Quebra no comércio externo

O comércio externo de mercadorias de Macau atingiu 20 mil milhões de patacas nos primeiros três meses deste ano, registando uma queda de 19,7%, em termos anuais homólogos. Segundo a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), Macau exportou bens avaliados em 2,70 mil milhões de patacas – menos 0,2% face ao primeiro trimestre de 2015 – e importou mercadorias no valor de 17,30 mil milhões de patacas, menos 22,1% face ao período homólogo do ano passado. Em termos de destino, nos primeiros três meses deste ano aumentaram as exportações para a China, que atingiram os 400 milhões de patacas ou mais 3,5%. Em contrapartida, diminuiu o valor dos bens vendidos para Hong Kong, União Europeia e Estados Unidos, em 0,5%, 23,1% e 48,2%, respectivamente. Já do lado das importações, registaram-se descidas nas compras à China e à União Europeia, cujo valor diminuiu 24,4% e 21,8, respectivamente, face aos primeiros três meses de 2015.

3 Mai 2016

Edifício do Lago sem alojamento ilegal

O Instituto da Habitação (IH) garantiu estar atento ao caso de duas fracções no Edifício do Lago que estariam a ser usadas como alojamento ilegal, mas, segundo a Rádio Macau, os Serviços de Turismo (DST) já descartaram essa possibilidade, tendo referido que “a denúncia não tinha fundamento”, depois de uma investigação feita em conjunto com a Polícia de Segurança Pública (PSP). A denúncia partiu após a existência de um alegado anúncio na plataforma online Airbnb. “Não foram identificados nem os proprietários nem as fracções registadas na página Airbnb”, disse a DST à Rádio Macau. O anúncio foi apagado, inclusivamente no Facebook, tendo sido feita outra investigação. Mas também aqui se comprovou que a suspeita “não tinha fundamento”.

3 Mai 2016

1º de Maio | Menos de mil pessoas nas ruas. Defesa de Coloane dá sentido à manifestação

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]em mil pessoas se juntaram à habitual manifestação do Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador. O número de manifestantes desceu de 1800, no ano passado, para 508 este ano, segundo a PSP. Além de ter sido oferecida tolerância de ponto, pelo Chefe do Executivo, no dia de ontem, o que permitiu um fim-de-semana prolongado a muita gente, no Dia do Trabalhador aconteciam o Sarau Desportivo e Artístico no Estádio do Tap Seac e, na praia de Hac Sá, o festival “Hush!”. O entretenimento ganhou ao activismo: no primeiro evento – que começou às 14h00 – estiveram cerca de três mil pessoas e no segundo mais de duas mil. Para as manifestações, foram destacados 150 agentes policiais.

Dinossauro come-tudo

Foi do jardim junto à Alameda da Tranquilidade que saiu, na tarde de domingo, o “dinossauro” destruidor da montanha de Coloane. Um “tiranossauro-rex representava o sector imobiliário e da construção” e avançava sem piedade sobre uma figura humana, uma “Coloane” ferida, quase a morrer.
A representação, como explicou Lei Kuok Cheong, subdirector da Associação Juventude Dinâmica, é fácil de interpretar para os mais distraídos: o dinossauro representa a hegemonia e monopólio do sector imobiliário face aos terrenos, que se perdem para os empresários mais poderosos.
A Juventude Dinâmica foi a associação que juntou mais pessoas – 200, sobretudo jovens – e caminhou ao lado da Associação Novo Macau e do grupo “Our Land, Our Plan”, apelando ao uso razoável dos terrenos.
Como não podia deixar de ser, foram diversas as referências ao projecto de luxo a construir no Alto de Coloane. “O construtor [do projecto na montanha de Coloane] rejeitou publicar o relatório de avaliação ambiental que o Governo aprovou e a obra poderá avançar a qualquer hora. A montanha é preciosa e Coloane é o pulmão da cidade. Se não sairmos para a rua agora, não temos nada para preservar para as próximas gerações. Fazemo-lo, mesmo que não possamos mudar nada”, disse Lei Kuok Cheong.
Coloane, representado por uma estátua feita por um artista local, foi carregado por quatro “médicos” com máscaras em forma de pulmão. Tudo porque, como diz Amy Sio, fundadora do “Our Land, Our Plan”, a ilha precisa de salvação urgente. manif coloane maio
Lei Kuok Cheong recordou que há três anos uma manifestação já solicitava a manutenção dos espaços verdes de Coloane, mas até ao momento “as pessoas não vêem que Coloane esteja a ser protegido”. Há, assegura, “intenção de escavar e desenvolver. E há a autorização do Governo.”
O deputado Ng Kuok Cheong, que participou na manifestação em nome individual, juntou-se à Juventude Dinâmica no início do protesto, apelando ao Chefe do Executivo, Chui Sai On, que dê ordem para que o projecto em Coloane – com a altura de cem metros – seja apreciado pelo Conselho do Planeamento Urbanístico.
No meio da marcha, encontrámos ainda Ben e Ellen, dois namorados que decidiram, pela primeira vez, passar o feriado a participar no protesto. Ambos consideram que a protecção de Coloane tem a ver com todos os residentes de Macau e que é urgente manter os espaços verdes de Macau porque “são muito poucos”.
Chegados à Praia Grande, em direcção à Sede do Governo, o grupo entrou num pequeno conflito com a polícia, porque não puderam continuar a caminhar na estrada como até ali e foram encaminhados para o passeio. Vários manifestantes ficaram irritados e gritaram “desbloqueiam a estrada”, já que era dia de manifestação, mas de nada adiantou. A carta chegou à Sede do Governo, mas via passeio.

Pela labuta, com o capital

Era de manhã na Praça do Tap Seac quando surgiu um “mar vermelho e branco”. Membros da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) mantiveram no local um encontro subordinado ao tema dos direitos dos trabalhadores, abstendo-se de desfilar até à sede do Governo. Chiang Chong Sek, director da FAOM, disse no seu discurso que o desenvolvimento da economia e sociedade de Macau fez “milagres”, mas que o território está a enfrentar problemas e conflitos profundos, tal como a diminuição contínua da proporção da remuneração laboral face ao PIB.
“É extremamente necessário melhorar o ambiente de trabalho e a segurança ocupacional de alguns sectores. Há sectores que ainda sofrem restrições de aumento de salário e de promoção por causa da introdução de trabalhadores não residentes (TNR)”, avançou.
A FAOM diz que foram cerca de 1200 os membros de sete associações que participaram no encontro, mas a PSP faz as contas de forma diferente e diz que foram apenas 550.
Outro responsável da organização, Chan Kam Meng, voltou a frisar a criação de uma Lei Sindical que, diz, “deve avançar o mais rápido possível, mesmo após ter sido reprovada várias vezes na AL”. Chan Kam Meng defende que a melhoria das leis laborais é a única forma de aumentar a protecção dos direitos dos trabalhadores. Da FAOM, também a Associação de Empregados do Ramo de Transporte apelou ao Governo que mantenha o princípio de não introdução de TNR como motoristas profissionais, garantindo esse lugar para os locais. Uma petição nesse sentido foi entregue ao Governo.

Quem tem medo do Jogo mau?

Foi a partir do Jardim do Iao Hon que começou a marcha da Associação Love Macau, do grupo Forefront of The Macau Gaming e da Nova Associação dos Direitos de Trabalhadores da Indústria de Jogo. Com destino à Sede do Governo, os manifestantes apelavam à diminuição do número de trabalhadores não residentes (TNR), à construção de mais habitação pública e à melhoria da situação de conluio entre o Governo e empresários, que foi apontada pelo Comissariado contra a Corrupção. A proibição total de fumo nos casinos, as horas extra sem pagamentos e os salários foram outras reivindicações, que não tiveram, contudo, muitos apoiantes.
A manifestação do sector do Jogo, habitualmente uma das maiores, foi notoriamente mais fraca: quase uma centena de pessoas se juntaram ao protesto, mas da parte da Forefront eram menos de 50. Recorde-se que Lei Kuok Keong, um dos líderes da Forefront of The Macau Gaming, disse ao HM no mês passado que a manifestação do dia 1 de Maio serviria para testar a capacidade de mobilização de membros do grupo. O teste não terá sido muito positivo.
Ieong Man Teng, que afirmou ao HM que “voltou a ser” líder do grupo, sem querer explicar mais, assumiu que “muito menos trabalhadores de Jogo querem sair à rua, porque a economia já não está boa”. Alguns, diz mesmo, “até pediram ao grupo para não se manifestar, por recearem a possibilidade de que o proteste afectasse o seu trabalho”. “As receitas a descer” foi também a justificação encontrada pela Love Macau para a pouca adesão.
A Associação de Empregados das Empresas de Jogo, da FAOM, apelou ao Governo a implementação “de forma efectiva” do Regime de Prevenção e Controlo do Tabagismo, criando um ambiente de trabalho sem fumo, e ainda que resolva o problema de sobreposição de férias anuais com feriados obrigatórios.

Marcha negra contra a Lei

O dia começou com uma marcha lenta de taxistas – cerca de 140 táxis, segundo a organização, e dois motociclos. A polícia fala em cem motoristas.
Organizada pela Federação de Motoristas de Táxi Profissional de Macau, a marcha começou às 10h30 no Centro de Ciência, passou a Ponte Sai Van para dar a volta à Taipa e regressou ao destino: o edifício da Assembleia Legislativa (AL), onde foi entregue uma petição. taxis
O motivo continua a ser o novo Regime de Táxis. Au Iat San, porta-voz do grupo, disse aos média que os manifestantes discordam com as novas medidas apresentadas na alteração do Regulamento do Transporte de Passageiros em Automóveis Ligeiros de Aluguer (ou Táxis), que inclui polícias à paisana e a punição de proprietários de táxis quando os taxistas cometerem ilegalidades, entre outros.
Os manifestantes dizem que o Governo não consultou opiniões do sector e que as regras “não são justas”, porque estão a pagar todos os motoristas por erros que apenas alguns cometeram. Au Iat San diz que a marcha teve como objectivo fazer o Governo perceber a necessidade de ser gerado consenso e só depois implementadas as novas regras.

E os outros…

Nas ruas de Macau no 1º de Maio não faltaram também os pais dos filhos maiores. A Associação da União Familiar manifestou-se a partir do Jardim Triangular, numa marcha que passou pelo Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM onde foi entregue uma carta. O objectivo, que mereceu a entrega e outra carta na Sede do Governo, é sempre o mesmo: a autorização de residência de Macau para os filhos que estão no interior da China.
A Associação de Activismo para a Democracia, liderada por Lee Kin Yun, protestou desde o Jardim do Iao Hon até à Sede do Governo apelando ao combate à corrupção, mais construção de habitação pública, a protecção de trabalhadores locais e o controlo do aumento da inflação.
Além das manifestações que foram marcadas com antecedência, mais de cem proprietários do Pearl Horizon voltaram a manifestar-se. Desta vez, na Praça das Portas do Cerco, onde se sentaram no chão em silêncio solicitando uma reunião com o Governo e a construtora, o Grupo Polytec, para resolver a questão da perda de imóveis pré-comprados por causa da recuperação do lote pelo Executivo. Segundo o canal chinês da Rádio Macau, o presidente da União dos Proprietários do Pearl Horizon, Kou Meng Pok, afirmou que cerca de 200 proprietários que aceitaram a ajuda da empresa para pagar três meses de prestações do imóvel considera que a medida não teve grande efeito, porque a maioria dos proprietários prefere a conclusão da construção do edifício.

Chui Sai On e as assume “mutações complexas”

Pela ocasião do 1º de Maio, Chui Sai On, Chefe do Executivo, assumiu que actualmente Macau vive uma fase de “mutações complexas da conjuntura interna e externa”. “O desenvolvimento da economia mundial regista uma recuperação lenta, sem perspectivas de dinâmica e claridade. A pátria encontra-se na fase crucial da política de abertura e reforma. Perante o novo normal do seu desenvolvimento económico, e considerando a coexistência dos velhos problemas e novos desafios, a pressão do declínio económico tem vindo a ser elevada”, argumentou o Chefe do Executivo, durante um discurso num encontro com a Federação das Associações dos Operários (FAOM).
Chui Sai On explica que é preciso “enfrentar o futuro com o sentido de alerta e espírito prudentemente optimista”, visto que Macau sofre um aumento de “factores de risco e de incerteza”, devido à fase instável da economia do território. “Estamos empenhados na promoção do ajustamento da estrutura económica e da diversificação da estrutura do mercado de emprego para proporcionar aos cidadãos mais oportunidades de emprego. Empenhamo-nos no aperfeiçoamento de legislações complementares relativas às relações de trabalho, na optimização do mecanismo de gestão de importação de trabalhadores não residentes, no combate ao trabalho ilegal, na protecção dos direitos e interesses legais dos trabalhadores, na aceleração da construção de mecanismo eficiente de longo prazo para a educação e na formação de talentos”, garantiu o Chefe do Executivo.

DSAL garante revisão à legislação laboral

Com o mote da comemorações do 1º de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), garantiu, em comunicado, que irá continuar “a acompanhar os trabalhos de produção e revisão legislativa no âmbito laboral”, passando pela recolha das opiniões dos diversos sectores. Mais inspecções preventivas e sessões de esclarecimento estão prometidas pela direcção.

3 Mai 2016

José Drummond, artista plástico : “Macau é um embaraço para os artistas”

Define-se como um existencialista interessado na dualidade entre o visível e o invisível, no amor e na morte, pois “não existe mais nada que valha a pena falar”. Artista e curador, José Drummond foi recentemente convidado a representar Macau no prestigiado Sovereign Asian Art Prize. Uma foto para “construir uma narrativa existencialista” para um artista a quem a única coisa que interessa é “continuar a ter condições para trabalhar”

[dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]ual a história por detrás da imagem escolhida para o Sovereign Asian Art Prize?
“Parachute” faz parte de uma série de fotografias realizadas em Nova Iorque a que dei o nome de “There is no place like it”, frase de Walt Whitman num texto relativo à cidade. Escolhi o parque de diversões de Coney Island para construir uma narrativa existencialista onde, durante o Inverno e com a ausência de corpos humanos, é conferido um sentido único de isolamento e deslocamento, enquanto somos imersos pelas estruturas num desencanto cativante. Depois apeteceu-me trabalhar o efeito cinematográfico “day for night” onde a câmara é alterada na sua leitura de luz. Um efeito muito comum no cinema americano dos anos 50 e 60. Coney Island, um dia considerado “The Greatest Show on Earth” é um espaço que desafia a gravidade. No Inverno é uma paisagem fantasmagórica que reduz o humano à sua própria fragilidade.

Como surgiu a participação no concurso?

O Sovereign Asian Art Prize funciona por nomeação de um curador, não é de público acesso. A fundação nomeia um número de curadores que por seu lado decidem quais os artistas a nomear nas 16 regiões contempladas. Por isso, só a nomeação é um reconhecimento importante. Gary Mok, curador baseado em Pequim com largo conhecimento sobre o que se faz em Macau e Hong Kong, foi quem me nomeou para representar Macau.

