Filmes de Portugal e Brasil em festival de Hong Kong

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”, de João Botelho, e “Colo”, de Teresa Villaverde, integram o Festival Internacional de Cinema de Hong Kong, com os brasileiros “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, e “Corpo Eléctrico”, de Marcelo Caetano.

Mais de 230 filmes, incluindo cinco estreias mundiais, oito internacionais e 56 asiáticas, de 65 países e territórios, vão ser exibidos durante o Festival Internacional de Cinema de Hong Kong (HKIFF, na sigla inglesa), que vai decorrer entre 11 e 25 de Abril.

O documentário “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”, no qual o realizador João Botelho revela a admiração pela obra e a relação com o cineasta, vai ser exibido a 16 e 21 de Abril, depois de se ter estreado nas salas de cinema em Outubro, e de ter marcado presença no festival IndieLisboa e em Locarno.

O cinema sobre Manoel Oliveira, que faleceu em 2015 aos 106 anos, parece cativar o HKIFF que, na edição do ano passado, incluiu “Visita ou Memórias e Confissões”, um filme biográfico que o cineasta rodou nos anos 1980 e pediu para só ser mostrado após a sua morte.

“Colo”, de Teresa Villaverde, um filme sobre uma geração desamparada que não soube reagir à crise, que se estreou, em Fevereiro, no festival de Berlim, vai ser exibido a 13 e 19 de Abril.

A presença portuguesa completa-se com a realizadora Salomé Lamas, seleccionada para a competição de curtas-metragens do HKIFF com “Coup de Grâce”, que esteve na ‘luta’ pelo Urso de Ouro da categoria no Festival de Cinema de Berlim. Na mesma secção participa “A moça que dançou com o diabo”, do realizador brasileiro João Paulo Miranda Maria.

Na edição anterior do Festival Internacional de Cinema de Hong Kong, o prémio de melhor curta-metragem foi atribuído a “Balada de um Batráquio”, de Leonor Teles.

Do Brasil, destaque para o filme “Aquarius”, que o realizador Kléber Mendonça Filho filmou com a actriz Sônia Braga sobre memória, persistência e vida na cidade, que, aliás, se estreou ontem nas salas de cinemas portuguesas.

O cinema brasileiro está ainda representado por “Corpo Eléctrico”, de Marcelo Caetano, com exibições a 13 e 24 de Abril, e por “Rifle”, a primeira longa-metragem de ficção de Davi Pretto, a 17 e 25 do próximo mês.

Na programação do HKIFF figura ainda “Porto”, longa-metragem do realizador brasileiro Gabe Klinger, rodada em 2015 e co-produzida por Portugal, e o filme “A Morte de Luís XIV”, do espanhol Albert Serra, também rodado em Portugal.

Edição de números redondos

O 41.º Festival Internacional de Cinema de Hong Kong abre com o filme “Love off the Cuff”, do cineasta de Hong Kong Pang Ho-Cheung, e encerra com a película “mon mon mon Monsters!”, do taiwanês Giddens Ko, ambos em estreia mundial.

Pang Ho-Cheung realizou “Isabella”, um filme que decorre no período da transferência de administração de Portugal para a China, em 1999, cuja banda sonora – influenciada pela música portuguesa, particularmente pelo fado – recebeu o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim em 2006.

O HKIFF vai assinalar o 20.º aniversário da transferência de Hong Kong do Reino Unido para a China com um programa especial, com entrada livre, intitulado “Mudança de Paradigma: O Cinema de Hong Kong no pós-1997”, que inclui a exibição de 20 filmes considerados representativos do cinema local das últimas duas décadas.

O 10.º aniversário da morte do realizador chinês Edward Yang também não vai passar em branco, estando prevista uma retrospectiva de sete filmes, com a exibição a ser acompanhada pela presença da sua mulher, Kaili Peng, e do seu parceiro criativo de longa data, Hsiao Yeh.

Vários realizadores reputados internacionalmente vão visitar Hong Kong, como Olivier Assayas, vencedor do prémio de melhor realizador no Festival de Cannes do ano passado, que irá apresentar “Personal Shopper”, ou a realizadora polaca Agnieszka Holland, premiada em Berlim com o filme “Spoor”.

Fundado em 1976, o HKIFF é o mais antigo festival de cinema da Ásia.

17 Mar 2017

Rita Wong e Albert Chu, gestores da Cinemateca Paixão: “Queremos trazer cinema de todo o mundo”

A pequena sala de cadeiras coloridas começa finalmente a receber público de forma regular já a partir do dia 30 deste mês. Sob gestão da Associação Audiovisual CUT, a Cinemateca Paixão será também um espaço para aprender mais sobre a história do cinema de Macau, através de uma biblioteca com material reunido pelo Instituto Cultural. Rita Wong, presidente da associação, e Albert Chu, director artístico, falam da intenção de trazer uma pluralidade de experiências relacionadas com o grande ecrã, com workshops e residências para cineastas

[dropcap]A[/dropcap] vossa associação ganhou o concurso público para a gestão da Cinemateca Paixão, por um período de três anos. Por que decidiram participar neste processo?
Albert Chu (A.C.) – A associação já levou a cabo várias projecções de filmes e promoveu várias produções de Macau. Quando soubemos que o Instituto Cultural (IC) iria abrir o concurso público, acabou por ser uma decisão natural para nós, a de que deveríamos ser um dos concorrentes. Era uma hipótese que coincidia com o que vínhamos fazendo até então, e queríamos continuar a fazer esta promoção e a realizar exibições para as pessoas de Macau. Mas a nossa maior preocupação era se conseguiríamos levar a cabo actividades numa base diária e garantir a operacionalização do espaço, porque é algo muito diferente do que realizar algumas actividades por ano. A possibilidade tornou-se mais próxima da realidade e agora já se tornou uma coisa real.

Rita Wong (R.W.) – Antes de aderir a este projecto já trabalhava nesta área, pois estive no Centro Cultural de Macau (CCM) durante dez anos, ligada a projectos de audiovisual. Então a oportunidade de aderir ao projecto foi natural, foi uma boa oportunidade para concentrar todos os esforços na promoção do cinema.

A.C. – Já havia uma parceria com o CCM para fazer o Macau Indies. Já nos conhecíamos bem e era uma boa maneira de trabalharmos em conjunto.

Além da exibição de filmes, que outras actividades pretendem desenvolver na Cinemateca?
R.W. – Queremos estabelecer aqui um centro de exibição de filmes temáticos. O que temos planeado é, além da normal exibição, termos todos os meses temas especiais e eventos relacionados com os filmes, como workshops ou residências para cineastas, ou ainda palestras. Queremos que este seja não só um espaço de mostra de filmes, mas também de partilha e discussão depois da sua exibição. Em Abril vamos arrancar com um workshop sobre critica de cinema, que terá a duração de um ano. Em Maio vamos convidar alguns cineastas de Taiwan para participarem num workshop ligado ao marketing, para analisar o que o mercado necessita. Em Junho vamos ter uma residência de cineastas e vamos convidar realizadores de cinema da região – vamos ter também exibição de filmes e depois uma conversa com o público. É objectivo dessa residência levar filmes para as escolas e realizar workshops com realizadores de Macau, para que haja uma ligação.

A.C. – Estamos mais activos em termos de estratégia. O dito cinema normal apenas depende do mercado, dos últimos lançamentos mas, na Cinemateca, queremos criar diferentes eventos e projectos, com várias temáticas. Temos um plano e queremos promover a cultura do filme.

Que filmes poderão ser exibidos na Cinemateca? O público poderá ver cinema asiático, mas também europeu?
R.W. – Queremos trazer cinema de todo o mundo. A nossa postura vai no sentido de trazer uma diversidade e também filmes que estejam fora do circuito comercial, como filmes independentes ou filmes de arte. Claro que todos os meses vamos ter filmes locais também. Em dois fins-de-semana, por exemplo, teremos películas para mostrar aos residentes e também aos turistas. Em Abril vamos começar a mostrar filmes de Macau realizados nos últimos 20 anos.

Para contar a história de novo.
R.W. – Sim. Em Maio teremos um maior foco nos realizadores de cinema e, em Junho, teremos uma selecção de filmes produzidos por cineastas mulheres. Na verdade vamos trabalhar com diferentes curadores, para termos esse programa diversificado.

Disse-me que a Cinemateca também vai ter uma livraria e um espaço aberto ao público. Macau já teve uma importante indústria de cinema, que se foi perdendo. É importante contar a história, para que se possa recomeçar?
A.C. – Em relação à livraria apenas garantimos a sua operacionalização. Cabe ao IC a cedência dos materiais. Não é algo que está sob o nosso controlo, mas penso que a ideia é reunir todos os livros e informações disponíveis em termos não só da produção de filmes em Macau, mas também de filmes que tenham uma ligação ao território. No entanto, apenas podemos fazer recomendações ao IC. Será um projecto a implementar lentamente no próximo meio ano, mas depois penso que será feito de forma mais rápida. Em relação à exibição de filmes, todos os anos teremos dois temas relacionados com Macau, duas pequenas actividades.

É fundamental fazer esse trabalho de recolha? Era algo que fazia falta ao sector?
A.C. – Esse sempre foi o objectivo e vamos tentar realizar isso.

Estiveram envolvidos no Macau Indies por um longo período de tempo. Tracy Choi foi premiada na primeira edição do Festival Internacional de Cinema. Como descrevem a produção cinematográfica nos dias de hoje? Acreditam que Macau começa agora a desenvolver novos passos, com mais produções?
A.C. – Há muitos realizadores que têm mais conhecimentos para fazer os seus filmes. Têm uma plataforma [com o apoio do CCM] para isso, para filmar e fazer grandes produções. Nos últimos anos vimos várias pequenas produções a nascer. Têm hoje mais oportunidades para participar em diferentes festivais de cinema e para terem acesso a mais lugares para filmar. Tudo isso fará com que Macau, em termos de produção cinematográfica, vá no bom sentido. Tudo depende de quão arduamente o realizador vai trabalhar. De como será trabalhada a sua criatividade. Se é bom o suficiente, se reflecte a realidade de Macau.

R.W. – Cresci praticamente com todos eles que, no início, trabalhavam muito de forma individual, a aprender. A coisa mais extraordinária é que esse processo levou-os a crescer, mas a crescerem juntos, desde as primeiras edições do Macau Indies. Vejo-os agora a fazer filmes de uma forma mais madura, em termos de sonoridade, da escrita de guiões. São ainda pequenas produções, mas estão a seguir um caminho. É a parte mais feliz de tudo isto.

Numa das edições do Macau Indies venceu uma produção que abordava a temática da homossexualidade. Os realizadores locais também estão a começar a abordar outro tipo de temas, há uma maior diversidade de assuntos no cinema local?
A.C. – Deveria haver. Mas muitas vezes depende da sensibilidade de cada realizador. Em poucos anos estarão mais focados num ou outro projecto e os temas começaram a ser mais diversos. Isso é bom.

Pensam mais nos problemas da sociedade?
A.C. – No Macau Stories 3 – City Maze [produção da Associação Audiovisual CUT] houve uma ligação ao suspense, com um certo lado negro. Aí os realizadores começaram a abordar esse género e, no futuro, vamos ter cada vez mais abordagens a outros géneros cinematográficos.

R.W. – O CCM tem uma plataforma onde os realizadores têm toda a liberdade para desenvolver os temas escolhidos. Isso vai acontecer mais em Macau, sendo que vão ter de lidar com a pressão do mercado. Vão ter a liberdade para abordar temas sociais sobre os quais tenham interesse ou preocupação.

De certa forma, há ainda uma experimentação?
R.W. – Sim.

A.C. – Há cinco anos, todos eram realizadores. Mas, agora, se quisermos montar uma equipa, há pessoas para os diferentes cargos [necessários para a rodagem e produção de um filme]. Esse é um grande salto, se compararmos com os últimos cinco anos.

Falaram do mercado. Como é que os locais olham para o cinema local, uma vez que os filmes da China ou da Coreia do Sul são muito populares? É difícil às produções locais obterem o seu espaço?
R.W. – Temos de começar primeiro pelas pequenas produções. Não diria que ainda estejam a experimentar, mas têm de se focar em pequenas produções primeiro. Como contar uma história da melhor forma. Isso é o mais importante.

A.C. – Olhar para as intenções do público é também a nossa missão. Queremos atrair mais locais para que venham aqui. É verdade que o público de Macau terá uma tendência para escolher primeiro os filmes coreanos, chineses e até de Hollywood. Isso é porque pensam que as produções de Macau não são boas o suficiente, ou porque é algo artístico que não compreendem. Mas a nossa Cinemateca é uma boa forma para estarmos mais perto do público, para que possam conhecer que as produções de Macau são próximas das suas vidas mas, ao mesmo tempo, têm padrões profissionais. É uma missão de longo prazo para nós.


Inauguração com direito a filme

Rita Wong e Albert Chu confirmaram ainda na conversa com o HM que o dia da inauguração oficial vai servir para mostrar uma pequena produção que contou com a participação de três cineastas de Macau: Tracy Choi, Choi Koiwang e António Caetano de Faria. O contrato com a Associação Audiovisual CUT arrancou no passado dia 1 de Janeiro e está avaliado em oito milhões de patacas anuais.

15 Mar 2017

Fantasporto, um festival em idade adulta

A insuportável orfandade

GRANDE PRÉMIO MELHOR FILME-FANTASPORTO 2017, 103 minutos, realização e argumento de Mateo Gil , produção de Espanha.

Sinopse: “Marc é diagnosticado com uma doença que lhe dá um ano de vida. Não aceita o seu destino e decide congelar o corpo. Sessenta anos mais tarde, em 2084, torna-se o primeiro ser humano a ser reavivado na história. É então que descobre que o amor da sua vida, Naomi, o acompanhou de forma inesperada”.

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme começa com o renascimento do protagonista. Nascer de novo é reencontrar a memória dos acontecimentos vividos, um encontro novo com o que fomos, com o que somos.

Estruturado por capítulos o filme vive o tempo de forma não cronológica. Sucessivas elipses dão a ver um vai e vem entre o tempo da vida antes da decisão da criogenização e o do momento actual da narrativa.

O empolgante neste filme de realização cuidada, “décores” assépticos de uma realidade tecnológica já sucessivas vezes anunciada e vista em ecrã de cinema, telemóvel e electrodoméstico TV, é o mapear cirúrgico ao território da habitabilidade do hedonista urbano, através da história do protagonista. Marc é um homem urbano, contemporâneo, jovem, belo e rico, figura de sucesso na agência de publicidade onde trabalha.

Realive, interroga e dá resposta ( com a qual se pode ou não concordar – os filmes são democráticos) a uma pergunta filosófica central neste tempo de orfandade colectiva.

Pode um ser suportar a solidão da consciência da sua total orfandade?

Num tempo em que o antigo conforto da aceitação de Deus é, para muitos, impossibilidade, ou apenas desejo sonhado de pertença a uma organização possível para o mistério da metafísica. Reaparecer vivo num tempo futuro onde todos os que conhecemos desaparecerem, e no qual é a memória o que nos distingue, identifica, é acordar num mundo de solidão imensa.

Como em (quase) todo o cinema , há uma história de amor. É trágico este amor, e o crime aqui, como o definir? Foi Godard que disse que para se fazer um filme é preciso uma mulher, um crime e uma pistola, e não necessariamente por esta ordem.

A morte de Marc é anunciada por análises clínicas que identificaram um tumor na laringe, avançam um tempo de vida ao protagonista que não excede um ano. A decisão pelo suicídio assistido, para um regresso à vida num tempo futuro com data incerta, assim que a tecnologia médica o vier a permitir, ainda antes da falência dos órgãos do corpo o que facilitará o regresso à vida, é a opção e decisão do protagonista.

Esta decisão de antecipar a morte e impede a Noemi de viver com a morte anunciada em calendário conhecido esse tempo com Marc.

A estória do amor dos dois tem sido, foi, uma estória de sucessivos falhanços e, decisão de Marc, é sentida por Noemi como totalmente egoísta. Impossibilita em absoluto à realização da redenção, a vivencia da revelação, esse estado de transcendência, esse tempo com sabor a paraíso que é a comunhão dos amantes.

Marc e Noami, são, foram, os amantes comuns deste tempo onde a procura do êxtase transforma quotidianos em montanha russa emocional, nesta incapacidade para a permanência no tempo da construção da pertença, da permanência com e no outro, mesmo quando esse outro é sujeito que se ama.

Esta é a questão central em Realive, não sendo a linha principal do plot do filme, é o que dá unidade textual ao objecto filme.

