Alexandre Farto aka Vhils, artista: “Gosto de trabalhar com as forças do caos”

“Destroços” é a primeira exposição individual em Macau do artista português Alexandre Farto, conhecido como Vhils. A inauguração tem lugar no próximo dia 31 nas Oficinas Navais N.º1. Ao HM, Alexandre Farto falou do seu percurso entre artista marginal e referência internacional, e do que o move no seu trabalho

[dropcap]A[/dropcap] intervenção urbana passou de arte marginal a arte com reconhecimento internacional. Concorda? Na sua opinião, como é que foi feito este trajecto, e o que motivou o crescente interesse e reconhecimento?
Em certa medida, sim. Parte daquilo que começou como um movimento marginal, ilegal, evoluiu nos últimos anos para uma nova forma de arte pública, com reconhecimento institucional. Mas este é um fenómeno complexo e é preciso não desligar a coisa inteiramente do meio onde surgiu. Se, por um lado, temos esse crescente reconhecimento, ainda há muita gente a criar ilegalmente no espaço urbano, e essa vitalidade, que não podemos desligar da sua natureza marginal, é importante. Como qualquer outro fenómeno que nasceu das subculturas, seja em que área for, esta forma de arte surgiu das margens e, depois, a sua crescente popularidade fê-la ser absorvida pelo mainstream. O sistema sabe bem absorver aquilo que acha aproveitável, mesmo quando tem origem em movimentos anti-sistémicos. Este trajecto tem muito que ver com, por um lado, o amadurecimento desta geração dos últimos 20 ou 30 anos que cresceu com esta forma de arte, que gosta e segue o trabalho destes artistas e que, agora, começa a ter a oportunidade de os apoiar. Por outro lado, tem havido um reconhecimento institucional, sobretudo da parte das autarquias e governos locais que começam a vê-la como parte de uma solução, e não apenas como parte de um problema ligado à cidade e o modo como se vive a cidade. Há depois também todo um trabalho por parte de investigadores, curadores, galeristas e outros agentes ligados à dimensão institucional das artes que tem contribuído positivamente para este reconhecimento e valorização.

No seu caso, como é que o Vhils saiu da marginalidade? Como foi a evolução estética e técnica no seu trabalho?
Bom, o Vhils tem origem precisamente nesses tempos de marginalidade. Surgiu nesse meio, como produto desse mesmo meio. Primeiro no graffiti ilegal, uma prática que me permitiu expressar a rebeldia própria da adolescência e a liberdade de explorar a cidade e ocupar o meu lugar no espaço público, de mostrar que não era invisível como tantos outros. Teve muito que ver com a minha própria emancipação. No entanto, o graffiti funciona dentro de uma lógica de circulo fechado, sendo feito apenas para quem está dentro da comunidade. Apesar de não ter deixado de pintar, cheguei a uma certa altura em que comecei a reflectir sobre o que estava a fazer, o que queria fazer, e a consciencializar-me sobre o potencial de usar o mesmo espaço para comunicar com um público muito mais vasto. Comecei a explorar outras técnicas e a trabalhar com a cidade de outra forma. À medida que fui crescendo, comecei a desenvolver esta reflexão sobre a natureza da cidade contemporânea, o modo como vivemos neste espaço, o sistema que a sustém. A certa altura, entendi que as paredes que eu andava a pintar já tinham as suas histórias contidas nas suas camadas. Em Lisboa isto era visível, havia restos de murais da revolução que nos falavam dessa utopia, depois cartazes publicitários que nos falavam do boom do desenvolvimento e da integração no sistema capitalista, por cima disso veio o graffiti e depois as paredes foram sendo pintadas de novo pelas autarquias até levarem com mais graffiti, mais cartazes, e por aí adiante. O que entendi foi que as paredes vão ganhando camadas que captam todos esses registos, e que hoje em dia estas mudanças são tão velozes que parece difícil conseguirmos absorver tudo. Foi com base nessas observações que procurei começar a trabalhar com estas camadas que já lá estavam, em vez de estar a adicionar mais. Ao mesmo tempo fui-me juntando com outras pessoas com as quais partilhava o interesse de expor trabalho noutros ambientes, e começámos a organizar as nossas próprias exposições. A mais importante foi a Visual Street Performance (VSP) que teve uma edição anual entre 2005 e 2010. Comecei também a tentar mostrar trabalho em galerias. Da junção desses dois contextos conheci a galerista Vera Cortês que se interessou pelo meu trabalho e decidiu apoiar-me. Em 2006 tive a primeira exposição na sua galeria em Lisboa. Foi nessa altura que comecei a trabalhar com aglomerados de cartazes que retirava da rua e a explorar um processo de subtracção dos materiais. A ideia é anular parte destas camadas e expor a entranha, tornar visível aquilo que é invisível, expor a sua história através de processos destrutivos. Pouco depois comecei a fazer o mesmo com as paredes, e o trabalho que faço hoje partiu daí. Em 2007, mudei-me para Londres para estudar na universidade, o que acabou por ser uma fase muito importante para a internacionalização do meu trabalho. Em Londres fui convidado a trabalhar com a Lazarides Gallery e, depois disso, os convites foram-se sucedendo para desenvolver projectos em vários pontos do mundo. No entanto, não deixei de fazer coisas em Portugal, e depois de alguns anos senti que já não fazia sentido ver o país como periférico e podia perfeitamente trabalhar a partir de Lisboa para o mundo. Em 2012 voltei a Portugal, onde abri o meu estúdio. Entretanto tive um convite para fazer uma residência artística em Hong Kong e mudei-me para aqui em 2015. De forma a poder aproveitar o potencial da região abri um segundo estúdio e, desde então, tenho trabalhado entre Lisboa e Hong Kong.

FOTO: Paulo Spranger/Global Imagens

Em que é que o Vhils intervém e o que comunica com o público?
A ideia é criar um diálogo com alguns elementos da realidade material, mas também imaterial, da cidade, desenvolvendo uma reflexão sobre a natureza das sociedades urbanas contemporâneas através da fricção e justaposição. Gosto de trabalhar com as forças do caos presentes na cidade, de as incorporar na obra, de revelar a essência das coisas que, simbolicamente, se encontra soterrada nas camadas que as compõem. Daí o recurso a processo destrutivos que, por um lado, têm origem na noção de vandalismo estético presente no graffiti, e, por outro, também espelham os ciclos de destruição e criação através dos quais a cidade opera o seu crescimento. O meu trabalho deve muito ao espaço urbano, bebe muito daquilo que ele oferece e produz, procurando desenvolver uma reflexão sobre a sua natureza e as suas características, assim como a relação que tem com aqueles que nele habitam. Depois estabelece uma ligação com aquilo que lhe dá forma no presente, questionando o modelo de desenvolvimento globalizante e o modo como este afecta a identidade de indivíduos, comunidades e culturas a um nível local. Tenta, acima de tudo, tornar visível o invisível, seja ao nível de materiais ou ao nível de pessoas e comunidades. Faz uma leitura de contrastes entre estes temas, assim como o impacto das mudanças em curso, sobre a destruição que cria e a criação que destrói. Para mim a arte só faz sentido quando faz uso da capacidade de sensibilizar e ajudar a promover a discussão. Mas eu prefiro ver o meu trabalho mais como uma reflexão crítica sobre vários tópicos que considero importantes do que propriamente uma forma de acção política.

Que aspectos da actualidade merecem um alerta maior?
Acho que há vários aspectos que estão relacionados. Têm origem na mesma questão, num processo desencadeado por este modelo de desenvolvimento que seguimos de forma irreflectida. Um modelo que tem trazido coisas positivas e negativas mas que, em última instância, é absolutamente insustentável a longo prazo. Preocupa-me sobretudo a assimetria entre mundos (entre aqueles que têm cada vez mais e aqueles que têm cada vez menos), assim como a erosão das identidades locais através da imposição de padrões uniformizantes. Creio que a arte serve para levantar questões, para ajudar a reflectir, para ajudar a chamar a atenção para situações importantes e inquietantes. Não tenho a presunção de achar que tenho todas as respostas ou soluções para estas questões. Acho que é importante reflectirmos em conjunto, trabalharmos em conjunto. A questão é haver vontade para tal.

Num futuro, o que prevê que possam vir a ser os motes para o seu trabalho? Quais os “perigos” que devem ser reflectidos?
É difícil projectar no futuro, mas creio que, entre outros, a cidade, o modo como opera, a crescente uniformização que o presente modelo de desenvolvimento global impõe, a erosão das especificidades culturais e identitárias locais, a crescente tensão entre o espaço urbano e o espaço rural, são temas que irei continuar a explorar nos próximos tempos.

Porquê Vhils? Há alguma história por detrás do nome?
O nome Vhils vem da altura em que pintava graffiti ilegal. É um nome que segue a mesma lógica de um pseudónimo, mas escolhido para ser escrito, difundido e desenvolvido esteticamente. Não tem significado nenhum, a sua escolha deve-se apenas à sequência de letras que me agradava, e permitia escrevê-lo e pintá-lo de forma rápida e segura. Quando comecei a apresentar trabalho em exposições já era conhecido como Vhils e decidi manter o seu uso junto com o meu nome verdadeiro. 

Disse em entrevista que antes de ser convidado pela Fundação de Arte de Hong Kong já era sua intenção passar uns tempos no Oriente. Porquê? O que via deste lado do mundo para querer vir até cá?
Em 2012, fiz uma residência artística em Xangai e gostei muito da China. No ano seguinte vim a Hong Kong pela primeira vez trabalhar numa peça e numa exposição e também me senti bem aqui. Como disse, a natureza do meu trabalho é a realidade urbana. A escala da transformação, desenvolvimento e mudança que aqui está a acontecer não tem paralelo no presente, mesmo se a observarmos à volta do mundo. Por este motivo, é terreno fértil para me inspirar e reflectir.

Depois do mural de Camilo Pessanha para o Consulado, tem agora a primeira exposição individual em Macau. Tem um significado especial?
Sim, certamente. Macau é um entreposto de culturas, um território rico em encontros e desencontros com tudo o que isso trouxe de positivo e negativo ao longo dos séculos. É exactamente o tipo de sítio que eu gosto de explorar e trabalhar, com uma enorme riqueza de camadas que foi acumulando ao longo do tempo, e encontra-se também num processo de grande transformação e desenvolvimento. Tudo isto me fascina por vários e diferentes motivos. Obviamente que tem o acréscimo da ligação portuguesa que, caindo num lugar-comum, é aquele misto de familiaridade e exotismo que toca a quem vem do outro lado do mundo.

Projectos na calha?
Há muitos em curso. Entre aqueles que posso divulgar encontra-se outra exposição individual no CAFA Art Museum, em Pequim, que abre no final do mês de Junho.

22 Mai 2017

Taiwan | Presidente continua à procura de nova relação com Pequim

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]aipé pediu a Pequim para reactivar os mecanismos de diálogo e negociação, suspensos unilateralmente há um ano, depois da eleição de Tsai Ing-wen, a Presidente nacionalista que continua a defender nova relação com a China.

O Conselho para os Assuntos da China Continental de Taiwan (CACC) indicou que o “Governo insiste em manter os actuais mecanismos entre as duas partes do Estreito da Formosa, tendo em conta os direitos e interesses do povo”.

O mesmo órgão reiterou “o compromisso de manter o ‘status quo'” na relação com a China continental, ou seja, não declarar a independência da ilha.

A Presidente do Partido Democrático Progressista instou Pequim a confrontar-se com “novas realidades, novas interrogações e novas formas” nas relações bilaterais e na situação no estreito.

“Recordamos à China que umas relações estáveis no estreito são benéficas para todos, incluindo Taiwan, a China continental e outros países da região”, acrescentou a responsável.

Desde que tomou posse a 20 de Maio de 2016, depois de derrotar Ma Ying-jeou, candidato do Kuomintang (nacionalista e defensor de uma aproximação a Pequim), o discurso de Tsai não se alterou e a intenção de manter o ‘status quo’ no estreito tem sido declarada em várias ocasiões.

Os pilares de Tsai em relação à China são o respeito da vontade popular, cumprimento dos princípios democráticos e salvaguarda da liberdade de escolha da população em relação a Pequim.

