David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesFuga de informação [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 4, a Comissão Independente Contra a Corrupção em Hong Kong (ICAC, na sigla original) deteve Xiao Yuan, professor de língua chinesa, por suspeita de ter recebido e enviado informação confidencial por smartphone, relativa às perguntas dos exames de 2016 e de 2017. Em causa estavam os exames de língua chinesa para obtenção do Diploma do Ensino Secundário de Hong Kong (HKDSE, na sigla original). Este caso envolve quatro acusados, Xiao Zhiyong (Xiao Yuan), professor de chinês numa instituição privada e a sua mulher, Cai Yingying (Chai Yi), que foi vigilante durante os exames do HKEAA. Os outros dois réus, Zhang Guoquan e Wu Hongliang, são antigos examinadores das provas orais, ao serviço da Autoridade de Avaliação dos Exames em Hong Kong. Foram todos libertados sob fiança e aguardam julgamento. A principal acusação que pende sobre todos é a de uso de computadores com fins ilegais, crime sob a alçada das secções 159A e 161(1) (c) da Lei Criminal de Hong Kong. A investigação do ICAC revelou que Zhang Guoquan e Cai Yingying são suspeitos de terem usados os seus smart phones para enviar a Xiao Zhiyong as perguntas dos exames de Língua Chinesa, em 2016 e em 2017. Wu Hongliang é suspeito de ter enviado a Xiao Zhiyong, material confidencial proveniente de uma reunião informativa, realizada a propósito da preparação dos exames de Língua Chinesa de 2017. Logicamente, Xiao Zhiyong é suspeito de ter recebido informação confidencial sobre as perguntas dos exames no seu smart phone. O ICAC iniciou esta investigação após ter recebido algumas queixas. Já em 2007, 2009 e 2010 Xiao Yuan tinha preparado os seus alunos para as perguntas exactas que sairam nos exames de chinês. É evidente que desta forma Xiao Yuan colocava os seus alunos numa situação de grande vantagem em relação aos outros. A queixa deverá ter partido de alguém que, suspeitando da situação, se sentiu lesado. No entanto, é estranho que estas quatro pessoas tenham sido acusadas pelo ICAC apenas de uso dos seus computadores para fins ilegais. Não foram acusados de ter revelado informação oficial classificada. Porquê? Pela lógica, o Governo é responsável pelos exames nacionais. Antes do início dos exames, os enunciados são considerados informação oficial confidencial. Nalguma legislação, a informação confidencial encontra-se classificada em vários níveis, de acordo com o seu grau de secretismo. Contudo, neste caso, não é necessário ter em conta o grau de confidencialidade porque, antes do início dos exames, os enunciados são, sem sombra de dúvida, informação confidencial. Mas a única forma de esclarecer estas questões é apurar mais factos. No entanto, como o processo já começou, é impossível fazê-lo. De facto, o estudo e a preparação para os exames é uma forma de treino intelectual para proveito do próprio. Fazer batota nos exames é ir contra os fundamentos educativos. As notas podem ser boas, mas o conhecimento não aumenta. Se esta prática continuar, os alunos não vão saber lidar com as situações da vida, se não tiverem constantemente dicas sobre como o fazer. O conhecimento não floresce e, em última análise, toda a sociedade será afectada. Os estudantes de hoje serão os profissionais de amanhã. Se a fasquia académica baixar, a sociedade vai ser gerida por pessoas sem a formação necessária. Imaginemos um estudante de medicina a fazer batota nos exames. Deus nos livre de ir ao seu consultório! O mesmo se poderá dizer de um estudante de direito que passe nos exames desta forma. Quem vai querer ser representado por ele na barra do Tribunal? Se este método se divulgasse e os professors passassem a saber de antemão as perguntas e respostas dos exames seria muito grave. Desta forma, nunca se saberá ao certo que conhecimentos foram verdadeiramente passados do professor para o aluno. Além disso, se os enunciados forem obtidos de forma ilegal, estaremos não só perante um acto criminoso, como também perante uma violação da ética profissional. E é desta forma que se pretende dar bons exemplos aos estudantes? Não parece ser grande pedagogia. Os responsáveis pela elaboração dos enunciados de exames, estejam onde estiverem, devem prestar atenção a este caso.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCasamento homossexual [dropcap style≠‘circle’]N[/dropcap]o final da semana passada um jornal de Hong Kong publicou uma noticia sobre a derrota judicial de Leung Ching-kui, funcionário superior do Gabinete de Imigração. O caso prendia-se a reivindicação dos beneficíos sociais a que o seu esposo deveria ter tido direito por casamento. O Tribunal de Recurso deu razão ao Gabinete da Função Pública e ao Departamento Local de Contribuições. O casal viu ainda rejeitada a hipótese de apresentar uma declaração de rendimentos conjunta. Leung confessa-se desiludido e afirma que vai tomar medidas para continuar com a acção. Ambos consideram este veredicto como um gigantesco passo atrás na luta contra a discriminação dos casais homossexuais em Hong Kong. Leung salienta que não estão a exigir um estatuto especial e que só esperam poder ser tratados com respeito e numa base de igualdade. O Tribunal de Recurso expressou no veredicto a ideia de que é vital a preservação do conceito do casamento tradicional. Os benefícios devidos aos esposos e o direito de declarar os rendimentos em conjunto são prerrogativas matrimoniais. No entanto, o Tribunal de Recurso negou ambos os direitos Leung, que ainda terá de pagar as custas de tribunal. O Tribunal salientou que em Hong Kong, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista social, o único casamento reconhecido é o heterossexual. Assim, é mais importante defender o conceito do casamento tradicional do que encorajar as pessoas a casarem-se. Se os benefícios e direitos de que usufruem os casais heterossexuais se estender aos casais homossexuais, o conceito de casamento tradicional poderia ser posto em risco. Como a Lei Básica, e a opinão pública, de Hong Kong só reconhecem o casamento heterossexual, o interesse público é um factor de peso nos julgamentos. O Tribunal compreende que o queixoso se sinta financeiramente injustiçado. No entanto, se puseremos o “interesse publico” no outro prato da balança, a situação ficará equilibrada. Três juizes do Tribunal de Recurso consideraram que a preservação do conceito do casamento tradicional ditou a sentença que privou este casal de benefícios e de outros direitos matrimoniais. A sentença não implica discriminação indirecta contra a orientação sexual do queixoso. O Tribunal acrescentou que, já que o conceito social de casamento foi a questão central deste julgamento, como os conceitos sociais mudam significativamente ao longo dos tempos, a decisão que agora foi tomada pode vir a ser alterada, se este conceito mudar. O ano passado, uma lésbica britânica foi contratada para trabalhar em Hong Kong. QT, a sua esposa, apresentou uma petição ao Departamento de Imigração, para ficar no território como dependente. O pedido foi indeferido. O Tribunal de Segunda Instância rejeitou o pedido, mas QT recorreu e ganhou o recurso. É interessante que os três juizes que deliberaram no caso de QT, tenham sido exactamente os mesmos que presidiram ao caso de Leung. No entanto, as decisões foram completamente diferentes. No caso de QT, os juizes argumentaram que também o sistema do matrimónio “monogâmico” não poderia ser posto em causa em Hong Kong, por ser anti-constitucional. Neste caso os juizes apenas tomaram em consideração se o queixoso estava, ou não, em situação de acordo com as directrizes governamentais de Hong Kong. O Departamento de Imigração não foi chamado para reconhecer o estatuto de depêndencia de QT, enquanto parte de um casal homossexual. No entanto, os juizes salientaram que, ao abrigo da mesma política, o Departamento de Imigração já tinha reconhecido casamentos poligâmicos, e conferido o estatuto de dependência a mais do que uma esposa do mesmo homem. O Tribunal considerou que a recomendação resolvia a contradição e deliberou a favor de QT. No caso de Leung, vemos claramente que a decisão dos juizes foi condicionada pela crença de que casamento só se pode efectuar entre um homem e uma mulher. Como o Tribunal afrmou, o veredicto pode ser considerado controverso. No entanto, a decisão não pode ser facilmente aceite pelos casais homossexuais. Mesmo hoje em dia, especialmente nas comunidades chinesas, o casamento homossexual continua a não ser bem aceite. Como os juizes referiram, possivelmente as mentalidades irão mudar ao longo dos tempos. Mas actualmente, já que se aceita a homossexualidade, também deveria ser fácil aceitar o casamento homossexual. Mas, por enquanto, não é.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAs imagens interditas do Tribunal [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o dia 23 de Maio, o jornal de Hong Kong “Apple Daily”, publicou uma notícia sobre umas fotografias que tinham sido tiradas em Tribunal, durante o julgamento de pessoas envolvidas nos motins de Mongkok. O juiz, Chan Hing Wai, pediu explicações à “fotógrafa”, ao que a mulher respondeu: “Gosto de tirar fotografias. Se eu quiser, posso tirar uma foto consigo, Sr. Dr. Juiz.” A mulher adiantou que era chinesa, com cartão de identidade de Hong Kong, embora sem residência permanente. Acabou por nunca responder directamente ao juiz. Limitou-se a repetir a pergunta e a afirmar que o Tribunal é um espaço público e que tirar fotografias é uma coisa muito comum. O juiz explicou-lhe imediatamente que tirar fotografias numa sala de audiências não é de todo comum. É alias grave, porque nas fotografias poderão aparecer os rostos dos jurados. O magistrado marcou para as 16h30, do mesmo dia, a audição do caso desta mulher, que ficou imediatamente proibida de sair de Hong Kong. O telemóvel foi-lhe temporariamente confiscado. O juiz informou-a que, se não se apresentasse a horas, seria emitido um mandato. O julgamento decorreu na sexta-feira, mas, na altura, não foi tomada nenhuma decisão. Este caso pode vir a arrastar-se por algum tempo. A Secção 7 da Ordenança de Crimes Sumários Cap. 228, do Código Penal de Kong considera crime tirar fotografias numa sala de audiências, incorrendo o transgressor no pagamento de multa, que poderá ascender a 250 HKD. Não se surpreendam os leitores com este valor tão diminuto, é que a lei data de 1949. Este foi a terceira vez, num espaço de três meses, em que ocorreram episódios desta natureza numa sala de Tribunal. Todos estes episódios sucederam durante os julgamentos de casos relacionados com os motins de Mongkok. Em meados de Fevereiro, na terceira sessão do julgamento dos envolvidos nos motins, um homem do continente, sentado na galeria do público, foi apanhado a fotografar os jurados e a enviar as fotos através do Wechat. No entanto, o oficial de justiça não registou os seus dados e deixou-o sair em liberdade. A juiza, Ms. Pang, afirmou que acreditava que o incidente tinha ocorrido de forma “inadvertida” e que esperava que os jurados não se preocupassem. No início de Março, cinco jurados foram informados, por uma pessoa que estava na galeria, que estariam a ser fotografados. Nessa altura, a polícia deteve de imediato um homem do continente, mas não encontrou nenhuma foto incriminadora, nem sinais de quaisquer fotos apagadas. Em meados de Maio, enquanto o juiz se dirigia ao júri, alguém percebeu que um homem estava a tirar fotografias. A pessoa que deu o alerta, gritou “alguém está a tirar uma foto”. No entanto, os seguranças não conseguiram apanhar logo o culpado. Foi o que bastou para o homem apagar a imagem. Posteriormente foi libertado. Sexta-feira passada, quando foi emitido o veredicto dos envolvidos nos motins de Mongkok, alguém enviou um e-mail anónimo para o Tribunal com a fotografia dos jurados, onde se podia ler “ainda existem muitos …”. O juiz chamou de imediato a polícia e pediu que os jurados abandonassem a sala, escoltados pelos agentes. Nos Tribunais existem diversos avisos, bem visíveis, de proibição de fotografar. No caso Regina v Vincent (fotografia ilegal) CACD 2004, o juiz salientou que os Tribunais têm de estar atentos a situações de intimidação de jurados e das testemunhas. As fotografias tiradas durante um julgamento podem ser usadas para ameaçar o juiz, os advogados, os jurados, etc. Além disso, é uma forma de identificar as testemunhas, os funcionários do Departamento dos Serviços Correcionais ou os agentes da polícia. É óbvio que tirar fotografias em Tribunal põe em risco o julgamento. Um das razões que leva à proibição de fotografar no Tribunal, é a preservação da solenidade da Lei e o garante de que o julgamento não virá a ser afectado. Como em Hong Kong é actualmente implementado o sistema da Lei Comum, o júri está presente no julgamento. Os jurados precisam de protecção. Recentemente, foram tiradas fotografias em Tribunal por diversas vezes. Alguém chegou a enviar algumas destas fotos por email ao juiz. Se estas acções não forem travadas de imediato, não só verá o Tribunal a sua dignidade diminuída, como acabará por haver interferência nos julgamentos. A abertura dos Tribunais destina-se a permitir que o público possa ter mais informação sobre a aplicação da justiça. No entanto, as pessoas devem respeitar o Tribunal e obedecer à lei. A privacidade dos envolvidos também terá de ser protegida. Interferir nos interrogatórios e subestimar a correcção dos Tribunais só irá afectar Hong Kong. O mesmo princípio é aplicável a todos os Tribunais, em qualquer parte. A protecção de quem está envolvido no processo jurídico é necessária. Se esta garantia não for dada, ninguém vai querer trabalhar nesta área. E se isso vier a acontecer, teremos um mundo sem lei nem ordem.