É Marc quem, através do último grito do gadget de maior sucesso e de uso massificado nesse novo tempo em que renasceu, 2084 (um par de óculos tecnológicos com um acesso directo, profundamente intenso a todo o banco de emoções, memórias, actos, anteriormente vividos) , nos dá a ver e qualifica a relação amorosa que teve com Noami. É descrita a relação no ecrã em sequências de imagem e em “voice over” , como uma continuidade de desencontros, ora por vontade dele, ora por vontade da Noami. Primeiro ao abrigo de leituras sobre as respectivas carreiras profissionais que falam mais alto do que as exigências do compromisso na relação, depois porque quando um quer assumir o amor ao outro como realidade primeira na sua vida não é o tempo certo o fazer, segundo o outro, num vai e vem de do mesmo comboio em diferentes estações, ou linhas trocadas. Uma espécie de quando eu quero não queres tu e quando tu queres agora não estou para aí virado. E, no contínuo do tempo, desta forma, a vida amorosa dos dois amantes foi partilhada com relações mais ou menos canibais das vidas sexuais mutantes das noites e dias da cidade, naquele só estou bem onde não estou que nos cantou Variações.

Neste regresso à vida em 2084, Marc, é também um produto, o mais valioso produto de uma corporação, a valiosa publicidade concreta para a concretização da expectativa dos lucros na casa dos muitos milhões de yuan renminbi ( conhecem a moeda — o interessante no fantástico é sempre a leitura que é feita do real) . É o primeiro homem com total sucesso no processo tecnobiomédico de regresso à vida após a criogenização .

O seu imenso valor comercial é apenas comparável à profunda solidão que sente e vive.

Noami, também ela, decidiu um regresso à vida num tempo futuro, sabe-o agora Marc, neste seu regresso. Mas não fez a criogenização em tempo de fulgor anímico nas células do seu corpo como fez o seu amor Marc. E, nestes casos, o re-viver é tecnologicamente de dificuldade mais elevada e sem certeza de sucesso.

Na sua profunda solidão, Marc exige, como troca para a permissão à sua exibição como produto, o empenhamento total do gigante da industria médica no regresso à vida de Noami. Mesmo com essa promessa em linha, o seu sentimento de orfandade é total, não resiste, são demasiados tempos num tempo dentro de si que não existe. Está só, e não é Deus.

PRÉMIOS

O Júri Internacional da secção de Cinema Fantástico da 37ª edição do FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DO PORTO decidiu atribuir os seguintes Prémios:

GRANDE PRÉMIO MELHOR FILME -FANTASPORTO 2017

Realive – Mateo Gil (Spain)

PRÉMIO ESPECIAL DO JÚRI

Saving Sally – Avid Liongoren (Filipinas)

MELHOR REALIZAÇÃO

Liam Gavin – A Dark Song (Irlanda)

MELHOR ACTOR

Frederick Koehler – The Evil Within (EUA)

MELHOR ACTRIZ

Catherine Walker – A Dark Song (Irlanda)

MELHOR ARGUMENTO

Mateo Gil – Realive (Espanha)

MELHORES EFEITOS ESPECIAIS

Drew Casson – The Darkest Dawn (Reino Unido)

MELHOR CURTA-METRAGEM

Cenizo – Jon Mikel Caballero (Espanha)

MENÇÕES ESPECIAIS

A Repartição do Tempo – Santiago Dellape (Brasil)
Garden Party – Théophile Dufresne, Florian Babikian, Gabriel Grapperon, Lucas Navarro, Vincent Bayoux, Victor Claire (França)

27ª SEMANA DOS REALIZADORES / Prémio Manoel de Oliveira

O Júri Internacional da 27ª Semana dos Novos Realizadores do Fantasporto 2017 decidiu atribuir os seguintes prémios:

PRÉMIO MELHOR FILME SEMANA DOS REALIZADORES 2017

Pamilya Ordinario de Eduardo W. Roy, Jr (Filipinas)

PRÉMIO ESPECIAL DO JÚRI

Sins of the Flesh- Khaled el Agar (Egipto)

MELHOR REALIZADOR

(Kim Jee-Woon – The Age of Shadows (Coreia do Sul)

MELHOR ARGUMENTO

Ivan Szabó , Roland Vranik- The Citizen (Hungria)

MELHOR ACTOR

Park Ji-Il – The Net (Coreia do Sul)

MELHOR ACTRIZ EX AEQUO

Nahed el Sebai – Sins of the Flesh (Egipto)&
Hasmine Kilip- Pamilya Ordinario (Filipinas)

COMPETIÇÃO OFICIAL EXPRESSO DO ORIENTE 2017

MELHOR FILME

The Net – Kim Ki -Duk (Coreia do Sul)

PRÉMIO ESPECIAL

Dearest Sister- Mattie Do (Laos)

MENÇÃO HONROSA

Saving Sally – Avid Liongoren (Filipinas/França)

PRÉMIO CINEMA PORTUGUÊS

MELHOR FILME PORTUGUÊS 2017

Um Refúgio Azul- João Lourenço

MELHOR ESCOLA DE CINEMA PORTUGUESA 2017

Politécnico do Porto

Menção Especial do Júri para filme de Escola (Criatividade)

Schlboski – Tomás Andrade e Sousa – ETIC

PRÉMIOS NÃO OFICIAIS

PRÉMIO DA CRÍTICA

Caught – Jamie Patterson (RU)
Division 19 – Susie Halewood (RU)

PRÉMIO DO PÚBLICO

Saving Sally – Avid Liongoren (França/ Filipinas)

PRÉMIO ESPECIAL FANTASPORTO

Catarina Machado – Pintora – pela sua contribuição para o Festival
Rede TV GLOBO – (Brasil)

PRÉMIOS DE CARREIRA 2017

Ate De Jong – realizador (Holanda)
Glória Perez – argumentista, vencedora de Emmy

10 Mar 2017

Clara Law e Eddie Fong, realizadores de cinema: “Sou uma nómada no mundo”

Clara Law e Eddie Fong são um casal que vive para o cinema. Ela nasceu em Macau e cedo foi para Hong Kong, onde conheceu o colega e companheiro. Actualmente, vivem na Austrália. Regressaram ao território para filmar o projecto que têm em mãos e como convidados do Rota das Letras. Ao HM, falaram das origens, do cinema e de como se cruzam nos filmes que fazem

[dropcap]N[/dropcap]asceu em Macau, mas não tem recordações do território.
C.L. – Saí de Macau aos dez anos. Não tenho memórias. A minha família era muito tradicional e eu não estava autorizada a sair de casa ou a andar nas ruas. A minha memória é a ida para a escola e o regresso a casa. Ocasionalmente, a minha mãe levava-me aos gelados e ao cinema ver filmes do John Wayne. Passava também muito tempo com a minha avó a ver filmes em cantonês.

Como é que o cinema apareceu?
C.L. – Formei-me em Literatura Inglesa na Universidade de Hong Kong. Depois do curso comecei a procurar trabalho e não me estava a ver num emprego das nove às cinco. Em dois meses devo ter passado por uns sete trabalhos. Depois falaram-me da Radio Television Hong Kong (RTHK) e que me podia candidatar para dar assistência na realização. Aproveitei a oportunidade e entrei. Assim que comecei a trabalhar, descobri o que realmente gostava. Foi uma paixão. A partir daí quis ir para uma escola de cinema. Queria fazer coisas escolhidas por mim e não vindas de outras pessoas. Fui então para a London Film Academy. Regressei a Hong Kong e conheci o Eddie Fong, que já tinha realizado dois filmes e escrevia guiões. Eu tinha uma ideia, mas não tinha dinheiro. Contactei-o e perguntei se podíamos fazer um filme, mesmo assim, e ele aceitou.

Desde o início da carreira, com “Autum Moon” e “Floating Life”, a questão da emigração e das origens está muito vincada. É de alguma forma uma questão pessoal?
C.L. – O nosso passado transforma-nos no que somos. Nasci em Macau e venho de uma família chinesa. Vivi aqui pouco tempo, mudei-me para Hong Kong e estudei em Inglaterra. É muito difícil dizer onde é a minha casa. O sentimento é o de não saber realmente de onde venho. Cresci com uma educação ocidental e chinesa. Na escola falava inglês e em casa era tudo muito tradicional. Há esta divisão cultural dentro de mim, fez parte do meu crescimento e fez com que não soubesse claramente onde estavam as minhas raízes. Este flutuar interno sem saber onde se está fez com que, mais tarde, fosse à procura da minha veia chinesa. Sou uma nómada no mundo. Não estou nem aqui nem ali.

E.F. – Quando vivemos em Hong Kong sentimos que não pertencemos àquele lugar. É um lugar sem história porque a história está toda na China Continental. O que aprendemos acerca do passado chinês não permite que compreendamos, de um ponto de vista existencial, de onde fazemos parte. Não há nada que possamos ver, tocar ou sentir como parte de um passado. É muito abstracto. Sou chinês, mas sou de Hong Kong, logo não sei bem quem sou. É estranho. Quando começámos a trabalhar no nosso primeiro projecto, estávamos no início da onda de emigração. O nosso primeiro filme era sobre um casal, em que um era ocidental e o outro oriental. Partilhavam a vida e o choque cultural era notório. Esta convivência era muito natural no dia-a-dia mas ninguém falava nisso, pelo menos no cinema. Há um termo especifico para estas pessoas, que na altura designava os académicos que iam para Hong Kong dar aulas e deixavam a esposa e filhos no país de origem: eram os “astronautas”. É um jogo de palavras na língua chinesa que remete para 太空人 – ‘taikongren’, em que ‘tai’ significa mulher, ‘kong’ vazio e ‘ren’ pessoa. A ironia é que, com a distância, as mulheres que ficavam no país de origem acabavam por se envolver com outras pessoas e os “astronautas” ficam sozinhos. Hoje em dia os tempos são outros. Já não há muitos “astronautas” em Hong Kong.

Clara Law

C.L. – Estamos na segunda vaga da diáspora. Há muitos jovens que começam a sentir que Hong Kong tem mudado muito e não é mais um lugar seguro para se viver. As terras e casas estão com valores que não são suportáveis para poderem ter as suas e construírem uma família. Sentem que têm de ir embora. É um tema sempre actual.

Como é que mantêm o contacto com as vossas origens?
C.L. – Tive uma fase, em Inglaterra, em que senti necessidade de ir à procura das minhas raízes de forma mais profunda. Comecei a estudar filosofia chinesa. No regresso a Hong Kong continuei a estudar e li muito, nomeadamente do pensamento que fundamenta a cultura chinesa: confucionismo, taoismo e budismo. Foi um processo para me levar a mim também. Por outro lado, já tinha coisas que identificava como vindas da minha família tradicional chinesa. Hábitos e rituais que aprendemos por os experienciar como o cuidado dos pais quando envelhecem, mas precisava de encontrar o processo de pensamento e foi o que fiz.

E.F. – Temos de fazer a viagem de regresso às origens e estas estão na história do pensamento chinês que, julgo, tem estado perdido nos últimos anos. O processo de afastamento começou com o último império. Com a continuação da história foi sempre a piorar. Basicamente, estamos a perder as nossas tradições de pensamento há perto de 700 anos. Por exemplo, em Hong Kong, ninguém fala sobre isso ou, se fala, não o fazem da melhor maneira porque não sabem. São poucos os que ainda tentam aprender as bases de uma forma real e investigam de uma forma aprofundada o que é que pode realmente significar a cultura chinesa. Este é um assunto que, na actualidade, deveria significar muito para o mundo em geral.

Ainda no âmbito da emigração e com olho nos processos de exílio e acolhimento de refugiados, fizeram “Letters to Ali”.
C.L. – “Letters to Ali” foi feito em 2004 e é totalmente um documentário ou, para ser mais exacta, um ensaio para um documentário. O filme aconteceu porque sentimos que havia alguma coisa na Austrália que estava muito mal depois de sabermos pelas notícias da história de Ali, um menino afegão à procura de exílio. 

A situação dos refugiados também é um assunto do momento. Como é que encaram a questão?
C.L. – Hoje em dia é uma questão mais complexa do que quando fizemos o filme. Na altura era mais clara. As pessoas que procuravam exílio não eram tratadas como humanos, mas sim como coisas que não deveriam existir. Penso que, actualmente, os refugiados não são políticos, mas essencialmente económicos. É também mais difícil definir o próprio termo. Por outro lado, o movimento de refugiados atingiu um número tão grande que as necessidades, além da aceitação do outro, passam por uma aceitação real da sua cultura e capacidade para a convivência. Não se pode acolher pessoas e depois não se saber como lidar com elas e com a sua cultura. A aceitação de refugiados deve ser acompanhada de uma estrutura de apoio e isso, penso, não está a acontecer da melhor maneira. Se aceitam pessoas e depois não sabem como as ajudar a reconstruir as suas vidas, os problemas aparecem e haverá sempre políticos a tomar partido da situação e prontos a lançar um apelo ao medo.

E.F. – O problema dos refugiados é apenas um sintoma. É como se olhássemos para um todo em que esta questão é apenas um sinal. Como na medicina chinesa, não é possível lidar apenas com o sintoma, é necessário tratar da sua origem. Penso que é claro que na raiz está o cada vez maior abismo entre riqueza e pobreza. Ninguém quer deixar o país de origem e as suas raízes mas, quando as pessoas não têm como comer e estão em guerra, são forçadas a procurar um espaço onde possam sobreviver. Ouvimos tantas histórias de pessoas que só querem regressar a casa dadas as dificuldades culturais.

Como é que apareceu a ida para a Austrália?
C.L. – A minha família tinha emigrado para lá e, numa visita, decidimos ficar. Naquela altura, os nossos filmes “Autumn Moon” e “Tentation of the Monk” tinham participado num festival na Austrália e tiveram críticas muito boas. Acabámos por ter produtores a procurarem-nos e a querem trabalhar connosco. Tínhamos uma história que queríamos fazer, seleccionámos uma produtora e fizemos o filme. Foi tudo muito natural. A Austrália, de uma forma geral, é um país simpático e, em Melbourne, conseguimos sentir um certo sentido de comunidade. Se falarmos de multiculturalismo, penso que é um sítio em que se pode vivê-lo realmente.

E.F – Em Hong Kong, a indústria cinematográfica estava a apoiar essencialmente filmes mainstream e não era o que queríamos fazer. Andamos sempre numa espécie de margem. Tentamos ter algumas ideias mais comerciais porque queremos vender os filmes mas, ao mesmo tempo, queremos dizer alguma coisa com o nosso trabalho.

Este regresso a Macau para filmar e participar no festival literário é também o primeiro após a partida. Um filme no território onde nasceu marca um regresso às origens?
C.L. – Sim. O filme acaba por falar de alguém à procura das origens. Tive de voltar para procurar a minha infância em Macau. O engraçado foi mesmo a quantidade de memórias que vieram ao de cima. Por exemplo, fomos a um restaurante português e deram-nos pão com manteiga. O sabor daquela manteiga, um produto que geralmente não gosto, soube-me a infância. A casa onde vivia já não existe, mas tem feito parte dos meus sonhos e já consigo visualizar a rua.

É uma mulher de sucesso no cinema. Acha que é uma área ainda feita essencialmente por homens ou considera que a tendência está a mudar?
C.L. – Nunca pensei sequer que, por ser mulher, seria privada de fazer o que quer que fosse. Sempre achei que faria o que queria e que ninguém me poderia parar. Na estação de televisão não sabia como fazer as luzes, então ia estudar o que sentia que me fazia falta saber. Com o conhecimento vem a confiança e nada nos pode parar. Já sei fazer tudo o que é necessário para filmes.

E.F. – Por termos vivido tanto em Hong Kong, mais uma vez enquanto lugar particular, não sentimos muito as questões de género. Quando nos mudámos para a Austrália sentimos mais a diferença de tratamento. Por exemplo, quando íamos ao banco, o funcionário olhava sempre para mim e eu nem entendia, porque não olhava para a Clara. Notava-se claramente que era suposto ser o homem a tomar as decisões. Estranhámos muito isso.

9 Mar 2017

Os 37 anos de Fantasporto

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá a terminar o FANTAS’2017 que nesta edição anunciou como linha de programação O CINEMA DOS NOSSOS TEMPOS.

À cidade do Porto chegaram filmes do Laos, Albânia, Egipto, Israel, Argentina, Brasil, EUA, entre outros países e cinematografias.

Assume-se como Festival de cinema generalista com especial atenção ao cinema de género. Dá cobertura à grande extensão de filmes produzidos na área do Fantástico.

Não deixa de ser um forte sinal do momento que o mundo vive, a ligação forte ao real em muitos dos filmes programados nesta 37ª edição.

O Fantasporto é um dos mais importantes festivais de cinema Fantástico no mundo, género que dá cobertura a filmes com modelos de produção e estratégias narrativas diversas que vai da ficção científica, à comédia, terror, a filmes “zombies”, ao “gore”, entre outras tipificações e, como sempre, nesta relação própria do cinema consigo mesmo, aos filmes híbridos em que os subtemas do género se misturam, recriam, apoderando-se de códigos que aparentemente lhe eram exteriores.

Antes de, em forma próxima de breves notas de diário traçar um retrato a esta edição, sem pretensão de objectividade de jornalista científico, a fazer no próximo artigo, segue um texto onde, por voz própria, a comunicação do Festival nos conta como em 1981 esta aventura que se chama Fantasporto começou.