Alguma expectativa para o desenlace?
Para dizer a verdade não gasto muito tempo em expectativas. O tempo que tenho gasto-o a trabalhar. Encaro concursos como exposições ou ‘screenings’. Como um veículo importante que confere visibilidade ao trabalho desenvolvido em estúdio. É uma faceta essencial do profissionalismo. Nos últimos anos tornei-me num verdadeiro ‘workaholic’. A experiência em Nova Iorque e Berlim terá contribuído para algum esclarecimento e amadurecimento do meu trabalho. Acredito que tanto a nomeação como a consequente selecção é fruto disso mesmo.

Mesmo não vencendo em que medida pode esta participação mudar o seu panorama?
Não sei bem. Por um lado vou continuar a ser o mesmo, ou seja, vou continuar a trabalhar e a emocionar-me com tudo o que o trabalho envolve e com todas as experimentações que ainda quero tentar. Por outro lado, acredito que os artistas são como esponjas que absorvem água e sabão e, quando se aperta, expelem um fluido com bolhinhas. Quero dizer com isto que obviamente trabalhamos em sequência do que nos acontece na vida, do que vemos, sentimos, etc. Nessa perspectiva, já mudou. A nível de reconhecimento do trabalho é obviamente muito bom estar nesta fase. O resto logo se vê.

"Parachute" foi a obra escolhida para o prémio
“Parachute” foi a obra escolhida para o prémio

E se ganhar?
Isso seria fantástico. Mas não penso nisso. Pés na terra, concentrado nos próximos projectos. O mais importante são os trabalhos. É isso que importa.

Quais os próximos projectos?
Muita coisa em filme. Mas demora tempo. Acabar a edição de algumas coisas. Duas novas séries de fotos que ainda não consegui ter meios para fazer. Depois gostava de conseguir trabalhar em espaço de exposição, uma reunião de disciplinas entre teatro, cenário, música e imagens em movimento. O meu maior problema é investimento. A minha produção actual exige um alto nível de profissionalismo que obriga a um exercício financeiro constante e sem expectativas de reembolso.

Artista a full-time agora? Como se sobrevive dessa forma em Macau?
Não nos fazemos artistas. Ou somos ou não somos. Quando és sabes que és. Não é um hobby. Sobreviver é difícil. Um artista em full-time deve ter uma certa noção comercial que por vezes entra em conflito com aquilo que se pretende da arte. A capacidade de continuar a inovar. A possibilidade de se fazerem coisas só porque sim, sem ter que se considerar que é uma comodidade, um produto adquirível com valor de mercado. Ser artista implica ser perseverante.

Mas está dedicado em full-time? Se sim, qual a vertente comercial que paga as contas?
Não pago as contas. A minha produção é sempre mais. Por isso, aqui e ali tenho de me desenrascar. Macau é um embaraço para os artistas. Com rendas e comida mais cara que Berlim, por exemplo, é impossível viver a full-time da Arte. Um artista precisa de um estúdio para além de um tecto para dormir. Em Macau isso parece impossível. Ou então faz pintura e mesmo assim não dá. Uma coisa é certa. Macau não chega. Ou temos galeria fora, ou fazemos projectos internacionais ou, se estamos à espera que Macau nos compreenda e chegue para pagar as contas, desaparecemos. Descobri entretanto que tenho um espaço de contribuição para o meio através da educação. O workshop que tenho leccionado tem sido bastante apreciado pelos estudantes. É um trabalho complementar como é o de curador. Naturalmente, estas respostas dão lugar a novas perguntas. Por exemplo, porque é que os projectos arquitectónicos de Macau não incluem artistas locais… (risos)

Pegando nisso, que impacto esta participação pode ter e está a ter no meio local?
Pessoalmente espero que sirva de incentivo aos artistas locais para acreditarem no seu trabalho e não terem medo de procurar uma voz única. Acho que há espaço para tudo e arte não tem de ser pintura. Pelo contrário. Quando Macau perceber isso dará um salto grande. Os artistas em Macau parecem-me, por vezes, pouco convictos da possibilidade de terem um trabalho mais contemporâneo.

A que chama um trabalho mais contemporâneo?
Corre-se sempre o risco de ser deselegante quando se fala de colegas ou se critica o meio em que se está. Afinal estamos, de algum modo, todos juntos. Mas faltam coisas em Macau. Nem tudo é representação. Tem de haver algo mais. Acho absolutamente fascinante que aquilo que melhor caracteriza a cultura de Macau seja também a razão da sua pouca importância. Demasiado umbilical. É uma cultura que vive muito fechada sobre si própria e impressionantemente tradicional. Existe medo de arriscar. Existem muitos ‘velhos do restelo’ que não deixam isto andar. Macau vive sempre preocupado com o que se vai dizer. O melhor é não levantar muito a bolinha.

Que o faz ‘correr’?
Não sei fazer mais nada? É mais forte que eu? Estou sempre a pensar em Arte. Sou um dos gajos mais aborrecidos possível. Por isso as namoradas não aguentam (risos). Estou a brincar claro. A falar verdade, no meu caso, o ‘correr’ obriga a um espaço considerável de isolamento e solidão em estúdio, onde ler, questionar, escrever, experimentar alternativas são importantes para tomar decisões. Fazer arte não é uma questão de ter jeito para o desenho. Pelo menos não é assim há pelo menos cem anos. Felizmente, os média com que tenho trabalhado mais, como o vídeo, obrigam a um envolvimento com outras pessoas. Desse modo, sinto que continuo sempre a aprender. A vida é uma aprendizagem contínua. A arte também.

Onde pretende chegar?
Não sei. Os objectivos depois de ultrapassados dão lugar a outros. Para já quero acabar uma série de projectos nos quais tenho andado a trabalhar nos últimos dois anos. Depois logo se vê. Quero continuar a trabalhar.

Que legado imagina um dia deixar?
Não penso nisso e não tenho medo de não vir a ser reconhecido. As coisas são o que são. Vou citar dois nomes que não são referências imediatas minhas mas servem para ilustrar um ponto: Louise Bourgeois, uma das artistas mais importantes dos últimos 50 anos, só foi realmente reconhecida depois dos 70 anos. O Manoel de Oliveira só após o seu segundo filme de ficção, com 63 anos, começou a ser reconhecido. É certo que um viveu até aos 98 e o outro até aos 106. O que pretendo dizer é que o ‘calling’ ou o ‘reconhecimento’ podem aparecer tarde. Precisamos é de capacidade para continuar a trabalhar. É o que eu quero e ter condições para continuar. Se o meu trabalho poder contribuir de algum modo tanto melhor.

Qual a pergunta para a qual mais procura uma resposta?
O meu trabalho é existencialista por natureza. Mas de um existencialismo beckettiano, kafkiano, até freudiano. As minhas duas grandes ‘questões’ são eros e thanatos. Amor e morte. Não existe mais nada que valha a pena falar. É nessa dualidade ‘absurdista’ que o meu trabalho se insere. Há quem já me tenha considerado como um ‘ultra-romântico’ e, nesse sentido, é uma vertente que parece ir no sentido oposto às vertentes actuais, que se focam numa certa frieza. A mim interessa-me o reino da emoção na arte. Não só o de poder representar emoção, como também o de poder causar emoção. Interessam-me certos autores e o meu trabalho está nessa linha de continuidade. Existe um certo sentido teatral que acho ser absolutamente importante para o seu entendimento. Altamente fascinado pelo trabalho de Fassbinder e Bergman, por exemplo. Existem muitas referências, todas no mesmo sentido. Plath, Duras, Pessoa, Sá-Carneiro, Lacan, etc… A máscara. A fragmentação do ser ou a sua multiplicidade. A solidão. A ilusão. A possibilidade ou impossibilidade do amor. O falhanço – “Fail again, fail better”, Beckett dixit. A morte é a única certeza da vida. Interessa-me também a percepção do mundo que cada um de nós tem. A Anaïs Nin disse: “nós não vemos o mundo como ele é, vemo-lo como nós somos”.

Estar em Macau abriu mais ou menos possibilidades para desenvolver o seu trabalho? Porquê?
Chego a esta fase por estar a representar Macau. Mas, por outro lado, existem aspectos do meu trabalho característicos de uma certa fantasia, de uma certa utopia para a qual torna-se necessário que o trabalho seja feito na China. Pelo menos por agora. Existe uma certa noção que envolve um espaço migratório que é essencial. Quero continuar por aqui. Ainda tenho muito sobre o qual quero falar. Além disso, torna-se curioso que esse hipotético ‘exotismo’ do espaço migratório e de confluência de culturas seja visto com interesse por Hong Kong, Pequim, Lisboa, Berlim e Nova Iorque e que Macau pareça, por vezes, ainda não ter realmente percebido, o que me leva muitas vezes a questionar sobre o é que estou aqui a fazer. Aliás, sem ter nada a ver com esta questão, o HM está a publicar um thriller poético/psicológico com esse nome: “Que estamos nós aqui a fazer, tão longe de casa?”

Sim, é verdade. Mas isso espoleta três perguntas: que estamos a fazer, que está a fazer e onde é ‘casa’?
Embora a ‘novela’ semanal até possa dar a ideia de estar a falar de estrangeiros imediatos, na realidade está a falar de uma nova condição, que é esta: o Macau do futuro é um Macau estrangeiro onde todas as pessoas são fruto da emigração em primeira mão ou em segunda, terceira ou quarta geração. Isso já se sente. A ideia de ser de Macau só pode ser isso mesmo. Nesse sentido ninguém é realmente de Macau e somos todos de Macau. Sei que é uma visão polémica, mas este é o maior trunfo da cidade. Esta vocação natural para a multiplicidade de culturas. Acho absolutamente paradigmático que o melhor realizador de cinema de Macau seja português, que os melhores pintores sejam de Xangai e da Rússia e por aí adiante. Para mim, a melhor artista de Macau, na actualidade, é de Sichuan. Pelo meu lado, estou a fazer aquilo que é suposto fazer. Questionar, apontar ideias, contribuir para o mundo em geral. A casa é aqui mas isso não quer dizer que não mude. Estou sempre a viajar.

3 Mai 2016

Os homens do meu país

Carlos André

vêm da raiz do tempo
os homens do meu país
já não sabem
já não lembram
a raiz com sua chama

[…………………..]

foram ossos a arder em piras de chamas que chispam ódio
ódio surdo e cego de lei
que manda que se não diz
que nos homens deste povo
há país e há raiz!
mas na cinza desses ossos
nos restos desses brasidos
crepitam olhos e gritos com ecos na voz do vento:
‘ainda não fomos vencidos!’

sentiram correr nos corpos a seiva do pensamento
tiveram nome de antero de martins ou de queirós
e viram que a voz de dentro
só é viva se for voz
deram tiros
conspiraram no segredo das conjuras
e mataram
e gritaram ao seu povo que era sua a praça pública
que viesse
que estivesse
que dissesse que era gente
e que ser dono de um país
seu
era imperioso
e urgente

acreditaram
na força de sua mão
e ao porem pedra por pedra
nessa nova construção
descobriram que um país
com homens feitos raiz
não é vão

rasgaram em barcos novos os sonhos despedaçados
fincaram olhos num gongo ouvido em nambuangongo
estiveram em bissau
em terras desconhecidas
foram alcântara-partidas
e alcântara-chegadas
e partiam
regressavam
e iam
e não voltavam
combateram sem vontade
contra a vontade dos outros
e mataram
e espancaram
incendiaram queimaram ceifaram e deceparam
deitaram fogo a choupanas
sem saber serem humanas
uns foram voz de metralha
voltaram outros mortalha

ficava a terra viúva
dos homens que ia perdendo
dos homens que iam partindo
rumo ao norte
em busca doutras paragens
outro vento
outras aragens
com a sorte a soprar mais forte
saíram em austerlitz
povoaram champigny
construíram com suor
o futuro de morrer aqui

também ficaram
apodreceram aos poucos nos poços doutras masmorras
perderam o sono
e o sangue
no sol que nunca viam
mas mantiveram de pé a certeza da vontade
doutro sol que acreditavam
com nome de liberdade

uns foram nomes pra sempre
outros pra sempre sem nome
nome de sérgio
de bento
de humberto
de catarina
nas balas doutra metralha
mandada ser assassina
usaram armas
e redes
e martelos
pás
enxadas
terras crestadas de sedes que esperam ver saciadas
e de novo guitarras
e violas
e vozes que valem balas
e esfarrapam as mordaças com que as querem caladas
voz de zeca
voz de graça
de zé gomes
de adriano
palavras que a gente ouvia
sentia
repetia
que a vontade de ser dia
não pode chamar-se engano

foram alvoradas novas
nas ruas
nas avenidas
nos canos das espingardas
empunhadas
por esperanças reacendidas
e floridas

acreditaram possível uma nova construção
e em volta da liberdade
com vontade de querer
apertaram mão com mão

sem estar certos do caminho estão certos de caminhar
e nas veias misturadas
no sangue que ferve fundo
a esperança
a vontade
a certeza
de ser gente
de ser mundo

vêm da raiz do tempo os homens do meu país
sem que saibam
sem que lembrem
têm bem fundo de si a raiz e sua chama

2 Mai 2016

Hospital das Ilhas | Empresa de Chui Sai Peng na fiscalização do projecto

A CAA Planning Engineering foi a empresa local escolhida pela AECOM para a gestão e fiscalização da obra do novo hospital público. O GDI optou por convidar directamente cinco empresas de Hong Kong em detrimento de empresas de Macau

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]empresa do deputado indirecto José Chui Sai Peng foi a escolhida para a gestão e fiscalização da obra do Complexo Hospitalar das Ilhas. O HM sabe que foi a AECOM, empresa de Hong Kong vencedora de uma consulta por convite feita pelo Governo, que escolheu a CAA Planning Engineering para, em conjunto, realizarem o projecto. Além do cargo político que ocupa, José Chui Sai Peng é engenheiro civil e primo do Chefe do Executivo, Chui Sai On. Em Março ficou a saber-se que o serviço tinha sido adjudicado pelo Gabinete de Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI) à AECOM, por um valor de 197 milhões de patacas.
Desde o início que foi intenção do Governo atribuir os trabalhos de gestão e fiscalização a empresas de Hong Kong. Numa resposta ao HM, o GDI confirmou que foram feitos convites directos a mais cinco empresas da região vizinha – a Ove Arup & Partners Hong Kong Ltd, Sweet (China) Limited, EC Harris (Hong Kong) Ltd, Mace Limited e Rider Levett Bucknall Limited, além da AECOM, que se revelou vencedora.
“Foi introduzido, pela primeira vez, o regime de gestão e fiscalização do projecto que visa uma empresa de consultadoria internacional, com experiência em gestão de projectos de obras de grande envergadura e construção de infra-estruturas hospitalares, [para] gerir e fiscalizar a execução do empreendimento”, disse o GDI ao HM numa resposta escrita.
As empresas de Macau teriam, desde o início, um papel secundário no processo. “Tomou-se em consideração também a participação das empresas de Macau, pelo que, no procedimento de escolha do prestador de serviços foram fixados requisitos destinados a exigir a colaboração das entidades convidadas com as empresas de fiscalização do território no serviço de fiscalização”, referiu o GDI.

