Sofia Margarida Mota EventosMoçambique | Ciclo de cinema na FRC para dar a conhecer o país real O cinema moçambicano vai estar em destaque do dia 21 a 26 na Fundação Rui Cunha. A iniciativa é organizada pela Associação dos Amigos de Moçambique. A ideia é permitir a quem vive cá conhecer o cinema e a cultura daquele país [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cinco os filmes que vão integrar a terceira edição do ciclo de cinema feito em Moçambique. O evento tem lugar entre 21 e 26 deste mês no auditório da Fundação Rui Cunha e no cartaz traz quatro filmes de Licínio Azevedo e um da realizadora Teresa Prata. “Não podemos chamar a iniciativa de festival”, disse ao HM Helena Brandão, “porque não é uma coisa grande”. Para a responsável pela Associação dos Amigos de Moçambique, entidade organizadora, esta é antes “uma forma de alargar as actividades de forma sustentável”. “O dinheiro não é muito e fazemos o que podemos”, explicou. A iniciativa teve a primeira edição em 2012 e a ideia de projectar filmes surgiu como sendo a mais viável, de modo a que possam ser levadas a cabo outras actividades além da semana gastronómica. Para a organizadora, “basta ter cerca de 15 pessoas a assistir que podemos considerar um sucesso”. Mas certo é que a adesão tem vindo a crescer a cada edição. A ideia é mostrar à população de Macau um pouco mais da cultura moçambicana. Vasta e diversificada, Helena Brandão lamenta que não seja possível trazer mais actividades. “Gostava muito de ter cá teatro, que é uma área de relevo em Moçambique, mas é difícil trazer os actores, é muito dispendioso.” Com empenho, a associação consegue trazer, mais uma vez a Macau, o realizador Licínio Azevedo. Brasileiro de origem, Licínio Azevedo está radicado em Moçambique há mais de 40 anos e é hoje uma das maiores referências da sétima arte do país. O reconhecimento internacional aconteceu no âmbito do programa “Open Doors” do Festival de Cinema de Locarno, com o destaque que foi dado a “Comboio de Sal e Açúcar”. A película conta a história de um comboio e dos seus passageiros, que embarcam numa viagem perigosa durante a guerra civil moçambicana. Quatro histórias Do cineasta serão exibidos em Macau “A Ponte”, “Ferro em Brasa”, “A Ilha dos Espíritos” e “Desobediência”. “A Ponte” é a história do esforço colectivo para fazer uma travessia. De acordo com a apresentação da película, na estação das chuvas os rios enchem, e Chimanimami, uma das mais bonitas regiões de Moçambique, fica isolada do resto do país. No entanto, com a intenção de criar ali uma reserva natural, cuja principal atracção é o Monte Binga, o ponto mais alto de Moçambique, é necessário construir uma ponte e é a aldeia que se une para contribuir para a concretização do projecto. Um documentário sobre o fotojornalista Ricardo Rangel é a proposta de “Ferro em Brasa”. O fotógrafo, de 80 anos, é o símbolo vivo da geração que, no fim dos anos 40, iniciou as primeiras denúncias contra a situação colonial. Enquanto fotografava a cidade dos colonos, “Ricardo revelava a desumanidade e a crueldade do colonialismo”, lê-se na mesma apresentação. Desde então, e até ao fim da guerra civil pós-independência, o protagonista fotografou 60 anos da história de Moçambique. Neste filme, o fotógrafo conduz o público pela sua vida e obra, onde a cidade de Maputo, a boémia e o jazz têm um lugar especial. Também em formato documental é “A Ilha dos Espíritos”. Muito antes de dar nome ao país, a ilha de Moçambique teve um papel fundamental no Oceano Índico. “Foi um ponto de paragem de caravelas, de encontro de piratas, lugar de mistura de raças.” Os seus habitantes, orgulhosos do passado glorioso da ilha, são aqui personagens excêntricas que deambulam pelas ruas. Ainda de Licínio Azevedo é “A Desobediência”. Um filme real interpretado pelos protagonistas da história que conta. A película documenta a saga de Rosa, uma camponesa moçambicana que é acusada pela família do marido de ser a causadora do seu suicídio, por se recusar a obedecer-lhe. Para provar a inocência, e recuperar os filhos e os poucos bens que o casal possuía, Rosa submete-se a dois julgamentos: o primeiro num curandeiro e o segundo num tribunal. É absolvida em ambos. Durante a filmagem, o realizador decidiu instalar uma segunda câmara para seguir a história até ao fim. Segundo a apresentação da película, “uma montagem desta complexidade não tem paralelo no cinema africano.” Todas as projecções contam com a presença de Licínio Azevedo, que vai estar em Macau para falar não só dos filmes que faz, mas também da situação actual do país onde vive, do cinema que por lá existe e da cultura que o acolhe. A vida na tela Realizado por Teresa Prata é “Terra Sonâmbula”, uma longa-metragem premiada. Entre outras distinções, ganhou, em 2008, o FIPRESCI do International Film Festival Kerala, na Índia. O filme conta a história do velho Tuahir que encontrou Muidinga ainda com vida enquanto ajudava a enterrar crianças assassinadas numa aldeia. Tuahir cuidou da criança e viajou com ela para fugir da guerra. Cansados e com fome, encontraram um autocarro atacado pouco tempo antes, onde descobriram um diário. O achado leva as personagens à história de Kindzu, um jovem que teve a família assassinada e que estava em viagem à procura de uma criança. De acordo com a organização, “com o correr dos anos o cinema moçambicano ganhou experiência, tornou-se maduro e hoje, ainda sem actores profissionais, mais do que cinema político, conta histórias de factos como o drama humano, em histórias de ficção baseadas em factos reais, e é um cinema que, acima de tudo, revela a sociedade moçambicana pós-colonial e as suas contradições”.
Rui Filipe Torres h | Artes, Letras e IdeiasZEUS, Manuel Teixeira Gomes no grande ecrã [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] RADICAL DESEJO DE FELICIDADE, não é, mas podia ser, o título do filme ZEUS que nesta quinta feira de inicio de 2017, é distribuído pela NÓS em Portugal e tem, na mesma quinta-feira dia 5 de Janeiro, ante-estreia na Cinemateca Portuguesa. O filme acompanha a vida do herói, herói relutante, esse tipo de herói que modernidade ocidental inventou e que no caso tem nome próprio, Manuel Teixeira Gomes. Quem foi este homem, político, diplomata, escritor, que se demite a si mesmo do cargo de presidente da República Portuguesa, e decide viver os últimos anos da sua vida num exílio por ele próprio decidido, na cidade de Bougie, Argélia, margem sul do mediterrâneo? É o que se espera melhor conhecer quando a projecção termina. O filme cumpre essa natural expectativa. Vivemos um tempo em que é comum títulos de jornal sobre o uso da coisa pública em proveito próprio. Nenhum título nos fala do abandono, da recusa do exercício do Poder. O que dizer de alguém que, tendo o poder da presidência de República, a abandona por vontade própria e se auto exila entre outras terras e gentes? Este foi o caso do sétimo presidente da República Portuguesa, Manuel Teixeira Gomes, com fortuna herdada e construída pelo próprio, eleito a 6 de Agosto de 1923 presidente da ainda adolescente República Portuguesa, cargo de que se demite em 1925, para o acaso o instalar na cidade já referida. Norberto Lopes, no prefácio de “O Exilado de Bougie”, compara Manuel Teixeira Gomes a um grego do século de Péricles e/ ou príncipe florentino da renascença, há quem dele fale evocando a personagem Corto Maltese de Hugo Pratt. O cargo era grande ou pequeno demais para o homem Manuel Teixeira Gomes? ZEUS, é o nome do Filme de Paulo Filipe Monteiro, e o do cargueiro, onde o personagem principal desta ficção biográfica embarca 5 dias depois ao abandono das funções de Estado. Com 65 anos, muda de vida. A história real, desconhecida para a grande maioria dos portugueses, é trazida a filme pelo argumentista e realizador, Paulo Filipe Monteiro. O filme integra, de forma ficcional e sem acentuados dramatismos os acontecimentos políticos que antecederam a implantação da ditadura e, centra-se sobretudo, nesse tempo do exílio desejado, onde um confortável anonimato permite o prazer sensorial e a disponibilidade para a alteridade, para o encontro com a existência do outro. De alguma forma o filme também é uma fala sobre o colonialismo, neste caso o da França, sobre essa arrogância que se apresenta a si mesma como factor de civilização. Formalmente o filme assume uma montagem elíptica, por blocos, com citações não inteiramente conseguidas ao expressionismo alemão e ao mestre Murnau. Trabalha a luz e a sua ausência, é Paulo Filipe Monteiro quem afirma: “ Zeus é um filme sobre a luz. Outros em Portugal filmaram, e tão bem, a escuridão, a tal soturnidade, a tal melancolia, “um desejo absurdo de sofrer”. Eu gosto da luz nas pessoas e das pessoas que procuram a luz”. O filme trabalha com situações e frases verdadeiras, que permitem um olhar cinematográfico sobre a vida de um homem de espírito, livre, original. Estruturado em três blocos, cada um com o seu director de fotografia e o seu director de som, esses blocos vão alternando, o que torna a linguagem narrativa mais contemporânea, embora dando a mão ao espectador para que ele não se perca. Transcreve-se uma conversa breve com o realizador: ZEUS, é o nome do cargueiro holandês em que o herói viaja quando abandona o exercício do cargo de Presidente da República e procura outra alteridade. ZEUS, o filme, inscreve-se no género ficção histórica, tem como personagem principal Manuel Teixeira Gomes, escritor, diplomata, burguês com fortuna pessoal herdada e construída pelo próprio, eleito a 6 de Agosto de 1923 presidente da adolescente República Portuguesa, cargo de que se demite em 1925. É a partida, a viagem, depois do abandonar o cargo de P.R.P. o que te levou ao filme? Sim, o meu interesse por essa figura extraordinária e tão desconhecida dos portugueses começou por esse gesto inaudito de coragem e de liberdade: renunciar à Presidência e, aos 65 anos, mudar completamente de vida. Um homem com aquela importância, Presidente da República, ex Vice-Presidente da Sociedade das Nações (antecessora da ONU), sempre tão chic, grande coleccionador de arte, decide largar tudo e partir no primeiro barco que saia de Lisboa, mesmo sendo um cargueiro, não lhe interessa o destino. Passado um tempo está a viver com os nómadas no deserto… O filme procura resposta sobre o que faltou, ou esteve em excesso, em Manuel Teixeira Gomes, que o levou a abdicar do exercício do Poder? O que o levou a partir foram um conjunto de questões políticas e pessoais (a instabilidade, o avanço dos militares e dos fascistas, a lucidez de saber que o poder ia cair nas mãos dos militares, o pouco poder constitucional do presidente para travar isso, o desejo de não ser ele a entregar o poder aos militares, a morte do irmão, o escândalo Alves dos Reis, etc.), que o desgostavam de cá estar. Mas também a atracção de sempre pelas viagens, o fascínio pelo anonimato, a admiração antiga pela cultura árabe. Norberto Lopes, no prefácio de “O Exilado de Bougie”, compara Manuel Teixeira Gomes a um grego do século de Péricles e príncipe florentino da renascença, também há quem fale da personagem Corto Maltese de Hugo Pratt. Como foi o teu processo de casting? Procuras-te o actor, aquele que tem, sensibilidade e técnica, a capacidade da metamorfose, ou o actor que serve o papel por encaixe através de características antropomórficas, cor de olhos, estatura, modos de estar? Havia actores mais parecidos de cara e corpo com Teixeira Gomes. Mas apostei no Sinde Filipe, que tem a enorme inteligência, elegância e sensibilidade. Foi uma aposta ganha, encarnou completamente a personagem. Ainda só fomos a dois festivais e em ambos ganhou o prémio de melhor actor (em Mombai e em Coimbra). Filmar época é sempre um problema acrescido, obriga a um investimento ainda mais cuidado nos décores, guarda-roupa, até mesmo na direcção de actores, esta condição limitou, ou a procura dessa materialidade, resgatou o tempo da narrativa da prisão cronológica? Sim, é preciso mais cuidado, tempo e dinheiro. Creio que conseguimos. O João Torres é um fabuloso director de arte, conseguiu milagres. A Sílvia Grabovski, como sempre, a ganhar o prémio de melhor guarda-roupa. Os actores a tornarem-se pessoas daquele tempo, mas seres vivos, não empoados. Só a música não é de época, achei que seria demais. ZEUS, chega às salas nacionais a 5 de Janeiro de 2017. Quanto tempo demorou o processo, quando pensaste pela primeira vez fazer este filme ? Estou há oito anos a trabalhar neste projecto! Exigiu muita investigação, em Portugal e na Argélia, e cuidadosa preparação. É uma grande alegria ele agora chegar às pessoas. Em quantos ecrãs o filme vai estrear? Como está a ser o circuito dos Festivais, o filme foi proposta a festivais classe A? A distribuição internacional é feita por quem ? Vai estrear em vinte salas, o que é raríssimo em Portugal, mesmo com grandes filmes estrangeiros. Para já estamos concentrados nisso, depois trabalharemos na saída internacional do filme. O projecto ZEUS esteve nas primeiras obras, ou conseguiste o quase milagre de teres dois filmes ficção de longa metragem no teu CV, sem passar pelas primeiras obras do ICA? Eu não realizei duas longas. Fui actor em 10 longas-metragens, portuguesas e estrangeiras. Como guionista, escrevi sete longas para outros realizadores. Como realizador, só fiz Amor Cego, de 25 minutos, e agora Zeus, apoiado pelo ICA no concurso de primeiras obras. Já sabes qual vai ser o teu próximo filme ? Anda a fervilhar na minha cabeça. Não julguem que vou continuar a fazer sempre filmes de época: o próximo é bem contemporâneo. ZEUS é a primeira longa metragem que Paulo Filipe Monteiro assina, no entanto o cinema é central na sua produção teórica e profissional, prova-o a sua tese de doutoramento em 1995, orientada pelo ilustríssimo Eduardo Lourenço “Autos da alma: os guiões de ficção do cinema português entre 1961 e 1990”. Como estamos neste início de ano, espero que não se oponham a que expresse votos de excelente ano de 2017 para a cinematografia Portuguesa.
