Ninguém escapa ao braço da lei

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] dia 22 de Fevereiro foi o dia do Juízo Final para Donald Tsang, antigo Chefe do Executivo de Hong Kong. Foi acusado de conduta indevida durante a governação e condenado a 20 meses de prisão. Andrew Chan, juiz do Supremo Tribunal, não autorizou a liberdade condicional devido à gravidade das acusações.

A Wikipedia faz uma breve descrição do caso de Tsang,

“Em 5 de Outubro de 2015, “Tsang foi confrontado com duas acusações de conduta indevida durante o exercício de cargo púbico pela Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC) (CCAC em Macau).

A 11 de Outubro de 2016, o Tribunal da Relação de Hong Kong (High Court), deliberou a favor da acusação e decidiu que Tsang deveria enfrentar uma acusação adicional por aceitação de benefícios e por suposta violação do Regulamento para a Prevenção do Suborno. O julgamento, que contou com a presença de um júri, teve início a 10 de Janeiro tendo o réu declarado-se inocente de todas as acusações. A 17 de Fevereiro o júri considerou Tsang culpado de uma das acusações de conduta indevida (da primeira) e inocente da segunda. Por enquanto o júri foi inconclusivo quanto à acusação de aceitação de benefícios por parte de terceiros. Foi condenado a 20 meses de prisão no dia 22 de Fevereiro.”

O sistema jurídico de Hong Kong é diferente do de Macau. A presença de um júri para crime graves foi estipulada através do artigo 86 da Lei Básica da cidade. O júri é composto por jurados. Os jurados são pessoas comuns que terão de ser residentes em Hong Kong. O processo de selecção tem duas fases. Inicialmente a escolha é feita pelo Tribunal e depois o grupo seleccionado é sujeito à aprovação do réu. A rejeição de um jurado por parte do réu não precisa de ser justificada. No entanto este direito tem um limite, o réu só pode rejeitar no máximo cinco pessoas. Devido à seriedade deste caso o júri foi composto por nove jurados. Para que o veredicto seja proferido, o júri tem de tomar uma decisão maioritária. Ao juiz cabe apenas decidir a pena a aplicar, caso o réu tenha sido declarado culpado.     

O South China Morning Post divulgou a 11 de Novembro de 2016 as três acusações imputadas a Donal Tsang nos seguintes termos,

“A primeira das três acusações alega que Tsang, enquanto exerceu as funções de Chefe do Executivo e presidiu ao seu gabinete, o Conselho Executivo, revelou conduta indevida por ter ocultado transacções comerciais com Wong Cho-bau relativas ao aluguer de uma penthouse.

Na altura, Tsang era responsável pela atribuição de licenças para concessão de espaço radiofónico, lê-se na acusação.

Na segunda incriminação de conduta indevida, Tsang é acusado de ter sugerido a nomeação do designer de interiores  – Barrie Ho para um prémio e uma distinção honorífica atribuídos pela cidade. Estes acontecimentos tiveram lugar entre Dezembro de 2010 e Julho de 2011.”

A terceira acusação é a aceitação de benefícios por parte do Chefe do Executivo”.

O júri não chegou a um veredicto quanto a esta última acusação e por isso o Secretário da Justiça pediu um novo julgamento. O novo julgamento está provisoriamente agendado para o próximo mês de Setembro.

É previsível que Tsang entreponha recurso para anular esta decisão.

Este caso é de vital importância para Hong Kong. Antes do mais, porque é a primeira vez que um representante do mais alto cargo oficial de Hong Kong é processado judicialmente pelo ICAC. A sua condenação é uma mensagem clara para que todos entendam que a corrupção é ilegal e estritamente proibida em Hong Kong. Mesmo um antigo Chefe do Executivo não está à margem da lei, não existe excepção para esta regra. A mensagem “todos devem obedecer à lei” foi claramente transmitida. O respeito pelo Estado de Direito em Hong Kong está bem patente nesta situação.

Para além disto, a condenação de Tsang funciona como um aviso para todos os governantes de Hong Kong porque, para além da sentença normal, será implementada uma sentença preventiva para impedir que casos semelhantes venham a acontecer no futuro. A sentença preventiva é um castigo adicional imposto ao réu. É aplicada para impedir a ocorrência de casos similares posteriormente. Esta punição só pode ser aplicada em situações especiais. O caso de Tsang pertence a esta categoria.

Acresce ainda que, a sentença preventiva em conjunto com a condenação de Tsang são uma prova inequívoca para todos os investidores, em especial para os investidores estrangeiros, da coragem do Governo de Hong Kong na luta contra o suborno e a corrupção.

Neste momento Tsang está na prisão. Devido ao seu estatuto, é natural que tenha uma cela só para ele e que não esteja em contacto com os outros prisioneiros.

O novo julgamento terá lugar em Setembro. Por agora não fazemos ideia de qual será o veredicto. Fiquemos atentos aos desenvolvimentos. 

28 Fev 2017

Fogo de origem criminosa no metro de Hong Kong

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ste último Sábado a Polícia de Hong Kong emitiu um comunicado de imprensa onde se podia ler,

“A Polícia (de Hong Kong) está a investigar um incidente de fogo posto na estação de Metropolitano de Tsim Sha Tsui ocorrido na noite de ontem (10 de Fevereiro) e que provocou ferimentos a 18 pessoas.”

Ontem, (sexta-feira), às 19h14m, a Polícia foi informada que tinha deflagrado um incêndio numa das carruagens do Metro que se dirigia à estação de Tsim Sha Tsui vindo de Admiralty.

O incêndio foi controlado pelo pessoal do Metro e pelos passageiros. No incidente ficaram feridas 18 pessoas, 11 mulheres e sete homens, com idades compreendidas entre os 15 e os 60 anos. Os feridos foram assistidos nos Hospitais Queen Elizabeth, Kwong Wah, Prince of Wales, Princess Margaret e no Queen Mary.

A Polícia deteve um homem de 60 anos por fogo posto estando o motivo do acto criminoso sob investigação. Foram encontrados no local agentes aceleradores de incêndio em forma líquida. Uma investigação preliminar apurou que o homem terá ateado o fogo por razões pessoais. O homem cometeu o acto de forma isolada não existindo indícios de ter sido obra de uma organização criminosa. A Polícia está também a investigar o estado de saúde mental do detido.”

O jornal de Hong Kong “Oriental Daily” adiantava no seu website que o suspeito, Cheung Kam Fai, sofria de “Síndrome Delirante” e tinha “tendências violentas”. Sobre esta matéria a “Wikipedia” informa,

Síndrome Delirante é uma doença mental em que o paciente produz interpretações falsas da realidade, não é acompanhado por alucinações, mas sim por alterações de humor e por um embotamento afectivo. O delírio é um sintoma específico da psicose. Quanto ao conteúdo, os delírios podem ser “bizarros” ou “não-bizarros”; os delírios não bizarros fixam-se em crenças falsas que envolvem situações que, potencialmente, podem ocorrer na vida real, como ser perseguido ou envenenado. Apesar da doença, as pessoas que sofrem de delírios podem manter uma vida social e funcionar de forma relativamente normal sem apresentarem comportamentos estranhos. Contudo, a preocupação provocada pelas ideias delirantes pode vir a destruturar as suas vidas.”

Mas voltando ao caso em análise, o suspeito tem dois filhos e está à beira do seu segundo divórcio. O Oriental Daily adiantava ainda que o suspeito recebe tratamento médico para o seu problema mental de quatro em quatro semanas. O último tratamento foi-lhe administrado em Dezembro. Não se apresentou para receber o tratamento de Janeiro embora o pessoal hospitalar o tivesse contactado nesse sentido.

Do incidente resultaram três feridos graves de um total 18. O suspeito também ficou seriamente ferido e encontra-se a receber tratamento hospitalar.       

Depois da ocorrência de fogo posto, o Governo da RAEHK toma medidas. Em primeiro lugar, os sinistrados recebem tratamento hospitalar. Até ao momento, não se registaram vítimas mortais neste caso. O suspeito está também a receber cuidados médicos. A partir da consulta do website, ficámos a saber que na altura em que o incêndio deflagrou, algumas pessoas despiram as roupas que se começavam a incendiar para apagar o fogo.

Em segundo lugar, o Governo desencadeia de imediato uma investigação policial. A zona é isolada e as testemunhas são convidadas a contactar a Polícia para prestar depoimento. O suspeito declarou que a sua família tinha sido vítima de um ataque. Os agentes deslocaram-se à residência, mas não encontraram qualquer prova nesse sentido. Os familiares estavam todos de boa saúde.

O terceiro passo, foi a visita de membros do Governo às vítimas hospitalizadas. O Secretário para a Segurança, T K Lai, afirmou que este foi um caso isolado e que não existem quaisquer indícios de um ataque terrorista.

Antes de mais quero desejar uma rápida recuperação a todas as vítimas deste incidente. Espero que sintam que os amigos e familiares se preocupam com elas. Devem prosseguir as suas vidas com coragem. Por isso, de momento, a recuperação é o mais importante.

No entanto, será difícil que estas pessoas venham a ser indemnizadas pelo suspeito, devido à sua alegada doença mental. Se for considerado que não tinha perfeita consciência do que estava a fazer quando ateou o fogo, não pode ser processado. Se as vítimas tiverem seguro, podem pedir uma indemnização às Seguradoras. Se não for o caso, é muito improvável que venham a receber qualquer compensação monetária.

O estatuto de doente mental do atacante não só afecta uma acção cível para fins de indemnização por parte das vítimas, como afecta a responsabilidade criminal do suspeito. Embora o suspeito tenha confessado à Polícia que ateou o fogo na carruagem do Metro, esta confissão pode não ser válida em Tribunal porque o magistrado pode considerar que o suspeito não estava em condições de entender o significado das declarações prestadas.

Se uma junta médica comprovar que na altura em que ateou o incêndio o suspeito sofria de doença mental, e que como tal, não sabia o que estava a fazer, não poderá ser considerado culpado de fogo posto. Contudo, também não poderá ser considerado inocente, terá de ser enviado para um hospital psiquiátrico para receber tratamento até total recuperação.

Ficámos também a saber pelas notícias divulgadas que o comboio em questão era antigo e não tinha câmaras de segurança. Não nos esqueçamos de que, na altura em que o incêndio deflagrou, o Metro se dirigia da estação de Admiralty para a de Tsim Sha Tsui, atravessando o Túnel de Cross Harbour. Mesmo que existissem câmaras na cabine do condutor, como tudo se desencadeou numa questão de segundos, este não teria tido tempo de parar a composição e de pedir ajuda.

Depois de tudo isto, a possibilidade do suspeito repetir esta acção é muito reduzida. Para prevenir acontecimentos futuros, é urgente que o Governo da RAEHK prepare um plano de acção para lidar com situações similares.

Este artigo vai ser publicado no Dia de São Valentim. Desejo a todos os namorados felicidades e um dia muito agradável.   

David Chan

Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

14 Fev 2017

Reedições lamentáveis

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 31 de Janeiro o website “www.miamiherald.com” anunciava que “A interdição de Trump choca o mundo e dá origem a uma batalha legal”. Avançava ainda, “durante a campanha muitos dos eleitores que elegeram Trump apoiaram entusiasticamente o anúncio do cancelamento temporário da entrada em território americano de cidadãos oriundos de países muçulmanos, até implementação de um controlo de segurança das fronteiras mais rigoroso. Estes apoiantes afirmam que Trump provou ser um homem de palavra.”

Na sequência desta promessa Trump assinou uma ordem executiva a 27 de Janeiro, onde se afirmava, “… a suspensão do Programa de Admissão de Refugiados durante 120 dias e a interdição de entrada nos Estados Unidos de cidadãos oriundos de sete países predominantemente muçulmanos criou ondas de choque em todo o mundo, provocou reacções políticas internas e desencadeou manobras legais ao mais alto nível.

A interdição temporária de entrada nos EUA aplica-se a cidadãos do Iraque, Síria, Irão, Sudão, Líbia, Somália e Iémen. A ordem também determina a proibição por tempo indeterminado da entrada de refugiados sírios.

A súbita implementação desta ordem executiva trouxe perturbações tremendas a imensas pessoas em trânsito. Viajantes de todos os tipos, turistas, estudantes, imigrantes e residentes regressados de férias, ficaram retidos nos aeroportos à chegada aos Estados Unidos.”

A 30 de Janeiro, a mais alta representante do sistema jurídico americano, a Procuradora-Geral interina Sally Yates, apontada para o cargo pela Presidência Democrata, deu instruções ao Departamento de Justiça para que não se cumprisse a ordem executiva. Em carta dirigida a este Departamento, afirmava:

“Pelo que sei até agora, não estou convencida de que o apoio a esta ordem executiva seja compatível com as minhas responsabilidades e tenho dúvidas sobre a sua legalidade.”

Trump destituiu Yates e nomeou para o cargo um procurador federal, o veterano Dana J. Boente. Boente é o Procurador Geral do Distrito Leste da Virgínia. No próprio dia em que Yates tinha travado a ordem de Trump, 30 de Janeiro, Boente deu ordens ao Departamento de Justiça para a sua execução. Boente ocupará o cargo de Procurador Geral interinamente até à tomada de posse do Senador do Alabama, Jeff Sessions.

Os media apresentaram versões diferentes de Yates e da sua destituição.

“Ms. Yates, como muitos outros detentores de cargos oficiais, foi apanhada de surpresa pela ordem executiva e passou um fim de semana angustiado a tentar encontrar resposta adequada à situação, afirmaram dois membros do Departamento de Justiça. Ms. Yates considerou demitir-se, mas não quis deixar para o colega que lhe sucedesse a resolução deste dilema.”

“A ordem de Ms. Yates representou uma crítica significativa do representante de um dos mais altos cargos oficiais ao Presidente em funções e é, de certa forma, uma reedição do famoso caso que ficou conhecido como o “Massacre de sábado à noite”. Aconteceu em 1973, quando o Presidente Richard M. Nixon destituiu o Procurador Geral por este se ter recusado a despedir o advogado de acusação do caso Watergate.”

Enquanto Presidente, Trump tem poder absoluto para designar e destituir quem entender. Mas neste caso a destituição parece ser muito problemática.

No dia 31 de Janeiro Trump escreveu no Twitter:

“Os Democratas estão a retardar as designações para o meu Gabinete apenas por razões políticas. Não fazem mais nada senão obstruir. Queriam um Procurador Geral pró-Obama.”

E qual foi a reacção dos media americanos a estas declarações? Criticam sobretudo as novas políticas de imigração criadas por esta ordem executiva, a demissão de Yates é tratada como uma questão secundária. Se Trump tiver fortes razões para convencer a opinião pública de que agiu correctamente, no que diz respeito à emissão da ordem executiva e à demissão de Yates, então o caso fica encerrado. Mas como as novas políticas de imigração são questionáveis, então a ordem executiva e a destituição de Yates também o são. Até ao final de Janeiro Trump não tinha apresentado nenhum argumento válido, capaz de impedir muitos americanos de continuarem a contestar estas medidas.