“Atestado de menoridade”

A Macau Professional Services (MPS), empresa do grupo CESL-Asia, foi uma das concorrentes em dois outros consórcios. Ao HM, o director-geral da empresa, Miguel Campina, alerta para o facto das empresas locais não terem liderado o processo.
“Uma decisão desta natureza é um atestado de menoridade ao mercado local e se as coisas não correrem bem não sabemos a quem pedir responsabilidades. Vejamos o insucesso da fórmula do metro ligeiro: contrataram empresas de fora, custou uma fortuna e o fiasco está à vista de toda a gente”, exemplificou. “Foi uma decisão do Governo e existe sempre a tentação grande de se achar que o que vem de fora é melhor do que aquilo que existe em Macau. Posso dizer que a situação não é linear: há empresas de fora que são capazes e outras que não são capazes e o mesmo acontece em Macau”, disse.
Miguel Campina garantiu que houve “insatisfação” das empresas locais por não participarem de forma mais directa no processo. “Em função de alguma insatisfação expressa por empresas de Macau foi considerado que poderia haver uma associação entre empresas locais e empresas de Hong Kong, no sentido da prestação do serviço poder ser feita em associação. O formato de associação ficaria ao critério dos concorrentes.”
“Penso que haveria sempre possibilidades de encontrar uma solução a nível local, complementado com empresas que viessem de fora. Seria acertado fazer o inverso, solicitar às empresas de Macau que reforçassem as suas capacidades com o recurso a empresas de fora”, rematou o director-geral da MPS.
O HM tentou até ao fecho desta edição obter reacções do GDI e do próprio deputado José Chui Sai Peng, sem sucesso.

2 Mai 2016

Reportagem | Educação Sexual ainda é tabu. Governo deve fazer mais, dizem escolas

Com timidez e sorrisos envergonhados. É assim que as crianças reagem quando se fala em Educação Sexual. De um lado a cultura chinesa, tradicional e mais contida, do outro a ocidental, mais científica e aberta. Por aqui, o Governo tenta, mas as escolas não se mostram satisfeitas. É preciso fazer mais

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]exo, pénis, vagina, pílula e tantos outros conceitos: assim que ditos provocaram uma risada geral na turma do 8º ano da Escola Choi Nong Chi Tai, uma da quais o HM visitou. Batiam as 15h00 quando a assistente social Dora Tam perguntou a uma plateia de 30 alunos, com idades compreendidas entre os 12 e 14 anos, “o que é o amor?”. Fez-se silêncio.
“Os alunos têm muita vergonha em falar sobre este tipo de assunto, amor, sentimentos, educação sexual”, começa por nos explicar. Dora Tam estava acompanhada por outro assistente social. Foram à escola, numa cooperação entre a direcção da mesma e a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), para dar uma palestra sobre o namoro.
A timidez dos alunos era clara. Com risinhos e cabeças a olhar para o lado, a turma não se mostrava activa na participação. “É natural”, justificou.
Para contrariar o problema de inércia que tinha em mãos, Dora Tam propôs um jogo. “Cada um de vocês tem à vossa frente um papel. Nesse papel vão escrever a primeira ideia que vos surge quando pensam na palavra ‘Amor’. Não precisam de colocar o nome. É em anónimo”, tranquilizou.
Foi esta a forma que a assistente social arranjou para que os alunos se conseguissem expressar. “Não é que eles não tenham dúvidas, não é isso. Antes pelo contrário. Eles são muito curiosos, querem saber as coisas, mas têm muita vergonha de perguntar”, acrescentou.

Beija-me, meu amor

Depois dos papéis recolhidos, surgiram conceitos como “honestidade”, “partilha”, “cuidado”, “felicidade”. Houve até quem dissesse que “não tem opinião”. Ainda assim o grande vencedor foi: “beijos”.
“É nestas idades que eles começam a questionarem-se sobre determinados assuntos”, explicou Dora Tam, tentando justificar os resultados.
Depois do jogo chegou a vez das perguntas mais práticas. “Vamos falar sobre sexo. O que é que vocês acham de terem Educação Sexual?”, os risos foram inevitáveis e, com alguma vergonha, ouviu-se lá do fundo “acho bem, devemos saber essas coisas”.
Na outra ponta da sala surge uma aluna a afirmar que as escolas deviam falar mais sobre sexo, mas quando questionada sobre os conhecimentos passados aos meninos e meninas, a aluna não teve dúvidas: “isso deve ser separado, os meninos não têm que saber as coisas das meninas”.
De braço no ar houve quem não concordasse. “É uma coisa normal, acho que devíamos saber todos”, contra argumentou um estudante. Mas o choque aconteceu quando o HM perguntou: “vocês sabiam que há escolas que ensinam todo o processo do ciclo menstrual da mulher, quais os contraceptivos que existem, as doenças sexualmente transmissíveis e até ensinam como colocar um preservativo?” Choque. Bocas abertas de surpresas, mãos na cabeça, risos entre carteiras.
“Acham que todas as escolas deviam ensinar isso?”, perguntámos. A resposta foi maioritariamente “não”.

Fazer melhor

Vong Kuoc Ieng é o actual director da Escola Choi Nong Chi Tai. Trabalha há 35 anos naquele estabelecimento e antes de assumir as actuais funções era professor. A educação sexual não é uma disciplina, começa logo por frisar. “Mas não quer dizer que os alunos não tenham aulas sobre essa matéria.”
O director explica que há uma abordagem ao mundo sexual e sistemas reprodutores em vários anos escolares, começando no ciclo e terminando nos anos de ensino secundário.
Quando questionado sobre o plano lançado pela Direcção para os Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), Vong Kuoc Ieng não tem dúvidas “não chega”. Na lista de exigências das competências académicas básicas que o Governo tornou públicas para orientação das escolas, explica, devia estar contemplada a Educação Sexual.
“Esta é uma escola que se preocupa e quer levar o conhecimento aos alunos. Por isso é que temos esta cooperação com os assistentes sociais. Os professores podem não estar a par e preparados para dar este tipo de formação, então juntamos o conhecimento que têm dos seus alunos ao conhecimento dos assistentes sociais do mundo lá fora, das maiores preocupações da sociedade e dos seus conceitos e fazemos estas actividades”, indicou.
Dora Tam explica-nos que estas crianças, devido aos seus traços culturais, não recebem, numa forma geral, este tipo de ensinamentos dentro do seio familiar. “Por isso não têm um à vontade grande para falar”, registou.

Queremos mais

A concordar com o director está Hamanda Cheong, responsável pelo departamento dos Assuntos Académicos da Escola São José de Brito. “Os materiais cedidos pela DSEJ sobre Educação Sexual não são suficientes. Achamos que deveria haver uma actualização dos materiais. Eles não acompanham os tempos”, explicou.
A disciplina de Educação Sexual não existe, mas as matérias estão incluídas no plano curricular da instituição de ensino, através da disciplina de Educação Moral e Religiosa. A cada final do ano, cada turma teve seis aulas sobre o tema. A escola organiza “palestras e outras actividades” e, tal como acontecia na escola anterior, também esta instituição conta com o apoio de assistentes sociais.
“[Eles] fazem um trabalho complementar muito bom. É que percebem o mundo lá fora e sabem o que as crianças nesta idade querem saber, ou o que elas passam. Sabem quando são as idades em que eles começam a ter relações sexuais. Os assistentes estão melhor preparados para este tipo de situação”, explicou a responsável. ensino escolas centros explicações
Sendo uma escola católica, a base que define as matérias tem conotação e respeita os valores da religião, ainda assim, tal não quer dizer que os docentes, e a própria administração da escola, não esteja cientes do “mundo lá fora”. “Somos católicos e o nosso ensino é com base nos conceitos da religião, mas sabemos, até por causa da internet e não só, que os alunos têm acesso a muita informação. Claro que, apesar de não sermos a favor, explicamos que se deve usar o preservativo por causa das doenças. Explicamos quando é certo a mulher ser mãe e outras coisas. Estamos atentos ao mundo”, indicou.
Relativamente ao interesse dos alunos nas matérias, Hamanda Cheong não esconde a realidade. “Não têm. Não perguntam, não mostram qualquer vontade de fazer perguntas. Mas, como disse, há muitas fontes de informação fora da escola – a televisão, a internet, entre outras coisas. Se calhar o que nós ensinamos [sistema reprodutivo] são coisas que eles não querem saber”, apontou.
Quando se questiona se aquela escola separava meninos de meninas para abordar temas como o ciclo menstrual, a responsável indicou que isso só acontece com uma turma. “Nessa turma nota-se que as meninas têm mais conhecimento do que os meninos e por isso separámo-los”, justificou.

Lados opostos

Parecendo não ter conhecimento do programa de orientação da DSEJ, Laurinda Coimbra, docente e coordenadora do núcleo das Ciências Naturais da Escola Portuguesa de Macau (EPM), conta ao HM que tudo está relacionado com a “simplicidade”.
“O sistema reprodutor é leccionado como qualquer outro sistema, por exemplo, o respiratório. [Os alunos] aprendem e são avaliados como em qualquer outra matéria”, indica.
Com os manuais escolares do 6º e 9º anos, a docente exemplifica alguma da matéria dada: estão lá todas. Os mais pequenos começam com as “alterações ao corpo” dos rapazes e raparigas. “Pêlos púbicos, o aumento dos seios, a alteração da voz, está aqui tudo”, explica enquanto folheia o livro. Tanto o sistema reprodutor masculino, como o feminino são estudados pelos alunos, passando depois para a parte da gravidez e parto.
No 9º ano as matérias para além de mais aprofundadas, são mais abrangentes. “Neste ano voltamos ao sistema de reprodução e estudamos muito ao pormenor. Nomes de determinadas coisas e partes do corpo que não demos no 6ºano, todo o ciclo menstrual da mulher e quais as alterações que acontecem no corpo, qual a composição do espermatozóide, por exemplo. É tudo estudado e avaliado”, conta.
Há ainda uma parte sobre alterações hormonais, gravidez, fases de gestação e amamentação – assunto este que não é mencionado nas escolas chinesas. Depois, explica, há uma atenção especial às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) – antigas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) –, à vacinação contra o cancro do colo do útero e, por fim, aos métodos contraceptivos. “Falamos de todos, como se usam e quais as suas taxas de sucesso”, explica Laurinda Coimbra, indicando que esta parte não é avaliada, mas é sempre mencionada nas aulas.
Questionada sobre o material, e respeitando governos diferentes, a docente indica que “o que não falta é material com informações”. Sobre a timidez dos próprios alunos Laurinda Coimbra afasta a questão.
“Não sinto que os alunos tenham vergonha de fazer perguntas ou de querer saber. Eles fazem perguntas, ainda hoje (esta semana) falámos sobre o vírus do HIV. Eles perguntam e querem saber como é que se apanha, como se manifesta, quantos anos pode demorar até se manifestar. Tudo”, sublinhou.
As diferenças culturais são determinantes no que toca a assuntos que ainda “podem ser vistos como tabu”, indica.

Logo desde pequenino

Mas e os mais novos? Aqueles que nem sequer sabem ler? Numa visita ao Jardim de Infância D. José da Costa Nunes, o HM confirmou que as “crianças mais velhas já fazem perguntas”.
As palavras são da educadora de infância Carmo Pires, que defende aquela que diz ser a melhor técnica: “a simplicidade na abordagem do tema”.
“Não contemplo este tema no meu planeamento para os meninos, mas a verdade é que às vezes surgem questões, de uma forma muito natural, e eu da mesma forma respondo”, explica, sublinhado a importância de não criar mitos e temas tabus nas crianças. “É desde aqui [jardim-de-infância] que se vai preparando as crianças e eu tento sempre usar os termos mais científicos. Há uma tendência para ensinar as crianças a dizer ‘pilinha’ e ‘pipi’, eu dou-lhe os nomes que têm – ‘pénis’ e ‘vagina’. Eles riem, outros não, mas compreendem. Aqui o ensino é diferente, mas os conceitos de como é que nascem os bebés, por exemplo, são explicados correspondendo à realidade. Não existe a cegonha. Não”, indica.
A diferença cultural não se pode negar. Da sua experiência os alunos com educação chinesa são mais tímidos quando ao assunto. Riem-se e não fazem muitas perguntas, mas se lhes for mostrada a simplicidade do tema, diz, desmistifica-se o “tabu”. Carmo Pires acredita que esse é o caminho e que Macau está a começar a dar os primeiros passos nesse percurso. Tal como um bebé.

Manual de ensino publicado pela DSEJ
 Escola primária:
– Aceitar e respeitar as alterações físicas
– Sistema Reprodutivo: conceitos
– Processos de fecundação
– Filhos são a cristalização do amor dos pais
– Prevenir abuso do corpo
Até ao sexto ano
– Sistema reprodutivo: conceitos e funções
– Puberdade
– Informações na internet
– Prevenção do abuso e assédio sexual
– Consequências do sexo inseguro
– SIDA
Sétimo e oitavo ano
– Conflitos familiares
– Vantagens das relações com pessoas de outro género
– Comportamentos para rejeitar relações sexuais antes do matrimónio
– Doenças sexualmente transmissíveis
Ensino Secundário
– Técnicas de auto-defesa para prevenir violação sexual
– Respeitar a homossexualidade
– Contraceptivos
– Responsabilidade dos comportamentos sexuais antes do matrimónio

2 Mai 2016

Lei de Rendas | AAM vai entregar parecer jurídico

Muitas são as questões que andam à volta da proposta de Lei de Alteração do Regime Jurídico do Arrendamento previsto no Código Civil. Depois de ter sido avançada a proposta de estabelecer um limite máximo de 30% para a actualização da renda, eis que Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), disse que essa ideia “não faz sentido”.
“Não é um critério que tenha a ver com a taxa de juros. A primeira coisa é decidir se o mercado é ou não livre, porque a renda não pode ser aumentada mais do que x por cento não leva a lado nenhum. Quando os contratos podem ter uma duração limitada, o senhorio quer aumentar o inquilino, se este não aceitar, o inquilino vai para a rua. Quando vem outro inquilino faz uma renda nova, não aumenta a renda”, disse em declarações à Rádio Macau.
Até ao momento a AAM nunca entregou um parecer jurídico sobre o assunto e Cheang Chi Keong, presidente da Comissão que analisa o diploma, disse que tal não era obrigatório. Mas Neto Valente prometeu a entrega de opiniões antes da implementação da lei.

Das omissões

O deputado Gabriel Tong, um dos proponentes da lei, foi um dos que admitiu à Rádio Macau que defendeu o limite com base na cobrança dos juros e que esta ideia pode ter sido uma “hipótese falhada”. Questionada ontem sobre o assunto, a deputada Kwan Tsui Hang, outra das proponentes do diploma, escusou-se a dizer o nome do autor da proposta. Também não disse se concorda com o estabelecimento de um limite de 30%.
“Esta é uma solução que eles avançaram para resolver o problema do arrendamento, para definir um tecto. Se esse tecto é razoável isso ainda está a ser discutido. Não estou em condições para comentar”, disse à margem da Comissão sobre a Lei do Congelamento de Bens.
À TDM, o deputado Leonel Alves disse que não fez qualquer proposta neste sentido, tendo afirmado ainda desconhecer o parecer noticiado pelo HM. O HM sabe que o parecer que fala de “pressões” que este diploma coloca na Lei Básica foi discutido numa normal reunião da 3.ª Comissão Permanente, na qual nem todos os proponentes estiveram presentes. Cheang Chi Keong, presidente dessa Comissão, afirmou esta semana que não tem qualquer conhecimento do documento.

