O grau de felicidade

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]“Country Well-Being Rankings Report” para o ano de 2014 foi publicado a 26 de Junho deste ano. Tal como no anos anterior, este estudo baseou-se no “Gallup-Healthways Global Well-Being Index” de forma a apurar o grau de satisfação dos residentes de 145 áreas e países diferentes, fazendo esta edição o segundo ano consecutivo em que este relatório foi publicado.
Desta feita, foi o Panamá que obteve a primeira posição nesta compilação, tendo 53% dos seus residentes dado nota máxima no inquérito a três ou mais categorias diferentes. Pela sua vez, Hong Kong não consegui mais do que a posição 120, enquanto que Macau não chegou sequer a fazer parte dos países analisados.
Este “Global Well-Being Index” constitui então uma espécie de barómetro sobre as percepções dos indivíduos abrangidos relativamente à qualidade de vida em diferentes sítios e é na verdade o maior estudo do género realizado na actualidade. Esta última edição engloba 145 países ou regiões diferentes, incluindo um universo de 146 mil participantes em 2014. A informação está dividida em cinco áreas diferentes.
Além da óbvia pontuação geral obtida no estudo, queria ainda mencionar aqui algumas notas interessantes que observei no relatório. Primeiro, os residentes do Panamá obtiveram a pontuação mais elevada relativamente ao grau de motivação das suas vidas (60.5% – próspera) e quanto ao seu bem-estar físico (52.2% – próspero). Porém, no que concerne à qualidade das suas redes sociais e também das suas comunidades, a sua pontuação foi a mesma do que alguns dos outros inquiridos.
Em segundo lugar, Porto Rico, Noruega e Sri Lanka são os outros países que figuram no topo da tabela, tendo obtido as pontuações que se seguem:
• 63.3% dos habitantes de Porto Rico disfrutam de uma rede-social próspera
• 68.9% da população da Noruega tem uma situação financeira próspera
• 50.1% dos naturais do Sri Lanka consideram viver numa comunidade próspera

Em terceiro lugar, os países europeus são os mais prováveis de beneficiar de uma situação financeira próspera, sendo que nove dos 10 países com melhor classificação nesta categoria estão localizados no continente europeu. E no norte da Europa este facto é ainda mais acentuado, visto que dois em cada três residentes da Noruega (68.9%), Suécia (67.9%) e Suíça (66.1%) declaram gozar de uma situação financeira próspera. Singapura (52.4%) é o único país não-Europeu em que a maioria da sua população beneficia das mesmas condições.
Hong Kong e Macau devem tirar conclusões distintas deste relatório. No que diz respeito a Macau, e tendo em conta que o relatório nunca discute o território, não há comentários a fazer de momento. Mas, se desejarmos ver Macau incluído neste estudo no futuro, seria melhor que fossem feitas preparações antes que isso se verificasse. Tudo para garantir que Macau receba comentários favoráveis quando esta inclusão se tornar realidade.
Já quanto a Hong Kong, a fraca classificação registada neste estudo indica que os residentes da RAEHK se confrontam com inúmeras situações insatisfatórias. Como os problemas a ser combatidos com maior urgência, devíamos considerar os seguintes:
1. o preço elevado das rendas dos apartamentos, que fazem com que um cidadão normal não seja capaz de comprar um apartamento ou casa como residência pessoal (incluído no relatório na categoria referente à área financeira)
2. os pacotes de reforma não satisfazem as necessidades actuais dos reformados (categoria alusiva à comunidade)
3. os comerciantes envolvidos em importação paralela prejudicam o relacionamento entre os residentes de Hong Kong e os de Shenzhen (área social)
4. os longos horários laborais impossibilitam a realização de actividades lúdicas (motivação)
5. a pouca quantidade de terrenos disponíveis juntamente com a alta densidade populacional resultam numa fraca qualidade do ar, o que por sua vez afecta negativamente a saúde da população (saúde física)

Todavia, nenhum inquérito do género é perfeito, e este relatório não constitui excepção à regra, tendo limitações óbvias. Contudo, se atendermos a todas as reclamações aqui cobertas, não podemos também deixar de aceitar que, regra geral, este reflecte a realidade actual de uma forma correcta e fidedigna.
Mesmo que todas as insatisfações expostas venham a reduzir o grau de satisfação pessoal dos residentes da RAEHK, já faz tempo que tanto o Governo como a própria população local devem começar a elaborar estratégias de forma a combater estes problemas de uma forma eficiente. Vamos então continuar a prestar atenção ao desenvolvimento de Hong Kong de forma a acompanhar o progresso verificado nestas áreas, visto a tarefa não apresentar resolução fácil.

