Rui Severino, português a residir em Wuhan: “Isto uniu ainda mais o povo chinês”

Na próxima quarta-feira, dia 8, é levantada a quarentena obrigatória na cidade de Wuhan, o epicentro inicial da pandemia da covid-19. Rui Severino, um dos dois portugueses que decidiu ficar na cidade e que recusou ser evacuado pelas autoridades lusas, relata a forma como a população de Wuhan está a retomar o quotidiano

[dropcap]C[/dropcap]omo está a situação em Wuhan neste momento? 
Nunca estive em casa. Fiquei em lockdown no centro de treinos, porque sou treinador de cavalos de corrida. Não podemos ir para lado nenhum e, neste momento, Wuhan ainda está fechada, ainda não foi levantada a quarentena. Só com autorização especial se pode sair à rua para certos fins. Mas 90 por cento das pessoas ainda estão em casa, em isolamento. A cidade começou a retomar alguma normalidade no dia 25 de Março, mas muito pouca. Algumas lojas estão abertas, mas há mais supermercados abertos ou estabelecimentos de fornecimento de outros produtos. A maioria dos espaços estão fechados porque as pessoas ainda estão em casa.

Como tem sido o dia-a-dia no centro de treinos? Estando com a equipa, têm existido momentos delicados, de tensão psicológica?
Nunca é uma situação fácil, mas não me posso queixar, porque estamos distraídos com o trabalho. No fundo, o nosso dia-a-dia não mudou em termos de trabalho pois continuamos a treinar os cavalos, comemos e dormimos aqui. Somos 67 pessoas aqui no centro e todos cumprimos medidas rigorosas, pois fazemos check-ups diários, duas vezes por dia, com verificação de temperatura. Só algumas pessoas podem sair para comprar comida e apenas uma vez por semana, com autorização especial. Quando voltamos a entrar estamos completamente desinfectados. Em termos psicológicos foi complicado, porque nunca tinha estado numa situação destas. Durante o dia estamos ocupados, mas à noite é um pouco mais complicado. Temos famílias lá fora e a ansiedade é muito grande.

Numa cidade que foi forçada a encerrar, como se viviam as poucas saídas? 
Houve sempre um grande cuidado. Ao início, quando saímos para comprar coisas, levávamos um fato de protecção especial, luvas, óculos e máscara. Há três dias saí para ir ao meu apartamento buscar roupa e tive novamente uma atenção especial. A máscara continua a ser obrigatória, aliás, quem não usar máscara é preso.

Acredita que a cidade poderá voltar ao normal dentro de pouco tempo?
A quarentena vai ser levantada a 8 de Abril, na próxima semana. Claro que vão continuar muitos estabelecimentos fechados, como cinemas, bares ou discotecas, mas todas as lojas, centros comerciais [vão abrir]. Não há ainda uma data para o início das aulas, que costuma ser em Fevereiro e que tem sido adiado.

Sente que este vírus mudou os residentes de Wuhan para sempre?
A China, infelizmente, tem experiência com estes vírus, e talvez por isso a resposta foi rápida por parte da população, em relação às medidas que o Governo impôs, o que não se tem visto no resto do mundo. Mas isso também tem a ver com o facto de, na cultura chinesa, ser hábito usar máscara sempre que se está doente, mesmo que seja uma constipação. Penso que mudou a população. Este surto que é completamente diferente dos outros, as pessoas estão mais cautelosas e têm mais cuidados do que tinham antes. O povo chinês é muito patriótico e solidário e isso ainda os uniu mais. Gostaria de ver isso em todo o mundo, gostava de ver todo o mundo a unir-se.

Decidiu nunca sair de Wuhan, quebrando a tendência de fuga de muitos portugueses. Não se arrepende de ter ficado aí?
Nunca julgo as atitudes dos outros, mas talvez se tenham precipitado um pouco. Não os culpo, porque alguns estavam cá sozinhos e a opção era ficar em casa e se calhar não tiveram a percepção de que isto se iria espalhar pelo mundo fora. Eu decidi ficar por causa das minhas responsabilidades profissionais, por causa da minha equipa e dos meus cavalos. Eles depositam confiança em mim e eu não os podia abandonar. Mas também vi a óptima resposta da população às medidas impostas pelo Governo, deu-me garantias de que iria estar seguro em Wuhan. Teria tomado a mesma decisão outra vez.

Como fica agora a sua situação profissional?
Depois de levantada a quarentena vamos tentar obter as autorizações devidas para podermos mudar de província, de Hubei para Shanxi, onde fica o nosso Jockey Club. Tudo indica que lá para Maio ou finais de Junho podemos reiniciar as corridas de cavalos em Shanxi.

Como avalia a resposta das autoridades portuguesas na retirada dos portugueses de Wuhan?
Só tenho de louvar as autoridades portuguesas, sobretudo a embaixada, que esteve em constante contacto connosco. Criou-se um grupo de conversação na plataforma WeChat, onde eram feitas centenas de perguntas todos os dias, e eles estiveram presentes 24 horas por dia, respondendo e dando informações. Nunca nos esconderam nenhuma informação. Quanto a mim, que decidi ficar, e outro português, foi-nos dado muito apoio. Enviaram-nos máscaras, óculos especiais de protecção, luvas. Para mim, foi emocionante, porque sou luso-australiano e a Austrália não me deu apoio nenhum.

O número de mortes em Wuhan tem levantado algumas dúvidas, tendo em conta, por exemplo, as filas que se formam junto a agências funerárias. Não sei se tem acompanhado esta questão, qual o seu comentário?
Não tenho conhecimento disso. Juntamente com os meus colegas chineses, não temos ouvido falar disso. Em relação aos números, se não acreditarmos nas entidades oficiais, vamos acreditar em quem? É possível que essas notícias sejam verdadeiras, não nos podemos esquecer que morreram quase quatro mil pessoas. Tenho amigos jornalistas aqui na China e não tenho essa informação.

Há uma confiança generalizada da população em relação às autoridades chinesas?
Com certeza. A grande maioria não conhece a realidade chinesa, nunca esteve na China, não conhece a cultura e é muito fácil fazer juízos de valor. As autoridades de Wuhan esconderam o vírus durante algum tempo, mas quando o Governo Central soube, tomaram as devidas acções. Essa acção foi de louvar para todo o povo chinês e para os estrangeiros que cá decidiram ficar, como eu. Não sinto que a China esteja a mentir neste momento, até porque a China de hoje não é a China de 2003 [ano em que surgiu a SARS]. As pessoas estão mais abertas, têm mais acesso à informação, há mais pessoas a estudar no ensino superior. E penso que o Governo também tem isso em atenção. Sinto que há um grande nervosismo, e com todo o direito, mas é preciso salientar que é preciso manter a calma. Se cumprirem as regras de higiene e distanciamento social… se a China conseguiu [controlar o surto] Portugal e o resto do mundo também vai conseguir de certeza. Mas vai ser um processo longo. Isto vai mudar a forma como socializamos uns com os outros.

Como olha para a actuação das autoridades portuguesas no combate à pandemia?
Pelo que li nas notícias lamento a resposta um pouco tardia. Penso que houve uma atitude branda e senti-me triste com isso. A própria população não quis saber, no início. Mas estou convencido que as pessoas estão agora mais cientes do problema, até porque a vizinha Espanha está a sofrer imenso. Um lockdown é um lockdown, é para cumprir a sério. O exemplo tem de vir de cima.

Há ainda um grande debate na Europa relativamente ao uso da máscara. 
Só na Europa é que há esse debate. É uma pena. Os chineses, os médicos e especialistas, todos dizem na televisão metem as mãos à cabeça, questionando-se como é possível. Se não há máscara, não se sai de casa.

3 Abr 2020

EUA ultrapassados em número de missões diplomáticas pela China

[dropcap]A[/dropcap] China ultrapassou, pela primeira vez, os Estados Unidos como o país com mais missões diplomáticas, segundo um estudo ontem publicado que revela crescentes ambições globais de Pequim, numa altura em que Washington segue uma agenda isolacionista.

Segundo o instituto australiano Lowy Institute, o rápido aumento de postos da diplomacia chinesa continuou em 2019, devido à abertura de representações em países que abdicaram de relações diplomáticas com Taiwan e passaram a reconhecer Pequim como o único Governo de toda a China.

“Com 276 representações em todo o mundo, a China excedeu pela primeira vez os Estados Unidos”, revelou o Índice Global de Diplomacia bienal.

Os números são um indicador das mudanças geopolíticas ocorridas nos últimos anos, à medida que o país adopta uma política externa mais assertiva e os Estados Unidos de Donald Trump rasgam compromissos internacionais sobre o clima, comércio ou migração.

A diplomacia norte-americana “entrou num período de incerteza” devido às restrições de orçamento impostas por Trump e às dificuldades em manter os diplomatas de carreira, segundo o Instituto Lowy.

Prémio de consolação

Os Estados Unidos não abriram novos postos e foram forçados a fechar o consulado em São Petersburgo, após as expulsões de diplomatas, no seguimento do envenenamento do ex-espião Sergei Skripal no Reino Unido.

Ainda assim, continuam a ser o país que hospeda mais embaixadas ou consulados: um total de 342 missões diplomáticas, contra 256 na China.

O domínio de Pequim continuou a expandir-se com a abertura de novas missões no Burkina Faso, República Dominicana, El Salvador, Gâmbia e São Tomé e Príncipe, todos antigos aliados diplomáticos de Taipé.

O relatório revelou ainda que, apesar do seu compromisso com o desenvolvimento de uma “Grã-Bretanha global”, após a saída da União Europeia, o Reino Unido caiu para o 11.º lugar, atrás da Itália, Espanha e Brasil.

28 Nov 2019

António Graça de Abreu, docente, poeta e tradutor: “Portugal não investe em Macau”

Professor na Universidade de Aveiro, poeta e tradutor, António Graça de Abreu já visitou todas as províncias da China, país para onde foi viver em 1976. À margem de uma palestra recente proferida na Universidade Nova de Lisboa, intitulada “História Chinesa: As relações China-Portugal”, o académico falou da ida de Ramalho Eanes à China em 1984 como o ponto alto da ligação bilateral. Sobre Macau, recorda os limites de poder da Administração portuguesa do período pré-1999 e um encontro com a Companhia Nam Kwong, que denotou o poder chinês no território à época

[dropcap]Q[/dropcap]ual é para si o momento mais marcante desta relação entre Portugal e a China?
Talvez em 1984, quando Ramalho Eanes foi à China e tem um encontro com Deng Xiaoping, e se começa a antever e a prever o fim de Macau sob bandeira portuguesa. Já estava tudo mais ou menos alinhado em relação a Hong Kong, e é a altura em que Portugal começa a ter consciência de que inevitavelmente um dia a bandeira portuguesa seria arreada. A partir da Declaração Conjunta é o fim de mais de 450 anos de presença portuguesa em Macau efectiva, com algum controlo sobre o território. Embora esse controlo e essa soberania portuguesa tinham sido sempre muito divididas e muitas vezes pouco eficiente, porque como sabe os chineses sempre tiveram uma mão forte sobre o território de Macau. Os portugueses, até há poucos anos, tinham a ideia que mandavam bastante em Macau, mas isso é tudo muito relativo. É uma terra muito especial.

Sempre foi uma Administração controlada.
Mandávamos no que directamente nos dizia respeito, mas a outra parte do icebergue foi bem escondida pelos chineses ao longo dos séculos. É um dado que marca aquele território. É um poder não bem oculto, mas relativo.

Era o poder das elites?
Cheguei à China em 1977, através do PCP-ML (Partido Comunista de Portugal Marxista-Leninista), que era o único partido português que tinha relações institucionais com o Partido Comunista Chinês (PCC), antes e depois do 25 de Abril. Apercebi-me logo que esse relacionamento entre Portugal e a China era muito estranho, diria eu, porque uma coisa é o relacionamento de Macau e as zonas adjacentes, e tem sido assim ao longo dos séculos. Outra coisa são as relações de país para país, entre Lisboa e Pequim. O relacionamento entre o PCP-ML e o PCC era entre Lisboa e Pequim, não passava por Macau. No entanto, fui a Macau pela primeira vez em 1979 e recebi ordens, se se pode falar assim, para apresentar cumprimentos à companhia Nam Kwong. De facto, esses senhores eram os representantes efectivos do PCC em Macau, mas com uma capa de companhia comercial que ainda hoje existe. Nessa altura eram preponderantes. Fui recebido por Ho Cheng Peng e este senhor tinha ligações estreitíssimas com o PCC, e só depois é que comecei a perceber onde estava. Durante a Revolução Cultural, naqueles anos complicados, em que não se sabia exactamente o que estava a acontecer na China e os próprios chineses, líderes do partido, estavam com problemas porque aquilo esteve quase a descambar numa desorganização completa do partido e mais alguma coisa, Ho Cheng Peng tinha tudo preparado em Macau para receber quem quer que fosse, através dos canais do partido, para os fazer chegar a Macau e os colocar em qualquer parte do mundo. A importância que os chineses com ligação à China tinham em Macau nos anos 80, 60, com Ho Yin, escapava quase sempre ao controlo das autoridades portuguesas. Não entravam dentro desse mundo nem tinham de entrar, e sempre foi assim. Há a amizade entre os povos…

Mas há sempre uma barreira?
Há a barreira linguística e das mentalidades, e dos afectos, e aqui falo dos afectos. Por exemplo, o senhor Ho Cheng Peng afecto pelo PCC, havia também os interesses e as motivações de cada um. Até pelo sentimento patriótico que é muito forte na China, ainda nos dias de hoje. Isso não é igual a nós (portugueses) e complica o nosso entendimento. Fui então recebido por Ho Cheng Peng, mas deram-nos uma importância silenciosa e na altura não falei. Não convinha falar sobre isso. Fui recebido por esses senhores e depois enviaram-me livros para Pequim.

DR

Mas havia depois o grupo que estabelecia a ligação entre chineses e portugueses, composto por pessoas como Roque Choi ou Ho Yin, que referiu há pouco. Mas não havia uma ligação efectiva?
Mas esses sabiam de tudo e faziam até jogo duplo, diria eu. Sabiam quem eram os poderes chineses em Macau e havia alguns portugueses que eventualmente já tinham boas ligações. Já nessa altura o Jorge Neto Valente tinha boas ligações com a companhia Nam Kwong, por exemplo. Foi ele que me encaminhou, de algum modo, porque eu não sabia bem mexer-me em Macau, era um homem de Pequim, nunca tinha passado nem por Macau nem por Hong Kong. Outra coisa que não gostei de Macau nesses anos era que os portugueses estavam muito zangados uns com os outros.

Refere-se ao período do pós-25 de Abril?
Sim, anos 70, 80. Havia uma série de guerrilhas permanentes, uns portugueses eram importantes, mas estavam em Macau há dois ou três anos e falavam da China com uma autoridade enorme. Nunca tinham passado das Portas do Cerco e diziam já saber tudo. Eram bem pagos e mesmo assim queixavam-se. Mas falo no geral. Outra questão: porque é que Macau não dá sinólogos? Porque se calhar as pessoas chegam a Macau e pensam que sabem tudo sobre a China. Aprendem português no início e depois fartam-se. O português não é metódico nem organizado, essencial para aprender chinês.