Como nasceu o Fantasporto?

À mesa do café Luso, na praça Carlos Alberto, a cinquenta metros do que foi durante muitos a catedral do cinema no Porto, o cinema Carlos Alberto, na altura com o nome pomposo de Auditório Nacional Carlos Alberto. Na mesa estavam a Beatriz Pacheco Pereira, o Mário Dorminsky, e o pintor José Manuel Pereira. Os primeiros queriam mostrar filmes, o último, prematuramente falecido, queria expor a sua pintura. Dois anos depois junta-se à equipa o António Reis.

O primeiro apoio financeiro foi do Instituto Português do Cinema, hoje ICA, no montante de 15 contos.

Das “majors” ao cinema independente? Ou o sentido foi inverso?

Desde o início o Fantasporto mostrou as maiores produções europeias, filmes norte americanos de “majors”.  Em 1981, apresentou a primeira longa metragem de animação chinesa.

Sem rejeitar filmes de baixos orçamentos, produção independente ou experimental, o Fantasporto é desde o inicio uma montra de técnicas de vanguarda. Muitos dos filmes apresentados são Óscares, Goyas, Césars, Baftas.

Para além da programação directa junto das “majors”, o Fantasporto tem uma colaboração privilegiada com produtores e distribuidores portugueses.

Porquê o género Fantástico?

Na altura, em 1981, o género era quase desconhecido. O festival nunca foi apresentado como exclusivamente fantástico.

O “Blade Runner”, só foi produzido em 1982, um ano depois da primeira edição do Fantasporto, onde teve  ante estreia europeia.

A recessão económica impunha, então,  uma fuga à realidade. O pós-25 de Abril permitia a abertura do cinema do resto do mundo a Portugal, já não tínhamos a censura.

Tínhamos a ideia de que havia um enorme potencial do imaginário a explorar, desde Murnau aos clássicos do neo-romantismo francês. Havia ainda o Maravilhoso na literatura, na pintura, nos filmes de todos os tempos. Os cruzamentos com outras artes começaram também logo na primeira edição do festival

Georges Méliès e todos os realizadores do passado, e em todos os países, tinham favorecido a imaginação através da fantasia. Nem Akira Kurosawa nem Manoel de Oliveira ( “O Estranho Caso de Angélica”) escaparam à moda.

Hoje as grandes produções  mundiais ainda favorecem o género: “ O Senhor dos Anéis”, “Matrix”,  “ Avatar”, “Harry Poter” , etc, são a prova que todos conhecem.

Festival generalista agora, porquê?

Porque, depois do surto dos anos 80, o cinema Fantástico sofreu uma crise qualitativa, e havia que manter o nível da programação. O festival alargou os seus horizontes para todas as temáticas, no que foi seguido pela maioria de festivais do fantástico na época. Foi criada a Semana dos Realizadores, inicialmente só para os primeiros e segundos filmes.

Pedro Almodôvar foi visto pela primeira vez em Portugal com o seu filme “Matador”. Em 2002, perante a crescente importância do cinema oriental, surgiu a Secção Oficial Orient Express.

Hoje, muitas dos filmes vistos nas retrospectivas são inéditos em Portugal, e resultam de uma programação organizada em colaboração com os Ministérios da Cultura e Institutos do Cinema dos países envolvidos.

A promoção de um evento cultural

O Fantasporto é uma referência no mercado do Filme no Festival de Cannes, com um stand próprio onde divulga o festival e o país. Esta acção no maior festival de cinema e mercado do mundo, inclui uma intensa campanha nas revistas ; “Variety, ( que inclui o Fantasporto na lista dos 25 melhores festivais do mundo e envia correspondente), é apenas um exemplo, televisões, distribuidores , etc.

O festival tem das maiores coberturas mediáticas de eventos nacionais.

Uma comédia antes de adormecer

A noite de ontem terminou com a projecção no grande auditório do filme  Night of Living Deb

Uma comédia romântica e um “apocalipse de Zombies”, parece ser uma mistura com sucesso improvável, se a isto se misturar uma leve crítica de costumes e denúncias ambientalistas, ainda o parecerá mais.  Mas é isso que acontece neste filme de 2015, produção dos EUA, realizado e escrito por Kyle Rankin.

A actriz Maria Thayer, tem aqui uma interpretação divertida, fresca, capaz de levar ao riso o mais sorumbático dos espectadores.

O filme dura 85 minutos. Na verdade os zombies são uma figuração com dimensão de epidemia, todo o interesse do filme resulta da interpretação da actriz e do actor com quem contracena, este a protagonizar o cliché do “bonzão” e, no caso, filho de família de elite ambientalmente contestatário. O pai é um poderoso homem de negócios, controla a água da cidade, convive com as altas esferas do poder político executivo. Tudo é caricatura, um jogo descarado e frontal que procura a cumplicidade do espectador num humor vários furos acima do usualmente praticado no cinema que se assume, sem complexos, como entretenimento e complemento à venda de pipocas. É isso que torna o filme interessante e eficaz, capaz da surpresa do riso.

7 Mar 2017

37.º Festival Internacional de Cinema do Porto | “O ruído não mata mas o medo sim”

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ia 1 de Março, 16h30, o ecrã do grande auditório Manuel de Oliveira no Teatro do Rivoli abriu-se para o formato 2:39.1. A projecção de “Comboio de Sal e Açúcar”, filme de Licínio de Azevedo, com argumento a partir do livro com o mesmo nome que o mesmo autor escreveu, começa. É uma viagem iniciática e transformadora de 93 minutos, onde a contenção e a exuberância do continente África são expressão da voz humana sitiada em corpos e almas em guerra com as trevas e as visões de luz.

Em 1988, a independência de Moçambique, a afirmação do direito de soberania e consequente anulação do estatuto de território colonizado pelo império português desde o séc. XV, tinha 13 anos. No entanto, o mundo da geopolítica, dividido entre livre e marxista, mantinha em África uma guerra pelo poder. É em Novembro de 1989, com a queda do muro de Berlim, que se precipita o fim de uma visão do mundo divido em dois blocos ideológicos e políticos.

Em 1988, em Moçambique, a guerra colonial continuava, eram outras as potências mandatárias, é sabido, e o nome dado à guerra outro.

Moçambique está em plena guerra civil. A viagem no comboio puxada pela locomotiva D 67, que liga Nampula ao Malawi, é uma oportunidade de comércio para as mulheres com a sabedoria da exigência da sobrevivência num mundo de terror e delinquência com força normativa. Trocam sal por açúcar e garantem desta forma a subsistência das famílias. Uma viagem a 5km/h numa linha sabotada, que expõe e torna vulnerável todos aqueles que a fazem, uma viagem em que se confronta a esperança e o pesadelo da guerra.

Lorenzo Esposito, programador do Festival de Locarno, festival em que o filme esteve seleccionado, escreveu: “Um relógio que já não marca o tempo. A câmara mergulha no cais de uma estação perdida. Um grande grupo de pessoas, maioritariamente mulheres e crianças, ali se sentam em silêncio à espera. (…) trabalhadores, observados de longe por um grande contingente militar trabalham para fortalecer o comboio que parte. (…) um Western africano. Estamos a bordo de um comboio de amor e guerra, em direcção ao Inferno ou ao Céu, onde as mulheres têm que se defender da raiva dos soldados, apesar de algumas se apaixonarem por eles e darem à luz os seus filhos (…) o caminho é longo e perigoso, mais de 700 quilómetros que tresandam a sangue e a morte, interrompidos por sabotagens contínuas: assaltos por milícias ao serviço de senhores da guerra e ataques suicidas por tropas sem nome. (…) Os picos de violência, as mortes mais dolorosas e até os duelos pareciam ansiar fugir para fora do ecrã. São restringidos, não por serem anti-espectaculares, mas para contar a história da dignidade melancólica de um povo roubado dos seus sonhos e esperanças.”

Sim, Western africano, tal como “Apocalypse Now” (Coppola, 1979) é um a Western no Vietname, ainda que aqui sejam bem menos os planos americanos (o plano western por definição), embora sejam claramente assumidos no momento do combate final entre o herói, o tenente Taiar, que mais que a guerra sonha a paz, a agronomia e a tranquilidade de uma vida normal em família como modo de vida, e o bandido, o Alferes Salomão, que tornou a guerra sem lei a marca do seu carácter.

É Licínio de Azevedo quem diz sobre estes dois personagens que “o Taiar é um tenente com mentalidade moderna, científica, que estudou numa academia militar na Ucrânia, ex-União Soviética, e que tem um pensamento diferente por ser jovem e ter recebido formação fora do país. O seu antagonista é o alferes Salomão, que ganhou a sua patente na guerra. É um grande combatente, mas tem um visão mais fechada. Sente-se dono do mundo, dono das mulheres, do comboio.”

Licínio Azevedo, cineasta formado pelo Instituto Nacional de Cinema de Moçambique, nos anos que se seguiram à independência, teve como professores Jean Rouch, Godart, Ruy Guerra, é mestre nesta sua assinatura cinematográfica, capaz de uma contenção, de um fechamento dum comboio que se move enclausurado num carril a céu aberto, num jogo permanente de tensão entre a escuridão e o desejo da luz. E não é fácil resistir à grandiosidade da expansão territorial do continente africano, mas Licínio Azevedo consegue permanecer perto das almas dos homens e mulheres, sem que o fora de campo deixe de estar presente no ecrã, não estando. Por vezes, quando a respiração da narrativa o permite, temos um plano geral da exuberância do território africano mas, quase sempre, num trabalho de grande assertividade, são personagens construídos com uma sabedoria de fino recorte, que a câmara nos dá a ver e sentir.

Ainda sobre o universo do personagens, diz-nos o cineasta: “Neste filme há três grupos de personagens: os militares que protegem e controlam o comboio, entre os quais há os bons e os maus; os trabalhadores dos caminhos-de-ferro que permitem que o comboio siga o seu caminho e que são a intelligentsia; e os civis, sobretudo mulheres, que viajam e que representam a luta humana mais básica: a sobrevivência. É como um microcosmos onde coexistem muçulmanos, cristãos e animistas, numa atmosfera de traições, ataques e morte, mas também de esperança renovada. ‘Quando o sol nasce todas as esperanças se renovam’, já dizia o meu velho Hemingway. E assim se vai mantendo o equilíbrio, porque dentro do comboio todos os passageiros arriscam as vidas. Durante a guerra temos tendência a diferenciar os bons e os maus, mas isso nem sempre é fácil. Aqueles que atacam o comboio são terríveis mas, por vezes, aqueles que o deveriam proteger são piores.”

Há personagens outros, bem desenhados, magistrais, o Caravela, uma espécie de assistente de maquinista, padre e febril nas suas preces religiosas, ou comandante, carismático, animista, líder incontestado.

O filme, uma co-produção entre Portugal, Moçambique, França e Brasil, chega ao Fantasporto após selecção em Locarno e um prémio no Egipto. Veremos o que o 37.º Festival Internacional de Cinema do Porto lhe pode oferecer.

5 Mar 2017

Tempos difíceis. Ai o cinema, ai o cinema

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]ard Times, For These Times, é o título da obra literária do Charles Dickens e do terceiro filme do João Botelho (1988), 90 minutos, com um preto e branco nativo (na rodagem) notável, filmado em 35 mm por Elso Roque, direcção de arte de Jasmim de Matos, um talento que infelizmente já não partilha connosco nem as esperanças nem o sofrimento do quotidiano vivido.

Mas este título e esta crónica, não é sobre esta obra cinematográfica, é sobre os continuados TEMPOS DIFÍCIEIS do cinema Português.

O anunciado novo enquadramento legislativo, em lugar de ser um tempo de reflexão crítica por parte dos seus principais actores, os que o fazem, e os que o distribuem em sala, sobre qual cinema serve Portugal, e qual a legitimidade e a eficácia na decisão dos apoios públicos ao cinema, tem sido um tempo de vigor nas explosões intestinas, na defesa dos interesses já conhecidos e em vigor nestas últimas três a quatro décadas, ou seja, desde os anos 80 do século vinte.

Nas redes sociais, em artigos de imprensa, em cartas abertas postas a circular em festivais internacionais de cinema, a pressão das facções dos “donos” do direito a fazer cinema com fundos públicos em Portugal, manifesta-se de forma mais corporativa e fratricida, do que na verdade empenhada em posicionamentos estéticos ou teóricos sobre um pensamento sistematizado sobre o cinema neste tempo concreto da hipermodernidade que vivemos.

Em resumo, temos assistido ao território da criação cinematográfica radicado em duas igrejas. Ambas falam em nome da relação do cinema com o público, ou melhor com os públicos. O deus verdadeiro está em cada uma, segundo os próprios funcionários, ou crentes, da instituição respectiva. Uma igreja segue mais de perto a teologia do marketing, essa grande ciência que sabe mais das nossas vontades e necessidades do que nós mesmos, e a outra, sente-se dona, legitima e única continuadora da chamada política de autor – movimento do cinema europeu iniciado com a geração dos “Cahiers du cinema”, Bazin, Godard, etc, afirmando recusar-se a tratar os públicos como imbecis.

Mas, a razão de fundo da querela é outra, é que, para filmar em Portugal com o mínimo de condições necessárias para cumprir as obrigações com as equipas técnicas e artísticas; os custos de desenvolvimento, preparação, produção, pós-produção e de comunicação de um filme com possibilidade de existir nos circuitos de exibição nacional e internacional, salvo casos esporádicos e nessa condição únicos, é necessário ter os apoios financeiros que resultam das políticas culturais públicas e, como os montantes são sempre escassos, o eixo do mal instala-se, e em cada igreja, instala-se a verdade com exclusão do que lhe esteja fora. Conviria, parece-me, traçar de forma breve o “estado da arte”, com o enfoque no cinema e na sua contaminação no banal quotidiano.

O cinema é matéria de múltiplos territórios, é transdisciplinar, é arte e indústria, contamina comportamentos, atitudes, artes, num duplo movimento de apropriação e recriação do apropriado.

É o mais poderoso construtor do “phatos” (palavra grega que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento, sentimento, ligação afectiva), utilizando a terminologia do cineasta Eisenstein (1898-1948), neste tempo da irrupção de milhões de subjectividades, de comunidades afectivas territorialmente difusas. O cinema afirma-se enquanto olhar singular do homem sobre si e sobre o mundo.

Capaz de transportar o espectador para a tela, o cinema é produtor de modelos e da reflexão crítica aos modelos que cria, é construtor de sombras e de luz, inventor de presentes, passados e futuros possíveis, afirma a radical dimensão da construção simbólica como alicerce e pilar para toda a tentativa hermenêutica do humano olhar sobre o mundo.

Presente na forma e no desejo do habitar dos quotidianos pelas populações urbanas indiferentemente das geografias e modos de vida, sejam mais ou menos conservadoras, liberais, alternativas, dissidentes, feministas, pós-feministas ou pós-revolucionárias, o cinema está presente e, essa presença, sustenta e enforma olhares e subjectividades, visões do eu e do outro.

O cinema é uma poderosa força construtora de mundos e do mundo.

É neste contexto que se tem de pensar a política de fundos públicos de apoio ao sector. O momento de um novo enquadramento legislativo é talvez o melhor dos tempos para, por exemplo, pensar a articulação entre fundos públicos para o cinema e política externa de Portugal. O cinema e os objectivos e necessidades estratégicas de Portugal no curto, médio e longo prazo.

A questão é, ou pelo menos a mim parece-me que deveria ser:

Que cinema serve Portugal?

Qual a legitimidade e a eficácia na decisão dos apoios públicos ao cinema?

Pode um sistema de júris exteriores à administração pública cumprir com eficácia o entendimento das políticas públicas para o cinema? Se sim, de que forma?

Apesar da chamada participação dos actores em campo, não se encontra facilmente qual seja a não legitimidade a que seja o ICA que assuma e garanta as decisões de financiamento com base no cumprimento das linhas programáticas de curto e médio prazo definidas em sede própria – o governo eleito.

A constantemente transparência enquanto valor, o chamado não dirigismo do gosto pelo poder político, com a solução dos júris vindos e representantes dos diversos sectores da actividade cinematográfica, é, ou pode ser, um pensamento bondoso, mas nada garante que seja mais do que isso

A obrigatoriedade de pensar o cinema numa visão integrada e alargada tanto às questões da comunicação de Portugal no mundo contemporâneo, como à oferta cultural em território nacional, como à diversidade estética própria da cinematografia contemporânea, não me parece que fique necessariamente melhor entregue fora do que dentro do organismo que depende da tutela do Ministério da Cultura.

Em registo de conclusão.

A velha discussão Bragança – Paris, apoia-se na irrelevante, estafada e sem fundamentação teórica credível, oposição entre cinema arte e cinema indústria, paradoxalmente, continua a legitimar o discurso e pensamento sobre o cinema que se faz e que importa fazer.

