Efeméride | Motim 1-2-3 aconteceu há 50 anos

O projecto de construção de uma escola na longínqua ilha da Taipa mais os dias quentes da Revolução Cultural levaram a que parte da comunidade chinesa se tenha revoltado contra a Administração portuguesa no ano de 1966. Jorge Fão começava a carreira como funcionário público; António Cambeta tinha acabado de chegar. Hoje recordam dias difíceis que já não voltam

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á 50 anos aconteceu no centro histórico de Macau o que hoje seria impensável: pessoas foram mortas a tiro, foram arrancadas pedras do chão para servirem de armas e estátuas de personalidades portuguesas foram derrubadas. Tudo começou no dia 3 de Dezembro de 1966, com um motim desencadeado pela comunidade chinesa que demoraria cerca de dois meses a ser sanado e que só seria totalmente resolvido com a chegada ao território do Governador Nobre de Carvalho.

Viviam-se na China os tempos da Revolução Cultural, imposta por Mao Zedong, e em Macau sopravam ventos comunistas. O longo embargo à construção de escola, na Taipa, ligada ao Partido Comunista Chinês, levou a que um grupo de pessoas tenha despoletado um motim contra a Administração portuguesa.

Jorge Fão, ex-deputado e actual dirigente da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), tinha na época pouco mais do que 18 anos. Com uma maioridade atingida à força, pois precisava de trabalhar, Jorge Fão tinha acabado de ingressar na Função Pública e trabalhava nas instalações do antigo tribunal. Recorda um motim que começou com um episódio aparentemente sem importância.

“Queriam construir uma escola na Taipa e o administrador das Ilhas na altura, de apelido Andrade, mandou embargar a obra. Dizia que não tinha licenças e claro que as pessoas fizeram barulho. Mas isso alastrou porque demos oportunidade. Nós, portugueses, não tivemos sensibilidade para perceber a situação política da China”, recorda Jorge Fão ao HM.

António Cambeta chegou como militar a Macau em 1963. Quando o motim explodiu nas ruas, já trabalhava numa empresa de navegação na Avenida Almeida Ribeiro e tinha uma namorada chinesa, hoje sua mulher. Recorda os momentos negros em que os acontecimentos da Revolução Cultural se fizeram sentir em Macau.

“Os chineses andavam muito saturados da Administração portuguesa e da forma como eram tratados. Eram rebaixados em tudo e para tratarem de qualquer assunto junto da Administração tinham de pagar por baixo. Até então estavam calados, mas o episódio da escola e o início da Revolução Cultural fizeram com que tudo desse uma volta”, contextualiza. “Os comunistas reuniram-se perto do hospital Kiang Wu, na véspera do dia 1 de Dezembro, e nessa noite saíram para o centro da cidade. Morava nessa altura na Rua Coelho do Amaral e à hora de jantar ouvi um grande barulho. As pessoas começaram a mandar vir contra os portugueses. Fui à janela e vi que era esse grupo de comunistas a fazerem barulho. Estava a jantar em casa da minha namorada, chinesa, e fiquei ali.”

Começou então a perceber que viriam tempos difíceis para os portugueses. “Apanhei o autocarro e o condutor disse-me: ‘Hoje ainda entra, mas amanhã já não pode apanhar o autocarro, porque temos ordens superiores para não vendermos nada aos portugueses’. Aí já havia a separação entre as duas comunidades. Fui para casa almoçar e já não voltei para o serviço.”

Mortes na Rua Central

Numa altura em que Macau não tinha governador, Mota Cerveira, comandante militar em funções, não soube travar o avanço da revolta. “Os chineses aproveitaram e fizeram uma série de manifestações em Macau e na Taipa, e exigiram a demissão do administrador das Ilhas e do comandante da PSP. Começaram a disparar, mataram-se umas pessoas, uma triste memória”, frisou Jorge Fão.

Fão recorda o momento em que lhe passaram uma arma para as mãos, para se defender de eventuais perigos. “Aquilo foi um barulho infernal durante vários dias. Aquilo foi piorando, de tal maneira que gerou tumultos por todo o lado. Armaram os funcionários públicos e deram-me uma espingarda daquelas antigas, com cinco munições, para nos protegermos. Quiseram invadir a esquadra da polícia, na Rua Central, com camionetas a subir a rua. Houve disparos de metralhadora e fizeram recuar as pessoas. Depois invadiram o Leal Senado e derrubaram uma estátua do Coronel Mesquita.”

As mortes que ocorreram na Rua Central (oito mortos e algumas centenas de feridos), causadas por disparos de polícias portugueses que tentaram evitar a confusão, geraram ainda mais revolta. “Com a morte dos chineses, a maioria da população comunista em Macau ficou revoltada. Nas Portas do Cerco havia muitas pessoas ligadas à Revolução Cultural que queriam invadir Macau. Isso poderia ter sido evitado se o administrador das Ilhas não tivesse prolongado por tantos anos a construção da escola chinesa”, diz António Cambeta.

No Leal Senado e na Avenida da Praia Grande derrubaram-se estátuas. “Muitos deles eram chineses ultramarinos e foram para o Leal Senado, mandaram a estátua do Coronel Mesquita abaixo, mandaram livros para o chão, e foram para a conservatória, onde é hoje a Santa Casa da Misericórdia. Queimaram tudo. Depois partiram um braço à estátua do Jorge Álvares. Depois a polícia, como não tinha qualquer preparação, começou a largar gás lacrimogéneo. A partir daí todos os restaurantes e lojas não vendiam nada aos portugueses, foi um período com muita tensão. Muitos portugueses pediram para levar as suas coisas para Lisboa”, recorda o antigo militar.

A solução do Governador

Nomeado Governador, Nobre de Carvalho chegou ao território sem saber o que, de facto, se estava a passar. “Apanhou o motim sem saber como nem porquê e conseguiu resolver o assunto com a ajuda de Carlos Assumpção [antigo presidente da Assembleia Legislativa]. Admiro que uma pessoa com um posto militar elevado tenha conseguido salvar o território. Ele aceitou as condições impostas pelos chineses, indemnizou as famílias dos membros que foram mortos com os disparos. Assinaram uma declaração de arrependimento. Constava que o exército chinês estava aqui ao lado, pronto a entrar no território”, afirmou Jorge Fão.

Também João Botas, jornalista e autor de vários livros publicados sobre a história de Macau, destaca o papel que Nobre de Carvalho teve neste período. “Só soube do que se estava a passar pelo Governador de Hong Kong e foi difícil tentar inteirar-se de tudo. Foi tudo uma bola de neve que era impossível controlar de outra forma. Poderiam ter sido evitadas algumas mortes”, nota ao HM. “Nunca teve o apoio oficial do Governo português e aí não foi fácil para Nobre de Carvalho. Fala-se da humilhação pela forma como ele resolveu o assunto, mas não vejo assim. Bem ou mal, com a ajuda de elementos da comunidade chinesa, resolveu um assunto que foi dramático e que poderia ter tido consequências”.


Palestra acontece amanhã na Livraria Portuguesa

Há cerca de três anos que o jovem activista Sou Ka Hou começou, por sua iniciativa, a estudar o que aconteceu há 50 anos no dia 3 de Dezembro de 1966. O antigo presidente da Associação Novo Macau decidiu pegar em meses de pesquisa e escrita, e realizar uma palestra para lembrar à população que um dia os chineses saíram à rua para lutar por algo em que acreditavam. “A história que os residentes de Macau devem conhecer: meio século sobre o turbulento motim 1-2-3” é o nome da palestra que irá decorrer na Livraria Portuguesa no domingo, entre as 15h e as 18h, e que contará com vários historiadores e académicos que se debruçam sobre o tema.

Ao HM, Sou Ka Hou lamenta que as escolas não ensinem o motim 1-2-3 aos mais novos. “As pessoas de Macau conhecem pouco a história local e este motim é considerado um dos acontecimentos mais representativos da história de Macau. Quero aproveitar este momento para atrair o interesse das pessoas, sobretudo dos mais jovens, deixando-os conhecer a história a partir deste assunto, para que depois tenham interesse sobre outros assuntos importantes”, diz.

“Parece-me que a sociedade não é mais pacífica e que ainda existem algumas confusões, e este acontecimento pode levar as pessoas a pensar, para que a sociedade avance. É uma pena que os manuais da história de Macau não falem disto, além de não registarem outros episódios da história”, defende ainda o actual membro da Juventude Dinâmica de Macau.

Sou Ka Hou recorda que a maior parte das associações tradicionais de cariz político, como a União Geral das Associações de Moradores (Kaifong), surgiu após o 1-2-3.

“O 1-2-3 demorou cerca de dois meses e aconteceu num lugar pelo qual muitas pessoas passam todos os dias. Mas poucos sabem que lá aconteceu este motim. Quando estava a investigar sobre isto percebi que este assunto estava muito próximo de nós, pois todos os dias passamos no Leal Senado. É uma grande inspiração pessoal e também para a sociedade, pois no passado reunimo-nos em conjunto para lutar por alguma coisa. Todas as associações foram fundadas após esse episódio. Há a ideia de que as pessoas de Macau muitas vezes não falam e não reagem a questões injustas, achamos que os locais são sempre indiferentes, mas segundo a história não foi sempre assim. Mas as escolas agora não nos ensinam isso. As pessoas de facto lutaram por algumas coisas”, rematou o activista.


Motim 1-2-3 trouxe “maior visibilidade às associações”

Para o investigador Fernando Sales Lopes, o motim 1-2-3 serviu sobretudo para dar mais poder às associações de matriz chinesa que já existiam, como a Associação Comercial de Macau e os Kaifong (associação de moradores).

“O pós-1-2-3 acaba por trazer outra estabilidade, Macau foi-se preparando a pouco e pouco para a transição de poder, apesar de faltarem ainda três décadas. Sempre houve um poder chinês e um poder português, e havia sempre uma negociação diária”, afirma.

“Depois do 1-2-3 houve um reforço do poder das entidades chinesas. Ho Yin, entre outros, teve um papel relevante neste período. As relações diplomáticas entre a China e Portugal só voltaram a ser restabelecidas após o 25 de Abril de 1974 e só estes capitalistas patriotas desempenhavam o papel de intermediários. Este papel de intermediários entre o poder português e a China acaba por vir a ganhar mais força, acabam por ser embaixadores e tornam-se líderes da comunidade chinesa. As associações chinesas, em vez de estarem fechadas numa comunidade, passaram a intervir no cenário público com mais poder.”

Apesar da importância do motim, o investigador afirma que o 1-2-3 foi “um acontecimento ligado ao contexto da altura. “Em Macau sempre fomos um porto de abrigo e fomo-lo para os chineses. Revoluções políticas na China sempre houve.”

Para o jornalista João Botas, autor de livros sobre a história do território, “é de facto um dos períodos significativos e marcantes da história de Macau”. “Foi naturalmente fruto do contexto, a história não se repete. Estamos a falar de um período, a consequência do que se passava politicamente na China, da Revolução Cultural, e que mais cedo ou mais tarde acabaria por chegar a Macau e a Hong Kong”, conclui.

2 Dez 2016

LAG 2017 | Governo promete continuar a ser exigente com salas de fumo nos casinos

As salas de fumo dos casinos, se vierem a ser autorizadas, terão de cumprir exigências restritas. Para Alexis Tam, é necessário tomar uma decisão sobre o assunto o mais rapidamente possível, sendo que, neste momento, o Executivo está a ouvir a opinião dos trabalhadores do sector

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Assuntos Sociais e Cultura está empenhado na implementação de regras mais apertadas no que respeita ao tabaco. A ideia foi deixada ontem na Assembleia Legislativa (AL), quando vários deputados solicitaram mais esclarecimentos acerca da proposta de revisão da Lei de Prevenção e Controlo do Tabagismo, que se encontra em análise na especialidade na segunda comissão permanente.

Para muitos dos deputados que analisam o diploma, é necessário que sejam instaladas salas de fumo nos casinos. Até agora, o secretário tinha-se mostrado intransigente, defendendo o fim do tabaco em todos os espaços públicos fechados, mas agora admite ceder.

O secretário entende que a instalação de salas para o efeito “é um projecto de alta qualidade e alta tecnicidade para evitar que o fumo saia desses locais”. Alexis Tam referiu ainda que o Governo pretende ser exigente neste assunto. “Vamos acelerar os estudos para ver se o padrão mais exigente de salas de fumadores pode ser aceite por nós”, disse.

A prioridade de Alexis Tam é a auscultação da opinião dos trabalhadores das salas de jogo. “Antes de aprovarmos, ainda temos de ouvir os trabalhadores dos casinos para ver se conseguimos, ou não, ter uma concordância. O objectivo é que a revisão da nova lei não perca a sua validade e iremos apressar os trabalhos para que seja aprovada o mais depressa possível.”

Fumo clandestino

A deputada Ella Lei levantou a questão do incumprimento do diploma em vigor. A representante dos Operários considera que “os casinos, neste momento, estão a violar a lei ao utilizarem outras salas, não destinadas a fumadores”.

Lei Chin Ion, director dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), considera que a lei tem sido aplicada, sendo que o ideal é a prevenção. “Temos aplicado a lei mas o melhor é prevenir. Temos os nossos inspectores que trabalham diariamente e temos uma taxa de multas atribuídas que é muito mais elevada do que nas regiões vizinhas”, explicou.

