Fernando Eloy VozesBanido! [dropcap style=´circle´]M[/dropcap]acau tem várias particularidades na sua forma de estar, ser e até de parecer. Já todos sabemos isso. Todavia, algumas delas, quando se nos esbarram nas ventas, não deixam de nos mostrar quão álacres são e, nesse seu garrido, o sinal que representam do que vai mal na terra. Um desses pormenores é, claramente, a incapacidade quase geral de acolher críticas. Em Macau, a regra para criticar é não o fazer, ou não o fazer em público, ou não o fazer de todo. As personalidades são frágeis, as capacidades, vulgarmente, ainda mais quebradiças e, portanto, alertar sobre a nudez do monarca é crime de lesa majestade. Foi o que me aconteceu. Desde há mais de uma dezena de anos que, regularmente, à excepção de um hiato ou outro, colaboro com a TDM nos relatos de futebol, especialmente em ocasiões como Euro ou o Mundial, ou mesmo noutras modalidades. Recentemente, até me foi proposto informalmente tornar essas colaborações um pouco mais assíduas. Todavia, este ano não vou fazer qualquer relato do Euro e, pelo andar da carroça, e se a tracção não mudar, nunca mais irei fazer nada na TDM. Questões pessoais não são chamadas para as páginas de um jornal. Nem numa coluna de opinião, dirá alguém e eu concordo. Mas isto não é pessoal. Para mim, é de interesse público. O banimento, posso dizê-lo, pois que o poderia ter negado não o fez apesar de a isso instado, ficou a dever-se a um texto publicado nesta mesma página no passado dia 17 de Fevereiro deste ano, intitulado “Para que serve a TDM?”. Caiu mal Todavia, não deveria conter matéria suficiente para processo, caso contrário já teria sido notificado pelo tribunal. No texto, recordo, inquiria-me, de uma forma geral, sobre os propósitos da TDM, demonstrando a minha incompreensão pela total ausência da estação de Macau em apoiar de forma decisiva a produção local e por não ser sequer capaz de cumprir o desígnio de Macau de plataforma de contacto com os países de língua portuguesa exportando conteúdos para estes nem sequer de abrir portas à colaboração com estações do continente dada a exiguidade do mercado local para investidores. A crítica era mais dirigida à tutela do que propriamente à direcção executiva da estação. Não foram feitas críticas pessoais mas sim institucionais. Todavia, foi o suficiente para ser considerado persona non grata na estação pública do território. É absolutamente irrelevante para qualquer pessoa, comigo incluído, se colaboro ou não com a TDM, se faço ou não comentários, se produzo, ou não conteúdos para aquela estação. Mas não é irrelevante nem para mim, nem, julgo, para ninguém que se preocupe com uma sociedade livre, que se penitenciem pessoas por exercerem o seu direito à liberdade de expressão. Hoje sou eu, amanhã será outro. A questão torna-se ainda mais caricata quando o responsável pela sanção assume cargos na Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau que, diz nos seus estatutos, tem por fim, entre outros, “defender e promover o livre exercício da profissão, a liberdade de imprensa e o acesso às fontes”. Se calhar é excesso de zelo, se calhar ninguém lhe encomendou o serviço. Seja o que for, é tenebroso e não deixa de preocupar numa época em que cada vez mais se vêem atropelos à liberdade de expressão, aqui e noutras paragens, quando a sanção vem sub-reptícia e sem explicação formal, como quando se empurra o lixo para debaixo do tapete à espera que ninguém o levante. Música da Semana “Big Brother” (David Bowie – 1974) I know you think you’re awful square But you made everyone, and you’ve been anywhere Lord, I’d take an overdose, if I knew what’s going down (…) Someone to lead us, someone to follow Someone to fool us – some brave Apollo! Someone to save us, someone like you We want you Big Brother
Tânia dos Santos Sexanálise VozesQueres beber café comigo? Não? [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]ão-de ter reparado na inundação na imprensa internacional do caso da ‘mulher inconsciente’ e do seu agressor, Brock Turner, e do caso da menor brasileira que ‘engravidou de mais de 30’, pelas palavras dos estupradores. O consentimento sexual não parece estar no vocabulário destas pessoas. No Brasil começa-se a falar da cultura do estupro. Uma cultura que não condena o abuso sexual. Um grupo de 33 homens violou uma menor de 16 anos no Rio de Janeiro e o caso veio a ser descoberto porque alguns desses homens gravaram cenas e postaram-nas nas redes sociais. Sem medo de represálias. Num grupo de 33 homens ninguém achou anormal ou estranho o que se estava ali a passar. Os vídeos gravados mostram o corpo semi-nu de uma jovem inconsciente, enquanto que eles se punham em posição de selfies e faziam comentários jocosos. A reacção pública foi diversa, mas muitos sugeriam que certamente que a jovem fez alguma coisa para merecer aquilo. Quem manda usar mini-saia? Quem manda ser sensual? Quem manda ser mulher? O entendimento vigente do que pode ser considerado uma violação ou uma relação sexual consentida perde-se em difusas interpretações onde as mulheres continuam a ser desconsideradas. A culpabilização da vítima continua a ser a estratégia mais utilizada para proteger e perpetuar a hegemonia masculina. Os casos são tantos que já irrita. Como é que duas raparigas são assassinadas no Equador por resistirem uma violação e ainda assim foram culpabilizadas, por, talvez, terem usado calções curtos? Como é que um puto de 19 anos foi apanhado no acto de abusar uma mulher inconsciente e não foi automaticamente de cana? Como é que 30 homens julgam uma violação colectiva perfeitamente aceitável? Como é que só muito recentemente se percebeu que uma violação é uma violação, mesmo em contexto matrimonial? Como é que uma juíza pode ignorar uma queixa de violação porque ‘a vítima é uma mãe adolescente, por isso claramente tem tendência para o acto’? O que é se passa com as pessoas? Como é que no século XXI, o século do futuro, da inovação e do progresso, tudo isto ainda aconteça? O instinto sexual não é uma micção urinária, não é inevitável. Não se descontrola ao ponto de mijo escorrer pelas pernas abaixo. Sexo não é um direito pessoal, uma afirmação categórica nem uma obrigação. O estímulo, o impulso e o acto não têm uma ligação directa, imediata e inevitável. Não há vestido sexy no mundo que sugira uma violação, nem álcool (demais ou de menos) que preveja um abuso. Mas mesmo assim o corpo da mulher é percebido como um objecto, e para essa concepção contribuímos todos. Não se trata de um homem isolado de mente disruptiva e comportamento desviante. Os media, os tribunais, os juízes e a população em geral perpetuam princípios onde só os homens brancos estão no topo da cadeia (cadeia hierárquica, god forbid se fosse a prisão). Todas as fotos publicadas do Brock Turner, o agressor sexual de um caso na universidade de Stanford que tem corrido muita tinta, mostram-no de carinha laroca, de cara inocente, sorridente e angelical. Foi julgado com seis meses de prisão porque ‘não tem antecedentes de actos agressivos’, como se todos os agressores sexuais não tivessem começado com um primeiro acto, sem antecedentes. Até o pai do agressor escreve ao juiz a pedir-lhe que uma carreira tão promissora (sim, porque o menino estava numa universidade da liga ivy com uma bolsa de desporto) não fosse destruída por ‘20 minutos de acção’. Acção essa que não foi consentida, com uma mulher inconsciente atrás de contentores. Mas o que é que isso interessa? Como é que interessa a forma como este rapaz destruiu a vida desta rapariga? Como a fez sentir-se humilhada, como a obrigou a ter que se defender em tribunal dos ataques de um advogado de defesa que insinuava um ‘historial potencialmente promíscuo’? Porque a defesa é assim, a escrutinar o possível consentimento que ela poderá ter dito quando inconsciente, mas que nunca existiu. O consentimento sexual não deveria ser um conceito complicado de entender. Queres beber café comigo? Não. Talvez. Silêncio absoluto. Estas são as opções que sugerem não consentimento. O consentimento implica iniciativa absoluta, até ao final. Se vocês já estão na cafeteria e já pediram o café, ambas as partes ainda estão no direito de o recusar. Imaginem o estranho que seria forçar alguém a beber um café por um tubo enfiado pelo esófago. Simples de entender, não é?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTurno da noite [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 27 de Maio o website de Hong Kong “orientaldaily.on.cc” fez saber que a Autoridade Hospitalar de Hong Kong passou a permitir que as enfermeiras grávidas, a partir das 32 semanas, sejam dispensadas dos turnos da noite. A medida entra em vigor a partir deste mês. Acrescente-se ainda que, enfermeiras grávidas de 28 semanas também poderão ficar isentas do serviço nocturno. No entanto esta medida não será adoptada em todos os hospitais, ficando dependente das necessidades das profissionais e dos recursos de cada estabelecimento. Estas políticas foram implementadas na sequência do desmaio de uma enfermeira grávida de oito meses. a cumprir horário nocturno no Queen Mary Hospital, em Pok Fu Lam, Hong Kong. O presidente da Autoridade Hospitalar de Hong Kong, John Leung Chi-yan, declarou que os obstetras consultados tinham sido unânimes em afirmar que, uma gravidez a partir das 32 semanas comporta mais riscos para as mães. A implementação destas políticas deverá beneficiar de imediato 950 enfermeiras. No entanto existe um deficit geral de 700 enfermeiros. Nos hospitais públicos o deficit ascende aos 250. Do ponto de vista das enfermeiras esta medida só peca por tardia. A partir deste momento todas as enfermeiras grávidas de 32, ou mais, semanas serão dispensadas dos turnos da noite. Mas já existiria antes alguma lei de protecção às grávidas no que respeita ao trabalho nocturno? Em Hong Kong, o artigo 15AA(1) da Lei do Trabalho, específica: “Uma funcionária grávida pode, mediante apresentação de certificado médico, pedir dispensa de trabalhar com materiais pesados, de trabalhar em instalações que produzam gás, potencialmente prejudicial à saúde do bebé, ou ainda, de realizar qualquer trabalho prejudicial ao normal desenvolvimento da gravidez.” Através da leitura deste artigo, podemos observar que as trabalhadoras grávidas podem ser dispensadas de serviços que prejudiquem a sua saúde e a do bebé. Acresce ainda que a grávida pode recusar certos serviços, desde que considere que podem lesar a gravidez. No entanto, neste artigo da Lei do Trabalho de Hong Kong, podemos ler que se exige um certificado médico para sustentar os pedidos de dispensa. Se o patrão não concordar com o pedido de dispensa em relação a certos serviços, feito pelo médico da grávida, tem direito a requisitar uma segunda opinião. Obviamente, que o alcance da secção 15AA(1) é a regulamentação da atribuição de tarefas, não a regulamentação de horários. Os turnos nocturnos são uma questão relacionada com os horários e, como tal, fora da alçada da secção 15AA(1). Não parece provável que as trabalhadoras grávidas possam evocar este artigo para pedir dispensa dos turnos nocturnos. Em Macau, o artigo 56(1) da Lei do Trabalho (7/2008) específica: “Durante a gravidez e nos três meses após o parto, a trabalhadora não pode ser incumbida de desempenhar tarefas desaconselháveis ao seu estado.” Este artigo é suficientemente claro e não deixa margem para dúvidas quanto à obrigação de dispensa de serviços prejudiciais a grávida, estendendo-se essa protecção aos três meses pós-parto. Este postulado não exige qualquer certificação médica. No entanto, em caso de conflito, é sempre preferível que a trabalhadora apresente prova médica para sustentar as suas alegações. Comparando os dois artigos de lei, o de Hong Kong e o de Macau, verificamos que são bastante semelhantes. Mas a Lei do Trabalho de Hong Kong especifica as tarefas que não devem ser atribuídas às grávidas: lidar com materiais pesados e trabalhar em instalações que produzam gás, potencialmente prejudicial à saúde do bebé. No entanto, a legislação de Hong Kong prevê a necessidade de um certificado médico para sustentar a dispensa de serviços, ao passo que a legislação de Macau não a estipula. Como vemos, ambas as legislações regulam apenas a atribuição de tarefas a grávidas, a questão dos turnos nocturnos é matéria que se prende com a regulamentação de horários e não de funções. Assim, podemos concluir, que não existe legislação específica em Hong Kong sobre a isenção de horários nocturnos durante a gravidez. A Lei do Trabalho de Macau é semelhante (7/2008). A actual medida da Autoridade Hospitalar de Hong Kong, tomada na sequência do desmaio da enfermeira, é sem dúvida favorável a todas as enfermeiras grávidas. É mais uma medida de protecção à gravidez. Deverão outros departamentos governamentais seguir o exemplo? Como esta medida não é uma lei, o seu efeito não abrange todas as áreas. É preferível que cada departamento oficial tome as suas próprias decisões. O balanço deve ser feito entre a necessidade de protecção às grávidas e as capacidades do sector. A situação em Macau é mais complicada. Os casinos têm necessariamente turnos nocturnos, estão abertos 24 horas por dia. As mulheres também têm de trabalhar à noite. Será que os Casinos podem dispensar as trabalhadoras grávidas dos turnos nocturnos? Como não existe legislação sobre esta matéria, é conveniente deixar cada empresa decidir o que melhor achar. No entanto, o desmaio da enfermeira grávida demonstra claramente o desajuste da actual legislação do trabalho.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho africano “Therefore to allow the African dream to be realised, the respect for national sovereignty of both the rich and poor nations should form the cornerstone of new global institutions for political, economic, social and cultural development.” The African dream: from poverty to prosperity B W T Mutharika [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] continente africano é a potência do futuro, a esperança e o fracasso da humanidade, que se impões como um vício e obriga quem o visita a voltar uma e outra vez, e mesmo quem vá para lugares quase ignorados e desconhecidos, o perigo não é a violência, mas a burocracia. A África é dura e difícil, mas apaixonante. O sonho do século XXI, de ser o século africano é poderoso e emocionante, e está a converter-se numa realidade. A realização da primeira “Cimeira entre os Estados Unidos e a África”, e os seus líderes, de 4 a 6 de Agosto de 2014, em Washington, foi o momento propício para uma reflexão, e considerar os fundamentos e limites do progresso do continente. Apesar de em muitas regiões africanas, a pobreza ser ainda um problema muito grave, o continente africano é mais estável do que no passado, e também apresenta algumas das mais altas taxas de crescimento económico do mundo. É de recordar que durante a última década, dezenas de milhões de pessoas, em toda a África, integraram-se na classe média, as cidades estão a crescer rapidamente e têm a população mais jovem do mundo. Mas, como as palavras as leva o vento, os africanos não devem considerar nada como garantido. Apesar do impulso que mostra o continente, sabem que a história é um caminho de sonhos desperdiçados, e aplica-se especialmente a África. Assim, os africanos têm muito a fazer, se querem aproveitar esta oportunidade, e uma das tarefas mais urgentes que têm de enfrentar, é a criação de mercados sub-regionais de maior dimensão, mais integrados e que se encontrem profundamente interligados com a economia global. Ao fim e ao cabo, existe uma abundância de exemplos, (União Europeia, Associação de Nações do Sudeste Asiático, Acordo de Livre Comércio da América do Norte) de como a integração das regiões geográficas, pode criar condições para se conseguir o crescimento e a prosperidade em conjunto, através da remoção de barreiras comerciais, harmonização de regulamentos, abertura dos mercados de trabalho e o desenvolvimento de infra-estruturas partilhadas. A visão para esta região de África, traduziu-se na criação da iniciativa denominada de “Integração dos Projectos do Corredor Norte”. O Quénia, Ruanda e Uganda, (ao qual se juntaram o Sudão do Sul, e a Etiópia) nos últimos três anos, lançaram mais de catorze projectos conjuntos, cujo objectivo é o aprofundamento e a integração da África Oriental, e facilitar o desenvolvimento da actividade económica na região. Os resultados são visíveis. Foi implementado um único visto para o turismo, válido nos três países. Foi criado um único território aduaneiro, reduzindo drasticamente os procedimentos burocráticos e removidas as barreiras não tarifárias. Além disso, foi projectada uma linha ferroviária de bitola padrão, em construção a partir de Mombaça no Quénia e situada no Oceano Índico, passando pelas capitais do Ruanda e do Sudão do Sul, através da capital do Uganda, cujo primeiro trecho foi financiado por parceiros chineses, e cuja obra na sua totalidade, prevê-se estar concluída, em Dezembro de 2017. Todavia, para se prosseguir com o projecto tiveram que combater más práticas profundamente enraizadas. Infelizmente, em toda a África, as fronteiras nacionais tem sido muitas vezes obstáculo, antes que os mecanismos para a cooperação intercontinentais, em matéria de comércio, segurança para a cooperação no comércio, emprego e ambiente funcionem. É muito comum que as economias africanas, considerem mais fácil, negociar e coordenar políticas com países de outros continentes que os seus vizinhos. Assim, estão determinados a mudar a situação existente, servindo de exemplo, a iniciativa do Corredor Norte, em cujo contexto cada um dos três países é responsável pela realização de vários projectos-base. O Uganda, por exemplo, está empenhado em encontrar investidores para uma nova refinaria de petróleo, e lidera o desenvolvimento de infra-estruturas regionais em tecnologias da informação e comunicação, pelo qual eliminará a cobrança de itinerância para os serviços de telefone móvel, entre os três países. O Quénia, comprometeu-se a desenvolver um mercado regional de bens, obter melhorias nos recursos humanos por meio de serviços de consultadoria e educação, bem como, construir oleodutos para o transporte de petróleo bruto e refinado. Além disso, está a explorar formas de ampliar a criação e transporte regional de energia. O Ruanda é responsável pela harmonização das leis de emigração e promover a liberdade de circulação, quer dos seus cidadãos e turistas, bem como a coordenação da segurança regional, através da Força de Reserva da África Oriental, gestão do espaço aéreo e promoção da oferta turística conjunta. O sucesso destas iniciativas será observado em alterações reais, que beneficiam os cidadãos da região, e deve elaborar planos de implementação para o obter. A solução para o progresso, é o de não erigir monumentos a figuras políticas ou realizar cimeiras, mas reduzir o custo das transacções comerciais e aumentar os rendimentos dos cidadãos. A burocracia, por vezes, torna os processos administrativos demasiado lentos, porque está institucionalmente programada para subverter a mudança. Os projectos de integração do Corredor Norte são projectados para criar e sustentar, a vontade política necessária para a realização das diversas iniciativas. Os Estados Unidos sempre foram um parceiro importante para os países da região, mas o caminho para a solução dos seus problemas, não se resolve com doações dos contribuintes americanos, e só os países com o seu sector empresarial, poderão realizar tal tarefa. Os países da região, esperam estabelecer um relacionamento mais profundo e normal com os Estados Unidos, concentrando-se no que se pode realizar conjuntamente, ao invés de saber o que a América pode oferecer para os beneficiar. A África sempre teve tudo o que necessita para permanecer de pé, ainda que, muitos sejam os tombos e acidentes de percurso. O sucesso das iniciativas da África Oriental, é possível nas demais