Julie Oyang h | Artes, Letras e IdeiasFilmes proibidos na República do Povo – o Top Mais 中国十大禁片 [vc_row][vc_column][vc_column_text] Porque estamos naquela altura do ano. Ano Novo (1999) https://www.youtube.com/watch?v=OxELcdWbncg Realizado por Zhang Yuan conquistou o galardão de Melhor Realização na 56ª edição do Festival de Cinema de Veneza. Uma história de amor e tolerância contada a partir do olhar do protagonista, que aqui nos fala dos 17 anos obscuros da sua vida. Zhang Yuan foi castigado por denegrir a imagem do socialismo. O Papagaio Azul (1993) https://www.youtube.com/watch?v=w-m3flVp9Aw Realizado por Tian Zhuangzhuang conquistou todos os prémios mais importantes do Festival de Cinema de Tóquio. Num ambiente carregado e melancólico, fala-nos do destino do indivíduo no quadro alargado do contexto histórico. Viver (1994) https://www.youtube.com/watch?v=ZB7HYhUpDz8 Baseado no romance homónimo de Yu Hua. O argumento centra-se na Guerra Civil e na Nova China nascida após a fundação da RPC. A história, contada através das diversas tragédias que se sucedem na vida do protagonista, reflecte períodos conturbados que, aparentemente, nunca deixaram de flagelar o povo chinês. Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes. Realizado por Zhang Yimou. Carteiro (1995) https://www.youtube.com/watch?v=seXB8H9h3aY Realizado por He Jianjun, acabou de ser rodado na Europa e estreou no Festival de Cinema de Roterdão. O filme “ofende os quadros superiores chineses”. Palácio Oriental, Palácio Ocidental (1996) https://www.youtube.com/watch?v=q0moLmZKiKs De Zhang Yuan. Prémios para Melhor Realização, Melhor Argumento e Melhor Adaptação ao Cinema – 6ª edição do Festival de Cinema da Argentina. Baseado no romance de Wang Xiaobo, analisa a homossexualidade na China contemporânea. O Artesão Carteirista (1997) https://www.youtube.com/watch?v=t6qY3570rDE Realizado por Jia Zhangke. Exemplo perfeito da razão pela qual os filmes chineses vencedores de prémios internacionais não terem nada a ver com o mercado cinematográfico local. Mr. Zhao (1998) Filme de estreia de Lu Le que, à semelhança de Zhang Yimou, passou com sucesso de fotógrafo a realizador de cinema. Rio Suzhou (2000) https://www.youtube.com/watch?v=hvKjNfYjJ9g Medalha de ouro no Festival de Cinema de Roterdão. Uma trágica história de amor passada na Xangai dos nossos dias. Realizado por Lou Ye. Do Lado de Fora (2000) https://www.youtube.com/watch?v=5FQ1__3fQcw Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes. Realizado por Jiang Wen, expõe sem reservas o militarismo japonês e acusa figuras políticas proeminentes. As Bicicletas de Pequim (2000) https://www.youtube.com/watch?v=QTQ-ciiLkjw Realizado por Wang Xiaoshuai, conquistou o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim. A história de um jovem de 17 anos vindo do campo para trabalhar em Pequim como estafeta, a quem roubam a bicicleta.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_separator color=”custom” style=”dotted” accent_color=”#dd3333″ css=”.vc_custom_1482929709086{margin-bottom: 5px !important;margin-left: 20px !important;}”][vc_column_text] PS: Dicas culturais Ben Hur foi proibido na China por conter “propaganda a crenças supersticiosas, nomeadamente o Cristianismo”. Avatar foi proibido na China porque os seus conteúdos podiam levar as audiências a pensar em deportações forçadas e por apelar à violência. O versão não editada de Avatar em DVD pode encontrar-se em qualquer loja da especialidade na China. As Lojas Walmart chinesas utilizam imagens do filme nos ecrãs de definição de imagem das televisões. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
Hoje Macau China / ÁsiaFilme chinês mais caro de sempre arrecada milhões na estreia [dropcap]O[/dropcap] filme mais caro da história do cinema chinês, “The Great Wall”, protagonizado pelo norte-americano Matt Damon, arrecadou 465 milhões de yuan (cerca de 64 milhões de euros), no primeiro fim de semana em que foi projectado. Segundo os cálculos elaborados em tempo real pelo portal China Box Office, o filme registou o quarto melhor início deste ano no mercado chinês de cinema, o segundo maior do mundo. A obra, dirigida pelo chinês Zhang Yimou, custou mais de 140 milhões de euros, e relata as aventuras de um mercenário inglês, interpretado por Damon. A história remete para uma China imaginária, onde a Grande Muralha, o monumento mais conhecido do país, foi edificada para deter a invasão por monstros que comem carne humana. “The Great Wall” é a primeira co-produção entre a China e os Estados Unidos da produtora de Hollywood Legendary, adquirida no início deste ano por Wang Jianlin, o homem mais rico da China e presidente do grupo Wanda Group, que tem a maior rede de distribuição cinematográfica do mundo. Um outro filme da mesma produtora, estreado este ano, o “Warcraft”, arrecadou quase 92 milhões de euros no seu primeiro fim de semana nos cinemas chineses, e alcançou receitas finais de 201 milhões de euros. A obra com melhores resultados na estreia, este ano, na China, o “The Mermaid”, alcançou uma receita de bilheteira final de 466 milhões de euros, o melhor resultado de sempre no país. TRAILER https://www.youtube.com/watch?v=_38pS49tQW0 • SITE OFICIAL
Hoje Macau Política“Os Resistentes – Retratos de Macau” #4 “Os Resistentes – Retratos de Macau” de António Caetano Faria • Locanda Films • 2014 Realizador e Editor: António Caetano Faria Produtores: Tracy Choy e Eliz L. Ilum Câmara e Cor: Gonçalo Ferreira Som: Bruno Oliveira Assistente de Câmara: Nuno Cortez-Pinto Editor Assistente: Hélder Alhada Ricardo Sonorização e Mistura de Som: Ellison Keong Música: Orquestra Chinesa de Macau – “Capricho Macau” de Li Binyang
Fa Seong A Canhota VozesParem de se sentir bem convosco próprios [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão foi só uma vez. Os governantes de Macau, sobretudo o chamado “secretário dos cinco anos brilhantes”, defendem que as medidas ou as actividades que o próprio Governo realiza “obtêm grande sucesso”, ou que “ganham bons comentários da maioria da população”, apesar de existirem várias opiniões ou criticas que revelam exactamente o contrário. É irritante observar que eles se sentem bem meramente consigo próprios, além de virem a público dizer que a maioria dos residentes também concorda com o que se passa. Antes de dizerem isso, não devem ter ouvido as críticas da sociedade, as que são difundidas nas redes sociais e nos meios de comunicação social, ou então apenas fazem ouvidos moucos. A harmonia é uma das características associada a Macau, à sua sociedade e às suas gentes, mas não é surpreendente que muitas pessoas prefiram ficar em silêncio sobre coisas que realmente não gostem, em vez de falarem dos problemas existentes. Olhando por aí, é fácil desmentir o que os dirigentes do Governo defendem de bom. A primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau, que acabou esta semana, é o exemplo mais recente. O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, salientou aos jornalistas que o festival foi organizado com grande sucesso, que recebeu todas as mensagens positivas, tendo ainda falado da surpresa de muitos com o sucesso da realização do festival pela primeira vez. Não posso negar os bons comentários que foram feitos e que o secretário ouviu, mas não deve ter ouvido falar das outras opiniões de especialistas e espectadores de festival expressas nas redes sociais. Essas críticas falam de salas vazias na exibição dos filmes seleccionados no festival, em momentos onde apenas os realizadores de renome e os actores apareceram para falar do filme com apenas dez espectadores. Seria curioso saber o que eles pensaram nesse preciso momento. Quando eles pensavam que os filmes não foram suficientes para despertar a curiosidade das pessoas, para as levar a comprar bilhetes, veio a saber-se que, antes dos filmes começarem a ser exibidos, já os bilhetes estavam esgotados. Então para onde foram esses bilhetes? Para as personalidades VIP convidadas pela organização do festival? Para os funcionários e familiares? Pode ter acontecido o caso de que, muitos dos que queriam realmente ver os filmes não conseguiram comprar bilhete. Mas as críticas não ficam por aqui. Um espectador do filme “Gurgaon” partilhou a sua opinião à publicação “All About Macau”, sobre a ida de um grupo de 50 estudantes à sala de cinema, tendo-se deparado com a falta de legendas em chinês, o que levou a que não tenham usufruído do filme, pela falta de entendimento do mesmo. Os responsáveis por esta edição do festival não podem tapar os olhos a esta situação. Tratando-se da primeira edição, o Governo deve prestar mais atenção a todas as reacções, quer sejam elogios como críticas. Num território tão pequeno, se todos fizerem ouvidos de mercador às críticas existentes, a cidade morrerá aos poucos, porque onde não há críticas, não há melhorias.
João Luz EventosCinema | Ivo M. Ferreira revela detalhes sobre novo filme, “Hotel Império” Foi ontem apresentado à comunicação social o novo projecto de Ivo Ferreira, “Hotel Império”. O filme é um mosaico multicultural, falado em quatro línguas, que vive do confronto entre o passado e o futuro [dropcap style≠’circle’]“É[/dropcap] uma grande alegria poder mostrar a minha Macau.” As palavras são do realizador Ivo Ferreira, durante a conferência de imprensa que apresentou ao mundo o filme que começará a ser rodado depois do ano novo chinês. As estrelas principais da nova película do realizador são Margarida Vila-Nova e Rhydian Vaughan, actor de Taiwan. O filme fará uma dissecção do que é viver em Macau, da intemporalidade e mutação constante de uma cidade que não pára de se reinventar, por vezes depressa de mais para a apreensão dos sentidos. É neste limbo de circunstâncias que se desenrola a acção. Na esquizofrenia do caos dos bairros tradicionais onde se estende roupa em fios de electricidade, e o aspecto ultra-modernista da Macau dos néons, dos enormes casinos e hotéis. “Vivi no Porto Interior, onde tudo é frágil e sólido ao mesmo tempo, gosto muito deste tipo de contradições”, adianta o cineasta radicado em Macau. O filme gira em torno de Maria, interpretada por Margarida Vila-Nova, que “ainda anda à procura da personagem”. Maria vive embrulhada em paradoxos e questões identitárias, tal como a cidade onde cresceu. Portuguesa e criada por uma madrasta que fala cantonês, não se sente portuguesa, nem chinesa, nem de Macau. Vive perdida, “não sabe muito bem o que fazer, cresceu mas ainda é uma rapariga”, tenta explicar a actriz. Pelo que foi dado a apreender, é uma personagem que se encontra num limbo emocional. Canta o fado no Casino Flutuante e, quando se prepara para resvalar para o mundo da prostituição, conhece Chu, um irmão que desconhece e com quem cria uma relação complexa. No centro da acção dramática entre os irmãos está uma atracção a roçar o incesto, a herança do Hotel Império e todo o tecido social que alberga. Ambições altas O filme será rodado em português, inglês, mandarim e cantonês, algo que não assusta o produtor Luís Urbano, que realça o aspecto mais atmosférico da obra, que será pouco palavrosa. Também o set será poliglota. “Acho que nos vamos divertir muito nestes 36 dias de rodagem”, revela a produtora Isabel Soares, interrompida pelo realizador: “66 dias”. Isabel pede, em jeito de piada, para o cineasta não abusar e o produtor Luís Urbano remata que nesse aspecto “não há negociações”. A familiaridade salta a olhos vistos, e essa é uma atmosfera que Ivo pretende trazer para o set, um feeling “caseiro, mas profissional”. Segundo Luís Urbano, o homem da produtora Som e Fúria, o filme estará pronto no final de 2017, a tempo de estrear e competir “em festivais de classe A”. O produtor admite que tem grandes ambições para esta película. Em termos comerciais, Lin Nan, co-produtor chinês da Titan Films International, considera as perspectivas comerciais deste filme “muito interessantes no mercado chinês”. Para tal contribui o facto de ser “falado em cantonês, uma vez que a zona do Cantão é uma das regiões mais aliciantes em termos de bilheteira em toda a China”. No que toca à distribuição, o co-produtor chinês alerta para o detalhe de este “não ser um filme comercial, portanto, primeiro será dada atenção a canais mais direccionados para o cinema de autor”. Mas, “olhando para o progresso que estamos a ter, não me surpreende nada que cheguemos à distribuição mais mainstream”, revela Lin Nan. No fundo, este projecto de Ivo Ferreira será uma belíssima caldeirada multicultural, uma tapeçaria complexa. Em todos os aspectos: elenco, financiamento, produção e mesmo em termos narrativos. Um filme nascido num contexto de assimetria, de paradoxo, de mundos diferentes que chocam, mas que se completam numa harmonia estranha. Um pouco à imagem da cidade onde será rodado.