Tensões acumuladas

As relações entre Taiwan e a China não atravessam o melhor momento devido à insistência do gigante asiático para que Tsai aceite o chamado “Consenso 1992”, como condição para a restauração das relações e afrouxamento das pressões internacionais sobre a ilha.

O “consenso 1992” refere-se a um entendimento tácito alcançado em 1992 entre a China e Taiwan, na altura com um governo liderado pelo Kuomintang (nacionalistas), de que só existe uma China, deixando aos dois lados uma interpretação livre sobre o significado.

Após a vitória da primeira mulher na presidência da ilha, Pequim interrompeu as negociações e contactos oficiais com Taipé, enviou navios e aviões militares para zonas mais próximas da Formosa, e tem procurado isolar o Governo de Tsai.

Uma das medidas foi conseguir, em Dezembro passado, que São Tomé e Príncipe reconhecesse Pequim e cortasse as relações diplomáticas com Taipé.

Apenas 21 países e governos mantêm actualmente relações oficiais com Taiwan e a maioria do mundo e das Nações Unidas não reconhecem formalmente a ilha, mas mantêm importantes relações económicas.

O Vaticano, único Estado europeu com relações diplomáticas com Taiwan, está a negociar uma aproximação com Pequim, o que pode resultar numa mudança de laços.

Achas para a fogueira

A situação entre a China continental e a ilha agravou-se também na sequência de um telefonema entre Donald Trump, a 2 de Dezembro passado, depois de ter vencido as eleições presidenciais norte-americanas, e Tsai.

A República Popular da China conseguiu também impedir a participação dos representantes da República da China em reuniões da Organização de Aviação Civil Internacional e na Assembleia Mundial de Saúde, principal órgão de decisão da Organização Mundial de Saúde (OMS), que começa na segunda-feira em Genebra.

Taiwan condenou a decisão e pediu à OMS para considerar que o objectivo do organismos é contrário a qualquer exclusão.

“Qualquer acção que exclua e pressione Taiwan não só é contrária aos objectivos da OMS e injusta para a população da ilha, como também tem efeitos negativos imprevisíveis na saúde mundial”, indicou em comunicado o gabinete da Presidente Tsai.

“Nunca sucumbiremos à pressão de Pequim e continuaremos a fazer ouvir a nossa voz na comunidade internacional e lutaremos pelo nosso direito a participar em organizações internacionais”, disse o CACC.

Para o Governo chinês, Taiwan só poderá participar em actividades de instituições internacionais se aceitar o princípio de “uma só China”.

Só assim e mediante consultas entre Taipé e Pequim, “será possível finalizar acordos para a participação de Taiwan” em fóruns internacionais.

A actual posição chinesa “causa tensão na região e ansiedade entre as populações” dos dois lados do estreito, afirmou em Janeiro a Presidente.

A ilha é independente desde 1949, data em que os nacionalistas do Kuomintang (KMT) ali se refugiaram depois de terem sido derrotados pelos comunistas, que fundaram, no continente, a República Popular da China.

Pequim considera Taiwan parte da China, que deverá ser reunificada, se necessário pela força.

Xi Jinping felicita novo dirigente do Kuomintang

O Presidente chinês, Xi Jinping, felicitou o antigo vice-presidente de Taiwan, Wu Den-yih, pela sua eleição como novo dirigente do Partido Nacionalista Kuomintang (KMT), e defendeu a importância do ‘Consenso de 1992’, informou ontem a agência Xinhua. Xi expressou, no sábado à noite, na sua mensagem de felicitação a Wu, a sua oposição à independência da ilha e apelou à adesão do ‘Consenso de 1992’, ao abrigo do qual ambas as partes reconhecem o princípio de “Uma só China”. O Presidente do Partido Comunista da China (PCC) sublinhou o seu desejo de que os dois partidos “tenham em mentem o bem estar dos seus compatriotas dos dois lados do Estreito (de Taiwan)”. “O PCC e o KMT deveriam manter-se na direcção certa para um desenvolvimento pacífico das relações dos dois lados do Estreito e tentar alcançar o rejuvenescimento da nação chinesa”, acrescentou. Wu, que vai assumir o cargo oficialmente no próximo dia 20 de Agosto, sublinhou também o seu desejo de “continuar a consolidar” o acordo de 1992, segundo a agência estatal chinesa. A vitória de Wu aconteceu na noite de sábado com 52,4% dos votos.

22 Mai 2017

Coreia do Norte lança novo míssil balístico de médio porte

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Coreia do Norte disparou ontem um “projéctil não identificado”, uma semana depois do mais recente ataque com um míssil, disseram as autoridades do Ministério da Defesa sul-coreano.

“A Coreia do Norte disparou esta tarde (ontem) um projéctil não identificado em Pukchang na província de Pyongyang Sul”, disse em comunicado do Estado-Maior das Forças Armadas.

Entretanto, a Casa Branca informou também ontem estar ciente de que a Coreia do Norte lançou um míssil balístico de médio porte.

Funcionários da Casa Branca que acompanham o Presidente norte-americano, Donald Trump, numa viajem à Arábia Saudita, indicaram que o sistema, que foi testado pela última vez em Fevereiro, tem um alcance menor do que os mísseis lançados nos testes mais recentes da Coreia do Norte.

A Coreia do Norte lançou no passado domingo o “Hwasong-12”, o projéctil do programa de armamento que exibiu revelou melhor rendimento até à data.

O míssil percorreu quase 800 quilómetros e podia ter superado os 4.000 se tivesse sido lançado com um ângulo mais perpendicular, disseram especialistas.

Os dados mostraram os avanços de Pyongyang no desenvolvimento de um míssil nuclear intercontinental que possa alcançar território norte-americano e servir de elemento dissuasor.

Este lançamento é o último de uma longa lista de testes de armamento que o regime do Kim Jong-un tem vindo a realizar e que geraram tensão na península coreana e um agravamento do tom de Washington desde a chegada de Donald Trump à Casa Branca.

22 Mai 2017

Liberdade de expressão em xeque

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] que é demais em termos de liberdade de expressão? Quais são as barreiras que devemos aceitar como socialmente aceitáveis à liberdade de expressão? Quando é que alguém foi longe de mais na sua liberdade de expressão?

É desprestigiante, ofensivo para um regime político (seja ele qual for) mostrar que o rei, pouco antes de o ser, se passeava num centro comercial, acompanhado por uma amiga, envergando uma camisola de alças, mínima, que deixava ver as várias tatuagens que tem no dorso? Até que ponto devem ser proibidas as imagens de um herdeiro da coroa (seja ela qual for), nu, provavelmente alcoolizado, numa festa privada, a dançar com uma garrafa de cerveja na mão, rodeado por várias mulheres que há muito deixaram cair os seus soutiens?

É aceitável, é socialmente aceitável, que se deixe diminuir o direito à liberdade de expressão para proteger um valor como o respeito por uma casa real? Ou por um governo?

E que tipo de linguagem, ou imagens, podem ser suprimidas? Devemos apenas suprimir as mensagens que apelam ao ódio e à violência, ou devemos também apagar das redes sociais as imagens que os mais variados pais partilham dos seus filhos pequenos a fazer as coisas mais extraordinárias, a tomarem banho ou mascarados com os fatos mais extraordinários? Quem protege o direito à privacidade das crianças que os próprios progenitores deixaram de defender devido a um sentido absolutamente ilusório de fama momentânea? Se retiramos imagens da internet porque atentam contra o pudor, não deveríamos da mesma maneira retirar as imagens das crianças – quem protege as crianças quando os pais não são responsáveis por elas? Quem espoleta esses mecanismos de substituição?

Se consideramos que a lei pode e deve proteger a sociedade de quem escreve “vamos matar os brancos todos”, “morte aos azuis”, “todos os vermelhos para Madagáscar!”, não deveríamos proteger também as crianças de hoje que, quando forem homens e mulheres, terão todos os momentos da sua vida disponíveis na internet, devido à sede de protagonismo dos seus próprios pais? E os complexos que poderemos estar a desenvolver nas crianças que se irão fazer adultos ao terem toda a sua vida exposta na internet? Há casos de bullying nas escolas que passam pela partilha, em grupos de alunos, de imagens disponibilizadas pelos pais nas redes sociais…

O governo alemão quer restringir a liberdade de expressão quando ela atente contra a democracia. E quer que as redes sociais retirem quase instantaneamente as imagens e expressões que possam ser considerada abusivas. A questão não é de todo consensual. E levanta várias questões, como algumas das percorridas neste texto. Uma das críticas que se escutam é que, quando se admite a retirada do discurso que apela à violência, estamos a abrir demasiado a porta a uma prática que dá pelo nome de censura. Há quem prefira que os discursos de conteúdo racial ou de ódio se mantenham na internet a serem retirados. É preferível que lá estejam para que possam ser combatidos na mesma arena. Com argumentação racional. Com factos. Outras das questões que merece reflexão é quem decide o que é aceitável. Será a rede social a definir o que é tolerado ou um tribunal? Se se for pela via judicial, será possível dar resposta nas 24 horas estabelecidas como o tempo máximo para retirar o conteúdo?

A guerra contra as notícias inventadas não é nova. Há anos, a campanha era contra os mitos urbanos. Por outro lado, governos a mentir às populações e a puxar por factos (alternativos, parcialmente verdadeiros – porque não postos em perspectiva) sempre existiram. Chama-se propaganda. Se se combate agora o discurso que incita à violência, está aberta a porta para depois se apagar todos os factos alternativos, todas as notícias inventadas, todo o discurso não-convencional. Uma das formas mais eficazes de combater a propaganda é garantir que o direito à expressão livre seja universal. Como as redes sociais geram milhões de lucros, acabam por aceitar a imposição que lhes é feita pelos governos. Só nos Estados Unidos, o Facebook tem neste momento mais censores online do que o Washington Post e o New York Times, juntos, têm funcionários.

Agora que é a Alemanha a pôr restrições à liberdade de expressão, os seus arautos, sempre disponíveis para atacar uma meia dúzia de suspeitos habituais, têm muito por onde fazer barulho nos próximos tempos. Irão fazê-lo?

22 Mai 2017

China apoia criação de Zona Económica Especial na ilha de São Vicente

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China vai apoiar a criação de uma Zona Económica Especial ligada ao mar na ilha cabo-verdiana de São Vicente, um projecto que o governo cabo-verdiano acredita estará concluído até ao final da legislatura.

A decisão de apoiar o projecto, que tinha sido apresentado pelo primeiro-ministro cabo-verdiano ao seu homólogo chinês durante o Fórum Macau, em Outubro, foi confirmada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, sábado na cidade da Praia, durante uma reunião com o chefe da diplomacia cabo-verdiana, Luís Filipe Tavares.

“A China vai apoiar a criação da Zona Económica Especial de São Vicente, um projecto na área da economia marítima muito importante para o país, que tem o apoio total e incondicional do governo chinês”, disse Luís Filipe Tavares.

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde anunciou que o Governo chinês irá financiar também a construção de uma nova maternidade em São Vicente, para servir a região norte do país.

Durante o encontro, os dois ministros passaram em revista a cooperação económica e política entre os dois países, actualmente traduzida em 12 projectos, num valor estimado de 30 milhões de euros.

Luís Filipe Tavares adiantou que Cabo Verde vai começar agora a fazer o estudo de viabilidade económica dos projectos da Zona Económica Especial e da maternidade, estimando que estejam a funcionar até final da legislatura.

“Há uma firme vontade e uma decisão de apoiar estes projectos de Cabo Verde, nomeadamente a Zona Económica Especial que vai transformar São Vicente num grande centro de economia marítima e criar milhares de postos de trabalho”, disse.

Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi lembrou que a cooperação chinesa tem sempre em atenção as necessidades do país, garantido o apoio necessário aos projectos cabo-verdianos.

“A economia chinesa começou a descolar a partir da criação das Zonas Económicas Especiais. Temos experiências consolidadas, boas e bem-sucedidas e capacidade para as construir. Se Cabo Verde quiser podemos fazer uma parceria importante na construção da zona de São Vicente”, disse.

Os novos trilhos

O chefe da diplomacia chinesa sublinhou a importância da posição geográfica de Cabo Verde, adiantando que o Governo cabo-verdiano “manifestou vontade de participar na iniciativa “Uma faixa, Uma rota”, do Governo chinês.

