Hoje Macau SociedadeMIF | Secretário de Estado pede aprofundamento de relações [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário de Estado da Internacionalização defendeu ontem o aprofundamento da relação histórica de Portugal e Macau, apoiando progressivamente o território como plataforma para os países lusófonos. Eurico Brilhante Dias falava aos jornalistas depois da cerimónia de abertura da 22.ª Feira Internacional de Macau (MIF) e Exposição de Produtos e Serviços dos Países de Língua Portuguesa (PLPEX), que decorrem em simultâneo. Os próximos passos da relação histórica de Portugal com Macau são “aprofundar e procurar que instrumentos como o fundo de cooperação com os países de língua portuguesa possam ter uma abordagem para um conjunto de projectos mais abrangente”, não só para grandes projectos ligados às infra-estruturas e obras públicas, mas também instrumentos financeiros orientados para as pequenas e médias empresas, afirmou. O responsável lembrou a assinatura do memorando de entendimento entre a seguradora de créditos portuguesa Cosec e a Autoridade Monetária de Macau para desenvolver “uma agência de crédito à exportação para apoiar empresas que pretendam operar nos países lusófonos” (ver página 7). “Muitos países do mundo gostariam de ter com a China uma plataforma como esta em Macau, com este grau de conhecimento e de intersecção”, afirmou. Consulado em 2019 “Macau é um valor para os dois países [Portugal e China] e é que isso que procuramos afirmar e explorar”, sublinhou. O secretário de Estado indicou ainda que Portugal se prepara para abrir “provavelmente em 2019” um Consulado em Cantão (sul da China) e uma delegação da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Sobre a participação portuguesa na PLPEX, Eurico Brilhante Dias destacou o “caminho fantástico nos últimos anos de aumento de valor” da economia e produtos portugueses, visível nas feiras internacionais como a de Macau.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeProstituição | Residentes não acreditam na total proibição Um estudo da Universidade de Ciências e Tecnologia mostra que os residentes não acreditam ser possível eliminar a prostituição através da sua proibição com uma nova lei. Estes defendem, por outro lado uma aproximação à sua legalização [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s pequenos panfletos com caras bonitas e números de telefone existem nas ruas perto dos casinos, e já levaram deputados da Assembleia Legislativa a pedir uma intervenção para que isto não aconteça. A prostituição existe em Macau, mas qual é a percepção dos residentes em relação a essa matéria? Foi essa a pergunta que um estudo da Universidade de Ciências e Tecnologia (MUST), intitulado “As percepções dos residentes em relação à prostituição” procurou responder. Libo Yan e Joe Young Zhou, professores associados da MUST, participaram no estudo em conjunto com Bill Jing Xu, leitor no Instituto Politécnico de Hong Kong. O estudo, ao qual o HM teve acesso e que já referido na revista Macau Business, afirma que os inquiridos “consideraram que a prostituição é uma parte permanente da comunidade de Macau”, embora acreditem que “a probabilidade do Governo eliminar a prostituição através da legislação é extremamente baixa” ou até “inviável”. “De acordo com os inquiridos, a abordagem da proibição [da prostituição] seria ineficaz e, por contraste, a abordagem da legalização poderia ser ligeiramente melhor”, lê-se no documento. Se os residentes parecem encarar a prostituição como algo que já faz parte do território, não deixam de ter preocupações relativamente aos problemas sociais que daí possam surgir. “Em contraste com as avaliações morais da prostituição, os residentes parecem estar mais preocupados com os problemas sociais que daí poderão advir.” Os autores não deixam de dar sugestões ao Executivo. “O Governo deveria enfrentar o dilema de implementar medidas para gerir a problemática área do comércio sexual para aliviar os problemas sociais e uma diminuição de actividades criminosas.” “Os problemas sociais advindos da prostituição são preocupações para o Governo, mas os problemas sociais mais relevantes são difíceis de eliminar ou aliviar sem lidar de perto com a sua fonte, que é o comércio sexual ilegal”, acrescentam ainda. O género importa Este estudo foi feito com base num inquérito, tendo sido registados 358 questionários viáveis, realizados entre 18 de Novembro de 2015 e 14 de Janeiro de 2016. Uma das conclusões é a de que os inquiridos “tenderam a ser neutros em relação à maior parte dos itens relacionados com a dimensão normativa da prostituição (por exemplo, as razões económicas para a escolha dessa profissão e a diminuição das ocorrências de violação)”. Além disso, “as suas atitudes em relação em relação ao papel que o comércio do sexo pode ter no desenvolvimento económico foram algo negativas”. “A maioria [dos que responderam ao inquérito] tendeu a concordar com a longa existência de comércio sexual e não acreditam que possa ser eliminado com a proibição através da lei”, lê-se no estudo. O documento, totalmente financiado pela MUST, revela ainda uma diferença de género em relação às ideias sobre a prostituição. As mulheres com representaram 61 por cento das respostas, enquanto que os homens representaram apenas 39 por cento. “Foi revelado neste estudo que o género tem uma influência nas atitudes em relação à prostituição, uma vez que os homens tendem a ter uma mente mais aberta sobre a indústria do sexo ligada ao turismo. A elevada representação das mulheres pode ter distorcido a opinião geral quanto à prostituição”, conclui o estudo.
Hoje Macau Eventos150 anos de Manuel da Silva Mendes assinalados em Portugal [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a próxima segunda-feira vão ser assinalados os 150 anos do nascimento de Manuel da Silva Mendes. A efeméride vai contar com a realização de um colóquio no Centro de Estudos Camilianos, em São Miguel de Seide. Às 18 horas, será lançado o primeiro volume de uma colectânea sobre Silva Mendes, com cerca de 600 páginas, com o título “Manuel da Silva Mendes: Memória e Pensamento” que contém três ensaios sobre a figura da história social de Macau. A autoria é de António Aresta, Amadeu Gonçalves e Tiago Quadros, e o livro abarca todos os textos de Silva Mendes sobre Arte, Filosofia e Religião, Cultura e Tradições Chinesas publicados na Imprensa e em livro. Mas antes há um espaço de troca de ideias. Do colóquio organizado para o efeito, fazem parte Ana Cristina Alves (“O taoismo de Silva Mendes”), António Aresta (“Manuel da Silva Mendes, um intelectual português em Macau”), António Graça de Abreu (“Manuel da Silva Mendes e Camilo Pessanha, a Inimizade Inteligente”), Amadeu Gonçalves (“Manuel da Silva Mendes: 150 Anos entre V. N. de Famalicão e Macau e/ou entre o anarquismo e o taoismo”), Aureliano Barata (“Manuel da Silva Mendes: um olhar sobre Macau e o seu ensino”), Norberto Cunha (“Silva Mendes e o Marxismo”) e Rui Lopo (“É preciso fazermo-nos chineses”: Do Orientalismo à Sinofilia – do expatriamento ao voto de Bodhisattva). Testemunho de valor De acordo com a editora Livros do Oriente, “o testemunho e a obra de divulgação de Manuel da Silva Mendes – o exemplo de um português que conheceu, compreendeu e divulgou a cultura e as tradições chinesas – são únicos e, por isso, não podiam deixar de ser reeditados”, refere o comunicado de apresentação do evento. Silva Mendes, advogado, professor e intelectual era natural de São Miguel das Aves e viveu em Macau de 1901 a 1931, ano em que morreu. Foi também, na época, um dos maiores coleccionadores de arte chinesa, constituindo o seu espólio parte do acervo do Museu de Arte de Macau. A iniciativa é da Associação Amigos do Livro em Macau e conta com o apoio da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e da Fundação Jorge Álvares.
Sofia Margarida Mota EventosRodagem | Macau é palco para filmagens de novela portuguesa “Condição humana anda é um nome provisório para a novela que deve estrear no próximo mês de Novembro em Portugal. A nova produção da TVI tem parte da história a passar-se em Macau e as filmagens decorrem esta semana. Os protagonistas João Catarré e Sara Prata, e um dos vilões da novela, Diogo Infante, falam da sua experiência no território [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma história de amores perdidos e reencontrados, recheada de negócios escuros, amor, e conflitos familiares. “Condição Humana” – ainda nome provisório – será a novela da TVI que tem Macau como parte do cenário. O facto de alguns episódios serem aqui filmados permite a quem está em Portugal ter algum acesso ao território. “A história inicia-se em Macau, o que é um pretexto para mostrarmos este lado do mundo, por onde andamos, e acaba por ser um enquadramento e um cenário diferente daquele a que estamos habituados”, disse Diogo Infante, vilão de “Condição Humana”, num encontro ontem com os jornalistas. Manuel, personagem interpretada pelo actor, está ligado a uma tríade. O papel é do seu agrado até porque “A ficção tem esta liberdade poética que permite adaptar um pouco as realidades às circunstâncias da narrativa”, referiu. Por ouro lado, sente-se bem no papel de vilão, porque lhe permite entrar naquilo que não é na realidade. “Adoro fazer os maus, são mais sumarentos, são personagens cheias de contraste”, ilustra o actor português. Terra mutante Não é a primeira vez que Diogo Infante está no território e as alterações de Macau não lhe foram indiferentes. Esteve por cá em 2002 e em 2011 para interpretar dois monólogos humorísticos e sente que cada vez que cá volta, “Macau está diferente”. “Em 2001 era bastante mais discreto, apesar de já ser um centro atractivo de jogo. Passados 16 anos é brutal a diferença. Há paisagens que já não reconheço”, salienta, sendo que continua a “ficar fascinado com os nomes das ruas em português”. Por outro lado, “as pessoas são muito gentis e não me sinto nada perdido. Sinto-me em casa e num outro planeta também”. João Catarré interpreta João e a Sara Prata é Margarida. São o casal protagonista de “Condição Humana” e ao contrário de Diogo Infante, este é o seu primeiro contacto com o território. “Não sabia muito bem o que havia de esperar. Pensei que fosse mais pequeno e que ia sentir muito mais a sobrepovoação”, começa por dizer Sara Prata. No entanto, a realidade acabou por surpreender. Agora até “é engraçado o contraste das ruelas e os edifícios muito altos, e acabamos por não nos sentir claustrofóbicos”. Já João Catarré não deixou de referir o cruzamento entre a parte histórica e a moderna de Macau como um “deslumbre”. Esta é também uma oportunidade, refere o actor, de “perceber como as pessoas se comportam, que costumes têm, como é a sociedade e como funcionam as regras aqui, numa realidade muito diferente da nossa”. Macau com potencial O território é muito característico, refere Sara Prata, o que representa um cenário a ser aproveitado para filmagens. O facto de ser ainda desconhecido só traz mais-valias neste sentido, considera. Para Catarré, a convivência entre diferentes religiões é um aspecto de relevo. “Aqui nada é discriminado” apontou o actor num lugar que, considera, “toda a gente se respeita”. Para interpretar o papel de João, Catarré teve de aprender algum cantonês. Este é, talvez o maior desafio que encontrou no papel que está a representar. “Mas nada que não seja ultrapassável”, remata.