Sofia Margarida Mota EventosEstreia | Primeira edição de festival de cinema dedicado à dança A primeira edição do “Rollout Dance Filme Fest” está prestes a começar, um festival de cinema todo ele dedicado à arte da dança. O HM falou com Erik Kwong, organizador da iniciativa, que deu a conhecer a ideia, o objectivo e a satisfação pela adesão internacional dos filmes que estarão em competição [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “Rollout Dance Film Fest” é o festival dedicado ao cinema que aborda a arte de dançar e que arranca com a sua primeira edição a partir de sexta-feira. “A ideia deste tipo de festivais, com temas mais circunscritos, já fervilha na Europa e mesmo no Brasil mas na Ásia ainda não é comum” explicou Erik Kwong, organizador da iniciativa, ao HM. Apesar de não ser frequente no continente asiático, Erik Kuong é “experiente” neste género de eventos. “Já fazia uma série de actividades e projecções que envolviam cinema e dança, mas em Hong Kong”, explicou, sendo que a ideia de trazer um festival mais coeso e consistente a Macau sempre foi algo que teve em mente. Por outro lado, dada a sua ligação às artes, e sendo também júri dos filmes que estarão em competição, Erik Kuong considera que a ideia de fazer o festival no território é também uma “forma de mostrar a curadoria local de uma forma mais internacional”. A paixão pela dança vem essencialmente enquanto forma de expressão. O desafio passa por mostrar uma arte através da outra, aliando o movimento da performance às imagens do cinema. “É dar uso à linguagem do corpo através da linguagem da imagem filmada”, referiu. Relativamente ao números de aderentes na secção de competição, o responsável não podia estar mais satisfeito. “A organização recebeu cerca de 150 filmes vindos de 35 países. Foi muito bom e ficámos muito surpreendidos. Temos também um júri internacional constituído por seis elementos: um da Austrália, um do Brasil, um de Singapura, um de Hong Kong, um elemento que apesar de ser também de Hong Kong, vive em Macau e eu”. O contentamento é igualmente manifestado no que respeita ao mérito artístico das películas a serem exibidas. “A qualidade dos filmes que recebemos foi muito além das nossas expectativas”, expressou ao HM. Fim-de-semana em movimento O evento tem um prelúdio. A ideia é cativar o interesse e a curiosidade do público local. Para o efeito teve lugar, ontem, a projecção de “Dress to see”, um filme do realizador local Tomas Tse. “A intenção é começar com o que se faz no território anfitrião”, explicou Erik Kuong. Oficialmente, o “Rollout Dance Film Fest” tem início sexta-feira com o filme de abertura. A escolha incidiu em “Mr Gaga”, o documentário que retrata a vida e o trabalho do coreógrafo israelita Ohad Naharin. No dia de arranque haverá também uma presença local com uma projecção extra, desta feita de “Wanderland”, um filme realizado por Cloe Lao. O sábado vai ser preenchido com a exibição dos 60 filmes que passaram a selecção inicial e que abrangem o cinema e a dança vindos de todo o mundo. O filme vencedor receberá 1000 dólares americanos. Segundo Erik Kwong, “apesar de não ser uma quantia muito avultada, representa uma ajuda para a promoção do filme, essencialmente no estrangeiro.” Além do prémio do júri, o festival conta ainda com a atribuição de uma distinção para um filme escolhido pelo público. Por último, “no domingo vamos ter secções dedicadas à Europa, ao Brasil e contamos com um documentário de HK. Tentamos que o programa seja acessível a todos para cativar as audiências. Queremos chegar ao público em geral”. De Macau, concorreram um total de seis filmes que estão seleccionados e “esta pode ser uma forma de cativar mais a produção local não só na dança, mas também no cinema associado a esta forma de arte”, explicou Erik Kwong. Para o organizador esta pretende ser a primeira edição de muitas: “Queremos no futuro encomendar trabalhos para que possam participar e integrar, queremos ser um Festival Internacional”.
Sofia Margarida Mota Eventos Festival Internacional de Cinema - Especial“São Jorge” vendido para distribuição no mercado chinês Ainda em Veneza, aquando da estreia, o filme “São Jorge” de Marco Martins ficou com o destino ditado com a venda para distribuição comercial no mercado da China. Para o realizador, a passagem para o mercado asiático não deixa de ser positiva, apesar de ainda não saber o que esperar [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme português “São Jorge” foi vendido para distribuição comercial na China, devendo seguir-se “provavelmente” França, afirmou ontem o realizador Marco Martins, em Macau, onde a longa-metragem fez a sua estreia asiática. “São Jorge”, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor na secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza em Setembro, é um dos 12 filmes da categoria de competição do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, que decorre até terça-feira. A exibição do filme – que conta a história de um pugilista desempregado que trabalha em cobranças de dívidas para sobreviver – teve lugar ontem à noite, na Torre de Macau, mas a venda para distribuição comercial para China foi concretizada em Veneza, indicou o realizador em conferência de imprensa. “O facto de ter sido vendido para distribuição na China deixou-me muito contente e curioso sobre a percepção que o filme teria aqui”, afirmou, quando questionado sobre as expectativas relativamente ao público chinês. Apesar de “São Jorge” estar focado num “período específico” da história portuguesa, Marco Martins considera que a longa-metragem percorre uma narrativa universal. “Quando faço um filme tento que seja absolutamente universal e perceptível por qualquer cultura, faixa etária, que seja absolutamente universal independentemente do país em que seja visto e, nesse sentido, acho que o filme fala de sentimentos que são universais. Há um pano de fundo que é a crise – sim –, mas depois é a história de um pai que tenta manter a sua família junta”, realçou. Obra do acaso Marco Martins descreveu ainda a génese do filme, contando que foi um pouco por “acaso” que entrou no submundo dos cobradores de dívidas, porque a ideia original era fazer um filme sobre um pugilista amador. A surpresa chegou quando começou a fazer a pesquisa nos ginásios de boxe – onde “pensava que ia encontrar o cliché habitual dos que trabalham em empresas de segurança ou em discotecas ou em estabelecimentos prisionais”, e acabou por encontrar uma série de boxers que trabalhavam em empresas de cobranças – umas legais e outras legais. “A partir do momento em que percebi qual era o trabalho que faziam, isso tornou-se mais importante que o boxe em si e foi ganhando um peso na história bastante grande”, relatou Marco Martins, explicando que face às dificuldades, por serem “empresas e esquemas muito fechados”, a pesquisa sobre esse mundo das cobranças difíceis foi feita nas entrevistas com os pugilistas que explicavam o processo. Neste âmbito, descreveu também a intensa preparação do actor Nuno Lopes para vestir a pele do protagonista: a física, ao longo de cerca de um ano e meio, e ao nível da própria personagem e do acento específico da margem sul de Lisboa, por exemplo. A inclusão de elementos de documentário – com conversas sobre a situação política e social em Portugal – também foi “ganhando importância”, dado que inicialmente o guião era “muito clássico”, explicou o cineasta. “Essas conversas eram mais interessantes do que estava originalmente no guião e, portanto, houve a vontade de trazer esse lado mais documental para o filme. “Todas aquelas pessoas que vivem nos bairros – alguns dos cobradores, alguns dos devedores – são pessoas com quem as quais me fui cruzando ao longo da pesquisa”, pelo que surgem “pequenos excertos de grandes diálogos” dessas pessoas que Marco Martins foi levando para o filme, fazendo com que elenco tivesse cada vez mais actores não-profissionais. “Um aspecto também interessante foi que a ideia era fazer um filme social sobre a crise, quase como um filme mosaico sobre aquele período da ‘troika’ em Portugal, mas quando o universo das cobranças entrou de repente assustei-me porque tinha um filme de género na mão – era de facto, quase um policial negro”, relata, indicando que esse “cruzamento de géneros” ou “híbrido” lhe despertou o interesse para trabalhar “esses dois materiais muito distintos entre si”. Além disso, “São Jorge” foi uma estreia para Marco Martins por ser o seu primeiro filme em digital, o que marcou uma “grande mudança” na linguagem: “Fizemos uma série de testes e o que nos pareceu mais interessante foi esta ideia de um filme passado de noite”, algo, “de facto, fantástico”.
Sofia Margarida Mota EventosJoão Botelho, realizador: “Quando se constroem muros, é preciso pontes que os destruam” “A Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto é o título e tema do próximo filme de João Botelho. O realizador português esteve em Macau a apresentar o projecto no “Crouching Tigers Project Lab”, secção do Festival Internacional de Cinema que reúne cineastas e a indústria para levar os filmes, que ainda são ideias, ao grande ecrã. Para João Botelho, esta é uma oportunidade de dar o cinema português ao conhecimento asiático [dropcap]E[/dropcap]stá na secção “Crouching Tigers Project Lab” a apresentar o seu novo projecto, “ A Peregrinação” baseado na obra de Fernão Mendes Pinto. Porquê esta escolha? Gosto de adaptar livros. Comecei quando fiz os “Tempos difíceis” do Dickens numa adaptação portuguesa. Depois comecei a fazer coisas que considero importantes na cultura portuguesa e penso estarem pouco divulgadas. Adaptei, do Frei Luís de Sousa, o “Quem és tu?” e “A corte do norte” da Agustina Bessa Luís, que é uma escritora que admiro. Fiz “O desassossego” do Pessoa e “Os Maias” do Eça. Acho que agora é a altura de fazer uma coisa que os portugueses se vão esquecendo e que é ter orgulho em alguns dos grandes momentos portugueses. O Fernão Mendes Pinto representa um deles. Foi uma pessoa desprezada durante muito tempo e de repente descobre-se que ele tinha muito mais verdades do que aquilo que se pensava. Naquela altura, os portugueses queriam epopeias que revelassem a grandeza e Fernão Mendes Pinto foi uma pessoa que apenas relatou, e muito bem, os anos que esteve na Ásia. Por outro lado, as contradições do ser humano estão todas na sua obra. Outro aspecto importante é que estamos numa altura em que está tudo a construir muros e o Fernão Mendes Pinto, através das civilizações que vai conhecendo e com quem se vai relacionando, dá um bom exemplo do que é a coexistência pacífica entre os povos. Numa altura em que se constroem muros, é preciso pontes que os destruam. Ele só começou a escrever o livro passados oito anos de regressar a Portugal. Ninguém lhe ligava. Não foi muito bem reconhecido em Portugal. A única pessoa que o reconheceu foi o Filipe II de Espanha. Nem foi em Portugal. Mas era alguém que conhecia, na altura, como ninguém, o oriente. Outra coisa curiosa acerca do Mendes Pinto, é que considerava que, quando os portugueses se portassem mal, deveriam ser castigados por isso. Um sentido de justiça? Sim, ele achava que toda a acção tem uma paga. Este filme é um filme de aventuras e o cinema que faz é conhecido pelo seu lado mais contemplativo. Como é que junta a acção da aventura com este aspecto contemplador? Tem de ser com muito cuidado. Por exemplo, este filme também é um musical. Adoro o “Por este rio acima” do Fausto, e achei que uma das coisas magníficas que se podem fazer no cinema é, quando há uma acção com crueldade, por exemplo, podemos parar os actores e pô-los a cantar a própria acção. Por exemplo, há uma grande tempestade e em vez de fazer a cena toda (até porque é muito cara), a cena pára a determinada altura e os actores, agarrados aos mastros, cantam a tempestade, cantam o naufrágio. É um filme que tem um bocado de acção, um bocado de contemplação e de narração também. É um filme também narrado? O herói deste filme é a grande escrita do Fernão Mendes Pinto e vamos ter uma voz off a narrar o próprio filme, a dele. Uma das coisas que estamos a trabalhar aqui, e que tem sido uma sugestão que agrada à indústria, é de a de que a voz do narrador seja uma voz do país em que está a ser distribuído. Por exemplo, na China será chinesa, no Japão, japonesa, no Brasil, o português brasileiro, na Malásia, o malaio. Mas, para ser fiel, porque o narrador é o Fernão Mendes Pinto que é português, quando estas situações acontecerem, muda-se o pronome, o eu passa a ser ele. A linguagem também unifica… Sim, nesta mistura cultural é um meio de unificar, aliás o cinema pode sempre unificar porque no cinema podemos fazer tudo. Não há uma regra para o cinema. Como é que está a correr a apresentação do projecto nesta secção? Aqui as pessoas parecem estar muito interessadas neste projecto. Esta secção está muito bem pensada e organizada. De repente houve uma data de produtores, distribuidores e agentes que estão aqui. Vêm da china, de Hong Kong, Malásia, Coreia. São sobretudo asiáticos. Apareceu um grande produtor da China continental que tem uma sucursal em Hong Kong e também tem estúdios em Los Angeles. Segundo eles, quando também lhes perguntamos no que é que estão interessados, a resposta é que estão interessados em tudo. Apareceu-nos outra pessoa, um miúdo fantástico da Coreia que faz efeitos especiais, que se ofereceu para tratar da pós produção deste filme. Nesse caso, ficam os direitos para a Coreia. É uma troca e é muito boa porque vamos precisar disso. Outro representante da indústria de Hong Kong queria comprar-nos os direitos para fazer um filme de animação. Não aceitei. Quero fazer o filme mas posso ceder os direitos daqui a dois anos para o projecto de animação. O mercado asiático está interessado? Sim e pela primeira vez. Este pode ser um meio dos filmes, principalmente portugueses, atingirem outros mercados. Eles gostaram muito desta história e pareceram muito interessados. Pode não dar em nada mas acho que vai dar. O Martin Scorsese acabou de fazer um filme acerca dos Jesuítas no Japão, a peregrinação é também uma abordagem do oriente. Considera que há um interesse crescente e visível pela abordagem da Ásia no cinema ocidental? Sim, há. Este é o próximo império. Os impérios são como as pessoas: nascem, crescem e morrem. Nós também o fomos. Agora é a China. A Europa estagnou, os Estados Unidos estão com problemas gravíssimos e a China tem tempo. Para a China, mil anos não é nada, eles têm tempo para esta uma ocupação lenta. Filmou na China, com que impressão ficou? Foi uma impressão de uma certa violência, ou seja, de vez em quando é preciso fechar os olhos a alguma coisa para poder ver a beleza de coisa inacreditáveis. É uma cultura de massa mas por outro lado tem orgulho e dimensão deste novo império. Quando é que prevê a estreia de “A Peregrinação”? Vou filmar de Abril a Julho e espero que lá para Novembro do ano que vem possa estrear.
