Joana Freitas SociedadePatrimónio | Quase todos os imóveis propostos a classificação recebem aval da população [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]edifício número 28 da Rua de Manuel de Arriaga não deverá vir a ser classificado. É o que indicam resultados preliminares das opiniões recolhidas em consulta pública sobre o próximo grupo de imóveis propostos a ser classificados. Segundo um comunicado do Instituto Cultural (IC), que indica que só hoje se saberão os resultados concretos, nove dos dez imóveis que eram propostos a classificação “obtiveram o apoio do público”: os Templos Foc Tac Chi do Bairro da Horta da Mitra, da Rua do Teatro, da Rua do Patane e da Rua do Almirante Sérgio estão entre eles, ao lado das Antigas Muralhas da Cidade (troço próximo da Estrada de S. Francisco, o troço próximo da Estrada do Visconde de S. Januário e o troço próximo da Igreja da Penha), da antiga Farmácia Chong Sai, da antiga Residência do General Ye Ting, dos Antigos Estábulos Municipais de Gado Bovino e do Canil Municipal de Macau. Também a Casa Azul na Estrada do Cemitério, sede do Instituto de Acção Social, deverá integrar a lista. “Já o Edifício na Rua de Manuel de Arriaga, n.º 28 obteve opiniões divergentes, não havendo um consenso da sociedade relativamente à classificação do mesmo”, explica o IC. Este prédio, dos anos 1960 e que ocupa também o número 1 da Rua da Barca, chegou a ser alvo de uma demolição parcial. Analistas têm vindo a defender que o edifício é de “interesse arquitectónico”. Segundo a lei, o procedimento de classificação deve ser concluído no prazo de 12 meses após a sua abertura. O IC diz que vai concluir o procedimento “com a maior brevidade”.
Hoje Macau Manchete SociedadeCentro Histórico | Plano de protecção concluído em 2017 O tão aguardado plano de gestão do Centro Histórico vai estar concluído no próximo ano, garante o IC, que diz estar apenas à espera do fim da segunda consulta pública [dropcap style=’circle’]D[/drocap]aqui a um ano, o Instituto Cultural (IC) tem concluído o Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico, que vai passar a ser um regulamento administrativo. A promessa foi feita numa resposta a uma interpelação do deputado Chan Meng Kam. O IC garantiu ainda que vai esforçar-se na supervisão, verificação e manutenção do património. Na sua interpelação escrita, Chan Meng Kam criticava a falha na protecção do património pelo Governo e apontava o dedo ao facto de ainda não haver qualquer plano de protecção. “A Lei de Salvaguarda do Património Cultural já foi aprovada em 2013, mas o decreto-lei [sobre a protecção do Centro Histórico], que [está incluída no diploma] só vai ser publicada em 2020, segundo o Plano Quinquenal do Governo. Quais são as dificuldades na elaboração [deste plano]?”, perguntava. Na resposta, o IC assegurou que o Governo considera “muito importantes” as opiniões da sociedade e quer garantir conhecimento e compreensão plenas sobre o projecto, “assim como ter consenso da sociedade sobre a sua elaboração”. Por isso o atraso, que agora, diz o instituto, termina. “Já se acabou com a primeira fase da consulta pública do Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico e vamos acabar a segunda fase este ano. Em 2017, vamos acabar a elaboração inteira do plano”, afirma. A UNESCO recebeu um relatório sobre os trabalhos deste plano em Janeiro do ano passado, a poucos dias antes do prazo de 1 de Fevereiro, depois do Comité do Património Mundial da UNESCO dar conta de factores que afectavam o património. Chan Meng Kam falava ainda da queda de partes de monumentos protegidos, como o do telhado da Igreja de Santo Agostinho, e os frequentes danos que aconteceram noutros imóveis. O IC assegura estar atento. “O IC já reconheceu a severidade dos casos e vamos esforçar-nos na supervisão, verificação, manutenção e protecção. No futuro, vamos também introduzir equipamento e técnicas de ponta e reforçar a formação dos especialistas”, garantiu. * por Angela Ka
Hoje Macau SociedadeTurismo | Visitantes gostam menos de jogo e mais de compras. Património não encanta Vieram cá por causa das compras, da comida e do património, deixando de lado o jogo. Os turistas têm os três primeiros itens como foco para uma visita ao território, ainda que o património esteja a desiludir [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]ompras, gastronomia e património foram os principais motivos pelos quais os visitantes escolheram Macau no primeiro trimestre do ano, com o jogo a figurar em quarto lugar, indica um estudo do Instituto de Formação Turística (IFT). Segundo o Índice de Satisfação dos Turistas de Macau, as três principais motivações que levaram à escolha de Macau como destino foram as compras (25,9%), a gastronomia (25,3%) e os locais classificados como Património Mundial (18,4%), ainda que este tenha também desiludido. Fora do pódio das principais atracções para os visitantes ficou o jogo, com apenas 10% – contra 13,7% nos primeiros três meses do ano passado. Globalmente, a satisfação dos turistas de Macau desceu ligeiramente em termos anuais homólogos, fixando-se em 69,6 pontos (contra 69,7 nos primeiros três meses de 2015), mas aumentou face ao quarto e último trimestre de 2015 (quando foi de 67,8). Olhando para o desempenho de cada uma das dez áreas relacionadas com o turismo, que compõem o índice global, verifica-se que foram os eventos que granjearam o nível mais elevado de satisfação (78,9 numa escala em que o máximo corresponde a 100), seguindo-se os transportes (74,2) e os casinos (72,9). A pontuação dada aos três sectores subiu entre Janeiro e Março relativamente ao período homólogo do ano passado, sendo que os casinos registaram o seu nível de satisfação mais elevado desde 2010 (73,1). Melhor classificação foi dada também aos hotéis (70,3) e às atracções não ligadas ao património (71). Em contrapartida, o nível de satisfação dos visitantes diminuiu nas restantes cinco componentes: imigração (68,8), lojas (66,8), guias e operadores turísticos (65,3), restaurantes (64,3) e património (63,6). Dos dez sectores analisados o património foi o que teve a pior pontuação. A maioria dos inquiridos deslocou-se a Macau principalmente para férias e lazer (94,3%), para visitar amigos e familiares (3,1%) e em negócios (2,1%). Seis em cada dez entrevistados (63,1%) já tinham estado em Macau. No ano passado, o território foi o destino escolhido por 30,71 milhões de visitantes, menos 2,57% face a 2014, registando a primeira queda anual desde 2009.
Hoje Macau SociedadePatrimónio | Queda de telhado de igreja foi “lição” para IC [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] queda de parte do telhado da igreja de Santo Agostinho de Macau, classificado pela UNESCO, “serviu de lição” ao Instituto Cultural (IC) da cidade, que admite a necessidade de aumentar e melhorar as inspecções ao património. “Este acidente é uma lição para o Instituto Cultural. Após a avaliação das causas, [concluímos que] podemos aumentar as inspecções”, disse ontem Leong Wai Man, chefe do departamento do património cultural, sublinhando a necessidade de aumentar a equipa técnica, modernizar o equipamento e investir em quadros qualificados para a salvaguarda do património. Além da Igreja de Santo Agostinho – onde parte da estrutura do telhado ruiu no dia 29 de Maio devido às chuvas intensas –, o IC diz-se preocupado com outros quatro imóveis, “em risco de severos danos”: Igreja de Santo António, Seminário de São José, capela de Nossa Senhora da Penha e Armazém do Boi. “Estamos preocupados que haja mais riscos no futuro. Depois do acidente em Santo Agostinho, receamos que estes cinco espaços possam sofrer mais danos. Já fizemos alguma manutenção”, indicou. Actualmente, o departamento de protecção do património conta com 40 funcionários, cerca de dez responsáveis pelas duas fiscalizações anuais aos 128 imóveis classificados como património de Macau. Mau tempo Após uma avaliação, o IC concluiu que a queda das vigas que suportavam o telhado de Santo Agostinho, uma igreja que data de 1591, se deveu à chuva intensa que se fez sentir naquele período. “Entre Maio e Junho foram activados seis sinais de chuva intensa. No dia do acidente houve um grande volume de chuva, essa é a causa principal. Foi descoberto um buraco na parede, de suporte da viga, que estava alagado”, explicou a responsável. Segundo Leong Wai Man, a igreja foi submetida a inspecções em 2015, não tendo sido detectado qualquer “fenómeno anormal” ou praga de formiga-branca, um problema comum em Macau. As obras de reparação devem durar três meses, sendo também inspeccionada a restante área do telhado para evitar problemas semelhantes. Caso não sejam necessárias mais intervenções, a igreja voltará a abrir ao público. Um milhão de patacas é o valor estimado para a reparação da Igreja, referiu Leong Wai Man, ao Canal Chinês da Rádio Macau. Apesar do imóvel pertencer à Diocese de Macau, o IC avançou com a reparação, já que “o caso é muito urgente”, negociando depois os custos com o proprietário, que é quem “tem o dever de fazer a manutenção”. Segundo o Governo de Macau, o dano será reportado primeiro ao Ministério da Cultura da China e só depois à UNESCO.