Ana Maria Amaro, que viveu em Macau 15 anos, chegou a fundar o Instituto Português de Sinologia.
E o que é feito desse instituto? Ela só criou, mas nunca funcionou. Tem pessoas que não fazem rigorosamente nada, não tem publicações. Deveriam existir mais centros de estudos chineses em Portugal e não existem, e Macau aí também não ajuda. Mas Hong Kong também não é um bom sítio para criar sinólogos, também não há muitos. Há a vida dos expatriados, e fazem a vida entre eles. Não se ligam ao mundo chinês nem estão interessados. Meter a cabeça dentro da China dói.

Quando foi para a China não tinha esse grupo de apoio.
Não havia expatriados. Havia a embaixada a 19 quilómetros do lugar onde vivia. Fui escrevendo e também sobre o meu dia-a-dia. Fui aprendendo chinês e tentando mexer-me naquele mundo. Viajei muito pela China, visitei todas as províncias. Fui trabalhar para as Edições de Pequim e foi a imersão no mundo chinês e na própria propaganda do PCC. Publicávamos uma revista de propaganda sobre a China, sobre a qual não concordava, mas sempre pensei: “quem sou eu para concordar ou não? Para corrigir um universo, na altura de 900 milhões de pessoas?”.

Aceitava.
Temos de aceitar que do outro lado há um bloco sobre o qual temos a nossa opinião, mas não me compete a mim corrigir eventuais erros do PCC, até porque os erros de hoje podem ser coisas boas de amanhã.

De todos os governantes portugueses quais foram aqueles que melhor lidaram com o processo de Macau, os que melhor souberam dialogar com a China?
Diria que nenhum, mas não sei. A verdade é que essas visitas são sempre protocolares. Em 1995 fui com Mário Soares à China, tive a sorte de ser convidado. Estava a dar aulas de cultura chinesa na Missão de Macau em Lisboa. E aí apercebi-me que as pessoas nessa comitiva grande de empresários e jornalistas, planavam sobre a China. Chegávamos a Pequim e aquelas pessoas não entraram bem na China. O ministro dos Negócios Estrangeiros era Durão Barroso, cheio de problemas, porque era do PSD e o Mário Soares era do PS. As negociações não davam quase nada, não tinham consequência. Mesmo os empresários que os presidentes da República ou os primeiro-ministros costumam levar fazem mal o trabalho de casa.

Ainda hoje?
Ainda hoje. Estou a lembrar-me dessa viagem de 1995. Contaram-me depois que os 70 ou 80 empresários contactaram as comitivas chinesas e achavam que rapidamente iam fazer grandes negócios. Mas esqueceram-se de fazer o trabalho de casa. Chegamos lá, desenrascamo-nos e depois logo se vê. Muitas vezes até Macau, e o Fórum Macau não aproveitamos. Com o chinês tem de ser tudo muito bem trabalhado. Há coisas que têm sido bem feitas, há empresas que trabalham bem e que agora tem os seus escritórios em Xangai. Lembro-me da Corticeira Amorim que há 20 ou 30 anos colocava cortiça em toda a Ásia.

E como vê as relações hoje em dia entre a China e Portugal? Começam a surgir algumas críticas ou receios pela forma como a China está a investir no país.
Não conheço bem a parte económica, sou mais ligado à cultura.

Mas pergunto-lhe a nível diplomático, com todas estas visitas que têm sido feitas.
As relações são boas e tem-se procurado que não haja atritos nem conflitos. Mas é evidente que com a própria comunidade europeia tenha havido alguns problemas com a política “Uma Faixa, Uma Rota”, porque Portugal embarcou rapidamente nela. Parecia um bom negócio para Portugal, mas a Europa ficou um bocadinho de pé atrás, porque a comunidade europeia disse que isso só servia a China. Portugal tem estado calado, é um país pequeno. Mesmo assim as importações e exportações para a China já começam a ter algum peso. Portugal tem tentado a nível das exportações, sobretudo da carne de porco, que os chineses precisam. Há uma série de negócios que têm de se fazer, mas que têm de ser bem preparados. As contrapartidas é que são sempre discutíveis. Os chineses têm quase liberdade plena para abrirem empresas na Europa, mas o contrário não acontece. Mas a China também está a atenuar as limitações que tem tido face ao investimento estrangeiro. O chinês gosta muito de jogar, nos negócios e na política. Portugal não é muito duro e determinado. Agora começamos a ter alguns especialistas nesta área, mas não tínhamos.

Quais foram os grandes erros de Portugal em relação a Macau ao longo destes anos?
Antes da transição Portugal lembrava-se muito de Macau, era uma boa fonte de rendimentos, inclusive para algumas forças políticas. Mas era assim que funcionavam as coisas. Macau foi plataforma de bons negócios e bons empregos. Mas depois começou a ficar um pouco esquecido pelo mundo da política e dos negócios. Mas, repare: há o Fórum Macau que é subsidiado pelos chineses, Portugal não investe em Macau. Mas os resultados do Fórum Macau são relativos. Quando se fala dos negócios da China, as pessoas dizem que Macau é o trampolim. Isso repete-se há 100 anos, não é de agora. Em Macau estamos na China, mas estamos a 2800 quilómetros de Pequim. Negociar com a China a partir de Macau é diferente, e os países que estão no Fórum Macau também têm as suas embaixadas e adidos comerciais, como é o caso do Brasil, que tem uma embaixada pujante, que não precisa de passar por Macau para coisa nenhuma. Há países de língua portuguesa que até desprestigiam Macau porque têm interesse em fazer os seus negócios directamente nas suas embaixadas em Pequim ou Xangai. É mais fácil porque estão mais próximos das empresas. Os negócios do petróleo entre a China e Angola não passam pelo Fórum Macau, por exemplo.

Agrada-lhe o rumo que Macau está a tomar?
Macau foi incorporada na grande China em 1999, e a partir daí o jogo tem sido um bocadinho diferente. Os casinos cresceram exponencialmente. Macau não é igual a nenhum outro lugar do mundo. É uma terra complexa. Em Portugal quase todos somos portugueses, mas o chinês de Macau vê a sua terra de determinada maneira, e os chineses que vivem em Macau oriundos da China já olham para a realidade da terra de maneira diferente. Temos depois os portugueses e os macaenses. Os portugueses conseguem sobreviver porque tem a arte de saber viver em Macau. Penso que aqueles que amam mais Macau são os macaenses e os chineses nascidos em Macau. Em Hong Kong, chineses lá nascidos são mais de quatro milhões, e a população é de sete milhões. E Macau é pequena. Hong Kong podia ser independente, porque além de ser uma grande praça financeira, tem o maior porto de contentores do mundo. Tem um grande poder económico e uma pujança que lhe iria permitir não depender da China, a não ser para os negócios. Aí tem de saber negociar. As pessoas de Hong Kong que se manifestam nas ruas têm a percepção de que o território tem de ser uma coisa muito diferente da China, em termos de direitos e liberdades. Eu compreendo-os, mas Hong Kong está inserido no grande mundo chinês, onde essas grandes liberdades e direitos, que fazem parte do nosso mundo ocidental, ainda não prevalecem. Deng Xiaoping dizia que o primeiro direito humano é podermos comer todos os dias. Muitas pessoas na China não se preocupam com a ditadura. Podemos estar a falhar ao avaliar a China de acordo com os nossos conceitos ocidentais, o que não quer dizer que não haja valores universais. Penso que os chineses querem mais liberdades, mas toda a gente quer mais liberdade, é da natureza humana. Por exemplo na Internet. Xi Jinping quer reforçar o poder do partido, porque os chineses têm muito medo do caos. Se as manifestações de Hong Kong entrassem pela China adentro, imagine o que acontecia ao país.

Caía o poder?
Podia dar uma guerra civil. E um dia isso vai acontecer, talvez no seu tempo, não no meu. Daqui a 30, 40 ou 50 anos a China vai passar por grandes convulsões. É inevitável e os chineses sabem isso há muitos anos. O partido vai-se desagregar. Isso será mau para a China e para o mundo inteiro. E os negócios?

5 Nov 2019

Intoxicação elementar

[dropcap]O[/dropcap] relógio pára, alguém se senta à mesa e começa a escrever. Tenta arrumar pensamentos e debitar no papel ideias sobre a China. Deixa o cursor correr livremente sem apreensões do que verá escrito ao passar a ponte que separa a verdade da mentira – ficção da realidade, presente do futuro – ou a dúvida da exclamação. De janela aberta para o mundo, saboreia a brisa que corre para outras realidades. Bandeira ao vento, cheio de obstáculos, expõe o que lhe vai no discernimento, apregoando: nós, humanos, estamos aqui!

Arriscará essa pessoa fazer sombra a desmedida soberania, argumentando teimosias como um banal  “Homem do Tanque” – saquinho na mão, silêncio, dor –, de quem nunca se sabe identidade ou paradeiro? Esse homem que atravessou a ponte sem olhar ao precipício, cansado, com o desejo único de chegar a casa e respirar. Atarraxado à surdina da sua teimosia, enfrentou o colosso metálico com uma serenidade relampejante e ao fazê-lo deixou inscrita na retina da humanidade, colada ao ecrã, a bravura no seu esplendor. Trecho para sempre gravado, momento único e sublime. Já deu. Ocupou todos os canais. Mas será interdito falar neles, nos homens do tanque? Onde estão, já se foram? Passam a que horas?

Administrar um país não é tarefa fácil, há malhas irrequietas de indivíduos dotados de raciocínio para ajustar. São cativados a cada pulsar para que tomem determinado partido e direcção. Ao princípio, como todas as relações, é uma história de amor e pura sedução, repleta de alegrias e momentos dóceis. Mas com o passar do tempo outras ânsias se intercalam, o feitio começa a ser visto como defeito; os galanteios, importunações; os afagos, brutalidade; e por aí fora. A linha que define os extremos esfuma-se e a vida torna-se uma extensão perene de conflito e incerteza. Apesar das retractações, pedidos de escusa e elevações de espírito, nada volta a ficar como antes. Em casa, as malas chegam-se à porta. Num país, as ruas ardem e os governos mudam. Para mais tarde, em ambas as situações, o baile voltar a ser o mesmo e a cantilena regressar ao horário nobre da sabedoria. De todos os donos de casas.

Ao tomar conta de uma nação, existe o dever de proteger os ocupantes que nela germinam, dando-lhes conforto, educação e ciência. Este é o cardápio básico. A partir do momento em que a flor brota, os regentes da pátria tentam alistá-la no seu viço, para a vida inteira. Fazem-no na qualidade de jardineiros, assim como os progenitores que inscrevem os filhos ainda por rebentar no clube da sua predileção. É complicado regar esta planta, não basta o gota-a-gota. Em muitos casos, o nutrimento estanca, o gume desprende-se da faca e sementes adversas espigam. Som e fúria. Contrariando as necessidades de um vegetal, o desafio dos animais racionais não é só físico, mas mental. E aí não há sortilégio que atenda a complexidade das carências colectivas em uníssono. De cabeça perdida, o amante opta pelo impulso do malho no cinzel para esculpir o seu dito mais duro. Os governos, por seu lado, não se diferenciam. Apodrece-se o povo, para que se transforme e vingue num verão melhor. E tanta coisa se faz com matéria que apodrece. Um bom vinho, um bom queijo. A colheita precisa de fermentação. O tempo tudo cura.

No juízo vigilante, as redes ilimitadas da sociedade convergem para o mesmo ponto, o mesmo pedaço de alcatrão. Em sequência, as criaturas vão aparecendo no ecrã. “Estás lá?” Caminham juntas, por padrão, ainda ao lado dos famélicos da terra e do ar, encaixados nas caras dos livros, face ao poder dominador sempre que este se expande como domador de leões. Falamos de autoritarismo sem freio. Apesar da mordaça e da mais sofisticada disrupção propagandista, não há como negá-lo, o protesto ergue-se. Convocam-se liberdades. O ser. A voz. Algo que em anuências déspotas é negado na escarna política. Por demais exemplos na História – não é necessário tirar um curso para o aprender –, o ser revolta-se, a dor grita. Esta é a ordem congénita da natureza humana. Não há nenhum homem com o direito de privar outro dessa universalidade. Qualquer um. A liberdade é o ensinamento que circunscreve a identidade de cada indivíduo. Seres análogos. Uma espécie só. Cabeça, tronco e membros. Na semelhança se pungem diferenças. Como franjas de vocabulário.

Em casos alguns, grande parte do poderio é canalizado para toldar o progresso com realidades lineares e sem flatulências. Nem que para isso tenha de se produzir a falsidade e a “re-história”, erguendo a deseconomia e, mais à frente, a extinção. Criam-se modelos ordenados para enfrentar os juízos do povo, moldando clamores com poderes exacerbados que misturam modulações sociais, separando o trigo do joio, ora subindo o tom, ora baixando as acústicas mais graves. O sistema coloca-se em posição, em estéreo, para provocar a indolência. O técnico experiente e equitativo intende para que não se chegue à distorção, para que se entendam todas as nuances – dos instrumentos às vozes – instaurando a harmonia e a ponderação. O funcionário obtuso, às mãos de forças superiores, fá-lo espalmando a circunstância. Como um algoritmo, corta raízes, força pela anulação. Estingue. Seria ideal se todos tivessem oportunidade, sem que se façam das electrónicas estados de direito.

Os ponteiros avançam. Pessoas sem medo enfrentam poderes magnânimos, cá e lá, sabendo de antemão ser causa perdida. Antecipam-se e arrastam o universo às costas. Os astros rebolam, as ciências despertam. Porque o fazem? Modorra, urticária, infortuna? Poder-se-ia pensar que os homens que detêm o domínio na China são gente flexível, capaz de distintas perspectivas e sensibilidades para ultrapassar as limalhas da História ou o rigor do plano mestre. Não dá certo, tenta-se outra configuração, dando um passo maior do que as pernas. No país do meio, que já não é o de outrora, abre-se sempre um novo embrulho. Porque não é este país como o nosso? Será apenas pelo número infinito de gente?

Que dizer dos residentes de Hong Kong que protestam há meses rabiscando o seu destino? Ritual de fim-de-semana transformado em conexão sagrada, tentando – pasme-se! – que o território onde nasceram possa navegar ao sabor dos seus ventos. A base da revolta? Um “país” que possa viver livre. Surdina, colosso, relampejo. Palavras que não definem democracia, mas que a tentam sintonizar, com velas desfraldadas às ventoinhas do artifício.

