjetas para compensar salários baixos. Além disso, mais de 30 por cento eram absolutamente contra as percentagens de gorjeta pré-definidas e afirmavam que este sistema estava fora de controlo. Inesperadamente, na América, este assunto tornou-se uma questão inclusivamente ao nível político. Donald Trump, um dos candidatos à presidência dos EUA, propôs que as gorjetas fossem retiradas da declaração de rendimentos dos empregados para lhes reduzir a carga fiscal. Embora esta proposta tenha causado controvérsia, também reflecte a grande influência do sistema de consumo na sociedade norte-americana. Voltando à KAF e às gorjetas propriamente ditas, estas duas taxas servem como fonte de rendimento adicional para os funcionários dos restaurantes. Embora sirvam em certa medida para aliviar o seu fardo económico, também acarretam várias questões sobre as quais vale a pena reflectir. Em primeiro lugar, a incerteza sobre a quantia que recebem através da KAF e das “gorjetas” causa instabilidade aos empregados, que já têm dificuldades financeiras. O método ideal é, seguramente, aumentar os ordenados e tornar os seus rendimentos estáveis. Mas os salários fazem parte das despesas operativas dos restaurantes. Se forem aumentados, os custos também aumentam, por isso proprietários têm de considerar essa possibilidade com cautela. Em segundo lugar, quer o pessoal da cozinha, quer o pessoal das mesas, são pagos pelo seu trabalho. A KAF e as “gorjetas” são rendimentos secundários que advêm dos seus serviços. Por isso, se o dono do restaurante não concordar, os funcionários deixam de poder receber a KAF e as “gorjetas,” porque não podem usufruir de dois rendimentos por um trabalho único. Em terceiro lugar, a situação agrava-se se os trabalhadores se esforçarem mais e servirem melhor o cliente depois de cobrarem a KAF e a “gorjeta.” Do ponto de vista administrativo, os empregados devem prestar o mesmo serviço a todos os clientes, por isso quem gratifica melhor não deve ser mais bem servido. Basta pensar, se o cliente põe a “gorjeta” na taça, para ser mais bem atendido, quebra-se a “igualdade” com que os clientes devem ser servidos. De forma a evitar problemas desnecessários, algumas grandes empresas proibiram as “gorjetas”. Em quarto lugar, para o pessoal da cozinha e das mesas, a KAF e as “gorjetas” representam parte do seu rendimento e por isso são colectáveis. O patrão também tem a responsabilidade de comunicar às Finanças o montante em KAF e “gorjetas” recebido pelos empregados, caso contrário será suspeito de omissão na declaração de impostos. Mas na verdade, se os clientes gratificassem directamente os empregados, o patrão não teria forma de saber o valor que recebiam e não poderia informar as Finanças. Se assim fosse, o Governo cobraria menos impostos. Os montantes da KAF e das “gorjetas” não são elevados, mas levantam muitas questões. Vale a pena manter esta prática? E como se deve defender os interesses dos accionistas? Como é que pode ser melhorado? Vale a pena pensar sobre isso. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRetorno do investimento O Verão não é apenas a altura de os estudantes aproveitarem uma pequena pausa depois de um ano lectivo, mas também o momento ideal para a toda a família viajar. Para os investidores, esta estação traz igualmente algumas expectativas, ou seja, receberem os juros das suas aplicações financeiras. Muitas empresas cotadas em bolsa pagam dividendos duas vezes por ano, e o Verão é uma delas, o que proporciona mais satisfação aos investidores. Em Taiwan, China, uma empresa de sushi cotada em bolsa anunciou que vai lançar um plano de recolha de dividendos na forma de “cupões dos accionistas”. Isto significa que desde que os accionistas possuam um determinado número de acções, podem candidatar-se a receber estes cupões, sendo o limite máximo para cada um deles de cinco mil dólares. Os “cupões dos accionistas” são equivalentes a moeda e podem ser usados em todas as lojas da empresa, não existindo limite para o número que pode ser usado por cada compra, o que facilita bastante o consumo para os seus detentores. Segundo a empresa, a taxa de resgate dos “cupões dos accionistas” durante os últimos três anos foi de 90 por cento. Este método não só incentiva os accionistas a converterem-se em clientes leais, como também pretende levar mais clientes a tornarem-se accionistas. Do ponto de vista do retorno do investimento, esta empresa de sushi proporciona benefícios monetários, na forma de dividendos, e ainda benefícios ao consumo na forma do “cupão dos accionistas”, obtendo-se assim um duplo retorno ao garantir “dinheiro para gastar e qualquer coisa para comer”. No que respeita a “ter dinheiro para gastar”, quem compra acções de uma empresa e se torna seu accionista tem a expectativa de aumentar o capital investido devido à valorização do negócio no mercado bolsista, além disso os dividendos que recebe também representam uma importante fonte de rendimento. Os dividendos decorrem de uma distribuição proporcional dos lucros obtidos pela empresa pelos accionistas, em função do número de títulos que cada um possui, e são uma forma de a empresa lhes agradecer pelos seus investimentos. O pagamento de dividendos representa o reconhecimento da empresa e a compensação pelos investimentos. Pode encorajar mais pessoas a comprarem acções da empresa, atraindo assim mais fluxo de capital, promovendo a expansão e o crescimento do negócio e criando uma situação em que saem a ganhar tanto os investidores como a empresa. Convém sublinhar que o pagamento de dividendos está directamente relacionado com a rentabilidade da empresa. Regra geral, só quando o negócio corre bem e os lucros são substanciais é que a empresa pode distribuir dividendos pelos accionistas. Por outro lado, se uma empresa continuar a pagar dividendos mesmo que não tenha tido lucro ou mesmo que tenha perdido dinheiro, estará a enviar uma mensagem errada para o mercado e a enganar os investidores. Os cupões para obter “qualquer coisa para comer” são também uma demostração da filosofia comercial da empresa de sushi. Há medida que o tempo passa, a atenção que os investidores dão às empresas não decorre apenas dos números, porque estão preocupados de uma forma mais multidimensional e abrangente com os lucros empresariais, com a relação da empresa com os accionistas e com as responsabilidades sociais corporativas. Ao gerir os seus negócios, as empresas têm de tomar em linha de conta simultaneamente várias áreas e de ter em consideração os diferentes tipos de accionistas. A distribuição de “cupões de accionistas” pode aproximar a empresa dos investidores, e também promover