2 Mai 2016

Congelamento de Bens | Análise do diploma quase concluída

A deputada Kwan Tsui Hang garantiu que bastam mais duas a três reuniões para concluir a análise na especialidade da proposta de Lei de Execução do Congelamento de Bens

Deputados e Governo parecem estar prontos para receber a avaliação externa quanto ao combate ao financiamento do terrorismo. Isto porque a proposta de lei do Regime de Execução do Congelamento de Bens deverá estar quase concluída, muito antes de Agosto, data em que os peritos internacionais vão visitar o território para uma avaliação.
“Penso que duas a três reuniões serão suficientes para concluir a proposta de lei, a não ser que surjam algumas questões polémicas”, disse Kwan Tsui Hang, que preside à 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL).
A reunião de ontem voltou a debruçar-se sobre a questão do congelamento e quais os bens que serão sujeitos a essa medida. Kwan Tsui Hang explicou que mesmo que os bens não estejam em nome do suspeito de financiamento de actividades terroristas poderão ser alvo de congelamento.
“As pessoas que estão relacionadas com os indivíduos designados ao congelamento, os seus cônjuges ou sócios de uma empresa não vão ter os seus bens congelados. Quando se trata de controlo directo então esse bem vai ser congelado. Quando há possibilidade de um bem ser controlado pelo suspeito, mesmo que esses bens não estejam em nome dessa pessoa, também vão ser congelados”, disse a deputada.
Kwan Tsui Hang explicou que caso se trate de um casal em regime de comunhão de bens pode ser feito um pedido de separação, mas antes os bens serão automaticamente congelados. “O suspeito que não está ligado a actos de terrorismo pode pedir a separação de bens.”

Critérios de fora

Garantindo que o Governo optou por se basear por inteiro nas directrizes da ONU para a elaboração do diploma, sem qualquer adaptação à realidade local, a deputada referiu que todos os membros da Comissão Coordenadora do Regime de Congelamento vão ter que trabalhar ao mesmo tempo.
“Há órgãos judiciais que vão fazer investigação, conservatórias vão comunicar e os responsáveis pela publicação da decisão do congelamento dos bens vão ter de trabalhar em simultâneo. Esta comissão coordenadora tem a função de divulgar a tomada de decisão do congelamento e dar conhecimento a todos os serviços envolvidos para que haja uma actuação imediata. Só os serviços directamente ligados ao congelamento é que estão na Comissão”, rematou Kwan Tsui Hang.

2 Mai 2016

Zheng Anting quer Governo a promover consumo nos bairros antigos

O deputado Zheng Anting questionou o Governo sobre o futuro do desenvolvimento da economia dos bairros comunitários, assim como quais as medidas que a Administração prevê lançar para promover o consumo nestas zonas.
Na argumentação, o deputado lembrou a queda económica que se fez sentir no território, assim como a quebra de turistas, principalmente nos bairros antigos. Os negócios, explicou ainda, são cada vez mais difíceis para os comerciantes destes bairros e, por isso, muitas lojas tradicionais foram obrigadas a fechar, “levando ao desaparecimento da história de Macau”.
Perante tal cenário, o deputado gostaria de saber quais são os planos para desenvolver a economia destes bairros. Zheng Anting relembrou as palavras do Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, que indicou que a diversificação económica também passa por estes bairros.
“Se o Governo quer apostar na diversificação através destes bairros, então como é que vai conseguir manter a calma e a tranquilidade para os moradores nas casas lá situadas?”, indagou ainda o deputado. É preciso, apontou, encontrar um equilíbrio.
O também membro da Associação dos Conterrâneos de Kong Mun de Macau relembrou ainda que o grupo de estudo para a economia comunitária, gerido pelo Conselho para o Desenvolvimento Económico, iria elaborar um sistema interdepartamental de comunicação e cooperação. Quer saber se isso já aconteceu, questionou.

2 Mai 2016

CPP | Rita Santos é a cara do Conselho Regional na Ásia e Oceânia

A Conselheira Rita Santos foi eleita presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Ásia e Oceânia. O cargo, com duração de um ano, abrange três pastas. Armando de Jesus também está encarregue de várias matérias

[dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ita Santos, do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), foi ontem eleita presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Ásia e Oceânia, cargo definido pela última revisão à legislação do CCP. Os resultados foram conhecidos em reunião de plenário na Assembleia da República (AR) portuguesa e o cargo engloba a China, Austrália, Índia, Tailândia, Japão e Coreia do Sul.
Em comunicado à imprensa, o gabinete dos Conselheiros José Pereira Coutinho, Rita Santos e Armando de Jesus, explica que a nova presidente terá a seu cargo a coordenação e o acompanhamento dos Conselheiros eleitos para três grupos de trabalho: a pasta sócio-económica e dos fluxos migratórios, a pasta do ensino da Língua Portuguesa no estrangeiro, da cultura, do associativismo e da comunicação social e, por fim, a pasta das questões consulares e da participação cívica e política. A eventual candidatura à presidente do CCP é, assim, descartada por Rita Santos. rita santos ccp
“Não me candidatei para o cargo de Presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas porque prefiro dedicar mais tempo aos assuntos da Ásia e Oceânia. Por questões geográficas é mais fácil para mim a coordenação dos trabalhos, assim como todos os assuntos relativos às questões sociais e económicas, ensino do Português, da cultura, do associativismo, da comunicação social e das questões consulares e da participação cívica e política. Também preciso de dedicar-me aos trabalhos rotineiros da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, do atendimento aos sócios e apoio aos dois deputados [Pereira Coutinho e Leong Veng Chai]”, explicou Rita Santos ao HM.

Marcelo convidado

Durante o mesmo plenário, que aconteceu na passada quarta-feira, o Conselheiro Armando de Jesus foi eleito para tratar das questões sociais e económicas e dos fluxos migratórios.
No documento, os Conselheiros explicam ainda que, na ocasião, aproveitaram para convidar o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para visitar Macau. “O Presidente respondeu positivamente”, frisam, indicando que o líder do Governo português tem Macau na sua agenda eleitoral. O dia 10 de Junho, indicou, será ainda marcado em Paris.
As reuniões do Conselho Permanente dos CCP terminaram ontem, com uma sessão de enceramento presidida pelo presidente da AR, Ferro Rodrigues.

2 Mai 2016

Pensões Ilegais| Angela Leong sugere combate com prémios

Angela Leong sugeriu ao Governo a criação um mecanismo de prémio para quem denunciar a operação de pensões ilegais, como forma de combater totalmente a ilegalidades. Depois de várias fracções do Edifício de Habitação Pública do Lago terem surgido na internet para alugar como acomodação, a deputada lançou um comunicado apelando ao Governo para melhorar os trabalhos de combate contra as pensões ilegais.
Angela Leong, também directora-executiva da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), lembrou que o objectivo de lançar a habitação pública é ajudar as famílias cuja receita é muito baixa e têm necessidades habitacionais. A deputada considera que a sociedade desconfia do rigor das medidas lançadas pelo Governo.
Como o HM avançou ontem, os deputados voltaram atrás na intenção de criminalizar a actividade de pensões ilegais, ainda que tenham passado anos a discutir o assunto. Muito por causa da falta de recursos humanos, dizem, da PSP, que iria ficar a cargo da execução da lei – actualmente é a Direcção dos Serviços de Turismo e as sanções não passam de multas que, geralmente, não são pagas.
“De acordo com os casos encontrados, muitas pensões ilegais estão escondidas em edifícios habitacionais, agora com a descoberta destas no edifício do Lago é óbvio que a fiscalização do Governo tem de melhorar ”, sublinhou a deputada, que também já viu dois apartamentos em seu nome serem utilizados como pensões ilegais. Na altura, Leong disse que arrendava os espaços, na Praia Grande, e que tinha sido uma vítima do problema.
A deputada sugere que o Governo crie um mecanismo de prémio para quem denuncie a operação de pensões ilegais, para que as ilegalidades passem a estar mais visíveis para o combate.

2 Mai 2016

Taipa | Habitação e comércio ao lado do Jockey Club

Faziam parte dos lotes a não ser recuperados pelo Governo por culpas imputáveis à Administração, mas estão finalmente a ser desenvolvidos. Habitação, comércio e equipamentos sociais vão nascer ao lado do Jockey Club, num lote da empresa

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]orres de habitação, comércio e estacionamento e equipamentos sociais. São estas as novas infra-estruturas que estão a ser desenvolvidas em lotes adjacentes ao Jockey Club, junto à Estrada Governador Albano de Oliveira na Taipa. O terreno ainda esteve na lista das concessões caducadas por falta de aproveitamento, mas o Governo voltou atrás por considerar que o atraso não era imputável ao concessionário.
De acordo com informações fornecidas pela Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) ao HM, “o prazo de aproveitamento está válido até 24 de Novembro de 2017”. O terreno – com um total de 404,094 metros quadrados – foi concedido por arrendamento à Companhia de Corridas de Cavalos, mas em 1998 foi aprovado um pedido da empresa de Stanley Ho para a desistência de parcelas a favor da Companhia de Investimento Jockey Lda, também administrada na altura pelo magnata do Jogo e por Ambrose So.. Assim, 14.311 metros quadrados do total do terreno foram separados – destes, 13.504 foram entregues à empresa e o restante foi entregue à Administração para integração no domínio público.

Em andamento

No local, onde a construção está já avançada conforme o HM testemunhou, vão nascer quatro torres de habitação, com estacionamento, espaços comerciais e equipamento social. Um despacho do Boletim Oficial, cujo número foi fornecido ao HM pela DSSOPT, revela estas informações e indica ainda que a desanexação foi aprovada “após um longo processo negocial” com o Governo.
O prazo de aproveitamento seriam 42 meses após a sua publicação, em Agosto de 1998. Este ano, o Executivo chegou a colocar os lotes numa lista de terrenos a recuperar devido à sua caducidade sem aproveitamento do terreno. Contudo, o lote integrou a lista dos 16 terrenos a não ser recuperados pelo Executivo por culpas imputáveis ao próprio Governo. “O atraso foi da Administração relativo aos pedidos do concessionário.” Na licença de obra atribuída pelo Executivo, cujo processo – de acordo com o site da DSSOPT – começou em 1992, pode ver-se que a autorização para a obra é de 2015. O edifício não tem nome em Português ou Inglês, sendo conhecido como “星玥”.

Terrenos de Stanley Ho em tribunal

O Executivo ainda não sabe o que vai fazer com os terrenos recuperados recentemente na Avenida de Kwong Tung, na Taipa, entre os edifícios Nam San e Nova Taipa. Isto porque, como frisou a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) ao HM, “ainda estão a decorrer os respectivos processos judiciais”. Os lotes eram de Stanley Ho, que os transmitiu para cinco sociedades diferentes. Os prazos de aproveitamento do local, onde iriam nascer dezenas de edifícios de habitação, expiraram em Outubro de 2014 e Raimundo do Rosário deu, este ano, ordem de recuperação do lote. O local ainda está ocupado com construções precárias e, ainda que tenham sido feitas algumas construções de equipamentos sociais no espaço adjacente aos terrenos, o Executivo não tomou qualquer decisão sobre o caso. “Depois de se recuperarem com sucesso os terrenos, vamos divulgar as finalidades em termos de planeamento a que se destinam”, indicou a DSSOPT.

2 Mai 2016

Templo de A-Má | Pavilhão principal poderá reabrir em Outubro

A Associação do Templo de A-Má afirmou ontem que o pavilhão principal que foi alvo de um incêndio recentemente poderá reabrir em Outubro deste ano.
Segundo o Jornal Cheng Pou, a Associação do Templo de A-Má admitiu que os trabalhos de reparação decorrem “devagar” porque estão à espera de fiscalizações in loco do Instituto Cultural (IC) e do Corpo de Bombeiros (CB), que vão permitir verificar se houve algum problema de estrutura. A Associação diz que a proposta concreta de reparação só pode ser dada a conhecer depois da conclusão desses testes.
O pavilhão principal do Templo sofreu um incêndio em Fevereiro, durante o Ano Novo Chinês, sendo que os artigos de madeira colocados no interior do pavilhão, como o altar, a mesa para o incenso e o painel em madeira foram danificados “gravemente”.  No entanto, a Associação assegura que, logo que o Governo defina a proposta de reparação, a obra pode ser concluída em dois a três meses, pelo que espera que o pavilhão possa ser aberto ao público em Outubro deste ano.  
A Associação disse ainda que os novos materiais a ser usados na obra servirão para a prevenção de incêndios para diminuir a possibilidade de ocorrência de mais incidentes deste tipo. O IC já disse que vai ser a Associação a responsável pelo pagamento das obras.

2 Mai 2016

Casas de Penhores | Associação exclui penhorista que desviou dinheiro

A Associação Geral dos Penhoristas de Macau pediu desculpa pelo “mau comportamento” de um dos novos membros da Associação, proprietário de uma das casas de penhores envolvidas no mais recente caso de alegada burla. Num comunicado à população, a Associação criticou o método de negócio – de depósito de dinheiro a juros – e explicou que expulsou o membro do grupo. Para além do comunicado a Associação não quer prestar mais declarações.
A notícia surgiu através de um comunicado da Polícia Judiciária (PJ) que diz ter recebido mais de 40 denúncias que dizem respeito a uma burla perpetrada por quatro casas de penhores, na zona da ZAPE. Com juros a 12% ao ano, o montante envolvido ultrapassa os 57 milhões de dólares de Hong Kong.
O comunicado da Associação, publicado no Jornal Ou Mun, indica que o proprietário de uma das casas – há dois envolvidos, mas apenas um é membro – “investiu de forma fraudulenta o capital num outro sector de alto risco”. Sem especificar qual, assume-se que sejam salas VIP. Contudo, refere, a burla foi descoberta.
“A falha nos negócios deve ser da responsabilidade do próprio investidor, mas neste caso ele pediu dinheiro emprestado a familiares e amigos do sector. Isto levou a que, com o fecho dos negócios, muitas pessoas fossem prejudicadas”, pode ler-se.

Tabu de penhores

A Associação recusou-se ainda a responder ao HM se há mais casas de penhores a agir incorrectamente. Também um funcionário de uma casa de penhores na mesma zona foi contactado, mas recusou-se a prestar qualquer declaração.
Por unanimidade, o membro foi expulso da Associação, assim como o registo das suas casas de penhores. A Associação explica que todos os membros devem ter os seus negócios e realizar os seus investimentos “conforme as suas capacidades”, sendo que não é correcto pedir “capital a pessoas fora do sector”.
“A nossa Associação não concorda com a angariação de capital através de altas taxas de juro. A responsabilidade, confiança e estabilidade são a natureza essencial dos penhoristas. Pedimos desculpa pelo fecho destas casas de penhores que veio trazer uma má imagem à nossa sociedade”, remata a Associação.
Os dois proprietários estão em fuga, depois de terem fechado as portas de quatro casas de penhores e não terem devolvido o dinheiro aos residentes que lá “depositaram” dinheiro. Estão também incontactáveis.