Que pretendem os homens do Norte – e do Sul – quando esticam e apertam a corda? Que tencionam demonstrar ao mundo? Torná-lo melhor? Sorte ou azar daqueles que nascem num país com liberdades diminutas por uma questão de ideologia, idolatria ou desconfiança. Que pena, não serem livres e determinados sem mão ajustadora a abrir-lhes o caminho desde a nascença. Que fazer quando se cai dentro de um espaço limitado sem o horizonte amplo da vida? Poderá falar-se da China sem rodeios, aconselhando os homens que estão lá em cima com um caderninho na mão? Uma nação global a várias velocidades, onde o desencanto e o sublime rolam em paralelo, gota-a-gota. Dúvida ou exclamação? Que fazer dessa magnitude, com tanto de imperial a correr-lhe nas veias, quando o mundo real se desagrega? Quem o vigia, quem tem o plano mestre? O romantismo autocrático necessita de folga. Na fantasia das grandes muralhas a faísca ateia labaredas e pega-se ao fruto proibido. Quem o apaga?

A inteligência purifica o doping da democracia. Em que rua está escrita esta frase?

É relevante dar importância ao que se escreve, não o fazendo levianamente. Por esta altura, a cadeira já se partiu e o escritor nada escreveu. Escorregando por ideias esparsas, mistura modulações para que se entendam as nuances. Tira as coisas do lugar. Um rodízio de sentenças com semanas de maturação para que se leia e se oiça, chegando a outro escrutínio. Sobem-se escadas para se ler mais alto, para se ouvir melhor. Palavras que passam de mão em mão, como a sede que chega à boca, feita história de encantar. Escrito retirado a fórceps do meio de uma cabeça perdida, que ao alinhar esta exacta palavra precisa de a recuperar, para que a flor não murche. Escreve sem olhar, libertando o fantasma da realidade que não se dá a disputas regionais. Face ao escritor que usa as pernas e se põe a correr liso e sem relevo. Que palavras usar, como descrevê-lo?

A China. Pausa. Hoje não se vive. Amanhã, quando tudo isto passar, a vida retoma o seu lugar. Que fazer, Senhora? Que acústica usar para que o comboio chegue ao fim da ponte sem perder carruagens? “A inteligência purifica o doping da democracia”. Será com aspas? Em que rua está escrita esta frase? Os indivíduos irrequietos não calam o seu raciocínio. Consegue alguém colocar-se dentro da vida de outra pessoa? Os famélicos sobram e escoam para outros países. Hong Kong escoa para o mundo, na cola do ecrã. Um mundo perdido e a afundar-se. Se Deus é cinco, o Diabo é seis. Se o Diabo é seis, o Homem é sete. O técnico experiente não deixa chegar à distorção. A melodia persiste. This monkey is gone to heaven.

30 Ago 2019

A nova era da globalização e governança global (II)

“China’s participation in global governance reflects the mutually interactive processes of China’s own socialization into the global community and the simultaneous adaptation of global institutions and actors to China’s growing activism. Both China and the international system are internally complex. Hence, Chinese engagement varies across economic regimes, yielding different results in terms of Chinese compliance, its influence on regimes, and the extent of cooperation and conflict in addressing challenges in international society.”
Global Governance and China: The Dragon’s Learning Curve
Scott Kennedy

 

[dropcap]O[/dropcap]s líderes presentes, incluindo o falecido primeiro-ministro Zhou Enlai, propuseram um conjunto de políticas externas em nome dos países emergentes, visando a coexistência e o desenvolvimento pacífico com os países ocidentais. A China vê as suas relações com o mundo exterior, inclusive com outras grandes potências como os Estados Unidos, através do prisma das suas tradições e valores culturais. Muitas vezes, o ADN cultural reflecte os pensamentos dos fundadores sobre o desenvolvimento humano e com o passar do tempo, esses instintos psicológicos centrais tornam-se profundamente enraizados, formando as normas culturais de diferentes sociedades e orientando praticamente tudo o que acontece, inclusivamente as respostas de uma sociedade aos desafios externos.

Existem quatro conceitos fundamentais que formam o ADN cultural da China que são a integridade e conectividade; tolerância e inclusão; harmonia e paz; e uma abordagem holística para assuntos mundiais que estão entrelaçados uns com os outros. Esses princípios básicos do ADN cultural da China são visivelmente exibidos na estratégia de desenvolvimento e na diplomacia do país e moldarão o seu novo papel na governança global. A história da China moderna e o seu envolvimento mais profundo e o crescente papel de liderança na governança global, especialmente desde 2008, mostraram que a China é e continuará a ser um actor importante na governança global e na definição da ordem mundial emergente para o progresso da humanidade.

O futuro é brilhante e o caminho é longo, mas estamos confiantes de que a humanidade tem sabedoria suficiente para construir “uma comunidade de futuro compartilhado”, como o proposto pelo Presidente Xi Jinping. A China, na última década começou a desfrutar de maior atenção e influência global, em particular desde 2008, quando o Ocidente, representado pelo Grupo dos Sete (G7), ou o “clube dos ricos”, foi incapaz de lidar com a crise financeira e com o sistema de governança existente. O G20 tem uma representação melhor e mais equilibrada entre países avançados e em desenvolvimento e, assim, capturou a atenção do mundo na realização do levantamento do peso necessário para enfrentar um desafio global tão difundido e chocante, que somente uma “frente única” de todos os países sistemicamente importantes podiam ser capazes de gerir.

A China foi naturalmente chamada a desempenhar um papel essencial no contexto do G20 para fornecer liderança e orientação, juntamente com outras grandes economias, para gerir as terríveis consequências das crises financeiras e económicas globais, que são um desafio imediato e urgente para o mundo. É por tal motivo que o ano de 2008 é frequentemente citado como um ponto de viragem para a China no seu profundo envolvimento na governança global, sendo que da mesma forma, 2001 também é um ano chave, uma vez que a entrada da China na OMC é o momento crítico para a participação da China na governança global e na globalização. Não se tratava apenas da China, mas sim da partilha do poder económico global e da governança da economia mundial por todos os países, grandes ou pequenos, ricos ou pobres, como membros iguais da comunidade internacional.

O mecanismo do G20 foi criado em 1999, após a crise financeira asiática de 1997 e 1998, como um fórum para discussão de assuntos económicos globais entre ministros das finanças e governadores dos bancos centrais de dezanove países e a União Europeia (UE), mas não foi concebido como um órgão de tomada de decisões ou mesmo de coordenação. A suposição de decisões económicas do G20 em face da crise financeira foi tanto uma resposta improvisada, quanto uma solução de longo prazo para a deficiência da governança global de um mundo em desordem.

A China levou o G20 e o seu novo papel na governança global de maneira séria e positiva, não apenas porque era a única instituição disponível naquela época, que estava razoavelmente composta por uma mistura equilibrada de países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas também porque reflectia o início de uma nova era na governança global, uma transição da “governança económica global liderada pelos Estados Unidos ou destes” para a “co-governança tanto do Ocidente quanto do Oriente”, uma transição que começou no final do século XX e continuou em ritmo acelerado nas primeiras quase duas décadas do século XXI.

É esse o processo pelo qual o papel da China na governança económica global foi fortalecido e um novo papel, mais pró-activo, está aguardando a China, pelo que certamente não é algo que foi perseguido voluntariamente e intencionalmente pelos países ocidentais liderados pelos Estados Unidos. Foi porque sabiam quando a crise financeira explodiu que sem a participação pró-activa da China, Índia, Brasil e outras economias emergentes e em desenvolvimento, não haveria possibilidade de reverter a crise financeira e o crescimento económico global simplesmente estagnaria, pelo que foi de facto um ponto de viragem para a China e um alerta para o Ocidente na governança global.

É de considerar que naquela época, os Estados Unidos defendiam a ideia de transformar o G20 na principal plataforma de governança económica global e apoiaram a China no papel mais importante. Os Estados Unidos, com uma avaliação estratégica realista da crise financeira e da devastação que causam, chegaram à conclusão de que era de interesse estratégico que a China desempenhasse um papel secundário dentro do sistema. Além disso, as relações económicas e financeiras entre os Estados Unidos e a China tinham-se tornado tão interligadas que era fundamental para a China estender uma mão para salvar o mercado financeiro americano de um colapso total.

A China possuía a maior quantidade de reservas estrangeiras investidas principalmente em títulos do tesouro americano, e os Estados Unidos precisavam da sua cooperação para evitar um colapso total do seu sistema financeiro. Assim, de facto, no final de 2008, o então presidente George Bush enviou o seu secretário do Tesouro para China para procurar garantias do governo chinês. A China entendeu claramente que estava tão intimamente ligada ao sistema financeiro liderado pelos Estados Unidos que, se o sistema falhasse, a China estaria entre as primeiras potências a sofrer as terríveis consequências.

Tal relação económica interdependente e cada vez mais importante, combinada com uma relação política e militar mais complicada, tornou-se uma marca da nova era que exige o estabelecimento de uma nova relação de poder entre os dois países. Os Estados Unidos também viram a rápida ascensão do euro como uma ameaça à posição de moeda dominante do dólar americano, pois em 2007 e 2008, o euro estava próximo de representar 20 por cento do total das reservas mundiais, o que era considerado um patamar crítico pelos Estados Unidos.

Assim, em discussões sobre a ordem mundial emergente, o termo “Modelo China” apareceu com muita frequência na última década, geralmente em associação com o seu sucesso impactando e influenciando o curso futuro da ordem emergente, à medida que a China ganha tanto “poder coercitivo” quanto “poder de convencimento” ou seja, há dois desenvolvimentos que deixaram uma grande pegada na governança global. Por um lado, é facto que a crise financeira de 2008 colocou um grande ponto de interrogação sobre a viabilidade do neoliberalismo americano como princípio económico orientador da governança económica global.

A credibilidade da política económica neoliberal tem estado sob fogo há alguns anos. Por outro lado, a China vem crescendo notavelmente, aproveitando a onda da globalização, provando ser nada menos que um milagre económico. Muitos países, em particular os em desenvolvimento, começaram a interrogar-se se o “modelo chinês” é uma alternativa ao neoliberalismo. Deveria haver um “Consenso de Pequim” em vez do “Consenso de Washington”? Tem sido essa a situação, embora os líderes chineses continuem a enfatizar que a China não tem intenção de exportar o “modelo chinês”, porque o seu sucesso na governança doméstica mostra que a trajectória de desenvolvimento da China com garantias do seu sistema político é a “receita” certa para a China e talvez para alguns países subdesenvolvidos.

A China, surpreendentemente é um modelo para o crescimento económico, mas também equilibra a eficiência do mercado e a justiça social, reduzindo a pobreza nas últimas décadas. Além disso, na última década, a China começou a desenvolver e a contribuir para o “património global” por meio de ideias e planos criativos e inovadores na governança global. A “Iniciativa Faixa e Rota (BRI na sigla inglesa)” é apenas um exemplo brilhante que transcende as diferenças ideológicas, económicas e culturais para fornecer uma nova plataforma para intercâmbios transculturais e cooperação económica que, quando implementados com sucesso, beneficiará os países e regiões participantes.

A contribuição da China para a governança global é aberta e inclusiva. Além do BRI, a China também está comprometida em construir parcerias globais e criar uma nova estrutura de segurança colectiva e em Janeiro de 2017, o Presidente Xi Jinping proferiu uma série de discursos de abertura na ONU e Davos e certamente não é exagero sugerir que o “modelo chinês”, se realmente existe tal modelo, servirá ao mundo e, sem dúvida, abrirá um novo capítulo na história da humanidade.

A ordem mundial emergente, então, será moldada por tais interacções positivas entre países com um destino compartilhado de viver em paz e prosperidade duradouras. Algumas potências ocidentais estão ansiosas há duas décadas pelo facto de a China estar a fortalecer-se ano após ano, e a apresentar propostas cada vez mais voltadas para uma melhor governança global e questionam se a China continuará a ser cooperativa dentro do sistema de governança global existente ou tentará derrubar o sistema e criar um novo. Na verdade, não há motivos de preocupação, pois a China tem sido uma grande beneficiária do sistema actual e da arquitectura de governança global e portanto, não tem desejo nem interesse em “virar a mesa” do sistema de governança global existente. Temos todos os motivos para acreditar que o envolvimento maior e mais profundo da China na governança global ajudará a melhorar o mundo.

16 Ago 2019

A Globalização 4.0 e a China

“Those who push for protectionism are shutting themselves inside a dark house. They have escaped the rain and clouds outside, but also missed the light and air.”
President Xi Jinping

 

[dropcap]A[/dropcap]pós a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional uniu-se para construir um futuro partilhado e actualmente, deve fazê-lo novamente. Devido à recuperação lenta e desigual da última década desde a crise financeira global, uma parte substancial da sociedade tornou-se descontente e amargurada, não apenas com a política e os políticos, mas também com a globalização e com todo o sistema económico que a sustenta. Em uma era de insegurança e frustração generalizadas, o populismo tornou-se cada vez mais atraente como alternativa ao “status quo”, mas o discurso populista escapa, e muitas vezes confunde, as distinções substantivas entre dois conceitos, o de globalização e globalismo.

A globalização é um fenómeno impulsionado pela tecnologia e pelo movimento de ideias, pessoas e bens. O globalismo é uma ideologia que dá prioridade à ordem global neoliberal sobre os interesses nacionais. Ninguém pode negar que estamos a viver em um mundo globalizado e se todas as políticas devem ser “globalistas” é altamente discutível. Afinal, este momento de crise levantou questões importantes sobre a arquitectura da governança global e cada vez mais eleitores exigem “retomar o controlo” das “forças globais”, e o desafio é restaurar a soberania em um mundo que requer cooperação.

Ao invés de fechar as economias através do proteccionismo e da política nacionalista, deve-se forjar um novo pacto social entre os cidadãos e os seus líderes, para que todos se sintam seguros o suficiente nos seus países para permanecerem abertos ao mundo em geral, pois caso contrário, a desintegração contínua do tecido social poderia levar ao colapso da democracia.

Além disso, os desafios associados à “Quarta Revolução Industrial (4IR na sigla inglesa)” coincidem com o rápido surgimento de restrições ecológicas, o advento de uma ordem internacional cada vez mais multipolar e a crescente desigualdade.

Os desenvolvimentos integrados estão a estabelecer uma nova era de globalização. Se tal irá melhorar a condição humana, dependerá se a governança corporativa, local, nacional e internacional se adaptar no tempo. Enquanto tal acontece, uma nova estrutura para a cooperação global público-privada vem a ganhar forma. A cooperação público-privada consiste em aproveitar o sector privado e abrir mercados para estimular o crescimento económico para o bem público, com a sustentabilidade ambiental e a inclusão social sempre em mente. Mas, para determinar o bem público, é necessário primeiro identificar as causas da desigualdade, por exemplo, enquanto os mercados abertos e o aumento da concorrência produzem vencedores e perdedores na arena internacional, podem estar a ter um efeito ainda mais pronunciado sobre a desigualdade a nível nacional.

Além disso, a crescente divisão entre o precariado e o privilegiado está sendo reforçada pelos modelos de negócios 4IR, que frequentemente derivam os alugueres de capital ou propriedade intelectual e encerrar essa divisão requer que se reconheça que se está a viver em um novo tipo de economia impulsionada pela inovação e que novas normas, padrões, políticas e convenções globais são necessários para salvaguardar a confiança pública. A nova economia interrompeu e recombinou inúmeras indústrias e deslocou milhões de trabalhadores.

