Tânia dos Santos Sexanálise VozesSex Education Depois de um hiato de dois meses, o regresso a este espaço de escrita vem divulgar a série que melhor caracteriza o sexo e os relacionamentos românticos em muitas das suas valências, tensões e dificuldades. A série Sex Education, da vossa plataforma de streaming mais popular, proporciona o espaço de discussão para os temas mais prementes do sexo na esfera do entretenimento – que como já sabemos, não é dos espaços mais críticos ou inclusivos da sexualidade. Ainda nos dias que correm, comediantes fazem uso de estereótipos de género e de excepções à heterossexualidade como se fossem alvo de gozo e de comédia. Um comediante disse recentemente que ser trans é um predicamento “hilariante”. Felizmente que muitos já lhe caíram em cima. Já começa a ser hora de produzir conteúdos televisivos que consigam ser mais inclusivos do que os clichés televisivos dos anos 90. A série Sex Education é uma lufada de ar fresco comparada com outros conteúdos onde a heteronormatividade continua a ser a representação de base da imaginação colectiva do sexo e dos relacionamentos. A série foca-se em adolescentes na escola secundária, o que poderia insinuar que é uma série para uma faixa etária particular. Diria que é uma escolha estratégica para explorar o período de vida em que o sexo parece ocupar a maior parte das preocupações das pessoas. Mas esta exploração é tão relevante nessa altura como depois, e a série mostra isso também. A íntima relação entre o amor, o sexo, a paixão e o tesão continuam a ser explorados ao longo da vida. Os pais dos jovens que por lá aparecem mostram que toda a gente tem espaço para crescer, ora no sexo, ora na intimidade. Só mantendo a saudável curiosidade sobre o mundo é que é possível percorrer esse caminho de aprendizagem: que é tão relevante na adolescência como no resto da vida. Porque a série foca-se no sexo em contexto educativo em particular, explora-se também o que é a educação sexual. O sistema educativo formal consegue ser opressor ao enquadrar a sexualidade única e exclusivamente na forma como se previnem bebés e infeções sexualmente transmissíveis. O foco no prazer – e de como é que se pode dar espaço a esta dimensão – é relevante para todos. A série consegue puxar a necessidade de se falar abertamente do prazer nas salas de aula, bem como em conteúdos de entretenimento. Todos sabem que o sexo dá prazer, mas se há coisa que o legado judaico-cristão ensinou é que o prazer não é um direito, é um desvio, uma tentação da pureza da essência humana. Estas representações precisam de ser desconstruídas, e a série faz um bom trabalho ao não moralizar o sexo. O prazer está sempre lá, não fossem as dezenas de cenas de sexo que a compõe. Esta série também faz um trabalho decente em mostrar diversidade de constelações familiares, românticas e de expressões de género. Há uma naturalidade muito bem-vinda. A série remete para as dificuldades que muitos jovens não-heterossexuais e não-binários sofrem no seu dia-a-dia – mas não as tornam problemáticas. Todos abraçam esta diversidade na utopia que podia ser reflexo dos dias de hoje, mas que ainda não é. Se se podia fazer mais e melhor em termos de representatividade televisiva? Claro que sim, a verdade é que as personagens principais continuam a ser brancas com tendências heterossexuais. Ainda assim, os escritores desta série tentam explorar o tutano das experiências diárias destes jovens e dos seus pais, até em contexto de terapia sexual e de casal. Os autores expõem dados com base na evidência, tentam desconstruir estereótipos e preconceitos, ideias que foram guiadas pelo consumo de pornografia: ideias erradas sobre o corpo, as formas das vulvas e o tamanho do pénis. Discutem sobre o orgasmo feminino e as muitas formas de sexo que podem existir. Há uma tentativa de criar um ambiente verdadeiramente sex positive. Também é verdade que há quem se chateie com o nível de inteligência emocional que estas personagens mostram: a maioria delas mostram uma maturidade relacional e sexual fora do normal. Pelo menos que nos sirva de referência que maturar a nossa relação com o corpo, o sexo, e os outros pode ser bem possível. Dentro e fora do ecrã.