2 Mai 2016

Lei reguladora das ONG estrangeiras aprovada

A Assembleia Nacional Popular aprovou ontem a lei que regula o trabalho das Organizações Não Governamentais (ONG) estrangeiras a actuar no país, e que poderá pôr em causa a sua manutenção no continente.
Apesar das duras críticas da União Europeia e dos Estados Unidos da América, foi aprovada com 147 votos a favor e um contra.
O texto ainda não foi publicado, mas a proposta de lei, avançada pela agência oficial Xinhua no início desta semana, previa que o trabalho das ONG passe a estar dependente da aprovação da polícia.
Englobadas neste regime estão as instituições de caridade, associações empresariais, instituições académicas e outras organizações estrangeiras a actuar na China que serão obrigadas a trabalhar em parceria com agências controladas pelo Governo chinês.
O projecto de lei outorgava poderes à polícia para interrogar o director ou representante de uma ONG a “qualquer momento” e estipulava que as autoridades possam interromper qualquer actividade que coloque em perigo a segurança nacional.
Segundo a Xinhua, o mesmo documento apontava a criação de uma “lista negra” das ONG que “incitem à subversão” ou “separatismo”, prevendo a proibição de operarem no país.

Ligações perigosas

Segundo dados oficiais, existem cerca de 7.000 ONG estrangeiras a operar no país, em áreas tão diversas como o meio ambiente, ciências, educações ou cultura.
Nos últimos anos, a imprensa estatal chinesa tem acusado as ONG estrangeiras de ameaçar a segurança nacional ou tentar desencadear uma “revolução colorida” contra o Partido Comunista Chinês.
Em Janeiro passado, as autoridades chinesas detiveram e deportaram um activista sueco, co-fundador da ONG China Action, que oferecia assistência jurídica a advogados que recorriam ao sistema judicial chinês para tentar punir abusos das autoridades.
Desde que o actual Presidente chinês, Xi Jinping, ascendeu ao poder, no final de 2012, o número de presos políticos na China quase triplicou, enquanto o controlo sobre a sociedade civil tornou-se ainda mais apertado

2 Mai 2016

Pequim “não permitirá deterioração da segurança na península coreana”

O Presidente chinês não quer ver a península coreana transformar-se num cenário de guerra e pede calma às partes. Mantém-se firme na implementação das sanções da ONU, quer ver a península desnuclearizada mas desconfia dos mísseis americanos. E volta a garantir que o Mar do Sul… é da China

O Presidente chinês, Xi Jinping, assegurou ontem que o seu país “não permitirá a deterioração da segurança na península coreana”, após as últimas provocações de Pyongyang, e instou todas as partes “a manter a calma”.
Xi, que falava durante a inauguração em Pequim do quinto fórum ministerial da Conferência para as Medidas de Interacção e Construção da Confiança na Ásia (CICA), apelou ainda a um “regresso à mesa de negociações”.
A China está “comprometida com a paz e a segurança na península coreana”, afirmou Xi, acrescentando que Pequim não permitirá que a região “mergulhe na guerra e no caos”.
A Coreia do Sul prevê que a Coreia do Norte faça o seu quinto teste nuclear nos próximos dias. Os anteriores ocorreram em 2006, 2009, 2013 e Janeiro de 2016.
Xi Jinping garantiu que a China implementou “plena e absolutamente” as sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU contra a Coreia do Norte, após o teste nuclear de Janeiro, seguido de um ensaio encoberto de mísseis balísticos.
As sanções incluem a inspecção obrigatória dos carregamentos para o país, a restrição nas exportações de materiais, o embargo ao comércio de armas ligeiras e a proibição de venda de combustível aeroespacial.

Desconfiar dos americanos

A China é o aliado mais importante da Coreia do Norte e é responsável por 90% do comércio externo daquele país. Até há pouco tempo, as relações entre Pequim e Pyongyang eram descritas como “unha com carne”.
Xi afirmou que a China promoverá a desnuclearização da península “através do diálogo e das consultas”, enquanto Pequim se opõe a sanções unilaterais impostas pela Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão.
Outra preocupação da China diz respeito à instalação do sistema antimísseis norte-americano THAAD na península coreana, que acusa de ter como verdadeiro alvo o país.
Xi reiterou a sua “visão de segurança para a Ásia”, insistindo que os problemas da região “devem ser resolvidos entre os asiáticos”, numa crítica velada à interferência dos Estados Unidos da América, que nos últimos anos reforçaram a presença militar na região.

Mare Nostrum

O Presidente chinês referiu-se ainda às disputas territoriais que a China mantém com outros países no Mar do Sul da China, defendendo que “devem ser resolvidas através de negociações com os países envolvidos”.
Xi defendeu a postura da China, independentemente da decisão do Tribunal Internacional de Haia, que aceitou mediar o caso a pedido das Filipinas, que disputa a soberania de várias ilhas com o Continente.
Pequim reclama a soberania de quase todo o Mar do Sul da China. Nos últimos meses, construiu ilhas artificiais capazes de receber instalações militares em recifes disputados, total ou parcialmente, pelas Filipinas, Vietname, Taiwan, Malásia e Brunei.
Estabelecida em 1992, a CICA dedica-se à segurança regional e conta actualmente com 26 países membros da Ásia e sete Estados observadores, entre os quais os EUA e o Japão.

2 Mai 2016

Catarina Cortesão Terra e Tomé Quadros: “Há uma identidade própria de Macau através do cinema”

Catarina Cortesão Terra e Tomé Quadros dão voz e imagem à identidade de Macau e “Tempo de Bambu” não é excepção. Uum trabalho que vai ao que nunca foi escrito e que pretende eternizar uma já quase memória num filme, que passa no Festival de Cinema e Vídeo de Macau a 13 de Maio, no CCM, às 21h30

[dropcap]A[/dropcap] Catarina vem do Direito. Como é que apareceu a realização na sua vida?
O Direito sempre foi uma paixão e sempre gostei muito da parte jurídica ligada à reflexão e ao diálogo do pensamento. O Direito baseia-se sempre em vários pontos de vista e é necessário perceber as suas ligações e encontrar uma solução justa, tendo em conta também a sociedade em que se está integrado, os seus valores e as suas regras, deveres e garantias. Esta passagem para o cinema em termos de pensamento é um bocadinho parecida.

E porquê a opção pelo documentário?
O documentário também acaba por aparecer na minha vida por esse interesse e essa reflexão social que me caracteriza desde a adolescência, a partir do momento em que despertei para todas as questões da sociedade e dos espaços urbanos e históricos. Estudei em Coimbra onde havia uma reflexão diária acerca da cidade e do seu património. Depois vim para Macau e essa reflexão continuou, agora também relativa ao desaparecimento de algum património inicial com que eu identificava Macau. Queria procurar formas de dialogar com essa memória e apontar soluções contemporâneas à sociedade que ia surgindo, porque eu própria também ia mudando. Constitui família, desenvolvi a minha própria profissão e isso também se reflecte no olhar que uma pessoa tem sobre a própria cidade. Em Coimbra também já tinha uma actividade associativa muito grande em que estava ligada ao teatro e à fotografia, portanto já estava ligada ao cinema. Isso sempre fez parte da minha vida.

Esta associação com o Tomé Quadros tem sido uma constante em todos os filmes que tem feito. Como é que apareceu e o que é que a mantém?

TQ – Em primeiro lugar surgiu de uma vontade comum relativamente à fotografia e ao cinema em particular. Surgiu a vontade de fazer cinema e tínhamos ideias muito próximas. Em segundo lugar, em 2008 o Centro Cultural de Macau lança a primeira iniciativa de financiamento na área e decidimos concorrer porque tínhamos uma ideia muito forte ligada à questão da identidade de Macau, que se tem desenvolvido ao longo deste tempo. Se repararmos, a questão da identidade de Macau está sempre presente no nosso trabalho.

É uma constante…
TQ – Ao início, com [o nosso primeiro documentário] “Music Box”, era a questão da música. De que forma é possível cartografar Macau, as suas gentes e comunidades e a forma como elas se expressam ou não. Isto através da música e da sua tipicidade. Em segundo lugar foi o “Chá Gordo”, através do qual conseguimos ver as diferentes camadas da viagem que foi feita de Portugal e que passou por Macau através da mesa. Conseguimos ter um mapa mundo das descobertas através dos ingredientes e da apropriação das cozinhas portuguesas e chinesas e por aí fora. Agora é a questão do bambu, sendo que é um projecto essencialmente concebido pela Catarina, mas em que ambos temos abordagens idênticas. Introduzimos características da ficção no documentário. Os entrevistados são como se de personagens se tratasse que depois conduzem o espectador ao longo da narrativa.

O documentário como forma de alerta para o desaparecimento da identidade de Macau e, neste caso, do bambu? O que nos diz “ O Tempo do Bambu”?
CCT– Não gostamos de criar aquele argumento escrito em que depois vamos colando imagens. Para nós, o documentário é uma concepção dialógica entre todas as personagens que o constituem. Esta reflexão que fazemos sobre o ofício do bambu é integrada nesta travessia galopante da urbanização de Macau, neste crescimento em que se interroga se o ofício do bambu tem lugar numa sociedade contemporânea e, se o tem, como é que isso está a acontecer agora. Resolvemos fazer uma radiografia entre todos os intervenientes que se interligam e trabalham juntos. Por um lado temos as estruturas como se de personagens se tratasse, como o pavilhão de Á-Ma. Já abordámos o Pak Tai e o Tou Tei. Ainda estamos a trabalhar no de Coloane que é o maior.

Como é feito este caminho por um ofício já tão raro?
CCT – Partimos destas figuras que são estes pavilhões e depois os seus mestres. Os mestres locais já são muito poucos. Contactamos com mestre Chio, responsável pela estrutura de Á-Ma, o mestre Leong de Coloane e depois o mestre Chan que é o responsável das grandes obras provisórias do Cotai. Isto num diálogo com os arquitectos que já trabalharam, e ainda o fazem, com o bambu como é o caso de Carlos Marreiros, Carlos Couto, etc. Tentamos ao mesmo tempo perceber como é que o bambu, numa linguagem contemporânea, se poderia adaptar ao futuro. Numa continuidade do seu uso tradicional mas também em estruturas actuais, em instalação, por exemplo. Falámos com o João Ó e a Rita Machado que viram nisto o seu nicho de mercado, ou mesmo com Kristoff Crolla que agora está em Hong Kong a usar o bambu em estruturas provisórias.

O vosso trabalho vai buscar a memória, quase num alerta da possibilidade do desaparecimento. Querem ir além do registo da memória? Querem intervir na preservação e transformação?
CCT – A nossa abordagem parte sempre da nossa observação da cidade, não como “voyeurs”, mas como participantes que sentem a responsabilidade de acrescentar alguma coisa à cidade a que pertencem. Queremos de alguma forma ajudar, porque também temos essa vontade de permitir a continuidade. Como agentes que somos, sabemos que o crescimento é muito rápido e que as coisas aparecem e desaparecem de uma forma quase invisível. Sempre que fazemos um documentário, costumamos colocar várias questões e ir à procura das respostas para as mesmas. Sentimos também necessidade de apontar soluções. Não é meramente contemplativo, é também uma observação criativa e construtiva mas que não parte de nós como realizadores, mas sim dos próprios intervenientes. Ao serem solicitados para participar nesta reflexão é uma forma de apontarem soluções para a mesma, sendo eles as personagens principais que lidam directamente com o bambu. Já no “Chá Gordo” fizemos isso com a própria comunidade macaense: pusemos a própria comunidade a pensar em “então e isto vai acabar? A identidade macaense vai durar? O que é que é a identidade macaense? Isto a partir da comida [que tinha] a história da comunidade macaense que é a história dos 400 anos do crescimento desta comunidade. Aqui é a história de 200 anos do ofício do bambu.

TQ – Ao estarmos a falar de identidade estamos realmente a falar de memória e este é um trabalho da memória dentro da sua memória. A memória vista como futura é algo que corresponde ao passado e o presente é algo que corresponde ao futuro. Acontece na construção da memória de Macau. Devido a este crescimento tão esmagador quanto invisível, uma pessoa acaba por não o sentir. Mas esse desaparecimento acaba, segundo dizem, entre cinco e 10 anos e é algo que não vemos mas é verdade. Por isso este documentário é algo que no fundo é um cancioneiro de um conhecimento que tem passado de mão em mão, de geração em geração que não se encontra escrito.

Estamos a falar de um conhecimento que não se encontra registado…
TQ – Não. Os personagens dos nossos documentários também não trabalham a partir de um registo escrito, trabalham a partir de uma memória visual. Não há ciência. Tal como em todos os documentários que fizemos não há ciência escrita.

CCT- Na sociedade macaense há muito pouca coisa escrita. Por exemplo os livros de receitas não saem da família, não passam, não se partilham. A história do bambu também é um pouco isso. Começamos a notar que o uso do bambu estava a começar a ser substituído em Macau, que era cada vez menor. Quisemos investigar o bambu e não encontramos nada escrito, nada científico. O material não é analisado. É associado a um material pobre, de estrutura provisória, não é um material nobre. Uma arquitectura popular.

Este documentário apresentou vários desafios. O que ficou e como os ultrapassaram? Qual a receptividade dos mestres da terra?
CCT – A aproximação foi difícil. Houve uma certa desconfiança, olharam inicialmente para nós com a expressão do género “mas porque é que vocês têm interesse nisto? Vocês nem são de cá.” Tivemos que abordar muitas vezes mesmo com intérprete, porque só falam Chinês. Devido ao analfabetismo não há escrita e o próprio Chinês é um pouco rudimentar. O mais interessante foi que, dada a nossa insistência, conseguimos transmitir a nossa paixão e eles foram confiando. A partir desse momento houve uma abertura total. Foram simpatiquíssimos. Também os abordámos em várias facetas. Não só no seu trabalho, como no seu espaço de lazer, a nível pessoal em que partilhámos refeições. Outro aspecto foi o facto de os termos posto em contacto com outros mestres. Acabou por ser muito gratificante e eles já começam a ter a sensibilidade de que o bambu pode ter outra vertente e poder ser associada a contemporaneidade, criatividade e à imaginação. Que não é meramente mecânico e funcional e que pode ter um função contemplativa através de um conceito que eles entendem que é o de “belo”.

Em suma, Macau tem sido efectivamente a fonte de toda a vossa inspiração e caminho.
CCT – O meu tema é realmente sempre o mesmo. Ando sempre a reflectir nesta cidade e nos seus paradigmas. Somos curiosos e acabamos por estar muito atentos ao que vai acontecendo à nossa volta. O obstáculo linguístico, o ser outra comunidade com outros valores. Todos fazemos parte de uma só humanidade que convém ser partilhada e o nosso trabalho passa por aí. Partilhar o nosso conhecimento através de uma experiência visual é algo que sempre me fascinou.