É de desmaterializar a produção, aumentar a intensidade do conhecimento da criação de valor, pois está a crescer a concorrência nos mercados internos de produtos, capital e trabalho, bem como entre os países que adoptam diferentes estratégias de comércio e investimento, que está a alimentar a desconfiança, particularmente das empresas de tecnologia e a administração de dados. O ritmo sem precedentes da mudança tecnológica significa que os sistemas de saúde, transporte, comunicação, produção, distribuição e energia serão completamente transformados.

A gestão dessa mudança exigirá não apenas novas estruturas para a cooperação nacional e multinacional, mas também um novo modelo de educação, completo com programas direccionados para o ensino de novas aptidões aos trabalhadores.

Os avanços da robótica e da inteligência artificial no contexto das sociedades em envelhecimento, obrigam a passar de uma narrativa de produção e consumo para uma de partilha e cautela. A globalização 4.0 está apenas a começar, mas o mundo encontra-se muito despreparado. Agarrar-se a uma mentalidade desactualizada e mexer nos processos e instituições existentes não funcionará. Em vez disso, é preciso redesenhá-los a partir do zero, para que se possa aproveitar as novas oportunidades que nos esperam, evitando o tipo de interrupção que estamos a testemunhar.

À medida que se desenvolve uma nova abordagem para a nova economia, devemos lembrar que não estamos a brincar um jogo de soma zero. Não se trata de livre comércio ou proteccionismo, tecnologia ou emprego, imigração ou protecção dos cidadãos e crescimento ou igualdade. Essas são todas falsas dicotomias, que se podem evitar desenvolvendo políticas que favoreçam a comunidade, permitindo que todos os conjuntos de interesses sejam perseguidos em paralelo. Os pessimistas argumentarão que as condições políticas estão a impedir um diálogo global produtivo sobre a Globalização 4.0 e a nova economia.

Os realistas usarão o momento actual para explorar as lacunas no sistema e identificar os requisitos para uma abordagem futura. Os optimistas manterão a esperança de que as partes interessadas orientadas para o futuro criem uma comunidade de interesse e, em última análise, um objectivo compartilhado. As mudanças que estão em curso não são isoladas para um determinado país, sector ou matéria, são universais e, exigem uma resposta global. O não adoptar uma nova abordagem cooperativa seria uma tragédia para a humanidade. Para redigir um plano para uma arquitectura de governança global compartilhada, deve-se evitar ficar atolado no momento actual da gestão de crises. Especificamente, essa tarefa exigirá duas situações da comunidade internacional que são o envolvimento mais amplo e maior imaginação.

O envolvimento de todas as partes interessadas no diálogo sustentado será crucial, assim como a imaginação para pensar sistemicamente e além das próprias considerações institucionais e nacionais de curto prazo. O conceito de Globalização 4.0 foi apresentado pela primeira vez na reunião anual do “Fórum Económico Mundial (WEF na sigla inglesa)” em Davos, a 17 Janeiro de 2019, e foi visto pela comunidade internacional como um sinal de que a globalização entrou em uma nova era, e enquanto os milhares de líderes ricos e poderosos se dirigiam ao WEF, o fundador da organização, Klaus Schwab, pediu aos chefes de Estado internacionais que apresentassem uma abordagem “inclusiva” da globalização. O tema principal do encontro foi “Globalização 4.0: Moldando uma Nova Arquitectura na Era da Quarta Revolução Industrial″.

O WEF decorreu entre 22 e 25 de Janeiro de 2019. A globalização produz vencedores e perdedores e há muitos mais vencedores nos últimos vinte e cinco ou trinta anos, mas é necessário cuidar dos perdedores. Durante décadas, houve um forte consenso de que a globalização ajudaria a estimular o crescimento dos salários e a criar mais empregos, não apenas para os países desenvolvidos, mas também para os países mais pobres do mundo. No entanto, nos últimos anos, uma reacção populista contra a globalização consolidou-se, o que levou muitos a expressarem a sua raiva ao verem os seus empregos serem afectados pela automação, indústrias antigas desaparecerem e a migração a atrapalhar a ordem estabelecida.

O fórum divulgou um relatório de “Riscos Globais” em que observou que os mesmos estão a intensificar-se, mas a vontade colectiva de enfrentá-los parece estar a faltar. As discussões em Davos ocorreram em um momento crucial, já que a reacção política à globalização ameaça não apenas a economia global, mas também a ordem internacional liberal que tem sido a pedra angular de níveis sem precedentes de prosperidade, crescimento e segurança pós-guerra. Os participantes vieram mais preocupados com as perspectivas para a economia global, ligando uma possível desaceleração a factores como guerras comerciais e Brexit, pois desde o último fórum que decorreu entre 23 e 26 de Janeiro de 2018, as relações comerciais globais e a diplomacia, assim como as políticas domésticas, têm sido incertas.

É quase certo que os livros de história se lembrarão de 2016 como o ano em que os dois lados do Atlântico apostaram no populismo e 2019 será lembrado como o ano em que as apostas arriscadas faliram. As promessas vazias do populismo tornam-se aparentes para os eleitores que estavam a exigir soluções viáveis ​​para problemas sérios. A tarefa da liderança global é de ganhar o argumento para mostrar porque o sistema deveria ser reformado e não destruído, sendo essa tarefa particularmente urgente.

Quando se fala sobre Globalização 4.0, tem que ser mais inclusivo e sustentável, baseado em princípios leais. O que precisamos é de uma moralização da globalização. O tema da “Reunião Anual dos Novos Campeões 2019”, também conhecido como “Fórum Davos de Verão”, realizou-se de 1 a 3 de Julho de 2019 na cidade costeira de Dalian, China, que contou com mais de mil e novecentos representantes de mais de cem países e regiões e que teve como tema “Liderança 4.0: Ser bem sucedido em uma Nova Era de Globalização”. A mudança da Globalização 4.0 para a Liderança 4.0 não apenas reflectiu a mudança de situação e do padrão económico internacional, mas também o firme compromisso da comunidade internacional de salvaguardar o multilateralismo, os esforços práticos nesse sentido e as suas expectativas de um multilateralismo mais forte.

A China tornou-se a espinha dorsal dos esforços internacionais para salvaguardar o multilateralismo, enquanto a maior economia do mundo, os Estados Unidos, recorreu ao unilateralismo e está a provocar fricções comerciais globais ao impor tarifas mais altas às importações. A determinação da China e os esforços para proteger o multilateralismo são elogiados em todo o mundo. A China defende a abertura e está a implementar essa causa aumentando as importações, reduzindo as tarifas e diminuindo o limite de acesso ao mercado para melhorar o seu ambiente de negócios. Todas essas medidas têm sido uma fonte de confiança para a economia global. Quando o presidente chinês reiterou a posição da China e propôs medidas para a globalização económica na concluída Cúpula do Grupo dos 20, em Osaka, essa confiança foi ainda mais estimulada.

A diversidade da “Reunião Anual dos Novos Campeões 2019” mostrou o interesse da comunidade internacional nos esforços da China para proteger o multilateralismo e deu o seu apoio. Quase 70 por cento dos participantes vieram do exterior, incluindo muitas empresas dos Estados Unidas das áreas de assistência médica, finanças, ciência e tecnologia e educação, o que prova que a globalização é uma tendência internacional irresistível, apesar do surto de unilateralismo praticado pelo governo de Donald Trump. Actualmente, há uma divisão internacional do trabalho no desenvolvimento social e económico global. Todo o processo de projectar, fabricar, montar e vender todos os componentes de bens envolve empresas de vários países. Tal construiu a base da actual cooperação económica em todo o mundo e é uma razão importante para defender o multilateralismo.

Se todos os países se tornarem unilaterais, então as empresas, quer seja a Apple dos Estados Unidos, a Huawei da China ou a Samsung da República da Coreia, descobrirão que é impossível fabricar os seus produtos para compradores globais e ainda assim mantê-los acessíveis e como resultado, entrariam em colapso corporativo e a economia de cada país seria atingida. A globalização económica é a procura objectiva pelo desenvolvimento da produtividade social. É também o resultado inevitável do progresso da ciência tecnológica, do qual todos os países beneficiam. A nova revolução industrial nascida da globalização económica não está apenas a conectar a rede industrial global, mas igualmente a rede de inovação e de valor, mas também está a promover o crescimento inclusivo.

A China está a seguir esse caminho e nas últimas quatro décadas, envolveu-se na divisão global do trabalho e nas cadeias de valor, inovação e indústria globais e continua a abertura em todos os aspectos e a melhorar a qualidade da sua economia. A “Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR na inglesa)” da China, a 30 de Junho de 2019 e o Ministério do Comércio divulgaram uma lista revista para investimentos estrangeiros, que inclui um inventário da indústria para incentivar o investimento estrangeiro em todo o país e um rol de indústrias vantajosas para o investimento estrangeiro nas regiões central, ocidental e nordestina.

Enquanto os itens da lista negativa diminuíram, os da outra lista aumentaram, sendo que essa maior abertura é um contraste gritante com países que se isolaram do resto do mundo em nome da garantia da segurança nacional.

A sociedade humana está a viver uma era de informatização rápida, onde as pessoas se encontram mais próximas umas das outras, em vez de ficarem isoladas e esta tendência inevitável determina que a autoridade do mecanismo de comércio multilateral baseado em regras, com a “Organização Mundial do Comércio (OMC)” no centro, seja respeitada e protegida.

É animador que uma pesquisa global conduzida pelo Fórum de Davos tenha mostrado que a grande maioria acredita que a cooperação internacional é muito importante. Os princípios fundamentais do sistema multilateral são amplamente reconhecidos e defendidos. A memória da crise financeira de 2008 que surgiu nos Estados Unidos ainda se mantém fresca na memória colectiva. Durante essa turbulência, foi a estreita cooperação internacional que ajudou a economia global a recuperar-se da crise e precisamos novamente do mesmo espírito cooperativo na luta contra o unilateralismo e o proteccionismo comercial.

18 Jul 2019

China vai deixar de subsidiar empresas estatais insustentáveis

[dropcap]O[/dropcap] Governo chinês vai deixar de subsidiar empresas estatais cujas operações são insustentáveis, visando aumentar a “eficiência” da economia chinesa, informou hoje a Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento da China, órgão máximo de planificação económica.

O governo central e as administrações locais passam a estar proibidos de subsidiar ou oferecer empréstimos a empresas estatais que não sejam capazes de operar sem apoio financeiro, também conhecidas como “empresas zombies”.

O objectivo é “realocar” recursos para sectores onde a economia mostra mais potencial de crescimento, encerrando companhias incapazes de se manterem solventes. Segundo a directriz da Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento, o governo “deve usar ferramentas de mercado na alocação de recursos, padronizar a concorrência, reduzir as distorções de mercado e promover o fluxo de recursos para entidades mais eficientes”.

“Quanto às empresas estatais que já entraram em processo de falência, as partes envolvidas não devem impedir a sua saída” do mercado, lê-se no documento. O plano contempla ainda a criação de um mecanismo de alerta antecipado para essas organizações, bem como um canal legal que possa ser usado para a reestruturação ou falência de uma empresa.

O plano já foi apoiado por 13 instituições do gigante asiático, entre as quais o Banco do Povo Chinês (banco central), o Supremo Tribunal, o Ministério das Finanças e a Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento.

A medida foi anunciada um dia após se conhecerem os dados de crescimento económico no segundo trimestre do ano. A economia chinesa cresceu 6,2%, entre Abril e Junho, o ritmo mais lento das últimas três décadas, e 0,5 pontos percentuais a menos do que no mesmo período do ano passado.

16 Jul 2019

China condena invasão em Hong Kong e imprensa quebra silêncio sobre protestos

[dropcap]O[/dropcap] Governo chinês condenou hoje veementemente a invasão da Assembleia de Hong Kong, na segunda-feira, e reafirmou o seu apoio às autoridades da antiga colónia britânica na investigação criminal contra os “perpetradores da violência”.

“Estes actos graves e ilegais anulam o Estado de Direito e minam a ordem social e os principais interesses de Hong Kong”, afirmou, em comunicado, o porta-voz do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado. A nota foi reproduzida pela imprensa estatal chinesa, que quebrou assim com o silêncio sobre os protestos em Hong Kong, que duram há quase um mês.

A imprensa chinesa publicou ainda imagens da polícia em Hong Kong a dispersar os manifestantes. A decisão do regime de noticiar as manifestações, e a publicação de um editorial a atacar os manifestantes, publicado hoje num jornal oficial do Partido Comunista Chinês (PCC), pode indicar que Pequim se prepara para adoptar uma postura mais dura, após semanas de tolerância.

“Estes agressores, violentos, na sua arrogância, desprezam a lei de Hong Kong, causando raiva e tristeza entre toda a população em Hong Kong”, lê-se no editorial, publicado pelo Global Times.

As imagens difundidas pela imprensa chinesa mostram a polícia a entrar nas ruas ao redor do Conselho Legislativo. Centenas de manifestantes partiram vidros e destruíram gradeamento para entrar no edifício. Uma vez lá dentro, pintaram ‘slogans’ nas paredes, reviraram arquivos nos escritórios e espalharam documentos no chão.

Pequim suprimiu as notícias sobre os protestos ocorridos nas semanas anteriores, contra uma proposta de lei que permitiria extraditar criminosos para a China. A chefe do Executivo do território, Carrie Lam, decidiu suspender as discussões sobre a proposta, mas recusou retirar definitivamente, prolongando as manifestações.

A ocupação da assembleia ocorreu no 22º aniversário do retorno de Hong Kong à China.
No hemiciclo da assembleia, onde os deputados se reúnem nas sessões plenárias, os manifestantes vandalizaram o escudo da região com ‘grafitis’ e penduraram uma bandeira colonial, referente ao período em que Hong Kong esteve sob soberania do Reino Unido.

“O Governo central apoia firmemente a investigação das autoridades de Hong Kong para estabelecer uma responsabilidade criminal sobre os autores da violência”, lê-se no comunicado, difundido pelo Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau.

A mesma nota apela a que se restaure a ordem social o “mais rapidamente possível”. Os protestos violentos representam um desafio para o Presidente chinês, Xi Jinping, que até à data deixou a chefe do Executivo de Hong Kong lidar com a crise política sozinha. Carrie Lam condenou na segunda-feira a invasão “extremamente violenta” e “chocante” da Assembleia.

2 Jul 2019

Conflitos que opõem EUA à China e Irão vão continuar, diz analista russo

Pedro Caldeira Rodrigues, agência Lusa

 

[dropcap]O[/dropcap]s EUA vão evitar a intensificação dos conflitos que os opõem à China e ao Irão mas as duas crises não serão resolvidas em breve, referiu à Lusa Andrey Kortunov, diretor de um instituto diplomático e académico em Moscovo.

“Não creio que a disputa comercial entre os EUA e a China possa ser totalmente resolvida, porque as posições dos dois lados estão muito distantes”, assinalou o director-geral do Conselho de Assuntos Internacionais russo (Russian International Affairs Council, RAIC).