inteligentemente a penetração do produto no mercado. Os “cupões dos accionistas” proporcionam aos investidores sushi gratuito. Desde que a qualidade do sushi seja elevada, é muito provável que os accionistas se tornem clientes fixos desta empresa de restauração, o que irá aumentar o seu volume de negócio, impulsionando o aumento do desempenho da empresa, o que beneficia ambos os lados. Depois de desfrutar de um delicioso sushi, os clientes irão recomendá-lo aos amigos, criando um excelente efeito publicitário pelo método “boca a boca”. Numa era onde imperam as redes sociais, a recomendação dos clientes é mais útil que os anúncios publicitários. Resumindo, esta estratégia da Empresa de Sushi não só enriquece a forma de retorno do investimento dos accionistas, mas também aperfeiçoa subtilmente a sua relação com os investidores, aumentando a confiança que depositam nos produtos da empresa o que permite que a promovam com mais empenho. Além disso, também se destina a conquistar os potenciais clientes da empresa. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesGestão de fortunas familiares Recentemente, um noticiário de uma estação de televisão de Hong Kong analisou o tema dos “family offices”. Hoje, vamos também explorar este tópico. O conceito de “family office”, como o nome indica, tem como elementos base a família e o escritório (no sentido de negócio). Do ponto de vista financeiro, aqui “família” refere-se geralmente a um agregado familiar ou a uma família alargada possuidora de investimentos no valor de pelo menos 100 milhões de dólares americanos em activos; enquanto “escritório” (ou negócio) indica uma empresa que gere e opera anualmente aproximadamente um milhão e meio de fundos. Os fundos de um “family office” provêm dos enormes patrimónios das famílias. Portanto, um “family office” é essencialmente uma empresa que presta serviços de gestão de activos e de heranças patrimoniais de famílias muito abastadas. Visa ajudar estas famílias a alcançar o crescimento da riqueza inter-geracional e a aumentar o seu património. O âmbito dos serviços é amplo, abrangendo planeamento de investimento, de património e de impostos, gestão de riscos, educação patrimonial e muitos outros aspectos. Dado que os “family offices” fornecem serviços mais especializados às famílias, estas precisam de ter bens consideráveis para suportarem os honorários cobrados. Se uma família não tiver bens suficientes, deve considerar contratar advogados, contabilistas, e gerentes bancários para tratarem dos seus assuntos, o que poderá ser financeiramente benéfico. Antes da pandemia, os “family offices” geriam a nível global aproximadamente 5,9 biliões em activos. No passado dia 24 de Maio, o UBS Group AG publicou o ‘Relatório Global dos Family Offices de 2024’, após ter realizado um estudo detalhado de 320 “family offices” sediados nas sete maiores regiões do mundo. Os resultados demonstraram que o total das fortunas geridas por estas empresas excedia os 600 mil milhões de dólares americanos. Estes dados provam em toda a linha a existência de enormes quantias em activos controladas pelos “family offices” e a sua enorme influência à escala da economia global. A capacidade de qualquer região do mundo para atrair “family offices” terá, sem dúvida, um impacto profundo e positivo no desenvolvimento económico local. Hong Kong, enquanto centro financeiro internacional, já está muito atento à tendência de desenvolvimento dos “family offices”. Em 2022, no seu discurso político, o Governo de Hong Kong afirmou claramente o seu propósito: apoiar pelo menos 200 “family offices” para se estabelecerem ou expandirem os seus negócios na cidade até ao final de 2025. Para o efeito, Hong Kong aprovou a 10 de Maio de 2022 “Inland Revenue (Emenda) e a Lei para Redução de Impostos para os Instrumentos de Controlo de Investimentos, que estipula claramente que o limite mínimo de activos para os “family offices” da cidade é 240 milhões de dólares de Hong Kong, e prevê uma série de medidas para reduzir os impostos sobre os lucros para promover o estabelecimento destes negócios em Hong Kong. No entanto, os benefícios fiscais são apenas uma das muitas vantagens de Hong Kong para atrair “family offices”. Como região administrativa especial da China, o princípio ‘um país, dois sistemas’ que vigora na cidade, e o seu enquadramento internacional proporcionam condições únicas, facilitando aos “family offices” a contratação de colaboradores muito qualificados. Como maior centro de renminbi offshore do mundo, Hong Kong tem livre circulação de moeda e nenhum obstáculo à entrada e saída de fundos, o que é da maior conveniência para os “family offices”. Para além disso, Hong Kong possui um sistema de tributação simples, com impostos baixos e sem taxação sobre o valor acrescentado, nem imposto sucessório, ou sobre dividendos, ou imposto sobre juros de poupança. Ao mesmo tempo, assinou acordos de prevenção de dupla tributação com muitos países, o que reduz efectivamente os encargos para os contribuintes e evita terem de pagar múltiplos impostos para vários países com uma única fonte de rendimentos. Existe livre circulação de mercadorias e de informação em Hong Kong. Uma formação de alta qualidade produziu quadros muito qualificados. Em Hong Kong, as universidades ensinam em inglês. O Artigo 9 da Lei Básica de Hong Kong estipula que as línguas oficias da cidade são o chinês e o inglês. O inglês abre muitas portas e permite uma comunicação fácil entre Hong Kong e outros países. O sistema jurídico de Hong Kong baseia-se no direito consuetudinário (common law). Os tribunais podem usar qualquer uma destas línguas nas audiências. É a única região especial da China que usa o direito consuetudinário. Estas condições são, sem dúvida, muito atractivas para países e regiões que estejam familiarizados com o inglês e com o direito consuetudinário. Como a construção dos projectos da China continental “Nova Rota da Seda” e “Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau” avança a grande velocidade, Hong Kong está, como nunca antes, perante um mundo de novas oportunidades. Resumindo, com as suas vantagens particulares e políticas preferenciais, Hong Kong está a tornar-se o local ideal para estabelecer “family offices”. Simultaneamente, os “family offices” podem trazer mais fundos para Hong Kong e promover o desenvolvimento da economia local, obtendo-se uma situação em que todos saem a ganhar. Para atrair mais “family offices” a estabelecerem-se na cidade, o Governo tem de considerar as necessidades das famílias, optimizar continuamente o sistema e as políticas que se lhes aplicam para assegurar o desenvolvimento sustentável das famílias e dos seus negócios. Ao mesmo tempo, os “family offices” também precisam de ajudar de forma activa as famílias a explorar a melhor forma de escolher um caminho para a transmissão do património à geração seguinte. Neste sentido, Hong Kong pode vir a ser o local modelo para estabelecer a gestão global de fortunas e de heranças. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCláusula de restrição ao comércio Hoje em dia, a cláusula de restrição ao comércio, CRC, faz frequentemente parte dos contratos de trabalho e abrange várias indústrias. Habitualmente, este tipo de cláusula estipula que os trabalhadores não podem ser contratados por empresas do mesmo ramo depois de se despedirem, ou que não podem contactar os clientes dessa empresa se voltarem a trabalhar com outra do mesmo sector de actividade. O objectivo da CRC é proteger os interesses comerciais dos empregadores e impedir que os empregados possam vir a competir com eles depois de deixarem o posto de trabalho. No entanto, também restringe inevitavelmente a liberdade de procura de emprego e a competitividade do mercado de trabalho. Que interesses comerciais é que o empregador precisa de proteger? Porque é que os trabalhadores ainda têm de ficar sujeitos a restrições depois de deixarem os seus empregos? Estas questões tornaram o CRC altamente controverso. Recentemente, a United States International Trade Commission (FTC) anunciou que fará grandes ajustes no CRC. Esta posição da FTC, enquanto agência independente do Governo dos EUA que aplica as leis anti-trust e promove a protecção do consumidor, terá sem dúvida um profundo impacto no mercado de trabalho americano. No passado dia 23 de Abril, os Estados Unidos aprovaram uma nova lei que estipula que os contratos de trabalho não podem ter a cláusula de restrição, incluindo aqueles que entraram em vigor antes da nova lei. A única excepção aplica-se aos que estabelecem um salário anual superior a 151.164 dólares. Obviamente, são os altos executivos das empresas que recebem salários desta ordem de valor. A nova lei garante a vitalidade e a competitividade do mercado de trabalho e ao mesmo tempo assegura protecção adicional aos interesses empresariais, tendo em conta as informações empresariais confidenciais a que os executivos têm acesso devido ao seu estatuto especial. Existem cláusulas restritivas semelhantes no Código Comercial de Macau, mas apontam em direcções significativamente diferentes. A nova lei americana de revisão à CRC define o âmbito de aplicação da cláusula através de um limiar salarial anual, enquanto o Código Comercial de Macau se centra mais em restrições específicas à categoria de «gestor». Os Artigos 64 e 77 do Código Comercial de Macau dividem simplesmente os trabalhadores de uma empresa em duas categorias, “gestores’ e ‘pessoal auxiliar’. O Artigo 71, parágrafo 1, estipula que, sem o consentimento explícito de quem o nomeia, um ‘gestor’ não pode, enquanto exerce o seu cargo, trabalhar no mesmo ramo de actividade quer seja em negócio próprio, quer seja para terceiros. No entanto, o Código Comercial de Macau não contém restrições em relação ao “pessoal auxiliar”. O disposto no artigo 71, parágrafo 1, destina-se obviamente a proteger os interesses do empregador e impedir os ‘gestores’ de administrarem negócios semelhantes de forma a evitar conflitos de interesses. É importante salientar que embora o Código Comercial de Macau estabeleça cláusulas de anti-concorrência para os ‘gestores’ em funções, não regula esta questão após o termo do vínculo contratual. Por isso, em Macau, se os empregadores quiserem ver os seus negócios mais protegidos, podem considerar combinar a CRC dos EUA com o Artigo 71, parágrafo 1, para regular a atitude que os colaboradores em causa podem ter após cessar o seu contrato de trabalho. Que interesses do empregador podem ser protegidos pela combinação da CRC americana com o Artigo 71 do Código Comercial de Macau? Tomemos a empresa Coca-Cola como exemplo. Assumindo que os trabalhadores tinham ficado a saber o segredo da fórmula desta bebida enquanto estavam ao serviço da empresa, o Artigo 71, parágrafo 1, do Código Comercial de Macau estipula que os colaboradores estão proibidos de ter negócios próprios ou por conta de outrem dentro do mesmo ramo de actividade enquanto o seu contrato de trabalho está em vigor, para impedir conflitos de interesses. Quando esse contrato chega ao fim, a CRC americana pode alargar essa restrição impedindo que venham a trabalhar para outras empresas do mesmo sector, protegendo assim na totalidade os interesses da empresa Coca-Cola. Combinar a CRC americana com o Artigo 71 do Código Comercial de Macau pode ainda vir a ajudar mais as empresas a lidar com a possibilidade da perda de clientes depois da saída dos trabalhadores. Porque enquanto exercem os seus cargos, os colaboradores constroem relações próximas com os clientes, o que lhes permite levar com eles parte da clientela habitual quando saem das empresas. De forma a impedir que isto aconteça, as empresas podem introduzir as cláusulas de restrição nos contratos de trabalho, impedindo os empregados de exercerem actividades comerciais dentro do mesmo ramo, no espaço de um determinado período de tempo após a sua saída da empresa, ou proibindo os antigos empregados de usar para o seu interesse pessoal a base de contactos do antigo empregador para evitar que as empresas percam clientes. No entanto, a CRC não é perfeita. Embora possa conferir aos empregadores um certo grau de protecção, não pode proibir os clientes de terminarem a sua relação com a empresa e passarem a ter uma relação comercial com aquela onde passaram a trabalhar os antigos colaboradores. Caso isso aconteça, a empresa perderá alguns clientes. A CRC é uma provisão altamente controversa. Se não for obtido um equilíbrio, o empregador tem muitas possibilidades de vir a beneficiar. Por conseguinte, as restrições impostas aos antigos colaboradores devem ser razoáveis e não devem ser exercidas por muito tempo. Em qualquer caso, se a cláusula de restrição constar do contrato de trabalho apesar de todas as polémicas os trabalhadores têm de a aceitar, e será inevitável que quando o vínculo com a empresa chega ao fim venha a haver conflitos e processos legais caso aconteça a quebra dessas cláusulas. Portanto, a forma mais razoável de agir é procurar um equilíbrio entre os interesses dos empregadores e dos empregados. Os contratos de trabalho que têm cláusula de restrição, deverão ter disposições adicionais que compensem os empregados. Ou seja, a introdução da CRC não protege apenas os interesses da empresa, mas também limita o âmbito das actividades em que os antigos colaboradores se podem envolver após deixarem o emprego, por isso merecem ser compensados pelos seus antigos patrões .Por exemplo, se houver cláusulas de restrição no contrato de trabalho, significa que o trabalhador não pode trabalhar no mesmo sector nem contactar os clientes do antigo empregador nos seis meses que se seguem à sua saída. Então, o antigo patrão deve pagar uma soma adicional equivalente a seis meses de salário, na qualidade de compensação; ou então pagar-lhe uma quantia previamente foi acordada com o empregado. Neste sentido, tanto o empregador como o trabalhador podem ficar satisfeitos e sentir que o resultado final foi justo. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDoraemon Para comemorar o 90.º aniversário de Hiroshi Fujimoto, um dos dois criadores do clássico de animação “Doraemon” (que usava o pseudónimo “Fujio Fujio”) a exposição itinerante “100% Doraemon & Friends” foi inaugurada em Hong Kong, no passado dia 13 de Julho. Seguidamente, no próximo dia 20, o espectáculo “Doraemon” com drones de luz será apresentado em Tsim Sha Tsui East, Hong Kong, proporcionando a todos fãs e amigos um festival visual inesquecível. A exposição foi cuidadosamente planeada e está dividida em duas áreas, uma com acesso pago e a outra com entrada livre. No interior, o salão de exposições “100% Doraemon Animation Art Exhibition Hall” alberga oito sub-exposições temáticas, desde a sala de trabalho simulada de “Fujiko·F·Fujio”, passando pelo colorido corredor do Doraemon e pelas realistas personagens animadas. A mostra dos modelos em três dimensões com os seus adereços mágicos, como a “máquina do tempo”, é alucinante. O que vale particularmente a pena mencionar é o pequeno filme de animação com a duração de seis minutos, criado de propósito por uma empresa japonesa para uma estação de Hong Kong e que será exibido num teatro miniatura, dobrado em cantonês. Esta exibição faz com que a audiência se sinta imersa no mundo da animação. Na entrada principal da “100% Doraemon Outdoor Exhibition Area”, um Doraemon insuflável de aproximadamente 12 metros de altura recebe os visitantes. Os fãs não podem de forma alguma perder esta experiência. Falando sobre o propósito desta exposição, a segunda filha de “Fujio Fujio”, Katsu Mata, presidente da FUJIKO PRO, afirmou afectuosamente que o entusiasmo dos fãs de Hong Kong e as suas memórias comoventes da cidade fizeram-na planear uma exposição itinerante pelo estrangeiro e o local escolhido para a inauguração foi precisamente a encantadora cidade de Hong Kong. A versão cantonesa de “Doraemon” pertence às memórias de infância de muitos residentes da Área da Grande Baía. O seu criador conquistou o afecto de uma vasta audiência com a sua criatividade singular, os temas positivos e as suas histórias calorosas e enternecedoras. A história começa com “Daxiong”, um homem azarado. Durante o seu crescimento, a família ficou pobre, e ele próprio foi pobre toda a vida tendo contraído muitas dívidas, o que veio a afectar o seu bisneto “Xiaoxiong”. Por causa disso, “Xiaoxiong” gastou o seu pouco dinheiro para comprar “Doraemon” o pior gato robot do séc. XXII, que o enviou para a década de 70 do séc. XX para ajudar “Daxiong” a mudar o seu destino e impedir que a família se arruinasse. Embora o gato robot fosse cometendo muitos erros ao tentar ajudar “Daxiong”, devido a problemas de desempenho, estes episódios trouxeram muita alegria e emoção às audiências. “Doraemon” tornou-se um clássico não só pela excelente equipa que o produzia e pela soberba tecnologia de animação, mas também porque o tema que aborda vai ao encontro do desejo mais profundo de todos nós, o desejo de ajudar e de mudar os nossos destinos. Nesta história, a amizade poderosa, a coragem, os sonhos e a esperança são vividamente ilustrados. Estes elementos e a sua energia positiva atravessaram as fronteiras do tempo e do espaço e tornam-se uma ponte que liga as audiências de diferentes gerações, fazendo de “Doraemon” um sucesso a nível mundial. Lin Baoquan foi o actor que dobrou “Doraemon”. Ele usava a sua voz única e contagiante para emprestar frescura e vitalidade à personagem. Quando faleceu, deixou inúmeros fãs inconsoláveis e a sua voz passou a fazer parte das memórias eternas que guardamos nos nossos corações. “Doraemon” traz a todos riso, alegria, esperança e o seu tema musical é simples e profundo: “Os desejos de todos podem realizar-se A minha felicidade é tanta que chega ao céu Todos estão felizes, felizes, têm sonhos lindos e encontram a beleza.” Esta letra não só retrata a bela visão da animação, mas também ecoa as sinceras expectativas de todos. E a ressonância e emotividade que atravessam gerações, fazem com que esta animação que é transmitida desde os anos 70 do séc. XX, continue a ser profundamente acarinhada e permaneça intemporal. No mundo da animação, “Doraemon” é um parceiro mágico que ajuda “Daxiong” a mudar o seu destino. E na vida real, quem é “Doraemon”? A resposta é na verdade muito simples, “Doraemon” é cada um de nós. Só através de esforços incessantes e persistência poderemos avançar passo a passo para o melhor nós próprios e tornarmo-nos donos do nosso próprio destino. Mudarmo-nos a nós próprios é a melhor forma de mudar o nosso destino. Todos podem tornar-se o seu próprio “Doraemon”. “Os desejos de todos podem realizar-se A minha felicidade é tanta que chega ao céu. Todos estão felizes, felizes, têm sonhos lindos e encontram a beleza.” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesVisão sábia Ao início, o McDonald’s era apenas uma cadeia de restaurantes “drive-thru” situada ao longo das auto-estradas americanas. O cliente podia fazer a sua encomenda sem sair do carro. Quando estava pronta, recebia-a através da janela do veículo e seguia viagem. Actualmente, o McDonald’s é uma cadeia gigante de restaurantes fast-food de dimensão global e a influência da sua marca penetrou em todas as esferas do mundo dos negócios e tornou-se indispensável na nossa vida diária. O seu sucesso é indissociável da sua visão comercial. A expansão mundial do McDonald’s ficou a dever-se a essa extraordinária visão comercial, inseparável do conceito de “adaptação aos hábitos locais”. Na China continental, um exemplo dessa adaptação está patente no McDonald’s de Chengdu, Sichuan, que serve hambúrgueres picantes e shoot rolls de bambu. Noutros locais da China, o McDonald’s também serve como petiscos nocturnos patas de galinha. Os menus adaptados aos hábitos de cada zona fizeram com que esta cadeia tivesse mais facilidade de se integrar nos mercados locais. No entanto, de todos os exemplos