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAeroporto ou hotel? [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á pouco tempo atrás, o jornal de Hong Kong “Oriental Daily” publicou um artigo que alertava para o facto de o aeroporto da cidade estar a ser usado por turistas e pessoas sem abrigo para pernoitar. A notícia centrava-se inicialmente em dois turistas. O primeiro, vindo da Holanda, era um homem de negócios. Este homem afirmava que o aeroporto é um local seguro e com diversas vantagens. É possível ter acesso rápido à internet e passa-se a noite sossegado. Além disso é uma forma grátis de ficar alojado. É o local ideal para ficar. O holandês disse ao jornalista que, desta vez, planeava ficar em Hong Kong por um mês. Já tem vindo várias vezes e, na maior parte delas, fica alojado no aeroporto. Como agora vem em negócios, só conta ficar no aeroporto por três dias. O nosso amigo já criou aqui uma rotina. De manhã, ao pequeno-almoço, come pão com marmelada e, à tarde, delicia-se com uma cervejinha. Já é intímo do pessoal do aeroporto e as senhoras da limpeza cumprimentam-no sempre. O outro turista, que se chama John, é um inglês com mais de 80 anos. Quando foi entrevistado empurrava um carrinho com sete malas, enaquanto deambuleava pelas instalações. Afirmou ter sido professor de química durante vinte cinco anos. Há cinco anos atrás reformou-se e também se divorciou. Adora viajar pelo mundo fora. Contou que já tinha vindo a Hong mais de vinte vezes. Costuma ficar no aeroporto quase sempre. Desta vez já lá está “acampado” há vários meses. Espera regressar a Inglaterra em Agosto. John revelou que, noutras ocasiões, já ficou instalado no Aeroporto de Heathrow, Londres, e também no Aeroporto de Sydney. No entanto, neste ultimo todas as noites a polícia fazia a verificação dos bilhetes. Não era permitido passar a noite nas instalações. O Aeroporto de Hong Kong permite muita liberdade. Não existem restrições. Chega a encontrar-se aqui com os amigos. De vez em quando, empurrava o carrinho com as malas até às cabines telefónicas par ver se alguém se esqueceu de uma moeda na ranhura, embora afirme que tem dinheiro que chegue. Para além dos turistas, existem cerca de vinte sem-abrigo a dormir no aeroporto. Têm todos um entendimento tácito. Cada um deles ocupa um banco, que lhe servirá de cama. Alguns deles estão aqui como em casa. Trazem chinelos, escova de dentes e toalhas. Os sem-abrigo concentram-se no Terminal 2 do aeroporto. Todas as noites uma fila de bancos vira camarata. Às 6.00h da manhã, levantam-se e vão para a casa de banho tratar da higiene. Os sem-abrigo são cada vez mais jovens. Um homem de cerca de 30 transporta os chinelos, o pijama, a louça, uma couve e noodles instantâneos num carrinho de bagagens. De dia, vai até ao 7-11 cozinhar os noodles e carregar o telemóvel. Deita-se às 10.00 da noite. O aeroporto tornou-se um paraíso para quem não tem casa. Os seguranças já estão habituados à situação. De manhã, as patrulhas diurnas cumprimentam-nos um a um, de forma amigável. Entretanto, o jornalista dirige-se a um homem de meia idade. Depois de acordar, este homem vai até à casa de banho lavar os dentes e a cara. A seguir, após mudar de roupa, dirige-se ao restaurante. Depois do pequeno-almoço, sai apressadamente e vai trabalhar. Alguns sem-abrigo trabalham. Dormem no aeroporto por ser seguro, limpo e climatizado. É muito melhor do que quartos pequenos, sufocantes e caros. Não é difícil compreender os motivos desta escolha. Devido aos elevados preços das casas e à falta de segurança das áreas urbanas, esta parece ser uma boa opção. Eles não se importam de pagar transportes caros para ir e vir do aeroporto, é melhor do que arrendarem uma câmara mortuária. No entanto, com o afluxo cada vez maior de pessoas sem tecto ao aeroporto, vão necessariamente surgir problemas de ordem pública e de higiene. Podem criar-se conflitos potenciais entre eles o pessoal do aeroporto e alguns viajantes mais impressionáveis. Os sem-abrigo também vão afectar a imagem do aeroporto internacional de Hong Kong. O Governo deveria pensar numa estratégia para solucionar este problema. O porta-voz do aeroporto declarou que os seguranças e a polícia patrulham frequentemente os terminais. Quando se deparam com estas situações são normalmente compreensivos. Costumam notificar a segurança social para que seja feito o acompanhamentos destes casos, ou, se necessário, é pedida a intervenção dos agentes. Antigamente, a Autoridade do Aeroporto recebia queixas sobre a estadia nas instalações de pessoas nestas condições. Também costumava ter reuniões com a polícia para discutir e seguir estes casos. De acordo com a secção 17 (1) do Decreto-Lei para a Autoridade do Aeroporto, Cap. 483A, “ninguém poderá ter comportamentos que perturbem de alguma forma as outras pessoas, na área sob esta legislação”. Processar os sem-abrigo não terá qualquer efeito prático e não vai resolver o problema. Em última análise, este pessoas escolhem o aeroporto para pernoitar porque as rendas são demasiado caras. Se este problema não se resolver, cada vez mais gente sem casa vai escolher o aeroporto para se abrigar.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDe olhos postos no futuro (II) [dropcap style =’circle’] A [/dropcap] semana passada falámos sobre os dois níveis do sistema de Segurança Social de Macau. O Regime de Previdência Central Não Obrigatório (RPSNO) representa o segundo nível. Os dois polos deste sistema proporcionam duas fontes de rendimento aos residentes de Macau durante a reforma. São medidas positivas. Mas é preciso salientar que o Fundo de Previdência Central (FPC) garante apenas uma protecção miníma. Não está aqui em causa analisar se as verbas provenientes dos dois ramos da segurança social são suficientes ou não. Os padrões de vida e as expectativas dos reformados variam consoante os casos, o que está em causa é apelar a que, durante a vida activa, as pessoas garantam esta segunda fonte de rendimentos. Para além do valor destas contribuições, existem outros assuntos que deverão ser discutidos. Espera-se que as entidades que gerem o RPSNO cobrem uma taxa. Qual virá a ser o valor dessa taxa, como virá a ser regulada, o que vai presidir a essa regulação, são as principais questões que se levantam. Em primeiro lugar, temos a considerar que Macau possui apenas 600.000 residentes, um número insignificante quando comparado com os 8 milhões que habitam Hong Kong. O Fundo de Previdência Obrigatório (FPO) de Hong Kong obriga assalariados e empregadores a contribuir, mas, em Macau, os descontos para o RPSNO são voluntários. É esperado que, inicialmente, não haja uma grande adesão. É um facto aceite. Nestas circunstâncias, se as futuras entidades gestoras do Fundo forem obrigadas a cobrar uma taxa baixa, provavelmente não se sentirão tentadas a aceitar a função. Se estas entidades forem afastadas da gestão do Fundo, a população de Macau vai sofrer as consequências. A experiência de Hong Kong mostra-nos que as entidades gestoras devem melhorar a sua acção. Se não se regular a este respeito, até um certo ponto, parte das contribuições passarão a ser propriedade das entidades gestoras. O valor a receber após a reforma será naturalmente afectado. Todos sabemos que o investimento não gera necessariamente dinheiro, mas o lucro destas entidades gestoras está garantido porque as verbas provêm do RPSNO. A taxa será, consequentemente, resultado do equilíbrio entre o lucro das entidades gestoras e a protecção oferecida aos residentes de Macau. Em segundo lugar, estas entidades gestoras podem auto-regular as taxas. Podem especificar a percentagem que vai ser cobrada ao investidor, no contrato que celebram. A auto-regulação cria mais confiança porque é clara para todos. Para já, existe apenas uma entidade reguladora que já anunciou a taxa que vai cobrar. É bom que outras entidades lhe sigam o exemplo. A transparência de procedimentos torna o público mais confiante. Para além da questão das taxas, a lei criou a figura “Propriedade Paritária”. É uma forma de assegurar que os empregados têm direito às contribuições feitas pela entidade patronal, mesmo após o termo do contrato de trabalho. Para que esta situação funcione, o contrato de trabalho terá de ter uma duração mínima de três anos. Nestas circunstâncias, o empregado tem direito a 30% das contribuições do empregador. Ou seja, a Propriedade Paritária dos empregados, após três anos de serviço, é de 30% do total das contribuições da entidade patronal. A Propriedade Paritária aumenta 10% a cada ano de serviço. Ao fim de 10 anos, o empregado tem direito a 100% das contribuições do empregador. Os Artigos 53 e 54 de 7/2017 estipulam que, durante os primeiros três anos de aplicação da lei 7/2017, os assalariados ficam isentos de taxas. Ou seja, as contribuições dos empregados são consideradas como despesas da empresa. Ao calcular a taxa atribuída ao patronato, essa quantia, digamos 20.000 patacas, será processada pelo dobro, ou seja 40.000 patacas. A tabela que se segue mostra a percentagem da Propriedade Paritária. Período de contribuições por percentagem da Propriedade Paritária Menos de 3 anos 0% De 3 a 4 anos 30% De 4 a 5 anos 40% De 5 a 6 anos 50% De 6 a 7 anos 60% De 7 a 8 anos 70% E 8 a 9 anos 80% De 9 a 10 anos 90% 10 e mais anos 100% É necessário chamar a atenção para o artigo 34 (2) de 7/2017. Estipula que, se o empregado não tiver direito a contribuições da entidade patronal, pode candidatar-se a receber essas contribuições através da Autoridade para o Fundo da Segurança Social. Imagine-se alguém que começa a trabalhar numa empresa, sendo que os patrões contribuem com 5% do seu salário para o IANMCPF. Mas, no final do segundo ano é despedido. De acordo com esta tabela, o empregado não tem direito a receber o montante das contribuições da entidade patronal. Se a lei permitir que este montante seja devolvido aos patrões, o trabalhador não fica protegido. Seja como for o Regime de Previdência Social Não Obrigatório pode proporcionar um rendimento adicional para os anos de aposentação dos residentes de Macau. E isso são boas notícias.
David Chan Macau Visto de Hong KongDe olhos postos no futuro (I) [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Fundo de Segurança Social de Macau (FSS) é um dos ramos do sistema de previdência social de Macau. O FSS é um sistema que funciona a dois níveis. O primeiro nível assegura as pensões de reforma. A partir dos 65 anos o cidadão de Macau passará a receber 3.450 patacas por mês, incluindo 13º mês. Este valor funciona com o um subsídio de apoio. O Regime de Previdência Central Não Obrigatório representa o segundo nível do FSS. Este regime foi implementado dia 1 de Janeiro do corrente ano e tem por base legal o sistema 7/2017. Ao abrigo deste sistema, os residentes de Macau que: tenham atingido os 18 anos de idade; ou que tendo menos de 18 anos, já estejam inscritos no sistema de segurança social, de acordo com o Artigo 10(1)(a) da Lei No. 4/2010 Têm direito a ser titulares de uma conta individual do Regime de Previdência Central Não Obrigatório (CIRPCNO). Estas contas são compostas por três sub-contas; a subconta de gestão governamental, a subconta de contribuições e a subconta de conservação. Estas contas são usadas para gestão do Fundo de Investimento dos Residentes de Macau, no âmbito Regime de Previdência Central Não Obrigatório (RPCNO). O RPCNO tem dois planos, o plano de contribuição conjunta e o plano de contribuição individual. O plano de contribuição conjunta engloba a entidade patronal e os trabalhadores. A contribução mensal de ambas as partes é de 5 por cento cada, do salário do trabalhador. Se o salário mensal for inferior a 6.569 patacas, o trabalhador fica isento da contribuição, mas o empregador não fica. Se o salário mensal for superior a 31.200 patacas, quer o trabalhador quer o empregado terão de contribuir apenas com 5 por cento deste valor. As 31.200 patacas são um tecto que não será ultrapassado em termos de percentagem contributiva. Estas contas do Regime de Previdência Central são permutáveis. Quando um contrato de trabalho termina, o saldo contributivo é transferido para a subconta de conservação. Em circunstâncias normais, o titular da subconta de conservação só pode fazer levantamentos depois dos 65 anos. No entanto, se a pessoa se reformar aos 60, ou tiver uma necessidade urgente, pode ser autorizada a fazer alguns levantamentos. Os planos de contribuição individual, são usados para trabalhadores por conta própria. Nestes casos, a contribuição mínima é de 500 patacas mensais. Estas disposições levantam algumas questões que merecem ser discutidas. Em primeiro lugar, o fundo de Segurança Social garante uma protecção mais alargada aos residentes de Macau. Este sistema funciona a dois níveis. No primeiro nível, a entidade patronal e o trabalhador contribuem em conjunto. Cada parte contribui com 30 patacas mensais. O segundo nível é bastante semelhante ao primeiro. A diferença é que em vez de existir um valor fixo, cada parte contribui com 5 por cento do salário do trabalhador. Esta contribuição gera uma segunda fonte de rendimento que vai beneficiar os trabalhadores depois da reforma. Desta forma, a protecção à reforma aumenta. Em segundo lugar, embora os residentes de Macau possuam, actualmente, duas fontes rendimento, que asseguram as suas reformas, permanece uma questão. Será que este valor é suficiente para garantir uma reforma digna? Algumas pessoas pensarão que sim. Contudo, outras dirão que estas verbas só asseguram um “dinheirinho de bolso”. As pessoas têm planos diferentes para a altura da reforma e a protecção necessária varia de pessoa para pessoa, por isso não devemos generalizar. Não podemos adoptar um padrão único. Se tivermos mais dinheiro, estamos naturalmente mais bem precavidos para essa fase da vida. Mas como é que vamos contabilizar se a pessoa tem muito dinheiro, pouco ou o suficiente? Esta é uma pergunta sem resposta. O exemplo de Hong Kong demonstra que os 5 por cento de contribuição de patrões e empregados apenas cobre uns poucos anos do período da reforma. Este facto é determinado por uma inflação muito alta. Desta forma, é preferível a pessoa fazer o seu próprio plano de reforma. O dinheiro disponibilizado por este primeiro nível serve apenas para garantir os mínimos. Em terceiro lugar, as contribuições para as contas do Regime de Previdência Central não podem ser movimentadas. Esta é sem dúvida mais uma medida de protecção. Mas há quem ache que uma das melhores formas de garantir uma boa reforma é fazer um seguro. O seguro é propriedade do comprador. Na medida em que é propriedade do comprador, pode ser retido em casos legais, ou perdido para sempre, em caso de falência. Como as contribuições para este Fundo não podem ser confiscadas em circunstância alguma, garantem uma protecção muito maior. Estas garantias serão sem dúvida um incentivo para todos participarem no Regime de Previdência Central Não Obrigatório.