“Os EUA pretendem que a China restruture a sua economia e fique privada das vantagens comparativas que possui, e os chineses argumentam que para cumprir as exigências norte-americanas teriam de efectuar transformações muito significativas, com os elevados riscos políticos daí decorrentes”, considerou.

O analista admite “um cessar-fogo, ou uma trégua” porque nenhuma das partes pretende, de momento, uma escalada de um conflito com consequências globais. “Todos sabemos que uma verdadeira guerra comercial EUA-China conduziria a uma recessão mundial, que seria generalizada, mas provavelmente e neste caso, afectaria em particular os Estados Unidos”, disse.

O calendário eleitoral nos EUA pode ser determinante para esta contenção, após o Presidente norte-americano ter anunciado planos para a reeleição em 2020. Mas que poderá intensificar-se caso Donald Trump seja reeleito para a Casa Branca.

“Assim, admito de momento uma espécie conflito de baixa intensidade, com alguns compromissos e concessões, mas o problema não deverá ser resolvido em breve”, adiantou.

Numa referência às crescentes tensões entre Washington e Teerão, Andrey Kortunov considera que os riscos são mais elevados. “A política dos EUA face ao Irão tem apenas ‘paus mas não tem cenouras’. Não incentiva a liderança iraniana à moderação, incluindo a nível regional. Pelo contrário, reforça os grupos mais anti-ocidentais e mais radicais em Teerão, o que julgo ser um claro erro”, indica o investigador, interveniente na Conferência anual do Conselho Europeu de relações internacionais (European Council on Foreign Relations, ECFR), que decorreu entre terça-feira e hoje na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.

“Trump não está motivado para desencadear uma guerra, primeiro porque sendo um homem de negócios, em termos gerais não gosta de guerras. Para ele é um mau negócio, anunciou que os EUA vão retirar da Síria, do Afeganistão… Iniciar uma nova guerra com o Irão, e com a aproximação da campanha eleitoral para a Presidência, não seria para Trump uma jogada sensata”, antecipou.

O custo de um envolvimento militar no Irão implicaria “botas norte-americanas no terreno e mortes norte-americanas”, ressalvou. No entanto admite no imediato outras opções, que Washington já promoveu na região do Médio Oriente.

“Os EUA não pretendem interferir, pelo menos em larga escala, mas poderão atingir o Irão com mísseis, como por exemplo Trump atingiu por duas vezes a Síria com mísseis de cruzeiro. Mas excluindo uma operação terrestre em larga escala liderada pelas Forças armadas norte-americanas”, considerou.

A eventualidade de um conflito entre o Irão e alguns dos aliados dos EUA na região, como Israel ou a Arábia Saudita, poderia alterar a situação, mas sem o envio imediato de tropas.

“Nesse caso, decerto que os Estados Unidos vão fornecer todo o apoio possível aos seus aliados, incluindo diversos fornecimentos, informações, conselheiros, o que seja necessário. Mas sem um envolvimento directo em larga escala”, acrescentou.

Na perspectiva de Teerão, sustentou, o objectivo actual consiste em continuar a utilizar o Acordo de Viena sobre o programa nuclear [assinado em 2015 com as principais potências mas entretanto rejeitado pelos EUA] para envolver os europeus. E não considera que o Irão tenha planos imediatos para desenvolver armas nucleares.

“No entanto, o Irão possui programas balísticos, algo de sério, e muito bem-sucedido. Mas o perigo para os EUA e seus aliados na região não está limitado ao facto de o Irão obter tecnologias mais sofisticadas de sistemas balísticos”, destacou.

Um cenário que envolve directamente Israel, o principal aliado dos norte-americanos na região.
“Em Israel considera-se que o problema reside no facto de estas tecnologias poderem terminar nas mãos do Hezbollah [a poderosa milícia xiita no Líbano]. E no caso de um novo surto de violência, o Hezbollah poderá atingir Israel com armamento muito mais preciso, e de forma muito mais significativa que anteriormente”, afirmou.

O director-geral do RAIC sustenta que as eventuais negociações em torno da redução do programa balístico iraniano também poderão ser contrariadas por Teerão, e motivadas pelo seu principal rival regional, a Arábia Saudita.

“Os iranianos vão responder para se olhar para a Arábia Saudita e a forma como avançaram rapidamente nas suas capacidades balísticas. E os sauditas estão a trabalhar nesta área não apenas com os Estados Unidos mas também com os chineses, existe essa percepção”, disse.

Perante um cenário muito volátil, o Irão vai continuar a argumentar que a limitação das tecnologias balísticas, deverá abranger toda a região. “E incluindo nos países que não são propriamente amigos do Irão”, concluiu.

27 Jun 2019

A ideia confucionista de desenvolvimento harmonioso

“China’s commercial ties with the outside world have long been symbolized by the ancient Silk Road, which began as a tortuous trading network of mountain paths and sea routes that provided a lifeline for the Chinese economy. Now the leadership in Beijing is reviving the concept with an ambitious plan to build and upgrade highways, railways, ports, and other infrastructure throughout Asia and Europe designed to enrich the economies of China and some 60 of its nearby trading partners. The so-called Belt and Road Initiative has generated enthusiasm and high hopes but also skepticism and wariness.”
“China’s Belt and Road Initiative: Motives, Scope, and Challenges” – Simeon Djankov and Sean Miner

[dropcap]O[/dropcap]s meios de comunicação ocidentais e os principais líderes políticos, nos últimos anos, optaram por ignorar amplamente a “Iniciativa Faixa e Rota”, que o Presidente chinês propôs em 2013. A iniciativa, consiste no “Cinturão Económico da Rota da Seda Terrestre (Belt na designação inglesa) e Marítima (Road na designação inglesa) do Século XXI”. A “Rota da Seda Terrestre (Belt na designação inglesa)”, aborda eficientemente as necessidades de infra-estrutura dos países em desenvolvimento, que o Ocidente simplesmente fingiu não existir.

Mas, em um certo ponto, ocorreu à ordem ideológica, económica e política ocidental que a China não estava apenas a construir uma enorme quantidade de linhas ferroviárias, portos, pontes, centrais eléctricas e parques industriais na Ásia, África e mesmo em partes da Europa, mas que a perspectiva da redução da pobreza oferecida pela China incutiu um espírito de optimismo sem precedentes. A China impressionou o mundo ao retirar mais de setecentos milhões de pessoas da pobreza nos últimos quarenta anos (demonstrando que podia ser erradicada), construindo a melhor rede ferroviária de alta velocidade do mundo e tornando-se em uma importante nação espacial.

A China decidiu oferecer a partilha dessa valiosa experiência com países que até então eram relegados a serem o que se designava por “Terceiro Mundo”. Os líderes desses países exigiram repetidamente que fossem tratados igualmente pelo Ocidente, em vez de serem simplesmente os beneficiários da ajuda ao desenvolvimento, o que, na sua maioria, desapareceria nos bolsos de uma teia infindável de gente corrupta e duvidosas organizações não-governamentais. É de lembrar que de uma forma óbvia e coordenada, muitos pensadores de ambos os lados do Atlântico, produziram longos estudos baseados em um tema previsível e citaram que a motivação para a iniciativa da “Rota da Seda Terrestre e Marítima” foi uma tentativa mal-intencionada da China de substituir o sistema baseado em regras, na verdade o imperialismo anglo-americano, pelo imperialismo chinês e atrair os países participantes à armadilha da dívida.

Os mesmos pensadores também observaram que a China é construída sobre um sistema autoritário e que haveria uma competição de sistemas entre a economia liberal, aberta e social de mercado e a economia controlada pelo Estado na China. Todavia, e ironicamente, foram os mesmos críticos neoliberais que entusiasticamente acolheram a China na “Organização Mundial do Comércio (OMC)” em 2001, certos de que a China adoptaria o modelo ocidental de democracia e economia neoliberal. Tais pensadores estavam convencidos da sua superioridade política e cultural, e esses círculos pensaram que seria um desperdício de tempo precioso, prestar atenção a conceitos revolucionários, como uma comunidade com um futuro compartilhado pela humanidade, apresentada pelo Presidente Xi e outros líderes chineses, em centenas de conferências e reuniões internacionais com líderes políticos de todo o mundo.

Se observarmos por meio dos seus espectáculos geopolíticos e ouvindo através dos seus auscultadores coloniais, rejeitaram completamente a concepção de que a China poderia estar a falar seriamente ao apresentar um novo modelo de relações internacionais, que colocaria o conceito da humanidade à frente do estreito interesse nacional. A realidade de que o futuro da existência depende de moldar uma nova era baseada no interesse comum da humanidade, escapou aos proponentes da antiga ordem mundial em colapso.

Qualquer um que olhe para o todo da política chinesa e para o que a China alcançou em termos de alívio da pobreza só pode chegar à conclusão de que o país significa o que diz. O objectivo da política chinesa é criar um novo paradigma nas relações estratégicas, através do qual a geopolítica é superada através da cooperação de que todos ganham, e onde a política internacional deixa de ser um jogo de soma zero, mas onde a harmonia prevalece. A China, desta forma, está a operar com base na filosofia confucionista, ou seja, a ideia de que só pode haver paz se houver um desenvolvimento harmonioso de todos. Mas também cumpre os princípios do “Tratado da Paz de Vestefália”, de que toda política de paz deve ser do interesse de outros.

O espírito da “Rota da Seda” também teve a adesão de um número crescente de países europeus, que assinaram documentos oficiais com a China para cooperar na “Iniciativa Faixa e Rota”, entre os quais se encontra Portugal. Os Estados-membros da União Europeia (UE) da Europa Oriental, Central e do Sul, e também cidades e regiões individuais em outras partes do continente, descobriram que é do seu interesse trabalhar com a China para construir ou modernizar a infra-estrutura existente, para a qual a política de austeridade da UE não forneceu nenhum mecanismo de financiamento.

Os portos como os de Pireu, Trieste, Duisburgo, Hamburgo, Roterdão e Sines aceitaram oportunidades económicas sem precedentes para se tornarem centros para as linhas ferroviárias euro-asiáticas, que ligaram cinquenta e seis cidades chinesas com quarenta e nove cidades europeias em 2018, e estas cidades sabem que têm o potencial de se tornarem centros das rotas comerciais da “Rota da Seda Marítima” do Século XXI. Se observarmos do ponto de vista da história universal, essa crescente integração de infra-estrutura como pré-condição do desenvolvimento industrial e agrícola para todos é óbvia e orgânica, mas já enfadou as forças do velho paradigma neoliberal europeu, que preferem acusar a China de desunir a Europa, como se tal necessitasse de acontecer, ao invés de reflectir sobre os efeitos das suas próprias políticas.

Ao contrário da China, não existe plano dentro da UE para minorar a pobreza. No entanto, a artilharia pesada da propaganda negra contra a China foi lançada pouco antes da visita oficial do Presidente Xi à Itália, em Março e da assinatura de um memorando de entendimento sobre a iniciativa “Iniciativa Faixa e Rota”. As falsidades e ameaças sem precedentes foram proferidas, acusando a China de tentar retirar a Itália, um país do G7 e membro fundador da UE, da zona de influência dos Estados Unidos e declarando que a Itália não teria nenhum benefício económico de tal cooperação e sofreria danos à sua imagem internacional.

É óbvio que alguns círculos, que devem os seus privilégios ao sistema liberal da democracia ocidental, que aumentou a distância entre ricos e pobres além da barreira da angústia para cada vez mais pessoas, não podem superar o seu ponto de vista geopolítico. Mas há um crescente número de pessoas e instituições europeias, como o presidente do “Instituto de Pesquisas Económicas da Universidade de Munique”, e outros membros do “Grupo Consultivo Económico Europeu (EEAG na sigla inglesa)” que analisa as principais questões de política económica de preocupação comum europeia e cujo o seu objectivo é oferecer ao público e aos criadores de políticas, ideias baseadas em pesquisas e tendo em conta a variedade de perspectivas na Europa.

O grupo promove a construção de pontes entre a investigação e a política, bem como entre os países europeus, que acham que o medo do investimento chinês na Europa é exagerado e que é no interesse da mesma Europa atrair mais investimentos chineses. É de acreditar que muitos empresários de nível médio na Alemanha também pensam que os países europeus devem cooperar com a “Iniciativa Faixa e Rota”. A Itália, por outro lado, tem potencial para se tornar o modelo de cooperação no âmbito da “Iniciativa Faixa e Rota”.

O ex-ministro italiano da Economia e Finanças, Giulio Tremonti, citou a Itália como a porta para o coração da Europa, dizendo que poderia ser o motor da cooperação sino-europeia na industrialização do continente africano, tendo a empresa chinesa de engenharia Power China, que é um grupo de construção integrado que fornece investimento e financiamento, planeamento, construção de engenharia, fabricação de equipamentos e gestão de operações para projectos e infra-estrutura hidráulica e hidroeléctrica, e os seus principais negócios incluem energia e engenharia de construção. Além disso, mediante a autorização de ministérios e comissões nacionais relevantes, a empresa também executa funções como planeamento nacional e revisão de energia hidroeléctrica, eólica, solar e outras energias limpas e novas fontes de energia e a empresa italiana Bonifica SpA que exerce actividades de consultoria, engenharia e fornece construção de pontes e desenvolvimento de terras.

A empresa foi fundada em 1961 e está sediada em Roma. A Bonifica SpA opera como uma subsidiária do Gruppo Tili e ambas as empresas assinaram um memorando de entendimento para a realização do maior programa de infra-estruturas na África, o “Transaqua Project”, que é um sistema de canal que traz água dos afluentes do rio Congo para reabastecer o Lago Chade e beneficia o desenvolvimento de muitos países vizinhos. A “Transaqua Project” é uma ideia desenvolvida pela Bonifica SpA no final de 1970 para a crise do Sahel, provocada pela seca progressiva do Lago Chade, que estava a produzir um fluxo crescente de refugiados para a Europa.

A ideia surgiu com a construção de uma hidrovia que seria capaz de reabastecer o lago e, ao mesmo tempo, formar uma gigantesca infra-estrutura de transporte, energia e agricultura para a África Central. A construção de tal projecto de infra-estrutura ofereceria empregos a milhões de africanos e lançaria as bases para o desenvolvimento futuro. A ideia da “Transaqua Project” é simples e engenhosa ao mesmo tempo. É indiscutível que, a menos que o Lago Chade comece a receber uma grande transferência de água fresca, vai secar, colocando em risco a vida de mais de trinta milhões de pessoas que vivem nas suas margens e também ficou claro que essa água deveria vir da bacia do Congo, que é separada da bacia do Chade por uma cadeia de montanhas, que correm ao longo da fronteira entre o Chade e a República Centro-Africana (RCA).

A bacia do Congo tem muita água. O rio Congo é o segundo maior rio do mundo, com uma vazão média de quarenta e um mil metros cúbicos por segundo, que flui sem uso para o oceano. A Bonifica SpA calculou que 3 a 4 por cento dessa água seriam o suficiente para repor o lago Chade.

