ZEUS, Manuel Teixeira Gomes no grande ecrã

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] RADICAL DESEJO DE FELICIDADE, não é, mas podia ser, o título do filme ZEUS que nesta quinta feira de inicio de 2017, é distribuído pela NÓS em Portugal e tem, na mesma quinta-feira dia 5 de Janeiro, ante-estreia na Cinemateca Portuguesa.

O filme acompanha a vida do herói, herói relutante, esse tipo de herói que modernidade ocidental inventou e que no caso tem nome próprio, Manuel Teixeira Gomes.

Quem foi este homem, político, diplomata, escritor, que se demite a si mesmo do cargo de presidente da República Portuguesa, e decide viver os últimos anos da sua vida num exílio por ele próprio decidido, na cidade de Bougie, Argélia, margem sul do mediterrâneo? É o que se espera melhor conhecer quando a projecção termina. O filme cumpre essa natural expectativa.

Vivemos um tempo em que é comum títulos de jornal sobre o uso da coisa pública em proveito próprio. Nenhum título nos fala do abandono, da recusa do exercício do Poder.

O que dizer de alguém que, tendo o poder da presidência de República, a abandona por vontade própria e se auto exila entre outras terras e gentes?

Este foi o caso do sétimo presidente da República Portuguesa, Manuel Teixeira Gomes, com fortuna herdada e construída pelo próprio, eleito a 6 de Agosto de 1923 presidente da ainda adolescente República Portuguesa, cargo de que se demite em 1925, para o acaso o instalar na cidade já referida.

Norberto Lopes, no prefácio de “O Exilado de Bougie”, compara Manuel Teixeira Gomes a um grego do século de Péricles e/ ou príncipe florentino da renascença, há quem dele fale evocando a personagem Corto Maltese de Hugo Pratt.

O cargo era grande ou pequeno demais para o homem Manuel Teixeira Gomes?

ZEUS, é o nome do Filme de Paulo Filipe Monteiro, e o do cargueiro, onde o personagem principal desta ficção biográfica embarca 5 dias depois ao abandono das funções de Estado. Com 65 anos, muda de vida.

A história real, desconhecida para a grande maioria dos portugueses, é trazida a filme pelo argumentista e realizador, Paulo Filipe Monteiro.

O filme integra, de forma ficcional e sem acentuados dramatismos os acontecimentos políticos que antecederam a implantação da ditadura e, centra-se sobretudo, nesse tempo do exílio desejado, onde um confortável anonimato permite o prazer sensorial e a disponibilidade para a alteridade, para o encontro com a existência do outro.

De alguma forma o filme também é uma fala sobre o colonialismo, neste caso o da França, sobre essa arrogância que se apresenta a si mesma como factor de civilização.

Formalmente o filme assume uma montagem elíptica, por blocos, com citações não inteiramente conseguidas ao expressionismo alemão e ao mestre Murnau. Trabalha a luz e a sua ausência, é Paulo Filipe Monteiro quem afirma: “ Zeus é um filme sobre a luz. Outros em Portugal filmaram, e tão bem, a escuridão, a tal soturnidade, a tal melancolia, “um desejo absurdo de sofrer”. Eu gosto da luz nas pessoas e das pessoas que procuram a luz”.

O filme trabalha com situações e frases verdadeiras, que permitem um olhar cinematográfico sobre a vida de um homem de espírito, livre, original.

Estruturado em três blocos, cada um com o seu director de fotografia e o seu director de som, esses blocos vão alternando, o que torna a linguagem narrativa mais contemporânea, embora dando a mão ao espectador para que ele não se perca.

Transcreve-se uma conversa breve com o realizador:

ZEUS, é o nome do cargueiro holandês em que o herói viaja quando abandona o exercício do cargo de Presidente da República e procura outra alteridade. ZEUS, o filme, inscreve-se no género ficção histórica, tem como personagem principal Manuel Teixeira Gomes, escritor, diplomata, burguês com fortuna pessoal herdada e construída pelo próprio, eleito a 6 de Agosto de 1923 presidente da adolescente República Portuguesa, cargo de que se demite em 1925. É a partida, a viagem, depois do abandonar o cargo de P.R.P. o que te levou ao filme?
Sim, o meu interesse por essa figura extraordinária e tão desconhecida dos portugueses começou por esse gesto inaudito de coragem e de liberdade: renunciar à Presidência e, aos 65 anos, mudar completamente de vida. Um homem com aquela importância, Presidente da República, ex Vice-Presidente da Sociedade das Nações (antecessora da ONU), sempre tão chic, grande coleccionador de arte, decide largar tudo e partir no primeiro barco que saia de Lisboa, mesmo sendo um cargueiro, não lhe interessa o destino. Passado um tempo está a viver com os nómadas no deserto…

O filme procura resposta sobre o que faltou, ou esteve em excesso, em Manuel Teixeira Gomes, que o levou a abdicar do exercício do Poder?