David Chan VozesOs malefícios do café [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] dia 31 de Março deve ter sido certamente um dia bem negro para a Starbucks. O Tribunal de Los Angeles declarou esta cadeia de cafés culpada por não afixar etiquetas a avisar que o café contém uma substância cancerígena – a Acrylamide. Esta sentença tem dado muito que falar. A American Coffee Association declarou que a indústria do café não considera apelar da decisão. Mas de onde vem esta substância? Segundo as notícias, este químico provém da torragem do café a alta temperaturas. Aparentemente esta substância também pode ser encontrada em alguns alimentos. A Organização Mundial de Saúde assinala que a presença da Acrylamide na comida não é novidade. A Agência Internacional de Pesquisa do Cancro (AIPC) classificou esta substância como a segunda mais cancerígena, embora não existam provas conclusivas de que pode efectivamente provocar o cancro. No depoimento escrito, o juiz alega que a Starbucks não cumpriu a lei, ao abster-se de avisar os clientes que o café contém químicos potencialmente cancerígenos. O AIPC defende que a Acrylamide é a segunda substância mais cancerígena, e que quem a ingerir pode vir a desenvolver esta doença. No entanto, estas conclusões foram tiradas apenas a partir de experiências com animais; ou seja, não existe uma prova conclusiva de que, após o consumo de qualquer alimento onde a Acrylamide esteja presente, um ser humano venha a sofrer de cancro. O AIPC assinala ainda que, um estudo epidemiológico de 2016, demonstra que beber café não provoca cancro do pancreas, nem cancro da mama, ou da próstata. Além disso, beber café diminui o risco de cancro do fígado. De qualquer forma é preferível não discutirmos para já se a Acrylamide pode ou não provocar o cancro. Esta decisão choca muita gente, até porque é mais do que sabido que milhões de pessoas em todo o mundo bebem café diariamente. O leitor gosta de café? Quantos bebe por dia? O mais certo é ninguém vir a ligar a este aviso. Há pouco tempo a Starbucks de Taiwan tomou uma posição em relação à decisão do Tribunal de Los Angeles. Anunciou que, pura e simplesmente, não a respeitaria. Salientaram ainda que importam grãos de café de marcas da maior confiança, e que todos os regulamentos são respeitados. A venda do café em Taiwan faz-se de acordo com as leis e os regulamentos locais. Os consumidores não precisam de se preocupar. A cadeia 7-11 também proferiu comentários idênticos. Reiterou que esta decisão fora emitida por um Tribunal de Los Angeles e que o que interessa é a lei local. Até ao momento, não se registaram quaisquer declarações da Starbucks de Hong Kong e de Macau, mas podemos estar certos que estas duas regiões possuem legislação adequada para regular a venda de produtos. Em Macau, o artigo 85(1) do Código Comercial estipula que os fabricantes deverão ser responsabilizados se produzirem produtos defeituosos que causem danos a terceiros. No entanto, o artigo 88(e) providencia uma sólida defesa estatutária dos fabricantes, ao estipular que, se o defeito do produto não puder ser detectado pelos meios científicos existentes, à data da sua colocação no mercado, e se tal puder ser provado, o fabricante não será responsabilizado pela falha. Em Hong Kong, a secção 16 (2) da Ordenança da Venda de Bens assegura a qualidade dos produtos comercializados. A qualidade dos bens de consumo deverá atingir os padrões considerados razoáveis. E finalmente, mas não menos importante, se os produtos causarem danos a alguém, a vítima pode processar o vendedor, ou o fabricante, e ser indemnizada. Será que existem mesmo substâncias cancerígenas no café? Não temos ainda certezas absolutas. Por isso, não nos devemos preocupar demasiado com a decisão do Tribunal de Los Angeles. O café faz parte das nossas vidas. O meu caro leitor até pode beber apenas uma ou duas chávenas por dia, mas algumas pessoas bebem quatro ou cinco. Se nos preocuparmos demasiado com polémicas que não assentam em provas sólidas, não será bom para ninguém.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA aposentação de Ka-Shing Li [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a última reunião geral da Cheung Kong Holdings, que teve lugar no dia 16 do mês passado, Ka-Shing Li anunciou que se iria aposentar no próximo dia 10 de Maio. Passou a ser, desde a data do anúncio, consultor sénior da multinacional. O seu filho, Victor Li, passa a ocupar o cargo de Presidente do Conselho de Direcção. Li já fez saber que irá dar ao seu filho mais novo, Richard Li, uma avultada quantia para investir em negócios. Ka-Shing Li afirmou que, depois da reforma, não vai “despir a farda”, mas sim dedicar-se a tempo inteiro à Fundação de Solidariedade Li Ka Shing, que actua ao nível da saúde e da educação. Se o leitor tem seguido a actividade das empresas Cheung Kong sob a liderança de Ka-Shing Li, saberá dizer-me que lucro tiveram os accionistas minoritários ao longo destes 46 anos? Pois a resposta é impressionante. Aumentaram 5.000 vezes o seu investimento. E a que se devem estes números astronómicos? Possivelmente ao facto de Li receber apenas uma remuneração simbólica pelo seu cargo de Director, ou seja 5.000 HK dólares por ano. Ka-Shing Li começou a trabalhar com 12 anos, e labutou arduamente durante 78. No entanto, é um homem feliz, pois embora de idade avançada, ainda mantém o corpo saudável e a mente lúcida. A sua aposentação está marcada para o dia do seu aniversário, quando completar 90 anos. Este self-made man, teve apenas a educação básica, mas tornou-se no homem mais rico de Hong Kong, devido ao seu trabalho árduo. Foi sempre uma pessoa muito motivada. Muitos dos habitantes de Hong Kong veem nele um herói. Talvez alguns deles se inspirem neste homem para abrir o seu próprio negócio. Quem tiver 40 anos, ou mais, é certo que sente por ele o maior dos respeitos. Ele é o orgulho das pessoas desta região. No entanto, quem nasceu nos anos 90, ou depois, não partilha possivelmente do mesmo sentimento. Podem ver nele apenas o rei dos negócios imobiliários. Mas ele também detém a hegemonia do vestuário, dos bens alimentares e da habitação. Li foi criticado por querer ter tudo. Porque é que as pessoas têm de comprar no supermercado PARKn SHOP quando vivem numa casa construída pela empresa que é dona desta loja? Porque é que as pequenas lojas e mercados não sobrevivem nas propriedades de Ka-Shing Li? Se o complexo habitacional foi construído por Li, porque é que a sua empresa de telecomunicações se vai aí sediar? Os grandes feitos da carreira de Li estiveram sempre alinhados com o desenvolvimento económico de Hong Kong, durante o ultimo meio século. Quando a economia da região começou a desenvolver-se, Li era apenas proprietário de uma fábrica de plásticos, mas, com o inicialmente tímido florescimento económico, passou a deter um negócio imobiliário. Entretanto a economia de Hong Kong continuou a crescer e a fortuna de Li também. Tornou-se no homem mais rico da região e num dos homens mais ricos do mundo e, indubitavelmente, num símbolo desta cidade. Antigamente se um jovem afirmasse querer vir a tornar-se num “Li” quando crescesse, era aplaudido pela sua ambição. Contudo, hoje em dia, tal afirmação despertaria sentimentos contraditórios. A alteração dos valores sociais está na base desta mudança. Antigamente a sociedade de Hong Kong respeitava as conquistas ao nível da carreira e a elite do negócio. Mas agora as pessoas passaram a valorizar conceitos como, igualdade, justiça, equidade e direitos civis. Depois da aposentação do “Superman Li”, Hong Kong dificilmente voltará a ter uma lenda similar. Li é conhecido pelas suas “máximas”. Certa vez, falava com jovens que comentavam que as namoradas tinham dito: “Se eles não têm casa, não se podem casar”. Li riu-se e respondeu: “Penso que os jovens, que ainda não terminaram os seus cursos na Universidade, fazem mal se pensarem comprar casa.” Noutra ocasião, em que se discutia a possibilidade de dividir apartamentos em quartos para alugar a pessoas pobres, Li comentou: “Os quartos são muito pequenos, sinto-me muito desconfortável.” Numa discussão durante a eleição de 2017 para o Chefe do Executivo, afirmou: “Não vou citar nomes, porque não quero ofender ninguém. Vocês não vão ficar a saber em quem vou votar, porque eu não vos vou dizer.” Em determinada altura, Li exprimiu assim o seu amor por Hong Kong: “Vivo em Hong Kong desde 1940. Acho que vou aqui ficar até ao fim dos meus dias. Adoro Hong Kong. O website “kknews.cc” escreveu em Julho passado que “Li não dá um passo sem o seu advogado. Sem uma opinião especializada, Li não assina nenhum contrato.” Esta foi a única referência jurídica que encontrei sobre Li. Espero que esta afirmação augure um futuro brilhante a todos os peritos em leis.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAcordo de extradição [dropcap style=’circle’] N [/dropcap] o dia 17 Fevereiro, a jovem Poon Hiu-wing, de 20 anos de idade, foi assassinada em Taiwan. O suspeito do homicídio é o namorado, Chan Tong-kai, de 19 anos, antigo estudante do Community College de Hong Kong, pertencente à Universidade Politécnica. Os jornais anunciaram que o casal tinha viajado para Taiwan no dia 8 de Fevereiro, mas que Chan tinha regressado sozinho a Hong Kong no dia 17. Os procuradores de Taiwan afirmaram que Poon foi estrangulada no Hotel Purple Garden, na sequência de uma discussão com o namorado. Suspeita-se que Chan tenha colocado o corpo dentro de uma mala e que o tenha feito sair do hotel. No registo das câmaras de vigilância, pode ver-se o jovem a sair do hotel no dia 17, transportando uma mala pesada. A polícia de Taiwan acredita que o cadáver de Poon estava dentro da mala. Até ao momento ainda não foi possível apurar o motivo do crime, no entanto correm rumores de que a jovem estaria grávida de um outro homem. O cadáver de Poon foi descoberto em Taipei, perto da estação de Zhuwei. Esta descoberta deu-se no mesmo dia em que Chan foi preso em Hong Kong por furto. Chan tinha sido acusado de furto e de posse de bens roubados. Foi acusado de ter subtraído o cartão bancário de Poon, uma câmara, o telemóvel e 20.000 Taiwan dólares. Foi ainda acusado de ter feito dois levantamentos da conta de Poon nos finais de Fevereiro, em caixas automáticas de Hong Kong. Este caso levanta um problema legal. Como o homicídio aconteceu em Taiwan, estará sob a alçada da jurisdição local e é lá que o julgamento deverá ter lugar. No entanto, o suspeito está em Hong Kong. Como Hong Kong e Taiwan não celebraram um acordo de extradição, não parece provável que venha a sair. Desta forma, poderá nunca vir a ser julgado por este crime. Hong Kong assinou com diversos países e regiões 29 tratados de assistência legal mutua e 19 acordos de detenção de fugitivos. Taiwan não faz parte desta lista. Sem acordo de extradição, o suspeito pode escapar ao castigo. Como o crime aconteceu em Taiwan, os Tribunais de Hong Kong não têm competência para o julgar. No entanto, o caso seria tratado de forma diferente se parte dos actos criminosos tivessem ocorrido em Hong Kong. Se, por exemplo, se tivesse tratado de um crime premeditado, e o suspeito tivesse comprado em Hong Kong instrumentos para o cometer, estaríamos perante outro cenário. Pela Lei dos Procedimentos Criminais, o Tribunal local só pode actuar se parte do acto criminoso tiver ocorrido na região. Desta forma, a menos que a polícia de Hong Kong encontre provas de que o suspeito cometeu parte do acto criminoso em Hong Kong, o Tribunal local nada poderá fazer. Se o suspeito não voltar a Taiwan, nunca mais poderá ser responsabilizado pelo seu crime. Sabe-se pelos jornais que a polícia de Taiwan pediu aos colegas de Hong Kong mais provas para o processo. Entre elas encontra-se a gravação do depoimento feito na esquadra local. Espera-se que estes elementos possam ajudar a polícia de Taiwan a determinar mais factos relevantes. A gravação dos depoimentos é uma forma de provar que as declarações foram obtidas de forma legal, sem recurso a métodos coercivos. No entanto, deste depoimento não é suficiente para acusar o suspeito de homicídio em Hong Kong. Por seu lado a polícia de Taiwan está impotente devido à não comparência do suspeito. Mas talvez possa existir uma solução para o problema. Mesmo sem o acordo de extradição, o Governo de Taiwan pode emitir uma carta de solicitação. Quando a solicitação der entrada, o Governo de Hong Kong pode preparar uma proposta de lei excepcional e pedir a aprovação do Conselho Legislativo. Se a proposta for aprovada passa a lei. Nessa altura, poderá ser emitido um mandato de captura e a polícia poderá prendê-lo e entregá-lo ao Governo de Taiwan. Mas este tipo de acordo só será válido para esta situação específica. Se vier a acontecer, será a primeira vez que o Governo de Hong Kong opta por esta solução. Assim, a longo prazo, é vital que se considere o acordo de extradição. Como já mencionámos, desconhecem-se os motivos que levaram ao homicídio. Mas, pelo que já sabemos, o suspeito parece ter agido com bastante sangue frio. Após estrangular a vítima, colocou o cadáver numa mala, saiu do hotel, apanhou o comboio e largou o corpo no campo. Fez tudo sozinho, aparentemente sem medo e sem remorsos. Será que desconhece a importância da vida? Será que ainda um dia se virá a arrepender? É importante saber a resposta a estas perguntas para compreender os seus motivos e a sua forma de pensar e poder julgá-lo de forma justa. À semelhança de Hong Kong, também Macau não tem acordo de extradição com Taiwan. Se acontecer algo de género em Macau, o que deveremos fazer? A experiência de Hong Kong é um bom exemplo para nos prepararmos para o pior.