O problema a ser resolvido era o de levar a água directamente do rio Congo até à bacia do Chade, que deve ser transportado para cima e um canal é impensável, e bombear a água através de oleodutos é um esforço de custos gigantescos, em termos de energia e dimensões.

A equipe de Bonifica SpA, apresentou uma solução brilhante, pois em vez de tirar água directamente do rio Congo, desvia dos afluentes da margem oeste em grande altitude, começando na região sul da República Democrática do Congo (RDC) e alcançando, através da gravidade, a bacia hidrográfica da RCA-Chade e aí a uma altitude de cerca de quinhentos metros, a água seria canalizada para o rio Chari, um afluente do lago Chade. Assim, desta forma, uma hidrovia de dois mil e quatrocentos quilómetros de comprimento poderia ser construída, cruzando todos os afluentes da margem oeste do rio Congo, onde barragens e reservatórios de água seriam construídos e como resultado, até cem mil milhões de metros cúbicos de água por ano poderiam ser colectados e despejados no Lago Chade.

Foi calculado que metade desse montante seria suficiente para reabastecer o lago, e o restante estaria disponível para a irrigação de uma área igual ao dobro do tamanho do lago. Os reservatórios de água e as barragens construídas em cada um dos afluentes regulam os fluxos do rio, permitindo extensões agrícolas e criação de electricidade e o facto de não levar a água de uma só vez de um rio, mas em pequenas quantidades de cada afluente, não teria praticamente nenhum impacto sobre a navegabilidade e a pesca dos rios. A hidrovia seria uma infra-estrutura navegável, com cem metros de largura e dez metros de profundidade, que se estende do sul da RDC até a fronteira norte da RCA. A hidrovia seria ladeada por uma estrada de serviço (necessária para a construção) ou, eventualmente, uma ferrovia.

A PowerChina comprometeu-se a financiar o estudo de viabilidade das etapas iniciais da “Transaqua Project”, para construir a infra-estrutura e afirma que abrirá um novo corredor de desenvolvimento que liga a África Ocidental e Central através da potencial transferência de cinquenta mil milhões de metros cúbicos por ano para o Lago Chade através de uma série de barragens na RDC, República do Congo e RCA; criando até quinze a vinte e cinco mil milhões de kWh de hidroelectricidade através do movimento de massa da água por gravidade; desenvolvendo uma série de áreas irrigadas para plantações, ou pecuária, em uma área de cinquenta mil a setenta mil quilómetros quadrados na zona do Sahel, no Chade, nordeste da Nigéria, norte dos Camarões e Níger e criando uma zona económica alargada, fornecendo uma nova plataforma de infra-estrutura de desenvolvimento na agricultura, indústrias, transporte e produção eléctrica, que beneficiarão até doze nações africanas.

A ideia principal é de aumentar a quantidade de água no Lago Chade, melhorar as condições do fluxo de água, aliviar a pobreza dentro da bacia através de actividades sócio-económicas, para atender as necessidades energéticas das cidades e realizar uma avaliação de impacto ambiental aprofundada. A única forma realista de unificar novamente a Europa actualmente dividida será a cooperação com a China como acreditam muitos pensadores após o Brexit, com a cada vez mais afastada integração europeia da Turquia e dos restantes países dos Balcãs. Não só através da cooperação em que todos ganham e no desenvolvimento conjunto de mercados de terceiros países, mas trazendo a rica herança da cultura clássica europeia ao concerto dos países. Se os países europeus interligarem as suas tradições culturais, não precisarão de se preocupar com a China, mas ao invés terão um diálogo pela produção de um melhor bem-estar e coesão.

26 Abr 2019

Contrabando| Alfândegas interceptam 7,48 toneladas de presas de elefante

A luta contra o contrabando de produtos de espécies protegidas não parece ter fim à vista, apesar das várias campanhas de sensibilização. Só em Hong Kong, no passado mês de Fevereiro, foram interceptadas 2,1 toneladas de presas de elefante e 8,3 toneladas de escamas de pangolim

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas anunciaram ontem terem interceptado 7,48 toneladas de presas de marfim contrabandeado, na maior apreensão dos “últimos anos” no país, que baniu todo o comércio e transformação de presas de elefante em 2018.

O vice-director da Administração Geral das Alfândegas, Hu Wei, anunciou, em conferência de imprensa, que a operação, em grande escala, decorreu em 30 de Março e terminou com o desmantelamento de um “grupo criminoso internacional que há muito tempo traficava marfim”.

A investigação, de dois meses, resultou na prisão de mais de 20 suspeitos e no confisco de 2.748 peças de marfim.

A operação decorreu de forma coordenada entre várias cidades, incluindo Pequim e Qingdao, e envolveu um total de 238 agentes da polícia, detalhou o director da agência chinesa de combate ao contrabando, Sun Zhijie.

Segundo os dados oficiais, este ano já foram apreendidas 8,48 toneladas de produtos de marfim ou marfim em bruto, além de 500 toneladas de animais e plantas em risco de extinção.

Durante os primeiros três meses do ano, as autoridades chinesas investigaram 182 casos de contrabando de espécies protegidas, envolvendo 171 suspeitos.

Estes dados não incluem as alfândegas de Hong Kong, onde em Fevereiro passado foram interceptadas 2,1 toneladas de presas de elefante e 8,3 toneladas de escamas de pangolim, que, segundo as autoridades, se destinavam ao continente chinês.

Duas semanas depois, as alfândegas de Hong Kong apreenderam 24 chifres de rinoceronte, com um peso total de 40 quilos, um número recorde, que durou apenas até 7 de Março, quando foi apreendido um carregamento de 82,5 quilos.

Passos curtos

Pequim baniu todo o comércio e transformação das presas de elefante no início do ano passado.

Porém, a China é, tradicionalmente, o maior consumidor mundial de marfim, símbolo de estatuto e parte importante da cultura e arte tradicionais chinesas.

Antes da entrada em vigor da nova lei, Pequim lançou várias campanhas de sensibilização e o preço de presas de elefante caiu 65 por cento, enquanto todas as lojas e oficinas envolvidas no comércio foram encerradas até ao final de 2017, segundo a agência noticiosa oficial Xinhua.

A actuação das autoridades chinesas pode ter um impacto significativo em Angola e Moçambique, que nos últimos anos se tornaram destinos de referência na caça ao elefante.

Em Moçambique, entre 2011 e 2015, a caça furtiva custou à reserva do Niassa sete mil elefantes. Em Angola, as autoridades queimaram cerca de 1,5 toneladas de marfim, bruto e trabalhado, em Julho de 2017, que tinham como destino a Ásia.

Existem actualmente cerca de 450.000 elefantes no continente africano, calculando-se em mais de 35.000 os que são mortos anualmente.

17 Abr 2019

Shandong | Acidente em empresa farmacêutica faz dez mortos

[dropcap]P[/dropcap]elo menos dez pessoas morreram ontem asfixiadas pela inalação de fumo, enquanto outras 12 ficaram feridas, após um acidente numa empresa farmacêutica, na província de Shandong, leste da China. A televisão estatal CGTN informou que o acidente ocorreu às 15:37 e que foi aberta uma investigação para apurar as causas, mas não avançou mais detalhes. Em Março passado, uma explosão num parque industrial químico na província de Jiangsu, leste do país, causou 78 mortos e várias centenas de feridos. Acidentes industriais são frequentes na China, onde, em média, morrem 70.000 trabalhadores por ano, segundo a Organização Mundial do Trabalho. Em 2015, duas explosões nas instalações químicas da zona portuária da cidade de Tianjin, nordeste da China, provocaram pelo menos 165 mortos, e causaram prejuízos de mais de mil milhões de dólares.

17 Abr 2019

Empresa chinesa vai construir e gerir futura ligação ferroviária na Malásia

[dropcap]O[/dropcap] primeiro-ministro da Malásia anunciou ontem que a empresa chinesa responsável pela construção da ligação ferroviária no leste do país também vai ajudar a gerir e a operar a infraestrutura, para reduzir a carga financeira do país.

As declarações de Mahathir Mohamad surgem três dias depois do Governo malaio ter anunciado que vai retomar este projecto de ligação financiado pela China, depois de o construtor chinês ter baixado os custos.

O acordo pôs fim a meses de impasse sobre a linha férrea da costa leste, de 668 quilómetros de comprimento, que liga a costa ocidental da Malásia aos estados rurais orientais, numa ligação essencial à iniciativa chinesa de construção de infraestruturas “Uma Faixa, Uma Rota”.

O orçamento para a construção das primeiras duas fases da ligação ferroviária é agora de 44 mil milhões de ringgits (9,5 mil milhões de euros), uma descida de um terço em relação ao custo inicial de 65,5 mil milhões de ringgits.

Sob o novo acordo, a China Communications Construction Company (CCCC) formará uma empresa conjunta com a Malaysia Rail Link para operar e manter a rede, afirmou Mahathir Mohamad.

Rota em movimento

Esta ligação ferroviária é parte fundamental da iniciativa chinesa, lançada em 2013 pelo Presidente chinês, Xi Jinping, e que inclui uma malha ferroviária intercontinental, novos portos, aeroportos, centrais eléctricas e zonas de comércio livre, visando ressuscitar vias comercias que remontam ao período do Império Romano, e então percorridas por caravanas.

Construídos por empresas chinesas e financiados pelos bancos estatais da China, os projectos no âmbito daquela iniciativa estendem-se à Europa, Ásia Central, África e Sudeste Asiático.

No entanto, o crescente endividamento dos países envolvidos relativamente a Pequim acarreta riscos. Exemplo disso, é o Sri Lanka, onde um porto de águas profundas construído por uma empresa estatal chinesa acabou por ser uma despesa incomportável para o país, que teve de entregar a concessão da infraestrutura, e dos terrenos próximos, à China por um período de 99 anos.

17 Abr 2019

Venezuela| Pequim acusa Washington de ver América Latina como “o seu quintal”

Mike Pompeo acusou a China de perpetuar o Governo de Nicolas Maduro através de financiamentos que serviram para esmagar os opositores do regime venezuelano. Pequim responde no mesmo tom e diz que os Estados Unidos têm por hábito subverter o poder naquela região do globo

 [dropcap]O[/dropcap] Governo chinês respondeu ontem aos comentários do secretário de Estado norte-americano, que atribuiu à China responsabilidade no prolongamento da crise na Venezuela, considerando as acusações “infundadas” e acusando Washington de ver a América Latina como “o seu quintal”.

As acusações de Mike Pompeo são “infundadas” e realizadas de forma “deliberada para provocar um corte” entre a China e a América Latina, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Lu Kang, numa conferência de imprensa regular.

“Por muito tempo, os Estados Unidos têm visto a América Latina como o seu próprio quintal, para pressionar, ameaçar e até mesmo subverter o poder político em outros países em determinados momentos”, disse Lu Kang, acrescentando que “alguns políticos norte-americanos tem insistido numa linha” determinada com o objectivo de “manchar a China em todo o mundo”.

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, considerou que o financiamento de Pequim ao Governo da Venezuela, do Presidente Nicolas Maduro, está a fazer prolongar a crise no país sul-americano.

“O financiamento do regime de [Nicolás] Maduro pela China ajudou a precipitar e prolongar a crise naquele país”, disse Pompeo na sexta-feira, no Chile, no início da sua visita oficial a quatro países da América Latina, acrescentando que a China investiu mais de 60 mil milhões de dólares, “sem contar com armas”.

“Não é surpresa que Maduro utilizou o dinheiro para fazer pagamentos a amiguinhos, para esmagar activistas pró-democracia e financiar programas sociais ineficazes”, acusou.

 

Crise aguda

De acordo com as estimativas da ONU, cerca de sete milhões de pessoas – cerca de 25% da população do país – precisam de ajuda humanitária, com grupos como os doentes crónicos, as grávidas e as crianças numa situação especialmente vulnerável.

“Acho que há uma lição, uma lição a ser aprendida para todos nós: a China e outros países estão a ser hipócritas quando pedem uma não-intervenção nos assuntos da Venezuela”, enquanto as “suas próprias intervenções financeiras ajudaram a destruir o país”, sublinhou Pompeu.

O secretário de Estado norte-americano criticou ainda os laços da Rússia com os líderes em Cuba, Nicarágua e Venezuela.

“Abrir um centro de treinos na Venezuela é uma provocação óbvia”, disse.

A Rússia enviou no mês passado para a Venezuela, de acordo com relatos da imprensa venezuelana, dois aviões que transportavam 99 militares e 35 toneladas de material bélico.

Moscovo também abriu, no final de Março, um centro de treino militar para pilotos de helicóptero na Venezuela, país que há dois meses atravessa uma grave crise política, que se soma a uma crise económica e social que se vem agudizando.

17 Abr 2019

Segurança | Chui sublinha reforço legal para defender autoridade de Pequim

A defesa da autoridade do Governo Central e os interesses dos residentes justificam o reforço da legislação no âmbito da segurança nacional. A ideia foi deixada ontem por Chui Sai On na cerimónia de abertura da exposição “Educação sobre a segurança nacional”

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Chui Sai On, salientou ontem o reforço das medidas legais e de segurança que visam a defesa da autoridade de Pequim e os interesses dos residentes. A informação foi dada durante o discurso da cerimónia de inauguração da exposição “Educação sobre a segurança nacional”, organizada em conjunto com o Gabinete de Ligação. A mostra está patente no Museu das Ofertas sobre a Transferência de Soberania de Macau.

“O Governo da RAEM tem vindo a reforçar os regimes e mecanismos e desenvolvido o seu sistema legal, tendo como finalidades últimas a defesa da autoridade do Governo Central e os interesses fundamentais dos residentes”, apontou o Chefe do Executivo.

Chui Sai On admitiu mesmo a criação de “um novo contexto para o trabalho de defesa da segurança nacional”, sem, no entanto, ter adiantado quaisquer pormenores acerca desta matéria.

O representante máximo do Executivo salientou que a exposição inaugurada ontem é “orientada pelo pensamento do Presidente Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas da nova era” acrescentando que “a defesa da segurança nacional é uma responsabilidade constitucional” de Macau. “Assim, para a RAEM existe somente o dever para com ‘um país’ sem distinção dos ‘dois sistemas’”, apontou.

A bem da sociedade

“Para a RAEM existe somente o dever para com ‘um país’ sem distinção dos ‘dois sistemas.’” Chui Sai On, Chefe do Executivo

Assegurar a defesa nacional é uma garantia de bem-estar social, de acordo com o Chui Sai On, traduzindo-se na prática de “um conceito de desenvolvimento em que a garantia da qualidade de vida é central” e “resolvendo as questões sobre os interesses vitais dos residentes”.

Por outro lado, “a promoção da construção de uma cidade segura em Macau é condição indispensável do desenvolvimento socioeconómico e é um contributo relevante para a grande obra ‘um país, dois sistemas’”, especialmente no momento actual em que “a conjuntura mundial é complexa e o país, este ano, continua a enfrentar desafios, em termos de segurança”.