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasInício de vida do compositor Xian Xing Hai [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ormalmente acontece a quem se dedica de alma e coração a uma causa, ou a um ideal, passar enormes sacrifícios e privações, tendo geralmente a saúde afectada e uma morte prematura. A maioria, após passar esta vida permanecerá incógnito e só poucos atingem o reconhecimento. Tal ocorreu com o mundialmente conhecido compositor Xian Xing Hai, autor da Sinfonia Rio Amarelo, que nasceu em Macau em 1905. O nome de Xian Xing Hai só apareceu em 1978, quando o Partido Comunista Chinês traduziu o seu nome pelo sistema hanyu pinyin (alfabeto fonético chinês vulgarmente denominado mandarim; um sistema de romanização dos caracteres da língua chinesa feito a partir da sonoridade das letras do alfabeto em língua inglesa e que a China após algumas reformas arranjou em 11 de Fevereiro de 1958). Até então e durante toda a sua vida, Xian Xing Hai fora sempre conhecido por Sinn Sing Hoi, pois era traduzido pela sonoridade do pinyin cantonense. Sinn Sing Hoi, descendente duma família de pescadores oriundos de Pan Yu (Poon Yu, em cantonense), nasceu a 13 de Junho de 1905 na Praia do Manduco, em Macau, já o pai, Xian Xi Tai (冼喜泰) falecera. Durante seis anos viveu na casa do avô feita em palafita sobre o Rio do Oeste (Xijiang) com a mãe Huang Su Ying (黄苏英) e este. Após a morte do avô e para garantir a subsistência da família, em 1911 ambos emigraram para Singapura. Aí, enquanto a mãe trabalhava como empregada doméstica, o jovem com dez anos recebeu a sua primeira educação em troca de pequenos trabalhos que realizava para a escola estabelecida pelos ingleses. Já em 1916 “entrou para a Escola Yang Zheng, mantida pelos Chineses do Ultramar, que estava sob a tutela da Universidade de Ling Nan. Nesta escola recebeu a primeira educação musical. Aprendeu a tocar instrumentos, tais como oboé e piano, sob a influência do professor Ou Jian Fu”, como refere Wang Ci Zhao. Aos 14 anos, Xian Xing Hai, acompanhado pela mãe, veio para Cantão na esperança de poder, com melhores condições, completar os estudos secundários, o que ocorreu dois anos mais tarde. Assim, em 1920 entrou na Escola Secundária da Universidade de Ling Nan em Cantão, onde depois frequentou o curso propedêutico da Universidade, enquanto dava aulas como professor para pagar os estudos e trabalhava como dactilógrafo para o sustento da família. Conseguia ainda tempo para a sua grande paixão, a música. Estudava e aprendia a sério o seu instrumento preferido, o violino, enquanto participava no grupo de sopros da escola, sendo também maestro. Afirmação como músico A viragem na vida de Xian Xing Hai ocorreu quando decidiu deixar Cantão e ir já sem a mãe para Pequim estudar música, composição e violino. Segundo Veiga Jardim, “Com poucos recursos, em 1926, viaja até Pequim, onde, através de amigos consegue obter uma melhor instrução musical bem como aulas de violino no já extinto Colégio de Artes de Pequim”. Já Wang Ci Zhao refere, “Estudou violino sob a orientação de Tuno, famoso professor russo, na Escola Nacional Especial de Arte de Pequim, dirigida por Xiao You Mei. Em Setembro de 1928, ingressou no novo Conservatório Nacional de Xangai, especializando-se em violino, mas frequentou também os cursos de Teoria Musical e Piano.” Trocando “Pequim por Xangai, onde se matricula no tradicional e rígido Conservatório de Música” (…) “após um curto período, é expulso, em função do seu envolvimento no movimento nacionalista estudantil de 1929”, segundo refere Veiga Jardim. Nesse ano, “publicou no periódico do Conservatório, um artigo intitulado A Música Universal, onde apresentava pela primeira vez a sua posição sobre a música, que viria a manter por toda a vida. Defendia: (…) <Do que a China necessita não é da música privada ou da nobreza, mas sim da música universal. (…) A pessoa que aprende música [deve] assumir a importante responsabilidade de salvar a China enfraquecida>. Durante a estadia em Xangai, conheceu o dirigente do Movimento de Teatro Progressista e participou nas actividades teatrais da Sociedade do País Meridional”, como diz Wang Ci Zhao, subdirector do Conservatório Central de Pequim à data da publicação do seu artigo sobre a vida e obra de Xian Xing Hai. Desgostoso com a expulsão do Conservatório de Xangai e sentindo necessidade de alargar os seus conhecimentos musicais, sendo apoiado por amigos, no Inverno de 1929, o jovem músico, então com 25 anos, resolveu emigrar para a Europa. Em Paris, viveu cinco anos em condições muito difíceis de sobrevivência, nada que já não estivesse habituado, pois logo desde nascença assim fora o seu fado. Veiga Jardim refere ter ele aí exercido “um sem-número de actividades que lhe garantiam o provimento para a sua subsistência, entre as quais se contam as de baby-sitter, telefonista e copista de partituras”. Conseguiu matricular-se no Conservatório Superior de Música no curso de violino com o famoso professor Paul Oberdoeffer, composição com Vincent D’Indy, teoria musical com Noel Gallon e direcção de orquestra com Labey. Mais tarde, em 1934, aperfeiçoou-se na arte de compor, quando “ingressou por meio de exame na classe superior de Composição do famoso compositor Paul Dukas. Em 17 de Maio de 1935, Dukas faleceu subitamente. Xian Xing Hai foi obrigado a interromper os estudos e regressou ao seu país no Outono do mesmo ano. Aquando da estadia em Paris, compôs a obra ‘Vento’, para soprano, oboé e piano e a Sonata para Violino em Ré Menor. ‘Vento’ foi apresentada em Paris, onde recebeu crítica muito positiva”, segundo Wang Ci Zhao. Datam ainda desta época várias peças para piano solo. “Após sete anos em França, e num estado de extrema pobreza que, em absoluto, não o impediu de continuar a compor abundantemente, decide, em 1935, retornar à China, no desejo de encontrar novas oportunidades”, como refere Veiga Jardim. Após concluir os seus estudos regressou à China em 1935 e em Xangai ao ver o seu país a ser invadido pelos japoneses, juntou-se à luta de resistência. Veiga Jardim refere, “A opressão pela qual passava o seu povo, fizeram com que viessem à tona as memórias do tempo das revoluções estudantis em Xangai. A partir de então, movido por um altíssimo espírito patriótico, engaja-se no movimento emancipador escrevendo uma série de obras de cariz nacionalista”. Escreveu durante esta época mais de 300 canções, na maioria música de intervenção de cariz patriótico contra os invasores nipónicos. Com um grupo de teatro de que ele foi um dos impulsionadores, viajou para várias partes da China levando a mensagem de conforto e encorajamento à população na sua luta contra a dominação japonesa.
António de Castro Caeiro PolíticaDesistir [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]odos os meus dicionários tinham o verbo “desistir” riscado a vermelho. Desistir não era opção. Mas a vida não exprimia a insistência à beira da desistência, como tantas vezes acontece. Já não apetece. Perdeu-se o gosto, e, de seguida, o sentido. Fica-se farto. Poder vencer uma contrariedade não é vencer a adversidade. Há tantas formas de insistência quantos os seus objectos. Não desistir varia sempre consoante o seu complemento. Há tempos também diferentes. Pode parar-se para recomeçar mais tarde. Há recuos tácticos, para podermos avançar. É uma espécie de descanso activo, em que não ir e ficar permite perceber o quanto gostamos de uma actividade a que nos dedicamos, física e desportiva ou literária ou de qualquer outro tipo. Não desistir e insistir pode ser um comportamento gizado nas nossas vidas. Como se não desistir e insistir fosse uma opção, a qual, ainda que difícil, é a certa, uma maneira de ser, uma compreensão da própria vida. Aderimos ao que aderimos por gosto, amor, entusiasmo e paixão, actividades e pessoas, o que fazemos, tudo é assim descoberto. Como se não houvesse opção, dedicamo-nos a tudo o que começamos por entusiasmo ou com alguma dúvida mas sempre com espaço de manobra para progressão. Podemos dedicar-nos com devoção ao que quer que seja, e talvez toda a devoção seja acompanhada de renúncia. Na renúncia e na recusa, percebemos o lado negativo das nossas vidas. O lado positivo é o que fica registado nas nossas agendas e diários, define calendários e horários, a nossa vida tal como tem sido, com tudo o que fizemos e tudo o que não fizemos. Não desistir é não desistir do que temos feito, de alguém que faz parte da nossa vida, de nós tal como nos conhecemos. É como se houvesse um apego aos momentos inaugurais: os primeiros dias na prática de um desporto, os primeiros ensaios de um grupo musical, os primeiros dias de uma qualquer prática ou habilitação. E há um mundo de coisas e de pessoas que deixamos cair porque a devoção implica insistência, presença e tempo. O que acontece quando o que definiu as nossas vidas tende a perder o encanto, o fascínio, aquele filtro que cria para nós uma atmosfera e uma dimensão onde, como no amor, não há tempo? Há tempo, mas é como se não percebêssemos a sua passagem, tal como nos sábados de outrora ou nos dias da infância, quando, diziam as avós, nos esquecíamos do tempo. Tudo aquilo a que nos dedicamos tem esse condão de esconjurar em nós o tempo em que reinamos e excluir o tempo todo daquelas coisas que têm de ser feitas mas sem gosto e contra a nossa vontade. Quando insistimos em ficar naquilo a que nos dedicamos é porque o amor perdido e a falta de entusiasmo, o fascínio ainda poderão ser ressuscitados. Não se sabe bem como, mas se lá ficarmos, se repetirmos gestos, se entoarmos canções, se fizermos cópias de textos antigos, se deixarmos que o tempo venha na sua onda magnífica de outrora, talvez o tempo do fascínio de outrora nos leve daquele instante parado, estagnado, sem por ir por lado nenhum. Pode ser um dia, uma semana, um mês, um semestre. Insistimos junto do fantasma do fascínio: um ginásio, uma sala de aula, um estúdio de ensaio. Pode ser também o pensamento de alguém que se eclipsou e foi, mas tentamos que fique, como se a nossa própria vida dependesse de fantasmas sob o eclipse, na latência das vidas. Mas é também em nós que insistimos, porque aquilo a que nos dedicamos, o que fazemos, define-nos na sua presença e no exercício da sua actividade. É nós que não queremos deixar ir, porque uma das figuras da morte é deixar-nos ir com quem amamos, quando o amor desapareceu. Não apaguei ainda o risco encarnado que expulsa o verbo “desistir” dos dicionários. Mas, como nos versos finais do poema “A Palavra” de Stefan George “Assim, com tristeza, aprendo a renúncia. Coisa nenhuma existe, quando lhe falta uma palavra.”