de adaptação, destaca-se o restaurante situado em Sedona, Arizona, EUA. À semelhança de outras filiais do McDonald’s espalhadas pelo mundo, serve o icónico menu, mas fez mudanças significativas. A alteração que mais salta à vista é a cor do logotipo, que, neste caso, passou a ter o fundo branco e o M em azul claro, ao contrário das cores clássicas, com o fundo vermelho e o M amarelo. Esta alteração deve-se a uma profunda reflexão comercial. Segundo informação online, embora o vermelho possa estimular directamente o apetite, pode aumentar a excitação dos clientes e levá-los a comer mais depressa. O amarelo é brilhante e deslumbrante, simbolizando a luz, a vivacidade e a esperança. O logotipo vermelho e amarelo é não só chamativo, mas também confere uma infinita vitalidade à cultura McDonald’s. Por isso, o fundo vermelho com o M amarelo tornou-se desde o século passado a imagem de marca do McDonald’s. No entanto, Sedona, está virada para a magnifica paisagem do deserto e a lei local exige que os edifícios sejam discretos de forma a não chamarem a atenção dos visitantes e ofuscarem o cenário natural. Portanto, o McDonald’s ajustou inteligentemente a cor do seu logotipo para branco e azul de forma a integrar-se nesta paisagem única. Não só cumpriu os regulamentos, mas também manteve a imagem de marca e interpretou com sabedoria o conceito de “adaptação aos hábitos locais””. O McDonald’s de Sedona mudou a cor do logotipo na placa e na louça. Com a sua frescura e singularidade, tornou-se um dos mais famosos pontos de check-in turístico na Internet. Mas a sabedoria comercial do McDonald’s vai para além disto. Olhando para a sua história, não é difícil perceber que o McDonald’s sempre mostrou uma criatividade e uma visão extraordinárias na promoção dos seus produtos, na construção da marca e da sua responsabilidade social. Prática com a qual vale a pena aprender. Por exemplo, quando o McDonald’s voltou a vender o “General hamburger “, apostou numa campanha dirigida ao sentimento de nostalgia dos clientes e criou o poderoso slogan “O General hamburger está de volta!” e, ao mesmo tempo, explicou os objectivos da promoção, permitindo que os clientes ficassem a conhecer o produto num curto espaço de tempo e se entusiasmassem com a compra. Além disso, o McDonald’s também sabe a combinar bem actividades comerciais com responsabilidade social. Recentemente, na promoção do hambúrguer Big Mac, escolheu o slogan “O teu hambúrguer Big Mac está de volta com o Big Mac de frango.” “Agora, por cada menu Big Mac vendido, o McDonald’s vai doar um dólar à ‘Hong Kong McDonald’s House Charity Foundation Second Home'”. Este anúncio não só promove o Big Mac e o Crispy Chicken Big Mac, mas também diz aos clientes que a política comercial do McDonald’s vai para além da obtenção do máximo lucro para a empresa. O McDonald’s leva a sério a responsabilidade social e é uma empresa cheia de amor. Esta estratégia de marketing não só satisfaz o paladar dos clientes, mas também toca os seus corações e sem dúvida que aumentou o reconhecimento e preferência pela marca. O que é mais digno de nota é a capacidade do McDonald’s de usar estratégias de marketing inteligentes de forma a atrair a atenção dos clientes. Certa manhã, o McDonald’s anunciou subitamente no website oficial que o “McDonald’s ia suspender o café,” o que desencadeou uma onda de protestos na cidade. Todos concordavam que pequeno-almoço sem café não era a mesma coisa. Quando toda a gente falava do assunto, na parte da tarde desse mesmo dia, o McDonald’s escolheu habilmente o momento de fazer um novo anúncio, onde dizia que seria introduzido um café de maior qualidade. Este tipo de técnica de marketing, não só atrai com sucesso a atenção do público, mas também transmite inteligentemente a mensagem de actualização de um produto que é popular em toda a cidade. As pessoas têm de elogiar a publicidade bem-sucedida do McDonald’s. A ascensão do McDonald’s, a cadeia global de restaurantes fast food, não pode ser dissociada dos seus métodos de negócio. A adaptação da estratégia da marca aos hábitos locais, as certeiras promoções dos produtos e a modelação da imagem de uma empresa preocupada com a responsabilidade social, fazem parte da sábia visão comercial do McDonald’s e do seu encanto único no mundo dos negócios. Esta sabedoria e experiência valiosas são dignas de referência e de estudo aprofundado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO caso do cadáver dentro da caixa No passado dia 27 de Junho, a Hong Kong TVB apresentou um documentário intitulado “Guess Who I Am” (“Adivinha Quem Sou”), sobre o caso do cadáver escondido numa caixa de cartão, que chocou Hong Kong em 1974. O protagonista deste caso faleceu devido a doença em 2020, aos 74 anos de idade. Os mais jovens podem não estar a par dos detalhes do caso do cadáver escondido na caixa. Antes de o analisarmos a fundo, vamos primeiro dar a conhecer este estranho caso a partir de informação recolhida na Internet. Este homicídio foi o primeiro caso na história judicial de Hong Kong em que o tribunal condenou o réu baseando-se apenas em provas forenses e circunstanciais, na ausência da determinação do motivo, de testemunhas e de identificação de impressões digitais. No dia 11 de Dezembro de 1974, uma funcionária de limpezas descobriu o corpo nu de uma rapariga, abandonado dentro da caixa de um televisor em Happy Valley, Hong Kong. Os exames forenses determinaram que a vítima tinha morrido por asfixia, devido a estrangulamento. Os mamilos tinham sido cortados com um instrumento afiado e os pelos púbicos queimados com um objecto que produzia altas temperaturas. O hímen ainda estava intacto, o que provava que nunca tinha tido relações sexuais. Durante a investigação, a polícia descobriu que a parte inferior da caixa de televisão usada para esconder o cadáver tinha ligeiras marcas que indicavam que tinha sido arrastada. A polícia também analisou 50 carros particulares que estacionavam habitualmente no mercado e descobriu que em nenhum deles havia espaço suficiente, quer nos bancos traseiros quer no porta-bagagens, para colocar a caixa de televisão que continha o cadáver. A partir daí, a polícia concluiu que a cena do crime se encontrava provavelmente perto do local onde a caixa tinha sido encontrada. Além disso, a polícia também investigou mais de 750 funcionários de lojas de electrodomésticos das proximidades, tentando descobrir se o motivo do homicídio teria sido a rejeição de um avanço sexual, mas não conseguiram encontrar provas conclusivas. No final de Dezembro de 1974, um agente entrou numa loja de gelados onde o assassino trabalhava. Enquanto estava