A iniciativa, também conhecida como a “Nova Rota da Seda”, pretende recriar a Rota da Seda que uniu a China aos mercados ocidentais durante séculos.

Na prática, trata-se de um conjunto de percursos ferroviários e rodoviários, oleodutos e portos, que se estendem da China até à Europa, com percursos alternativos que passam por países do Sul da Ásia, Índia, Irão e Turquia, e chegam a África.

Mais de meia centena de países aderiram à ideia.

Além da reunião como o homólogo cabo-verdiano, o ministro chinês tem encontros de cortesia agendados com o primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva e com o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca.

22 Mai 2017

Pedra, papel, tesoura

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]assos lentos os meus, pelos minutos das horas. A dar tempo e a conter a hesitação mortal. Como um inverno sem temperatura nem vento, mas tudo à espreita na escrita dos nós, nas esquinas das árvores nuas e planas. A natureza a hibernar guardada para outras certezas de rompante. O céu cinza compacta. A temer o descalabro do vento. Os passos ruinosos de insegurança lenta. Precaução. Ter que impor o avanço em caminho de nada. Depois o escuro e quase a terminar. Sem ter chegado. Mas aquela presença de respiração forte, desesperante, adiada madrugada. O desconhecido em espera na sua também hibernação agitada e convulsiva. O espaço obscurecido e ruidoso. Também. Um inferno esse de esquecimento e espera. O bosque. Como uma casa que dorme em sobressalto de vidas ocultas, fantasmas conversadores, rumores, pios, roçagares súbitos, aragens desordenadas que passam em correria para outras actividades do bosque. Da casa que dorme. Em sono agitado de muito. Coordenadas límpidas na folha quadriculada. Escrevo a paragem ruidosa no bosque de atalhos tortuosos, escuridões e sombras. Monstros. A tactear as penumbras aveludadas, a subir as paredes de camurça até à sombra mais alta. Da abóbada do astro. Planas evoluções no sentido do bosque, caverna, veludo, voltejar hirsuto nocturno e revoltado.

Espreito o mostrador partido no chão e pergunto qual é a hora certa. Quatro ponteiros como pontos cardeais. O norte sempre norte até aos pólos. O sul sempre. E depois tudo inverte. O vidro quebrado, uma pegada adivinhada e o coração de mecanismo metálico parou talvez. Aspiro o ar em torno e para cima. Em torno e para cima recortes de folhas baralhadas e revoltas. Em fundo o céu. Faço contas às horas de não dormir. Faço sempre contas às horas. É talvez a perspectiva lançada no ponto de fuga do depois. Linha de chamada de ali até ao horizonte. Recta. Até à linha do horizonte, da mágoa. Os monstros. Os olhos noivados de fresco na sombra pacata das pequenas luzes. Pequenos bichos. Pequenos rumores. Grandes intempéries à espreita por detrás das palavras que bordejam cada atalho.

Avança-se tão devagar como nada avançando por cima das nuvens. Num determinado troço do mundo, da floresta. Tão alto, tão imprecisamente rasgando a matéria invisível, tão em espaço fechado. E em baixo uma cortina lisa e esfumada e sem marcas. Pareceria o céu. O da eternidade. Sem tempo, sem avanço, sem dúvida. Pela luz. Mas era sonho de outra madrugada que não a próxima. Avança-se entretanto pela noite. A custo colocando pé ante pé sobre as palavras difíceis. No bosque.

A casa dorme. E de súbito, como um bicho enorme possante e poderoso na fúria devastadora de passos – pesados, abruptos – avança de nudez evidente e olhar ausente pelo carreiro conhecido no momento desconhecido de si. Ou não, talvez. Não há palavras em folhas como nas árvores. Sombras. Luzes baixas em fim de estação e de noite. Contemplo extasiada a capa imprevista daquela nudez. O olhar cego a guiar a fúria e o rompante dos passos. Vapores densos e mortais a emanar das ventas da fera desorientada. A pele a escavar um leito para o ouvido. O desejo, o corpo, a pele a arrepiar num caminho de beco urbano ou labirínticas paredes de vidro, o mostrador do relógio, o tempo, o corpo adiado, perdido, o desejo e o medo. De cobrir essa nudez com o corpo num longo afago de carne. Pesado sem temor à fúria nada que se compare com a espessura da pele, dos passos, guiados e cegos. Esse corpo.

Adormecido de si. Talvez. Ou cego também. Ou interrogativo lá bem no recanto mais remoto. O desejo de cobrir com o meu corpo insuficiente tamanha ansiedade. Acalmar e guiar. Atenuar o desconhecido que move esse desconhecido. Como um animal a fingir ser feroz. Indeciso, contudo. Perdido talvez na selva que se abeirava do seu lugar. Numa invasão subtil, imparável. E ao corpo. Infantil, grande, gasto, desperdiçado, maduro. Nu. Avançando à procura de algo impreciso, esperando não sabia o quê. Animal grande, semiadormecido. Nú. Sem nada. Como se perdido do seu lugar. Avanço para ele e pego-lhe na mão a querer abraçá-lo a não querer invadir a desprotecção que o vestia. Furioso. O bicho forte, pesado e violento. Doce. Mas tomo-o pela mão, guio-o pela mão inesperadamente pequena até à cama de folhas. Acompanho-lhe o silêncio. Para ser bom é preciso não lhe olhar os olhos. Imprecisos, indistintos, em fuga. Não olhar para não quebrar o silêncio a mais do que os passos pesados descompassados da fera. Fica o pequeno segredo entre as palmas das mãos. Pequena pedra.

Depois, antes, o ruido ensurdecedor da ventania, dos bichos estranhos desconhecidos e escondidos. Tapo-lhe o pêlo arrepiado talvez do susto. Da caçada infrutífera. Da procura. Da espera adiada não sabia de quê. Algo que era para ser noutro dia e não naquela noite. Tenebrosa e lenta. Ruidosa entre coisas. E ausência de coisas. Palavras. Pensamentos secretos de todos os ângulos. Abeiro-me do bicho que dorme súbita e pesadamente, denso e forte de compleição como se encerrasse todo o mundo. Ali. Tapo-lhe a nudez, a dele a minha, outra, com a manta de folhagem do seu mundo e em cada folha trilobada de coloração escura um olhar exausto, um suspiro de impaciência, uma ânsia de serenar, uma hesitação, um frio seco, um beijo adiado. Em cada nervura uma veia a latejar. Um eco da respiração. A fera. Pediu um beijo no sono temporariamente suave e dei delicadamente porque pediu. Não cantei para que dormisse. Não cantei para mim. Voltei pelo atalho reconhecido à clareira de luz entre a folhagem. A pensar a noite, a madrugada, a manhã. O ontem, o amanhã. As funções da pele, do corpo.

Posso chamar-te oxigénio, posso? Sentava-me na beira daquele leito revolto e ele escondia, soturno, a resposta por detrás de um sim ou de um não. Que tanto fazia. O sim ou o não, claro. Nunca nada, claro. Não que tanto fazia. Nunca dizia isso e seria o mais puro. Devolvo-o pela mão ao lugar. Como um urso enorme e eu coisa pequena. Disse-lhe vem. E chamo-lhe sempre o nome para não o ferir de amor. Devolvo-o ao iceberg desgarrado e tóxico nas águas a subir mas era para ser o leito. O seu provisório leito de bicho sem casa. Expectante. Mas esconde as páginas como comida para o inverno. Não li. O seu de sempre. De abandono. Nos arquivos de alvéolos, que escondem palavras fracturadas e esforço por detrás do opiáceo doce, angustiante, total e excessivo. Doce. Agoniante. No lugar escuro onde as roupas foram atiradas, quase rasgadas, para o chão, para quê. O requintado poder de nada dizer. Com as palavras vazias. O medo.

Quando avançou irrompendo da escuridão do labirinto em que se deita era uma luz de pedra. Uma folha de papel. Ou duas escuridões que se cortavam.

19 Mai 2017

Não te cases

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma história que exemplifica bem o quão complicada pode ser uma relação com a Administração de Macau. Manter um contacto próximo, quase íntimo, com certos serviços públicos pode ser quase tão mau como um casamento amargo, daqueles que tiram o sono, a energia, que se prolongam nos anos sem risos que o justifiquem. Segue-se um divórcio litigioso, apesar de uma das partes ainda acreditar que vale a pena ir até ao fim da linha.

O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) deu esta semana razão às queixas de 27 promitentes-compradores de habitação económica que corriam o risco de ficar sem as casas onde estão a viver. Simplificando a história, 218 pessoas que obtiveram o direito à aquisição de uma fracção pública teriam de devolver os apartamentos porque, entre a data da candidatura e o dia da celebração da escritura, tinham casado. Como contraíram matrimónio, passaram a ter rendimentos superiores ao limite definido por lei; noutros casos, muitos, os promitentes-compradores casaram com quem já tinha um apartamento em Macau.

Durante vários anos, o Instituto da Habitação (IH), que controla as coisas das casas públicas do território, deu a volta a esta situação através da assinatura de uma declaração em que o cônjuge do candidato contemplado com a fracção pública era excluído do agregado familiar para efeitos de contabilidade do património do promitente-comprador.

Mas depois houve problemas, pediu-se um parecer jurídico, e as pessoas que sabem de leis entenderam que a tal declaração não podia ser assinada, as pessoas a quem as casas foram vendidas afinal já não precisavam delas porque passaram a reunir condições para não dependerem do Governo na busca de um tecto. De repente, deixou de valer o que esteve no início de tudo: aquando da entrega da chave, quem foi viver para aqueles apartamentos não reunia condições para comprar casa junto de uma agência imobiliária.

O problema destas pessoas foi terem continuado a viver. E como continuaram a viver, algumas delas casaram. E fizeram-no com pessoas que estavam melhor na vida. É preciso azar.

O CCAC percebe o que esteve na origem desta estranha decisão do IH, que promete casamento, entrega o anel de noivado, anda anos a reunir coragem e o enxoval para dizer o sim que se pretende eterno, mas recua no momento em que chega ao altar. Afinal, a habitação é um problema em Macau e, vendo bem as coisas, há quem neste momento precise mais de um casa pública do que aquelas 218 pessoas que, entretanto, têm hoje melhores condições de vida. Mas o CCAC olhou para as leis, e também para os direitos e interesses de quem esteve anos à espera de uma habitação, passou anos a viver nela e se preparava para ter de abandonar aquilo que achava que era seu. O CCAC deu razão aos queixosos e o IH vai ter de dar o último passo, assinar por baixo e levar isto até ao fim.

No relatório sobre esta história – que, vendo bem, não lembra ao diabo – o Comissariado contra a Corrupção deixa uma recomendação: para evitar atropelos à lei, que se altere a legislação em vigor. E que se faça esta modificação em tempo útil, para que não haja mais episódios desagradáveis.

O episódio das casas só para solteiros revela ainda outro aspecto: o tempo das relações com a Administração, que conta os minutos de uma forma diferente. As pessoas em questão candidataram-se às casas umas em 2003, outras em 2005. Os apartamentos foram distribuídos em 2012. O drama aconteceu em 2017. Pela lógica do IH, entre 2003 e 2017 nada deveria ter acontecido na vida destes homens e mulheres. Difíceis casamentos estes, em que tudo o que não interessa acontece lentamente e aos tropeções, com demasiadas dores de cabeça, para se chegar ao fim com um divórcio tão complicado que são os outros que decidem o que acontece.

19 Mai 2017

Miguel de Senna Fernandes: “Apoiar a cultura macaense é algo muito vago”

É dos momentos altos do Festival de Artes de Macau. O Centro Cultural enche-se para ver o teatro em patuá, o teatro que se ri da cidade e com a cidade. Miguel de Senna Fernandes, responsável pelo grupo, promete, para hoje e amanhã, a habitual boa disposição. À boleia do riso, os assuntos mais sérios: a falta de uma sede para os Dóci Papiaçám, o pouco apoio institucional e a inexistência de uma ideia oficial para a preservação da cultura macaense

[dropcap]O[/dropcap] que é que se conta este ano em “Sórti na Téra di Tufám” (Sorte em Terra de Tufão)? Qual é o vosso objectivo desta vez?
Não há objectivos especiais, a não ser fazer o público rir.