TQ – É uma cidade que tem muitas camadas. Pode parecer um lugar comum mas é verdade. Tem muitas camadas e tem várias cidades dentro do mesmo território. No entanto não estão propriamente entrecruzadas. Coabitam e depois surgem as tais camadas. Ainda há muito por descobrir. É como o guardador de memórias, todos sabemos que em 2049 o território terá outra configuração formal, que, naturalmente, já está a ser construída. Assim sendo acho que se torna ainda mais pertinente este papel activo através do cinema.

Como olham para o futuro de Macau?
CCT – Macau tem características próprias e uma coisa que estou assistir hoje em dia é essa “achinecização” de Macau. Aquilo a que chamamos de mosaico humano em Macau, com a toda a diversidade histórico-cultural, pode estar a ser homogeneizado. É uma pena porque assim será igual a qualquer outra cidade chinesa. Por isso é também interessante perceber esta cidade que é construída sobre os aterros, sobre a natureza, tem possibilidade de continuar a assumir a sua diferença num contexto contemporâneo. De alguma forma, queremos contribuir para isso com uma mensagem de continuidade, de memória e património e de felicidade também.

Através da vossa experiência como é que vêem a produção cinematográfica em Macau?
TQ – Macau é um território jovem na produção de uma forma sistematizada. Representado pelo cinema tem uma vastíssima obra ao longo dos anos 40 a 60, por parte de realizadores de todo o mundo. Macau na primeira pessoa já é mais nos 70 e 80 e de uma forma mais acentuada na viragem do século e na transição da soberania. Estas iniciativas que vão acontecendo por parte do CCM ou por parte do IC que chama agora a si essa produção ou por parte de associações como por exemplo a CUT – Audiovisual, através da Macau Stories. Estes contributos vão ser fundamentais para configurar aquilo que se pode vir a entender como a indústria cinematográfica de Macau. Pode e deve-se falar de projectos audiovisuais, de projectos cinematográficos, que estão a acontecer de uma forma mais espontânea. Vão a breve trecho ter lugar outro tipo de situações através de associações. Quando falamos do cinema chinês falamos forçosamente dos cinemas chineses. Isto é, da china continental, de Hong Kong, de Taiwan e do cinema ultramarino. E agora, a propósito da minha tese de doutoramento, eu e outras pessoas estamos a analisar o cinema chinês e o cinema chinês em Macau para o colocar no mapa. Faz sentido. Macau faz parte da China, desta reconfiguração. Há uma identidade muito própria de Macau através do cinema.

2 Mai 2016

Lin Zexu visita Macau

No anterior artigo procuramos a data do início da Guerra do Ópio pelos episódios que ocorreram durante o ano de 1839. Se até 18 de Março, os chineses tentaram por palavras convencer os ingleses a deixarem de trazer ópio para a China, ilegalizado já há muito tempo, por Édito dessa data o Comissário Imperial Lin ordenou que lhe fosse todo entregue. Assim fez o capitão Elliot, ao ópio armazenado nos cascos dos navios ao largo de Lintin. No dia seguinte, o exército chinês cercou as feitorias e proibiu todos os residentes estrangeiros de daí saírem e só a 24 de Maio os negociantes ingleses, com promessa escrita de nunca mais voltarem à China, partiram de Cantão para Macau, acompanhados pelo superintendente do comércio britânico na China, Charles Elliot.
Outro momento referido para o início da Guerra do Ópio ocorreu entre 3 e 25 de Junho de 1839, quando Lin Zexu, como Qin Chai Da Chen, mandou queimar as caixas de ópio em Humen, província de Guangdong. Sendo ainda outra das datas, a relacionada com a recusa dos ingleses de entregar um dos seus marinheiros que, nos distúrbios entre marinheiros ingleses e americanos e alguns chineses, assassinara em Kowloon o nativo Lin-uei-hi. Como represália, no Edital de 15 de Agosto de 1839 o Vice-Rei de Cantão proibiu qualquer espécie de alimentos aos ingleses residentes na China. No dia seguinte, Lin Zexu e o Vice-Rei Deng Tingzhen, entraram no distrito de Xiangshan e imediatamente foi declarado o bloqueio a Macau para forçar os ingleses a deixarem esta cidade.
O Comissário Imperial Lin prevenia os portugueses dos perigos que corriam ao abrigar na cidade ladrões ingleses e proibiu o fornecimento de provisões, assim como de mão-de-obra chinesa, aos residentes ingleses em Macau. Já as autoridades chinesas contavam com a lista da população aí residente e o Comissário Lin ordenou ao Procurador de Macau para investigar onde se encontravam os traficantes, dizendo que viria para deles tratar quando terminasse de colectar o ópio em Humen. E por isso, a 26 de Agosto, após uma reunião dos súbditos ingleses residentes em Macau, por conselho do superintendente do comércio inglês na China Charles Elliot, decidiram retirar-se para Hong Kong. Segundo Montalto de Jesus, “Silveira Pinto declarou que, apesar da provação, nunca pressionaria os ingleses a deixar a colónia e, embora consciente das poucas forças à sua disposição para repelir um esmagador ataque chinês, prometeu defendê-los até ao fim no caso de eles ficarem. Mas eles preferiram partir para o ancoradouro de Hong-Kong, e enquanto embarcavam, a guarnição, com Silveira Pinto no seu uniforme militar, esteve presente para impedir um receado ataque chinês”.
Em Cantão, no último dia de Agosto as autoridades da cidade fizeram uma proclamação ao povo, chamando-o às armas contra os ingleses. Assim 31 de Agosto poderá também ser outra data para o início da I Guerra do Ópio.
“Mal tinha terminado a provação de Macau quando, num despacho datado de 1 de Setembro de 1839, Elliot informou Silveira Pinto de que o barco Volage tinha ordens para cooperar na defesa da colónia contra a agressão chinesa. Foi também oferecida a assistência de oficiais e civis ingleses em Hong-Kong e a protecção portuguesa foi mais uma vez solicitada. Ao propor o regresso dos ingleses a Macau, Elliot contradisse formalmente um rumor chinês, segundo o qual a sua retirada tinha sido devido à pressão dos mandarins. A razão, declarou, era porque tinha querido comprometer a colónia sem nenhuma força à mão. Já não era esse o caso: oitocentos mil homens podiam ser imediatamente colocados à disposição do governador.
Mas a situação era delicada; e embora desconhecedor da pretensão de anexação de Macau, Silveira Pinto reiterou que, na ausência de ordens expressas e definitivas do seu governo em sentido contrário, não podia deixar de manter uma estrita neutralidade”, Montalto.
Continuaremos aqui a usar sobre este assunto o que Marques Pereira escreveu nas Ephemérides e Luís Gonzaga Gomes na sua Cronologia, acompanhando com o que Montalto de Jesus apresentou no Macau Histórico.

No Templo de Lin-Fong

Em viagem de inspecção a Macau, o Comissário Imperial Lin Zexu acompanhado por Deng Tingzhen, Vice-Rei de Guangdong e Guangxi, vieram de Qianshan no vigésimo sexto dia da sétima Lua do 21º ano do reinado de Daoguang (1839) e, acompanhados por centenas de soldados, chegaram a Guanzha. Essa barreira conhecida pelos portugueses por Porta do Cerco, foi construída como uma delimitação de fronteira pelos chineses em 1573, ano do começo do pagar foro, que se estendeu até 1849. Montalto de Jesus ao referir-se às Portas do Cerco construídas pelos chineses diz: “No istmo, entre a península da Macau e o continente, os chineses construíram então um muro-barreira com um portão, onde um mandarim e uma esquadra de soldados impediam aos estrangeiros a passagem para o continente, exceptuando aqueles a quem o mandarim fornecera um passaporte. A barreira foi construída, em 1573, claramente como uma delimitação de fronteira, mas servia também para controlar o aprovisionamento da colónia, embora o objectivo declarado fosse apenas o de evitar a incursão dos negros fugitivos de Macau. O portão-barreira, conhecido pelos portugueses como Porta do Cerco, era aberto periodicamente para abastecer a colónia de provisões, numa feira, celebrada num espaço cercado para além da barreira, após a qual esse portão era fechado e selado com seis papéis carimbados. Sobre o portão havia uma inscrição chinesa: “.
Ainda antes do amanhecer do dia 3 de Setembro de 1839, nessa Porta, de Guanzha, do lado da península de Macau, à espera do Comissário Imperial Lin Zexu estavam o Procurador [e não o então Governador português, Adrião Acácio da Silveira Pinto (1837-1843)], o sub-Prefeito e o Magistrado da cidade, assim como um oficial chinês. Com estes representantes de Macau encontrava-se uma guarnição de cem soldados alinhados ao longo dos dois lados da rua e três bandas de música.
Às oito horas da manhã, a comitiva chinesa passou por Guanzha, a porta que fazia de fronteira, e após as boas vindas e uma salva de dezanove tiros de canhões proveniente das fortalezas de Macau, seguiram em cortejo ao som de música para o Templo de Lianfeng. Conhecido por Pagode Novo, o agora Lin-Fong Miu, era o lugar de hospedagem dos mandarins superiores que vinham a Macau.
Estava um dia límpido e o percurso foi feito rapidamente, pois era curta a distância da Guanzha ao Pagode da Porta do Cerco, como também era chamado este templo devido à proximidade com a fronteira.
Batendo nos gongos e transportando bandeiras, uma divisão das tropas chinesas antecedia o Comissário Imperial transportado na cadeirinha por oito chineses e um português como guarda de honra para o servir. A seguir, uma pequena divisão de tropas nativas, que antecedia o Vice-Rei de Liangguang (Guangdong e Guangxi) acompanhado por outros oficiais e mais tropa. Se ao longo do trajecto muitos eram os espectadores, habitantes nas aldeias da península de Macau existentes fora dos muros da cidade cristã, uma multidão aglomerava-se, sobretudo em redor do pátio do templo, tanto na parte exterior como no interior, onde estacionou o cortejo.
Recebidos por oficiais a aguardá-los à entrada do edifício do templo, foram logo as entidades chinesas conduzidas ao interior para se refrescarem. Aí se efectuou a reunião entre o Comissário Imperial e o Procurador.
O Procurador era a pessoa mais importante de Macau e representava a cidade perante as autoridades chinesas e sendo ele Superintendente dos Estrangeiros, tinha o grau de mandarim outorgado pelo Imperador Wan-Li (1573-1620).
Era então Procurador de Macau José Baptista de Miranda e Lima, poeta e professor régio, que estava sentado de frente para o Comissário Imperial Lin Zexu e entre eles, um intérprete português. No interior do templo, pequenos destacamentos com cerca de vinte soldados chineses armados e usando diferentes uniformes e bandeiras.
Lin Zexu declarou a Miranda e Lima a proibição do armazenamento e comércio de ópio dentro da cidade e se fosse encontrado algum estrangeiro com essa substância, deveriam reportar às autoridades chinesas e prenderem-no. Em nome de Macau, o Procurador concordou e prometeu cooperar com o Governo do Império Celeste, aceitando ficarem os portugueses neutrais no conflito sino-britânico e não permitir às forças invasoras inglesas usarem como base Macau durante o conflito. Por fim, Lin Zexu lembrou que os portugueses estavam em território chinês, pois tinham alugado Macau aos governos imperiais Ming e Qing.
Após esta reunião de meia hora, o Comissário Lin ofereceu, aos oficiais, seda, leques, chá e açúcar-cande e aos soldados, quatrocentos yuan de prata, vacas, ovelhas, farinha e vinho, após o que foi fazer sacrifícios no altar de Tian Hou (a deusa dos mareantes e conhecida localmente por A-Má) e Guan Di (Deus da Guerra e da Riqueza, representado por Guan Yu, um guerreiro do Período dos Três Reinos e conhecido em cantonense por Kwan Tai).

Às voltas em Macau

Eram nove horas da manhã quando saindo do Templo de Lin Fong, foi o Comissário dar uma volta pela cidade a inteirar-se da cultura portuguesa e a maneira de viver da cidade, assim como para inspeccionar alguns locais e ver se as suas ordens estavam a ser cumpridas.
Passando pela aldeia do Patane e junto à praia com esse nome, subiu até Baige Cao (hoje Jardim de Camões) e pela Porta de S. António entrou na cidade cristã, sendo saudado com uma salva de tiros pelos canhões da Fortaleza de Nossa Senhora do Monte de S. Paulo. Continuando pela longa rua até ao porto interior, passou pela Alfândega chinesa e depois junto das igrejas de S. José e S. Lourenço, chegando ao templo próximo da Fortaleza de S. Tiago da Barra. Daí retornou e seguindo pela Calçada do Bom Jesus (Gaolou) e Fonte do Lilau (o poço Yapo) de novo cruzou S. Lourenço e desceu por uma viela para a Praia Grande. Percorrendo-a, ao chegar à Rua do Campo foi até à Porta de S. Lázaro, de onde voltou pela Rua do Hospital, hoje Rua Pedro Nolasco da Silva (conhecida também por Rua das Mariazinhas). Contornando a Colina da Nossa Senhora do Monte, passou por Yingdi (S. Domingos), seguiu por Yingdi (Rua dos Mercadores) e Guanqian (Rua dos Ervanários) e saiu da cidade pela Porta de S. António, onde foi saudado com 21 tiros de canhão, segundo referencia o Chinese Repository, de onde retiramos algumas destas informações, refeitas pelo que se pode encontrar no Museu de Lin Zexu, situado ao lado do Templo de Lin Fong e de fontes chinesas. De lembrar que estas duas Portas da cidade davam para as várzeas, cultivadas pelos chineses das aldeias fora da muralha, mas ainda na península de Macau.
Neste passeio pela cidade cristã e seus limites, algumas casas foram vistoriadas. Os habitantes chineses ergueram em muitos locais do percurso uma série de arcos do triunfo, assim como, fora das suas residências e lojas colocaram mesas com vasos de flores, demonstrando gratidão pela visita do Comissário Imperial.
Lin Zexu e o Vice-Rei de Liangguang Deng Tingzhen apenas ficaram três ou quatro horas em Macau, pois, segundo o que lemos no Museu de Lin Zexu (que não refere a hora de entrada na península de Macau), ao meio-dia desse dia o Comissário retornou para Qianshan, sendo acompanhado pelos portugueses até Guanzha.