regiões africanas, se os países se unirem e terminarem com as guerras fratricidas, que desde logo, é o primeiro e maior sonho africano, seguido da eliminação da pobreza, exploração dos seus recursos naturais que alimentam o desenvolvimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O “El Sueño de Africa”, é também o título de um dos livros, de uma trilogia dedicada à África Oriental, escrito pelo espanhol Javier Reverte, que narra a sua viagem, durante vários meses, ao Uganda, Tanzânia e Quénia. A viagem inicia-se na capital do Uganda, cujo tema é a cidade e a importância do Lago Vitoria, como o centro da vida da África Oriental. A partir de Kampala visita as nascentes do rio Nilo, que além da sua espectacularidade, têm uma grande importância na história da exploração africana, dado que a sua pesquisa, foi a motivação das primeiras expedições europeias realizadas às zonas dos Grandes Lagos. Javier Reverte conta as grandes histórias do passado e as pequenas do presente, os mitos da exploração, os dias da era colonial e a independência desses três países africanos. As páginas do seu livro revivem os antigos reis africanos, os primeiros exploradores, os caçadores e os grandes escritores que escreveram sobre África. Traça a pintura voraz e colorida da África de hoje, a que ri e a que chora, a amarga e alegre, e transmite-nos a emoção de um sonho demasiado humano. A grande questão de realização do sonho africano é o de saber como vai a África encontrar a solução, quando se encontra grávida de uma miríade de problemas que vão da pobreza à autocracia. O novo paradigma para o pensamento económico africano irá influenciar a direcção do crescimento e desenvolvimento do continente? O consenso geral, é que para escapar à pobreza, os povos africanos devem assumir o controlo dos seus recursos e reformar as suas prioridades de desenvolvimento e estratégias. Os africanos têm um elo comum e partilham objectivos conjuntos, visando em última análise, unificar o seu continente como um povo digno, como todos os pan-africanistas, desde Henry Sylvester Williams, Nkwame Nkrumah, Julius Nyerere, Nelson Mandela e Thabo Mbeki desejavam. O sonho de África, gira do afro-pessimismo ao afro-optimismo, postulando que o continente se irá industrializar e desenvolver, usando os seus recursos naturais, habilidades dos seus povos e tomando o controlo total do seu destino, subestimando todas as diferenças culturais que existam e apelando para a solidariedade e resistência à exploração, sem olvidar os legados históricos, culturais, económicos e filosóficos de africanos do passado e presente. O sonho é comum de uma África rica em recursos naturais, apesar da sua história, não ser tão admirável, e alguns desafios sérios, actualmente prevalecentes, alguns países têm demonstrado que a aplicação prática de uma boa reforma política, tem impulsionado claramente as suas economias no caminho da prosperidade, podendo dessa forma, transformar o continente, outrora desprezado. O poder de governar é um direito fundamental de cada Estado, e que nenhum outro tem o direito de interferir nos seus assuntos internos. É de recordar que a África tem sido marginalizada, na medida em que o Norte global, não percebe que um continente mais industrializado pode servir como uma nova válvula de segurança para a economia global em ebulição. Os africanos não são pobres, porque não acreditam na sua capacidade de saírem da pobreza., mas porque não podem obter benefícios de instituições criadas pelo Norte. Os africanos são classificados como pobres, porque não possuem ou controlam a ciência, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, que permitam a sua transformação económica, que beneficiará o seu povo. É importante que África defenda a emancipação económica, acentuando o facto de que as nações ricas devem mudar a sua atitude, cessando a exploração do continente, que simplesmente consideram como uma fonte de matérias-primas para o seu desenvolvimento industrial. Os países ocidentais, e outros, em fase adiantada de desenvolvimento usam a estratégia de dividir, para reinar, criando um continente fraco e fragmentado. A segurança alimentar é a base da transformação e da realização desse sonho continental colorido. O sonho africano não é sobre a esperança ou qualificação para cumprir os critérios e as orientações dos fundos de doadores, mas de definir políticas de crescimento e estar na liderança, aberto e determinado a ir mais longe do que jamais imaginou. A África de um novo começo pode ter chegado, e está a desenvolver-se. É o sonho alcançável? O sonho africano é sobre cada país, possuir boas escolas, hospitais, infra-estruturas públicas, habitações e bons padrões de vida. O sonho é também, sobre a boa governação, democracia participativa, direitos humanos garantidos e Estado de direito. O problema no concernente não é típico de África, pois tem sido difícil de alcançar esse sonho a comum, em qualquer lugar do mundo, devido aos esforços de alguns líderes para ter e controlar o poder, sem ter em conta, o bem-estar daqueles que lideram. É de relembrar que muitos líderes africanos deram um bom pontapé inicial de governança democrática, e depois regressaram e envergaram as vestes de ditadores, criando o desenvolvimento de um “continuum” político, que permitiu presidentes terem poder absoluto, e sem precedentes em todos os aspectos da vida política, económica, social e cultural, resultando no aperfeiçoamento do culto ao herói, e criando uma forma de arte em alguns países africanos. É preciso não esquecer que a democracia, boa governação e desenvolvimento andam de mãos dadas, e que os relacionamentos humanos adequados dentro de uma sociedade são tão importantes para o sucesso de uma democracia. A este respeito, o mau julgamento político por parte da liderança pode mergulhar o país em uma profunda crise, em que as pessoas passam a não ter confiança no governo, liderança ou sistema político. Tal como Alexis Kagame ou Alassane, Ndaw realçaram, o abismo intransponível entre a maltratada cultura popular cosmocêntrica e holística e a cultura oficial antropocêntrica e igualitária, está longe de ser resolvida. Essa distância é o fundamento de todas as violências, excessos, rupturas, e do peso da moderna “Aldeia Global” que não parece estar em condições de erradicar a vitalidade tradicional que ainda persiste. Assim, a África é a última trincheira ensanguentada, aberta contra a modernidade, tanto nos actos, como nos pensamentos. Que Deus proteja a África, Nkosi Sikelel’ iAfrika, como expressa o hino nacional sul-africano. A África sobreviverá, como sempre o fez, mas não escapará ilesa, nas palavras de Aimé Césaire.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesMemórias de um povo [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]esde os incidentes da Praça Tiananmen, ocorridos a de 4 Junho de 1989, a data é sempre assinalada em Macau com a celebração de diversas homenagens. O Governo chinês tem um ponto de vista sobre este episódio, mas o povo tem rejeitado essa opinião. Para sarar as feridas e seguir em frente, em união, serão necessários alguns esforços e muito bom-senso. O enquadramento de qualquer incidente em termos históricos é moldado social, política e culturalmente, e não só. Quando estes casos acontecem nenhuma das partes envolvidas pode escapar às responsabilidades. A compreensão da História da China moderna ajudará a determinar as causas das tragédias e a encontrar maneiras de evoluir. Este espírito de compreensão e de vontade de evolução deve estar presente nas homenagens prestadas em memória das vítimas. Mas debrucemo-nos sobre os principais acontecimentos que marcaram as últimas décadas e que fazem parte da nossa memória colectiva. A China venceu a Segunda Guerra Sino-Japonesa em 1945, no entanto o povo chinês não viria a desfrutar de paz por muito tempo. Seguiu-se um período de quatro anos de guerra civil, entre o Partido Comunista e o Partido Nacionalista. Os Comunistas venceram e tomaram a China e os Nacionalistas retiraram-se para Taiwan. Hoje em dia já não se ouvem nas ruas de Taiwan gritos pela independência nem ataques à China continental e, não nos esqueçamos, a crise de 1958 terminou sem terem sido necessários acordos de cessar fogo ou conversações de paz. Mas Taiwan continua fiel ao lema “não à unificação, não à independência e não ao uso da força”. A China continua à procura de formas de resolver a questão de Taiwan, mas o que é importante reter é que tudo o que se passou na China, em Taiwan, em Hong Kong e em Macau serve para lembrar que, enquanto as pessoas permanecerem “adormecidas”, as tragédias podem voltar a acontecer. O 28 de Fevereiro de 1947 em Taiwan, o Movimento Anti-direitista na China em 1957, A Revolução Cultural na China em 1966, o Motim 1-2-3 em Macau em 1966, as revoltas esquerdistas de Hong Kong em 1967 e o incidente de 4 de Junho de 1989, foram acontecimentos separados no tempo, mas politicamente relacionados. Embora o Dr. Sun Yat-sen tenha afirmado que a política diz respeito a todos, constatamos que quem abraça esta carreira acaba por defender interesses de grupo ou, simplesmente, interesses individuais e esquece muitas vezes o bem comum. Se todos tivessem deposto as armas e virado costas aos conflitos, a China não se teria envolvido numa guerra civil e as dissidências que opuseram o Governo chinês ao povo não teriam terminado em derramamento de sangue. A História não pode ser dissimulada e servir como instrumento de ajuste de contas. A expressão “não podemos esquecer o passado, pois serve de lição para o futuro” sublinha a necessidade de olharmos para o que se fez de errado, aprendermos a perdoar e procurarmos o entendimento e a reconciliação. Procurar a vingança pelos incidentes de 4 de Junho pode ser um acto político, mas não vai adiantar de nada às vítimas que nesse dia perderam a vida. Em 2016 celebra-se o 50º aniversário da Revolução Cultural e do Motim1-2-3 de Macau. Em vez de procurar retaliações, a China e Macau deverão analisar as causas destes acontecimentos e tentar evitar futuros conflitos e rupturas sociais. “Não devemos deixar que o ódio habite as nossas mentes, é necessário substitui-lo por amor”, terá dito Jesus Cristo quando foi crucificado, e é também o significado do perdão na doutrina de Confúcio. Este é o caminho que a Humanidade deve seguir, com estas palavras sempre presentes no coração.
Fernando Eloy VozesNós, as máquinas [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]á abordei várias vezes o advento da inteligência artificial (IA) nesta página, mas as notícias sucedem-se e, com elas, o intricado que é perceber o nosso futuro como espécie, se é que o temos. O meu último palpite é que vamos acabar transformados em máquinas. Humanóides, se quiser, mas não humanos. Esses podem ter os dias contados. Mas, antes disso, deixem-me partilhar as últimas que chegaram ao meu conhecimento. A primeira surgiu na Quartz onde se anuncia o primeiro guião de cinema escrito por um sistema IA (bit.ly/AIdoesSwrite). Oscar Sharp, o realizador, e Ross Goodwin, o geek, resolveram experimentar o que aconteceria. Assim, para acederem a um concurso para fazer filmes em 48 horas, deram a um sistema neural (neural network) uma série de ideias para um guião. Não saiu um trabalho de génio, mas tudo, desde instruções de movimentações no set a diálogos e até mesmo a letra de uma canção, foi escrito pelo sistema. Uma história futurista que, escreve o IA, “será uma época de desemprego massivo” onde “os jovens são obrigados a vender o próprio sangue”. Ou seja, até as máquinas já sabem o que vai acontecer. A este propósito, lembro que a proposta de lei Suíça, que mencionei um destes dias para a atribuição de um ordenado a todos, acabou chumbada na passada semana por receios que as pessoas se entreguem ao ócio. Todavia, os 20% que votaram a favor dão esperanças aos proponentes que a conversa não tenha ainda terminado. Agora, o ócio assusta mas em breve será o ócio a ditar a medida, ou a profecia da máquina de venda de sangue pode mesmo ser consubstanciada. Chegou-me também a notícia publicada na Vox da reconstrução do filme Blade Runner a partir de data não codificada, ou seja bits e bytes do filme de Ridley Scott (bit.ly/AIdoesBrunner). O projecto foi gerido por Terence Broad, um londrino que se dedica à pesquisa sobre computação criativa. O objectivo de Broad foi o de aplicar “deep learning” — a característica fundamental destes sistemas de IA — ao vídeo; queria ele descobrir que tipo de criação um sistema rudimentar de IA conseguiria gerar se fosse ensinado a perceber data de vídeo e, na sequência, a ver um filme. O resultado foi de tal ordem que a Warner Brothers, detentora dos direitos do filme, pediu que o vídeo fosse apagado da plataforma Vimeo onde estava (está) em exibição. Mais tarde viriam a reconhecer o erro pois aquele não era o filme deles mas sim uma reconstrução. Ou seja, é cada vez mais claro que até mesmo as áreas criativas, que nós pensávamos ser o último reduto do homem, vão estar ameaçadas pelas máquinas. Qual será o nosso caminho, então? Neste momento, porque a realidade é dinâmica, acho que o nosso futuro vai ser transformamo-nos em máquinas. Senão vejamos, com o avanço dos sistemas neurais (IA) de um lado e o próprio avanço tecnológico que temos vindo a desenvolver do outro, não será difícil de imaginar que, num futuro não muito distante, vamos começar a substituir peças. Orgânicas e/ou feitas de outra coisa qualquer. Provavelmente, as feitas de outra coisa qualquer, resistentes a vírus, bactérias e afins, serão as mais populares. Faz sentido optar por um coração orgânico em detrimento de um, digamos, da Rolex? Ter um braço da Nike, umas ancas da Peugeot ou uns olhos da Leica não me parece tão ficção científica quanto isso. Teoricamente, a substituição de peças vai-nos permitir viver mais tempo. Apesar disso, já hoje existem teorias várias que, mesmo nas condições actuais, o ser humano poderia durar muito mais. Alimentação, ar puro, etc. todos concorrem, mas com homens e máquinas trabalhando em simultâneo, não me parece que essa realidade seja nem utópica nem distante, tal como as expectáveis transformações radicais ao nível das soluções energéticas e das formas de locomoção. Aumentando a esperança de vida, com uma tecnologia avançada disponível e tempo de sobra nas mãos que nos resta? Viajar pelo espaço. Sair daqui para fora. Acho que será esse o futuro. Fica ainda uma questão para resolver, contudo, a essência. Quando começarmos a subsistir peças vamos continuar a ser nós? Se sim, o que faz de nós, nós? A alma, dirão os crentes. O fantasma dizia Masamune Shirow em “Ghost in the Shell” ou, dirão os mais pragmáticos, a informação armazenada no cérebro. Em relação a esta última possibilidade, talvez não seja preciso esperar muito para verificar a sua veracidade. Isto é, se o neurocirurgião italiano Sergio Canavero for bem sucedido no transplante de cabeça que promete já para o ano que vem (bit.ly/Canavero), podemos vir a ter uma ideia sobre o assunto. Segundo ele, o problema era juntar a espinal medula, mas garante estar ultrapassado. Descobriu o segredo, diz, e até lhe deu um nome, Gemini (spinal cord fusion). Entre peças sintéticas, ou transplantes espectaculares, e sistemas IA cada vez mais evoluídos parece-me cada vez mais claro que a vida na Terra está prestes a mudar de uma forma absolutamente espectacular. Provavelmente, os humanos, esses seres frágeis e problemáticos, serão uma recordação tão longínqua como hoje a dos dinossauros. Música da Semana “Sweet Head” (David Bowie, 1972) “See my eyes of blocked emotion, see my tremble, see my fall Traumatics thick and fast, your faith in me can last Besides I’m known to lay you, one and all”
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAcidentes com sexo [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] sexo é muito, mas mesmo muito, bom. É o melhor para relaxar o corpo e a mente, é o melhor para a nossa auto-estima, é o melhor para espalhar o nosso amor. Mas o sexo tem perigos, uns mais comuns que outros. Não há nada como nos precavermos daquelas coisas que já conhecemos e termos alguma consciência dos inesperados que poderão surgir. Inesperado será sempre inesperado, potencialmente doloroso, mas muito provavelmente engraçado. Faz-me lembrar aquele episódio da série Seinfeld quando um proctologista faz contínuas anedotas sobre a panóplia de objectos que o pessoal mete nos seus rabinhos e que ficam lá presos. No calor do momento ninguém pensa muito detalhadamente nos riscos que um momento íntimo de prazer poderá trazer. O que nos prepara para a vergonha quando somos obrigados a partilhá-lo com médicos, enfermeiros ou ambulâncias? Nada. De qualquer forma, a probabilidade de ter um acidente sério é muito pequena, mas em casos raros pode ser fatal. 1.Brinquedos sexuais são caros, por isso as pessoas tentam improvisar como podem. O improviso, porém, pode não ser simpático com o nosso corpinho, massacrando-o de formas inimagináveis. É preciso ter cuidado com aquilo que se mete na vagina ou no rabinho, podem ser pequenos demais ao ponto de se ‘perderem’ ou grandes demais para magoarem à séria. É que depois só num hospital há material especializado para explorar as caves interiores e retirar os objectos estranhos. Não os deixem lá dentro durante muito tempo. Evitem lâmpadas LED ou termómetros de aquário (tudo o que se possa estilhaçar é expressamente proibido, por mais fálicos que sejam) e evitem superfícies rugosas que possam arranhar ou ferir (houve alguém que se lembrou de enfiar uma flor pela uretra e arrependeu-se). Em relação à vagina em particular, esta tem um ambiente delicado com um pH específico indispensável à sua saúde. Se se meterem objectos estranhos que segreguem algum líquido, ou deixem ‘restos’, estou a pensar por exemplo, numa banana, a vagina pode ficar infeliz com a sujidade. 2.Não há nada como espontaneidade sexual em todos os recantos do quarto, da casa, da cidade e do planeta. Mas cuidado onde o fazem. Há quem tenha feito contra uma janela e caído, ou numa mata e caído num poço, ou a conduzir e ter tido um acidente (imaginem um broche enquanto conduzem e baterem contra alguém… acho que não preciso ser muito gráfica), ou no chuveiro e escorregarem e verem-se num cenário ensanguentado. Quer-se espontaneidade com segurança. 3.Às vezes o sexo dá para umas pancadinhas de amor, umas palmadinhas aqui e ali, nada de muito exagerado para quem não é um adepto de BDSM. Mas tanto movimento traz algumas pancadas acidentais. Contra a parede, quedas da cama, cabeçadas, palmadas com mais força do que esperado, posições que dobram o pénis em dolorosas acrobacias (o pénis não precisa de ter ossos para se partir quando erecto…), joelhadas inesperadas (ou cotoveladas) e arranhadelas. Uma dentada de amor, por exemplo, pode ser perigosa também. Na Nova Zelândia uma senhora começou a ter sintomas de um AVC sem causa aparente, quando os médicos repararam no valente chupão que tinha no pescoço, que fez bloquear uma importante artéria. Dramático. 4.Penis captivus é uma condição rara onde a vagina se comprime ao ponto do pénis não ser capaz de sair. É necessária atenção médica para relaxar os músculos da vagina e desfazer o coito. Aconteceu a um casal italiano que estava a praticar o sexo no mar mediterrâneo. Nem quero imaginar como conseguiram pedir ajuda, ou chegar ao hospital. Suponho que, assim que saíram daquela, deram uma pausa na sua vida sexual, bem necessária. Não quero de modo algum assustar ninguém com estas histórias levadas da breca, são coisas que acontecem que, bem tratadas, não deixam mais do que uma história engraçada para contar. Há perigos mais reais do que uma cabeçada contra a cabeceira da cama. Há infecções e doenças sexualmente transmissíveis que são bem comuns e muito mais fáceis de prevenir. Preservativo SEMPRE. Os outros acidentes, esperam-se pouco disruptivos. Aproveitem que está cada vez mais calor, vão lá divertir-se, em segurança.