Do ponto de vista duma relação laboral os patrões devem ter poder absoluto para despedir os empregados. Mas Yates alega que reagiu a uma ordem inconstitucional e ilegal que recebeu do “patrão”, o Presidente dos Estados Unidos. Não dar seguimento a uma ordem ilegal parece ser uma boa razão para não acatar as decisões dos patrões. Trump resolveu o conflito com a demissão de Yates e a sua substituição por Boente e a coisa parece ter funcionado porque não teve de prestar contas à opinião pública. Mas aqui não estamos só a falar de uma relação laboral, a demissão de um Procurador Geral dos Estados Unidos é obviamente uma questão política. A demissão termina o exercício da função, mas não acaba com o problema político. Esta é a grande diferença entre gerir uma empresa e gerir um País.   

Este assunto vai subir para análise do Supremo Tribunal e ficamos à espera da sua decisão quanto à legalidade da ordem executiva. Quando a resposta vier saberemos se Yates tinha ou não tinha razão para ter procedido como procedeu.

“Os peritos afirmam que a interdição gira em torno de questões fundamentais como a autoridade do Presidente no controlo de fronteiras e no facto de haver descriminação contra os muçulmanos. A Lei Federal confere ao Presidente o poder de impedir a entrada “de quaisquer estrangeiros” que “possam prejudicar os interesses dos Estados Unidos.” Mas a mesma lei proíbe a descriminação de imigrantes com base na nacionalidade ou no local de nascimento.”

A reacção de Yates deve merecer admiração. Não teve medo de perder a sua posição e defendeu a Lei, e este é precisamente o espírito que um Procurador Geral deve ter. A natureza da Lei não é o uso da força, mas sim o uso da verdade e da lógica para persuadir o Tribunal a tomar a decisão justa. É a forma de resolver uma disputa pacificamente. Se o Procurador Geral se deixar amedrontar todos os cidadãos americanos serão prejudicados.

Segundo os media, Yates não quis deixar a resolução do dilema ao seu sucessor. Yates demonstrou a sua lealdade ao povo americano. Os jornais já se referem a este caso como “O Massacre de sábado à noite II”, o que é positivo para Yates. A Procuradora demonstrou ter todas as qualidades que alguém na sua posição deve ter.   

Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

7 Fev 2017

Directrizes para 2017 em Hong Kong

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s linhas de acção do Governo de Hong Kong para 2017 foram anunciadas esta semana. Foi decidido o cancelamento do apoio do Fundo de Providência Obrigatório (Segurança Social) às empresas, para fins de indemnização de funcionários. Estas indemnizações poderiam efectuar-se ao abrigo do Long Service Payment – LSP (Compensação por termo de Contrato Prolongado) ou do Severance Payment – SP (Indemnização por Despedimento).

Actualmente, tanto o empregador como o empregado contribuem com 5% do valor do salário para o FPO, entrando mensalmente neste Fundo um total de 10% do salário de cada pessoa, a ser aplicado na saúde e na reforma. Em Hong Kong as pessoas reformam-se aos 65 anos.    

O SP foi pensado para compensar pessoas que trabalham para a mesma entidade num mínimo de dois anos consecutivos e que são dispensadas por extinção do posto de trabalho, ou simplesmente demitidas. A extinção do posto de trabalho acontece quando:

O empregador encerra, ou pretende encerrar, o negócio;

O empregador cessa, ou pretende cessar, a actividade nas instalações onde o empregado prestava serviço;

As expectativas do negócio relacionadas com a função que o empregado exerce cessam ou diminuem.

“Despedimento” enquadra-se no ponto 3. Considera-se despedimento quando, o funcionário trabalha menos do que:

metade dos dias normais de trabalho durante quatro semanas consecutivas; ou

um terço dos dias normais de trabalho durante 26 semanas consecutivas.

No entanto, se o empregado não receber o seu salário referente ao período mencionado, considera-se que foi despedido pelo patrão.

O LSP é a garantia do trabalhador ao abrigo da Lei do Trabalho. Define-se como a compensação devida a quem tiver exercido funções numa empresa por um período mínimo de cinco anos consecutivos, sem que tenha havido justa causa para o despedimento nem extinção do posto de trabalho. Nestas circunstâncias o empregador deverá indemnizar o funcionário, excepto se o funcionário:

morrer, ou

se se demitir por razões de saúde

se reformar por ter atingido ou ultrapassado os 65 anos.

Quer as indemnizações tenham por base o LSP ou o SP, o cálculo é feito a partir da seguinte formula:

(média dos salários dos últimos meses x 2/3) x número total de anos de serviço= valor total da indemnização

Antes do anúncio da Linhas de Acção Governativa para 2017, o valor acumulado nos Fundos LSP e SP provinha das contribuições sobre os salários. Ou seja, quando era necessário indemnizar o empregado o patrão não pagava do seu bolso, recorria sim a estes fundos da Segurança Social. Mas se as novas medidas forem implementadas os empregadores terão de pagar as compensações às suas custas.

Estas medidas vão obviamente lesar os interesses da classe patronal. Para amenizar o conflito, o Governo da RAEHK avançou duas sugestões:

reduzir as indemnizações do trabalhador. Como já vimos, o empregado podia ser compensado numa proporção de 2/3. Mas agora, o Governo pretende reduzi-la para 1/2.

Seria criado um fundo governamental para ajudar ao pagamento destas indemnizações. Foi sugerido que este Fundo estaria operacional dentro de 10 anos. Passado este período, o patronato terá de suportar o pagamento das indemnizações e deixar de contar com ao Fundo de Providência Obrigatório.      

Mas a criação deste fundo governamental não é o suficiente para satisfazer a classe patronal. Alguns empresários alegam ter de pagar duas vezes pelos empregados. Estas queixas são facilmente compreensíveis.

Quem mais sai a perder com estas medidas é o trabalhador, porque a indemnização será reduzida de uma proporção de 2/3 para 1/2.

Não há dúvida que terminar com a contribuição da Segurança Social para estes Fundos compensatórios é uma boa medida. porque a inflação em Hong Kong é altíssima e desta forma as verbas da Segurança Social não poderiam de futuro vir a assegurar as pensões de reformas. Estas medidas previstas nas Linhas de Acção Governativa para o corrente ano, a serem implementadas, não agradarão nem a patrões nem a empregados.

As verbas do Governo de Hong Kong provêm sobretudo das taxas sobre os salários, não existe uma actividade principal que lhe garanta rendimentos. Estas medidas que incidem sobre o emprego terão sérias consequências. Ao contrário de Macau, que tem como negócio central a indústria do jogo e que tem assegurada uma fonte de rendimento suficiente. Este é o mérito de um negócio único. Mas os negócios únicos têm um inconveniente. Se abrandarem, todos serão afectados.

Provavelmente a única forma do Governo da RAEHK resolver esta situação é passar a participar nos pagamentos das indemnizações, através dum fundo governamental e não das contribuições para a Segurança Social. No entanto, se seguir por esse caminho, o Governo pode comprometer a sua situação financeira pois é sabido que o Governo de Hong Kong não é rico. Se a implementação destas medidas estiver em consonância com os princípios enunciados nas Linhas de Acção Governativa, pensamos que serão políticas bem-vindas.

Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
24 Jan 2017

A polémica do Museu II

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a semana passada discutimos a construção da sucursal do Museu do Palácio de Pequim em Hong Kong. O anúncio da construção do edifício foi feito depois da assinatura do memorandum entre o Governo da cidade e os responsáveis do Museu do Palácio, sem consulta pública. Este arranjo teve em vista assegurar a construção da sucursal do Museu em Hong Kong. A perspectiva de virmos a ter um Museu em Hong Kong é positiva, e deve ser apoiada. Mas a forma como o assunto foi tratado é questionável.

A polémica não ficou encerrada com a comunicação da construção do Museu. No passado dia 7 o website de Hong Kong, “South China Morning Post”, publicava um artigo onde se afirmava que o arquitecto responsável pelo projecto, Rocco Yim Sen-kee, já tinha sido contratado antes do anúncio oficial da construção do complexo, feito pela Secretária Carrie Lam Cheng Yuet-ngor.

Podíamos ainda ler,

“A Autoridade Administradora do West Kowloon Cultural District contratou … Yim em Junho (de 2016) para determinar se, no local, … poderia ser construído um complexo multifuncional, que pudesse acolher exposições, convenções, espectáculos e dependências destinadas a um museu, e foi-lhe pedida a apresentação de uma planta do projecto.”

“Posteriormente, em Novembro de 2016, o conselho administrativo aprovou a designação de Yim … para a função.”

O artigo continuava,

“Yim deu início ao projecto cerca de seis meses antes da comunicação de Carrie Lam.”

A “Rocco Design Architects”, a empresa de Rocco Yim Sen-kee, que foi escolhida como consultora para os planos arquitectónicos do Museu, já tinha começado a trabalhar nas plantas do complexo no passado mês de Junho (2016), cinco meses antes da reunião do Conselho de Administração, levada a efeito para aprovação do empreendimento. Foi também por esta altura que Yim foi formalmente indigitado.”

Os detalhes do contrato entre Yim e a Autoridade para o West Kowloon Cultural District foram também divulgados,

“A Autoridade para o West Kowloon Cultural District tratou este projecto com “um secretismo sem precedentes, tendo recorrido durante a fase inicial ao nome de código “Projecto P” para o designar internamente.”

“A FactWire, citando fontes, divulgou que a planta foi deliberadamente dividida em partes, para que as pessoas que trabalhavam no projecto não ficassem a par da estrutura global do Museu.”

“As fontes acrescentaram que o plano era “absolutamente secreto”, completamente diferente de qualquer outro em que já tinham trabalhado, e o primeiro com um nome de código.”

Os legisladores de Hong Kong não ficaram satisfeitos com todo este secretismo em torno da construção do Museu. Tanya Chan, do Partido Cívico, declarou,

“Vou interpelar Lam para que explique porque é que Yim começou a trabalhar com tanta antecedência.”

A nomeação de Yim para arquitecto do Museu do Palácio de Pequim está também a dar muito que falar. Como é que esta nomeação se processou? Porque é que foi escolhido? Quanto é que vai receber? Estas serão algumas das questões que os legisladores irão colocar. Estão em causa a justiça e a imparcialidade. Se o Governo der o seu apoio a escolhas à margem dos procedimentos correctos, abre as portas à arbitrariedade. Passa a ser uma questão de “gostos” ou de “não gostos”. Um procedimento com estas premissas não tem qualquer relevância. Neste caso, podem levantar-se suspeitas junto da opinião pública de que o Governo favoreceu a candidatura de Yim. Vai ser muito difícil, quer para o Governo quer para Yim, explicar a situação, mesmo que não tenha havido má intenção de nenhuma das partes. Neste caso os fundos para financiar a construção do Museu vieram do Jockey Club de Hong Kong, não são dinheiros públicos; mas mesmo assim não é suficiente para acabar com as suspeitas.

É sabido que os legisladores têm o poder de debater qualquer assunto de interesse público ao abrigo do artigo 73(6) da Lei Básica de Hong Kong. Podem também convocar pessoas envolvidas para testemunhar ao abrigo do artigo 73(10) da mesma Lei, através de uma Ordenança do Conselho Legislativo (Poderes e Privilégios). Se os legisladores acabarem por convocar a secretária Carrie Lam, Yim e outras partes envolvidas para prestar declarações, será muito constrangedor e muito prejudicial para Hong Kong.

Esperamos que o Museu do Palácio de Pequim possa vir a ser construído em Hong Kong e que os procedimentos correctos se mantenham.

Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
17 Jan 2017

A polémica do Museu

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a sexta-feira, o South China Morning Post de Hong Kong fez saber que a segunda figura do Governo da cidade, a Secretária Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, tinha aprovado a construção de um museu no West Kowloon Cultural District.

Em reunião extraordinária do Conselho Legislativo, realizada no dia anterior, alguns deputados expressaram a sua insatisfação por não terem sido consultados antes da tomada de decisão, que resultou do acordo entre o Governo de Hong Kong e o Director do Museu do Palácio de Pequim, Shan Jixiang.

Perante este protesto a Secretária afirmou:

“Tive uma conversa informal com o Director Shan e ele louvou a qualidade dos curadores dos Museus de Hong Kong. A seguir perguntou-me se o West Kowloon Cultural District teria espaço para construir um edifício onde se pudesse expor peças do Museu do Palácio de Pequim.”

O acordo secreto só mais tarde foi efectuado. O investimento, no valor de 3,5 biliões de HK dólares, será da inteira responsabilidade do Jockey Club de Hong Kong. O Museu será construído no West Kowloon Cultural District, na zona ribeirinha do cais.

Durante a reunião extraordinária do Conselho Legislativo, a Secretária Carrie avançou ainda,

“Hoje em dia se os representantes do Governo não tomarem decisões, Hong Kong não se pode desenvolver.”

A deputada Claudia Mo man-ching comentou:

“Os habitantes de Hong Kong foram privados desta informação, ela pura e simplesmente ignorou-os.”

Kwok Ka-Ki, membro do Partido Cívico, pronunciou-se desta forma:

“Esta atitude demonstra na perfeição a distorção dos valores fundamentais. Os representantes do Governo não podem fazer tudo o que querem só para capitalizarem politicamente.”

A resposta de Carrie foi simples:

“Penso que não violei nenhum procedimento legal.”

Não há dúvida que a construção de um museu em Hong Kong para exposição de relíquias culturais é, não só o melhor para a China, mas também para Hong Kong. De acordo com a informação disponibilizada pela Wikipédia, existem cerca de 1,8 milhões de relíquias culturais no Museu do Palácio de Pequim. Como tal, é impossível expô-las a todas no Palácio. Segundo notícia do jornal de Hong Kong, Wen Wei Po, publicada no passado dia 4, 900 peças pertencentes a este espólio serão deslocadas para Hong Kong, por um período de tempo muito alargado. Como é sabido, o período para estas valiosas peças estarem fora da China é limitado. Em geral esse prazo tem o limite de três meses. Neste caso o período alargado quer dizer que irá ultrapassar os três meses. A exposição destas peças em Hong Kong pode ajudar os seus cidadãos a compreender melhor a China, a sua História e a sua cultura. Também pode incentivá-los a emigrar para a China. Aparentemente não há razões para que esta acção não seja apoiada pela população. Se Macau tiver as instalações adequadas, será bom vir a ter mais um Museu. Pode ajudar o “Centro Mundial de Turismo e Lazer” a atrair mais turistas.

Mas se esta iniciativa é tão positiva para Hong Kong, porque é que alguns deputados se lhe opuseram? A resposta é provavelmente bastante simples. O artigo 73(2) da Lei de Bases de Hong Kong estipula que o Conselho Legislativo está investido do poder de aprovar o orçamento do Governo. No entanto, como a construção do Museu vai ser custeada na totalidade pelo Jockey Club de Hong Kong, a aprovação do Conselho Legislativo é desnecessária. Mesmo que alguns deputados discordem, nestas circunstâncias, não haverá consequências. O Museu de Hong Kong pode ser construído.

Contudo, o artigo 73 (5) da Lei de Bases de Hong Kong investe os deputados do poder de questionar as acções do Governo, e o artigo 73(6) garante-lhes a possibilidade de debater qualquer assunto de interesse público. Mas, como no presente caso, não existem verbas públicas envolvidas, os deputados apenas se podem ater a estes dois sub-artigos para questionarem a acção do Governo. Para além disso, a reconstrução da zona do West Kowloon Cultural District está actualmente sob consulta pública. No entender de alguns deputados essa consulta peca por ser posterior à assinatura do acordo, o que implica que já não há oposição possível. Compreende-se o mal-estar destes deputados, visto que se sentiram ignorados pelo Governo. Nesta perspectiva, a afirmação “Penso que não violei nenhum procedimento legal” é questionável.