Manuel Nunes Manchete SociedadeConselho do Património aprova nove edifícios para classificação O Conselho do Património Cultural aprovou nove edifícios extra UNESCO que o IC propôs que fossem classificados, sendo que as antigas muralhas da cidade, a antiga farmácia de Sun Yat Sen e a sede do IAS estão entre eles. As obras de recuperação noutro grupo de imóveis foram aprovadas, onde se encontram edifícios da antiga leprosaria [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ove novos edifícios vão integrar a lista do Património Cultural de Macau. Os imóveis foram aprovados ontem naquela que foi a 2ª Reunião Plenária Ordinária de 2016 do Conselho do Património Cultural, que reuniu ontem para discutir a Consulta Pública sobre o primeiro grupo proposto para a Classificação de Bens Imóveis de Macau. A favor da classificação de nove dos dez imóveis propostos no primeiro grupo votaram 16 membros. Assim reuniram parecer favorável do Conselho os Templos Foc Tac Chi do Bairro da Horta da Mitra, da Rua do Teatro , da Rua do Patane) e da Rua do Almirante Sérgio. Também as Antigas Muralhas da Cidade (troço próximo da Estrada de S. Francisco, da Estrada do Visconde de S. Januário e da Igreja da Penha), a Antiga Farmácia Chong Sai, fundada por Sun Yat Sen, a Antiga Residência do General Ye Ting, o Antigo Estábulo Municipal de Gado Bovino e Canil Municipal de Macau e a Casa Azul da Estrada do Cemitério, sede do Instituto de Acção Social, foram também aprovadas. De fora ficou o edifício n.º 28 da Rua de Manuel de Arriaga pois apenas três membros votaram a favor e 13 votaram contra a sua inclusão na lista de monumentos de Macau. A votação foi secreta. Recorde-se que, em Dezembro passado, o IC deu início a um processo de classificação de imóveis considerados de importante valor cultural que não foram incluídos na Lista da UNESCO, daí resultando o primeiro Grupo Proposto para Classificação de Bens Imóveis de Macau. A selecção foi feita com base em sessões da consulta pública, questionários e recolha de opiniões online. Dois milhões em reparações O Instituto Cultural (IC) apresentou ainda uma proposta de edifícios com valor cultural para recuperação em 2016. O documento previa os trabalhos de reparação do muro da entrada do Pátio do Bonzo, de uma das nove casas da antiga leprosaria de Coloane, do edifício das Irmãs de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor e do Templo Fok Tak da Rua do Almirante Sérgio (Rua da Praia do Manduco), bem como a substituição do sistema eléctrico do Templo de Sin Fong. Estas obras têm um valor estimado de dois milhões patacas. A proposta passou apenas com recomendações dos conselheiros para o controlo razoável dos dinheiros públicos. Caso os orçamentos sejam ultrapassados, o IC terá de apresentar um relatório explicativo ao Conselho.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeHotel Estoril | Conselho do Património não fez visita oficial ao edifício O Conselho do Património Cultural nunca realizou uma visita oficial ao edifício do antigo Hotel Estoril antes da decisão final quanto à não classificação. Mas Carlos Marreiros afirma que o actual edifício “não vale um chavo” e pede “honestidade intelectual” a outros arquitectos, falando dos “síndromes Ao Man Long e Lau Si Io” [dropcap style=’circle’]É[/dropcap]definitiva a decisão de não classificar como património o actual edifício do Hotel Estoril, mas essa medida foi feita sem que os membros do Conselho do Património Cultural tenham realizado uma visita de forma oficial ao local, ao contrário do que aconteceu com a imprensa. O HM questionou o IC sobre o facto, ao que o organismo garantiu que tal nunca aconteceu, já que “todos os membros do Conselho têm os conhecimentos e compreensão aprofundados” sobre o espaço. O IC teve ainda em conta “questões de segurança e saneamento local” para a não realização da visita. O instituto apresentou pela primeira vez o projecto ao Conselho em Julho do ano passado, tendo sido mostrado aos membros “o processo e evolução da história da construção do antigo Hotel Estoril”. Carlos Marreiros, membro do Conselho, garantiu ao HM que realizou uma visita e análise ao local por sua iniciativa e que, da mesma forma, outros membros o terão feito. “Formalmente o Conselho não fez nenhuma visita. Cada membro deve entender visitar [o local] se achar que precisa de ter mais conhecimentos ou por uma questão cívica. Todos os membros são conhecedores da realidade e penso que a grande maioria já visitou o local por iniciativa própria”, apontou. Mas também, para o arquitecto, “a questão do Estoril já cheira mal”, dado que “está a prolongar-se muito no tempo”. Marreiros garante que o edifício não tem qualquer valor patrimonial. “Olhos nos olhos e digo que aquilo não vale um chavo. Quando se fala do património modernista em Macau, aquilo não é modernista, é dos anos 60, de uma arquitectura não característica e que não tem por onde se pegue, que está todo destruído por dentro. Mas mais uma vez as carpideiras vêm dizer ‘ai o Hotel Estoril’. E tudo isso é hipócrita”, começou por dizer. “Exijo honestidade intelectual a todos os meus colegas que, como carpideiras e beatas virgens, vêm choramingar quando é feita uma intervenção e só sabem carpir lágrimas e quando podiam intervir na questão do património não intervieram. Quando se falou do projecto da Escola Portuguesa de Macau (EPM) para destruir aquilo, não veio nenhuma carpideira carpir lágrimas de outro mundo”, disse Marreiros, que defendeu a importância para a população da construção de um complexo juvenil que também albergue o Conservatório. O arquitecto lembrou ainda que “Macau já podia ter ganho um projecto do mestre Siza Vieira, que fizesse deste território um sítio a integrar o itinerário de arquitectura no mundo, mas não.” Síndromes políticas Carlos Marreiros referiu ainda que o atraso no processo do Hotel Estoril remete para o período em que Lau Si Io era Secretário para os Transportes e Obras Públicas. “Com uma situação que não tem importância nenhuma já perdemos dois anos ou mais, muito no estilo Lau Si Io, que empatou. Os sete anos do seu Governo foram um desastre, criaram prejuízos enormes no sector e um atraso de 25 anos em Macau. Zhuhai está a qualificar-se e a transformar-se numa cidade com espaços urbanos de qualidade e em Macau nada. Iniciativa do Governo, zero. Tenhamos vergonha.” Para além do “síndrome de Lau Si Io”, Macau sofreu, aos olhos de Marreiros, o “síndrome de Ao Man Long”. O ex-Secretário “está na prisão e muito bem, porque usando da sua posição foi corrupto, mas enquanto ele construía viadutos ficavam terrenos vazios e o IACM tinha de fazer jardins e com os jardins ganhavam os idosos e crianças. Com o senhor engenheiro Lau Si Io Macau andou para trás 25 anos e nem velhos nem crianças tiveram melhorias. É para esquecer.” O arquitecto defendeu que o actual Secretário, Raimundo do Rosário, está a desenvolver um bom trabalho e a alterar esse paradigma. O HM contactou mais arquitectos que não quiseram fazer declarações sobre o caso da classificação do Hotel Estoril. Francisco Vizeu Pinheiro referiu que “seria sempre conveniente fazer uma visita in loco”, mas “talvez a visita da imprensa e as notícias tenham ajudado na decisão”. O arquitecto chamou a atenção para a necessidade de realizar o “estudo documental do edifício e da sua evolução com as alterações que foram feitas”.
Carlos Morais José A outra face VozesPalmyra libertada [dropcap]O[/dropcap] exército sírio libertou Palmyra das mãos dos bárbaros e, para surpresa geral, a destruição não foi tão maciça como se temia. É certo que alguns dos principais monumentos foram dinamitados, o grau de vandalismo e os seus efeitos estão ainda por calcular. Contudo, dizem as notícias, poderia ser bem pior. A pergunta que me assalta é: Porquê? Qual a razão (ou acaso) que terá poupado o grosso das ruínas de Palmyra? Que fenómeno terá detido a barbárie, que os homens do Daesh trazem acantonada no coração? Estando ali, entre ruínas pagãs, deveriam ter arrasado tudo, destruído radicalmente os vestígios de outras crenças, incendiado os restos e espalhado as cinzas aos ventos do deserto. Isso não aconteceu. A destruição foi significativa mas não foi total. A mão bárbara suspendeu o acto, não o levou até ao fim. Porquê? Numa visita a um templo de Angkor Wat, junto a uma enorme estátua de um buda, um guia contava que, durante o regime despótico, um destacamento de Khmers Vermelhos se preparava para a destruir mas que uma voz, vinda do artefacto, fôra por todos ouvida, pondo em fuga os soldados de Pol Pot. Não sei se em Palmyra sucedeu a mesma coisa. Se uma voz ressoou do interior das pedras, das colunas, dos arcos, evitando a sua destruição. No entanto, a ter existido, prefiro acreditar que essa voz veio do fundo da consciência daqueles homens: é o rumor da História à qual todos pertencemos e sem a qual faríamos muito menos sentido. Eles saberiam, no fundo, que se estavam a destruir a si mesmos, a uma parte da sua identidade e isso soa tão indiscutivelmente ao Mal como um crime cometido contra o próprio sangue. Não terá sido nada disto. Talvez falta de explosivos. Talvez demasiadas mulheres para violar, talvez demasiados sábios para cortar a cabeça. Talvez outra razão qualquer. Seja ela qual for, a História resiste, não somente como memória de factos, de reinos ou de actos heróicos. Resiste, sobretudo, a Beleza e é ela que nos permite aceder às partes mais interessante dos humanos que nos antecederam. Era esta beleza intemporal, inesgotável enquanto fonte de informação e incomparável enquanto fonte de deleite, que dormia prisioneira em Palmyra, depois de ter sido violada pelo Daesh. Agora terá de ser gentilmente acordada.
Filipa Araújo Manchete SociedadeIC | Primeiros dez imóveis entram em processo de classificação Já está pronta a lista dos primeiros dez imóveis propostos para classificação como Património Cultural. Templos, casas e antigas muralhas foram as prioridades do IC, que espera agora pelos resultados da avaliação do Conselho do Património Cultural e da consulta pública que arranca no final do mês [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Instituto Cultural (IC) já decidiu: da lista dos 70 imóveis não incluídos na Lista de Património Cultural, dos quais metade pertencem a privados, o instituto avançou com a classificação de dez imóveis. Apenas um deles é privado e, entre todos, inclui-se a sede do Instituto de Acção Social. “Estes são os primeiros [imóveis], depois vamos avançar com os outros. Precisamos de recolher mais informações”, explicou Guilherme Ung Vai Meng, presidente do IC, durante uma conferência que inaugurou o processo de classificação. O responsável justifica a escolha pelo facto de os imóveis estarem “ameaçados ou em estado urgente de conservação”. Rezas e paisagens Neste primeiro grupo proposto para classificação de bens imóveis de Macau estão incluídos quatro templos de Foc Tac Chi, o Deus da Terra, situados no Bairro da Horta da Mitra, Rua do Teatro, Rua do Patane e na Rua do Almirante Sérgio. A antiguidade, urgência e importância foram os critérios, explicou o presidente, da escolha do IC. O instituto propõe a classificação destes templos como monumentos. Antiga farmácia Chong Sai As antigas muralhas da cidade são também imóveis apontados pelo Governo para serem alvo de classificação. “As muralhas foram, no passado, importantes na defesa militar de Macau. Durante um longo período na história, desempenharam um papel fundamental na manutenção da segurança da cidade”, argumenta o IC. A característica de construção europeia é também um dos pontos de argumentação usados por Guilherme Ung Vai Meng. “Para mim o mais importante são as muralhas. Uma obra do século XVII, de construção europeia. Ninguém mais tem isto”, defendeu o presidente. A antiga farmácia Chong Sai, local de trabalho do líder da revolução chinesa, Sun Yat-sen, é um imóvel “extremamente importante”, tendo sido construído em 1892. Agora poderá entrar na lista do património. “Este foi também o local de uma das primeiras farmácias e consultório privado de medicina ocidental explorada por um chinês na história de Macau, representando uma plataforma para o contacto entre os chineses e a medicina ocidental”, defendeu o IC. A sede do IAS, conhecida como Casa Azul O antigo Estábulo Municipal de gado bovino (conhecido como Armazém do Boi) e o Canil Municipal de Macau fazem também parte da lista de candidatos, sendo que o seu espaço poderá ser, indicou o presidente, aproveitado para actividades culturais. A famosa Casa Azul, ocupada por alguns serviços do Instituto de Acção Social (IAS) na Estrada do Cemitério e a antiga residência do general Ye Ting terminam as candidaturas de imóveis públicos para classificação. O que é meu é teu O único imóvel de tutela privada proposto para integrar a lista é o número da Rua de Manuel de Arriaga, muito polémico por ter sido alvo de uma demolição parcial. Guilherme Ung Vai Meng indicou que ontem, no dia que arrancou o processo de classificação de património, também o proprietário do edifício foi avisado. O nº 28 da Manuel de Arriaga é o único imóvel privado na lista Assim, seguindo a lei vigente, se a partir deste momento o proprietário quiser avançar com alguma obra no imóvel terá de informar de antemão o IC, para que sejam autorizadas ou não. As obras de manutenção estão também em cima da mesa, pois, como explicou o presidente, qualquer proprietário que se recuse a fazê-las passa essa responsabilidade para o IC, ainda que seja o proprietário quem terá que as pagar. Caso o proprietário avance com as obras de manutenção, este poderá contar com o apoio material – e não monetário – do IC. Ainda assim, garante o presidente, há dinheiro do Governo disponível para ajudar a suportar os custos. O processo de classificação desta primeira lista de imóveis terminará nos próximo 12 meses. “Até ao final do próximo ano teremos uma decisão”, garantiu Guilherme Ung Vai Meng, que adiantou ainda que esta lista vai a consulta pública, a partir de dia 28.