João Luz Entrevista MancheteIvo M. Ferreira, realizador de cinema | O bom filho à casa torna Ainda a sentir réplicas de “Cartas da Guerra”, filme pré-seleccionado para os Óscares, e com destaque em tudo que é festival de cinema internacional, Ivo Ferreira volta a Macau para fazer um filme. O cineasta abriu as portas do seu escritório e recebeu o HM [dropcap]O[/dropcap] que pode dizer-nos acerca deste novo projecto? Comecei a escrevê-lo, precisamente, durante a paragem do “Cartas da Guerra”. É um filme que revisita uma Macau dos últimos cinquenta anos, ou dos próximos dez. É meio intemporal e assenta na ideia da erosão, da destruição física da cidade, como um catalisador que cria unidade e entidade. A ideia é um bocado romântica, louca, drástica e divertida, espero. E a narrativa? A narrativa gravita à volta de um hotel, que não é bem um hotel, é um prédio muito degradado onde os hóspedes acabam por ficar a viver, fazendo as suas casas dentro dos quartos. O dono é um português, que vive com a filha no topo do edifício, sem se preocupar com qualquer tipo de manutenção. Nisto, há um personagem que chega à cidade e que pretende deitar o edifício abaixo para construir um hotel novo. No fundo, é uma estória de resistência. De onde lhe surgiu a ideia para o filme? Vim para Macau em 1994, estive cá quase quatro anos e depois fui voltando. Filmei cá a minha primeira longa-metragem, “O Estrangeiro”. Apeteceu-me revisitar a cidade. Crio relações especiais com os lugares, algo que não tenho em mais nenhum lado do mundo, a não ser Lisboa. Quando regressei para rodar “O Estrangeiro” tentei revisitar esses primeiros dias de Macau, o hotel de prostitutas onde vivi, por exemplo. Os sítios que queria filmar tinham desaparecido e, pronto, fui filmar o vazio. Foi a minha tentativa inicial de somatizar a primeira experiência de Macau. Havia outro filme para fazer, eu sabia, e haverá outros. Pode ser que me saia o Euromilhões… Olha, gastava tudo mal gasto. Neste momento, vivo um estado compulsivo, estou a fazer este projecto, mas já estou a preparar um trabalho sobre os FP 25. Será um grande filme, muito caro e bastante explosivo. Como está a ser voltar a trabalhar num filme em Macau? Eu gosto muito disto, tenho uma relação muito especial com a cidade. Gosto imenso de Portugal, mas dá-me uma seca imensa passado um tempo, aborrece-me. As pessoas queixam-se muito, e pior, a maioria das vezes têm razão. Este sempre foi o meu plano, filmar dos dois lados. Mesmo sabendo que em Macau é muito, muito difícil. Mesmo apesar do passo enorme que o Instituto Cultural deu, espero que tenham consciência que o próximo passo tem de ser maior ainda, mas este primeiro já é de louvar. Sinceramente, é um desafio porque é muito difícil filmar cá. Posso dar-te um exemplo: uma coisa que há em Macau em abundância são quartos de hotel, mas estou há oito meses a pedir licença para filmar uma cena num quarto de hotel. Uma coisa completamente normal, ainda para mais com uma estrela de Taiwan, Rhydian Vaughan. Qualquer hotel no mundo até lhe pagaria o quarto. Aqui não, nada. Tudo é assustador, há uma espécie de medo que não sei explicar. A Sophia Coppola no Lost In Translation transformou o bar do hotel num destino turístico, as pessoas querem ficar lá por causa do filme. Estou há um ano para ter resposta do turismo, outro exemplo. As coisas avançam a um ritmo muito lento. É, absolutamente, desesperante, falta um bocadinho de frescura e dinâmica. O “Cartas da Guerra” tem corrido os festivais internacionais e foi pré-seleccionado para os Óscares… Devia estar em Washington agora, o filme está a passar lá. Para teres hipóteses nos Óscares precisas gastar pelo menos 300 mil euros. Primeiro, tens de anunciar nas revistas, depois vêm as sessões privadas. Mas ser pré-candidato é muito bom, é super sexy e cria buzz em torno do filme. É muito bom sair de um filme e entrar noutro, mas por outro lado é horrível. Este mês perdi alguns 15 festivais fantásticos. No entanto, a exposição dá muito jeito, por exemplo, para falar aqui com um co-produtor de Hong Kong. É óptimo, agradeço imenso a toda a gente que votou em mim e, se chegar lá é muito bom, principalmente na repercussão que trará às vendas. Tirando os benefícios práticos, como tem sido lidar com o protagonismo? O que me assusta mais é a conta bancária. Continuo teso, a ver vamos se isto alguma vez endireita. Agora, a sério. Fico muito contente, mas a verdade é que este filme, de certeza absoluta, não o teria montado financeiramente com esta velocidade se não fosse tudo isso. Pronto, se calhar lá terei de ir passear na red carpet, o que, sinceramente, não tem assim tanta graça, mas a Margarida adora vestidos e ainda arranjamos uns descontos. Mas dá muito trabalho, não tenho vida para isso. Voltando ao “Cartas da Guerra”. Quais foram as maiores dificuldades? A montagem foi um paraíso, agora, até lá foi tudo horrível. Primeiro concorremos e ganhámos o financiamento do ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual], o que é importante para depois pedir mais dinheiro lá fora. Estava tudo a correr bastante bem, mas depois Portugal foi à falência e não chegámos a receber o dinheiro. Depois, outros eventuais parceiros que existiam também saltaram fora. Começámos aí uma travessia do deserto. Assumimos que não iríamos ganhar dinheiro com o filme, porque se ia gastar tudo na rodagem. Era algo que estava assumido, e a única forma de poder filmar em Angola. Não iria esperar mais não sei quantos anos para tentar financiamento. Já tinham passados tantos, que era agora ou nunca, e se continuasse a arrastar, às tantas também já não queria fazer o filme. De repente, em três horas, o filme estava financiado. Houve uma viragem total. Não foi nenhuma sorte, foi o filme em si que fez isso. O filme que nos deu pesadelos, também nos deu a bonança e a felicidade. Finalmente, avançámos. Foi uma rodagem problemática. As rodagens em Angola foram horríveis, apesar do apoio local do exército angolano. Foi muito duro, também por questões inerentes à natureza do projecto. Quis filmar numa zona que se parecesse com o local onde se desenrolou a acção. O próprio sítio foi um dos maiores inimigos. Houve muitas doenças, paludismo, febre tifóide, foi muito chato. Era tudo tão duro e absurdo. Tivemos acidentes muito graves na equipa. Nessa altura, realmente, pensei: “Epá, nunca mais quero fazer filmes”. Depois chegava ao quarto e pensava “faz-se mais um dia”, e assim se foi andando. Agora, como já passou algum tempo, a memória selectiva leva-me para as coisas positivas, ficamos com uma imagem mais romântica à distância. Então e a montagem? A montagem foi super simpática. Temos uma casa no campo e montámos lá um estúdio. Essa parte foi fixe, podia estar com os putos. Como foi trabalhar com a Margarida Vila-Nova? Ninguém acreditava que eu ia pôr a voz da Margarida, nem que a ia filmar. Não sabia como é que havia de filmar, tinha vários décors em mente, como a Praia das Maçãs, que é muito referida no livro. Mas o décor foi na casa do pai do António Lobo Antunes, onde a Maria José e o António viveram, num segundo andar. Havia caixotes no chão, e eu fui lá ver o apartamento só por curiosidade. Decidi filmar tudo dentro da casa, porque não queria mais ninguém no plano, assim tudo aquilo poderia ser uma memória dela. Foi no último dia, estávamos todos estoirados, mas eu queria filmar planos que retratassem o encontro, desencontro, a perda, uma espécie de intangibilidade. Um ambiente que criasse intimidade. Avisei-a uns dias antes quanto à cena de amor. “Olha, se calhar vais ter de te masturbar na cena. “Ah, não, nem penses”. Não disse mais nada. Era uma cena de intimidade, e faltava-me os dois juntos, apesar de não se tocarem. Uma história de amor do caraças sem uma cena de cama, oh Ivo, que conceptual do caraças. Já tinha filmado a cena do Miguel, evidentemente, a pensar nisso. É um filme que suscita emoções. Tenho ouvido muito falar nisso. Foi muito importante para mim o contacto que tive com aqueles homens que me acolheram e que me puseram dentro da companhia. A ante-estreia em Lisboa foi no âmbito do IndieLisboa, no 25 de Abril, o filme estava por todo um mundo, era absurdo não passar por Portugal. Sabia que estavam lá os camaradas, até tinham farnel. Não os vi, procurei-os porque queria dedicar-lhes a sessão. Eles estavam lá ao fundo, na última fila da Culturgest, para não serem vistos. Assim podiam sair caso não gostassem do que estavam a ver. Nunca lhes mostrei nada. Claro, mostrei à Zé e à Joana. Depois, chegámos ao fim do filme e lá estavam com lágrimas nos olhos. Um dos antigos combatentes dizia para outro: “Conheço-te há 50 anos, estivemos num funeral de um grande amigo e nunca te vi chorar, o que é esta merda? E o outro diz “olha lá para ti”. Mesmo as mulheres deles ficaram muito emocionadas, porque os maridos nunca lhes haviam falado da guerra. Uma das esposas disse-me: “Ao longo de todos estes anos o meu marido nunca falou disto comigo, eu sabia que depois do filme ele ia ter pesadelos, e teve. Teve pesadelos, acordou e começou-me a falar de coisas de quais nunca me tinha falado em 40 anos”. As coisas também têm uma altura para acontecerem e os portugueses têm tendência para lidarem muito mal com as suas coisas, adiar eternamente. Procurei aquilo que me pareceu ser a essência daquela vivência, sobretudo o isolamento, a vida interrompida. Não sei bem porquê, chora-se muito à volta deste filme. É muito forte, mesmo para mim, não é só o filme, a forma, o que aconteceu, os camaradas que me ajudaram em todo o processo. Acho que agora já passou, mas eu e o Ribeiro tivemos alturas em que olhávamos um para o outro e ficávamos com lágrimas nos olhos sem razão alguma. E como foi a relação com o António Lobo Antunes? Toda a gente que achava que poderia correr mal, não houve um único problema entre nós ao longo destes anos todos. No momento que propus a ideia disseram-me que era louco, aquilo nem era para sair em livro, mas foi uma vontade expressa da Maria José antes de morrer. O António disse-me uma vez que nunca o tinha lido, apesar da personagem não estar só neste livro, está também nos “Cus de Judas”, e no “Memória de Elefante”. Sabia que historicamente teria de ser certeiro. Nunca tinha visto uma pistola na vida, nem fui à tropa. De repente, tenho uma estória intimíssima que duas amigas me estão a deixar adaptar, com detalhes da intimidade da sua mãe, e de não sei quantas pessoas. Também explora o lado biográfico de um grande escritor vivo, e uma personagem bastante particular. Desde o início, nós tivemos a relação que o António quis ter. Agora, olhando para trás, recordo as grandes conversas que tive com ele e, também, os grandes silêncios enquanto ele fumava sem parar. Em retrospectiva, tudo o que aconteceu foi o que eu queria que tivesse acontecido. O António tem problemas em ver o filme, porque não está ainda preparado, segundo ele. É algo muito pessoal, porque ela foi o grande amor da sua vida, são episódios muito importantes. Sei que já fez algumas tentativas, e haverá um tempo. Gostava que ele visse o filme, se ele o quiser ver, mas se lhe fizer aflição, não faz mal.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasCinema Documental sobre Macau dos Anos 20 [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]uma semana em que Macau está virada para o cinema, perguntamos a quem nos souber responder, onde se poderão ver os documentários de propaganda sobre Macau, realizados pela Empresa Cinematográfica Macaense, criada por Lucrécia Maria Borges em 1924? Sim, os que foram no último dia da Feira e Exposição Industrial, a 12 de Dezembro de 1926, exibidos numa sessão dedicada ao Governador Tamagnini Barbosa e ao Almirante Hugo de Lacerda. O Almirante Hugo de Lacerda Castel Branco foi Governador interino de Macau de 29 de Julho de 1926 até à chegada do titular Artur Tamagnini de Sousa Barbosa, o que ocorreu a 8 Dezembro e por isso, a Exposição foi prolongada até à meia-noite de Domingo dia 12. O novo Governador, chegando de Hong Kong, desembarcou com a esposa e os cinco filhos no cais provisório do novo porto exterior, sendo recebido pelas autoridades civis, militares e eclesiásticas da cidade. Para lhes dar tempo a irem para a praça do Leal Senado, Tamagnini foi dar uma volta pelas obras do novo porto. Assim, quando o carro parou em frente ao edifício do Município ali encontrou a mesma guarda de honra que o recebera à saída do barco. Subindo para o salão nobre e perante a vereação da Câmara tomou posse do Governo de Macau, “pela simbólica entrega da chave de ouro por parte do Presidente da Câmara” Damião Rodrigues. Depois, seguiu para o Palácio do Governo. À noite foi visitar a Exposição, sendo recebido pela Comissão que dera corpo àquele projecto, ficando bem impressionado. No campo da exposição havia um serviço permanente de bufete servido pelo Grand Restaurant e nesse local tocaram várias bandas, entre elas de jazz. Cinema na Feira É preciso lembrar ter sido o cinema inventado nos finais do século XIX e em 1895, os irmãos Lumière foram os primeiros a projectar um filme documental num café em Paris. Na Exposição Industrial de 1926, como a Comissão não poderia dar atenção a tantos trabalhos, entregou a exploração do Cinematógrafo da Feira à Empresa Cinematográfica Macaense de Mário Borges & C.º. Desde 1924 Lucrécia Maria Borges tinha “o exclusivo dessa exploração no território da Colónia pelo prazo de dez anos” e ficou encarregue de realizar documentários sobre Macau, “onde serão apanhados todos os assuntos mais notáveis da vida da colónia”. No entanto, Beatriz Basto da Silva refere existir em 1922 o Cinematógrafo Macau, onde foi exibida “uma fita sobre Macau, destinada à Exposição do Rio de Janeiro” (…) “inteiramente feita por um amador, Sr. Antunes Amor.” Já na quarta reunião da Comissão, a 24 de Abril de 1926, o Presidente disse que ia oficiar para Portugal a pedir várias fitas cinematográficas panorâmicas a fim de também se fazer propaganda ao nosso país, pois este apenas era conhecido pelo Vinho do Porto vindo de Portugal e do Ópio, em Macau. A 4 de Dezembro de 1926 A Pátria refere que, no salão cinema da Exposição vão ser exibidas umas fitas produzidas em Macau pela Empresa Cinematográfica Macaense (ECM) e outras de Portugal. No dia 11 de Dezembro foi projectada a fita Os Fidalgos da Casa Mourisca, tirado do romance de Júlio Dinis, que pela segunda vez passou em Macau, sendo a sessão dedicada ao Exército de Terra e Mar. O preço de 60 avos incluía a entrada no recinto da Feira, encontrando-se os bilhetes à venda na Papelaria Progresso e Po-Man-Lau, na Livraria Portugália e na bilheteira do Teatro. Dedicada ao Governador Artur Tamagnini Barbosa e ao Almirante Hugo de Lacerda houve no dia 12, pelas 21:30, uma sessão de cinema com filmes produzidos pela ECM, assim referido no anúncio que A Pátria publicou. Entre estes filmes de propaganda, o primeiro a ser apresentado foi “O Vôo Audaz das Águias Portuguesas”, que mostrava a chegada a Macau dos aviadores, Major Brito Pais, Capitão-tenente Sarmento Beires e o mecânico Alferes Manuel Gouveia. Tendo partido de Vila Nova de Milfontes com dois aviões no dia 7 de Abril de 1924, tinham programado chegar a Cantão, para poder evolucionar sobre Macau, visto esta cidade não ter campo de aterragem. Na Índia perderam um avião e a 45 milhas de Macau, às 15 horas do dia 20 de Junho, caiu o avião onde viajavam, sendo recolhidos pela canhoneira Pátria que os trouxe para Macau, onde foram recebidos em grande festa pela população a 25 de Junho de 1924. É sobre a recepção do desembarque à chegada a Macau que trata o documentário. O segundo filme era sobre “Os Funerais de um Capitalista”. Já o terceiro, “Comemoração do Quarto Centenário de Vasco da Gama”, levanta-nos algumas questões. Seria sobre a abertura da Avenida Vasco da Gama, para comemorar o IV Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia? Tal parece impossível pois esta ocorreu em 1898 e encontrando-se o cinema nos primórdios, seria possível haver já em Macau câmaras de filmar? Ao ler sobre o que retratava o documentário, aparecem duas hipóteses mais plausíveis. Ou era da inauguração em 31 de Janeiro de 1911 do busto de Vasco da Gama do escultor Tomás da Costa, hipótese menos provável, ou sobre o Quarto Centenário da morte de Vasco da Gama, que ocorrera em 1524 e assim já poderia ser uma produção da ECM. É uma reportagem cinematográfica onde consta o desfile do cortejo cívico na Praia Grande, na Avenida de Vasco da Gama, junto da estátua do insigne navegador, com homenagens da Colónia, das comunidades holandesa e chinesa e dos portugueses de Hong Kong, no Leal Senado, uma missa campal e vários aspectos da iluminação na cidade e no porto. O quarto filme tratava sobre “O Casamento de Mr. & Mrs. Francis Young Po Nam” e o quinto, uma produção muito recente, “O Voo Madrid-Manila” filmado em Maio de 1926, aquando da passagem por Macau dos Ases Espanhóis Capitão Gallarza e Loriga. “O Concílio Episcopal em Xangai” foi o sexto filme exibido. Por último, o documentário de propaganda sobre “As Obras do Porto de Macau”. Uma reportagem completa da cerimónia da dragagem do último metro cúbico de lodo do canal de acesso do novo Porto da Rada, ocorrida a 26 de Agosto de 1926 no Porto Exterior. A Empresa Cinematográfica Macaense resolveu filmar os pavilhões, barracas e vários aspectos da Feira da Exposição Industrial de Macau e convidou o público a aparecer no recinto no dia 11 de Dezembro pelas 15 horas, “para que o filme possa ficar o mais movimentado possível”. Faltava um dia para esta fechar. Seria interessante ter disponíveis estes documentários sobre Macau de há 90 anos, assim como todos os filmes realizados anteriormente e os que depois se fizeram, para criar a cinemateca da RAEM.