Hong Kong é uma cidade desenvolvida. Os seus cidadãos são sensíveis a questões que envolvam conflitos de interesse e procedimentos legais. A construção deste Museu é um bom exemplo de como uma acção positiva pode, mesmo assim, gerar bastante polémica. O facto de se ter ignorado os deputados gerou confusão e não cooperação. De hoje em diante, se todas as questões foram tratadas desta maneira em Hong Kong, as acções positivas podem vir a ser uma fonte de polémica.

Se a Secretária Carrie pudesse ter compreendido de antemão a sensibilidade destes deputados, e estes pudessem compreender que rejeitar a construção do Museu seria prejudicial para Hong Kong e uma ofensa ao Governo chinês, nada disto teria acontecido. E Hong Kong teria ficado em paz.

Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
10 Jan 2017

Feliz Ano Novo

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]screvi este artigo precisamente no primeiro dia do ano, é tempo de dizermos adeus a 2016 e de darmos as boas vindas a 2017.

Por esse mundo fora as pessoas celebram de maneiras diferentes a chegada do novo ano. O website “https://abcnews.go.com/US/wireStory/years-revelers-ring-2017-times-square-44495056” informa,

“Cai uma chuva de papelinhos e lança-se o fogo de artificio enquanto as câmaras de televisão cobrem a imensa multidão que em Times Square se despede de um ano estonteante, marcado por umas eleições presidenciais azedadas, e grita a plenos pulmões votos para um 2017 melhor.

Um mar de participantes abraçou-se e beijou-se, depois de descida de uma bola de cristal gigante enquanto soavam as doze badaladas da meia-noite.

“Vai começar tudo de novo. Este ano só quero encontrar a felicidade e deixar as coisas más para trás,” disse Maria Raimilla, de Richfield Park, New Jersey, logo após a meia-noite.”

Uma multidão a comemorar a chegada do novo ano em Times Square, não é propriamente uma novidade. No entanto, os votos de cada pessoa para o Ano Novo são sem dúvida únicos. O website revelava os desejos de um casal de namorados,

“Enquanto se faziam ouvir as doze badaladas da meia noite e a chuva de papelinhos se derramava sobre a multidão, Jason Magee beijou a namorada e disse, “Vamos começar do zero. ‘Bora lá!””

O beijo é uma das melhores formas de demonstrar afecto e é presença indispensável sempre que um par de namorados celebra em conjunto a chegada de um novo ano.

As expectativas de um outro casal para 2017 são um pouco diferentes.

“Lori Haan, de Tucson, Arizona, e o marido visitaram Nova Iorque pela primeira vez nesta ocasião. Lori confidenciou-nos que está ansiosa por 2017.”

Encontrar a felicidade em 2017 e deixar para trás tudo o que é negativo deverá ser o desejo de toda a gente. No entanto, como é que isso se concretiza? Há alguns dias atrás a estação televisiva de Hong Kong TVB, passou uma peça de um canal americano que mostra como é que as pessoas na prática “deixam para trás as coisas negativas”. É engraçado. Têm de escrever num papel todas as coisas más que lhes aconteceram, verificá-las, e deitar os papeis no lixo. Depois o caixote do lixo será limpo da forma habitual. As pessoas que se juntam para este ritual partilham uma sensação de alegria. Acreditam que vale a pena despender duas ou três horas do seu tempo para se verem livres das “coisas más”, e garantir que a “limpeza” foi feita antes da chegada do novo ano, e a seguir festejarem a sua vinda. O mais interessante é que algumas pessoas escreveram “Donald John Trump” nas suas listas, dando a entender que o novo Presidente não é bem-vindo. Pelos vistos querem “apagá-lo” das suas vidas.

Na China o primeiro de Janeiro não assinala propriamente o início do novo ano, porque se rege por um calendário diferente. O primeiro dia do novo ano lunar chinês chega a 28 deste mês. Daqui a quatro semanas. Por esta razão, as comemorações na China continental não foram tão efusivas. Os chineses mais velhos não celebram de todo este dia, mas os mais novos já fazem a festa. Os jovens começam por limpar as suas casas. Deitam fora todo o lixo e também qualquer coisa de que já não venham a precisar em 2017. Deitam fora não só o lixo como as coisas que já não querem. O princípio é o mesmo dos americanos que deitam fora os papeis onde escreveram as listas de coisas negativas. Têm em comum o desejo de esquecer o que foi mau e as expectativas de um 2017 melhor. Depois da limpeza, os jovens juntam-se para irem a um local onde se celebre a chegada do ano novo. Tradicionalmente na China a limpeza das casas deverá ser feita no terceiro dia do ano. Os novos hábitos da juventude demonstram a simbiose cultural entre o Oriente e o Ocidente.

Nesta época em Macau podemos assistir a celebrações de boas-vindas ao ano novo, já que esta cidade é fruto da união da cultura chinesa com a cultura portuguesa. Em Hong Kong também se celebra em grande estilo a chegada do novo ano. As pessoas juntaram-se na Praça Golden Bauhinia, para fazerem a contagem decrescente para 2017. Lança-se fogo de artificio e as celebridades actuam num mega-espectáculo. Desta forma se vê que Macau e Hong Kong são representantes de uma miscigenação cultural.

Seja qual for a nossa nacionalidade, todos desejamos deixar para trás o mau e acolher o bom em 2017. Aproveito também eu esta ocasião para desejar aos meus leitores tudo de bom para o novo ano. Esqueçamos as coisas más, demos as boas vindas a 2017 e aos novos começos.

Feliz Ano Novo para todos vós.       

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
3 Jan 2017

Evitemos a “quebra de palavra”

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]egundo noticiava no passado dia 5 o CHINAXIAOKANG.COM, um destacado membro do Governo de Hong Kong, o Secretário de Estado das Finanças, Zeng Junhua, ter-se-ia recusado a responder a algumas questões postas por escrito pelos deputados do Conselho Legislativo, Liang Guoxiong, Luo Xiaoli, Luo Guancong e Yao Songyan. A posição de Zeng estará relacionada com o processo administrativo movido pelo Governo de HK contra aqueles quatro deputados.

Como é sabido, uma das funções do Conselho Legislativo é a monitorização do desempenho do Governo. Esta monitorização é principalmente feita através de interpelações orais. As interpelações escritas são usadas raramente, ao contrário do que acontece em Macau onde ambas as formas são frequentes.

Como foi referido, a recusa de responder às interpelações está relacionada com o processo administrativo que o Governo moveu aos deputados. Há algumas semanas atrás, o Congresso Nacional Popular fez uma análise explicativa do artigo 104 da Lei Básica de Hong Kong. Nesta análise encontram-se indicações sobre a forma como o juramento de lealdade deve ser feito, o que valida um juramento, e em que circunstâncias pode ser aceite. De acordo com o espírito do documento, o Governo da RAEHK concluiu que os juramentos de lealdade destes quatro deputados eram inválidos e, desta forma, iniciou-se o processo administrativo. Se o Governo ganhar o processo os deputados serão afastados do Conselho Legislativo definitivamente.

Dado que a legitimidade das suas funções está a ser posta em causa, parece razoável que Zeng tenha ignorado as questões que lhe colocaram. Mas a atitude do Secretário de Estado das Finanças foi severamente criticada no Conselho Legislativo. Os seus opositores não encontraram razões válidas para o seu comportamento. No entanto Zeng considerou que o silêncio, nestas circunstâncias, era a resposta adequada visto que as capacidades legais dos referidos deputados estão a ser postas em causa pelo Governo local. Zeng avançou que a omissão de resposta tinha sido aconselhada pelo Secretário de Estado da Justiça.

Mas surpreendentemente, da parte da tarde, Zhang Bingliang, Secretário de Estado da Habitação e Transportes, manifestou a sua vontade de responder às questões dos quatro deputados, durante a reunião do sector da Habitação. Zhang afirmou que se a sua resposta não interferisse no processo administrativo, estaria disposto a dá-la. Esta mudança de posição oficial levou as pessoas a questionarem porque é que de manhã Zeng se tinha recusado a responder às perguntas.

Estas posições contraditórias dos dois membros do Governo indiciam a forma como o Executivo está a lidar com este processo. O silêncio do Secretário de Estado das Finanças reafirma a convicção de que a capacidade legislativa dos deputados está a ser posta em causa. Responder-lhes seria reconhecer-lhes essa capacidade e desvalorizar o processo em curso.

Para justificar esta posição Zeng alegou ter recebido “conselho legal para se manter em silêncio”. Mas, perante as críticas, o Governo da RAEHK reviu a sua posição e, na pessoa do Secretário de Estado da Habitação e Transportes, surge a vontade de responder “se a sua resposta não interferir no processo administrativo”. Desta vez o que se salienta é a não interferência no processo administrativo.

E será que esta argumentação vai ser aceite em Tribunal? Provavelmente sim. No Direito Civil, existe uma figura legal chamada “Quebra de Palavra”, que basicamente obriga ao cumprimento da palavra dada. Se houver “quebra de palavra”, a parte lesada pode pedir uma indemnização.

As preocupações do Governo de Hong Kong são compreensíveis. Se o Governo responder aos deputados, o Tribunal pode ser levado a crer que as suas capacidades legais estão a ser reconhecidas. Parece ser uma posição prudente. Mas quando muda de postura e afirma desejar responder “desde que não haja interferência no processo administrativo”, afigura-se-nos que está a agir de forma mais adequada, garantindo a função supervisora dos deputados e ao mesmo tempo não descurando o processo administrativo em curso.

Do ponto de vista legal o silêncio é a melhor forma de evitar a quebra de palavra, mas do ponto de vista social não cai bem. O silêncio do Governo perante as questões dos deputados pode ser encarado como falta de respeito pelo Conselho. Neste caso, o equilíbrio entre a lei e o interesse público terá de ser remetido para um Conselheiro Jurídico.

13 Dez 2016

Xenofobia e outras considerações

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 21 o Irish Times publicou um artigo sobre uns desacatos que envolveram Rainer Garner, um dos directores executivos  da Daimler, uma marca alemã fabricante de automóveis, e um cidadão chinês.

Uma das principais exportações da Daimler para a China são os motores da Mercedes-Benz. Rainer Gartner foi director executivo da sucursal chinesa da Daimler durante mais de um ano. Antes tinha trabalhado em Seul como director executivo da Daimler Trucks Korea, sendo também responsável pela produção do modelo Mercedes-Benz Guard, os carros com placas blindadas da Daimler.

No anterior Domingo, dia 20,  estava Rainer a tentar arrumar o seu Mercedes numa zona de estacionamento em River Garden, em Pequim, quando um outro condutor local começou a fazer marcha atrás para tentar pôr o carro no mesmo espaço. A discussão começou, cada um reclamando do direito a arrumar o carro no referido local.

Durante a discussão este alto quadro da Daimler terá dito,

“Estou na China há mais de um ano e a primeira coisa que aprendi é que os chineses são todos uns filhos da mãe.”

As pessoas que passavam e que ouviram estas afirmações acercaram-se  de Garner e começaram a discutir com ele, e foi aqui que Rainer sacou de um spray de gás pimenta e os atacou. Do ataque resultou um ferido. As pessoas envolvidas no caso, por se terem sentido atacadas física e psicologicamente, divulgaram amplamente o sucedido na internet.

A Daimler apressou-se a emitir um comunicado para esclarecer a situação,

“Na Daimler, sempre respeitámos os povos e as culturas dos países onde nos instalamos, e o mesmo princípio é válido na China. Trabalham na empresa muitos cidadãos chineses responsáveis e estamos empenhados em colaborar juntos no sentido do progresso da sociedade chinesa.”

A empresa adiantou que o incidente estava a ser investigado e que seriam tomadas medidas em conformidade. Acrescentou ainda,

“Lamentamos profundamente o que se passou. A empresa não se identifica de forma alguma com as afirmações proferidas durante a discussão .”

Sabe-se que as pessoas envolvidas estão a preparar um processo contra Rainer Garner.

Não há dúvida que o que foi dito por Garner é inaceitável para qualquer cidadão chinês. Possivelmente noutros locais a expressão “filho da mãe”, não terá uma conotação tão negativa como na China, mas aqui é altamente insultuosa. E é claro que quem a ouviu se sentiu atingido e ficou furioso.

O artigo a que nos temos vindo a referir não explicava porque é que Garner recorreu ao spray de gás pimenta. Geralmente este gás é utilizado para dispersar multidões. Regra geral não provoca danos físicos, nas em circunstâncias muitos especiais pode ser letal. Aqui levantam-se duas questões. Em primeiro lugar somos levados a perguntar porque é que Garner teria o spray de gás pimenta. Segundo a lei de alguns países o gás pimenta pode ser visto como uma arma. Sem licença, o seu uso é proibido . Este será um dos principais motivos que levam o caso à justiça.

Em segundo lugar é preciso saber porque terá sido usado. Estavam muitos cidadãos chineses no local, mas Garner estava sozinho. Será que estas pessoas quiseram atacar Garner?  Os gritos, a forma rude como falou, podem ter instigado as pessoas. Mas a instigação é um elemento subjectivo e a sua avaliação vai depender em grande parte das declarações de Garner. Se ele afirmar que pressentiu sinais de agressão iminente, não é de admirar que tenha usado o spray para se defender.

O caso está a ser investigado e a polícia vai ter de encontrar respostas para estas questões. Só assim se poderá fazer justiça, quer para os cidadãos chineses quer para Garner.

Este caso alerta-nos para a noção de “respeito”, um elemento vital no relacionamento entre seres humanos. Independentemente de quem venha a ganhar o processo, Garner não deveria ter insultado os chineses enquanto povo. Desentendimentos e discussões acontecem constantemente em toda a parte. Se nos desentendemos com alguém é natural que o ataquemos. Mas se o ataque passar a ser dirigido ao grupo étnico a que essa pessoa pertence, o caso já muda de figura. Quanto mais pessoas foram chamadas à liça, mais complicada fica a situação.

Na sequência destes acontecimentos a Daimler despediu imediatamente Garner. O caso está a ser investigado pela polícia. Será melhor que os ânimos se acalmem, bem como as acusações mutuas. Quanto mais ruído houver pior será para ambas as partes. A melhor forma de resolver o assunto será esquecer e perdoarem-se uns aos outros.

29 Nov 2016

Empregadas filipinas

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 29 de Outubro o Departamento do Trabalho do Governo da RAEHK chegou a um acordo com vários países. Neste acordo ficou consagrado que, mediante a garantia de condições de segurança, os empregados domésticos imigrados, oriundos desses países, podem lavar a parte exterior das janelas das casas onde trabalham. Este acordo é válido para trabalhadores filipinos, tailandeses, vietnamitas, indonésios, etc.

Esta cláusula restritiva passará a estar inscrita no contrato de trabalho celebrado entre a entidade empregadora e o trabalhador. Os termos da cláusula foram elaborados pelo Governo da RAEHK e pelos diversos países que o assinaram.