a comprar um refrigerante, descobriu acidentalmente que a loja tinha um sótão. A polícia investigou o sótão e descobriu uma grande quantidade de material eléctrico e de caixas de cartão empilhadas, indícios de uma ligação ao caso. Posteriormente, ficaram a saber pelos colegas da vítima que ela frequentava esta loja de gelados. De seguida, a polícia verificou as escalas dos trabalhadores da loja e verificou que na noite do crime só estava a trabalhar um deles e esse homem foi detido. Entre as provas fornecidas pela equipa forense ao tribunal, conclusivas para a condenação do réu, encontravam-se pedaços de tecido encontrados no corpo da vítima, no sótão e em casa do criminoso. Continham todos dois pedaços de fibra de cor verde e origem desconhecida. Além disso, as fibras encontradas sob as unhas da vítima correspondiam às fibras do fato do réu. No julgamento, o agente da polícia afirmou, “Um só indício não é esclarecedor, mas muitos são.” Com isto quis dizer que muitas provas ligadas entre si formam um conjunto esclarecedor. O conjunto de provas fez com que fosse difícil o criminoso escapar à justiça. Embora o réu tivesse insistido que não tinha intenção de matar, não podia ser condenado apenas com base nas provas relacionadas com as fibras, os fios de cobre, os pedaços de papel, etc. Mas o tribunal acabou por considerá-lo culpado do crime. Desde que a pena de morte foi abolida em Hong Kong em Dezembro de 1966, o Governador da cidade, MacLehose, alterou este castigo para prisão perpétua. Na década de 90 do século passado Hong Kong permitiu que os prisioneiros condenados a prisão perpétua saíssem em liberdade condicional e foram libertados em 2002. A estação Hong Kong TVB filmou o documentário “Missing Person” em 2020. Os responsáveis entraram inicialmente em contacto com o assassino e todo o processo de entrevistas demorou quatro anos. O entrevistado continuava a afirmar a sua inocência, mas dizia que havia poucas hipóteses de reverter a sentença no actual quadro jurídico. Como não queria que a família fosse afectada, pediu à TVB que só transmitisse o documentário depois da sua morte. O caso do corpo escondido na caixa gerou uma enorme polémica porque ao abrigo da common law, a condenação do réu deverá ser feita de forma a que “não reste qualquer dúvida razoável”. No entanto, à época, a acusação não tinha provas conclusivas que apontassem diretamente para o réu e não apontou um motivo convincente para o crime. Todos estes factores fizeram com que a sociedade de Hong Kong ficasse com algumas suspeitas sobre este caso. Cinquenta anos depois do sucedido, o caso do cadáver escondido na caixa de cartão continua a dar que falar em Hong Kong. Independentemente do veredicto, este caso tornou-se um importante marco na história do sistema jurídico da cidade, lembrando-nos que temos de procurar alcançar a justiça e o rigor em todos os julgamentos. Para que um réu seja condenado, não pode “restar qualquer dúvida razoável.” Quanto mais provas conclusivas existirem, menores serão as dúvidas e as questões e mais justos serão os julgamentos em Hong Kong. A vítima do caso de que vimos a falar tinha apenas 17 anos. Esperemos que em breve venha a descansar em paz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInovação na gestão imobiliária De acordo com o relatório emitido a semana passada pela Hong Kong TVB, uma empresa de gestão imobiliária de Shenzhen distribuiu avultadas somas pelos proprietários dos apartamentos que administra durante o Festival do Barco do Dragão. Cada proprietário pode receber entre 650 e 2.200 Yuans, bem como bolinhos de arroz, uma iguaria essencial para a comunidade chinesa nas celebrações do Barco do Dragão. A entrega de dinheiro e as outras despesas com a comida foram financiadas pelos lucros obtidos por esta empresa de gestão imobiliária. O contrato de gestão dos condomínios, assinado entre a comissão de proprietários e a empresa gestora dos condomínios, estipulava claramente que o rendimento operacional do imóvel deveria ser dividido ao meio entre ambas as partes. Estes lucros não são utilizados apenas para as prestações sociais acima referidas, mas também para assegurar a manutenção e o melhoramento dos imóveis. Entregar a administração de edifícios e de conjuntos habitacionais a empresas de gestão imobiliária é uma boa prática. Em Macau, existem muitos arranha-céus com muitos agregados familiares e muitos problemas administrativos. Cada um dos proprietários tem uma opinião diferente sobre a gestão do edifício. Tomemos como exemplo um prédio com 48 andares e quatro elevadores. Relativamente ao funcionamento dos elevadores, existem duas possibilidades. Primeira, cada elevador pode fazer o percurso entre o 1.º e o 48º andar. Segunda, cada elevador fará apenas o percurso entre 12 andares. Ou seja, o primeiro elevador desloca-se entre o 1.º andar e o 12.º. O segundo elevador só pode circular entre o 13.º andar e o 24.º. O terceiro elevador faz a viagem entre o 25.º andar e o 36.º. O quarto elevador só poderá ligar o 37.º andar ao 48.º. Destas duas possibilidades, qual será a melhor? Esta é uma questão que terá de ser discutida pelos proprietários dos apartamentos. Se o edifício precisar de obras e for necessário que todos contribuam, que valor deve caber a cada um? Porque é que temos de pagar este dinheiro? O que é que um residente que não possa pagar deve fazer? As questões que envolvem dinheiro são ainda mais problemáticas. A maior vantagem de contratar uma empresa de gestão imobiliária é poder contar com a sua experiência na administração das zonas comuns dos edifícios e com a sua capacidade de coordenar o interesse de todos os proprietários. A gestão do condomínio melhora quando se delegam responsabilidades. Tomemos como exemplo a criação de um fundo de manutenção do prédio. A criação de um fundo de manutenção pode resolver em grande medida o problema do pagamento de obras quando há necessidade de as fazer. Actualmente, existem pelo menos dois métodos de angariar dinheiro para criar um fundo de manutenção. Primeiro, o proprietário do apartamento já o recebeu na compra do imóvel. Segundo, cada proprietário paga uma cota mensal e a empresa gestora administra esse dinheiro criando o fundo de manutenção. Embora o valor das cotas cobradas a cada residente pela empresa de gestão imobiliária não seja alto, como cada edifício tem muitos apartamentos, a quantia recolhida mensalmente é considerável. Especialmente nos primeiros anos, quando o edifício ainda é novo, os lucros da empresa de gestão são bastante consideráveis porque nessa altura os custos de manutenção são baixos. No entanto, este tipo de lucro não é fácil de