O director dos SSM sublinhou ainda que, “na reunião da comissão especializada, há pessoas do hemiciclo que entendem que devem existir salas de fumadores nos hospitais”.

No que respeita à proibição de tabaco nas paragens de autocarros, Lei Chin Ion referiu que o assunto ainda está em estudo e que será apresentado á comissão “em momento oportuno”.

2 Dez 2016

LAG 2017 | Alexis Tam prometeu melhorias no ensino do português

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de Macau defendeu ontem a posição privilegiada da cidade para o ensino do português e lembrou que, “dominando o português, facilmente se aprendem outras línguas” e se “alargam horizontes”.

“Temos todas as vantagens e condições para isso [ensino do português], conseguimos ver o valor da língua. O português é uma língua latina, dominando o português consegue-se facilmente aprender outras línguas estrangeiras, mesmo para aprender o inglês é facílimo. Dominando o português alargam-se os horizontes”, disse Alexis Tam, durante o debate sectorial das Linhas de Acção Governativa, na Assembleia Legislativa.

O governante recordou a visita do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, ao território, em Outubro, que “deu ordens à equipa governante de Macau para melhorar o ensino do português”.

O inglês, disse, “é muito promovido na China”, mas no português Macau tem vantagem, já que conta com um “legado histórico e uma ligação muito estreita com a língua”.

“Temos uma comunidade portuguesa em Macau, comunicação social em língua portuguesa, português como língua oficial. Nenhuma cidade da China tem as vantagens de Macau”, frisou.

Mais escolas gratuitas

A educação foi um dos temas centrais do debate de ontem, em que o Governo anunciou o alargamento da rede de escolaridade gratuita nos próximos dois anos. O número de escolas integradas na rede vai atingir 101, o que equivale a uma taxa de cobertura de 94 por cento, em vez da actual 89 por cento.

O secretário falou ainda do projecto ‘Céu Azul’, com que pretende transferir 15 escolas que actualmente funcionam em andares de prédios – e cujos alunos não gozam de instalações ao ar livre. Além de reduzir o prazo para as mudanças de 20 para 15 anos, Alexis Tam reiterou ainda que as escolas serão colocadas nos terrenos não aproveitados que o Governo tem tentado recuperar.

“Depois do despejo da ocupação ilegal desses terrenos, mais de uma dezena de escolas poderão funcionar ali. Mas temos de ser realistas: neste momento não temos terrenos suficientes para a construção das escolas. O Governo já começou a recuperar os terrenos não aproveitados e espero que muito em breve possamos dar início às obras e assim concretizar todo o projecto da obra ‘Céu Azul’”, disse.

Em 2011, o Governo identificou 48 terrenos para reversão para o domínio público por não estarem a ser aproveitados de acordo com os seus contratos de concessão. Em Novembro, o Chefe do Executivo afirmou que, até Setembro, “foram proferidos 38 despachos de declaração de caducidade das concessões de terrenos, que envolvem uma área que ultrapassa 400 mil metros quadrados”, apesar de vários casos estarem ainda em tribunal.

Em Agosto, a prioridade definida para estes terrenos foi o pagamento de 88.806 metros quadrados de dívida de terras, e em Setembro a habitação pública foi dada como essencial para esse fim.

2 Dez 2016

LAG 2017 | Educação especial pode ser obrigatória nos cursos de professores

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] disciplina dedicada ao ensino especial, até agora prevista enquanto opcional nos cursos de educação locais, poderá vir a ser obrigatória. A medida pretende ajudar a colmatar a falta de profissionais habilitados nas escolas de Macau.

“Estamos a pensar alterar a cadeira dedicada ao ensino especial. O objectivo é que deixe de ser uma disciplina de opção para passar a ser obrigatória no curso superior de Educação”, disse ontem Alexis Tam.

O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura respondeu assim às preocupações dos deputados com a necessidade em ter pessoas preparadas para trabalhar com as crianças com necessidades especiais. A falta de pessoal habilitado é admitida pelo próprio secretário: “Ainda não temos formação suficiente e adequada”.

O Governo já está a tomar medidas no apoio à formação de profissionais no estrangeiro. “Temos um plano de formação contínua para as pessoas prosseguirem os seus estudos neste ramo e conseguirem fazer os seus cursos no exterior. O objectivo é que estes alunos regressem a Macau e, desta forma, conseguirmos criar um quadro de profissionais”, afirmou.

Segundo o secretário, a iniciativa já fez com que “18 pessoas que aderiram regressassem ao território no programa que está a ser levado a cabo pela Direcção dos Assuntos da Educação e Juventude (DSEJ)”.

Ao nível local, já há professores que, antes de iniciarem a carreira profissional, podem frequentar cursos na área do ensino especial.

O secretário sublinha ainda que foi criada “uma equipa de trabalho para o tratamento precoce das necessidades das crianças com a integração de vários serviços”, e foram criados cursos para terapeutas, nomeadamente da fala, com início no próximo ano lectivo.

No debate das Linhas de Acção Governativa de ontem, a deputada Chan Hong manifestou-se especialmente preocupada com esta área. O problema, diz, agrava-se com o desenvolvimento do ensino pré-primário em que urge a detecção de problemas de desenvolvimento tão cedo quanto possível, de forma a que as crianças tenham um acompanhamento mais adequado às suas necessidades.

2 Dez 2016

Conselho Executivo | Dinheiro nas fronteiras e alterações na Função Pública

Em breve, quem entrar e sair de Macau vai ter de declarar o valor que transporta, se andar com mais de 120 mil patacas no bolso. A Assembleia Legislativa também vai receber em breve alterações ao Regime das Carreiras dos Funcionários Públicos

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] fim de cumprir recomendações internacionais, o Governo de Macau decidiu avançar com uma proposta de lei que obriga à declaração nas fronteiras do transporte de dinheiro no valor igual ou superior ao equivalente a 120 mil patacas.

Os principais pontos do diploma sobre o controlo do transporte transfronteiriço de numerário e instrumentos negociáveis ao portador, que segue agora para a Assembleia Legislativa, foram apresentados ontem pelo porta-voz do Conselho Executivo, Leong Heng Teng.

“Qualquer pessoa singular que, ao entrar na RAEM, transporte NINP [Numerário e Instrumentos Negociáveis ao Portador] de valor igual ou superior ao montante de referência [120.000 patacas] deve declarar esse facto aos agentes dos Serviços de Alfândega”, explicou, indicando que situação idêntica sucede à saída do território no caso de as pessoas serem interpeladas pelos agentes alfandegários.

Quem não cumprir o dever de declaração incorre em infracção administrativa, punível com multa de um a cinco por cento do valor que exceda o montante de referência, mas nunca inferior a mil patacas, nem superior a 500 mil.

Leong Heng Teng referiu que foi instalado um sistema de duplo circuito na zona de entrada dos postos fronteiriços: quem entrar com uma verba igual ou superior ao montante definido deve passar pelo circuito vermelho e efectuar a declaração; enquanto quem não tiver nada a declarar atravessa o verde.

“Esta declaração é feita pelas próprias pessoas por escrito e limita-se às informações pessoais necessárias e aos montantes transportados”, referiu o porta-voz do Conselho Executivo, indicando que as informações, a serem inseridas numa base de dados, que “serve para a detecção e prevenção de actos de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo”, vão ser destruídas ao fim de cinco anos.

A proposta de lei visa responder a uma das 40 recomendações no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo emitidas pelo Grupo de Acção Financeira (GAFI).

“A RAEM, como membro do Grupo Ásia-Pacífico contra o branqueamento de capitais, necessita, portanto, de cumprir as aludidas recomendações do GAFI”, justificou Leong Heng Teng, enfatizando que esse modelo de funcionamento existe noutros países e territórios.

Avançam carreiras da Função Pública

O Conselho Executivo apreciou ainda uma outra proposta de lei que prevê uma alteração ao Regime das Carreiras dos Funcionários Públicos, a qual constitui a “primeira” de duas fases de uma reforma geral, dado que “um dos trabalhos prioritários do Governo recai no aperfeiçoamento constante do regime da Função Pública”.

Numa primeira fase, serão objecto de revisão as matérias “que se afiguram relativamente autónomas e que mais preocupam os trabalhadores, de modo a serem eliminadas as deficiências constatadas, nomeadamente o facto de na redefinição e fusão de carreiras não ter havido lugar a uma ponderação suficiente da relação entre as mesmas, o que deu origem a uma concepção inadequada de algumas carreiras especiais”.

Além disso, a revisão surge por “a regulamentação dos requisitos de ingresso não satisfazer as necessidades de recrutamento do pessoal e [por] a eficácia dos procedimentos de acesso das carreiras não ser notória e revelar-se injusta”, indicou Leong Heng Teng.

As mexidas incluem a alteração dos índices das carreiras de controlador de tráfego marítimo, de topógrafo e hidrógrafo para que se tornem iguais aos de outras carreiras com os mesmos requisitos de ingresso; ou pela criação de concursos de avaliação de competências profissionais ou funcionais e clarificação dos graus de habilitações necessários ao exercício de funções de técnico superior.

Contemplam ainda a eliminação da necessidade de concurso para efeitos de acesso em relação às carreiras de dotação global e às especiais que não contenham regras ou dotações próprias de acesso, a fim de tornar a mudança de categoria mais célere e eficaz.

2 Dez 2016

Detido chefe de divisão dos Serviços de Alfândega

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Polícia Judiciária (PJ) deteve esta semana um funcionário dos Serviços de Alfândega por suspeita de envolvimento numa rede de falsificação de cartões de crédito. O homem, de 47 anos, era chefe de divisão.

“Os Serviços de Alfândega ficaram muito descontentes”, afirmou Alex Vong, o director dos serviços em questão, em declarações aos jornalistas à margem de uma conferência de imprensa do Conselho Executivo. Vong prometeu tratar o caso “de forma rigorosa”, “de acordo com a lei” e “sem tolerância”.

“Vamos instaurar um processo disciplinar contra esta pessoa e colaborar com a Polícia Judiciária na investigação”, acrescentou. A mesma ideia foi deixada num comunicado à imprensa dos Serviços de Alfândega.

A PJ indicou que o suspeito foi detido na quarta-feira, no local de trabalho, e transferido para o Ministério Público sob a acusação de passagem de moeda falsa.

A detenção surgiu na sequência de uma investigação posterior ao desmantelamento, no início de Abril, de uma rede de falsificação de cartões de crédito da China, que terá colaborado com um restaurante e duas lojas, numa operação que resultou em oito detidos, incluindo os responsáveis por esses estabelecimentos.

O funcionário dos Serviços de Alfândega é irmão mais novo de um dos detidos, uma mulher encarregada de uma loja de roupa. Segundo a investigação da PJ, os dois irmãos fizeram cinco transferências na loja com cartões falsos em Março: duas foram bem-sucedidas, totalizando 12 mil patacas, tendo recebido 15 por cento do valor como recompensa.

Na nota enviada à imprensa, em língua chinesa, explica-se que, de acordo com os dados até agora disponíveis, o suspeito não terá cometido o crime no exercício de funções. Ainda assim, como “o caso é grave e tem impacto social”, os Serviços de Alfândega desencadearam de imediato uma investigação interna.

Também o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, lamentou o ocorrido, através da página do seu gabinete. O governante garantiu estar a prestar muita atenção ao assunto.

2 Dez 2016

Canídromo | SJM já pensa em novos negócios

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ngela Leong, a administradora-delegada da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), afirmou ontem que o conselho de administração da operadora de jogo já esteve a analisar as possibilidades de exploração futura do Canídromo.

Em Agosto último, o Governo deu um prazo de dois anos para a Companhia de Corridas de Galgos, do universo SJM, decidir sobre o futuro do Canídromo. A empresa não pode continuar a operar o negócio no local, mas poderá fazê-lo noutro espaço do território.

Para Angela Leong, o Canídromo deverá manter o nome e a empresa deverá manter-se – posição que, diz, é consensual no conselho de administração. Há já uma ideia para o espaço: desenvolver “projectos criativos”, como “concursos de animais domésticos”.

A empresária falava à margem de uma sessão de contactos entre a SJM e Pequenas e Média Empresas (PME) locais, uma iniciativa que a concessionária organiza já pela segunda vez. A ideia é permitir a entrada de empresários de Macau, com pequenos negócios, no universo do jogo e dos resorts, sendo que, ontem foi dado destaque às microempresas e aos jovens empreendedores. Em termos globais, em cima da mesa estiveram negócios no valor de 200 milhões de patacas.

Aos jornalistas, Angela Leong falou ainda do parque temático da Hello Kitty proposto em 2009 pela também deputada à Assembleia Legislativa: neste momento, a proposta continua a ser analisada pelo Governo, mas “foram registados alguns progressos”. O projecto apresentado, especificou, inclui a construção de uma unidade hoteleira no complexo.

Noutro domínio, a empresária foi também questionada sobre a implementação plena do salário mínimo: Angela Leong defende “diferentes normas de acordo com diferentes tipos de trabalho”.