6 Jul 2015

Como vai o mega-empreendimento funerário afectar a relação entre Hong Kong e Shenzhen?

[dropcap]H[/dropcap]oje vamos analisar um artigo publicado no dia 18 de Junho pelo site “passiontimes.com”, de Hong Kong, em que foi revelada a intenção, por parte das autoridades locais, de construir um mega-empreendimento funerário na zona de Lo Wu.

De acordo com a Wikipedia, os “serviços funerários” são designados como “negócios especializados em fornecer enterros ou outros tipo de soluções para o armazenamento de cadáveres, assim como a organização de velórios ou outro tipo de serviços religiosos de forma a marcar o falecimento de um indivíduo, assim como o acompanhamento dos seus familiares. Um exemplo normal deste tipo de serviços incluiria o velório do morto, acompanhado do respectivo funeral, contando ainda com a reserva de uma capela para a celebração de uma missa durante o funeral. As agências funerárias coordenam o serviço de acordo com os desejos dos familiares ou amigos da pessoa falecida. Ao mesmo tempo, esta entidade trata de toda a documentação necessária, assim como de eventuais licenças e ainda outros detalhes adicionais, como por exemplo a coordenação com o cemitério ou a comunicação social, para a possível disseminação de obituários”.

De acordo com as notícias avançadas por esta mesma fonte este enorme empreendimento funerário vai começar as suas operações em 2022. Nessa altura, deverão estar disponíveis no mínimo 200 mil jazigos para o armazenamento de cinzas, espera-se ainda que o empreendimento possa suportar 178 mil cremações por ano.

De momento, Hong Kong dispões de 6 locais distintos para cremações, assim como de 134 igrejas onde se possam realizar serviços funerários, tudo isto para albergar os 42.100 falecimentos que se registam, em média, todos os anos nesta cidade. Pode-se assim concluir que a RAEHK dispõe no presente de mais oferta do que procura nesta área.

O mesmo artigo referia ainda que, em 2012, as autoridades locais decidiram fazer uma auscultação pública justo dos moradores de Sandy Ridge, a zona onde vai ficar localizado este empreendimento. E, apesar de nessa altura ainda haver muita gente reticente quanto ao futuro deste projecto, a maioria destes acabou por concordar na sua realização, facto este que foi comunicado ao Legislative Council no dia 9 de Janeiro de 2013. Mesmo assim, foi concordado que mais discussões sobre o assunto viriam a ser agendadas.

Com a concordância dos residentes de Sandy Ridge, o governo de Hong Kong não deve vir a enfrentar nenhuma dificuldade de maior quando começar a construção deste projecto funerário. Porém, outras vozes se levantaram em protesto, sendo que desta vez a maioria da posição é proveniente de Shenzhen. De acordo com Wang Rui, o representante do Comité Permanente do Congresso Municipal Popular, foi entregue uma proposta ao Governo de Shenzhen solicitando a oposição a este desenvolvimento. As principais razões apontadas para justificar esta tomada de posse prendiam-se com o mau cheiro que os residentes de Lo Wu e Shekou teriam de enfrentar, como resultados das inúmeras cremações que iriam aí ser realizadas, especialmente quando estes locais são assolados por ventos provenientes de sudoeste ou de sudeste. Outro factor determinante tem a ver com a possível depreciação do mercado imobiliário nestas zonas, tendo em conta que ninguém gosta de ter milhares de túmulos como eventuais vizinhos.

O caso ganhou entretanto uma grande popularidade e recentemente tem sido alvo de grande discussão em fóruns da internet.