obter. Requer que a empresa de gestão imobiliária forneça um serviço de alta qualidade a longo prazo, para garantir o bom funcionamento da propriedade. Claro que também existem casos de empresas que são más gestoras e que afectam os interesses dos proprietários. Algumas empresas de gestão imobiliária não estão dispostas a ajudar os proprietários a criar comissões de condóminos para garantir os seus direitos de gestão a longo prazo sobre o edifício. Isto lembra-nos que na hora de escolher uma empresa de gestão imobiliária é preciso ter cuidado e verificar a sua capacidade e reputação. O acima mencionado relatório da Hong Kong TVB, sobre a empresa de gestão imobiliária de Shenzhen, permite-nos verificar que tem uma nova abordagem, diferente das práticas convencionais em Hong Kong e em Macau. As empresas de gestão imobiliária conquistam a confiança e o apoio dos proprietários quando partilham lucros com eles. Do ponto de vista do negócio, esta deve ser a condição para os condóminos aprovarem uma empresa de gestão imobiliária. Isto também significa que, deste modo, a empresa de gestão tem a confiança para administrar bem a propriedade. Ao mesmo tempo que proporciona um bom ambiente harmonioso, obtém-se uma situação em que ambas as partes saem a ganhar através de estratégias de gestão inovadoras. Estas condições novas e atractivas podem ser usadas pelas empresas de gestão imobiliária para conseguirem mais contratos. Mas o mais importante de tudo é que esta empresa possa fornecer aos proprietários serviços de alta qualidade, que é também a condição que os condóminos devem ter em mente quendo aprovam um contrato de gestão das suas propriedades. Se de futuro mais empresas de gestão imobiliária seguirem este caminho, a comissão dos condóminos ficará naturalmente satisfeita, bem como os proprietários. Não só todos ficarão satisfeitos, como também haverá lucros para partilhar, por isso porque não? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCondições de trabalho A semana passada, circularam em websites online várias publicações sobre as condições de trabalho em Hong Kong. A primeira assinalava que os habitantes de Hong Kong adoram trabalhar e, por isso, acabam por ficar sobrecarregados com horas extraordinárias. Alguns chegam a morrer devido ao excesso de trabalho, problema que ficou conhecido como “morte por trabalho em excesso”. Actualmente, Hong Kong ainda não tem legislação para regular este problema. A julgar pelos dados estatísticos, nos cinco anos que medeiam entre 2018 e 2022, ocorreu no sector industrial de Hong Kong um total de 724 mortes causadas por acidentes de trabalho ou por doenças profissionais, cerca de um quarto das que ocorrerem no sector comercial e no sector de serviços. Em 2021 e em 2022, morreram mais trabalhadores no sector da segurança e da construção. Outra das notícias teve origem na partilha online da experiência de uma trabalhadora. Depois de se mudar para o novo emprego, ficou muito satisfeita com as condições de trabalho porque podia sair a tempo e horas. Mas depois descobriu que outros colegas tinham de fazer horas extraordinárias e só podiam sair às 22.00h. Alguns dias mais tarde, o patrão chamou-a porque ela não estava a trabalhar até mais tarde, o que significava que não estava bem integrada. A trabalhadora manifestou a sua perplexidade na publicação e perguntava: Porque é que ainda continuam na empresa e fazem horas extraordinárias de graça depois de completarem o vosso horário de trabalho? Muitos internautas responderam a esta publicação para manifestar o seu apoio à trabalhadora. Alguns deles chegaram a sugerir que ela se devia despedir. A terceira publicação vinha de um trabalhador. Este homem disse que enquanto estava no estrangeiro, durante as férias, tinha recebido mensagens de trabalho enviadas pelo patrão, mas só as leu e não respondeu, precisamente porque estava de férias. Por causa disso, quando voltou à empresa, foi chamado pelo patrão que lhe disse que, embora estivesse de férias, deveria ter respondido às mensagens para que os colegas pudessem trabalhar. O empregado afirmou que, depois de verificar as mensagens, não lhe pareceram assuntos urgentes e que poderiam ser tratados pelos colegas e por isso não respondeu. Sem que tivesse esperado, o patrão acusou-o de incompetência. Na publicação, expressou a sua opinião sobre o assunto – “Será que competência significava estar em viagem durante as férias e responder às mensagens de trabalho simultaneamente?” É fácil compreender a expressão “esgotamento pelo trabalho” que significa que as pessoas que se envolvem demasiado no trabalho podem vir a sofrer problemas físicos e fadiga mental que lhes afecta a saúde. Porque é que este fenómeno é frequente em Hong Kong? Parte da justificação pode ter a sua origem na legislação laboral da cidade. Embora esta legislação tenha sido revista por diversas vezes desde a sua implementação em 1970, os princípios básicos permaneceram inalterados. A sociedade de Hong Kong da década de 70 do século passado, valorizava a auto-suficiência e a capacidade de “tomar conta de si próprio” por isso os benefícios para os trabalhadores não eram generosos. Com o desenvolvimento trazido pelos novos tempos, o ambiente de trabalho em Hong Kong e o estilo de vida das pessoas e as suas necessidades também mudaram. O Governo de Hong Kong esperava melhorar os benefícios laborais e reviu as leis do trabalho várias vezes. Não é difícil de perceber que se os trabalhadores tiverem mais benefícios os empregadores terão de pagar mais, o que pode facilmente provocar insatisfação no sector do patronato. Estamos a falar de medidas como o Fundo de Previdência Obrigatório, implementado em 2000 e a utilização antecipada do Fundo de Previdência Obrigatório para compensar pagamentos de serviços prolongados. Outro motivo, que também representa um problema sério na sociedade de Hong Kong, é o preço elevado da habitação. O salário médio em Hong Kong é de cerca de 20,000 dólares de HK mensais. As informações que circulam na Internet mostram que depois de receber o salário, os hongkongers não podem comer, nem beber e, só depois de 20 anos, têm condições para comprar um apartamento. Os elevados preços da habitação e a pressão da vida diária forçam as pessoas a trabalhar arduamente, por isso não é surpreendente que o trabalho em excesso ocorra frequentemente. Quanto à questão levantada pela trabalhadora que afirmava que na sua empresa as horas extraordinárias não eram pagas, o sistema jurídico da common law, em vigor em Hong Kong, tem precedentes claros que indicam que o trabalho extraordinário implica contribuição extraordinária para a empresa e que tem