Mas as peças prestam-se à sátira.
Sim, há uma preocupação temática. Este ano temos um tufão como pano de fundo e o que é ter sorte num dia de tempestade. Imagine-se um azarado a quem acontecem as coisas mais mirabolantes possíveis, aquilo que não é provável acontecer a outras pessoas. Imagine-se que, na empresa onde trabalha, todos tiveram aumentos, mas ele não só não teve esse aumento, como ainda foi despedido. E calha-lhe um bilhete de lotaria que foi rejeitado por todos os outros. São 90 milhões, mas não pode reclamar o prémio. Não pode fazê-lo porque, em Macau, seria ilegal e, em segundo lugar, não pode ir para Hong Kong por causa do tufão. Portanto, estamos nesta jigajoga. Tem de esperar que o tufão passe para poder, mais tarde e com relativa segurança, ir a Hong Kong reclamar o seu prémio. Neste compasso de espera, ninguém acredita que o azarado possa ter tanta sorte e cobiçam o bilhete. Temos um plot à volta destas coisas.

Há muitos azarados em Macau? Há muitas situações que se prestam à falta de sorte?
É tudo muito relativo. A sorte de uns é o azar de outros.

Mas vivemos numa cidade muito ditada pela sorte e pelo azar.
Acontece tudo. Macau é uma cidade pacata, mas de contradições: aquilo que é bom para uns pode não o ser para outros. Nestes últimos dez anos, os Dóci Papiaçám têm vindo a abordar assuntos do burgo, sempre através de uma história. Com essa história desenvolvemos a nossa faceta crítica em relação ao que acontece em Macau. Todos nos lembramos que um tufão, no ano passado, causou algumas confusões na cidade. Achei que podia ser hilariante falar sobre isto. Não iríamos, naturalmente, falar das pessoas, mas sim das situações. E as situações são cómicas.

À semelhança do que tem vindo a acontecer nos últimos anos, há actores improváveis? Há surpresas?
A improbabilidade existe sempre – até eu sou improvável pelas circunstâncias de realizar um vídeo. Mas em relação aos actores, ao contrário do que aconteceu nas edições anteriores em que tem havido sempre uma estreia, este ano não há. No entanto, temos um regresso: a Ângela, que já representou connosco, a última vez em 2001, antes de partir para estudar em Inglaterra. Voltou no final do ano passado, tive conhecimento da sua vinda e enderecei-lhe o convite. É uma espécie de estreia nuns Dóci Papiaçám bem diferentes do que quando ela nos deixou. Quanto a outros aspectos, não há grandes improbabilidades. Mas os imprevistos vão sempre surgindo, todos os anos há coisas pelas quais não esperávamos e somos, muitas vezes, empurrados a fazer. Este ano não tem sido excepção. Como disse, em face da ausência do Sérgio Perez – a pessoa que me deixava absolutamente descansado, era o homem do vídeo que veio dar uma dimensão nova ao espectáculo –, coloquei em prática o mínimo que aprendi com ele. É um trabalho de aprendiz. Mas desta vez pudemos contar com o António Faria, um profissional de mão cheia, temos o Miguel Andrade na sonoplastia, o Miguel Khan, o André Ritchie. Tivemos pessoal de apoio suficiente para podermos pôr o vídeo a funcionar. Temos algumas surpresas – e como são surpresas, não vou desvendá-las. Acho que o espectáculo tem todas as condições para oferecer boa disposição para o fim-de-semana.

Os Dóci Papiaçám continuam a debater-se com a falta de um espaço próprio.
Sim. É daquelas coisas que fazem atravancar a concretização de ideias. Há já vários anos que andamos à volta desta questão. Claro que a gente não morre por causa disso, mas ter um local é sempre melhor. Se não estou em erro, é o quinto ano que utilizamos o espaço da Escola Portuguesa para os nossos ensaios. Mas as actividades dos Dóci Papiaçám não se podem resumir a ensaios, até porque os ensaios servem para determinado fim. Os Dóci Papiaçám querem andar mais, querem ir mais longe. Precisamos de formação técnica. Os actores não têm qualquer tipo de formação, são todos autodidactas. Eu também não tenho, é a custa da experiência acumulada nestes 24 anos. Acredito que se tivesse formação técnica, teria nos horizontes outras soluções para o espectáculo. Não que me queixe, gosto de todos os espectáculos que a gente faz, mas seguramente que os Dóci Papiaçám ficariam apetrechados de outra qualidade técnica. O mesmo acontece com os actores, que são todos amadores, mesmo aqueles que são mais experientes. Os papéis não variam muito justamente porque os actores têm as suas limitações técnicas. Se pudéssemos fazer alguma coisa a este respeito, teríamos outro tipo de opções.

A cultura macaense não é a mais visível na cidade e os Dóci Papiaçám são das poucas manifestações regulares desta cultura. Compreende-se que num território onde o discurso político enaltece, com regularidade, a cultura macaense, o grupo não tenha uma sede?

Ora aí está. Há vários anos, falámos não só com o antigo Chefe do Executivo, como com o actual, acerca da necessidade de obtermos um espaço. Compreendo alguma dificuldade, mas não é assim tanta. Os Dóci Papiaçám não querem um apartamento – precisam, do mínimo, de um sítio onde possam organizar ensaios. Mas não precisamos de um espaço muito grande. Dou um exemplo: o átrio da Escola Portuguesa, numa primeira fase, funciona como local de ensaios. Só depois, numa fase posterior, é que passamos para o ginásio. Não precisamos assim de tanto espaço. Mas falámos com os dois Chefes do Executivo, com o Instituto Cultural, e a resposta que nos dão é sempre de não compromisso. Essa postura de não compromisso é o mais típico aqui da terra. A gente vai esperando. Não é por causa disto que deixamos de fazer espectáculos. As pessoas que me conhecem sabem que eu posso esperar, mas vou fazendo o trabalho. E é isso que tem sido feito – a postura dos Dóci Papiaçám é essa. É uma questão de atitude.

Esta postura de não compromisso do Governo detecta-se noutros aspectos que deveriam ser resolvidos de uma forma diferente?
É na área cultural que se sente mais. O discurso é sempre o de apoio à cultura macaense, mas apoiar a cultura macaense é algo muito vago. O que é se apoia? A palavra “cultura” refere-se a algo imaterial. Quando falamos de cultura, referimo-nos a manifestações e isso é que é fundamental. Era necessário dotar as instituições, aquelas que desenvolvem actividades nesta área, com os instrumentos fundamentais para que essa cultura seja efectivamente defendida. O Governo apoia os Dóci Papiaçám? Claro que apoia, todos os anos assegura o nosso lugar no Festival de Artes de Macau, do Instituto Cultural, o que agradecemos e temos vindo a agradecer há mais de 20 anos, na altura ainda na Administração portuguesa. Mas não basta, não é assim: “Eu dou-te o orçamento para fazeres um espetáculo e já te estou a apoiar”. Claro que se não fosse esse dinheiro os Dóci Papiaçám não podiam existir enquanto grupo. Só que quando falamos em defender a cultura macaense não é só pagar: é preciso meios para que estas actividades possam ser efectivadas. Chego a compreender que o Governo possa ter as mãos atadas, porque a comunidade macaense não é a única em Macau. Há muitas outras comunidades, até entre a comunidade chinesa, pelo que percebo o problema que se coloca em relação ao que é politicamente correcto, a questão de dar a umas e não dar a outras. Também não gostaria de sentir um favorecimento do Governo.

Mas a comunidade macaense, até do ponto de vista histórico, não é uma comunidade qualquer.
Lá está. É importante que o Governo considere a perspectiva histórica. Não quero ser injusto: obviamente que o apoio que se dá à comunidade macaense tem que ver com o seu background histórico, os macaenses estiveram sempre em Macau e, durante toda a existência do território, contribuíram para a identidade muito própria desta cidade. No entanto, muitas vezes, na prática, existem falhas. Temos associações que estão a fazer o seu trabalho, que querem desenvolvê-lo e não têm orçamento para mais do que o mínimo. Há dinheiro para o funcionamento e para algumas actividades, uns passeios e alguns convívios, mas não existem projectos como devia haver. Há sempre uma postura reservada em relação à Associação dos Macaenses e isso leva-nos a várias leituras. Não choramos por isto: claro que lamentamos não podermos concretizar demasiados projectos, mas não choramos, nem fazemos birras. Não gosto de choramingar, governamo-nos bem com aquilo que temos. É assim que acontece na Associação dos Macaenses e na Associação Promotora da Instrução dos Macaenses, onde sou dirigente, e foi sempre assim nos Dóci Papiaçám. Claro que gostaríamos de ter mais: quando vemos aquilo que a imprensa publicita sobre os valores que determinadas entidades obtêm, levamos as mãos à cabeça. Não vou obviamente julgar ninguém, as entidades a quem compete conceder e conferir esses subsídios melhor saberão das razões. Mas o certo é que as associações macaenses e todas as que estejam ligadas à língua portuguesa precisam de apoios. Voltando à questão inicial, àquilo que é defender a cultura macaense, devolvo a pergunta ao Governo. O que é ele quer? Como é que o Governo imagina o que é defender, ou pelo menos proteger, a cultura macaense? Gostaria que nos esclarecessem. Mas não vamos morrer, vamos fazendo o nosso trabalho e, no que toca aos Dóci Papiaçám, todos os anos vamos, pelo menos, fazer tudo para que o público ria.

19 Mai 2017

Carla Rego Lopes, funcionária bancária | Ser daqui e não ser

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acaense com ascendência portuguesa, chinesa e “desconhecida”. É assim que Carla Rego Lopes começa por se apresentar. Nascida e criada em Macau, desde pequena que vai com regularidade a Portugal. “A primeira vez tinha eu quatro anos”, recorda. Da infância não tem muitas memórias, a vida era simples e, talvez, pouco entusiasmante. “Andava no colégio inglês, a minha vida era ir para a escola, depois das aulas seguia para as explicações e depois ia para casa”, resume. “Não era de todo interessante.”

Talvez por isso considere Macau como um lugar “com pouco interesse”. O percurso da juventude foi comum: “Fiz o trajecto normal de quem frequenta a Escola Portuguesa. Acabei o ensino secundário, fiz as malas para ir para Portugal tirar o curso superior”, afirma.

A opção foi Gestão. Era “do mal, o menos”. “Não tinha jeito nenhum para as letras, apesar de ser boa a apanhar línguas estrangeiras, mas não se vive disso. Por outro lado, não tinha grande aptidão para ciências, como a física e a química, pelo que acabei por optar por uma ciência social.” 

Terminado o curso, não pensava em regressar ao território, mas a vida dá muitas voltas. Numa altura em que os empregos em Portugal já não eram certos, cansada de trabalhar em pequenas empresas e de contar tostões, optou por tentar a sorte “noutro tipo de entidades”. Acabou por entrar numa instituição bancária onde ficou 11 anos, até a crise ditar novas mudanças. Depois de quase um ano no fundo de desemprego, aproveitou uma viagem do pai a Portugal e regressou com ele ao território. 

Voltar para Macau foi sentido como “uma coisa que tinha de fazer” para ultrapassar a ausência de emprego. Não foi desejado, mas “não está a correr mal”, afirma.

No entanto, no que respeita à vida do quotidiano, Carla Lopes considera que o território mantém as características que sempre considerou negativas e que “não mudou muito”. “Há uma mentalidade ainda muito fechada. Há várias comunidades distintas que não se juntam: os portugueses, os macaenses, os chineses do Continente e os estrangeiros”, aponta. “É tudo muito segmentado.” Por outro lado, considera que a comunidade macaense continua a ser muito fechada, apesar de a sua própria natureza implicar uma troca cultural.

Considera-se sempre dividida. “Eu faço e não faço parte da comunidade macaense. Não me identifico. Se calhar identifico-me mais com a portuguesa”, diz. A razão, aponta é que “os macaenses ainda têm muito a ideia de que eles são portugueses e nós somos daqui”. Um pensamento muito territorial, sublinha, que é o reflexo de uma herança dos tempos da Administração portuguesa. “Na altura os macaenses não tinham lugar nos cargos públicos de maior relevo”, justifica.