Hoje Macau SociedadeIC | Levantamento sobre património intangível acontece até Março [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Instituto Cultural deu na passada terça-feira início a um levantamento exaustivo do património cultural intangível de Macau, iniciativa que decorre até Março do próximo ano. Em comunicado, o IC convida “toda a população” a participar com as suas opiniões. “O património cultural intangível é passado de geração em geração e está intimamente ligado à vida das pessoas, englobando as artes tradicionais, costumes populares e artes de representação, entre outros, constituindo não só um testemunho histórico do desenvolvimento da cidade mas também um importante recurso cultural local”, explica o IC. Desde 2006 que o Governo tem actualizado uma série de diplomas legais, levantamentos e estudos e projectos educativos no sentido de preservar o referido património, que neste momento completa uma lista de dez itens. Oito deles fazem já parte da Lista de Património Cultural Intangível da China. Maior clareza A presente recolha – com prazo de seis meses – pretende “encorajar a participação de um número ainda maior de cidadãos, o que permitirá ter uma percepção global, aprofundada e diversificada da quantidade de itens do património cultural intangível existentes”. Depois de concluído o processo de levantamento, alguns dos elementos identificados deverão ser incluídos na lista de património intangível da cidade, para que a sua segurança possa ser garantida. Esta recolha de informações inclui nome do elemento, categoria, zona de disseminação, data de realização, modo de expressão, estado actual e continuidade do elemento, mas também fotografias, documentos e elementos multimédia sobre o património. Para participar, os cidadãos podem preencher o formulário de recolha de informações disponível na página www.macauheritage.net/ichsurvey.
Hoje Macau PolíticaPatrimónio | Chui Sai On diz que há espaço para progredir [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Chefe do Executivo congratulou-se ontem com a atenção e consciência da população na defesa do património cultural da cidade, mas defendeu que existe “ainda espaço para progredir” na revitalização desse legado histórico. “Ao longo desta década – o património da cidade foi classificado pela UNESCO em 2005 -, os cidadãos de Macau, na sua generalidade, estão cada vez mais atentos e conscientes da importância da salvaguarda do nosso património cultural”, disse Chui Sai On na rubrica “Palavras do Chefe do Executivo”, publicada na página oficial do governante. Salientando que o Governo se tem “empenhado” na salvaguarda do património de Macau, o líder do Governo entende, no entanto, que no que “respeita à revitalização do património mundial cultural” existe “ainda espaço para progredir”. E para isso, assinalou, Macau está a trabalhar seguindo as boas práticas de outros países e regiões. “Continuaremos a adoptar medidas adequadas de salvaguarda do património mundial dotado de valor universal, a auscultar a opinião pública, e simultaneamente proceder a consultas e ouvir sugestões junto das entidades competentes do país, das organizações internacionais especializadas nesta área e de especialistas em património mundial”, disse. Amar o lar No artigo, sob o título “Amar o Património Mundial, Amar o nosso belo lar”, Chui Sai On sustenta que o Património Mundial “é um tesouro dotado de valor universal e um legado da história multicentenária” da cidade e que “o futuro promissor de Macau é inseparável do valor incalculável deste tão rico tesouro dotado de valor universal”. Chui Sai On, que em 2005 durante o processo de candidatura e reconhecimento por parte da UNESCO era o Secretário dos Assuntos Sociais e Cultura com a pasta do Turismo e área cultural, recorda ainda o processo apresentado por Macau com o apoio do Governo central chinês e de entidades e peritos nacionais e internacionais. O líder do Governo de Macau frisa ainda ser “dever de todos” a protecção e valorização do património cultural da RAEM. LUSA/HM
Leonor Sá Machado SociedadeHotel Estoril | Retirada do painel de azulejos satisfaz a população A maioria das pessoas que opinou acerca do destino do Hotel Estoril está a favor do reaproveitamento do local em prol dos jovens e da cultura, mas quis mesmo banir os azulejos da fachada, como anunciou Alexis Tam na semana passada. E tudo devido ao Feng Shui [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s resultados da consulta pública sobre o destino do edifício do antigo Hotel Estoril mostram que o Governo ouviu a maioria das pessoas quando decidiu, na semana passada, retirar o painel de azulejos do edifício. A maioria disse querer que o local seja reaproveitado enquanto centro recreativo para os jovens, mas representantes da área da Educação e vários jovens mostraram desagrado na manutenção do painel de azulejos da fachada. E tudo devido ao Feng Shui, filosofia de origem chinesa vastamente que determina sorte ou azar de acordo com o posicionamento de objectos, entre outras premissas. “Tanto o sector educativo como um número considerável de jovens manifestaram a sua discordância em relação à manutenção do painel após as obras de requalificação”, refere o Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, em comunicado. Parte das opiniões expressaram igualmente vontade de retirar o painel de azulejos, recolocando-o num museu para apreciação dos turistas, sem que perturbasse o novo design e propósito do Hotel Estoril, “algo que o Governo também considera viável” e que já disse que iria fazer. Em declarações à imprensa, o responsável mostrou-se agradado com as opiniões expressas durante a consulta pública, uma vez que são conducentes com as do Governo. O edifício está abandonado há vários anos e a intenção é ali construir um centro de actividades culturais, recreativas e desportivas para os mais novos, lá integrando o Conservatório de Macau, “a fim de proporcionar um espaço favorável à educação nas artes para os jovens locais, assim como para o seu desenvolvimento físico e mental”. Há espaço para todos O Conservatório não vai apenas servir para os alunos inscritos nas aulas desta escola, mas também para actividades musicais dos residentes ou associações. Serão ainda, “de acordo com as estimativas preliminares técnicas” do Secretário, criados mais mil lugares de estacionamento num auto-silo de três andares, de forma a facilitar o tráfego automóvel naquela zona. “É de acreditar que de entre outros planos de requalificação, este será o mais adequado e vantajoso em termos de benefícios sociais e maior bem-estar para a população”, destaca o Gabinete. A piscina, no entanto, será reconstruída, uma vez que a sua arquitectura está, na opinião do Governo, “ultrapassada”, e as suas instalações “muito envelhecidas e danificadas”, razão pela qual se vai optar pela transformação do local numa piscina que esteja aberta 365 dias por ano. A ideia não é nova, mas só agora o plano se torna mais concreto. “Nem a distribuição de espaços nem as suas instalações conseguem satisfazer as exigências modernas e assim, entende-se necessário a transformação do local numa piscina que esteja aberta durante todo o ano, permitindo aos cidadãos usufruir de uma instalação desportiva com condições de qualidade”, aponta o comunicado, notando que a piscina tem já 63 anos de existência. Nas mesmas declarações, o Secretário afastou a possibilidade de ali ser construído um museu de Jogo de fortuna ou azar, como algumas opiniões sugeriram. Isto porque, de acordo com Alexis Tam, o local foi abandonado enquanto albergava um casino, salas de sauna, dança, karaoke e hotel. O mesmo comunicado ressalta a opinião, que diz ser de “um reputado arquitecto local”, do edifício ter já perdido a “sua alma e carácter” por estar muito danificado. Alexis Tam confirmou que foram já realizadas 20 reuniões com vários sectores sociais, incluindo sessões de auscultação pública. As opiniões restantes serão analisadas depois do próximo dia 20. Pedida classificação como património Uma actividade de recolha de assinaturas a favor da classificação do antigo Hotel Estoril como património cultural foi convocada por uma associação local de planeamento urbanístico. O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, defende que “respeita a ideia”. A associação chama-se Root Planning e lançou a actividade numa página do Facebook até ao dia 17 deste mês, sendo que a petição da classificação do antigo Hotel Estoril como património cultural será depois entregue ao Instituto Cultural (IC). “De acordo com a Lei da Salvaguarda do Património Cultural, cada residente de Macau pode apresentar a sua sugestão de classificação de património. A Root Planning já elaborou um documento de justificação do pedido, esperamos que os interessados concordem e assinam a petição [para depois fazermos algo]”, disse ao Jornal Ou Mun Alexis Tam. O Secretário mostrou-se satisfeito com a atitude da associação e diz que já pediu ao IC atenção ao caso.