Hoje Macau VozesCEM da Areia Preta: Reabilitar e Regenerar, os outros R´s da sustentabilidade João Palla [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]artindo de uma nota de imprensa dando conta que o governo pretende demolir as instalações da CEM na Areia Preta para construção de habitação e espaços de cultura, cabe-nos uma outra pequena nota de imprensa. Em 1906 instalou-se a Melco, Macao Electric Lighting Company Ltd., na Estrada da Bela Vista, encostada às colinas da Montanha Russa e D. Maria II, uma zona íngreme dando para o rio. Circundada pelas actuais Rua dos Pescadores e Avenida Venceslau de Morais foi aqui que, durante muitos anos, se gerou a electricidade necessária para abastecer a cidade. A CEM, que veio substituir a Melco em 1972, reestruturou-se profundamente. Deslocou a principal central eléctrica para Coloane e construiu várias infra-estruturas necessárias para a modernização do abastecimento que, nos anos 80, ainda representava a electricidade mais dispendiosa do mundo. A CEM foi, por isso, e naturalmente a par do governo, um dos importantes promotores de encomenda de arquitectura ao longo das últimas décadas; de edifícios para centrais eléctricas, escritórios, subestações ou postos de transformação. Arquitectos de Macau desenvolveram interessantes exercícios plásticos que constituem hoje indiscutíveis valores da produção arquitectónica contemporânea. A CEM irá devolver o terreno da Central Térmica de Macau ao Governo onde este pretende construir habitação pública com cerca de mil fracções habitacionais. Em Macau, um dos últimos exemplos daquilo a que poderíamos chamar património industrial situa-se exactamente neste local, sendo os outros as fábricas de panchões. É preciso encontrar soluções que não sejam a da elementar demolição; olhá-las como oportunidade e desafio e não como mais um lote para construir blocos de apartamentos. A reabilitação é uma medida não só possível como a apropriada para este tipo de locais. Não temos uma Central Tejo convertida em Museu de Electricidade e em espaço de exposições mas, mais modestamente, temos uma História da electricidade que valeria a pena saber contar às novas gerações de modo a preservar a memória histórica. Porque mostrar o passado não é vergonha, apagá-lo é que chega a ser criminoso. E enquanto a reabilitação trata da adaptação e da reutilização de edifícios para novos usos, a regeneração urbana é um conceito relativamente recente que se refere a intervenções urbanas que visam dar qualidade = requalificação, e vida =revitalização a zonas ou quarteirões degradados ou obsoletos transformados em equipamentos sociais, de lazer, de criatividade e alguma também habitação devolvendo uma utilização colectiva com espaços verdes A regeneração urbana de espaços industriais constitui motivo de reflexão sobre outras disciplinas tais como o turismo industrial, a museologia, a arqueologia industrial e o próprio urbanismo. Aos decisores incautos de cultura arquitectónica ficam alguns exemplos de reabilitação de espaços industriais, como a fábrica de Pompeia em São Paulo, da autoria da Arquitecta Lina Bo Bardi, e a famosa Docklands em Londres. Quanto à regeneração urbana de espaços industriais, podem-se testemunhar inúmeros movimentos, tais como Industrial Heritage Association, The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH), e intervenções urbanas em Singapura ou várias cidades chinesas onde o melhor exemplo é o “798 Art District” em Pequim. O desafio deste lote obsoleto é uma abordagem que sintetize o equilíbrio urbano entre o desenvolvimento necessário e uma revitalização com algum grau de preservação. Não basta dizer-se que temos uma cidade de património quando não se olha para além do que já foi classificado pela Unesco, em 2005, ou pelo Decreto-Lei n.o 83/92/M, de 31 de Dezembro, há quase vinte cinco anos. A ideia de património arquitectónico deve ser vista nas acções presentes como sedimentos de acumulação de valor. Em Macau temos exemplos de diferentes estilos e correntes arquitectónicas que só existem porque houve a consciência da necessidade de as preservar. Também porque não houve a ira demolidora dos dias de hoje. E, se por magia, certos pós de bom senso mostrassem vontade de descender à Terra, indicar-lhes-íamos a escadaria que toca no céu e que traz ao interior quente do edifício da CEM – da autoria do Arquitecto Adalberto Tenreiro, construído em 1993. Este pequeno edifício de escritórios com dois pisos representa um dos melhores exemplos da arquitectura desconstrutivista em Macau. Um desenho complexo de desmontagem das peças arquitectónicas onde a estrutura dança sobre volumes desfasados. Um exercício arquitectónico irrepreensível e de valor indubitável. Nesse sentido, havendo um novo bairro de equipamentos para este local, defendemos a reutilização deste edifício cuja área reduzida em relação à área do lote, a planta livre e o seu bom estado de conservação propiciam a facilidade técnica de uma adaptação a novas funções. Entendemos que um concurso de ideias aberto será a forma mais límpida, colocando em pé de igualdade ateliers já reconhecidos com a crescente classe de arquitectos jovens de Macau. Elabore-se um programa que contemple as vertentes atrás descritas e lance-se o desafio aos que pouco ou nada têm conseguido acrescentar recentemente à cidade por força dos responsáveis governamentais e igualmente da insistente moda em importar projectos que são desenhados no exterior, unicamente assinados por arquitectos locais.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho europeu “The American Dream focuses on wealth, the European Dream on quality of life. The American Dream focuses heavily on property rights and civil rights, because they extend our individuality. In Europe, you focus very little attention on property rights and civil rights. You spend a lot of time on social rights, health care, retirement benefits, maternity leave, paid vacations, and what you call universal human rights.” The European Dream: How Europe’s Vision of the Future Is Quietly Eclipsing the American Dream Jeremy Rifkin [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s americanos vivem e morrem de acordo com a ética de trabalho, e os ditames da eficiência. Os europeus dão mais valor ao tempo livre, incluindo a ociosidade. A América sempre se viu como um grande caldeirão de culturas. Os europeus, no entanto, preferem preservar a sua rica diversidade cultural. Os americanos acreditam numa presença militar contínua, em todo o mundo. Os europeus, pelo contrário, enfatizam a cooperação e consenso, contra as abordagens de política externa unilaterais. A crise europeia, no fundo, não é uma crise económica. A crise europeia é uma crise mental, talvez ainda mais, uma crise sobre como imaginar ter boa vida, para além do consumismo. Os críticos que levantam a voz contra a Europa, no seu anti-europeísmo, são prisioneiros de uma nostalgia nacional enferrujada, e nesse sentido argumenta, por exemplo, o filósofo francês Alain Finkielkraut, que a Europa acredita que se pode formar sem as nações, inclusive contra elas. Quer punir as nações pelos horrores do século XX. Mas não existe democracia pós-nacional. A democracia é monolingue e para funcionar requer uma linguagem, referências vitais e um projecto comum. Não nascemos como cidadãos do mundo. As comunidades humanas têm limites, mas a Europa não toma em conta essa situação, e daí que a opinião pública europeia não se entusiasme com a União Europeia (UE). Esta crítica à Europa é suportada na mentira existencial nacional, de que na sociedade e na política europeias, poderia existir um retorno idílico ao Estado-nação. Assume-se que o horizonte nacional, é a estrutura para diagnosticar o presente e o futuro da Europa. Quem faz tais críticas, deve abrir os olhos e observar que não apenas a Europa, mas todo o mundo, estão em uma transição, em que as fronteiras que funcionam, deixaram de ser reais. Todas as nações enfrentam uma nova pluralidade cultural, não só através da emigração, mas também, por meios da comunicação por Internet, alterações climáticas, crise do euro e ameaças digitais à liberdade. As pessoas das mais diversas origens, com diferentes línguas, valores e religiões, vivem e trabalham próximas, e os seus filhos frequentam as mesmas escolas, e tentam lutar por uma posição no mesmo sistema político e jurídico. As nações avançam em plena aceleração, em direcção ao cosmopolitismo, e dois exemplos paradoxais são de realçar, como o da imprensa britânica que está repleta de queixas sobre a UE, ou seja, o eurocéptico Reino Unido, está inundado por uma vaga sem precedentes de opiniões sobre a Europa, e por outro lado, a China, desde há muito, tem sido um membro informal da zona euro, pela sua política de investimentos e as suas dependências económicas. Se o euro fracassar, a China será afectada até ao tutano. Tais casos, evidenciam, quando a globalização dissolve as fronteiras, as pessoas tentam restabelecê-las. A necessidade de fronteiras, tem tendência a ser mais forte, quanto mais cosmopolita se torna o mundo, sendo evidente no triunfo da Frente Nacional nas eleições municipais francesas, e que serve também para entender a máxima do presidente russo, de que a Rússia deve estar, onde vivam os russos. O agressivo nacionalismo intervencionista do presidente russo, mostra que não é possível projectar o passado das nações sobre o futuro da Europa, sem o destruir. Não servirá, quiçá, o etnonacionalismo do presidente russo como uma saudável terapia de choque, a uma Europa assolada pelo egoísmo nacional? Quem jogue a cartada do nacionalismo extremado, volta a conjurar pelo desmembramento da Europa, e que serve quer ao presidente russo, como também, de outro modo ao Reino Unido e à direita e esquerda anti-europeia. A todas estas situações, Alain Finkielkraut, responde que os europeus estão traumatizados por Hitler, pois desprezava o conceito de nação, e queria substitui-la pela de raça. Actualmente, são as nações que têm de purgar os excessos racistas. Muitos interrogam, se não será esse trauma devido ao “Holocausto”, que faz que os alemães queiram açambarcar todo o nacionalismo. Certamente não será, pois mais que nunca, o mundo precisa de uma abordagem europeia, para terminar com os males da globalização, como as alterações climáticas, pobreza, desigualdade extrema, guerra e violência. A guerra contra os riscos globais, é uma tarefa hercúlea, e poderia até criar uma nova ideia de justiça, com alcance global. Se a Europa quer verdadeiramente superar a sua crise de convivência, deve seguir outros dos conselhos de Alain Finkielkraut, o de encontrar a sua identidade nas grandes obras europeias, monumentos e paisagens da cultura. Nada há a opor à releitura das obras de Shakespeare, Descartes, Dante e Goethe, ou deixar-se encantar pela música de Mozart e Verdi. O conceito de literatura mundial de Goethe é politicamente interessante, e referia-se a um processo de abertura ao mundo, em que a alteridade do exterior se converte em parte integrante da nossa consciência. É nesse sentido, que Thomas Mann fala do alemão mundial, a que devia ser adicionado o italiano, o espanhol, o francês mundial, e assim por diante, ou seja, uma Europa de nações cosmopolitas. A partir das costas de África onde nasci, vê-se melhor o rosto da Europa e sabemos que não é bonito, escreveu Albert Camus, Prémio Nobel da Literatura de 1957. A beleza era para Albert Camus, discípulo de Friedrich Nietzsche, um critério de verdade e boa vida, e o segredo da Europa constatava friamente, é de que tinha deixado de amar a vida, pois para ser humanos, a partir do desespero, os europeus acabaram por atirar-se aos excessos desumanos, e como negavam a verdadeira grandeza da vida, tiveram que focar-se no único objectivo, que era a sua própria perfeição. Na falta de algo melhor, deificaram-se, e começou a sua miséria. Eram deuses cegos. Poderia perguntar-se qual é o antídoto, a fórmula idónea para uma UE, distinta da que vive no momento, a alegria apenas do presente? Por exemplo, o sonho de um tálamo mediterrânico, em que o Oriente e Ocidente, Norte e Sul se respeitariam e cooperariam. Surge assim, uma Europa das regiões, digna de ser vivida e querida. O nexo aparentemente entre o Estado, identidade e a língua nacional, é dissolvido. A UE, os Estados membros e as regiões ocupar-se-iam gradualmente do bem-estar dos cidadãos. Seriam porta-vozes num mundo globalizado, por um lado, e por outro, transmitiriam uma sensação de abrigo e identidade. A democracia adquire múltiplos níveis, tal como a estamos a começar a praticar. O Mediterrâneo, como saber viver, alegria vital, indiferença, desesperança, beleza e fé, ou seja, uma mistura paradoxal que os europeus do norte, imaginam romanticamente e projectam sobre o sul, como esses jardins meridionais, em que florescem os limoeiros de que falava Goethe, e que não podia ser outra que Sevilha. A miragem da dívida também impôs um rosto cinzento e disforme, a essa existência mediterrânica cheia de alegria de viver e cosmopolita. O pensamento regional e com traços confederais do Mediterrâneo, sobreviveu, às grandes ideologias nacionais e políticas, e é talvez a única utopia social do século XXI, que terá futuro. A cerimónia da entrega do “Prémio Internacional Carlos Magno”, foi a mais atípica até ao momento realizada, não só porque o palco foi Roma, mas também, pelo discurso do vencedor do prémio, o Papa Francisco. A referência a refugiado, não foi proferida uma única vez no seu discurso. Que quis dizer com tal atitude? O de renunciar ao papel que assumiu na crise dos refugiados? O Papa Francisco queria algo mais, pois durante o seu discurso de aceitação do prémio, quis chamar a atenção para o novo humanismo europeu. A questão dos refugiados e a sua percepção na Europa, é muito debatida no Vaticano. O Papa Francisco, trata o tema com acções concretas, como aconteceu na sua visita a Lesbos e, dessa forma, mostra como a Europa e a política europeia não estão a actuar. O Papa Francisco, em abono da verdade, fala como um filho que tem as raízes da sua vida e da sua fé na mãe Europa. Os seus pais fugiram um dia da pobreza do Piemonte, e o filho nunca esqueceu esse dramático episódio familiar, e durante o seu discurso, falou de forma apaixonada e quase como entoando um hino, do que representa para si a Europa, defensora dos direitos humanos, democracia e liberdade, pátria de poetas, filósofos e artistas. A Europa mãe de povos e nações. O que existe de errado na Europa? O Papa Francisco estruturou o seu discurso com palavras de integração, diálogo e criatividade. Assim, tornou-se na realidade político, uma vez que coloca a Europa, como exemplo, para recordar o que tiveram de passar milhões de jovens, sobretudo dos países europeus do sul, que não têm formação, emprego e futuro, revelando toda a indignidade da situação de uma Europa que se pretende eminentemente social. O Papa no seu discurso, apenas citou o jesuíta polaco Erich Przywara, e sua obra “A ideia da Europa”, cuja leitura recomendou várias vezes. A ideia europeia de um jesuíta nascido na Polónia, realça a notável contribuição do Presidente do Conselho Europeu e ex-primeiro-ministro da Polónia. O problema é que a Europa apoiou os Estados Unidos na criação e incitamento de conflitos, onde quer que seja, na Síria, Ucrânia e Líbia, e essas pessoas, que são seres humanos, e não se deve esquecer essas acções, fogem de guerras, insegurança, fome e tentam salvar os seus filhos. É a consequência de não ter ajudado, honestamente, muitos países da África subsarianos, a saírem da terrível situação que criaram. É uma grande tragédia humana a vaga de emigração que varre o continente europeu, e que a Europa tem uma grande quota de responsabilidade. O que é absurdo é que podem passar vários anos no limbo, e permanecerem na Europa. É obrigação moral aceitar os emigrantes ou rapidamente, apenas em situações extremas, rejeitá-los e fazê-los regressar aos seus países de origem, sem mais delongas e histórias. A Europa muito irá chorar pelo seu desleixo em matéria de imigração. Quem não é elegível para ser considerado refugiado, deve ser expulso do território da UE. O Canadá gasta fortunas para expulsar quem não reúne condições para permanecer no seu território, e pode ser o exemplo a seguir, pelo menos, sobre a imigração. A situação é fácil de resumir, pois se lhes concedem asilo, podem permanecer na Europa. Se não obtiverem asilo, podem permanecer na Europa, ou seja, em ambas as situações, recebem benefícios. Aparentemente, a diferença está, em que sendo considerado refugiado, terá maiores benefícios. O sonho europeu, faz que qualquer pessoa que ponha o pé na Europa, despoleta burocracia e a aliança de instituições profissionais de boa vontade, como a ONU, UE e jornalistas especializados, que se encarregam de tornar impossível a sua devolução aos países de origem, e é essa e não outra, a razão de que cheguem cada vez mais emigrantes à Europa, o que curiosamente não ocorre, em nenhum dos riquíssimos países muçulmanos do Golfo. E entretanto, o estado de bem-estar é desfeito, a Europa fica islamizada, e o terrorismo jiadista está cada vez mais presente.