Não é de estranhar que seja o lado chinês a levantar objecções, pois para além das razões já apontadas, para os chineses os funerais não são vistos com bom olhos, sendo mesmo um tópico tabu para algumas pessoas. O impacto psicológico é tal que algumas famílias chinesas chegam mesmo a proibir os seus filhos de trabalharem como agentes funerários.

Até ao presente momento, as discussões e as respectivas objecções existem apenas do domínio da internet. Mas as implicações que motivaram estas tomadas de posição são vitais. A maior parte dos nossos leitores ainda se devem lembrar dos acontecimentos do dia 8 de Fevereiro do corrente ano, em que mais de 100 residentes de Hong Kong realizaram uma manifestação em Tuen Mun contra os comerciantes suspeitos de estar envolvidos na importação paralela de bens. A maioria destes compra os itens em Hong Kong para que os mesmos possam depois ser revendidos na China, o que obviamente cria uma série de problemas aos residentes da RAEHK, tais como o aumento do custo das rendas e o congestionamento do tráfego nessas localidades, além da degradação da higiene pública e a eventual escassez de bens de necessidade diária como o leite em pó e alguns medicamentos, entre muitos outros. Para resolver o problema, o “visto de visita individual” que permitiam entradas múltiplas foram mudados em Abril deste ano, tendo na altura sido substituídos por vistos que permitiam apenas uma visita por semana. Estas novas medidas foram implementadas com efeito imediato, não tendo as autoridades procedido a nenhum tipo de consulta pública prévia.

Os cidadãos de Shenzhen foram os mais afectados por estes desenvolvimentos, especialmente porque a grande maioria de comerciantes envolvidos neste tipo de negócio eram provenientes da RAEHK. Ficaram na verdade bastante insatisfeitos, pois sentiam que haviam sido prejudicados pelos seus vizinhos de Hong Kong, que eram a real motivação para a nova política de imigração. Apesar de na altura não terem sido forçados a aceitar esta nova medida, temos de nos questionar sobre o seu estado de espírito, especialmente por terem permanecido tão silenciosos na altura.

Agora, com um mega-empreendimento funerário destinado a ser construído em Lo Wu, na fronteira entre Hong Kong e Shenzhen, o seu descontentamento parece ser ainda mais difícil de conter, visto este projecto não trazer nenhuma vantagem para os residentes do continente. Ainda mais difícil é de compreender se atendermos ao facto que até alguns residentes de Hong Kong se mostraram reluctantes em aceitar esta iniciativa. Esta nova farpa no relacionamento entre a RAEHK e Shenzhen, ainda por cima depois do escândalo relativo à importação paralela que resultou num maior controle nas fronteiras, faz com que a harmonia entre estas duas cidades passe no futuro a assumir um papel de extrema importância para todos nós.

Nenhum de nós gosta de ver conflictos e discordância. Se usarmos uma família como exemplo, e imaginarmos uma situação em que o irmão mais velho discute com regularidade com o mais novo, podemos facilmente concluir que isto acarretaria um enorme desgosto para os pais de ambos.

Historicamente, Shenzhen tem prestado uma grande assistência a Hong Kong. Mas o esperado aumento na procura de serviços funerários no futuro torna uma recusa deste projecto praticamente impossível. Tendo em conta os desenvolvimentos recentes, talvez este seja um bom momento para os governantes da RAEHK começarem a escutar com atenção os seus conterrâneos de Shenzhen. Mais ainda, o governo de Hong Kong vai ter saber como minimizar ou cancelar os eventuais inconvenientes que este projecto pode vir a trazer aos residentes de Shenzhen. Que tipo de medidas devem então ser tomadas para garantir uma resolução que possa ser vista com bons olhos pelos cidadãos de ambos os lados da fronteira? Esta questão requer não só uma abordagem do ponto de vista legal, mas vai também testar o talento político e ainda as relações interpessoais dos governantes da RAEHK. Seria então uma boa ideia que os mesmos usassem a relação harmoniosa que se verifica entre Macau e Zhuhai como um exemplo a ser estudado.

29 Jun 2015