Anabela Canas Iluminação ArtificialActualizar. Reiniciar. [dropcap style≠’circle’]G[/dropcap]uardar. Não sei o quê, nem onde. É lá com ele. Olho-o. Antes ainda de abrir, adivinho. Actualizações. Sempre. Todos os dias em que nada lhe disse, nada lhe trouxe. Todos os dias, em que não me traz algo que ajude a desembrulhar as minhas questões para a vida. Para o dia. Para aquele instante em que deveria ser eu a actualizar a alma e a dar-lhe conta disso. Este caderno tecnológico e limpo, em que quase antevejo um subtil sorriso de troça, quando na minha precipitação de iniciar um trabalho, reter um pensamento que me ampara, ou arrumar esta casa cheia de objectos que proliferam como fungos, sim, quase lhe adivinho a malícia de, em vez de bons dias, começar por se mostrar indisponível. Temporariamente indisposto para colaborar, a necessitar de reinício, de actualizar as actualizações. Santo Deus. Esteve a dormir durante dias. Que raciocínios complicados se revolveram no seu interior adormecido que precisam uma ginástica e uma deferência para com estas suas complexidades, que passam à frente das minhas urgências. Depois começo. E lá está ele a fornecer mais possibilidades como um programa de moda, a fornecer tendências inadiáveis de estação, formas, comprimentos – de onda, talvez -cores para a alma senão o corpo. Padrões, texturas. Quando só quero escrever umas linhas. Rever a alma e os sonhos, voltando um pouco atrás, ou tentando prender um momento antes que se dissolva no esquecimento. Ao fechar, a mesma coisa. Quero sair, à pressa. Não. Sua excelência, perentoriamente recusa-se a colaborar sem mais umas actualizações. Caprichos insondáveis a que não posso deixar de ceder. Impaciente. Quando só quero fechar o caderno e arrumar a caneta. Sair, encerrar o assunto. O contrário de mim. Questões de sistema operativo, talvez. Eu, sempre um pouco fora de moda, a oscilar entre apelos vários de várias épocas, do mundo, de mim. Numa cronologia de sentir, temperada de modo diferente ao do suceder de estações, tendências e mudanças. Tudo -sem querer – a um ritmo próprio. Actualizações também, e paragens, mas às vezes, ao contrário deste PC mais novo e mais caprichoso que os outros, refazendo dados que numa linha de um tempo de trás para a frente, situaria do lado que passou. Coisas válidas. Coisas a não perder na voragem desse fio de sentido único. Se me repito. Penso tantas vezes quando retomo as mesmas ideias, o mesmo sentir. Talvez. Como não repetir a casa onde vivo, o que vive comigo, o que mora, o que me habita? Como não me repetir na pessoa que sou através dos dias, das impressões, das emoções, do sentir. Um pouco retro. Um pouco démodée. Um pouco sem oscilações maiores que as das tempestades que me acolhem o acordar de sonhos tormentosos e felizmente no mesmo corpo, na mesma alma. Não posso tecer juízos sobre esta constância. Antes sobre tudo o que obriga a uma adaptação permanente. O que tende a forçar a uma renovação mais rápida e impertinente do que a simples renovação celular, a do ar nos pulmões. A uma mudança de imagem, de sentir sem tempo para lutos. Sem tempo para o tempo. Estes necessários e compulsivos updats da vida a pressionar como um hematoma. Um consumismo existencial a acompanhar o outro. As pessoas. Como se mudassem todos os dias e alguém tivesse algo a ganhar ou a perder ou a ver com isso. Sou tão old fashion, eu. Guardo sapatos com vinte anos. Guardo sapatos carinhosamente com mais tempo do que isso. Em tempo e em gosto. Claro que quando os calço, pregam-me sustos. Descolam. Talvez da realidade. Como eu, às vezes, no coração. Desabituados de caminhar. De aparência idêntica e fora do tempo – como gosto disso – e, no entanto, algo neles envelheceu. A saúde talvez. Nada que um bom sapateiro não remedeie como se nada fosse ou tivesse sido. Claro. A emenda do tempo. E, quando penso em “Updates”, só me apetece dizer: I’m always dating the same. Dreams. Em que fico. sossegada no meu sentir de ontem. De amanhã. Nos meus lutos. Intempéries. Derretendo da mesma maneira. Com as mesmas coisas. (Esta coisa talvez do feminino ou talvez de pessoas, de deixar o mar entranhar-se na pele como se não houvesse morte por afogamento. Uma coisa com a história de sempre. Este deixar-se. Entranhar. Deixar entranhar-se). O mar, o medo, gostar. Mesmo quando tudo se quebrar e segregar em pedaços ínfimos e irreparáveis, e todo o sopro se contiver de inércia e desconhecimento de qualquer caminho, e qualquer vontade de voar, e tudo parecer não estar. Mesmo quando. Ainda nada em mim será diferente, mesmo se não igual e hei-de morrer disso, de mim. Igual e diferente. Nasci alguém assim com o tempo percorrido e mantenho-me delimitada pela mesma pele e a mesma casa. Escolhi. Esta. Fui tratando. Aquela, esta. No possível e através da experiência do tempo. Mas não tenho outra. Assim mantenho-a e mantenho-me constante e subterraneamente metamórfica no pouco que consigo que o tempo produza. Uma atenção sem pressa. Uma luta para conter a velocidade. Que não posso evitar. Linhas que conduzem. Que delimitam e limitam. Poalhas que tolhem os gestos e o caminhar. Dúvidas nos dados que se multiplicam. Como se hoje tivessem dez, doze faces e muitas mais pintas pretas do que dantes. Circunvoluções nos dias, vindos da tormenta das noites a atravessar sem sono. O que ensombra, o que enfarrusca ou faz brilhar. Um tudo. Mas o que sobra dos sonhos, sei lá bem porquê é o regresso de uma batalha imprecisa e inconclusiva. Eu tento entender o medo. O meu medo, figura múltipla em árvore que invertendo redunda numa única raiz, causa, origem. Tento a todo o preço conhecer o que me tolhe. E tento entender os medos do outro. Sempre. E, às vezes exagerando talvez um pouco na expressão do dramatismo, vejo aí o bicho feroz e básico que projecta, reprime, define e redefine perpetuamente os passos de cada um por todo o lado, por onde vá, por onde não foi. Eu tento entender o medo. Mas o medo não é o género de criatura para se entender na noite porque aí, como é da sua natureza, exorbita e espalha-se por todo o espaço disponível da casa. Ou mais ainda. Eu sei o que dói antes do sonho da noite e sei o que se acrescenta depois. O que me revolve no escuro, me chicoteia na emergência da luz, naquela fímbria fina por cima da portada da direita que nunca encosto o suficiente. A luz a chegar – mas gosto de a ver – e se a vejo chegar mau sinal para o descanso do corpo e da alma que não serenou no esquecimento do sono. Sei com que me deito. Acordo do sem dormir com mais equações do que sabia. A querer espantar uma espécie de agonia. Mas que se vai diluindo no dia. Esse dia a acudir ao reboliço da noite e a trazer talvez algum silêncio. Penso tantas vezes no silêncio. Como uma coisa boa de sentir. Como um refúgio quente e confortável. Como uma frase de amor. Como uma arma de arremesso. Esse. De todas as espécies, e como um cientista dedicado, passo tempo a bafejá-lo para o caso de lhe faltar a respiração e desfalecer. A olhá-lo com olhar leve, para o caso de lhe doerem as articulações a caminhar para a idade. Os silêncios envelhecem como as pessoas e seguramente com as mesmas qualidades, defeitos e achaques. É preciso, por isso tratá-los com carinho e cuidado. Mas saber distingui-los. Os que são inofensivos daqueles que mordem por querer. Penso tanto nisso quando os afectos desta vida me brindam com um. Distingui-lo. desembrulhar-lhe o papel bonito de silêncio, sem destruir o papel bonito. De silêncio. Desvendar a primeira aparição do rosto. Fechado. De silêncio. Entender que expressão minha, do rosto, esteve antes desse rosto pensativo e hermético. De silêncio. Perceber é tão difícil como saltar para o lado de lá do espelho e ouvir com o olhar desse silêncio específico, as palavras proferidas pelo meu olhar. E ouvidas de lá. Desse lado de lá. Desse silêncio que pode ser outro. Desse silêncio. E não do outro. É assim. O labirinto. Em que as pequenas coisas que fazem a vida nos conduzem a perder. E as pessoas, os seus silêncios assim também. A perder. A deixar-nos perder. E a perder de vista. O silêncio como toda a sua qualidade inexcedível, exige uma arte rara, momentos muito bem escolhidos e uma expressão, que de tão específica e adequada, faz dele uma obra de génio. Não confundir com qualquer sucedânea falta de resposta, qualquer engolir em seco ou qualquer contrafeita e artesanal habilidade de passar em frente. Um belo silêncio exige uma empatia no tempo e no espaço, que às vezes recorre aos olhos, espelhos que, quando querem, são límpidas portas da alma. Exige uma respiração como o canto, e que se sente, ouve ou intui na imperceptível reverberação dos átomos, no ar, nesse elemento comum. Exige às vezes o esboço de um gesto que não chega a ser mas conduziu o sensível, uma alma partilhada num território musical e sem perda. Anda tão desvalorizado este silêncio e confundido com a fast food do nada que se diz porque não se tem disposição, vontade, coragem para mais. E quem diga que é uma boa resposta e tão válida como outras, nada entende da alma solitária e humana que murcha na secura do não entender. O nada é a resposta pobre. O parente pobre do silêncio. Já um grande silêncio nunca o foi. Essa arte de tudo deixar expresso na mais fina matéria do que é manuseável pelo universo sensível do humano que somos. Hábeis em manipular a expressão do todo que nos foi dado usar. O mundo anda feio. Como sempre andou. basta pensar nas cadeias alimentares e mesmo sem metáforas em curso, para cair na tenebrosa impressão de que todos os desígnios concorrem para uma contranatura que só a nossa alma consciente e o intelecto de que fomos munidos sabe-se lá porquê, afinal, nos salva. Com critérios que em simultâneo nos fazem sofrer com o visível e em tamanha medida também nos catapultam para a compulsão de fabricar um belo que não há. Somos peritos nisso. Se formos e quando somos. Em produzir coisas artificiais e de beleza que conforte a nossa desnecessária inconformada solidão. A da desadequação. À violência. À crueldade. Ao não sentido por inábil insatisfação. Mais. Do que o simples ser existindo, e porque a natureza se fez de fenómenos complexos e desta forma. Subversivos é o que somos. E pouco naturais porque mais não conseguimos ser. Fugindo à barbárie de prosseguir a onda natural e sem ética, porque esta, humana. Aí chegamos. Ao contributo que sem querer ou sobretudo por querer rebelde, acrescentámos ao natural. A arte, o pensamento, a expressão. E o natural tem aspectos tão belos como ser natural na sua inocência de o ser e não intencional. Como o não é a maldade natural. A da natureza que se consome a si própria em ritmos de sobrevivência. Num equilíbrio qualquer que também aí, às vezes, se corrompe. Dramática. E, contudo, bela mesmo assim. Mesmo quando horroriza. Hesito, então, também às vezes, ante a maldade desta espécie humana. Entender-lhe os resquícios de fragilidade de quem – sendo-lhe dada mais consciência do que aos outros animais, e passe o criacionismo aparentemente implícito – sofre de excesso, de medo. Mais difuso por inúmeras vertentes do que é dado aos outros animais. Demasiadas pensamentos, demasiadas mudanças. Demaisiado em variáveis. Humanos. Demasiado humanos.