Sofia Margarida Mota EventosTracy Choi, realizadora: “É um filme acerca de memórias” “Sisterhood”, a primeira longa-metragem da realizadora de Macau, estreia na edição inaugural do Festival Internacional de Cinema. Tracy Choi mostra-se especialmente satisfeita por ser o público de Macau o primeiro a ver a obra que entra na secção de competição do evento [dropcap]C[/dropcap]Como é ter a estreia do primeiro filme no Festival Internacional de Cinema de Macau, logo na primeira edição? É uma situação que me deixa especialmente feliz. Além de ser a minha cidade natal, é um filme que também teve parte das rodagens no território e que fala dele. Também tenho aqui os meus amigos e família, e é uma oportunidade de assistirmos juntos à estreia. Estou muito contente que isso tenha acontecido. É um dos filmes que está em competição na principal secção do festival. Sim. Ainda não vi os restantes filmes em competição, mas já vi os trailers. Parecem ser filmes muito bons e é uma honra poder partilhar esta secção com eles. Quais são as expectativas que tem para esta competição? Nenhumas. Porquê? Porque, apesar de não ter visto ainda os filmes, penso que já têm um carácter muito internacional. Parecem todos muito bons. Vai apresentar “Sisterhood”. Como é que apareceu este trabalho? Foi o projecto do meu mestrado em Hong Kong. Já tinha esta história na cabeça e quando me graduei candidatei-me a um fundo de apoio do Governo de Macau. Na altura não tinha ainda este nome, penso que se chamava “Sweet Home”, mas a história era muito idêntica. Acabei por ter um financiamento de 1,5 milhões de patacas e fui bater à porta de outras produtoras em Hong Kong para acabar de financiar o filme. Consegui, juntamente com o meu orientador de mestrado, produtoras interessadas e começámos por contratar um guionista para tratar melhor da história e escrevê-la de uma forma mais complexa e densa. Depois, o resto do processo foi acontecendo. E que história conta? É sobre uma mulher natural de Macau que foi para Taiwan onde viveu 15 anos. Acaba por regressar ao território, mas já não consegue dizer que se sente em casa porque não sente uma ligação à terra. Macau também tinha mudado muito ao longo desses 15 anos de ausência, pelo que não mais reconhecia a “casa”. Mas o filme também se chama “sisterhood” porque aborda a história de uma relação entre a personagem principal e uma amiga antes de ir para Taiwan, ainda nos anos 90, e da percepção de como essa relação tinha mudado ao longo do tempo. Um paralelismo entre as mudanças de Macau e das relações? Sim. A história começa quando a personagem principal, que se chama Sisi, mas é sempre tratada com o número 19, o número de massagista que tinha antes de ir embora, recebe a notícia de que a sua melhor amiga de juventude tinha morrido. É então que regressa a Macau no intuito de “rever” a companheira pela última vez. No regresso, encontra amigos em comum e o filho da tal amiga, que tinha ajudado a cuidar enquanto bebé. São estes encontros que lhe trazem as memórias da relação e da vida antes da partida. É um filme acerca de memórias. Que assuntos motivam os seus filmes? São essencialmente questões acerca de mulheres e de género. Acabam por ser os temas que mais me atraem. A escolha de Gigi Leung, a conhecida actriz de Hong Kong, foi uma estratégia? Sim, para atrair outro público, mas foi também uma coincidência. Enviámos o guião e ela gostou muito, pelo que aceitou fazer o papel sem pedir o cachet normal. No início foi estranho para mim trabalhar com ela, sentia-me nervosa. Mas ela é muito profissional e vinha sempre muito bem preparada para as filmagens. Passou de uma produção muito independente para um filme de uma maior produção. Teve de fazer alguma alteração significativa ao que queria inicialmente? No geral, não. Tive acima de tudo oportunidade de trabalhar numa escala maior e contar com profissionais de Hong Kong. Mas, e tal como pretendia, consegui envolver na equipa pessoas de Macau. Sempre quis que fosse uma produção partilhada com Macau. Qual é o problema da indústria cinematográfica em Macau? Penso que o maior deles é não ter audiências. Por exemplo, se foram filmes mais independentes é muito difícil conseguir algum retorno em Macau porque nunca há público suficiente. Daí a necessidade de que o filme seja vendido para outros mercados. Mas, se pensarmos no mercado continental, ficamos limitados, porque nem todos os temas são aceites. Se pensarmos em Hong Kong, temos sempre de conseguir a presença de uma estrela da indústria local de modo a que tenha público. Taiwan é outra alternativa. Mas é muito difícil o cinema de Macau encontrar um caminho. No entanto, e à semelhança da realizadora Emily Chan, a colaboração com a China Continental pode ser uma opção para o cinema de Macau. Considera que o festival pode vir a contribuir para a indústria do cinema em Macau? Ainda não sabemos. Claro que é uma boa oportunidade para encontrarmos profissionais de outras partes do mundo. Mas, na verdade, ainda não sabemos o que vai acontecer no festival. Estamos também ansiosos por ver o que vai acontecer. Planos para o futuro? Estou a trabalhar em novos projectos. A concretização de “Sisterhood” acabou por abrir muitas portas. Estou também a escrever um novo guião. A história vai ser sobre Macau e sobre a vida de uma mulher que trabalha num casino. Quero trabalhar acerca do mundo actual, e dos constrangimentos e preconceitos que ainda se vivem em Macau, especialmente por parte das mulheres. TRAILER https://www.youtube.com/watch?v=-XRxCyyuq54 • MAIS INFORMAÇÕES NO SITE OFICIAL DO MIFF
António Cabrita Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasOs crimes montanhosos e outros vales 15/11/2016 [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]espedirmo-nos dos ofícios também faz parte da vida. Todos temos um talento escondido, que os outros detectam primeiro. O meu era fazer diálogos, diziam os professores na Escola de Cinema. Ao fim do segundo ano recrutaram-me para lhes fazer os diálogos dos seus filhos. Assim me tornei guionista, ofício de que vivi durante anos. Um dia, já de “reputação firmada”, telefona-me o António Escudeiro. Queria fazer um filme sobre o Camilo Pessanha, em Macau. Num formato “docudrama”. Afinámos ideias, objectivos, calendários. Pairava no ar a promessa de também eu me deslocar a Macau. Em 15 dias li o que tinha a ler e pouco depois entreguei o primeiro draft, de 50 páginas. Uma memória descritiva, com a narração de todas as cenas previstas para o filme mas sem o tratamento final nem diálogos. Ambicionava atingir uma precisão de relojoeiro nos diálogos, devido à linguagem preciosa do poeta, à sua relação com os locais e com essa língua que o cercava como um imenso mar ignoto, e sobretudo queria escrever belas cenas dele com as mulheres. Um “docudrama”, uma mistura de documentário e ficção, permitia a reinvenção da intimidade do poeta. Contra a entrega do draft, ele pagou-me o que era devido. Seguia-se a segunda fase, combinámos conversar depois dele o ter lido. E então o Escudeiro desapareceu. Soube dele um ano depois, ultimava já a edição do material que tinha trazido de Macau. Nunca vi o filme, não o quis ver. Vi o Camilo Pessanha e Macau por um canudo. Por isso aconselho todos os jovens guionistas a tomarem esse ofício como hobby ou biscate, quando se põe excessivo empenho nos projectos vem a “autoria colectiva”, própria ao cinema, desenganar-nos e traz dissabores. Já me aconteceu inclusive, no caso de Um Rio, de Carlos Oliveira, que co-escrevi com o escritor Luís Carlos Patraquim (adaptando um romance de Mia Couto), que o filme (por problemas de produção) parecesse ter sido feito “contra” o guião. No romance, os erros só a mim pertencem. Sucessos ou insucessos só ao meu trabalho devo a provação dos labirintos. 17/11/2016 Há duas semanas, o matutino O País noticiava que a Autoridade Tributária já não podia taxar certos impostos, os impressos necessários não estão disponíveis para quem faz a sua declaração anual dos impostos. Motivo: os fornecedores deixaram de fornecê-los, por dívida continuada do Estado. Já nem as suas próprias receitas directas o Estado moçambicano consegue assegurar. Eis um processo em que um Estado perpetua contra si mesmo, como vi escrito num semanário local, “crimes montanhosos”. Entretanto a minha filha mais nova, com nove anos, resolveu ir “ajudar” a mãe, numa feira do livro. Toda a gente achou graça ao parlapié da gaiata e contribuiu para que as vendas nesse dia aumentassem. E o Notícias, matutino oficioso, fez uma reportagem e entrevistou a mais nova “livreira” da feira. Foi a minha empregada quem trouxe o recorte, “orgulhosa da menina”. Toda a gente gostou, menos ela. “É a tua primeira entrevista, tás toda bonita na fotografia, qual é o problema?”. E explicou ela: “não gostei que tivessem colocado a minha fotografia, porque assim vão me identificar na rua e podem raptar-me…”. Fiquei interdito, percebi que por muito que queira não a consigo proteger do clima geral. À beira da explosão social, com a guerra civil a prolongar-se, a inflacção a disparar em flecha (quase cem por cento num ano), o colapso financeiro, a fome a apertar em muitas regiões e o medo inscrito na pele das crianças (brancas, sobretudo “monhés”- os indianos -, alvo da actual “indústria de raptos”), a Pérola do Índico, um país com imensa água e oitenta por cento da terra arável mas que nem consegue produzir os tomates e alfaces para a salada (vêm da África do Sul), atravessa um momento deprimente. 19/11/2016 A pronúncia do Shangana e do Ronga, línguas do sul de Moçambique, lembra-me uma goma de arroz com acentos guturais fortes. Uma vez adormeci a ver filmes do Kurosawa e nessa madrugada apanhei um “chapa” (um transporte semi-colectivo com dezasseis lugares) para a fronteira, a 90 km. Pelo caminho, ouvindo as falas locais, espantei-me pelas parecenças fonéticas com o japonês que ouvira horas antes. Pensei ser uma fantasia minha e não liguei mais ao assunto. Agora, releio um livrinho precioso do grande actor japonês Yoshi Oida que trabalhou décadas com o encenador Peter Brook. Ele conta como foram à Nigéria, para uma digressão de seis meses nas zonas rurais. Chegavam às aldeias, estendiam o tapete e representavam Shakespeare e foram especialmente bem acolhidos. Porém, inesperada foi a descoberta pessoal que ele fez. Ele estava radiante por vir a África e pensava que ia estar diante da alteridade absoluta, de uma cultura sem pontos de contacto com a sua, e descobriu que afinal toda a gramática facial e a linguagem não-verbal dos camponeses da Nigéria era absolutamente idêntica às dos camponeses do Japão. Somos todos mais parecidos do que supúnhamos e fará mais sentido do que admitiríamos à partida que as locução e as fonética das línguas, nesta metade oriental do planeta, comunguem de afinidades subterrâneas. 21/11/2016 Flanava distraído pela ruas de Maputo, a apreciar os jacarandás. Um tipo novo começa-me a sorrir a dez metros de distância e ao passar por mim atira: “Pai, ando à procura do George Michael, fast love!”. Fiquei atarantado, ele atirara o barro à parede, a tentar, mas nunca um jovem prostituto se me dirigiu tão directo, e só cinquenta metros depois me veio a resposta-do-fim-da-escada: “Desculpa lá, já não tenho idade para seres o meu first love!”