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMediatismos no Tribunal [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] antigo Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang Yam-kuen, foi acusado de ter aceitado da Wave Media a quantia de 3,8 milhões de HKD (487.000 USD) para remodelar uma penthouse na China. Em paga do favor, Donald Tsang ter-se-ia mostrado “favorável” à concessão da licença de emissão para a operadora de Rádio, no período em que exercia funções como Presidente do Conselho Executivo. Bill Wong Cho-bau, o maior accionista daquela operadora, era proprietário da penthouse e pagou as obras de remodelação. O caso foi apresentado perante um júri no Supremo Tribunal. Presidiu o juiz Andrew Chan Hing-wai. Como no final não foi possível que 6 dos 8 jurados concordassem com a acusação, Donald Tsang saiu em liberdade. No entanto, a apreciação final apresentada por escrito pelo juiz Andrew Chan incluía muitos comentários sobre o caso. Se ainda estiverem recordados das notícias que saíram durante o julgamento, um dos jurados, então referido como Mr. Q, perseguiu e chegou à fala como uma famosa estrela mediática, que se tinha deslocado ao Tribunal como apoiante de Donald Tsang. Mr. Q era um fã de longa data desta celebridade, pelo que a interpelou e fizeram-se fotografar juntos. O procurador separou imediatamente Mr. Q do resto dos jurados e reportou o caso ao juiz. Temendo uma possível parcialidade do jurado, o juiz afastou-o do júri. No parágrafo 32 da sua apreciação, o juiz declara, “…… Mr. X (a celebridade) foi introduzido no Tribunal por um elemento de uma empresa de relações públicas, ao contrário dos cidadãos normais que tiveram de esperar na fila para entrarem. Quando entrou sentou-se na área reservada à família e aos amigos do réu …” Nos parágrafos 36, 38 e 39, o juiz refere, “O processo que levou ao afastamento de Mr. Q, fez-me perceber pela primeira vez que uma empresa de relações públicas e consultoria, tinha sido envolvida neste julgamento. De facto, eles estiveram constantemente presentes, dentro e fora do Tribunal, ao longo do primeiro julgamento e também do segundo, mas na altura eu não tinha tomado consciência das suas funções, já que todos os cidadãos têm direito a assistir às audiências.” “A família e os amigos do réu têm todo o direito de estar presentes no julgamento, para observarem os trabalhos e para o apoiarem. O que não é permitido de forma alguma, a estas ou a quaisquer outras pessoas, é tentar exercer influência sobre membros do júri. Interferir com o júri é subestimar os alicerces do nosso sistema jurídico.” “Antes do início do primeiro e do segundo julgamento, o Réu, através dos seus advogados, pediu o consentimento do tribunal para reservar lugares para os seus amigos e familiares. O pedido foi deferido. Ao longo do segundo julgamento, especialmente durante a parte final, antigos colegas do Réu, como, os seus antigos Secretário das Finanças e da Justiça, antigos Conselheiros do Partido Democrata, Conselheiros em funções da Aliança Democrática para o Melhoramento e Progresso de Hong Kong, e proeminentes figuras religiosas, estiveram presentes no Tribunal em diferentes ocasiões, introduzidos pela empresa de relações públicas e consultoria, e tomaram assento na área reservada, à semelhança de Mr X. O objectivo destas presenças era, sem dúvida, mostrar ao júri que o Réu era uma pessoa de bem, apoiado pelas figuras mais destacadas da sociedade.” A “empresa de relações públicas e consultoria” mencionada pelo juiz é normalmente uma empresa ou uma pessoa singular que trabalha a favor da boa imagem do réu. O júri deve ouvir todos os testemunhos que são dados no Tribunal e analisar todas as provas. Estas provas são apreciadas pela Acusação e pela Defesa. Depois de todas as provas terem sido aceites e examinadas, são submetidas à apreciação do júri para que seja emitido um veredicto de inocência ou de culpa. No julgamento de Donald Tsang estiveram presentes muitas celebridades, que se sentaram na área exclusivamente reservada a amigos e familiares do réu, de forma a que todos os jurados os pudessem ver distintamente. Existe a possibilidade de que a presença destas personalidades possa ter influenciado o júri a acreditar na inocência do réu; neste cenário, a hipótese de o réu ter cometido um crime será baixa e, portanto, não é culpado. E porque é que os jurados se deixam afectar por estas disposições? Porque são todos pessoas comuns. Qualquer pessoa que tenha completado o ensino secundário e tenha mais de 21 anos pode integrar um júri. Não são escolhidos entre os famosos, e não podem ser especialistas em leis. Os jurados podem ser facilmente influenciados por estes cenários. Se isto for possível, então pode ser também possível que, perante uma situação deste género, a decisão do júri, ao invés de ser tomada a partir das provas apresentadas, possa partir de factores exteriores ao processo. Se for o caso, o estado de direito está a ser respeitado? Se o estado de direito não for respeitado, a população vai continuar a confiar no sistema jurídico? O Tribunal é um espaço aberto a todos os cidadãos. Em Hong Kong, as pessoas são livres de entrar e de sair de uma sala de audiências, e a presença de pessoas famosas não vai contra a lei. Mas a presença de celebridades pode afectar a decisão do júri e, desta forma, afectar o grau de confiança que a população deposita no nosso sistema jurídico, e assim pode ser encarada como um pouco “imoral”. É preciso contrabalançar os interesses de ambas as partes e ter em consideração o estatuto social de Donald Tsang. Donald Tsang foi Chefe do Executivo de Hong Kong, a maior parte dos seus amigos são pessoas de nomeada. A sua presença em Tribunal pode ser apenas uma forma de lhe demonstrarem o seu apoio. Se assim for, o objectivo não será influenciar o júri, mas sim apoiar um amigo. Mas agora façamos uma visita ao website dos Tribunais de Hong Kong. Na página “Sala de Audiência Tecnológica”, IMAGEM – PROCEDIMENTOS JURÍDICOS E SISTEMAS DE TRANSMISSÃO”, pode ler-se, “A Sala de Audiências Tecnológica está equipada com um Sistema de Transmissão para contemplar situações em que o público não cabe todo no Tribunal. Se o juiz assim o desejar, a sala de espera contígua à sala de Audiências Tecnológica pode ser imediatamente convertida numa extensão do Tribunal. Assim que o sistema de transmissão for activado, quem está sentado no exterior pode assistir à sessão através de ecrãs LCD.” Se quisermos evitar o efeito potencialmente pernicioso da presença de celebridades na sala de audiências, poderemos reservar os lugares na sala apenas para familiares e amigos chegados, ficando os VIPs acomodados na sala exterior, onde podem assistir à sessão através dos ecrãs colocados para o efeito. Macau implementa o sistema jurídico continental e, por isso, os julgamentos dispensam a presença de um júri. O juiz é o único responsável pelas sentenças. A decisão do juiz é a voz da lei, e não a de pessoas comuns. A vantagem é óbvia.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOrçamento de Hong Kong para 2018 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 28 de Fevereiro o Secretário das Finanças de Hong Kong, Paul Chan, apresentou a sua primeira proposta de orçamento no Conselho Legislativo. No ponto 5 da proposta pode ler-se: “As iniciativas propostas neste Orçamento são orientadas por três objectivos principais: (1) Diversificar a economia: é necessário diversificar a economia para criar riqueza em Hong Kong e para permitir que os jovens tenham mais e melhores oportunidades. (2) Investir no futuro: o surto de gripe deste Inverno veio mais uma vez lembrar-nos da necessidade premente de melhorar o serviço de saúde; uma população envelhecida coloca desafios que teremos de ultrapassar através da disponibilização de recursos e do planeamento; devemos também melhorar o ambiente e tornar Hong Kong uma cidade inteligente, onde seja agradável viver e trabalhar. Cuidar e partilhar: as crianças e os jovens deverão receber mais atenção, protecção e oportunidades; as famílias da classe média devem ser aliviadas do peso dos impostos e os menos privilegiados deverão receber mais apoios. Além disso, uma vida preenchida necessita, não só de condições materiais, mas também de enriquecimento intelectual e espiritual.” Não restam dúvidas de que este Orçamento reflecte preocupações sociais. Mérito de quem o fez. A receita do Governo merece uma discussão mais alargada. Em 2016 /17, o Governo arrecadou $6.045 mil milhões, maioritariamente originários de seis procedências. Impostos sobre actividade económica ($1.551 mil milhões), impostos salariais ($148), imposto de selo ($1,000), retorno de investimento ($398), rendimento sobre leilões de terrenos ($1.210), outros ($1.338). A despesa do Governo montou aos $4.065 mil milhões. A principal razão do saldo positivo foi a receita proveniente dos leilões de terrenos, que atingiu os $1.210 mil milhões, excedendo as expectativas. O saldo positivo nas contas governamentais, permitiu que este ano se possa baixar os impostos, conforme foi anunciado na proposta de Orçamento. Como a taxação sobre os salários está sujeita a diversos escalões é difícil dar um número certo que ilustre a diminuição dos impostos. De qualquer forma, as duas fontes de receita mais estáveis são os impostos sobre a actividade económica e sobre os salários. As receitas originárias dos leilões de terrenos e do imposto de selo dependem completamente da flutuação do mercado imobiliário. Os rendimentos do investimento dependem sobretudo da economia mundial. A partir desta análise conclui-se que só 28% das receitas do Governo de Hong Kong são estáveis, 72% são flutuantes e altamente dependentes de factores externos. Olhando nesta perspectiva, será que a redução de impostos é um bem a longo prazo? Olhando para o censo de 2013, reparamos que a população entre os 45-54 anos, representava 17.7% do total. O número de homens nesta faixa etária era de 587.900, e o número de mulheres ascendia aos 681.700. As outras faixas etárias apareciam representadas da seguinte forma: Grupo etário % da população homens mulheres 0-14 11.0% 408.000 382.600 15-24 11.7% 424.500 417.900 25-34 15.2% 454.900 639.700 35-44 15.9% 471.500 671.800 A diminuição da população significa a diminuição da força de trabalho, logo a diminuição da receita do Governo em impostos salariais. Ninguém tem vontade de pagar mais impostos. A redução de impostos faz toda a gente feliz. No entanto, estes números mostram a realidade daqui a 20 anos. No futuro, as receitas provenientes dos leilões de terrenos e do imposto de selo continuarão a ser altas, a população e a força de trabalho continuarão baixas e as receitas do Governo vão ressentir-se. Para além disso, os lucros provenientes dos leilões de terrenos representam aumento de receitas, mas também representam aumento dos preços da habitação. A venda dos terrenos por preços elevados inflaciona o preço das casas. Comprar um apartamento em Hong Kong é, como sabemos, um verdadeiro pesadelo. A instabilidade das receitas leva a que o Governo de Hong Kong tenha falhado na implementação de algumas políticas necessárias, como o plano de reformas e um serviço de saúde acessível. Se o Governo não conseguir resolver os problemas levantados pelos cuidados de saúde, habitação e reformas, o mal-estar acaba por se instalar. Macau tem uma situação melhor do que a de Hong Kong porque as receitas do jogo são sempre estáveis. A diminuição da população revela-se menos problemática podendo implementar-se com mais facilidade medidas de protecção social, como a criação de um fundo de garantia.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOlho por olho e ficamos todos cegos [dropcap style=’circle’] R [/dropcap] ecentemente, ficámos a saber pelos jornais que, nos EUA, um homem tinha sido preso por tentar atacar o agressor sexual das suas duas filhas, o clínico do centro de medicina desportiva da Universidade de Michigan, Larry Nassar. O caso ocorreu durante uma audiência, que teve lugar no início de Fevereiro. O pai das jovens, Randal Margraves, atacou o réu após as filhas terem prestado depoimento. No Tribunal, Margraves encontrava-se de pé, junto à mesa onde estavam sentados os seus dois advogados. Foi então que Margraves dirigiu um pedido à juíza Janice Cunningham, “Por favor, conceda-me cinco minutos a sós com o filho da mãe.” A juíza recusou o pedido, como é natural. “Então por favor, apenas um minuto.” A magistrada voltou a recusar. Nessa altura, Margraves disparou em direcção a Nassar, com o fito de o morder, mas acabou por ser impedido pelos funcionários do Tribunal. A audiência foi adiada por 30 minutos. Quando retomou, Margraves pediu desculpa. Foi detido por breves momentos, mas o juiz que analisou o caso recusou-se a prende-lo por ofensas ao Tribunal. Margraves contou ao juiz, “Não estou aqui para me sobrepor às minhas filhas. Estou aqui para as ajudar a ultrapassar esta situação horrível.” O juiz retorquiu, “Não posso tolerar nem pactuar com atitudes vigilantes ou com comportamentos vingativos. No entanto, devido às circunstâncias, este Tribunal não lhe aplicará qualquer castigo.” “Ninguém está a desculpá-lo. Contudo, existem procedimentos legais, e o sistema judicial faz o que é suposto fazer.” Dois dias mais tarde, o procurador Douglas Lloyd declarou que Nassar não pretendia processar Margraves. O comportamento de Margraves no Tribunal é compreensível em face do que aconteceu às filhas. Mas qualquer agressão é inaceitável, sobretudo se ocorrer num Tribunal. Se começarmos a clamar por vingança abrimos as portas a situações incontroláveis. Foi o que a juíza Cunningham quis dizer quando referiu “olho por olho, e ficamos todos cegos”. A vingança é obviamente inaceitável. Para punir o crime existem os Tribunais e nunca devemos ir além disso. A justiça nunca pode passar por vinganças pessoais. O propósito dos nossos sistemas jurídicos é a aplicação de pena pelo Tribunal – para promover a ordem, o direito e impedir a vingança. A vingança só pode gerar o caos. Mas para impedir comportamentos vingativos, é necessário que exista um sistema jurídico de total confiança. O sistema deve proporcionar justiça às vítimas. Será que neste caso o castigo aplicado a Nassar foi justo? É difícil dizer, até porque o castigo nunca é proporcional ao sofrimento das vítimas. Se o caso for muito grave, é ainda mais difícil determinar o que é “proporcional”. Em 2005, Chun-kwok, um polícia de Hong Kong patrulhava as ruas sozinho e mandou parar um suspeito, de seu nome Chi-Yung Liu. Nessa altura, o suspeito esfaqueou o polícia no pescoço. Devido à hemorragia o agente ficou em coma, porque o cérebro deixou de ser oxigenado e acabou por ficar em estado vegetativo. Os médicos afirmaram que será praticamente impossível haver uma recuperação. Como o suspeito se entregou à polícia só foi condenado a 10 anos de prisão. Ao fim de 5 anos e 9 meses, saiu em liberdade condicional, por bom comportamento. Por ter sido ferido no cumprimento do dever, o Governo da RAEHK foi obrigado a pagar uma indemnização a Chun-kwok, que se traduziu nos seguintes termos: a. Pagamento de salário e pensão mensais b. Cobrir todas as despesas médicas c. Pagamento de uma indemnização avultada à esposa do agente d. Assumir os encargos do curso superior que a filha de Chun fez na Austrália. Para além disto, a Força Policial de Hong Kong realojou às suas custas a família de Chun-kwok. Neste caso o castigo aplicado ao agressor pode ser comparado ao sofrimento causado à vítima? Ter-se-á feito justiça? Terão as avultadas quantias de dinheiro compensado a família por, na prática, ter perdido um ente querido? Mais uma vez, são questões de difícil resposta. Mas, sejam quais forem as nossas opiniões, nunca podemos aceitar que se faça justiça pelas próprias mãos. O castigo aplicado ao agressor deverá ser proporcional aos danos que causou. Para bem de todos, a justiça nunca pode passar as portas do Tribunal.