Anabela Canas VozesO tempo do meio [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]arou. Sem dar por isso. Como aquele momento na noite em que, exausta esta, esgotada do tempo que lhe compete, de repente pára. E dá-se aquele silêncio abrupto que cria uma leve suspensão, uma respiração retida por um segundo mais longo, uma espectativa sempre igual, e logo a seguir a cidade retumbante de frescura a acordar em sons que tiveram ali um breve intervalo. Os de ontem, os de amanhã. Tão mesmos e tão outros se esmiuçados. Extinguem-se os ruídos de hoje e, no espaço de uma respiração surgem os de amanhã. Ou os de ontem, nesse momento, dão lugar aos de hoje. O sono, pelo meio, a organizar os tempos. Parou o tempo. Entendi depois. Parou por aqui, finalmente no olhar mais aproximado de um fenómeno que já vinha longo. Longo demais. Como uma noite que se prolonga mais do que o esperado. Parou. Podia chamar-lhe um meio tempo. O meio do tempo. Ou a meia idade. Expressão estranha de gerações anteriores. Nunca gostei de meios termos, de meias idades ou de meias palavras. Quero ser jovem enquanto isso for real e depois envelhecer confortavelmente e sem drama. Depois. Mas é cedo. Entendi que é cedo e entendi em que estação estou afinal. Neste encontro de todas as perdas. Sempre tive idades estranhas. Onde habita a idade em nós é uma coisa misteriosa. Uns dias no espelho, outros na alma, outros ainda, no falível olhar dos outros. Sempre por excesso ou por defeito. E há sempre defeitos nas idades. O maior de todos nessa estranha e inexistente meia idade. Que se sente e julga a envelhecer mais do que em qualquer outra como se antes o tempo houvesse parado. A continuidade desse fio que nunca deixou de se desenrolar e um dia criou nós. Talvez só mesmo no cartão de identidade. A habitar ali. Em mim o coração anda sempre muito perto do cérebro, ou a mente a tender para o coração. Este eterno encontro que talvez se dê a meio caminho, embrulhado neste nó da garganta sempre em formação. Ou na melhor das hipóteses a saltar infantilmente à corda. Nas cordas vocais, talvez. Coisa pouco poética de dizer, talvez. A meio caminho entre o crânio e a caixa torácica. Thorakikós. Naquele ponto onde se forma o nó. O nó na garganta a explodir facilmente em miríades de palavras. Onde habita a idade, volto a perguntar-me. Nas mudanças do corpo, na descoloração da alma, dos cabelos e dos sentimentos, na crispação da pele em rugas que marcam expressões que nunca houve. Não sei. Dos registos lineares e cromáticos, sim. Nas pintinhas das costas e nas ruguinhas da barriga. Sim. Mas, na maior parte dos dias, na vida. É aí que a idade é a envelhecer. Mas não nos sentimentos. Seja lá onde fôr que os situo. E as pessoas, as mágoas os desapontamentos tudo a envelhecer sem retorno. Os sonhos, as desilusões das ilusões. A criança das crianças. De tudo rescende um sentimento de perda. No tempo de todas as perdas. Já basta o corpo, os objectos. Nele e nisso um limbo de saída tenebrosa. Um tempo do meio em que o seguinte em nada parece poder reavivar. E foi aí que um dia o tempo parou. De exaustão e irresolução. Parou de desânimo. Deixar envelhecer na inércia de tudo, tudo. Ou esquecer. Ou o caminho do meio. Talvez mesmo como no Budismo, a distância entre a auto-indulgência e a morte. Respirar e reiniciar. Com tudo o que merece essa continuidade revista e actualizada. Com todas as quebras entre o hoje e o dia até ao qual a mágoa desidratou sentimentos. Com tudo o que não se pode querer perder, mas sem o lastro do passado naquele ângulo particular. O caminho do meio no tempo do meio. Um encontro para um destes dias. Há coisas a que o tempo de envelhecer não chega. Ver a imagem de uma criança a comer restos de comida do chão. Como um pássaro mas com a alma a pesar nos ombros e um olhar que não se pode descrever. Não é um bicho enternecedor. É parecida. Mas com uma capacidade infinitamente maior de sentir sofrimento e abandono. Estas coisas nunca envelhecem em mim. Não sei palavras para o que isto me faz sentir. Esmoreço. Encolho-me toda por dentro e odeio-me pelos meus pequenos problemas. Excesso de pessoas que perdi porque tive. De pessoas que nunca perdi porque nunca as tive. De pessoas que me desiludiram pelo muito que me deixaram iludir-me. E a vida. Fantasias boas. Memórias em despedida. Um privilégio afectivo. A pensar na Lua e como se desprendeu da Terra no impacto com um objecto desconhecido. E como ficou, como parte e perdida ali em cima, suspensa de uma eterna propensão melancólica com que sempre a olhamos. Perdida mas à distância do olhar como matéria simbólica de todos os sonhos. Presente, perdida, inalcançável. Ali. E a face visível, uma luz como o sorriso das noites. O lado que guardou o calor da Terra original por mais tempo, e a plasticidade de ganhar mares enormes e de nomes bonitos. E a face oculta, tristemente arrefecida, e assim com menos mares, mares pequeninos, isolada e misteriosa até aos anos cinquenta. Como se este ímpeto sonhador guardasse a memória ancestral do planeta de que se soltou uma parte, da qual ficou e ficamos eternamente nostálgicos. Numa saudade cósmica e primordial. A olhá-la com amor. E a aguardar cada eclipse como ao momento raro de uma carícia visível. Sombria. Ou antes sóbria. E nesta estação de paragem, num destes anos, este jovem amante. Não demasiado jovem, mas para além do que imaginasse. Para além de qualquer sentido. Ou no final do sentido. E que nunca procurei, como a nada. A colar-me a um tempo estranhamente em busca de identificação e dificilmente mensurável. O tempo alegre de dois tempos. E ele chega. E descalça os sapatos sempre. Caminha na minha vida sem ruído e sem deixar pegadas. Descalço e naquela nudez única, que não passa além do corpo. E quando parte, deixa pouco mais do que um fio ténue e delicado, quase invisível. Com um pequeno nó. Fácil de desatar e muito fácil de reatar. E depois vai. Desce sempre a rua, num tempo sereno, até à próxima vez. O desenho do peito alongado vezes sem conto. Uma fantasia de espelho. E depois era o dele. A pele lisa e clara. E sei que me encontrei ali. Quando lhe encosto o rosto do lado do coração. Sei que me encontro ali. Não no coração. Mas no peito. Em silêncio. O silêncio em que me interrogo e a cada centímetro de mim, desde o lado em que tudo começa até à pontinha dos pés, a saber se sou eu. E sou, naquele lugar, no tempo medido, delimitado e concreto. O corpo acaba ali, e é nele que sou. Não sei onde começa. Em meio a toda esta nudez finita. Estanque. Fechada sobre si própria no escoar do desejo. Estas coisas não se dizem. Dizem-se as do amor e com toda a beleza das palavras que geram poesia. Quando dizem. Ou palavras turvas e arrepiadas à frustração que tudo corrói. Armas de arremesso. Sobre o outro que é tudo. Do amor, dizer outras coisas, tudo. Todas as coisas como por vezes avalanches, tornados, ciclones, catástrofes. Que será, só, sempre possível aprisionar-me numa gaiola que levo transportada na minha mão. Com medo de perder a chave. Em direcção ao infinito. E, de algum modo feliz. O feliz do acontecer. Sempre. Sendo amor, para sempre. E sem paradigmas. Aqueles raros, coincidentes com um nome de pessoa. Incomum. Ímpar. Ou a face escondida da lua. O mistério da mansidão celeste de mares basálticos. Os negros mares desérticos. Encosto o rosto à mão, agora, enquanto penso. Um insecto voador e enorme entra pela janela num momento qualquer e entretanto fico a segui-lo na sua evolução aleatória, aparentemente, supostamente, seguramente desejoso de voltar a sair. Que sei eu…Negro, de uma família desconhecida, com um zumbido discreto. Parto do princípio de que deseja libertar-se de novo deste espaço da casa, que lhe aconteceu no acaso da sua deambulação misteriosa. E, nas múltiplas aproximações ao acaso da janela, acabou por sair. Talvez como eu. Esquecendo o detalhe particular do que é aleatório. E retomando só o momento de querer e, depois, o de não querer. Não. Não poderia renascer, mas posso reiniciar. Com tudo. Esta fantástica metáfora da informática. Respirar. Reiniciar. Porque não me apetece. Não me apetece idade nenhuma como estação. A estação que me apetece, é esta, a melhor de todas. A estação de ser quase. Quase Verão. Quase, quase Verão.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDesconfiança [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 28 de Maio, o website de Hong Kong “hk.apple.nextmedia.com” divulgou uma notícia, onde se fazia saber que a polícia local induzia pessoas libertadas sob fiança a desistirem do direito de processar o Governo e a Polícia de Hong Kong, por não terem sido reembolsadas do dinheiro pago pelas respectivas fianças. Podemos ler na Wikipedia a seguinte definição de fiança, “……a fiança é um depósito material ou uma garantia dada a um Tribunal a fim de requerer a libertação de um detido, no pressuposto de que o indivíduo voltará a apresentar-se para ser julgado. Em alguns casos o dinheiro da fiança pode ser restituído no final do julgamento, se o réu se apresentar em Tribunal sempre que solicitado, independentemente de ser considerado inocente ou culpado das acusações……” O Sr. Liu é o protagonista desta nossa história. A 25 de Maio o Sr. Liu apresentou-se na esquadra da polícia, de acordo com as condições impostas pela libertação condicional – apresentava-se sempre com regularidade. Nesse dia pediram-lhe que assinasse um documento de três páginas. Tratava-se de uma declaração, onde se podia ler, “Decido processar / não processar a Polícia e o Governo de Hong Kong, por não ter sido reembolsado do dinheiro pago pela minha fiança, no valor de 20.000 HKD, e peço / não peço uma indemnização.” O documento que o Sr. Liu recebeu para assinar já tinha as palavras “processar” e “peço” riscadas com uma cruz. O Sr. Liu sentiu que os seus direitos tinham sido infringidos e, como tal, mostrou o documento aos jornalistas e o caso foi tornado público. No início de Maio, foi roubada da esquadra de Polícia de Wanchai, Hong Kong, uma soma de 1milhão e 70 mil HKD. A polícia local suspeitou de um dos seus agentes. Na medida em que se tratava de um caso de roubo, a investigação foi imediata e a mulher do agente suspeito foi interrogada. Na altura afirmou que o marido não ia a casa já há alguns meses. Por outras palavras, não se conseguiu apurar nada a partir das declarações da mulher. Mas a polícia tinha algumas perguntas que ficaram sem resposta. Por exemplo, o suspeito era um agente. Não existia qualquer registo interno de que ele tivesse dividas. Além disso, se se tivesse reformado, teria recebido um valor de cerca de 1 milhão de HKD, pelo que 1milhão e 70 mil HKD, não lhe adiantava de muito. Mesmo assim alguns meios de comunicação avançaram que ele teria contraído créditos junto de algumas instituições bancárias, mas estas afirmações não ficaram provadas. No entanto, a polícia de Hong Kong tem aparentemente um controlo muito apertado sobre os fundos de fiança à sua guarda. Os valores são colocados num cofre dentro da esquadra. O detentor da chave do cofre deve sujeitar-se previamente a testes de personalidade. O detentor da chave não pode ter dividas. Para além disso, enquanto estiver na posse da chave, este agente não pode sair da esquadra (nas horas de serviço, entenda-se). Se quiser lanchar, só pode ir à cantina, não pode ir ao “café da esquina”. Estas medidas evidenciam o rigor dos procedimentos. Alguns meios de comunicação anunciaram que o suspeito estaria actualmente em Macau, mas mais uma vez, nada ficou provado. O documento assinado pelo Sr. Liu foi alvo de duras críticas. Se o dinheiro das fianças desapareceu dentro da esquadra, é um problema, apenas e só, da polícia de Hong Kong. Mas ao vermos este documento, percebemos que a polícia tentou dividir responsabilidades com a pessoa que pagou a fiança! É um caso de injustiça óbvio. O primeiro problema foi o dinheiro ter desaparecido da esquadra, mas, tentar dividir responsabilidades com o cidadão comum, que não tem qualquer culpa do sucedido, passou a ser o segundo problema. É sem dúvida uma situação em que a polícia não “ficou bem na fotografia”. Os motivos desta actuação são, contudo, bastante evidentes. A hipótese de recuperar o milhão e 70 mil dólares é diminuta. Mesmo que o suspeito venha a ser apanhado, o dinheiro pode já ter sido gasto. Se o dinheiro não for recuperado, a polícia de Hong Kong será responsável pelas indemnizações. Por isso, levar os lesados a desistirem do reembolso da fiança, e a não levantarem um processo, parece ser, de momento, a única saída que resta à polícia de Hong Kong. Na sequência das duras críticas de que foi alvo, a corporação anunciou a dia 28 de Maio, que o caso não se voltará a repetir. Também foram apresentadas desculpas ao Sr. Liu pelos incómodos causados. Ficou ainda claro que os reembolsos das fianças estarão assegurados e que caso não seja possível recuperar a soma roubada, a Polícia de Hong Kong será responsável pela sua reposição. Não há dúvida que foi um acontecimento muito desagradável, a que ninguém gostaria de ter assistido. No entanto, a Polícia de Hong Kong é a fiel depositária do dinheiro das fianças, e, como tal, deve assumir todas as responsabilidades. Embora tenha havido polémica, as desconfianças foram acalmadas com os esclarecimentos posteriormente prestados. Esperamos que o suspeito seja encontrado o mais rapidamente possível e que o dinheiro possa ser recuperado, senão na totalidade pelo menos em parte significativa. Nessa altura o caso ficará encerrado. Esta fuga de verbas duma esquadra não deixou de ser uma excepção. Os procedimentos de guarda de valores à responsabilidade do Governo continuam a ser eficazes. David Chan Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
Leocardo VozesDeixaste-nos, Donald [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]eixaste-nos, Donald. Sem uma palavra, um último encontro no cais, uma troca de olhar cúmplices ou simplesmente um abraço, enfim. Eu entendo-te, como te entendo. Afinal não tens bracinhos, e apesar de não seres “feito de ferro” e por isso desprovido de emoções, és feito de borracha e…desprovido de emoções. Quem te viu ali no Porto Exterior, imponente, inchado e amarelo, com os olhos muito abertos, diz que parecias estar a boiar atento a quem passava por ali a “boiar”¹ – será verdade? Hei-de perguntar a alguém que tenha passado por lá, que eu abstive-me de o fazer. Talvez porque detesto despedidas. Ou não me interessava, não sei, tudo é possível, depois pergunto…se me lembrar. E se não tiver mais nada que fazer. Partiste assim, Donald, seu pato. Os dias sem ti nunca mais foram a mesma coisa, acredita. Pode ser que o Céu não tenha caído sobre as nossas cabeças, mas uma parte do tecto da Igreja de Santo Agostinho cedeu em plena missa dominical – fúria divina, advinda do ressentimento pela tua partida? De que outro jeito se explica algo assim, e logo quando a estrutura que é património cultural havia sido restaurada no ano passado? O quê? Não tens a culpa? Ah sim, é possível que tenha acabado o betão com que armavam os interiores, e para despachar a obra tenham recorrido a caixas de “ta-pao” de um restaurante ali próximo. Por isso é que foi “restaurado”, claro. Como é que não pensei nisso antes? Talvez eu tinha confiado demais nos sinais, meu adereço de banho do bebé agigantado. Parecia tudo tão claro…oito cobras encontradas mortas em Coloane… acho que o livro do Apocalipse, que relata o fim dos dias, fala de qualquer coisa assim lá para o meio, acho. É mais provável do que impossível. E o profeta-arquitecto, sim, aquele que foi à televisão avisar-nos dos talibãs, das carpideiras, do holocausto urbanístico e dos tectos de vidro (sic), foi tudo coincidência? Chamai-o de louco, se quiseres, mas eu não me atrevo a ignorar o seu presságio, a rir das suas profecias, nem que anunciasse ele um novo dilúvio – afinal choveu à brava no último fim-de-semana, não foi? Choveu sim, mas não que tu tivesses dado por isso Donald. Havias partido, e nada ficou senão as memórias dos outros que não eu, que gozaram de um momento efémero de prazer, fazendo uso do teu corpo para figurar como pano de fundo nas suas “selfies” tiradas junto ao mar. Eu até os invejaria, pobres tolos, alguns crentes que o teu amor não era pago, ignorando que era tudo um faz-de-conta. Agora acabou-se, e qual proverbial bonequinha de borracha, tiram-te o ar e metem-te numa caixa, e só te voltam a encher para os próximos fregueses. No fundo não passas de um reles “pato”², apegado aos bens materiais, como aqueles senhores que enquanto obtinham ganhos ilícitos estava tudo na paz dos anjinhos, mas quando os cheques foram acometidos de calvície gritaram “aqui d’el rei, que somos ‘vítimas’, e não cúmplices”! É um mundo cão, este. E um mundo pato, às vezes. Vai e não voltes, Donald. Chega, não te quero ver mais, e fosses tu de penas e chicha, desfiava-te e metia-te arroz por cima. Leva contigo o dinheiro obtido com o suor do nosso rosto, e não te lembres de nós, que tão bem te quisemos, na hora de o gastar. Adeus, Donald, seu grandessíssimo filho da pata. ¹ “boiar”: calão macaense para “divertir-se”, “fazer farra”. ² “Pato”: nome pelo qual os chineses se referem aos homens que se prostituem