2 Dez 2016

Jogo | Receitas dos casinos subiram em Novembro

Pelo quarto mês consecutivo, a principal indústria do território apresentou em Novembro resultados encorajadores. As receitas dos casinos cresceram 14,4 por cento no mês passado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s receitas dos casinos de Macau subiram no mês passado pelo quarto mês consecutivo, alcançando 18,788 mil milhões de patacas.

Segundo dados da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, divulgados ontem, as receitas dos casinos subiram 14,4 por cento em Novembro, na comparação anual homóloga.

Trata-se do primeiro crescimento a dois dígitos, depois das subidas registadas em Outubro (8,8 por cento), Setembro (7,4 por cento) e Agosto (1,1 por cento), após 26 meses consecutivos de quedas anuais homólogas da indústria do jogo, o motor da economia de Macau.

Em termos acumulados, ou seja, nos primeiros 11 meses do ano, os casinos tiveram receitas de 203,395 mil milhões de patacas, menos 4,3 por cento em comparação com igual período do ano passado.

O valor ultrapassa o previsto para todo o ano pelo Governo – que, regra geral, é conservador nas estimativas – de que o sector do jogo iria fechar 2016 com receitas de 200 mil milhões de patacas.

Arrastada pelo desempenho do sector do jogo, a economia de Macau entrou em queda no terceiro trimestre de 2014, ano em que, pela primeira vez desde a transferência de soberania, o Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu (-1,2 por cento, segundo dados oficiais revistos publicados no mês passado).

Em 2015, o PIB caiu 21,5 por cento e nos primeiro e segundo trimestres deste ano voltou a contrair-se 12,4 por cento e sete por cento, respectivamente, na comparação homóloga com 2015, segundo os dados revistos.

Ao fim de dois anos de contracção, a economia de Macau voltou a crescer no terceiro trimestre, terminado em Setembro, com o PIB a aumentar quatro por face ao mesmo período de 2015.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou em Outubro que o PIB de Macau irá cair 4,7 por cento este ano, uma contracção menor do que os 7,2 por cento estimados em Abril. Já no próximo ano espera que a capital mundial do jogo regresse ao crescimento (0,2 por cento).

2 Dez 2016

Famílias de trabalhadores mortos em obra recebem indemnizações

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] queda de um andaime numa central eléctrica provocou na semana passada 74 mortos. A empresa responsável pela obra propõe-se agora pagar indemnizações de 175.000 dólares por cada uma das vítimas

A empresa de engenharia responsável pela construção de uma torre numa central eléctrica na China onde 74 trabalhadores morreram disponibilizou-se a pagar 175.000 dólares por cada vítima às famílias, segundo a imprensa.

A agência oficial Xinhua disse que as famílias dos trabalhadores concordaram aceitar a compensação, embora não tenha sido possível verificar a informação de forma independente.

O acidente, devido à queda de um andaime, ocorreu na quinta-feira da semana passada, na cidade de Fengcheng, província de Jiangxi, e deixou ainda dois feridos, depois de tubos de ferro, barras de aço e pranchas de madeira terem caído sobre os trabalhadores.

Cerca de 500 bombeiros, polícias e paramilitares participaram nas operações de resgate, segundo a televisão estatal CCTV, que exibiu imagens de destroços amontoados junto a uma torre de cimento de 165 metros.

Explosões há muitas

Uma explosão no ano passado num armazém em Tianjin matou 165 pessoas, menos de um ano depois da explosão numa fábrica na cidade de Kunshan (no leste) ter causado a morte de 146 pessoas.

Segundo dados oficiais, em 2015, a China registou 281.000 acidentes laborais, que causaram a morte de 66.182 pessoas.

Organizações não governamentais dizem que o número é maior, atendendo aos casos que permanecem encobertos.

Segunda maior economia mundial, a seguir aos Estados Unidos da América, a China é o país que regista mais acidentes industriais fatais.

A Organização Internacional do Trabalho estima que 20% das mortes causadas por acidentes laborais em todo o mundo ocorreram no país asiático.

Um responsável por uma empresa de logística foi recentemente punido com pena de morte suspensa devido à explosão num armazém no porto de Tianjin, no norte do país, por causa da armazenagem ilegal de químicos, que provocou 173 mortos.

Um deslizamento de terras, em dezembro passado, causado pela excessiva acumulação ilegal de resíduos de construção, enterrou 33 edifícios num parque industrial em Shenzhen (Sul) e causou 81 mortos.

Nas últimas três décadas, a economia chinesa cresceu em média quase 10% ao ano, mas as sucessivas tragédias são cada vez mais fonte de descontentamento popular.

2 Dez 2016

Armando Teixeira, vocalista dos Balla: “Sou muito inspirado pela música oriental”

Já os Balla existiam há seis anos quando Armando Teixeira percebeu a paixão de tocar ao vivo. Músico e produtor em vários projectos, o vocalista dos Balla actua hoje no Largo do Pagode do Bazar ao lado de Rui Reininho, no âmbito do festival This is My City. Armando Teixeira fala da liberdade criativa que a banda lhe traz e da inspiração que Macau lhe dá

[dropcap]O[/dropcap] que é que os Balla vêm mostrar a Macau?
No último disco [Arqueologia] já tínhamos participações de músicos de Hong Kong, Japão e Filipinas. Esta aproximação ao Oriente já vem do último disco e era algo que queríamos muito, perceber como é a cultura de Macau e a ligação de Portugal à China, conhecer o ambiente. Depois desta participação de músicos do Oriente, fazia todo o sentido vir cá tocar. Tenho pena que eles não possam estar presentes também [músicos de Hong Kong]. Temos essa vontade de mostrar o nosso trabalho a um sítio que nos deu tanto no último trabalho e que nos inspirou bastante. Queríamos perceber também porque é que Macau inspira tanto os músicos portugueses. Os Heróis do Mar têm um disco chamado Macau, os GNR fizeram 35 anos e nas memórias está presente a vinda deles a Macau, em 1990. Há sempre um grande fascínio pelo Oriente: desde Camilo Pessanha até agora, tem vindo a inspirar os artistas portugueses. É isso que queremos perceber, o que é que muda nos músicos portugueses quando vêm cá e porque é que se inspiram em Macau.

Macau é hoje mais chinês do que português. É uma inspiração que continua, mesmo para os músicos portugueses contemporâneos, os novos grupos?
Falo por mim. Sou muito inspirado pela música oriental e um sítio onde a cultura portuguesa coexiste com a cultura chinesa vai sempre necessariamente inspirar-me para fazermos música. Quando se chega a Macau ainda se sente a presença de Portugal, ainda que de maneira discreta. Ficamos com uma ideia de como terá sido a presença portuguesa e fica-se com a vontade de se conhecer mais. Acho que vai inspirar sempre porque é o Oriente que nos faz sentido, que nos diz respeito.

Os Balla começaram em 2000. Que balanço faz destes 16 anos, depois da participação em diferentes projectos?
Os Balla nunca foi uma coisa que levasse a sério, pelo menos com a periodicidade que eu queria. Sempre tive muitas produções, muitos outros projectos, as coisas nunca foram tão rápidas como aquilo que gostaria. Os Balla têm seis álbuns em 16 anos, não é uma média extraordinária.

Poderiam ter mais.
Sim, fiz muitas coisas pelo meio. Lembro-me que desde 2006 só consegui fazer um disco em 2010, tive muitas coisas para fazer e não consegui fazer um disco. Agora tenho dado mais atenção à banda e as coisas são mais periódicas. Tive muitos projectos, os Bizarra Locomotiva e os Da Waesel, os mais visíveis, mas procurava um projecto com o qual pudesse evoluir, mudar e envelhecer também. E os Balla foram isso: é o projecto que procurei e que quis sempre que pudesse evoluir conforme me apetecia. Poderia ir mudando, para mais electrónico ou mais acústico. Os Balla não têm limites, nem eu sei como será o próximo álbum, e é uma coisa que me agrada bastante.

Não é um grupo que se encaixe apenas na electrónica ou na pop.
A pop tem canções e quero que os Balla continuem a fazer canções. Vai sempre situar-se na pop por ter uma estrutura de canção. Há muita experimentação também e quero que continue a existir. É nos Balla que desenvolvo mais a minha veia de composição de canções. Nos outros projectos que tenho são coisas mais experimentais, com mais electrónica, que continuo a gostar bastante. Não me imaginava com os Da Weasel com 50 anos. Não dava para mudar, para ser outra coisa que não aquilo. Com os Bizarra Locomotiva também não podia crescer. Os Balla são uma banda que posso ir alterando e mesmo os músicos vão mudando.

É um projecto que lhe dá flexibilidade enquanto músico.
Completamente. É um projecto onde faço o que quero e que vai evoluindo como quero.

Apesar do começo em 2000, o arranque a sério fez-se em 2006, com o lançamento de um single na Antena 3.
Aí foi o terceiro álbum. Em seis anos foi o terceiro álbum que fiz. Nessa altura lançava dois a três álbuns por ano, com as outras coisas que fazia. De facto, em 2006 é que tivemos mais visibilidade e foi na altura em que tive mais vontade de cantar ao vivo. Até aí não tínhamos feito muitos concertos e eu não fazia questão de tocar ao vivo.

Porquê?
Gostava mais da parte do estúdio. Nessa altura foi quando descobri o prazer de tocar ao vivo, uma coisa que ainda não tinha percebido.

Já gravaram com Rui Reininho. Como foi essa experiência?
A primeira vez que gravei com ele foi há 12 anos e também participei num espectáculo que fez, quando fez 50 anos, chamado “Ecoponto”. Cruzámo-nos mas sempre tive uma admiração muito grande pelo trabalho do Rui, e ele também teve pelo meu trabalho. Foi uma coisa importante na altura e daí para cá já fizemos dois discos. Produzi e compus alguns temas para um disco dele a solo. Somos amigos e vamos continuar a fazer sempre coisas em conjunto.

O que é que os Balla trouxeram de novo à música portuguesa?
Os Balla trazem à música portuguesa a liberdade de fazer canções e o modo diferente de fazer canções. Se, no início, eram canções feitas com samples, uma coisa que não existia, quis criar canções com estruturas clássicas. Isso foi mudando, o sample perdeu algum interesse para mim como compositor, comecei a fazer o que sempre fiz, ligado à electrónica, e procurei incorporar cada vez mais elementos de música electrónica. Foi isso que me motivou no meu último disco e que me motiva para fazer canções.

Não faz mesmo ideia do que vai gravar a seguir?
A seguir vou fazer um disco da filarmónica do sítio onde vivo, os Olivais. Existe uma colectividade que tem uma banda filarmónica muito completa e sempre gostei muito dos metais. Dá para perceber pela música que faço. É uma ideia, mas acho que as coisas vão acontecer. Fará mais sentido ir buscar as minhas canções e que se enquadram mais nesse tipo de linguagem.

As sonoridades da música chinesa clássica poderiam inspirá-lo?
Inspiram-me bastante, talvez para um projecto que tenho com um contrabaixista, onde temos alguma liberdade. Tanto da minha parte, como da dele há a influência da música oriental, da ópera chinesa, que inspira bastante a música experimental.

2 Dez 2016

Rui Reininho, músico: “Vim para Macau afinar o meu diapasão a Oriente”

Há muitos anos, da última vez que cá esteve, o território deu-lhe uma música para construir. Agora, a convite dos Balla, regressa para um concerto no Bazar, ao final da tarde de hoje. Espera levar daqui outras perspectivas, porque o Oriente lhe faz bem. Rui Reininho está aqui

[dropcap]A[/dropcap] última vez que o Rui esteve em Macau para um concerto foi em 1990.
Eu tenho isso bem fresco porque temos uma página na biografia dos GNR, a que chamamos as impressões orientais, onde estão as fotos de Macau, indesmentível. Estava escrito no palco “Rock Macau – 90”, e encontrei uma t-shirt que levei de recuerdo que diz, precisamente, GNR Rock Macau 90. Portanto, 26 anos depois regresso a convite do “homem Balla”. Vim numa bala.

Qual é a sensação de regressar a Macau passado tanto tempo?
É preciso coragem, especialmente na circunstância em que estava. A viagem é longa, custa um bocadinho, mas vale a pena quando se chega e se vêem aqui coisas tão interessantes. Há indícios de Portugal em todo o lado, os autocarros dizem “seja cordial”, é muito interessante ver o registo linguístico de Portugal. Depois começam as estórias todas, parece que estão a querer limpar todos os símbolos do colonialismo português, mas depois esquecem-se de outras coisas como a esfera armilar que ainda está ali. É bonito, de uma certa maneira, há uma certa violência num sítio que foi ganho aqui ao mar. Em 1990 não havia sequer aeroporto. Mas há coisas que são impressionantes. Nós ontem viemos no jetfoil e passámos sob aquela ponte enorme. Pronto, são cidades que apostam muito na engenharia, na construção. Isto devia ser um paraíso para a Mota Engil e para a Soares da Costa. Para mim, é só um espanto.

Qual a sensação de estar prestes a voltar pisar o palco em Macau?
Macau é daqueles sítios que nos ficam, sem prejuízo para o Bombarral e Trancoso, terras que eu guardo com saudade. Mas, de facto, os espectáculos aqui foram tão marcantes quanto aqueles que as pessoas nos atribuem como emblemáticos, por exemplo o do Estádio de Alvalade.