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO autocarro da tragédia [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ntes do mais, Feliz Ano Novo a todos os meus leitores. Desejo-vos tudo de bom no Ano do Cão. Esperava-se que nesta época todos os chineses estivessem felizes, a celebrar na companhia das suas famílias. No entanto, isso não foi verdade para todos, porque no dia 10 de Fevereiro houve um terrível acidente com um autocarro que provocou 19 vítimas mortais e 67 feridos. Por volta das 6:15h da manhã, um autocarro da KMB, da carreira 872, vinha de Sha Tin com destino a Tai Po. Alegadamente o condutor perdeu o controlo do veículo numa curva perto de Tai Po Mei, o autocarro despistou-se e capotou sobre um dos lados. Os passageiros afirmaram que o condutor vinha a descer a rua a toda a velocidade. Aparentemente o motorista tinha sido informado que estava a circular com atraso. “Você está 10 minutos atrasado” terá dito um passageiro ao condutor. “Ele estava irritado porque algumas pessoas reclamaram do atraso e nessa altura começou a conduzir como se fosse a pilotar um avião.” Outro passageiro afirmou: “Ele estava a conduzir muito depressa, demasiado depressa para quem vem numa descida.” O motorista foi detido por condução perigosa, causadora da morte de vários passageiros e de ferimentos graves em muitos outros e aguarda o desenrolar das investigações. Após a ocorrência deste acidente, o mais mortal dos últimos 15 anos envolvendo um autocarro, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, cancelou a agenda que tinha programada para o segundo dia do Novo Ano Lunar. O gerente da KMB, Godwin So Wai-kei, declarou que o motorista, de 30 anos de idade, tinha ingressado na companhia em 2014. Em Setembro passou a trabalhar a tempo parcial. O condutor conhecia bem esta carreira, que só se efectua em dias feriados, e tinha realizado este percurso há três semanas atrás. O condutor tinha efectuado turnos de sete horas nos últimos quatro dias e, no Sábado, tinha um turno de quatro horas. O administrador da KMB, Roger Lee Chak-cheong, declarou que 560 dos 8300 motoristas ao serviço da companhia trabalham a tempo parcial. Destes, 80 por cento têm mais de 60 anos e foram readmitidos após a reforma. “Os motoristas a tempo parcial, desempenham um papel importante nas companhias rodoviárias, especialmente durante as horas de ponta, porque ajudam a colmatar as necessidades extra.” “[Mas] aos olhos da opinião pública … os motoristas a tempo parcial podem causar alguma desconfiança. Nesta altura, esperamos poder proporcionar aos passageiros condições que os façam sentir-se mais confiantes.” Estas declarações levantam outra questão. Nos dias que se seguiram ao acidente, vários representantes do sindicato dos motoristas criticaram a KMB por não monitorizar mais de perto o trabalho dos funcionários temporários. Estas declarações dão resposta às causas do acidente, às preocupações dos funcionários e do público? Ninguém sabe ao certo, mas a KMB suspendeu temporariamente as escalas de 209 motoristas temporários, bem como a contratação de novos condutores a tempo parcial, para atenuar as inquietações do público. No entanto, este caso não termina aqui. Neste momento, existe um movimento que reclama melhores salários e melhores condições para os motoristas. As negociações com a administração da KMB não deram bom resultado e ficou marcada uma greve para os dias 24 e 25 deste mês. Mas será que existe uma relação directa entre a greve e o acidente? Por enquanto, ninguém sabe. Seja como for, as declarações dos motoristas efectivos sobre a necessidade de monitorizar mais de perto o trabalho dos seus colegas temporários, indicam que se deverá dar mais atenção a este aspecto. Existem vantagens óbvias no recrutamento de pessoal a tempo parcial em Hong Kong. A Lei do Trabalho estabelece claramente que os trabalhadores a tempo parcial usufruirão apenas dos benefícios definidos no contrato. Ou seja, os benefícios estatutários estabelecidos na lei não se aplicam a estes trabalhadores. Desde que o empregador pague o salário mínimo e faça as contribuições para o fundo social não se levantam mais questões. A empresa não terá de garantir férias, nem licenças de maternidade, nem outros benefícios, ao contrário do que é obrigada a fazer com os trabalhadores efectivos. Os custos operacionais com os trabalhadores efectivos são muito superiores àqueles que a empresa suporta com os trabalhadores temporários. Mas, se por um lado os trabalhadores a tempo parcial ajudam a empresa a reduzir custos, por outro lado levantam alguns problemas. A falta de compromisso da empresa para com o trabalhador gera necessariamente falta de empenho, não existe incentivo para uma dedicação ao trabalho. No final acabam sempre no desemprego. Além disso, é natural que os trabalhadores temporários tenham prioridade na escolha dos horários. Se não houver horários disponíveis os temporários não trabalham. Mas como a empresa não quer que isso aconteça, a maior parte das vezes é dada aos temporários a prioridade na escolha das escalas de serviço. Numa empresa em que o trabalho tem de ser escalonado, os efectivos devem dar prioridade aos temporários na escolha dos horários. Mas será que a escala preferencial é a melhor escala? A resposta fica em aberto. Ao contrário de Macau, em Hong Kong os horários nocturnos não são mais bem remunerados. Quem trabalha à noite recebe o mesmo do que quem trabalha de dia. Agora imagine que é um trabalhador efectivo. Nestas condições, permitia que o trabalhador temporário trabalhasse de dia e deixasse a noite para si? Estes problemas existem em todas as empresas com trabalho escalonado e trabalhadores efectivos e temporários. Não são exclusivos da KMB. De qualquer forma vale a pena discutir estas questões, até porque, recentemente, o Governo de Macau anunciou que pretende criar uma nova legislação para regular as relações entre empregadores e trabalhadores a tempo parcial. Segue-se a transcrição do parágrafo 2.2 da proposta: “2.2. Breve apresentação do regime de trabalho a tempo parcial Assim como foi referido atrás, quando foi elaborada a Lei n.º 7/2008 (Lei das relações de trabalho), a 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, após discussão, concordou que, dada a natureza das relações de trabalho a tempo parcial e a modalidade da sua prestação de trabalho, seria necessário regulamentar esse tipo de relações de trabalho segundo um regime diferente, por isso a “Lei das relações de trabalho” estipula que o trabalho a tempo parcial é regulado por legislação especial. Nessa altura, a 3ª Comissão expressou que o trabalho a tempo parcial só era diferente em termos da duração de trabalho, e que essa diferença deveria ser contemplada por lei, através do princípio da proporcionalidade e da equiparação de conteúdos funcionais.” Este parágrafo demonstra claramente que o trabalho a tempo parcial só se deverá diferenciar pela duração e que todos os benefícios deverão ser proporcionais a quem trabalha a tempo inteiro. A ideia é boa. Mas será que pode vir a resolver todos os problemas levantados pelo trabalho tempo parcial, necessariamente mais precário? Além disso se os trabalhadores efectivos fizerem horas extraordinárias, como é que serão reguladas? As “horas extraordinárias” equivalerão a trabalho “a tempo parcial”? Esperemos que a nova legislação venha dar resposta a estas dúvidas.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesExame de mandarim II [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o meu artigo, publicado a 30 de Janeiro, analisei a situação dos estudantes da Universidade Baptista de Hong Kong que, devido à alta taxa de insucesso no exame de mandarim (70% de reprovações) ocuparam parte das instalações da Universidade. Este exame é condição necessária para a obtenção do grau de Bacharel, os estudantes têm de comprovar os seus conhecimentos de mandarim. A prova foi implementada há cerca de 10 anos atrás. Numa votação realizada em Abril de 2016, 90% dos estudantes manifestaram-se contra a realização deste exame como etapa necessária à graduação. Desde essa altura, a Universidade entrou em negociações com os estudantes e, finalmente, em Novembro de 2017 a prova regressou. Durante as várias reuniões que tiveram lugar antes da reactivação do exame, a Universidade garantiu que iria ser uma prova simples, os estudantes precisavam apenas de demonstrar que possuíam as competências para comunicarem em mandarim. Era esperada uma taxa de 90% de sucesso no exame. No entanto, verificou-se o contrário e só passaram 30% dos alunos. A causa do fracasso dos estudantes terá sido a seguinte: “Você fala mandarim fluentemente, mas o tom não corresponde ao que era pedido na pergunta, por isso não pode passar”. Este tipo de razões causou um grande descontentamento nos estudantes e deu origem à ocupação das instalações. O género de linguagem com que o presidente da Associação de Estudantes, Lau Tsz-kei, se dirigiu aos professores provocou muitas críticas, porque revelava falta de respeito pelos docentes. Foram também acusados de ter posto em risco a segurança dos funcionários. A Universidade reagiu de imediato e Lau Tsz-kei, Andrew Chan Lok-hang e outros colegas foram suspensos a 24 de Janeiro último. No dia 30, todos eles apresentaram formalmente desculpa aos professores do Centro de Línguas. A 1 de Fevereiro, na sequência do pedido de desculpas, a Universidade anulou a ordem de suspensão dos estudantes. No entanto, dois destes alunos foram sujeitos a um processo disciplinar, que terá lugar no próximo dia 15. Este incidente deu origem a grandes controvérsias. Em primeiro lugar, poucos dias após a ocupação do Centro de Línguas, apareceu escrito nas paredes “Mandarim, Não”. Os estudantes manifestaram-se para dar a conhecer os motivos do seu descontentamento. Os professores sentiam-se numa posição desconfortável. Mais de 100 docentes escreveram uma carta ao Reitor a testemunhar incómodo devido ao comportamento dos estudantes. Os que estiveram presentes no Centro de Línguas durante a ocupação, afirmaram que a sua segurança esteve em risco. Cheng Chung Tai, membro do Conselho Legislativo, escreveu à Comissão para a Igualdade de Oportunidades no dia 17 de Janeiro, salientando que as políticas adoptadas no exame de graduação poderiam estar em colisão com a lei contra a discriminação, porque os estudantes de Hong Kong são obrigados a estudar mandarim e os estudantes do continente não são obrigados a estudar cantonês. Além disso, os estudantes estrangeiros tanto podem aprender mandarim como cantonês. A partir destes exemplos, podemos verificar que os estudantes lutaram para defender os seus interesses. Também lhes tinha sido dada uma expectativa de 90% de resultados positivos. Como esta percentagem baixou dramaticamente para os 30%, sentiram-se defraudados pela Universidade. A revolta e a frustração estiveram na origem da ocupação do Centro de Línguas. Mas os comportamentos excessivos provocaram criticas por parte da sociedade. Será o mandarim uma língua difícil de aprender? A resposta será “provavelmente, não”, sobretudo, para os estudantes de Hong Kong. Eles já a escrevem, da mesma forma que os estudantes do continente. A questão aqui é saber pronunciá-la. Não parece ser muito difícil. A revolta destes jovens deve ter sido provocada pelo grande número de reprovações. Antes de se fazer o exame, ninguém pode saber ao certo qual vai ser a taxa de sucesso. Apesar disso a Universidade apontou para uma taxa de 90% de êxito. Mas era só uma previsão. Com apenas 30% dos alunos a passarem o exame, é necessário analisar as razões deste fracasso e decidir o que fazer a seguir. O descontentamento dos estudantes é compreensível, mas não justifica a ocupação das instalações. A ocupação perturbou a actividade do Centro e afectou outros estudantes que não estavam envolvidos nesta prova, o que não deixou de ser injusto. Em segundo lugar, estaremos perante um logro? Será que a Universidade quebrou uma promessa? Ou será que os estudantes falam mal mandarim? Até ao momento não existem respostas a estas perguntas. O melhor a fazer é procurar um entendimento entre a Universidade e os alunos. Os alunos terão de encontrar respostas a estas interrogações e decidir as medidas a tomar. Mesmo que os estudantes percebam que houve algum logro, devem tentar compreender os motivos e procurar um entendimento com a Universidade. Todos os problemas que ocorreram ficaram a dever-se à falta de comunicação e de negociação. E porque é que os estudantes não negociaram com a Universidade? Talvez porque hoje em dia os jovens são demasiados auto-centrados. A baixa taxa de natalidade em Hong Kong leva as escolas a tratarem os estudantes com mil cuidados. Desde a escola primária, passando pela secundária e, finalmente, pela Universidade, os estudantes são sempre um trunfo. Usam-nos para receber benefícios. Se alguma coisa lhes desagradar, convencem-se que estão a ser maltratados. É natural que existam comportamentos menos razoáveis quando as pessoas acreditam que estão a ser maltratadas. Mas este caso já assumiu contornos políticos. A carta que Cheng Chung Tai dirigiu à Comissão para a Igualdade de Oportunidades, apontando para uma possível infracção à lei contra a discriminação, pode causar problemas. Uma questão que poderia ter sido resolvida internamente está a complicar-se. Esta queixa não é bem-vinda. O Ano Novo Chinês está a chegar. Desejo a todos os meus leitores o melhor para este Ano do Cão. Feliz Ano Novo.