João Santos Filipe DesportoFutebol de Sete | Benfica de Macau impõe derrota ao Ka I por 2-0 O Ka I não conseguiu manter a boa forma da jornada inaugural e foi derrotado pelos encarnados por 2-0, na quarta-feira. Ao HM, Josecler deu os parabéns ao Benfica pela exibição mas critica a arbitragem [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Benfica de Macau estreou-se da melhor maneira no Torneio de Futebol de Sete e derrotou o Ka I por 2-0, com golos de Carlos Leonel. O encontro do Grupo B da competição teve lugar no Estádio do Canídromo e gerou alguma polémica. À entrada da partida, a equipa orientada pelo técnico Josecler estava numa situação mais confortável, depois do triunfo por 7-0, diante do Chiba no arranque da competição. Contudo, na quarta-feira à noite, a equipa do Ka I não conseguiu capitalizar a confiança. Ao HM, Josecler culpou, em parte, a arbitragem pelo resultado. O treinador do Ka I queixa-se de um lance, aos cinco minutos, em que defende que Amâncio devia ter sido expulso por agarrar William, que estava isolado à frente da baliza. Josecler apontou também o dedo ao árbitro por não ter marcado uma alegada falta sofrida pelo guarda-redes Domingos Chan, no lance que resultou no primeiro golo do encontro. “Tenho a certeza que demos o nosso melhor, mas não conseguimos ganhar. Não vou culpar totalmente a arbitragem pelo resultado, até porque a nossa equipa não conseguiu marcar um golo, mas tenho a certeza que teve influência no resultado”, afirmou o técnico, ao HM. “Depois desses momentos o Benfica apanhou-se em vantagem e com uma equipa muito experiente conseguiram gerir bem os acontecimentos. Merece os parabéns por isso”, realçou. Josecler reconheceu igualmente que o Ka I poderia ter tido expulso um jogador no final, o que não aconteceu, mas defende que se o Benfica tivesse ficado a jogar menos um desde os cinco minutos os acontecimentos teriam sido diferentes. No entanto, o treinador brasileiro acredita que a equipa vai dar a volta a esta situação e que ainda pode qualificar-se para as meias-finais do torneio, apesar de reconhecer que não é uma tarefa fácil nos dois jogos que faltam disputar. No outro encontro do grupo disputado na quarta-feira, o Sporting impôs-se perante o Chiba, por 3-0. Ao contrário do encontro anterior, o Chiba entrou mal na partida e logo no primeiro minuto sofreu o 1-0. Denílson foi o autor do primeiro golo. Antes do intervalo, Fabrício também marcou e fez o 2-0. O mesmo jogadore foi o responsável pelo 3-0, aos 21 minutos. Nesta altura, o Sporting lidera o Grupo B, com 6 pontos, seguido por Benfica e Ka I, com três pontos cada, sendo que as águias tem menos um jogo disputado. Polícia e Chiba estão no último lugar com zero pontos, sendo que a equipa das forças de segurança também só tem encontro disputado. Kei Lun lidera Grupo A Em relação ao Grupo A, cujos encontros também se realizaram na quarta-feira, Cheng Fung e Sub-23 estrearam-se na competição, com a equipa tutelada pela Associação de Futebol de Macau a perder por 2-1. Os sub-23 até estiveram na frente, com um golo aos dois minutos de Mok Koi Hei, mas Cheong Ka Chon, aos sete minutos, e Ronieli, aos 16, deram a volta ao resultado. No outro encontro, o Lam Pak perdeu diante do Kei Lun, por 1-0, com um golo de Oumar Diarra. Após a segunda jornada, o Kei Lun lidera com seis pontos o Grupo A, seguido por Cheng Fung, com três pontos e menos um jogo. Seguem-se Lam Pak e Polícia B, com 1 ponto, e Monte Carlo e Sub-23 com zero pontos.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesEnquadramentos e pontos de fuga [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 6ª Assembleia Legislativa iniciou os trabalhos esta segunda-feira, com a cerimónia de juramento de lealdade dos 33 deputados, que teve lugar durante a parte da manhã. A primeira reunião plenária aconteceu durante a tarde tendo-se procedido à eleição do presidente, do vice-presidente e dos 1.º e 2.º Secretários da Assembleia. A ordem de trabalhos afigurava-se simples, mas ao longo da discussão dos vários pontos percebeu-se que a questão era mais complexa. Tratava-se de um plano bem pensado para estabelecer o enquadramento político da Assembleia. Existem 14 deputados eleitos por sufrágio directo que, se se agruparem, acabarão por vir a ter uma influência considerável no hemiciclo. No entanto, apenas três quartos actuaram em conformidade com o espírito do sufrágio universal durante a eleição do presidente da Assembleia. Os restantes agiram de acordo com o que era esperado, do que resultou uma adesão à pré-estabelecida “lista de enunciados” da Assembleia Legislativa. Ho Iat Seng foi reeleito presidente da Assembleia Legislativa com 30 votos a favor, resultado por demais esperado. Chui Sai Cheong obteve a vice-presidência com 29 votos, revelando plenamente toda a subtileza das suas negociações com o campo Pró-Regime. No caso de Kou Hoi, a eleição para 1.º Secretário faz parte da sua carreira e do seu percurso na Assembleia Legislativa. A eleição de Chan Hong para 2.º Secretário, resulta de uma troca de favores. Como toda a sessão foi transmitida em directo pela televisão o público pôde verificar as novas disposições na Assembleia Legislativa. Para escapar a este cenário vai ser necessário muito esforço mental durante os próximos quatro anos. Antes da votação para a presidência da Assembleia, Sou Ka Hou, o mais jovem dos deputados, solicitou a Cheung Lup Kwan, que presidia à reunião plenária, que os eventuais candidatos à presidência do plenário pudessem falar para se ficar a conhecer as suas propostas. Mas o pedido foi recusado por Cheung, que alegou falta de tempo e de precedentes. Além disso nenhum dos outros deputados apoiou o pedido de Sou. Finalmente, os 33 deputados votaram e o resultado foi o que já se esperava. O processo da eleição de Chui Sai Cheong para vice-presidente foi similar, mas teve dois pontos a salientar. Em primeiro lugar, Ho Iat Seng obteve mais um voto de apoio do que Chui Sai Cheong, demonstrando que um dos quatro deputados da chamada “Frente Liberal” aceitou as condições pré-estabelecidas com a condição de não oferecer qualquer resistência. Em segundo lugar, a eleição de Chui Sai Cheong para vice-presidente é uma forma de satisfazer o chamado equilíbrio de poderes entre representantes dos trabalhadores e representantes do patronato. Aliás esta é uma prática habitual desde o regresso de Macau à soberania chinesa. A escolha de Chan Hong para 2.º Secretário não passa de um arranjo de bastidores. Aparentemente, o vice-presidente da Assembleia Legislativa não tem grande autoridade nem responsabilidade, mas a alteração no enquadramento político significou uma mudança na distribuição de poderes. Antes do Chefe do Executivo ter apontado os sete deputados nomeados, Lam Heong Sang, antigo vice-presidente da Assembleia Legislativa (que tinha declarado a intenção de não se candidatar à eleição por sufrágio indirecto em representação do sector do trabalho), afirmou numa entrevista que não se importaria de ser nomeado deputado pelo Chefe do Executivo. Este excerto da entrevista pode levar os leitores a pensar que o equilíbrio de poderes na Assembleia, entre o sector que representa os trabalhadores e o sector que representa o patronato, será mantido através da reeleição de Ho Iat Seng e de Lam Heong Sang. Mas na realidade o que se passa é bem diferente. Não faço ideia porque é que o sector do Trabalho foi persuadido a abster-se de participar, mas sei de ciência segura que, quando Chui Sai On resignar em 2019, o seu irmão mais velho, Chui Sai Cheong, irá manter-se como vice-presidente da Assembleia Legislativa até 2021. Se Ho Iat Seng se demitir do cargo de Presidente da Assembleia Legislativa, para se candidatar à eleição para Chefe do Executivo de Macau, talvez possa realizar o sonho de se retirar em 2021. Nesse caso é provável que Chui Sai Cheong assuma o cargo de presidente da Assembleia e continue a desempenhar um papel importante na cena política. Para além dos membros da Mesa da Assembleia Legislativa, a disposição dos lugares dos deputados no parlamento também é mais uma manifestação do novo paradigma político. Alegadamente, a Assembleia Legislativa informou os deputados de que, pela primeira vez, os seus lugares seriam escolhidos por sorteio. Posteriormente poderiam trocar entre si. Mas esta decisão foi objectada pelos deputados reeleitos, pelo que apenas os novos deputados se sentaram em lugares “sorteados”. O procedimento do sorteio vem substituir a prática tradicional da escolha dos lugares por ordem de chegada, que nos parecia justa. A seguir ao sorteio, os deputados com afinidades políticas foram trocando de lugares de forma a ficarem juntos e os independentes ficaram onde lhes calhou. No fim de contas, a disposição dos deputados continua a ser determinada pela vontade da maioria. A Assembleia Legislativa é o centro de poder da RAEM. Não poderá caber apenas aos novos deputados a criação “de pontos de fuga no enquadramento”, vai depender também da sociedade civil e da sua vontade de se fortalecer e de tomar as rédeas do próprio destino.
Andreia Sofia Silva PerfilAntónio Leong, fotógrafo amador, “Tirar fotografias é como escrever um diário” [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]o Largo do Lilau até aos jardins de Lou Kau vão uns meros passos de distância. A história que vive em cada pedra da calçada portuguesa permanece desde um tempo distante. Tal também acontece em São Lázaro, lugar de cultura e de arte e, afinal de contas, de religião: é lá que existe uma igreja e onde se faz anualmente a tradicional festa do São João. Estes são os lugares preferidos de António Leung para fotografar. Capturar imagens através da lente é apenas um passatempo, revelado nas redes sociais, como o Facebook ou Instagram. Por norma, António Leung vai visitando a sua cidade e capturando aquelas imagens que mais lhe tocam o coração. “Gosto de ‘viajar’ na cidade através do meu motociclo”, disse ao HM. A fotografia surgiu na sua vida há pouco tempo. “Por volta de 2012 começou o meu interesse em tirar fotografias. Primeiro comecei por tirar fotos na minha hora de almoço ou depois do serviço, quase todos os dias. Não sou um fotógrafo profissional e tiro fotos como um hobbie”, contou. Na sua página “Antonius Photoscript” contam-se histórias através de imagens que quase dariam para um qualquer guião. Até porque andar de máquina ao peito já faz parte da rotina diária de António. “Tenho um outro trabalho a tempo inteiro. Para mim, tirar fotografias é como escrever um diário todos os dias.” Nas suas imagens cabe uma Coloane soalheira com o seu mercado, as portas vermelhas, as Ruínas de São Paulo no silêncio da noite, uma Macau cheia de uma luz que não vem dos casinos. Num território onde o turismo é a principal actividade económica, e não apenas por causa do jogo, o património acaba por aparecer na maioria das imagens de António. O próprio reconhece que, antes deste hobby, nunca reparou nos velhos edifícios que os portugueses deixaram, ou nas antigas fachadas tipicamente chinesas. “Macau fez um grande esforço para preservar o património, mas antes de começar a tirar fotos nunca tinha notado que tínhamos uma grande presença histórica. Acho que é bom que os jovens conheçam melhor a história e a cultura desta cidade”, apontou. Português desde a primária António Leong não fotografa só a sua terra, mas também outras. As diferenças culturais que existem, e também em termos de espaço, fizeram-no olhar para as particularidades do território. “Fui ao Butão em Junho e levei, pelo menos, três a quatro horas para andar de um ponto turístico ao outro. Mas em Macau podemos visitar todos os pontos turísticos a pé, e, além disso, há uma mistura de diferentes culturas”, frisou. António estudou português desde a escola primária, apesar de ter confessado que não falava a língua de Camões há muito tempo. Na universidade, acabou por estudar engenharia civil, algo completamente diferente da área que abraça nas horas vagas. Não que goste propriamente do curso que tirou. “Naquele tempo não tínhamos muitas escolhas”, referiu. Para o futuro, António Leong gostava de desenvolver novos projectos relacionados com a fotografia. “Gostaria de trabalhar com outros criativos locais, tal como estilistas, e criar esse cruzamento. Também gostaria de fazer photo stories dos residentes”, concluiu.
Hoje Macau EventosSílvia Gonçalves vence Prémio de Jornalismo da Lusofonia [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] reportagem “Floriram por Pessanha as rosas bravas”, da jornalista Sílvia Gonçalves, venceu o Prémio de Jornalismo da Lusofonia, criado pelo Clube Português de Imprensa e pelo Jornal Tribuna de Macau, foi ontem anunciado. Reunido em Lisboa, o júri atribuiu o prémio por unanimidade ao trabalho de Sílvia Gonçalves, realçando a “originalidade da abordagem e a forma como foi construída a narrativa”, indicou o júri, em comunicado. “Trata-se de um texto que não se limitou a ser evocativo dos 150 anos de Camilo Pessanha, contribuindo para o conhecimento do poeta e da sua relação estreita com a lusofonia”, sublinhou o júri sobre o trabalho agora distinguido e publicado no Ponto Final, jornal de língua portuguesa de Macau, a 8 de Setembro passado. O júri foi presidido por Dinis de Abreu, em representação do Clube Português de Imprensa (CPI), José Rocha Diniz, ex-director e administrador do Jornal Tribuna de Macau (JTM), José Carlos de Vasconcelos, director do Jornal de Letras, Carlos Magno, em representação da Fundação Jorge Álvares, e Silva Pires, do CPI. O concurso recebeu mais de duas dezenas de trabalhos. O prémio, de dez mil euros, vai ser entregue a 1 de Novembro, em Macau, por ocasião do 35.º aniversário do JTM, que se realiza no Clube Militar. O Prémio de Jornalismo da Lusofonia destina-se a jornalistas e à imprensa de língua portuguesa de todo o mundo, “em suporte papel ou digital”, de acordo com o regulamento. Este prémio anual “surge no quadro do desejado aprofundamento de todos os aspectos ligados à Língua Portuguesa, com relevo para a singularidade do posicionamento de Macau no seu papel de Plataforma de ligação entre países de Língua Oficial Portuguesa”, de acordo com a organização. O CPI e o JT contam com o patrocínio da Fundação Jorge Álvares, que promove a continuidade do diálogo intercultural entre Portugal e Macau.