Há uma história de cumplicidade com o Armando Teixeira.
Tornou-se numa grande amizade. Contactamos há muitos anos, a partir de um projecto pequenino a convite da Fnac para fazer uma versão do “Once in a lifetime” dos Talking Heads. Depois surgiu o convite da Sony para fazer um disco a solo, e eu convidei o Armando para produtor. Para mim, ele é o produtor mais brilhante da música pop nacional, mas ecléctico, sem comparação com mais ninguém. O Armando é completo. Além de dar muito atenção ao som, corta e cose muito bem, é um mestre em editing. Tem uma visão muito global e específica. Ainda por cima, trabalhar com um amigo é extraordinário, e tem ascendência sobre mim, sim. É aquela pessoa que me ralha. Mesmo em termos de comportamento, ele é muito mais disciplinado. Eu tenho aquele lado infantilópide que mantive e o Armando disciplina e diz “não, tens de fazer outro take”, é daquelas pessoas que vai buscar o melhor de mim e conhece-me bem.

Vocês fizeram uma colaboração num livro com música, o “Chá, café e etc”…
Sim, nós vamos começar o espectáculo com um intro de quatro chás seguidos. É um início difícil, espero que as pessoas não pensem que o espectáculo é só isso. Depois temos os Balla. Aí vem a minha parte como artista convidado, vamos tocar também o “Vídeo Maria” dos GNR.

Como é ver outros artistas pegarem nos temas dos GNR?
Nós, os grandes, como a dona Amália, não gostamos muito de ver os outros a fazer interpretações dos nossos temas. Estou a brincar (risos). Por acaso, não é coisa que me agrade muito, aquelas versões televisivas ou em concursos. Não é pensar que tenho mais mérito, mas acho estranho, esquisito. Espero que me poupem nas exéquias, porque eu, como na música “Valsa dos detectives”, dou uma volta no caixão. Não darei porque uma das minhas vontades é ser “cromado” (risos) ali na Rua da Torrinha numa cromagem de pára-choques (risos). Curiosamente, gostei da chamada homenagem no disco “Revistados” porque era outra geração com gente ligada ao R&B e Hip Hop, e acho que tem ali versões muito engraçadas.

O que é que o público de Macau pode esperar hoje?
Será surpreendente e acho muito interessante que este festival aconteça numa zona da cidade que é de grande incidência da cultura chinesa. Recordando o concerto de 1990, a reacção foi um bocado fria, até porque as pessoas não conheciam as músicas. Também havia os sorridentes mas eles, na altura, estavam mais interessados numa banda pop rock de Hong Kong.

Chegou há pouco tempo a Macau, como têm sido estes primeiros tempos?
Ainda não aterrámos, mas estamos num sítio maravilhoso, a Casa Garden, a cinco minutos do Jardim Camões. É uma casa colonial, tropical, com bambus. Acredito muito nas vibrações dos sítios, portanto, é um sítio com uma portugalidade muito intensa e antiga, mercantil. É interessante este toque colonial, gosto muito da decadência dos impérios e de os visitar. Aliás, um dos próximos países que hei-de visitar são os Estados Unidos da América do Norte. Acho que nos próximos anos vamos ter ali surpresas.

Os GNR celebraram agora 35 anos…
Estamos sempre a celebrar porque nunca parámos. Foi um ano cheio de espectáculos e vamos fazer um prolongamento. Para o ano sou eu a fazer 35 anos de GNR – como entrei um ano a seguir, temos mais uma desculpa. Vamos também fazer um espectáculo no Porto. O Porto fica sempre assim com aquela pedra no sapato, “foram a Guimarães e não vieram aqui?”, parece o Porto a rosnar. Começamos por Coimbra, na passagem de ano.

Voltar a estúdio está nos vossos planos? 
O estúdio é nosso, o selo é nosso. Mesmo agora, quando fizemos a biografia, eu e o Toli juntámo-nos e acabou por nascer o “Arranca coração”, que é o chocolatinho no café. Há sempre a necessidade e o prazer de estar a funcionar e a trabalhar, porque temos de investir em nós próprios. A música em Portugal, infelizmente, não é uma indústria, o que tem para oferecer agora é pouquinho, exige mais do que dá.

Voltando ao DVD…
Quando já não se usam DVDs vamos fazer um objecto obsoleto, vintage, porque temos aqueles fãs teimosos que perguntavam, sem parar, “para quando um DVD dos GNR”. Foi um problema que tivemos com as editoras, nunca nos fizeram um DVD. Agora é o máximo de liberdade. Este DVD foi baseado no concerto do Campo Pequeno, está agora a ser editado e deve sair em Fevereiro.

Fez anotações numa edição do “Alice no país das maravilhas” do Lewis Carrol, e as letras dos GNR sempre tiveram algo de poético e surreal. Alguma vez pensou em experimentar a literatura?
Não posso disparar em todas as direcções, se não mandam-me internar (risos). As “Dunas” deixo para o povo. Às vezes digo, por graça, que apesar da pretensão de ser um liricista, ou poeta, vou ficar mais conhecido na minha pequena história como o homem que inventou o “paptchiuariauá”. É quase o meu “obladiobladá” dos Beatles. Tenho um esboço de romance, e alguns convites, mas acho que já vou um bocado tarde. Mas da última vez que estive em Macau surgiu-me a “Ana Lee”, e ali ao lado saiu o “Tóquio Joe”.

O que é que o Rui gostava de fazer no futuro?
O libretto que estou a fazer, maior que estes edifícios em termos de gigantismo, será o meu Godzilla. Tenho o sítio, referências e as pessoas indicadas para o projecto. Neste domínio é muito bom viajar, ter recuo. Para mim, a maior felicidade era que me despoletasse assim uma coisa, um livro de sonetos por aí fora, à Byron.

Que música é que o Rui ouve em casa?
Muito pouca, tenho ouvido o “Substance” dos Joy Division, mas também posso ir ao “Out of the blue”, do Miles Davis, ou a um Mahlerzinho. Infelizmente, já não tenho aquelas incidências vínicas que me permitam beber uma taça de espumoso.

(ouve-se, em plano de fundo, um piano a ser afinado)

Ele toca o “tim tim tim”, o afinar de um piano, é um momento perturbante. Digamos que vim aqui a Macau afinar pelo diapasão oriental. Vai ser bom para perspectivar, e de certeza que esta semaninha vai trazer mudança na minha vida. Vou afinar as minhas frequências com o Oriente, há aqui outro comprimento de onda.

2 Dez 2016

Conselho Mundial confirma corrida do WTCC em Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Conselho Mundial da Federação Internacional do Automóvel (FIA) confirmou no final de quarta-feira aquilo que a Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau foi incapaz de fazer durante a 63ª edição. O Campeonato do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCC) está de regresso ao evento automobilístico da RAEM, ocupando o lugar do TCR International Series na Corrida da Guia. O calendário do WTCC foi aprovado em Viena, na Áustria, e a prova do território está pendente apenas da aprovação da associação desportiva nacional da RAEM, neste caso, a Associação Geral-Automóvel de Macau-China (AAMC). Depois de dois anos ausência, os organizadores do WTCC estão bastante satisfeitos em voltar ao território no próximo ano. “Nós sempre mantivemos a porta aberta a Macau e estamos muito felizes por regressar a um dos mais icónicos circuitos citadinos do mundo”, disse François Ribeiro, o responsável máximo pela Eurosport Events, a empresa que tem os direitos de promoção do campeonato.

“Macau é muito especial, provavelmente a mais forte corrida na Ásia. Discussões com a nova gestão local voltaram no início deste ano e foram harmoniosas e simples com uma grande vontade de ambos os lados para criar um evento extremamente bem sucedido. Obviamente há uma sinergia com outras categorias da FIA que fazem parte do fim-de-semana do Grande Prémio de Macau”.

De 2005 a 2014, o Grande Prémio de Macau foi a prova final do WTCC, no entanto, em 2017,  a prova do Circuito da Guia será a penúltima, pois será Losail, no Catar, quem encerrará a temporada. Em 2017 o Grande Prémio de Macau deverá ter três corridas sob a égide da FIA: WTCC, Mundial de F3 e Mundial de GT.

Espaço para os locais

Com o abandono da Citroen e da LADA, e confirmada apenas a continuidade das equipas de fábrica da Volvo e Honda, o WTCC encontrou uma solução de recurso para o seu parque automóvel ultrapasse a dúzia e meia de viaturas em 2017.  A competição mundial vai introduzir no próximo ano uma segunda categoria, a chamar-se “WTCC 2”. Esta categoria será aberta a carros que cumpram o regulamento FIA TCN2 e que assim poderão correr lado a lado com os actuais e extremamente caros Super 2000 TC1 nas provas do mundial.

A categoria TCN2 é a categoria mais significativa da Taça Europeia FIA de Carros de Turismo (ETCC). Basicamente usa os carros do conceito TCR com alguns requerimentos para os fazer legais à luz do regulamento TCN2, como componentes de segurança e um depósito de gasolina especial da FIA. Esta abertura no regulamento irá permitir aos pilotos da região participar na Corrida da Guia com os mesmos carros que utilizaram este ano na mesma corrida.

2 Dez 2016

António de Castro Caeiro: “A poesia arcaica, a epopeia, a lírica e a tragédia sempre me interessaram”

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap]s professor de filosofia na Universidade Nova de Lisboa, tradutor de Aristóteles e de Píndaro, e recentemente editaste um livro entre a filosofia e a poesia, chamado Um Dia Não São Dias, que tive a honra de apresentar. Como entendes tu esse livro?
O livro é uma tentativa de escrever fenomenologia do tempo fora de um estilo e âmbito estritamente académicos. Usei como embrião um texto escrito na USF (University of South Florida) de 2004 sobre os dias da semana. Cada dia tem o seu tom, a sua vibração específicas. A temporalização que organiza e estrutura o dia tem também diferenças. Assim também a semana, as semanas de um mês, os meses de um ano, os anos. A possibilidade teórica está dada desde a antiguidade. Em Homero e Píndaro, mas também em Tácito, os dias ou o ano são o “sujeito” que serve de plano de fundo estrutural ao ser de tudo o que acontece, ao desenrolar do tempo, ao começar e ao expirar dos prazos. Quis redigir todos os dias um pequeno texto e foi o que fiz, quando tive um Blog no Expresso online. Escrevi todos os dias durante nove meses aproximadamente. Foi esse conjunto de apontamentos que serviu de base para aquilo que depois tu (PJM) editaste.

Quais os próximos projectos de tradução, tanto os que já tenhas terminado quanto os que ainda irás começar?
Estão para sair as constituições perdidas de Aristóteles num conjunto de fragmentos dos livros perdidos de Aristóteles: os Historika. Estão a ser preparados para sair também na Abysmo dois outros volumes de traduções de fragmentos: um volume sobre o que contemporaneamente se pode chamar Estética e um outro dedicado a textos de teor científico. Sairá também pela Abysmo uma tradução das odes Olímpicas de Píndaro. Ainda por fazer está uma tradução dos fragmentos éticos dos velhos estóicos em colaboração com um colega meu, desta feita para o IFIL Nova, unidade de investigação a que pertenço.

A tua relação com a poesia vem de longe, e foi concretizada em livro numa primeira vez na tradução das Píticas, de Píndaro, em 2005, pela Prime Books e depois, mais tarde, reeditado pela Quetzal, em 2010. Recentemente aceitaste participar num projecto de leitura de poesia ao vivo com música (o contrabaixo de Carlos Barretto), chamado No Precipício Era O Verbo, juntamente com o poeta José Anjos e o actor André Gago. Já fizeram vários espectáculos pelo país e gravaram um disco. O que te levou a este projecto?

Sim, a edição das Odes de Píndaro pela Quetzal com ensaios em 2010 é já uma reformulação da tradução das Odes Píticas, editadas em 2005 pela Prime Books. A poesia arcaica, a epopeia, a lírica e a tragédia sempre me interessaram, porque aprendi que para se ler Platão não basta saber o grego em que ele escreveu, mas os princípios genéticos do Ático. A sabedoria popular ou o folclore são formas de manifestação das inquietações do espírito dos tempos e não podem ser ignoradas. No Precipício Era o Verbo não existiria sem vários factores humanos na base do seu nascimento. O João Paulo Cotrim da Abysmo apresentou-me ao José Anjos, este ao Carlos Barretto, e eles ao André Gago. Numa sessão de apresentação de Um Dia Não São Dias, na Barraca, organizada pelo poeta Miguel Martins, o Carlos Barretto propôs que tentássemos fazer leituras com Contrabaixo. O João Paulo Cotrim associou-se ao projecto e, assim, aos poucos, demos corpo a um reportório com poesia ou textos poéticos do José dos Anjos, André Gago e meus, com versões de poesia estrangeira (dórico e alemão) lida no original. A experiência do palco ressuscita a minha juventude quando actuei como baixista nos Mata-Ratos. Tem sido gratificante a partilha e fazer parte de um projecto em que acredito pela sua consistência e originalidade. Aproveito para dizer que o nosso percurso será coroado pela primeira vez com a actuação no CCB, no dia 20 de Dezembro.