Viajar para arejar

O regresso a Macau aconteceu há quatro anos. Para desanuviar, dedica-se às viagens. A paixão é antiga e agora representa “uma forma de sair daqui”. Macau é um sítio privilegiado para viajar, “está próximo de vários países e as viagens acabam por ficar relativamente baratas”. Este lado do mundo também é muito diverso no que respeita a opções. “Há o Japão, por exemplo, e depois o Sudeste Asiático com uma cultura e uma dinâmica completamente diferentes”, diz. A China Continental não está nas prioridades, mas coloca a hipótese de visitar Xangai, “talvez por ser uma cidade mais cosmopolita”. 

Carla Rego Lopes assistiu também, de perto, ao desenvolvimento de Macau. Actualmente, refere, “estamos perante um boom insustentável”. “Teoricamente deveria ser impossível o que se está a passar no território”, diz. Outra preocupação “é a falta de diversidade”. “O problema é que está tudo direccionado para o jogo e, com isso, assiste-se a outro fenómeno assustador, o da especulação imobiliária que impossibilita que se viva no território”, lamenta. 

Mas o que mais me preocupa é o que vai acontecer quando outros países asiáticos se abrirem ao jogo.” Nessa altura, pensa, Macau pode ter tudo a perder. Carla Lopes acredita que países como o Japão e o Camboja podem vir a ser muito mais competitivos e constituir uma ameaça para Macau. A razão é simples: “Geograficamente são muito maiores e já desenvolveram outros tipos de oferta para os visitantes”. “Assim sendo, mesmo as pessoas que vão jogar podem optar por estes lugares onde podem também fazer outras coisas e, infelizmente, ainda não temos muito mais para oferecer do que o jogo”, lamenta a macaense, sendo que “quando o jogo começar a decair não se sabe o que as pessoas vão fazer”.

19 Mai 2017

Karadenis: “Não se mata, nem se salva ninguém com crenças”

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]em razão, na escrita a verdade não se encontra no mundo com essa determinação com que se encontra na actividade de matar por dinheiro.

Por isso, parece-me, o juízo auto-crítico deverá ainda ser mais determinante na escrita do que na minha actividade. Falhar o alvo ou ser-se morto parece-me comprovação suficiente para a falta de talento, na minha profissão. Mas, na escrita, o que é falhar o alvo? E, obviamente, morrer, não se morre.

Quer então dizer que estou ainda mais só do que você?

Mais só não estás. Caso sejas um bom escritor, podes estar tão só quanto eu estou, quanto eu estive toda a minha vida, mas não é possível estar-se mais só, parece-me. Agora o que me parece evidente é que estás muito mais incerto do que eu. Muito mais abandonado à dúvida. Não tens ninguém que te possa matar, nem sabes qual é o teu alvo. Se fosse a ti, agarrava-me ainda com mais forças à única possibilidade de certeza que tens: o teu juízo auto-crítico. (pausa) Já reparaste bem na beleza desta cidade, Paulo? Não achas que esta cidade tem que ver com o jazz, Paulo?

Nunca havia pensado nisso, do jazz! A beleza de Istambul só é igualável à beleza dos mitos. Mas porque é que diz que a cidade tem que ver com o jazz?

Porque ela é tocada por modos gregorianos, como o jazz! A cidade é constituída por modos… Sabes música, não sabes?

Sim, sim, pode continuar!

Aqui é o modo dórico (e apontava), ali o modo lídio, mais além o modo mexolídio e por aí adiante. Percebes agora? A cidade não é diatónica, como a música clássica. E a magia do jazz reside nas misturas dos diversos modos numa canção, como Istambul.

Como é que começou a gostar de jazz?

O jazz é do meu tempo, Paulo! Comecei a gostar de jazz quando fui estudar engenharia para a América, para os EUA, na década de quarenta. Depois nunca mais deixei de ouvir jazz.

O seu filho também gosta de jazz?

Gosta.

E também gosta de Istambul?

Gosta, mas não vive cá! Vive em Londres. É um bem sucedido homem de negócios em Londres. Faz importação de legumes da Turquia para Inglaterra. Mas não estou certo de que seja só isso que ele importa?

 

O que o leva a pensar isso?

Pequenos detalhes, Paulo, pequenos detalhes. Mas não quero falar nisso. Posso até estar errado. Não quero ser injusto com o meu filho.

Que idade é que ele tem?

Deve ter a tua idade. Nasceu em 1966.

É um ano mais novo. E a sua mulher?

A minha mulher já morreu. Morreu há 12 anos. Mas já estávamos separados há muito mais tempo. Separámo-nos ainda o meu filho era criança e divorciámo-nos dois anos depois. A minha mulher era inglesa. Depois da separação voltou para Londres. O T. cresceu muito mais em Londres do que aqui. Mas vinha cá todos os anos. Ele fala correctamente turco.

O seu filho sabe da sua actividade passada? A sua mulher soube?

Não, nenhum dos dois! Seria o começo do fracasso, Paulo. Sempre julgaram que eu era um homem de negócios. Negócios disto e daquilo; negócios aqui e ali. O que também acabou por vir a ser verdade.

O que é que o levou a contar-me a sua história?

(sorri) Várias razões. O modo como nos conhecemos e a tua atitude naquele momento de crise; o facto de seres escritor; o facto de amares Istambul; o facto de vires de um país de influência mediterrânica, com um passado grandioso e um presente exíguo. Depois, restam-me poucos anos de vida e já nada vai importar.

3. A MULHER

Em determinadas horas a cidade é coberta pelo som altifalante dos muezines como se algo ou alguém magoasse a cidade e esta se queixasse. Karadeniz abandona o terraço e refugia-se dentro de casa, no isolamento sonoro da casa. Recordo-me de um taxista, que um dia me conduzia a Beyoglu, e desligou o rádio no momento da oração dos muezines. No fim da oração, disse-me que não era por ser religioso, mas por respeito. “Respeito” é uma palavra de grande densidade em Istambul.

Isto é um disparate completo!

Isto o quê?

Estas orações em árabe, que ninguém percebe. Como é que alguém pode acompanhar as orações, se não percebem nada do que está a ser dito? Devemos todos aprender árabe para rezar ou, pelo contrário, as orações deviam passar a ser em turco? A mim parece-me evidente qual a resposta a dar. Não percebo este país!

Porque é que diz isso?

Porque temos escrito no bilhete de identidade que somos religiosos, que somos muçulmanos, mesmo que não sejamos coisa nenhuma, como a maioria das pessoas que vivem nesta cidade. Mesmo os que dizem ser religiosos, se não são extremistas, não rezam cinco vezes ao dia e bebem regularmente bebidas alcoólicas. É possível um país ser muçulmano e ter como bebida nacional o Raki, que tem 45% de álcool? A religião muçulmana não é compatível com a vida em grandes cidades como Istambul. Provavelmente nenhuma religião é compatível com as grandes cidades. Sinto o meu bilhete de identidade como uma agressão contra mim mesmo. Ando pelo mundo com uma mentira escrita por baixo do meu nome.

Percebo que o Karadeniz não tem religião, mas acredita em Deus?

Acredito coisa nenhuma! Sou agnóstico, sou um homem de ciência. Não se mata, nem se salva ninguém com crenças, mas com conhecimento e acção.

Porque é que o Karadeniz se separou da sua mulher?

Não fui eu que me separei dela, foi ela que se separou de mim.

E porquê?

Porquê? Porque as pessoas se fartam muito depressa umas das outras. Porque à medida que se envelhece ficamos mais sós connosco mesmos e torna-se muito difícil viver com os outros. Principalmente se os outros esperam que nos comportemos desta e daquela maneira precisa. E estar casado é ter de ser desta ou daquela maneira.

Parece então que não foi propriamente uma desilusão, quando a sua mulher decidiu deixá-lo…

Claro que não! Por um lado, até foi um grande alívio. Mas não seria eu a deixá-la. Isso não conseguia fazer.

O Karadeniz é um homem feliz?

A felicidade é uma grande contradição. Aquilo que mais se ambiciona é ser feliz, mas na felicidade não se faz nada. Se o mundo fosse feliz, parava. Ser feliz é sair do mundo. Quer ser feliz quem se sente a mais ou a menos no mundo! No fundo, é o que todas as religiões vendem: a felicidade, sair do mundo. Claro que isso tem um preço muito elevado: Deus. É estranho que tu, sendo escritor, me perguntes pela felicidade.

Não foi uma pergunta para saber se era ou não feliz, mas para saber o que pensava da felicidade. Só que não consegui perguntar-lhe se acreditava na felicidade ou o que é que pensa dela. Essas perguntas parecem-me ainda mais esdrúxulas do que a que lhe fiz. A sua mulher chegou a aprender turco?

Não! Os ingleses têm muita dificuldade em aprender a língua dos outros. E ela não era excepção. Falávamos sempre em inglês. A B. nunca se sentiu bem em Istambul. Não era só pela língua, mas por tudo. Ela não gostava do cheiro da cidade, nem da comida, nem das pessoas. Sentia a falta do bife. (risos)

Por conseguinte, foi por convicção que não voltou a casar. Mas ao longo dos anos não sentiu a necessidade de ter alguém junto a si?

Aprendi duas coisas preciosas na profissão que tive: não se podem cometer erros; mas se por acaso cometemos um e sobrevivemos, então é imperioso aprender que não o podemos voltar a fazer. Para mim, o casamento foi um grande erro. Sou uma pessoa que não nasceu para viver com outra. Nasci para mim. Muitas vezes penso que as pessoas vivem umas com as outras por fraqueza. Devíamos viver todos sozinhos e depois encontrarmo-nos uns com os outros para o que quiséssemos, ou não nos encontrávamos. Sei que isto é impossível, mas parece-me que se vivêssemos sozinhos a vida seria melhor para todos. Dá-se mais valor à vida, só, do que acompanhado. A vida torna-se maior, mais pesada e mais densa. A vida torna-se no que ela verdadeiramente é.

Mas então por que é que se casou?

Casei-me por fraqueza e por um erro de cálculo. Fraqueza, porque julgava que precisava daquela mulher para viver; ninguém precisa de ninguém para viver. Erro de cálculo, porque queria ter um filho e julguei que casar-me ou viver com alguém era fundamental para que isso acontecesse. O que se passou foi que o casamento acabou por me levar o filho. O T. é muito mais filho da B. do que meu; e é muito mais inglês do que turco. Um homem se quiser ter um filho, é melhor que pague. Pague a alguém para gerá-lo consigo e carregá-lo nove meses na barriga. Depois, assim que nasça, dinheiro numa mão e a criança noutra. É o único modo de ficarmos descansados quanto à possibilidade de mais tarde alguém nos querer tirar o filho. De outro modo, é impossível. As pessoas não vivem juntas para sempre e quando se separam a mãe leva a criança consigo. E mesmo que consigam viver juntas, o filho é sempre mais filho da sua mãe do que do seu pai. (pausa prolongada) Ainda que seja verdade tudo o que tenho estado a dizer, os factos são diferentes…

19 Mai 2017

O Governador de Angola Pedro Alexandrino da Cunha

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]omeado a 31 de Maio de 1845 Governador-Geral da Província de Angola, Pedro Alexandrino da Cunha tentando “harmonizar as leis da metrópole com a prática colonial, conseguira que a administração portuguesa em Angola deixasse de depender dos direitos alfandegários que incidiam sobre as exportações ilegais. Ao mesmo tempo, Luanda e Benguela abriam-se à navegação estrangeira, tornando-se já visível a modificação da estrutura das trocas, com o crescimento e a diversificação das exportações de produtos de colheita directa e da caça, como a urzela (musgo com aplicação na tinturaria) e o marfim. Mas não tardaria que o tráfico, banido dos portos principais, fosse reimplantar-se noutros pontos do litoral, como Ambriz e Moçâmedes, procurados pelos comerciantes luso-brasileiros para escapar às alfândegas e ao patrulhamento britânico”, como se refere no Boletim do Governo da Província de Macao, Timor, e Solor de 1851, [que constava não existir, pois perdido entre documentos microfilmados do Arquivo Histórico de Macau].