Chui Sai On recordou ainda a criação, há cerca de um ano, da Comissão de Defesa da Segurança do Estado da RAEM e dos “mecanismos de coordenação desta área”, com o intuito de “melhor defender a segurança nacional”. A este respeito, o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, também salientou as iniciativas legislativas que Macau tem levado a cabo para o reforço da segurança nacional. À margem do mesmo evento, o secretário recordou os trabalhos legislativos avançados no ano passado e apontou a produção de novos diplomas, dando como exemplo o regime do segredo de Estado.


O filho pródigo

Macau é um exemplo na aplicação de medidas para a segurança nacional. A ideia foi deixada ontem pelo director do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, Fu Ziying. O responsável sublinhou que “Macau foi a primeira região fora da China interior a realizar uma exposição evocativa da segurança nacional”. A criação da Comissão de Defesa da Segurança do Estado da RAEM no ano passado foi também evocada como “um grande sucesso na regulamentação destas matérias (…) tornando-se num modelo de referência na concretização do princípio ‘Um País, Dois Sistemas’”. Na mesma ocasião, o subdirector do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau, Song Zhe, defendeu que “o Executivo e os diversos sectores da sociedade têm defendido com firmeza a soberania, segurança e os interesses do país”.


Estudantes preocupados com a segurança nacional, mas sem noção de ameaças

“Os jovens como nós precisam de saber mais sobre o nosso país, especialmente na área da segurança e do desenvolvimento nacional” estas são as palavras de Carrie, aluna de 17 anos da Escola Choi Nong Chi Tai, que participou ontem, com outras colegas, numa visita à exposição “Educação sobre a Segurança Nacional” no Museu das Ofertas sobre a Transferência de Soberania de Macau.

A iniciativa, a segunda realizada no território, tem como intuito dar mais informação aos estudantes locais além da que é dada nas escolas no âmbito do patriotismo, acrescentou. “Sabemos pouco acerca destas áreas do que aprendemos na escola e se tivermos exposições como esta podemos saber cada vez mais sobre o nosso país”, disse.

A opinião é partilhada pela colega Shirley, de 16 anos, que admite que “as pessoas ignoram este tipo de coisas relacionadas com a segurança”.

Para a estudante trata-se de um evento “muito importante” para trazer um acréscimo de experiências, resultando numa maior “conecção” com o país.

Questão tranquila

Shirley considera ainda que “as pessoas estão preocupadas com a segurança”, principalmente ao nível do país. Para a estudante, a questão nacional é de relevo. “Não podemos conceber a sociedade com os seus indivíduos ou só sobre nós próprios, mas tendo em conta todo o país. Penso que precisamos de saber mais acerca disso. Temos a responsabilidade de proteger estes assuntos”, disse.

No entanto, quando questionadas acerca de possíveis ameaças actuais à China, não houve respostas. “Tenho que pensar nisso com mais calma”, respondeu.

A acompanhar a turma destas alunas estava o professor de música, Ng Si Un. Para o responsável este tipo de exposições permite que “alunos possam aprender e perceber melhor que são chineses, que amam o país e que têm responsabilidade sobre a segurança nacional”. Ng salientou ainda o facto de a segurança nacional ser dizer respeito a todos, e ser essencial para “o desenvolvimento do país.”

16 Abr 2019

Europa | Divisões internas impedem definição de política comum para a China

[dropcap]O[/dropcap] antigo secretário de Estado português dos Assuntos Europeus Bruno Maçães considerou ontem que a Europa é “incapaz” de desenvolver uma política comum para a China, numa altura em que Pequim avança com as suas ambições geoestratégicas.

“É quase impossível para a União Europeia (UE) ter uma política comum para a China”, afirmou Maçães, durante a apresentação do seu livro “Belt and Road: A Chinese World Order” (Faixa e Rota: Uma Ordem Mundial Chinesa), em Pequim.

Lembrando que o sul da Europa se sente injustiçado por “regras parciais” da UE, o ex-secretário de Estado, actualmente consultor e a residir na capital chinesa, disse que é “muito tentador” para aqueles países usar a China para contrabalançar o poder da Alemanha.

“Não comprem essa ideia de que todos na Europa são europeus a pensar no continente: temos rivalidades históricas prontas a serem reabertas e revistas”, apontou.

Bruno Maçães falava nas vésperas da realização de uma cimeira do Conselho Europeu, que visa rever a política para a China, cuja rápida modernização e ascensão no espaço internacional têm suscitado preocupações entre as potências ocidentais.

No espaço de uma década, enquanto as economias europeias estagnaram, a China construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos e dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas.

Acompanhando este desenvolvimento, Pequim passou a assumir o desejo de aproximar o país do centro da governação dos assuntos globais, abdicando do “perfil discreto” na política externa chinesa, que vigorou durante décadas, e de competir nos sectores de alto valor agregado.

Expansão em curso

Nas vésperas da cimeira desta semana, Bruxelas produziu um documento sem precedentes, que classifica a China como “rival económico” e “adversário sistémico”, que “promove modelos alternativos de governação”, e apelou a acções conjuntas para lidar com os desafios tecnológicos e económicos colocados pela China.

Mas, apesar dos protestos de vários parceiros europeus, o Presidente chinês, Xi Jinping, iniciou ontem um périplo pelo continente que deverá ser dominado pela adesão da Itália ao projecto ‘Uma Faixa, Uma Rota’, que materializa esta nova vocação internacionalista de Pequim.

Bancos e outras instituições da China estão a conceder enormes empréstimos para projectos lançados no âmbito daquele gigantesco plano de infraestruturas, que inclui a construção de portos, aeroportos, autoestradas e linhas ferroviárias ao longo do sudeste asiático, Ásia Central, África e Europa.

Portugal é, até à data, um dos poucos países da UE a apoiar formalmente o projecto. As autoridades portuguesas querem incluir uma rota atlântica no projecto chinês, o que permitiria ao porto de Sines ligar as rotas do Extremo Oriente ao oceano Atlântico, beneficiando do alargamento do canal do Panamá.

O objectivo é “redesenhar o mapa da economia mundial” de forma a “colocar a China no centro”, repondo a “visão antiga do país sobre si mesmo, como nação universal”, descreveu Maçães, classificando o projecto chinês como “muito ambicioso” e um desafio à ordem mundial definida pelo Ocidente.

Com condições

O ex-secretário de Estado considerou ainda que aquela iniciativa é a resposta “certa” do país asiático para ultrapassar a “armadilha do rendimento média”, reorganizando as cadeias de distribuição globais para competir no sector tecnológico e atingir um alto nível de desenvolvimento.

“Se queres focar na produção de alta tecnologia, precisas que outros países te forneçam componentes com baixo valor agregado ou produtos agrícolas (…) ou garantir a tua segurança energética”, descreveu.

Maçães considerou que, através da concessão de crédito, a China passou a ter “muito poder” para guiar o processo de evolução de outros países na direcção que lhe interessa.

“Se quiseres abrir uma fábrica no Paquistão que se adeque aos interesses da China, tens acesso a linhas de financiamento”, explicou. “Mas se quiseres abrir uma fábrica que não se encaixa nas prioridades chinesas, o crédito está indisponível”, notou.

22 Mar 2019

EUA continuam negociações comerciais em Pequim na próxima semana

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s secretários norte-americanos do Tesouro, Steven Mnuchin, e do Comércio, Robert Lighthizer, deslocam-se a Pequim na próxima semana para prosseguir as negociações comerciais, indicou esta terça-feira um alto responsável da Administração dos Estados Unidos.

A partir de 25 de Março, os dois secretários do Governo Trump reunir-se-ão com o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, chefe dos negociadores da parte chinesa, precisou o alto responsável, citado pela agência noticiosa francesa AFP, sem fornecer mais pormenores.

Por sua vez, o Wall Street Journal noticiou que a duração das novas conversações ainda não está definida.

Segundo o diário norte-americano, Liu He irá depois a Washington na semana seguinte.

Esta delegação norte-americana ao mais alto nível já foi várias vezes a Pequim, a última das quais em meados de Fevereiro, tendo-se a delegação chinesa deslocado, na semana a seguir, à capital dos Estados Unidos para negociações que foram prolongadas.

 

No melhor dos mundos

Terça-feira, à margem de uma conferência de imprensa com o seu homólogo brasileiro, o Presidente norte-americano, Donald Trump assegurou que “as conversações com a China estão a avançar muito bem”.

Na semana passada, Trump deu a entender que as negociações poderiam terminar “de uma forma ou de outra, provavelmente dentro de três ou quatro semanas”, confirmando que uma cimeira com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, não se realizará antes do início de Abril.

O gabinete do inquilino da Casa Branca referiu inicialmente que essa cimeira, destinada a selar um acordo comercial, decorreria antes do fim de Março, na luxuosa ‘villa’ de Trump na Florida.

As novas negociações da próxima semana vão realizar-se numa altura em que a Boeing, cuja venda de aviões faz parte das questões em debate, atravessa uma crise sem precedentes, após a imobilização dos seus 737 MAX devido a dois acidentes que fizeram centenas de mortos.

21 Mar 2019

Estocolmo | RSF pede à China que pare de atacar imprensa sueca

A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) acusa a embaixada chinesa em Estocolmo de tentativas constantes de interferência nos conteúdos da imprensa sueca. As relações diplomáticas entre os dois países têm vindo a degradar-se, desde o caso do livreiro sueco de origem chinesa desaparecido e posteriormente detido pela polícia quando seguia com dois diplomatas suecos num comboio para Pequim

[dropcap]A[/dropcap]organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF) pediu ontem à embaixada da China em Estocolmo que pare de assediar os jornalistas suecos, e acusou Pequim de querer impor a censura além-fronteiras.

O apelo da RSF surgiu após um recente ataque da embaixada da China à emissora pública sueca SVT.

Em comunicado, a embaixada criticou a SVT por difundir, em Fevereiro passado, uma mensagem do representante de Taiwan no país, a pedir apoio à democracia taiwanesa perante os “ataques de Pequim”.

A RSF acusou ainda o embaixador chinês na Suécia de “embarcar numa verdadeira cruzada contra a imprensa do país”, desde que assumiu o cargo, em Agosto de 2017.

Desde então, a representação diplomática chinesa criticou vários meios de comunicação suecos, incluindo os diários nacionais Dagens Nyheter e Svenska Dagbladet, bem como a agência de notícias TT.

“Uma missão diplomática não precisa de denegrir o conteúdo editorial do país anfitrião”, afirmou o representante da RSF na Suécia, Erik Halkjaer.

O director da RSF na Ásia Oriental, Cedric Alviani, considerou ainda que os ataques da China à imprensa sueca “são indicativos da atitude desinibida com a qual Pequim está agora a tentar impor a censura além-fronteiras”.

A RSF lembrou que a China é um dos países do mundo com menos liberdade de imprensa e que mantém mais de 60 jornalistas na prisão.

Livreiros e outros casos

As relações entre a Suécia e a China têm sido perturbadas, ao longo dos últimos anos, pelo caso de Gui Minhai, um editor e livreiro sueco de origem chinesa, de 54 anos, que vendia em Hong Kong obras críticas do regime chinês.

Em 2015, Gui Minhai desapareceu durante umas férias na Tailândia. O livreiro reapareceu numa prisão chinesa, tendo afirmando então, em declarações transmitidas na televisão, que se tinha entregue às autoridades por causa do envolvimento num acidente de trânsito na China, em 2003.

Em Outubro de 2017, as autoridades chinesas libertaram Gui Minhai, mas o editor e livreiro voltou a ser detido mais tarde pela polícia chinesa, em Janeiro de 2018, quando seguia com dois diplomatas suecos num comboio para Pequim, onde tinha marcada uma consulta.

A disputa diplomática agravou-se depois de, em Setembro passado, a polícia sueca ter expulso uma família de turistas chineses de um hotel, em Estocolmo.

Após o incidente, um programa humorístico da SVT satirizou o comportamento dos turistas chinesas, levando Pequim a acusar o canal público de racismo e a exigir um pedido de desculpas.

20 Mar 2019

Acordo | Entrega de infractores em fuga assinado este ano

Sónia Chan espera assinar, ainda este ano, o acordo sobre a entrega de infractores em fuga com Portugal. O acordo para transferência de condenados com Pequim levará mais tempo, apesar do consenso anunciado no início deste mês

[dropcap]A[/dropcap] assinatura do acordo sobre a entrega de infractores em fuga com Portugal pode ter lugar ainda durante este mandato da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan. A ideia foi deixada ontem pela governante em declarações à margem da cerimónia da abertura do Centro de Serviços da RAEM das Ilhas. “Já temos um consenso com Portugal e tenho confiança que o acordo possa ser assinado ainda este ano”, disse. “Este mês comunicámos com Portugal uma consideração e já temos um consenso e um texto”, acrescentou.

O acordo com Pequim sobre a transferência de pessoas condenadas vai ter de esperar mais tempo. “Já começámos a negociação, mas precisamos de mais algum tempo para fazer a de forma oficial”.

Recorde-se que Pequim e Macau chegaram “a consenso” sobre o início da cooperação no âmbito da transferência de condenados, no final do mês passado, no seguimento de uma visita da secretária à capital.

Convenções de lado

Entretanto, Sónia Chan reiterou que não há condições para Macau aceder ao pedido feito pela Indonésia para a adopção da Convenção Internacional de Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e os Membros das suas Famílias. A secretária reafirmou ontem que se trata de uma questão prevista nas leis locais. “De acordo com a Lei Básica e outra legislação, toda a gente é igual perante a lei em Macau”, apontou, e para já, “não é o momento para assinar esta convenção”. A recusa não significa, porém que o território não garanta a protacção destes trabalhadores. “Não quer dizer que não estejamos a garantir a protecção dos trabalhadores migrantes aqui em Macau. Também estamos a garantir os seus direitos”, sublinhou.

A secretária considera que antes de avançar nesta questão, é necessário “considerar o ambiente da sociedade”. “Temos de fazer uma consideração geral não só aos direitos dos migrantes, mas também dos direitos dos locais”, disse.

Sónia Chan sublinhou ainda os avanços legislativos que Macau tem feito na área dos direitos humanos, dando o exemplo da “lei para garantia dos interesses e bem-estar dos idosos e também dos benefícios fiscais às pessoas portadoras de deficiência”.

19 Mar 2019

Os primeiros imperadores Qing

[dropcap]N[/dropcap]urhachi (1559-1626), do clã Aisin Gioro, tribo jianzhou dos nüzhen, nasceu em Hetuala e com 18 anos casou-se pela primeira vez, sendo em 1583 eleito chefe dos jianzhou. Contraiu matrimónio mais quinze vezes e o de 1588 foi com Yele Nara Hala, filha de um príncipe nüzhen que em 1592 lhe deu o seu oitavo filho, Aisin-Gioro Huang Taiji.