Fernando Eloy VozesOs bichos [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]or mais que espante não me espanto que o Secretário Raimundo do Rosário tenha dito não ter condições para fiscalizar obras, que estas têm vindo a piorar ou que tenha metido Fong Chi Keong e Au Kam San na ordem apelando à necessidade de cumprir a lei a um e pedindo propostas ao outro. Espanto é a raridade desta clareza vinda de um membro do governo. Espanto é não entender como Macau continua a balancear-se entre a psicose da conquista do mundo e as gangrenas internas. A fase de improviso insustentável, da falta de visão global têm de acabar, para o bem de todos. Até dos néscios. Por outro lado, ao não ter pejo em mostrar como o rei vai nu, Raimundo do Rosário dá um golpe fresco de sanidade a todos aos que há muito estavam certos disso, convictos de não terem caído no buraco da Alice. Rosário queixou-se da falta de mão-de-obra especializada na fiscalização das obras públicas e confessou não se admirar se acontecessem acidentes. Muitos de nós também não. A seguir atirou no forte no estado de laxismo em que estão as vistorias de edifícios, apesar de obrigatórias por lei. Espanta? Só o facto de o dizer, claro. Mas não se ficou por aqui e ainda lembrou Fong Chi Keong da necessidade de cumprir a lei, quando o assunto era Lei das Terras, e deixou Au Kam San à procura de palavras quando lhe pediu uma proposta concreta. Falavam de táxis, penso. Ou seja, Raimundo do Rosário vestiu a roupa de trazer por casa e atirou-se às teias de aranha do sótão. Ou seja, gerir uma proto candidata a destino mundial com mentalidade de terra pequena é um espartilho incomportável. Apontar o que está mal e, pelo menos tentar corrigir é apenas sinal de progresso. Macau tem de incorporar isso, mais cedo melhor do que mais tarde. Esta mesma semana, também soubemos que os Serviços da Protecção Ambiental (DSPA), por acaso também sob a alçada de Raimundo do Rosário, assumem candidamente não encomendarem estudos de impacto ambiental há anos fiando-se nos comprados pelos interessados nas obras. Esta, ao subverter todos os princípios do que deve ser um estudo de impacto ambiental, é tão absurda que quase não dá para acreditar, especialmente ao ser proclamado como sendo a coisa mais normal. Corrupção? Alguma, talvez, mas parece-me mais falta de compreensão, de capacidade de entender coisas. Mas tem vantagens a declaração da DSPA, tal como a de contribuir para a descrição literária de uma qualquer República das Bananas e por provar, para além de qualquer dúvida razoável, que a realidade é sempre mais espantosa do que a ficção. Mesmo a realidade de Macau. Ou especialmente a realidade de Macau. Tudo isto também não deixa dúvidas (existissem elas) que a maioria dos cancros desta sociedade macaína estão ligados ao “real estado”, esse regime alternativo, essa região administrativa demasiado especial, e ao estado mental dos que berram sem propostas, dos que ainda instam em resolver tudo nos corredores… ‘à Macau’. A melhor imagem que alguma vez descobri para ilustrar o que aconteceu à terra com a liberalização do jogo e a entrada de outros “jogadores” na dança, é a de quando viramos um penedo num zona escondida da floresta. Daqueles no mesmo sítio há anos. Se já virou um sabe que a primeira imagem é a de uma série de criaturas estranhas que disparam numa correria à procura de novo abrigo. A única dificuldade que tenho com esta alegoria é a velocidade com que os bichos fogem. É muito superior. Música da Semana “Unwashed And Somewhat Slightly Dazed” David Bowie (1969) !I’m the Cream Of the Great Utopia Dream And you’re the gleam In the depths of your banker’s spleen I’m a phallus in pigtails And there’s blood on my nose And my tissue is rotting Where the rats chew my bones And my eye sockets empty See nothing but pain I keep having this brainstorm About twelve times a day So now, you could spend the morning walking with me, quite amazed As I’m Unwashed and Somewhat Slightly Dazed”
Tânia dos Santos Sexanálise VozesVermelho de Sangue [dropcap style=’circle’]’O[/dropcap]Benfica joga em casa’, mas não literalmente. Muitas são as expressões que pretendem camuflar a frontalidade que seria confessar ao mundo que uma mulher está a sangrar entre as pernas. Aquela altura do mês. No dia 28 de Maio celebrou-se o dia internacional da higiene menstrual com o intuito de quebrar mitos e tabus que a menstruação ainda carrega, em alguns pontos do planeta mais do que outros. Certamente ainda recebemos conselhos das nossas avós de que não se deve tomar banho, lavar a cabeça ou pentear durante a menstruação. Os nossos avôs não nos deixam entrar nas adegas da terrinha porque o vinho azeda. É melhor nem pensar em fazer bolos nestas alturas, porque os bolos vão ficar uma valente porcaria. E isto é só em Portugal. Uma organização não governamental no Nepal realizou um projecto fotográfico com jovens raparigas para perceber como é viver durante a menstruação. Por lá os mitos são ainda maiores, uma mulher menstruada é tratada como se tivesse uma doença contagiosa. Não pode cozinhar, não pode tocar em picles, não pode atravessar o rio, não pode ter contacto com elementos do sexo masculino. Não podem tocar em fruta porque a apodrece, nem em árvores de fruto porque as enfraquece, nem em sementes porque as tornam inférteis. Na primeira menstruação não se podem olhar ao espelho, porque atrai azar. A piorar, não têm condições sanitárias para se lavarem ou lavarem os seus pensos de pano. Pensos descartáveis são de um luxo tal que, em alguns países, as raparigas vendem favores sexuais para os poderem comprar. Poderia ser só ridículo, mas é tudo muito verdade. Parece-me compreensível que um sangramento cíclico mensal, de mais de três dias, possa ter parecido estranho às mentes de há dois mil anos atrás. Os registos da antiguidade clássica falam com medo e desdém desta coisa universal a todas as mulheres. Referem-se à menstruação como nefasta e perigosa a todos, estragando colheitas e jardins e até matando abelhas e enlouquecendo cães. Por isso, agora, a sabedoria popular continua a fazer da menstruação um bicho de sete cabeças, porque existe, é chato e embaraçoso, e relembra as capacidades reprodutivas das mulheres. O desconhecimento sobre o que a menstruação realmente é, e de que forma se lida com ela, faz com que caia numa espiral de tabu de consequências nada positivas. Li algures uma história de um homem na Etiópia que ao perceber que a sua filha estava menstruada, pensou que fosse o sinal de que ela tivesse iniciado a sua vida sexual, que em comunidades tradicionais, a pôs numa situação de humilhação e desdém. Há locais onde a menstruação é um obstáculo à educação também, sendo as raparigas privadas de ir à escola ‘na altura do mês’ ou até definitivamente. Os programas de educação e divulgação pretendem oferecer informação e melhorar condições sanitárias, para que a menstruação seja vivida com naturalidade. Sangue, cheiro, dores e mau-estar. Agora que o transtorno pré-menstrual (TPM) está cada vez mais em voga as mulheres também estão mais sintonizadas com as suas mudanças de humor uma a duas semanas antes, porque vêm irritabilidade e afins. Apesar de nos protegermos com o chavão ‘da altura do mês’, não deixa de ser tabu, nem nos contextos ditos mais ‘desenvolvidos’. Em 2015 a baterista Kiran Gandhi correu uma maratona sem tampão, onde orgulhosamente exibiu as suas manchas de sangue nas suas calças de licra de corrida. Outros tentam inovar ao criar arte com o sangue que o nosso corpo rejeita. Outros simplesmente falam sobre o período, abertamente, relembrando que é um processo normal e natural. Em contraste muitas mulheres por aí não têm acesso a produtos e a condições para uma menstruação digna. Tampões, pensos higiénicos, pensos de pano, copos menstruais, há de tudo, mas não em todo o lado. Já pensaram naquelas situações lixadas de vida que muitos vivem neste momento, e nas mulheres que mensalmente se sentem vulneráveis e incapazes de lidar com a sua menstruação? Porque a menstruação interessa, muito mais do que se pensa.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho americano “Only roughly 4-In-10 (42%) Americans say that the American Dream-that if you work hard, you’ll get ahead-still holds true today, [whereas] nearly half of Americans (48%) believe that the American Dream once held true but does not anymore,” while “most Americans (55%) believe that one of the biggest problems in the country is that not everyone is given an equal chance to succeed in life.” Our Kids: The American Dream in Crisis Robert D. Putnam [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sonho americano ou, em inglês, “The American Dream”, também conhecido como o sonho americano na Casa Branca, pode ser definido, em geral, como a igualdade de oportunidades e liberdade, facultado a todos os habitantes dos Estados Unidos para atingirem os seus objectivos na vida, por meio de esforço e determinação. A Estátua da Liberdade foi para muitos imigrantes a primeira visão que tiveram quando chegaram aos Estados Unidos, significativa da liberdade. A estátua é um símbolo dos Estados Unidos e do sonho americano. Todos os anos, mais de um milhão e meio de novos imigrantes, documentados ou indocumentados chegam aos Estados Unidos. A maioria provêm da América Latina e para chegarem, muitos esperam anos para obter vistos de entrada, e outros correm o risco de atravessar a fronteira, através das montanhas ou deserto. Deixam as suas casas e famílias para irem viver num país desconhecido, em que se fala outra língua, e tem costumes completamente distintos. Apesar de todas as dificuldades, as pessoas continuam a ir. Porque razão? O que os atrai a esse país? A muitos a promessa de viver o sonho americano, que é uma ideia abstracta. É a promessa de riqueza, para alguns e para outros, a possibilidade de dar aos seus filhos uma boa educação e grandes oportunidades. O sonho americano não é uma ideia nova, pois tem uma história tão longa, como a dos Estados Unidos, que de certa forma nasceu desse mesmo sonho. Os primeiros colonizadores da Nova Inglaterra chegaram à procura de liberdade religiosa. O escritor americano Horatio Alger, escrevia no século XIX, histórias de ficção, muito vendidas, cujos personagens passavam da pobreza à riqueza por meio do trabalho duro, coragem e determinação. O sonho americano, para muitas pessoas, apesar de algum sucesso, não é mais que um sonho. Ao chegarem aos Estados Unidos, muitos partilham pequenos apartamentos com quatro ou cinco pessoas a dormirem no mesmo quarto, permanecem dias nas esquinas à espera de conseguirem trabalho, e passam fome para poderem enviar dinheiro às suas famílias do outro lado da fronteira. É este o sonho americano? O estudo recente efectuado pela Universidade de Harvard, que entrevistou membros de uma comunidade imigrante, para conhecer as suas experiências, revelou que nas respostas existiam muitas semelhanças, dado todos terem ido para os Estados Unidos à procura de oportunidades económicas, e associavam o país com progresso, dinheiro, segurança e liberdade. Todavia, a maioria afirmou que não tinham realizado os sonhos, pelo qual tinham ido, ainda que os Estados Unidos sejam a primeira potência mundial, não é o que imaginavam. Os americanos permitem que os indocumentados façam o trabalho que rejeitam, sempre marginalizando-os e utilizando-os. Os imigrantes conseguem, apenas, perder a sua juventude e energia. Segundo os entrevistados, o sonho americano, não é o que parece ser. A nova geração de jovens sul-americanos, está a entrar nos Estados Unidos com falsos sonhos que lhes contaram do lado da fronteira mexicana, e não é possível continuar a permitir que percam a sua juventude nessa ilusão. É melhor dizer-lhes que não venham, ou poder-se-á criar uma comunidade sul-americana nos Estados Unidos que dê apoio e inspiração? O sonho americano está construído sobre as bases da mobilidade social, igualdade e a noção de que todas as crianças, sem importar a sua origem, têm a oportunidade de prosperar. Tal sonho, não é evidente e podia estar em perigo, segundo o politólogo, assessor de três presidentes americanos e professor da Universidade de Harvard, Robert Putnam, que é considerado e escutado pelos seus concidadãos. Quando Robert Putnam fala, os Estados Unidos escuta-o, mas não quer dizer que todos estejam de acordo. O seu livro “Bowling Alone: The Collapse e Revival of American Community”, publicado há quinze anos, tornou-o conhecido mundialmente, e é considerado como uma das melhores obras, sobre política pública. O autor seguiu a trajectória do declive da participação da sociedade civil, ou seja, do número de pessoas que participam em associações e clubes. As pessoas juntam-se menos em agremiação, e não se tornam membros de quase nada. Embora existam mais pessoas a jogar boliche, por exemplo, há menos pinos de boliche. O seu novo livro, “Our kids”, publicado, a 26 de Março de 2016, Robert Putnam, aborda o tema da desigualdade social, contando uma história familiar da diminuição da mobilidade social, através da visão da sua cidade natal, afirmando que o sonho americano que estava vivo durante a sua juventude, na década de 1950, está muito provavelmente fora do alcance dos cidadãos. Ainda que as pessoas vivam lado a lado, as suas vidas são paralelas e as oportunidades distintas. O velho igualitarismo da era do pós-guerra, já não existe. O livro tem algo para todos, especialmente, para discordar, como por exemplo, a história mais feliz, quando relata as últimas décadas, com a melhoria das condições de vida dos afro-americanos, desde as marchas de Selma a Montgomery de 1965, assim como a situação das mulheres. O politólogo americano, por vezes parece vestir a roupagem da esquerda, quando culpabiliza a estrutura da economia, particularmente, a perda de bons empregos, para as mãos qualificadas na indústria manufactureira, e outras vezes, parece ser conservador, realçando por exemplo, que 10 por cento dos filhos de pessoas licenciadas, encontram-se em famílias monoparentais, que é similar à taxa da década de 1950. Ao invés, nas famílias de menor instrução, a cifra subiu de 20 por cento para mais de 65 por cento. A sua análise incomoda muitas pessoas, mas não deixa de constituir uma questão que é fulcral para a política