O cinema, “ o diálogo do mundo contemporâneo”, como afirmou Elia Kazan, é arte e indústria, tem a razão da sua paixão nos públicos numa ancestralidade muito anterior a si, a necessidade de narrativas que acompanha a história do homem no mundo. A discussão arte cinematográfica versus indústria é bacoca, ignorante e enganosa. O que existe são diferentes modelos de produção, e todas as possibilidade de filme conhecidas ou a conhecer. A questão dos fundos públicos, das políticas públicas para o cinema português é central e vai continuar a ser, mas nenhuma igreja tem legitimidade acrescida.

27 Fev 2017

Prémio | Filme sobre Mio Pang Fei distinguido em Lisboa

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme “Mio Pang Fei”, do realizador português Pedro Cadeira, conquistou a Lebre de Prata do Festival Internacional Filmes sobre Arte Portugal, que encerrou no domingo à noite, em Lisboa, anunciou ontem a organização.

Contactada pela Agência Lusa, a directora do festival, Rajele Jain, indicou que a Lebre de Ouro, o prémio mais importante do certame, foi entregue ao filme “Retrato de um anti-poeta” (2009), do realizador chileno Víctor Jiménez Atkin.

“Abraham Cruzvillegas: Autoconstrucción” (2016), dos realizadores norte-americanos Susan Sollins e Ian Foster, recebeu a Lebre de Ferro e foram ainda entregues menções honrosas aos filmes “Pontas Soltas” (2016), de Ricardo Oliveira, e a “When water turns into drops”(2015), da holandesa Jeannice Adriaansens.

O filme “Mio Pang Fei”, do cineasta português Pedro Cadeira, sobre um dos mais conceituados artistas chineses, censurado pela Revolução Cultural Chinesa, que se refugiou em Macau, foi realizado em 2014.

O Festival Internacional Filmes sobre Arte Portugal decorreu entre a passada quinta-feira e domingo, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, exibindo 18 filmes, dos quais cinco portugueses, com estreia mundial ou nacional da totalidade das obras internacionais em concurso.

Nesta nona edição voltaram a estar em foco filmes que abordam temas artísticos em diferentes disciplinas, desde as artes visuais, fotografia, teatro, literatura, música, entre outras.

Desde o lançamento, em 2008, o festival apresentou cerca de 240 filmes, introduzindo o universo e práticas artísticas de mais de 350 criadores, músicos, bailarinos, realizadores e escritores, segundo um balanço da actividade elaborado pela organização.

Criado pela artista e programadora Rajele Jain, o Festival Internacional Filmes sobre Arte Portugal teve inicialmente o apoio do Festival Temps D’Images e, desde 2015, é produzido de forma independente pela Associação Cultural Vipulamati: Ample Intelligence.

O FILME

21 Fev 2017

“Os Resistentes – Retratos de Macau” #5

“Os Resistentes – Retratos de Macau” de António Caetano Faria • Locanda Films • 2014


Realizador e Editor: António Caetano Faria
Produtores: Tracy Choy e Eliz L. Ilum
Câmara e Cor: Gonçalo Ferreira
Som: Bruno Oliveira
Assistente de Câmara: Nuno Cortez-Pinto
Editor Assistente: Hélder Alhada Ricardo
Sonorização e Mistura de Som: Ellison Keong
Música: Orquestra Chinesa de Macau – “Capricho Macau” de Li Binyang
27 Jan 2017

Licínio de Azevedo, realizador | Uma vida a contar estórias

Licínio de Azevedo, nome maior do cinema moçambicano, fez uma transição suave do jornalismo para o cinema. Os seus filmes contam estórias de dor e profundo humanismo, e estão em exibição, até quinta-feira, na Fundação Rui Cunha, num ciclo organizado pela Associação dos Amigos de Moçambique

[dropcap]C[/dropcap]omo é que passou do jornalismo para o cinema?
Foi bastante natural. No Brasil, fazia um tipo de jornalismo diferente, baseado no novo jornalismo norte-americano, muito influenciado por John Reed, que escreveu “Os Dois Dias que Abalaram o Mundo”, “México Rebelde”, e o próprio Garcia Marquez que, antes de ser escritor, trabalhou na Venezuela como jornalista. Os textos dele já eram contos, eram estórias, não era aquele jornalismo objectivo. Procurava fazer algo assim, contar uma estória. Viajava muito pela América Latina, publicava na imprensa independente da época, nos jornais de oposição ao Governo militar. Fiz reportagens sobre os mineiros na Bolívia e coisas assim, mas sempre com uma estória, com personagens e tudo isso. Entrei pelo cinema através da escrita, com essa ligação do jornalismo com a literatura, e nem me interessava em fazer cinema, o que queria mesmo era escrever. Depois, em 1976, estive na Guiné Bissau e recolhi muitas estórias sobre a guerra da independência. Fiz entrevistas a combatentes, a camponeses, e publiquei um livro no Brasil com esse estilo, baseado nas entrevistas, mas mais literário. Entretanto, o Ruy Guerra, um cineasta brasileiro famoso, convidou-me para ir para Moçambique em 1977 para ajudar à criação do Instituto Nacional de Cinema. Era a primeira instituição cultural criada pelo Governo pós-independência. Eles apostavam muito na força da imagem para a criação da unidade, porque o povo falava várias línguas e tinha um nível de analfabetismo muito grande. O cinema era um instrumento de comunicação mais forte que a escrita.

Como foi a sua chegada a Moçambique?
Fui directo para as antigas zonas libertadas do norte do país e fiquei alguns meses recolhendo estórias que foram publicadas, inicialmente, em formato de livro. “Relatos do Povo Armado” são dois volumes com 30 e tal estórias que serviram de base para a primeira longa-metragem de ficção moçambicana, “O Tempo dos Leopardos”. O filme foi realizado por um jugoslavo porque, na época, não havia cineastas moçambicanos. Em Moçambique os documentários eram muito formais, filmávamos e eu escrevia os guiões e as partes de voz off. Só uns dez anos depois é que comecei a realizar, já em meados dos anos 80, mantendo ainda alguma ligação com o jornalismo. De vez em quando ainda enviava alguma reportagem mas, aos poucos, comecei a fazer cinema e achei que valia a pena.

Como entra na ficção?
Comecei a fazer pequenas experiências em vídeo, com narrativas diferentes em curtas-metragens. O primeiro filme grande que fiz, uma produção independente, foi uma ficção, “A Colheita do Diabo”. Depois disso, o meu lado de jornalista ganhou preponderância novamente e passei muitos anos a fazer só documentários, sempre com uma linguagem pouco tradicional. Fazia a pesquisa e um guião usando os elementos narrativos da ficção.

O que aprendeu com o contacto que teve com Jean-Luc Godard?
Tínhamos grandes discussões teóricas sobre linguagem, assim como algumas regras básicas de cinema. Ele dizia que o cinema era contabilidade, que o grande exercício seria filmar um minutos e montar três, aquelas maluquices do Godard. São coisas que nos ficam na cabeça. Além disso, foi a primeira pessoa que chegou a Moçambique com uma câmara de vídeo quando, na época, a grande opção era a 16mm, enquanto as produções maiores eram 35mm. Foi através do Godard que se introduziu o vídeo em Moçambique e, graças a ele, nunca fiz um filme em película e ainda bem. Mas ele nunca filmou em Moçambique, assim como o Ruy Guerra, tinham projectos grandes, mas o problema dos cineastas é que são muito individualistas. Como já eram estrelas, entraram em confronto com a instituição revolucionária que tinha uma visão mais colectivista. Então, as coisas não funcionaram bem para nenhum deles.

Como compara o cinema e o jornalismo em termos de intervenção social?
A criação do Instituto Nacional de Cinema era um organismo educativo de informação, um instrumento político. Isso continua até hoje, fazemos muitos pequenos filmes institucionais, educativos, que é algo que me dá muito prazer porque me faz viajar pelo país inteiro. Apesar de serem institucionais, tenho liberdade total para escolher a forma como passar a mensagem, seja sobre educação, saúde ou agricultura. Cheguei até a fazer um filme mudo, de meia hora, sobre a água dos poços, porque em Moçambique há várias línguas diferentes.

Apesar de filmados em África os seus filmes têm projecção internacional.
Moçambique passou por várias fases diferentes. Independência, euforia e depois veio o começo da guerra com a agressão rodesiana, de seguida o começo da guerra civil, que destruiu completamente o país. Depois o retorno dos refugiados, a reconstrução e o recomeço da guerra. Tudo isso levou-me a pensar em temas actuais, sendo que o cinema também passou a ter outra função bastante forte, que foi transmitir durante a guerra toda essa informação para públicos de outros países. Trabalhei muito com a ZDF, a BBC, Channel 4, com televisões francesas. Agora perderam um pouco o interesse porque há conflitos por todo o lado, o mundo está a arder completamente e há mais dificuldade em conseguir fundos. Hoje para fazer documentário em Moçambique é algo de uma dificuldade terrível, porque o interesse das televisões está muito disperso por todo o lado. Há a Síria, o Iraque, a Líbia e as Primaveras que se transformam em Invernos. É mais difícil para mim, por incrível que pareça, conseguir financiamento para documentários do que para ficção, apesar do documentário ser bem mais barato.

Qual foi o passo fundamental para entrar definitivamente na ficção?
“Desobediência” foi a transição. Fiz pequenas experiências de ficção nos anos 80, mas parei para fazer só documentário, contando uma estória onde os personagens agiam diante da câmara. O filme “Desobediência” nasceu quando vi uma pequena notícia no jornal. No centro do país, num sítio completamente isolado onde as pessoas não tinha televisão, um homem suicidou-se porque a mulher era desobediente, o que achei completamente absurdo. Com tanta mulher bonita no mundo vai suicidar-se porque a mulher não obedece? Fui para lá e encontrei uma estória completamente diferente, que me obrigou a fazer um filme diferente, onde as pessoas reproduziram tudo aquilo que aconteceu. Há um tabu, do tipo Electra ou Édipo, ao género das tragédias gregas, em que gémeos não podem fazer amor com a mesma mulher. O homem que se suicidou fez amor com a esposa do irmão gémeo. Os espíritos começaram a agir dentro dele, as pessoas acreditam nisso, e ele matou-se. Para não revelarem esse segredo culparam a viúva de desobediência. Digo que foi uma transição porque as pessoas não tinham televisão, nunca tinham visto um filme e, então, aproveitaram aquela oportunidade para provarem que tinha razão. Ou seja, que a mulher era, realmente, desobediente. Consultaram um curandeiro, houve muitas agressões que quase resultaram em morte. Inscrevi este filme do Festival de Biarritz na área de documentário e foi rejeitado. Acabou por concorrer como ficção. Enfim, ganhou o prémio de melhor ficção, um filme feito com 100 mil euros, que concorreu com ficções de 10 milhões e 15 milhões de euros. Passa amanhã às 18h30 na Fundação Rui Cunha.

Qual a estória por detrás do filme “Virgem Margarida”?

© Ricardo Rangel
O grande fotógrafo moçambicano Ricardo Rangel mostrou-me uma fotografia a que ele chamou “A última prostituta”. A foto era do tempo depois da independência, e tinha dois militares da guerrilha a escoltar uma prostituta para ser enviada para os centros de reeducação no norte do país, no meio da selva. Estes centros eram na realidade campos de concentração. Isto era algo que fazia parte de um processo maluco que era a criação do homem novo, cheio de boas intenções, mas que acabou em tragédia com a morte de centenas de mulheres. Inspirado nessa fotografia, fiz um documentário bem tradicional. Entrevistei senhoras que foram “reeducadas”, antigas prostitutas e as chefes guerrilheiras desses centros, que eram de trabalhos forçados. E uma delas contou-me uma estória de um minuto, que aparece no filme, sobre uma jovem que foi com ela para lá. Era uma adolescente camponesa, de 15 anos, que não tinha bilhete de identidade. Tinha ido à cidade comprar o enxoval para o casamento e foi considerada prostituta por não ter identificação. Uma estória que foi contada num minuto deu uma ficção de longa-metragem. O documentário serviu-me de pesquisa para escrever o guião do “Virgem Margarida”, e criei uma estória em torno daquele centro de reeducação, onde uma das personagens principais é essa jovem virgem. Coloquei elementos ficcionais, ela é violada e suicida-se. O filme saiu há quatro anos e venceu três prémios internacionais.

Como está a ser a aceitação do seu último filme?
“O Comboio do Sal e Açúcar” é um filme com co-produção portuguesa da Ukbar Filmes, e está a ser lançado com enorme sucesso. Ganhou o prémio no Festival de Locarno, onde passou na Piazza Grande para 4500 pessoas. Ganhou o melhor filme do Festival de Joanesburgo, e no Cairo ganhei o prémio de melhor realizador. O filme está a ter grande aceitação, foi convidado para 18 países diferentes, e com muitas possibilidades de sair em salas até na Turquia. Ou seja, nem consigo mais pensar em projectos de documentário, porque tudo é mais demorado. Tenho três projectos de ficção e um deles está bem encaminhado, rapidamente consigo financiamento.

O que nos pode adiantar do próximo projecto?
É um filme baseado num livro de um escritor brasileiro, Altair Maia, que é praticamente um guião. Li-o e apaixonei-me. O livro chama-se “Tributo a Jonathan Makeba”, que é um líder comunitário, mas também um homem de negócios do Burkina Faso, uma personagem real. Ele tinha um negócio de fosfatos para adubos, entre o Niger e o Burkina Faso. Makeba desenvolveu um projecto a pensar nas comunidades desses dois países, e criou milhares de empregos. Cerca de 25 por cento do investimento que vinha do estrangeiro ia para contas bancárias de líderes e não sobrava nada para a população. Neste filme falo da corrupção como um problema actual em África, Moçambique, Angola, em quase todos os países africanos. Aliás, é por isso que as pessoas ficam presas ao poder, como por exemplo, agora, na Gâmbia. O filme é muito actual, mas ainda é um projecto, ainda não rodei mas já tenho produtoras interessadas.

TRAILER DE “O Comboio do Sal e Açúcar”

25 Jan 2017

O Porto veste cinema

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntre 20 de Fevereiro e 5 Março nas ruas adjacentes ao Teatro Municipal Rivoli,  mas com franca probabilidade numa qualquer rua da cidade, centenas de pessoas vestem-se para ir ao cinema. Poucas vestem Prada ou Chanel, estão a caminho de uma das 96 sessões do 37º Festival Internacional de Cinema do Porto, e vestem heróis, ou anti-heróis do grande ecrã; “Eduardo Mãos de Tesoura”,  “Freddy Krueger”,  “Nosferatu”, “The Joker”,  “Mulher Aranha”, para referir apenas alguns exemplos do vastíssimo guarda roupa/ícone(s) do cinema.

O 37º FANTASPORTO  reafirma a sua marca, fortíssima no circuito dos Festivais de cinema de género do mundo, com a presença confirmada de 125 filmes inéditos, (ante estreia nacional, ante estreia europeia, ante estreia internacional e em ante estreia mundial)

O filme de abertura é “The Age of Shadows” de Jee-woon Kim, já passou na Selecção Oficial dos Festivais de Veneza e Toronto, teve o prémio do Melhor Filme do Festival de Filadélfia. É uma superprodução, e é o candidato aos Óscares pela Coreia do Sul,  e um êxito de bilheteira no mercado asiático.

O realizador, Jee-woon Kim, ganhou a 24ª edição FANTASPORTO (2004), com o filme “ A Tale of Two Sisters”.

Na Selecção Oficial estarão 33 países, a concurso ou fora de competição.

Todos os filmes novos abordam o modo como o real de hoje nos afecta, nomeadamente às guerras ( “Bloodlands “ da Albânia), o drama dos migrantes (“The Citizen”da Hungria), a realidade das mulheres muçulmanas face ao adultério ( “Sins of the Flesh”, do Egipto, produzido pelo celebrado Youssef Chahine) ou a realidade económica da Europa (o filme grego “Lines”). Reflexões também quanto à sustentabilidade do nosso futuro com o espanhol de ficção científica “ReAlive” ou o britânico-americano “Division 19” .

Também presente a crítica social  à burocracia com (“A Repartição do Tempo”, uma das maiores  e mais divertidas superproduções do Brasil deste ano. Destaque ainda para um dos maiores realizadores mundiais do momento, o coreano e amigo multi-premiado do Fantasporto, Kim Ki Duk com “The Net” . Também coreano, e do meste da animé Yeon Sango, “Seoul Station” vai estar no ecrã do Rivoli.

Os filmes portugueses em competição que fazem a sua estreia Mundial nesta edição do festival são as longas metragens ”A Ilha dos Cães” ,“A Floresta das Almas Perdidas”  e “Comboio de Sal e Açúcar”.

A longa-metragem “Rewind” produção suíça do português Pedro Joaquim, também tem aqui a sua ante-estreia mundial. Destaque ainda para o Prémio de Cinema Português que vai novamente escolher  o melhor filme e a melhor escola de cinema. Na programação, como é usual, fazem parte inúmeras curtas-metragens.

Nas retrospectivas o destaque vai para o CINEMA DE ACÇÃO DE TAIWAN,  organizada oficialmente pelo governo local de Taiwan, um conjunto de clássicos, muitos inéditos em Portugal.