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAbertura das fronteiras A comunicação social divulgou recentemente que a fronteira de Macau com Zhuhai deve voltar a abrir. Mas, antes disso, é natural que se venha a realizar a quarta testagem em massa à população. Embora esta notícia ainda não tenha sido confirmada, traz consigo ventos de esperança. Macau é uma cidade de turismo, lazer e entretenimento. Os turistas vêm de todas as partes do mundo, embora a relação preferencial seja com Zhuhai. Existem muitos estudantes em Macau oriundos de Zhuhai, bem como trabalhadores de Macau que vivem em Zhuhai. O encerramento da fronteira afectou seriamente a economia de Macau e as pessoas que estão dependentes deste intercâmbio. Depois de os estudantes de Zhuhai terem chegado a Macau, foi-lhes impossível regressar à sua cidade de origem devido ao encerramento da fronteira, e passaram a precisar de assistência urgente. Foi um problema complexo. Se a fronteira abrir em breve, esta questão fica resolvida. A notícia sobre a abertura eminente da fronteira é sinal que não existem casos de COVID 19 e não existe portanto risco de transmissão. Os locais de entretenimento que se viram forçados a fechar as portas podem voltar a abrir e a economia vai crescer. Não são boas notícias? O fecho das fronteiras foi provocado pela pandemia. Enquanto o risco de transmissão não for eliminado, a vida não pode voltar ao normal. O processo de vacinação vai continuar durante algum tempo e os profissionais de saúde apelam a toda a população para que se vacine. A vacina permite criar anti corpos que combatem o vírus e, no caso de mesmo assim se contrair a doença, os sintomas serão muito mais ligeiros. Mas, acima de tudo, quando houver uma grande percentagem de pessoas vacinadas, a comunidade cria uma barreira ao vírus que o impede de se alastrar. Claro que esta vacinas são um produto recente. A comunicação social fala por vezes de pessoas que sentiram efeitos secundários após a administração da vacina. No entanto, partindo da premissa que os benefícios ultrapassam largamente os incómodos, toda a população deve considerar vacinar-se o mais rapidamente possível. Actualmente, todas as pessoas que trabalham em contacto directo com o público, ou em espaços fechados, têm de estar vacinadas. Caso contrário, têm de se submeter todas as semanas a um teste ao ácido nucleico. Estas medidas combatem eficazmente a propagação do vírus. A comunicação social também divulgou recentemente que alguns laboratórios farmacêuticos já desenvolveram um medicamento que, se for administrado na fase inicial da doença, tem resultados positivos. Um laboratório britânico anunciou para breve o lançamento no mercado de um medicamento anti-viral. O aparecimento destes medicamentos vai ser muito útil no combate às infecções. Embora estes medicamentos estejam para surgir, ainda não se sabe se terão eventuais efeitos secundários, nem quais serão. Assim sendo, vamos ter de continuar a usar máscara e a manter o distanciamento social. Recentemente, alguns sectores da sociedade propuseram que se implementasse a “Lei da Máscara”, para garantir que todos a usam de forma correcta. A implementação de tal lei implica que uma série de aspectos que têm de ser considerados. É preciso estudar cuidadosamente todos os aspectos da Lei da Máscara, para que se não colida com a vida quotidiana, caso contrário será contraproducente. Recentemente, o Governo implementou a terceira testagem em massa à população, na sequência do aparecimento de quatro casos de infecção por coronavírus. É o método mais eficaz para identificar casos e evitar a propagação do vírus. Mas a testagem em massa requer a colaboração de todos e é uma tarefa