João Santos Filipe China / Ásia Manchete19.º Congresso do PCC | Xi Jinping garante apoio a avanços no sistema político de Macau Desenvolvimento democrático, “jurisdição geral” do Governo Central sobre Macau, Grande Baía e promoção de quadros patrióticos foram os temas abordados por Xi Jinping em relação ao território, no discurso de abertura do 19.º Congresso do Partido Comunista [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o discurso de três horas e meia, Xi Jinping garantiu que o Governo Central vai apoiar avanços democráticos em Macau e Hong Kong, durante os próximos cinco anos. Contudo, fez questão de referir que os passos para a democracia vão ter de acontecer de forma ordeira, de acordo com a lei e respeitando a soberania Chinesa. Na cerimónia de abertura do 19.º Congresso do Partido Comunista, no Grande Salão do Povo, em Pequim, o Presidente chinês fez um resumo do relatório dos últimos cinco anos de governação e apontou a direcção e objectivos a serem seguidos nos próximo cinco anos. Em relação a Macau e Hong Kong destacou que os avanços democráticos têm de salvaguardar a soberania Chinesa. “A política ‘Um País, Dois Sistemas’ é a melhor solução para as questões de Hong Kong e Macau e tem provado ser a melhor garantia institucional, após o regresso à Pátria, da prosperidade e estabilidade a longo prazo em Hong Kong e Macau”, disse Xi Jinping, de acordo com o portal do governo central. “Os governos e os chefes dos executivos de ambas as regiões vão ser apoiados nos avanços da democracia, com passos ordeiros, mantendo a lei, a ordem e cumprindo a responsabilidade constitucional de salvaguardar a soberania chinesa, segurança e os interesses do desenvolvimento”, acrescentou. Por outro lado, o Presidente da China reafirmou a autoridade do Governo Central perante as RAEs, mencionado a “jurisdição geral” sobre Macau e Hong Kong. A definição da expressão não foi elaborada. “Fizemos novos progressos no trabalho relacionados com Hong Kong, Macau e Taiwan. Implementámos completamente e fielmente o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ e assegurámos que o Governo Central exerce a jurisdição geral sobre Hong Kong e Macau, como definido na Constituição Chinesa na Lei Básica das duas Regiões Administrativas Especiais”, recordou. Grande Baía Nos últimos anos, a criação da zona da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau tem sido a grande política para o desenvolvimento da região. Quando chegou a altura de falar de Macau, Xi Jinping apontou alguns benefícios para os residentes e definiu a política como “a prioridade”. “Vamos continuar a apoiar Hong Kong e Macau no sentido de integrar o desenvolvimento destas regiões no desenvolvimento geral do País. A prioridade vai ser dada ao desenvolvimento da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau, à cooperação entre Guangdong, Hong Kong e Macau e à cooperação regional na zona do Delta do Rio das Pérolas”, afirmou. “As políticas vão ser melhoradas para que seja mais conveniente para as pessoas de Hong Kong e Macau perseguirem o desenvolvimento das suas carreiras no Interior da China”, frisou. Patriotas à frente Ainda no que diz respeito à administração às regiões administrativas especiais, Xi fez questão que deixar o recado: os cargos têm de ser assumidos por “patriotas” que amem o País, dentro do espírito “Macau governado pelas suas gentes”. “Os patriotas têm de assumir o ‘papel principal’ à medida que as pessoas de Hong Kong governam Hong Kong e as pessoas de Macau governam Macau”, começou por indicar. Depois, o Presidente da República Popular Chinesa garantiu que o Governo Central vai fazer tudo para continuar a desenvolver um sentimento de pertença e identidade nacional tanto em Macau como em Hong Kong. “Vamos desenvolver e reforçar os quadros de patriotas que amam o País e as suas regiões, promovendo um maior patriotismo e um sentimento de identidade nacional mais forte, entre as pessoas de Hong Kong e Macau”, indicou. No final do discurso, Xi Jinping entregou ao Congresso o relatório elaborado pelo 18.º Comité Central do Partido Comunista Chinês, tendo a sessão de abertura terminado. Elogios de Zheng Xiaosong Após a sessão, o director do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, Zheng Xiaosong, elogiou o discurso de Xi Jinping e sublinhou a importância da política “Um País, Dois Sistemas” ser respeitada. De acordo com o canal chinês da Rádio Macau, Zheng Xiaosong sublinhou a ligação entre as condições do território com as do Interior da China, e mostrou-se agradados com o plano de Xi, que disse trazer “mais oportunidades de desenvolvimento à população de Macau”. Zheng frisou as “declarações profundas” sobre a política “Um País, Dois Sistemas” e a Lei Básica, e defendeu que se tanto essa política como a miniconstituição forem cumpridas, que os efeitos para Macau serão positivos. Também Ho Teng Iat, presidente da Associação Geral das Mulheres de Macau e membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, elogiou relatório e o trabalho desenvolvidos no últimos cinco anos. Por outro lado mostra-se confiante sobre o futuro. A responsável da associação afirmou que o 19º congresso vai abrir uma nova era na China, com um crescimento constante e rápido da economia, que terá efeitos benéfico para toda a população e para Macau. Discurso presidencial alerta para desafio futuros O Presidente chinês, Xi Jinping, afirmou ontem que as perspectivas da China são “brilhantes”, mas reconheceu que a economia do país enfrenta “sérios desafios”. A ideia foi deixada no discurso de abertura do XIX Congresso do Partido Comunista (PCC). “O grande rejuvenescimento da nação chinesa não é um passeio no parque ou um mero rufar de tambores e ressoar de gongos. Todo o partido deve estar preparado para fazer esforços cada vez mais difíceis e duros”, disse Xi ao mesmos tempo que acrescentava que “para realizar grandes sonhos, é preciso travar grandes batalhas”. O secretário-geral do PCC apontou a disparidade de rendimentos, o desemprego, a educação e a saúde como áreas em que os problemas não têm sido devidamente abordados e sublinhou que o partido deve assumir riscos e superar “fortes resistências”. Ficou ainda a promessa de construção de um “país socialista moderno” preparado para uma “nova era” que, apesar de decidida pelo partido, não deixará de ser aberta ao mundo, salientou o Presidente da Répública Popular da China. O discurso de Xi, apesar de generalista, não deixou de ressaltar a confiança numa China mais próspera com um lugar de destaque na comunidade internacional. Mais uma vez, o ênfase foi dado ao combate à corrupção, não deixando de parte a guerra à desigualdade de rendimentos e o empenho na luta contra a poluição. “O desenvolvimento da China entrou numa “nova era” foi a frase mais ouvida durante o discurso que durou mais de três horas. De acordo com a Reuters, foram 36, as vezes que Xi repetiu esta ideia. “Com décadas de trabalho árduo, o socialismo com características chinesas passou o limiar rumo a uma nova era”, afirmou também. Xi enalteceu ainda o reforço da segurança doméstica, afirmando que a estabilidade social foi mantida e a segurança nacional fortalecida. O líder chinês prometeu que o partido terá “tolerância zero” para com a corrupção e disse que a organização “continuará a purificar-se, melhorar e reformar-se”. Mais política externa A economia chinesa vai “abrir ainda mais as portas ao mundo”, declarou também o Presidente chinês, prometendo um tratamento justo para as empresas estrangeiras presentes no país. “A abertura traz o progresso, o encerramento recuos. A China não vai fechar as suas portas ao mundo, mas abrir-se ainda mais”, garantiu. O Governo vai “proteger os direitos e interesses legítimos dos investidores estrangeiros e todas as empresas registadas na China serão tratadas em pé de igualdade e de forma justa”, insistiu Xi. Desde que Xi ascendeu ao poder, a China lançou um novo Banco internacional e a nova Rota da Seda, um plano de infraestruturas que pretende reactivar a antiga via comercial entre a China e a Europa através da Ásia Central, África e sudeste Asiático. Pequim passou também a reclamar abertamente a soberania de quase todo o Mar do Sul da China, construindo ilhas artificiais capazes de receber instalações militares em recifes disputados pelos países vizinhos, apesar de o tribunal internacional de Haia ter considerado as reivindicações marítimas chinesas ilegítimas. Oráculo vermelho Xi é considerado o mais forte líder chinês das últimas décadas e deve garantir neste congresso, um segundo mandato de cinco anos. Analistas apontam que, para consolidar o seu poder, Xi afastou rivais políticos promovidos por outros grupos dentro do partido. Observadores da política chinesa estarão atentos às nomeações para o Comité Central do Politburo (actualmente formado por 24 membros) e o Comité Permanente (sete), esperando-se que sejam os membros próximos do Presidente a preencher os cargos. O Comité Permanente do Politburo do PCC é a cúpula do poder na China e inclui Xi e o primeiro-ministro, Li Keqiang. Li deve também obter um novo mandato, enquanto os restantes cinco membros devem retirar-se. A dúvida reside na continuidade de Wang Qishan, director do órgão máximo anticorrupção da China, que puniu mais de um milhão de membros do PCC nos últimos anos, parte de uma campanha lançada por Xi Jinping. A nova formação será apenas conhecida no final do Congresso. A ascensão de membros leais a Xi permitirá a este avançar com a sua visão política e económica ao longo dos próximos cinco anos. Outra questão é saber se se vislumbrará um sucessor para Xi, com alguns analistas a prever que ele permanecerá como secretário-geral do PCC para além do segundo mandato, quebrando com a prática de rotatividade, vigente desde Deng Xiaoping. Uma só China O Presidente deixou ainda um apelo aos membros do partido para resistirem à “busca do prazer, inacção, ócio e fuga aos problemas”, e afirmou que o partido deve “opor-se firmemente a todos os esforços para dividir a China”. A concepção de uma China única que inclui Taiwan nem se coloca em causa. A ideia foi ontem reafirmada pelo próprio Presidente chinês. Xi disse que a China nunca permitiria que a ilha se separasse do país, sendo que dada a oposição de Taiwan, o Presidente quer que as negociações continuem a decorrer pacificamente. No entanto, afirmou, pretende que a China venha a ter umas forças armadas de nível internacional e que irá dirigir esforços nesse sentido. A Coreia do Norte não foi assunto para o Congresso apesar dos últimos acontecimentos entre a China e aquele país.
João Santos Filipe PolíticaAssociação das Mulheres quer facilitar contratação de ajudantes Durante um encontro com o Chefe do Executivo, a associação liderada por Ho Teng Iat defendeu que é necessário autorização para que se possa importar ajudantes domésticas de mais províncias do Interior da China [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação Geral das Mulheres de Macau (AGMM) quer que o Chefe do Executivo garanta um funcionamento eficaz do mercado das empregadas domésticas, para que nos lares dos residentes haja um melhor ambiente familiar. Esta sugestão para as Linhas de Acção Governativa do próximo ano foi revelada, em comunicado, pelo gabinete do Chefe do Executivo, após Chui Sai On ter ouvido a associação liderada por Ho Teng Iat. “Reforçar das regras do mercado das ajudantes domésticas, para apoiar um desenvolvimento familiar saudável”, pode ler-se na nota de imprensa, sobre o encontro, em relação à sexta das oito sugestões apresentadas. Neste campo, a associação sugeriu “a fiscalização do mercado dos trabalhadores domésticos, através de legislação, nomeadamente da definição das responsabilidades das agências de emprego”. Ao mesmo tempo, pediram um aumento do número de províncias do Interior da China nas quais os residentes de Macau podem contratar empregadas domésticas. Sobre este assunto, o Chefe do Executivo não se comprometeu, mas prometeu, como habitualmente faz, ouvir as associações e as opiniões da sociedade. Tendo em conta os efeitos da passagem do Tufão Hato, também a capacidade de resposta às catástrofes do Governo foi um dos tópicos abordados. Neste assunto, a AGMM apontou a necessidade de “elevar a consciência da população e das autoridades na reposta a catástrofes naturais e reforçar a capacidade da cidade no âmbito de operações de socorro”. Considerados dois dos principais problemas de Macau, as questões relacionadas com a falta de habitação a preços acessíveis e os transportes não ficaram de fora da reunião. Assim, a associação das mulheres pediu ao Chefe do Executivo que defina “políticas de habitação, a longo prazo, no sentido de garantir habitação para todos” e que melhore “a rede de transportes urbano para facilitar a deslocação dos cidadãos”. No que diz respeito aos transportes, este é igualmente um tema que tem gerado polémica, depois do Governo, através do secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, ter apresentar uma proposta para aumentar os preços dos bilhetes. Pensões e saúde Ainda sobre as questões sociais, a associação que está representada na Assembleia Legislativa pela a vice-presidente e deputada Wong Kit Cheng, mostrou-se preocupada com a saúde das mulheres e as pensões dos mais velhos. Desta forma foi proposto que o Executivo aperfeiçoe “as garantias na saúde das mulheres” e optimize “o sistema de garantias aos idosos, com o objectivo de assegurar a sua subsistência” das faixas etárias mais elevadas. Como acontece tradicionalmente, a associação fez questão de sublinhar a necessidade de promover políticas favoráveis à família, e uma defesa melhor dos direitos das mulheres e das crianças, a bem da harmonia do lar. Durante a reunião, Ho Teng Iat fez questão de referir que nos últimos anos tem havido um grande desenvolvimento nas questões ligadas às mulheres, “nomeadamente nas áreas da economia, educação e saúde”. Ainda sobre este aspecto, o comunicado não menciona qualquer referência por parte da associação às alterações à lei da violência doméstica.