moderna em todo o mundo, ou seja, qual a razão pela qual, tantas pessoas estão a ficar marginalizadas. O aumento das desigualdades sociais é um problema violeta, que é uma expressão política nos Estados Unidos, pois os conservadores são de cor vermelha e os liberais azuis. É um problema, cuja causa deve ser observada, através da lente progressiva azul, pois não se deve considerar apenas o colapso da produção, mas também a estagnação dos salários, do que se habituou por chamar de classe trabalhadora, e que tem quase meio século. As outras causas do problema, podem ser vistas de forma mais clara com lentes vermelhas conservadoras, como o desfalecimento da família da classe trabalhadora, com um enorme aumento no número de jovens das classes mais baixas, a viver com as mães solteiras. Estes factores desempenham um papel, e existe uma outra dimensão, pois não é só o aumento da disparidade de rendimentos, mas também uma crescente segregação das classes sociais, não habitando os ricos e pobres os mesmos espaços das cidades. O problema é que alguns desses factores são irreversíveis, como o das famílias monoparentais, pois não se pode obrigar que os casais permaneçam unidos. Todavia, deve-se pensar que estes jovens, que são o resultado de uma transformação na parte inferior da hierarquia da socioeconómica americana, são os filhos a que têm de prestar atenção e ajudar. O facto mais importante, é de que os jovens estão cada vez mais separados dos seus vizinhos, parentes, escolas, igrejas, e que algo deve ser feito para solucionar tão sério problema. A outra situação irreversível, vai-se intensificar no ciclo da produção, e nos próximos anos perder-se-á, 85 por cento do mercado laboral, com a tecnologia e os robots. É de considerar que esta não é a primeira vez que os Estados Unidos enfrentam semelhante problema. Há cem anos, com a Revolução Industrial, também fez face a grandes rupturas, entre as pessoas e as mudanças económicas dramáticas que ocorreram, e num curto espaço de tempo, os americanos conseguiram ajudar todos os jovens sem olhar à sua origem e a prepará-los para uma nova era. Foi criada nessa época, a escola secundária gratuita, que incentivou a produtividade americana, e permitiu competir em igualdade de condições. É necessário que os Estados Unidos descubram um tipo diferente de política, que reveja a situação dos jovens, e encontre formas de resolver o problema, que deve passar por um grande debate nacional, sobre a crescente diminuição de oportunidades. O sonho americano, tal como o definem é impossível de ser atingido, e seis em cada dez americanos, confirmaram na sondagem “American Dream” da CNN Money, realizada de 29 de Maio a 1 de Junho de 2014. Os jovens adultos, entre os dezasseis e trinta e quatro anos têm maiores probabilidades de sentir, que o sonho americano é inalcançável, e 63 por cento dos inquiridos, afirma que é impossível. Este grupo etário tem sofrido, como resultado da “Grande Depressão”, e são pessoas que têm dificuldades, em conseguirem bons empregos. Os jovens americanos são a grande preocupação. Muitos dos entrevistados, disseram que estão preocupados, acerca da sua capacidade de prosperar na próxima geração. É uma situação séria, apesar de 54 por cento dos entrevistados terem a sensação, de que se encontram em melhor situação que os seus pais. O humor deprimido é surpreendente, segundo os especialistas em mobilidade económica. O pessimismo é um reflexo da realidade financeira que grande quantidade de famílias enfrenta, pois estão activos, mas os seus rendimentos não se traduzem em forte segurança financeira. A grande maioria dos americanos tem rendimentos mais elevados que os seus pais, devido ao facto da maior parte das famílias terem duas fontes de rendimento, apesar de metade terem mais riqueza. A taxa de poupança é baixa e o desemprego elevado. Os custos com a Universidade estão a aumentar mais rapidamente que a inflação, e a dívida dos empréstimos estudantis estão a crescer. As pessoas têm tendência a serem mais pessimistas sobre o futuro da próxima geração, em geral, que a perspectiva dos seus filhos. As sondagens da “Pew Research Center” e outras organizações revelam que os pais dizem que será mais difícil para os seus filhos terem sucesso, mas acreditam que seja possível. As percepções não são suportadas pelos factos. O sonho americano não está morto e dois importantes estudos publicados no início de 2016, concluíram que a mobilidade é maior nos Estados Unidos que em muitos outros países desenvolvidos, mas não mudou de forma significativa com o tempo. Os investigadores encontraram diferenças expressivas em relação à mobilidade em todo o país. Os que vivem em áreas de maior desenvolvimento económico, melhores escolas e menor número de residentes afro-americanos têm maior oportunidade de ascender na escala económica. A mobilidade é um problema, mas não piorou.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRefeição fatal [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 24, o website “www.theguardian.com” publicou a notícia do falecimento de Paul Wilson. A morte deveu-se a choque anafilático. A definição de “choque anafilático” pode ser encontrada em www.webmd.com/allergies/guide/anaphylaxis e é a seguinte, “Anafilaxia é uma resposta alérgica, potencialmente fatal que se caracteriza por inchaço, urticária, quebra de tensão arterial e dilatação dos vasos sanguíneos. Nos casos mais graves o paciente entra em choque. Pode ser fatal se o tratamento não for efectuado de imediato. Paul Wilson tinha acabado de ingerir um caril que continha amendoins. Em Janeiro de 2014, no Restaurante Indian Garden, comeu uma dose de galinha tikka nasala. A seguir à refeição foi encontrado caído na casa de banho. No decurso da investigação criminal, a polícia descobriu que no cimo da nota de encomenda de Paul estava escrito “sem frutos secos”. O gerente do Indian Garden admitiu o facto. Como a nota de encomenda tinha sido clara, a polícia passou a investigar outros aspectos. Mais tarde foi encontrada na cozinha do Indian Garden, uma embalagem de extracto de amendoim. A partir desta descoberta o caso esclareceu-se. Era este pó que explicava a presença de amendoim na comida. Mohanmmed Zaman é o proprietário do Indian Garden. Tem 52 anos, é casado e pai de quatro filhos. Nasceu no Bangladesh e emigrou para o Reino Unido quando tinha 15 anos. Começou por trabalhar para o tio no ramo da restauração e acabou por se tornar dono de uma cadeia de seis restaurantes. Os seus estabelecimentos são recomendados pela British Catering Association e já foi agraciado com prémios da British Curry Awards. A polícia também apurou que Zaman tem uma dívida de 300.000 libras. Para reduzir custos, no Indian Garden só era utilizado extracto de amendoim. Zaman também empreava trabalhadores ilegais. Três semanas antes da morte Paul Wilson, Ruby Scott, uma jovem de 17 anos, já tinha sofrido uma forte reacção alérgica ao caril. Mas neste caso a jovem recuperou. Mohammed Zaman foi acusado do homicídio de Paul Wilson por negligência grosseira. “Homicídio por negligência grosseira” é uma das classificações de homicídio no Reino Unido. Significa que o réu provocou a morte da vítima, não intencionalmente, mas por descuido grave. Ao ignorar o seu aviso e, permitindo que se usasse extracto de amendoim no caril, foi responsável por homicídio por negligência grosseira. O procurador Richard Wright, afirmou, “Mohammed Zaman foi avisado por diversas vezes de que estava a pôr a saúde dos clientes em risco e eventualmente as suas vidas. Infelizmente para Paul Wilson, Mohammed Zaman não aproveitou nenhuma dessas oportunidades e ignorou todas as chamadas de atenção que lhe fizemos.” “Foi uma atitude irresponsável e aventureira, que nós, a acusação, só podemos designar como negligência grosseira.” “Por repetidas vezes ignorou o perigo e não protegeu os clientes. As provas irão demonstrar que Mohammed Zaman colocou o lucro à frente da segurança e que optava sempre por fazer as coisas da maneira mais fácil.” O juiz Simon Bourne-Arton disse que Zaman ignorou completamente o facto de ser arriscado usar amendoins num restaurante de forma indiscriminada. Mohammed Zaman foi condenado por homicídio por negligência grosseira e sentenciado a uma pena de seis anos de prisão. Este caso não levanta dúvidas. Em primeiro lugar, verificamos que a responsabilidade legal de homicídio por negligência grosseira se aplica a todo o pessoal do Indian Garden, desde o proprietário ao empregado de mesa. No início do inquérito, a polícia investigou os “frente de casa” – o gerente e o empregado de mesa. Na medida em que estes indicaram na nota de encomenda que a refeição não poderia conter frutos secos, demonstraram terem sido cuidadosos, logo não lhes poderá ser atribuída qualquer responsabilidade. Por isso, se o dono e o cozinheiro não provarem que agiram em consciência, terão de apresentar explicações. No artigo não ficou claro porque é que o cozinheiro não tinha sido responsabilizado. Se a indicação tinha sido dada de forma expressa, não existe desculpa para o cozinheiro a ter ignorado. No entanto a pergunta seguinte diz respeito ao “conhecimento” do cozinheiro. Saberia o cozinheiro que o extracto de amendoim pertence à categoria de “frutos secos”? A resposta a esta pergunta não se encontra no relatório. Não podemos fazer mais comentários. A responsabilização legal feita desta forma tem os seus méritos. Assegura que todos os profissionais deverão exercer as suas funções em consciência. Se não existirem procedimentos escrupulosos, em caso de acidente pode haver responsabilização. Zaman é disso o melhor exemplo. Outro ponto a analisar é a natureza da acusação feita a Zaman. Foi, como sabemos, “homicídio por negligência grosseira”, e não qualquer outra acusação relacionada com segurança alimentar. Ao contrário dos países continentais, os britânicos têm um “Código Legal” que contém toda a legislação relevante num só livro. É provável que o homicídio esteja previsto na Lei da segurança alimentar. Mas no sistema da Lei Comum, a classificação é diferente. O homicídio não está previsto na Lei de segurança alimentar. Deverá por isso ser tratado como um crime à parte. Não interessam as circunstâncias em que ocorreu o crime, tanto faz ser um caso de segurança alimentar ou um assalto, a partir do momento em que a Procuradoria considera que a acusação de homicídio é adequada, o réu será acusado desse crime. Paul Wilson morreu. Mas este caso interessa a todos e, em particular, a quem trabalha em restauração. Quem costuma frequentar restaurantes sabe que é raro encontrar avisos sobre segurança alimentar. Também é difícil vermos o restaurante pedir para ser informado caso o cliente sofra de alguma intolerância alimentar. Não há dúvida que essa responsabilidade é em primeiro lugar do cliente. Mas afixar um anúncio nesse sentido funciona como um lembrete para todos, do perigo potencial. Não é uma questão legal, mas sim uma boa prática, que beneficia todos: o dono, o pessoal e os clientes.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesMacau, que futuro? [dropcap style=’circle’]T[/dropcap]sai Ing-wen, a primeira mulher Presidente de Taiwan, assumiu funções a 20 de Maio. No discurso de tomada de posse, não fez alusão ao “Consenso de 1992”, mas afirmou estar empenhada em manter a estabilidade no relacionamento entre a China e Taiwan. Na sua visita de três dias a Hong Kong, o Secretário-Geral do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo, Zhang Dejiang, prestou declarações onde condenava vivamente os apelos à auto-determinação de Hong Kong, pedida por alguns para 2047, e à independência da China. Durante a visita a Pequim da delegação Sino-Australiana da Fundação de Hong-Kong Para o Intercâmbio Jurídico, o chefe da delegação, Lawrence Ma, citou as palavras do Vice-Secretário-Geral do Comité da Lei de Bases, “O Governo chinês usará a Lei, as armas e os canhões para lidar com a questão da independência de Hong Kong”. Até aqui vimos por alto as questões de Hong Kong e de Taiwan, e quanto a Macau? Após o protesto de 15 de Maio em Macau, a calma voltou a instalar-se. A Fundação Macau mantém aparentemente a sua participação bienal de 100 milhões para a Universidade de Jinan, na China, e o Chefe do Executivo não tem qualquer intenção de se demitir por más práticas. Por outro lado, podemos quase de certeza descartar a hipótese de ver levada à discussão na Assembleia Legislativa a alocação desta verba, já que a maioria dos deputados foi escolhida por eleição indirecta e por indigitação. Com todas as exigências dos manifestantes a serem ignoradas, que futuro espera Macau? A questão de Taiwan está associada à unificação da China. Por enquanto, o partido no poder na Republica da China, o Partido Democrata Progressista, mantém-se fiel ao seu princípio “Uma China”, e não se atreve a avançar com a ideia de Taiwan se tornar independente da China. Em Hong Kong, a discussão sobre a auto-determinação e sobre a independência é um tema de que se ocupam algumas pessoas, quando perscrutam o futuro da cidade. Se estas questões irão, ou não, passar a propostas concretas, tudo irá depender da evolução do relacionamento entre o Governo Central e o Governo da RAEHK. O poder de decisão mantém-se nas mãos do Governo Central. Mas se continuar a ignorar as opiniões dos cidadãos e insistir que Leung Chun Ying deve ser reeleito como Chefe do Executivo, então os esforços de Zhang Dejiang para que, durante a sua visita, fossem efectuados encontros com os membros do Campo Pró-Democrata, terão sido em vão. Se isto vier a acontecer, a dissensão social tornar-se-á ruptura social. Nessa altura, a situação será irrevogável, mesmo que se usem “armas e canhões”. Quanto às declarações de Lawrence Ma, da delegação Sino-Australiana da Fundação de Hong-Kong Para o Intercâmbio Jurídico, podemos afirmar que não é a primeira vez que ele se manifesta de forma irreflectida. Acresce ainda que alguns membros da delegação estiveram envolvidos em escândalos sexuais, que causaram tantos embaraços a Maria Tam Wai-Chu que esta acabou por se demitir da função de conselheira honorária da Fundação. Quanto a Macau, para além da situação vir a permanecer inalterável ao abrigo da política “Um País, Dois Sistemas”, estipulado pela Lei de Bases, não vimos até agora ser debatido o futuro de Macau depois de 2049. O facto desta discussão não vir a lume não quer dizer que os habitantes de Macau não estejam preocupados com o seu bem-estar e com o das gerações futuras. Começa a tornar-se necessário que as pessoas se preparem com antecedência. Na verdade, o Governo Central tem seguido de perto a evolução dos acontecimentos em Hong Kong, Macau e Taiwan e recolhido o maior número de dados possível. No entanto, não reconhece a representatividade destas opiniões nem se dá ao trabalho de as estudar a fundo. Devido à concentração de decisões no Governo Central, existe falta de flexibilidade e ausência de distribuição de tarefas. Um excesso de confiança nos representantes de Hong Kong e Macau, torna inevitáveis os desvios políticos. A alocação da verba de 100 milhões feita pela Fundação de Macau à Universidade de Jinan, na China, para construção de instalações, é uma jogada politicamente correcta, mas é ao mesmo tempo uma violação grave dos seus estatutos e uma falta de respeito pela população de Macau. Se esta questão não for tratada correctamente, e o sentimento do Governo Central em relação ao que se passa na RAEM não se alterar, os desentendimentos e os conflitos podem degenerar em ruptura social. Ambos os Governos partilham a responsabilidade de manter boas relações e de favorecer o desenvolvimento de Macau. Enquanto habitantes de Macau, como é que nos podemos alhear destas questões!?