Esta medida foi tomada devido a um acidente fatal, ocorrido a 9 de Agosto deste ano, no qual Rinalyn Dulluog, empregada doméstica filipina, perdeu a vida por ter caído na rua quando estava a lavar a parte exterior de uma janela. Em Hong Kong, entre 2010 e 2016, ocorreram mais oito acidentes semelhantes.

Vários empregados domésticos filipinos deixaram claro que vieram para Hong Kong para trabalhar e não para morrer.

Este sentimento é facilmente compreensível. Ninguém deseja morrer no posto de trabalho, por maior que seja a indemnização que os familiares venham a receber. Mas, efectivamente, a lavagem do exterior das janelas pode pôr a vida em perigo. Qualquer descuido pode resultar numa queda fatal.

O presente acordo envolve vários aspectos que gostaria agora de salientar.

Em primeiro lugar, as estatísticas demonstram que desde 2010 ocorreram nove acidentes deste género, e por isso esta cláusula passa a fazer parte dos contratos de trabalho do pessoal doméstico. O Governo da RAEHK implementou esta medida reflectindo a ideia da “importância da vida”. Cada pessoa é um ser único, seja rica ou pobre. A vida é um dom que não pode ser substituído. Nas sociedades actuais, com um nível de educação superior, a consciência da importância da vida humana é maior. Por isso, estas mortes acidentais geram grande polémica. As pessoas reclamam certamente por pesar, mas também porque desejam afirmar a “importância da vida”. Este acordo é aclamado pelos empregados domésticos filipinos, mas também pelos patrões de Hong Kong, que respeitem a importância da vida. A maior parte dos trabalhadores domésticos em Hong Kong são mulheres vindas das Filipinas. Muitas são casadas, nas deixam o seu País para virem para Hong Kong servir famílias locais e tomar conta de crianças e idosos. Mas as suas próprias famílias, filhos e pais ficam à guarda de outros familiares. Tudo isto revela o sacrifício que fazem para virem ocupar-se do bem-estar dos lares de Hong Kong.

Em segundo lugar, vamos ver que medidas estarão previstas para garantir a segurança nestas situações, que ao certo ainda não se sabe bem quais serão. Alguns artigos afirmam que existem dois requisitos que os patrões terão de assegurar.

A – As janelas terão de ter gradeamento exterior

B – Ao limpar a janela, a única parte do corpo do trabalhador que pode ficar de fora é o braço.

Serão estas alíneas suficientemente claras? Não sabemos ao certo. É necessário implementar estas medidas para, na prática, termos uma ideia da sua eficácia. No entanto, podemos ter a certeza que a segurança não passa só pela instalação de gradeamento. Será também dever do empregador assegurar que são funcionais. Ou seja, a grade deve estar em boas condições e ser suficientemente sólida de forma a impedir quedas. Se não o for, esta medida é inútil. Logo, é uma acção que requer manutenção.

Em terceiro lugar, já que esta cláusula foi elaborada pelo Governo da RAEHK e por outros países, espera-se que daí resulte prudência e justiça. Nem os patrões nem os empregados devem procurar lucrar com este contrato. Pelo que as querelas contratuais podem ser evitadas.

Em quarto e último lugar, assinale-se que este acordo apenas introduz uma clausula no contrato de trabalho, não acrescenta uma alínea à lei laboral. Este acordo abrange apenas os trabalhadores imigrantes e não os locais. No entanto abre uma porta aos empregados domésticos de Hong Kong para estabelecerem com os seus patrões as mesmas condições de segurança.

De forma geral esta acordo é bom, todos saem a ganhar, o Governo, os trabalhadores e os patrões.

Em Macau também existem muitas empregadas domésticas filipinas. Este caso pode levar a que, também aqui, sejam adoptadas medidas semelhantes que garantam a sua segurança.

22 Nov 2016

O Reino Unido e o exemplar respeito da lei

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 19 de Julho, o Tribunal de Primeira Instância do Reino Unido deu início à análise do caso apresentado por Gina Miller e outros. O réu era o Governo do Reino Unido. Esta sessão foi constituída para se proceder a um exame judicial

Ao contrário de Portugal, no Reino Unido não existe um corpo legal administrativo. A “lei administrativa” está incluída na lei civil. O exame judicial é um procedimento legal indexado ao Tribunal de Primeira Instância do Reino Unido. Por norma, analisa queixas contra o Governo apresentadas por cidadãos comuns. Tem por objectivo rever actos administrativos efectuados pelo Executivo. Aqui não se trata de julgar a capacidade do Governo para realizar os actos. O Tribunal vai focar-se nos actos em si, e determinar se são ou não legais. Por exemplo, existe um requisito estatutário que determina que no caso de o Governo desejar reclamar um terreno para construção, digamos de um Centro Comercial, terá de pedir um relatório a uma agência de protecção ambiental. Se não o fizer, qualquer pessoa afectada por essa decisão pode processar o Governo e solicitar um exame judicial, alegando que houve quebra do requisito estatutário. Se houver provas suficientes que determinem a violação do requisito o Governo perde o caso.   

Na presente situação, os queixosos alegaram que o Governo do Reino Unido deveria ter apresentado notificação da sua intenção de abandonar a União Europeia, ao abrigo do artigo 50 do Tratado da União Europeia, apresentando essa decisão a voto no Parlamento, com debate deliberativo em profundidade sobre as suas implicações e objectivos. O Secretário de Estado para os Assuntos do Brexit defendeu que a activação do artigo 50 era uma prerrogativa Real e que dispensava a consulta dos membros do Parlamento.

Gina Miller ainda alegou que, como as notificações ao abrigo do artigo 50 não podem ser revogadas, na prática acabam por ser anulados uma série de Actos Parlamentares. A Constituição consagra que os Actos Parlamentares não podem ser alterados sem o consentimento do Parlamento.

A audiência ficou concluída a 18 de Outubro. O Tribunal deliberou e publicou a sua decisão a 3 de Novembro. Os juízes não deram razão ao Governo quanto à prerrogativa Real sobre o artigo 50 do Tratado da União Europeia. Mais tarde será decidida a forma como tal disposição deveria ter sido tomada. Os juízes descreveram o Acto 1972 da Comunidade Europeia como o mais eficaz para “compreender o efeito directo da lei da EU no sistema legal nacional”, e defendem que não é plausível que a intenção do Parlamento tenha sido defender a capacidade da Coroa para, de forma unilateral, alterar o sentido do artigo através do exercício das suas prerrogativas.

Simultaneamente, na Irlanda do Norte, outros processos legais contra o Governo ficaram concluídos a 28 de Outubro, mas o Tribunal permitiu que quatro dos cinco queixosos pudessem apelar para instâncias superiores.

O resultado final do exame judicial não é conhecido por enquanto. Mas os princípios legais e o estado de direito implantado no Reino Unido são exemplares. O Tribunal determinou que o Governo tinha falhado porque na altura da adesão do Reino Unido à União Europeia, a aprovação foi dada pelo Parlamento. Portanto, quando o Reino Unido quis sair, o Parlamento deveria ter aprovado essa decisão. E porquê? Porque a vontade do Parlamento é soberana. A legislação proposta pela Coroa tem de obter o consentimento das Câmaras Parlamentares. Esta é a famosa doutrina da “soberania Parlamentar”. O Parlamento pode alterar uma lei sempre que quiser. No entanto, a Coroa não pode fazê-lo apenas através do exercício das suas prerrogativas, a menos que a própria lei o permita. Na Proclamação 1610, a Coroa declara solenemente não interferir na lei comum, na lei estatutária nem nos costumes. Na medida em que a lei da UE afecta directamente a lei do Reino Unido, o parlamento deve autorizar as alterações que forem feitas. Consequentemente, o exercício das prerrogativas Reais, por si só, não basta.

Esta foi a decisão do Tribunal de Primeira Instância, quer se concorde com ela ou não. O julgamento reflecte claramente que a Coroa não tem poder para alterar a lei. Este impedimento é o símbolo do “estado de direito”, demonstrando que todos são iguais perante a lei, mesmo estando na posse do mais alto poder administrativo. Se até a Rainha, a pessoa mais importante do Reino Unido, obedece à lei, não há motivo para que as outras pessoas não obedeçam. Porque a Rainha obedece à lei, o Tribunal tem o poder de julgar o Governo. Porque o Governo obedece à lei, a decisão tomada pelo Tribunal pode ser aplicada. A aplicação da lei não se faz pela força, mas através do poder da palavra. Estes procedimentos baseados no respeito da lei – são um exemplo a seguir por todos, e um modelo para a resolução de qualquer contenda. Este caso permite-nos compreender claramente os alicerces do sistema jurídico-legal britânico.    

O Supremo Tribunal do Reino Unido já agendou para Dezembro uma audiência para analisar o recurso do Governo da decisão do Tribunal de Primeira Instância. A audiência terá lugar entre 5 e 8 de Dezembro, mas a decisão só deverá ser divulgada no início de Janeiro de 2017. Nicola Sturgeon, Primeiro Ministro escocês pediu que o Director Jurídico do seu Governo (Scottish Lord Advocate) esteja presente no Tribunal. Espera-se uma nova batalha legal. Estejamos atentos aos próximos desenvolvimentos.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
15 Nov 2016

Abusos sexuais e dúvidas razoáveis

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á cerca de duas semanas, foi notícia em Hong Kong um caso de abuso sexual envolvendo Cheung Kin Wah, ex-presidente da sucursal de Kwai Chung, dos Lares de Assistência (para pessoas com deficiência). O caso ocorreu em 2013. Cheung terá tido relações sexuais com uma pessoa com deficiência mental, aqui designada por X.

Segundo a Associação Americana da Deficiência Cognitiva e do Desenvolvimento, o termo “deficiência cognitiva” aplica-se quando o coeficiente de inteligência é significativamente inferior à média do escalão etário do individuo.

O artigo fazia saber que fora encontrado no escritório de Cheung um lenço de papel com vestígios do seu sêmen e com ADN de X. Cheung alegou em sua defesa que o sêmen encontrado no lenço de papel tinha sido resultado de um sonho erótico que, pelos vistos, terá tido no escritório. Quando X chegou ao escritório, mexeu no cesto dos papéis quando deitou fora um pacote de leite de soja e, por isso, o seu ADN foi parar ao tal lenço de papel. Afirma que todo este processo durou apenas dois minutos.

Inicialmente o Ministério Público de Hong Kong tinha decidido processar Cheung, mas as acusações acabaram por ser retiradas pelo Secretário para a Justiça. O Secretário para a Justiça é o chefe do Departamento Legal do Governo da RAEHK. De acordo com o artigo 63 da Lei Básica de Hong Kong, ao detentor deste cargo cabe, em exclusivo, a decisão de levantar um processo crime.

Desta forma, Cheung ficou ilibado de qualquer processo criminal. E porque é que o Governo agiu desta forma? Porque a vítima sofre de “Síndrome de Stress Pós-Traumático” (SSPT). Devido ao SSPT e ao défice cognitivo de X, o Governo não conseguiu reunir provas acusatórias. Ou seja, a polícia encontrou no mesmo lenço de papel, sêmen de Cheung e ADN de X, mas não conseguiu estabelecer de forma irrefutável o motivo da descoberta. Se a polícia não consegue apontar um motivo, então o modelo legal que suporta um caso criminal – prova sustentada para além de toda a dúvida razoável –não se configura.

“Para além de toda a dúvida razoável” é a fronteira que marca a abertura de um processo criminal em Hong Kong. É como num exame, se o estudante conseguir uma nota 10, passa. Se as provas que se reuniram contra o réu provarem ser verdadeiras “para além de toda a dúvida razoável”, o réu será condenado, e vice-versa. Na medida em que os meios do Governo da RAEHK são muito superiores aos do vulgar cidadão, a lei impõe critérios muito elevados para que seja estabelecida prova num processo criminal. Estabelecer prova “para além de toda a dúvida razoável”, como o seu nome indica, quer dizer que a prova deve resistir a todas as dúvidas razoáveis apresentadas, e só assim o réu será considerado culpado. Esmiuçando um pouco mais; conclui-se que o réu só pode ser condenado, quando e se, a Acusação conseguir responder a todas as perguntas, razoáveis, bem entendido, que lhe tenham sido colocadas. É óbvio que, como neste caso, não se conseguiu estabelecer o motivo do aparecimento no mesmo lenço de papel, de vestígios de sêmen de Cheung e de ADN de X, “para além de toda a dúvida razoável”. Desta forma, o processo criminal não resistiria à prova do Tribunal.

Segundo a opinião de seis médicos, X foi considerada totalmente incapacitada para depor em Tribunal. Sem alternativas, o Secretário para a Justiça abdicou de acusar Cheung.

A lei criminal de Hong Kong é diferente da de Macau. Se o réu ganhar o caso, pode pedir uma indemnização ao Governo. Como Cheung não foi acusado, pôde pedir o reembolso das custas legais. Mas o juiz rejeitou a petição, afirmando,

“Não o vamos reembolsar das custas legais e, além disso, teve o senhor muita sorte por o Governo da RAEHK não ter podido estabelecer prova suficiente para o levar a Tribunal.”

O caso voltou a dar que falar quando o pedido de reembolso foi rejeitado.

A decisão de retirar a acusação criou grande celeuma em Hong Kong. Em geral as pessoas consideram que não se fez justiça a X, que não se cuidou dos seus direitos, particularmente no que à Justiça diz respeito. Em resposta a estas inquietações, o Secretário para a Justiça apresentou, no seu website, as suas razões para não levar por diante o caso contra Cheung. A principal é a, já bastamente citada, incapacidade de X de depor em Tribunal, de forma a poder explicar-nos como é que o sêmen de Cheung e o seu ADN se encontraram no tal lenço de papel. O Secretário para a Justiça ainda adiantou que vai considerar a revisão dos procedimentos legais em casos que envolvam pessoas com deficiência cognitiva.

Quer o Secretário para a Justiça venha um dia a acusar Cheung, ou não venha, o certo é que não se livra das críticas populares. Se decidir não acusar, como decidiu, as pessoas reclamam de injustiça contra X. Mas se decidir acusar Cheung, a reclamação tomará outra forma, passará a ser acusado de obrigar uma deficiente a depor em Tribunal. Vão dizer que obrigou X a reviver aqueles momentos terríveis, e obrigá-la a expor-se publicamente. Que não teve em conta os seus sentimentos, etc. Ao tomar uma decisão, o Secretário para a Justiça terá de estabelecer um equilíbrio entre o interesse de X e o que a sociedade de Hong Kong considera justo. É sem dúvida uma decisão difícil.

Quer se seja a favor ou contra a presença de X em Tribunal para depor, a decisão do Secretário para a Justiça está tomada. Em Hong Kong, ninguém tem o direito de desafiar uma decisão tomada pelo detentor deste cargo.

No entanto é bom saber que pode estar a ser considerada a revisão dos procedimentos legais em casos criminais que envolvam pessoas com défice cognitivo. É a única solução para estas situações. De alguma forma, nas suas declarações, o juiz que recusou o reembolso das custas legais a Cheung, salientou o essencial. Cheung pode considerar-se feliz por não ter sido acusado. Esperamos sinceramente que casos destes não se voltem a repetir em Hong Kong.   