Hoje Macau PolíticaTráfico humano e falta de democracia salientados em relatório da UE Macau continua a não apresentar uma situação satisfatória no que diz respeito ao tráfico humano e à participação democrática na política local. Estas são as conclusões de um relatório da União Europeia dado a conhecer ontem [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] tráfico humano e a falta de um enquadramento que permita uma maior participação democrática são os principais desafios aos direitos humanos em Macau, apontou ontem um relatório da União Europeia (UE). “As principais questões que desafiam os direitos humanos em Macau são o tráfico de seres humanos, a falta de um quadro legal que permita uma maior participação democrática e o fracasso em aplicar leis relativamente à negociação colectiva”, refere o documento. Não obstante, ao abrigo de um princípio “Um País, Dois Sistemas” consagrado na Lei Básica, os direitos e liberdades fundamentais continuaram a ser respeitados e o Estado de Direito cumprido em Macau, reconheceu a UE no relatório referente a 2016 sobre os direitos humanos e democracia no mundo. “Macau goza de um elevado grau de liberdades”, no entanto, como lembrou a UE, o Governo mantém a oposição à recomendação do Comité da ONU contra a tortura relativamente ao estabelecimento de um órgão independente de direitos humanos, sob o argumento de que tal não é aplicável a Macau como Região Administrativa Especial da China. Macau caiu para a lista de vigilância do tráfico humano publicada em Junho pelo Departamento de Estado norte-americano que, apesar de admitir os esforços das autoridades, entende que os padrões mínimos não estão a ser cumpridos. “O Governo de Macau iniciou oito investigações de tráfico e duas acusações, mas não obteve qualquer condenação pelo segundo ano consecutivo”, referia o relatório anual de Washington referente a 2016 ao qual o Executivo reagiu “com forte indignação”. Destacando a “grande determinação” dos esforços no combate ao tráfico de seres humanos, o Governo afirmou então que o relatório dos Estados Unidos continuava “a ignorar os factos objectivos da situação de Macau”. Votos difíceis O desafio relativo à falta de um enquadramento legal que permita uma maior participação democrática prende-se com o facto de o chefe do Governo não ser eleito pela população, mas por um colégio composto por 400 membros de diferentes sectores da sociedade, um aspecto apontado com regularidade em relatórios internacionais. Dos 33 deputados que compõem a Assembleia Legislativa apenas 26 são eleitos e desses apenas 14 por sufrágio universal, dado que os outros 12 são eleitos por sufrágio indirecto, ou seja, através das associações. Os restantes sete deputados são nomeados pelo chefe do Executivo.
Victor Ng PolíticaAL | Plenário com três propostas de debate Apesar da legislatura apenas ter começado na segunda-feira, os deputados Ng Kuok Cheog, Ella Lei, e Sulu Sou já apresentaram três propostas de debate sobre os efeitos do tufão Hato, o aumento dos bilhetes dos autocarros e as obras do terminal das Portas do Cerco [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados Ng Kuok Cheong, Ella Lei e Sulu Sou apresentaram três propostas diferentes para debate na Assembleia Legislativa. No documento enviado por Ng Kuok Cheong são abordados os efeitos do tufão Hato, que causou dez mortos, vários feridos e estragos no território. O pró-democrata defende que a responsabilização dos membros do Governo ainda não está apurada, apesar do incidente com a reforma de Fong Soi Kun, antigo director dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG), que gerou controvérsia recentemente. Ng Kuok Cheong também se mostra preocupado pelo facto de não haver trabalhos em curso para as instalações no lado oeste da península de Macau contra catástrofes naturais. Ng Kuok Cheong avançou também com perguntas na proposta de debate, questionando as medidas para melhorar a emissão de alertas e de resposta às catástrofes dos SMG e do Conselho para o Tratamento de Incidentes Imprevistos, assim como a implementação da responsabilização das autoridades e do plano para estabelecimentos contra catástrofes naturais. Por seu turno, Ella Lei quer debater o aumento das tarifas de autocarros no hemiciclo, porque a proposta do aumento foi avançada com várias críticas da sociedade e não existe uma explicação detalhada por parte do Governo. A deputada entende que os serviços de autocarros são a opção principal de transporte da população, visto que nos últimos tempos as autoridades avançaram com medidas para controlar a circulação de veículos nas estradas, através das penalizações financeiras. Tendo em conta o lugar privilegiado dos autocarros na vida da população, Ella Lei acha que o aumento dos bilhetes não pode ser justificado só com a razão de reduzir o orçamento da função pública. A deputada sublinha que é fundamental que se explique o impacto da proposta para a sociedade e a política da primazia aos autocarros. A deputada argumenta ainda que é normal que as autoridades registem aumentos no orçamento por causa da necessidade elevada nos serviços de autocarros. Face à situação, considera que o Governo deve mobilizar recursos para garantir necessidades ao nível dos autocarros. Do Terminal Já Sulu Sou pretende que a AL discuta a hipótese de suspender o plano de reparação do Terminal de autocarros das Portas do Cerco, actualmente encerrado devido aos efeitos do Tufão Hato. O membro da Novo Macau pretende que se inicie de imediato o planeamento das vias de trânsito junto à fronteira Na justificação de Sulu Sou, o condicionamento do trânsito na zona das Portas do Cerco, após a catástrofe, não é satisfatória visto que tem um impacto negativo na vida dos moradores e dos turistas na zona. Entretanto, com o período prolongado das obras de reparação ao Terminal das Portas do Cerco, o deputado está preocupado com as dificuldades dos residentes e a imagem turística do território nos próximos dois anos. Tendo em conta a falta de divulgação do orçamento para estas obras e a afirmação do secretário Raimundo do Rosário a baixar as expectativas da população face à renovação do terminal, Sulu Sou explica que a sociedade questiona a justificação do Governo para as obras de reparação.
João Santos Filipe InternacionalIncêndios | Secretário de Estado português lamenta mortes Eurico Brilhante Dias esteve no Fórum de Jovens Empresários, em Macau, e no final do discurso recordou os 41 portugueses que perderam a vida devido aos incêndios do passado domingo [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário de Estado da Internacionalização de Portugal, Eurico Brilhante Dias, está em Macau e durante a 3.ª edição do Fórum de Jovens Empresários entre a China e os Países de Língua Portuguesa recordou as 41 vítimas dos incêndios do passado domingo, em Portugal. Após a cerimónia de abertura do fórum, Eurico Dias discursou sobre os assuntos económicos, mas no final não deixou de mencionar o luto nacional. “Mais do que a questão internacional, é o facto de ser uma notícia muito negativa para todos nós e para o país. As pessoas que faleceram não são recuperáveis e isso é, para nós, uma notícia muito triste”, disse Eurico Brilhante Dias, no final do discurso, à imprensa. Porém, o membro do Governo negou que a imagem internacional de Portugal seja afectada: “As notícias acima de tudo são uma grande tristeza para todos nós e têm reflexo internacional. Eu próprio vinha no avião e vi a BBC World a fazer referência. Mas não é apenas um episódio como este que apaga todo o trabalho que temos feito e o reconhecimento internacional que temos, com uma economia mais moderna e que exporta mais”, defendeu. Eurico Brilhante Dias vai assinar, hoje, em nome do Estado Português, um protocolo com a Autoridade Monetária de Macau (AMCM) para o estabelecimento de uma Agência de Crédito de Seguros à Exportação. Esta agência vai ficar sedeada na RAEM e visa facilitar as trocas comerciais entre a China, através do território, e os Países de Língua Portuguesa (PLP) com a oferta de serviços de seguro. “A Agência de Crédito de Seguros à Exportação permite dar segurança aos investidores dos PLP, mas não só aos investidores desses países, também a terceiros que queiram investir. Vai cobrir empresas e empresários não só da República Popular da China, a partir de Macau, como também de Portugal e dos PLP”, justificou. Com esta agência os investidores vêem cauções e pagamentos pelo serviços prestados em países dos PLP segurados pelos diferentes estados. Desafios a exportações Outro dos assuntos abordados pelo governante português foi a redução das barreiras alfandegárias para que produtos alimentares portugueses possam entrar na China, como por exemplo a carne de porco. “O sector agro-pecuário tem barreiras muito específicas relacionadas com a saúde pública. Consideramos que é preciso fazer mais”, indicou. “Temos que trabalhar mais para que as barreiras alfandegárias não-tarifárias se possam reduzir para que o fluxo seja mais contínuo. Isto obriga a uma grande aproximação entre o Estado português e o da República Popular da China. Em alguns sectores precisamos de eliminar algumas dessas barreiras”, admitiu. A cerimónia de abertura do Fórum foi igualmente utilizada para o descerramento da placa do Centro de Intercâmbio de Inovação e Empreendedorismo para Jovens da China e dos Países de Língua Portuguesa. Este centro faz parte das 18 medidas reveladas pelo Primeiro Ministro Li Keqiang, no ano passado, quando visitou Macau.