Leocardo VozesRomance de toga e malhete [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]egui com relativo interesse a última troca de “plaisanteries” entre o Presidente da Associação de Advogados de Macau (AAM) e o Conselho de Magistrados – com o interesse que se pode arranjar, quer dizer, digamos que “espreitei”. No entanto retive duas afirmações, veiculadas na imprensa esta semana, e ambas emanadas do lado do Conselho através de um comunicado. Na primeira lê-se que as declarações (do presidente da AAM) “prejudicam a imagem dos órgãos judiciários”. Ahem. Permitam-me uma analogia futebolística/circense: numa equipa onde o guarda-redes é anão, insiste-se na táctica do jogo aéreo. À luz de certos acontecimentos recentes, e quando durante este “jogo falado” vêm à liça conceitos como “transparência” ou “infalibilidade”, penso que para bom entendedor, etc., estamos conversados. Quanto à outra afirmação, juro que me fez rir: as declarações do presidente da AAM “são completamente contrárias à verdade”. Existe 1 (uma) palavra que transmite esta mesma ideia, sem prejuízo do seu sentido: “mentira”. O mais irónico é que neste pequeno exemplo complica-se o que se podia muito bem simplificar, enquanto no essencial há uma (perigosa) tendência para simplificar o que é – e deve ser porque assim é que está certo – complicado. Nós, do lado de fora da intriga deste romance que não é de capa e espada, mas antes de toga e malhete, sabemos que esta animosidade entre o Presidente da AAM e os órgãos judiciais do território já não é de agora, e habituámo-nos a ver o primeiro a assumir uma postura “crítica”, e terá ele razão? Bem, o que o temos visto fazer é basicamente procurar salvaguardar a qualidade do Direito que se pratica na RAEM, pelo menos da maneira que sabe, enfim. Podemos às vezes não concordar com a forma ou com o tom, mas imaginem que estava o senhor a ralhar com uma criança de seis anos que molhava os dedos num copo de água, preparando-se para de seguida os enfiar numa tomada, ao mesmo tempo que avisava que “se podia magoar a sério”, o que faziam? Diziam-lhe “ó cavalheiro, não seja chato, e deixe lá a criança brincar à vontade”? Claro que não, e aqui o cenário afigura-se muito, mas muito mais sério. Exigir que os juristas de Macau tenham conhecimentos de Direito de Macau? Faz sentido. Pedir transparência na avaliação dos magistrados? Critérios mais exigentes? Claro, afinal não se está ali a brincar ao faz-de-conta. Conhecimentos linguísticos, nomeadamente de Língua Portuguesa? Alto e pára o baile, e aqui está o busílis da questão, o batalhão da tropa com que se insiste em mangar, os dedos molhados do puto traquinas enfiados na tomada. Amiúde escutamos ou lemos por aí certas declarações, e algumas vezes partindo de quem supostamente devia ter a cabeça em cima dos ombros, que a Língua Portuguesa “é uma das razões” do atraso da Justiça, bem como de muitos outros problemas, e tudo por culpa da falta de tradutores – ou lá o que é. Embrulhando tudo isto em papel de rebuçado, diz-se que o Português “atrapalha”, e eu próprio não podia concordar mais com esta ideia. Claro que “atrapalha”, da mesma forma que os alarmes “atrapalham” os gatunos, ou a sogra “atrapalha” se está em casa quando visitamos a namorada. “Atrapalha” ao ponto dos trapalhões sugerirem que se emitam sentenças apenas numa das línguas oficiais apenas (nem preciso dizer qual), ou vão ainda mais longe, ponderando mudar o sistema jurídico de Macau – para um outro que “atrapalhe” menos, suponho. Isso de mexer num sistema jurídico tem que se lhe diga, e vai muito mais além do simples obstáculo linguístico. Há normas, processos, jurisprudência, todo um mecanismo que não se pode alterar como quem muda um sinal de trânsito mal colocado, e ainda por cima obliterando a língua original da matriz do Direito, por Juno! Existe um rol de figuras jurídicas que não existem na China, e por muito que se encontre uma tradução, nunca é a mesma coisa. Por exemplo, a figura do arresto, em chinês é qualquer coisa como “假扣押” (“ka kau hak”, em cantonês), que se for analisado caracter por caracter, exprime mais ou menos a ideia, de que se trata de um tipo de “apreensão”, mas não traduz a essência, que é qualquer coisa de intraduzível. O caracter do meio, por exemplo, quer dizer “fivela”, como a que temos no cinto. Literalmente trata-se de “prender com uma fivela” e depois “cobrar”, que é o sentido do terceiro caracter. Para um leigo que não entenda nada de Direito e só domine a língua chinesa, isto é uma coisa de outro planeta. As instituições de crédito, os bancos, são outro bom exemplo: na hora de lavrar uma escritura de hipoteca onde os valores são avultados, opta-se sempre por fazê-lo em língua portuguesa. Pode ser que alguém saiba de uma ou outra excepção, e não seria de admirar, mas pronto, uma medalha para esses heróis, mas depois não chorem, como fazem agora os proprietários do Grand Horizon. Comprar, vender, e sobretudo especular fracções para habitação que ainda nem sequer existem e acabar depenado, com uma mão cheia de nada. Devem ser estes os tais que se queixam que a matriz portuguesa do Direito de Macau “atrapalha”. Claro que não faltarão bajuladores que achem que seria o máximo mudar isto tudo, pois afinal “é uma das herança de um passado colonialista” (até me custa escrever isto). Duvido que a maioria destes, ou mesmo um deles, saiba a sorte que tem, e de que essa herança é na verdade um tesouro. Felizmente ainda vão tendo a mesma credibilidade do gato que mia a pedir carapaus, pois a própria China sabe bem o que a casa gasta, e não lhe interessava nada alterar o estado de coisas recorrendo a um “breve momento de caos”, que pode não ser tão breve quanto isso. Tem a sua graça, esta pequena guerra de palavras, mas não posso deixar de ficar apreensivo. E que tal tapar as tomadas, antes que dêem choque?
Fernando Eloy VozesTurismo, esse xarope [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]lguém, que antes residia em Hong Kong, dizia-me gostar de vir a Macau desanuviar mas agora, que vive em Singapura, nem tal lhe passa pela cabeça. Também eu me rendo ao paradoxo de agora ir para Hong Kong à procura de sossego quando há não muitos anos sentia precisamente o contrário. A culpa é do turismo em excesso. Mas podemos fugir dele? Podemos nós evitar ser turistas? A resposta parece-me clara: não. Mas talvez. A propósito do sofrimento local, que seguramente virará um caso de estudo clássico sobre tudo o que não fazer quando a opção é turismo, mas também pelo discurso recente do vice-primeiro ministro chinês, Wang Yang. Defendeu ele esta semana numa reunião com a Organização Mundial de Turismo (OMT), a necessidade de promover mais o turismo pelo mundo fora na expectativa de tirar mais gente da pobreza. Aparentemente, ele tem razão porque o turismo faz isso mesmo e não duvido das suas boas intenções. Mas de boas intenções… Por outro lado, a tendência para trabalharmos menos é clara. Num futuro não muito longínquo, o previsível desemprego maciço motivado pelo advento da inteligência artificial (IA) vai implicar muito tempo livre. Para os mais cépticos, a firma norte-americana de advogados Baker & Hostetler anunciou recentemente a aquisição de um sistema AI que vai substituir 50 advogados de uma assentada… mas há mais exemplos. Por outro lado, em vários países europeus discute-se seriamente a instituição de um rendimento universal garantido para resolver os imbróglios dos sistemas de segurança social. Casos disso, a Suíça, a Finlândia, a Holanda e a França, no Reino Unido há propostas e na Alemanha o assunto tem vindo a ser cada vez mais debatido. Na óptica dos defensores da ideia, isso permitirá um verdadeiro apoio social aos carenciados proporcionando-lhes meios para questões básicas de sobrevivência como alimentação, vestuário e alimentação e, inclusivamente, a possibilidade de poupança, de eventual geração de novos negócios e, claro, de lazer. Na Suíça, a proposta é de 2,270 euros por mês. Ok, é a Suíça. Esta é a motivação actual mas a IA só vai confirmar a tendência. O problema do turismo, ou melhor da adaptação de locais para turismo, como o vice-primeiro ministro chinês pretende fazer nas zonas mais deprimidas do país, é arruinar de uma assentada com modos de vida, culturas e mesmo com a sustentabilidade ecológica dos locais, raramente preparados para as invasões dos exigentes turistas. O caso da aldeia de Lai Chi Vun, em Coloane. Nos quesitos dos moradores destaca-se a manutenção da sua forma de vida. Transformar o local num pólo de atracção turística vai satisfazer a sua ambição? Obviamente, não. Para servir a clientela ávida de “selfies”, o modo de vida da aldeia vai alterar-se drasticamente. Poderão ver os estaleiros recuperados, e até as casas, mas não o modo de vida. Na sua alocução, Wang Yang também urgia os países a facilitarem os processos de obtenção de vistos. Não lhe consigo tirar a razão. Precisamos de destruir os obstáculos aos trânsito, e isso vai ser cada vez mais premente. Mas o turismo não vai salvar as aldeias com que ele, e bem, se preocupa. Vai dar-lhes de comer no imediato mas não lhes vai dar futuro. Não será preferível um rendimento universal garantido, reais possibilidades de escolha, ao presente envenenado do turismo? O turismo é inevitável, mas a aposta na criação de infra-estruturas para as massas, não só elimina os espaços de fuga como gera impactos nocivos. Resolver uma doença social com uma pílula carregada de contra-indicações não é bom senso. Além disso, urge educar os turistas a viajar, esses seres exigentes e prepotentes, essas manadas inconscientes e avassaladoras. Progressivamente, a diferença entre turista e viajante é cada vez mais notória. O visitante tenta não alterar o que visita, não berra por uma cerveja gelada e contenta-se com uma pedra de gelo, nem exige quartos com ar condicionado em bangalôs junto ao mar. O viajante procura a diferença, a partilha, o desfrute das incongruências até, e sujeita-se ao que lhe dão, ao que existe. O turista vai para fora como se estivesse cá dentro. Quer o destino igual à origem, incapaz de se adaptar, exige as mordomias todas. Altera, subverte, prostitui. O turismo aniquila a naturalidade das comunidades, não no sentido da manutenção de primitivismos, mas no do fluir da cultura local. Ir a Benidorm ou a Pattaya, a Albufeira ou a Acapulco é cada vez mais a mesma coisa. Quem conhece Lisboa sabe do que estou a falar, como sabem os que conheceram Macau de há 15 ou 20 anos. Não se pode acabar com o turismo, mas é crucial entender que não constitui uma solução em si próprio. O turismo é como a nitroglicerina. Mal manipulado e a coisa explode. Os exemplos estão aí, às catadupas. Prefiro rendimentos universais garantidos, prefiro ouvir falar em formas criativas de promoção de uma distribuição de riqueza mais eficaz, prefiro todas as soluções que dêem opções às pessoas e não receitas requentadas que, no longo prazo, em nada contribuem para melhoria geral da forma de vida no planeta. Nem para o próprio planeta. Precisamos de desanuviar, não de ofuscar. O turismo é como o xarope, deve ser tomado com conta, peso e medida. E se a tosse é crónica, como as zonas deprimidas o são, o turismo, tal como o xarope, não cura. Apenas cria dependência. Música da Semana David Bowie (“Life on Mars?” – 1971) “Sailors fighting in the dance hall Oh man! Look at those cavemen go It’s the freakiest show Take a look at the Lawman Beating up the wrong guy Oh man! Wonder if he’ll ever know He’s in the best selling show Is there life on Mars?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRefresco enganador [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 5 deste mês, o website “money.cnn.com” divulgou uma notícia onde se fazia saber que um homem chamado Stacy Pincus tinha processado a Starbucks e reclamava uma indemnização de 5 milhões de US dólares. O caso estava relacionado com as bebidas geladas servidas por esta cadeia de cafés. A história conta-se em poucas palavras. O homem alegava que “A Starbucks anuncia no menu o tamanho dos recipientes, e não a quantidade das bebidas…. e desta forma induz os clientes em erro.” Para dar um exemplo, o menu anuncia que o refresco Venti tem cerca de sete decilitros, mas, na verdade, a bebida em si não chega aos quatro, o resto é gelo. O porta-voz da Starbucks, Jamie Riley veio contrapor: “Os nossos clientes compreendem que o gelo é um componente essencial de qualquer bebida “gelada”. Se um cliente não estiver satisfeito com a nossa forma de preparar uma bebida temos todo o prazer em refazê-la.” Em 1992, um cliente que se queimou com um café servido no McDonalds, processou a empresa alegando que o café estava muito mais quente do que deveria estar. Acabou por ganhar o processo. Este caso também não deixa dúvidas. O queixoso alega que a quantidade das bebidas não está devidamente anunciada. O volume do recipiente não é variável, e sobre esse ponto não existe qualquer questão. Contudo, Stacy Pincus afirma que se a Starbucks serve um refresco num recipiente com sete decilitros, o volume da bebida tem de corresponder ao que está anunciado, ou seja sete decilitros. Como o gelo não vem referido no menu, não se pode considerar parte da bebida. Como gelar uma bebida, já é outra questão, mas esta queixa não deixa margem para dúvidas. A contra-argumentação da Starbucks também é compreensível. Uma bebida sem gelo não é gelada e, depois de se deitar o gelo na bebida, o seu volume corresponde ao que vem anunciado, não existindo por isso qualquer deturpação. Mas antes de continuarmos, deveremos compreender o significado de deturpação. “Deturpação” é um termo legal, e aplica-se quando, antes de um contrato ser celebrado, uma das partes faz uma afirmação que não corresponde à verdade. O objectivo desta afirmação enganadora é levar a outra parte a assinar o contrato. Ou, por palavras simples, Pedro mente a João para o levar à certa. A deturpação pode ser classificada em três tipos, a saber: deturpação fraudulenta, deturpação negligente e deturpação inocente. No caso da Starbucks parece ser deturpação fraudulenta, porque ao informar o cliente sobre o volume da bebida, já está a contar com o gelo. Para além de alegar deturpação de informação, é muito provável que o queixoso processe a empresa baseado nos requisitos da “venda por descrição do produto”. A “Venda por descrição do produto” é um caso particular dos contratos de venda de produtos. Significa que o cliente compra produtos porque confia na descrição que deles é feita. Logo, se existir uma falha na descrição, não importa se intencional ou não, o cliente pode exigir uma compensação; por exemplo, reembolso, devolução dos produtos ou mesmo uma indemnização monetária. É por isto que o porta-voz da Starbucks, Jamie Riley, afirmou: “Podemos preparar-lhe outra bebida.” O queixoso só poderá processar a Starbucks por “deturpação” ou por falha na “descrição do produto”. Não pode processar pelas duas vias e pedir uma dupla indemnização. Baseados nesta discussão, não nos parece pouco razoável reclamar que um refresco que é suposto ter sete decilitros, os tenha efectivamente. Esta linha de pensamento vai totalmente ao encontro dos requisitos da “descrição do produto”; e não da “deturpação”. Mas se não adicionarem gelo à bebida, como é que ela vai ficar gelada? Possivelmente o queixoso afirmará que esse efeito se obtém se for colocada no frigorífico. Não importa quão fria esteja, porque a quantidade de frio não vem especificada no contrato de venda de produtos. Este caso da Starbucks é sem dúvida peculiar. Não devemos dar muito crédito ao queixoso. Os motivos para levar a questão a Tribunal são duvidosos. E casos duvidosos, não interessam a ninguém. Esperemos que de futuro estas situações não se repitam.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho chinês “The realization of the Chinese dream needs both constant economic development and progress in all aspects of society. Along with the increase in economic production and improvement in people’s living standards, the key factors for selecting China’s course turn to the constraints of resources and environment and the decrease of the gap between the rich and poor.” The China Dream and the China Path Tianyong Zhou [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] sonho chinês seguido por mil e trezentos e sessenta milhões de pessoas é objecto de numerosos estudos. Se falarmos da actual China, poderá parecer um pouco estranho, que não exista nenhuma referência ao sonho chinês. Se falarmos dele a chineses de meia-idade, muitos certamente se recordarão dos sonhos da sua infância, talvez o tenham realizado, se apagaram na bruma do esquecimento, ou enriqueceram com o passar do tempo. Quais teriam sido os sonhos das crianças chinesas há cinquenta anos? Muitos esqueceram, ou talvez não tivessem nenhuns. Existe um sonho comum a muitas crianças desse tempo perdido, o dos pais insistirem como em qualquer outro país, que estudassem muito, pois assim poderiam arranjar um bom trabalho e terem molho de soja para misturar com o arroz. Era um tempo em que poucas pessoas sabiam ler e escrever, e ninguém sabia o que eram bancos ou editoras. Era a época em que se estabeleceram as comunas populares, por toda a zona rural do país. Os chineses, nem ainda tinham começado a primeira fase da escola secundária, e tinham de trabalhar a terra dos pais. A comida produzida nas comunas não era suficiente, e mesmo durante as estações sem alterações climatéricas, com colheitas normais, existia carência de alimentos. Na primavera, em geral, ficavam sem comida. Era lógico, que os pais sonhassem que os seus filhos, quando chegassem à idade adulta tivessem a barriga cheia. A soja estava disponível para alguns, mas raras vezes viam nas suas mesas. Só aparecia na “Festa da Primavera”, para uso de alguns convidados importantes. Era actualmente, como as lesmas, abalones e pepinos-do-mar. As décadas de 1960 e 1970, não foram propícias aos chineses para terem grandes sonhos, pois apenas se importavam em ter comida para o dia seguinte, mas o tempo passou, e em 2009 realizou-se uma grande sondagem na China, sobre os sonhos e sonhar. Os resultados mostraram que antes da reforma e abertura de 1978, o sonho dos chineses era sobretudo, ter suficiente comida e roupa. A aspiração dos pais nesses tempos idos era normal e legítima. As crianças que nasceram nesse tempo, em algumas pequenas cidades do Norte da China, tiveram a sorte de poder ler a imprensa da capital, mesmo não sendo diariamente, enquanto outras crianças que nasceram em pequenas vilas no sul do país, a primeira vez que viram o que denominavam por diário, foi no ano do falecimento de Mao Tsé-Tung, e apesar da falta de informação e do vazio cultural, nunca renunciaram ao objectivo de estudar conscienciosamente. O estudo nos últimos mil anos tem sido a referência para que milhões de chineses mudem os seus destinos, e sigam os seus sonhos e muitos matricularam-se nas universidades das grandes cidades, viram o mundo e começaram a conhecer pessoas, que não apenas sonhavam, mas também conseguiam transformar os seus sonhos em realidade. Muitos começaram também a ter os seus sonhos. Falavam deles, e contavam as suas aspirações a outros jovens. O tempo voa e depois de trinta anos de reforma, abertura e acelerado desenvolvimento, produziram-se grandes mudanças no sonho chinês, e assim o demonstram diversas sondagens e estudos efectuados. Os sonhos chineses actuais, contam com a criação de uma empresa e manter uma boa saúde, que permita viver até aos 100 anos e viajar à volta do mundo. Muitos estrangeiros consideram a China como sua casa, fazendo parte, desse modo, do sonho chinês e são livres de projectar o que desejem, levando à verdadeira essência do sonho chinês, de todos terem o direito a sonhar e a oportunidade de o tornar realidade. A China tem o sonho chinês, os Estados Unidos o sonho americano, A União Europeia, o sonho europeu e a África, o sonho africano. O sonho dos diferentes países e grupos étnicos têm pontos comuns, mas também, diferenças significativas, que são próprias de um mundo plural. O sonho chinês nunca irá contra o de outros países, e caracteriza-se pela inovação, inclusão e dinamismo, e anda de mãos dadas com o desenvolvimento do mundo. Todavia, existem diversos mal-entendidos, tais como, o facto de alguns meios de comunicação, terem interpretado o sono chinês como sendo o sonho da China, ao invés do sonho do povo chinês, e inclusive ligam a um sonho que se consegue à custa dos interesses do povo chinês, tratando-se de uma interpretação restritiva do termo. O segundo mal – entendido é de que o sonho chinês irá substituir o sonho americano “american dream”, que é uma parte importante do “soft power” dos Estados Unidos. Muitos consideram as relações sino – americanas, como relações entre o número dois e o número um do mundo, e receiam que o sonho chinês substitua o americano. A China, de facto, não interfere na realização do sonho dos outros países. O terceiro mal-entendido é de que s sonho chinês é uma nova utopia. O termo utopia, no vocabulário chinês, faz referência a um sonho inalcançável, e alguns consideram que o sonho chinês, é como uma droga espiritual, que faz os chineses perderem a consciência reformista. O quarto mal-entendido é de o sonho chinês, significar que a China tenha abandonado o ideal comunista. A China, na realidade é um país socialista, dirigido pelo Partido Comunista, e procura a prosperidade comum, que é o objectivo principal do sistema socialista. O sonho chinês não só não exclui o ideal comunista, mas dedica-se a alcançar de uma forma mais pragmática, o progresso. Pode-se dizer que o sonho chinês, é um sonho de prosperidade comum, entre os diversos grupos étnicos da China, e dos povos do mundo. O quinto mal-entendido demonstra que a China, deixou a prática de passar o rio apalpando pedras, que é um caminho de reforma. O sonho chinês não afasta a reforma e abertura, e é uma purificação sistemática. O sexto mal-entendido é de que o sonho chinês, é um sonho de constitucionalismo, de direitos humanos e democracia. Trata-se de uma interpretação restritiva, pois o sonho chinês para alguns tem uma conotação muito mais ampla. O sétimo mal-entendido é de que o sonho chinês é um sonho de modernização. A modernização é um sonho da China moderna, e não obstante, algumas pessoas querem que a China se ocidentalize, totalmente. O sonho chinês, não é só a prática do modelo e dos conceitos modernos ocidentais na China, mas a realização do marxismo, combinando as condições nacionais, com a criação de um caminho socialista com peculiaridades chinesas. O oitavo mal-entendido, é de que o sonho chinês, é um sonho de renascimento, e alguns países temem que a China restaure a prosperidade das dinastias Han e Tang, compreendendo o sistema de tributos e o render homenagens a uma pessoa determinada. Este mal-entendido pode alimentar as teorias sobre uma possível ameaça chinesa. A China é um país detentor de uma civilização antiga, e o principal significado do sonho chinês, é a revitalização e a renovação da sua civilização, para promover a transformação da civilização humana, e materializar o desenvolvimento sustentável. O nono mal-entendido, é o de alguns pensarem que o sonho chinês é igual à ascensão da China, que apenas dá atenção à posição, preocupações e sentimentos, depois do seu ressurgimento, como potência mundial. O décimo mal-entendido, é de que o sonho chinês, não só não exclui o sonho dos outros países, mas que os ajudará, em particular, os que estão em desenvolvimento, a realizar os seus sonhos. O sonho chinês é, em primeiro lugar, o sonho do povo chinês, ou seja, o seu objectivo é o bem-estar do povo. Em segundo lugar, a sua meta é consolidar a prosperidade e a liberdade no país. Além disso, o sonho da civilização chinesa, ao conseguir um desenvolvimento económico sem paralelo na história, é o de proporcionar à humanidade um outro tipo de riqueza. O que é exactamente o sonho chinês no século XXI? Numa só frase, é ter um mundo comum. Actualmente mais de sete mil milhões de pessoas de milhares de grupos étnicos, vivem em duzentos e trinta e nove países e regiões do mundo. Construir uma sociedade modestamente acomodada, um país rico e poderoso e um povo dinâmico e feliz, assim definiu o presidente chinês Xi Jinping, aquando da sua eleição.