Após unificar as tribos nüzhen, em 1616 Nurhachi estabeleceu a Dinastia Da Jin (1616-1636, Grande Jin), tornando-se o primeiro khan (soberano), com o título de reinado Tianming e nome-templo Taizu (1616-1626). Fez a capital em Xingjing (antiga Hetuala), passando-a em 1621 para Liaoyang e em 1625 transferiu-a para Shengjing (Shenyang). Mas logo no ano seguinte morreu, sucedendo-lhe então como segundo khan Aisin-Gioro Huang Taiji (1592-1643) a governar a dinastia de 1627 a 1636 com o título de reinado Tiancong. Herdando o sistema das oito bandeiras (baqi), que organizara os nüzhen administrativamente, tanto no sector civil, como no militar, instituiu-o em 1633 aos han e mongóis sob o seu controlo. Existia já para comunicar a língua man, escrita baseada nas palavras mongóis e pronúncia nüzhen, o que em 1634 levou Shengjing a passar a ter o nome de Mukden e Huang Taiji a ser conhecido por Abahai. Em 1635 mudou a designação de nüzhen para manchu.

Usando o modelo chinês na administração pública desde 1631, Huang Taiji teve o cuidado de colocar nos altos postos de comando não só os nüzhen, como mongóis e chineses han.

O Palácio Imperial em Shengjing, iniciado em 1625 por Nurhachi, só ficou completo em 1636, quando Huang Taiji criou a Dinastia Qing (puro), tornando-se o seu primeiro imperador e tomou o nome de reinado Chongde (1636-1643). Com o fito de conquistar a China investiu num corpo militar forte para a invadir.

Ao grande desenvolvimento a ocorrer no Nordeste, a Dinastia Ming não prestou atenção, de tão ocupada estava com as revoltas dos camponeses e a cobrar cada vez mais impostos à já de si empobrecida população para pagar os luxos dos imperadores, que não se coadunavam com os cofres vazios e disfarçavam as manigâncias dos corruptos eunucos.

Abahai “impõe o seu domínio à Coreia em 1638 e acaba por ocupar toda a Manchúria até ao estreito de Shanhaiguan em 1642, bem como toda a região do Amur (província de Heilongjiang) entre 1636 e 1644”, segundo Jacques Gernet, que refere, a sua política “visa a imitação das instituições chinesas. Os seus conselheiros e os seus generais são chineses e o armamento moderno que possui é-lhe fornecido da China por trânsfugas.”

Apesar de ser o fundador da Dinastia Qing, Huang Taiji não chegou a ser Imperador da China devido à sua morte em Setembro de 1643, uns meses antes de os manchus tomarem Beijing. Com o nome de templo Taizong, o seu mausoléu, Zhaoling, a Norte de Mukden (Shenyang), foi iniciado em 1643, demorando oito anos a ser construído, encontrando-se aí sepultada a Imperatriz Xiaoduan e algumas das suas esposas, entre as quais a favorita Borjigit Harjol (1609-1641), a consorte Minhui.

Huang Taiji morrera sem designar sucessor, tendo um comité de príncipes manchus escolhido o seu terceiro filho Aisin-Gioro Fulin (1638-1661) para lhe suceder e por ter apenas seis anos, nomeou como regentes Jirgalang e Dorgon. A 8 de Outubro de 1643 no Palácio Imperial de Shengjing foi coroado como Imperador Shunzhi (1644-1661), o segundo da Dinastia Qing.

A ocupação de Beijing por um exército de camponeses liderado por Li Zicheng levou a que em 25 de Abril de 1644 o último imperador ming Chongzhen (1628-44) se suicidasse. Para desalojar os rebeldes, foi dada a possibilidade ao exército manchu de transpor a Grande Muralha e em conjunto com os ming combatê-los. Os manchus, encontrando o trono chinês vazio, em 6 de Junho de 1644 instalavam-se em Beijing, tornando-se Shengjing a sua capital subsidiária. Os imperadores desde então deixaram de ter o nome pessoal, que apenas se usava para as orações.

Imperador Shunzhi

Fulin, nascido a 15 de Março de 1638 e filho de Huang Taiji e de Xiaozhuang (1613-1688), já como segundo Imperador Qing Shunzhi foi no dia 1 da décima Lua de Jiashen (甲申), ano sob o signo do macaco, a Tiantan em Beijing oferecer sacrifícios ao Céu e na semana seguinte, a 8 de Novembro de 1644 realizou-se na Cidade Proibida a sua entronização como primeiro Imperador da China da Dinastia Qing (1644-1911). Devido a ser ainda uma criança, tomaram então conta dos assuntos de Estado os regentes Dorgon (1643-1650), 14.º filho de Nurhachi e Jirgalang (1643-1647), sobrinho de Nurhachi. Este último foi em 1647 destituído por Dorgon, que ficou a dominar tanto a política como militarmente a China.

Em Beijing, os manchus ocuparam a Cidade Interior e daí colocaram os han para fora das muralhas que a circundavam, ficando estes a viver na Cidade Exterior. Os casamentos entre ambos os grupos foram proibidos, tal como os han irem viver para o Nordeste [conhecida pelos ocidentais como Manchúria e designada Dongbei pelos chineses, é composta por três províncias: Liaoning, Jillin e Heilongjiang, com as respectivas capitais em Shenyang, Changchun e Harbin].

Os manchus rapavam o cabelo deixando apenas uma trança (bianzi) no topo da cabeça, penteado usado pelos povos nómadas das estepes. Após chegarem ao poder na China, logo em 1645 o tornaram obrigatório aos sedentários chineses han, que tradicionalmente usavam o cabelo comprido apanhado num carrapito. Essa submissão foi entendida como uma humilhação, mas quem não acatasse tal disposição ficava sujeito à pena de morte.

Encontraram no Centro e Sul do território da China uma resistência dos chineses han, a qual Macau apoiou, e só em 1661 os manchus conseguiram pôr fim às pretensões de quem queria restaurar a Dinastia Ming. Contaram com a ajuda militar de alguns generais ming dissidentes, desagradados com a corrupção na corte ainda antes dos manchus obterem o Mandato do Céu e a esses trataram como pertencentes à sua família. A falta de pagamento levou muitos outros, entre oficiais a soldados a uniram-se-lhes, assim como os que se renderam aquando da tomada para Sul das cidades ocupadas pelos ming. Para os manchus, quem não se rendesse era massacrado até à morte e foi o que ocorreu no Verão de 1645, quando durante dez dias oitocentos mil habitantes de Yangzhou morreram às mãos do exército imperial qing, comandado pelo Príncipe de Yu (Aisin-gioro Duoduo). Este seguiu depois com as suas tropas para Nanjing onde a população imediatamente o deixou entrar, terminando com o primeiro regime Ming do Sul, que teve um ano de existência. Fugindo para Sul, a corte ming dividiu-se, formando novas bolsas de resistência, que só iriam terminar já o segundo Imperador Qing tinha morrido.

Shunzhi iniciara com 13 anos a sua governação, após a morte no último dia de 1650 do regente Dorgon, até que com 22 anos morreu de varíola, sendo o sucessor o seu terceiro filho Xuanye, o Imperador Kangxi.

18 Mar 2019

UE |Empresas esperam que nova lei para o investimento seja respeitada

[dropcap]A[/dropcap]Câmara de Comércio da União Europeia na China disse sexta-feira esperar que a nova lei para o investimento estrangeiro, aprovada pelo legislativo chinês, seja respeitada a “todos os níveis” e em “todo o país”.

Num comunicado enviado à imprensa, o presidente da Câmara, Mats Harborn, disse que, “apesar de a lei não ter em conta todas as preocupações” da Câmara de Comércio, está “na hora de virar a página”.

Harborn reiterou que as “empresas estrangeiras querem igualdade” de tratamento e oportunidades, face aos competidores chineses, “mais do que qualquer coisa”.

No entanto, a Câmara considera “preocupante” que uma cláusula tenha sido mantida no texto final, e que “permite que questões políticas influenciem as relações entre o Estado e os investidores, reservando à China o poder de tomar medidas unilaterais contra parceiros comerciais e de investimento”.

“A sua formulação vaga aumenta ainda mais a incerteza jurídica para as empresas estrangeiras”, afirma.

“O pleno cumprimento desta lei exigirá uma monitorização exaustiva das autoridades administrativas em todos os níveis do governo e o total apoio do sistema jurídico, nos casos em que os direitos garantidos pela lei não sejam respeitados”, ressalva.

A nova regra jurídica, que entra em vigor em 1 de Janeiro de 2020, estabelece ainda uma “lista negativa”, o que significa que quaisquer sectores que não sejam declarados fechados ao capital estrangeiro estão automaticamente abertos ao investimento.

Voz de acção

O regime anterior exigia que Pequim designasse um sector como “aberto ao investimento” antes que uma empresa não-chinesa pudesse participar, uma cláusula há muito criticada pelos Estados Unidos e a União Europeia.

A Câmara “reconhece que a lei desempenha um papel importante na formalização da base legal para a mudança do antigo regime de investimento”, com um novo sistema de acesso ao mercado, baseado numa lista negativa.

Este sistema inspira confiança e “proporciona maior segurança às empresas europeias”.

A organização enaltece ainda que algumas das suas preocupações tenham sido levadas em conta na versão final.

A passagem das palavras aos actos agradou também ao grupo empresarial, já que o estabelecimento num texto legal de questões “mencionadas anteriormente em discursos formais” significa que “as possibilidades de mudanças se tornaram maiores”.

A lei foi aprovada sexta-feira, no último dia da sessão anual da Assembleia Nacional Popular, com o apoio de 99,5% dos cerca de 3.000 delegados.

18 Mar 2019

APN | Xi Jinping rompe com moda e assume cabelos grisalhos

O líder da segunda economia mundial quebrou mais uma tradição do comunismo chinês e apresentou-se na Assembleia Popular Nacional sem o habitual cabelo pintado de preto. Analistas consideram que, com o novo visual, Xi pretende passar uma imagem de um homem mais perto do povo

[dropcap]O[/dropcap]Presidente chinês, Xi Jinping, um dos líderes mais fortes na história da República Popular da China, parece não ter dúvidas: é dos grisalhos que o povo gosta mais.

Perante os quase três mil delegados da Assembleia Popular Nacional (APN), o secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC), de 65 anos, assumiu esta semana os seus cabelos brancos, rompendo com mais uma tradição da política chinesa.

O cabelo impecavelmente pintado de preto é uma imagem de marca dos líderes chineses, simbolizando vitalidade e unidade entre a cúpula do poder no país.

Na simbologia do comunismo chinês, esta mudança de visual tem servido, inclusive, para enfatizar a queda em desgraça de antigos altos quadros do PCC.

O ex-chefe de Segurança da China Zhou Yongkang, por exemplo, surpreendeu ao surgir em tribunal com o cabelo totalmente branco, quando foi condenado à prisão perpétua, por corrupção, em 2015.

Mas, desde que ascendeu ao poder, há cinco anos, Xi rompeu já com várias tradições, inclusive com uma emenda constitucional que aboliu o limite de mandatos para o seu cargo, confirmando o desmantelamento do sistema de “liderança colectiva”, cimentado pelos líderes chineses desde finais dos anos 1970.

Observadores consideram que a mudança de visual visa agora reforçar a sua imagem de homem do povo.

“Xi Jinping quer desmistificar essa tradição e parecer um cidadão chinês comum – um homem do povo”, explica Willy Lam, analista de política chinesa e professor na Universidade Chinesa de Hong Kong.

A força do líder

Excepto em aparições altamente coreografadas, a presença de Xi é inexistente: o líder chinês não dá conferências de imprensa, ou entrevistas, e não é interpelado por jornalistas.

Mas a propaganda chinesa difunde frequentemente imagens do Presidente chinês em espaços populares: a comer uma refeição barata, num restaurante simples, ou nos antigos bairros operários de Pequim, a desejar um feliz Ano Novo Lunar aos moradores.

A aldeia onde viveu durante a adolescência, seguindo um fluxo de jovens urbanos para o interior para “aprenderem com os camponeses”, tornou-se também um destino obrigatório para funcionários públicos chineses e os quase 90 milhões de membros do PCC.

A sua “política de frugalidade” ditou, entretanto, o fim das “extravagâncias” no seio do partido: os banquetes oficiais, outrora servidos com dez ou mais pratos regados com aguardente, consistem agora em apenas quatro pratos e uma sopa. E a mais ampla e persistente campanha anticorrupção na história da China comunista, lançada após ele ascender ao poder, puniu já mais de um milhão e meio de funcionários do PCC.

No entanto, o líder chinês tem, ultimamente, enfrentado renovadas adversidades, incluindo um persistente abrandamento económico e fricções comerciais com os Estados Unidos, em parte devido à sua política externa, mais assertiva do que a dos antecessores.

“Ele deve estar sob muita pressão”, comenta Xie Li, 31 anos, que gere uma padaria em Pequim, sobre os cabelos brancos do “Tio Xi”, como os chineses habitualmente lhe chamam.

Lin Min, funcionária numa empresa de seguros, concorda: “Para um homem da idade dele, continuar a trabalhar assim, não é fácil”.

18 Mar 2019

Imobiliário | Investimento aumenta 11,6 por cento

[dropcap]O[/dropcap]Gabinete Nacional de Estatísticas (GNE) anunciou esta quinta-feira que o investimento em imóveis da China cresceu 11,6 por cento em termos anuais nos primeiros dois meses deste ano. O crescimento foi maior que o de 9,5 por cento em 2018. Segundo o GNE, o investimento imobiliário total neste período chegou a 1,2 biliões de yuans, com 72,1 por cento a serem destinados ​​a edifícios residenciais. Em Janeiro e Fevereiro, o investimento em residências subiu 18 por cento em termos anuais, para 871,1 mil milhões de yuans, 4,6 pontos percentuais superiores ao ritmo de 2018. Durante o mesmo período, as construtoras imobiliárias chinesas construíram prédios num total de 6,75 mil milhões de metros quadrados em área útil, um aumento anual de 6,8 por cento.

 

15 Mar 2019

Automóveis | Vendas recuam mais de 17 por cento

[dropcap]A[/dropcap]venda de automóveis na China registou uma queda homóloga de 17,5 por cento, nos dois primeiros meses do ano, reflectindo o abrandamento na economia chinesa, numa altura de crescentes fricções comerciais com os Estados Unidos.

Segundo a Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis, entre Janeiro e Fevereiro venderam-se 3,2 milhões de veículos utilitários desportivos, ‘minivans’ e ‘sedans’.

Em 2018, a venda de automóveis na China caiu 5,8 por cento, para 22,35 milhões de veículos, no primeiro declínio anual desde 1990, coincidindo com outros indicadores negativos da economia chinesa.

Trata-se de um retrocesso para as principais construtoras do sector, que anunciaram planos de milhares de milhões de euros, visando cumprir com as metas do Governo chinês para o desenvolvimento de veículos eléctricos.

Nos dois primeiros meses do ano, as marcas chinesas registaram uma queda de 23 por cento nas vendas, para 1,3 milhão de unidades, fixando a sua participação no mercado doméstico em 41,8 por cento, uma descida homóloga de 3 por cento.

O crescimento nas vendas de veículos puramente eléctricos e híbridos, que Pequim está a subsidiar, subiu 98,9 por cento, em relação ao ano anterior, para 148 mil unidades.

As vendas de utilitários desportivos diminuíram 18,6 por cento, para 141.000 unidades.

15 Mar 2019