“A burguesia colonial de Angola era constituída não só pelos agentes directos dos poderosos mercadores residentes no Brasil e por alguns negociantes emigrados de Portugal, como pelas grandes famílias crioulas, bem implantadas e adaptadas ao clima, mantendo ligações estreitas com Portugal e com o Brasil e desenvolvendo, ao mesmo tempo, um bom relacionamento com os Africanos. Chegou a afirmar-se que, nesta altura, Angola mais parecia uma colónia brasileira que portuguesa e não foram raras as tentativas no sentido de uma união com o Brasil com vista a garantir a manutenção do tráfico, mas que a Inglaterra sempre conseguiu contrariar. Apesar de tudo, os indícios de mudança continuavam a manifestar-se e era já muito clara a importância económica que as colónias africanas iam assumindo para alguns sectores da sociedade portuguesa”, segundo Maria Manuela Lucas, que refere Angola representar “o baluarte mais sólido do poderio português em África”.
A 6 de Setembro de 1845, na mesma altura em que tomou posse como Governador-Geral da Província de Angola, Pedro Alexandrino da Cunha foi promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra.

Bons préstimos

“A arte agrícola foi aqui [Angola] quase sempre abandonada pela autoridade, e nesta parte, curto é o espaço para descrever o muito que devemos ao Exmo. Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, que se esforçou, quanto cabia nas forças humanas, para o seu desenvolvimento” e seguindo com o Boletim Oficial, “Os talentos administrativos deste Governador chegaram mesmo a exceder o que dele se esperava, e para desviar todas as suspeitas de parcialidade, repetirei o que a própria Câmara Municipal de Luanda se abalançou a dizer ao seu sucessor naquele governo-geral.

Presságio de maior desgraça

“A exoneração do governo de Angola foi dada ao Sr. Pedro Alexandrino por Decreto da 18 de Fevereiro de 1848, reservando-se Sua Majestade a colocá-lo em lugar de não menos conveniência pública, como prova dos valiosos e aturados serviços, dizia o mesmo Decreto, por ele prestados nas Possessões portuguesas de África Ocidental além do Equador. A saída do Sr. Pedro Alexandrino de Angola para a Ilha de Luanda, foi um verdadeiro e irrefragável testemunho da sua boa conduta, por lhe ser dado espontaneamente pelos habitantes de Luanda, no mesmo momento em que ele deixava de todo o poder: alas de archotes se lhe fizeram até ao cais, duas bandas de música o acompanharam, e multiplicados abraços se lhe deram no acto do seu embarque misturados de repetidos vivas. Chegado a Lisboa o bordo do brigue Audaz, em 12 de Dezembro de 1848, depois de uma nova estada em Angola de cinca anos, Sua Majestade, por Galardão dos seus relevantes serviços, e não menos por consideração às recomendações que por mais de uma vez o governo britânico tinha feito de tão distinto empregado, o condecorou com a Comenda da Torre e Espada, e o Governo o nomeou, em 1849, Comandante da nau Vasco da Gama, mandada em comissão ao Rio de Janeiro. Já defronte da barra daquela Capital um violento pampeiro (vento) arrasou a mesma nau, levando-lhe o pano, e partindo-lhe os mastros pelas enoras. Este contratempo, presságio de maior desgraça, encheu dos mais cruéis dissabores o coração do Sr. Pedro Alexandrino; o seu temperamento, sempre no mais alto grau melancólico, e agravado não menos com a notícia do trágico fim que tivera em Macau o seu particular amigo, o Conselheiro João Maria Ferreira do Amaral, tornava-se cada vez mais sombrio, e pouco comunicativo. Tudo isto reunido com as infundadas apreensões que concebera, quando recebeu a nomeação de sucessor daquele distinto Oficial, quase lhe cortaram de todo a existência que apenas lhe chegou para, do Rio de Janeiro, seguir viagem para o lugar do seu novo destino a bordo da corveta D. João I, que aportara a Macau a 26 de Maio do corrente ano (1850), tomando posse do respectivo governo o Sr. Pedro Alexandrino”.

19 Mai 2017

Uma cidade propícia para se viver?

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uem quiser experimentar abrir o website do Gabinete de Comunicação Social do Governo, vulgo GCS, para ler as notícias do que acontece, pode ver, logo em grande destaque, uma série de vídeos intitulada “Medidas benéficas para a população que passam despercebidas em 2017”. O vídeo mais recente tem como título “Melhoria do ambiente de vida da população”. Até agora, todos estão apenas disponíveis em língua chinesa.

Para conhecer melhor os trabalhos que o Governo tem levado a cabo para melhorar a vida de quem cá vive, resolvi ver o vídeo, com algumas expectativas. Foram filmadas praças, pistas para bicicletas, miradouros, jardins, zonas de lazer. Não consegui deixar de pensar o seguinte: “é este o desempenho de que se orgulha o Governo?”

O nosso Governo defende sempre a ideia de transformar Macau num Centro Mundial de Turismo e Lazer e num território propício para habitar. Claro que Macau não pode ser considerado um lugar assim, porque tem aquilo a que podemos chamar de doença do urbanismo – uma elevada densidade populacional. Há também muitos veículos, pois em cada mil metros existem 600 veículos. Há edifícios antigos e novos, o que faz com que este pequeno território esteja rodeado de cimento e poluição atmosférica.

O meio ambiente e a vida da população não melhoram apenas com a abertura dos acessos pedonais que ligam a zona do ZAPE e a Colina da Guia, ou com a criação do miradouro da Taipa Pequena, como mostram os vídeos divulgados no GCS.

Os cidadãos continuam a sofrer com o trânsito em horas de ponta, a sentirem-se como sardinhas em lata dentro dos autocarros, a não ter vagas de estacionamento suficientes e a sentirem a falta de espaços verdes para respirar ar fresco.

Talvez o problema do trânsito possa ser melhorado com a construção de um sistema pedonal entre a zona norte e sul da península de Macau, porque os cidadãos demoram muito tempo a fazer este percurso.

Andar a pé para a escola ou o para o trabalho seria mais fácil. Mas será que o Governo cumpre a ideia de ter uma cidade com condições ideais de mobilidade?

Uma cidade que seja propícia para habitar deve ter um equilíbrio entre o meio ambiente e o espaço urbano, sem esquecer a garantia da segurança e de uma economia estável, onde se incluem os preços do imobiliário e a inflação.

Não deixa de ser irónico o facto do Governo considerar que aquilo que surge nos vídeos oficiais é o ambiente ideal para a vida da população.

19 Mai 2017

Filipinas rejeitam ajuda da UE para desenvolvimento

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo filipino anunciou ontem que deixou de aceitar ajuda ao desenvolvimento da UE por considerar que Bruxelas tenta interferir nos assuntos internos das Filipinas e “põe em risco” a autonomia do país.

O Presidente filipino, Rodrigo Duterte, “aprovou a recomendação do Departamento das Finanças de não aceitar mais doações da UE”, comunicou o porta-voz do gabinete presidencial, Ernesto Abella, numa conferência de imprensa em Manila.

Esta decisão representa uma perda de 250 milhões de euros nos próximos projectos de ajuda de desenvolvimento, destinada sobretudo à melhoria das condições de vida das regiões mais empobrecidas do sul do arquipélago.

Estas doações pertencem a projectos que têm o potencial de afectar a autonomia do país”, argumentou o porta-voz presidencial, que acusou a UE de tentar “interferir na política interna das Filipinas”.

Em meados de Março, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para condenar e pedir o fim da “guerra contra as drogas” liderada por Duterte e que causou mais de 7.000 mortos – de acordo com estimativas das organizações não-governamentais – desde que o chefe de Estado filipino tomou posse, no final de Junho de 2016.

Desde então, Duterte ameaçou, em várias ocasiões, rejeitar a ajuda por considerar que Bruxelas exerce pressões para determinar as políticas internas do país.

Os bons milhões

Ao mesmo tempo, o Presidente filipino assegurou milhares de milhões de euros em doações da China, o novo aliado com quem tem vindo a estreitar laços à medida que se afasta dos Estados Unidos e da UE.

O porta-voz presidencial também assegurou ontem que as Filipinas “estão a crescer e a melhorar” a um ritmo sólido, pelo que podem permitir-se abandonar a “atitude de mendicidade” e enfrentar os desafios económicos de forma autónoma.

Ontem foram publicados os dados sobre o crescimento do PIB filipino entre Janeiro e Março, que foi de 6,4%, o que representa um recuo ao ser o menor desde o terceiro trimestre de 2015.

19 Mai 2017

Transportes | Passados 11 anos, Macau tem novo terminal de ferries

Depois de quase uma dúzia de anos do início da construção e de uma solução temporária que durou uma década, o Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa foi ontem inaugurado. Entra em funcionamento a 1 de Junho, dia em que encerra o terminal provisório. Custou 3,8 mil milhões de patacas

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois de muitos imprevistos e complicações, obras que andaram para a frente e para trás, o Terminal Marítimo da Taipa foi inaugurado com toda a pompa e circunstância. O secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, era um homem feliz no fim da cerimónia. Não era para mais, foi concluída no seu mandato uma obra que teimava em não ser terminada, mais de 11 anos depois do início da construção. Rosário não quer colher sozinho os louros da abertura. “Temos 3400 pessoas, eu sou só uma delas, portanto, o resultado é de todos”, dizia o governante minutos após a inauguração.

Desde o início, o terminal custou aos cofres do Governo 3,8 mil milhões de patacas, seis vezes mais do que havia sido orçamentado à partida, facto que Raimundo do Rosário não considera alarmante. “Não sei se a derrapagem é muito grande, porque a obra é muito grande.” O espaço total é cerca de 200 mil metros quadrados, o suficiente para 25 campos de futebol.

Além disso, o primeiro projecto previa oito docas de atracação para embarcações rápidas, número que após reavaliação se considerou insuficiente, acabando por ser alargado para 16. “Hoje temos este edifício, que é maior que o terminal de passageiros do aeroporto”, relativiza Rosário.

Além das 16 docas mencionadas, o terminal tem mais três lugares para atracação multifuncionais, 127 canais de passagem fronteiriça, duas esteiras de recolha de bagagem, uma plataforma de aterragem com cinco heliportos e um parque de estacionamento com capacidade para mil veículos.

Do provisório ao definitivo

O Terminal Marítimo da Taipa estará aberto ao público 24 horas por dia, mantendo a mesma operacionalidade do terminal provisório numa primeira fase de funcionamento. Susana Wong, responsável máxima da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água, explicou que a nova infra-estrutura “responde ao aumento da procura de transporte marítimo resultante do desenvolvimento de Cotai e alivia a pressão sobre o Terminal Marítimo do Porto Exterior”. Neste capítulo é de salientar que, nos últimos cinco anos, passaram pelas fronteiras marítimas de Macau 120 milhões de pessoas.

A nova infra-estrutura garantirá ligações a quatro destinos de Hong Kong (Sheung Wan, Kowloon, Tuen Mun e Aeroporto Internacional de Hong Kong), e a dois portos de Shenzhen (Fu Yong e She Kou), além de disponibilizar transporte aéreo através de helicópteros. Apesar da inauguração do edifício a estrear, tanto Raimundo do Rosário, como Susana Wong garantiram que o terminal de ferries de Macau é para manter.

O novo terminal abre ao público em Junho depois de um processo moroso e com muitos problemas de estrutura. Não obstante as garantias dadas à tutela pela empresa de construção quanto à manutenção, o edifício tem revelado problemas de infiltrações, um facto que preocupa Raimundo do Rosário. “Esta obra teve várias peripécias, designadamente, esteve parada durante um período que não foi curto. É natural que tenha problemas, sempre reconheci isso, mas estamos cá para os resolver”, adianta o secretário.

Posto de abastecimento

Para já, o terminal provisório passa o testemunho de funcionamento ao novo edifício, numa “transferência pacífica”, nas palavras de Susana Wong. A expectativa da director da DSAMA é que, com as dimensões do novo terminal, se dê o aumento gradual do número de passageiros. Passam pelo terminal provisório cerca de 35 por cento do número de passageiros que entram e saem de Macau por via marítima. Com a entrada em funcionamento da nova infra-estrutura é expectável que esse “número suba para mais de 40 por cento”, projecta Susana Wong.