Igual destaque merece a retrospectiva do moderno CINEMA ARGENTINO , com, entre outros, os recentes  “ El Ataud Blanco” e “ El Muerto Cuenta su Historia”.

Nesta apresentação síntese,  de referir ainda o programa especial de cruzamento com outras artes com um conjunto de conferências e workshops.

O filme de encerramento, deste 37º festival Internacional de Cinema do Porto,  actualmente  classificado como um dos 10 melhores festivais independentes no mundo, ainda não está anunciado.

O Festival vive de uma programação objecto de grande atenção, de uma cidade e de um público muito particular. Um público de festival que vive intensamente a alegria partilhada de ver cinema na sala escura, exuberante, capaz de gritos, berros, falas para o ecrã, na melhor tradição dos afectos do grande público ao grande ecrã.

Nas edições anteriores do festival foram muitos os nomes com destaque na cinematografia mundial presentes na cidade do Porto, aqui ficam alguns; Ben Kingsley, Luc Besson, David Lynch, Neil Jordan, Max von Sydow, Rosana Arquette, Danny Boyle, Serguei Paradjanov , Anthony Minguela, John Hurt,  Pedro Almodóvar, Paul Anderson, Danny Boyle, James Cameron, Nick Cassavetes, Joel Coen, David Cronenberg, John Carpenter, Roland Emmerich, David Fincher, Terry Gilliam, Peter Greenaway, Michael Haneke, Peter Jackson, Takashi Miike, Anthony Minghella, Vincenzo Natali, Tim Robbins, Roberto Rodriguez, Ridley Scott, Quentin Tarantino, Guillermo del Toro, Lars von Trier ou Larry Wachowski.

E muitas as retrospectivas, Jean Cocteau a Orson Welles,  Vivente Aranda, Juan Luis Bunuel, Brian de Palma, Bigas Luna, Dario Argento, George Mélies, André Delvaux, Mario Bava, Terence Fisher, David Cronenberg, René Laloux, Tobe Hooper, Georges Franju, Luis Bunuel, Andrzej Zulawski, Paul Verhoeven, Harry Kumel, René Clair, Marcel Carné, John Waters, Andy Warhol, Leni Riefenstahl, Michele Soavi, David Lynch, Walt Disney, Alfred Hitchcock, , Mojica Marins, Nelson Pereira dos Santos, Jesus Franco, Alex Cox, Julien Temple, Oswaldo Caldeira, Hershell Gordon Lewis, Lucio Fulci, Christpher Lee, Takashi Miike, Sabu, Shynia Tsukamoto, Jean Renoir, Ed Wood , António de Macedo, José Fonseca e Costa, Fernando Lopes, não citando todas.

É fácil perceber o prazer da cidade neste Festival que, com o património edificado e simbólico e o mundialmente conhecido vinho e rio Douro, que aqui a si mesmo se esquece no sal Atlântico, afirma de forma brilhante o Porto no mundo contemporâneo.

24 Jan 2017

Moçambique | Ciclo de cinema na FRC para dar a conhecer o país real

O cinema moçambicano vai estar em destaque do dia 21 a 26 na Fundação Rui Cunha. A iniciativa é organizada pela Associação dos Amigos de Moçambique. A ideia é permitir a quem vive cá conhecer o cinema e a cultura daquele país

 

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cinco os filmes que vão integrar a terceira edição do ciclo de cinema feito em Moçambique. O evento tem lugar entre 21 e 26 deste mês no auditório da Fundação Rui Cunha e no cartaz traz quatro filmes de Licínio Azevedo e um da realizadora Teresa Prata.

“Não podemos chamar a iniciativa de festival”, disse ao HM Helena Brandão, “porque não é uma coisa grande”. Para a responsável pela Associação dos Amigos de Moçambique, entidade organizadora, esta é antes “uma forma de alargar as actividades de forma sustentável”.

“O dinheiro não é muito e fazemos o que podemos”, explicou. A iniciativa teve a primeira edição em 2012 e a ideia de projectar filmes surgiu como sendo a mais viável, de modo a que possam ser levadas a cabo outras actividades além da semana gastronómica.

Para a organizadora, “basta ter cerca de 15 pessoas a assistir que podemos considerar um sucesso”. Mas certo é que a adesão tem vindo a crescer a cada edição.

A ideia é mostrar à população de Macau um pouco mais da cultura moçambicana. Vasta e diversificada, Helena Brandão lamenta que não seja possível trazer mais actividades. “Gostava muito de ter cá teatro, que é uma área de relevo em Moçambique, mas é difícil trazer os actores, é muito dispendioso.”

Com empenho, a associação consegue trazer, mais uma vez a Macau, o realizador Licínio Azevedo. Brasileiro de origem, Licínio Azevedo está radicado em Moçambique há mais de 40 anos e é hoje uma das maiores referências da sétima arte do país. O reconhecimento internacional aconteceu no âmbito do programa “Open Doors” do Festival de Cinema de Locarno, com o destaque que foi dado a “Comboio de Sal e Açúcar”. A película conta a história de um comboio e dos seus passageiros, que embarcam numa viagem perigosa durante a guerra civil moçambicana.

Quatro histórias

Do cineasta serão exibidos em Macau “A Ponte”, “Ferro em Brasa”, “A Ilha dos Espíritos” e “Desobediência”.

“A Ponte” é a história do esforço colectivo para fazer uma travessia. De acordo com a apresentação da película, na estação das chuvas os rios enchem, e Chimanimami, uma das mais bonitas regiões de Moçambique, fica isolada do resto do país. No entanto, com a intenção de criar ali uma reserva natural, cuja principal atracção é o Monte Binga, o ponto mais alto de Moçambique, é necessário construir uma ponte e é a aldeia que se une para contribuir para a concretização do projecto.

Um documentário sobre o fotojornalista Ricardo Rangel é a proposta de “Ferro em Brasa”. O fotógrafo, de 80 anos, é o símbolo vivo da geração que, no fim dos anos 40, iniciou as primeiras denúncias contra a situação colonial. Enquanto fotografava a cidade dos colonos, “Ricardo revelava a desumanidade e a crueldade do colonialismo”, lê-se na mesma apresentação. Desde então, e até ao fim da guerra civil pós-independência, o protagonista fotografou 60 anos da história de Moçambique. Neste filme, o fotógrafo conduz o público pela sua vida e obra, onde a cidade de Maputo, a boémia e o jazz têm um lugar especial.

Também em formato documental é “A Ilha dos Espíritos”. Muito antes de dar nome ao país, a ilha de Moçambique teve um papel fundamental no Oceano Índico. “Foi um ponto de paragem de caravelas, de encontro de piratas, lugar de mistura de raças.” Os seus habitantes, orgulhosos do passado glorioso da ilha, são aqui personagens excêntricas que deambulam pelas ruas.

Ainda de Licínio Azevedo é “A Desobediência”. Um filme real interpretado pelos protagonistas da história que conta. A película documenta a saga de Rosa, uma camponesa moçambicana que é acusada pela família do marido de ser a causadora do seu suicídio, por se recusar a obedecer-lhe. Para provar a inocência, e recuperar os filhos e os poucos bens que o casal possuía, Rosa submete-se a dois julgamentos: o primeiro num curandeiro e o segundo num tribunal. É absolvida em ambos.

Durante a filmagem, o realizador decidiu instalar uma segunda câmara para seguir a história até ao fim. Segundo a apresentação da película, “uma montagem desta complexidade não tem paralelo no cinema africano.”

Todas as projecções contam com a presença de Licínio Azevedo, que vai estar em Macau para falar não só dos filmes que faz, mas também da situação actual do país onde vive, do cinema que por lá existe e da cultura que o acolhe.

A vida na tela

Realizado por Teresa Prata é “Terra Sonâmbula”, uma longa-metragem premiada. Entre outras distinções, ganhou, em 2008, o FIPRESCI do International Film Festival Kerala, na Índia.

O filme conta a história do velho Tuahir que encontrou Muidinga ainda com vida enquanto ajudava a enterrar crianças assassinadas numa aldeia. Tuahir cuidou da criança e viajou com ela para fugir da guerra. Cansados e com fome, encontraram um autocarro atacado pouco tempo antes, onde descobriram um diário. O achado leva as personagens à história de Kindzu, um jovem que teve a família assassinada e que estava em viagem à procura de uma criança.

De acordo com a organização, “com o correr dos anos o cinema moçambicano ganhou experiência, tornou-se maduro e hoje, ainda sem actores profissionais, mais do que cinema político, conta histórias de factos como o drama humano, em histórias de ficção baseadas em factos reais, e é um cinema que, acima de tudo, revela a sociedade moçambicana pós-colonial e as suas contradições”.

16 Jan 2017

ZEUS, Manuel Teixeira Gomes no grande ecrã

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] RADICAL DESEJO DE FELICIDADE, não é, mas podia ser, o título do filme ZEUS que nesta quinta feira de inicio de 2017, é distribuído pela NÓS em Portugal e tem, na mesma quinta-feira dia 5 de Janeiro, ante-estreia na Cinemateca Portuguesa.

O filme acompanha a vida do herói, herói relutante, esse tipo de herói que modernidade ocidental inventou e que no caso tem nome próprio, Manuel Teixeira Gomes.

Quem foi este homem, político, diplomata, escritor, que se demite a si mesmo do cargo de presidente da República Portuguesa, e decide viver os últimos anos da sua vida num exílio por ele próprio decidido, na cidade de Bougie, Argélia, margem sul do mediterrâneo? É o que se espera melhor conhecer quando a projecção termina. O filme cumpre essa natural expectativa.

Vivemos um tempo em que é comum títulos de jornal sobre o uso da coisa pública em proveito próprio. Nenhum título nos fala do abandono, da recusa do exercício do Poder.

O que dizer de alguém que, tendo o poder da presidência de República, a abandona por vontade própria e se auto exila entre outras terras e gentes?

Este foi o caso do sétimo presidente da República Portuguesa, Manuel Teixeira Gomes, com fortuna herdada e construída pelo próprio, eleito a 6 de Agosto de 1923 presidente da ainda adolescente República Portuguesa, cargo de que se demite em 1925, para o acaso o instalar na cidade já referida.

Norberto Lopes, no prefácio de “O Exilado de Bougie”, compara Manuel Teixeira Gomes a um grego do século de Péricles e/ ou príncipe florentino da renascença, há quem dele fale evocando a personagem Corto Maltese de Hugo Pratt.

O cargo era grande ou pequeno demais para o homem Manuel Teixeira Gomes?

ZEUS, é o nome do Filme de Paulo Filipe Monteiro, e o do cargueiro, onde o personagem principal desta ficção biográfica embarca 5 dias depois ao abandono das funções de Estado. Com 65 anos, muda de vida.

A história real, desconhecida para a grande maioria dos portugueses, é trazida a filme pelo argumentista e realizador, Paulo Filipe Monteiro.

O filme integra, de forma ficcional e sem acentuados dramatismos os acontecimentos políticos que antecederam a implantação da ditadura e, centra-se sobretudo, nesse tempo do exílio desejado, onde um confortável anonimato permite o prazer sensorial e a disponibilidade para a alteridade, para o encontro com a existência do outro.

De alguma forma o filme também é uma fala sobre o colonialismo, neste caso o da França, sobre essa arrogância que se apresenta a si mesma como factor de civilização.

Formalmente o filme assume uma montagem elíptica, por blocos, com citações não inteiramente conseguidas ao expressionismo alemão e ao mestre Murnau. Trabalha a luz e a sua ausência, é Paulo Filipe Monteiro quem afirma: “ Zeus é um filme sobre a luz. Outros em Portugal filmaram, e tão bem, a escuridão, a tal soturnidade, a tal melancolia, “um desejo absurdo de sofrer”. Eu gosto da luz nas pessoas e das pessoas que procuram a luz”.

O filme trabalha com situações e frases verdadeiras, que permitem um olhar cinematográfico sobre a vida de um homem de espírito, livre, original.

Estruturado em três blocos, cada um com o seu director de fotografia e o seu director de som, esses blocos vão alternando, o que torna a linguagem narrativa mais contemporânea, embora dando a mão ao espectador para que ele não se perca.

Transcreve-se uma conversa breve com o realizador:

ZEUS, é o nome do cargueiro holandês em que o herói viaja quando abandona o exercício do cargo de Presidente da República e procura outra alteridade. ZEUS, o filme, inscreve-se no género ficção histórica, tem como personagem principal Manuel Teixeira Gomes, escritor, diplomata, burguês com fortuna pessoal herdada e construída pelo próprio, eleito a 6 de Agosto de 1923 presidente da adolescente República Portuguesa, cargo de que se demite em 1925. É a partida, a viagem, depois do abandonar o cargo de P.R.P. o que te levou ao filme?
Sim, o meu interesse por essa figura extraordinária e tão desconhecida dos portugueses começou por esse gesto inaudito de coragem e de liberdade: renunciar à Presidência e, aos 65 anos, mudar completamente de vida. Um homem com aquela importância, Presidente da República, ex Vice-Presidente da Sociedade das Nações (antecessora da ONU), sempre tão chic, grande coleccionador de arte, decide largar tudo e partir no primeiro barco que saia de Lisboa, mesmo sendo um cargueiro, não lhe interessa o destino. Passado um tempo está a viver com os nómadas no deserto…

O filme procura resposta sobre o que faltou, ou esteve em excesso, em Manuel Teixeira Gomes, que o levou a abdicar do exercício do Poder?

O que o levou a partir foram um conjunto de questões políticas e pessoais (a instabilidade, o avanço dos militares e dos fascistas, a lucidez de saber que o poder ia cair nas mãos dos militares, o pouco poder constitucional do presidente para travar isso, o desejo de não ser ele a entregar o poder aos militares, a morte do irmão, o escândalo Alves dos Reis, etc.), que o desgostavam de cá estar. Mas também a atracção de sempre pelas viagens, o fascínio pelo anonimato, a admiração antiga pela cultura árabe.

Norberto Lopes, no prefácio de “O Exilado de Bougie”, compara Manuel Teixeira Gomes a um grego do século de Péricles e príncipe florentino da renascença, também há quem fale da personagem Corto Maltese de Hugo Pratt. Como foi o teu processo de casting? Procuras-te o actor, aquele que tem, sensibilidade e técnica, a capacidade da metamorfose, ou o actor que serve o papel por encaixe através de características antropomórficas, cor de olhos, estatura, modos de estar?
Havia actores mais parecidos de cara e corpo com Teixeira Gomes. Mas apostei no Sinde Filipe, que tem a enorme inteligência, elegância e sensibilidade. Foi uma aposta ganha, encarnou completamente a personagem. Ainda só fomos a dois festivais e em ambos ganhou o prémio de melhor actor (em Mombai e em Coimbra).

Filmar época é sempre um problema acrescido, obriga a um investimento ainda mais cuidado nos décores, guarda-roupa, até mesmo na direcção de actores, esta condição limitou, ou a procura dessa materialidade, resgatou o tempo da narrativa da prisão cronológica?
Sim, é preciso mais cuidado, tempo e dinheiro. Creio que conseguimos. O João Torres é um fabuloso director de arte, conseguiu milagres. A Sílvia Grabovski, como sempre, a ganhar o prémio de melhor guarda-roupa. Os actores a tornarem-se pessoas daquele tempo, mas seres vivos, não empoados. Só a música não é de época, achei que seria demais.

ZEUS, chega às salas nacionais a 5 de Janeiro de 2017. Quanto tempo demorou o processo, quando pensaste pela primeira vez fazer este filme ?

Estou há oito anos a trabalhar neste projecto! Exigiu muita investigação, em Portugal e na Argélia, e cuidadosa preparação. É uma grande alegria ele agora chegar às pessoas.

Em quantos ecrãs o filme vai estrear? Como está a ser o circuito dos Festivais, o filme foi proposta a festivais classe A? A distribuição internacional é feita por quem ?
Vai estrear em vinte salas, o que é raríssimo em Portugal, mesmo com grandes filmes estrangeiros. Para já estamos concentrados nisso, depois trabalharemos na saída internacional do filme.

O projecto ZEUS esteve nas primeiras obras, ou conseguiste o quase milagre de teres dois filmes ficção de longa metragem no teu CV, sem passar pelas primeiras obras do ICA?
Eu não realizei duas longas. Fui actor em 10 longas-metragens, portuguesas e estrangeiras. Como guionista, escrevi sete longas para outros realizadores. Como realizador, só fiz Amor Cego, de 25 minutos, e agora Zeus, apoiado pelo ICA no concurso de primeiras obras.

Já sabes qual vai ser o teu próximo filme ?
Anda a fervilhar na minha cabeça. Não julguem que vou continuar a fazer sempre filmes de época: o próximo é bem contemporâneo.

ZEUS é a primeira longa metragem que Paulo Filipe Monteiro assina, no entanto o cinema é central na sua produção teórica e profissional, prova-o a sua tese de doutoramento em 1995, orientada pelo ilustríssimo Eduardo Lourenço “Autos da alma: os guiões de ficção do cinema português entre 1961 e 1990”.