Hoje Macau Política“Os Resistentes – Retratos de Macau” #3 “Os Resistentes – Retratos de Macau” de António Caetano Faria • Locanda Films • 2014 Realizador e Editor: António Caetano Faria Produtores: Tracy Choy e Eliz L. Ilum Câmara e Cor: Gonçalo Ferreira Som: Bruno Oliveira Assistente de Câmara: Nuno Cortez-Pinto Editor Assistente: Hélder Alhada Ricardo Sonorização e Mistura de Som: Ellison Keong Música: Orquestra Chinesa de Macau – “Capricho Macau” de Li Binyang
Isabel Castro Eventos MancheteDocLisboa | O Chá Gordo de Catarina Cortesão Terra e Tomé Quadros Fazem documentários sobre Macau porque é neste exercício onde a realidade toca a ficção que vão, também eles, pensando na cidade onde vivem. Catarina Cortesão e Tomé Quadros encontraram no chá gordo a formação de uma comunidade de fusão, o tempo do território. Para que a memória, que ainda existe, se viva já. [dropcap]“C[/dropcap]há Gordo de Memórias” é apresentado hoje ao final da tarde no âmbito da extensão a Macau do DocLisboa, uma iniciativa organizada pelo Instituto Português do Oriente. Não é o vosso trabalho mais recente. Catarina Cortesão (C.C.) – Não, não é. Este documentário foi feito no âmbito do Macau DocPower, com o apoio do Centro Cultural, em 2013/2014. Pelo facto de haver tempos muito curtos para a apresentação da ideia, filmagem e edição, dentro dessas limitações e do apoio que nos deram, iniciámos o projecto sobre o chá gordo. Começámos a fazer a nossa pesquisa, começámos a falar com vários intervenientes da comunidade macaense para nos informarmos sobre quem eram os grandes cozinheiros. Munimo-nos do nosso conselheiro, Fernando Sales Lopes, que estuda a gastronomia macaense há vários anos – tem uma tese de mestrado, é um investigador ligado a essa área, na vertente da gastronomia macaense como sinal identitário da própria comunidade. Tivemos várias conversas com ele, foi-nos apontando caminhos, também construímos os nossos. Fomos vendo quem eram os cozinheiros mais emblemáticos – Aida de Jesus, Graça Pacheco Jorge, Rita Cabral, Carlos Cabral, Cíntia Conceição Serro. Destas conversas que fomos tendo, mais questões foram surgindo em relação à gastronomia macaense e o projecto cresceu. E cresceu numa determinada direcção. E que direcção foi essa? C.C. – Não queríamos fazer uma mera peça jornalística, esclarecedora do que é o chá gordo dentro da gastronomia macaense – pelo contrário, queríamos fazer uma narrativa fílmica a partir da mesa do chá gordo, onde estão os principais pratos da gastronomia macaense. Olhamos para a mesa do chá gordo, que é extensa, e nela vemos definidos não só o percurso e o que é a comunidade macaense, mas também o percurso dos portugueses até chegarem a Macau. Verifica-se o uso de ingredientes de Malaca, de Goa, de Angola, de Moçambique, e modos de confecção que, por sua vez, reflectem a aliança entre a cultura portuguesa gastronómica com a cultura chinesa, que também é bastante marítima. Daqui nasceu a primeira gastronomia de fusão, que é a gastronomia macaense. Dizia que, quando se olha para a mesa do chá gordo, vê-se a comunidade. C.C. – Vê-se a comunidade e a história de Macau dos últimos 300 ou 400 anos. Isso é muito notório logo na primeira percepção e mais ainda quando se tenta saber de onde vêm os pratos e se fala com as cozinheiras, quando elas apresentam os livros de receitas. São autênticos tesouros, na medida em que vão circulando entre as melhores cozinheiras ou são cedidos às pessoas da família com mais apetência para continuar esse espólio e dar bom nome à família através dessa mesa. Quando as pessoas achavam que não havia alguém que pudesse continuar com esse testemunho de uma forma destacada na comunidade macaense, levavam os livros de cozinha para a cova. Ou seja, não transmitiam as receitas, não as partilhavam. Há receitas da Graça Pacheco Jorge, do livro que era da tia, em que está escrito em baixo ‘não partilhar esta receita com qualquer pessoa’. Como é que se faz uma abordagem mais cinematográfica a um tema que facilmente pode cair, em termos de tratamento, num documentário do género jornalístico? Tomé Quadros (T.Q.) – Procuramos, de alguma forma, seguir a máxima de John Grierson, quando diz que o documentário deve ser abordado de uma forma criativa – isto dito no final da década de 20 do século passado. Significa que pretendemos fugir do documentário como uma peça jornalística e encará-la como narrativa fílmica tout-court. Procuramos com isso introduzir mecanismos da ficção no documentário, procuramos dirigir os nossos entrevistados, na medida do possível, como se de actores se tratassem, procuramos ter um cuidado estético bastante grande – e não só, em termos de continuidade, de racord também –, para que tudo faça sentido. Desta forma, introduzimos um narrador presente – a Nair Cardoso, uma jovem macaense – que, no fundo, conduz o espectador pelas diferentes estórias que fecham este todo que é a narrativa fílmica acerca do chá gordo. Temos um fio condutor, uma história, que coincide com a realidade: a Nair regressa a Macau passados alguns anos de ter ido para Portugal e vem à procura de um livro de receitas que era do avô macaense. O livro tinha sido escrito pela avó chinesa, que tinha aprendido para que toda esta gastronomia macaense existisse em casa. Há um dia em que encontra este livro no sótão da casa e guarda-o. Vai procurar, através do livro, as raízes da identidade, memória e cultura macaenses. Claro que houve uma transformação muito grande da simbiose homem-cidade, mas essa memória, a cultura e a identidade perduram. É um documentário para memória futura? T.Q. – No fundo, o que procurámos com o documentário é que sirva como um espelho, que a própria comunidade se veja ao espelho. Por exemplo, na questão das receitas, é muito complicado ter acesso e foi um dos maiores obstáculos, mais do que até ganhar confiança da parte dos intervenientes. Assistimos a um momento talvez único: a Cíntia Conceição Serro cedeu aos arquivos do Instituto Cultural todo o espólio que tinha herdado em termos de receitas e manuscritos escritos. Temos isso no documentário. É interessante ver que também há uma tomada de consciência por parte dos intervenientes, de que afinal esta memória deve ser mantida. Não são realizadores profissionais, na medida em que têm outras ocupações. Há vários anos que fazem documentários sobre a cultura de Macau. Como é que conseguem ir trabalhando nesta área, que exige todo um processo de pesquisa? Sentem muitas dificuldades? C.C. – Temos bastantes dificuldades pelo facto de sermos uma equipa muito pequena. Eu e o Tomé fazemos 80 por cento do trabalho. Depois contamos com o Daniel Saraiva para o som e agora temos uma nova pessoa que nos está a ajudar, o João Cordeiro. Temos ajuda nas filmagens e coloração. Nestes processos temos arranjado sempre alguém que nos ajuda por ser especialista na matéria. É muito difícil porque temos vidas profissionais exigentes e as nossas famílias. Isso faz com que exista alguma pressão, e de alguma forma, o tempo nos escape. O tempo que é dado aos projectos no Centro Cultural é muito pequeno, em seis meses temos de fazer tudo, o que cria muita pressão, mas são opções que fazemos. Temos de gerir muito bem o tempo. Somos bastante curiosos e gostamos de ter a percepção daquilo que acontece. Em Macau ainda não existe essa memória construída em termos de narrativas fílmicas. Sobre o chá gordo não há nada, apenas alguns episódios em que as pessoas descrevem o que poderá ser, mas algo muito insípido. O grande desafio é que adoramos filmar e editar, e apreciamos o produto final. Depois de estar feito, passamos para outro, porque queremos fazer cada vez mais. Já estou a pensar no projecto seguinte. T.Q. – O cinema foi o lugar que nos deu a conhecer um ao outro e foi onde a memória futura teve lugar. A Catarina tinha alguma formação e trabalho feito em fotografia, com uma grande base no teatro, e com grande desejo de desenvolver algo na área do cinema. Partilhávamos o mesmo olhar e as mesmas preocupações, e procurávamos fazer cinema em conjunto. Eu trazia a formação da Escola das Artes do Porto, em som e imagem. Se calhar trazia um olhar mais formatado e menos livre, e a simbiose com um olhar mais livre e outro mais técnico resultou. O documentário surgiu como o modelo de pensar o cinema mais apropriado porque nós, além da questão do cinema, tínhamos a vontade muito própria de falar de Macau, que nos apaixona. Sentimos que havia um vazio por preencher. Havia que começar a trabalhar sobre a memória, cultura e identidade de Macau, e encontrámos o formato certo. Já estão a pensar no próximo documentário? T.Q. – Temos o “Time of Bamboo”, que está quase terminado, foi o projecto deste ano, que vem na sequência da memória de Macau. Há um paralelismo com o chá gordo em termos do conhecimento que passa de geração em geração. Não há um livro do saber do bambu, como as estruturas são calculadas. Tentamos fazer uma ponte entre o legado e aquilo que pode vir a ser o futuro do bambu. C.C. – Em relação a projectos de futuro, ando interessada sobre a questão linguística. Ando a reflectir porque é que é difícil ao estrangeiro falar chinês e as crianças não têm acesso à aprendizagem da língua. Não são apenas os portugueses, mas os estrangeiros em geral. Porque é que isso não acontece nas escolas? Qual é a questão, o problema? Tem que ver com uma questão de vivência? Acho que seria um tema interessante para fazer um documentário. Apetece-me fazer um documentário sobre crianças e jovens dentro dessa questão linguística, das diferenças das línguas, o ‘lost in translation’. Comecei a escrever um guião, embora seja para uma curta-metragem, que reflecte essa faixa etária. Mas é uma história que tem algumas aventuras, à volta dos portugueses, chineses e macaenses. É sempre esse o meu ponto de reflexão.
Hoje Macau SociedadeMIFF| Marco Mueller alega divergência de opiniões para a saída Não quer, para já, explicar em detalhe o que aconteceu para, em contagem decrescente para o Festival Internacional de Cinema de Macau, ter batido com a porta. Marco Müller mostra-se, no entanto, surpreendido com a possibilidade de ter de responder em tribunal [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] italiano Marco Müller confirmou que se demitiu do cargo de director do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau por causa de “divergência de opiniões”, mostrando-se, contudo, surpreendido com a ameaça de um processo judicial. “O que aconteceu foi o que foi confirmado por todas as fontes oficiais: foram meses e meses de divergência de opiniões sobre não só como um festival deve ser feito, mas como um festival inaugural deve ser feito”, afirmou em entrevista à revista Macau Closer, um dia depois de anunciada a sua demissão do cargo de director e a menos de um mês da realização do evento. Müller, que dirigiu festivais de cinema como o de Veneza, Roma ou Locarno, sem querer aprofundar as “diferenças” em causa, lamentou, porém, a ameaça de um processo judicial. “Acho bastante chocante que, durante uma conferência de imprensa, responsáveis, que inicialmente me chamaram de amigo, digam – sem enviar uma carta – que estão a considerar uma acção judicial contra mim. Isso é completamente surpreendente”, apontou. A Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau (MFTPA), que co-organiza o festival, declarou na passada segunda-feira, em comunicado, que Marco Müller “faltou ao compromisso assinado” como director do festival conforme acordo com a MFTPA, pelo que irá exigir “todas as responsabilidades decorrentes do incumprimento por todos os meios ao seu alcance, incluindo a via judicial”. Também no início desta semana, na conferência de imprensa de apresentação do programa do festival – que decorre entre 8 e 13 de Dezembro –, a directora dos Serviços de Turismo e presidente da comissão organizadora do festival, Maria Helena de Senna Fernandes, recusou comentar o diferendo, precisamente com o argumento de que o caso pode chegar aos tribunais e porque a relação contratual é entre a MFTPA e Marco Müller. Está tudo no cartaz À revista Macau Closer, Müller diz ainda que “seria divertido ver como vão provar” o incumprimento da sua parte. “Trabalhámos como loucos para o sucesso do festival, trabalhámos com paixão pelo programa que é, de facto, muito forte. Seria interessante ver como poderão acusar-me de violar o contrato”. O italiano afirma que o cartaz do festival demonstra o nível de “paixão” e “dedicação”. “Temos sete estreias mundiais, e tirando outros eventos paralelos, tudo é estreia mundial, internacional ou asiática. Não estou a tentar ser presunçoso, mas não há muitos festivais que têm na sua primeira edição tantas premières mundiais e internacionais”, aponta. O Festival Internacional de Cinema de Macau foi anunciado em Fevereiro, na mesma altura em que Müller foi indicado como director. Em Maio, Müller apresentou detalhes da primeira edição do evento, afirmando querer mostrar filmes “‘mainstream’ mas com uma diferença” e tornar Macau num ‘hub’ cinematográfico. O cartaz do Festival Internacional de Cinema de Macau conta com 50 filmes de mais de 20 países e regiões. O filme português “São Jorge”, do realizador Marco Martins, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor atribuído pelo júri da secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza, em Setembro, é um dos 11 da categoria de competição do evento. Na mesma secção figura “Elon não acredita na morte”, do brasileiro Ricardo Alves Jr., que surge em estreia internacional. “Polina”, filme francês realizado por Valérie Müller e Angelin Preljocaj, marca a abertura do evento. O Festival Internacional de Cinema de Macau tem um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões são assegurados pelos Serviços de Turismo.
Hoje Macau EventosMIFF – Seis dias para a sétima arte Filmes em competição e fora dela, bailarinas que sonham maior, prémios e estatuetas, masterclasses e galas. Aqui fica uma ideia do que vai poder ver entre 8 e 13 de Dezembro [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão 11 os filmes que vão estar em competição na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (MIFF, na sigla inglesa). Divididas as projecções entre o Centro Cultural e a Torre de Macau, as películas vão disputar nove prémios, entre os quais o melhor filme, o melhor realizador, os melhores actor e/actriz e o melhor argumento. O júri é presidido por Shekhar Kapur, cineasta indiano que conta com um vasto currículo, de onde se destaca “Elisabeth”, nomeado para sete Óscares e vencedor de dois, e galardoado com cinco BAFTA, entre os quais o prémio para melhor filme. Da secção de competição fazem parte “150 miligrams” (França); “Free Fire” (Reino Unido); Gurgaon (Índia); “Hide and Seek” (China); “Queen of Spades” (Rússia); “Survival Family” (Japão); “The Winter” (Argentina) e “Trespass Against Us” (Reino Unido). Os filmes juntam-se a “Elon não acredita na morte”, do brasileiro Ricardo Alves Jr, em estreia internacional e que tem como protagonistas Rômulo Braga e Clara Choveaux, e a “São Jorge”, do realizador Marco Martins, que valeu a Nuno Lopes o Prémio Especial de Melhor Actor atribuído pelo júri da secção “Orizzonti” do Festival Internacional de Cinema de Veneza, em Setembro. É a primeira vez que “São Jorge”, que conta a história de um pugilista desempregado que se vê obrigado a trabalhar em cobranças de dívidas para sobreviver, pode ser visto na Ásia. De destaque nesta secção é ainda a realização da local Tracy Choi, “Sisterhood”, que tem agora a sua estreia marcada. Estreia a dançar “Polina”, filme francês realizado por Valérie Müller e Angelin Preljocaj, marca a abertura do Festival Internacional de Cinema de Macau. O filme conta a história de uma jovem russa que sonha desde a infância com uma oportunidade no Bolshoi. Cansada da disciplina a que está submetida, a bailarina vai para França onde abandona o ballet clássico para se aventurar no mundo da dança contemporânea. “Polina” conta com as interpretações de Juliette Binoche e Anastasia Shevtsova. O MIFF é composto por mais quatro secções de competição: “Gala”, “Dragões Escondidos”, “Crossfire” e “Cinefantasy”. Momento de oportunidade Ainda no programa está o “Crouching Tigers Project Lab” que integra, entre 9 e 11 de Dezembro, palestras, oficinas e painéis destinados ao debate entre profissionais do sector. É aqui que poderão ser criadas alianças para avançar com projectos cinematográficos. As ideias em cima da mesa são 12 e estão divididas em três categorias: género, autor e parceiros associados. Os vencedores serão distinguidos com prémios monetários: um no valor de 20 mil dólares — atribuído pela Fox International Productions — e outro de 10 mil, concedido pela Ivanhoe Pictures e Huace Media. Entre os candidatos estão dois projectos portugueses, “Peregrinação”, de João Botelho, e “San Ma Lo 270”, de João Pedro Rodrigues e Rui Guerra da Mata. Para os jovens talentos, essencialmente os locais, o MIFFA tem, desde segunda-feira, as inscrições abertas para um concurso de curtas-metragens. Os candidatos interessados têm até 30 de Novembro para enviar os seus projectos. A conversar é que se aprende Não há festival de cinema sem masterclasses e Macau não é excepção. Apesar da tímida estreia com duas sessões agendadas, consta do programa a master com Gianni Nunnari, e outra com Tom McCarthy e Bobby Cannavale. Ambas agendadas para 10 de Dezembro, sabe-se já que o tema abordado por McCarthy será o uso de histórias pessoas na arte de contar, enquanto Cannavale irá abordar a relação entre realizadores e actores. O MIFF é organizado pela Direcção dos Serviços de Turismo de Macau e pela Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau (MFTPA). Conta com um orçamento de 55 milhões de patacas, dos quais 20 milhões são garantidos pelo Governo.