David Chan VozesCirurgia em suspenso [dropcap style≠‘circle’]E[/dropcap]m Hong Kong, no passado dia 13 de Outubro, o Dr. Kelvin Ng Kwok-chai saiu à pressa do Hospital Queen Mary, antes de terminar um transplante de fígado que estava a realizar. O Dr Kevin saiu para efectuar uma operação que tinha agendada numa clínica particular. A conclusão do transplante foi adiada por três horas, até ao seu regresso. O Dr. Kelvin contava que a cirurgiã chefe, a Drª. Tiffany Wong Cho-lam, tivesse continuado o transplante após a sua saída. Mas como surgiram alguns imprevistos, a Drª. Tiffany decidiu suspender a intervenção até à vinda do colega. No período em que ocorreu este incidente, o Dr. Kelvin estava sob contrato especial a tempo parcial com o Hospital Queen Mary, celebrado devido à escassez de cirurgiões especialistas na sua área, e era consultor honorário deste hospital. As condições especiais do contrato foram determinadas pela falta de “cirurgiões altamente qualificados” capazes de realizar intervenções mais complexas. O Queen Mary é o único hospital público de Hong Kong a realizar transplantes de fígado. Um “cirurgião altamente qualificado” tem de ter, no mínimo, 17 anos de prática cirúrgica. Os dados demonstram que só existem sete médicos no Queen Mary capazes de efectuar com sucesso um transplante de fígado. No passado mês de Dezembro, um painel de investigação emitiu um relatório que foi entregue ao Hospital. Salientava que o Dr. Kelvin estava convicto que a sua colega, a Drª. Tiffany, tinha condições para concluir o transplante sozinha. No entanto, os dois médicos não tinham discutido nenhum plano de emergência. O Dr. Kelvin também não tinha tomado medidas para evitar eventuais conflitos entre as chamadas de emergência do Hospital Queen Mary e as marcações na clínica privada. O relatório concluiu que o procedimento do Dr. Kelvin foi “inaceitável” e “desnecessário”. O painel de investigação recomendou que o Hospital Queen Mary lançasse um código de conduta de forma a regular os papéis e responsabilidades do pessoal honorário. O Hospital foi também instado a realçar que, os médicos de serviço devem agir atempadamente de forma a dar resposta pronta às necessidades dos pacientes. Após a publicação do relatório o Dr.Kelvin afirmou: “Aceito as conclusões do relatório. Continuo ao serviço do Hospital a tempo parcial. O meu cargo a tempo inteiro na Universidade de Hong Kong mantem-se.” A Autoridade Hospitalar de Hong Kong está a considerar separar os processos de forma a determinar se o Dr. Kelvin deverá ou não ser acusado. O chefe da unidade de transplantes do fígado da Universidade de Hong Kong, o Professor Lo Chung-mau, declarou que o Dr. Kelvin é um médico muito dedicado. Adiantou ainda que, se for castigado e impedido de trabalhar no de Hospital Queen Mary, serão os doentes os principais prejudicados. O Professor Lo prosseguiu: “Nestes casos, o objectivo da punição não deve ser provocar mal-estar – mas sim permitir que mais doentes sejam ajudados.” O Professor Lo disse ainda que aqui não está em causa a ética profissional, mas sim o julgamento pessoal do Dr. Kevin. “Se ele tivesse deixado o doente por motivos pessoais, digamos, para ir ao restaurante ou ao cinema, estaria em causa a ética profissional. No entanto, acredito que nesta situação, ele foi obrigado a pôr no prato da balança as duas situações… Se ele não tivesse ido à clínica, o outro doente poderia processá-lo.” Este caso deu muito que falar em Hong Kong e não deixa de ser compreensível. Abandonar um paciente durante uma operação é caso para preocupação generalizada. Quando um doente se submete a uma cirurgia, põe a sua vida nas mãos do médico. Felizmente, nesta situação não houve consequências graves. Se tivesse havido alguma complicação que afectasse a saúde do doente, o médico podia ter sido processado por negligência. Mas, como não houve danos, a questão da negligência não se coloca. Será que abandonar um doente durante uma operação implica quebra do código de conduta profissional? A resposta depende da natureza do código de conduta em causa. Os códigos de conduta implementados pelo Conselho Médico são preceitos e normas que regulam os procedimentos médicos. Se o código de conduta não especificar que o médico não pode abandonar o doente durante uma operação, dificilmente se poderá falar de má prática profissional. Pelo que se sabe, o Dr. Kelvin será castigado internamente, mas, no entanto, devemos ter em conta as declarações do Professor Lo. Se o Hospital reduzir o horário de consultas do Dr. Kelvin, os doentes serão afectados pela ausência de um médico altamente qualificado. Mas se não houver qualquer punição, vão fazer ouvir-se muitas vozes em Hong Kong. Aparentemente, estamos perante um dilema. Seja como for, é inaceitável um médico abandonar um doente durante uma operação. Não se pode permitir este comportamento. É necessário implementar novas regras de conduta da prática médica de forma a impedir que casos semelhantes ocorram no futuro. A experiência de Hong Kong é vital para Macau, já que é necessário reflectir sobre a melhor forma de alterar o nosso sistema de saúde.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesExame de mandarim [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s estudantes Lau Tsz-kei e Andrew Chan Lok-hang foram suspensos na sequência do envolvimento nos protestos contra a obrigação do exame de mandarim. Os incidentes ocorreram no campus da Baptist University, Hong Kong. Inicialmente estiveram envolvidos 30 alunos nos protestos. Os estudantes começaram por abordar os funcionários do Centro de Línguas da Universidade. Um vídeo clip mostra Lau a falar de forma rude e incorrecta. Este exame é obrigatório há muito tempo e é condição necessária à formatura. No entanto, alguns alunos alegam que o exame é bastante difícil e requerem a sua isenção, se puderem provar que o seu domínio do mandarim é suficientemente bom. Lau e Andrew eram dirigentes activos de um grupo de apoio à língua cantonesa na Universidade. Lau afirma que nem ele, nem nenhum dos seus colegas, ameaçou qualquer funcionário, no entanto admite que os manifestantes estavam um pouco “acalorados”. “Só queríamos dialogar e colocar dúvidas. Não penso que isto fosse uma ameaça à segurança destas pessoas. Na realidade, eles podiam entrar e sair à vontade do gabinete. Por acaso até os ajudamos a recolher algumas cartas … não houve qualquer contacto físico.” Mas Roland Chin Tai-hong, Presidente da Universidade, não partilha desta opinião e acredita que os comportamentos dos estudantes puseram em causa a segurança dos funcionários. A suspensão temporária, independente da conclusão do processo disciplinar, foi necessária. “Investigações preliminares determinaram que, nesse dia, a conduta dos estudantes fez com que os professores se sentissem ameaçados e insultados. Este comportamento vai contra o código de conduta do aluno. Todos os estudantes, funcionários e professores se sentiram insultados com este incidente.” Roland Chin, adiantou que, a partir deste pressuposto, o director dos assuntos estudantis, Gordon Tang Yu-nam, recomendou de imediato a suspensão dos dois alunos. “Ficam impedidos de assistir a aulas e comparecer a exames, mas podem entrar no campus.” Os estudantes reagiram mal e apelidaram o Presidente da Universidade de “insensível”. Lau declarou: “Estou chocado. Normalmente estas decisões são tomadas depois da conclusão da investigação.” No seguimento da divulgação deste caso na imprensa, Andrew recebeu mais de 100 mensagens com ameaças de espancamento e morte no Facebook. Acabou por decidir suspender o seu internato de um ano no Hospital de Medicina Chinesa da Província de Guangdong e regressar a Hong Kong, porque o Hospital estava a receber telefonemas com ameaças. O outro estudante suspenso, Andrew, afirmou: “Continuo a receber inúmeras mensagens com insultos e ameaças e o Presidente não toma quaisquer medidas, só pensa em castigar-nos e não faz nada quanto à nossa segurança.” Mas o Presidente da Universidade diz que isso não é verdade e que está preocupado com a situação. Afirma que pediu à Escola de Medicina Chinesa que enviasse um professor para acompanhar Andrew no seu regresso a Hong Kong. Tanto quanto se pode perceber, a maior parte das pessoas condena o comportamento destes estudantes. Só porque não conseguem passar no exame de mandarim, alguns alunos criaram um movimento contra esta prova. Daqui resultaram comportamentos abusivos e, aparentemente, funcionários e professores foram insultados. Os estudantes negam estas alegações e afirmam que ninguém sofreu danos físicos e que é não é aceitável castigar antes da conclusão da investigação. Mas a que é que se devem estes comportamentos dos estudantes? Nos anos 90, o Governador de Hong Kong David Wilson alargou o leque de Universidades para combater a saída de estudantes para o estrangeiro. Desde essa altura, existem cada vez mais Universidades de Hong Kong, o que aumenta significativamente a competição entre elas. Os alunos são tratados mais como “clientes” do que como “estudantes”. Diria mesmo que são tratados como “VIPs”. Estão ao dispor serviços de “excelência”, nomeadamente passar o maior número de alunos possível. Um grau elevado de reprovações não é um bom cartão de visita para a Universidade, pode conduzir a um decréscimo de inscrições. Os estudantes apercebem-se desta “condição” e, portanto, esforçam-se pouco. Deixaram de estar concentrados no estudo. Para além disto, por causa dos preços elevadíssimos da habitação, hoje em dia em Hong Kong a maioria dos casais tem apenas um filho. Os pais concentram todo o seu afecto nessa criança. Quando cresce, pode ser levada a acreditar que é merecedora de toda a atenção deste mundo. Acrescenta ainda uma certa tendência, inclusivamente veiculada através do Conselho Legislativo de Hong Kong, que pode criar nos jovens a ilusão de que têm direito a tudo. Neste enquadramento social, não é de estranhar que os estudantes se sintam à vontade para gritar, protestar e dizer os disparates que quiserem. É também por isto que acham que, se ninguém sair ferido, não fizeram nada de mal. Tratar os estudantes como VIPs pode dar origem a grandes problemas.
David Chan VozesNovo rosto na Justiça [dropcap style≠‘circle’]E[/dropcap]m Hong Kong, no passado dia 6, a nova Secretária da Justiça tomou posse. Chama-se Teresa Cheng Yeuk-wah e vem substituir Rimsky Yuen Kwok-keung. Embora Rimsky não tenha explicado os motivos da sua demissão do cargo, tudo indica que esta se ficou a dever principalmente a motivos de saúde. Teresa Cheng Yeuk-wah é Conselheira Sénior em Hong Kong. Foi também presidente do Centro para Arbitragem de Disputas Financeiras, a delegação de Hong Kong do Centro Internacional para Arbitragem de Disputas Financeiras, e vice-presidente do Conselho Internacional de Arbitragem Comercial. Os sistemas jurídicos de Hong Kong e de Macau são diferentes, especialmente no que diz respeito ao exercício da advocacia. Em Hong Kong os causídicos dividem-se em dois grupos, os solicitadores e os advogados de barra. Estes últimos, também designados por “conselheiros”, são especialistas em todo o tipo de litígios e podem exercer nos Tribunais de todas as instâncias. Ao contrário, o solicitador tem acesso apenas a alguns Tribunais. Para aceder às mais altas instâncias o solicitador precisa de uma autorização especial. O advogado de barra pode vir a receber os títulos de Conselheiro e de Conselheiro Sénior. Esta atribuição terá de ser aprovada pelo Supremo Tribunal. O Título de Conselheiro Sénior só pode ser atribuído a advogados com desempenho de excelência em Tribunal, especialmente no que diz respeito à análise de casos. Tanto Rimsky como Teresa Cheng receberam o título de Conselheiro Sénior, o que significa que ambos são excelentes advogados. De acordo com o artigo 63º da Lei Básica de Hong Kong, o Secretário da Justiça tem o poder de decidir quem deverá ser processado. Este artigo garante a independência do poder jurídico. É também mais um garante do estado de direito. Em Macau, o artigo 90º da Lei Básica enuncia: “Os Procuradores da Região Administrativa Especial de Macau deverão exercer as suas funções, conforme está consignado na Lei, de forma independente e livre de quaisquer interferências.” A função deste artigo é equivalente à do artigo 63º da Lei Básica de Hong Kong. Na sua primeira conferência de imprensa, Teresa Cheng afirmou: “Por vezes, as pessoas fazem leituras diferentes do conceito ‘um País, dois sistemas’ e talvez também da Lei Básica. No entanto, se persistirmos na aplicação dos princípios legais, e analisarmos objectiva e racionalmente a Lei Básica, promulgada pelo Congresso Nacional do Povo de acordo com a constituição da República Popular da China, acabaremos por chegar todos ao mesmo entendimento legal.” Teresa Cheng adiantou ainda: “A primeira missão do Secretário da Justiça é garantir a manutenção do estado de direito.” Estas declarações demonstram que Teresa Cheng vai tomar as suas decisões em estrito acordo com a Lei, no entanto a situação não lhe é muito favorável. A nova Secretária da Justiça vai enfrentar uma série de desafios, como a questão da partilha alfandegária, a Lei do Hino Nacional e os recursos dos membros do movimento “Occupy Central” de Hong Kong. No entanto, até ao momento, não existem rumores sobre a criação de leis relacionadas com o artigo 23º da Lei Básica. A legislação sobre segurança nacional deverá ser elaborada posteriormente. A partir deste primeiro discurso, podemos depreender que Teresa Cheng é forte e que defende firmemente o estado de direito. É possível que a sua experiência como mediadora de conflitos comerciais lhe tenha conferido uma certa cordialidade que a pode vir a ajudar a lidar com os diferentes grupos de interesses. Mas o seu passado também indica que ela não é muito hábil a lidar com questões políticas. A construção ilegal da sua residência na Villa de Mer, Siu Lam, Tuen Mun é um dos melhores exemplos para o ilustrar. Há um tempo atrás, a construção ilegal da casa do antigo Chefe do Executivo, C Y Leung, deu muito que falar em Hong Kong. Foi também o caso do Secretário-Chefe Henry Tong. Teresa Cheng caiu no mesmo erro e, além disso, não deixou esta questão resolvida antes da sua designação para o cargo, o que não é bom para ela nem para o Governo da RAEHK. Embora tenha apresentado desculpas públicas no primeiro dia no exercício de funções, não se pode livrar das críticas. Uns dias depois surgiram mais notícias. O Governo da RAEHK autorizou Teresa Cheng a manter o seu lugar de mediadora em seis casos de arbitragem de conflitos. Apesar disso o Governo garante que não existe conflito de interesses, e assegura que não faz parte das funções do Executivo envolver-se nestes assuntos. Os casos vão-se somando, um atrás do outro. Os acontecimentos demonstram claramente que não é fácil ser membro do Governo de Hong Kong.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPartilha aduaneira II [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada falámos sobre a instalação de postos aduaneiros da China continental e de Hong Kong, – responsáveis pelo controlo alfandegário, de imigração e pelos procedimentos de quarentena -, na West Kowloon Station (WKS). Estes postos estarão situados no terminal do troço ferroviário que liga Guangzhou e Shenzhen a Hong Kong e que faz parte da Hong Kong Express Rail Link (XRL). O acordo de partilha aduaneira tem dado muito que falar em Hong Kong. Ficámos a par dos argumentos apresentados por Li Fei, Sub-Secretário Geral do Comité para a Lei de Bases e Presidente do Comité Permanente do Congresso Nacional Popular (CPCNP). Também acompanhámos as opiniões de Ronny Tong, Conselheiro Sénior e membro do Conselho Executivo, de Eric Cheung Tat-ming responsável pela cadeira de Direito da Universidade de Hong Kong e membro da Ordem dos Advogados e, finalmente, ouvimos Elsie Leung Oi-sie, a primeira Secretária da Justiça após a reunificação de Hong Kong. Hoje continuaremos a analisar este assunto. O Governo da RAEHK tinha declarado, há algum tempo atrás, que o acordo de partilha aduaneira seria implementado em três fases. A primeira fase passaria pela assinatura por ambas as partes das condições estabelecidas. A segunda fase passaria pela aprovação do Congresso Nacional Popular e, finalmente, a legislatura de Hong Kong criaria por decreto a legislação adequada para implementar a decisão. A primeira fase concluiu-se dia 18 de Novembro. A segunda a 27 do mesmo mês, dia em que o Congresso Nacional Popular aprovou o acordo. A terceira fase – tornar a decisão parte da lei de Hong Kong – deverá estar concluída ainda este ano. Para essa altura espera-se que haja mais burburinho em redor desta questão. Maria Tam, membro do Comité da Lei de Bases de Hong Kong (LBHK), afirmou: “A jurisdição de Hong Kong não se deve sobrepor às decisões do Congresso Nacional.” Estas declarações indicam claramente que o Tribunal de Hong Kong não irá contra as decisões do Congresso. Maria Tam adianta: “Não podemos ler ou esperar que (a decisão do CPCNP respeitante ao acordo de partilha aduaneira) esteja escrita como as deliberações do Tribunais de Hong Kong.” Quem tiver acesso ao assento de um julgamento de um dos Tribunais de Hong Kong, pode verificar que são elencadas muitas razões, são referidas muitas leis e são citados muitos precedentes, de forma a apoiar a decisão tomada pelo juiz. O Professor Johannes Chan Man-mun, antigo Reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Hong Kong, afirma que as interpretações da Lei de Bases feitas pelo Congresso Nacional Popular prevalecem sobre os Tribunais locais (ver artigo 158 da LBHK), mas o mesmo não se aplica às decisões tomadas por aquele órgão. “O CPCNP toma muitas decisões … o princípio ‘um País dois sistemas’ define que as políticas do continente não se aplicam directamente a Hong Kong. Continua a ser uma questão sobre a natureza das decisões do Congresso Nacional.” Johannes Chan continua: “Num estado de direito, as pessoas ficam desiludidas se as autoridades não conseguirem explicar claramente as bases legais de um projecto que está em curso há oito anos.” A 30 de Dezembro último, enquanto o debate prosseguia, foi vista pela manhã, na encosta da Kowloon Lion Rock, uma faixa amarela com 30 m de comprimento onde se podia ler “defendamos Hong Kong”. Não se sabe porquê nem quem a colocou. A faixa foi retirada as 11h da manhã do mesmo dia. O antigo Presidente do Conselho Legislativo de Hong Kong, Jasper Tsang Yok-sing, escreveu na sua coluna, publicada num jornal de língua chinesa, que o acordo de partilha aduaneira não está em conflito com o princípio “um País, dois sistemas”. Mas, se pessoas de responsabilidade continuarem a insistir que este acordo vai contra a Lei de Bases de Hong Kong, só conseguirão fazer diminuir a confiança da população na Lei Básica da cidade. “A administração irá permitir que os funcionários continentais apliquem as leis nacionais no terminal ferroviário.” “A Lei Básica não deixa espaço para a implementação do acordo de ‘partilha aduaneira’, o Governo não deve tentar encontrar justificações nas cláusulas da lei, deve sim admitir que esta situação não podia ter sido prevista pelos legisladores há 20 anos atrás. A manter esta posição, vai criar nas pessoas o medo de não continuarem a estar protegidas pela Lei Básica de Hong Kong.” “O Governo deverá admitir que este acordo é especial e excepcional. As disposições do acordo não contradizem o modelo “um País, dois sistemas” ao abrigo do qual é garantido por Pequim a Hong Kong um alto grau de autonomia.” Mas, é possível que esta frase de Li Fei elimine de vez as preocupações da sociedade de Hong Kong: “Se está preocupado com a aplicação da lei chinesa na WKS, não apanhe o comboio da Express Rail Link em Hong Kong.”