Para já, continuam a operar as mesmas três empresas de transporte marítimo no novo terminal, mas se a procura a isso ditar, a responsável da DSAMA não afasta a hipótese de entrar uma nova empresa no transporte em causa.

No lugar do terminal provisório, que será demolido após a entrada em funcionamento das novas instalações, será construído um posto de abastecimento para os ferries. Esta será a terceira fase do projecto do Terminal da Taipa, ainda sem um orçamento estabelecido. Chega assim ao fim uma infra-estrutura temporária que operou durante uma década, dando lugar a uma nova era de transporte marítimo.

19 Mai 2017

Habitação Económica | Secretário promete reacção às recomendações do CCAC

Raimundo do Rosário promete seguir as sugestões do Comissariado contra a Corrupção, que deu razão aos moradores de fracções económicas que corriam o risco de perder os apartamentos. O secretário para os Transportes e Obras Públicas não deu, no entanto, um calendário para a revisão da lei de habitação económica

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Transportes e Obras Públicas promete seguir as recomendações do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) relativas ao caso das fracções económicas cujos promitentes-compradores estavam em risco de ficar sem as habitações. As pessoas em causa já vivem nas casas, mas o Instituto de Habitação (IH) considerou que, como as condições de candidatura mudaram enquanto esperavam pela assinatura da escritura, não devem ficar com os apartamentos. O CCAC deu razão aos queixosos.

Vamos seguir, de certeza, de acordo com as recomendações do CCAC para resolver a questão”, disse ontem Raimundo do Rosário, à margem da inauguração do Terminal Marítimo da Taipa.

Na parte final do comunicado faz-se uma sugestão para se rever a lei de habitação económica. Faremos isso, iniciaremos o processo legislativo com a brevidade que for possível”, acrescentou o secretário, sem adiantar uma data precisa para a apresentação de um novo diploma à Assembleia Legislativa.

O deputado José Pereira Coutinho foi um dos membros do hemiciclo que apoiou a apresentação das queixas ao CCAC, encabeçadas pela deputada Ella Lei.

Em declarações ao HM, Pereira Coutinho considera a reacção do CCAC “positiva”. “Só no nosso gabinete de atendimento aos cidadãos foi apresentada uma dezena de queixas. Esta situação demonstra que existem muitos serviços que não sabem aplicar as leis no âmbito das suas competências”, apontou.

Órgão para queixas

O deputado considera que é necessário criar em Macau um órgão oficial que receba queixas dos cidadãos relacionadas com o mau funcionamento dos serviços públicos, tal como já existe em Hong Kong, o Office of the Ombudsman.

O nosso gabinete tem recebido queixas relacionadas com os direitos e interesses legalmente protegidos, em que os serviços públicos, por maldade ou má formação de alguns dirigentes, indeferem ou rejeitam os pedidos de forma propositada”, apontou.

Na visão do deputado, isso faz com que os cidadãos tenham de recorrer a tribunal. Contudo, acabam por desistir “face aos milhares de patacas que têm de desembolsar com os honorários dos advogados, o que manifestamente não compensa”.

Escrituras que demoram

Em declarações ao jornal Ou Mun, a deputada Ella Lei referiu que a postura do IH “é inaceitável”, tendo alertado para que os departamentos públicos tomem decisões de acordo com as leis em vigor.

Ella Lei lembra que, segundo o resultado da investigação do CCAC, a actual lei de habitação económica não obriga a que os cônjuges dos candidatos façam parte do agregado familiar, se o matrimónio foi contraído após a candidatura. Comprovativos de rendimentos ou propriedades dos cônjuges são tidos em conta apenas na fase da candidatura e não na fase da celebração das escrituras, lembrou.

A deputada explicou também que há muitas famílias que perdem muito dinheiro com consultas junto de advogados. Há ainda o facto de o IH demorar muito tempo a assinar a escritura com os promitentes-compradores de fracções económicas. Caso esse processo demorasse entre um a dois anos, não teria havido qualquer problema, defendeu ainda.

Ella Lei falou de casos em que a assinatura das escrituras chegou a demorar dez anos. Por isso, “é injusto” da parte do IH questionar o alargamento do agregado familiar.

19 Mai 2017

Adjudicações na Administração debatidas esta segunda-feira

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá agendado para a próxima segunda-feira o debate na Assembleia Legislativa (AL) sobre a aquisição e adjudicação de bens e serviços por parte do Governo. O promotor do debate é o deputado Mak Soi Kun.

Na proposta de debate, aprovada recentemente pelo hemiciclo, o deputado exige que o Executivo dê explicações sobre o processo de aquisição de bens e serviços no seio da Função Pública, que continua a ser feito com base numa lei implementada nos anos 1980.

Para evitar que surjam mais problemas sociais devido à obsoleta lei das aquisições, e salvaguardar a estabilidade e o desenvolvimento da sociedade, apresento ao presidente da AL, em prol do interesse público, a presente proposta de debate, chamando à atenção para a lei referida, com vista a dissipar as preocupações da sociedade e a evitar mais prejuízos para o interesse público”, lê-se na proposta.

Mak Soi Kun aponta ainda que a lei em causa “há muito que é criticada por ser obsoleta e obstruir gravemente o desenvolvimento da sociedade, originando corrupção e prejudicando significativamente o interesse público”. O deputado dá como exemplo a forma de recrutamento levada a cabo pelo Instituto Cultural (IC), que resultou num relatório do Comissariado contra a Corrupção.

Olhando para os últimos anos, os problemas resultantes da lei das aquisições, uns mais graves, outros menos, não pararam. Um exemplo recente é a violação das normas legais do concurso e recrutamento por parte do IC”, concluiu. 

19 Mai 2017

Recursos humanos | Obras Públicas com poucos contratos irregulares

[dropcap style≠’circle’]À[/dropcap] margem da inauguração do novo Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa, o secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, adiantou que nos serviços que dirige existem alguns casos de contratações irregulares. Com o recente e demolidor relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) sobre a forma sistemática como o Instituto Cultural contratava funcionários através do regime de aquisição de serviços, todos os serviços do Governo ficaram em sobreaviso. Esta forma de contornar os concursos públicos no recrutamento de pessoal tem sido alvo das investigações do CCAC, colocando em cheque os diversos departamentos do Executivo.

Como tal, Raimundo do Rosário esclarece que nos seus serviços existem apenas “quatro ou cinco casos, não chegam a meia dúzia”. O secretário esclarece que “a maneira de resolver isso é deixar os contratos correrem até ao fim” e não renová-los. Os funcionários que se mostrarem indispensáveis aos serviços terão a sua situação laboral legalizada.

Outra novidade revelada por Raimundo do Rosário é que o processo relativo à permuta de terrenos da antiga fábrica de panchões terá chegado ao fim. “Penso que já se decidiu o que se vai fazer”, comentou o secretário, remetendo para breve mais informações sobre o assunto. 

19 Mai 2017

DSAL | Ella Lei apela a medidas para garantir contratações de residentes

As obras da Taipa estão prestes a terminar e Ella Lei foi ontem solicitar à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais medidas que previnam o desemprego dos residentes. A responsável dos Operários quer evitar o desemprego dos locais e garantir que os residentes têm prioridade no preenchimento de vagas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] subdirectora da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), Ella Lei, pede medidas preventivas para evitar a contratação de mão-de-obra estrangeira depois de terminarem as obras em curso no território. A solicitação foi feita ontem num encontro da também deputada com Wong Chi Hong, responsável pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL).

De acordo com Ella Lei, os residentes têm-se manifestado preocupados com a falta de emprego, sendo que há casos de pessoas que se encontram a procurar trabalho desde Setembro do ano passado. Alguns destes casos foram resolvidos porque, com a ajuda da DSAL, acabaram por ser chamados para trabalhar nas obras que estão em curso no território.

No entanto, Ella Lei refere que a FAOM continua a receber casos semelhantes em que existem trabalhadores a manifestar o seu desagrado por considerarem estar numa situação de emprego instável, sendo que alguns deles já foram inclusivamente despedidos. De acordo com as queixas apresentadas, a FAOM terá intervindo, tendo conseguido novas contratações.

Para Ella Lei, é simples e é necessária uma intervenção eficaz da DSAL. “Quando se trata de dar emprego prioritariamente a residentes quer dizer também que os despedimentos não devem ser dirigidos aos locais”, afirmou a responsável da FAOM.

Ella Lei fez ainda saber que o objectivo do encontro com Wong Chi Hong era o reforço da necessidade de comunicação entre o Governo e as entidades empregadoras, de modo a garantir a empregabilidade prioritária dos residentes do território.

Com o final das obras, nomeadamente de construção dos novos casinos, agendado para o terceiro trimestre deste ano, Ella Lei alerta para que a DSAL comece já a pensar em medidas que previnam a situação de desemprego que se avizinha.

Na prática, a deputada pede que o Governo comece já a considerar novos empregos para dar àqueles que vão ficar sem trabalho de modo, para que as situações ocorridas no ano passado não se repitam.

Números que não agradam

Ella Lei não deixou de se justificar com a apresentação de dados estatísticos. De acordo com a responsável da FAOM, entre 2015 e 2017, as taxas de desemprego e de subemprego subiram, enquanto nos primeiros meses de 2017 o número de trabalhadores não residentes (TNR) registou um aumento. “Não acredito que os trabalhadores locais que trabalham na construção civil não consigam emprego, até porque há mais de 30 mil TNR no território”, disse, questionando como é que os residentes não conseguem encontrar trabalho.

Wong Chi Hong, depois do encontro, e de acordo com Ella Lei, afirmou que vai dar seguimento aos casos de procura de trabalho destacados pela FAOM e alertar as empresas para garantir emprego aos locais.

O encontro contou também com a presença dos representantes da Associação dos Operários de Pintura de Macau.

19 Mai 2017

Banca | Sector cresce no primeiro trimestre do ano

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ste ano teve um bom arranque para a banca em Macau. De acordo com dados fornecidos pela Autoridade Monetária de Macau (AMCM), o sector cresceu consideravelmente no primeiro trimestre de 2017. Em termos de aplicações financeiras em mercados internacionais, o activo total do sistema bancário cresceu 84,1 por cento no final de 2016, para 84,7 por cento três meses depois.

A pataca não é a unidade principal nas transacções bancárias internacionais. No fim do último mês de Março, a pataca ocupava uma quota de apenas 0,8 e 1,5 por cento, respectivamente, no total do activo e passivo financeiro internacional. As moedas mais usadas foram o dólar de Hong Kong, o dólar norte-americano e o renminbi, com um peso de 42,3, 45,3, 6,2 e 5,5 por cento do total do activo internacional, respectivamente.

No final de Março de 2017, o total dos activos internacionais dos bancos de Macau chegou aos 1.215,5 mil milhões de patacas, o que representou um crescimento de 3,9 por cento em relação ao trimestre anterior, e um aumento de 7,7 por cento em relação ao ano passado.

Macau distribuiu a sua actividade bancária internacional principalmente pela Ásia e Europa. No fim de Março deste ano, as quotas das disponibilidades da banca de Macau em Hong Kong e no Interior da China eram de 36,7 e 27,2 por cento, respectivamente. Portugal e Reino Unido representaram dois e 2,3 por cento do total de activo exterior, respectivamente.

19 Mai 2017

Imobiliário | Menos transacções no início de 2017

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro trimestre do ano teve menos compra e venda de casas em relação ao mesmo período do ano passado. Dados revelados pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), com base no imposto de selo cobrado, mostram que nos primeiros três meses de 2017 transaccionaram-se 3337 fracções autónomas e lugares de estacionamento pelo valor de 17,93 mil milhões de patacas. Estes valores representaram descidas de 35 e 38,9 por cento, respectivamente, face ao período homólogo.

As fracções autónomas habitacionais que mudaram de mãos no primeiro trimestre do ano foram 2313, por um preço total de 13,61 mil milhões de patacas. Os valores representam uma descida de 1,262 e 41,8 por cento, respectivamente.