Sofia Margarida Mota SociedadeIPM | Propinas mais caras para alunos do continente, Hong Kong e Taiwan [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s propinas do Instituto Politécnico de Macau vão ser mais altas para os alunos do continente, de Hong Kong e de Taiwan. Se até agora estes estudantes pagavam as 20.800 patacas anuais requeridas para as licenciaturas de quatro anos, a partir de 2019, o valor mantém-se para os estudantes do território mas vai sofrer um aumento de 2500 patacas para os alunos que vêm das regiões referidas. A informação foi dada ontem em Boletim Oficial e também prevê que os estudantes de outras nacionalidades, vejam as suas propinas aumentadas. De 32.000 patacas, os estrangeiros que queiram estudar no IPM vão passar a pagar 35000, por ano. Apesar de ser uma instituição de ensino superior pública, o IPM estará a optar por estratégias financeiras associadas ao privado e à optimização de receitas. De acordo com Éric Sautedé, “é apenas uma forma de fazer dinheiro e todas as universidades privadas já o fazem”, disse ao HM. Por outro lado, considera, trata-se de uma estratégia para criar junto da própria população, uma maior aceitação do “número crescente de “estrangeiros” a quererem estudar no território. O académico dá o exemplo da MUST, que em 2015 tinha 69 por cento de alunos vindos de fora de Macau.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaAno Judiciário | Na defesa da mediação e arbitragem obrigatória [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]uito se tem falado na necessidade de desenvolver o sistema de arbitragem em Macau, sobretudo desde que o território assumiu o seu papel de plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Sam Hou Fai, presidente do TUI, não só defende a instituição da arbitragem obrigatória para alguns casos [actualmente é voluntária], como exige a criação de uma legislação para regulamentar a mediação. “Há necessidade de tomar como referência as experiências do interior da China e de Hong Kong no sentido de estabelecer um regime jurídico e um instituto próprio para a mediação, criar entidades próprias e consagrar os princípios a seguir nas suas actividades”, apontou. Em concreto, Sam Hou Fai disse acreditar que é possível implementar em Macau um sistema que prevê “a combinação entre mediação voluntária e obrigatória em certas matérias”, além de ser necessário “formar uma equipa de mediadores altamente qualificados”. O presidente da Associação de Advogados de Macau (AAM) também falou da necessidade de fomentar o sistema de arbitragem, estando previsto o desenvolvimento do actual centro de arbitragem da AAM, graças a um protocolo de cooperação assinado com a Comissão de Arbitragem Económica e Comercial Internacional da China. Tal projecto passa pela vinda de árbitros de várias partes do mundo, para a resolução de litígios de vária ordem, mas sobretudo na área de negócios e economia. Sobre a sugestão de Sam Hou Fai, Neto Valente lembrou que “não se pode generalizar”. “O presidente do TUI sugeriu que se criem mecanismos de arbitragem obrigatória. Vamos ver. Não é impossível, pode ser desejável em alguns casos, mas não se pode generalizar. Em Portugal, por exemplo, há centros de arbitragem obrigatória para consumo.” Estado da justiça | Neto Valente clama por debate geral Jorge Neto Valente voltou a referir que os profissionais do Direito em Macau ainda não se reuniram para debater o estado da justiça, apesar do pedido há muito ter sido feito. “Esse pedido não encontrou eco junto das entidades que o podem promover. Acho extraordinário e incompreensível que, até hoje, não se tenha feito um estudo objectivo e de base científica sobre o estado da justiça na RAEM e as opiniões da comunidade.” Tribunais | Processos pendentes com aumento “surpreendente” Sam Hou Fai alertou para a existência de um “aumento surpreendente no número dos processos administrativos”. Em termos concretos, “o número de entradas no Tribunal Administrativo (TA) subiu de 194 no ano judiciário anterior para 1276 no ano passado, isto é, quase sextuplicou”. Também Neto Valente fez referência a este cenário. “Há que constatar o número de processos entrados no TA. Se constatarmos que no TA findaram menos de dez por cento do número de processos entrados, temos de concluir que não há solução à vista, já que o défice de resolução em cada ano se somam os milhares de processos que continuam a entrar nos tribunais ao longo do ano.” Novo edifício do TJB | Advogados não foram ouvidos Neto Valente alertou ontem para o facto dos advogados não terem sido ouvidos sobre o processo de construção do edifício do Tribunal Judicial de Base. Em causa está a edificação das salas de julgamento que não corresponde aos critérios da classe. “Os advogados não tiveram direito à mínima cortesia de serem ouvidos sobre a localização e a organização do espaço. O estrado sobre o qual se dispõem as mesas-secretárias dos magistrados judiciais foi elevado para um nível muito mais alto do que os destinados ao MP e ao dos advogados. [A sala], sem agravamento de custos, poderia ter ficado melhor e mais funcional.”
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaAno Judiciário | A eterna reforma da Lei de Bases de Organização Judiciária A falta de revisão da Lei de Bases de Organização Judiciária há muito que é um tema recorrente nos discursos da abertura do ano judiciário, mas ontem Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), resolveu recorrer ao caso Ho Chio Meng para explicar o entrave que esta lacuna acarreta na prática. [dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] julgamento do processo do ex-procurador reforçou a necessidade e a urgência da revisão da lei. O julgamento decorreu durante todo o ano judiciário transacto, tendo ocupado a maior parte do tempo de uma juíza-relatora do TUI e de um juiz-relator do Tribunal de Segunda Instância (TSI). Visto que a lei não prevê um mecanismo de acumulação de funções, ou de nomeação provisória, o Conselho de Magistrados Judiciais não podia distribuir os demais processos que cabiam a estes dois juízes a outros, o que prejudicou gravemente o andamento de outros processos”, disse Sam Hou Fai. Por essa razão, o presidente do TUI disse esperar que “todos façam o seu papel, procedendo à revisão da lei de forma decidida e no mais curto prazo possível”. Contudo, Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau, Sam Hou Fai poderia ter dado o tiro de partida para este processo há dois anos. “Ele poderia ter impulsionado a revisão, porque é a pessoa que tem a palavra mais importante a dizer no impulso inicial, e não o fez”, rematou. Do TUI para o TSI Um dos problemas levantados pela ausência de revisão da Lei de Bases da Organização Judiciária prende-se com o facto de detentores de cargos políticos serem julgados no Tribunal de Última Instância e não terem direito a recurso. Oriana Pun, a advogada de Ho Chio Meng, bem tentou recorrer da sentença de 21 anos, sem sucesso. Jorge Neto Valente considerou, à margem da cerimónia, que “não é impossível” garantir que esses titulares de cargos possam recorrer da sentença. “Há soluções. Ou se alarga o tribunal de julgamento para uma outra composição que permita fazer o recurso, com um maior número de juízes, ou passa-se [o julgamento] do TUI para o TSI, para permitir o recurso no TUI.” “Se perguntar às pessoas que foram julgadas nessa circunstância, que é chocante para a maioria, se preferiam ser julgados assim, estou convencido que preferiam ser julgados pelo TSI. Não quer dizer que o resultado fosse muito diferente, tudo depende das pessoas que lá estão”, frisou Neto Valente.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaCaso Ho Chio Meng | Actual procurador descarta teoria da perseguição Ip Song Sang, actual procurador do Ministério Público, disse ontem que a sentença de prisão decretada a Ho Chio Meng foi justa e que não houve qualquer perseguição. Ip Song Sang deixou claro que a lei está a ser cumprida no que diz respeito à aquisição de bens e serviços [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] segundo grande caso de corrupção que abalou a RAEM esteve ontem em destaque no discurso do procurador do Ministério Público (MP) na abertura de mais um ano judiciário. Declarada a pena de 21 anos de prisão a Ho Chio Meng, Ip Song Sang falou abertamente sobre o assunto, tendo referido que não houve qualquer perseguição e que a justiça funcionou. “O facto do MP ter remetido, nos termos da lei, o auto do Tribunal de Última Instância (TUI) para o julgamento público tornou insustentável a alegação do arguido de que foi perseguido”, apontou. Isto porque “sendo sólidos os alicerces do Estado de Direito da RAEM, os órgãos judiciários, persistindo na independência judicial, têm apurado a responsabilidade criminal dos infractores, independentemente do cargo que ocupam”. Ip Song Sang lembrou ainda algumas críticas que foram feitas quando se soube de que crimes estava acusado o ex-procurador da RAEM, após o processo de investigação levado a cabo pelo MP. “Da investigação até ao julgamento surgiram algumas dúvidas e desentendimentos de algumas pessoas, incluindo profissionais, sobre o número de mais de 1600 acusações deduzidas contra o arguido por parte do MP. No entanto, o MP tem insistido no respeito pelos princípios da legalidade, da objectividade e da igualdade de todos perante a lei, só deduziu a acusação contra o arguido com base nos factos apurados.” O actual procurador do MP considerou, portanto, que o TUI “acabou por proferir uma sentença justa”, uma vez que este tribunal “confirmou a existência da maior parte dos factores constantes das acusações deduzidas pelo MP”. Contas certinhas No seu discurso, Ip Song Seng deu ainda explicações sobre o actual processo de aquisição de bens e serviços por parte do MP. Recorde-se que esta foi a área onde Ho Chio Meng praticou os crimes de burla qualificada, branqueamento de capitais agravado e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria. “Foi estabelecido um mecanismo rigoroso de fiscalização interna e definidos os critérios de trabalho que devem ser seguidos pelos departamentos responsáveis pela aquisição de bens e serviços, medida essa que visa fiscalizar a legalidade e racionalidade das despesas públicas”, explicou Ip Song Sang. Além disso, “o regime de administração financeira deste gabinete tem sido aprimorado de acordo com os requisitos exigidos nos regimes jurídicos referentes à concessão de obras públicas e à aquisição de bens e serviços”. “Tal assegura a legalidade e a transparência do procedimento de concessão de obras e da aquisição de bens e serviços do MP”, acrescentou o procurador. Ip Song Sang disse ainda acreditar que “depois de estabelecidos os mecanismos jurídico e institucional, o sistema de funcionamento financeiro do MP encontra-se totalmente conforme as exigências previstas na lei”.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaAno Judiciário | Presidente do TUI manda recado aos “ditos grandes juristas” Sam Hou Fai falou ontem da revisão do Código do Processo Civil que está em curso e deixou um recado “enigmático”: “Espero que aqueles ditos grandes juristas” possam deixar de lado “sistemas antigos” para que haja maior celeridade dos processos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] número de processos pendentes atingiu números nunca antes vistos e uma maior celeridade processual tem vindo a ser exigida nas últimas cerimónias de abertura do ano judiciário. Contudo, ontem o presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), Sam Hou Fai, fê-lo de uma forma diferente, deixando um recado sem nomes expressos. “O Governo está a realizar os trabalhos preparatórios da revisão do Código do Processo Civil (CPC). Espero que aqueles ditos grandes juristas possam encarar e aceitar a realidade social de que já se completaram 18 anos desde o retorno de Macau à China e o estabelecimento da RAEM e deixar de se agarrar aqueles pensamentos e sistemas antigos que obstem à evolução da sociedade e ao funcionamento da justiça”, referiu. Sam Hou Fai considerou também que tais sistemas “já foram repudiados desde há muito tempo pelos países europeus de Direito continental, inclusive Portugal, para, partindo da política ‘Um País, Dois Sistemas’ e das realidades sociais de Macau promover a revisão do CPC em direcção à simplificação dos trâmites processuais e à elevação da eficiência judicial”. Esta foi uma mensagem que nem o presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), Jorge Neto Valente, compreendeu na totalidade. “Não compreendi essa parte enigmática, que se refere aos “ditos grandes juristas’. Não sei a quem se refere. Simplificar? Tudo é possível. Tirando os assuntos de um tribunal e atribuindo-os a um só juiz, resolve-se tudo. E se tirar o juiz e resolver na secretaria ou com um funcionário da porta, ainda é mais simples. É como aqueles que querem resolver o erro médico em 48 horas. A única maneira é não ouvir as pessoas e não punir logo”, ironizou. Neto Valente alertou para que, com tanta simplificação, se ponham em causa as garantias e os direitos dos arguidos. “Há muitas maneiras de fazer simplificações, mas a maior parte delas são tontices e não fazem sentido. Porque é que há processos e não apenas magistrados julgadores? Tem de haver garantias”, concluiu.
Hoje Macau China / ÁsiaExército do Myanmar matou centenas de rohingyas, diz Amnistia Internacional [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Amnistia Internacional (AI) denunciou ontem que as forças de segurança da antiga Birmânia mataram centenas de pessoas numa campanha sistemática para expulsar os muçulmanos rohingyas, e pediu um embargo de armas ao país. Em relatório, a organização não-governamental de defesa dos direitos humanos AI afirmou que pelo menos centenas de pessoas foram mortas pelas forças de segurança, que rodearam localidades, atingiram a tiro residentes em fuga e incendiaram edifícios, onde se encontravam idosos, doentes e deficientes que não puderam fugira. Nalgumas localidades, mulheres e meninas foram violadas ou sujeitas a violência sexual, de acordo com o relatório da AI para o qual foram entrevistados mais de 120 rohingyas. Testemunhas descreveram repetidamente uma insígnia nos uniformes dos atacantes que corresponde à usada pelas tropas do Comando Ocidental do Myanmar, segundo a AI. Mais de 580 mil refugiados chegaram ao Bangladesh desde 25 de Agosto, quando as forças de segurança da Birmânia iniciaram uma ofensiva contra as aldeias rohingya. O governo da antiga Birmânia disse estar a responder a ataques de insurgentes muçulmanos, mas as Nações Unidas disseram que a resposta foi desproporcionada. No terreno Matthew Wells, investigador da AI que passou várias semanas na fronteira entreo Myanmar e o Bangladesh, disse que centenas de rohingyas apresentaram ferimentos causados por balas e que os médicos afirmaram que estes eram consistentes com um cenário em que alguém é baleado nas costas enquanto foge. Segundo Wells, a indicação de várias centenas de mortos refere-se a apenas cinco aldeias onde a AI esteve a investigar, o que levou a organização a acreditar que o número é muito superior. Imagens de satélite, confirmadas por testemunhas, mostraram casas de rohingyas e mesquitas totalmente queimadas em aldeias da minoria, enquanto outras zonas a apenas 100 ou 200 metros ficaram intocadas. “Isto mostra o quão organizada e bem planeada é esta campanha incendiária do exército birmanês e quão determinado tem sido o esforço de expulsar a população rohingya do país”, disse. A AI pediu ao Conselho de Segurança da ONU que imponha um embargo de armas alargado no país e implemente sanções financeiras contra os dirigentes responsáveis por violações que a organização afirmou corresponderem aos critérios de crimes contra a humanidade. Antes da operação militar de 25 de Agosto, que motivou a actual fuga de rohingyas para o Bangladesh, estimava-se que cerca de um milhão de rohingyas vivia no estado de Rakhine, onde são alvo de crescente discriminação desde a violência sectária de 2012 que causou pelo menos 160 mortos. A Birmânia não reconhece a cidadania aos rohingya e há vários anos que lhes impõe severas restrições, incluindo a privação de liberdade de movimentos.