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
8 Nov 2016

As intenções de Duterte – parte III

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “The Guardian” publicou no passado dia 30 de Setembro um artigo, do qual passo a citar o seguinte excerto:

“Na manhã de 30 de Setembro, logo após ter aterrado, no regresso de uma visita oficial ao Vietname, o Presidente filipino Rodrigo Duterte proferiu um discurso, à saída de um dos terminais do aeroporto internacional Davao. Nesta elocução, Duterte estabeleceu um paralelismo entre a sua guerra sangrenta e o massacre de Hitler aos Judeus, dizendo que ficaria feliz se matasse milhões de toxicodependentes.”

No seu website, a “BBC News” referia-se ao mesmo acontecimento. Segue um fragmento:

“Para a maior parte dos lideres políticos seria inconcebível tecer elogios a Adolf Hitler. Mas não é o caso do sr. Duterte, que comparou a sua campanha contra os traficantes de droga e toxicodependentes ao Holocausto, afirmando que iria matar tantos drogados quantos Judeus Hitler matou.”

Hitler massacrou três milhões de Judeus. Hoje em dia temos três milhões de toxicodependentes. Fico feliz se os matar a todos,” afirmou.”

“Pelo menos a Alemanha teve Hitler. As Filipinas não.”

O motivo destas declarações continuadas prende-se com a determinação de Duterte em acabar com o tráfico de droga nas Filipinas. Os cidadãos filipinos têm autorização para matar os traficantes. Não é preciso haver julgamento, nem sentença, os traficantes podem ser abatidos.

Nestes últimos dois meses, tenho vindo a escrever sobre a suposta ilegalidade deste procedimento. Os julgamentos relacionados com posse de drogas não apresentam dificuldade de maior, porque o principal critério para determinar a sentença é a quantidade de droga apreendida. Quanto maior for a quantidade de droga encontrada na posse do réu maior será a sentença. Em certos países, onde ainda existe pena de morte, a partir de uma certa quantidade, o réu é executado. Permitir que os cidadãos matem os traficantes implica que não se irá determinar que quantidade tinham em sua posse. Se os cidadãos ou a polícia suspeitarem que alguém é traficante podem abatê-lo. Tanto faz que estejam na posse de uma pequena ou de uma grande quantidade de droga, o fim é o mesmo.

Vejamos agora a questão doutro prisma. Será que a pena de morte leva a que acabem ou diminuam os casos de tráfico de droga? É uma questão que tem sido muito debatida em criminologia. Imagine o leitor que estava a ponderar tornar-se traficante nas Filipinas, qual seria à partida a sua maior preocupação? Sabe que tem duas opções. Na primeira opção terá bastantes hipóteses de ser abatido, independentemente da quantidade de droga que levar consigo. A segunda opção é.… escolher outro caminho, é sem dúvida o melhor a fazer se tiver amor à pele. Mas se mesmo assim enveredar pela opção 1, então o melhor é tentar traficar a maior quantidade de droga que lhe seja possível. Porque, para acabar morto, tanto faz traficar muito como pouco. Então o melhor é tentar maximizar o lucro enquanto pode, já que o risco de a coisa acabar mal é muito elevado. Vista deste ângulo, a opção 1 reduz o número de traficantes, mas não reduz a quantidade de droga traficada nas Filipinas. Então qual vai ser a opção preferencial do traficante? Bem, isso vai depender de cada um, não existe uma escolha certa à partida. E é por isto que não sabemos se estas medidas irão reduzir efectivamente o tráfico de droga nas Filipinas. É preciso tempo para avaliar a situação.

As declarações continuadas de Duterte sobre este assunto merecem ponderação. Não há qualquer dúvida de que o líder de um país é responsável pela manutenção da justiça, da equidade e da consciência nacional. Mas se esse líder optar por métodos dignos da Alemanha nazi, daí resultará apenas crime e guerra. A História mostra-nos que Adolf Hitler não era uma pessoa correcta, e que até começou a II Guerra Mundial. Muitas pessoas e muitos países sofreram as consequências. Pode ser difícil compreender porque é que Duterte compara a sua campanha contra os traficantes ao extermínio dos Judeus promovido por Hitler. É preciso ter presente que tentar acabar com o tráfico de drogas é agir a favor do bem nacional, aqui o problema é a suspeição de que se estão a promover mortes ilegais. Mas os Nazis praticaram crimes de guerra. Cometeram genocídio contra os Judeus. O genocídio ofende todos os seres humanos civilizados porque defende o extermínio de uma determinada raça. E já que os crimes de guerra e o genocídio são ilegais, porque é que o líder de uma nação se vai comparar a quem os cometeu? Será que no fundo ele sabe que a sua campanha é ilegal? E se assim for, porque tomou ele estas medidas? Nos artigos que li não encontrei resposta a estas minhas inquietações.

Alguns comentários às declarações de Duterte são negativos. Passo a citar,

“Deve ser primo do Hitler”

“Declarações irracionais e ridículas”

Como se não bastasse, o Gabinete Alemão dos Negócios Estrangeiros apresentou queixa.

É sabido que o problema do tráfico de droga aflige as Filipinas. A intenção de Duterte é boa porque quer acabar com este problema. Mas é óbvio, que, quer as suas acções quer as suas declarações, são problemáticas, são do âmbito do contencioso. Se com tudo isto o tráfico de droga não diminuir nas Filipinas, as coisas não vão ficar fáceis para Duterte.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

25 Out 2016

Hong Kong, o futuro para lá de 2047

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] website de Hong Kong “discuss.com.hk” fez saber, dia 17 do mês passado, que o Chefe do Executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying, anunciara a ida a leilão da concessão de terrenos em Shatin, Hong Kong. A concessão é válida por um período de 50 anos, até 2066. É um indicador de que o estilo de vida de Hong Kong não se irá alterar depois de 2047. O artigo adiantava que os pormenores deste acordo seriam revelados numa entrevista exclusiva dada pelo Chefe do Executivo ao jornal de língua inglesa China Daily.

O website comentava que as declarações de Leung são uma resposta à mensagem “da segunda negociação para o futuro de Hong Kong após 2047”, já que alguns jovens estão preocupados com o que está para vir depois dessa data. Nestas declarações Leung nunca demonstra preocupação com o futuro. Acredita que o estilo de vida de Hong Kong não vai sofrer alterações depois de 2047. Passo a transcrever extractos da sua entrevista ao China Daily, publicada a 20 de Setembro,

“……. Assim, 50 anos após o regresso à soberania chinesa, em 2047, para sermos precisos e em teoria, o estilo de vida, assente no sistema capitalista, poderá vir a mudar. Mas, da forma como eu vejo as coisas, essa mudança não tem de acontecer, porque se o principio “Um País, Dois Sistemas” funciona bem em Hong Kong hoje em dia, vai continuar a funcionar em 2047 e daí em diante. O artigo sobre a transição não indica que em 2046 este principio venha a ser alterado. Por isso, em 2047 manteremos “Um País, Dois Sistemas.”

“…. É de salientar que vamos conceder uma exploração por 50 anos, e que essa concessão expira depois de 2047. O Departamento das Terras de Hong Kong concede a exploração dos terrenos de Shatin a quem apresentar a maior oferta. A concessão é válida por 50 anos, expirando em 2066, e não em 2047. Temos aqui um forte indicador de como as coisas se vão passar em Hong Kong para lá de 2047……”

Aparentemente esta foi a primeira vez em que o Chefe do Executivo falou publicamente sobre o futuro de Hong Kong após 2047. A publicação desta entrevista no China Daily, é também muito significativa para Hong Kong em vários aspectos.

Em primeiro lugar o China Daily é um jornal de língua inglesa publicado na China. Desta forma a entrevista de Leung pode ser partilhada pela China e por Hong Kong. Os quadros seniores na China vão lê-la. Irá ser analisada e pode desencadear comentários oficiais. O futuro de Hong Kong é uma questão sensível e vital. As palavras do Chefe do Executivo de Hong Kong agradaram à população, mas a preocupação não desapareceu completamente, na medida em que estas declarações não foram proferidas por representantes do Governo Central.

Em segundo lugar, como parte da entrevista se relaciona com a compra e venda de terrenos, deduz-se que este sistema não vai sofrer alterações de maior depois de 2047. Em Hong Kong o sistema que rege os terrenos levanta situações complicadas. Ultrapassa a mera questão da compra e venda. Analisemos o assunto do ponto de vista do proprietário. Será que alguém quer investir na compra de um terreno, sem saber se o vai conservar depois de 2047? E será que os bancos estão dispostos a conceder empréstimos cuja amortização termine para lá desta data? E os construtores vão investir sem saber exactamente o que os espera? Se não tivermos respostas concretas a estas perguntas, o preço dos terrenos em Hong Kong vai cair, e as consequências para a cidade serão terríveis.

Estabelecer concessões que vão para lá de 2047, leiloar os terrenos e incentivar os empresários a construir nesses terrenos é uma boa forma de deixar implícito que a propriedade privada se vai manter em Hong Kong depois de 2047. Mas a manutenção deste sistema requer o apoio de outros elementos. Por exemplo, é necessário um sistema legal que garanta a legitimidade da propriedade privada. Imaginemos que alguém precisa de recorrer a um empréstimo bancário para comprar um apartamento. É necessário que o actual sistema bancário se mantenha depois de 2047. Mas, nas suas declarações, Leung não menciona a Lei, nem o sistema jurídico, nem o sistema bancário, nem as operações comerciais. Será que tudo vai ficar igual depois de 2047? Por enquanto não existe resposta para esta pergunta. É preferível não especularmos a partir de uma única entrevista.

Em terceiro lugar, estas declarações de Leung são oficiosas. Reflectem uma opinião pessoal, ou reflectem a política do Governo Central? Será que Hong Kong vai ter uma segunda Lei de Bases ou uma nova Lei, totalmente diferente? As declarações de Leung são validadas pela Lei? É vital que existam respostas a estas perguntas, já que a Lei estabelece as directrizes que guiam os cidadãos. É preciso pensar duas vezes nestas questões.

É óbvio que ainda nos separam 30 anos de 2047. Talvez ainda seja cedo demais para discutir o futuro de Hong Kong depois dessa data. Se fizermos uma retrospectiva, verificamos que a questão do futuro de Hong Kong foi levantada pelo Governo Britânico em 1979, e que a Declaração Conjunta Sino-Britânica foi feita em 1984. Em 1979 ainda faltavam quase 20 anos para 1997. Seguindo esta lógica, o timing certo para discutir o futuro de Hong Kong para lá de 2047, viria a ser 20 anos antes, ou seja, em 2027. Pelo que esta discussão poderá ser um pouco prematura.

Esta fronteira temporal chegará a Macau em 2049. À semelhança de Hong Kong, o futuro de Macau está nas mãos da China. Ninguém conhece o futuro. Mas a experiência de Hong Kong pode ser uma boa referência para Macau. Não importa se viremos a ter ou não uma segunda Lei de Bases, mas é desejável que venhamos a ter uma “Lei Geral” que oriente a estrutural fulcral do Governo e estabeleça direitos, deveres e estilos de vida para os habitantes porque a Lei é o guia de qualquer governação.   

18 Out 2016

Acumular carreiras

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 12 o website de Hong Kong “www.stheadline.com” divulgou uma notícia sobre um conflito entre Albert Leung Sze Ho e a Ordem dos Advogados. Albert é advogado e foi processado pela Ordem porque queria exercer uma segunda profissão como terapeuta de escultura corporal.
A Ordem dos Advogados de Hong Kong é o organismo responsável pela regulamentação desta actividade na cidade. Na área de consultoria jurídica existem dois grupos profissionais, os advogados e os solicitadores. De uma forma geral, o solicitador é responsável por compra e venda de propriedades, testamentos, recrutamentos e trabalho documental, ao passo que o advogado se ocupa do contencioso. O advogado, que também pode ser designado como causídico ou patrono, representa o seu cliente em Tribunal. Em Hong Kong estes dois grupos são representados por duas organizações diferentes, os advogados pela Ordem e os solicitadores pela Sociedade Legista de Hong Kong.
O litígio teve início quando Albert apresentou um requerimento à Ordem na esperança de ser autorizado a exercer uma segunda profissão como terapeuta de escultura corporal.
A escultura corporal é um tipo de Naturopatia que pretende corrigir a postura do corpo, através de métodos não dolorosos, eficazes e não-invasivos. Este conjunto de técnicas e de tecnologias terapêuticas surte efeito imediato. Esta técnica destina-se a corrigir distorções do esqueleto, nomeadamente da coluna vertebral e da anca, podendo eliminar ou atenuar corcundas, dores dorsais, torsão da cintura, desnível dos ombros, pernas com comprimentos diferentes, seios desiguais, pregas no pescoço etc. A formação de terapeutas nesta área não tem limite de idade, nem requer qualquer especialização em particular. Independentemente da formação académica, é possível candidatarmo-nos ao curso e passar a adquirir esta competência.
Em Hong Kong, quando um advogado pretende exercer uma segunda profissão é necessário que solicite com antecedência autorização da Ordem. Se tal não for feito, é considerado violação da conduta profissional e incorre numa acção disciplinar. A remoção da carteira profissional é a penalização mais grave que pode ser aplicada, ficando consequentemente impedido de exercer advocacia.
Albert apresentou este pedido, mas viu-o recusado pela Ordem. Os parágrafos 4 e 23 do Código de Conduta da Ordem dos Advogados consagram os princípios mais relevantes desta matéria. O parágrafo 4 estipula que os advogados devem, acima de tudo, manter a sua dignidade e reger-se pelo código de conduta profissional.
O parágrafo 23 estipula que a advocacia deverá ser a principal ocupação dos membros. Caso alguém queira dedicar-se a uma segunda ocupação, esta nunca poderá prejudicar os interesses dos clientes.
A Ordem dos Advogados considerou que a terapia de escultura corporal não é compatível com o exercício do direito e, por isso, o pedido apresentado por Albert foi recusado. O Secretário Honorário do Conselho da Ordem descobriu que a escola de terapia de escultura corporal em que Albert se tinha inscrito pertencia a uma empresa privada de Hong Kong, e que para ingressar no curso apenas era necessário o ensino secundário. Foi ainda apurado que esta escola disponibiliza diversos mini-cursos na área das terapias e da cosmética.
Na sequência do indeferimento ao seu pedido, Albert apelou da decisão. Alegou, em primeiro lugar, que esta infringe o Artigo 33 da Lei de Bases de Hong Kong que confere aos cidadãos o direito à livre escolha da carreira; e, em segundo lugar, alegou que a Ordem não tinha apresentado razões válidas para sustentar a sua recusa.
Como o caso está a decorrer no Tribunal de Recurso de Hong Kong, é preferível não emitirmos opinião sobre as partes em litígio. Limitemo-nos a considerações de ordem geral.
As questões que mais preocupam as pessoas nestas matérias são os honorários dos advogados, pagos através de taxas de justiça, e a qualidade dos serviços legais. O direito de aprovar, ou rejeitar, o exercício de uma segunda profissão está reservado à Ordem. É fácil de entender que ninguém fica satisfeito se vir os seus rendimentos serem controlados por outrem. O rendimento de um advogado advém das taxas de justiça e de outras fontes. Se porventura o advogado não obtiver rendimentos suficientes de outras fontes, e não tiver fortuna pessoal, é-lhe difícil manter-se dignamente. Se a fonte de outros rendimentos for limitada, a probabilidade de o advogado aumentar os seus honorários é alta. Embora não tenhamos acesso a números que o provem, suspeitamos que esta é uma das razões para as taxas de justiça serem tão elevadas em Hong Kong.
Por outro lado, temos de respeitar a decisão tomada pela Ordem. É absolutamente correcto afirmar que a Ordem é o órgão apropriado para defender a reputação e a dignidade da profissão. Se esta não o fizer, quem o fará? Não há dúvida que exigir aos seus membros que mantenham a dignidade e elevados padrões de conduta profissional é uma atitude correcta. Os clientes só beneficiarão com isso e a qualidade do serviço é defendida.
É natural que a maior parte das pessoas queira taxas de justiça baixas e uma qualidade de serviço elevada. Desta forma um maior número poderá ter acesso à justiça. Contudo, taxas baixas podem lesar os interesses dos profissionais, até porque esta é uma carreira que exige muita dedicação. Rendimentos baixos nunca são desejáveis. O ideal será implementar-se taxas razoáveis de forma a contentar todas as partes envolvidas.
Será que a decisão da Ordem infringiu o direito à livre escolha de carreira? Esta é uma resposta que só pode ser dada pelo Tribunal, e não por nós. Esperemos pela sua decisão.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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26 Set 2016

Confissões

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]ecentemente, o website “yahoo” de Hong Kong divulgou uma notícia sobre a exposição “Confissões”, aberta ao público de 10 a 27 de Setembro. A exposição é organizada pela “Sociedade para o Planeamento da Comunidade” (SOCIETY), fundada há 40 anos com o objectivo de preservar os direitos e valores ancestrais da sociedade de Hong Kong.
O website da SOCIETY faz uma apresentação do historial da exposição, da qual extraímos alguns comentários:

“……A exposição é um projecto artístico focado nas declarações de detidos e de ex-detidos sobre o arrependimento”.