O que o levou a partir foram um conjunto de questões políticas e pessoais (a instabilidade, o avanço dos militares e dos fascistas, a lucidez de saber que o poder ia cair nas mãos dos militares, o pouco poder constitucional do presidente para travar isso, o desejo de não ser ele a entregar o poder aos militares, a morte do irmão, o escândalo Alves dos Reis, etc.), que o desgostavam de cá estar. Mas também a atracção de sempre pelas viagens, o fascínio pelo anonimato, a admiração antiga pela cultura árabe.

Norberto Lopes, no prefácio de “O Exilado de Bougie”, compara Manuel Teixeira Gomes a um grego do século de Péricles e príncipe florentino da renascença, também há quem fale da personagem Corto Maltese de Hugo Pratt. Como foi o teu processo de casting? Procuras-te o actor, aquele que tem, sensibilidade e técnica, a capacidade da metamorfose, ou o actor que serve o papel por encaixe através de características antropomórficas, cor de olhos, estatura, modos de estar?
Havia actores mais parecidos de cara e corpo com Teixeira Gomes. Mas apostei no Sinde Filipe, que tem a enorme inteligência, elegância e sensibilidade. Foi uma aposta ganha, encarnou completamente a personagem. Ainda só fomos a dois festivais e em ambos ganhou o prémio de melhor actor (em Mombai e em Coimbra).

Filmar época é sempre um problema acrescido, obriga a um investimento ainda mais cuidado nos décores, guarda-roupa, até mesmo na direcção de actores, esta condição limitou, ou a procura dessa materialidade, resgatou o tempo da narrativa da prisão cronológica?
Sim, é preciso mais cuidado, tempo e dinheiro. Creio que conseguimos. O João Torres é um fabuloso director de arte, conseguiu milagres. A Sílvia Grabovski, como sempre, a ganhar o prémio de melhor guarda-roupa. Os actores a tornarem-se pessoas daquele tempo, mas seres vivos, não empoados. Só a música não é de época, achei que seria demais.

ZEUS, chega às salas nacionais a 5 de Janeiro de 2017. Quanto tempo demorou o processo, quando pensaste pela primeira vez fazer este filme ?

Estou há oito anos a trabalhar neste projecto! Exigiu muita investigação, em Portugal e na Argélia, e cuidadosa preparação. É uma grande alegria ele agora chegar às pessoas.

Em quantos ecrãs o filme vai estrear? Como está a ser o circuito dos Festivais, o filme foi proposta a festivais classe A? A distribuição internacional é feita por quem ?
Vai estrear em vinte salas, o que é raríssimo em Portugal, mesmo com grandes filmes estrangeiros. Para já estamos concentrados nisso, depois trabalharemos na saída internacional do filme.

O projecto ZEUS esteve nas primeiras obras, ou conseguiste o quase milagre de teres dois filmes ficção de longa metragem no teu CV, sem passar pelas primeiras obras do ICA?
Eu não realizei duas longas. Fui actor em 10 longas-metragens, portuguesas e estrangeiras. Como guionista, escrevi sete longas para outros realizadores. Como realizador, só fiz Amor Cego, de 25 minutos, e agora Zeus, apoiado pelo ICA no concurso de primeiras obras.

Já sabes qual vai ser o teu próximo filme ?
Anda a fervilhar na minha cabeça. Não julguem que vou continuar a fazer sempre filmes de época: o próximo é bem contemporâneo.

ZEUS é a primeira longa metragem que Paulo Filipe Monteiro assina, no entanto o cinema é central na sua produção teórica e profissional, prova-o a sua tese de doutoramento em 1995, orientada pelo ilustríssimo Eduardo Lourenço “Autos da alma: os guiões de ficção do cinema português entre 1961 e 1990”.

Como estamos neste início de ano, espero que não se oponham a que expresse votos de excelente ano de 2017 para a cinematografia Portuguesa.

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