Hoje Macau China / ÁsiaChina | Comércio com países lusófonos sobe 30,2% até Agosto [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s trocas comerciais entre a China e os países lusófonos subiram 30,2% até agosto, em termos anuais homólogos, atingindo 78,41 mil milhões de dólares, indicam dados oficiais. Dados dos Serviços de Alfândega da China, publicados no portal do Fórum Macau, indicam que a China comprou aos países de língua portuguesa bens avaliados em 55,10 mil milhões de dólares, mais 32,2%, e vendeu produtos no valor de 23,31 mil milhões de dólares, mais 25,6% em termos anuais homólogos. O Brasil manteve-se como o principal parceiro económico da China, com o volume das trocas comerciais bilaterais a cifrar-se em 58,31 mil milhões de dólares entre Janeiro e Agosto, um valor que traduz um aumento anual homólogo de 29,1%. As exportações da China para o Brasil atingiram 18,47 mil milhões de dólares, reflectindo uma subida de 33,2%, enquanto as importações totalizaram 39,84 mil milhões de dólares, mais 27,2% face aos primeiros oito meses do ano transacto. Com Angola, o segundo parceiro lusófono da China, as trocas comerciais cresceram 47,7%, atingindo 15,06 mil milhões de dólares. Pequim vendeu a Luanda produtos avaliados em 1,44 mil milhões de dólares, mais 36,2%, e comprou mercadorias avaliadas em 13,62 mil milhões de dólares, reflectindo uma subida de 49,1%. A fechar o pódio Com Portugal, terceiro parceiro da China no universo dos países de língua portuguesa, o comércio bilateral cifrou-se até agosto em 3,69 mil milhões de dólares – mais 3,18% –, numa balança comercial favorável a Pequim. A China vendeu a Portugal bens na ordem de 2,39 mil milhões de dólares, menos 8,09%, e comprou produtos avaliados em 1,29 mil milhões de dólares, mais 33,6% face aos primeiros oito meses do ano passado. A China estabeleceu a Região Administrativa Especial de Macau como plataforma para a cooperação económica e comercial com os países de língua portuguesa em 2003, ano em que criou o Fórum Macau, que se reúne a nível ministerial de três em três anos.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteEduardo Leal, fotojornalista: “Para contar o mundo tinha de o conhecer” É professor de fotojornalismo na Universidade de São José. Podia ter sido muita coisa, mas uma exposição de Sebastião Salgado fez com que Eduardo Leal descobrisse o seu caminho. Radicado na Colômbia e com trabalho premiado, vê a massificação da imagem como democracia e alerta para a necessidade de informação visual e das suas repercussões Como é que se faz uma fotografia? (Risos) Observando. É o que eu digo aos meus alunos. É preciso olhar, olhar e olhar. É preciso pensar na luz, porque sem ela não se faz fotografia, pelo menos dentro do fotojornalismo que é a área a que mais me dedico. A fotografia é muito pessoal também. Perante a mesma situação, pessoas diferentes vêm coisas diferentes. Quando se aplicam essas diferenças ao fotojornalismo, à notícia visual, em que sentido essa componente pessoal vai influenciar o trabalho? O nosso percurso de vida vai influenciar tudo o que fazemos e a fotografia não é excepção. O nosso pensamento até o político, também o faz. Por muito que queiramos ser neutros, não o conseguimos. Primeiro, porque quando tiramos uma fotografia não conseguimos pôr lá tudo o que vemos. Estamos logo nesse momento a escolher deixar coisas de lado e o que é importante naquele momento e naquela imagem para mim, pode não o ser para outro fotógrafo. Como se lida com isso? Tentamos contar história a que nos propomos o melhor possível e de acordo com o nosso ponto de vista. Mas quando se diz que fotojornalismo é a verdade, não é bem assim. Trata-se sempre de uma verdade parcial. Não mostramos tudo, mostramos a nossa escolha e há sempre filtros que temos dentro de nós. Isso pode reflectir-se também nas situações que fotografamos. Por exemplo, eu não gosto de explorar as situações em que estão pessoas a chorar, mas já o fiz. Isso leva-nos a outra questão que tem sido polémica: A exploração da tragédia na imagem. O que me diz acerca disso? Nós, fotojornalistas, já somos considerados por muita gente como os artistas da tragédia ou da morte, mas acho que, mesmo nessas situações, não há nenhum fotojornalista que não preferisse fazer outro tipo de fotografia. A verdade é que as coisas acontecem e há que as documentar. Como dizia o Robert Capa: “sou fotógrafo de guerra, mas preferia estar desempregado. Infelizmente a guerra continua a acontecer e tenho sempre trabalho para fazer”. Acredito que muitos fotojornalistas, em início de carreira, tenham esta coisa de fotografar a guerra. Há uma espécie de desafio neste tipo de cenários que é quase romântico. Já estive em situações de conflito e lá se vai o romantismo. Admito que a adrenalina existe em força mas lida-se com questões muito tristes. Há, sem dúvida, uma exploração, mas acho que são coisas que precisam de ser contadas e o que é preciso é ter tacto e bom senso. Por outro lado, acho que muitas das imagens que exploram a tragédia já não tocam ninguém. As pessoas já viram tantas que se tornaram insensíveis e este tipo de imagem pode não resultar. Se pensarmos nos refugiados, por exemplo, todos recordamos a fotografia de uma criança numa praia. Foi uma imagem que me impressionou muito e que me custa ver. A imagem saiu, mas a crise continua. Tenho um colega que tem acompanhado este assunto no mar e que ganhou recentemente um prémio do World Press Photo. Enquanto estava a fazer aquele trabalho, durante seis meses, ano e meio depois dessa fotografia da criança, contou-me que nos barcos que ele acompanhava se salvam cerca de 2500 pessoas por dia. Mesmo depois da tal fotografia. Agora ninguém fala destes milhares de pessoas que continuam a fazer aquele trajecto. Tem passado por situações trágicas no seu trabalho? Bem, trabalho muito na Venezuela o que já por si pode dizer muito. Comecei casualmente com o anúncio do Chavez e da sua doença e tenho feito coberturas naquele país nos últimos sete anos. Tive ali situações muito complicadas. Não há glamour quando vemos pessoas a morrer, quando vemos a desgraça humana e o ser humano no seu pior. Lida-se com isso? Sim, mas transforma-nos. Acho que nos tornamos mais frios nalgumas coisas e não tão optimistas para outras. Acho que também ficamos menos pacientes. Já não tenho paciência para pessoas que se queixam da vida por coisas que agora para mim são pequenas. Vi gente a perder casa e família por causa de um terramoto. Começamos a pensar como é que a vida pode ser má para quem tem tudo. Somos uns felizardos. É certo que queremos sempre mais, mas chega a uma altura em que as pessoas devem parar e pensar na sorte que têm. Neste aspecto acho que estou mais duro e não aceito muita coisa. A massificação da imagem tem sido também debatida. Qual é a sua opinião? Houve uma democratização da fotografia com a revolução digital mas não houve uma grande instrução sobre a fotografia. Toda a gente aparentemente pode ser fotógrafo, o que não é verdade, porque também nem toda a gente que tem uma caneta e uma máquina de escrever é escritor. Mas todos têm o direito de fotografar. Muitos colegas criticam, e a questão que se me coloca é que andamos aqui todos a falar de democracia, mas parece que na nossa área é que não fica bem. Parecemos os motoristas da UBER. No entanto, as pessoas usam a imagem sem terem consciência o do que é importante. Isto vê-se muito, por exemplo, na quantidade de selfies que tiram e nem reparam o quanto se estão a expor. Era bom existir mais informação e existir um melhor entendimento do poder que as imagens têm. O que é que o levou ao fotojornalismo? Estudei jornalismo na Escola Superior de Jornalismo do Porto. Tinha curiosidade quanto à cadeira de fotojornalismo mas não imaginava que o iria fazer. Também curiosamente, acabei por ter essa cadeira com a pessoa que mais tarde me trouxe para dar aulas em Macau, o José Manuel Simões. Na primeira aula, ele falou de uma exposição que havia perto da escola de um tal de Sebastião Salgado. Na altura não sabia quem era mas fui ver, e lembro-me bem que quando vi aquilo só pensei: “ok, é isto que quero fazer”. Ao ver o trabalho do Sebastião Salgado fiquei a saber que queria contar histórias daquela maneira. A partir daí, começou o meu interesse e fui-me envolvendo cada vez mais. Estudei em Inglaterra e a fotografia acabou por tomar conta da minha vida. E a América Latina, como é que lá foi parar? Quando acabei a escola superior de jornalismo não quis trabalhar como jornalista e, em vez disso, fui lavar pratos e panelas, e limpar mexilhões para a Escócia. Foi quando descobri que o mundo era muito grande porque trabalhava ali gente de todo o lado. Estamos a falar de um tempo em que não era tão fácil viajar. Acabei por me tornar num viajante profissional. Para contar o mundo tinha de o conhecer primeiro. Passei um ano a viajar na América do Sul e o bichinho ficou. Depois comecei a ir para Cuba procurar fotografias para uma investigação que estava a fazer na Fundação onde que trabalhava. Como trabalhava com fotografias históricas, dava comigo a pensar que adorava ter vivido noutras alturas e ter fotografado várias ocasiões históricas, aliás, acho que temos todos esta coisa de pensar que o passado é que era bom. Lembro-me que estava a ver essas fotografias e de pensar que era aquilo que queria fazer, fotografar aqueles momentos. Foi quando comecei a pensar que no presente estavam coisas a acontecer e não muito longe de Cuba, na Venezuela, estava a acontecer história com o Hugo Chavez. Pedi uma férias de um mês e fui para lá. Eram os 200 anos da independência do país e foi quando o Chavez anunciou que estava doente. Resolvi mudar-me e agora vivo na Colômbia. Como é que vê a falta de fotojornalismo em Macau? Nunca se justifica não haver fotojornalismo. Por exemplo, usar uma pessoa para fazer dois trabalhos é uma situação que não pode acontecer. Misturar fotojornalismo e jornalismo na mesma pessoa não faz sentido, até porque são duas profissões diferentes. As pessoas não são polvos. Se uma pessoa está a fazer imagem, está a fazer imagem, e se está a escrever, está a escrever. São processos mentais diferentes e quando se separam as duas coisas, há um diálogo que e importante. Quando os jornais não usam um fotojornalistas, até podem estar a poupar dinheiro, mas a verdade é que também estão a perder muita qualidade. O problema é que o jornalismo passou também a ser um negócio em que se pondera perder qualidade para poupar dinheiro. A missão do jornalismo é outra. É informar, dar a conhecer o mundo e servir as pessoas. Servir o mundo, o que não é servir interesses.