Leonor Sá Machado Manchete SociedadeEI | Grupo arrasa símbolos da cidade. Memória exterminada Edição de 28 de Agosto de 2015[dropcap style=’circle]F[/dropcap]oi em meados de Maio passado que o Estado Islâmico (EI) primeiramente ocupou Palmira, começando com uma vaga de homicídios e repetidas ameaças da destruição do local, classificado pela UNESCO como Património Mundial. De acordo com a Reuters, foram mortas cerca de 400 pessoas nos primeiros quatro dias de ocupação do EI em Palmira, há três meses. Dias depois, foi a vez das forças do presidente sírio Bashar al-Assad atacarem o local então liderado pelo EI. Este foi, segundo o director do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (SOHR, na sigla inglesa), Rami Abdel Rahman, um dos ataques mais intensos desde a semana anterior, quando o controlo da cidade teve lugar. “Desde esta manhã [dia 25 de Maio], aeronaves do governo executaram pelo menos 15 ataques aéreos a Palmira e arredores”, disse Rahman. Uma fonte militar síria confirmou ao website DW que tiveram ainda lugar várias outras acções militares nessa altura. “Operações militares, inclusive ataques aéreos, estão em curso na área ao redor de al-Sujna, Palmira, Arak e nos campos de gás de al-Hail, bem como nas estradas que levam a Palmira”, afirmou uma fonte não identificada ao website. Erradicar fundamentalismos Francisco Leandro é um professor na Universidade de São José doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais que esteve em Palmira e outras zonas do Médio Oriente em 2009. Em declarações ao HM, sugere, como vários especialistas, a erradicação do fundamentalismo para cessar os avanços do EI. “O potencial destruidor dos crimes de guerra, em especial dos crimes de género em conflitos armados, é incomparável com outros tipos de crime”, começou por dizer. “Infelizmente, os líderes do ISIS cedo compreenderam esta minha afirmação e infelizmente praticam-na na perfeição: travar este flagelo implica erradicar os fundamentalismos”, acrescentou. O académico apontou que um património daquele valor é irrecuperável. “Uma destruição destas pode ser minimizada, mas nada voltará a ser como era. Aquando da minha estada na Síria, tive oportunidade de observar o esforço imenso da comunidade internacional, designadamente de Itália, nos trabalhos de recuperação, classificação e preservação do património histórico da Síria”, começou por dizer Francisco Leandro. A isto, o professor acrescentou que a presente perda “acarreta também a perda” de um esforço com o qual o governo sírio sempre contou. “Este é um dano civilizacional irreparável”, colmatou. Questionado sobre as formas de parar os avanços do EI, Francisco Leandro considera que se trata de uma guerra que vai beber aos ideais e usa a manipulação psicológica, sendo por isso, mais complexa de travar. O califado da discórdia Embora também em Junho e Julho se tenha assistido à destruição de estátuas e outros artefactos icónicos – como a peça do leão de al-Lat, que data do século II e foi descoberta em 1975 –, o anúncio da explosão do templo Baal-Shamin surgiu no início desta semana, com um especialista em antiguidades sírio, Maamoun Abdulkarim, a apontar que o sucedido tenha tido lugar no passado dia 23. “Temos dito vezes sem conta que eles iriam primeiro aterrorizar as pessoas, e depois, quando tivessem tempo, começariam a destruir os templos”, disse à agência Reuters Abdulkarim. “Palmira está a ser destruída perante os meus olhos. Que Deus nos ajude”, lamentou o especialista. No entanto, parece não haver consenso na data da destruição, já que o SOHR refere que o desmantelamento aconteceu há cerca de um mês. Seguindo as contas de Abulkarim, a destruição aconteceu apenas dias depois da facção radical ter decapitado o antigo responsável pelos museus e antiguidades de Palmira, Khaled al-Assad, de 82 anos. Actualmente, cumpria funções como consultor do local e a sua execução aconteceu, de acordo com o Observatório, porque o responsável se recusou a revelar o local secreto onde foram escondidas algumas das estátuas antes da chegada do EI a Palmira. Além deste homicídio, o EI publicou ainda notícias sobre um massacre de “infiéis” no anfiteatro de Palmira, há dias. Graeme Wood escreveu, na edição de Março da revista britânica The Atlantic, um artigo denominado “O que o EI [Estado Islâmico] realmente quer”, onde explica as intenções e a filosofia interna do grupo. Wood começa por dizer que poucas forças internacionais conhecem realmente os contornos da lógica que move o EI, referindo que há profundas diferenças entre o actual regime comandado por Abu Bakr al-Baghdadi e o de Bin Laden, a Al Qaeda. “Bin Laden perspectivava o seu terrorismo enquanto prólogo de um califado que não seria formado durante a sua geração. A sua organização era flexível, operando uma rede geograficamente difusa de células autónomas. Em contraste, o EI só se legitima através da conquista de território e é composto por uma estrutura hierárquica”, esclarece Wood. As estátuas dos infiéis De acordo com notícia do periódico The Week, o templo de Baal já havia sofrido um ataque com morteiros em 2013 e acredita-se que este tenha sido perpetrado por milícias sírias. Contra este movimento em crescimento acelerado estão vozes internacionais, às quais se juntam poderosos líderes do mundo árabe, que sendo muçulmanos, censuram as atitudes do EI e afastam qualquer relação com esta facção. Também Irina Bokova, directora da UNESCO, condenou a destruição dos artefactos como um “crime de guerra”, dos piores da história. A grande pergunta, no entanto, é “porque razão está o EI a destruir património mundial”? A destruição de Palmira consta, de acordo com vídeos publicados pelo próprio EI, do plano de conquista deste grupo radical muçulmano. O jornal New York Times (NYT) escreveu mesmo que o ataque a Palmira serviu para obliterar todas as restantes culturas e religiões do califado desta facção radical. O NYT citava os vídeos da destruição: “Os monumentos que vêem por trás de mim não são mais do que estátuas e ícones de pessoas de séculos anteriores, usados para a adoração em vez de Deus”. No ecrã, lia-se ainda “aquelas estátuas não são do tempo do Profeta e dos seus companheiros. Foram criados por Satânicos”. Verdadeiramente religiosos O artigo do The Atlantic refere que o que inicialmente parece um velado apoio ao Estado Islâmico é, na verdade, um esclarecimento para perceber como combater esta força. Para Wood, este é o grupo religioso que mais pura e radicalmente cumpre a doutrina de tempos antigos. “Quase todas as grandes decisões e leis promulgadas pelo EI seguem criteriosamente a ‘Metodologia Profética’, seja nos seus media, placards, matrículas ou moedas”, escreve o autor. Wood refere o óbvio: “quase todos os muçulmanos recusam o EI”, mas isso não faz com que as acções do grupo não sejam o espelho da profecia escrita há milénios. A revolta do EI O mundo começou a ter – uma pequena – percepção da força do Estado Islâmico ainda em 2002, quando o presidente dos EUA George W. Bush declarou a inclusão do Iraque no ‘Eixo do Mal’, lista de países ‘non-grata’ para o governo norte-americano. Em 2003 o conflito intensificou-se e Bush prometeu usar força bélica caso necessário, justificando, através de comunicações públicas, que o Iraque escondia e possuía “algumas das mais letais armas jamais inventadas”. A existência deste tipo de artilharia nunca foi oficialmente provada. As tropas da aliança com os EUA acabaram por abandonar o Iraque, mas não sem antes capturarem Saddam Hussein, um dos maiores ditadores modernos. Foi por volta desta altura que o EI começou a ganhar relevância enquanto proclamador de um regresso aos tempos em que o mundo estava dividido em califados. De Mosul a Palmira Segundo o mapa do califado do EI, criado pelo Instituto de Estudos Bélicos em Janeiro, a facção controla uma linha de terra que vai desde a cidade síria de Aleppo até perto de Ramadi, no Iraque. Há ainda outras zonas, como são parte da fronteira da Síria com a Turquia. O mesmo mapa define zonas de ataque, onde a facção se encontra em guerra. Estas ocupam Fallujah – igualmente importante durante a invasão norte-americana –, e Bagdad. Outra grande parte do documento está pintada de cor-de-rosa, simbolizando zonas de apoio ao governo de Baghdadi. Estas compõem um espaço triangular desde perto de Damasco, passando por Aleppo, Mosul, Bagdad e Ramadi. Em Fevereiro teve lugar um outro ataque igualmente grave ao património mundial. Foi a vez de militantes do EI destruírem artefactos em Mosul, com direito a imagens dos momentos. Nos vídeos captados, ouvem-se palavras semelhantes àquelas proferidas em Palmira. “Este ataque é muito mais do que uma tragédia cultural – também é um assunto de segurança, porque alimenta o sectarismo, o extremismo violento e o conflito no Iraque”, afirmou na altura a directora da UNESCO, Irina Bokova. Reacção semelhante teve a direcção do Museu nova-iorquino Metropolitan, que descreveu o ataque como “catastrófico” num dos museus “mais importantes do Médio Oriente”. No dia anterior, os radicais haviam feito explodir um mesquita no centro da cidade. O arquitecto Ihsan Fethi lamentou uma “perda terrível” e justificou o acto por dentro da mesquita estar um túmulo que serve de objecto de adoração para os fundamentalistas. Já em Fevereiro, o ministro iraquiano do Turismo e Artefactos, Adel Fahad al-Shirshab tinha censurado a conduta do EI. “Este genocídio cultural contra a humanidade iraquiana tem que ser imediatamente travado antes que o EI destrua tudo o que resta”, disse.
Hoje Macau Manchete VozesOlhem de novo Eduardo Flores* [dropcap style= ‘circle’]B[/dropcap]oca amiga já mo tinha soprado à orelha. Duvidei, mas não muito. Tenho Macau entranhado na pele, como o sarro de um mineiro de carvão. O Tap Seac é a Ágora cultural de Macau. Salvou-se de desaparecer por via de lhe cobrirem o relvado com a “coisa desportiva” – ou coisa assim – que afinal foi esmagar a Escola Sir Robert Ho Tung. Não se livrou, a Norte, felizmente com um bom desenho, da tampa do túnel. Que sanha haverá contra ele? A seu tempo defendi que a nova Biblioteca Pública deveria ser uma ampliação para o outro lado da Praça. Mais tarde, quando o inevitável parecia aí, do mal o menos, por que não lá colocar a Escola Portuguesa, já com piscina e tudo? Talvez uma boa maneira de salvar a piscina. Piscina que é só mais um exemplo a precisar de reabilitação e restauro, não de liquidação. Foi a Escola Sir Robert Ho Tung, a Escola Primária Oficial, o neo-mourisco das Conservatórias na Sidónio Pais e, aqui também, mas mais acima, as vivendas da “Secessão”. Sobra o edifício da antiga Escola Comercial Pedro Nolasco “preso pelos fios” que são a Escola Portuguesa. Sem falar no Jardim Vasco da Gama, “levantado do chão”. O pequeno bairro chinês da Av. Coronel Mesquita; no Porto Interior, o edificiozinho dos CTT, decadente e violentado no rés-do-chão… Claro que temos as raridades da Casa do Mandarim e da Casa do Loucau. É muito longa a lista das pequenas peças do nosso importante património. Quase todas pequenas, modestas até, inclassificadas… Quase todas abatidas. O “novo Estoril” (peço desculpa, é o que dizem, mas já duvidei do “diz que disse” que aqui me traz) vai ter o volume da “coisa desportiva”, sobretudo se a Piscina Municipal for mesmo à vida e incluída no plano do novo edifício. É mentira ou estão a esquecer-se de falar nisso? A relação ainda existente entre a Praça e a Colina da Guia desaparece, mas isso não é património de valor, parece. Triste, desapontado mas, confesso, não demasiado surpreso. Os Arquitectos não são advogados, (enfim… um pouco, por vezes, até somos) e é difícil, admitamo-lo, todos por lá passámos – muito difícil – recusar um contrato. Mas não temos a obrigação sequer de fingir que acreditamos na causa. Cumprimos programas. Não nos podem obrigar a gostar deles. E temos, isso sim, a obrigação do conselho crítico ao cliente. [quote_box_left]Deixemo-nos de tretas, o Siza não gera controvérsia. É por valor próprio incontroverso. O prédio que ele ali fizer será, no mínimo, tão bom quanto o velho Hotel. A questão não deveria sequer passar por aí. É se deverá ali estar[/quote_box_left] Sei-o por mim. Sei-o pelos meus pecados. Mas nenhum cliente me tratou mal ou me despediu por lhe dizer a verdade. Podem “obrigar-nos” a defendê-los. Podemos querer defendê-los. Mas não devemos, que isso é muito feio. Que fique claro, sou um simples e pequeno arquitecto, daqueles que vão morrer. Sei que falo para o Olimpo. De mim fiquemos por aqui. São os Desígnios. Persistem os Desígnios Superiores, a que temos vindo a ser sujeitos, para suportar subtracções impunes à paisagem da memória. Da gratuita subtracção do edificiozinho dos Serviços de Meteorologia – substituição por pastiche, como também os do Largo de S. Domingos – ao prédio do Fai Chi Kei, ao… Hotel Estoril? Como disse, a lista é enorme. O importante património de Macau é este, feito de pequenos edifícios e até pequenas memórias. Algo parecido com Grande Património temos as Ruínas de São Paulo. Talvez qualquer coisa mais, mas não me lembro. Foi a opção incontroversa. Já a reconstrução da ardida Baixa de Lisboa foi assim. Deixemo-nos de tretas, o Siza não gera controvérsia. É por valor próprio incontroverso. O prédio que ele ali fizer será, no mínimo, tão bom quanto o velho Hotel. A questão não deveria sequer passar por aí. É se deverá ali estar. Não vai é ser a história do Estoril, épica e pecaminosa. Ombro a ombro com famílias em lazer de águas. A não contar história nem estória – a menos que seja esta, triste. Não vai ser uma forma identificadora assim tão cedo, se alguma vez o for. Nem vai provocar a tristeza de um Dédalo, a quem estas asas queimadas nada dizem. Não sei o que leva alguém a achar o Estoril abatível, nem de perto quanto mais assim à distância. Removível, sem mágoa, da memória, quando ele é memória. Em fim de vida, o Estoril foi, eventualmente, o maior lupanar de Macau. Antes disso foi, para o melhor e, muito, para o pior, seminal na moderna indústria do jogo em Macau. Mesmo assim, e por isso tudo, merece o nosso respeito. Além disso o prédio é bom. É delicado. Ao menos a fachada… E a piscina – história, arquitectura e a importância de bairro – é para outra ocasião. Ver a cidade como um amontoado de prédios, onde uns têm valor porque são plasticamente interessantes e os restantes não importam, não me parece um processo humanístico de construir e manter uma cidade. Mas o processo é, no fundo, confrangedoramente simples, só a ganância o complica. Até há patrimónios artificiais que é preciso respeitar, como o memorial ao Dr. Sun Iat Sen (apesar de raramente se lembrarem do Dr.) e a casinha do General, na Coelho do Amaral. Mas isso é outra conversa, embora coubesse aqui, no nosso importante património. Citando não sei bem quem: “o arquitecto Siza Vieira terá aconselhado o Executivo a demolir a fachada do espaço”; “aconselhou a que a fachada do edifício não fosse mantida”. Isto tudo após “trocar impressões sobre a protecção do património cultural”, e “porque considera que esta (fachada) não integra o importante património cultural de Macau.” Esta declaração pública, da ausência de qualidade arquitectónica do velho Hotel e da sua insignificância destrutível, é agressiva, cruel e ofensiva. Do Siza?! Reflecte a opinião dos que querem pensar assim, fazer pensar assim e dos convencidos a pensar assim. Se calhar, depois, até pensam que pensam mesmo assim. Complicada a frase? Esperem até ouvir os que pensam mesmo assim… Parecem esquecer que o património edificado não se estabelece apenas na qualidade arquitectónica do construído – por aí, mais facilmente admitiria eu (mas não admito) que se demolisse o velho Tribunal – o Palácio (!) das Repartições, chamavam-lhe. Aliás, vendo bem, tudo isto é difícil de acreditar. Vejamos o que dirá agora o Arquitecto Siza Vieira, quer se digne quer se indigne. Ainda espero que se indigne por a história estar mal contada, mesmo que seja também comigo. Depois há o tempo e o dinheiro, que parecem escassos nesta rica cidade de tanto frenesim. Dez anos a deixar apodrecer uma estrutura sem préstimo para de repente ser urgentemente necessária. E o Grande Hotel, para lá caminha? O património sai caro? Pois sai, por aí era melhor nem ter havido candidatura a Património da Humanidade. E que tal poupar no património para se aumentarem ainda mais as participações pecuniárias? Há pressões incomportáveis sobre a malha antiga? Já nos anos 80 se falava que se deveriam criar instrumentos legais que transferissem direitos das áreas históricas para as novas áreas de expansão. Entretanto passaram a Baixa da Taipa, a ZAPE, os NAPE, a Areia Preta, o COTAI e, agora, os Novos Aterros – 5 ATERROS. Cinco. É, é de se ficar aterrado. *arquitecto
Hoje Macau SociedadeEncontrados vestígios de cais por baixo da farmácia de Sun Yat-sen [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Instituto Cultural (IC) anunciou na sexta-feira a descoberta de vestígios arqueológicos do que terá sido o antigo cais da cidade, durante trabalhos de recuperação da antiga farmácia do médico Sun Yat-sen, primeiro Presidente da China. Em 2012 foi encontrada uma estrutura em pedra num nível abaixo das fundações originais, na parte traseira do edifício, revelou o IC. Já este ano, a equipa de restauro voltou a encontrar uma nova estrutura de pedra, de grande escala. “Pela dimensão dos blocos existentes, acredita-se que pode ter sido um pequeno cais ou parte de uma linha de água. Sabe-se que esta zona era alagada. Há muitos registos que tudo isto estava ligado ao Porto Interior”, explicou Carlos Marreiros, arquitecto e presidente do Conselho do Património. A antiga farmácia de Sun Yat-sen, com quase 120 anos, fica localizada na Rua das Estalagens, no coração do bazar chinês, uma zona que está a uns bons dez minutos a pé do cais actual. “Estávamos a trabalhar na estrutura da canalização [do edifício] quando descobrimos [as pedras]”, contou Leong Wai Man, do departamento do Património Cultural do IC. A nova descoberta veio atrasar os trabalhos de recuperação e consequente abertura de uma casa-museu. “Esperávamos abrir no próximo ano, mas agora é preciso ajustar, não só a exposição mas a construção”, explicou a especialista. O plano inicial era transformar o edifício, “um exemplo típico e representativo dos edifícios comerciais de Macau”, num “pequeno núcleo museológico, exibindo alguma parafernália relacionada com Sun Yat-sen”, mas os novos achados arqueológicos vão implicar mudanças, sublinhou Carlos Marreiros. Local de comércio Os especialistas não conseguem ainda datar este cais, garantindo apenas ser anterior ao edifício, do século XIX, mas lembram que era nessa zona marítima que se efectuava grande parte do comércio entre portugueses e chineses. “Planeávamos ter aqui uma exposição sobre Sun Yat-sen, talvez alguns medicamentos. Mas como encontrámos mais achados arqueológicos vamos ter de integrar mais informação sobre a história de Macau. Se for mesmo a frente marítima, teremos de mostrar mais sobre isso”, afirmou Leong Wai Man. O IC acredita que o número 80 da Rua das Estalagens tenha sido ocupado pelo fundador da República da China, que exerceu medicina em Macau e ali abriu a Farmácia Chong Sai, que disponibilizava medicamentos ocidentais, em 1892. A farmácia só terá funcionado durante cerca de um ano, motivo pelo qual se perdeu todo o recheio e mesmo a maior parte dos elementos decorativos. Actualmente, além das escavações, o IC tenta recuperar as paredes, feitas do tradicional tijolo cinzento chinês, muito deteriorado devido à água salgada do subsolo. As pinturas no tecto, as janelas, portadas e frisos vão também ser recuperados. Para Carlos Marreiros a aquisição do edifício em 2011 por 36 milhões de patacas foi a atitude correcta. O arquitecto considera que muitos outros espaços na cidade deviam ter o mesmo destino: “Além de representarem um tipo de vida, essa arquitectura dita chinesa do sul em Macau incorpora elementos portugueses.”
Andreia Sofia Silva SociedadePatrimónio | Arquitectos vão enviar recomendações ao Governo A Associação dos Arquitectos de Macau vai preparar algumas recomendações para enviar ao Executivo no âmbito da protecção do património, não descartando um contacto com a UNESCO. Outras associações do sector não têm os mesmos planos [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]nova direcção da Associação dos Arquitectos de Macau (AAM), eleita há cerca de uma semana, vai reunir com o intuito de preparar algumas recomendações a enviar ao Executivo, numa altura em que se celebram os dez anos da classificação do património de Macau na UNESCO. A garantia foi dada ao HM pelo novo presidente da AAM, Jonathan Wong Chung Yuen. “Estamos a preparar alguns comentários para enviar ao Governo, mas não nos queremos focar apenas numa área específica”, referiu sem adiantar mais pormenores sobre o que será incluído no documento. Em relação à UNESCO, a AAM também está a pensar enviar alguns comentários sobre os trabalhos feitos na área da protecção dos monumentos. “Penso que vamos preparar algo, mas antes teremos de fazer uma reunião com os membros da direcção, pois tomámos posse há pouco tempo”, disse ainda Jonathan Wong, que considerou ser importante a UNESCO falar com outras entidades além do Governo. “Se pudessem fazer isso, seria bom. Neste momento penso que a UNESCO fala directamente com o Governo. Poderia ajudar [se falasse com associações], se fosse [um processo] mais transparente”, apontou. Caso isolado Esta parece ser, para já, a única associação do sector com planos para falar com o Executivo ou a UNESCO sobre este assunto. O HM contactou várias entidades no sentido de perceber se vão tomar uma iniciativa semelhante à da Associação Novo Macau, que enviou um relatório não oficial a denunciar os perigos do desenvolvimento urbano para a paisagem nas zonas da Penha ou Guia, mas nem todos parecem querer fazê-lo. Dominic Choi, presidente da entidade Arquitectos sem Fronteiras, garantiu: “não temos um plano para falar com a UNESCO”. Contudo, admitiu que “talvez se possa ter uma discussão interna [sobre o assunto], mas não [vai] ser anunciada publicamente para já”. “Não planeámos discutir com a UNESCO, mas talvez possamos discutir algo com a associação de arquitectos. Não estamos neste momento a discutir questões ligadas à arquitectura local, por estarmos focados noutros projectos, mas talvez o possamos fazer mais tarde.” Derrick Tam, presidente da Associação dos Embaixadores do Património, também descartou, para já, um contacto com a UNESCO. “Tive conhecimento que a Novo Macau enviou um relatório não oficial à UNESCO, mas não planeámos fazer algo semelhante, uma vez que o plano na Doca dos Pescadores e o plano director para a Zona B dos novos aterros ainda não foram aprovados pelo Governo”, disse, em resposta escrita ao HM. Boa fé O presidente da Associação acredita nas boas intenções do Governo quanto à preservação da paisagem da Colina da Penha. “O Governo tem vindo a recolher as opiniões dos cidadãos sobre o plano para a Zona B e o Chefe do Executivo já afirmou que vai garantir que a altura dos edifícios para [essa zona] não vai afectar a protecção do património.” Apesar disso, Derrick Tam alerta para o facto da altura de cem metros poder, de facto, pôr o património em perigo. “Espero que os edifícios na Zona B tenham a altura máxima de 25 metros, tal como foi sugerido no segundo documento da consulta pública.” O HM contactou ainda o arquitecto Nuno Soares, responsável pelo Centro de Arquitectura e Urbanismo, que nos confirmou que não estão agendadas recomendações ao Governo ou à UNESCO, embora a entidade esteja a desenvolver trabalhos sobre esta matéria.
Hoje Macau SociedadeTuristas consideram património de Macau “muito diferente” do da China [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]ntes de entrar para a universidade, Liu Ziliang queria “conhecer o mundo” e decidiu, por isso, juntar-se ontem à primeira “visita guiada aprofundada” ao património de Macau que, devido “à influência portuguesa” considera “diferente da China”. Desde ontem e até ao fim do mês, o Instituto Cultural (IC) organiza, em parceria com uma agência de viagens, visitas guiadas ao património, incluídas no programa de celebração dos dez anos da classificação da UNESCO. Ontem, 65 turistas, a maioria da China e cerca de 20 de outros países, visitaram o Templo de A-Má, a Casa do Mandarim, o Largo do Lilau e a igreja e o Seminário de São José, terminando o passeio no Teatro D. Pedro V. “Este sítio era muito importante para a comunidade portuguesa”, explicou Leong In Fan, representante do departamento do património cultural do IC, perante o grupo de turistas que se abanavam com os panfletos informativos para afastar o calor, num dia em que as temperaturas chegaram aos 33 ºC e 95% de humidade. O primeiro teatro de estilo ocidental na China acolheu um grupo já cansado do passeio a pé e que só aproveitou o ar condicionado durante cerca de 20 minutos – o suficiente para algumas fotografias à sala que acolheu o “Crazy Paris Show”, de Guy Lesquoy, o primeiro espectáculo de cabaret na Ásia. À porta do teatro, Liu Ziliang, de 17 anos, mostrava-se satisfeito com a visita que lhe deu a conhecer “a parte mais antiga e mais bonita de Macau”, uma cidade que apenas tinha visitado uma vez, em criança, quando veio com a família “fazer compras”. “Nessa altura não liguei ao Centro Histórico”, admite. Limpando o suor da testa, o jovem explicou que Macau é o primeiro lugar que visita desde que terminou os exames de acesso à universidade. A Igreja de São José, “muito grande e bonita”, foi o ponto que mais gostou – a igreja e seminário foram construídos pelos jesuítas em Macau no século XVIII e fazem parte da lista de imóveis classificados pela UNESCO em 2005. Edifícios como este levaram o jovem a considerar que Macau tem “o seu estilo”, com “muita influência portuguesa” que torna a cidade “diferente da China”. Candy Kong foi responsável pela visita turística criada especialmente para o 10.º aniversário da classificação do património de Macau. “[Os turistas] ficaram muito surpreendidos que num sítio tão pequeno haja tanto património. Tudo lhes pareceu novo por causa da mistura do oriental e ocidental, que acham muito interessante”, descreveu a guia, ressalvando, no entanto, que foi o calor e humidade intensos que mais geraram reações dos visitantes. Wu Keng Kuong, director da agência de viagens que, em parceria com o IC, organiza estas visitas, garante não ser verdade que a maioria dos turistas apenas deseje fazer compras em Macau, onde impostos mais reduzidos e uma maior confiança na legitimidade dos produtos tornam as lojas atractivas. “Uma parte dos turistas quer fazer compras mas uma grande fatia quer conhecer o património de Macau. Os turistas estrangeiros gostam mais da construção oriental, enquanto os chineses preferem a de estilo ocidental”, descreveu.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeNovo Macau entregou relatório voluntário à UNESCO A Associação Novo Macau entregou ontem um relatório à UNESCO que denuncia a possibilidade da paisagem das zonas da Penha e da Guia ficar afectada com a renovação da Doca dos Pescadores e a Zona B dos novos aterros [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]uma altura em que se celebram os dez anos de classificação do património de Macau pela UNESCO, a Associação Novo Macau (ANM) entende que nem todas as informações correctas estão a passar lá para fora e decidiu entregar ontem um relatório à entidade. Nele, expõe os projectos urbanísticos que podem pôr em causa a paisagem da Colina da Guia e Igreja da Penha, como é o caso da renovação da Doca dos Pescadores ou a construção dos edifícios com cem metros de altura na Zona B dos novos aterros. A ANM não esquece também a construção do edifício do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM. “É nosso dever cívico enviar este relatório”, disse Scott Chiang, membro da direcção da ANM. “O que pretendemos com este relatório é que a UNESCO olhe, de facto, para a situação geral [da protecção do património], porque acreditamos que há informações que têm sido escondidas da UNESCO e pensamos que assim podem fazer uma análise mais justa”, acrescentou. A ANM lembra que o Governo está “obrigado”, pela ratificação da Convenção da UNESCO, a proteger toda a área envolvente dos edifícios históricos. “A negligência pelo contexto histórico e as reacções públicas em relação às paisagens da Colina da Guia e da Igreja da Penha pelo Governo revelam a ausência de um compromisso para com a sua conservação”, defendem. Scott Chiang frisou ainda que já reuniram com o Governo, a quem pediram para “tomar passos sérios” na protecção dos locais históricos. “Não basta preservar o património mas há que proteger a paisagem à volta e deixar as pessoas visitarem e conhecerem. Foi nisso que o Governo falhou e foi isso que foi assinado na convenção da UNESCO. E é isso que denunciamos neste relatório.” [quote_box_left]“A negligência pelo contexto histórico e as reacções públicas em relação às paisagens da Colina da Guia e da Igreja da Penha pelo Governo revelam a ausência de um compromisso para com a sua conservação” Associação Novo Macau[/quote_box_left] Pelos negócios O Executivo é ainda acusado pela ANM de ser pouco transparente. “Os relatórios oficiais, que nenhum de nós leu, foram bem recebidos nos encontros internacionais e decidiram que não havia necessidade de discutir a preservação. Mas no relatório que enviámos vemos que há muitos problemas por resolver, o que nos leva a pensar [sobre] o que constará nos relatórios enviados. Suspeitamos que o Governo não revelou todas as informações e apenas mostrou o outro lado a nível internacional.” Os activistas acusam ainda o Governo de se ter aproveitado do conceito de património mundial para o favorecimento dos “interesses” do sector do turismo. “O Governo explorou o conceito de património mundial e não vemos que tenha havido nos últimos anos uma verdadeira motivação para proteger o património”, disse Jason Chao, membro da ANM, que não põe de parte a possibilidade de vir a realizar mais iniciativas para chamar a atenção sobre a questão.
Filipa Araújo Manchete SociedadePatrimónio | Casino Lisboa poderá fazer parte da lista, mas não deve ser o único A ideia de classificar o Casino Lisboa como património de Macau não causou surpresa e é defendida por arquitectos locais. A necessidade de um estudo independente é defendido pelos profissionais, que sugerem ainda que outros edifícios sejam classificados também [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão está excluída a hipótese de incluir o Casino Lisboa – o primeiro no território – na nova lista de bens imóveis do património de Macau. A ideia foi, de acordo com o jornal Ponto Final, avançada no passado domingo pelo académico e membro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios Michael Turner, e foi ontem reforçada pelo Instituto Cultural (IC) numa resposta ao HM. O instituto explica que já recebeu opiniões – duas – nesse sentido e que por isso vai proceder “ao estudo e à análise do valor das informações e opiniões”. No dia de ontem, durante o debate levado a cabo pela Rádio Macau sobre os dez anos de classificação do património mundial pela UNESCO, os arquitectos Vizeu Pinheiro, Rui Leão e Maria de José de Freitas concordaram com esta ideia. “Quando de fora se fala de Macau, o que vem à cabeça das pessoas é a imagem do Lisboa. É incontornável”, afirmou Rui Leão. “O hotel Lisboa não sai do nada. Havia as casas de fan-tan, de jogo tradicional, umas duzentas no Porto Interior e agora só há uma na Rua 5 de Outubro”, defendeu Vizeu Pinheiro, assinalando a necessidade do Governo estar mais atento à questão. Em declarações ao jornal Ponto Final, o mesmo arquitecto explicou a classificação “faz sentido” mas, partindo do princípio da iniciativa da “narrativa da história dos casinos” é necessário que outros edifícios estejam incluídos na mesma lista. O arquitecto apontou o edifício da farmácia na Avenida 5 de Outubro – devido à sua ligação com o Jogo – como um dos edifícios a acrescentar. Ícones da cidade Para Maria José de Freitas o mais antigo casino local “é um dos edifícios mais emblemáticos de Macau”, logo faz sentido estar incluído os imóveis protegidos, mas ainda assim é “importante entender Macau como um todo e olhar também para as zonas de transição”. Recorde-se que a arquitecta defendeu anteriormente que a classificação é exagerada se tiver como base da escolha “os postais e imagens promocionais” do casino. Maria José de Freitas acredita que é necessário um estudo intensivo “tendo em conta as características culturais do edifício e não só porque a sua imagem é conhecida”. O mesmo estudo foi ainda defendido por Rui Leão que explicou à publicação local que é necessário que o processo de classificação esteja liberto da ideia de “que não se pode mexer em nada”. “O hotel transporta a ideia de um edifício em constante transformação. A classificação nunca pode passar pela ideia de cristalizar o edifício porque isso iria ser uma negação da própria estrutura pela maneira como ela existe”, defendeu, sublinhando a importância da classificação “por ser uma representação daquilo que a indústria do Jogo trouxe a Macau”. Por um novo modelo de gestão Em declarações à Rádio Macau, durante a participação no debate dos dez anos de património mundial, o arquitecto Vizeu Pinheiro apelou a um novo modelo de gestão do património local, criticando o poder centralizado do IC. “Isto vai contra o modelo aprovado pela UNESCO, que era a de uma gestão colegial. O património é de todos, não é do IC”, disse, sublinhando a existência de um instituo que possa gerir o património. “[O IC] não deve ser o senhor absoluto, que é o que está a acontecer”. O arquitecto foi mais longe frisando que “a grande pergunta é quem é que fiscaliza o fiscalizador. Quem controla o Instituto Cultural?” O drama do plano de gestão Ainda na área da gestão, a arquitecta Maria José Freitas, no mesmo debate, frisou a urgência de um plano de gestão do património, apontando várias falhas à recente Lei do Património. “Estamos a viver com uma lei de 2013 mas que ainda não tem uma lista de edifícios classificados e que, no fim, está a funcionar com a lista de 1992. Parece-me que isto é um pouco dramático. Macau está a passar por uma fase com enormes desafios do ponto de vista do planeamento urbano com os novos aterros e, portanto, a não existência de um plano de gestão resulta numa falta de eficácia”, argumentou durante o debate.
Joana Freitas Manchete SociedadeIec Long | DSSOPT tem plano urbanístico com parque temático, mas admite complicações Já foi iniciado um estudo que pretende transformar a antiga Iec Long num parque temático, mas além de ainda ser preciso um plano mais concreto, o Governo está com dificuldades no que ao domínio dos lotes diz respeito, já que estes estão divididos em proprietários e regimes jurídicos diferentes [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) quer mesmo criar um parque temático no espaço da antiga fábrica de panchões Iec Long. A confirmação foi dada ao HM pelo organismo, ainda que a ideia esteja suspensa devido ao facto do Governo não ser o único proprietário do terreno. A DSSOPT explica que o Executivo – “através de serviços governamentais” – deu já início à realização de um estudo sobre o espaço. Mas, mais do que isso, “já foi até feita a elaboração de um plano urbanístico” no sentido de se criar o parque temático. “Dado que as antigas instalações da Fábrica de Panchões Iec Long presenciaram o desenvolvimento sócio-económico de Macau, [deu-se] início à realização do estudo e da elaboração do plano urbano neste sentido, por forma a preservar assim a história e a cultura de Macau”, começa por explicar a DSSOPT na resposta ao HM. “Estes trabalhos compreendem sobretudo a preservação deste espaço arquitectónico, a salvaguarda da história do fabrico de panchões, a exposição da evolução desta actividade industrial em Macau e a realização de acções de educação cívica geral e de sensibilização, expressando e firmando assim o valor sócio-cultural que a Fábrica de Panchões Iec Long representa”. A DSSOPT diz, então, que “foi decidido projectar para a fábrica um parque temático, de modo a mostrar a rica cultura e história de Macau”, mas também para tentar melhorar a paisagem urbana dos bairros antigos da Taipa e “proporcionar aos cidadãos um espaço que permita melhorar a sua qualidade de vida, promovendo assim por conseguinte o desenvolvimento das PME dos bairros vizinhos”. Terrenos divididos Contudo, como já tinha vindo a ser avançado pela imprensa, o Executivo poderá ser obrigado a pagar indemnização aos proprietários do lote, de acordo com a Lei de Salvaguarda do Património. Isto, se conseguir até chegar a termos com os donos do espaço. Algo que não é fácil, como admite a DSSOPT. “O terreno onde se encontram construídas as antigas instalações da Fábrica de Panchões Iec Long é composto por várias parcelas de terreno com diferentes situações jurídicas, os quais compreendem os terrenos em regime de propriedade perfeita e por aforamento. Assim sendo, devido à complexidade desta questão, acrescido ainda pelo facto da Administração não ser a única proprietária dos terrenos, até hoje não foi concretizado o projecto do Parque Temático da Fábrica de Panchões Iec Long”, explica o organismo, que diz ainda que também “se aguarda ainda uma optimização mais profunda da sua concepção”. A Administração diz que tem vindo “ao longo destes anos” a manter contacto com os proprietários do espaço, mas confirma que já desde antes do estabelecimento da RAEM se deu início às negociações. “Existe ainda alguma divergência entre ambas as partes, pelo que no momento está ainda por se resolver a questão da propriedade destes terrenos”, diz ainda a DSSOPT ao HM. ____________________________________________________________ Casino Macau Palace continua à deriva No que diz respeito ao antigo casino flutuante Macau Palace, que actualmente está estacionado na Bacia Norte do Patane, a DSSOPT diz não ter qualquer plano para estas instalações. Há anos que o casino se encontra ancorado no local, tendo sido tapado com portadas de madeira recentemente. Contudo, a DSSOPT descarta planos para o local para outros serviços “competentes”. O HM tentou, junto da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) saber o que poderá vir a ser o espaço, mas não foi possível obter resposta até ao fecho desta edição. A operadora responsável pelo casino é a Sociedade de Jogos de Macau, que também não respondeu ao HM.
Flora Fong SociedadeTerrenos | Fábrica Iek Long pode vir a receber indemnização O IC quer preservar a Fábrica de Panchões Iek Long, mas o proprietário tem outros planos para o local. Por isso mesmo, a Lei de Salvaguarda do Património pode entrar no processo, já que permite a negociação de indemnizações do Governo [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s proprietários da Fábrica de Panchões Iek Long, na Taipa, podem vir a negociar uma indemnização com o Governo. Isto, porque, segundo a Lei de Salvaguarda do Património, os proprietários de locais com significado histórico podem ser pagos para deixaram o que é sua propriedade, para que seja possível a preservação do local. O Instituto Cultural (IC) quer salvaguardar o espaço, onde iria supostamente ser construído um parque de diversões pelo proprietário. O HM tentou confirmar junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) qual o projecto para o local, mas não foi possível obter qualquer resposta. Sabe-se, contudo, que este organismo sugeriu ao IC que negoceie uma indemnização com o proprietário do terreno daquela que é uma das únicas e mais antigas fábrica de panchões de Macau, a Iek Long, para conseguir transformá-la em património cultural. Recorde-se que, na semana passada, a DSSOPT disse ter a correr 12 casos de permuta de terrenos entre Governo e proprietários, sendo que seis ainda não foram concluídos. Nestes processos inclui-se, então, o terreno da antiga fábrica. Segundo o Jornal do Cidadão, o vice-director substituto da DSSOPT, Cheong Ion Man, referiu que já antes da transferência de soberania o Governo discutiu a viabilidade de trocar o terreno da antiga Fábrica de Panchões Iek Long por outro qualquer com a mesma área. Mas, como as intenções do IC em preservar o espaço não são as mesmas do proprietário, este tem direito a apresentar um pedido de indemnização. Assim, Cheong referiu que a DSSOPT já apresentou esta sugestão ao IC, que levou entretanto a cabo um grande número de trabalhos de salvaguarda do local. O vice-director substituto da DSSOPT afirmou ainda que existem outros dois casos semelhantes na Estrada do Cemitério e na Rua de Tomás Vieira. O IC sugere que se preservem os espaços que actualmente nem sequer se podem desenvolver, mas os proprietários não querem, pelo que a DSSOPT sugere que se negoceie a indemnização com os proprietários.
Hoje Macau Manchete SociedadePatrimónio | Académicos alertam para perigos no desenvolvimento dos novos aterros As novas construções em Macau ou de alguma forma ligadas ao território têm de ser tidas em conta quando toca à protecção do património [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]cadémicos ligados à área da conservação do património defenderam ontem que o desenvolvimento dos novos aterros vai ser determinante para a paisagem e herança cultural do território, cujo Centro Histórico está inscrito na UNESCO desde 2005. “No âmbito do desenvolvimento é preciso pensar num conceito global”, disse o académico israelita Michael Turner, à margem de um seminário que assinalou o 10.º aniversário da integração do Centro Histórico no património mundial. O plano director dos novos aterros, apresentado na semana passada, em consulta pública até 8 de Agosto, tem gerado alguma polémica, pelo facto de, num dos novos aterros (Zona B), poder vir a ser permitido construir até cem metros, uma altura superior à da Ermida da Penha, considerada edifício de interesse arquitectónico. Questionado sobre a perda de visibilidade para a igreja e alteração na paisagem, o professor da Universidade de Arte e Design de Bezalel afirmou que “não ficaria feliz com a ideia de simplesmente construir em altura e deixar ‘corredores visuais’ para o monumento”. “Eu ficaria preocupado. Tivemos situações idênticas em São Petersburgo e em Viena e devemos pensar sobre isto”, acrescentou Michael Turner. Para o também membro do órgão consultivo do Comité do Património Mundial, o Conselho Internacional para Monumentos e Sítios (ICOMOS, na sigla inglesa), a solução também está na gestão dos terrenos. “Vamos desenvolver os novos aterros com apenas um único grande construtor ou com vamos ter uma centena de empresas de pequena dimensão a fazer os trabalhos? A abordagem de como vai ser desenvolvido também vai ter efeitos no resultado”, apontou. “Seria útil procurar alternativas e determinar um programa que fosse sustentável e depois apresentar uma proposta que fosse melhor para o Centro Histórico”, acrescentou. [quote_box_left]”Vamos desenvolver os novos aterros com apenas um único grande construtor ou com vamos ter uma centena de empresas de pequena dimensão a fazer os trabalhos? A abordagem de como vai ser desenvolvido também vai ter efeitos no resultado” – Michael Turner, académico[/quote_box_left] Mas não só Michael Turner observou também que um programa de protecção e conservação do património abrangente deve contemplar o desenvolvimento da futura ponte Hong Kong – Zhuhai-Macau e as construções no lado da China, na outra margem do Delta do Rio das Pérolas. Por outro lado, colocou a tónica na sustentabilidade a longo prazo: “O design deve reflectir uma acção que daqui a 500 anos se conclua que contribuiu para a protecção do património”. Os titulares das Obras Públicas e Assuntos Sociais e Cultura, Raimundo do Rosário e Alexis Tam, reiteraram, na última semana, que nada está decidido. Também a académica sul-coreana Hae Un Rii manifestou preocupação sobre o impacto da construção em altura. “Macau mudou muito com os aterros, onde foram construídos grandes arranha-céus. De alguma forma é bom, mas, no aspecto da conservação, não é assim tão bom”, disse, comparando o lado económico com o cultural. A docente da Universidade Dongguk, em Seul, deu o exemplo do Foral da Guia, que perdeu visibilidade a partir do mar, ofuscado por outros edifícios na zona envolvente. “Isso quer dizer que a integridade já está perdida. É preciso pensar sobre isto”, afirmou. Hae Un Rii sublinhou que o trabalho não terminou com a declaração da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), há dez anos, e que as autoridades locais devem preocupar-se com “a autenticidade e integridade nos futuros desenvolvimentos”. Além disso chamou a atenção para o facto de, em quatro visitas à cidade, nunca ter “tropeçado” num centro com informações sobre o património da UNESCO e defendeu outra postura na promoção da herança cultural, para que a imagem de Macau deixe de estar associada ao Jogo e passe a ser vista de uma perspectiva cultural. “Os visitantes quando vêm a Macau pensam que isto é um sítio de Jogo. Muitos acabam por encontrar alguma herança cultural, mas não sabem que é património mundial. Há cerca de 25 monumentos ou conjuntos classificados, mas eles não sabem. Apenas visitam alguns locais como as Ruínas de São Paulo e a Praça do Leal Senado. Isso deve ser mudado no futuro”, afirmou.
Hoje Macau Manchete SociedadePatrimónio | “Resultados positivos”, mas relatório ainda está a ser avaliado Feng Jing, do Centro do Património Mundial, considera que a RAEM já alcançou resultados positivos no que à protecção do património diz respeito, mas – numa altura em que o Governo admite estar consciente que é preciso fazer mais – ainda continua por se saber o resultado da avaliação do plano de salvaguarda de Macau [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] relatório sobre o plano de salvaguarda do Centro Histórico ainda está a ser avaliado, mas há “coisas positivas”, dez anos depois da classificação pela UNESCO, disse à Lusa Feng Jing, do Centro do Património Mundial. “Em dez anos, houve um reforço da protecção dos bens. As autoridades reforçaram a legislação para os bens culturais e também melhoraram o planeamento urbano. São coisas positivas para a protecção do Centro Histórico de Macau”, explicou o director da secção Ásia-Pacífico do Centro do Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Feng Jing precisou que o plano de salvaguarda e gestão do Centro Histórico ainda está a ser analisado pelo órgão consultivo do Comité do Património Mundial, o Conselho Internacional para Monumentos e Sítios (ICOMOS na sigla inglesa). O responsável do Centro do Património Mundial adiantou que o relatório sobre o plano não está na agenda da 39.ª sessão do Centro do Património Mundial, que vai decorrer em Bona, na Alemanha, entre 28 Junho e 08 de Julho. Contactados pela Lusa, os responsáveis do ICOMOS recusaram comentar a avaliação ao relatório apresentado em Janeiro, depois da UNESCO ter recomendado um novo plano para a salvaguarda e gestão do centro histórico por considerar o existente “insuficiente para a sua protecção eficaz”. Na altura, o Comité do Património Mundial da UNESCO deu conta de “dois factores que estão a afectar” o património, nomeadamente “eventuais impactos negativos do desenvolvimento de projectos em áreas circundantes às zonas tampão sobre a integridade visual do património” e “a aparente inadequação do sistema de gestão”. Questionado sobre as garantias que foram dadas pelo Governo local à UNESCO nesta matéria, Roni Amelan, do serviço de imprensa da instituição sediada em Paris, explicou à Lusa que “o comité não exige garantias” porque se trata antes “de uma cooperação baseada no compromisso dos Estados para preservar os locais que eles próprios escolheram inscrever na Lista do Património”. Directrizes especiais Já o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura defendeu ontem que a entrada do património de Macau na lista da UNESCO constituiu uma “nova marca identitária” da cidade. Para Alexis Tam, a decisão da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a 15 de Julho de 2005, “marcou uma viragem na forma como o mundo via Macau”. “Passámos a ter uma nova marca identitária, tornámo-nos conhecidos também como cidade de cultura onde se combina, como em nenhum outro sítio do mundo e de uma forma muito peculiar, a cultura oriental com a ocidental”, afirmou. Numa declaração a propósito do 10.º aniversário da inscrição do Património na lista da UNESCO de Património da Humanidade, Alexis Tam valorizou o património cultural português e chinês do território. O mais recente relatório sobre o estado de conservação do Centro Histórico, publicado em Janeiro na página do Comité do Património Mundial, referia que “o Partido Estatal – no que diz respeito à Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural e às suas directrizes operacionais, assim como às decisões do Comité do Património Mundial – tem estado empenhado em melhorar a conservação e a gestão do sítio”, sublinhando a entrada em vigor a 1 de Março de 2014 da Lei de Salvaguarda do Património Cultural e da Lei do Planeamento Urbanístico. Feng Jing, do Centro do Património Mundial, reconheceu como “positivo” que “a questão do impacto ambiental no património” esteja incluída na legislação mas alertou que “é preciso reforçá-la e aplicá-la”, quando questionado sobre as prioridades de actuação do Governo com vista a melhores resultados na protecção do património. “Por agora, não há pedidos relativos ao património imaterial de Macau”, adiantou, por sua vez, Roni Amelan, em referência a pedidos relativos “às práticas e saberes”, depois de se ter falado na candidatura da gastronomia macaense e do teatro em patuá a Património Cultural Imaterial da UNESCO, dois temas que figuram na lista do Património Cultural Imaterial da RAEM. Ciente da responsabilidade Por outro lado, Alexis Tam disse que Macau está ciente das “responsabilidades, dos desafios e das exigências decorrentes daquela classificação, tarefas que não são incompatíveis, mas sim complementares com uma estratégia de crescimento e de desenvolvimento sustentável” preconizada pelo Governo. Mas, vincou, a distinção “implicou novos desafios e responsabilidades”, como “reformas e investimento público” na área do património e ao nível legislativo. Alexis Tam lembrou que o reconhecimento internacional do valor do património de Macau, de origem chinesa e portuguesa, “teve como resultado imediato uma ampla campanha de divulgação da sua singularidade, que resultou também num aumento da consciência ao nível interno para com a necessidade da sua protecção, conservação e valorização”. E os edifícios portugueses, só folclore? Dez anos após a inscrição do Centro Histórico como Património da Humanidade, os especialistas preocupam-se mais com os imóveis que têm valor cultural mas não estão protegidos, incluindo cerca de 30 de matriz portuguesa. “Corre-se o risco de os edifícios portugueses desaparecerem aos poucos e de só ficarem as igrejas, como se fossemos todos padres”, lamenta o arquitecto Francisco Vizeu Pinheiro, autor de vários projectos de reabilitação em Macau. O actual professor na Universidade de São José estima que os cerca de 30 imóveis de herança portuguesa, não classificados, mas com elevado valor cultural, vão acabar demolidos ou apenas com as fachadas intactas, às quais se podem adicionar elementos modernos, como aconteceu ao edifício do Banco Nacional Ultramarino e se planeia fazer com o Quartel de São Francisco. Quando se assinalarem os 20 anos da classificação da UNESCO, Macau vai “ter apenas o folclore português”, ironiza.
Leonor Sá Machado EventosCinema, Carpintaria e Sinologia O Instituto Cultural inaugura cinco novos espaços culturais na região, incluindo um cinema munido de um centro de documentação, uma exposição sobre a história da Carpintaria e uma outra sobre o sinólogo Jao Tsung-I. Assim se festejam os dez anos do Centro Histórico na lista do Património Mundial da UNESCO [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Instituto Cultural (IC) promove, a partir do próximo dia 30 e até final do ano, uma série de estreias em termos de instalações histórico-culturais e que de algum modo explicam a história e passado locais. A primeira, que inaugura no final de Junho, é o Centro de Informações da Fortaleza da Guia. O local, que serve actualmente como estrutura de apoio àquele monumento, vai ser transformado num sítio mais completo, com uma série de informações interactivas, como são a exibição de maquetas e uma retrospectiva dos trabalhos de restauro da Capela de Nossa Senhora da Guia. O espaço vai ainda dispor de um café e loja de recordações. O dia 28 de Julho é reservado à abertura da Exposição de Carpintaria de Lu Ban, na Associação Seong Ká Môk. Lu foi, de acordo com o IC, o “patrono dos carpinteiros na China” e o espaço pretende contar a história desta classe trabalhadora e mostrar aos visitantes aquilo que se tem feito nesta área em Macau. “Serão expostas numerosas ferramentas tradicionais de marcenaria e componentes de casas, para além de uma apresentação multimédia sobre a Associação”, explica o IC. Em nome do passado Além da mostra sobre a história da carpintaria em Macau, o IC prepara-se para abrir, a título permanente, a Academia Jao Tsung-I, conhecido sinólogo chinês. “Pinturas e Caligrafias Doadas por Jao Tsung-I” ficará no número 95 da Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida e compreende uma sala de exposições com trabalhos do autor e uma colecção do seu espólio de livros e outros documentos históricos. Há ainda um auditório, construído a pensar na promoção da cultura chinesa e do intercâmbio sobre estudos sinólogos. A par disto será ainda inaugurada a Cinemateca Paixão, que integra salas de cinema e um espaço de documentação cinematográfica. “É um espaço polivalente destinado a promover a indústria cinematográfica e criar uma atmosfera criativa e cinematográfica”, explicou o IC. Contudo, não há ainda um prazo definitivo para a abertura deste espaço, mas o IC assegurou que o anúncio será feito no seu website oficial. Para já, estabeleceu-se Setembro como data para a “abertura experimental”. Vai também ser inaugurado uma espécie de museu sobre a profissão de guarda-nocturno, muito comum na história do território. O Posto de Guarda Nocturno, situado na Rua da Palmeira, foi restaurado e vai abrir ao público para visitas durante a segunda metade deste ano, desconhecendo-se ainda o dia. “Ao preservar-se este Posto de Guarda Nocturno, mantém-se um testemunho único da existência desta profissão em Macau (…). Após obras de restauro o espaço será revitalizado para alojar uma exposição sobre o trabalho dos antigos guardas-nocturnos de Macau”, lê-se no folheto informativo.
Carlos Morais José EditorialAs lições do passado [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]untar “comunidade portuguesas” ao dia de Portugal e de Camões (bem como tirar-lhe a Raça) foi uma excelente decisão. Afinal, o nosso vate também foi um exilado, um homem basicamente expulso do país, um território onde para ele não havia lugar e onde haveria, no regresso, de definhar à míngua, mesmo depois de reconhecida a sua genialidade. Portugal de modo nenhum se reduz ao pequeno rectângulo. É muito maior, muito mais vasto e mais onírico do que isso. Os portugueses não pertencem a uma etnia, fazem parte de um povo que inclui todo o tipo de gente, com as mais diversas origens étnicas. Tal teve a ver com o facto de termos saído, mas também com a realidade geográfica do país. Sendo o último da Europa para Oeste, foi durante vários séculos uma espécie de fim do mundo, onde vinha parar todo o tipo de gente. Dali não podiam passar, a não ser em sonhos. E talvez tenham sido esses sonhos que nos lançaram numa das aventuras mais ousadas que Humanidade experimentou. Os portugueses foram os autores da primeira globalização, quando mostraram que era possível o contacto entre todos os povos do planeta. A segunda globalização veio tornar esse contacto imediato. Bem sabemos da importância das novas tecnologias, mas alguém se lembra da importância de mudar os hábitos alimentares de toda a gente com o transporte de plantas alimentícias como fizeram os nossos navegadores? Pouco importa o passado, dizem-nos. Glórias de antanho não nos resolvem os problemas que hoje defrontamos, afirmam. Será que não? Será que não existem lições a tirar da História que sejam úteis na interpretação do presente? Parece-nos que sim. Parece-nos, aliás, que existem tantas lições que nós hoje temos medo de olhar para elas e corar no confronto com a audácia e a inteligência dos nossos antepassados.