Pensas em escrever acerca de poesia, de modo a produzir um livro?
Por defeito, tudo o que leio tem vista poder falar sobre o assunto nas aulas, assim também tudo o que escrevo visa a possibilidade de uma publicação, no sentido lato do termo. Tenho feito várias apresentações de livros de poesia de autores contemporâneos portugueses. Sempre produzi texto para o efeito, porque nunca consigo falar “de cor” nestas circunstâncias. Gostaria, contudo, de fazer despistagens de maior fôlego sobre o modo como a poesia exprime e se posiciona relativamente a problemas mais intimamente ligados à metafísica: a vivência da temporalidade humana, crónica e finita, definição de orientações e direcções em encruzilhadas, indecisões, destino, contra tempos, atrasos de vida, perda de sentido, crises afectivas, impactos emocionais, disposições, etc., etc.. A economia da formulação poética sempre me impressionou muito mais do que o encadeamento argumentativo. Talvez sejam duas formas indispensáveis para “dizer o humano”, complementares, indissociáveis.

E para quando um novo livro teu de filosofia?
Tenho estado a estudar a melancolia como manifestação do espírito desde os Hipocráticos, passando por Platão e, claro, Aristóteles que tem, este último, uma referência explícita ao fenómeno, nos Problemata. Depois, tenho estudado o fenómeno do ponto de vista da psicopatologia e da fenomenologia. O conjunto de estudos que sairá de um semestre que farei sobre melancolia, depressão, mania e euforia, constituirá um conjunto de anotações e de textos. O que sair desse curso permitirá a redacção de um texto. Não sei ainda qual o seu formato, mas pretendia que pudesse ser lido sem os tiques do ensaio académico e que se aproximasse mais do modelo encontrado para Um Dia Não São Dias.

2 Dez 2016

Objecto discreto

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á dias que são o diabo. Esse cão. Um fim de tarde quase quente a disfarçar a perspectiva de declínio desse Outono de um ano qualquer esquecido de si. As folhas no chão, que, mesmo se não houve uma ventania forte e desarrumada a vencê-las, se deixaram calmamente cair da idade própria. Talvez num voluteio dançante sem pressa. Ou talvez a pique e com um ruído seco quase inaudível. Que não deixa dúvidas de estação. De cor, de dia seguinte. Mas a temperatura da tarde, sim. Não que estivesse calor, não me expliquei bem. Era só que não estava um milímetro de uma sensação de frescura, que fosse, nem um segundo de arrepio ou a vontade de compor melhor o bolero de lã fina. Tão fina como seda. Tarde a querer esquecer o tempo e a poder esquecer a temperatura, lá bem no meio da conversa, só um constatar ligeiro de como estava bom. Ali. Num final de semana de uma liberdade desusual. Horas de conversa mansa e fácil. Numa mesa no coração do jardim, da cidade. Uma estação que como quase todas tem dias que anunciam o seu fim e dias que são como uma quinta estação. Dias sem estação. Aqueles, em que a vida não dá, não tira, nem pesa. É. Simplesmente e com alívio. Mas circulares, estes.

Depois o voltar a casa lento e um pouco triste de voltar. De um esquecimento de toda uma camada do tudo. Que volta a mim, na volta a casa. Por entre as árvores no perímetro máximo do jardim, enquanto possível. O dia baixo. A luz, a já pouca réstia do dia, a esvair-se rápida. Sem frescura de maior. A mesma mansidão de toda a tarde. Foi talvez ao fim dessa linha traçada pelo caminho mais longo e antes de deixar as árvores pelas pestanas dos outdoors publicitários, que comecei a ouvir um som inquietante como uma respiração fantasmagórica a acompanhar-me os passos como um cão. O cão. Porque há dias assim. Como sempre não acredito facilmente em sensações insólitas. Há uma desconfiança atemorizada de entrar nessa porta como a não haver retrocesso possível. Uma hesitação. Uma atenção redobrada e olhar em torno. De mim, dos pés que pararam e com eles a respiração. Uma coisa de outro mundo. Mas eu não acredito. Nem no mal e nem em outro mundo. Em nada, mais. Nem em significados nem em sentidos. Mas nos órgãos dos sentidos, no momento puro de uma sensação. Nítida. Olfativa. Mesmo até presa de matérias da memória. Às vezes o cheiro nítido. Como aquele meio adocicado do alcatrão pastoso em verões de outro tempo. Porque acredito em outro tempo quando regressa em forma de sensações nítidas. Quase tão real ou mais do que o de hoje. Em que não troquei palavra com ninguém, nenhum cheiro me mobilizou a atenção e nenhuma dor a mais me prendeu a uma cadeira. Mas ali, como sempre a ensaiar o andar leve, porque quando os passos são leves, a vida flui. Pensar o contrário é um perigo. Como  nas palavras.

Parei relutante comigo própria por o fazer a partir de uma sensação tão insólita e estranha. Nada. Recomecei os passos com a mesma desenvoltura de sempre. Há que tornar os passos leves e com eles o corpo. E tudo parece perto do voo. E comigo recomeçou à altura dos passos aquela respiração desdenhosa e pesada. Inconfundível. Era. Uma respiração. Bem, uma espécie de respiração, entendi. Sentei-me no banco do final do jardim a fazer contas ao acontecido e mais ainda a toda uma história em potência que imperceptivelmente se insinuara na minha mente receosa de se ter alienado. Era mais isso que me ocupava naquele momento. Rever as sensações, as extensões a partir da perplexidade num primeiro instante, distraída. E que talvez eu tivesse, apesar de tudo a capacidade de acreditar em quase tudo, mas a sorte de pouco me acontecer, na escala do muito estranho.

Fico ali mais um pouco na preguiça de voltar a tudo. Quase noite, entretanto. As luzes a tomar lugar. As sombras no jardim. Olho finalmente com atenção, feitas contas ao sobrenatural,  os sapatos suspeitos. Eles. Afinal. A origem do mal, aquele. E recuei uma vida a partir daí. Os meus sapatos azuis de verão. Com bem mais de quinze anos e rosto sonso de novinhos em folha. De camurça escura e sola compensada. Completamente fora de moda esse ano e outros. Como costumo gostar. Mas como é meu costume, poupados anos a fio no temor de os gastar e na perspectiva de nunca voltar a encontrar uns iguais para sempre. Acontece-me isso com as coisas de que gosto muito. Ficam num museu imaginário de porvir perfeito. Bandidos. Por detrás da sua face impecável, de quem dormiu anos numa caixa, envoltos em papel de seda, escovados e com bolas do mesmo papel a resguardar-lhes os interiores não fossem esmorecer, ganhar dores incómodas, torcicolos. Ali, depois de horas de pouco esforço a ouvir-me a conversa à mesa de uma esplanada no meio de um jardim, no meio da cidade, e sem outros sinais de depressão que aqueles suspiros. Porque eram eles. Mal me levantei a voltar à vida, abateram-se-lhes os interiores da sola espessa e compensada de uma matéria invisível e desconhecida forrada a camurça escura em azul. Qualquer coisa neles, no interior daquelas solas altas, abateu discretamente um centímetro ou dois. E ao sabor dos passos aquele suspiro duplo, emitido por cada um dos sapatos de verão em camurça azul, de que tanto gostava e que ao olhar nada diziam do desastre que lhes comia as entranhas de cada vez que poisavam no chão. Ora um, ora outro. Aquela respiração pesada e desesperada como um suspiro. Alto, audível e sem dúvidas de realidade. Guardo-os, anos, pelas formas anacrónicas. Pelo puro prazer das formas, pelas épocas que evocam, pelos momentos colados a eles como um nome, um dia de um ano. Personagens. Luzes especiais. Como colecionadora que não sou. Odeio colecções mas gosto de formas e de sapatos como registo de vida. Poupo-os demais. E mesmo assim, aparentemente na sua vida própria e resguardada, envelhecem e adoecem. Deprimem. Talvez de falta de luz e existência.

Mais tarde levantei-me com pouca vontade do banco do jardim da cidade, e segui o meu curto caminho para casa, acompanhada agora de dois seres deprimidos, envergonhada daqueles suspiros a acompanhar-me como se torturasse alguém por debaixo dos meus pés. Mas antes, num olhar desprevenido para o lado, ainda a apreciar essa temperatura como ausente, ali mesmo ao meu lado no banco de jardim, como se sempre ali tivesse estado, o objecto. Pequeno, o cano curto e luzidio. A menos de um palmo da minha saia. Jurava pela minha saúde que não estivera ali desde o início. O início da minha pausa para pensar na respiração estoica ou sofrida dos sapatos velhos com ar sonso de novinhos em folha. Como disse.

Reconheci-o sem nunca o ter retirado da bolsa de seda preta, comprada num mercado de rua num outro lugar do mundo, em outro ano. Mas na realidade nunca o tinha visto para além de uma forma imprecisa a avolumar discretamente, por entre o drapeado da seda preta com flores brancas, bordadas. Da bolsa de seda, comprada num mercado de rua. Uma coisa de um contrabando tão implícito que nem o preço negociado o insinuou por instantes que fosse. Mas a bolsa jaz também ela envolta em papel de seda numa gaveta de coisas preciosas e secretas. Algumas. É uma coisa insólita. Esta. Até porque é uma estética de outros tempos também mas que em nada condiz com a dos sapatos. Nessas coisas sou rigorosa. Por isso não a levei comigo. Nem o revólver. Que nunca retirei da bolsa de seda do papel de seda e da gaveta secreta. Olho o revólver pequenino e perigoso e em volta a ver se outros olhos o reconhecem com é. Ou o veem, no mínimo. O que seria, no mínimo, tão embaraçoso como os suspiros a acompanhar-me a casa, pesados e persistentes. A hipótese do invisível, não é melhor. Colho-o nas pontas dos dedos, e no olhar de suspeita, a medo e aninho-o no interior do bolero de lã fininha, como a um pequeno bicho friorento. Sem saber o que lhe fazer. Nem ter nada a ver com ele. Nunca uma palavra o levou ao interior daquela bolsa de seda. À gaveta do roupeiro. Ao caminho. Ao banco de jardim. Caminho pela rua e sem querer algo em mim suspira inadvertidamente como se alguma coisa algures acima dos sapatos num ponto indeterminado, se tivesse abatido aí também Em mim. Para além de um centímetro ou dois de cada vez que poisava um pé no chão. E depois o outro. E sempre o mesmo centímetro ou dois. Talvez a pequena mancha distraída, de um vermelho escuro mesmo por baixo do revólver, no banco de jardim. Inocente. Silenciosa.

No caminho, algo em mim vai esquecendo tudo senão aqueles persistentes suspiros que não param. Afrouxo uma das mãos do peito e do bolero de lã fininha a esconder o insólito e vejo-a colorida de um calor vivo escuro e viscoso. Escondo-a junto ao bicho clandestino e sei de onde, dentro, se verte a cor. De que ponto preciso do meu desconhecimento anatómico desculpado pela pele. Previdência natural mas não infalível. Algo se rompeu dela ali. Não ouvi o som. Não senti a dor. Talvez distraída pela temperatura confortável e ausente. Chego a casa e a chave escapa-me da mão de cansaço. Com o ruído estridente do prédio silencioso por fundo. Percebo que não morri. Pelo ruído. Talvez. Há o som das chaves. De casa. E a casa. Lambo dois dedos para não sujar a chave e o sabor doce, o aroma inconfundível do chocolate. Desconfiava que me corria nas veias. Antes assim, qualquer coisa comestível a partir de um coração de bolacha – ou de suspiro – do que imaginar-me sempre a carregar uma quantidade repugnante de vísceras semi-desconhecidas. Antes um corpo abstrato. A verter chocolate quente. E não houve crime. Mas qualquer coisa.

Se fosse, era passional. O estrondo do estampido do impacto do tiro e o calor de um abraço. Mas a temperatura era ausente. Como disse. Portanto não houve crime. Nem história para contar. Mas houve qualquer coisa. E num dia qualquer começou a doer.

E depois, ela, ali, baixinho, a outra, ela ali baixinho, de frente, em confidência, em desespero, que a morte não pode nunca ser metáfora de nenhum abandono, abandono de si, de nenhuma indiferença, de si, de nenhum outro, de nenhum outro em si ou vice-versa. Que a vida tem um preço maior. Em abismos e seres da natureza deles, em mergulhos e tempos que os relógios param para observar, em perdas e ausências mútuas, ou em trocas de territórios como roupas emprestadas. Existir mental fora de si e existência sentida como habitada em si. E tudo dali, excepto a morte, tem um preço de vida sensível, visível ou invisível de aceitação tácita. Não há morte. Senão a que tem que ser. A única e não amada mas familiar a achegar-se mansa de falas porque o seu dia, ninguém lho tira.

Sentada à mesa da cozinha com aquele caderninho anacrónico das receitas, repensa quantidades e proporções. Um pouco mais de chocolate, mas experimentar com pimenta. Que quantidade arriscar, coisa a pensar muito bem. Talvez por tentativa e erro. Como chegara à receita daquele bolo cremoso, de comer morno, saído do forno. A verter chocolate ao primeiro toque.