2 Mai 2016

Pela calada da noite

Gosto desta expressão. Tão ao jeito das noites no Alentejo, pejadas de cigarras ruidosas mas feitos ruídos estes, da matéria daqueles campos e quase parte do silêncio. Uma estridência ininterrupta a que o ouvido de vez em quando se acostumava. Aquela terra grande, sem vestígios de grandes sobressaltos geológicos, topográficos.
O Alentejo que é a minha terra, embora não a terra em que nasci. Que foi a minha terra, uma, naquele sentido em que, na cidade, muitos têm uma terra remota donde vieram e onde voltam sempre na melancolia de ser divididos. Da família. E de um tempo perdido lá atrás à medida que uma geração mais próxima foi desaparecendo no destino incontornável em que desemboca cada vida. E que é já quase só memória, inalcançável senão como tal. Perdida. Amada mas perdida. O sol inteiro possível em 360 graus de horizonte. Tórrido naqueles meses de agosto. Lá muito atrás as tardes em que se atravessavam ruas brancas da cidade, de uma luz quase insuportável. Um vazio de gente e o silêncio inconfundível do calor abrasador. Ou, nos fins de tarde, as terras amareladas e secas do campo direito. Onde as sombras se projectavam para a frente ou para trás a partir dos pés e até tão longe, que pareciam querer destacar-se desta amarra. O Alentejo sempre me deu aquela impressão benfazeja de que o mundo é grande e nele as dores, ínfimos pormenores.
A cidade de pais e avós e de uma família enorme com uma margem imensa de ramificações, já só conhecida dos relatos e histórias retiradas dos álbuns da memória e daquelas fotografias muito pequeninas, focadíssimas como uma filigrana. Memória enraizada ali, entre a cidade e o campo. Em redor de Évora. E porque as raízes não se podem arrancar da terra, éramos nós que sempre voltávamos para as visitar. Eu decidi que era de lá que eu era, há muitos anos. Quando entendi que mesmo essas coisas se podem escolher. Só não se pode escolher, às vezes, reter para sempre uma memória que já se liga à vida por laços demasiado ténues. E aí é o momento de deixá-la partir. Com a partida dos pais. Um para os espaços etéreos do céu, outra para os confins longínquos, alheios à memória. Já não há a quem perguntar.
Mas deixá-la partir para o seu canto, e habitar para sempre o álbum, custa. Revira-se de todos os ângulos a estranheza de ser assim. Que tem que ser. Sem naturalidade. Ou entendendo a inacreditável naturalidade inerente. Afinal. Como se todos os actos de simples respiração, em determinados momentos, fossem difíceis de vencer sem deixar de pensar no movimento que a produz, como se assim o corpo se esquecesse de respirar pela inércia de sempre. Como se todos os passos não dados fossem o amor às margens mais do que ao rio. Diferentes olhares. O do lado da margem, um estar mais pessoano, em Reis, por exemplo. A desistência prévia e a contemplação estoica do não ser, não querer, não fazer, não sentir. Ou a ausência de tudo numa síntese de plenitude muito mais perto do cerne do ser. Um pouco cósmico e alheado das amarras circunstanciais de uma existência enredada em mecanismos. Porque diremos margens de sonho, se é o rio que é mais livre e na sua fluidez imparável, eternamente renovado e o mesmo em si apesar de tudo. Como entidade. Independentemente de as águas serem indistintamente outras. Que tem este rio que contemplo em comum com o de anteontem ou de há um ano. Tudo e nada. E no entanto também os rios envelhecem. E os sonhos. Porquê nas margens, excepto naqueles momentos de violenta rebelião dos elementos, em que extravasa por elas adiante tumultuoso e sem percurso ou caminho que não caos e acaso.
Os meus tios José e Maria. De nomes simples e bíblicos, e pele de rugas marcadas como à faca, castigada pelo sol imenso. Ele de olhos pequenos e fundos de um azul inesperado e ela muito pequenina, muito gordinha, e que nos dava uns beijos rijos, repenicados e húmidos, como ninguém. Maria Rosa. E, encostada à empena cega do monte, a maior roseira, de rosas salmão, que me lembre de ver. Carregada de cima abaixo daquelas rosas, perfumadas de uma doçura ligeiramente ácida, e que o meu tio José, talvez a disfarçar o secreto orgulho, dizia ter de podar para fortalecer. Coisa estranha para mim, imaginá-lo a cortar aquele fenómeno lindo e pujante…
A vida destes meus tios, dava um romance. Mesmo depois da morte daquele sonho de cooperativismo e da reforma agrária em que embarcaram, quando desembarcaram vindos de África. Para onde fugiram da pobreza e de onde o 25 de abril os fez regressar. Dava um romance, sobretudo a dele. Até ao fim, recentemente. Ele que teve durante anos um enorme Mercedes em segunda mão, dos anos setenta, encostado à horta no meio do nada. Que conduziu muito tempo sem carta porque não sabia ler. E que, quando a minha tia se foi para o céu – porque foi – guiava por aqueles montes e bairros limítrofes, imagino eu, para seduzir com intensões sérias, viúvas de negro. Todas elas idosas, estranhas e deprimidas, uma de cada vez, e com quem vivia até ao limite do suportável daquelas depressões alentejanas. Que não eram para ele.
Os meus tios em cujo monte, muito mais lá atrás, em pequena, dormia sob enormes cachos de uvas e réstias de cebolas, pendurados nas traves dos tectos de telha vã dos quartos. E que tinham com eles aquele enorme cão preto que era nosso mas vivia ali, o Nilo, que lembro como um pequeno oásis, como desértico era aquele pedaço de Alentejo. Aqueles meus tios, que viviam sempre num estranho limiar a rondar a pobreza, porque o Alentejo era duro. Uma terra ampla, mansa e parada. E que um dia, bem mais tarde, num outro monte, mandaram abrir um poço na ânsia de vencer aquela aridez. Explodiram a terra quase arenosa deixando uma enorme cratera, larga e funda como a cicatriz de um meteorito gigante, e lá bem no meio e no fundo um pequeno espelho de água. Como um olho um pouco encovado numa órbita enorme de recorte incerto e tosco. Pequeno para a sede incurável da terra e para aquele céu imenso.
E um dia desistiram dessa luta para saciar um enorme pomar de frutos pequeninos que custavam a vingar, e investiram, do que tinham e do que não tinham, as poucas economias, em vacas que davam um leite espumoso como nunca bebi igual. E uma vacaria segundo as normas, bem na extremidade oposta à casa. Sabe-se lá porquê com tanta terra. Talvez uma espécie de ampliação das margens do sonho que logo de madrugada os levava a subir, embalados nele mas também no frio cortante dos invernos interiores, o enorme atalho de terra entre a casa deles e a das vaquinhas. E numa noite, seguramente de cães a ladrar como sempre – ou não – dispersos na amplidão da noite, como num quase passe de magia, desapareceram todas de uma vez para sempre e para nunca mais. Noites curtas de sono, para eles, que se levantavam ainda com estrelas. Como desaparecem dezoito vaquinhas enormes e doces, com aqueles guizos de uma sonoridade linda, no curtíssimo intervalo da noite…
Pela calada da noite. E calada foi a noite em que aquele sonho emudeceu para sempre. Calada a noite, as vaquinhas, os cães, os ladrões, as pereiras esquálidas, as estrelas do céu, os pneus da camioneta. Que levaram em cumplicidade única, e no segredo daquela noite, não sei já se de verão remoto, dezoito vaquinhas de olhos agigantados e doces. Assustadas ou ingenuamente confiantes. Como se rapidamente escondidas num enorme saco de gigante. Numa noite em que não ladraram cães. Ou, mesmo que ladrassem, diz o ditado que às más horas não ladram cães. Ou ninguém lhes ligou mais do que nas outras. Ninguém ouviu, só a terra, que tudo presencia, e aquele olho de água, que, resguardado e virado para o céu sem desfitar, seguramente as viu voar e esfumar-se. Histórias de um Alentejo solitário. Pela calada da noite. Como tantas outras noites. Caladas, lisas e sem sobressaltos.
Foi um golpe duro e que nos entristeceu a todos. E no entanto, nesse tempo como agora, um lado de mim sempre viu ali um certo ângulo profundamente cómico. Não sei porquê. Porque sei que a pena enorme pelo que lhes aconteceu era verdadeira. Mas é talvez o insólito das vaquinhas – dezoito – enormes, lentas e bojudas, cheias de chocalhos, a desaparecer assim. No ar. Evolando-se como um sonho que eram. Como os sonhos. E tornando-se realmente da matéria dos sonhos.
A propósito da enormidade do fosso que separa o ter do não ter. O saber acreditar e o esvaziar de um sonho. Que num curtíssimo intervalo de tempo desapareceu sem aviso. Sem ninguém o saber, já não estava ali. Mas as noites no campo são curtas de sono. E a madrugada chegou já com a nova paisagem instalada para sempre. Mas não os lembro desalentados por muito tempo. Antes com um estoicismo feroz de continuar em frente. Sem ilusões de que haveria outras horas como aquelas. Más horas. Em que não ladram cães.

2 Mai 2016

Jovens de Macau podem habilitar-se a um lugar na Renault Academy

Aproveitando o último Grande Prémio da China de Fórmula 1, o Groupe Renault confirmou que irá ajudar a promover o desporto automóvel na China, quase duas décadas depois do seu primeiro envolvimento nesta região, na altura com os Renault Spyder. A Renault Sport e a Dongfeng Renault Automotive Company anunciaram que o jovem chinês de 15 anos Sun Yue Yang fará parte daqui em diante da Renault Sport Academy. Ao mesmo tempo, o grupo francês prometeu que irá também oferecer um lugar na sua academia de pilotos em 2017 para o piloto de nacionalidade chinesa que mostrar melhor potencial nas últimas três provas do Campeonato Asiático de Fórmula Renault que realizam todas no continente chinês: Xangai, Zhuhai e Zhejiang.
Na conferência de imprensa do projecto, em Xangai, François Provost, Director de Operações da Renault China, disse que: “nos últimos anos, houve muito poucos pilotos chineses que conseguiram sair das categorias juniores do automobilismo e nenhum chinês competiu num Grande Prémio. Há muitas razões para tal, mas uma das razões recorrentes é a falta de fundos para correr além fronteiras”.
Esta bolsa está ao alcance de qualquer jovem piloto da China continental, mas também de Macau e Hong Kong. Para Rodolfo Ávila, campeão asiático da Fórmula Renault em 2003 e único piloto da RAEM a vencer esta competição, esta é “sem dúvida” uma excelente oportunidade para qualquer jovem piloto do território com sérias ambições no automobilismo.
“Na realidade actual de Macau, dificilmente um jovem piloto poderá pretender correr ao mais alto nível se não tiver um apoio desta natureza, no entanto, só aqueles que realmente tiverem talento e empenho poderão sonhar com este tipo de oportunidades”.
O Campeonato Asiático de Fórmula Renault nasceu em 2000, tendo feito parte do programa do Grande Prémio de Macau entre 2002 até 2005. O HM sabe que o ano passado o organizador do campeonato, a Formula Racing Development de Hong Kong, voltou a arriscar entrar no programa de provas do Grande Prémio, mas tal como outras competições candidatas, foi preterida pela corrida de celebridades.

Germânicos foram os primeiros
O primeiro construtor automóvel a apostar na formação nacional foi a Volkswagen China, com o seu programa “Star Racing Academy” nascido em 2012 e que ainda vinga na Fórmula Master China. Após um processo criterioso de selecção, o construtor germânico apoia dois pilotos chineses com um subsídio equivalente a meia temporada na competição que visitou o Grande Prémio de Macau uma única vez em 2013.
Ao mesmo tempo, o construtor germânico oferece oportunidade os seus protegidos de participarem nas competições seniores promovidas pelo Grupo VAG na região, como a Taça Porsche Carrera Ásia, a Taça Audi R8 LMS ou o Super Troféu Lamborghini. Curiosamente, os pilotos, mesmo aqueles chineses, nascidos em Hong Kong ou Macau, não estão habilitados a participar neste programa.

O exemplo chinês
Quem também não quis ficar atrás nesta corrida foi a Geely, o fornecedor de motores do Campeonato da China de Fórmula 4 e que cuja holding Mitime organiza o campeonato agraciado pela FIA. Para atrair sangue novo ao seu campeonato, o gigante automóvel chinês, dono da marca sueca Volvo, subsidia esta época os pilotos menores de 19 anos que participem no campeonato, com prémios monetários e descontos em material. Ao mesmo tempo, a Geely irá ajudar a promover os melhores jovens pilotos que aceitem este desafio, não sendo no entanto claro como estes poderão dar o “salto” para outras paragens, já que o construtor chinês não tem qualquer actividade automobilística fora de portas, apesar de ter adquirido recentemente um circuito nos Estados Unidos da América.

2 Mai 2016

O Brasil e o futuro (I)

“What is Brazil’s strategy to cope with the emerging world order? The question has come up time and again in scholarly writings as analysts try to project whether Brazil is bound to be a “responsible stakeholder” or a spoiler of the emerging system. Brazil is as vibrant and messy a democracy as any other: Brazilian presidents preside over an often-fractured governing coalition and they face the challenge of managing a vast federal state with an unruly set of bureaucracies and semi-independent agencies operating within it.”

Shaper Nations: Strategies for a Changing World Hardcover
William I. Hitchcock, Melvyn P. Leffler and Jeffrey W. Legro