Leocardo VozesAi de mim, que sou orgulhoso [dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uanto mais anos me demoro por Macau – e tenho como quase garantido que estou aqui “radicado” – vou ficando cada vez mais chocado com o que vejo passar-se em Portugal, local onde me foi afixada a etiqueta de origem. O mesmo se passa cada vez que lá vou, e os intervalos de tempo em que isto acontece vão-se tornando maiores, também. Verdade seja dita, da última vez que lá estive deu-me mesmo a sensação que estaria…NUM PAÍS ESTRANGEIRO! UAH! AH! AH! Fora de brincadeiras, falando a sério. Não sei se acontece o mesmo com o leitor, mas aposto que pelo menos lhe saltam à vista algumas diferenças, nomeadamente no “toque”. Os empregados dos cafés, pastelarias e afins, por exemplo, e aproveito para abrir uma excepção para aqueles da restauração (pelo menos alguma), que na sua maioria são educados e respeitadores. Agora pensem como é aqui em Macau, quando vão lá tomar a bica e são atendidos pela “pina” da ordem, que vos pergunta quase a cantarolar “what do you wish, sir? ”. Mesmo que não tenha muito jeito para tirar cafés da máquina, ou traga a garrafa de água mineral já aberta para a mesa, a gente dá-lhe um desconto, lá está, pelo menos somos tratados como todo o Zé Pagante devia ser. Enquanto isso, em Portugal, não são raras as vezes que batemos de frente com um pinguim de avental, de mal com a vida, quem em alternativa a servir-nos, opta antes por nos “aturar”: – “Então vai ser o quê, diga lá”. – “Queria um folhado de salsicha, um sumol de…tem Sumol de limão”. – “O que temos é o que está à vista, e despache-se que não tenho o dia todo”. – “Ok, pronto, traga-me antes um copo de água”. – “Copos de água não temos, só copos com água. Nhe, nhe, nhe”. Nunca se cansam desta piada fatela, estes tristes, e nem vale a pena explicar que aqui “um copo de água” é entendido como uma medida. Deixem lá, é exactamente por ser assim que o gajo anda ali a fazer figura de imbecil. E não é só nos cafés, é claro, pois em quase tudo no dia-a-dia lá no “rectângulo” dou comigo de queixo caído de perplexidade, e acho que para me tornar num copinho de leite, tipo lorde inglês, já só me falta mesmo puxar de um monóculo e exclamar num carreegado sotaque “british”: “Say, I’d never”! Já vos contei aquela que me aconteceu uma vez no mini-mercado ao pé de casa? Fui comprar umas bebidas e uns “snacks”, e enquanto esperava pelo troco fui metendo os itens dentro dos sacos de plástico ao pé da caixa, quando de repente, e quando nada o fazia prever, fui interrompido pela jovem caixista, que num misto de raiva e dores nos joanetes, arranca-me um dos sacos da mão e urra: “os sacos de plástico são 10 cêntimos cada!”. Que diabo, vejam lá, que venho eu de tão longe para roubar sacos de plástico, e nem a esse pequeno “plaisir” tenho direito. É o que dá, tantos anos a viver aqui, onde no início a passividade dos indígenas também nos causa alguma estranheza, dando-nos mesmo para sussurrar “inter pares” que os tipos de cá “têm sangue de barata”. E agora nós também, e se que lhe quiserem chamar isso, tudo bem, porreiro, eu antes prefiro pensar que cheguei aqui com uma casca dura, que depois de uma temporada de molho, foi cuidadosamente escamada e substituída por uma outra. De seda. Sim, claro, modéstia à parte, porque não? Ainda no outro dia assisti num daqueles enlatados que a nossa RTP teima em pensar que “os emigrantes adoram”, a uma reportagem sobre um festival qualquer em Oliveira de Azeméis. Um festival qualquer mesmo, não me perguntem qual, pois o que me chamou a atenção mesmo foi a velocidade com que os populares se embruteciam ao ponto da humilhação quando se apercebiam da presença da televisão, acotovelando-se para se chegarem à frente e “mandar beijinhos”. Se fosse para alguém longe, especialmente no estrangeiro, desatavam a chorar, a babar-se, em suma, não havia um fundo onde bater – era para a desgraça. E ai da jornalista (coitada…) que ignorasse um dos “beijoqueiros televisivos”, e não se pense que eram só senhoras de idade. Era um autêntico “tutti-frutti” rústico, como se aquela fosse a única oportunidade em toda uma vida para granjear os tais 15 minutos de fama de que Warhol falava. Sim, pela segunda semana consecutiva faço uma referência a Andy Warhol. Não estou com isto a renegar as minhas raízes, a trair a Pátria ou seja lá o que for que estão aí a pensar. Estou radicado, apenas, lembram-se? Sim, é grave e não tem cura, que tal terem pena de mim? Na verdade penso que os portugueses, e claro que não me excluo do lote, são um povo “orgulhoso”, se nos quisermos descrever numa palavra apenas. Mas a grande dúvida que subsiste é esta: orgulhoso, do quê, afinal?
Rui Flores VozesEstou na bolha [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]ideia de que vivemos numa bolha censória que nos protege de tudo o que é diferente daquilo que habitualmente vemos e lemos não é nova. Ganhou destaque, no entanto, nos Estados Unidos, nos últimos dias, com notícias de que o Facebook teria apagado estórias de cariz marcadamente conservador da secção dos posts mais vistos e comentados (trending). A ideia seria a de que o Facebook estaria apostado em favorecer visões mais liberais. Com um congresso maioritariamente conservador, a notícia levou o presidente da comissão do comércio a requerer explicações à empresa de Mark Zuckerberg, que as negou. Naturalmente. O conceito da filter bubble, de uma bolha protectora online que estabelece por nós aquilo que consideramos ser mais relevante, foi uma constatação a que chegou Eli Pariser, presidente da MoveOn.org (uma plataforma online de discussão política), após ter estudado a forma de funcionamento do Facebook e do Google. As suas conclusões tornaram-se virais em 2011, quando participou numa TedTalk. O conceito é muito simples e explica-se num parágrafo. Os motores de busca na internet e outras aplicações registam os nossos hábitos de pesquisa, de navegação, avaliando as páginas que abrimos e o conteúdo dos posts que gostamos e que comentamos. Quando fazemos uma nova pesquisa, os resultados obtidos são influenciados pelo registo do nosso histórico. Isso é evidente não apenas na forma como os resultados são ordenados, mas também na publicidade associada a páginas que visitamos. Por exemplo, se através do Agoda ou do Booking.com pesquisarmos um destino de férias, quando visitamos páginas em que estas empresas promovem os seus produtos somos confrontados com propostas – normalmente a preços imbatíveis – feitas à medida para a cidade, praia ou destino que procurámos anteriormente. Trata-se de publicidade feita à nossa medida. Para os nossos gostos. Para as tendências que preferimos. Para a ideologia com a qual estaremos mais identificados tendo em conta os textos que lemos online. Faz isso o Google. Faz isso o Facebook. Se nas nossas pesquisas anteriores – por exemplo de notícias – preferimos em várias ocasiões o The Guardian ao The New York Times, a BBC à Russia Today ou o Público à Folha de São Paulo, quando voltamos a fazer uma pesquisa de notícias, os resultados serão ordenados pela tendência das nossas preferências anteriores. Se assim continuarmos, chegamos a um momento em o que The New York Times, a Russia Today e a Folha deixam de aparecer nos resultados da nossa pesquisa. Por uma questão de irrelevância. Se não vemos o que têm para nos dizer, acabam por desaparecer ou ficam muito para baixo da lista de resultados. Quem tem tempo para ver mais do que os dez primeiros? No caso do Facebook, a forma como esta bolha opera – uma bolha construída por algoritmos e incluída na parte não contratual da plataforma – é igualmente bastante visível. Os amigos cujos posts raramente comentamos ou a quem nunca colocamos um gosto deixam simplesmente de aparecer na nossa news feed. Isto afunila consideravelmente o nosso mundo. É como se vivêssemos num espécie de redoma, inócua, asséptica, em que nos é mostrado apenas aquilo que não vai contra os nossos valores, os nossos ideais. Embora não o tenhamos pedido a ninguém – recorra-se uma vez mais ao exemplo inicial das notícias – não nos deixam ver a visão alternativa plasmada nos artigos da Russia Today. E deixam de aparecer no nosso news feed no Facebook opiniões contrárias às nossas. Esta não é uma questão de somenos. O Facebook é cada vez mais a principal fonte de informação para milhões e milhões de pessoas. Segundo o reputado centro de estudos de opinião norte-americano Pew Research Center, 63 por cento dos utilizadores do Facebook usam a plataforma para saberem o que se passa no mundo. Se parte do que se diz e que está a acontecer nos é escondido, estamos todos cada vez mais a fazer leituras do mundo em que várias cores possíveis estão omissas. As horas passadas no Facebook servem apenas para reforçar as ideias que já tínhamos e não para nos questionarmos a nós próprios. Por razões de “relevância”, somos forçados a concordar connosco próprios. A não nos desafiarmos. Vivemos pois tempos em que os algoritmos substituíram o trabalho do censor prévio. E por mais que Zuckerberg diga que não há censura no Facebook, é fácil concluir que, sempre que nos ligamos à plataforma, os posts que surgem no topo da news feed são os dos amigos com quem mais interagimos – aqueles que mais comentamos e que mais gostamos – e não aqueles cujos posts apenas comentamos ocasionalmente ou raramente gostamos. Isto tem consequências profundamente nefastas. Estamos pois fechados numa bolha, na qual apenas vemos os queridos amigos que bajulamos e com os quais temos um forte relação de proximidade, alegadamente intelectual. A diferença, o sal da vida, vai sendo substituída pelos sorrisos dos que constituem a nossa tribo, que nos tornam alheados em relação ao extraordinário. E deixamos de nos indignar, pois somos cada vez menos confrontados com aquilo que nos deveria fazer objectar, criticar. Tal qual o pai que acompanha o filho ao parque infantil e tenta garantir que ele não caia ou se magoe. No fundo, esse pai não quer perder o mundo perfeito em que as crianças são pequeninas e podem ser protegidas por um mero abraço. Um mundo em que as crianças não crescem e hão-de para sempre precisar da ajuda do progenitor.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBananas [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]governo chinês proibiu o acto de ‘eroticamente’ comer bananas em videos de live-stream. Como se definirá o erotismo, ou ausência dele, quando se come banana para o mundo online, ficará ao critério dos oficiais chineses. A especificidade legal vai à banana e não ao pepino, batata doce ou courgette, onde o desespero sexual talvez fosse mais óbvio. Comer bananas até soa mais inocente se compararmos com a simulação de falacio num pepino. Mas para além da regulamentação nas frutas que se podem comer, há restrições indumentárias. Não se podem usar mini-saias, decotes, ligas nem nada que possa revelar pele a mais. Tudo para manter uma conduta social (online) exemplar, para não destruir a ciber-ecologia chinesa que já é censurada ao tutano, e que agora o será ainda mais. Pessoal será necessário para controlar o conteúdo dos vídeos que são publicados pelas milhares de jovens chinesas que são seguidas por outros milhares de homens chineses. Esta tendência de acompanhar a vida online de jovens pelo seu dia-a-dia é justificada pela antiga política do filho único, que deixou jovens chineses na solidão por não encontrar companhia mais ‘real’. A indústria dos vídeos live-stream tem agradado as carteiras dos seus criadores e a das ‘entertainers’ (que já não podem comer bananas) que trabalham para eles. A procura por uma companhia, real ou virtual, é tanta, que a satisfação de acompanhar alguém a caminhar na rua, ou a beber um café através de um ecrã, é facilmente atingida. Os usuários deste tipo de serviço têm o hábito de gastar entre 500 a 800 yuan por semana a presentear as raparigas que os entretêm. Ramos de flores, bebidas e outras coisas, todas virtuais. As raparigas, que vêm a possibilidade de ganhar uns trocos fáceis ao exibirem-se numa webcam, ou a jogar uns jogos com os seus seguidores, têm agora que seguir as orientações do partido vermelho para promover a melhor comportamento. O facto de que a maioria das raparigas são menores de 18 anos e que expõem as suas vidas para todo o mundo (masculino e chinês) ver, parece que faz menos confusão ao pessoal que dita as regras. A dependência virtual para satisfazer necessidades pessoais e sociais faz menos impressão ainda. Porque as redes sociais são o futuro e a China está sem dúvida na vanguarda de todo o desenvolvimento tecnológico e social de como nos relacionamos com o mundo e com os outros. Com ou sem bananas. No entanto, fica no ar como é que as necessidades de afecto e de sexo poderão ser colmatadas quando ainda são vistas como falta de decoro. Posso não ser 100% a favor de se comerem bananas, mas também não sei se a restrição ao fruto trará educação. Educação gera educação, e a punição? Acaba-se por implicar com o sexo da forma mais bizarra, como se as bananas e as ligas fossem o perigo a ultrapassar por uma expressão saudável. Está-se a reprimir o quê, exactamente? Se o sexo é uma indústria multi-milionária e já se sabe disso, discursos sobre bananas soam a tentativas de mostrar que se está a fazer alguma coisa, mas só de fachada, para agradar os mais indignados. Mas pode só ser impressão minha. Como a imaginação alimenta a humanidade, certamente que outros objectos fálicos serão usados para substituir o tão temido fruto rico em potássio. E assim entre frutas, lingerie e censuras faz-se uma sexualidade, que se espera criativa, e muito virtual. A China que se prepare, porque o sexo está por aí e muitas mais restrições serão necessárias para limitar a sua naturalidade. O que foi feito: um activista manifestou-se à porta da Embaixada Chinesa no Reino Unido a comer uma banana, da forma mais sedutora possível, para reforçar a inocência da mesma. Certamente que foi uma manifestação vã, mas no mínimo caricata. Nunca uma banana será comida como dantes.