2 Dez 2016

Os incidentes de 3 do 12 de 1966

1-2-3
A estátua do Coronel Vicente Nicolau de Mesquita, situada no Largo do Leal Senado desde 1940, antes de ser deitada abaixo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 3 de Dezembro de 1966 ocorreram confrontos entre a comunidade chinesa de Macau e as forças do Governo português, episódio conhecido pelo “1-2-3” e que se prolongou até 29 de Janeiro de 1967. Era o extravasar de tensões, trazidas como herança do não reconhecimento por parte do Governo de Lisboa da República Popular da China, proclamada a 1 de Outubro de 1949, assim como em Macau, a resistência feita pelo governo português às forças comunistas da cidade e as ajudas que aqui tinham as organizações nacionalistas, partidárias de Chiang Kai-Skek e derrotadas em 1949 pelo Partido Comunista numa longa guerra, levando-os a fugir para Taiwan. Os que para aí não seguiram refugiaram-se em Hong Kong e Macau e daí faziam constantes provocações aos governantes da República Popular da China.

O brigadeiro Nobre de Carvalho aceitara o cargo de Governador, quando Macau era um lugar tranquilo, sem os problemas que enfrentavam os restantes territórios portugueses do Ultramar. Vinha substituir Lopes dos Santos que, devido à doença da sua esposa foi obrigado a ficar por Portugal e apesar de novamente nomeado para um segundo mandato, teve de o recusar. O novo Governador Nobre de Carvalho, só quando chegou a Hong Kong, a 25 de Novembro de 1966, soube pelo seu homólogo da colónia vizinha, Sir David Trench, o problema que o esperava. No barco para Macau, o chefe de gabinete Mesquita Borges e o ajudante de campo, Mendes Liz, explicaram-lhe o problema ocorrido a 15 de Novembro. Tudo começara com a construção de uma escola na Taipa, para a qual a Associação de Moradores da Taipa tinha há longo tempo pedido uma licença às Obras Públicas, mas vendo o tempo a passar e sem resposta, os residentes resolveram começar a construir o edifício. Logo interveio a polícia, havendo feridos, o que revoltou a população chinesa. Acabado de chegar, “Nobre de Carvalho foi apanhado completamente de surpresa e viu-se no meio de algo que não entendia, apesar de ter ficado com o caso para resolver”, segundo Manuel Maria Variz, com quem a partir daqui seguimos o seu relato. A 3 de Dezembro avançou uma manifestação de chineses até ao Leal Senado e perante a fraqueza da polícia, que não recebia ordens do seu comandante, “os amotinados espatifaram o Leal Senado e a Secretaria Notarial e não fizeram mais porque não quiseram…”

Documento secreto

O documento, que passamos a reproduzir, foi considerado «secreto».

Resposta do Governo de Macau ao protesto que lhe foi apresentado pelos representantes dos habitantes chineses de Macau: “O Governo de Macau solenemente declara. Que decidiu assumir a inteira responsabilidade do incidente sangrento de «15 de Novembro», ocorrido na ilha da Taipa. E dos trágicos acontecimentos de «3 de Dezembro», ocorridos em Macau.

A fim de impedir que habitantes chineses da Taipa reconstruíssem a sede da sua Escola, o Governo de Macau, em 15 de Novembro de 1966, destacou polícias para reprimir aqueles habitantes de que resultaram feridos e detidos, o que provocou indignação nos habitantes chineses de Macau.

No dia 3 de Dezembro, quando professores e alunos chineses de Macau se dirigiram ao Palácio do Governo para apresentarem o seu protesto, o Governo de Macau novamente destacou polícia para os reprimir e, em seguida, impôs a lei marcial, reforçou tropas para disparar tiros, dos quais resultaram mortos e feridos entre habitantes chineses.

Nestes incidentes, infortunadamente, ao todo, foram mortas 8 pessoas, ficaram feridos 212 e detidas 62, admitindo o Governo de Macau representarem estes factos sérios crimes dos seus principais causadores.

Por isso, o Governo de Macau dirige-se agora, respeitosamente às famílias dos mortos e aos feridos, aos que estiveram presos e a todos aqueles que porventura tiverem sofrido quaisquer prejuízos durante estes incidentes, bem como a todos os habitantes chineses de Macau, para admitir as culpas havidas, significar as respectivas escusas e manifestar o seu profundo pesar.

Tendo decidido aceitar, na totalidade, os seis pedidos apresentados pelos representantes dos habitantes chineses de Macau e executá-los imediatamente, o Governo de Macau já exonerou sucessivamente das suas funções, por os admitir como causadores destes incidentes e para apuramento das suas responsabilidades, o Comandante Militar Mota Cerveira, o Comandante da Polícia Galvão de Figueiredo, o Segundo Comandante da Polícia Vaz Antunes e o Administrador interino do Conselho da Ilhas Rui de Andrade, ao quais foi ordenada a sua imediata saída de Macau, para regressarem à Metrópole, para aguardar julgamento das instâncias competentes e correspondente punição.

Igualmente decidiu o Governo de Macau chama a si a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas do enterro e da cerimónias fúnebres, bem como das compensações às famílias dos mortos, pelo pagamento de todas as despesas de hospitalização e tratamento dos feridos e também dos prejuízos inerentes, responsabilizando-se, ainda, pelo pagamento de todos os prejuízos resultantes da invalidez dos feridos, pelo pagamento das indemnizações às demais vítimas, por todos os prejuízos derivados destes incidentes.

O governo de Macau pagará em dinheiro todas as indemnizações acima referidas, cujo montante é de $2.058.424,00 (patacas) e solicita aos representantes de todos os sectores sociais dos habitantes chineses de Macau a indicação de um organismo para se encarregar da sua distribuição.

Aboliu-se já a lei marcial, foram postos em liberdade todos os indivíduos detidos durante estes incidentes e cancelados os processos que respeitam aos seus registos, devendo também considerar-se anulada, por infundada, a sentença proferida contra um dos habitantes chineses presos durante os incidentes da Taipa e cancelado o seu processo.

O governo de Macau já reconheceu a legitimidade da pretensão dos habitantes chineses da Taipa para reconstruir a sede da sua Escola, podendo esta obra ser efectuada imediatamente.

Acrescente-se ainda que foi atendido o protesto do diário «Ou Mun», referente ao caso da sua reportagem o incidente da Taipa, pelo que se assegura que, de futuro, não se repetirá semelhante ocorrência.

O governo de Macau reitera o seu pesar a todos os habitantes chineses de Macau e dar efectivas garantias de segurança das suas vidas e dos seus haveres e de protecção dos seus justos direitos e interesses, para o que, além do mais, reafirma e assevera que, de futuro, não permitirá decididamente que os agentes secretos do grupo do Tchiang Kai-Chek pratiquem quaisquer actividades em Macau. O Governador de Macau – José Manuel Nobre de Carvalho”.

A assinatura do acordo de capitulação, com um texto imposto pela parte chinesa, teve lugar na sede da Associação Comercial a 29 de Janeiro de 1967 e a ordem pública durante todo esse ano foi mantida com o auxílio de milícias das kaifong, como refere José Pedro Castanheira.

2 Dez 2016

Uma Lei Sindical, um Governo, um referendo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo de Macau vai, afinal, encarregar uma instituição académica de realizar um estudo sobre a viabilidade de implementação de uma lei sindical. Segundo o que disse Lionel Leong, Secretário para a Economia e Finanças, a ideia é analisar os desafios que outros países já enfrentaram na implementação da lei. Este panorama mantém-se apesar de diferentes deputados já terem apresentado projectos de lei sindical na Assembleia Legislativa (AL), oito vezes chumbados.

A decisão do Governo é uma novidade e um passo em frente, mas não espero um resultado além da habitual ideia de que “a lei não é adequada à actual situação da sociedade de Macau”, ou ainda ao facto de ser “necessário um consenso no seio da sociedade para a implementação da lei”. Aí o referido estudo não será mais do que um desperdício de dinheiros públicos, apesar do Governo já ter gasto tantos recursos financeiros desta forma.

Macau precisa da lei sindical. Esta pode simbolizar um anjo para os trabalhadores mas um diabo para quem emprega. Ao fim de oito chumbos, que não é um número pequeno, é fácil compreender as razões que estão por detrás disso, pois a maior parte dos deputados são patrões e não representam a defesa dos direitos dos trabalhadores. Existe algum patrão que concorde com o aumento dos salários ou o pagamento de regalias aos seus trabalhadores? Haverá algum gestor que aceite de bom grado uma greve ou algumas queixas feitas pelos seus empregados quanto às condições de trabalho?

Se fosse dona de uma empresa também não gostaria que os meus empregados fizessem coisas contra mim ou pusessem em causa as condições que estaria a oferecer. No actual estado do hemiciclo, em que todos os outros deputados representam o sector laboral e votam a favor de uma lei deste género, a verdade é que ainda ninguém conseguiu alterar o rumo que esta proposta tem tomado.

Nunca entendi porque é que o Governo nunca deu garantias de implementação da lei, quando há grupos dentro da AL que lutam por ela há muitos anos. Talvez seja essa a cultura do funcionalismo público; a de deixar a situação correr até chegar ao ponto de exaustão.

Uma possível solução seria realizar um referendo sobre o assunto, algo que deixaria verdadeiramente os residentes escolherem ou não a implementação da lei sindical. O mecanismo da consulta pública funciona para tudo, inclusivamente para escolher os nomes dos pandas. É uma escolha da população da qual ninguém suspeita da sua racionalidade. Crê-se que, com esse mecanismo, não existem acções governativas à porta fechada.

Já que se fez uma consulta pública para os traçados do metro ligeiro, também poderia realizar-se mais uma para saber se na península vai, afinal, haver uma linha de metro a sério ou se teremos apenas um monocarril junto à orla costeira. Dessa forma o Governo não terá como não estudar a ideia feita por três deputados nomeados, até porque o metro ligeiro está a ser construído para servir as suas populações e não os governantes, que conduzem luxuosos carros privados.

Este território que habitamos não é tão democrático como o Reino Unido, que realizou um referendo para decidir a saída ou permanência do país na União Europeia (UE). Os resultados fazem-nos aguardar com expectativa o que daí virá. O Governo gosta de fazer consultas públicas para depois tomar decisões em relação a determinadas políticas. Com este modelo ganha sempre mais críticas ou queixas da população que afirma não ser verdadeiramente ouvida, mas a acção do Governo não muda. Aguardo por um dia em que tenhamos um modelo mais democrático.

2 Dez 2016

LAG 2017 | Revisão do regime de carreiras no ensino privado está a ser elaborada

A revisão do regime de carreiras do ensino privado está já em andamento. A informação foi dada ontem por Alexis Tam, em resposta aos deputados que consideram injustas as condições de trabalho e a remuneração dos professores destas escolas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] regime de carreiras dos professores do ensino não superior privado pode vir a ser revisto. A ideia foi deixada nas Linhas de Acção Governativa de ontem por Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, em resposta aos deputados que consideram injustas as condições destes profissionais. Segundo o governante, “a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) está a ponderar a revisão do diploma que abrange o ensino privado e a elaborar o projecto de alteração da lei para apresentar à Assembleia Legislativa”.

A questão das condições precárias dos professores do ensino privado partiu da deputada Chan Hong, que considera “existir ainda uma diferença de um terço na remuneração, comparando com os ordenados das escolas públicas”. Além dos salários, quando chega a altura da aposentação, os professores do ensino particular não têm os seus direitos bem definidos. “O fundo de previdência ainda é muito reduzido e os professores mais velhos que estão prestes a ir para a reforma não vão fazer face às despesas depois de aposentados com o que vão receber”, afirmou.

Chan Hong sugere a criação de um mecanismo de contribuição para o fundo de previdência com uma contribuição tripartida que conte com a participação do Governo, da escola e do próprio professor.

A importância dos professores

As contratações de professores com contrato a termo certo também é um aspecto a ser revisto. “Os professores têm um contrato com condições muito precárias e, na maioria das vezes, não conseguem passar para contrato sem termo, o que transmite insegurança”, explicou a deputada.

Na resposta, Alexis Tam recordou que em 2010 foi revisto o regime de carreiras de professores do ensino não superior público de modo a “melhor salvaguardar os seus direitos e definir os seus deveres”.

No que respeita ao sector privado, o Secretário adiantou que está a ser elaborada já uma revisão do regime para apresentação à Assembleia Legislativa. Alexis Tam disse que “a profissão de professor é muito especial, sendo uma questão de interesse público e que conta com o apoio do Governo”. O Secretário manifestou ainda que “o ensino é muito importante para formar a nova geração e os professores merecem dignidade, e devem ter uma regulamentação especial”.

Por outro lado, e além dos docentes, “há um problema de garantias para os outros trabalhadores das escolas, como técnicos de laboratório ou gestores de equipamentos informáticos”, apontou Chan Hong. Estes funcionários são, para a deputada, de extrema importância para o bom funcionamento e desenvolvimento dos estabelecimentos de ensino e “não têm uma boa remuneração nem planeamento de evolução profissional”.

2 Dez 2016

Leung Chon Kei, estudante de Direito | Coimbra é uma lição

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] o único aluno de Macau a estudar Direito na Universidade de Coimbra, enverga a tradicional capa e batina que todos os estudantes da cidade usam, mas apesar da experiência singular os desafios são muitos. Leung Chon Kei, aluno do terceiro ano, confessa que o primeiro sentimento que teve quando entrou na faculdade foi de abandono, sendo que ainda não conseguiu acostumar-se à sensação de solidão.