Sofia Margarida Mota EventosHelena de Senna Fernandes: “A minha responsabilidade é dar continuidade aos trabalhos” Helena de Senna Fernandes assumiu a representação da primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau. Uma posição repentina que vem na sequência da demissão de Marco Mueller da direcção do evento. A também directora dos Serviços de Turismo fala da sua “inesperada” função e do acontecimento pelo qual dá a cara [dropcap]H[/dropcap]erdou a representação repentina da primeira edição do Festival de Cinema Internacional de Macau. Como é estar neste papel? É verdade. Foi uma situação inesperada mas, depois de termos recebido a notícia da demissão de Marco Mueller na noite de sexta-feira, impunha-se a manutenção da estabilidade da organização. A demissão do director não é positiva, nesta altura do campeonato, sobretudo numa altura em que estamos na fase final de preparação do evento. Depois de falarmos com os consultores internacionais do festival, era necessário transmitir confiança aos nossos parceiros e ao nosso público. Era necessário alguém que substituísse Mueller na direcção e não seria justo convidar outro director para continuar o trabalho que outra pessoa já tinha feito. Não seria agora que iríamos mudar alguns dos conceitos que foram deixadas por Marco Mueller. Neste sentido, a melhor solução foi a presidência da comissão organizadora assumir a representação do evento. Não tenho experiência na área do cinema, mas considero que a minha responsabilidade é dar estabilidade e continuidade aos trabalhos que ainda têm de ser realizados de modo a garantir o sucesso do projecto. Quais são, agora enquanto representante, as expectativas para o MIFF? Para já, o mais importante é dar continuidade ao evento, principalmente no que respeita à promoção dos jovens de Macau que têm o sonho de fazer os seus próprios filmes. A intenção é avançar com a ideia de tornar a iniciativa numa plataforma em que os cineastas locais consigam ter uma oportunidade para darem a conhecer ao exterior os seus trabalhos. Penso que esta é uma forma privilegiada de dar a conhecer as indústrias criativas de Macau. Também tencionamos, através do festival, dar uma oportunidade para que seja criado um público local, ou seja, para que os residentes possam ter acesso a mais géneros de cinema. A ideia é que o público conheça, não só o cinema comercial, mas que também tenha acesso e comece a apreciar filmes mais artísticos. Esta é uma altura em que as pessoas de Macau podem abrir mais os olhos para que, eventualmente, esteja aberta a possibilidade de criar uma indústria nesta área. Queremos também criar os consumidores destes produtos que são os filmes. Tem de existir gente que assista e compre, nós temos de criar esta componente referente às audiências de Macau. Falou de indústria do cinema mas Macau não tem essa dinâmica. Em que é que o MIFF vai ajudar, concretamente? Acho que essa ajuda não se vai verificar já. Esta é a primeira edição e não se pode esperar esse tipo de retorno imediatamente. Quando olhamos para este festival, temos de estar conscientes de que não estamos só a projectar filmes ou a dar prémios. Estamos também a criar espaço para que a indústria internacional venha a Macau e possa conhecer o território. Existe também uma componente formativa e que é concretizada pela realização, por exemplo, de masterclasses. Para que haja uma indústria a funcionar tem de existir conhecimento e faz parte do evento promover isso também. Os jovens locais não devem ter apenas o sonho em ser realizadores, têm de ter conhecimento. Por outro lado, esta é uma indústria que deve desenvolvida passo a passo e não de um dia para o outro. Como estamos a iniciar este caminho, temos ainda de ter em conta que é importante trabalharmos muito com a China e mesmo com Hong Kong. A China, por exemplo, representa uma grande parcela de público de cinema e como tal, ao pensar na criação da indústria em Macau, temos de ter em atenção as perspectivas de entrada no mercado chinês e as colaborações que possamos vir a ter com cineastas da China Continental. É lá que está o grande público que irá consumir os produtos do cinema de Macau. É a directora do Turismo de Macau. Qual é o impacto do MIFF no sector? Claro que é importante utilizar este evento enquanto plataforma para promover Macau. Uma das questões é a promoção do território internacionalmente de modo a que seja mais conhecido e que mais pessoas queiram vir de visita. Por outro lado, e de muita importância, é a promoção da terra enquanto espaço de produção de cinema, ou seja, que Macau se torne capaz de chamar os cineastas internacionais para que cá venham fazer, por exemplo, a rodagem das películas. É fundamental esta aposta no sentido de que realizadores internacionais escolham a região para os seus cenários e, desta forma, projectar Macau para audiências internacionais. O embaixador do MIFF é Jang Keun Suk, um actor coreano essencialmente conhecido pelo seu trabalho em novelas. Qual foi o critério para esta escolha? Também estamos a falar de turismo e, desse ponto de vista, a Coreia é o nosso mercado mais importante. É uma estratégia de marketing turística? Sim. É uma estratégia para atrair os olhos dos coreanos para Macau. Na óptica do turismo, e agora falo enquanto directora do organismo, é importante ter um forte representante coreano porque é que aí que está o nosso grande alvo internacional. Neste momento, é um mercado que está a crescer na ordem dos dez por cento e, como tal, não foi ao acaso que escolhemos Jang Keun Suk como embaixador. Cannes ou Locarno são conhecidas precisamente devido aos festivais de cinema que acolhem. Poderiam ser desconhecidos, mas estão nas bocas do mundo e são destinos por muito apetecidos por serem uma referência da sétima arte. Acha que Macau pode vir a fazer parte dos destinos culturais associados ao cinema e com o contributo do MIFF? Locarno, Cannes e mesmo Hong Kong já são festivais com uma forte afirmação no mercado e já existem há muitos anos. Sim, acho que podemos pensar nisso como um objectivo a atingir no futuro. Não vamos pensar nisso como um objectivo que se atinge dentro de pouco tempo, mas podemos começar agora a criar um nicho próprio. Espero que com o tempo e com a continuação do trabalho possamos conseguir um lugar de relevo. Disse na conferência de imprensa de apresentação que o MIFF ainda iria ter algumas surpresas… Não posso ainda dizer quais serão porque a comissão ainda está em fase de contactos e negociações. Mas estamos a falar de convidados especiais que, esperamos, vão fazer do festival um evento mais completo. Gosta de cinema? Infelizmente não tenho possibilidade nem tempo para ir ao cinema. Vejo essencialmente através da internet, mas a altura em que dedico mais tempo a ver filmes é, realmente, dentro dos aviões. E sim, gosto de filmes e de diferentes géneros de cinema. Quais são os filmes da sua vida? O primeiro filme que me lembro de ver é o “Música no Coração” e este é realmente um filme de que gosto. É um filme que tenho sempre presente. Como é que vê este festival no futuro? Penso que vai ser estabelecido como um dos festivais de referência a nível mundial. Espero que seja, num primeiro passo, um festival obrigatório, primeiro dentro da Ásia, e com o tempo vá ganhando terreno ao nível internacional.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeMarco Mueller demite-se do Festival Internacional de Cinema O director do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, Marco Mueller, demitiu-se ontem. Uma referência do cinema internacional que deixa o evento mais pobre e os protagonistas da sétima arte receosos quanto ao futuro [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]arco Mueller demitiu-se do cargo de director do Festival e Cinema Internacional e Macau. A notícia foi dada ontem em comunicado emitido pela Comissão Organizadora do evento. O acontecimento dá-se a cerca de três semanas do início do festival que tem data marcada de 8 a 13 de Dezembro e apresenta um cartaz com 43 filmes. Macau perdeu o passaporte para a internacionalização na sétima arte com a saída de Marco Mueller da direcção do primeiro Festival Internacional de Cinema (MIFF). Este é o sentimento que ficou, ontem, entre realizadores residentes a propósito da notícia da demissão do reconhecido programador, Marco Mueller, do cargo de direcção artística da primeira edição do evento que prometia colocar Macau no mapa dos festivais de cinema. Nos realizadores locais fica a sensação de perda, de esperança desfeita e de sonho perdido. “Este sonho de existir um festival com um grande programador mundial diluiu-se antes mesmo de ter início”, reage o realizador de “Cartas de Guerra”, Ivo Ferreira, em declarações ao HM. Ter um festival de cinema em Macau não seria uma distinção. O segredo estava, e até ontem, bem entregue ao facto de assumir a liderança com um nome como o de Marco Mueller. Para Ivo Ferreira, “festivais há muitos, há milhões no mundo todo e sem relevância alguma. A diferença acontece quando têm características particulares, como por exemplo, ter um grande director e um programador fantástico, como estava para acontecer em Macau com a presença do Mueller”. O realizador lamenta a notícia do fim ainda antes do início, e a demissão de Mueller “esmorece muito o sonho de termos um grande festival de cinema em Macau”, até porque a sua presença na direcção do MIFF não estava guardada para reconhecimento futuro e já tinha contribuído para colocar Macau no mundo. “Eu que passo muito tempo em Festivais, agora quando digo que venho de Macau, as pessoas já sabem, precisamente pela referência ao director”. “É uma pena”, remata Ivo Ferreira. Futuro incerto O sentimento é partilhado por Emily Chan que, apesar de já ter uma película agendada para o evento, não deixa de se mostrar surpreendida e até temerosa quanto ao futuro do MIFF. “Estou assustada e não percebo as razões deste desfecho”, afirma a realizadora local ao HM em reacção à notícia de ontem. “Durante a convivência com o Marco, ele mostrou ser caloroso e com vontade de ajudar os realizadores locais, sobretudo os mais jovens. É uma figura carismática e essencial”, explica. Para Emily Chan, a ausência de Marco Mueller também “é uma pena”. Macau ainda está a dar os primeiros passos na sétima arte e na projecção do que se faz no território e, no ponto de vista da realizadora, Marco Mueller era a esperança do futuro do cinema local. “ Em Macau o cinema é muito recente e está numa fase inicial, e nós, realizadores locais, precisamos muito do apoio de um profissional como o Marco que poderia servir de ponte. Ele era capaz de levar as nossas obras para outras paragens e internacionalizar o trabalho que fazemos”, explica a jovem realizadora. Não há dúvidas e “é inevitável a perda que o festival vai sofrer com a saída de Mueller, até porque muitos dos filmes que constam no cartaz foram trazidos por ele”, lamenta Emily Chan. Sem Mueller, e com a promessa agora esmorecida, o receio torna-se inevitável: “se não contamos com ele vai ser mais difícil dar passos no sentido de trazer o bom cinema a Macau e tornar o festival de cinema num evento de renome”. Diferenças maiores Marco Mueller conta já com um vasto currículo e com o nome à frente de alguns dos grandes festivais internacionais, como o de Veneza ou Roma tendo ainda colaborado como consultor do festival de cinema de Pequim e programador do festival da Rota da Seda. Em nota enviada ao HM a Comissão Organizadora faz saber que “foi por motivo de divergências de opiniões entre o Sr. Marco e a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau” que o agora ex-director do MIFF, apresentou a sua demissão. A mesma entidade dá ainda a conhecer que Marco Mueller não vai ser substituído e que “a Comissão Organizadora e a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau, decidiram não convidar um outro director para o Festival de Cinema, sendo que o Secretariado irá assumir todas as tarefas e responsabilidades de director do Festival.” Uma surpresa Também para o Secretário para os Assuntos Sociais e da Cultura , Alexis Tam, a saída de Marco Mueller parece ser uma surpresa. O Secretário reagiu à saída do programador italiano do cargo de director do Festival Internacional de Cinema de Macau, dizendo que a decisão é “pessoal” e “inesperada”, conforme citado pela Rádio Macau. Segundo a mesma fonte, Alexis Tam sublinha ainda que esta é uma decisão que “naturalmente respeita”.