Como estamos neste início de ano, espero que não se oponham a que expresse votos de excelente ano de 2017 para a cinematografia Portuguesa.

5 Jan 2017

Filmes proibidos na República do Povo – o Top Mais 中国十大禁片

[vc_row][vc_column][vc_column_text]

Porque estamos naquela altura do ano.

Ano Novo (1999)


Realizado por Zhang Yuan conquistou o galardão de Melhor Realização na 56ª edição do Festival de Cinema de Veneza. Uma história de amor e tolerância contada a partir do olhar do protagonista, que aqui nos fala dos 17 anos obscuros da sua vida. Zhang Yuan foi castigado por denegrir a imagem do socialismo.

O Papagaio Azul (1993)


Realizado por Tian Zhuangzhuang conquistou todos os prémios mais importantes do Festival de Cinema de Tóquio. Num ambiente carregado e melancólico, fala-nos do destino do indivíduo no quadro alargado do contexto histórico.

Viver (1994)


Baseado no romance homónimo de Yu Hua. O argumento centra-se na Guerra Civil e na Nova China nascida após a fundação da RPC. A história, contada através das diversas tragédias que se sucedem na vida do protagonista, reflecte períodos conturbados que, aparentemente, nunca deixaram de flagelar o povo chinês. Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes. Realizado por Zhang Yimou.

Carteiro (1995)


Realizado por He Jianjun, acabou de ser rodado na Europa e estreou no Festival de Cinema de Roterdão. O filme “ofende os quadros superiores chineses”.

Palácio Oriental, Palácio Ocidental (1996)


De Zhang Yuan. Prémios para Melhor Realização, Melhor Argumento e Melhor Adaptação ao Cinema – 6ª edição do Festival de Cinema da Argentina. Baseado no romance de Wang Xiaobo, analisa a homossexualidade na China contemporânea.

O Artesão Carteirista (1997)


Realizado por Jia Zhangke. Exemplo perfeito da razão pela qual os filmes chineses vencedores de prémios internacionais não terem nada a ver com o mercado cinematográfico local.

Mr. Zhao (1998)


Filme de estreia de Lu Le que, à semelhança de Zhang Yimou, passou com sucesso de fotógrafo a realizador de cinema.

Rio Suzhou (2000)


Medalha de ouro no Festival de Cinema de Roterdão. Uma trágica história de amor passada na Xangai dos nossos dias. Realizado por Lou Ye.

Do Lado de Fora (2000)


Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes. Realizado por Jiang Wen, expõe sem reservas o militarismo japonês e acusa figuras políticas proeminentes.

As Bicicletas de Pequim (2000)


Realizado por Wang Xiaoshuai, conquistou o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim. A história de um jovem de 17 anos vindo do campo para trabalhar em Pequim como estafeta, a quem roubam a bicicleta.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_separator color=”custom” style=”dotted” accent_color=”#dd3333″ css=”.vc_custom_1482929709086{margin-bottom: 5px !important;margin-left: 20px !important;}”][vc_column_text]

PS: Dicas culturais

Ben Hur foi proibido na China por conter “propaganda a crenças supersticiosas, nomeadamente o Cristianismo”. Avatar foi proibido na China porque os seus conteúdos podiam levar as audiências a pensar em deportações forçadas e por apelar à violência. O versão não editada de Avatar em DVD pode encontrar-se em qualquer loja da especialidade na China. As Lojas Walmart chinesas utilizam imagens do filme nos ecrãs de definição de imagem das televisões.

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

28 Dez 2016

Filme chinês mais caro de sempre arrecada milhões na estreia

[dropcap]O[/dropcap] filme mais caro da história do cinema chinês, “The Great Wall”, protagonizado pelo norte-americano Matt Damon, arrecadou 465 milhões de yuan (cerca de 64 milhões de euros), no primeiro fim de semana em que foi projectado.

Segundo os cálculos elaborados em tempo real pelo portal China Box Office, o filme registou o quarto melhor início deste ano no mercado chinês de cinema, o segundo maior do mundo.

A obra, dirigida pelo chinês Zhang Yimou, custou mais de 140 milhões de euros, e relata as aventuras de um mercenário inglês, interpretado por Damon.

A história remete para uma China imaginária, onde a Grande Muralha, o monumento mais conhecido do país, foi edificada para deter a invasão por monstros que comem carne humana.

“The Great Wall” é a primeira co-produção entre a China e os Estados Unidos da produtora de Hollywood Legendary, adquirida no início deste ano por Wang Jianlin, o homem mais rico da China e presidente do grupo Wanda Group, que tem a maior rede de distribuição cinematográfica do mundo.

Um outro filme da mesma produtora, estreado este ano, o “Warcraft”, arrecadou quase 92 milhões de euros no seu primeiro fim de semana nos cinemas chineses, e alcançou receitas finais de 201 milhões de euros.

A obra com melhores resultados na estreia, este ano, na China, o “The Mermaid”, alcançou uma receita de bilheteira final de 466 milhões de euros, o melhor resultado de sempre no país.

TRAILER

SITE OFICIAL
20 Dez 2016

“Os Resistentes – Retratos de Macau” #4

“Os Resistentes – Retratos de Macau” de António Caetano Faria • Locanda Films • 2014


Realizador e Editor: António Caetano Faria
Produtores: Tracy Choy e Eliz L. Ilum
Câmara e Cor: Gonçalo Ferreira
Som: Bruno Oliveira
Assistente de Câmara: Nuno Cortez-Pinto
Editor Assistente: Hélder Alhada Ricardo
Sonorização e Mistura de Som: Ellison Keong
Música: Orquestra Chinesa de Macau – “Capricho Macau” de Li Binyang
17 Dez 2016

Parem de se sentir bem convosco próprios

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão foi só uma vez. Os governantes de Macau, sobretudo o chamado “secretário dos cinco anos brilhantes”, defendem que as medidas ou as actividades que o próprio Governo realiza “obtêm grande sucesso”, ou que “ganham bons comentários da maioria da população”, apesar de existirem várias opiniões ou criticas que revelam exactamente o contrário.

É irritante observar que eles se sentem bem meramente consigo próprios, além de virem a público dizer que a maioria dos residentes também concorda com o que se passa. Antes de dizerem isso, não devem ter ouvido as críticas da sociedade, as que são difundidas nas redes sociais e nos meios de comunicação social, ou então apenas fazem ouvidos moucos.

A harmonia é uma das características associada a Macau, à sua sociedade e às suas gentes, mas não é surpreendente que muitas pessoas prefiram ficar em silêncio sobre coisas que realmente não gostem, em vez de falarem dos problemas existentes. Olhando por aí, é fácil desmentir o que os dirigentes do Governo defendem de bom.

A primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, que acabou esta semana, é o exemplo mais recente. O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, salientou aos jornalistas que o festival foi organizado com grande sucesso, que recebeu todas as mensagens positivas, tendo ainda falado da surpresa de muitos com o sucesso da realização do festival pela primeira vez.

Não posso negar os bons comentários que foram feitos e que o secretário ouviu, mas não deve ter ouvido falar das outras opiniões de especialistas e espectadores de festival expressas nas redes sociais. Essas críticas falam de salas vazias na exibição dos filmes seleccionados no festival, em momentos onde apenas os realizadores de renome e os actores apareceram para falar do filme com apenas dez espectadores. Seria curioso saber o que eles pensaram nesse preciso momento.

Quando eles pensavam que os filmes não foram suficientes para despertar a curiosidade das pessoas, para as levar a comprar bilhetes, veio a saber-se que, antes dos filmes começarem a ser exibidos, já os bilhetes estavam esgotados. Então para onde foram esses bilhetes? Para as personalidades VIP convidadas pela organização do festival? Para os funcionários e familiares? Pode ter acontecido o caso de que, muitos dos que queriam realmente ver os filmes não conseguiram comprar bilhete.

Mas as críticas não ficam por aqui. Um espectador do filme “Gurgaon” partilhou a sua opinião à publicação “All About Macau”, sobre a ida de um grupo de 50 estudantes à sala de cinema, tendo-se deparado com a falta de legendas em chinês, o que levou a que não tenham usufruído do filme, pela falta de entendimento do mesmo.

Os responsáveis por esta edição do festival não podem tapar os olhos a esta situação. Tratando-se da primeira edição, o Governo deve prestar mais atenção a todas as reacções, quer sejam elogios como críticas. Num território tão pequeno, se todos fizerem ouvidos de mercador às críticas existentes, a cidade morrerá aos poucos, porque onde não há críticas, não há melhorias.

16 Dez 2016

Cinema | Ivo M. Ferreira revela detalhes sobre novo filme, “Hotel Império”

Foi ontem apresentado à comunicação social o novo projecto de Ivo Ferreira, “Hotel Império”. O filme é um mosaico multicultural, falado em quatro línguas, que vive do confronto entre o passado e o futuro

[dropcap style≠’circle’]“É[/dropcap] uma grande alegria poder mostrar a minha Macau.” As palavras são do realizador Ivo Ferreira, durante a conferência de imprensa que apresentou ao mundo o filme que começará a ser rodado depois do ano novo chinês. As estrelas principais da nova película do realizador são Margarida Vila-Nova e Rhydian Vaughan, actor de Taiwan.

O filme fará uma dissecção do que é viver em Macau, da intemporalidade e mutação constante de uma cidade que não pára de se reinventar, por vezes depressa de mais para a apreensão dos sentidos. É neste limbo de circunstâncias que se desenrola a acção. Na esquizofrenia do caos dos bairros tradicionais onde se estende roupa em fios de electricidade, e o aspecto ultra-modernista da Macau dos néons, dos enormes casinos e hotéis. “Vivi no Porto Interior, onde tudo é frágil e sólido ao mesmo tempo, gosto muito deste tipo de contradições”, adianta o cineasta radicado em Macau.

O filme gira em torno de Maria, interpretada por Margarida Vila-Nova, que “ainda anda à procura da personagem”. Maria vive embrulhada em paradoxos e questões identitárias, tal como a cidade onde cresceu. Portuguesa e criada por uma madrasta que fala cantonês, não se sente portuguesa, nem chinesa, nem de Macau. Vive perdida, “não sabe muito bem o que fazer, cresceu mas ainda é uma rapariga”, tenta explicar a actriz. Pelo que foi dado a apreender, é uma personagem que se encontra num limbo emocional. Canta o fado no Casino Flutuante e, quando se prepara para resvalar para o mundo da prostituição, conhece Chu, um irmão que desconhece e com quem cria uma relação complexa. No centro da acção dramática entre os irmãos está uma atracção a roçar o incesto, a herança do Hotel Império e todo o tecido social que alberga.

Ambições altas

O filme será rodado em português, inglês, mandarim e cantonês, algo que não assusta o produtor Luís Urbano, que realça o aspecto mais atmosférico da obra, que será pouco palavrosa. Também o set será poliglota. “Acho que nos vamos divertir muito nestes 36 dias de rodagem”, revela a produtora Isabel Soares, interrompida pelo realizador: “66 dias”. Isabel pede, em jeito de piada, para o cineasta não abusar e o produtor Luís Urbano remata que nesse aspecto “não há negociações”. A familiaridade salta a olhos vistos, e essa é uma atmosfera que Ivo pretende trazer para o set, um feeling “caseiro, mas profissional”.

Segundo Luís Urbano, o homem da produtora Som e Fúria, o filme estará pronto no final de 2017, a tempo de estrear e competir “em festivais de classe A”. O produtor admite que tem grandes ambições para esta película.

Em termos comerciais, Lin Nan, co-produtor chinês da Titan Films International, considera as perspectivas comerciais deste filme “muito interessantes no mercado chinês”. Para tal contribui o facto de ser “falado em cantonês, uma vez que a zona do Cantão é uma das regiões mais aliciantes em termos de bilheteira em toda a China”.

No que toca à distribuição, o co-produtor chinês alerta para o detalhe de este “não ser um filme comercial, portanto, primeiro será dada atenção a canais mais direccionados para o cinema de autor”. Mas, “olhando para o progresso que estamos a ter, não me surpreende nada que cheguemos à distribuição mais mainstream”, revela Lin Nan.

No fundo, este projecto de Ivo Ferreira será uma belíssima caldeirada multicultural, uma tapeçaria complexa. Em todos os aspectos: elenco, financiamento, produção e mesmo em termos narrativos. Um filme nascido num contexto de assimetria, de paradoxo, de mundos diferentes que chocam, mas que se completam numa harmonia estranha. Um pouco à imagem da cidade onde será rodado.

14 Dez 2016

Estreia | Primeira edição de festival de cinema dedicado à dança

A primeira edição do “Rollout Dance Filme Fest” está prestes a começar, um festival de cinema todo ele dedicado à arte da dança. O HM falou com Erik Kwong, organizador da iniciativa, que deu a conhecer a ideia, o objectivo e a satisfação pela adesão internacional dos filmes que estarão em competição

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “Rollout Dance Film Fest” é o festival dedicado ao cinema que aborda a arte de dançar e que arranca com a sua primeira edição a partir de sexta-feira.

“A ideia deste tipo de festivais, com temas mais circunscritos, já fervilha na Europa e mesmo no Brasil mas na Ásia ainda não é comum” explicou Erik Kwong, organizador da iniciativa, ao HM. Apesar de não ser frequente no continente asiático, Erik Kuong é “experiente” neste género de eventos. “Já fazia uma série de actividades e projecções que envolviam cinema e dança, mas em Hong Kong”, explicou, sendo que a ideia de trazer um festival mais coeso e consistente a Macau sempre foi algo que teve em mente.

Por outro lado, dada a sua ligação às artes, e sendo também júri dos filmes que estarão em competição, Erik Kuong considera que a ideia de fazer o festival no território é também uma “forma de mostrar a curadoria local de uma forma mais internacional”.

A paixão pela dança vem essencialmente enquanto forma de expressão. O desafio passa por mostrar uma arte através da outra, aliando o movimento da performance às imagens do cinema. “É dar uso à linguagem do corpo através da linguagem da imagem filmada”, referiu.

Relativamente ao números de aderentes na secção de competição, o responsável não podia estar mais satisfeito. “A organização recebeu cerca de 150 filmes vindos de 35 países. Foi muito bom e ficámos muito surpreendidos. Temos também um júri internacional constituído por seis elementos: um da Austrália, um do Brasil, um de Singapura, um de Hong Kong, um elemento que apesar de ser também de Hong Kong, vive em Macau e eu”.

O contentamento é igualmente manifestado no que respeita ao mérito artístico das películas a serem exibidas. “A qualidade dos filmes que recebemos foi muito além das nossas expectativas”, expressou ao HM.

Fim-de-semana em movimento

O evento tem um prelúdio. A ideia é cativar o interesse e a curiosidade do público local. Para o efeito teve lugar, ontem, a projecção de “Dress to see”, um filme do realizador local Tomas Tse. “A intenção é começar com o que se faz no território anfitrião”, explicou Erik Kuong.

Oficialmente, o “Rollout Dance Film Fest” tem início sexta-feira com o filme de abertura. A escolha incidiu em “Mr Gaga”, o documentário que retrata a vida e o trabalho do coreógrafo israelita Ohad Naharin. No dia de arranque haverá também uma presença local com uma projecção extra, desta feita de “Wanderland”, um filme realizado por Cloe Lao.

O sábado vai ser preenchido com a exibição dos 60 filmes que passaram a selecção inicial e que abrangem o cinema e a dança vindos de todo o mundo.

O filme vencedor receberá 1000 dólares americanos. Segundo Erik Kwong, “apesar de não ser uma quantia muito avultada, representa uma ajuda para a promoção do filme, essencialmente no estrangeiro.” Além do prémio do júri, o festival conta ainda com a atribuição de uma distinção para um filme escolhido pelo público.

Por último, “no domingo vamos ter secções dedicadas à Europa, ao Brasil e contamos com um documentário de HK. Tentamos que o programa seja acessível a todos para cativar as audiências. Queremos chegar ao público em geral”.

De Macau, concorreram um total de seis filmes que estão seleccionados e “esta pode ser uma forma de cativar mais a produção local não só na dança, mas também no cinema associado a esta forma de arte”, explicou Erik Kwong.

Para o organizador esta pretende ser a primeira edição de muitas: “Queremos no futuro encomendar trabalhos para que possam participar e integrar, queremos ser um Festival Internacional”.

13 Dez 2016

“São Jorge” vendido para distribuição no mercado chinês

Ainda em Veneza, aquando da estreia, o filme “São Jorge” de Marco Martins ficou com o destino ditado com a venda para distribuição comercial no mercado da China. Para o realizador, a passagem para o mercado asiático não deixa de ser positiva, apesar de ainda não saber o que esperar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme português “São Jorge” foi vendido para distribuição comercial na China, devendo seguir-se “provavelmente” França, afirmou ontem o realizador Marco Martins, em Macau, onde a longa-metragem fez a sua estreia asiática.