Leung é um dos bolseiros do projecto de continuação dos estudos em Portugal, lançado em 2004 pelo Governo, que tem o objectivo de formar profissionais bilingues na área jurídica.

Saído de Macau após a conclusão do ensino secundário, Leung Chon Kei começou a vida de estudante universitário em Lisboa onde, com outros bolseiros, fez um semestre no curso de língua portuguesa, sendo que o segundo semestre o ensino passou a estar focado em conteúdos jurídicos.

“Quando cheguei a Portugal não tinha muitas expectativas, porque já tinha no país estado uma vez. Não estava animado, nem nervoso”, recordou. Após um mês de frequência de um curso de Verão, a alegria sentida durante o processo de aprendizagem da língua não diminuiu, algo que o fazia não parar de aprender coisas novas da língua de Camões. “A minha paixão sobre o idioma continuou e decidi começar a fazer o curso de Português no Instituto Português do Oriente (IPOR)”, contou. As primeiras noites gastas a estudar a língua mostraram-lhe os desafios quando ainda andava no ensino secundário. “Depois isso vai-se tornando um hábito.”

O suporte que já tinha da língua inglesa acabou por ajudá-lo na aprendizagem. “É impossível associarmos o português com o chinês porque não há qualquer semelhança. Se pensarmos em chinês, a gramática vai ficar toda errada.” Chegado a Lisboa, e já com um nível elevado de português na bagagem, Leung Chon Kei ainda frequentou cursos nocturnos na Delegação de Macau em Lisboa para a preparação aos exames nacionais portugueses.

Lost in translation

A primeira aula em Coimbra trouxe ainda mais desafios ao jovem estudante, que descreve o momento como sendo uma “aula de ditado”. Leung Chon Kei só queria anotar tudo o que o professor estava a dizer. “No primeiro ano andei nervoso, e tive sorte que apanhei alguns alunos de Macau do quarto ano que me explicaram algumas dúvidas. Mas depois de dois a três meses comecei a perceber tudo o que os professores diziam nas aulas.”

Apesar de ter enveredado pelo Direito, esta área não foi amor à primeira vista. Depois, tudo mudou: “Há muitos raciocínios lógicos e posso aprender coisas sobre diferentes áreas sociais”.

A um ano de terminar a licenciatura na cidade dos estudantes, Leung Chon Kei diz que a maior desvantagem de estudar Direito em Portugal é o grande desconhecimento que continua a existir entre Portugal e Macau. Apesar de o Direito de Macau ser de matriz portuguesa, o jovem estudante fala das crescentes diferenças em ambas as jurisdições e teme dificuldades quando chegar ao território, onde terá de frequentar o curso de introdução ao Direito de Macau. Ainda assim, está confiante na carreira que o espera e pretende fixar-se em Macau, onde continua a existir carência de profissionais bilingues na área do Direito. A existência de muitas vagas são um chamariz para que regresse à terra que o viu nascer.

Em Coimbra, há tempo para estar com os colegas de curso, apesar da exigência do curso e da língua. Ao fim de três anos em Portugal, Leung Chon Kei já percebeu as diferenças em relação ao pequeno território do sul da China. “Macau é para trabalhar e Portugal é para passar férias, porque em Macau há poucos espaços onde podemos estar e tem uma elevada densidade populacional, o que faz com que pensemos em trabalhar, em ter uma vida mais ocupada. Em Portugal temos mais espaço, ar livre, praias e ambientes que são bons para descansar.”

2 Dez 2016

Balla – “Contra a Parede”

“Contra a parede”

Se te tocar volta atrás.
Há um crescer, te bater.
Mas tu não, tu só, tu só
tu não vais voltar.

P’ra quê fugir se me vais encontrar,
sei ao que vou,
sei ao que vou.
Voltar atrás e não ter de escolher
não quero ouvir
não quero ouvir.
Imaginar não é mais que mentir
na tua voz,
na tua voz.
Cortar a corda, cortar a valer,
verde escolher,
verde escolher.

Se te sentir a tocar
e há um crescer, te bater.
Dei um passo atrás,
atrás.
Não nos vou salvar.
Como gostava de fingir
que nada disto aconteceu
se alguém o não vai consentir
sou eu.

P’ra quê fugir se me vais encontrar,
sei ao que vou,
sei ao que vou.
Voltar atrás e não ter de escolher,
não quero ouvir,
não quero ouvir.
Imaginar não é mais que mentir
na tua voz,
na tua voz.
Cortar a corda, cortar a valer,
verde escolher,
verde escolher.

Balla

ARMANDO TEIXEIRA / MIGUEL CERVINI / JOÃO TIAGO / PEDRO MONTEIRO / DUARTE CABAÇA

2 Dez 2016

Análise | Wong Sio Chak é visto como potencial candidato a Chefe do Executivo

Antes de todos era Lionel Leong, depois juntou-se Alexis Tam. O homem do momento, deste momento, chama-se Wong Sio Chak e é o secretário para a Segurança. O que aconteceu esta semana na Assembleia Legislativa não deixa margem para dúvidas: foi dado um sinal. Resta saber se vem de Pequim ou se vai para Pequim

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um momento raro no modo de fazer política local, sobretudo se atendermos à natureza de uma tutela que, ao longo de 15 anos, pouco ou nada deu que falar. Nas duas tardes de debate das Linhas de Acção Governativa para 2017 da área da Segurança, multiplicaram-se os elogios a Wong Sio Chak. O secretário responsável pela pasta ouviu de tudo, do melhor que há: foi-lhe elogiada a competência e até o seu rasgo para a diplomacia mereceu uma menção.

Contra factos, não há argumentos: Wong Sio Chak agrada a certos sectores do território. Na Assembleia Legislativa, o apoio foi manifestado por deputados ligados ao Chefe do Executivo, mas também por alguns eleitos por sufrágio directo. São sobretudo tribunos com ligações a comunidades da China Continental.

Há várias questões que se colocam, a começar por que razão caiu o governante, com dois anos de experiência no Executivo, na graça de alguns políticos e de algum povo. Depois, o que significam estes aplausos? A resposta para a última questão parece óbvia: há quem queira sinalizar Pequim de que Wong Sio Chak é uma opção para quando, em 2019, Chui Sai On deixar vazia a cadeira de Chefe do Executivo.

Em terra de cegos

Para o analista Larry So, falta a Wong Sio Chak experiência governativa, um problema que poderá ser difícil de resolver nos dois anos e meio que falta até à altura de se perfilarem os candidatos às próximas eleições para o Chefe do Executivo. “Está ainda ‘verde’ para assumir o cargo”, defende, admitindo, no entanto, que o modo como o secretário para a Segurança comunica transmite conforto com o poder que tem nas mãos.

Não são só os deputados que se manifestaram esta semana que têm elogiado Wong. Também os media chineses se têm encarregado de contribuir para a folha de louvores, contextualiza o professor do Instituto Politécnico de Macau. “A população em geral está a gostar do trabalho que tem vindo a fazer”, refere. Quando se olha para o grupo dos cinco secretários, “é visto como sendo persistente, muito directo e cumpridor da lei”.

Na análise à postura de Wong Sio Chak, Larry So faz ainda referência ao facto de saber divulgar o trabalho das forças de segurança, “com respostas directas aos deputados”. Mas o analista encontra-lhe características menos favoráveis para uma eventual candidatura a Chefe do Executivo: “Tem falhas no modo como gera a empatia que um responsável político de topo deve causar”. Há outras arestas que Wong Sio Chak, se quiser mesmo suceder a Chui Sai On, terá de limar.

Eilo Yu, politólogo da Universidade de Macau, não tem dúvidas: depois de, no passado, se ter falado de Lionel Leong e de Alexis Tam para o cargo de Chefe do Executivo, é óbvio que agora há um novo nome na ribalta: Wong Sio Chak. “Parece existir a vontade de mudar o foco das atenções para outro secretário”, afirma. O comportamento dos vários deputados que elogiaram o governante vem confirmar a teoria.

Ventos do Norte

O nome de Lionel Leong para Chefe do Executivo começou a ser veiculado muito antes ainda de ter chegado ao Palácio. Empresário na altura ligado à indústria têxtil, ganhou protagonismo político quando, há coisa de 10 anos, foi o vencedor surpresa das eleições locais para a Assembleia Popular Nacional. Durante muito tempo, argumentou ser demasiado novo e inexperiente para chegar ao Governo – quanto mais a Chefe do Executivo. Mas o tempo foi passando e o outrora empresário é um político com um decisivo caderno de encargos nas mãos: a revisão intercalar do sector do jogo. Noutras contas, Lionel Leong é quatro anos mais velho do que Wong Sio Chak.

Já Alexis Tam passou a ser candidato a candidato a partir do momento em que ganhou visibilidade como braço direito do Chefe do Executivo, na qualidade de chefe de gabinete de Chui Sai On. A ascensão a secretário para os Assuntos Sociais e Cultura – herdando as tarefas que o líder do Governo um dia teve – foi um indicador da progressão na carreira política, não obstante a complexidade do trabalho. As críticas a que foi sujeito, vindas dos mais variados sectores sobre os mais diversos projectos que foi apresentando, dão pano para mangas no exercício de especulação do poder real que neste momento terá.

“No caso de Macau, é interessante observar que as pessoas tendem a pensar no próximo Chefe do Executivo como sendo alguém que faz já parte do Governo. Aconteceu com Chui Sai On, que era o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, e parece ser isso que vai acontecer”, assinala Eilo Yu.

Mas houve uma mudança recente de clima em Pequim que, diz o politólogo, se justifica com a situação – caótica – da política em Hong Kong. “Julgo que Pequim quer ajustar a política em relação às duas regiões administrativas especiais”, diz.

Pereira Coutinho faz uma leitura semelhante: “As condicionantes estão a mudar consoante os ventos que sopram do Norte. Neste momento, não há dúvidas que o combate à corrupção e o tráfico de influências têm sido uma temática muito desenvolvida no interior do Continente e que está a alargar-se para fora”. O deputado entende que “estes ventos do Norte se sentem com mais intensidade e mais na pele em Hong Kong e em Macau”. “É nesse sentido que as coisas se vão desenvolvendo”, afirma, justificando assim os aplausos que Wong Sio Chak recebeu no hemiciclo.

Eilo Yu avisa que, neste momento, “não se pode utilizar a experiência do passado para perceber a política de Pequim, especialmente em relação às eleições para o Chefe do Executivo”. Porque “o clima está a mudar, há pessoas que começam a falar na necessidade de alguém que traga algo de novo a Macau, que não venha das duas áreas representadas por Lionel Leong e Alexis Tam”.

Sob o signo dos quatro?

Pereira Coutinho diz que este jogo já não se faz a dois, mas também não terá só três intervenientes. “Penso que há da parte dos quatro secretários uma apetência e uma esperança de virem a desempenhar este cargo [de Chefe do Executivo] a médio ou a longo prazo”, afirma. Cinco fora quatro, sobra um – Raimundo do Rosário, o secretário para os Transportes e Obras Públicas, que avisou no início da partida que faria um mandato e deixaria o Governo. Nunca Macau teve tantos putativos candidatos: além de Lionel Leong, Alexis Tam e Wong Sio Chak, há ainda Sónia Chan, a mulher que saltou dos Dados Pessoais para o Governo e que terá boas relações com Pequim.

É isso que Pequim quer para Macau, porque é isso que quer também para Hong Kong, onde tudo é mais difícil: um Chefe do Executivo que se dê bem com o poder central. “C.Y. Leung [o líder do Governo de Hong Kong] não é uma pessoa muito popular em Hong Kong, mas tem boas ligações a Pequim”, anota Eilo Yu.

Voltamos quase ao início. Sobre a postura de alguns colegas, Pereira Coutinho não deixa de admitir surpresa, por entender que a Assembleia Legislativa deveria servir para “equilibrar os pratos da balança” do sistema. E não tem dúvidas de que se tratou de um manifesto apoio a um possível candidato.

Do campus na Ilha da Montanha, Eilo Yu lê os aplausos a Wong Sio Chak sem fazer uma afirmação definitiva: “Talvez haja pessoas que queiram mostrar que Wong Sio Chak é uma opção, que pode ser candidato em 2019”. E não é cedo para se fazer o aquecimento para uma corrida que ainda vem longe? O politólogo diz que não. “Pode ser o momento para testar as águas para algumas pessoas que apoiam o secretário. Não me parece que seja muito cedo. Mas isto significa que temos mais um potencial candidato.” A política tem os seus tempos.


A pele dos outros

Natural da província de Guangdong, Wong Sio Chak é doutorado em Direito pela Universidade de Pequim. Começou a carreira em Macau na Polícia Judiciária (PJ), estudou para juiz, foi magistrado do Ministério Público e director da PJ, cargo que ocupava antes de chegar ao Governo.

Aquando da nomeação para a segunda equipa de Chui Sai On, foi apontado como sendo um homem mais próximo do primeiro sistema do que do segundo. “Será mais próximo da ideologia de Pequim”, arrisca Eilo Yu, voltando a fazer referência ao que está a acontecer em Hong Kong e à preocupação que existe, neste momento, na capital.

Larry So concorda que, até certo ponto, Wong Sio Chak é um homem mais ao estilo continental. “Tem a sua agenda e é o tipo de pessoa que segue a sua agenda. Não é o tipo de pessoa que fica à espera da reacção da população e, em função disso, faz mudanças ou altera os planos todos”, observa. “Tem uma personalidade muito forte.”

O facto de ser um governante com posições claras agrada junto de certos sectores. Mas o analista do Politécnico alerta para o que se diz noutros meios, nas redes sociais: Wong é “muito rígido, muito determinado, olha para as coisas do sítio onde está e nunca tenta pôr-se na pele dos outros”.

Para Larry So, há um dado que é certo: o secretário para a Segurança gostaria de reforçar a equipa que lidera não só para cumprir as metas que definiu, mas também porque “está a tentar colocar-se numa posição em que tenha muita força”.

Pereira Coutinho acredita que, se quiser, Wong Sio Chak “poderá vir a ser mais flexível, mais moderado”. O deputado dá um exemplo recente, do debate desta semana: “Quando Cheang Chi Keong levantou a questão da parada das forças policiais, relativamente a algumas ordens de comando que se mantêm em português, deu uma resposta bastante ponderada e estabilizadora”. O secretário afirmou que as ordens de comando “são algumas heranças da cultura ocidental – não usou o termo ‘portuguesa’ – mas não tenho dúvidas que poderá ser mais experiente à medida que os anos forem.

1 Dez 2016

Metro ligeiro | Debate conclui que traçado na península é para manter

 

A Aliança do Povo de Instituição de Macau, ligada aos deputados Chan Meng Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei, organizou ontem um debate sobre o metro ligeiro. A maioria dos participantes defendeu que as experiências no traçado da Taipa devem servir de lição para o projecto na península

 

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]ários membros de conselhos consultivos participaram ontem num debate sobre o metro ligeiro, cuja organização esteve a cargo da Aliança do Povo de Instituição de Macau, associação ligada aos deputados Chan Meng Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei. Inserido na secção “Citizen Talk”, o debate pretendeu responder à questão “Para onde vai o metro ligeiro?”, sendo que a maioria defendeu que já não é possível voltar atrás: resta fazer o traçado na península, aprendendo com as experiências obtidas na construção do trajecto na Taipa.

Os participantes afirmaram que não pensam no abandono do projecto, uma vez que, defendem, o território já não consegue suportar mais veículos nas estradas. Quanto à implementação do trajecto na península, alguns participantes defenderam a adopção de sugestões de profissionais, tendo sido sugerido que o Governo deve basear a sua decisão na vontade dos residentes.

“Diariamente cerca de 600 mil pessoas apanham autocarros e pessoalmente considero que isso é um milagre. Se continuarmos com o argumento do abandono do projecto em Macau só vamos cair num ciclo vicioso – como é difícil apanhar um autocarro, mais pessoas vão comprar carros e as vias vão tornar-se mais caóticas”, apontou Kou Kun Pang, membro do Conselho Consultivo do Trânsito.

Pensado pela primeira vez em 2002, o metro ligeiro tem sido alvo de um intenso debate nos últimos anos. No mês passado, três deputados, Kou Hoi In, Cheang Chi Keong e Chui Sai Cheong, defenderam na Assembleia Legislativa (AL) que o metro ligeiro poderia ser substituído, na península, por um monocarril. Tudo isso para evitar mais um “período negro de trânsito”, algo que tem vindo a acontecer na Taipa à medida que o segmento do metro ligeiro é construído.

Aprender com a Taipa

Kou Kun Pang, membro do Conselho Consultivo do Trânsito, lembrou que o orçamento para o projecto já aumentou três vezes só até ao final de 2012, dos iniciais quatro mil milhões de patacas para 14 mil milhões. Apesar das derrapagens e dos atrasos, Kou Kun Pang referiu que defende a construção do metro ligeiro na península, tendo como base as experiências obtidas na Taipa.

“Não se esqueçam do sofrimento dos residentes da Taipa e aprendam com essas experiências preciosas. Podemos notar que após a gradual conclusão das obras na Taipa o planeamento do trânsito já é muito bom. Não fechem essa experiência na gaveta”, adiantou Kou Kun Pang. E lembrou que, segundo vários estudos, o trânsito já se tornou o assunto que mais gera preocupação junto dos cidadãos, a seguir à habitação.

Wong Ian Man, membro do Conselho Consultivo de Serviços Comunitários da Zona Norte, defendeu que se deve começar já a pensar no futuro. “Em Taiwan também houve imensos problemas durante a construção do sistema do metro, sobretudo quanto ao percurso. Um dos responsáveis disse-me que é comum a construção do percurso gerar polémicas, tendo-me explicado que os problemas desaparecem com o tempo. Enquanto isso, devemos pensar na gestão do metro ligeiro e na sua operação”, explicou.

Wong Ian Man pediu ainda ao Governo mais transparência no processo de gestão, defendendo uma gestão privada em vez de pública, com base nos exemplos de Hong Kong e Taiwan.

1 Dez 2016

Novas áreas de cooperação entre Macau e Shenzhen

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s Governos de Macau e Shenzen assinaram novos memorandos de cooperação nas áreas do empreendedorismo juvenil, leitura e turismo. Segundo um comunicado oficial, pretende-se, no âmbito do “Acordo-Quadro da Cooperação Estratégica na Promoção Conjunta do Empreendedorismo e Incubação para os Jovens de Qianhai em Shenzhen e Macau”, “promover o desenvolvimento da cooperação de inovação de empreendedorismo dos jovens de Macau, Qinhai e Shenzen”. Para atingir esse objectivo, pretende-se “reforçar o mecanismo de trocas de informações periódicas e criar um ambiente de empreendedorismo, com mais incentivos para os jovens”.

Ao nível da leitura, foi assinado um memorando com vista à “cooperação da generalização da leitura” entre o Instituto Cultural (IC) e a Administração para a Cultura, Desporto e Turismo do Município de Shenzhen. O IC colaborou ainda na assinatura de um memorando de entendimento na área do turismo, para que tanto Macau como Shenzen sejam “destinos turísticos regionais de produtos de marca de impacto a nível internacional”.

Os acordos foram assinados no âmbito da visita de uma delegação do Governo do Município de Shenzen para a realização da Reunião de Cooperação Macau-Shenzen. No seu discurso, divulgado através de um comunicado oficial, Chui Sai On, Chefe do Executivo, lembrou que os últimos anos de cooperação com a cidade chinesa têm corrido bem.

“De acordo com o consenso alcançado na última reunião, ao longo do ano trabalhámos de forma pragmática nos domínios da economia, finanças, cultura e qualidade de vida da população, envidando todos os esforços na concretização dos benefícios mútuos, tendo as relações de cooperação entre Macau e Shenzhen conhecido novos progressos.”

O Chefe do Executivo aproveitou ainda para destacar a estabilidade financeira do território. “Ao longo deste ano, o Governo da RAEM e os diversos sectores sociais trabalharam activamente para responder ao ajustamento profundo da economia, e esta continua saudável e ordenada. As finanças públicas mantêm-se estáveis e saudáveis, a taxa de desemprego regista um nível relativamente baixo, e a sociedade continua pacífica e tranquila. Recentemente, as receitas do sector do jogo e dos outros sectores não associados ao jogo, e até mesmo o PIB, têm registado uma tendência de estabilidade, o que reforça a nossa confiança para enfrentar desafios.”

Chui Sai On falou também da “nova conjuntura e novos desafios” de Shenzen. Para o Chefe do Executivo, a cidade chinesa “tem vindo a promover a reforma, procurando o seu desenvolvimento, elevar a qualidade e melhorar a rentabilidade. Perante um contexto de austeridade, em que a recuperação da economia mundial continua lenta e a economia do país apresenta uma pressão descendente, Shenzhen tem vindo a envidar todos os esforços para promover o crescimento económico”, concluiu.

1 Dez 2016

Au Kam San pede sufrágio universal para os órgãos municipais

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Au Kam San defendeu ontem o sufrágio universal na eleição das assembleias dos órgãos municipais sem poder político. Para o deputado pró-democrata, a nomeação dos membros dos conselhos consultivos pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On, não é suficiente para garantir a representatividade da população.

Au Kam San considera que “existem, em Macau, várias organizações consultivas que, teoricamente, conseguem recolher as opiniões dos residentes mas que, na prática, não são eficientes”. Para o deputado, o facto de os membros serem nomeados por Chui Sai On faz com que apenas representem a opinião de algumas partes.

As declarações foram deixadas no programa Macau Talk, num debate acerca do estabelecimento dos órgãos municipais e da reorganização dos conselhos consultivos em que Au Kam San, antigo membro da Assembleia Municipal de Macau, sugeriu que todos os membros fossem eleitos e, para o efeito, o território dividido em zonas eleitorais.

O membro do Conselho Consultivo para a Reforma da Administração Pública, Paul Pun, defendeu, no mesmo programa, que os “membros consultivos podem ser eleitos através de qualquer método”. Para Paul Pun, os órgãos municipais sem poder político, além de servirem para resolver os problemas relacionados com a vida da população, também devem proporcionar uma plataforma para actividades de relevo.

“Notei que houve pouca participação nos plenários ordinários, abertos ao público, do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), mesmo sendo reuniões de muita importância”, referiu. O também secretário-geral da Cáritas de Macau sugeriu que “os futuros órgãos municipais alarguem os plenários ordinários do IACM, permitindo que as interpelações dos cidadãos se tornem políticas do Governo”.

Lam U Tou, membro do Conselho Consultivo de Serviços Comunitários das Zona Central, concorda com a introdução de um sistema de eleições mas sublinhou que “o essencial é que o Governo, relativamente aos conselhos consultivos, dê atenção a estes organismos e estabeleça mecanismos uniformes para auscultar as opiniões”. Por outro lado, não deixou de sugerir que o Executivo nomeie pessoas com opiniões diversas.

1 Dez 2016

Lei eleitoral | ANM quer que deputados recusem pré-análise aos candidatos

A Associação Novo Macau entregou ontem uma petição na Assembleia Legislativa a exigir que os deputados recusem a análise prévia aos candidatos, medida proposta pelo Governo. Jason Chao diz que a eleição directa livre vai ficar comprometida

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] aditamento feito pelo Governo à proposta de lei eleitoral, que visa uma pré-análise aos candidatos às eleições, levou ontem a Associação Novo Macau (ANM) a entregar uma petição na Assembleia Legislativa (AL) que exige aos deputados que recusem esta proposta feita pelo Governo. Na semana passada, foi anunciada a obrigatoriedade de uma declaração de fidelidade à RAEM e à Lei Básica por parte dos candidatos a deputados. O aditamento surgiu na sequência da interpretação que o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN) da China fez recentemente sobre Hong Kong e que impediu dois deputados independentistas de assumir o cargo.

Para Jason Chao, vice-presidente da ANM, a eleição dos deputados pela via directa poderá ficar comprometida. “O facto de existir um mecanismo de análise aos candidatos vai fazer com que a eleição directa para a AL se torne numa eleição falsa. Se esse mecanismo ficar incluído na futura lei eleitoral, isso irá permitir ao Governo analisar e desqualificar candidatos com base nas suas crenças políticas”, disse ao HM.

O vice-presidente da ANM alertou para o facto de a lei não determinar critérios para a desqualificação dos candidatos às eleições. “Se um fax, por exemplo, provar que determinado candidato não respeita a Lei Básica ou o Governo Central, essa pessoa pode ser desqualificada e simplesmente não pode concorrer às eleições. Se alguém, por exemplo, não cantar o hino nacional, ou se for convidado para as celebrações do dia nacional da RPC e não aparecer todas as vezes, pode-se considerar que essa pessoa não está a respeitar o país e não tem elegibilidade. Não há critérios claros para essa análise e para uma possível desqualificação. A lei só faz referência à existência de provas, mas não é claro como é que o Governo vai fazer esse juízo”, explicou ainda Jason Chao.

Esta semana, a Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, levantou a ponta do véu quanto a esta nova medida. “Se alguém teve opiniões pró-independência anteriores, a Comissão para os Assuntos Eleitorais vai avaliar e perguntar se [o candidato] tem vontade de renunciar a essas ideias.”

Sem confiança

Apesar da petição, o vice-presidente da ANM admitiu existir pouca confiança na recusa do hemiciclo quanto ao aditamento feito pelo Governo. “Pedimos que os deputados recusem a adoptar estas alterações, mas não temos muita confiança, porque até Ng Kuok Cheong concordou com essa medida do Governo. Ele não acredita que esta seja uma grande questão.”

Em declarações à Rádio Macau, o deputado Ng Kuok Cheong fez um discurso optimista quanto a este caso, apesar de ter dito que a medida do Governo é “completamente desnecessária” e “contraproducente”. “Não estou preocupado. É muito óbvio que o Governo de Macau só quer mostrar lealdade ao Governo Central. É um pequeno gesto para mostrar que fazem o trabalho de casa. Não me parece que a realidade social de Macau venha a criar uma força política que, realmente, queira desafiar a Lei Básica. Mas, se esta cláusula é incluída de uma maneira tão forte na lei, então, é provável que alguém use isto para fazer um jogo político negativo contra o sistema político. Podem, intencionalmente, violar a declaração para fabricar um acontecimento”, defendeu o deputado.

1 Dez 2016