Quando pensamos em alguém que está, ou esteve, preso, a primeira coisa que nos ocorre é que essa pessoa cometeu um crime e que, por isso, é um transgressor. É frequente que os julguemos e que sobre eles criemos uma imagem estereotipada. Acabamos por reduzi-los ao crime que cometeram, em vez de os olharmos como seres humanos tão complexos como qualquer um de nós. O sistema de justiça criminal faz o mesmo ao focar-se nas suas, alegadas, más acções. É preciso que confessem os seus pecados; têm de admitir os seus crimes……”
Através destes tópicos, podemos verificar que o propósito da exposição é apresentar as verdadeiras histórias de vida de detidos e ex-detidos, e usar essas experiências para ajudar a reabilitar as pessoas actualmente encarceradas. Mas acima de tudo, lutar para que o público em geral possa ter uma melhor compreensão destas situações e, dessa forma, proporcionar de futuro mais oportunidades a quem se encontra actualmente preso. Pretende-se que a sociedade de Hong Kong possa vir a aceitar as pessoas que estiveram detidas, e que estas possam mais facilmente integrar-se e tornar-se seus membros activos.
De todos estes testemunhos destacam-se dois casos que vale a pena analisar. O primeiro é o de Wong Ting Hin, de 52 anos de idade. Quando tinha 15 anos Wong roubou um cheque de 70.000 HK dólares ao patrão. Foi preso. Na sequência da prisão, acabou por se tornar membro de uma tríade e por vir a cometer uma série de crimes; assaltos, contrabando, tráfico de droga e envolvimento no negócio da pornografia. No decurso destas actividades Wong acumulou 50 milhões de HK dólares, em troca de 10 anos de prisão.
Mais tarde, Wong foi detido e fez amizade com Yip Kai Foon. A alcunha de Yip era “O rei dos ladrões”. Esta alcunha foi-lhe atribuída quando efectou uma série de assaltos em Kwun Tong, Hong Kong. Empunhando uma espingarda “AK47”, conseguiu roubar, em apenas 10 minutos, cinco ourivesarias. O assalto a cada uma das ourivesarias durou em média dois minutos. Quando a polícia chegou ao local houve um tiroteio. Foram disparadas mais de 40 balas neste confronto. Mas, embora Yip tenha conseguido evadir-se na altura, acabou por ser detido em 2003.
Na prisão, Yip tentou convencer Wong a fugir com ele, mas Wong recusou-se porque acreditava que, mesmo que conseguissem evadir-se acabariam por ser apanhados. Não foi um procedimento incorrecto.
Em 2013, Wong cometeu mais um furto e voltou para a prisão. Teve de se separar de novo da mulher e do filho. Como não queria que o filho soubesse que estava preso, disse-lhe que era actor e que tinha vestido as roupas de prisioneiro para um filme. Também nos confessou que chorava todas as noites quando pensava na mulher e no filho. Foi nessa altura que decidiu nunca mais cometer nenhum crime. Wong disse-nos,
“Antigamente era rico, mas era infeliz. Agora sou pobre, mas sou muito feliz.”
O outro caso é o de Raymond, que cometeu um crime em 2001. Raymond era toxicodependente. Durante o julgamento percebeu-se que tinha uma perna infectada devido ao consumo de droga. O médico informou-o que, para lhe salvar a vida, teria de lhe amputar a perna. Raymond recusou-se a fazê-lo, e jurou a si próprio nunca mais se drogar. Acabou por ser bem-sucedido e trabalha actualmente na SOCIETY para ajudar outras pessoas a libertarem-se das drogas.
Raymond conhece bem os serviços de reabilitação das prisões de Hong Kong. Os prisioneiros têm a possibilidade de obter um bacharelato e recebem formação profissional. Também têm acesso a muitas liberdades. Por exemplo, Yip casou na prisão em 2003. Se os meus leitores ainda estão lembrados, em Janeiro de 2014, escrevi sobre Wong Yuk Long, também conhecido por Tony Wong. Tony tinha criado um império no mundo da banda desenhada. Contudo, devido à crise económica de 1987, as acções da sua empresa caíram de 4 HK dólares para apenas 1,18. Tony tinha também contraído enormes dívidas para financiar os seus múltiplos empreendimentos. Acabou por ser acusado de falsificação de documentos e condenado à prisão. Enquanto esteve preso Tony podia desenhar, mas não podia publicar o seu trabalho. Depois de ter sido libertado, voltou a reconstruir o seu império.
Podemos assim concluir que os serviços de reabilitação, as liberdades e as condições dadas aos prisioneiros, são factores vitais para o arrependimento e para a mudança nas suas vidas. Esperamos também que a sociedade de Hong Kong venha a aceitar os ex-detidos e a permitir que possam integrar-se em pleno, encontrando trabalho para o qual tenham qualificações.
Quando este artigo for publicado, o Festival do Meio do Outono já terá passado. Espero, pois, que os meus leitores tenham tido um bom Festival do Meio do Outono.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
19 Set 2016

Duterte, das “boas” intenções às más respostas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada Rodrigo Duterte, Presidente das Filipinas, fez notícia quando chamou a Obama “filho da p…” a Barack Obama. Esta “intervenção” de Duterte levou ao cancelamento do encontro agendado entre os dois Chefes de Estado.
Como expliquei no artigo publicado há duas semanas (ver “De boas intenções está o inferno cheio”), desde que Duterte assumiu a Presidência das Filipinas tem vindo a incentivar a população a matar os traficantes de droga de forma sumária. Até ao momento, cerca de 2.400 pessoas foram mortas. Estes acontecimentos chamaram a atenção de diversos países, entre eles os EUA, e das Nações Unidas. Antes da cimeira da ANSEA, em declarações aos jornalistas, Duterte afirmou ser o chefe de um País soberano que só prestava contas ao seu próprio povo.
Adiantou que Obama o deveria respeitar e parar com as perguntas sobre estas mortes, e acrescentou:
“filho da p…, vou-te amaldiçoar na reunião.”
Mais tarde, o governo filipino apresentou desculpas a Obama e dois dos seus representantes deram uma conferência de imprensa.
Mas recapitulemos, a quantidade de droga que se encontra na posse de um traficante e de um consumidor é necessariamente diferente. Uma das funções do julgamento é determinar com precisão a quantidade de droga apreendida, e a partir daí decidir se o réu é traficante ou um simples consumidor. Consoante o caso a sentença deverá divergir, sendo obviamente mais pesada para tráfico do que para consumo. Sabemos que existem casos de traficantes de droga condenados à pena capital, mas é raro ouvir-se falar de consumidores condenados à morte.
Sem julgamento é impossível determinar com precisão se estamos perante um ou outro caso. Donde resulta que os filipinos ficam a depender apenas do julgamento feito pela polícia. Seja o julgamento objectivo ou subjectivo, a população não tem outro remédio senão acatá-lo. Se a polícia tiver razão será morto um traficante. Mas se não for o caso? Então será apenas uma execução ilegal. Para além disso, mesmo os traficantes podem ter em sua posse quantidades de droga muito diferentes. Deverá também um pequeno traficante ser condenado à pena de morte? Não existirá diferença entre alguém que é apanhado com uma pequena quantidade de droga e quem é apanhado com uma enorme quantidade? As pistolas da polícia não podem ser a resposta a estas perguntas.
Podemos ler na “Wikipedia” que Duterte era advogado. Não deve um advogado tomar medidas para que não ocorram execuções ilegais ou suspeitas?
A posição de Obama e das Nações Unidas reflecte as preocupações internacionais sobre esta matéria. Defendem que se deve esclarecer, e mesmo parar, estas execuções suspeitas nas Filipinas. As declarações exaltadas de Duterte provam que não tem intenção de obedecer. Recorre ainda à defesa da soberania para apoiar a sua decisão.
Ao abrigo da lei internacional, cujo órgão máximo é as Nações Unidas, um País não tem permissão de interferir nos assuntos internos de outro. Mas execuções ilegais continuadas, podem extravasar os limites dos assuntos internos.
Existem muitos canais diplomáticos entre os EUA e as Filipinas. Se efectivamente Duterte não quiser discutir os assuntos internos das Filipinas com Obama, pode recusar-se por via diplomática. Gritar e insultar o Presidente de outro País é um procedimento incorrecto. É o suficiente para criar perturbações no relacionamento entre dois países. Em resposta aos insultos, Obama cancelou o encontro que estava agendado para breve entre os dois. Mas se Obama interpretar estas declarações como uma ofensa à América, Duterte acaba de dar início a confusões desnecessárias.
E é evidente que a opinião pública internacional apoia Obama e condena Duterte.
Lembremo-nos que em Agosto Duterte tinha afirmado,
“É possível que venhamos a sair das Nações Unidas.”
Se isto se vier a verificar as Filipinas ficarão isoladas, entregues a si próprias. Será uma boa escolha? A resposta é óbvia. Sem a cooperação de outros países, as perspectivas das Filipinas serão muito fracas. Se esta medida for por diante o País vai sofrer.
De qualquer forma, foi bom saber que Duterte acabou por pedir desculpa a Obama. Depois disso tiveram uma reunião informal. A discussão entre os dois países está suspensa e, para já, as Filipinas não enfrentam o isolamento internacional. Mas Duterte tem de se esforçar bastante para melhorar a sua imagem.

Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
12 Set 2016

Amor e adversidade

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stou a escrever este artigo sexta-feira, 26 de Agosto. Há pouco mais de duas semanas, mais precisamente a 10 de Agosto – 7 de Julho, segundo o calendário chinês – comemorámos o “Dia dos Namorados” na China. Existem, como é sabido, diferenças entre os dois calendários e 2016 é o Ano do Macaco.
O Dia dos Namorados na China celebra-se nesta data, por causa de uma história que se passou há 2.600 anos atrás. Mas vejamos o que a Wikipédia tem a dizer sobre o assunto:
“A lenda é sobre a paixão de Zhin (織女) e de Niulang (牛郎). Era um amor proibido e, por isso, foram separados e enviados para margens diferentes do Rio da Prata. Uma vez por ano, no sétimo dia do sétimo mês lunar, um bando de gansos formava uma ponte e os dois amantes podiam reunir-se por um dia.”
Zhin era deusa e fiandeira. Niuland era humano e guardador de gado. O amor entre deuses e humanos não é permitido. Quando se apaixonaram, o rei dos deuses castigou-os. Como tivessem persistido e não temessem o castigo, o rei divino acabou por consentir no casamento.
Mas a tragédia ocorre depois do casamento. Zhin e Niuland, entregues à paixão, acabaram por descurar as suas obrigações. A qualidade dos tecidos fabricados por Zhin decaiu grandemente e o gado à responsabilidade de Niuland fugia. Perante esta situação o rei decidiu que só se veriam uma vez por ano, a 7 de Julho.
Este foi sem dúvida um castigo cruel que lhes trouxe infelicidade. Mas existem outros casais que podem estar juntos todos os dias e que mesmo assim são infelizes.
Chu Chun Kwok era agente da polícia. Há alguns anos atrás, no dia 19 de Julho de 2005, patrulhava a Po On Road, em Cheung Sha Wan, Hong Kong, quando foi atacado com uma faca que lhe cortou uma artéria do pescoço. O ataque aconteceu na sequência do controlo de identidade de Liu Chi Yung, suspeito de tentativa de roubo. Chu caiu de imediato, a esvair-se em sangue. Uma pessoa que ia a passar conseguiu dar o alerta que lhe salvou a vida. Mas Chu entrou em coma, devido à perda massiva de sangue, e está em estado vegetativo desde essa altura. Não pode falar, nem se pode mover, resta-lhe jazer na cama do hospital. Segundo os médicos as possibilidades de recuperação são ínfimas.
Após o acidente, Choi Yin Ping, a mulher de Chu, vai todos os dias ao hospital cuidar do marido. Ajuda na higiene, na alimentação e na fisioterapia a que Chu é submetido para evitar atrofia muscular. Este caso voltou a ser notícia porque Choi chegou finalmente a acordo com o Governo de Hong Kong. Choi tinha processado o governo regional bem como o atacante. Exigia uma indeminização, mas o governo recusava-se a conceder-lha, à semelhança de Liu Chi Yung que alegou falência. Quando finalmente se chegou a um acordo, Choi declarou,
“Posso voltar à minha vida normal. Já não tenho de travar esta batalha.”
Embora Chu tenha sofrido ferimentos muitos graves, o Tribunal só o condenou Liu a 10 anos de prisão. Independentemente da justeza da sentença, há outro aspecto a salientar. Liu foi posto em liberdade condicional em 2011. Ou seja, só cumpriu seis anos de prisão, tendo ficado em regime de liberdade condicionada desde 2011.
A questão é simples, mas vale a pena analisar o contexto. O objectivo da lei criminal é manter a justiça. Assim que o réu é condenado o caso fica encerrado. Nem a vítima, nem os seus familiares, devem procurar vingança contra o réu. A lei previne o ajuste de contas.
A liberdade condicional é um instrumento do sistema legal. Permite que o condenado saia da prisão, sob certas condições, e ajuda a impedir a sobrelotação das prisões. É também um incentivo para que o prisioneiro tenha um bom comportamento enquanto está detido. Ajuda a diminuir o grau de dificuldade na gestão das prisões. Do ponto de vista social, é uma boa medida.
Liu nunca mais cometeu nenhum crime depois de ser libertado. Mas não tem dinheiro para indemnizar Chu. No entanto, desde o ataque Chu tem permanecido no hospital. As hipóteses de recuperação são praticamente nulas. Parece-vos que uma pena de cinco a seis anos tenha sido justa face à situação que criou a Chu? A resposta é óbvia. Não é de admirar que a mãe e a mulher de Chu afirmem,“nunca o perdoaremos.”
Embora possamos não concordar com o sistema legal, temos de lhe obedecer. Todos os sistemas têm prós e contras, não são perfeitos. Os familiares de Chu continuam muito revoltados, mas não há nada que possam fazer.
Mas podemos olhar para esta história de outro ângulo. Desde que Chu foi atacado Choi nunca o abandonou, continua a amá-lo apesar da sua situação. O grande amor que os liga aquece-nos a alma.
A atitude de Choi faz-me relembrar o verdadeiro significado do casamento. O padre pede que o casal prometa fidelidade e dedicação um ao outro, independentemente das adversidades que possam surgir nas suas vidas, deverão permanecer unidos. Chu e Choi continuam juntos. Mantiveram a sua promessa. E Choi tem permanecido fiel nesta situação tão difícil em que se encontra desde 2005. Embora o Dia dos Namorados na China já tenha passado, congratulemos Chu e Choi, e façamo-los sentir que apreciamos o seu amor.
“Feliz Dia dos Namorados.”
Rezemos por Chu, pedindo a Deus que o abençoe e o ajude a recuperar o mais depressa possível.

Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
5 Set 2016

De boas intenções está o inferno cheio

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]website “https://www.thenewslens.com/article/47136” publicou recentemente um artigo sobre o Presidente filipino, Rodrigo Duterte.
Duterte tinha prometido combater o crime nas Filipinas, em particular, o tráfico e consumo de drogas. Desde essa altura já morreram 1.054 pessoas suspeitas de envolvimento nestas actividades. Foram todas condenadas sem julgamento.
Mas Duterte foi ainda mais longe. Autorizou os cidadãos a lincharem qualquer pessoa que seja suspeita de tráfico de droga. Calcula-se que cerca de 600 pessoas tenham sido mortas pela polícia e cerca de 400 pelos vigilantes.
Estes acontecimentos originaram uma grande polémica a nível internacional. Em Junho, Ban Ki-moon, Secretário das Nações Unidas, condenou esta onda de execuções sumárias.
A intenção de Duterte é boa, quer reduzir o crime e, nesse aspecto, deve ser apoiado pelos filipinos. Contudo, é importante compreender que existe uma diferença quanto ao estatuto do suspeito, antes e depois do julgamento
Na presença de um crime, a polícia é responsável pela investigação. Durante este processo procura determinar os factos e recolher provas que sirvam a acusação. Qualquer pessoa que seja suspeita de ter cometido um crime fica sob investigação criminal. Se for acusado, torna-se réu e será levado a Tribunal. Durante o julgamento, se houver provas suficientes, será considerado culpado. O tribunal condená-lo-á a uma pena de prisão ou a uma multa, conforme o caso. O objectivo do julgamento é garantir que existem provas suficientes da culpabilidade do suspeito.
Sem este procedimento legal nunca haverá maneira de determinar a consistência das acusações. O que se está a passar nas Filipinas levanta precisamente esse problema, sem julgamento não se pode saber em absoluto se existe fundamento nas acusações. Estes procedimentos sumários geram resultados dúbios. É natural que as pessoas se interroguem sobre a existência de provas que justifiquem a acusação.
Existe, para além disso, outra questão que se prende com a quantidade de droga na posse do suspeito. A quantidade poderá determinar se estamos em presença de um traficante ou de um simples consumidor. A pena deve ser diferente num caso e no outro. Os traficantes deverão, obviamente, ter uma pena maior.
Sem julgamento como é possível determinar a quantidade de droga que o suspeito tinha em sua posse? Deverá um consumidor sofrer uma pena tão pesada como um traficante?
Para governar um País é necessário recorrer à Lei. Sem a Lei não é possível estabelecer padrões de comportamento, nem para os cidadãos, nem para o Governo. Executar um suspeito sem julgamento é um assassinato. Se um País recorrer ao assassínio para lutar contra o crime, deixa de se perceber a diferença entre os criminosos e quem os combate. Estas mortes provam que o estado de direito não está em vigor nas Filipinas. É lamentável que um País recorra a linchamentos, e não à Lei, para resolver os seus problemas.
É, portanto, compreensível que Ban tenha acusado Duterte de ter cometido “um atentado ilegal aos direitos e à liberdade dos réus”.
É evidente que qualquer processo criminal está dependente das leis de cada País e é, para além disso, um assunto interno. À partida, os outros Países não se devem ingerir. No entanto, perante assassinatos continuados, já o caso muda de figura. Até ao momento já foram mortas 1.054 pessoas. Quantas poderão ainda vir a sê-lo? Esta é a preocupação das Nações Unidas.
Mas Duterte tem outra opinião. Respondeu que só tinham morrido 1.000 pessoas e que era incorrecto as Nações Unidas interferirem nos assuntos internos das Filipinas. Afirmou ainda que as declarações de Ban tinham sido “muito estúpidas”. Preveniu também os observadores de direitos humanos estrangeiros para “não nos investigarem como se fossemos criminosos!”.
Estas declarações foram a resposta de Duterte à Nações Unidas e as execuções sem julgamento vão continuar a acontecer. Com estas afirmações Duterte só aumenta o clima de tensão entre o seu País e as Nações Unidas e demonstra que não compreende bem a natureza das funções da ONU. Nada disto é bom para as Filipinas.
A intenção de Duterte é boa. Quer acabar com o crime nas Filipinas, e tomou medidas nesse sentido. Mas ignorou os meios correctos para atingir esse objectivo. Executar um suspeito sem julgamento é o mesmo que cometer um assassinato. Os assassinatos continuados chamaram a atenção das Nações Unidas. Quando um caso é discutido pela ONU torna-se um caso internacional. Aconteça a o que acontecer, as Filipinas vão sair sempre a perder. Talvez ninguém acreditasse que um assunto desta natureza pudesse ser tão sério. As boas intenções de Duterte, não podem mudar a sua imagem a nível internacional.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

29 Ago 2016

A “evasão” dos bombeiros

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 13 o “Yahoo” publicou uma notícia sobre a evasão de 12 estudantes da Academia dos Serviços de Ambulâncias e Incêndios (uma escola sob a alçada do Departamento dos Serviços de Incêndios de Hong Kong, organismo dependente do Governo da RAEHK, responsável pela formação de bombeiros). A surtida deu-se durante a cerimónia de formatura e, aparentemente, aconteceu porque os estudantes quiseram sair para entregar convites aos familiares. Inicialmente a Academia apenas entregava três bilhetes a cada estudante. Mas no dia 11, por volta das 16:30, decidiu entregar mais dois a cada um deles.
Os estudantes estavam divididos em dois grupos para a cerimónia de formatura, que se realizou no dia 12. Na véspera, um dos grupos ficou na Academia até às 22:30 e o outro passou lá a noite. O problema aconteceu com este último grupo. Cerca de 50 estudantes evadiram-se e passaram ingressos para a cerimónia a familiares.
Por volta das 20:30, os responsáveis da Academia convocaram de surpresa todos os estudantes, para verificar as presenças. O artigo referia que apenas 20 se apresentaram de imediato. Cerca de 18 estudantes pediram a outros colegas que se apresentassem na vez deles e 11, ou 12, não compareceram à chamada. Existem rumores de que estes últimos serão expulsos após processo disciplinar. Mas há quem diga que serão eles a apresentar a demissão, para não “manchar” o seu cadastro escolar e não virem a prejudicar uma carreira ao serviço do Governo de Hong Kong.
E porque é que os estudantes se “evadiram”? O artigo do “Yahoo” explicava que antigamente não existia limite de bilhetes para as cerimónias de formatura, os estudantes podiam convidar quantas pessoas quisessem. Mas este ano a Academia anunciou inicialmente que cada estudante só tinha direito a três convites. Posteriormente esse número foi alargado para cinco.
O “Yahoo” também ventilava que no momento em que os estudantes receberam os convites lhes terá sido dito para os entregarem como melhor entendessem.
A partir destas declarações os estudantes assumiram que tinham consentimento da administração para se ausentarem. Foi talvez este facto que determinou a sua saída.
O desaparecimento dos jovens foi reportado por um dos funcionários, cujo filho também frequenta a Academia. Por ter acesso privilegiado às camaratas este funcionário costumava visitar o filho, o que desagradava aos outros estudantes pois sentiam que ele tinha um tratamento diferenciado.
Até ao momento, não existe mais informação sobre o assunto.
Esta história serve de lição para todos os estudantes que se preparem para servir as forças da ordem. É evidente que não se pode justificar uma evasão com o desejo de entregar convites a familiares. Alguns bombeiros seniores defenderam este ponto de vista, explicando a necessidade de os estudantes compreenderem que não se pode abandonar o posto sem autorização, sob risco de poder colocar as populações em perigo em caso de emergência.
Mas temos de tentar perceber o lado dos estudantes. Num outro site de Hong Kong, o “orientaldaily.on.cc”, escrevia-se que esta cerimónia era a última oportunidade de a Academia poder contar com a presença do Comissário dos Serviços de Incêndios, o Sr. Lai Man Hin. Para não perturbar a ocasião, os alunos que se tinham evadido deveriam estar presentes. Os estudantes não concordaram com este procedimento.
No entanto, devemos interpretar o caso de duas maneiras. Os preparativos de uma cerimónia deste género podem necessitar de ser melhorados. O alargamento dos convites à última hora, de três para cinco, pode ter sido inapropriado. Não é tanto a questão de se dar mais dois convites a cada estudante, mais sim, do tempo que precisaram para os passar aos convidados, e da disponibilidade destes para estarem presentes. A maior parte das pessoas não dá atenção a estes pormenores.
Devem também ser consideradas as declarações da administração da Academia. A ser verdade que foi dito aos estudantes que “entregassem os convites como melhor entendessem”, o facto de terem muito pouco tempo para os passarem à família poderá ter criado um mal-entendido. Se estes estudantes forem sujeitos a uma acção disciplinar, estas declarações e a própria organização da cerimónia de formatura devem ser debatidas. De outra forma, será injusto para os estudantes.
Independentemente do que se vier a decidir sobre o destino destes 12 jovens, do ponto de vista social, Hong Kong sai sempre a perder. Para formar um bombeiro, o Governo de Hong Kong tem de investir 400.000 HK dólares. Se forem expulsos 12 estudantes, desperdiçaram-se cerca de 5 milhões de HK dólares. Será que vale a pena? Quem tiver de lidar com este caso deve ter em consideração os interesses dos alunos evadidos, a deficiente organização da cerimónia de formatura, a veracidade da declaração que provocou o mal-entendido e, finalmente, o interesse público. Não vai ser tarefa fácil.

22 Ago 2016

Striptease e outras inconveniências no Tribunal

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]ste fim de semana o “Yahoo” deu destaque a um caso ocorrido no Tribunal de Recurso de Hong Kong. Uma mulher da China continental tinha apresentado um recurso alegando que a Administração do Tribunal de 2ª Instância não tinha dado seguimento ao seu caso.
Antes da queixosa dar entrada na sala do Tribunal, dois seguranças pretenderam revistá-la, situação que muito a revoltou. De repente, tirou as calças, começou aos gritos e, em seguida, viu-se livre de toda a roupa interior, voltando a gritar, “procurem, procurem.”
Os seguranças interromperam de imediato a inspecção e pediram a ajuda da polícia. Os agentes recolheram os dados da queixosa e foram-se embora.
Três juízes do Tribunal de Recurso presenciaram este caso e apresentarão posteriormente o seu parecer por escrito.
A administração do Tribunal não explicou porque é que tinha destacado dois seguranças para revistar a mulher. No entanto, da última vez que se tinha apresentado em audiência, esta mulher tinha atirado dois ovos a um juiz por ter ficado insatisfeita com a decisão do Tribunal.
Por causa desta acção, foi acusada de agressão simples (que não envolve o uso de armas, nem implica ofensas corporais) e acabou por ser presa durante quatro semanas. Esta interposição de recurso, foi o primeiro caso legal em que esteve envolvida depois de sair da prisão.
A notícia não é grande novidade, no entanto os seus efeitos são significativos. Despir-se em Tribunal e desatar aos gritos à entrada de uma sala de audiências é um comportamento incorrecto. Não fica bem a gente civilizada. O Tribunal é um local que se destina a resolver questões legais. Não é local para gritarias e desacatos. Estes comportamentos criam pressão sobre o juiz. Alguém pode pensar que a decisão de um juiz nestas circunstâncias será justa e imparcial?
É preciso não esquecer que num Tribunal se efectuam muitas e diferentes audiências. Os desacatos perturbam também outras salas. Não é aceitável que juízes tomem decisões quando não conseguem ouvir claramente todos os intervenientes. Este comportamento pode afectar de forma indirecta outros julgamentos.
Atirar ovos a um juiz é outra forma completamente inaceitável de agir. Se todas as pessoas que ficam descontentes com as decisões do Tribunal, decidissem agredir os juízes, como é que estes se sentiriam à vontade para entrar numa sala de audiências e proferir um julgamento? A agressão só levaria a que os magistrados não comparecessem em Tribunal, não levaria à resolução na contenda. E se ninguém quisesse ser juiz, o que acontecia à nossa sociedade?
Só podemos concluir que este tipo de comportamento prejudica gravemente o Estado de Direito. Se estes desacatos imperassem, íamos todos sofrer com isso. A confiança no sistema legal seria completamente destruída.
É compreensível, e até expectável, que uma pessoa que fica insatisfeita com uma decisão do Tribunal se manifeste. Mas essa insatisfação não pode ser levada à sala de audiências e exercer pressão sobre o juiz. Este comportamento afecta as decisões dos magistrados e acaba por ser nocivo para todos.
Como já referi, este tipo de desacatos não são novidade em Hong Kong. Já vimos muitas pessoas descontentes com decisões do tribunal a protestar e a gritar junto à sala de audiências. É um sinal das mudanças na nossa sociedade. Antigamente, quando uma sentença era proferida, toda a gente a acatava. Quer se concordasse, quer se discordasse, o caso terminava aí. Esta era, não só uma forma de mostrar respeito pelo Tribunal, mas também de manter o Estado de Direito.
Mas actualmente, quem perde o caso põe-se aos gritos, protesta ou usa a força, para demonstrar a sua insatisfação. Este fenómeno demonstra que existem conflitos sérios na sociedade de Hong Kong. O julgamento pode resolver a contenda, não pode solucionar os problemas que lhe são subjacentes.
Em termos sociais, é inaceitável qualquer caso de agressão a um juiz. A curto prazo, a manutenção do Estado de Direito será possivelmente uma das prioridades do Governo de Hong Kong.

*Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

15 Ago 2016

Ao trabalho… nem tudo o vento levou

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á alguns dias o tufão Nida passou por Macau. O Nida recebeu sinal 8 em Hong Kong, e sinal 3 em Macau. Felizmente em Macau não provocou danos dignos de monta.
Mas a “visita” do tufão levantou uma questão que passamos a analisar. Prende-se com questões laborais e leva-nos a reflectir sobre os horários de trabalho. É evidente que este assunto não é novidade para ninguém. O tufão Nida era potencialmente muito devastador. Inicialmente em Hong Kong temeu-se que pudesse chegar ao grau 10. Em Macau foram tomadas medidas para preparar a sua vinda. Como acabou por se perceber que aqui a tempestade não passaria do grau 3, os horários de trabalho acabaram por não ser alterados. No entanto a questão mantém-se. Que horário laboral deve ser considerado durante um alerta de tufão de grau 8 ou superior?
Sobre este assunto a Lei de Trabalho não se pronuncia. A nossa lei laboral não faz qualquer referência a procedimentos em caso de tufões fortes. No site da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais menciona-se que, em situação de tufão de sinal 8 ou superior, a entidade patronal e os trabalhadores devem chegar a um acordo.
Na medida em que a lei não regula sobre esta matéria é importante que os contratos de trabalho feitos em Macau a tenham em consideração. É preciso não esquecer que aqui muita gente trabalha na área de serviços e, parece praticamente impossível, dispensar todos estes trabalhadores se passar um tufão muito forte. Poderia haver consequências muito negativas em termos sociais. Mas a ausência de qualquer legislação sobre este assunto também não é justa para os trabalhadores. Em situações deste género é perigoso sair de casa, as pessoas sujeitam-se a ter acidentes.
O site da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais adianta ainda que numa situação de tufão de sinal 8 ou superior, a empresa que solicite os serviços dos funcionários é obrigada a fazer um seguro de trabalho. O estipulado pela lei 40/95/M não deixa dúvidas. No caso de uma pessoa se deslocar para o trabalho durante a ocorrência de um tufão de sinal 8 ou superior, qualquer acidente que sofra nas três horas que antecedem a sua chegada ao serviço, ou nas três horas após a sua saída, será tratado como um acidente de trabalho. Caso o acidente se verifique, a empresa deverá comunicá-lo ao Departamento Laboral de Macau, no período máximo de 24 horas, e o empregado pode receber uma compensação por cada duas semanas que fique impossibilitado de trabalhar. O seguro de trabalho garante protecção para os períodos de deslocação entre a casa e o trabalho. Se este seguro não tiver sido feito, então será a empresa a responsável pelas indemnizações e ainda será penalizada. Terá de pagar uma multa de 5.000 patacas por empregado.
Este enunciado parece ser bastante claro, mas na prática não o é. Imaginemos que o empregador ignora estas instruções. Que posição deve tomar o empregado?
É evidente que o empregador deve assumir a responsabilidade caso haja um acidente de trabalho. Como atrás referimos, a entidade patronal será punida se o seguro não cobrir acidentes de trabalho. Para além disso, não parece existir mais nenhuma medida que proteja efectivamente o funcionário. Pedir aos empregados que negoceiem com os patrões em casos desta natureza não tem qualquer efeito, já que, se houver um acidente, este será coberto pelo seguro que terá obrigatoriamente de incluir acidentes de trabalho. Desta forma, o patrão tem legitimidade para continuar a exigir que o empregado trabalhe mesmo que haja um tufão muito forte. Para além disso, as pessoas precisam do emprego mais do que os patrões precisam delas. O poder negocial dos empregados é inferior ao dos patrões.
Na verdade, é não seguro ir trabalhar em presença de um forte tufão. Caso se dê algum acidente, mesmo que o seguro garanta uma compensação monetária, a pessoa continua a sofrer os danos físicos causados. Se perdermos dinheiro, podemos trabalhar mais afincadamente, e voltar a ganhá-lo. Mas se sofrermos danos físicos, por exemplo, se perdermos uma perna num acidente de trabalho, não a podemos recuperar mesmo que nos paguem um milhão de dólares. É o tipo de perda que não pode ser compensada por dinheiro nenhum deste mundo.
Tendo tudo isto em consideração, concluímos que é melhor para todos pensar-se num método que estabeleça um equilíbrio entre os interesses dos patrões e dos empregados em situações de catástrofe iminente. Já que é dever do empregador accionar um seguro que cubra acidentes de trabalho, o melhor a fazer é informar o empregado sobre todos os pormenores do contrato com a seguradora. Por exemplo, o funcionário deve ficar a conhecer todas as circunstâncias que não são cobertas pelo seguro. O empregado também deve ter conhecimento se houver alteração de seguradora.
Se algumas pessoas forem obrigadas a trabalhar mesmo sob condições atmosféricas muito adversas, é aconselhável que a nossa lei de trabalho estipule que o contrato laboral deve incluir todas estas condições. Devem ser mencionadas obrigatoriamente, à semelhança do nome do trabalhador e do salário que vai auferir. Porque que não usar a mesma lógica para regular as condições laborais em caso de tufão forte?
Para além disso deveria ser dado às pessoas o direito de não sair de casa, ou do local de trabalho, se as condições atmosféricas forem particularmente violentas, isto se entidade patronal não tiver um seguro que cubra acidentes de trabalho. O direito de nos recusarmos a trabalhar é mais importante do que as compensações monetárias. Ninguém em seu perfeito juízo troca a integridade física por dinheiro.

* Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau

8 Ago 2016

O preço da longevidade

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]26 de Julho o website “yahoo” de Hong Kong fez saber que a longevidade dos habitantes desta cidade acabou de ultrapassar a dos japoneses, tendo-se tornado a maior do mundo inteiro.
A esperança média de vida dos homens de Hong Kong é actualmente de 81,24 anos, e a das mulheres de 87,32, enquanto no Japão os homens esperam viver 80,79 anos e as mulheres 87,05.
Tradicionalmente a China defende o conceito de longevidade. Os chineses acreditam que uma vida longa é um bem para o próprio e para a sua família. O homem mais velho de uma família chinesa é considerado o seu líder, e a sua experiência de vida é altamente reconhecida pela sociedade em geral. Um provérbio chinês demonstra bem o que acabou de ser dito: “A família guarda os seus anciãos como guardaria um tesouro”. Neste caso o tesouro equivale à experiência de vida.
Em chinês, “longevidade” diz-se “Chang Ming”. Antigamente usavam-se diversos métodos para prolongar a vida. Entre os quais se salientava a nutrição. Sobre este assunto, a “Wikipedia” diz o seguinte,
“A base da Chang Ming é a alimentação natural, consumir alimentos orgânicos e sazonais, cultivados sem recurso a fertilizantes ou pesticidas, que não contenham aditivos químicos e que provenham de explorações locais. Devem ser evitados alimentos refinados e processados e o tempo de cozedura deverá ser o mínimo possível, para que mantenham todas as propriedades nutritivas.”
Podemos entender que o conceito de “longevidade” é há muito acarinhado na China. É sem dúvida benéfico individualmente, mas pode ser prejudicial em termos sociais.
E porquê? Por uma razão simples. Passo a explicar, alguém que viva bastante vai sem dúvida chegar à idade da reforma, ou seja, 65 anos. Tem a opção de deixar de trabalhar, ou passar a trabalhar apenas em part-time. De qualquer forma, nesse período, o mais importante será desfrutar da vida familiar. É sabido que a maioria dos países garante aos idosos um fundo de reforma. De uma forma geral, o único requisito para beneficiar desse fundo é a idade. Se a maioria dos idosos se candidatar a esse fundo de reforma, o peso financeiro será enorme. Implicará também que os contribuintes terão encargos financeiros muito maiores. Se a maior fatia do orçamento do Governo for gasta nos fundos de reforma, como é que vai ter capacidade para fazer frente a todas as outras responsabilidades? As consequências podem vir a ser muito graves. É por este motivo que a longevidade pode ser um bem em termos individuais, mas prejudicial em termos colectivos. Passa-se um pouco o mesmo com as poupanças. Se puser o dinheiro no banco, poupa-o. É bom para si. Mas o seu consumo vai diminuir, logo o desenvolvimento económico abranda, donde ser prejudicial para a sociedade como um todo.
Hong Kong sofre actualmente de um grave problema populacional. O comunicado de imprensa “Projecções Demográficas para Hong Kong de 2015 a 2064” emitido a 25 de Setembro de 2015, pelo Comissário dos Censos e Estatísticas, o Sr. Leslie Tang, dizia o seguinte,
“De uma forma geral, a taxa de fertilidade em Hong Kong tem vindo a decrescer ao longo das duas últimas décadas. A taxa de nascimentos em Hong Kong – o número de crianças nascidas vivas, que cada 1.000 mulheres dão à luz ao longo da sua vida – tem estado sistematicamente abaixo do nível de reposição da população, número esse que deveria ser de 2.001 crianças. Baixou de 1.355 nascimentos por 1.000 mulheres em 1994, para o histórico número de 901 nascimentos em cada 1.000 mulheres, em 2003. Nos últimos anos estes valores recuperaram, tendo chegado em 2014 a 1.234 nascimentos em cada 1.000 mulheres. Nas projecções sobre fertilidade há vários factores a ter em conta, como a percentagem de mulheres casadas, níveis de fertilidade do casal e ainda as crianças nascidas em Hong Kong, filhas de mulheres do continente. Projecta-se que a taxa de fertilidade vá baixando gradualmente, passando do valor registado em 2014 de 1.234 nascimentos por 1.000 mulheres para 1.182 em 2064.”
“Entre 1994 e 2014, Hong Kong tem registado um constante declínio na taxa de mortalidade, que se traduz num aumento da esperança de vida. Em 2014, a esperança média de vida para os homens era de 81,2 anos e para as mulheres de 86,9. Em comparação com outras zonas, Hong Kong regista uma taxa de mortalidade bastante baixa. Em 2064, acredita-se que a esperança média de vida aumente para os 87 anos, no caso dos homens, e para os 92,5 para as mulheres. Projecta-se que o número de mortes anuais aumente das actuais 45.400, para 97.600 em 2064. O aumento das mortes irá dever-se principalmente ao crescimento da percentagem de idosos que se registará nessa altura.”
Verificámos através destas declarações, que a taxa de fertilidade baixou para níveis históricos em 2003. Um dos principais motivos deste fenómeno foi a propagação do vírus responsável pelo Síndrome Respiratório Agudo Grave. Nesse período as mulheres tinham medo de engravidar. No entanto o número de idosos cresce de ano para ano.
Estes números mostram claramente que é urgente que o Governo tenha um plano financeiro muito bem organizado para dar resposta à questão do aumento da população idosa. O sistema de segurança social e o fundo de reformas são essenciais nesta situação. No entanto é necessário capitalizá-los. Dado que o orçamento do Governo de Hong Kong é muito limitado, é necessário criar soluções a longo prazo para dar resposta adequada ao problema.
A população de Macau é muito menor do que a de Hong Kong e, nos últimos anos, os lucros provenientes da indústria do jogo foram altos. Estes dois aspectos contribuíram para a construção de um bom sistema de segurança social. Neste sentido, Hong Kong deve aprender com a experiência de Macau, é necessário que haja avanços.

*Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

1 Ago 2016

Desistir da independência

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]sta semana as atenções dos media têm-se focado na nova medida a que ficarão sujeitos os futuros candidatos ao Conselho Legislativo de Hong Kong A partir de agora, quem se quiser candidatar a este Conselho terá de assinar previamente um documento onde são mencionados diversos artigos da Lei Básica de Hong Kong, em especial, o que consagra Hong Kong como parte inalienável da China. O objectivo desta nova disposição é bastante claro. Pode vir a ser utilizado para barrar as candidaturas de quem estiver a favor da independência de Hong Kong.
Será esta medida legítima? O Presidente do Conselho Legislativo, Jasper Tsang Yok-sing, afirmou a semana passada em declarações ao South China Morning, “Os candidatos ao Conselho já estavam legalmente vinculados à Lei Básica, mesmo antes de estarem sujeitos à assinatura deste documento adicional.
Com esta medida o que o Governo pretende é apenas salientar alguns artigos da Lei Básica a que os candidatos terão de prestar especial atenção, antecipando a possibilidade de alguns deles se poderem bater por valores que não sejam compatíveis com o que está disposto na Lei.”
Questionado sobre o que virá a acontecer em caso de recusa por parte dos candidatos, Tsang esclarece, “Após a reunificação, o Conselho Legislativo passou a ser o representante da Região Administrativa Especial de Hong Kong, da República Popular da China. Não podemos encarar como inimigos os que não partilham das nossas opiniões políticas. Mas, penso que quem não quiser reconhecer que Hong Kong faz parte da China, não tem condições para se candidatar. Os potenciais candidatos que não reconheçam esta realidade devem reconsiderar a sua candidatura.”
As declarações de Tsang não deixam margem para dúvidas. É dever de todos os cidadãos defender e obedecer à Lei Básica de Hong Kong. Todos temos de concordar que Hong Kong é parte inalienável da China.
No entanto é pertinente perguntar porque é que o Governo não levanta um processo de acusação contra quem defende a independência de Hong Kong? De acordo com o actual sistema jurídico vigente em Hong Kong, só os Tribunais têm poder de condenar o réu e não o Governo. Depois de ser considerado culpado será eventualmente preso. Por tradição, em Hong Kong existe liberdade de expressão. Por este motivo, se o Governo de Hong Kong mover um processo a quem apenas defende a independência do território, pode vir a ser severamente criticado e o acto interpretado como um atentado à liberdade de expressão. Citando Tsang, “em Hong Kong, não podemos encarar como inimigos os que não partilham das nossas opiniões políticas”.
O outro motivo que impede o Governo de Hong Kong de mover um processo aos defensores da independência prende-se com a definição jurídica de delito criminal. Em Hong Kong, cada delito criminal é composto por dois elementos, a saber, intenção criminosa e acto criminoso. Perante o que foi dito, é fácil provar a intenção criminosa de quem defende publicamente a independência do território. Contudo, quanto ao acto criminoso já o caso muda de figura. Neste caso o crime necessita do acto. Por exemplo, numa situação de roubo é necessário reunir provas que demonstrem que alguém subtraiu os bens de outrem, ficando com eles em sua posse. Ou seja, que o acto foi efectivado. Perante estes dados, percebemos que o facto de defender a independência, só por si, não a efectiva, logo o acto criminoso não pode ser provado.
Recapitulemos: os hipotéticos candidatos ao Conselho Legislativo terão de assinar um documento onde reiteram a sua concordância com alguns dos artigos da Lei Básica de Hong Kong, considerados mais basilares. Se houver incompatibilidade entre os seus ideais e procedimentos e alguma dessas disposições, deixam de estar qualificados para se candidatarem ao Conselho.
Nathan Law Kwun-chung, candidato e Presidente da recém-formada força política, Demosisto, afirmou, “Não vou assinar a declaração, porque não permito que a comissão dos assuntos eleitorais imponha condições ilegalmente. Se a comissão interditar algum candidato por não assinar o documento, estou a considerar interpor um pedido de revisão judicial.”
Estas declarações são sinal do que pode estar para vir. Se a revisão judicial for em frente o Governo de Hong Kong ver-se-á envolvido numa batalha nos Tribunais.
O valor de Hong Kong advém da sua situação económica e não da sua situação política. Defender a independência de Hong Kong significaria alterar o seu posicionamento político, e as consequências seriam muito negativas. Esta posição é defendida por muito poucos. Não representa de forma alguma a maioria do povo. É prioritário que a maioria se demarque desta minoria. Se a maioria não puder impedir as manifestações do desejo de independência da minoria, ao menos que demonstre o seu desacordo. Será uma das melhores formas de contribuir para o bem da China e de Hong Kong.

* Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau

25 Jul 2016