“São Jorge”, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor na secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza em Setembro, é um dos 12 filmes da categoria de competição do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, que decorre até terça-feira.

A exibição do filme – que conta a história de um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver – teve lugar ontem à noite, na Torre de Macau, mas a venda para distribuição comercial para China foi concretizada em Veneza, indicou o realizador em conferência de imprensa.

“O facto de ter sido vendido para distribuição na China deixou-me muito contente e curioso sobre a percepção que o filme teria aqui”, afirmou, quando questionado sobre as expectativas relativamente ao público chinês.

Apesar de “São Jorge” estar focado num “período específico” da história portuguesa, Marco Martins considera que a longa-metragem percorre uma narrativa universal.

“Quando faço um filme tento que seja absolutamente universal e perceptível por qualquer cultura, faixa etária, que seja absolutamente universal independentemente do país em que seja visto e, nesse sentido, acho que o filme fala de sentimentos que são universais. Há um pano de fundo que é a crise – sim –, mas depois é a história de um pai que tenta manter a sua família junta”, realçou.

Obra do acaso

Marco Martins descreveu ainda a génese do filme, contando que foi um pouco por “acaso” que entrou no submundo dos cobradores de dívidas, porque a ideia original era fazer um filme sobre um pugilista amador.

A surpresa chegou quando começou a fazer a pesquisa nos ginásios de boxe – onde “pensava que ia encontrar o cliché habitual dos que trabalham em empresas de segurança ou em discotecas ou em estabelecimentos prisionais”, e acabou por encontrar uma série de boxers que trabalhavam em empresas de cobranças – umas legais e outras legais.

“A partir do momento em que percebi qual era o trabalho que faziam, isso tornou-se mais importante que o boxe em si e foi ganhando um peso na história bastante grande”, relatou Marco Martins, explicando que face às dificuldades, por serem “empresas e esquemas muito fechados”, a pesquisa sobre esse mundo das cobranças difíceis foi feita nas entrevistas com os pugilistas que explicavam o processo.

Neste âmbito, descreveu também a intensa preparação do actor Nuno Lopes para vestir a pele do protagonista: a física, ao longo de cerca de um ano e meio, e ao nível da própria personagem e do acento específico da margem sul de Lisboa, por exemplo.

A inclusão de elementos de documentário – com conversas sobre a situação política e social em Portugal – também foi “ganhando importância”, dado que inicialmente o guião era “muito clássico”, explicou o cineasta. “Essas conversas eram mais interessantes do que estava originalmente no guião e, portanto, houve a vontade de trazer esse lado mais documental para o filme.

“Todas aquelas pessoas que vivem nos bairros – alguns dos cobradores, alguns dos devedores – são pessoas com quem as quais me fui cruzando ao longo da pesquisa”, pelo que surgem “pequenos excertos de grandes diálogos” dessas pessoas que Marco Martins foi levando para o filme, fazendo com que elenco tivesse cada vez mais actores não-profissionais.

“Um aspecto também interessante foi que a ideia era fazer um filme social sobre a crise, quase como um filme mosaico sobre aquele período da ‘troika’ em Portugal, mas quando o universo das cobranças entrou de repente assustei-me porque tinha um filme de género na mão – era de facto, quase um policial negro”, relata, indicando que esse “cruzamento de géneros” ou “híbrido” lhe despertou o interesse para trabalhar “esses dois materiais muito distintos entre si”.

Além disso, “São Jorge” foi uma estreia para Marco Martins por ser o seu primeiro filme em digital, o que marcou uma “grande mudança” na linguagem: “Fizemos uma série de testes e o que nos pareceu mais interessante foi esta ideia de um filme passado de noite”, algo, “de facto, fantástico”.

12 Dez 2016

João Botelho, realizador: “Quando se constroem muros, é preciso pontes que os destruam”

“A Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto é o título e tema do próximo filme de João Botelho. O realizador português esteve em Macau a apresentar o projecto no “Crouching Tigers Project Lab”, secção do Festival Internacional de Cinema que reúne cineastas e a indústria para levar os filmes, que ainda são ideias, ao grande ecrã. Para João Botelho, esta é uma oportunidade de dar o cinema português ao conhecimento asiático

[dropcap]E[/dropcap]stá na secção “Crouching Tigers Project Lab” a apresentar o seu novo projecto, “ A Peregrinação” baseado na obra de Fernão Mendes Pinto. Porquê esta escolha?
Gosto de adaptar livros. Comecei quando fiz os “Tempos difíceis” do Dickens numa adaptação portuguesa. Depois comecei a fazer coisas que considero importantes na cultura portuguesa e penso estarem pouco divulgadas. Adaptei, do Frei Luís de Sousa, o “Quem és tu?” e “A corte do norte” da Agustina Bessa Luís, que é uma escritora que admiro. Fiz “O desassossego” do Pessoa e “Os Maias” do Eça. Acho que agora é a altura de fazer uma coisa que os portugueses se vão esquecendo e que é ter orgulho em alguns dos grandes momentos portugueses. O Fernão Mendes Pinto representa um deles. Foi uma pessoa desprezada durante muito tempo e de repente descobre-se que ele tinha muito mais verdades do que aquilo que se pensava. Naquela altura, os portugueses queriam epopeias que revelassem a grandeza e Fernão Mendes Pinto foi uma pessoa que apenas relatou, e muito bem, os anos que esteve na Ásia. Por outro lado, as contradições do ser humano estão todas na sua obra. Outro aspecto importante é que estamos numa altura em que está tudo a construir muros e o Fernão Mendes Pinto, através das civilizações que vai conhecendo e com quem se vai relacionando, dá um bom exemplo do que é a coexistência pacífica entre os povos. Numa altura em que se constroem muros, é preciso pontes que os destruam. Ele só começou a escrever o livro passados oito anos de regressar a Portugal. Ninguém lhe ligava. Não foi muito bem reconhecido em Portugal. A única pessoa que o reconheceu foi o Filipe II de Espanha. Nem foi em Portugal. Mas era alguém que conhecia, na altura, como ninguém, o oriente. Outra coisa curiosa acerca do Mendes Pinto, é que considerava que, quando os portugueses se portassem mal, deveriam ser castigados por isso.

Um sentido de justiça?
Sim, ele achava que toda a acção tem uma paga.

Este filme é um filme de aventuras e o cinema que faz é conhecido pelo seu lado mais contemplativo. Como é que junta a acção da aventura com este aspecto contemplador?
Tem de ser com muito cuidado. Por exemplo, este filme também é um musical. Adoro o “Por este rio acima” do Fausto, e achei que uma das coisas magníficas que se podem fazer no cinema é, quando há uma acção com crueldade, por exemplo, podemos parar os actores e pô-los a cantar a própria acção. Por exemplo, há uma grande tempestade e em vez de fazer a cena toda (até porque é muito cara), a cena pára a determinada altura e os actores, agarrados aos mastros, cantam a tempestade, cantam o naufrágio. É um filme que tem um bocado de acção, um bocado de contemplação e de narração também.

É um filme também narrado?
O herói deste filme é a grande escrita do Fernão Mendes Pinto e vamos ter uma voz off a narrar o próprio filme, a dele. Uma das coisas que estamos a trabalhar aqui, e que tem sido uma sugestão que agrada à indústria, é de a de que a voz do narrador seja uma voz do país em que está a ser distribuído. Por exemplo, na China será chinesa, no Japão, japonesa, no Brasil, o português brasileiro, na Malásia, o malaio. Mas, para ser fiel, porque o narrador é o Fernão Mendes Pinto que é português, quando estas situações acontecerem, muda-se o pronome, o eu passa a ser ele.

A linguagem também unifica…
Sim, nesta mistura cultural é um meio de unificar, aliás o cinema pode sempre unificar porque no cinema podemos fazer tudo. Não há uma regra para o cinema.

Como é que está a correr a apresentação do projecto nesta secção?
Aqui as pessoas parecem estar muito interessadas neste projecto. Esta secção está muito bem pensada e organizada. De repente houve uma data de produtores, distribuidores e agentes que estão aqui. Vêm da china, de Hong Kong, Malásia, Coreia. São sobretudo asiáticos. Apareceu um grande produtor da China continental que tem uma sucursal em Hong Kong e também tem estúdios em Los Angeles. Segundo eles, quando também lhes perguntamos no que é que estão interessados, a resposta é que estão interessados em tudo. Apareceu-nos outra pessoa, um miúdo fantástico da Coreia que faz efeitos especiais, que se ofereceu para tratar da pós produção deste filme. Nesse caso, ficam os direitos para a Coreia. É uma troca e é muito boa porque vamos precisar disso. Outro representante da indústria de Hong Kong queria comprar-nos os direitos para fazer um filme de animação. Não aceitei. Quero fazer o filme mas posso ceder os direitos daqui a dois anos para o projecto de animação.

O mercado asiático está interessado?
Sim e pela primeira vez. Este pode ser um meio dos filmes, principalmente portugueses, atingirem outros mercados. Eles gostaram muito desta história e pareceram muito interessados. Pode não dar em nada mas acho que vai dar.

O Martin Scorsese acabou de fazer um filme acerca dos Jesuítas no Japão, a peregrinação é também uma abordagem do oriente. Considera que há um interesse crescente e visível pela abordagem da Ásia no cinema ocidental?
Sim, há. Este é o próximo império. Os impérios são como as pessoas: nascem, crescem e morrem. Nós também o fomos. Agora é a China. A Europa estagnou, os Estados Unidos estão com problemas gravíssimos e a China tem tempo. Para a China, mil anos não é nada, eles têm tempo para esta uma ocupação lenta.

Filmou na China, com que impressão ficou?
Foi uma impressão de uma certa violência, ou seja, de vez em quando é preciso fechar os olhos a alguma coisa para poder ver a beleza de coisa inacreditáveis. É uma cultura de massa mas por outro lado tem orgulho e dimensão deste novo império.

Quando é que prevê a estreia de “A Peregrinação”?
Vou filmar de Abril a Julho e espero que lá para Novembro do ano que vem possa estrear.

12 Dez 2016

Ivo M. Ferreira, realizador de cinema | O bom filho à casa torna

Ainda a sentir réplicas de “Cartas da Guerra”, filme pré-seleccionado para os Óscares, e com destaque em tudo que é festival de cinema internacional, Ivo Ferreira volta a Macau para fazer um filme. O cineasta abriu as portas do seu escritório e recebeu o HM

[dropcap]O[/dropcap] que pode dizer-nos acerca deste novo projecto?
Comecei a escrevê-lo, precisamente, durante a paragem do “Cartas da Guerra”. É um filme que revisita uma Macau dos últimos cinquenta anos, ou dos próximos dez. É meio intemporal e assenta na ideia da erosão, da destruição física da cidade, como um catalisador que cria unidade e entidade. A ideia é um bocado romântica, louca, drástica e divertida, espero.

E a narrativa?
A narrativa gravita à volta de um hotel, que não é bem um hotel, é um prédio muito degradado onde os hóspedes acabam por ficar a viver, fazendo as suas casas dentro dos quartos. O dono é um português, que vive com a filha no topo do edifício, sem se preocupar com qualquer tipo de manutenção. Nisto, há um personagem que chega à cidade e que pretende deitar o edifício abaixo para construir um hotel novo. No fundo, é uma estória de resistência.

De onde lhe surgiu a ideia para o filme?
Vim para Macau em 1994, estive cá quase quatro anos e depois fui voltando. Filmei cá a minha primeira longa-metragem, “O Estrangeiro”. Apeteceu-me revisitar a cidade. Crio relações especiais com os lugares, algo que não tenho em mais nenhum lado do mundo, a não ser Lisboa. Quando regressei para rodar “O Estrangeiro” tentei revisitar esses primeiros dias de Macau, o hotel de prostitutas onde vivi, por exemplo. Os sítios que queria filmar tinham desaparecido e, pronto, fui filmar o vazio. Foi a minha tentativa inicial de somatizar a primeira experiência de Macau. Havia outro filme para fazer, eu sabia, e haverá outros. Pode ser que me saia o Euromilhões… Olha, gastava tudo mal gasto. Neste momento, vivo um estado compulsivo, estou a fazer este projecto, mas já estou a preparar um trabalho sobre os FP 25. Será um grande filme, muito caro e bastante explosivo.

Como está a ser voltar a trabalhar num filme em Macau?
Eu gosto muito disto, tenho uma relação muito especial com a cidade. Gosto imenso de Portugal, mas dá-me uma seca imensa passado um tempo, aborrece-me. As pessoas queixam-se muito, e pior, a maioria das vezes têm razão.

Este sempre foi o meu plano, filmar dos dois lados. Mesmo sabendo que em Macau é muito, muito difícil. Mesmo apesar do passo enorme que o Instituto Cultural deu, espero que tenham consciência que o próximo passo tem de ser maior ainda, mas este primeiro já é de louvar. Sinceramente, é um desafio porque é muito difícil filmar cá. Posso dar-te um exemplo: uma coisa que há em Macau em abundância são quartos de hotel, mas estou há oito meses a pedir licença para filmar uma cena num quarto de hotel. Uma coisa completamente normal, ainda para mais com uma estrela de Taiwan, Rhydian Vaughan. Qualquer hotel no mundo até lhe pagaria o quarto. Aqui não, nada. Tudo é assustador, há uma espécie de medo que não sei explicar. A Sophia Coppola no Lost In Translation transformou o bar do hotel num destino turístico, as pessoas querem ficar lá por causa do filme. Estou há um ano para ter resposta do turismo, outro exemplo. As coisas avançam a um ritmo muito lento. É, absolutamente, desesperante, falta um bocadinho de frescura e dinâmica.

O “Cartas da Guerra” tem corrido os festivais internacionais e foi pré-seleccionado para os Óscares…
Devia estar em Washington agora, o filme está a passar lá. Para teres hipóteses nos Óscares precisas gastar pelo menos 300 mil euros. Primeiro, tens de anunciar nas revistas, depois vêm as sessões privadas. Mas ser pré-candidato é muito bom, é super sexy e cria buzz em torno do filme. É muito bom sair de um filme e entrar noutro, mas por outro lado é horrível. Este mês perdi alguns 15 festivais fantásticos. No entanto, a exposição dá muito jeito, por exemplo, para falar aqui com um co-produtor de Hong Kong. É óptimo, agradeço imenso a toda a gente que votou em mim e, se chegar lá é muito bom, principalmente na repercussão que trará às vendas.

Tirando os benefícios práticos, como tem sido lidar com o protagonismo?
O que me assusta mais é a conta bancária. Continuo teso, a ver vamos se isto alguma vez endireita. Agora, a sério. Fico muito contente, mas a verdade é que este filme, de certeza absoluta, não o teria montado financeiramente com esta velocidade se não fosse tudo isso. Pronto, se calhar lá terei de ir passear na red carpet, o que, sinceramente, não tem assim tanta graça, mas a Margarida adora vestidos e ainda arranjamos uns descontos. Mas dá muito trabalho, não tenho vida para isso.

Voltando ao “Cartas da Guerra”. Quais foram as maiores dificuldades?
A montagem foi um paraíso, agora, até lá foi tudo horrível. Primeiro concorremos e ganhámos o financiamento do ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual], o que é importante para depois pedir mais dinheiro lá fora. Estava tudo a correr bastante bem, mas depois Portugal foi à falência e não chegámos a receber o dinheiro. Depois, outros eventuais parceiros que existiam também saltaram fora. Começámos aí uma travessia do deserto. Assumimos que não iríamos ganhar dinheiro com o filme, porque se ia gastar tudo na rodagem. Era algo que estava assumido, e a única forma de poder filmar em Angola. Não iria esperar mais não sei quantos anos para tentar financiamento. Já tinham passados tantos, que era agora ou nunca, e se continuasse a arrastar, às tantas também já não queria fazer o filme. De repente, em três horas, o filme estava financiado. Houve uma viragem total. Não foi nenhuma sorte, foi o filme em si que fez isso. O filme que nos deu pesadelos, também nos deu a bonança e a felicidade. Finalmente, avançámos.

Foi uma rodagem problemática.
As rodagens em Angola foram horríveis, apesar do apoio local do exército angolano. Foi muito duro, também por questões inerentes à natureza do projecto. Quis filmar numa zona que se parecesse com o local onde se desenrolou a acção. O próprio sítio foi um dos maiores inimigos. Houve muitas doenças, paludismo, febre tifóide, foi muito chato. Era tudo tão duro e absurdo. Tivemos acidentes muito graves na equipa. Nessa altura, realmente, pensei: “Epá, nunca mais quero fazer filmes”. Depois chegava ao quarto e pensava “faz-se mais um dia”, e assim se foi andando. Agora, como já passou algum tempo, a memória selectiva leva-me para as coisas positivas, ficamos com uma imagem mais romântica à distância.

Então e a montagem?
A montagem foi super simpática. Temos uma casa no campo e montámos lá um estúdio. Essa parte foi fixe, podia estar com os putos.