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPartilha aduaneira (Parte I) [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] acordo de partilha aduaneira que permitirá a instalação dos serviços de alfândega, imigração e quarentena, tanto da China continental como de Hong Kong, na West Kowloon Station (WKS), no terminal da linha que une Guangzhou e Shenzhen a Hong Kong (XRL), foi anunciado a 25 de Julho do ano passado. Desde então, este assunto tem dado muito que falar na cidade. O portal do Governo da RAEHK salienta que “a principal razão que conduziu a este acordo foi a possibilidade de os passageiros fazerem o controlo de entrada e saída no mesmo local, sem mais transtornos. O troço de 26 km da Secção de Hong Kong da XRL, une a cidade à imensa linha nacional chinesa, reduzindo substancialmente o tempo de viagem entre Hong Kong e as principais cidades da China.”. Quem parte, passa logo pelos dois postos fronteiriços na zona de trânsito da West Kowloon Station e, por isso, à entrada na China continental não vai ser submetido a mais nenhum controlo. Por seu lado, quem vem, pode embarcar livremente em qualquer ponto da linha e à chegada faz o controlo de saída e de entrada no mesmo local. Além disso, quem visita Hong Kong não precisa de se preocupar se existe ou não posto fronteiriço na sua estação de embarque.” Sem o acordo de partilha aduaneira, “os passageiros só podiam embarcar ou sair em estações com serviços de fronteira.” Os inconvenientes eram óbvios. O Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou o acordo de partilha aduaneira a 27 de Dezembro de 2017. Li Fei, Vice-Secretário Geral do Congresso e Secretário Geral do Comité para a Lei de Bases, deu uma conferência de imprensa para responder aos críticos que acusam este acordo de infringir o artigo 18 da Lei de Bases de Hong Kong. Li declarou, “O Artigo 18 aplica-se a residentes de Hong Kong, ao passo que a aplicação das leis nacionais, na secção continental da WKS, é válida para os passageiros dessa zona.” “É uma situação diferente da que é descrita no artigo 18 sobre a implementação nacional das leis da RAEHK. Aqui não está em causa qualquer infracção ao artigo.” “A secção fronteiriça continental da WKS está sob a jurisdição do Governo chinês. Os direitos e liberdades conferidos aos residentes de Hong Kong não serão afectados pelo acordo de partilha aduaneira.” “As decisões do Congresso Nacional do Povo sobre a definição de competências legislativas estão tomadas. Não podem ser questionadas.” Para além disso, diversos artigos da Lei de Bases de Hong Kong, foram citados para apoiar a legalidade do acordo de partilha aduaneira. Foi o caso do artigo 2, sobre a importância do elevado grau de autonomia; do artigo 7, sobre a importância de administrar o próprio território; dos artigos 22 e 154, sobre a importância de gerir o controlo fronteiriço; e, finalmente, dos artigos 118 e119, sobre a relevância do desenvolvimento, etc. No entanto, a Hong Kong Bar Association publicou um manifesto a 28 de Dezembro onde declara a ilegalidade deste acordo. A Associação refere que o acordo de partilha aduaneira não é sustentado por nenhuma das disposições da Lei Básica da cidade. Adianta ainda que o Congresso Nacional do Povo aprovou o acordo e declarou-o em conformidade com a lei, sem qualquer base legal. Uma verdade auto-proclamada pelo Congresso. Ronny Tong, membro da Hong Kong Bar Association, Conselheiro Sénior, e membro do Conselho Executivo, sugeriu que a decisão tomada pelo Congresso Nacional deve ser considerada razão suficiente. Ronny salientou que a lei nacional chinesa deve ser aplicada em todo o território de Hong Kong, e não só em parte dele, como por exemplo em Wanchai. Ronny Tong referiu ainda que os direitos e liberdades dos cidadãos da RAEHK, consagrados no capítulo três da Lei de Bases, não serão infringidos. Tong considera, pois, que a Lei não está a ser posta em causa. Elsie Leung Oi-sie, a primeira Secretária da Justiça após a reunificação, declarou que, segundo o artigo 67 da Constituição chinesa, o Congresso Nacional tem poder para fazer lei. As suas decisões são lei. O professor responsável pela cadeira de Direito da Universidade de Hong Kong, Eric Cheung Tat-ming, afirmou que os artigos 118 e 119 estabelecem que o Governo da RAEHK deve proporcionar um enquadramento jurídico e económico que encoraje o investimento, o progresso tecnológico, bem como o desenvolvimento de novas indústrias, e criar políticas que promovam e coordenem o desenvolvimento dos diversos sectores comerciais. Mas, “Não estamos a discutir o que é preciso fazer para incrementar o desenvolvimento económico de Hong Kong – não é isso que está em causa. A questão é saber se as leis nacionais devem ser implementadas em Hong Kong,” Eric Cheung adiantou que as bases legais do acordo de partilha aduaneira não estão ainda definitivamente estabelecidas. Que desenvolvimentos podemos esperar? Continuaremos a analisar esta situação na próxima semana. Até lá, Feliz Ano Novo.
David Chan VozesAutomatização taxada [dropcap style≠‘circle’]R[/dropcap]ecentemente, o canal noticioso HKTVB difundiu uma notícia algo peculiar. É possível que futuramente o trabalho robotizado venha a ser taxado. Realmente a questão coloca-se; se os robots substituírem os trabalhadores quem vai pagar os impostos ao Governo? Por enquanto, esta pergunta continua sem resposta. Mas, é provável, que de futuro a utilização de robots venha a ser taxada. Este imposto servirá para contrabalançar os custos sociais derivados da automatização. Já que os robots não pagam impostos salariais, os seus proprietários deverão suportar uma taxa pela substituição de trabalhadores por andróides. O “Imposto de automatização” pode vir a ser uma nova fonte de rendimento para o Governo. A CNBC anunciou que numa entrevista recente à Quartz, Bill Gates, co-fundador da Microsoft, afirmou defender a aplicação de taxas sobre o uso de robots na produção. A afirmação de Bill Gates surgiu na sequência das declarações de Jane Kim, membro da Câmara de Supervisores de São Francisco. Jane Kim tinha-se declarado a favor da automatização. Mas esta evolução tem obviamente um senão; a dispensa do trabalho humano. Jane Kim prevê a multiplicação do trabalho robotizado e para tal criou o “Fundo para o Trabalho do Futuro”. As empresas deverão contribuir para este fundo, que se destina à reeducação dos trabalhadores. Será uma forma de suavizar a transição para o futuro e para a automatização que se adivinha. Kim afirmou que este fundo pode apoiar a formação de trabalhadores para funções difíceis de automatizar, como por exemplo tomar conta de crianças. Neste contexto, Bill Gates advoga que a criação de uma taxa sobre o trabalho robotizado obrigará os patrões a pagar a restruturação da força de trabalho, actualmente empregue em funções que estão a ficar obsoletas. Mas esta ideia foi objectada pelo Comissário da UE, Andrus Ansip, que defende a entrada da Europa na era digital. O Comissário adiantou que, a criação de uma taxa de automatização irá deixar a Europa para trás em termos competitivos. Para resumir, parece ser ridículo desincentivar o esforço de empresas que adoptam tecnologias de ponta na produção. O website “telegraph .co.uk” já tinha anunciado, em Agosto último, que a Coreia do Sul vai ser o primeiro país a implementar a taxa de automatização. A nova proposta de lei sul-coreana prevê a limitação dos incentivos fiscais para empresas com trabalho automatizado. Estas políticas pretendem compensar a perda do retorno contributivo decorrente da automatização. Na altura, era esperado que a lei entrasse em vigor no final deste ano. O trabalho automatizado tem consequências e pode criar mais desigualdade entre os seres humanos. Potencialmente gera mais desemprego porque, em certas funções menos especializadas, dispensa a acção do Homem. O fosso entre os rendimentos de quem tem uma especialização e de quem não tem, deve vir a aumentar exponencialmente devido à automatização da produção. É óbvio que a grande desigualdade de rendimentos será consequência do desemprego. A automatização reduz os custos de produção. O Homem não pode competir com a máquina. De momento, o uso de andróides na produção ainda está a dar os primeiros passos e alguns economistas propõem a criação de impostos sobre a aquisição destes equipamentos. Ao mesmo tempo o Governo terá de aumentar as taxas sobre os salários mais elevados. Estas políticas fiscais poderão reduzir a introdução de andróides nas cadeias de produção. Podem também vir a minimizar as diferenças entre aqueles que ganham mais e os que ganham menos. A automatização irá mudar para sempre a natureza do trabalho. Num futuro próximo, parte do trabalho de rotina será desempenhado por robots. Os empresários e os políticos devem unir esforços para suavizar esta transição. Mutos trabalhadores não especializados vão perder o emprego. De futuro, as pessoas devem preparar-se para posições que envolvam a tomada de decisões. É a melhor forma de evitar o desemprego.
David Chan Macau Visto de Hong KongEfeito retroactivo e consulta pública [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou, a 4 de Novembro último, uma resolução para integrar a Lei Chinesa do Hino Nacional no Anexo III da Lei de Bases de Hong Kong. De acordo com o Artigo 18 desta Lei Básica, a Lei do Hino Nacional será aplicável à Região Administrativa Especial de Hong (RAEHK). A RAEHK tem o dever estatutário de implementar a legislação local adequada, ou seja, uma versão local da Lei do Hino. Este dever está de acordo com a Constituição chinesa e com a legislação local. Na mesma data, o Congresso Nacional aprovou a introdução de uma Emenda à Lei Criminal Chinesa no Artigo 299. Para além das estipulações originais relativas à utilização da bandeira e do hino nacionais, foram agora identificadas situações em que está interditada a transmissão do hino. A saber: Alteração maliciosa da música ou da letra Interpretação do hino de forma distorcida ou depreciativa Qualquer outra forma de insulto Se alguma destas situações se verificar, o transgressor será condenado até três anos de prisão efectiva e fica sujeito a controlo ou privação dos seus direitos políticos. O Gabinete para os Assuntos Constitucionais e do Continente do Governo da RAEHK declarou que durante o processo legislativo, o Governo iria tomar em linha de conta as opiniões dos legisladores e da população. O projecto de lei é o primeiro passo a dar em qualquer processo legislativo. O projecto começa por ser debatido no Conselho Executivo e, se passar, subirá para discussão à Assembleia Legislativa. Cabe ao Departamento de Justiça a redacção do projecto de lei. O projecto para a criação da versão local da lei do Hino Nacional, deverá estar em consonância com a Lei Nacional. Este assunto tem dado origem a muitos debates no seio da sociedade de Hong Kong. Um dos temas debatidos tem sido o “efeito retroactivo” desta lei. Se este efeito se verificar, as transgressões ocorridas no período anterior à implementação da lei ficam também sujeitas a sanção. Por exemplo, toda a gente sabe que em Macau a Lei de protecção dos animais entrou em vigor a 1 de Setembro de 2016. O Artigo 25 estipula que, infligir sofrimento a animais pode implicar uma pena de prisão durante um ano. Esta lei só é aplicável a acções praticadas a partir da data da sua entrada em vigor. Não tem efeitos retroactivos. Desta forma, se alguém tiver incorrido num crime desta natureza, digamos, a 1 de Outubro de 2015, não poderá ser condenado, porque nessa data a lei ainda não existia. Por uma questão de justiça para todos, é habitual as leis não terem efeito retroactivo. No passado dia 11 de Novembro, Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, declarou que, de acordo com a prática da RAEHK, as leis não têm por norma efeitos retroactivos, sobretudo no que à lei criminal diz respeito. Estas declarações parecem indicar que em Hong Kong a versão local da Lei do Hino não terá efeitos retroactivos. Espera-se pois que a lei só venha a ter efeito a partir da data da sua implementação. Mas Carrie Lam também apelou ao respeito pelo hino nacional e condenou qualquer forma de insolência. As suas palavras foram obviamente razoáveis, justas e necessárias. Outra polémica que envolve esta lei prende-se com a consulta pública. Rita Fan, antiga Presidente do Conselho Legislativo, afirmou que não haveria necessidade de consulta pública porque hoje em dia alguns legisladores discordam sempre dos projectos de lei apresentados pelo Governo. Mesmo que o Governo fizesse uma consulta pública, este tipo de legisladores ia manifestar-se contra a versão local da Lei do Hino. Antes de um projecto de lei subir ao Conselho Legislativo dá-se conhecimento da sua natureza através de uma consulta pública. Este procedimento está intimamente ligado ao espírito do Estado de Direito. Tem como objectivo notificar a população sobre as matérias legislativas a discutir no plenário. O Hino Nacional é um assunto da maior importância para a sociedade de Hong Kong. Todos os residentes, sem excepção, terão de obedecer à versão local da lei que regula a sua utilização. Como os conteúdos da versão local ainda não foram definidos, a consulta pública chamaria a atenção das pessoas e permitiria que deixassem as suas sugestões. Quanto mais sugestões forem feitas, mais claros serão os conteúdos da lei. Se o primeiro passo da legislação for omitido, estar-se-á a dar uma boa desculpa a alguns legisladores para vetarem a proposta de lei ou para pedirem uma revisão judicial nos Tribunais, alegando procedimentos legislativos incorrectos. Quanto mais tempo demorar a elaboração da versão local da lei, maior será a polémica à sua volta. A Chefe do Executivo afirmou que em Hong Kong as leis não têm por norma efeito retroactivo. Como tal, esperamos que a versão local desta lei não venha a ser excepção. A consulta pública poderá evitar uma revisão judicial nos Tribunais por procedimento legislativo inadequado.