O número de transacções de fracções autónomas habitacionais em prédios ainda em construção teve uma queda vertiginosa, 69,3 por cento, para um total de 306 compras e vendas. Também o valor despendido caiu bastante, 68,5 por cento, para um montante global de 3,08 mil milhões de patacas.\

Ainda assim, em termos de preço médio, as fracções autónomas habitacionais em edifícios em construção foram comercializadas por quase 130 mil patacas o metro quadrado, uma subida de 4,7 por cento. Também nas fracções em prédios já edificados o preço médio por metro quadrado subiu 2,4 por cento, para 83,3 mil patacas.

No primeiro trimestre de 2017 foram assinados 4058 contratos de compra e venda e 3665 contratos de crédito hipotecário, envolvendo 4077 e 4246 imóveis, respectivamente.

19 Mai 2017

Urbanismo | Arquivo de Macau mostra crescimento da cidade

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] partir do dia 9 de Junho, quem for ao Arquivo de Macau poderá ficar a saber mais sobre a evolução do território, com a exposição “Macau Ilustrado – Exposição de Plantas Urbano-Arquitectónicas”.

A mostra é constituída por uma selecção de cerca de 60 plantas urbanas e desenhos arquitectónicos conservados no Arquivo de Macau que, organizados tematicamente, permitem aos visitantes compreender a evolução do padrão urbano da cidade, através das mudanças concretas desenvolvidas dos finais do século XIX até meados do século XX.

Em nota à imprensa, explica-se ainda que a exposição revela as características de design dos edifícios de Macau, em que se nota a linguagem de variados estilos adoptada por diferentes desenhadores, que “exploraram possibilidades da fusão entre elementos ocidentais e orientais, enquanto captaram as tendências internacionais”.

Durante o período da exposição serão realizadas diversas palestras abertas ao público. A primeira está agendada para o dia 17 de Junho e é da responsabilidade do arquitecto Lui Chak Keong, que vai fazer uma retrospectiva sobre o desenvolvimento urbano e arquitectónico de Macau. A palestra será conduzida em cantonense. Desconhece-se se há tradução.

19 Mai 2017

João Mascarenhas, músico: “Não acredito numa jam session séria”

Um acaso levou-o ao evento Jazz Sunday Sessions que acontece no espaço Live Music Association todos os domingos. A partir daí, o músico brasileiro, que vive entre Macau e Hong Kong, começou a pensar em novos projectos para o território. João Mascarenhas acredita que o público local precisa de educação para ouvir outros sons que não os da música clássica, para compreender o sabor do improviso

Foi o João que descobriu as Sunday Jazz Sessions no Live Music Association (LMA). Como surgiu o interesse pelo evento?

Foi uma coincidência. Tive um trabalho aqui, de último minuto, em que umas pessoas de Hong Kong me pediram para arranjar músicos em Macau. Comecei a contactar músicos que conhecia, e aí comentaram comigo que havia essas sessões no LMA. Já tinha planos para começar a passar mais tempo em Macau, e foi uma coincidência muito boa.

Está a pensar desenvolver alguns projectos em Macau. Que tipo de projectos são esses?

Estou querendo começar a ensinar. Quero começar alguma coisa no LMA. Há músicos bons em Macau, mas estão estagnados. Queremos mudar a educação musical aqui. Tenho vindo a ser contactado por dirigentes associativos e quero trazer músicos de Hong Kong também. Basicamente quero trabalhar com a educação, porque é algo fundamental para criarmos uma plateia. Se tivermos os estudantes daqui, que começam a chamar os amigos, cria-se um fomento da cena da música jazz. Estou a pensar também criar uma associação aqui em Macau, para também fomentar esse lado educacional.

Como foi a sua vinda para a Ásia e a entrada na cena musical de Hong Kong, onde existe mais diversidade?

Hong Kong tem de facto mais lugares para se trabalhar. Estive em Macau em 2005. Antes estive nos Estados Unidos a fazer um mestrado em Composição, mas estava um pouco aborrecido e não aguentava mais ficar lá. Apareceu então um trabalho no Vietname, onde gravei dois discos, e depois arranjei emprego em Macau. Aqui tocava com uma banda num hotel e conheci a minha esposa. Isso me fez ficar aqui por aqui. Decidi também voltar para a universidade e ganhei uma bolsa da Universidade de Hong Kong para trabalhar em composição. Comecei a fazer trabalhos como compositor, produtor e também como educador, porque fiz bastantes workshops.

Entre a primeira experiência em Macau como músico e esta fase agora, que análise faz da evolução da cena musical aqui?

Macau tem uma coisa que lembra muito a minha cidade natal, Belém [no Brasil]. Não se tem referências do que acontece no resto do planeta se não se for lá fora ver o que está acontecendo. Costumava fazer comentários sobre um slogan que havia em 2005, que dizia “No mundo de diferenças, a diferença é Macau”. Tem uma conotação negativa. Naquela altura havia as escolas do Conservatório, que vão estar sempre ligadas à cena da universidade. Então se não tiver musica clássica, não é uma coisa séria, não é uma coisa para ser ouvida. Cria-se uma barreira entre o que é música popular e o que é música clássica. Naquela época só havia dois bares com música ao vivo. Com esse boom dos casinos, passaram a existir os lugares, os bares que deveriam ter música. Mas Macau ainda não tem uma produção de músicos não clássicos, com nível profissional suficiente para gerir entretenimento de alta qualidade. Os músicos de conservatório mais puritanos e conservadores chamam música popular ao jazz, mas o jazz não é isso. O jazz teve um grande boom no início do século XX, quando apareceu em Nova Orleães o crioulo tocando. Depois houve o boom das bandas brancas, com Glenn Miller, o swing, a década de 30. Depois chegou Bebop. Era uma outra maneira de pensar completamente diferente. O artista de jazz é um performer e, ao mesmo tempo, um compositor. Ele improvisa. Em Macau ainda não tem essa coisa, não produz ainda músicos que tenham esse nível para serem entertainers de música popular, e está começando no jazz. O caminho para mudar isso é a educação musical, e gostaria muito que, pelo menos, os clássicos pensassem na flexibilidade. A coisa do jazz exige uma pequena prescrição, depois há uma improvisação e interacção. O jazz é, na verdade, uma música interactiva. O meu coração está na hora do improviso.

Também é preciso educar o público?

Exacto. Em Hong Kong faço workshops sobre apreciação de jazz para pessoas que não são músicos, de uma maneira informal. E quero começar a fazer isso aqui também.

Macau é muito feita de comunidades. É possível treinar os diferentes ouvidos que existem aqui?

É possível. Tudo depende da maneira como se entrega esse tipo de música e de informação, como se apresenta uma música para as pessoas. Tem de haver entretenimento também. A música clássica está morrendo e em decadência, e o que mantém a música clássica ao vivo é a parte da música de filme. Há uma orquestra em Hong Kong que vai executar as músicas do filme do Harry Potter, por exemplo. A música clássica está querendo pegar nessa coisa do visual, para conseguir alguma sobrevivência.

É um tipo de música para se ouvir sentado.

É um pouco isso. Acho que o jazz está entre isso e a música popular, direccionada para um total entretenimento. Não acredito numa jam session séria, num ambiente de teatro. O jazz é improvisação, depois interacção. Há também uma coisa que o artista de jazz tem, que é a individualidade. O músico tem um jeito de tocar.

Gosta mais de ser educador ou músico?

Ser músico envolve a composição, que é uma coisa solitária. Passo horas e horas no meu computador. Adoro compor e produzir, adoro ensinar, performances também é uma coisa forte. Não consigo separar essas coisas.

A música clássica está em declínio. E o jazz?

Hoje em dia, a indústria está cheia de géneros de música. As fronteiras estão misturadas. A música clássica, de concerto, ainda tem o suporte das instituições académicas e do Governo. Isso acontece aqui em Macau também e em Hong Kong. O jazz é visto como uma música de bar, de cabaret, inferior, mas na verdade é bem mais difícil do que música clássica. Tenho alunos de Macau para quem é difícil pensar fora da caixa, porque sempre lhes deram uma partitura para seguir.

19 Mai 2017

FAM | Teatro da Cidade de Reiquejavique apresenta obra de Tchekhov

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma abordagem “moderna e surpreendente”, diz o Instituto Cultural (IC) acerca do modo como o Teatro da Cidade de Reiquejavique, da Islândia, apresenta “A Gaivota” de Tchekhov. O espectáculo encerra a edição do XVIII Festival de Artes de Macau e, de acordo com a organização, ainda existem alguns bilhetes disponíveis.

Em comunicado, o IC recorda que o clássico “A Gaivota” já foi levado ao palco um sem-número de vezes. A encenação da produção apresentada em Macau é da autoria da encenadora lituana Yana Ross. Galardoada com o prémio para a Melhor Encenação no Festival Internacional Kontakt de Torun 2016, na Polónia, Yana Ross é conhecida pelo seu estilo único nos círculos de teatro dos países nórdicos.

A adaptação de “A Gaivota” desloca o enredo da tradicional propriedade rústica russa, tal como descrito por Tchekhov, para uma luxuosa casa de Verão islandesa, “explorando a natureza humana a partir de uma perspectiva única”. O espectáculo sobe ao palco do Grande Auditório do Centro Cultural de Macau nos dias 27 e 28.

Também ainda há lugares vagos para “Double Bill”, por Hiroaki Umeda, agendado para os dias 26 e 27. “O renomado coreógrafo apresenta não só a sua peça a solo ‘Holistic Strata’, como também um novo trabalho desenvolvido em conjunto com bailarinos locais, usando o corpo humano para quebrar as limitações existentes.”

Fim-de-semana cheio

Já hoje e amanhã, é apresentado “O Inferior”, que explora as fronteiras entre o mundo real e virtual, e ainda a peça em patuá “Sórti na Téra di Tufám” (ver texto nas páginas 2 e 3). Entre hoje e domingo, “Miss Revolutionary Idol Berserker” traz, escreve o IC, “uma onda de juventude e leva o público a um frenético mundo japonês”.

Neste fim-de-semana, há ainda espaço para ópera cantonense, com Chu Chan Wa e “um grupo de excelentes actores locais”, que apresentam o clássico “The Butterfly Lovers”.

No dia 23, a Companhia da Ópera Nacional de Pequim leva ao palco uma adaptação concisa do clássico de ópera de Pequim “Senhora Anguo”, enquanto a Orquestra de Macau apresenta o concerto “Ressonância Através do Espaço-Tempo”.

De 26 e 28 deste mês, há teatro para crianças: “À Mão” é criado com bonecos de barro.

19 Mai 2017

EUA treinam ataques a depósitos de armas de destruição maciça de Pyongyang

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s tropas dos Estados Unidos estacionadas na Coreia do Sul realizaram um exercício em que simularam a destruição de depósitos de armas de destruição maciça norte-coreanos, foi ontem anunciado.

Soldados de duas divisões de infantaria participaram no exercício, denominado “Warrior Strike 7”, realizado em Camp Stanley, no norte de Seul, e num complexo próximo da fronteira coreana.

A informação e as imagens da operação, cuja data não foi divulgada, foram publicadas no portal Flickr e na conta oficial da rede social Facebook da Segunda Divisão de Infantaria das Forças dos Estados Unidos na Coreia do Sul (USFK, na sigla inglesa).

A operação consistiu no desembarque em terra de unidades transportadas por via área, a partir do maior navio da Marinha sul-coreana, “Dokdo”, que depois se infiltraram em diferentes instalações para destruir ou tomar controlo de arsenais de armas de destruição maciça.

As fotografias mostram operações e protocolos relacionados com a infiltração em depósitos de armas radioactivas, biológicas ou químicas, ou a desactivação de ogivas.

Pressão contínua

O simulacro aconteceu num momento de tensão na península coreana perante os insistentes testes de armamento do regime de Kim Jong-un e o endurecimento do discurso de Washington após a chegada à Casa Branca de Donald Trump. O último teste de um míssil norte-coreano foi realizado no domingo.

A nova administração norte-americana chegou a insinuar a possibilidade de efectuar ataques preventivos contra a Coreia do Norte se Pyongyang insistir no desenvolvimento do programa nuclear e de mísseis.

O último míssil lançado pelo exército norte-coreano, e que Pyongyang definiu como um novo tipo de projéctil, mostrou um bom rendimento, o que representa um novo avanço para a Coreia do Norte.

Pyongyang quer desenvolver um míssil nuclear capaz de alcançar o território norte-americano.

19 Mai 2017