Como foi trabalhar com a Margarida Vila-Nova?
Ninguém acreditava que eu ia pôr a voz da Margarida, nem que a ia filmar. Não sabia como é que havia de filmar, tinha vários décors em mente, como a Praia das Maçãs, que é muito referida no livro. Mas o décor foi na casa do pai do António Lobo Antunes, onde a Maria José e o António viveram, num segundo andar. Havia caixotes no chão, e eu fui lá ver o apartamento só por curiosidade. Decidi filmar tudo dentro da casa, porque não queria mais ninguém no plano, assim tudo aquilo poderia ser uma memória dela. Foi no último dia, estávamos todos estoirados, mas eu queria filmar planos que retratassem o encontro, desencontro, a perda, uma espécie de intangibilidade.

Um ambiente que criasse intimidade.
Avisei-a uns dias antes quanto à cena de amor. “Olha, se calhar vais ter de te masturbar na cena. “Ah, não, nem penses”. Não disse mais nada. Era uma cena de intimidade, e faltava-me os dois juntos, apesar de não se tocarem. Uma história de amor do caraças sem uma cena de cama, oh Ivo, que conceptual do caraças. Já tinha filmado a cena do Miguel, evidentemente, a pensar nisso.

ivo_ferreiraÉ um filme que suscita emoções.
Tenho ouvido muito falar nisso. Foi muito importante para mim o contacto que tive com aqueles homens que me acolheram e que me puseram dentro da companhia. A ante-estreia em Lisboa foi no âmbito do IndieLisboa, no 25 de Abril, o filme estava por todo um mundo, era absurdo não passar por Portugal. Sabia que estavam lá os camaradas, até tinham farnel. Não os vi, procurei-os porque queria dedicar-lhes a sessão. Eles estavam lá ao fundo, na última fila da Culturgest, para não serem vistos. Assim podiam sair caso não gostassem do que estavam a ver. Nunca lhes mostrei nada. Claro, mostrei à Zé e à Joana. Depois, chegámos ao fim do filme e lá estavam com lágrimas nos olhos. Um dos antigos combatentes dizia para outro: “Conheço-te há 50 anos, estivemos num funeral de um grande amigo e nunca te vi chorar, o que é esta merda? E o outro diz “olha lá para ti”. Mesmo as mulheres deles ficaram muito emocionadas, porque os maridos nunca lhes haviam falado da guerra. Uma das esposas disse-me: “Ao longo de todos estes anos o meu marido nunca falou disto comigo, eu sabia que depois do filme ele ia ter pesadelos, e teve. Teve pesadelos, acordou e começou-me a falar de coisas de quais nunca me tinha falado em 40 anos”. As coisas também têm uma altura para acontecerem e os portugueses têm tendência para lidarem muito mal com as suas coisas, adiar eternamente. Procurei aquilo que me pareceu ser a essência daquela vivência, sobretudo o isolamento, a vida interrompida. Não sei bem porquê, chora-se muito à volta deste filme. É muito forte, mesmo para mim, não é só o filme, a forma, o que aconteceu, os camaradas que me ajudaram em todo o processo. Acho que agora já passou, mas eu e o Ribeiro tivemos alturas em que olhávamos um para o outro e ficávamos com lágrimas nos olhos sem razão alguma.

E como foi a relação com o António Lobo Antunes?
Toda a gente que achava que poderia correr mal, não houve um único problema entre nós ao longo destes anos todos. No momento que propus a ideia disseram-me que era louco, aquilo nem era para sair em livro, mas foi uma vontade expressa da Maria José antes de morrer. O António disse-me uma vez que nunca o tinha lido, apesar da personagem não estar só neste livro, está também nos “Cus de Judas”, e no “Memória de Elefante”. Sabia que historicamente teria de ser certeiro. Nunca tinha visto uma pistola na vida, nem fui à tropa. De repente, tenho uma estória intimíssima que duas amigas me estão a deixar adaptar, com detalhes da intimidade da sua mãe, e de não sei quantas pessoas. Também explora o lado biográfico de um grande escritor vivo, e uma personagem bastante particular. Desde o início, nós tivemos a relação que o António quis ter. Agora, olhando para trás, recordo as grandes conversas que tive com ele e, também, os grandes silêncios enquanto ele fumava sem parar. Em retrospectiva, tudo o que aconteceu foi o que eu queria que tivesse acontecido. O António tem problemas em ver o filme, porque não está ainda preparado, segundo ele. É algo muito pessoal, porque ela foi o grande amor da sua vida, são episódios muito importantes. Sei que já fez algumas tentativas, e haverá um tempo. Gostava que ele visse o filme, se ele o quiser ver, mas se lhe fizer aflição, não faz mal.

9 Dez 2016

Cinema Documental sobre Macau dos Anos 20

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]uma semana em que Macau está virada para o cinema, perguntamos a quem nos souber responder, onde se poderão ver os documentários de propaganda sobre Macau, realizados pela Empresa Cinematográfica Macaense, criada por Lucrécia Maria Borges em 1924? Sim, os que foram no último dia da Feira e Exposição Industrial, a 12 de Dezembro de 1926, exibidos numa sessão dedicada ao Governador Tamagnini Barbosa e ao Almirante Hugo de Lacerda.

O Almirante Hugo de Lacerda Castel Branco foi Governador interino de Macau de 29 de Julho de 1926 até à chegada do titular Artur Tamagnini de Sousa Barbosa, o que ocorreu a 8 Dezembro e por isso, a Exposição foi prolongada até à meia-noite de Domingo dia 12. O novo Governador, chegando de Hong Kong, desembarcou com a esposa e os cinco filhos no cais provisório do novo porto exterior, sendo recebido pelas autoridades civis, militares e eclesiásticas da cidade. Para lhes dar tempo a irem para a praça do Leal Senado, Tamagnini foi dar uma volta pelas obras do novo porto. Assim, quando o carro parou em frente ao edifício do Município ali encontrou a mesma guarda de honra que o recebera à saída do barco. Subindo para o salão nobre e perante a vereação da Câmara tomou posse do Governo de Macau, “pela simbólica entrega da chave de ouro por parte do Presidente da Câmara” Damião Rodrigues. Depois, seguiu para o Palácio do Governo. À noite foi visitar a Exposição, sendo recebido pela Comissão que dera corpo àquele projecto, ficando bem impressionado.

No campo da exposição havia um serviço permanente de bufete servido pelo Grand Restaurant e nesse local tocaram várias bandas, entre elas de jazz.

Cinema na Feira

É preciso lembrar ter sido o cinema inventado nos finais do século XIX e em 1895, os irmãos Lumière foram os primeiros a projectar um filme documental num café em Paris. Na Exposição Industrial de 1926, como a Comissão não poderia dar atenção a tantos trabalhos, entregou a exploração do Cinematógrafo da Feira à Empresa Cinematográfica Macaense de Mário Borges & C.º. Desde 1924 Lucrécia Maria Borges tinha “o exclusivo dessa exploração no território da Colónia pelo prazo de dez anos” e ficou encarregue de realizar documentários sobre Macau, “onde serão apanhados todos os assuntos mais notáveis da vida da colónia”. No entanto, Beatriz Basto da Silva refere existir em 1922 o Cinematógrafo Macau, onde foi exibida “uma fita sobre Macau, destinada à Exposição do Rio de Janeiro” (…) “inteiramente feita por um amador, Sr. Antunes Amor.”

Já na quarta reunião da Comissão, a 24 de Abril de 1926, o Presidente disse que ia oficiar para Portugal a pedir várias fitas cinematográficas panorâmicas a fim de também se fazer propaganda ao nosso país, pois este apenas era conhecido pelo Vinho do Porto vindo de Portugal e do Ópio, em Macau.

A 4 de Dezembro de 1926 A Pátria refere que, no salão cinema da Exposição vão ser exibidas umas fitas produzidas em Macau pela Empresa Cinematográfica Macaense (ECM) e outras de Portugal. No dia 11 de Dezembro foi projectada a fita Os Fidalgos da Casa Mourisca, tirado do romance de Júlio Dinis, que pela segunda vez passou em Macau, sendo a sessão dedicada ao Exército de Terra e Mar. O preço de 60 avos incluía a entrada no recinto da Feira, encontrando-se os bilhetes à venda na Papelaria Progresso e Po-Man-Lau, na Livraria Portugália e na bilheteira do Teatro.

Dedicada ao Governador Artur Tamagnini Barbosa e ao Almirante Hugo de Lacerda houve no dia 12, pelas 21:30, uma sessão de cinema com filmes produzidos pela ECM, assim referido no anúncio que A Pátria publicou.

Entre estes filmes de propaganda, o primeiro a ser apresentado foi “O Vôo Audaz das Águias Portuguesas”, que mostrava a chegada a Macau dos aviadores, Major Brito Pais, Capitão-tenente Sarmento Beires e o mecânico Alferes Manuel Gouveia. Tendo partido de Vila Nova de Milfontes com dois aviões no dia 7 de Abril de 1924, tinham programado chegar a Cantão, para poder evolucionar sobre Macau, visto esta cidade não ter campo de aterragem. Na Índia perderam um avião e a 45 milhas de Macau, às 15 horas do dia 20 de Junho, caiu o avião onde viajavam, sendo recolhidos pela canhoneira Pátria que os trouxe para Macau, onde foram recebidos em grande festa pela população a 25 de Junho de 1924. É sobre a recepção do desembarque à chegada a Macau que trata o documentário.

O segundo filme era sobre “Os Funerais de um Capitalista”. Já o terceiro, “Comemoração do Quarto Centenário de Vasco da Gama”, levanta-nos algumas questões. Seria sobre a abertura da Avenida Vasco da Gama, para comemorar o IV Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia? Tal parece impossível pois esta ocorreu em 1898 e encontrando-se o cinema nos primórdios, seria possível haver já em Macau câmaras de filmar? Ao ler sobre o que retratava o documentário, aparecem duas hipóteses mais plausíveis. Ou era da inauguração em 31 de Janeiro de 1911 do busto de Vasco da Gama do escultor Tomás da Costa, hipótese menos provável, ou sobre o Quarto Centenário da morte de Vasco da Gama, que ocorrera em 1524 e assim já poderia ser uma produção da ECM. É uma reportagem cinematográfica onde consta o desfile do cortejo cívico na Praia Grande, na Avenida de Vasco da Gama, junto da estátua do insigne navegador, com homenagens da Colónia, das comunidades holandesa e chinesa e dos portugueses de Hong Kong, no Leal Senado, uma missa campal e vários aspectos da iluminação na cidade e no porto.

O quarto filme tratava sobre “O Casamento de Mr. & Mrs. Francis Young Po Nam” e o quinto, uma produção muito recente, “O Voo Madrid-Manila” filmado em Maio de 1926, aquando da passagem por Macau dos Ases Espanhóis Capitão Gallarza e Loriga. “O Concílio Episcopal em Xangai” foi o sexto filme exibido. Por último, o documentário de propaganda sobre “As Obras do Porto de Macau”. Uma reportagem completa da cerimónia da dragagem do último metro cúbico de lodo do canal de acesso do novo Porto da Rada, ocorrida a 26 de Agosto de 1926 no Porto Exterior.

A Empresa Cinematográfica Macaense resolveu filmar os pavilhões, barracas e vários aspectos da Feira da Exposição Industrial de Macau e convidou o público a aparecer no recinto no dia 11 de Dezembro pelas 15 horas, “para que o filme possa ficar o mais movimentado possível”. Faltava um dia para esta fechar.

Seria interessante ter disponíveis estes documentários sobre Macau de há 90 anos, assim como todos os filmes realizados anteriormente e os que depois se fizeram, para criar a cinemateca da RAEM.

9 Dez 2016

Tracy Choi, realizadora: “É um filme acerca de memórias”

“Sisterhood”, a primeira longa-metragem da realizadora de Macau, estreia na edição inaugural do Festival Internacional de Cinema. Tracy Choi mostra-se especialmente satisfeita por ser o público de Macau o primeiro a ver a obra que entra na secção de competição do evento

[dropcap]C[/dropcap]Como é ter a estreia do primeiro filme no Festival Internacional de Cinema de Macau, logo na primeira edição?
É uma situação que me deixa especialmente feliz. Além de ser a minha cidade natal, é um filme que também teve parte das rodagens no território e que fala dele. Também tenho aqui os meus amigos e família, e é uma oportunidade de assistirmos juntos à estreia. Estou muito contente que isso tenha acontecido.

É um dos filmes que está em competição na principal secção do festival.
Sim. Ainda não vi os restantes filmes em competição, mas já vi os trailers. Parecem ser filmes muito bons e é uma honra poder partilhar esta secção com eles.

Quais são as expectativas que tem para esta competição?
Nenhumas.

Porquê?
Porque, apesar de não ter visto ainda os filmes, penso que já têm um carácter muito internacional. Parecem todos muito bons.

Vai apresentar “Sisterhood”. Como é que apareceu este trabalho?
Foi o projecto do meu mestrado em Hong Kong. Já tinha esta história na cabeça e quando me graduei candidatei-me a um fundo de apoio do Governo de Macau. Na altura não tinha ainda este nome, penso que se chamava “Sweet Home”, mas a história era muito idêntica. Acabei por ter um financiamento de 1,5 milhões de patacas e fui bater à porta de outras produtoras em Hong Kong para acabar de financiar o filme. Consegui, juntamente com o meu orientador de mestrado, produtoras interessadas e começámos por contratar um guionista para tratar melhor da história e escrevê-la de uma forma mais complexa e densa. Depois, o resto do processo foi acontecendo.

E que história conta?
É sobre uma mulher natural de Macau que foi para Taiwan onde viveu 15 anos. Acaba por regressar ao território, mas já não consegue dizer que se sente em casa porque não sente uma ligação à terra. Macau também tinha mudado muito ao longo desses 15 anos de ausência, pelo que não mais reconhecia a “casa”. Mas o filme também se chama “sisterhood” porque aborda a história de uma relação entre a personagem principal e uma amiga antes de ir para Taiwan, ainda nos anos 90, e da percepção de como essa relação tinha mudado ao longo do tempo.

Um paralelismo entre as mudanças de Macau e das relações?
Sim. A história começa quando a personagem principal, que se chama Sisi, mas é sempre tratada com o número 19, o número de massagista que tinha antes de ir embora, recebe a notícia de que a sua melhor amiga de juventude tinha morrido. É então que regressa a Macau no intuito de “rever” a companheira pela última vez. No regresso, encontra amigos em comum e o filho da tal amiga, que tinha ajudado a cuidar enquanto bebé. São estes encontros que lhe trazem as memórias da relação e da vida antes da partida. É um filme acerca de memórias.

Que assuntos motivam os seus filmes?
São essencialmente questões acerca de mulheres e de género. Acabam por ser os temas que mais me atraem.

A escolha de Gigi Leung, a conhecida actriz de Hong Kong, foi uma estratégia?
Sim, para atrair outro público, mas foi também uma coincidência. Enviámos o guião e ela gostou muito, pelo que aceitou fazer o papel sem pedir o cachet normal. No início foi estranho para mim trabalhar com ela, sentia-me nervosa. Mas ela é muito profissional e vinha sempre muito bem preparada para as filmagens.

Passou de uma produção muito independente para um filme de uma maior produção. Teve de fazer alguma alteração significativa ao que queria inicialmente?
No geral, não. Tive acima de tudo oportunidade de trabalhar numa escala maior e contar com profissionais de Hong Kong. Mas, e tal como pretendia, consegui envolver na equipa pessoas de Macau. Sempre quis que fosse uma produção partilhada com Macau.

Qual é o problema da indústria cinematográfica em Macau?
Penso que o maior deles é não ter audiências. Por exemplo, se foram filmes mais independentes é muito difícil conseguir algum retorno em Macau porque nunca há público suficiente. Daí a necessidade de que o filme seja vendido para outros mercados. Mas, se pensarmos no mercado continental, ficamos limitados, porque nem todos os temas são aceites. Se pensarmos em Hong Kong, temos sempre de conseguir a presença de uma estrela da indústria local de modo a que tenha público. Taiwan é outra alternativa. Mas é muito difícil o cinema de Macau encontrar um caminho. No entanto, e à semelhança da realizadora Emily Chan, a colaboração com a China Continental pode ser uma opção para o cinema de Macau.

Considera que o festival pode vir a contribuir para a indústria do cinema em Macau?
Ainda não sabemos. Claro que é uma boa oportunidade para encontrarmos profissionais de outras partes do mundo. Mas, na verdade, ainda não sabemos o que vai acontecer no festival. Estamos também ansiosos por ver o que vai acontecer.

Planos para o futuro?
Estou a trabalhar em novos projectos. A concretização de “Sisterhood” acabou por abrir muitas portas. Estou também a escrever um novo guião. A história vai ser sobre Macau e sobre a vida de uma mulher que trabalha num casino. Quero trabalhar acerca do mundo actual, e dos constrangimentos e preconceitos que ainda se vivem em Macau, especialmente por parte das mulheres.

TRAILER

MAIS INFORMAÇÕES NO SITE OFICIAL DO MIFF
30 Nov 2016