David Chan Macau Visto de Hong KongAs agruras do negócio [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] publicação “Doing Business do Banco Mundial para 2018” (WB report) foi lançada a 30 de Outubro pelo Grupo Banco Mundial. É o 15º ano consecutivo em que o Banco Mundial publica uma análise periódica sobre a capacidade negocial dos diversos países e regiões.” Este estudo “avalia todos os aspectos das 11 áreas relacionadas com a criação de um negócio etc.” A comunicação social de Hong Kong divulgou o acontecimento e revelou que o estudo inclui uma classificação das zonas económicas quanto “à facilidade de criar negócio”. Hong Kong aparece classificado em quinto lugar, com uma pontuação de 83.44. Para iniciar um negócio em Hong Kong é necessário possuir um Registo Comercial (Business Registration). Como o Governo não prescindiu da sua taxa sobre este registo as custas vão subir em 2018 enfraquecendo a competitividade da região. O Secretário das Finanças, Paul Chan Mo-po, defendeu a necessidade da aplicação da taxa e afirmou que as custas anuais do Registo Comercial montam apenas a 2.250 HKD, uma quantia razoável para criar um negócio. O Secretário das Finanças adiantou: “Penso que existem aqui alguns mal-entendidos que é preciso esclarecer.” O Registo Comercial é um documento obrigatório para quem quer abrir actividade na área de negócios, que terá de ser obtido junto do Departamento de Receitas Territorial, de Hong Kong. O empresário pode criar o registo em nome individual, em sociedade ou em Companhia £da. Sem este documento qualquer transacção comercial é ilícita. O Registo Comercial deve ser renovado todos os anos mediante o pagamento de uma anuidade. Se a empresa encerrar, deve notificar o Departamento de Receitas Territorial para que os serviços dêem baixa do documento. Como foi dito, a anuidade deste registo é de 2.250 HKD. Este valor divide-se em duas partes, 2.000 HKD são direccionados para os cofres do Governo e os restantes 250 HKD são encaminhados para O Fundo de Insolvência e Protecção Salarial. Este Fundo foi criado para apoiar trabalhadores em situação de insolvência ou de falência. Quando um trabalhador entra em situação de insolvência (por falta de pagamento dos salários), deve reportá-lo ao Departamento do Trabalho e apresentar uma petição de falência contra o empregador. Nessa altura pode ser reembolsado de salários em atraso e de outros benefícios em falta. No entanto não receberá a totalidade do que lhe é devido. Este reembolso tem um limite. Mesmo quando o Governo da RAEHK prescindia da aplicação da taxa, o montante de 250 HKD para Fundo de Insolvência e Protecção Salarial sempre existiu. O valor de 2.250 HKD não é efectivamente excessivo para uma empresa. No entanto, abrir um negócio em Hong Kong custa muito caro, a taxa do Registo Comercial constitui apenas uma de muitas despesas. Imagine-se que íamos abrir uma empresa na forma de Companhia £da. De acordo com o Regulamento Empresarial, a empresa deverá ter uma morada registada. A empresa terá de estar necessariamente sediada em Hong Kong e não no estrangeiro. É uma forma de confirmar que a actividade é exercida na na cidade. Como sabemos, o valor dos alugueres em Hong Kong é extremamente elevado, sem dúvida excessivo para uma empresa acabada de criar. Para reduzir esta despesa, é costume estas jovens firmas adquirirem, em sistema de leasing, um endereço comercial numa empresa de contabilidade ou num centro de negócios. Através de um pagamento anual entre 2.000 e 5.000 HKD, a Companhia £da. pode dar cumprimento aos requisitos estatutários. Mas o Regulamento Empresarial não se fica por aqui. É ainda obrigatório que a empresa seja “auditada”. As auditorias terão de ser efectuadas anualmente. Todas as facturas, recibos, livros-razão, etc. devem ser apresentados ao auditor. Após a auditoria, as contas serão apresentadas ao Departamento de Receitas Territorial para serem apurados os impostos a cobrar. A taxa de auditoria varia de auditor para auditor, mas representará sempre outra soma que a empresa terá de despender. A taxa de auditoria, o aluguer do espaço comercial e as taxas do Registo Comercial são despesas a que um jovem empresário não pode fugir. Somando todas estas despesas compreende-se facilmente que representam um encargo considerável e que ultrapassam em muito os “suportáveis” 2.500 HKD. Na comunicação de Ms. Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, por altura da apresentação do programa político para 2018, foi sugerida uma redução de impostos para as pequenas e médias empresas. Propõe-se que o imposto sobre as receitas desça dos actuais 16,5% para 8,25%, para os primeiros 2 milhões de lucro realizado. A implementação de uma série de novos benefícios para os residentes de Hong Kon, vai aumentar as despesas do Governo. Com a redução de impostos e o aumento das despesas, parece improvável que venha a haver redução da taxa do Registo Comercial e esta taxa continua a ser elevada para quem quer começar um negócio.
David Chan Macau Visto de Hong KongCritérios de avaliação [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o início deste mês os jornais falaram sobre a história de Julie Yu Hung-hsua, uma professora universitária reformada que, nos últimos três anos, tem tentado processar a Universidade de Hong Kong. Julie desencadeou este processo porque a Universidade atribuiu mestrados a quatro estudantes que ela tinha chumbado. O processo tem desgastado financeiramente a antiga professora. Em 2014, Julie Yu chumbou quatro estudantes de mestrado, mas após recurso, um painel da Universidade reverteu a decisão da docente. Os alunos tinham obtido a classificação D+ no curso de marketing, uma avaliação feita a partir de trabalhos práticos e teóricos. Na altura, em resposta às queixas dos estudantes, a professora fundamentou a sua decisão a partir de uma tabela que mostrava a assiduidade e participação nas aulas. Descontentes, os jovens recorreram ao conselho universitário. Dois meses mais tarde, Yu foi informada que um painel constituído por três membros tinha subido as classificações de D+ para C. A professora afirma que o painel se recusou a justificar a decisão e que apenas comunicou com ela uma vez por mail. No email interrogavam-na sobre o seu sistema de classificação e sobre a clareza com que tinha passado a mensagem aos estudantes. Depois de ter sido informada da subida das notas, Julie Yu apresentou uma reclamação por escrito à Universidade. Na resposta podia ler-se que a decisão estava tomada e que era irreversível. Em Abril de 2015, crente no seu “inalienável direito a ser informada e ouvida”, a professora lançou um processo judicial contra a “ilógica, irracional, inconsistente e arbitrária” decisão do painel. Em Julho de 2017, o Tribunal de Último Recurso recusou o apelo contra a rejeição do caso, tomada pelo Tribunal de Primeira Instância. A rejeição tinha por base a natureza académica do processo e a demora na sua instauração. O Tribunal tem um período de retroactividade de apenas três meses. Do ponto de vista académico, podemos afirmar que o professor tem o direito inalienável de ser informado e ouvido sobre todas as matérias que dizem respeito ao exercício da sua função. Não existe nenhum motivo para que uma decisão deste foro seja alterada por outrem e, que para além disso, o professor não tenha sido informado das alterações e dos seus motivos. Se não existe um mecanismo legal que permita levar estes casos a Tribunal, porque é que não o criamos? Se deixarmos este tipo de coisas em segredo, não favorecemos a imagem das Universidades, nem das empresas privadas. São situações que afectam a Gestão de Pessoal, no que respeita ao cumprimento do dever dos funcionários, se tomarmos em conta os padrões que lhes são exigidos. Não se pode alterar esses padrões sem uma razão válida. Mas voltemos a analisar as notícias sobre este caso. Pelo que foi dito, podemos verificar que a assiduidade e a participação contam para a avaliação. Numa cadeira obrigatória, como era o caso, a “Assiduidade” é um critério implícito. Não se pode atribuir notas a alunos que não comparecem às aulas. Mas, por vezes, este critério de classificação traz algumas dificuldades. Por exemplo, numa aula de três horas, se o aluno só estiver presente durante uma hora terá direito a um terço da pontuação? E se o aluno estiver presente de corpo, mas ausente de espírito, digamos porque adormeceu ou está a sonhar acordado, como é que o professor o há-de classificar? A “Participação” é outro critério de classificação. De uma forma geral, os professores preparam exercícios para as aulas, por exemplo, apresentações orais, discussões de tópicos específicos, etc. Imaginemos que quando estamos a falar de participação nos referimos a uma “apresentação oral”. Volta a apresentar-se-nos uma dificuldade. As notas serão atribuídas aos alunos porque eles fazem apresentações, ou porque fazem boas apresentações? Se o único critério for a “Apresentação” a nota ser-lhes-á atribuída quer o desempenho seja bom ou mau. Se o critério for o desempenho, as notas dependem da qualidade do trabalho. Como as notícias não foram específicas neste ponto, não podemos acrescentar mais nada à discussão. Seja como for, estes quatro estudantes tiveram sorte porque depois do recurso viram as suas notas passar de D+ para C. A Universidade poderá ter tido as suas razões para subir as notas, mas nós nunca o saberemos. Mas, a bem das boas práticas universitárias, seria preferível tornar públicas essas razões. Ensinar é uma arte e tudo depende da relação entre o professor e os alunos. Se os critérios de classificação forem suficientemente claros, e houver boa comunicação, a maior parte das dificuldades são superadas. Este tipo de informação deve ser feita por escrito e mais tarde lida em aula, para se ter a certeza de que todos os alunos a recebem. Também é aconselhável ir lembrando os alunos dos critérios de classificação. Evita que algum deles venha a dizer, “Esqueci-me, desculpe.” Recorrer aos Tribunais para resolver disputas académicas não é a melhor solução. Ficam todos a perder, a Universidade, o professor e os alunos. Se não houver harmonia, o professor não quer trabalhar na Universidade e o estudante não quer ter aulas com professor. Não é bom para ninguém.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSelecção do júri (Parte III) [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]os dois artigos anteriores analisámos a selecção do júri e a língua usada durante o julgamento de Donald Tsang. Hoje vamos debruçar-nos sobre os bastidores do júri, antes de ter sido revelado o destino do antigo Chefe do Executivo de Hong Kong. Um dos jurados foi excluído pelo juiz um dia antes do início das deliberações, deixando o Tribunal envolto numa aura de mistério. O juiz Andrew Chan Hing-wai, declarou, “Registaram-se algumas ocorrências que, no entanto, não nos dão motivo para preocupação.” O juiz não adiantou mais explicações para a sua decisão. Assim, o júri ficou reduzido a oito jurados. No final da audiência o colectivo retirou-se para deliberar. Após um largo período de debate o júri não conseguiu chegar a um consenso, que no mínimo exige o acordo de seis jurados. Em resultado desta situação Donald Tsang não pôde ser condenado. Agora que o julgamento acabou, o mistério da exclusão do jurado já pode ser revelado. Certo dia, durante a hora do almoço, o jurado, a quem nos referiremos como Mr. Q, foi ter com Chip Tsao, uma personalidade mediática apoiante de Donald Tsang. Mr. Q, que era desde há muito fã de Chip Tsao, tirou-lhe fotografias e esteve à conversa com ele por algum tempo. Durante a conversa Tsao perguntou-lhe: “Você é de Xangai?” Ao que o outro retorquiu: “Não, sou de Pequim.” Um funcionário que se apercebeu da situação, separou imediatamente Mr. Q dos outros jurados e reportou o sucedido ao juiz. O funcionário ficou preocupado com possíveis interferências exteriores na decisão do jurado, até porque sabia que Tsao estava sentado na galeria ao lado da família de Tsang. O apoio de Tsao a Donald Tsang também é do conhecimento público. O juiz, temendo a parcialidade de Mr. Q, exclui-o do júri. Como referimos a semana passada, a condição de jurado é contínua, só se considerada interrompida quando o julgamento termina. Durante este processo, os jurados não podem ser influenciados por terceiros. Este é um dos motivos pelos quais não estão autorizados a comparecer nos seus locais de trabalho. A conversa de Mr. Q com Tsao origina uma situação idêntica. Antes da decisão ser tomada, o jurado ao serviço do Tribunal, não pode contactar com ninguém. Possivelmente, nem Mr. Q, nem Tsao, tiveram consciência de que a tal conversa informal e as fotos poderiam vir a ter consequências graves, mas baseando-se nos princípios de justiça e de igualdade de oportunidades, o juiz excluiu Mr. Q. A decisão do juiz foi correcta. A lei tem de ser encarada com seriedade, porque estabelece a regra pela qual todos se regem. Se o juiz não a levar a sério, quem a levará? Após 14 horas de deliberação, os oito jurados não chegaram a consenso, que pede como foi dito, um mínimo de seis votos a favor de uma decisão, pelo que não foi pronunciado nenhum veredicto quanto à culpabilidade ou inocência de Donald Tsang. Às 23.05 o júri comunicou ao juiz, por escrito, a impossibilidade de estabelecer um veredicto. O juiz recusou-se a aceitar a situação e pediu que voltassem a reunir. A discussão prosseguiu até às 5.15, altura em que os jurados voltaram a comunicar ao juiz: “Após debate exaustivo, o júri não conseguiu que pelo menos seis jurados chegassem a consenso. Cada jurado defende firmemente os seus pontos de vista. Decidimos terminar.” O juiz dispensou os jurados, afirmando: “Sei que a vossa tarefa é difícil, mas cumpriram-na de forma consciente.” “Com estas palavras vos agradeço. Estais dispensados.” É o segundo julgamento que Donald Tsang enfrenta pela acusação de corrupção passiva, relacionada com a troca de favores com uma estação de rádio local. O primeiro julgamento tinha terminado precisamente da mesma forma que este, ou seja, com um empate do júri. Mais uma vez Donald Tsang não pôde ser considerado culpado. Mais tarde, o Tribunal foi informado que o Secretário da Justiça não pretende repetir o julgamento. O juiz aceitou a decisão e arquivou o caso, que necessitará ainda da aprovação do Tribunal de Primeira Instância, ou do Tribunal de Apelação. “Não é invulgar que seja pedido um novo julgamento se surgirem novas provas e se for considerado do interesse público.” Em resumo, o caso de corrupção passiva contra Donald Tsang terminou. Em todas as investigações criminais que decorrem em Hong Kong, os investigadores reúnem o máximo possível de provas, para fornecer à acusação. Neste processo, é muito provável que nem todas as provas reunidas tenham sido entregues à acusação, porque se algumas delas beneficiassem o réu, deverão ter sido entregues à defesa. Portanto, é muito pouco provável que surjam novas provas acusatórias. Além disso, Donald Tsang pode alegar “gravidade extrema” se for chamado mais uma vez a Tribunal por esta acusação. Seja como for e por agora, para Donald Tsang e para o júri este caso está encerrado.