Rui Filipe Torres h | Artes, Letras e IdeiasTerror e Beleza em Godard 1. “WEEKEND” [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Lisbon & Estoril Film Festival ’16 a retrospectiva de Godard avança e, no ecrã do teatro da Trindade, foi possível ser público de um dos filmes mais perturbadores da história do cinema, tem como título “Weekend”. Teve estreia em Paris em Dezembro de 1967, mas está longe de ser um filme de Natal. A experiência da sua visão, imagem e som, é, uma imersão no abismo. Uma visão da falência da classe média e da sua construção burguesa, ou da sua aproximação aos ideias internacionais proletários. Com uma estrutura narrativa com poucas concessões à lógica mais imediata da continuidade, este filme terrível, mais do que antecipar o movimento dos estudantes e operários do icónico Maio de 68, visto hoje, em 2016, surge como uma visão pictórica, cinematográfica, de um real que ultrapassa em dimensão e barbárie a que filme vive e anuncia. Quase sempre os mais terríveis abismos do humano nos chegam em curtos fragmentos, mediados pelo electrodoméstico da comunicação de todos os lares e cozinhas a que chamamos televisão, com aquela previsibilidade e rotina de boletim de meteorologia onde sempre é de querer que em alguma parte do mundo a severidade climática seja mais intensa, pouco ou nada já incomoda, transforma. Em 2016, já todos vimos em sucessivos telejornais dezenas de carros incendiados na noite dos bairros periféricos de Paris, atentados e massacres em cidades da Europa, Américas, Ásia, África, e ao que parece a vacina da indiferença cumpre a possibilidade de sentir somente o aconselhado pelo termómetro do emocional esperado. Não é o caso do “Weekend”, aqui a experiência de imersão cinematográfica, mesmo que distanciada – o filme é neste sentido brechtiano -, é de permanente espanto pela expressão cinematográfica, pictórica, do abismo, neste filme que ultrapassa todas as convenções formais anteriores a si próprio. Com inicio no interior confortável de um apartamento o filme precipita-se para um dos mais inquietantes planos sequencia da história do cinema, um travelling continuo lateral a uma estrada no campo, onde um engarrafamento de trânsito tem dimensão hiper, e obriga-nos a um confronto com uma imagem em espelho que não queremos olhar. Se o engarrafamento é ultrapassado, o confronto com um ecrã espelho catártico da barbárie presente neste nosso tempo civilizacional, não. “Weekend” é um filme impossível, Godard sabe-o, o filme termina anunciando o fim do cinema. Maio de 68 foi anúncio a um tempo novo onde o axioma foi; é proibido proibir. “Weekend” visto em 2016, parece-me um urgente e difícil aviso à Barbárie que somos porque nos habita. 2. “LE MÉPRIS”, França/Itália 1963 (ou a morte de Penélope) A 5ª longa metragem de Jean- Luc Godard é uma superprodução internacional com a estrela Brigitte Bardot, capaz de iluminar qualquer ecrã, e é também, na primeira parte da obra do autor, o filme mais reflexivo sobre a história do cinema e o seu futuro. Adapta Alberto Moravia, e põe em cena um produtor americano e um cineasta/autor. Jack Palance permite a Godard ligar Jeremy Prokosch à galeria de produtores hollywoodianos que se comporta como um imperador romano, assina cheques nas costas do seu escravo e líquida os últimos vestígios do humanismo europeu. Ao ir ter Fritz Lang para interpretar o realizador, Godard relaciona o cinema de “nouvelle vague” e o cinema estúdio de forma aberta enquanto linha narrativa. Lang é o artista que recusou todos os compromissos, resistido tanto à ditadura nazi como à maquinaria hollywoodiana. Encarna a figura do Sábio, cita Dante, Holderlin, Brecht e Corneille. Godard faz coexistir, ao longo do filme, e muitas das vezes na mesma cena, diferentes tempos. Na segunda cena de abertura do filme, que é a terceira dado que o genérico inicial é também uma cena introdutória e situacionista do posicionamento formal do filme; por um lado através da utilização da voz-off, indica a autoria artística e técnica e, simultaneamente, pela materialidade do filmado e pela forma como faz, o posicionamento, o lugar que o filme quer ocupar no vasto território do cinema. É afirmado que se está num cinema reflexivo, autoral, e numa co-produção entre França e Itália Na cena seguinte, Camille e Paul, na cama, uma das mais memoráveis cenas eróticas do cinema, estamos em simultâneo no tempo da vida banal e no tempo ficcional. A materialidade dos corpos percorridos lentamente, em particular o corpo de Camille, na situação do banal quotidiano na vida dos afectos de um casal, com um trabalho plástico que distancia e aproxima, que afirmam o lugar do filme enquanto matéria própria. “ …então gostas de mim completamente” pergunta Camille, responde Paul “…sim, Amo-te completamente, ternamente, tragicamente” responde Camille “ Eu também Paul”. Se a cena se inscreve no tempo da vida banal, é também uma cena que vai permitir o desenvolvimento da linha narrativa do filme que vive na tensão entre possibilidade ou impossibilidade do amor vivido. Permite o confronto do amor icónico de Penélope e Ulisses, e os resíduos desejos e impossibilidade, desse amor, icónico no contemporâneo. Na cena seguinte, que se decompõe em três cenas, duas exteriores e uma interior, todos os plots do filme ficam em definitivo lançados. Todas as personagens conhecidas e identificadas. Toda a proposição narrativa é conhecida. No exterior de uma Cinecitá que se aproxima sem possibilidade de retorno do um espaço ruína, afirmando a dimensão narrativa do espaço/décor, conhecemos o produtor “americano”, conhecimento construído de forma fílmica, num continuado discurso e acção, e não de forma meramente informativa/descritiva. Na sala de projecção, assistimos ao visionamento de imagens do filme que é rodado dentro do filme, o plot principal da narrativa. Diferentes tempos no tempo da materialidade do filme. Um tempo civilizacional, um tempo ficcional. O conflito entre autor e produtor, o detentor das condições de produção, leia-se o dinheiro necessário para o exercício do cinema, é instalado. O poder do produtor é afirmado numa imagem de total expressividade, ao assinar um cheque nas costas dobradas da assistente, a servir de mesa. O exercício de domínio e submissão continua no exterior quando, instalado ao volante do descapotável, o jogo de captura e sedução a Camille se instala, com a submissão de Paul, marido e escritor contratado, empregado, do produtor. O filme está lançado, materializado na matéria fílmica. A morte de Penélope. “ O cinema, diz André Bazin, substitui o nosso olhar sobre o mundo que foge aos nossos desejos, Le Mépris é a história desse mundo.” A morte de Penélope é a impossibilidade do regresso a casa. Quem morre é Camille, mas são as múltiplas leituras tornam o filme notável, magnifico. O jogo entre o agora “herói relutante” versus o herói guerreiro e de vontade determinada, a impossibilidade da permanência do amor e o amor incondicional, definitivo, atravessa a obra numa contaminação direta com fenomenologia do real, das relações concretas das práticas do social e do cinema. O homem contemporâneo vive uma orfandade que o assusta e que deseja, e a casa, esse lugar doméstico que pode apaziguar o mundo é um lugar perdido, vivido de forma intermitente, perante a dureza da operacionalidade do mundo e da perda da inocência. Morre o Produtor e Penélope, mas Ítaca, onde fica?
Rui Filipe Torres h | Artes, Letras e IdeiasGodart em retrospectiva integral [vc_row][vc_column][vc_column_text][dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]idade ecrã, é nome escolhido para este espaço de escrita sobre cinema que aqui hoje começa. Parece com interesse explicitar o porquê do nome. Trata-se de indicar a cartografia assumida, a assunção de que o cinema, em que a definição das fronteiras estéticas, identitárias, temáticas, que respondem à pergunta feita por André Bazin em 1958 “Qu´est-ce le cinema? “, não se fecham, e não se querem fechadas, entendendo-se que a definição de fronteiras fixas enquanto cartografia do território cinema é por definição uma impossibilidade e um caminho do não-cinema. Não se trata de um espaço que trabalha a relação particular do cinema com a arquitectura, embora também o posso ser. A “cidade” de que aqui se fala tem origem na “polis” grega mas trabalha o tempo contemporâneo. Este nosso tempo de cidade planetária, paradoxal, receosa, ciosa e orgulhosa da sua identidade mas também cosmopolita, aberta e desejosa de mundos. Cidade de contaminação permanente, fluxos constantes, em que o cinema, a língua das imagens em movimento nos múltiplos suportes ecrã, contamina e é contaminado por comportamentos, percepções, desejos, visões, medos e vontades, na construção continuada da cidade. O território do cinema na cidade ecrã é esta relação permanente de transgressão de fronteiras que o cinema é e de que se alimenta. Um cinema que tem por objecto o real sabendo-se cinema. Se se quiser, um cinema que é sempre uma instalação do mundo. Lisbon & Estoril Film Festival ’16 Ser eterno e depois morrer, Jean-Luc Godard Feita a breve nota explicativa do título destas crónicas críticas, género jornalístico difuso, onde a reportagem com pretensões de objectividade e a reflexão sobre o que se olha se cruza de forma assumida, avancemos directo para o enorme acontecimento cinematográfico que é o Lisbon & Estoril Film Festival ’16. De 4 a 13 de Novembro os ecrãs dos Cinemas Monumental, Nimas, Casino Estoril, Casa das Histórias Paula Rego, Cinemas Cascais Shoping, Teatro da Trindade, Centro Cultural de Belém, Teatro Nacional D. Maria II, são ocupados com a programação desta 10ª edição que reconfirma a relevância e afirmação deste festival que tem este ano na retrospectiva integral da obra de Jean-Luc Godart, um dos grandes acontecimentos cinematográficos mundiais de 2016, é a primeira vez que uma retrospectiva integral da obra do cineasta fundador da “nouvelle vague” acontece no mundo. Não. Godard, não está morto, em breve fará 87 anos, está activo no cinema à 57 anos e é de esperar que o seu fazer cinematográfico não tenha terminado. O festival tem identidade desenhada no seu director, o produtor Paulo Branco, e no director adjunto António Costa (o assistente de Manuel Oliveira, que mais contribuiu para a obra do Mestre). Os nomes do comité de selecção são Michel Demopoulos, Roberto Turigliatto e o já referido António Costa. A retrospectiva de Godard é só por si um acontecimento cinematográfico. O movimento “ Nouvelle Vague” configura a relação epidérmica do cinema com os contextos sociais culturais e tecnológicos, relação mais do que epidérmica, todo um sistema orgânico, abusando da biologia sem excesso de falta de pudor porque é afinal do humano e da falência da máquina antropológica, se quisermos seguir o pensamento de Giorgo Agamben, a que este movimento dá fala e corpo cinema. As pesadas máquinas de cinema, na década de 50/60, são objectos tecnológicos do passado, torna-se possível filmar fora do estúdio com equipas mais reduzidas, este processo foi ainda mais radical com a chegada do vídeo e do digital, que tão bem conhecemos em décadas posteriores. Socialmente nos países do capitalismo avançado como a França, uma nova geração tem acesso ao ensino superior e está culturalmente preparada para uma relação mais exigente com o cinema, porque também é essa a sua exigência com o mundo em que vive, mundo onde é ainda possível a visão de duas construções possíveis, a da sociedade capitalista e da sociedade socialista. O movimento da crítica cinematográfica francês, fortemente politizado, tem a sua expressão maior nos “cahiers du cinema” revista fundada em 1951, entre outros por André Bazin , revista que no seu movimento originário “Revue du Cinéma” tem nomes como Cocteau, Bresson, Astruc ou Éric Rohmer. Jean-Luc Godard é um dos nomes maiores deste movimento que se pode denominar como cinema de autor, em oposição ao dominante cinema estúdio americano, no qual quando um filme entra em rodagem, nada, ou muito pouco do que já pré-determinado pode, tem espaço, para ser alterado. Este movimento, e particularmente Jean-Luc Godard, tem exactamente na fenomenologia, na abertura ao real no momento preciso da sua fixação na obra no suporte cinematográfico a, então radical, metodologia de trabalho. Não se trata de o realizador não saber o que pretende com a obra, mas de a criar numa abertura constante com a materialidade que esta fixa, o tempo e o movimento, o corpo e a dinâmica dos actores. Não se trata de recusar o cinema americano, nem sequer o cinema narrativo, mas de ousar novos caminhos em que novos temas e exercícios formais são matéria fílmica. A retrospectiva começou com O Acossado – A Bout de Soufle, título original, primeira longa metragem do Godard, e foi recebida com enorme entusiasmo na sala cheia do Nimas, longa metragem de 1959, protagonizada por Jean-Paul Belmonte e Jean Seberg. Neste filme, é revisitado o universo do “film noir”, mas toda a operacionalização da narrativa vivem de uma nova estética com recurso a citações; literatura, pintura e, claro, o próprio cinema. A montagem do filme recusa a linearidade, obrigando a uma nova relação do espectador com a narrativa na tela. Reinventa signos, como o do polegar a roçar o lábio, hoje icónico do glamour em atitude irreverente comercialmente usado em publicidade, caso da publicidade ao Martini. É todo um novo retrato da vida urbana de uma capital cosmopolita, Paris, que tem aqui uma singular nova voz, em que irreverência, marginalidade e juventude se cruzam, num mundo onde o afecto é fragmentado e sujeito ao acaso e modelos de sobrevivência, em que a liberdade ainda se sonha possível. É deste filme, a fala Jean-Pierre Melville, à protagonista na sua condição de repórter, o que importa é : ser eterno e depois morrer. [/vc_column_text][vc_cta h2=”Ficha Técnica” h2_google_fonts=”font_family:Oswald%3A300%2Cregular%2C700|font_style:700%20bold%20regular%3A700%3Anormal” h4=”Título original: “À Bout de Souffle“” shape=”square” use_custom_fonts_h2=”true”]Realização: Jean-Luc Godard Guião: Jean-Luc Godard, baseado numa história de François Truffaut Género: Policial Tempo de Duração: 86 minutos Ano de Lançamento: 1959 (França) Estúdio: Impéria / Société Nouvelle de Cinématographie / Les Films Georges de Beauregard Distribuição: Impéria Produção: Georges de Beauregard Música: Martial Solal Fotografia: Raoul Coutard Desenho de Produção: Claude Chabrol Montagem: Cécile Decugis e Lila Herman[/vc_cta][/vc_column][/vc_row]
Hoje Macau Política“Os Resistentes – Retratos de Macau” #2 “Os Resistentes – Retratos de Macau” de António Caetano Faria • Locanda Films • 2014 Realizador e Editor: António Caetano Faria Produtores: Tracy Choy e Eliz L. Ilum Câmara e Cor: Gonçalo Ferreira Som: Bruno Oliveira Assistente de Câmara: Nuno Cortez-Pinto Editor Assistente: Hélder Alhada Ricardo Sonorização e Mistura de Som: Ellison Keong Música: Orquestra Chinesa de Macau – “Capricho Macau” de Li Binyang
Hoje Macau Manchete“Os Resistentes – Retratos de Macau” #1 Sapataria Wong Lam Kei • 1946 “Os Resistentes – Retratos de Macau” de António Caetano Faria • Locanda Films • 2014 Realizador e Editor: António Caetano Faria Produtores: Tracy Choy e Eliz L. Ilum Câmara e Cor: Gonçalo Ferreira Som: Bruno Oliveira Assistente de Câmara: Nuno Cortez-Pinto Editor Assistente: Hélder Alhada Ricardo Sonorização e Mistura de Som: Ellison Keong Música: Orquestra Chinesa de Macau – “Capricho Macau” de Li Binyang