A presidente do Brasil anunciou um crédito extraordinário aos bancos estatais, grupos de agricultores e empresas, a 29 de Janeiro de 2016, de forma a ajudá-los a superar a pior crise que o país atravessa nos últimos cem anos. O ministro das Finanças anunciou, sete medidas para conceder os créditos às diferentes áreas da economia, dado ser obrigação do governo fazer um melhor uso dos recursos existentes. As medidas projectadas e a serem executadas, constam linhas de crédito e o uso de fundos de pensões para incentivar maiores investimentos em habitação e infra-estruturas.
As medidas criaram apreensão entre os investidores, por recearem que o país abrande o seu programa de austeridade e regresse às políticas fiscais frouxas do primeiro governo da presidente brasileira. O país atravessa a recessão mais profunda desde a “Grande Depressão” da década de 1930. Após uma queda de 3 por cento do PIB, em 2015, o FMI prevê outro recuo de 1 por cento para 2016, e adverte do risco de contágio na região. O governo da presidente brasileira, começou a esgotar a sua capacidade de resposta, depois de ter registado um deficit de 6,2 por cento do PIB, em 2014 e uma dívida pública superior a 60 por cento.
A inflação é de cerca de 10 por cento. A dívida das empresas aumentou no equivalente a 15 por cento do PIB, desde 2007. A taxa de inflação é de 10, 2 por cento, equivalente 10,4 milhões de pessoas sem emprego, ou seja, diariamente ficam desempregadas duzentas e oitenta e duas pessoas. A somar à desastrosa situação económica, a presidente do Brasil está a ponto de se ver profundamente envolvida no escândalo denominado de “Petrolão”, pasmando o mundo político internacional.
O Brasil amanheceu a 4 de Março de 2016, surpreendido e conturbado, pois o ex-presidente Lula da Silva, foi denunciado por um senador arrependido, que procurava aliviar a sua condenação no escândalo de corrupção na “Petrobras”, tendo sido detido por ordem judicial, por se recusar a colaborar com a justiça, e submetido a interrogatório, sobre presumíveis dádivas recebidas. É acusado de conhecer profundamente o processo de corrupção desde o seu início. A mesma acusação é feita contra a presidente, ainda em exercício de funções, reavivando a tese do “impeachment” ou julgamento político.
A situação apesar de séria e grave, não obscurece a profunda crise económica que o país vive, continuando a classe média abastada, a praticar o consumo de luxo, enquanto os sectores menos endinheirados diminuíram grandemente a procura de bens e serviços, numa economia que se contraiu 3,8 por cento, em 2015, sofrendo o maior recuo dos últimos vinte e cinco anos. A estrela das economias emergentes vai a caminho de sofrer a sua pior recessão, desde 2010, quando as estatísticas sérias no país apresentaram um crescimento da economia de 7,5 por cento. A previsão para 2016 é de um crescimento de -4 por cento do PIB. Os despedimentos no sector privado, em Janeiro de 2016, foram de cem mil trabalhadores, tendo sido despedidos, um milhão e quinhentos mil trabalhadores, em 2015.
As vendas a retalho diminuíram 7 por cento, e a inflação actual situa-se em 11 por cento, com tendência a subir. O deficit orçamental é imenso e representa 10,8 por cento do PIB, não se atrevendo a presidente brasileira a tomar sérias medidas para o reduzir, com receio da reacção popular poder agravar a recessão. É preciso salientar que a actual situação brasileira se deve à queda mundial dos preços dos produtos básicos e do petróleo, em especial; à total falta de investimento e às tentativas de reduzir o deficit, depois das imensas e desnecessárias despesas dos últimos anos, pelo que a gravidade da sua situação económica terá um forte impacto negativo, sobre as economias dos demais países do continente sul-americano.
O Brasil terminou 2015, no meio de um grande escândalo político, considerando o “impeachment” da presidente, rebaixando o grau de investimento, acumulando uma taxa de depreciação nominal relativamente ao dólar, em cerca de 47 por cento e removendo o ministro da Fazenda, por estar a presidente Dilma contra a política de ajustes fiscais que defendia anteriormente. Esta última situação não apenas mostrou a debilidade política da presidente, que tinha apoiado fortemente o ex-ministro da Fazenda no processo de ajuste, mas também uma falta de apoio do arco político da governação, para continuar com a política de ajuste fiscal. O ex-ministro da Fazenda veio a ser nomeado director financeiro do Banco Mundial.
Os acontecimentos fizeram que o então ministro do Planeamento ganhasse à presidente Dilma, o braço de ferro relativamente à facção mais ortodoxa. Todavia, o facto de o Brasil ter chegado a esta situação faz todo o sentido, para quem tem seguido a evolução da sétima economia mundial e a primeira da região, à qual os demais países vizinhos observam com particular preocupação, por ser o destino principal das suas exportações industriais. A economia brasileira, na primeira presidência de Dilma, de 2011 a 2014, cresceu a um ritmo médio anual de 2,2 por cento, em 2014 paralisou, e em 2015 sofreu uma contracção de 3,2 por cento, em termos reais, ou seja, os cinco anos de Dilma no governo federal, a economia brasileira acumulou uma subida de apenas 5,8 por cento, ou seja de 1,1 por cento anuais
O investimento interno bruto, foi de longe, a componente da procura global que teve o pior desempenho, tendo caído pelo segundo ano consecutivo a um ritmo de 12,7 por cento anuais, superando a enorme contracção de 8,9 por cento, registada em plena crise do real, em 1999, tendo alcançado o nível mais baixo de participação no PIB, desde 2007. Assim, não só foi importante o mau desempenho do sector privado, mas também a paralisação das obras públicas, pelo que o consumo privado se contraiu de forma significativa em cerca de 3 por cento anuais, registando a primeira contracção desde que o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou as eleições, em 2003.

A despesa pública manteve-se relativamente estável em cerca de 0,4 por cento anuais e por consequência, a procura interna contraiu-se 4,5 por cento, em 2014, tendo ultrapassado folgadamente o ritmo de contracção registado durante a crise do real, em 1999. O sector das exportações foi o único amortecedor do ritmo de queda do PIB, apesar do contexto internacional se encontrar, em plena deterioração. A forte depreciação do real, em particular, o volume das exportações de bens e serviços conseguiram atingir um aumento de 4 por cento anuais, e as importações caíram 12,4 por cento, proporcionando una forte melhoria do saldo líquido. Quanto aos sectores produtivos, a indústria teve de longe o pior desempenho, com uma queda média de 5,6 por cento anuais. Foi o segundo ano consecutivo em queda do sector industrial, que acumula um recuo de 1,2 por cento, desde que Dilma assumiu a presidência.
À recessão declarada pelo nível de actividade económica, em geral e industrial, em particular, há que acrescentar a aceleração da subida da taxa da inflação que atingiu 10,7 por cento, em 2015, muito acima do limite máximo da taxa de 6,5 por cento objectivo da politica monetária, tratando-se do maior aumento, desde 2002. A maior parte da causa dos problemas económicos e políticos que o Brasil enfrentou em 2015, deram-se em 2014, pois foram consequência directa da má estratégia eleitoral do PT, para conseguir a reeleição de Dilma Rousseff.
A vertente económica dessa estratégia teve como suporte uma política fiscal super expansiva e como consequência, desde 1997, o sector público não conseguiu ter um superavit primário em 2014 e 2015, tendo o deficit antes do pagamento dos juros da dívida pública, atingido 0,9 por cento do PIB. É de recordar, que apesar de o Brasil ter um “stock” de dívida de 66 por cento do PIB, sendo 13 por cento acima do nível em que Dilma iniciou a sua primeira presidência, a taxa média é de cerca de 14 por cento anual, dado que a maioria da dívida, é de curto prazo, denominada em reais, consumindo 8,5 por cento do PIB para o pagamento dos serviços da dívida.

É de realçar que para entender o mau desempenho da produção e da procura interna, em geral, e do consumo privado, em particular, deve-se ter em conta que na última década, a massa salarial cresceu mais que a produção, a que se acrescentou a disponibilidade de crédito a taxas de juros historicamente mais acessíveis. Esse círculo, então virtuoso, começou a reverter-se nos últimos anos. Os salários têm vindo a cair, em termos reais, desde Março de 2015, a um ritmo de 4,5 por cento anuais e a taxa de desemprego, subiu 3 por cento, atingindo os 8 por cento, o que implica que se perderam mais de um milhão de postos de trabalho, em 2015.

As previsões do mercado, indicam que a taxa de desemprego será de cerca de 10 por cento no final de 2016, e sendo obrigado o governo a implementar o ajuste fiscal, decide não o fazer pela impossibilidade de aumentar os impostos, dado atingirem uma pressão olímpica de 36 por cento do PIB, não tendo o PT melhor ideia que cortar nos subsídios de desemprego e parar as obras públicas. Assim, neste contexto é difícil procurar uma solução pelo lado das exportações. A desaceleração da China, principal destino dos produtos brasileiros não permite ser optimista quanto ao futuro, e daí se prever uma contracção mínima de 1 por cento para o PIB, em 2016, que conjuntamente com o desempenho da economia em 2015, será o pior biénio, desde a crise da década de 1930, e em tais condições, é de crer que o Banco Central não voltará a cumprir a meta inflacionária antes de 2019.

O Brasil não aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida pela calma internacional, não tendo conseguido avançar rapidamente para resolver os problemas estruturais relacionados com o atraso do investimento em infra-estruturas, baixa qualificação da sua mão-de-obra, altíssima pressão fiscal e um complexo emaranhado burocrático que desincentiva os investimentos. O PT, ao contrário, decide entregar assistência, subsidiar tarifas de serviços públicos de má qualidade, empréstimos ao consumo e estabelecer um conjunto de desagravamentos fiscais às indústrias.
Tal política incentivou o consumo, através da despesa pública e empurrou a inflação, conseguindo esconder as debilidades do esquema de política económica até ao ponto de baixar a água e ficarem a descoberto todas as inconsistências. O mercado reagiu, reduzindo o seu nível de exposição e elevando o custo do endividamento, e foi especialmente depois de perder as notas de grau de investimento, que o milagre brasileiro se apagou por algum tempo.

2 Mai 2016

Carmo Pires, educadora de infância: “Macau está bonito”

Chama-se Carmo Pires e é uma cara bem conhecida de Macau. Recebeu-nos de braços abertos e sorriso rasgado, características que ninguém pode negar. Sempre muito disponível, a Educadora de Infância do Jardim D. José da Costa Nunes, veio há 32 anos para Macau, quando contava apenas com 22 primaveras.
“Sim, já passaram 32 anos”, relembra, arrastando o número de anos na voz. O facto do marido – na altura ainda namorado – ter “primos directos” no território facilitaram o processo.
“Eu moro em Almada, sempre morei. Quando acabei o curso fui colocada – apesar de na altura já ser difícil – em Porto Covo”, começa por partilhar com o HM.
A viagem no tempo continuou e Carmo, como gosta de ser tratada, guiou-nos até ao primeiro dia em que chegou à cidade Alentejana. “De Almada para Porto Covo era longe e eu não podia ir e vir todos os dias, portanto sabia que tinha que lá ficar. Em Setembro tive que me ir apresentar ao serviço e fui”, relembra.
E foi o que aconteceu: Carmo Pires apresentou-se ao serviço, mas imediatamente percebeu que não pertencia ali. “Como jovem que era gostava de sair à noite, ir a discotecas, estava cheia de vida, queria mudar o mundo. Apesar da terra ser muito bonita, não me senti bem. Por exemplo, em termos de transportes, se eu quisesse ir à cidade mais próxima, que era Sines, não podia, porque eram muito poucos. Comecei a imaginar-me ali no Inverno, sozinha, isolada de tudo, logo eu, que era uma pessoa tão viva. Pensei nisso tudo e disse ao meu namorado ‘não consigo ficar aqui, não posso’”, relembra.
Tomada a decisão, Carmo sabia que seria castigada pelo Ministério da Educação com dois anos de impossibilidade de se candidatar. A sogra ainda lhe deu uma ajuda em todo o processo.
“Comecei a procurar no privado, a minha sogra tinha um colega que abriu um jardim-de-infância e foi ali que comecei a trabalhar”, conta.
Trabalho este que apenas durou um ano. “O meu marido tinha família aqui em Macau e um dia lançaram a proposta para eu vir. É que na altura queriam abrir um novo jardim-de-infância no Monte da Guia. Foi assim que vim aqui parar”, brinca.

Aventura no sangue

Carmo Pires voou até ao outro lado do mundo para abraçar um projecto que ainda não tinha saído do papel. Ela e mais 18 novos educadores. “Éramos um grupo muito giro. Tudo miúdas novas, era uma equipa sensacional, todas cheias de energia e novas ideias”, aponta.
Carmo, como uma verdadeira aventureira, veio sem o marido e não nega que o primeiro impacto não foi o mais feliz.
“A minha primeira sensação de Macau foi muito má. Vim sem o meu marido, não queria nada ficar aqui. Estava sozinha, não conhecia ninguém, claro, estava em casa dos primos do meu marido. Quando cheguei ao barco nada me caiu bem – a humidade, o bafo quente, o cheiro. Fiquei sem ar, um choque”, relembra.
Um dia, partilha, comemorava-se a Festa da Lua e a prima do marido deu uma festa em casa. “Isto era assim, os amigos eram a nossa família, porque nós não tínhamos mais ninguém”, frisa.
Nessa noite, continua, um “advogado muito conhecido da nossa praça”, que estava na festa, tocou-lhe no ombro assim que a viu chorar na varanda. “Carmo não estejas assim porque vais ver que daqui a pouco tempo já vais gostar de Macau. É a primeira sensação que tu tens”, recorda. Carmo dizia apenas que “ia embora”. Desde aí quase 33 anos se passaram.

Sem saudosismo

Enquanto as mãos brincavam com um brinquedo “dos seus meninos”, durante a nossa conversa, Carmo admitiu ter alguma vontade de voltar para Portugal. “Pensei nisso em 99 com a transição. Com o corte nos portugueses muitos amigos meus foram embora. Foi muito difícil para quem cá ficou, vimo-nos muito sozinhos”, recorda. Mas a família decidiu ficar.
Depois desse processo, Macau “mudou muito”. Mas desengane-se quem pensa que Carmo lamenta. “Eu não sou muito dada a saudosismo, não fico agarrada ao antigamente, gosto da mudança e ao que me dá desafio. Estas mudanças que existiram e existem acho que tinham de acontecer. Macau não podia ficar tão pequenino como era, tínhamos de evoluir”, argumenta, lembrando que roupas, cultura e todos os outros bens eram adquiridos em Hong Kong.
“Macau está bonito. A confusão de gente nas ruas choca um bocadinho, é uma desvantagem. Mas a terra é bonita, vibrante, com variedade. Está bom assim”, remata.

Educar para amar

Milhares de caras passaram pelas mãos de Carmo. “Agora são homens e mulheres feitas”, brinca. Às vezes passa por eles na rua e não tem vergonha em abordar, conta. Apostando sempre na sua formação, Carmo nasceu para esta profissão. Os meninos, esses, são fonte de energia.
“Os problemas ficam lá fora”, aponta. Até porque educar para além de ser a tarefa mais difícil do mundo, é a mais apaixonante. E Carmo sabe fazê-lo como ninguém.

2 Mai 2016

Advogados de Portugal só exercerão em Macau após exame

A Associação dos Advogados de Macau aprovou na quarta-feira à noite novas regras para a entrada de portugueses no mercado, fixando que terão de ser submetidos ao mesmo exame dos advogados locais, segundo a Rádio Macau. Depois da suspensão, em 2013, do protocolo com a Ordem de Portugal que facilitava a entrada de advogados portugueses nos escritórios de Macau, motivada pelo elevado número de recém-chegados, a associação aprovou em assembleia-geral novas regras que permitem a entrada de profissionais, mas impõem limitações.
Em declarações à Rádio Macau, o presidente da associação, Jorge Neto Valente, explicou que os advogados portugueses que queiram exercer no território terão de se submeter a um exame em Macau, o mesmo realizado pelos candidatos locais, independentemente de terem passado no exame da Ordem dos Advogados portuguesa.

Diferenças que contam

Já em 2014, quando a Associação dos Advogados de Macau discutia os novos requisitos para retomar a admissão no território de profissionais vindos de Portugal, que teria de apresentar à Ordem dos Advogados portugueses, Neto Valente explicou que se pretendia que os profissionais realizassem um curso prévio de três meses, assente sobretudo nas diferenças entre o sistema jurídico de Macau e o de Portugal, com exame final, bem como o estabelecimento de um limite anual do número de novos profissionais oriundos de Portugal.
Ainda não se sabe quando as novas regras entram em vigor, mas Neto Valente explicou à Rádio Macau que a avaliação será feita por um júri composto por advogados bilingues com mais de 15 anos de experiência. Mantêm-se os critérios anteriores que obrigam os advogados portugueses a terem um mínimo de três anos de experiência e a obterem autorização de residência em Macau.
“Vão fazer o exame igual ao dos candidatos locais que se consideram preparados, vão fazer o exame para ingressar na profissão efectiva. É um progresso”, disse à Rádio.

Cartão azul não dá

Neto Valente voltou a salientar a importância de os advogados terem Bilhete de Identidade de Residente e não visto de trabalho, considerando que só assim é assegurada a sua independência. “Não se pode ser advogado com cartão azul, consideramos que não estão garantidas condições de independência económica, haverá condições de dependência de uma entidade que é o patrão do cartão azul e isso não dá suficiente independência ao exercício da profissão por um advogado”, afirmou.
A decisão de suspender o protocolo com a Ordem dos Advogados que anteriormente estava em curso partiu de Macau prendeu-se com o número de recém-chegados, considerado superior às capacidades de absorção do território.

2 Mai 2016