de ser pago. Portanto, o pagamento do trabalho extraordinário não é um assunto que se possa discutir. Do ponto de vista jurídico, mesmo que só se trabalhe um minuto para além do horário estabelecido, o empregado tem de ser devidamente compensado por esse tempo extra. No entanto, na realidade, isso é realmente difícil de fazer. Tanto os empregadores como os trabalhadores compreendem que muitas tarefas não podem ser concluídas em horário comercial e que períodos curtos de trabalho extraordinário são inevitáveis. Algumas empresas tentam resolver o problema do trabalho extraordinário estipulando que a primeira hora que os empregados trabalham após concluírem o seu horário normal não é considerada tempo extra. Embora esta norma esteja mais de acordo com a realidade, o empregado é pago por esse período adicional. Se o trabalhador não concordar, esta norma será dificilmente implementada. Ao mesmo tempo, este método tem o potencial para ser controverso. Em relação às mensagens de trabalho referidas no terceiro ponto, não existe actualmente em Hong Kong legislação adequada para regular se os trabalhadores devem ou não responder às mensagens dos patrões fora do horário de trabalho. Anteriormente, nesta coluna, analisámos se deveria ser introduzida legislação para regular este assunto. Se os leitores estiverem interessados, podem reler os artigos anteriores, cujo conteúdos não voltaremos a repetir. No seu todo, estas três publicações reflectem em certa medida as condições de trabalho em Hong Kong. A sobrecarga de trabalho nunca é positiva para os empregados nem para os empregadores. As questões do trabalho extraordinário e de responder a mensagens fora do horário de trabalho podem, em certa medida, ser resolvidas através de negociação. Só quando estes problemas foram devidamente resolvidos podem as condições de trabalho em Hong Kong ser melhoradas e os empregados e os empregadores mais beneficiados. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA tirania dos inquilinos Face ao aumento do grave problema dos “Inquilinos Tiranos” (inquilinos que só pagam renda aos senhorios se considerarem que têm uma razão válida), o Governo de Macau reviu recentemente o “Código do Processo Civil”, focando-se a emenda nas “acções de despejo”. A nova lei permite aos senhorios elegíveis despejar os inquilinos que tenham rendas de cinco meses consecutivos em atraso, através de um procedimento simples e rápido. A nova lei passou na Assembleia Legislativa durante a votação e o debate na generalidade, representando um passo firme dado por Macau para resolver o problema dos “inquilinos tiranos”. André Cheong, secretário da Administração e Justiça, afirmou que este problema perturba a sociedade há já bastante tempo. No ano passado, os tribunais receberam 59 casos de “inquilinos tiranos”, mas o número é muito inferior à situação real. Antes da revisão da lei, os senhorios tinham frequentemente de esperar bastante tempo para reaverem as suas propriedades quando se deparavam com “inquilinos tiranos”, porque a antiga legislação tendia a proteger o direito dos arrendatários. Ao abrigo da nova lei, será adoptado um sistema de intimação mais simples, sendo dispensada a presença de um advogado e os juízes podem tomar decisões sem ouvir questões de fundo. O Governo prevê que o tempo para os senhorios reaverem as suas propriedades através das “acções de despejo” seja significativamente encurtado, vindo a estar o processo concluído num prazo máximo de seis meses. A finalidade legislativa das “acções de despejo” é simples e directa. Desde que ambas as partes do contrato de arrendamento cumpram três condições, o proprietário pode pressionar directamente os “inquilinos tiranos” e reduzir o valor das rendas em atraso. Estas três condições são as seguintes: 1. Que o inquilino deva ao senhorio pelo menos cinco meses consecutivos de rendas; 2. Que a renda seja paga por transferência bancária; 3. Que o senhorio tenha notificado o inquilino por carta do atraso nos pagamentos. 4. Estas três condições não são difíceis de reunir. No entanto, na prática, há vários pontos que merecem destaque: Em primeiro lugar, quando um proprietário aluga uma casa pretende receber um aluguer que o inquilino terá de pagar. O contrato de arrendamento estipula o direito do primeiro, que é simultaneamente a obrigação do segundo. O inquilino é obrigado a pagar a renda na data estipulada no contrato e esta obrigação não muda enquanto o contrato estiver em vigor. A nova legislação dá aos inquilinos um período de graça de cinco meses, e aos senhorios um igual período de espera para puderem receber as rendas em atraso. Se o proprietário precisar do dinheiro das rendas para pagar ao banco as prestações pela compra da casa sofrerá uma enorme pressão financeira, enquanto o inquilino não lhe pagar o que deve. Não seria mais razoável reduzir os cinco meses para três? Em segundo lugar, a nova lei determina que os inquilinos têm de pagar a renda ao senhorio por transferência bancária, condição que é fácil de respeitar. Para a acção ser implementada, o contrato de arrendamento tem de incluir esta cláusula, caso contrário o senhorio terá dificuldade em respeitar esta condição. Por conseguinte, quando de futuro o novo sistema estiver em vigor, os senhorios têm de estar atentos e incluir esta cláusula nos contratos de arrendamento. De outra forma, não conseguirão proteger os seus direitos e interesses ao abrigo da nova legislação. Por último, a nova lei exige que os senhorios notifiquem os inquilinos por escrito dos atrasos das rendas. Na prática, se o inquilino não aceitar a carta a notificação volta para trás e o senhorio deixa de poder cumprir esta condição. Talvez que, quando se vier a actualizar este sistema futuramente, se possa considerar que a notificação deva ser enviada em carta registada. Por outro lado, o senhorio também poderia publicar um anúncio nos jornais a notificar o atraso nas rendas. A maior vantagem deste método, independentemente do motivo, é permitir que a “acção de despejo” possa decorrer sem problemas, mesmo que o inquilino não aceite a notificação enviada por carta. Desta forma, a “acção de despejo” completar-se-á ainda mais rapidamente. A implementação da nova lei irá, sem dúvida, fornecer aos senhorios de Macau uma arma poderosa para resolver o problema dos “inquilinos tiranos”. No entanto, para que este sistema seja implementado sem problemas, é necessário reforçar a sua divulgação. Só se tanto os senhorios como os inquilinos compreenderem e cumprirem plenamente o novo sistema é que ambas as partes poderão obter maior protecção jurídica. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk