São Tomé e Príncipe | Macau e Água Grade assinam acordo de geminação

Macau e o distrito de Água Grande, em São Tomé e Príncipe, assinaram um memorando de entendimento para a geminação de cidades, informou a região administrativa especial chinesa.

O Chefe do Executivo de Macau afirmou que “ao longo dos seis anos, desde o reatamento das relações diplomáticas entre a China e São Tomé e Príncipe, foram alcançados resultados frutíferos em diversos domínios e o intercâmbio cultural continua a intensificar-se”.

“Ambas as partes prosseguem com o reforço da cooperação no âmbito das infra-estruturas, economia e comércio, cultura e formação, entre outros domínios. A China já é, por vários anos consecutivos, um mercado de importação relevante para São Tomé e Príncipe”, sublinhou Ho Iat Seng, citado num comunicado das autoridades.

O governante mostrou-se convicto de que este acordo vai “criar uma oportunidade para alargar (…) o intercâmbio e a cooperação nos domínios económico e comercial, turístico, pesca, cultural e de contacto entre a sociedade civil”, possibilitando a Macau “desempenhar, plenamente, o seu papel de plataforma de serviços para a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa, no sentido de fomentar o intercâmbio e a cooperação entre a China e os países lusófonos”.

Na mesma nota indica-se que o presidente da Câmara Distrital de Água Grande, José Maria Fonseca, disse que com o memorando “as relações de amizade serão (…) mais fortalecidas” e permitirá “testemunhar e salvaguardar a amizade estabelecida entre a China e São Tomé e Príncipe”, expressando ainda o desejo de que possibilite também mais visitantes de Macau em Água Grande, onde se situa a capital são-tomense.

12 Ago 2022

Segurança nacional está à frente de direitos e liberdades em Macau

O Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China em Macau afirmou que “nenhum direito e liberdade pode romper a linha de fundo da segurança nacional”, numa resposta a críticas da ONU. O Gabinete de Ligação destaca liberdades e direitos sem precedente na história de Macau

 

 

Na semana passada, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas emitiu um relatório sobre a implementação em Macau do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que motivou uma resposta forte do secretário para a Segurança Wong Sio Chak. Um dia depois, na sexta-feira, foi a vez das entidades que representam o Governo Central na RAEM denunciarem as conclusões do organismo das Nações Unidas.

“Deve salientar-se que qualquer direito deve ser exercido de acordo com a lei, e que não há liberdade de imprensa e de manifestação no mundo que esteja acima da lei”, destacou em comunicado Liu Xianfa, comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China na RAEM.

Na mesma nota, o comissariado sublinhou que “nenhum direito e liberdade pode romper a linha de fundo da segurança nacional”.

Afinal, acrescentou, “o sistema democrático da RAEM está de acordo com o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ e o estatuto constitucional de Macau, e é conducente à salvaguarda dos direitos democráticos dos residentes de Macau e à manutenção da prosperidade e estabilidade” do território.

O Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM também reagiu “às chamadas conclusões” do Comité dos Direitos Humanos num artigo publicado na agência estatal Xinhua. “Alguns conteúdos são baseados em informação ou fontes não verificadas, que não se alinham com a realidade. As críticas à situação dos direitos humanos em Macau são tendenciosas e sem fundamento”, argumentou o porta-voz do Gabinete de Ligação.

O responsável sublinhou que o Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM irá continuar a apoiar o Governo local na “firme salvaguarda dos direitos fundamentais e liberdades de que gozam os residentes de Macau, ao abrigo da Lei Básica, e na implementação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de acordo com a Lei Básica”.

O representante argumentou ainda que a implementação bem-sucedida do princípio “Um País, Dois Sistemas” recebeu aclamação universal, e que os residentes da RAEM gozam de uma amplitude de direitos e liberdade sem precedente, algo que “pode ser comprovado por quem não encara a situação com preconceito”.

 

Daqui a seis anos

Macau já tinha repudiado, na véspera, as críticas do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que pediu mudanças na Justiça, sistema eleitoral e defesa de liberdades para se evitarem violações do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

As autoridades de Macau manifestaram a sua firme oposição a algumas das conclusões do comité, no âmbito da avaliação periódica da implementação do pacto, sustentando que os responsáveis da ONU não compreendem a interpretação da Lei Básica de Macau e garantindo a independência do sistema judicial.

Um dos pontos destacados no relatório do comité divulgado na quarta-feira prende-se com o sistema eleitoral, já que as autoridades “não expressaram qualquer intenção de instituir o sufrágio universal para garantir o direito de todas as pessoas de votarem em genuínas eleições”. Uma preocupação reforçada pela desqualificação de candidatos pró-democracia em Julho do ano passado, justificada pelo facto de “não serem leais a Macau”.

Outro ponto diz respeito à independência dos tribunais. “O comité está preocupado com a “pré-selecção de juízes que estejam de acordo com os critérios para julgar casos que envolvam a segurança nacional”, afirmou.

O comité expressou também preocupação com “a deterioração” da liberdade de expressão, de imprensa e do direito à manifestação em Macau em recentes anos.

No documento da ONU pede-se igualmente que Macau “considere descriminalizar a difamação e os insultos à bandeira nacional, símbolos e hino”, sublinhando que a pena de prisão prevista “nunca é uma pena apropriada para a difamação”.

O comité pediu a Macau que submeta em Julho de 2028 o próximo relatório sobre a implementação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, um dos instrumentos que constituem a Carta Internacional dos Direitos Humanos da ONU.

1 Ago 2022

Governo rejeita “politização” de análise feita pela ONU 

O Governo rejeita a análise feita pelo Comité dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas (ONU) a propósito da implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos em Macau. A ONU chamou a atenção, entre outros pontos, para a criminalização de actos contra os símbolos nacionais, como a bandeira e hino chineses, ou a necessidade de uma maior democratização do regime político.

Em comunicado, o Executivo entende que a ONU deveria evitar “a ‘politização’ da apreciação, abstendo-se de formular conclusões tendenciosas e falsas, com base em reportagens e fontes de informação não verificadas”. “O Governo da RAEM não pode concordar com algumas partes elencadas nas observações finais e manifesta a sua oposição, considerando que o Comité, enquanto órgão de tratados de direitos do Homem, deve respeitar a finalidade de proceder ao diálogo construtivo com a Parte que se sujeita à apreciação”, lê-se ainda.

“A ‘preocupação’ manifestada pelo Comité deve-se ao facto de que não compreende o sistema de interpretação da Lei Básica de Macau. Obviamente, é irrazoável que o Comité exija à RAEM considerar a ‘descriminalização’ dos actos de ultraje à bandeira, emblema e hino nacionais”, lê-se na nota de imprensa divulgada ontem.

Quanto ao sistema político, o Governo lembra que “o desenvolvimento da democracia tem sido promovido conforme a lei”, além de que “os factores democráticos da metodologia para a escolha do Chefe do Executivo e para a constituição da Assembleia Legislativa têm sido constantemente enriquecidos, enquanto que o regime eleitoral tem sido cada vez mais aperfeiçoado”.

Leis e revisões

O Comité da ONU analisou, entre os dias 13 e 15 de Julho, outros pontos da implementação do Pacto como “o sufrágio universal, a independência judicial, o combate ao tráfico de pessoas, a salvaguarda da privacidade, a liberdade de expressão, a reunião pacífica e a liberdade de associação, entre outros”. A análise foi feita com base num relatório feito pelo Governo que abordou a implementação da lei de prevenção e combate à violência doméstica e o salário mínimo para os trabalhadores.

Foi também feita a referência à revisão do Código Penal e lei laboral, incluindo a transformação da pornografia infantil como um crime independente e a ampliação do âmbito do crime de prostituição infantil. As autoridades frisaram ainda o aumento do número de dias de licença de maternidade e o estabelecimento da licença de paternidade.

Apesar da discordância, a RAEM promete olhar para “algumas recomendações construtivas apresentadas”, garantindo que se empenha na protecção dos direitos humanos e na implementação das disposições do Pacto “de acordo com a Lei Básica”.

28 Jul 2022

Helena Cabeçadas, autora: “Macau é uma cidade sedutora”

Sobrinha neta do Almirante Mendes Cabeçadas, Helena Cabeçadas, autora de “Macau – Uma Cidade Improvável”, viveu em Macau na década de 80, onde trabalhou nas áreas da toxicodependência e da saúde mental. Foi amiga do arquitecto Manuel Vicente e recorda um território onde a beleza e a repulsa andavam lado a lado. As memórias e as experiências são agora contadas no livro “Macau – Uma Cidade Improvável”, lançado em finais de Dezembro do ano passado

 

Diz que este livro faz parte da sua geografia afectiva. Como surgiu este projecto?

Este livro nasceu a partir de um conjunto de três livros que eu tinha escrito, e que considero como a minha biografia afectiva. Foram as cidades onde vivi, que me marcaram profundamente e alteraram a minha visão do mundo. O primeiro livro que escrevi foi sobre Bruxelas, onde vivi no final da minha adolescência. Estive exilada lá dos meus 17 aos 27 anos. Depois escrevi o livro sobre a minha infância em Moçambique, onde vivi dos oito aos dez anos, numa sociedade colonial. O terceiro livro foi sobre Filadélfia, onde trabalhei na área da droga e da toxicodependência, e em que me confrontei com uma cidade em decomposição, onde o racismo era muito forte. Foi também um choque cultural muito forte, que me marcou bastante. E depois Macau, onde vivi uns cinco anos e onde me confrontei com uma cultura completamente diferente que me marcou. Macau e a China foram um desafio para mim.

Porque foi para Macau?

Sempre me seduziu muito o Extremo Oriente. Em Bruxelas tinha procurado estudar o chinês e as religiões, e a hipótese de ir para Macau dava-me a possibilidade de desbravar esse mundo. Em 1983 fui requisitada pelo Governo de Macau e o meu marido foi trabalhar para a TDM. Não foi sempre fácil do ponto de vista profissional, o mundo da toxicodependência era muito fechado e muito masculino. Era pesado e dificilmente penetrável para um olhar ocidental e feminino.

Quais eram os principais perfis de consumidores à época?

Eram sobretudo consumidores de heroína, que era barata e de boa qualidade. O acesso era fácil. Por outro lado, havia uma tradição das casas de ópio, que só se tornaram ilegais em 1946. Ainda era uma tradição relativamente recente. Os mais velhos ainda estavam ligados ao ópio. Muitas vezes a iniciação dos mais novos ainda se fazia pelo ópio e depois partia para a heroína. Foi uma época em que a heroína se propagou muito na Ásia.

As mulheres eram pouco consumidoras, e havia poucas mulheres terapeutas?

Era um mundo muito masculino, e havia um registo mais prisional do que terapêutico, o que contrastava com aquilo que eu conhecia em Portugal e nos EUA. Éramos poucos terapeutas e funcionava como um grupo de guardas prisionais. Incomodava-me esse registo porque não estava de acordo com a minha visão [de abordar o problema], pois defendia a reabilitação. Em Hong Kong, em contrapartida, tinha contactos muito interessantes do ponto de vista profissional, porque fazia-se ali um trabalho que tinha mais a ver com a minha maneira de encarar esses problemas. A barreira da língua e da cultura também era muito grande, e o facto de ser mulher tornava as coisas mais difíceis.

De todos os sítios onde esteve, Macau marcou-a mais, ou menos, e porquê?

É uma pergunta difícil porque são idades diferentes. Em Moçambique era uma criança e em Bruxelas estava a descobrir o mundo, a Europa. Portugal era um mundo muito fechado, era o mundo do Estado Novo.

Fugiu do regime quando foi para Bruxelas.

Sim. Fui expulsa de todas as escolas do país. Fui presa com 16 anos e tive depois um processo disciplinar. Fazer o curso em Bruxelas permitiu-me contactar com outro mundo, tive colegas de todo o mundo. A Universidade Livre de Bruxelas era muito aberta e tolerante. Foi um desvendar de mundos. Quando fui para Macau, ou mesmo para Filadélfia, já era adulta. Em Macau foi-me lançado o desafio da cultura chinesa, de tentar decifrar aquele mundo.

O que é muito difícil.

A própria China estava a abrir-se ao mundo. Fui à China, onde as pessoas ainda se vestiam à Mao [tse-tung], não havia carros nem publicidade, só bicicletas, aos milhões. Era engraçado porque era um mundo muito diferente daquele que conhecíamos na Europa e até em Macau e Hong Kong. As raparigas tinham as fardas à Mao, mas já usavam saltos altos e batom, era o início de uma sociedade de consumo. Não senti miséria, mas havia pobreza. Essas viagens na China eram sempre mal vistas pelo poder, o país não gostava que os estrangeiros estivessem soltos, fora de uma excursão, sem guias. Macau era uma espécie de bolha, tínhamos a comunidade portuguesa, mas era uma sociedade cosmopolita. Muitas vezes tinha um pesadelo, o de estar fechada rodeada de guardas vermelhos que não me deixavam sair. Naquela altura ainda estávamos muito perto da Revolução Cultural, e a memória das pessoas ainda era muito forte em relação a esse período, que foi vivido de uma forma dramática em Macau, com o 1,2,3.

Como era trabalhar na Administração portuguesa à época?

Também dei aulas na Escola Superior de Enfermagem, foi engraçado porque tive contacto com jovens. Dava aulas de sociologia e antropologia, tive a oportunidade de organizar o curso, também na área da saúde mental. Tinha liberdade para organizar essa formação no Centro Hospitalar Conde de São Januário. Se no centro de recuperação de toxicodependentes tinha dificuldades e pouca liberdade para fazer o que queria, no hospital tive essa liberdade. Fiz um estudo preliminar sobre a criação de um centro de saúde no Fai Chi Kei e isso fez-me contactar com os Kaifong, os Operários. Isso ajudou-me a mergulhar no pensamento chinês e nas questões de saúde mental.

Como era o panorama nessa altura em matéria de saúde mental? Ainda hoje é um assunto tabu no seio da comunidade chinesa.

Na altura era mais difícil. Era complicado de abordar o problema, era como se não existisse. Mas nessa altura alguns psiquiatras portugueses procuraram também alterar a maneira de encarar essa questão e tentámos discuti-la com as pessoas. Contribuiu para abrir aquele mundo.

De todos os elementos de Macau que estão no livro, qual foi o que mais a fascinou? Que experiência foi mais marcante?

Acho que a própria existência da cidade é fascinante. É uma cidade improvável. Como é que no sul da China surgiu aquela cidade, longe de tudo? Como é que conseguiu afirmar-se, começar a existir e aguentar-se ao longo dos séculos? Houve um lado que também achei interessante, que é o facto de, no meio de tantas situações dramáticas que a cidade atravessou, Macau ter sido um importante centro de apoio a refugiados. Teve essa generosidade e gentileza, e isso torna-a numa cidade sedutora. Penso que é exemplar para os tempos que vivemos hoje em dia na Europa, com essa capacidade de absorver e receber apesar de estar fechada de tudo. Mas Macau oscilava entre o fascínio e a repulsa, havia uma grande beleza, como na Baía da Praia Grande, cheia de juncos, com uma vida intensíssima, e depois os cheiros nauseabundos, os ratos, as baratas. Depois havia o mundo macaense, mais próximo de nós, mas também complexo, um pouco impenetrável.

Foi amiga do arquitecto Manuel Vicente, uma figura muito importante para Macau.

Sim, foi padrinho da minha filha. Tenho muitas saudades dele, uma das pessoas mais fascinantes que conheci em Macau. Conhecia a região muito bem, tinha um humor extraordinário, contava histórias delirantes, inclusivamente sobre os diferentes governadores e as gafes que eles cometiam. A casa dele era um espaço de liberdade.

Encerra-se, com Macau, os capítulos da sua geografia afectiva.

Lisboa também faz parte disso, mas é uma cidade demasiado próxima e faz demasiado parte de mim. Não tenho um olhar distanciado que tinha em relação a Macau, Bruxelas ou Filadélfia. Tenho mais dificuldade em escrever sobre Lisboa.

27 Jan 2022

Macau é central no diálogo entre Portugal, a China e os países lusófonos

Por Rui Lourido, historiador

Macau está de parabéns pelos 21 anos de criação da sua Região Administrativa especial (RAEM). Este regresso de Macau à administração chinesa concluiu um intenso processo negocial, que decorreu de forma empenhada e responsável entre o governo de Portugal e o governo da República Popular da China (RPC), no quadro constitucional de “Um País Dois Sistemas”. O espírito de confiança de ambas as partes, alicerçado no decorrer dos mais de quatro séculos de coexistência pacifica e de respeito de Portugal para com a China, permitiu uma transição pacífica exemplar e a concentração de energias das diferentes comunidades no desenvolvimento de Macau. O Governo do Partido Comunista da China quis privilegiar o desenvolvimento de Macau, e também de Hong Kong, ao integrá-las no projeto da Grande Baia de Guangdong, com mais 9 cidades. Esta é a maior oportunidade deste século para estas duas regiões especiais potenciarem um desenvolvimento sustentável.

Macau foi homenageada na III Conferência de Cooperação Portugal China, organizada pelo Observatório da China, com a Câmara de Cooperação e Desenvolvimento Portugal-China, em parceira com a União das Associações de Cooperação e Amizade Portugal-China. A conferência decorreu nos dias 14 e 15 deste mês de dezembro de 2021, em Lisboa, nas instalações da UCCLA.

Gostaria de destacar algumas intervenções desta conferência que analisaram o papel de Macau:

O Secretário-Geral da UCCLA, Dr. Vítor Ramalho, na sua intervenção de boas vindas destacou o facto de a Cidade de Macau, para além de ter sido uma das 8 cidades fundadoras da UCCLA, preside, atualmente, à Comissão Administrativa da UCCLA (eleita em 2019). Macau designou a sua Delegação Económica e Comercial em Lisboa (DECMACAU), para ser a sua representante na UCCLA. O Doutor Alexis Tam, atual Chefe da DECMACAU, afirmou que o Governo da RAEM continuará empenhado em contribuir para a cooperação bilateral e multilateral entre a China, Portugal e os países lusófonos, em especial, nas áreas do turismo, comércio, investimento e educação (no âmbito do ensino do português).

O Diretor do grupo de média Macau Business, José Carlos Matias, referiu que o Projeto da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau, em Hengqin, vai permitir a médio prazo (2035) a diversificação económica: a cooperação científica e tecnológica, o investimento em indústrias de valor acrescentado, desenvolver a Marca industrial de Macau, e o setor de serviços financeiros, turismo e medicina tradicional chinesa.

O Presidente da Associação dos Comerciantes e Industriais Chineses em Portugal e representante da RAEM no Conselho de Estado, Dr. Choi Manhin, bem como o Eng. Ilídio Serôdio, Vice-Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, consideraram Macau como porta fundamental e facilitadora da entrada das pequenas e médias empresas Portuguesas e dos Países de Língua Portuguesa na China.

O Diretor do Instituto Confúcio da Universidade de Lisboa, Prof. João Barreiros, recorda que, “para quem teve o privilégio de conhecer Macau”, era previsível a “sábia suavidade” com que se deu a sua integração na RPC.

Já a Presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda, Profª. Maria Fernanda Ilhéu, sugeriu que Macau poderia ter um papel mais ativo na Cooperação científica Portugal-China-Países de Língua Portuguesa e alargá-la a instituições homólogas na China Continental, com uma coordenação em rede de programas de mestrados e doutoramentos e de linhas de financiamento para projetos de investigação conjunta, mobilidade de investigadores e bolsas para alunos de mestrado e doutoramento.

O CEO do Bison Bank referiu que Macau será central no mercado offshore de compensação em RMB – o que implicará grande desenvolvimento dos serviços financeiros em Macau.

A Diretora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, a Profª Manuela Pintado, destacou alguns projetos levados a cabo com Macau nas áreas da biotecnologia (“Research Program Portugal-Macau” desde 2017), que considera ser uma oportunidade não só para o desenvolvimento da cooperação do conhecimento científico entre os estados, mas também uma oportunidade económica.

O Presidente do Observatório da China dedicou a sua comunicação às relações de Macau/China com os países de Língua Portuguesa, no âmbito da iniciativa Uma Faixa e Uma Rota. Tendo destacado a urgência de Portugal modernizar a ligação ferroviária transeuropeia, de forma a ligar, por um lado, o porto de águas profundas de Sines à Rota Marítima da seda que atravessa o Atlântico e, por outro lado, a ligar à rede ferroviária Madrid-China.

A III Conferência de Cooperação Portugal China foi encerrada pelo Secretário de Estado da Internacionalização, do governo de Portugal, Eurico Brilhante Dias, o qual destacou o importante papel de Macau nas relações presentes e futuras entre Portugal e a China.

A centralidade de Macau/China no diálogo com Portugal e os outros países lusófonos vem-se fortalecendo ao longo dos 21 anos de criação da RAEM.

28 Dez 2021

Recursos de subsistência

Parece-lhe bem que se um turista quiser permanecer em Macau por um período até 7 dias tenha de ter na sua posse pelo menos 5.000 patacas?

Esta notícia fez sensação a semana passada e está relacionada com a revisão da Lei No. 16/2021 que regula o ” Regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência na RAEM” a ser implementado no dia 15 deste mês. A partir deste dia, os não residentes de Macau com idades superiores a 18 anos, que queiram permanecer em Macau por um período até 7 dias, têm de fazer prova de ter em sua posse uma quantia de pelo menos 5.000 patacas. Caso queiram ficar até 14 dias, terão de ter pelos menos 10.000 patacas e se quiserem ficar três semanas o mínimo terá de ser de 15.000 patacas. Se ficarem por um período superior a 22 dias, então o montante sobe para 20.000 patacas. Se se tratar de uma família, então o valor aumenta em 80% por pessoa. Estes “valores minímos” vão ao encontro dos “recursos de subsistência” mencionados na lei. Por “Não residentes de Macau” são designadas as pessoas que não possuem um Bilhete de Identidade de Macau, como estudantes estrangeiros, trabalhadores do exterior, turistas, etc.

O Governo de Macau apresentou esta proposta de revisão da Lei No. 16/2021 à Assembleia Legislativa. Foi referido que o objectivo da Emenda é o fortalecimento do controlo da imigração, o combate efectivo ao crime de entrada e permanência ilegais, e a criação de condições que garantam que Macau se torne um centro internacional de turismo e uma cidade onde se possa viver e trabalhar em paz e harmonia.

A verificação dos “recursos de subsistência” dos não residentes no momento da entrada em Macau, impede que estes venham a tornar-se um encargo para o Governo da RAEM durante a sua permanência e também diminui os riscos de ameaça à segurança pública. Compreenda-se que os estudantes estrangeiros e os trabalhadores externos não são os alvos principais desta medida; mas é certo que os visitantes serão afectados pela revisão da lei.

Os “recursos de subsistência” estão definidos de acordo com o Artigo 2(6) da Lei No. 16/2021, e são considerados os recursos básicos que garantem aos não residentes e às suas famílias o acesso à alimentação, ao alojamento e aos cuidados de saúde. O terceiro parágrafo do Artigo 101 assinala que os “recursos de subsistência” estipulados no quarto parágrafo do Artigo 24 podem ser prescritos por regulamentos administrativos suplementares ou instruções do Chefe do Executivo. O Chefe do Executivo estipulou “as quantias minímas de entrada” na Instrução No. 167/2021. Os ” recursos de subsistência ” não são uma novidade trazida pela emenda à Lei No. 16/2021. No passado, esteva fixada a quantia miníma de 500 patacas diárias.

Na sequência da emenda à Lei No. 16/2021, surgiram intensos debates. Se navegarmos por alguns fóruns da Internet, verificamos que os apoiantes consideram que existem disposições semelhantes noutros países e regiões; por exemplo, para entrar nos Estados Unidos, é necessário apresentar um cartão de crédito e demonstrar o seu limite. Além disso, esta regulamentação só exige que os visitantes tenham com eles uma determinada quantia e não que a gastem.

Os opositores acreditam que o novo regulamento vai afectar a indústria do turismo, provocando uma diminuição de entradas e acabando com as visitas de um dia a Macau.

Na Internet encontramos duas opiniões muito marcadas sobre este assunto. A primeira considera que permitir que as autoridades alfandegárias tenham acesso à conta bancária do visitante envolve quebra de privacidade para além de outras questões financeiras. Além disso, estas regulamentações são difíceis de implementar. Por exemplo, pode entrar alguém em Macau que imediatamente a seguir transfira para outra pessoa que também quer entrar as 5.000 patacas. Esta pessoa fica em condições de entrar e pode proceder da mesma forma com um terceiro amigo, e assim sucessivamente; como é que se lida com esta situação? Algumas pessoas ironizavam dizendo que os não residentes tinham primeiro de mudar o “código sanitário” e depois tinham de mudar o “ código bancário”.

Os que defendem o segundo ponto, assinalam que se os agentes da autoridade pararem um não residente na rua que não possua pelo menos 5.000 patacas, e que esteja de visita a Macau pelo período de uma semana, o podem prender e deportar.

O Parágrafo 4 do Artigo 24 da Lei No. 16/2021 estipula que em caso de insuficiência de “recursos de subsistência”, os agentes da autoridade podem recusar a entrada aos não residentes de Macau, ou recusar vistos e autorizações de permanência. A recusa de entrada, de vistos ou de autorizações de permanência, são situações completamente diferentes da constatação de que um visitante não residente, parado por acaso na rua pela polícia, não possui suficientes “resursos de subsistência”. O último caso não é regulado pelo Parágrafo 4 do Artigo 24. Desta forma, as afirmações feitas na Internet sobre este assunto são muito pouco credíveis.

Existem também outras mensagens na Internet que levantam suspeitas. Por exemplo, os residentes de Hong Kong podem permanecer em Macau por um ano. Que quantidade de dinheiro têm de trazer? E como lidar com a situação de pessoas que vêm visitar familiares ou vêm propositadamente a Macau devido a uma qualquer celebração?

Também há quem diga que quando um visitante se vai embora devia deixar 5.000 patacas para facilitar uma futura vinda; ou que se devia verificar os recibos das compras que fizeram e que só deviam sair depois de terem gasto uma determinada quantia.

O objectivo que presidiu à emenda à Lei No. 16/2021 é válido, e pode ajudar a salvaguardar ainda mais a lei que vigora Macau. Os “recursos de subsistência” podem garantir que os não residentes de Macau possuem condições económicas que lhes permitam permanecer por determinado período na cidade. Este tipo de regulamentação não é exclusiva de Macau. Embora se possa afirmar que a implementação desta regra pode afectar o turismo, como já existiu no passado, acredita-se que o impacto neste sector será minímo. Os amplos debates que tiveram lugar na Internet fizeram com que todos ficassem conscientes de que este tipo de regulamentação vai ajudar grandemente os agentes da autoridade a exercerem a sua função e vai evitar a ocorrência de conflitos legais desnecessários.

16 Nov 2021

Macau com mais de 100 cafés na “terceira vaga” da especialidade

Macau contava com mais de 100 cafés no ano passado, numa “terceira vaga”, com o consumo sempre a crescer nos últimos anos na cidade, onde noutros tempos dominava o chá.

De acordo com os dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), 117 cafés estavam em funcionamento em 2020, menos três que em 2019, apesar do impacto da pandemia da covid-19 e da diminuição acentuada dos turistas.

Para um responsável da Associação de especialistas de café de Macau (MSCA), esta é a “terceira vaga do interesse pelo café” na cidade. “A primeira vaga foi a do café instantâneo e a segunda a do café de multinacionais como a norte-americana Starbucks”, disse à agência Lusa.

Nos últimos anos, o café de diferentes origens tornou-se popular “numa terceira vaga, influenciada pela China”, afirmou Vong Sio Long, formador de especialistas na preparação de cafés, ou baristas, acrescentando que o interesse não fica só do lado do consumidor.

“Todos os anos, cerca de 300 pessoas de Macau frequentam o curso de barista”, apontou. Nestes “novos” cafés, os grãos mais usados chegam das origens mais tradicionais e distantes, como Etiópia, Brasil, Quénia, Costa Rica, México, Colômbia e Panamá, de acordo com a MSCA, e as máquinas profissionais mais usadas são as italianas, com preços a partir “das 70 mil patacas, disse Vong.

Candi Chu, proprietária de um café na zona antiga da cidade, afirmou que, por dia, vendia “entre 70 a 80 chávenas de café e em período de férias mais de 100”, mas que actualmente vende cerca de 50 chávenas por dia.

Neste estabelecimento, os preços rondam as 28 patacas por uma bica, localmente conhecida por ‘expresso’, e 36 patacas por um ‘cappuccino’. “Graças aos clientes habituais de Macau, podemos ‘sobreviver’ à covid-19”, afirmou Chu, que este ano estendeu o negócio à zona da Taipa, com uma filial do café existente na península.

 

Amargo de boca

O custo mensal do aluguer do espaço na zona antiga de Macau é de 30 mil patacas, disse Candi Chu, acrescentando não ter beneficiado de qualquer subsídio do Governo, apenas de um empréstimo de 500 mil, no âmbito das medidas de apoio à epidemia.

De acordo com os dados da DSEC, estes estabelecimentos perderam 14 milhões de patacas em 2020, com as receitas e despesas a diminuírem 16,9 e 5,6 por cento, respectivamente, em relação ao ano anterior.

Na mesma zona, que conta já uma dezena de pequenos cafés como o de Candi Chu, um novo espaço começou a testar a clientela e a preparar a inauguração na próxima semana.

À Lusa, Hugo Lo disse não ter pedido fundos ao Governo para iniciar o negócio. No entanto, o jovem proprietário espera que as receitas possam cobrir as despesas, prevendo que, em período de férias, a loja consiga vender mais de 100 chávenas de café ao dia.

Ao contrário das preferências dos portugueses em café, o sócio de Candi Chu, o macaense Danilo Tadeu Madeira afirmou que a proporção de pessoas de Macau que pedem um expresso é “muito baixa”. “As pessoas de Macau ou da China preferem café com leite, como ‘cappuccino’ ou ‘latte’. Na sua maioria, os chineses não gostam do sabor amargo de um expresso ou de um ‘americano'”, sublinhou.

8 Nov 2021

Macau passa a exigir vacinação a quem chega de avião

Quem embarcar num voo directo para a RAEM ou num voo de ligação que tenha como destino final Macau terá de apresentar certificado de vacinação contra a covid-19 completa, pelo menos, há 14 dias. Não estão abrangidas na deliberação menores de 12 anos, ou pessoas detentoras de documento que certifique que não são adequadas a tomar a vacina por questões médicas.

A medida, anunciada pelo centro de coordenação de contingência, entrou em vigor às 00:00 de hoje.

Além das provas de vacinação, é também exigida a apresentação de certificado negativo do teste de ácido nucleico com amostragem recolhida nas últimas 48 horas antes do voo.

No que diz respeito a indivíduos de países de extremo/alto risco, as exigências são mais apertadas. De acordo com as autoridades, pessoas provenientes do Bangladesh, Brasil, Camboja, Índia, Indonésia, Irão, Nepal, Paquistão, Filipinas, Rússia, África do Sul, Sri Lanka, Tanzânia e Turquia têm de apresentar três certificados negativos do teste de ácido nucleico realizados nos últimos sete dias.

Estes três testes têm de ser recolhidos com pelo menos 24 horas de intervalo entre cada amostragem, sendo que o último deve ser realizado até 48 horas antes do embarque.

O centro de contingência acrescenta que os referidos certificados devem ser emitidos por uma agência de testes reconhecida pela embaixada ou consulado da China na área local. Quem apresentar certificados falsos pode assumir responsabilidades criminais.

7 Out 2021

O Jogo das Escondidas – 30 primeiros capítulos

Deve afirmar-se que o céu é, sem dúvida, corruptível.
Cristoforo Borri
Collecta Astronomica, 1631

 

Macau, 1923


I

Benedito Augusto naufragou duas vezes. E duas vezes sobreviveu. Por isso gosta de lembrar, a quem o escuta, que há uma velha lenda dos marinheiros que diz que, no terceiro naufrágio, se alcança a imortalidade. Apesar de acreditar que tal possa ser possível, nunca o tentou comprovar. Hoje prefere a terra ao mar, Macau em vez dos mares do sul da China. De resto, em Benedito Augusto nada é o que parece. Desde logo, esse não é o seu verdadeiro nome. O de nascimento, de que não há registo, ficou perdido em Lisboa. Desde que apareceu em Macau que é conhecido como padre Augusto, mas nada garante que, pelo caminho, desde que percorreu os mares e as terras da Ásia antes de chegar a Macau, não teve outros nomes e outras vidas.
O tenente Félix Amoroso sondou-o com o olhar, intrigado. De cabelo preto, com uma pequena barba onde já despontavam alguns cabelos brancos, o padre Augusto vestia uma cabaia de ganga escura. A sua face era morena, com grandes olheiras, que salientavam ainda mais uns olhos negros incandescentes. Era um mistério. Mas, mesmo assim, era o mais precioso agente do tenente. Falava cantonês, inglês, francês e, claro, português. Como pretenso padre, jesuíta segundo dizia, penetrava em lugares interditos a outros ocidentais. Ouvia atrás de portas que se fechavam a sete chaves quando outros as tentavam ultrapassar. Sabia perscrutar a alma dos outros como ninguém. Defendia-se, dizendo que sendo o Diabo a origem de todos os males, o seu objectivo era vencê-lo. O Diabo tentava todos os seres humanos. Por isso, saber o que cada um queria não era um pecado. Saber os segredos dos que queriam o Mal era uma acção ao serviço de Deus. Mesmo que pago pelo vil metal que corrompia os homens. Amoroso não sabia se a argumentação do padre era verdadeira ou falsa. Mas isso era, para já, indiferente. Ele era-lhe útil.
Benedito Augusto levou aos lábios o copo de cerveja que tinha à sua frente. Depois de, com evidente prazer, saciar a sede, disse, sorrindo:
– Não sou ninguém, meu caro tenente. Posso ser toda a gente. Gosto de ser invisível. Como um anjo disfarçado no reino das trevas.
– Ou um diabinho mascarado no mundo dos que se julgam anjos.
– Se isso o conforta…

II

Félix Amoroso gostava que Benedito Augusto continuasse a ser invisível. Olhou à volta. Estavam numa espécie de taberna tão escura que apenas se viam sombras recortadas pela luz mortiça de umas lâmpadas de óleo que não eram limpas há muito tempo. Ninguém se importava. Os que ali estavam queriam que as suas faces passassem despercebidas. Marinheiros com tatuagens, com sinais e rugas que eram fruto de passados impossíveis de descobrir, trabalhadores das docas, piratas. Homens que tinham tentado descobrir o paraíso e que tinham escorregado no seu caminho. Por desejo dos outros. Ou por culpa própria. A vida era um contínuo labirinto. E nem todos queriam descobrir a saída dele.

Ali, naquela pequeno local sem nome junto ao Porto Interior, desenhavam-se traições e conspirações. Marinheiros sôfregos de terra firme vinham gastar o dinheiro das suas aventuras legais ou ilegais. Ou procurar uma mulher, antes de voltarem ao mar. Mas todos falavam baixo. Um grupo de homens chineses estava sentado num recanto. As suas faces dificilmente eram visíveis. Na mesa que ocupavam, uma chama de uma vela movia-se com a sua respiração. Bebiam, enquanto pareciam esperar alguém. Também ali estavam alguns homens solitários, quase todos ocidentais, perdidos nos seus pensamentos e na vida.

Era de uma conspiração que Benedito Augusto queria falar ao tenente Amoroso. Escutara-a ali. Às vezes o tenente tinha a sensação que o padre Augusto tinha um tom ressentido. Muitas vezes sarcástico, mas outras vezes parecia alguém que se queria vingar. Dos outros, de si próprio, do que vira e do que algures fizera ou deixara por fazer. Como ele, sabia que não havia inocência no mundo. Como quase todos os portugueses, tinham, ao longo dos séculos, perdido demasiado tempo e energia a sobreviver. Ele próprio o sabia. Sobrevivera a La Lys, durante a Primeira Guerra Mundial, antes de rumar a Macau. O tenente tinha um perfil esguio, quase duro, mas aparentava uma doçura e elegância no olhar e na sua forma de falar e sorrir. O seu bigode estava bem aparado. A cor morena ganhara contornos dourados por causa do sol. Apresentava sinais de fadiga e falta de horas de sono nos seus olhos amendoados. Apesar de habituado à linguagem das armas, movia as mãos com delicadeza.

III

Talvez por isso, quer Benedito Augusto, quer Félix Amoroso, embora parecessem vir de mundos diferentes, tinham tanto em comum. A sua semelhança aproximara-os. Ou um segredo, que, receosos, ambos partilhavam.
– Meu caro Amoroso. Eram dois homens. Um, chinês. O outro deveria ser europeu ou americano. Falavam inglês, mas o ocidental, apesar de ser loiro, era de outro país. Nunca o tinha visto. Conversavam em sussurro, num canto. Eu, por acaso, estava na mesa mais próxima, com um pirata que quer reformar-se. Eles falavam de Macau e da sua venda.
– Da venda de Macau?
– Sim, segundo o ocidental, Portugal vai vender Macau à Alemanha. É um segredo, mas isso vai realizar-se brevemente. Parecia preocupado em arranjar dinheiro para comprar a simpatia de quem era importante em Macau para que tudo corresse sem problemas aqui, depois do Governo de Lisboa anunciar a venda.
Amoroso franziu a testa. Nunca tinha ouvido nada sobre esse assunto.
– E não soubeste mais nada? De onde vinha o chinês?
– Ele costuma estar por aqui. Tem um barco. Acho que ou é pirata ou, então, faz contrabando. De arroz, de ópio, de seda. Mas deve dar-se bem com as autoridades e com as tríades, porque não parece ter receio de nada. É preciso que existam piratas para que se justifiquem gastos e custos de muita gente, da administração às empresas de seguros marítimos, não é verdade?
– Achas que isso é assim?
Benedito Augusto fez um esgar:
– Hoje é difícil ser puro e inocente.
– Como pretenso padre, deverias acreditar nisso.
– Sou padre. Formei-me num colégio jesuíta. Conheci a sua história. Aprendi muito com eles. Sabe como foi, já lhe contei, tenente. Tive de fugir de Portugal, quando chegou a República. Queriam enforcar os padres, como eu, nos candeeiros. Acabei por vir parar aqui. E o tenente, porque veio para Macau?
– Para descansar da guerra, meu caro padre. Dos pesadelos e dos fantasmas.
– E encontrou paz aqui?
– É mais fácil falar com os deuses aqui do que em Lisboa.
Félix Amoroso encolheu os ombros. Fungou:
– O que me dizes é muito vago. Que posso eu investigar com isso?
– Saber se há fumo no meio do fogo, não? Descobrir quem é o ocidental. Deve andar por aí. Quanto ao resto eu acabarei por saber.

IV

O tenente tirou um envelope do bolso e passou-o discretamente para as mãos de Benedito Augusto.
– Está aí tudo o que te é devido.
– Confio em si.
Colocou o envelope no interior da cabaia. E voltou a dar um gole na cerveja. Amoroso sentiu-se, por momentos, incomodado. O chão estava muito sujo. Tal como a mesa e os bancos onde estavam sentados. Este era um local de trânsito, entre o mar e terra firme. Os mais endinheirados, depois, deveriam ir para os bordéis, ou para casas de ópio e de jogo na Rua da Felicidade. Onde as portas, como o desejo, eram vermelhas.
Diziam que esta era a cidade dos pecados. Como se o resto do mundo fosse diferente. Era um porto onde alguns se escondiam do passado e outros se refugiavam das incertezas do mar. Sentiu-se esgotado, estranhamente desperto e sem sono. Lá fora, a cidade dormia tranquilamente. Ouviu a voz do padre Augusto:
– Em Macau não deveríamos olhar para o sol. Cega-nos com sonhos irrealizáveis.
A sua voz era calma e segura. Reconfortante, para quem não o conhecia nem poderia desconfiar dele. O tenente respondeu:
– Deus, às vezes, está ausente em parte incerta.
Era o que acontecia ali, onde apesar da presença das força de segurança portuguesas, as sociedades secretas controlavam as ruas e os becos.
– Deus deixa-nos ver. E decidir. De dia vemos o que os outros nos querem deixar ver. De noite podemos vislumbrar o que devemos ver. As sombras iluminam mais do que a luz.
Amoroso sorriu com as palavras do padre Augusto, um homem tão sombrio como a escuridão da noite. Sentia que ele queria destruir o mundo que conheciam, para que fosse possível construir, a partir das suas ruínas, um outro. Queria uma nova ordem que restabelecesse o equilíbrio entre o céu e o inferno. Como se tal fosse possível. Augusto voltou a falar:
– Talvez seja o momento de mudarmos tudo. Não podemos ver para lá do horizonte, mas sinto que algo se aproxima. E não é bom.
O tenente Amoroso pensou, por momentos, na chinesa Ding Ling. Ela poderia ser um futuro bom, se acreditasse que isso ainda era possível.

V

Por isso não escutou as palavras do padre Augusto, que soavam a despedida:
– Lembra-se do jogo das escondidas, tenente? Em crianças, contávamos até cem, com os olhos fechados, antes de podermos ir à procura dos que se tinham ido esconder. Trouxemos esse jogo de Portugal para Macau. E continuamos a jogá-lo aqui. Mas, às vezes, fechamos os olhos e não fazemos intenção de descobrir quem está escondido. E escondemo-nos tão bem que temos medo de voltar a aparecer.

2.

Os olhos de Ding Ling eram negros. Tão escuros como a cor do seu cabelo, comprido, mas enrolado e travado por agulhas vermelhas. O cheongsam branco, com dragões verdes nas mangas, que vestia, ajustava-se perfeitamente ao atraente corpo da chinesa. Nos dedos anelares cintilavam anéis de jade verde e de ouro com esmeraldas. Caminhou até junto do tenente Félix Amoroso, entre a nuvem de fumo que se movia muito devagar dentro da sala. A luz das lâmpadas de gás era ténue, mas mesmo assim era visível o brilho hipnótico dos seus olhos. Algo que Amoroso bem conhecia. A sua voz era aveludada e acolhedora:
– Deseja um chá, tenente?
– Se tal for possível.
Ding Ling aproximou-se de uma jovem chinesa, a quem fez o pedido. Esta retirou-se sem falar e sem olhar para o tenente.
– Os seus empregados são todos assim, silenciosos como gatos, menina Ling?
– Gosto do silêncio. Traz-me conforto e segurança.
Em grande parte da “Noite Tranquila”, na discreta casa de jogo e de ópio de Ding Ling, na Calçada das Verdades, quase não se escutava o ruído das conversas. Quem procurava a tranquilidade tinha de a procurar. Os seus clientes eram selectos. Tal como as cortesãs que ali se encontravam. E isso tinha um preço. “Porque tudo na vida tem um preço”, dizia, sem emoção visível, Ding Ling. Amoroso sentiu o odor do fumo do ópio que vinha do piso superior e que se misturava com o do tabaco. Ela fez sinal para subirem. Ele seguiu-a até a uma pequena sala, onde se sentaram junto a uma mesa de madeira de cerejeira.

VI

– Que te traz desta vez a esta humilde casa, tenente?
– Julgo que o sabe, menina Ding. A morte de João Carlos da Silva, um dos secretários do Governo, que apareceu morto esta manhã perto da porta deste estabelecimento.
– Um trágico acontecimento, tenente.
– Ele era um frequentador assíduo da “Noite Tranquila”, não era?
– É verdade, tenente. Esteve aqui ontem à noite, saíu daqui vivo, e foi encontrado morto na calçada, a uns metros daqui. Assassinado com golpes de faca. O meu funcionário chamou a polícia. Nada tenho a esconder das autoridades portuguesas. E todos temos a ganhar se tratarmos do assunto discretamente.
João Carlos da Silva, um secretário do gabinete do novo governador de Macau, Rodrigo José Rodrigues, que fora nomeado em Janeiro pelo Governo português. Silva, e residia há muitos anos em Macau, era conhecido pela sua paixão pelo jogo e pelas cortesãs que eram mestres na arte da sedução na casa dos prazeres de Ding Ling. Era um homem frágil e inseguro, segundo se dizia. Mas muito competente no trabalho. A mulher, depois de poucos meses em Macau, deixara-o e regressara a Lisboa. Levara a filha de ambos, ainda criança. Ele ficara e nunca mais conseguira criar uma família. E isso era um ponto fraco para quem estava no centro do poder.
Independentemente da investigação da polícia, Amoroso decidira ir até a um local que conhecia bem. Essa era a sua missão em Macau: ver o que os outros não viam e alertar o comandante militar da ilha da Taipa ou o Governador. Ouviu a voz de Ding Ling:
– O senhor Silva era um homem muito querido aqui. Um excelente cliente. Ninguém desejaria a sua morte.
Amoroso olhou para ela e sorriu. Ele próprio era um bom cliente daquele local.
– Claro.
Tentou manter alguma frieza, mas sabia as suas fraquezas quando estava perto de Ding Ling.
– Achas que a morte dele foi um mero azar do destino ou tem alguma implicação maior?
– O senhor Silva tinha uma posição sensível na administração portuguesa de Macau. Por isso todos os cenários são possíveis.
– E pensas que algum de nós poderá ter a ver com a sua morte?
– Querida Ling, tenho de fazer uma escolha entre ti e a razão da morte dele? Ou entre ti e a menina que estava, eventualmente, com ele?
– Não te peço tanto. Embora muitas vezes na vida tenhamos de fazer escolhas difíceis ou que nos parecem impossíveis.

VII

Amoroso sentiu o aroma do chá, que entretanto tinha sido colocado na mesa. Era reconfortante, aquela hora. Durante o dia poupava o corpo ao álcool. E a noite ainda não tinha chegado.
– Quem era a menina com que ele estava ontem à noite?
– Com a Li Bei. Sabes quem é. Temos estado lado a lado desde pequenas. Caminhámos juntas. Navegámos juntas. Matámos juntas. Partilhámos coisas que não imaginas. Dormi com ela durante anos.
O seu olhar denotou prazer ao dizer isso. Só para ver a reacção de surpresa do tenente.
– Ficarias admirado com as mudanças que uma cabeça pode sentir depois de passar uns dias na cama com ela. Vim de Xangai para aqui com ela. É como se fosse minha irmã.
Ding Ling, conscientemente, despertava-lhe o desejo. Ele nunca tinha estado na cama com Li Bei. E não sabia que elas tinham essa relação tão forte. Afinal não a conhecia tão bem como julgava. Amoroso tentou afastar da memória as suas noites com a chinesa.
– Diz-me, ninguém se aproximou do reservado do senhor Silva ontem à noite?
– A Li Bei tratou do seu conforto. Como sempre fez. Ele saiu daqui, antes do sol nascer. Ninguém ouviu nada, até se encontrar o corpo caído na rua. Mas diz-me, tenente Amoroso, porquê essa interesse? Desconfia de algo?
– O senhor Silva tinha informações que poucas pessoas têm em Macau. Temos um novo Governador. Esta morte não poderia ser mais inoportuna.
Ling Ding fechou os olhos. Disse apenas:
– É verdade.
Ela tinha, para além daquela casa de prazeres, uma frota de juncos e lorchas e um centro de distribuição no Porto Interior, onde guardava as mercadorias que vinham de várias cidades da Ásia. Herdara todo esse negócio do seu tio, em circunstâncias trágicas e que um ano antes fora muito falado em Macau. Desde então o negócio prosperara. Falava-se que os seus interesses se tinham alargado ao contrabando de ópio e que ela tinha agora ligações à tríade do Bando Verde. Tudo rumores sem confirmação. Mas Macau era uma cidade pequena. Reinava a inveja. E em locais assim os segredos nunca poderiam ser bem guardados. Quando a questionara sobre isso, ela respondera de forma impassível: “Uma cidade portuária precisa do comércio para sobreviver”. Nada poderia ser mais verdade.

VIII

Amoroso ouviu outra vez a voz dela:
– Quando cheguei a Macau só trazia duas coisas, a tristeza e a necessidade de encontrar uma via para voltar a reconciliar-me com a vida. Na verdade tudo é um pouco assim. Estamos preparados para seguir em frente. Vês isso quando contemplas a natureza. A força da vida é tremenda, é algo perfeitamente assombroso.
– Tu és uma força da natureza.
– Não seria sem a tua ajuda.
Ding Ling não precisava de dizer mais nada. O segredo que ambos compartilhavam não poderia ser dito em voz alta. Era uma história que não deveria ser confidenciada a outras almas. Talvez por isso Amoroso não conseguisse viver sem vir ter com ela. A vida seria diferente se não tivesse vontade de sentir os espinhos das rosas mais belas e misteriosas. Ela aproximou-se e roçou os lábios pelo pescoço de Félix Amoroso. Ficou assim durante algum tempo, antes de dizer:
– Que desejas mais, tenente?
Ele não conseguiu responder. O corpo quente de Ding Ling colara-se ao dele e aprisonara todos os seus movimentos e pensamentos. Ela colocou a sua mão na dele e puxou-o para uma pequena porta que estava escondida atrás de um biombo de laca, com fundo preto e imagens de uma batalha, colocado no canto da sala. Entraram num quarto muito pequeno, quase só ocupado por duas camas de pau preto, que dava para dois fumadores e por uma mesa comprida em cima dos quais estavam dois cachimbos de ópio e outros utensílios.
Ding Ling tirou-lhe as roupas e fez com que ele se deitasse numa das camas. Depois também tirou o seu vestido. Sentou-se junto a ele e, depois, soergueu-se para lhe beijar os lábios e, depois, todo o corpo. Muito devagarinho. Ele sentiu o corpo dela, fechou os olhos e abandonou-se. Mais tarde, o ópio trouxe-lhe o resto do repouso que tanto procurava. Só se levantou já os raios de sol irrompiam por Macau. Estava sozinho. A cama de Ding Ling estava vazia. Fora um sonho maravilhoso.

IX

3.

Somos o que não somos. Tal como as coisas não são o que parecem. O tenente Félix Amoroso sabia isso, porque a sua vida mais recente era o resultado desse enigma eterno. Mas não era isso que o incomodava agora, quando estava prestes a entrar no edifício da Avenida Almeida Ribeiro onde se situava o escritório de Joaquim José Palha, comerciante de vinhos e facilitador de negócios. Tinha outras aptidões muito elogiadas, como ser uma voz escutada junto de alguns dos mais importantes comerciantes da comunidade chinesa. Alguns deles dominavam o mundo do jogo. Palha era um homem ambicioso. Alguém tinha dito que o caminho até ao cimo conduz-nos mais para baixo, mas até agora ele tinha estado imune a esse destino. Amoroso subiu até ao primeiro andar, onde uma jovem secretária chinesa lhe abriu a porta da sala onde Palha o esperava.
Este estava sentado, atrás de uma grande mesa de madeira. Nas paredes viam-se prateleiras com livros diversos, muitos deles de Direito e de História. Palha parecia inquieto. Com a mão esquerda, brincava com uma ampulheta. Quando viu o tenente, colocou-a na mesa, e a areia fina que estava no compartimento superior começou a cair no inferior. Como que a mostrar que o tempo tinha começado a contar. Olhou para Amoroso com ar inquiridor. Disse, afavelmente:
– Bem-vido tenente Amoroso. Sente-se, por favor. Sei que, como eu, é um homem com o tempo contado. Por isso não o demorarei.
– Quando me pediu para vir aqui fiquei com dúvidas sobre o que desejava. Não frequentamos os mesmos círculos. Nem temos interesses coincidentes.
– Não estaria tão certo, tenente. Macau é uma cidade pequena. Todos se encontram. E todos dizem mal dos outros assim que estes viram as costas. Não é diferente em Portugal. Somos mestres na arte do fingimento e da inveja. Imagino que sabe isso. Mas estamos condenados a viver uns com os outros. E a garantir que Macau sobrevive. Por isso os nossos interesses acabam por ser mais ou menos comuns, não lhe parece?
Para além de comerciante, Palha era também membro do Leal Senado, eleito pelo Centro Republicano Eleitoral, grupo político criado há poucos anos. A política, em Macau, pouco ou nada tinha a ver com o que se passava em Lisboa. A capital de Portugal estava longe e o seu frágil braço apenas era visível nas decisões do Governador.

X

Lisboa não conhecia a realidade de Macau nem os interesses e necessidades de quem lá vivia. A cidade era um ponto pequeno e longínquo no mapa do Império português.
Palha era um homem poderoso. A sua voz era dominadora. Os seus olhos, frios e cintilantes, contrastavam com um sorriso terno mas firme, que sublinhavam as palavras. Tinha uma cerrada barba preta e vestia um fato de linho claro, de corte perfeito.
– Vou ser franco e directo consigo, tenente. Está em Macau desde quando? 1919, 1920?
– 1920. Desde há três anos.
– É verdade. Nada é já uma surpresa para si. Já percebeu que, de um momento para o outro, tudo o que construímos pode ruir. Lisboa não sabe e não percebe nada. Porque, para além da pequena política pacóvia onde se vai afogando, também está mais preocupada em sobreviver. Nada que admire um português. Somos todos náufragos em busca de uma bóia. E à espera de uma sereia.
Deu uma risada.
– Percebeu o que se passou neste último ano? A nossa situação é muito débil. Portugal já não é uma potência que imponha respeito.
Amoroso recordava-se. Macau estivera à beira do precipício. E ainda não estava salva. Não caíra porque a sua capacidade de sobrevivência era semelhante, ou mesmo superior, à de Portugal. Quando estava com um pé no abismo, um milagre, um acontecimento inesperado ou um homem providencial mudava o sentido do vento. Até ao início de 1923, Macau fora palco de uma sublevação sem precedentes. Que tivera a ver com a frustrada tentativa do general Ch’en Chiu Ming eliminar Sun Yat-sen. A agente de Ch’en, uma mulher irrascível chamada Wong Pik-wan, viera para Macau para incendiar os ânimos. Nessa altura as forças nacionalistas mais radicais proclamavam que a China deveria reaver rapidamente a soberania sobre os territórios ocupados pelas potências estrangeiras. Macau era um alvo fácil. Todos temiam um ataque à cidade, a partir da China continental. Fora mesmo, nesses meses, criado um Corpo de Voluntários da Defesa Civil. A confusão era total. O então governador, Henrique Correia da Silva, estava em Hong Kong, de regresso a Lisboa.

XI

Depois de um incidente na Rua da Felicidade, em finais de Maio de 1922, entre um soldado do contingente moçambicano e uma cantadeira, a indignação popular dirigida por Wong desembocara no Largo do Chip Seng, com os soldados portugueses cercados. As espingardas Mauser acabaram por fazer o resto – dezenas de manifestantes foram mortos. O próprio Sun Yat-sen, que sempre recebera o apoio dos republicanos em Macau, e por isso tinha o coração dividido, esteve prestes a apoiar os revoltosos depois do massacre. Mas uma tentativa de assassínio na sua própria sede de Governo, fez com que, na fuga de Cantão, Macau surgisse como uma boa alternativa de refúgio.
Poderia oferecer a paz que Macau necessitava. Negociações entre as autoridades portuguesas e os representantes de Sun tinham-se iniciado e fora mesmo oferecido ao fundador da República chinesa um empréstimo substancial para salvar as falidas finanças do Kuomitang. Alguém acabou por denunciar a tentativa de acordo em Hong Kong e isso foi o fim das ilusões. Mas as autoridades portuguesas tinham ganho tempo e a sublevação esmorecera. Wong ainda se movera na cidade flutuante de juncos do Porto Interior e no Bazar, mas, perdida a aposta, regressara a Cantão. Palha interrompeu as recordações de Amoroso.
– Por essa altura, tomou conta do seu novo posto, não foi tenente?
– Mais ou menos. O chefe da polícia secreta foi demitido por ser, no mínimo, conivente com as acções da senhora Wong. Mas eu não sou o novo chefe da polícia secreta.
– Eu sei. Mas é a sua sombra. Só responde perante o Governador e o chefe militar de Macau, não é verdade?
Amoroso não disse nada. Olhou para a ampulheta de Palha. A areia fina continuava a cair.
– E a senhora Wong, sabem dela?
– Sun Yat-sen retomou o controle de Cantão. Ela está em fuga. Não deve ter muito futuro.
Em 1923, Macau recuperara a normalidade. É certo que as tríades dominavam, como sempre, os negócios subterrâneos. Na cidade flutuante do Porto Interior ninguém conseguia impôr a lei. Os piratas cirandavam, à vontade, nas águas circundantes. Mas o jogo estava a regressar às regras não escritas e observadas por todos. Para sobreviver era preciso não ouvir, não ver e, sobretudo, não actuar. Havia uma aparência de sossego como há mais de um ano não existia.

XII

Palha acariciou os braços da firme cadeira de madeira, cerejeira segundo parecia, como se ela fizesse parte dele.
– Sabe de onde veio esta cadeira, tenente?
– Não imagino.
– Pertenceu a um director da VOC, a companhia das Índias holandesa e, depois, a um director da East India Company. Tem cerca de 150 anos. Sempre foi muito cuidada. Não é só confortável. É um símbolo de poder. Esta madeira influencia-nos na forma como exercemos as nossas acções. Temos de saber como nos sentamos nela, precem dizer-me os seus antigos proprietários. E eu esforço-me para merecer essa confiança.
O seu olhar era malicioso. Continuou:
– Temos um novo governador, o doutor Rodrigo Rodrigues. Ele vai precisar de homens que o ajudem a compreender o mundo em que vivemos. Homens como ele precisam de outros como o tenente. Para os protegerem do mundo. Acha que essa é a sua missão, tenente?
Palha parou um pouco. Virou a ampulheta, mostrando que tinha tempo. Continuou a falar:
– Eu acredito nesta cidade. E se há alguém capaz de a tornar melhor é você. Disse-me uma vez que a força de um homem vê-se no momento em que ele se confronta consigo próprio. Em que ouve vozes na sua cabeça, argumentando que está certo, porque alguém está errado. Saber a diferença, nesse momento, é o que faz um oficial. O que faz um homem. Sinto que sabe fazer essa escolha. A certa, é claro.
Olhou fixamente para o tenente. Este sabia o que Palha estava a querer dizer. Mais do que aconselhar o novo governador, queria que o convencesse das ideias do comerciante para o território.
– Eu sei que será o homem certo para essa missão. Como foi capaz de fazer tudo para proteger a sua amiga Ding Ling durante os tumultos do ano passado.
O seu olhar era amistoso, mas as palavras soavam como lâminas. E o tenente sentiu um arrepio na espinha. Porque sabia o que queria que ele recordasse. Palha chantageava-o com um fantasma que nunca iria repousar ou dormir. Uma ferida que nunca poderia cicatrizar.

XIII

4.

O silêncio convida-nos a reflectir. Nesses raros momentos escutam-se coisas que normalmente não se costuma ouvir. Os suspiros do vento, o chilrear dos pássaros, as batidas do coração. Sente-se a aproximação silenciosa dos gatos. “Tigre sentado, dragão escondido”, dizia-se na China. Eles, sem se moverem, passam despercebidos. Uma sábia lição de vida, pensou Ding Ling. O calor de início de tarde ajudava-a a apreciar essa ausência de ruído. Estava quase inerte, sentada na varanda do primeiro andar do “Noite Tranquila”. Bebia em pequenos goles um chá morno e usava um leque para criar uma pequena brisa. Por baixo, na rua, alguns corpos arrastavam-se silenciosamente, mais por necessidade do que por vontade.

Quase sem dar por isso recordou Cantão e uma das vezes que fora à ópera, com o seu pai. Tinham ido ver “Dai Loi Hwa” (“ A Filha do Imperador”), a história de uma jovem princesa, Changping, que é forçada a esconder-se num mosteiro para não ser presa pelo exército dos inimigos da sua família. Mas é traída por todos e não pode confiar em ninguém, até que encontra um homem leal e bravo, Zhou, a quem fora prometida em casamento. A tragédia está-lhes destinada. Cercados pelo poder que os oprime, na noite do seu casamento, ela vai provar o seu amor por ele. Juntos tomam veneno, e morrem, no jardim do palácio onde se conheceram. Nunca esquecera aquela história.

Como se ela fosse um fantasma que pesasse sobre toda a sua vida. Talvez fosse. Mas o seu destino era concluir uma missão. Só não sabia se terminaria em tragédia.

Antes da hora de almoço, estivera numa pequena casa, na Travessa dos Santos, onde uma facção do Bando Verde tinha a sua discreta sede macaense. Lá estavam Wang Du, Wu Fei e Yao Wong. E, claro, Li Bei. O assunto era sensível e deveria permanecer secreto até à acção. O Kuomitang de Sun Yat-sen, confrontado com uma permanente guerra na China, estava numa difícil situação financeira e Ding Ling poderia ajudar a resolver parte do problema.

Um dos seus agentes, funcionário do Banco Nacional Ultramarino, soubera que um importante valor em ouro e em moeda estrangeira de vários homens de negócios seria remetido, em breve, de Macau para a sede do Hong Kong and Shanghai Banking Corporation.

XIV

Iria num vapor, guardado por homens armados. Mas isso era algo que não era um problema impossível de tornear. As águas do delta do Rio das Pérolas e do Mar da China estavam repletas de juncos de piratas, ao serviço de todos os interesses. Não seria difícil a Wang Du, que tinha estreitos contactos com muitos deles, conseguir um grupo suficientemente forte para assaltar o barco que transportaria os valores. Restava saber quando e onde. O seu agente no BNU descobriria o segredo.
Os pensamentos de Ding Ling foram cortados pela voz de Li Bei:
– Desculpa interromper-te, irmã. Está lá fora um estrangeiro que diz querer falar contigo.
– Quem é?
– Diz chamar-se Maximilian Wolf e traz uma proposta que quer discutir contigo.
Ding Ling não estava com disposição para conversas que necessitavam de excessiva concentração. E estava farta de homens com propostas de negócios. Mas acabou por dizer:
– Diz para esperar por mim no escritório.
Li Bei retirou-se e, depois, Ding Ling caminhou até lá. Quando entrou deparou com um homem alto e loiro, de olhos azuis, que estava de pé com as mãos colocadas atrás das costas. Vestia um fato de linho azul e, assim que a viu, retirou o chapéu que usava. A voz era áspera, talvez fruto de anos de consumo excessivo de álcool de pouca qualidade.
– Menina Ding Ling, presumo…
– É verdade. E o senhor é Maximiliam Wolf…?
– Max, se desejar. Um humilde homem de negócios alemão sediado em Hong Kong e de visita a Macau.
Ding Ling sentou-se atrás de uma pequena secretária e fez sinal ao alemão para se sentar à sua frente. Ele assim fez. A voz da chinesa tinha um tom desconfiado:
– Diz que tem uma proposta para me fazer. Muitos o fazem, senhor Wolf. Que negócios tem, então, para me propôr? Tenho fornecedores dos melhores produtos que posso colocar à venda. Que posso não ter?
Max fez um sorriso malicioso. Cruzou as pernas, para ficar mais confortável.
– Não se importa que eu fume, menina Ding?
– Esteja à vontade.
Ele assim fez. Colocou um cigarros entre os lábios gretados e acendeu-o. Depois de apreciar o fumo a entrar nos pulmões, e de o expelir, disse:
– Eu não lhe venho vender produtos. Ou melhor, venho ajudá-la. Se o desejar, claro.

XV

Ding Ling semicerrou os olhos. Questionou-o:
– Ajudar-me? Eu não preciso de ajuda. Tenho vários negócios estáveis e rentáveis.
– Menina Ding, eu sei que é inteligente. Que prevê o futuro, antes de muitos outros. Admiro-a. Mas talvez não saiba o que se move para lá do horizonte e que poderá cair como uma bomba em Macau.
– Que facto é esse, senhor Wolf?
– Max, pode começar a chamar-me Max. Como sabe, há quem diga que a realidade deste local frágil é mais interessante do que o mito que se criou à sua volta. A cidade do pecado, dizem, sequiosos de um prazer imaginado servido por mulheres que ora são sereias, ora deusas. Enquanto jogam a vida e a riqueza que pilharam algures. Eu sei que os homens desta terra são duros. Não temem navios de piratas, nem os das potências coloniais. Não têm medo de armas. Não têm medo de espadas e punhais. Será que não há nada de que possam ter medo?
A voz de Max Wolf era pausada e agradável. Mas os seus olhos eram frios como punhais. Há muito que Ding Ling não sentia um arrepio na espinha como naquele momento. Ele continuou:
– Sabe, menina Ding, dentro de poucas semanas será anunciada a venda de Macau à Alemanha.
Ela estremeceu.
– Como sabe isso?
– Tenho as minhas fontes. Muito credíveis. Porque eu represento alguns interesses alemães nesta parte do mundo. Não do Governo alemão. Mas de empresas alemãs, que estão desejosas de avançar para aqui, a seguir a esse anúncio. Como imagina, os que defendem a presença portuguesa, ou os que têm ligações a eles, passarão a ter mais problemas para lucrarem com os seus negócios. Nova administração, interesses diferentes, se me é permitido dizer.
– E isso, o que tem a ver comigo?
Wolf bateu com as pontas dos dedos no tampo da mesa. Ding Ling não gostou do ruído.
– Tudo, é claro. Sei que é uma voz escutada em Macau. Tem amigos, bons, junto das comunidades chinesa e portuguesa. Amigos e clientes. Pode aliciá-los para que a presença alemã aqui não seja recebida com desconfiança ou, mesmo, com resistência. É certo que os militares alemães não são como os portugueses. Não são fracos e têm mais meios, em termos de armas e navios de guerra. Será muito mais difícil para quem quiser resistir às novas autoridades.

XVI

Antes que Ding Ling pudesse responder, Wolf continuou:
– Assim, menina Ding, se se aliar a mim, tem tudo a ganhar. Se se opôr, terá tudo a perder. Os seus amigos portugueses não terão nenhum poder. Fugirão, que nem ratos, como se costuma dizer, à primeira oportunidade. Para Goa. Para Lisboa. Para qualquer lugar. Os portugueses são filhos do mar.
Ding Ling pestajenou, nervosamente:
– Percebo o seu ponto de vista, embora não o partihe completamente. Mas, já agora, diga-me: e, se decidir ajudá-lo, que ganho efectivamente?
– Ganhará dinheiro e reputação. Posso resolver-lhe um problema que sei que a absorve. Precisa de dinheiro para financiar as actividades do Kuomitang. Eu posso ajudá-la nisso. Tenho acesso a fundos suficientes para que fique muito bem cotada junto de Sun Yat-sen. Com quem, diga-se, também queremos ter boas relações. Dinheiro não é uma questão para nós.
– Nós, quem?
– Para mim e para as pessoas que represento.
Há muito que Max acabara de fumar o seu cigarro. Acendeu outro.
– Não a quero apressar muito, menina Ding. Mas não tenho muito tempo. Preciso de resultados, de forma breve. Ou seja, necessito de uma resposta sua dentro de dois, três dias. Que lhe parece?
– Tenho de reflectir.
– Sim, eu sei como são os chineses. Jogam com o tempo. O problema é que, nós, os ocidentais, estamos sempre a olhar para o relógio. Espero pois uma resposta rápida. E, sendo assim, não a ocupo mais nem lhe tiro tempo para a sua profunda reflexão. Que sei que será a mais sensata.
Max fez um sorriso sarcástico. Levantou-se e colocou o chapéu na cabeça. O brilho dos seus olhos era mortal. Fez uma ligeira vénia e saíu.
Pouco depois, ainda Ding Ling estava de olhos fechados, a tentar pôr ordem nos seus pensamentos, Li Bei entrou.
– Diz, querida irmã.
– O alemão já saíu. Mas, recordei-me, já cá tinha estado.
Ding Ling franziu os olhos.
– Quando?
– Na noite em que o senhor Silva foi morto. Estiveram a conversar os dois, com ar pouco amigável, antes do senhor Silva ter ido ter comigo. Este estava muito nervoso. Fumou mais ópio do que o habitual.

XVII

5.

Da magnífica varanda do hotel Boa Vista, o tenente Félix Amoroso observava a Baía da Praia Grande, onde alguns juncos indolentes navegavam ao sabor das suaves ondas e do vento. Estava encostado a um dos pilares, imerso na vista, a fumar. Ali criava-se a errada sensação que o tempo não tinha fim. Mas, como aprendera com os chineses, o ciclo da vida era como a das estações. Não era um caminho contínuo rumo a um futuro que queríamos descobrir e, se possível, conquistar. Ouviu um ruído e isso fez com que caminhasse até encontrar um homem sentado num cadeirão a ler um jornal. Era o novo Governador de Macau, Rodrigo José Rodrigues. Aproximou-se dele e saudou-o:
– Boa tarde, senhor Governador. Não o tinha visto.
Este sorriu, salientando mais a sua face esguia. Tinha o cabelo e o bigode negros e usava uns óculos redondos onde se refugiavam uns olhos inquietos.
– Sente-se aqui, ao meu lado, tenente Amoroso. Estava a ler o “Diário de Notícias”, que aqui chega com largo atraso. Mas é uma boa forma de saber algumas coisas que vão acontecendo em Lisboa. E o tenente, não me diga que veio ver a sessão de poesia organizada pela minha mulher? Eu já lá estive, mas agora é a parte mais social, que dispenso.
– Sei que a senhora Rita Margarida Rodrigues é uma distinta poetisa.
– Há quem o afirme. Eu não serei o melhor juiz em causa própria. Mas, sinceramente, também penso o mesmo.
Falava pausadamente, como se meditasse cada palavra. Às vezes levava a mão aos óculos num gesto mecânico ou nervoso.
– Que bela vista, não é verdade, tenente Amoroso?
– É verdade, senhor governador. Presumo que daqui tem uma outra visão de Macau. Talvez um pouco diferente da que tem desde o Palácio de Santa Sancha.
Rodrigo Rodrigues fez um esgar:
– Do lugar do poder tem-se sempre um olhar diferente sobre o mundo. E que nem sempre é real. Perde-se, muitas vezes, o contacto com a poeira. É por isso que quem quer dirigir bem, tem de se rodear de pessoas competentes. E atentas. Eu dependo de homens como você.
Agarrou num copo de vinho branco que estava na mesa e levou-o à boca. Bebeu um pouco, antes de continuar:
– Desde que aqui estou já percebi que Macau vive longe de Lisboa. O relógio aqui marca horas diferentes das de Portugal. E lá decide-se sem se conhecer o que se faz aqui.

XVIII

Amoroso fungou. Aproveitou para para confrontar Rodrigo Rodrigues com as notícias que começavam a circular:
– Diz-se, senhor governador, que há quem em Lisboa defenda a venda de Macau. Para evitar despesas e chatices.
– Fala-se agora disso aqui? Essa é uma história muito antiga. Já vem do tempo da monarquia. O Oliveira Martins falou disso. O Eça de Queiroz também. Mas agora parece que ganhou nova alma para nos atormentar os dias e as noites em Macau. Pelo que li aqui no “Diário de Notícias” foi tema de um debate muito aceso entre um deputado, o senhor Jaime Leote do Rego e o ministro das Colónias, o senhor Domingos Leite Pereira. Tudo por causa de um artigo que saiu num jornal americano, que dizia que o Governo português estava em negociações com a Alemanha para a venda deste território. O Governo português desmentiu. Sabe o que disse o ministro? Está aqui!
Notava-se alguma irritação na sua voz. Agarrou no jornal e leu uma frase que sublinhara a tinta azul:
– Diz o ministro: “Portugal não está em condições de alienar seja o que for do seu património. Não o quer fazer e, nem o fará nunca, pois que não está em circunstâncias de alienar seja o que for dos seus territórios”. Se o ministro o diz, deve ser verdade.
– Pode não ser, senhor Governador. Disseram-me que há alemães que já estão a operar em Macau como se o negócio estivesse feito.
– Penso que não esteja. Mas, nunca se sabe. Portugal tem os cofres com aranhas e certificados de dívidas bolorentos lá dentro. E sabe como é: quem controla a dívida de um país, define as suas decisões. A nossa dívida não tem fim. Já nem se sabe quando começou. E o que resta para vender? As colónias…
Amoroso observou:
– Mas não há fumo sem fogo, não é verdade senhor Governador? A menos que saiba algo que não queira, ou não possa dizer, esse é um assunto que interessa a quem vive aqui. Seria muito diferente ter um governo alemão ou continuar com um português em Macau.

XIX

– Também penso assim, tenente. O que acha do assunto?
– Os alemães têm interesses coloniais. E os ingleses não têm já interesse nisto. Dominam Hong Kong e parte de Xangai. Têm a Índia. Os alemães sim, cobiçam um império. Conhece a cerveja Tsingtao, senhor Governador? Está à venda em Macau e a história começa aí. No final do século XIX as forças navais alemãs tomaram conta da Baía de Jiaozhou, de um porto que conhecemos como Tsingtao, como concessão colonial. Os alemães estabeleceram-se lá e construíram a sua pequena Baviera. E criaram mesmo essa cerveja, que lhes lembrava as suas raízes. Mas, no início da Primeira Guerra Mundial, os alemães foram afastados dali pelo Exército Imperial Japonês, aliado dos europeus e americanos na Ásia. Não surpreendeu que a cervejaria alemã passasse a ser japonesa. No ano passado foi acordado que o porto voltasse à posse da China, mas a situação ainda é confusa. Desde que perderam a concessão Berlim quer ter um entreposto comercial nesta zona. Macau era um pitéu para eles degustarem com salsichas.
O Governador deu uma risada e voltou a agarrar no jornal.
– Pelos vistos este foi um debate interessante, à nossa maneira, é claro. Veja o que o deputado Leote do Rego, verdadeiro herói republicano que muito prezo, disse sobre a notícia: “Esse jornal pode ser lido por 60 milhões. Tem 22 edições por dia. É um jornal importante, não há dúvida visto que os jornais se fizeram eco dele. Eu entendi que devia chamar a atenção de S. Excelência para o jornal, não para provocar um desmentido, porque não era preciso que das cadeiras do Poder se viesse dizer que o Governo não pensava em alienar qualquer porção do território português, mas se poder afirmar aqui que o coração português se tinha amargurado, como de facto se amargurou, com a notícia que veio nesse jornal. Essa afirmativa já foi feita por um estadista espanhol por outra forma. Que Portugal é igual à colónia inglesa de maior importância. E até já se foi mais longe, dizendo-se que uma grande nação tinha aqui encravada uma feitoria britânica”.

XX

Fez uma pausa, antes de continuar:
– E o deputado Agatão Lança aproveitou para trucidar a política externa portuguesa. Veja o que ele disse, sobre a nossa delegação em Washington: “O consulado é um quarto de hotel, onde habita o nosso representante e diz que Portugal é tão pequeno que cabe no seu bolso do colete”. E mais: “Os nossos interesses na América do Norte estão exactamente melhor defendidos na época do Verão, isto é, quando o nosso Ministro em Washington vai gozar as delícias do clima em outra terra, ficando a legação entregue ao nosso ministro do Brasil”. O futuro de Macau parece bem entregue, não?
– Que lhe posso dizer, senhor Governador, que já não saiba?
– Foi por isso que fugiu de Lisboa e se refugiou aqui, tenente?
– Foi um conjunto de razões. O aroma pouco agradável do panelão onde se misturam interesses pessoais e negócios foi outro.
– Compreendo. E os chineses, o que acharão?
– Para já estão em lutas internas. Como se provou até há pouos meses aqui. Mas não deverão achar piada a uma eventual venda. Ou correm connosco daqui, ou negococeiam com quem já estão habituados a viver.
– Isso não é apenas uma mentira que contamos a nós próprios?
– Os chineses e os portugueses criaram um clima de entendimento quase perfeito aqui. Excepto os mais radicais ou nacionalistas, há um equilibrio estável. Nem nós os incomodamos nos seus negócios. Nem eles nos chateiam.
– Já agora, aproveito para lhe colocar outra questão, tenente. Acha que a morte do senhor secretário João Carlos da Silva pode estar ligada a todas estas movimentações?
– Pode estar. Afinal, muitos podem estar interessados no que se decide em Lisboa ou Santa Sancha. Ter lá um ouvido atento dá jeito. Para já coloquei os meus melhores informadores em campo.
Rodrigo Rodrigues dobrou o jornal e fitou Amoroso:
– Parece-me bem. Convém estarmos atentos. Já agora, se não se importa, tenente, gostava de saber a sua opinião sobre um assunto.

XXI

O Governador prosseguiu:
– Estou a pensar em reforçar o sentimento nacional em Macau. Foram os republicanos que recuperaram o nosso maior poeta, Luís de Camões. Passaríamos a fazer, no dia de Portugal, uma romagem à gruta de Camões. Acho que isso é importante. Vivemos tempos de decadência. Como aqueles que Antero de Quental ou Guerra Junqueiro transportaram para linhas escritas em “Casas da decadência…” ou na “Pátria”. Ou que Viana da Mota sintetizou na sinfonia “A Pátria”. Como dizia Teixeira de Pascoaes: “neste momento Portugal é um mistério, é impossível a gente calcular o que virá a ser dele”. Honrar Camões é um sentimento de revolta republicana. Sabe, em 1880, por ocasião das comemorações em louvor de Camões, o “Diário de Notícias” distribuiu gratuitamente 30 mil exemplares de “Os Lusíadas”. Era a crise que fazia com que se procurassem respostas no passado. Esta crise pode fazer com que voltemos a acreditar no futuro de Portugal.
Amoroso respondeu apenas:
– Parece-me uma excelente ideia, senhor Governador.
Foram interrompidos pela chegada de duas mulheres. Rodrigo Rodrigues levantou-se e Amoroso fez o mesmo.
– Querida, já acabou?
Ela sorriu:
– Já sim, foi excelente.
– Quero apresentar-vos o tenente Félix Amoroso. Faz parte do departamento de informações de Macau. E esta é a minha mulher, dona Rita Magarida Rodrigues, e esta uma amiga que já aqui fez, a dona Sofia Ramos Palha, esposa do senhor Palha.
Amoroso olhou para esta, que, em contrapartida, não afastou seu o olhar, percorrendo o corpo do tenente. Não teria mais de 30 anos. Menos cerca de 20 do que o seu marido. Tinha a pele clara e o cabelo e olhos castanhos. O nariz arrebitado e os ohos pequenos denotavam alguém com uma curioidade latente. O Governador disse:
– Temos de ir, não é verdade, querida?
Ela fez um gesto com a cabeça, em sinal de concordância. Sofia Palha seguiu com eles. Mas não se coibiu de olhar para trás e voltar a mirar o tenente Amoroso.

XXII

Macau engana-nos, dizia Benedito Augusto com voz matreira. Parece que o sexo está sempre visível. Mas isso não é verdade. Nem sempre o vemos. Sabemos que ele está por ali, em todo o lado, sempre à espreita. Olhou para o tenente Félix Amoroso, tentando avaliar a sua reacção. Este parecia não notar que uma vaga parte destas afirmações também estavam dirigidas a ele. Benedito sussurrou:
– Há algo maligno nestas ruas. Uma coisa estranha, uma escuridão onde se movem sombras. Almas perdidas que não se querem salvar.
Ele falava do sexo. Insinuava também que João Carlos da Silva morrera por causa dele. Por excesso. Enquanto muitos outros continuavam a viver por causa dele. O tenente contornou o copo de cerveja com os dedos, antes de dizer:
– Nunca sentes desejo, Benedito?
– Sou mais forte do que ele.
– Mas o sexo tenta-te…
– A vida é um conjunto infinito de tentações. Saber escolher as que fazemos é a forma de concretizarmos a nossa vitória sobre elas.
Falando assim Benedito escondia o passado e, depois, esclarecia o presente:
– Sim, acho que o senhor Silva foi morto por causa do sexo. Não tem a ver com qualquer conspiração política que se desenvolve nas sombras desta cidade.
– Há uma conspiração?
– Que acha, tenente? É ingénuo? Sente-se no ar, entre os fortes aromas das comidas orientais e a conservadora cozinha portuguesa. A conspiração transpira, como os picantes mais fortes. Veremos o que acontece, mas alguém está à espera de ganhar, e muito, com o que se pode vir a passar.
Benedito Augusto e Félix Amoroso bebiam cerveja e comiam arroz com galinha numa taverna chinesa na Rua da Felicidade. Antes, o tenente tinha estado a jogar fan-tan com marinheiros chineses, até que o padre chegou e o afastou do vício. Dissera-lhe:
– O vício causa-nos alucinações e, depois, conduz-nos ao abismo.
– Tenho outros vícios piores, Benedito.
– Eu sei. Conheço-os.
– Mais do que eu desejaria.
– Sabe, tenente, não é por mal. Faz parte de mim e do que faço. Saber é poder. Mas diga-me, jogar não lhe faz desenvolver um sentimento de culpa?

XXIII

– Sentir-me-ia culpado se não jogasse. Meu caro Benedito, a vida é um jogo, todos o dizem. Um jogo viciado, com cartas marcadas, porque sabemos como acaba. Estes, pelo menos, são mais indecifráveis. Nunca sabemos se ganhamos ou perdemos. Mas sonhamos que é possível vencer. E só isso que importa.
Amoroso sorriu ao dizer estas palavras.
– Elucide-me, Benedito. Porque diz que João Carlos da Silva morreu por causa do amor, ou do sexo?
– Há algo que me intriga. Sabe, o alemão, que se chama Maximilian Wolf, esteve ontem à noite com Ding Ling.
– Esteve? Não sabia.
– Imagino que não. A sua querida amiga não lhe disse nada. Mas sabe como é. As mulheres têm sempre segredos. Não sei do que falaram, mas o que sei é que o senhor Silva e o alemão estiveram lá na noite em que ele foi assassinado. Discutiram. Um pirata que conheço viu-os. Não percebeu o que diziam. O alemão saíu e não voltou. E o Silva foi ter com Bei Li, a amiga de Ding Ling.
– Como sabes?
– Uma das raparigas de Ding Ling, Xiao Yi, contou isso ao pirata que me confidenciou isso. Ele oferece-lhe muitas prendas, depois de cada assalto. Diz que, um dia, a levará dali para casarem. Ela acredita e vai-lhe contando coisas que acontecem ali. É uma fonte que não se esgota. Tudo se sabe nas noites de sexo, álcool e ópio em Macau.
– Só que tudo aponta para que o alemão possa ter assassinado o Silva. Talvez este estivesse a espiar o Governo, para saber mais coisas sobre o que pensam os portugueses ou o que sabem sobre essa ideia de Macau poder ser vendida aos alemães.
– E o alemão voltava dois dias depois à cena do crime?
– Sim. Para vir ter com Ding Ling é porque há uma conexão. Mas, é sempre arriscado, regressar ao local de um crime.
– Tenente, vá por mim. Silva tinha fome de sexo. Desde que a mulher o deixou, vivia sozinho. Ia ali, à casa dos prazeres da menina Ding. Mas seria só isso?
O tenente acariciou o queixo. Nada era claro. Mas agora precisava de saber mais. Junto de Ding Ling. E encontrar o alemão.

XXIV

– A dúvida é a nossa vida, tenente. Nem sempre é fácil distinguir os verdadeiros sentimentos dos falsos. Porque tudo se compra e se vende. Num mundo em desordem moral todos estão dispostos a vender-se. Talvez até a sua amiga.
– Nem todos, padre.
– Acredita mesmo nisso, tenente? Pense em si.
Amoroso sentiu as palavras como um murro no estômago. Bebeu mais um gole de cerveja. Sentiu vontade de sair dali e entrar na “Noite Tranquila” para falar com Ding Ling. Confrontá-la com o que Benedito lhe dissera. Por momentos sentiu-se atraiçoado pela mulher que fnalmente conseguira acalmar os seus ânimos. Com sexo e ópio, Ding Ling domara a sua fúria. Sentira-se amado. Agora parecia outra vez um náufrago. Benedito abanou a cabeça:
– Não é caso para tanto, meu caro tenente. Não é preciso manter uma relação conflituosa com a realidade. Sabe que quanto maiores são as nossas debilidades, mais vastos costumam ser os nossos planos. A menina Ding sabe os seus pontos fracos. Como é que se diz? O seu calcanhar de Aquiles. E você sabe que ela sabe isso. Por isso aumenta as expectativas. Não o faça.
Amoroso não respondeu. Os seus olhos concentravam toda a sua fúria, mas o corpo ia deixando de estar tenso. Estava a acalmar-se, o que era a melhor solução. Falaria com Sing Ling depois, quando a tempestade se concentrasse toda dentro de uma garrafa. E a pudesse atirar para o mar, para que fosse apenas aberta noutras latitudes. Foi buscar mais duas cervejas.
– Tsingtao, meu caro Benedito. Para não nos esquecermos do que é importante. Continuo a achar que esse alemão nos levará até ao assassino do secretário Silva.
– Pode ser que tenha razão, tenente. É uma questão de paciência.
Amoroso olhou para Benedito Augusto. Sentiu-se desconfortável. O padre leu-lhe o pensamento. Sabia que quanto mais um homem te conta, mais perigoso te tornas para ele. E quanto mais perigoso és menos opções tens no futuro. Tinha que evitar que Amoroso pensasse que ele poderia ser seu inimigo.

XXV

Ding Ling aproximou-se de Félix Amoroso e beijou-o ao de leve. Os olhos de ambos cruzaram-se como se estivessem a preparar-se para um duelo. Estudavam-se, como numa dança de morte. A luz estava demasiado fraca para poderem escolher claramente qual o caminho a seguir. O ruído que se ouvia era de feridas que se tinham aberto e gritavam pela cicatrização. Mas, tal como depois da chuva que cai, leve mas interminável, era preciso que o sol secasse os mal entendidos. Ambos sabiam isso. Ding Ling sentou-se de pernas cruzadas numa cadeira de bambu, como sempre fazia antes de partir para a batalha. Disse:
– A cidade flutuante é a alma de Macau. Os portugueses, outrora senhores do mar, preferem hoje o chão sólido da terra, os portos aos barcos. Talvez por isso tivessem deixado de ser aventureiros.
Ding Ling fez um sorriso enigmático, depois de dizer tudo isto. Continuou:
– Tu ainda não sabes se preferes uma coisa ou a outra, querido tenente.
Os olhos negros da chinesa eram impenetráveis. Mas, por fim, os seus lábios abriram-se um pouco e isso fez com que a sua face se tornasse mais amigável e atraente. Ela, sedutora, ergueu-se da cadeira e olhou para os seus anéis antes de dizer:
– Há homens que preferem não saber a verdade.
– Eu não sou como esses homens que conheceste. Ou que conheces.
O tenente Félix Amoroso soava ríspido, mas era como um cubo de gelo prestes a derreter-se perante o primeiro sorriso da chinesa.
– Eu necessito de saber a verdade. Que acordo fizeste com Max Wolf?
O fumo que vinha do andar inferior do “Noite Tranquila” cruzou, por escassos momentos, o espaço entre ambos. Foi o suficiente para que Ding Ling ganhasse um pouco de tempo. Serenamente, respondeu:
– Prefiro ser jade, ainda que despedaçada, do que um tijolo, ainda que intacto. A minha integridade é espiritual. Sou leal a quem tenho de o ser. Não troco isso por interesses materiais, querido tenente.
O fumo ficou mais espesso. E ameaçou tornar-se sufocante. Amoroso inspirou fundo. Sentiu raiva contra si próprio e tentou recuperar o sangue frio:
– Que te propôs ele?

XXVI

Os olhos dela fecharam-se devido ao fumo. Pegou num leque que estava em cima da mesa e abanou-o. O fumo dispersou-se e Ding Ling agarrou numa garrafa de vodka russo e virou-se para Amoroso:
– Queres?
Face ao silêncio dele, ela encheu dois copos e, depois de lhe entregar um, levou o seu aos lábios e disse, sarcasticamente:
– Sem vodka, a que é que se resume a conversa entre as pessoas?
Riu-se e bebeu mais um gole. Nunca parecia ficar embriagada. Mantinha sempre a serenidade. Era a protagonista da paz onde não havia lugar para ela. Disse:
– Há gente sem alma e sem espírito. Tudo muda mas, na verdade, nada muda no mundo. Ele propôs-me uma coisa simples: aliciar gente importante para a sua causa em troca de vantagens materiais para mim e para o Kuomitang.
– E tu, que respondeste?
– Disse que ia pensar.
– E já o fizeste?
– Já o tinha feito antes da proposta. Não lhe respondi. Nem lhe responderei. Tudo nos separa. Não pode haver falsas tréguas entre nós. E os portugueses não são para aqui chamados, como sabes. Só me interessa o futuro da China.
O respeito de Ding Ling estava reservado para os raros homens e mulheres que se poderiam cruzar com ela na sua luta e que a poderiam derrotar. Nunca pediria tréguas, nem através do sexo. Amoroso sabia, por experiência própria, isso. As paixões dos homens sempre tinham sido armas forjadas em louvor das suas necessidades. Os dela não eram assim. Quanto a paixões reais talvez tivesse tido uma, ou dias. Talvez tivesse por Li Bei. Talvez tivesse por ele. O seu amor era outro. Se o Governo soubesse o que verdadeiramente a movia, que era incendiar o mundo, já a teriam silenciado. Mas ela era a senhora que oferecia o prazer a quem o desejava. Poucos poderiam desconfiar que ela não era água. Era fogo.
Ali, numa atmosfera de aromas chineses e de fumo de cigarros e de ópio, ela observava e tomava notas mentais sobre o que via. Para futuro uso. Às vezes parecia meditativa e deixava-se manietar por uma quase melancolia. Aí recorria ao corpo de Li Bei para pacificar a sua alma. Mas se Amoroso aparecesse numa dessas noites, ele seria a paz num conflito sem tréguas entre dois corpos. Talvez houvesse outro mistério qualquer por detrás dos seus olhos guerreiros.

XXVII

Qual era o seu passado? Desde a sua infância, Ding Ling tinha um estranho talento para o silêncio. Mesmo quando ria.
– Qual é o teu plano, doce Ling?
– A verdadeira informação tem um preço, querido tenente. Mostra-me, primeiro, qual é o teu verdadeiro objectivo.
– Isso também tem um preço.
– Não é difícil saber, querido tenente. Uma mulher consegue guardar silêncio. Os homens falam como tolos na primeira taverna que encontram.
Os olhos dela brilharam intensamente, antes dele dizer:
– O que é que tenho de te dar pelo teu silêncio, se te contar os meus segredos?
– Eu não digo nada.
– Eu também não direi o que seja sobre os teus.
– Enquanto me amares guardarás os meus segredos, eu sei. E eu sei que me amas por causa dos meus segredos.
Disse tudo isso numa voz doce, como se estivesse a contar uma história idílica muito antiga. E com um sorriso que faria com que alguém, menos apaixonado, perdesse o controle. Amoroso cortou o silêncio:
– Só preciso de paz.
– Não há paz onde há quem mande e quem obedeça. Onde não há liberdade e há necessidade de a obter. Estou comprometida numa guerra.
– Então eu confiarei em ti e nós sempre nos compreenderemos. Mas porque não continuas a dizer mentiras, se não há Inferno para ti, doce Ling?
– As mentiras são necessárias, porque as pessoas são tolas. Insensatas. Tu foste soldado. Agora és espião. Que vieste fazer para Macau? Contar baixas, remendar botas, escrever cartas de amor? É isso que os soldados fazem no meio de uma trégua. Em Macau sonhavas encontrar essa paz, essa pausa na tua vida entre o inocente e ingénuo que foste antes da guerra e o que és agora. Sobreviveste e começaste a pensar no que era importante para ti. Precisavas de paz. Cansaste-te. Vieste para Macau ser fiel a ti mesmo, mas ainda não deixaste de estar cansado.
– Por amor fazem-se coisas terriveis. Sabes algo sobre isso?
Os olhos dela tentaram esconder o que lhe ia na alma. Mas isso era impossível. Depois Ding Ling disse:
– Falas como alguém que viveu tudo e não tem medo de nada.
– Sobrevivi a uma guerra.
– Eu também. E estou no meio de outra.

XXVIII

– Responde-me, doce Ling: quem poderá escutar os cantos da sereia do alemão? Tu?
– Duvidas de mim?
Ding Ling respondia como se a ferida tivesse voltado a abrir-se. E a desconfiança tivesse regressado. A voz de Amoroso soou doce:
– Não, nunca o faria. Mas preciso de saber quem ele poderá aliciar.
– Eu também quero saber isso. Mas para isso é preciso começar por perceber o pensamento dos homens que aqui em Macau já se juntaram a ele. Poderá ser por medo do poder que diz ter. Ou medo dos canhões alemães. Mas pode não ter nada a ver com isso. E ser algo que desconhecemos.
– Ele move-se numa direcção que promete caos sem fim. Macau sempre foi um porto seguro para Sun Yat-sen. Poderá continuar a sê-lo no futuro. Com os alemães, apesar das promessas, nunca saberão. Nunca terão a certeza.
– Estás a defender Portugal e não os teus interesses.
– Às vezes não há diferença. Gosto de ser fiel a mim próprio.
– É isso que eu gosto em ti.
Ding Ling saíu por momentos da pequena sala e chamou Wei Zi, uma jovem chinesa que Amoroso conhecia há algum tempo. Era uma das favoritas da senhora que mandava no “Noite Tranquila”. Era pequena, de olhos amendoados e sedutores. Falavam em cantonês e Amoroso só percebeu algumas partes da conversa. Ding Ling dizia-lhe que era necessário saber tudo o que sabia um chinês que sabiam trabalhar para Max Wolf. Wei Zi ia acenando com a cabeça e, depois, virando-se para Amoroso disse com voz sedosa, num português arrastado:
– Ele vai contar-me tudo. Usarei todos os truques. Todos os prazeres que ele conhece. E os que desconhece.
O seu olhar era de uma inocência completa, como se o que dizia fosse algo insignificante. Sexo por informação.
Wei Zi fez uma vénia e saíu. Ding Ling disse então, virando-se para Amoroso:
– Ela vai contar-lhe a história de como teve de se esconder do tio, quando era ainda muito nova. Uma história que nunca contou a ninguém. E, depois, quando acordarem de manhã, vai confessar-lhe que ele é único. Diferente de todos os homens com quem se deitou. Ele estará vulnerável. Sabes, querido tenente, todas as derrotas do corpo dos homens começam na horizontal.

Amoroso sentiu uma vertigem. Muitas vezes queria ter uma visão impoluta da vida. Embora ele próprio não tivesse praticado sempre esse princípio. Bastava já ter frequentado muitas vezes a “Noite Tranquila” apenas pelo sexo. Mas custava-lhe usar certas tácticas. Doía. Olhou para Ding Ling. Esta fez um sorriso irónico e, depois, disse:
– Meu querido tenente, julguei que já sabias isto há muito tempo. Já não há Bem nem Mal.

XXIX

8.

Antes da primeira explosão, o céu estava límpido. As estrelas pareciam imóveis. O tenente Amoroso sentia uma pequena brisa fresca nas faces enquanto caminhava junto ao Porto Interior. Mas depois, numa fracção de segundo, tudo mudou. As estrelas focaram invisíveis e o aroma a queimado foi-se intensificando. Primeiro foi só uma explosão. Depois, muitas. O céu encheu-e de cores e as luzes ardiam em todas as direcções. O fogo de artifício iluminou os céus de Macau, de uma forma cada vez mais desordenada. Não era tempo de festividades. O tenente olhou para a zona de onde partiam os foguetes. Viu um clarão de fogo rente às casas. Estava junto à taverna onde se costumava encontrar com Benedito Augusto. Ouviu gritos e viu pessoas a correr, vindas das casas. O ruído tornou-se ensurdecedor. O tenente ficou ali, durante longos minutos, imóvel, a olhar para a cor do céu, até que apenas se passou a ver um clarão muito claro ao longe. O fogo deixara de tentar atingir a casa dos deuses celestiais.
Depois caminhou até à taverna. Sentou-se, pediu uma cerveja e esperou. Benedito, apressado, trouxe a notícia. A Fábrica de Panchões de Keng Cheng, que ficava no bairro de San Kiu, explodira. Apesar das tentativas para afastar estas fábricas das zonas residenciais, e de vários acidentes que tinham causado dezenas de mortes, só agora isso começava a ser feito, com a construção da primeira fábrica na ilha da Taipa. O fogo-de-artifício fazia parte da vida de Macau e dos chineses. E as fábricas de panchões tinham sempre trabalho. Eram fonte de riqueza. O fogo-de-artifício servira, desde tempos remotos, para afugentar inimigos na guerra ou para afastar a má sorte.

XXX

O vermelho e as faúlhas sempre foram bons presságios. E o fumo criava uma boa atmosfera, contava Benedito, que depois concluiu:
– Neste caso não foi. A explosão trouxe a má sorte a Keng Cheng. E à sua amiga, Ding Ling.
– O que é que têm eles a ver um com o outro?
– Tudo, meu caro tenente. A menina Ding e o senhor Keng jogam as cartas do Kuomitang e, diz-se, do Bando Verde. A explosão pode ter sido um acidente. É comum. Mas, neste momento, também pode não ter sido, não lhe parece?
Amoroso bebeu um gole da sua cerveja. Lembrou-se por momentos de um capitão, Álvaro Esteves, que conhecera na batalha de La Lys. Que ali morrera, como muitos outros. Era um homem que fora capaz de amar esse punhado de tempo a que chamamos vida. Cada dia, para ele, era uma forma de emoção, um tremor. Falavam, nas trincheiras, da nostalgia do campo, das dúvidas e do assombro que era a vida. “Sou um romântico”, dizia, com um esgar irónico. “Converto tudo em sentimentos”, concluia, enquanto cortava um pouco de chouriço para colocar no pão. Esperavam uma barragem de artilharia alemã. “Não sei como posso fazer uma descrição do que vi no mundo e do que o mundo fez comigo. A nossa vida está feita de muito pouco. Amar, gozar, sentir e celebrar os instantes, olhar várias vezes as paisagens e os pássaros para não esquecermos, e declinar até à velhice”, dizia, com a sensação que não chegaria a velho. Não chegou. O fogo-de-artifício assustara Amoroso. Lembrara-lhe esse amanhecer, quando o fogo de armas fora tão intenso que nada poderia sobreviver. Benedito Augusto olhou para ele e sentiu-o errático e triste. Disse:
– Quando temos dúvidas, a verdade é um bom início de conversa.
– O que seria das sociedades sem o uso da mentira?
– É verdade, o que seria de nós se não jogássemos com a mentira? Só isso nos permite evitar a derrota. Mas aqui só os fracassados irão ver os deuses. É por isso que gosto desta parte do mundo. Os anjos foram seduzidos pelo Diabo e caíram na terra. Ficaram aqui, corpos de carne e osso.
– Gosto de o ouvir padre. Tem a educação que eu nunca tive.
– E o tenente a vida que eu sempre desejei.

17 Mai 2021

Em Macau é diferente

É totalmente absurdo da parte das potências ocidentais julgarem que poderiam utilizar Hong Kong ou Macau como plataformas para atacarem o governo central da China. Contudo, foi a esta tentativa que assistimos nos últimos anos. Não em Macau, onde a lei e o costume não deram azo a tal desiderato, mas com sucesso em Hong Kong, onde uma poderosa campanha anti-China causou a paralisia e o caos na ex-colónia britânica.

As forças separatistas de Taiwan, apoiadas pelos EUA de Donald Trump, conseguiram introduzir em Hong Kong um cavalo de Tróia chamado lei da extradição, a propósito da fuga para a RAEHK de um criminoso comum, fomentando ao mesmo tempo numerosas manifestações contra essa mesma lei, tendo os manifestantes “esquecido” que não fora proposta pelo governo central. Rapidamente essas acções alteraram o seu mote para exigir mais autonomia ou mesmo independência. Apoiadas por uma extensa e bem financiada campanha mediática local e globalmente, as forças anti-China em Hong Kong conseguiram seduzir um elevado número de jovens locais, que se deixaram arrastar durante meses em reivindicações tão irrealistas quão absurdas, impedindo o normal funcionamento da cidade.

Foi, contudo, debalde que tentaram estender o mesmo movimento a Macau. Por aqui não resultaram o mesmo tipo de manobras, nem a cidade conheceu a mesma agitação social. Aparentemente, a população local não se deixou manobrar como os seus compatriotas de Hong Kong pelos interesses estrangeiros que cuidavam fazer das duas regiões plataformas para desestabilizar a RPC e impedir o seu desenvolvimento e abertura.

A partir de certa altura, tornou-se imperativo acabar com a situação em Hong Kong que se tornara insustentável. A RPC fê-lo através da lei de segurança nacional e não, como alguns pareciam desejar, através da força. Agora a implementação do princípio “HK governado por patriotas” surge como constituinte óbvio do “um país, dois sistemas”, pois como poderia existir “um país” num local em que se conspira pela independência e se pretende como ponta de lança no ataque ao governo central? Que outra nação qualquer admitiria isto no seu seio?

Já em Macau este problema não existe, nem nunca existiu. A RAEM implementou a sua lei da segurança nacional sem precisar de Pequim, de acordo com a Lei Básica, e os seus habitantes nunca tiveram quaisquer veleidades separatistas, incluindo os residentes estrangeiros. Em Macau é diferente.

8 Mar 2021

Censos 2021 | Recolha de dados começa a 1 de Abril

Os Censos 2021 arrancam no dia 1 de Abril. Na última sexta-feira foi apresentado, em sede de Conselho Executivo, o regulamento administrativo relativo à realização dos Censos, que terão duas fases, prolongando-se até ao dia 21 de Agosto.

“Apelamos a todos os interessados para participarem nos Censos 2021”, disse André Cheong, também secretário para a Administração e Justiça. Os dados serão recolhidos em formato papel e electrónico, prevendo-se, por parte da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), a contratação de 2700 trabalhadores provisórios.

“Segundo a lei temos a obrigação de recolher as informações da população. Há punições para quem não responder, mas esperamos não ter de as usar”, disse Ieong Meng Chao, director da DSEC. Devido à pandemia, tanto o recrutamento dos trabalhadores como a sua formação está a ser feita online, estando também previsto contacto reduzido com as pessoas aquando da recolha de dados nas ruas.

1 Mar 2021

Girar

Macau pode embandeirar em arco com os elogios de Xi Jinping. Mas a verdade é que há muito trabalho para fazer. E convém não esquecer certas partes do encómio presidencial, nomeadamente as que referem a eterna necessidade de diversificação económica. É que, pés assentes no chão e não a voar nas asas dos elogios, é neste ponto que muito se enraíza a qualidade de vida dos habitantes de Macau.

Daí que certas medidas governamentais me surjam algo incompreensíveis. Nomeadamente, a diminuição do investimento público. E não me refiro a grandiosas obras que, em termos financeiros, retiram dinheiro da economia local. Entendo é que haveria uma necessidade óbvia de apoio às pequenas e médias empresas que, além do Jogo, constituem o tecido económico da cidade e são, afinal, a sua economia real e diversificada.

É claro que é preciso terminar o Hospital da Taipa. Até porque o São Januário abarrota de gente, em tempos de pandemia, e a população precisa de serviços de saúde pública de irrepreensível qualidade. Esse é um investimento incontornável. Mas existem pequenos negócios, pequenas empresas, que precisam de apoios razoáveis.

Repare-se: nas últimas décadas, assistimos a um significativo melhoramento do nível educativo da população. Hoje muito mais gente frequentou o liceu e a universidade, gente que sonha em montar a sua empresa e dela fazer a sua vida. Só que as condições reais para o seu estabelecimento são ainda extremamente difíceis, por causa do elevado preço das rendas e de uma dependência do turismo que, como este ano se viu, nos deixa à mercê da boa ou da má sorte.

Não percebo por isso, keynesianamente, porque razão o governo se prepara para reduzir o seu investimento. Nas crises, para isso serve o governo, por mais liberais que sejam as sociedades e os regimes. E esse não seria dinheiro a fugir pelas fronteiras. Pelo contrário, é reinvestido localmente. Faz girar as coisas. E hoje, mais que nunca, as coisas precisam de girar.

29 Jan 2021

Taiwan | Empresas de Macau vão ter restrições de investimento

O Conselho dos Assuntos para o Interior, do Governo de Taiwan, confirmou que está a trabalhar num documento para impedir que as empresas de Macau sejam utilizadas como ferramenta de infiltração política

Para evitar infiltrações do Interior que ameacem a segurança, o Governo de Taipé está a fazer uma revisão das leis que permite que empresas e empresários de Macau e Hong Kong invistam na Ilha Formosa. A notícia foi confirmada pelo Conselho dos Assuntos para o Interior, entidade de Taiwan.
Anteriormente, os órgãos de comunicação social da Formosa já haviam reportado que o Governo de Tsai Ing Wen iria fazer uma revisão da lei de modo a permitir que companhias de Macau e Hong Kong tenham um estatuto especial, face às empresas do Interior, para investirem na ilha.
As empresas afectadas pelas restrições seriam empresas do Interior que recorrem a companhias de Macau e Hong Kong para investir em Taiwan; residentes de Macau e Hong Kong que anteriormente tinham residência no Interior; e ainda empresas consideradas influentes no Interior, ou cujas receitas sejam geradas maioritariamente no outro lado da fronteira.
Segundo as primeiras notícias sobre este tema em Taiwan, as decisões teriam sido motivadas pela nova Lei de Segurança Nacional de Hong Kong, numa alteração legislativa que foi encarada pelo Governo de Tsai como o final da RAEHK como Centro Financeiro Internacional. As notícias colocavam assim em causa o tratamento especial que Hong Kong, e até Macau, têm em Taiwan face ao Interior.

Sem impacto para PME

No entanto, ontem, o Conselho dos Assuntos para o Interior esclareceu que apesar de estar a ser feito trabalho legislativo para impedir infiltrações políticas do Interior, através de investimentos feitos com companhias e pessoas em outras jurisdições, o estatuto de Hong Kong como praça internacional de capitais não está em causa. Assim, os investidores e as empresas de Hong Kong e Macau vão continuar a ter um estatuto especial, face ao Interior, quando investem em Taiwan.
Após a notícia ter sido confirmada pelo Conselho dos Assuntos para o Interior, o jornal Apple Daily ouviu Kevin Tsui, professor-assistente de Economia na Universidade de Clemson, na Califórnia.
De acordo com o académico, as alterações não vão ter impacto para as empresas “verdadeiramente” de Hong Kong e Macau, ou seja cujos investidores são das RAEs. Também segundo Kevin Tsui, as pequenas e médias empresas não devem ser afectadas, porque normalmente as companhias com ligações ao Interior são de maior dimensão.

19 Dez 2020

Diversificação moderada

[dropcap]N[/dropcap]o momento em que escrevo este artigo, não há notícia de qualquer novo caso de coronavírus em Macau desde há dezoito dias. Este facto prova que na cidade não existe um surto desta doença. Felizmente as pessoas estão saudáveis.

O Governo da RAEM anunciou recentemente que iria injectar 20 mil milhões de patacas na cidade para ajudar nos esforços de prevenção da epidemia e para revitalizar a economia depois de o perigo passar, o que é sem dúvida uma boa notícia. Durante este período de prevenção, muitas lojas fecharam e por agora é impossível calcular os prejuízos sofridos. Os fundos do Governo vão ajudar os comerciantes a resolver os problemas imediatos. Todos sabemos que as pequenas e médias empresas auferem lucros limitados e que o encerramento dos negócios as deixou sem receitas durante vários dias. Sem a ajuda do Governo, teriam ficado na miséria.

Os 20 mil milhões de patacas que o Governo vai investir derivam dos impostos pagos pela indústria do jogo. Presentemente vale a pena reflectir sobre esta questão. A indústria do jogo tem sido desde há muito a principal fonte de rendimento de Macau, em comparação com a restante actividade económica que ocupa um papel muitíssimo secundário. As receitas do Governo da RAEM provêm também, em grande parte, desta mesma fonte. Imaginando que, por qualquer motivo, o sector do jogo venha a ser afectado, o Governo seria o primeiro a perder a maioria dos seus proventos, e Macau deixaria de poder contar com a sua protecção.

Mas a sociedade de Macau sempre teve capacidade para desenvolver outros sectores de actividade. Isto não quer dizer que se deva substituir a indústria do jogo. Pelo contrário, o que seria desejável era que surgissem outros ramos de actividade que pudessem partilhar com o Governo a responsabilidade social, que actualmente depende quase exclusivamente da indústria do jogo – a bem da sociedade de Macau. Presentemente, com as medidas tomadas para prevenir a propagação da epidemia, os casinos não vão estar a funcionar em pleno tão depressa. As receitas do Governo de Macau também serão afectadas. Quantos 20 mil milhões de patacas vão ser necessários para revitalizar a economia e garantir o bem-estar das pessoas, num futuro próximo? É uma questão a considerar.

Se o Governo de Macau quiser apostar no desenvolvimento do sector secundário, para criar uma diversificação moderada da economia da cidade, o primeiro passo a dar será “pesquisar”, o que pode levar de um a dois anos. Depois da pesquisa feita, é preciso levar a cabo uma consulta exaustiva junto dos vários sectores da sociedade, e mais tempo será necessário. É certo que não se vai poder chegar a nenhuma conclusão a curto prazo.

Com a carência de máscaras de protecção a nível global, Macau não consegue sobreviver sozinho. Embora o Governo tenha desenvolvido esforços para importar máscaras de Portugal, daqui a algum tempo voltarão a faltar. Alguma comunicação social já avançou que o Governo de Macau criou uma linha de produção de máscaras na China continental, esperando vir a conseguir produzi-las em número suficiente para suprir as necessidades da cidade, durante a quarta ronda do “Plano de Garantia de Abastecimento de Máscaras”. Para além disso, esta produção pode também vir a abastecer a área da Grande Baía.

Um projecto deste género, se for bem-sucedido, além de resolver a carência de máscaras provocada pela epidemia, a longo prazo, permitirá que Macau se torne auto-suficiente neste aspecto. Claro que só existem cerca de 650.000 pessoas em Macau. Em circunstâncias normais, o número de máscaras necessárias, na totalidade do sistema de saúde, é muito inferior. Quem se dedicar a este negócio não fará grande lucro. No entanto, esta abordagem representa uma diversificação moderada da pequena indústria; além disso pode ir ao encontro das necessidades do Serviço de Saúde e contribuir para o progresso do nosso país – a China.

Sabe-se também que Macau produz álcool e desinfectante para as mãos. Se não surgir uma indústria maior nos próximos tempos na cidade, poderemos dar um passo atrás e reconsiderar várias possibilidades de diversificação moderada das pequenas indústrias?

25 Fev 2020

Obediências

[dropcap]U[/dropcap]ma investigadora da Universidade de Macau afirmou que o facto de as pessoas serem mais obedientes na RAEM faz com que a resposta ao Covid-19 seja melhor do que em Hong Kong. Primeiro, o elogio: há um académico na UM que não culpa os “brancos” pelas desgraças das RAEs. Pode parecer que não, mas sempre é um ar fresco.

Mas, não compro o argumento. É desligado da realidade. Quantas pessoas correram para as farmácias, supermercados e andaram nas ruas, apesar dos apelos do Governo? Também esta agenda política do “nós obedientes, eles maus” desvaloriza o trabalho do Governo da RAEM. Foram tomadas medidas de antecipação que inspiraram confiança.

Em Hong Kong, as medidas foram sempre tardias. Carrie Lam gere HK como Nero geriu Roma, está a deixar arder. No início da epidemia ficou em Davos. Não conseguiu comprar as máscaras, que ela criminalizou. No meio da paródia, quis impedir os funcionários públicos de utilizarem essas máscaras… Ao mesmo tempo que chegavam infectados de Wuhan por comboio à RAEHK, ela recusava fechar a fronteira. Meteu a política acima da saúde pública. Só tomou as medidas nas fronteiras quando foi forçada por uma greve do pessoal de saúde. Greve essa que foi que um sinal de desespero de quem tinha de tirar a água do porão do Titanic com uma colher de açúcar…

Neste contexto de um Governo totalmente falhado, criticado por “azuis” e “amarelos”, vir falar que a diferença está na “obediência” é só cegueira ideológica.

25 Fev 2020

Governo admite atribuir subsídios directos às PME

Após cerca de três horas de reunião à porta fechada, por não ter havido consenso entre deputados, o Governo diz estar a ponderar a atribuição única de subsídios e confirmou também que haverá uma quinta ronda de distribuição de máscaras

[dropcap]“O[/dropcap] Governo agiu com coração para combater a epidemia”, fez questão de sublinhar ontem Si Ka Lon, após uma reunião à porta fechada que durou cerca de três horas e que teve como ponto único de análise os trabalhos do Governo face à epidemia do novo tipo de coronavírus, o Covid- 19. “Os deputados que participaram na reunião de hoje [ontem] elogiaram as medidas tomadas pelo Governo”, garantiu o Presidente da Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração pública.
A reunião, que marcou o regresso dos trabalhos da Assembleia Legislativa (AL) um mês depois do início de uma paragem prolongada devido à epidemia, ficou também marcada pelo facto de, no início da sessão, os deputados terem decidido, após votação, que as portas iriam estar fechadas à comunicação social. Sulu Sou, deputado que antes da reunião enviou um pedido à AL para que esta fosse aberta, confirmou ao HM que apenas dois deputados, ele próprio e José Pereira Coutinho, votaram favoravelmente.
Sobre os trabalhos da comissão, Si Ka Lon admitiu que o Governo está “atento às situações das pequenas e médias empresas [PME] e ao facto de poder vir a existir um apoio único de apoio às empresas”, no seguimento da preocupação revelada pelos deputados relativamente à saúde das PME, sobretudo aquelas que, ao contrário dos casinos, permanecem fechadas.
“Sobre os ramos de actividade que foram encerrados temporariamente, houve deputados a questionar porque é que o Governo deixou apenas abrir os casinos e outras actividades não, e a sugerir que o Governo emita instruções de prevenção e controlo da epidemia, por exemplo orientações para trabalhos de desinfeção ou limpeza, para que alguns ramos possam iniciar os seus negócios”, partilhou Si Ka Lon.

Já quanto ao subsídio único sugerido pelos deputados e que prevê a atribuição de apoios directos para que, tanto as PME como os trabalhadores possam beneficiar de forma igual das medidas actuais, Si Ka Lon garante que o Governo está a estudar as opiniões de várias associações de comerciantes recolhidas pelos deputados e que vai ter “em plena consideração essa situação”. “Quando o Governo tiver novidades vai divulgar ao público”, assegurou Si Ka Lon.

Máscaras garantidas

No final da reunião da comissão de acompanhamento Si Ka Lon revelou ainda que o Governo, perante a preocupação demonstrada pelos deputados em relação ao fornecimento de máscaras, e numa altura em que “as empresas estão a reiniciar as suas actividades”, garantiu que iria existir uma quinta ronda de fornecimento, apesar das dificuldades.
“A secretária [Ao Leong U] garantiu que vai existir uma quinta ronda de máscaras mas o Governo está a deparar-se com muitas dificuldades porque, neste momento, a epidemia está a propagar-se em todo o mundo”, apontou Si Ka Lon. No entanto, já quanto à existência de máscaras destinadas às empresas, Si Ka Lon referiu que “o Governo não consegue garantir fornecimento”.
Quanto ao recomeço das aulas, outro dos temas abordados na reunião, Si Ka Lon afirmou que o Governo “vai comunicar o regresso das aulas com uma antecedência de duas semanas”, frisando que alguns deputados referiram que “só depois da situação aliviar um pouco ou ficar mais estável é que é possível deixar os estudantes ir à escola”.
Si Ka Lon adiantou ainda que existem actualmente 980 estudantes de Macau e 64 professores no Interior da China e que, no total, durante o período escolar, “são por volta de três mil estudantes e 300 os docentes que passam diariamente a fronteira” para ir para as escolas de Macau.

25 Fev 2020

Residentes entraram em Macau após terem estado em Wuhan

Autoridades recusam, para já, hipótese de trazer residentes que estão na província de Hubei, uma vez que consideram que não estão garantidas as medidas de segurança para as equipas de salvamento

 

[dropcap]Q[/dropcap]uatro residentes que estiveram na província de Hubei conseguiram entrar em Macau, no domingo, e foram atendidos no Hospital Conde São Januário. A informação sobre o estado destes residentes foi divulgada ontem, na conferência de imprensa do Governo sobre a epidemia.

Os resultados dos exames foram negativos, o que permitiu que os residentes regressassem a Zhuhai, onde habitam. “Estes quatro residentes têm Bilhete de Identidade de Residente (BIR) e, em Janeiro, deslocaram-se a Hubei, na altura do Ano Novo Chinês, para visitarem a família”, explicou Leong Iek Hou, coordenador do Núcleo de Prevenção de Doenças Infecciosas e Vigilância da Doença. “Eles entraram pelos seus próprios meios em Macau, através da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, onde declararam ter estado em Hubei”, acrescentou.

A declaração de saúde fez com que os quatro residentes fossem levados para o hospital, de ambulância, onde fizeram os testes, que registaram resultados negativos.

Assim, os quatro locais regressaram a Zhuhai, onde vivem, e também onde já tinham estado a cumprir um período de quarentena, desde o início de Fevereiro.

 

Para ficar

Quem vai continuar na província de Hubei são os 145 residentes. Ontem, as autoridades chinesas anunciaram que os não-residentes poderiam sair desta província. Mas a informação acabou por ser contrariada pouco tempo depois, devido a um recuo das autoridades justificado com “questões burocráticas”.

Face a este cenário, o Governo de Macau considera que não estão reunidas as condições de segurança para trazer estes residentes de volta à RAEM: “Percebemos como essas pessoas se sentem e que querem voltar a Macau. Mas, temos de fazer uma avaliação geral e calcular o risco que podem constituir para a RAEM”, começou por explicar Leong Iek Hou. “Os residentes estão em sítios muito dispersos e remotos, por isso temos de ponderar bem se temos condições para fazer um plano para o seu regresso. É preciso ponderar muito bem. Só quando houver condições de segurança é que o Governo vai iniciar esses trabalhos”, vincou a responsável.

Apesar de no passado, outras jurisdições terem fretado aviões para o regresso dos cidadãos, esta hipótese parece afastada no que diz respeito aos residentes de Macau: “Mesmo que seja fretado um avião, ainda estamos num ambiente confinado, por isso a segurança das equipas de salvamento pode ser colocada em causa”, apontou.

O discurso apresentado ontem contrasta com as declarações de domingo, quando foi sustentado que a falta de meios impedia que as pessoas de Macau em Hubei fossem trazidas para a RAEM.

 

Japão e Itália de fora

No domingo, a Coreia do Sul foi classificada como “zona de alta incidência epidémica”, o que faz com que todos as pessoas vindas dessa região tenham de ficar sujeitas a um rastreio.

Ontem, entraram igualmente em Macau 11 turistas da Coreia, sendo que, entre estes, oito cumpriram a inspecção mdica exigida a quiem vem de a inspecçm ao Interior, de onde vinha.,prir exames mto, a grande maioria dos turistas coreanos recusédica exigida. No entanto, a grande maioria dos turistas coreanos, ou seja 42, recusou-se a entrar assim que soube que tinha de cumprir exames médicos com a duração de oito horas e voltou para o Interior.

Também todos os voos entre a RAEM e a Coreia do Sul, e vice-versa que estavam agendados para ontem foram cancelados.

Finalmente, apesar de terem sido anunciados novos casos no Japão e em Itália, estas zonas ainda não vão ser classificadas como de “alta incidência epidémica”, segundo a informação da representação da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), Inês Chan. “Não há alterações à classificação das zonas neste momento, mas apelamos aos residentes que evitem deslocações a zonas onde saibam que há casos”, apelou.

 

25 Fev 2020

Apocalipse, não

[dropcap]P[/dropcap]ermitam-me um devaneio de ficção na direcção oposta à tranquila racionalidade com que as autoridades locais têm tratado a epidemia do coronavírus. Acabei de chegar a Macau (sexta-feira), depois de umas férias largas que começaram na última semana de Janeiro. Quando parti para Portugal estávamos longe dos cenários de ruas vazias e de toda a fantasmagoria subsequente. Passados alguns frangos assados e imperiais em Lisboa, começaram a chegar notícias do encerramento de casinos, da corrida às farmácias na busca de máscaras, quarentenas forçadas e escassez de tudo e mais alguma coisa.

Entretanto, as imagens de Wuhan sugeriam um cenário de apocalipse zombie a lembrar os clássicos do mestre George Romero.

No dia que regressei a Macau, um amigo contextualizou o timing das minhas férias uma forma simples: “agora as coisas já estão a voltar ao normal”. Parece que escapei a uma espécie de pena de prisão domiciliária, que não testemunhei no contacto com amigos mais próximos, que não se coibiram de tomar uns copos.

Outro aspecto que importa referir é o alarmismo com que os média portugueses trataram este assunto, sedentos de sensacionalismo que veremos se será saciado com a confirmação do primeiro infectado português. Visto de Portugal, parecia que Macau estava a morrer de fome e sede, sem mantimentos, sem máscaras, sem esperança. Realidade contrariada com publicações nas redes sociais de prateleiras de supermercado cheias.

Outro lamentável episódio foi o triste circo que fizeram com o retorno dos portugueses retidos em Wuhan e da relativa desilusão face à ausência de infectados. Uma vergonha completa.

Feito o contexto, hoje sinto-me um personagem de um filme de zombies, com uma ligeira diferença. Em vez de despertar de um coma no pico do apocalipse, depois do total colapso de todas as instituições fundamentais da sociedade, (como Cillian Murphy em “28 Days Later”, ou Andrew Lincoln em “The Walking Dead”), abri a pestana já com situação controlada.

É precisamente aqui que vou injectar um pouco de ficção nesta crónica, com uma pitada de crítica política. Imaginemos que não existe Estado, Governo e esferas de protecção pública num caso destes (o sonho molhado dos libertários e anarcocapitalistas). Em quanto tempo desceríamos para a total barbárie? Sem querer tecer grandes comentários à reacção das autoridades de Hubei, e Pequim (que cometeram erros gravíssimos no início da epidemia), o que seria de Wuhan sem um poder público forte.

Sinceramente, alguém consegue imaginar um cenário em que privados, movidos pelo propósito basilar da busca de lucro, seriam chamados a intervir num cenário destes? Seria o apocalipse zombie. A natureza não discrimina entre ricos e pobres, entre membros de conselho de administração e empregadas de limpezas e está-se nas tintas para os mercados.

Nunca escondi a minha veia “trashy” em termos culturais. Um gajo não pode só encher a pança de clássicos, não se come filet mignon todos os dias. Às vezes apetece mesmo um prato de bifanas. Os filmes de terror orgulhosamente maus, especialmente os de zombies, fazem parte do meu imaginário desde criança.

Assim sendo, face às notícias alarmistas que chegavam a Portugal, depressa comecei a imaginar um cenário de “salve-se quem puder” em Macau. Quem viu filmes como “Dawn of the Dead” sabe que a sobrevivência num apocalipse zombie depende de quatro requisitos. Acesso a comida, água e medicamentos, um arsenal considerável de armamento, a segurança de um local fortificado e de difícil acesso a zombies e não esbanjar confiança a todos os que aparecem a pedir ajuda. Sobreviver ao desespero humano, por vezes, é mais difícil do que sobreviver aos avanços de uma horda de mortos-vivos.

A Torre de Macau parece-me um dos locais ideais para montar fortaleza, com a possibilidade de isolar pisos caso as portas de entrada cedam. Restaurantes e acesso a mantimentos não faltam. A estrutura oferece também um ponto de vantagem para vigilância e defesa, se juntarmos à equação um par de carabinas sniper a coisa até se poderia tornar divertida.

Importa referir que este tipo de cenário, roubado à ficção mais tola, é para muita gente uma espécie de nirvana ideológico preferível ao pavor de ter de pagar impostos e à brotoeja dogmática nascida da mais paranóica alergia estatal.

Como é óbvio, estou a brincar. Mas, não me leiam mal, a possibilidade de uma coisa destas resultar em caos é bem real, principalmente face à gula humana por antibióticos e ao factor multiplicador das alterações climáticas na microbiologia. Até lá, aproveitem ao máximo a estabilidade social e a segurança de vivermos numa sociedade estruturada capaz de responder a ameaças invisíveis.

24 Fev 2020

Epidemia | Mulher de Macau identificada como oitavo caso de Pneumonia de Wuhan

A residente só ficou em isolamento à quarta ida em seis dias aos hospitais locais. Os Serviços de Saúde acusam a mulher de ter escondido que tinha estado internada num hospital do Interior da China e o director da instituição avisou que críticas ao pessoal de saúde são “um ataque muito sério”. Lei Chin Ion mencionou também que a pressão afecta os trabalhadores e que em Hong Kong até vai haver greve

 

[dropcap]U[/dropcap]ma mulher de Macau foi confirmada como o oitavo caso de Pneumonia de Wuhan no território. A mulher de 64 anos terá sido infectada durante deslocações a Zhuhai e Zhongshan, no Interior, e apenas foi internada no sábado, após quatro visitas aos hospitais locais, uma, primeira, ao Centro Hospitalar Conde São Januário e as seguintes ao Hospital Kiang Wu.

Ontem, quando o caso foi apresentado, os Serviços de Saúde (SSM), através do director Lei Chin Ion, responsabilizaram a mulher que acusaram de ter omitido que tinha estado num hospital no Interior e desvalorizaram o facto de ter ido quatro vezes aos hospitais com febre e tosse.

“A paciente não revelou todas as informações [sobre o seu itinerário no Interior da China]. As críticas ao pessoal médico são um ataque muito sério aos nossos trabalhadores. Estes trabalhadores também são seres humanos, podem ficar infectados e sacrificam-se pelo bem público. Merecem esse reconhecimento”, começou por dizer Lei Chin Ion sobre o caso.

O director dos SSM apontou ainda que o pessoal do sector médico em Hong Kong vai entrar em greve e pediu para que em Macau as críticas sejam ignoradas: “Em Hong Kong já há greve dos trabalhadores de Saúde. Felizmente em Macau estamos em contacto directo com os trabalhadores. Tentei acalmar o pessoal […] e elevar o moral destes funcionários que trabalharam para os cidadãos de Macau”, revelou. “Espero que o pessoal médico ignore as críticas”, acrescentou.

Lei Chin Ion apelou igualmente aos cidadãos para serem honestos e recordou que as mentiras podem colocar “em perigo” toda a sociedade, além de fazer com que “sejam criticados por todos”.

Percurso da paciente

O caso foi categorizado como “importado”, uma vez que a residente esteve internada entre 10 e 17 de Janeiro no Zhuhai Hospital of Integrated Traditional Chinese and Western Medicine devido a herpes zóster, uma reactivação do vírus da varicela.

No dia 17 à tarde voltou a Macau e passou a maior parte do tempo em casa, assim como nos dias 18 e 20, porque sentia dores nas costas. Entre 21 e até 23 de Janeiro, a mulher deslocou-se novamente ao Interior e foi a Sanxiang, em Zhongshan, onde terá permanecido e aproveitado para ir a um mercado comprar aves vivas.

Regressa a Macau no dia 23 e até ir ao hospital pela primeira vez fica principalmente por casa, à excepção de deslocações ao Centro de Saúde da Areia Preta e idas às compras, num supermercado próximo do Edifício Pak Lei, onde reside.

A 27 de Janeiro recorreu pela primeira vez ao Hospital Conde São Januário com sintomas de tosse e febre. Após ser observada é enviada para casa.

No dia 30 não regista melhorias e vai ao Hospital Kiang Wu, com sintomas de febre contínua. É enviada para casa. O mesmo volta a acontecer no dia seguinte.

Finalmente, no sábado, além de tosse e febre a mulher queixou-se, no Hospital Kiang Wu, de uma dor abdominal no lado direito do corpo e pediu para ser internada. Um exame raio-X indicou a existência de inflamação dos pulmões, e a mulher foi transportada para o Hospital Conde São Januário, onde foi confirmada como o oitavo caso.

Contacto com 288 pessoas

Segundo as estimativas apresentadas pelo Governo, durante a deslocação aos hospitais da RAEM, a mulher terá estado em contacto com pelo menos 288 pessoas, entre as quais 27 médicos e enfermeiros, 230 pessoas que se encontravam nos serviços de urgências e 31 na área de consultas externas.

Além destas, a mulher circulou de táxi e apanhou o autocarro número 7, entre a Pérola Oriental e a Praceta 24 de Junho, em duas ocasiões. Por este motivo, as autoridades pedem às pessoas que tenham circulado neste autocarro que em caso de sintomas de febre, tosse ou dores de garganta que se apresentem no hospital, para observação.

Como consequência do caso, o marido da mulher de 64 anos foi levado para observação, assim como um médico e enfermeiro que estiveram em contacto com a senhora, nas deslocações ao hospital.

Sobre o facto de a mulher se ter deslocado quatro vezes até lhe ser feito o primeiro teste de despistagem, Lei Wai Seng, médico adjunto da Direcção do Centro Hospitalar Conde São Januário, explicou que o exame de despistagem apenas se aplica a pessoas que tenham estado em contacto com infectados ou que apresentem sintomas de febre ou tosse e tenham estado em Wuhan e na Província de Hubei.

Com todo este caso, as autoridades vão agora alargar o teste de despistagem a qualquer pessoa com sintomas que tenha estado em hospitais e clínicas no Interior da China. Porém, recusam fazer a todas as pessoas que entrem em Macau, devido ao tempo que levaria, assim como aos “custos avultados”.

Mulher arrisca pena de prisão

A questão de a mulher ter escondido a estadia num hospital de Zhuhai vai ser agora reencaminhada para as autoridades policiais para investigação, segundo a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Ao Ieong U. A pensionista arrisca-se a cumprir uma pena de prisão até seis meses ou ao pagamento de penal de multa de 60 dias. Em causa está o facto de o assunto poder ser considerado como “constar dados falsos” na declaração de saúde sobre o percurso no Interior.

 

SSM | Médico e enfermeiro em isolamento

Com a revelação do caso da primeira residente ficou igualmente a saber-se que um médico e um enfermeiro tiveram de ser isolados, pelo facto de terem estado em contacto com a mulher. Também o marido teve de ser isolado. Contas feitas, Macau tem actualmente oito casos confirmados e registou 146 casos suspeitos, dois quais 132 foram considerados negativos. Em caso de isolamento, as pessoas têm sido levadas para as instalações dos SSM no Alto de Coloane e precisam de passar 14 dias em isolamento, tempo de incubação da doença.

Máscaras | Governo vendeu cerca de 5 milhões de unidades

Na primeira fase do programa de fornecimento de máscaras foram vendidas cerca de 5 milhões de máscaras, revelou, ontem, o Executivo, durante a conferência de imprensa. Inicialmente o Governo anunciou planos para a importação de 20 milhões de máscaras para residentes e não-residentes, numa medida com cariz especial. As pessoas, através da apresentação do documento de identificação, são autorizadas a comprar 10 máscaras a cada 10 dias pelo preço de 8 patacas, tendo a segunda fase da compra arrancado ontem.

TNR | Apelo para que oriundos de Zhuhai fiquem em casa

O Executivo apela aos trabalhadores não-residentes [TNR] que vivem em Zhuhai que evitem vir a Macau. O objectivo passa por evitar contaminação entre as duas regiões chinesas e o apelo foi deixado ontem, na conferência de imprensa do Governo. Segundos os dados apresentados, há cerca de 35 mil TNR que diariamente se deslocam entre Macau e Zhuhai, mas o Executivo apela à compreensão das empresas, para que os TNR considerados fundamentais fiquem sempre na RAEM e os outros sempre em Zhuhai. O Governo pediu ainda aos patrões para que paguem os custos do alojamento em Macau dos TNR que vivem em Zhuhai, de forma a evitar a contaminação entre fronteiras.

2 Fev 2020

Epidemia | Mulher de Macau identificada como oitavo caso de Pneumonia de Wuhan

A residente só ficou em isolamento à quarta ida em seis dias aos hospitais locais. Os Serviços de Saúde acusam a mulher de ter escondido que tinha estado internada num hospital do Interior da China e o director da instituição avisou que críticas ao pessoal de saúde são “um ataque muito sério”. Lei Chin Ion mencionou também que a pressão afecta os trabalhadores e que em Hong Kong até vai haver greve

 
[dropcap]U[/dropcap]ma mulher de Macau foi confirmada como o oitavo caso de Pneumonia de Wuhan no território. A mulher de 64 anos terá sido infectada durante deslocações a Zhuhai e Zhongshan, no Interior, e apenas foi internada no sábado, após quatro visitas aos hospitais locais, uma, primeira, ao Centro Hospitalar Conde São Januário e as seguintes ao Hospital Kiang Wu.
Ontem, quando o caso foi apresentado, os Serviços de Saúde (SSM), através do director Lei Chin Ion, responsabilizaram a mulher que acusaram de ter omitido que tinha estado num hospital no Interior e desvalorizaram o facto de ter ido quatro vezes aos hospitais com febre e tosse.
“A paciente não revelou todas as informações [sobre o seu itinerário no Interior da China]. As críticas ao pessoal médico são um ataque muito sério aos nossos trabalhadores. Estes trabalhadores também são seres humanos, podem ficar infectados e sacrificam-se pelo bem público. Merecem esse reconhecimento”, começou por dizer Lei Chin Ion sobre o caso.
O director dos SSM apontou ainda que o pessoal do sector médico em Hong Kong vai entrar em greve e pediu para que em Macau as críticas sejam ignoradas: “Em Hong Kong já há greve dos trabalhadores de Saúde. Felizmente em Macau estamos em contacto directo com os trabalhadores. Tentei acalmar o pessoal […] e elevar o moral destes funcionários que trabalharam para os cidadãos de Macau”, revelou. “Espero que o pessoal médico ignore as críticas”, acrescentou.
Lei Chin Ion apelou igualmente aos cidadãos para serem honestos e recordou que as mentiras podem colocar “em perigo” toda a sociedade, além de fazer com que “sejam criticados por todos”.

Percurso da paciente

O caso foi categorizado como “importado”, uma vez que a residente esteve internada entre 10 e 17 de Janeiro no Zhuhai Hospital of Integrated Traditional Chinese and Western Medicine devido a herpes zóster, uma reactivação do vírus da varicela.
No dia 17 à tarde voltou a Macau e passou a maior parte do tempo em casa, assim como nos dias 18 e 20, porque sentia dores nas costas. Entre 21 e até 23 de Janeiro, a mulher deslocou-se novamente ao Interior e foi a Sanxiang, em Zhongshan, onde terá permanecido e aproveitado para ir a um mercado comprar aves vivas.
Regressa a Macau no dia 23 e até ir ao hospital pela primeira vez fica principalmente por casa, à excepção de deslocações ao Centro de Saúde da Areia Preta e idas às compras, num supermercado próximo do Edifício Pak Lei, onde reside.
A 27 de Janeiro recorreu pela primeira vez ao Hospital Conde São Januário com sintomas de tosse e febre. Após ser observada é enviada para casa.
No dia 30 não regista melhorias e vai ao Hospital Kiang Wu, com sintomas de febre contínua. É enviada para casa. O mesmo volta a acontecer no dia seguinte.
Finalmente, no sábado, além de tosse e febre a mulher queixou-se, no Hospital Kiang Wu, de uma dor abdominal no lado direito do corpo e pediu para ser internada. Um exame raio-X indicou a existência de inflamação dos pulmões, e a mulher foi transportada para o Hospital Conde São Januário, onde foi confirmada como o oitavo caso.

Contacto com 288 pessoas

Segundo as estimativas apresentadas pelo Governo, durante a deslocação aos hospitais da RAEM, a mulher terá estado em contacto com pelo menos 288 pessoas, entre as quais 27 médicos e enfermeiros, 230 pessoas que se encontravam nos serviços de urgências e 31 na área de consultas externas.
Além destas, a mulher circulou de táxi e apanhou o autocarro número 7, entre a Pérola Oriental e a Praceta 24 de Junho, em duas ocasiões. Por este motivo, as autoridades pedem às pessoas que tenham circulado neste autocarro que em caso de sintomas de febre, tosse ou dores de garganta que se apresentem no hospital, para observação.
Como consequência do caso, o marido da mulher de 64 anos foi levado para observação, assim como um médico e enfermeiro que estiveram em contacto com a senhora, nas deslocações ao hospital.
Sobre o facto de a mulher se ter deslocado quatro vezes até lhe ser feito o primeiro teste de despistagem, Lei Wai Seng, médico adjunto da Direcção do Centro Hospitalar Conde São Januário, explicou que o exame de despistagem apenas se aplica a pessoas que tenham estado em contacto com infectados ou que apresentem sintomas de febre ou tosse e tenham estado em Wuhan e na Província de Hubei.
Com todo este caso, as autoridades vão agora alargar o teste de despistagem a qualquer pessoa com sintomas que tenha estado em hospitais e clínicas no Interior da China. Porém, recusam fazer a todas as pessoas que entrem em Macau, devido ao tempo que levaria, assim como aos “custos avultados”.

Mulher arrisca pena de prisão

A questão de a mulher ter escondido a estadia num hospital de Zhuhai vai ser agora reencaminhada para as autoridades policiais para investigação, segundo a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Ao Ieong U. A pensionista arrisca-se a cumprir uma pena de prisão até seis meses ou ao pagamento de penal de multa de 60 dias. Em causa está o facto de o assunto poder ser considerado como “constar dados falsos” na declaração de saúde sobre o percurso no Interior.
 

SSM | Médico e enfermeiro em isolamento

Com a revelação do caso da primeira residente ficou igualmente a saber-se que um médico e um enfermeiro tiveram de ser isolados, pelo facto de terem estado em contacto com a mulher. Também o marido teve de ser isolado. Contas feitas, Macau tem actualmente oito casos confirmados e registou 146 casos suspeitos, dois quais 132 foram considerados negativos. Em caso de isolamento, as pessoas têm sido levadas para as instalações dos SSM no Alto de Coloane e precisam de passar 14 dias em isolamento, tempo de incubação da doença.

Máscaras | Governo vendeu cerca de 5 milhões de unidades

Na primeira fase do programa de fornecimento de máscaras foram vendidas cerca de 5 milhões de máscaras, revelou, ontem, o Executivo, durante a conferência de imprensa. Inicialmente o Governo anunciou planos para a importação de 20 milhões de máscaras para residentes e não-residentes, numa medida com cariz especial. As pessoas, através da apresentação do documento de identificação, são autorizadas a comprar 10 máscaras a cada 10 dias pelo preço de 8 patacas, tendo a segunda fase da compra arrancado ontem.

TNR | Apelo para que oriundos de Zhuhai fiquem em casa

O Executivo apela aos trabalhadores não-residentes [TNR] que vivem em Zhuhai que evitem vir a Macau. O objectivo passa por evitar contaminação entre as duas regiões chinesas e o apelo foi deixado ontem, na conferência de imprensa do Governo. Segundos os dados apresentados, há cerca de 35 mil TNR que diariamente se deslocam entre Macau e Zhuhai, mas o Executivo apela à compreensão das empresas, para que os TNR considerados fundamentais fiquem sempre na RAEM e os outros sempre em Zhuhai. O Governo pediu ainda aos patrões para que paguem os custos do alojamento em Macau dos TNR que vivem em Zhuhai, de forma a evitar a contaminação entre fronteiras.

2 Fev 2020

As perspectivas ridículas

[dropcap]C[/dropcap]omparar Macau a Hong Kong é a última moda, derivada das comemorações dos 20 anos da RAEM. E nestas comparações ressaltam, sobretudo, a miopia quando não a ignorância de quem as produz, normalmente com o fito de nos diminuir face à ex-colónia britânica.

Que HK tem uma sociedade civil vibrante e Macau não. Que HK luta pela democracia, enquanto aqui se luta para enriquecer. Que HK resiste à investida de Pequim, enquanto Macau obedece como um bom filho. Que os portugueses deixaram aqui um caos, enquanto os ingleses entregaram uma cidade arranjadinha. E muitos outros disparates a que estamos habituados desde o século XIX, momento em que os britânicos assentaram arraiais na China, com o intuito de vender droga.

Sim, porque nada disto é novo, tudo isto é fado. E os fadistas vão ocupando o lugar deixado por outros, sempre com o mesmo objectivo de menosprezar Macau e incensar os tristes restos da colónia da pérfida Albion.

Contudo, estes disparates têm sempre algo em comum, algo de ridículo, que nem quem os emite talvez compreenda. É que são construídos com base numa perspectiva do mundo radicalmente fundada nos valores do Ocidente, que surgem como divinos e incontornáveis, como se para eles não existisse alternativa, muito enquadrados no pensamento do fim da História de Fukuyama (que ele, por acaso, já abandonou, mas parece que não deram por isso…) e na superioridade inequívoca do homem branco, capaz de levar a salvação ao resto do mundo, ainda que o resto do mundo não esteja interessado. Dantes era o Cristianismo pelas goelas abaixo, agora é o que chamam de democracia.

São, por isso, perspectivas ridículas. Neste movimento, o importante para esta gente é sentir-se de algum modo superior ao que a rodeia, ainda que não o compreenda, nem faça um verdadeiro esforço para o compreender. Orientalistas do acaso, mas avessos à cultura alheia, impantes de certezas fundadas em artigos de propaganda, despejam opiniões e insultos como se eles não fossem apenas provas do exercício da sua iniquidade.

Ou então chineses cuja visão da História, infectada pelos britânicos, procuram na diferença de Macau razões para se julgarem alguém melhor. O facto é que habitam numa terra ilegalmente conquistada no passado, brutalmente injusta no presente e socialmente desesperante em termos de futuro.

Em Macau, 20 anos depois, salvo alguns maus momentos, respeitou-se o princípio “um país, dois sistemas”, conservou-se a liberdade, os direitos civis e políticos, e só não demos mais passos para uma maior representatividade democrática por causa dos acontecimentos de Hong Kong. A comparação é simples: aqui estiveram portugueses, ali ingleses. E quase tudo deriva disto. Sim, ingleses, esses que não sabem estar em lado nenhum.

20 Dez 2019

Não queiram apagar a luz

[dropcap]A[/dropcap]o que parece, há por aí gente que veio para a China sem saber ao que vinha e para onde vinha. A ignorância é desculpável. Afinal, Portugal fica praticamente do outro lado do mundo e não há muita informação disponível. Por isso, será normal que muito pessoal aqui aterre sem saber onde está a aterrar e fique aterrado com o que encontra (ai, afinal são comunistas!… e outras coisas do género). Não obstante, a malta não recusa o ordenado que, no limite, vem de bolsos chineses, nem as mordomias que esse ordenado lhe permite.

Contudo, numa espécie de pacificação da consciência, vai plasmando nas redes sociais o seu ódio ou desprezo ou lá o que é pelo país que — não só lhe paga o pão e a casa — está muito longe de conhecer ou compreender, na medida em que, em geral, ainda não saíram da terrinha. Ou a terrinha não saiu deles. Confessemos que o espectáculo da ignorância e da inveja, é chato. E é duplamente chato quando a ele assistimos protagonizado por um dos nossos.

O que não se compreende é como é que se atura tanta repressão, tanta iniquidade, tanta falta de liberdade. E (imaginem!) dói-lhes ver aquilo a que chamam “Macau a tornar-se chinês”. Como se alguma vez tivesse sido outra coisa!

A parte que talvez não compreendam é que só pisam este solo porque ele foi regado durante séculos por sangue, lágrimas e suor de uma comunidade minoritária que soube respeitar os legítimos habitantes desta terra e por isso aqui permaneceu, quantas vezes em temíveis equilíbrios, durante quatro séculos e meio. E que pretende continuar aqui por muito mais tempo. Prosseguir o milagre. Que, por acaso, é inusitado e lindo. Macau chama-se em chinês “Porta da Baía”: tanto se entra como se sai. Liberdade total. Não se caia é na tentação de ao sair querer apagar a luz.

19 Dez 2019

Rocha Vieira: “Tive mais problemas com a parte portuguesa do que com a chinesa”

O último Governador português em Macau recorda que teve, durante as funções, mais problemas com a parte portuguesa do que com a chinesa, mas salientou que o “rumo” a definir para a transição contou com uma “grande compreensão” do poder de então em Portugal. Quanto ao futuro de Macau, Rocha Vieira espera que mantenha a sua identidade

[dropcap]T[/dropcap]ive mais problemas com a parte portuguesa do que com a parte chinesa (…) muitas vezes, por falta de percepção. Normalmente, as pessoas estão longe, em Lisboa – isso é uma coisa histórica, que não é só de agora – e acham que sabem melhor as soluções do que aqueles que estão em Macau”, afirmou Vasco Rocha Vieira, numa entrevista à Lusa a propósito do 20.º aniversário da transição da administração do território para a China.

Porém, assegurou que quando foi necessário definir “o rumo, os objectivos fundamentais das políticas para Macau, foram discutidos pelo Governo de Macau, em Lisboa, com quem deviam ser discutidos, com o Presidente da República e com o primeiro-ministro” e houve “sempre” sobre isso “uma grande compreensão por parte dos órgãos de soberania portugueses e uma grande prova de confiança em relação a quem estava no território”.

“Isso foi fundamental” para que todo o processo de transição de Macau para China “corresse bem”. Nos primeiros anos “em que era preciso saber o que é que se queria, marcar objectivos e ter confiança em quem lá estava (…) isso aconteceu”, sublinhou.

Quando questionado sobre a relação com o Presidente Jorge Sampaio, de quem são conhecidas algumas críticas a Rocha Vieira, o general limitou-se a dizer: “foi aquela que tinha de ser e que o Presidente da República entendia que devia ser”. “Nunca tive nas minhas funções problemas institucionais, porque nunca pessoalizei as coisas”, concluiu.

Da sua parte, enquanto governador de Macau, assegura que “houve sempre a assunção das responsabilidades”. “De acordo com o meu papel, as minhas funções e para aquilo que fui nomeado e quando se é assim não se tem problemas”, disse.

FOTO: Mário Cruz | LUSA

Rocha Vieira explicou que foi nomeado para o cargo de governador de Macau pelo Presidente Mário Soares, na altura em que o primeiro-ministro era o professor Cavaco Silva. “Quero dizer que [a relação] correu de uma forma exemplar. Vinha a Lisboa, punha os pontos, o Presidente da República perguntava-me se queria que falasse com o primeiro-ministro por qualquer problema”, especificou. E continuou: “falava com ele, apreendia da parte dele quais eram as preocupações do Dr. Mário Soares. Tinha reuniões alongadas com o professor Cavaco Silva e as coisas ficavam sempre esclarecidas”. “Nunca houve nenhum conflito”, garantiu, realçando que “as grandes linhas de orientação da administração portuguesa em Macau foram definidas nessa altura”. “Portanto quando, depois, mudou o Presidente da República (…) não houve grande problema” afirmou.

Asfaltar a estrada

Na época, tudo quanto “era importante em toda a área de códigos, legislação do que quer que seja, dos funcionários públicos, tudo isso estava resolvido, ou no caminho já decidido”.

Na ocasião, o que estava a ser definido era como minorar a dependência de Macau de Hong Kong, transferindo-a mais para o Interior da China, para a zona de Cantão. E “isso não é uma subordinação em relação à China. É defender os interesses de Macau. E isso foi compreendido pela parte chinesa, e as coisas correram bastante bem”, referiu.

Rocha Vieira recordou que havia uma preocupação na altura, com o facto de a transição de Hong Kong terminar antes, em 1997, portanto dois anos e meio antes da transferência de Macau, e não se saber o que aconteceria, inclusivamente no panorama internacional, porque muitas coisas estavam a mudar.

Foi na década de 1990 que houve o desmembramento da União Soviética, que começou o grande crescimento da China e a crise financeira asiática, pelo que o propósito da administração portuguesa de Macau foi “ter as coisas resolvidas antes do processo de transição de Hong Kong terminar”. “E conseguimos isso”, referiu.

A experiência de Hong Kong também não trazia ensinamentos ao território: “Não podíamos, porque Hong Kong e Macau são realidades completamente diferentes”, considerou. Desde logo pela escala de Hong Kong e depois pela maneira como as administrações procederam, explicou.

Além disso, “Hong Kong, quando começou o processo de transição tinha tudo localizado, os quadros eram bilingues (…), tinham todos os tribunais, tinham universidades, tinham escolas, tinha os códigos. Macau não tinha”, frisou.

A falta de investimento da metrópole nas periferias ao longo dos séculos foi particularmente sentida no território: “Macau foi deixado muito longe”.

Por outro lado, a China esteve muito tempo fechada ao exterior, pelo que era curto o aproveitamento de Macau ou do papel que poderia desempenhar na zona e nas ligações regionais. Por isso, a percepção desse novo papel de Macau só “passou a existir a partir do momento em que a China começou a abrir-se ao exterior e a ter uma preponderância muito grande como potência cada vez mais global”.

Individualidade preservada

“Passados 20 anos, aquilo que acho (..) mais importante é ver que há uma continuidade em relação àquilo que foi a política portuguesa durante a sua administração. Porque aquilo que se fez tinha sempre como interesse e como propósito a continuidade e o futuro”, de Macau, afirmou Vasco Rocha Vieira.

O ex-governador, sublinhou que a parte portuguesa nunca achou que a transferência da administração fosse “o fechar de uma porta”. Nem que ali acabava “a nossa relação com Macau ou as nossas responsabilidades”. Pelo contrário, entendeu, “sempre”, que “era um novo ciclo que se iniciava”. E esse ciclo “iniciou-se”, defendeu.

No novo contexto, “a identidade é o mais importante para Macau”, defendeu, porque naquele território existe “uma situação perfeitamente original e única no mundo. Ali existe um entendimento entre culturas, que se respeitam. Não é uma mistura de culturas, como em muitos outros sítios”. As duas culturas, a portuguesa e a chinesa, muito diferentes, é que formam “essa identidade de respeito e de trabalho mútuo, de prevalência relativamente às dificuldades e aos problemas que aparecem”, sublinhou.

A diferença pode ser assumida num aspecto de complementaridade ou de antagonismo, referiu, mas “em Macau sempre houve a complementaridade (…) e é um exemplo muito grande, até para outras situações no mundo, de como devem ser as relações”.

No caminho da transição, destacou o trabalho feito pela administração portuguesa, “para que o segundo sistema, prometido a Macau, fosse uma realidade”, mas também a posição da China, que “tem cumprido aquilo que nós também cumprimos na Declaração Conjunta, fazendo com que Macau permaneça no segundo sistema, com as liberdades, as garantias, códigos de matriz portuguesa que deixamos, e que são no fundo a maneira de gerir a relação das sociedades”.

O propósito “era convergente”, e consistia em “respeitar aquilo que ficou combinado e acordado na declaração conjunta, que foi um país dois sistemas, com Macau pertencendo ao segundo sistema e com essa identidade (…), de respeito de culturas”. Por isso, “há problemas que estão noutros sítios, como Hong Kong, que não são vistos da mesma maneira em Macau”, assegurando que ali estão salvaguardados os direitos dos cidadãos chineses que vivem no território. “O Tribunal de Última Instância está em Macau. Portanto, tudo aquilo que se passa, como crimes ou outros aspectos, que têm de ser julgados e apreciados, passa-se em Macau”, afirmou.

Quando questionado se Pequim pode pedir a extradição de pessoas que queira ver julgadas de acordo com o regime chinês, responde: “Não, não vejo porque há de pedir.”

No tempo da administração portuguesa, recordou que “os cidadãos que eram extraditados – de acordo com garantias que a China dava de que não havia pena de morte nem prisão perpétua – eram cidadãos chineses da China que se resguardavam em Macau e que vinham fugidos”. “Isso é completamente diferente em relação aos cidadãos de Macau, sejam chineses ou portugueses”, afirmou.

Poder do yuan

“É importante que haja investimento em Portugal. Agora, grande parte do investimento que tem sido feito [no país], nomeadamente o chinês, resulta muito das fragilidades que temos tido”, considerou Vasco Rocha Vieira.

Para o ex-governador, a sobreviver a uma crise económica que obrigou o país a recorrer à ajuda externa (‘troika’), “Portugal não teve, nessa altura, o espaço de manobra suficiente para poder definir também o que é que queria em contrapartida”. “O contexto da nossa fragilidade, do ponto de vista financeiro, obstou a muitas coisas”, referiu.

Naquela altura “a razão principal, não a única” que terá levado o país a negociar a estes investimentos, foi “minorar a dívida, conseguir melhorar o défice, conseguir que a situação difícil, do ponto de vista financeiro, melhorasse”.

Esse objectivo era necessário referiu Rocha Vieira, mas “é pontual. De curtíssimo prazo” e “o investimento chinês deve ser visto no longo prazo”, afirmou.

Além disso, na opinião do ex-governador de Macau, investimentos da China, devem ser também entendidos como investimento do Estado chinês. “Grande parte do investimento chinês, vem de empresas do Estado. O Estado tem o capital. E, portanto, o Estado chinês não faz as coisas por acaso. Tem objectivos”, sublinhou na entrevista à Lusa, a propósito do 20.º aniversário da transição da administração do território de Macau de Portugal para a China, que se celebra no próximo dia 20.

“O Estado chinês tem muitos objectivos, tem objectivos de aprender com os outros, de conseguir áreas fundamentais que lhe interessam para o seu desenvolvimento e para a sua presença no mundo em expansão, como seja o caso da energia, ou dos seguros, ou da saúde, onde estão, ou da própria banca. Tem esses objectivos”, enumerou o também general do exército português.

Por isso, defendeu que “em qualquer dos casos (…) se deve acautelar, o volume, as áreas desse investimento e fazê-lo de uma forma em que haja contrapartidas, e em que os nossos interesses se conjuguem com os interesses dos chineses”.

Visão de jogo

Para Rocha Vieira, Portugal pode “beneficiar do grande crescimento da China”, quer pela relação que teve com Macau, e com aquele país em geral, quer porque em Macau continuam a viver portugueses, com “a nossa memória e o nosso conhecimento”.

Lembra, porém, que no momento em que se deu o processo de transição de Macau para a China, “Portugal estava mais preocupado com África e em restabelecer as relações que tinha tido, e que com o processo de descolonização se alteraram um pouco”. E, naquele contexto, “Macau era a segunda prioridade (…) e não houve a percepção de que a China ia ter este desenvolvimento”.

Rocha Vieira conta que quando Deng Xiaoping fez uma visita de Estado à província de Cantão, em 1992, “estava a dar um grande sinal ao mundo de que ali ia ser o grande polo de desenvolvimento” do país. “De Macau dissemos isso para Lisboa, mas Lisboa estava preocupada com outras coisas, o que é compreensível”, referiu o antigo governador.

O ex-governador também lembrou que, durante o tempo da administração portuguesa havia muitas empresas portuguesas em Macau, às quais se dizia para que criassem laços e parcerias chinesas, para ficarem depois da transição. Mas muitas não o fizeram. Hoje “temos de aprender com os erros e não desperdiçar oportunidades”, disse.

Em relação a Macau, quando questionado sobre o que ainda podemos fazer no território nos próximos 30 anos que nos restam de período de transição, Rocha Vieira salientou que “importa que [o território] não seja descaracterizado”. “É uma opinião minha e não são sugestões, mas haver uma grande integração de pessoas da China em Macau – que já tem uma densidade imensa – tem que ser feita de maneira a que essa identidade não se perca”, afirmou.

16 Dez 2019

Rocha Vieira: "Tive mais problemas com a parte portuguesa do que com a chinesa"

O último Governador português em Macau recorda que teve, durante as funções, mais problemas com a parte portuguesa do que com a chinesa, mas salientou que o “rumo” a definir para a transição contou com uma “grande compreensão” do poder de então em Portugal. Quanto ao futuro de Macau, Rocha Vieira espera que mantenha a sua identidade

[dropcap]T[/dropcap]ive mais problemas com a parte portuguesa do que com a parte chinesa (…) muitas vezes, por falta de percepção. Normalmente, as pessoas estão longe, em Lisboa – isso é uma coisa histórica, que não é só de agora – e acham que sabem melhor as soluções do que aqueles que estão em Macau”, afirmou Vasco Rocha Vieira, numa entrevista à Lusa a propósito do 20.º aniversário da transição da administração do território para a China.
Porém, assegurou que quando foi necessário definir “o rumo, os objectivos fundamentais das políticas para Macau, foram discutidos pelo Governo de Macau, em Lisboa, com quem deviam ser discutidos, com o Presidente da República e com o primeiro-ministro” e houve “sempre” sobre isso “uma grande compreensão por parte dos órgãos de soberania portugueses e uma grande prova de confiança em relação a quem estava no território”.
“Isso foi fundamental” para que todo o processo de transição de Macau para China “corresse bem”. Nos primeiros anos “em que era preciso saber o que é que se queria, marcar objectivos e ter confiança em quem lá estava (…) isso aconteceu”, sublinhou.
Quando questionado sobre a relação com o Presidente Jorge Sampaio, de quem são conhecidas algumas críticas a Rocha Vieira, o general limitou-se a dizer: “foi aquela que tinha de ser e que o Presidente da República entendia que devia ser”. “Nunca tive nas minhas funções problemas institucionais, porque nunca pessoalizei as coisas”, concluiu.
Da sua parte, enquanto governador de Macau, assegura que “houve sempre a assunção das responsabilidades”. “De acordo com o meu papel, as minhas funções e para aquilo que fui nomeado e quando se é assim não se tem problemas”, disse.

FOTO: Mário Cruz | LUSA

Rocha Vieira explicou que foi nomeado para o cargo de governador de Macau pelo Presidente Mário Soares, na altura em que o primeiro-ministro era o professor Cavaco Silva. “Quero dizer que [a relação] correu de uma forma exemplar. Vinha a Lisboa, punha os pontos, o Presidente da República perguntava-me se queria que falasse com o primeiro-ministro por qualquer problema”, especificou. E continuou: “falava com ele, apreendia da parte dele quais eram as preocupações do Dr. Mário Soares. Tinha reuniões alongadas com o professor Cavaco Silva e as coisas ficavam sempre esclarecidas”. “Nunca houve nenhum conflito”, garantiu, realçando que “as grandes linhas de orientação da administração portuguesa em Macau foram definidas nessa altura”. “Portanto quando, depois, mudou o Presidente da República (…) não houve grande problema” afirmou.

Asfaltar a estrada

Na época, tudo quanto “era importante em toda a área de códigos, legislação do que quer que seja, dos funcionários públicos, tudo isso estava resolvido, ou no caminho já decidido”.
Na ocasião, o que estava a ser definido era como minorar a dependência de Macau de Hong Kong, transferindo-a mais para o Interior da China, para a zona de Cantão. E “isso não é uma subordinação em relação à China. É defender os interesses de Macau. E isso foi compreendido pela parte chinesa, e as coisas correram bastante bem”, referiu.
Rocha Vieira recordou que havia uma preocupação na altura, com o facto de a transição de Hong Kong terminar antes, em 1997, portanto dois anos e meio antes da transferência de Macau, e não se saber o que aconteceria, inclusivamente no panorama internacional, porque muitas coisas estavam a mudar.
Foi na década de 1990 que houve o desmembramento da União Soviética, que começou o grande crescimento da China e a crise financeira asiática, pelo que o propósito da administração portuguesa de Macau foi “ter as coisas resolvidas antes do processo de transição de Hong Kong terminar”. “E conseguimos isso”, referiu.
A experiência de Hong Kong também não trazia ensinamentos ao território: “Não podíamos, porque Hong Kong e Macau são realidades completamente diferentes”, considerou. Desde logo pela escala de Hong Kong e depois pela maneira como as administrações procederam, explicou.
Além disso, “Hong Kong, quando começou o processo de transição tinha tudo localizado, os quadros eram bilingues (…), tinham todos os tribunais, tinham universidades, tinham escolas, tinha os códigos. Macau não tinha”, frisou.
A falta de investimento da metrópole nas periferias ao longo dos séculos foi particularmente sentida no território: “Macau foi deixado muito longe”.
Por outro lado, a China esteve muito tempo fechada ao exterior, pelo que era curto o aproveitamento de Macau ou do papel que poderia desempenhar na zona e nas ligações regionais. Por isso, a percepção desse novo papel de Macau só “passou a existir a partir do momento em que a China começou a abrir-se ao exterior e a ter uma preponderância muito grande como potência cada vez mais global”.

Individualidade preservada

“Passados 20 anos, aquilo que acho (..) mais importante é ver que há uma continuidade em relação àquilo que foi a política portuguesa durante a sua administração. Porque aquilo que se fez tinha sempre como interesse e como propósito a continuidade e o futuro”, de Macau, afirmou Vasco Rocha Vieira.
O ex-governador, sublinhou que a parte portuguesa nunca achou que a transferência da administração fosse “o fechar de uma porta”. Nem que ali acabava “a nossa relação com Macau ou as nossas responsabilidades”. Pelo contrário, entendeu, “sempre”, que “era um novo ciclo que se iniciava”. E esse ciclo “iniciou-se”, defendeu.
No novo contexto, “a identidade é o mais importante para Macau”, defendeu, porque naquele território existe “uma situação perfeitamente original e única no mundo. Ali existe um entendimento entre culturas, que se respeitam. Não é uma mistura de culturas, como em muitos outros sítios”. As duas culturas, a portuguesa e a chinesa, muito diferentes, é que formam “essa identidade de respeito e de trabalho mútuo, de prevalência relativamente às dificuldades e aos problemas que aparecem”, sublinhou.
A diferença pode ser assumida num aspecto de complementaridade ou de antagonismo, referiu, mas “em Macau sempre houve a complementaridade (…) e é um exemplo muito grande, até para outras situações no mundo, de como devem ser as relações”.
No caminho da transição, destacou o trabalho feito pela administração portuguesa, “para que o segundo sistema, prometido a Macau, fosse uma realidade”, mas também a posição da China, que “tem cumprido aquilo que nós também cumprimos na Declaração Conjunta, fazendo com que Macau permaneça no segundo sistema, com as liberdades, as garantias, códigos de matriz portuguesa que deixamos, e que são no fundo a maneira de gerir a relação das sociedades”.
O propósito “era convergente”, e consistia em “respeitar aquilo que ficou combinado e acordado na declaração conjunta, que foi um país dois sistemas, com Macau pertencendo ao segundo sistema e com essa identidade (…), de respeito de culturas”. Por isso, “há problemas que estão noutros sítios, como Hong Kong, que não são vistos da mesma maneira em Macau”, assegurando que ali estão salvaguardados os direitos dos cidadãos chineses que vivem no território. “O Tribunal de Última Instância está em Macau. Portanto, tudo aquilo que se passa, como crimes ou outros aspectos, que têm de ser julgados e apreciados, passa-se em Macau”, afirmou.
Quando questionado se Pequim pode pedir a extradição de pessoas que queira ver julgadas de acordo com o regime chinês, responde: “Não, não vejo porque há de pedir.”
No tempo da administração portuguesa, recordou que “os cidadãos que eram extraditados – de acordo com garantias que a China dava de que não havia pena de morte nem prisão perpétua – eram cidadãos chineses da China que se resguardavam em Macau e que vinham fugidos”. “Isso é completamente diferente em relação aos cidadãos de Macau, sejam chineses ou portugueses”, afirmou.

Poder do yuan

“É importante que haja investimento em Portugal. Agora, grande parte do investimento que tem sido feito [no país], nomeadamente o chinês, resulta muito das fragilidades que temos tido”, considerou Vasco Rocha Vieira.
Para o ex-governador, a sobreviver a uma crise económica que obrigou o país a recorrer à ajuda externa (‘troika’), “Portugal não teve, nessa altura, o espaço de manobra suficiente para poder definir também o que é que queria em contrapartida”. “O contexto da nossa fragilidade, do ponto de vista financeiro, obstou a muitas coisas”, referiu.
Naquela altura “a razão principal, não a única” que terá levado o país a negociar a estes investimentos, foi “minorar a dívida, conseguir melhorar o défice, conseguir que a situação difícil, do ponto de vista financeiro, melhorasse”.
Esse objectivo era necessário referiu Rocha Vieira, mas “é pontual. De curtíssimo prazo” e “o investimento chinês deve ser visto no longo prazo”, afirmou.
Além disso, na opinião do ex-governador de Macau, investimentos da China, devem ser também entendidos como investimento do Estado chinês. “Grande parte do investimento chinês, vem de empresas do Estado. O Estado tem o capital. E, portanto, o Estado chinês não faz as coisas por acaso. Tem objectivos”, sublinhou na entrevista à Lusa, a propósito do 20.º aniversário da transição da administração do território de Macau de Portugal para a China, que se celebra no próximo dia 20.
“O Estado chinês tem muitos objectivos, tem objectivos de aprender com os outros, de conseguir áreas fundamentais que lhe interessam para o seu desenvolvimento e para a sua presença no mundo em expansão, como seja o caso da energia, ou dos seguros, ou da saúde, onde estão, ou da própria banca. Tem esses objectivos”, enumerou o também general do exército português.
Por isso, defendeu que “em qualquer dos casos (…) se deve acautelar, o volume, as áreas desse investimento e fazê-lo de uma forma em que haja contrapartidas, e em que os nossos interesses se conjuguem com os interesses dos chineses”.

Visão de jogo

Para Rocha Vieira, Portugal pode “beneficiar do grande crescimento da China”, quer pela relação que teve com Macau, e com aquele país em geral, quer porque em Macau continuam a viver portugueses, com “a nossa memória e o nosso conhecimento”.
Lembra, porém, que no momento em que se deu o processo de transição de Macau para a China, “Portugal estava mais preocupado com África e em restabelecer as relações que tinha tido, e que com o processo de descolonização se alteraram um pouco”. E, naquele contexto, “Macau era a segunda prioridade (…) e não houve a percepção de que a China ia ter este desenvolvimento”.
Rocha Vieira conta que quando Deng Xiaoping fez uma visita de Estado à província de Cantão, em 1992, “estava a dar um grande sinal ao mundo de que ali ia ser o grande polo de desenvolvimento” do país. “De Macau dissemos isso para Lisboa, mas Lisboa estava preocupada com outras coisas, o que é compreensível”, referiu o antigo governador.
O ex-governador também lembrou que, durante o tempo da administração portuguesa havia muitas empresas portuguesas em Macau, às quais se dizia para que criassem laços e parcerias chinesas, para ficarem depois da transição. Mas muitas não o fizeram. Hoje “temos de aprender com os erros e não desperdiçar oportunidades”, disse.
Em relação a Macau, quando questionado sobre o que ainda podemos fazer no território nos próximos 30 anos que nos restam de período de transição, Rocha Vieira salientou que “importa que [o território] não seja descaracterizado”. “É uma opinião minha e não são sugestões, mas haver uma grande integração de pessoas da China em Macau – que já tem uma densidade imensa – tem que ser feita de maneira a que essa identidade não se perca”, afirmou.

16 Dez 2019