difícil. Talvez se pudesse considerar a divisão da população em vários grupos, tendo em vista testagens cíclicas. Macau tomou as medidas necessárias para travar a propagação do vírus e prestou os cuidados apropriados a quem foi infectado. Agora só podemos esperar que haja um desenvolvimento científico positivo ao nível do tratamento e da prevenção. A vacina de última geração vai poder ser administrada a crianças pequenas e a bebés recém-nascidos. Da mesma forma, os medicamentos para combater a COVID são apropriados para estas faixas etárias. As novas conquistas podem vir a eliminar as dúvidas sobre as vacinas e os medicamentos, fazer-nos reagir à ameaça dos vírus e fazer com que a vida das pessoas volte ao normal. Pode ainda voltar a pôr-nos um sorriso no rosto. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesLocura política em Portugal Dá a ideia ao zé povinho que os políticos portugueses estão completamente loucos. De uma ponta à outra não se entendem. Nem no interior dos próprios partidos. No neofascista Chega há quem queira correr com o André Ventura. No CDS o eurodeputado Nuno Melo quer tirar o lugar ao líder Francisco Rodrigues dos Santos. No PSD o caso é grave. Carlos Moedas ganhou a Câmara Municipal de Lisboa e Rui Rio pensou que ficaria à frente do partido ad eternum. Enganou-se. Paulo Rangel, depois de sair do armário ganha cada vez mais apoiantes, além de todo o grupo gay do PSD, e na reunião do Conselho Nacional arrasou Rui Rio em todas as matérias. A reunião começou tensa, com uma ameaça de Rui Rio de que se “iria embora”, se não lhe fosse dada a palavra para uma intervenção inicial. O presidente da Mesa do Conselho Nacional, Paulo Mota Pinto, concedeu a palavra a Rio e foi a contestação geral. Ouviu-se um “bruá” na sala e quando as propostas várias foram a votação Paulo Rangel ganhou sempre. Rui Rio terá de pensar se valerá a pena concorrer nas eleições directas no partido, porque a maioria dos militantes prefere Paulo Rangel na liderança do PSD para combater António Costa. No PS a situação é grave. Até já existem militantes apoiantes do ‘Maserati’ Pedro Nuno Santos que querem que António Costa abdique do cargo se o Orçamento do Estado for reprovado. As facções socialistas digladiam-se ao estilo da idade média. A ala forte maçónica está com o actual primeiro-ministro e pretende uma remodelação ministerial que afaste Pedro Nuno Santos, considerado o “amiguinho do Bloco de Esquerda”. António Costa reuniu-se com o grupo parlamentar do seu partido e pôs muitos pontos nos is e deu recados fortíssimos aos “chicos-espertos”. A reunião decorreu após o PCP e o Bloco terem anunciado que irão votar contra a proposta do Governo para o Orçamento do Estado. Se não houver entendimento entre o PS e os parceiros de esquerda a crise política está instalada. O Presidente da República, depois de se banhar nas águas de São Tomé, andou a semana passada toda a tentar convencer os partidos que se entendam e que compreendessem que eleições antecipadas seria um erro de palmatória e que de nada adiantaria. Alguns observadores viram nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa que no caso de se realizarem eleições legislativas antecipadas que o PS voltaria a ganhar e que o país apenas teria gasto milhões de euros que tanta falta fazem, por exemplo, na Saúde. Marcelo apelou ao bom senso e a todos os esforços dos partidos com assento parlamentar para evitar um chumbo do Orçamento. O Presidente deixou à vista um calendário político que grassa o ridículo e sublinhou que a haver eleições antecipadas seriam em Janeiro de 2022, sendo formado o Governo em Fevereiro e discutido um novo Orçamento do Estado lá para Abril. A única esperança com que se ficou dos encontros do Presidente da República com os dirigentes dos partidos foi a posição do PCP, a qual poderá ainda mudar e deixar passar o Orçamento. Segundo fontes credíveis o encontro entre o Presidente Marcelo e Jerónimo de Sousa foi “demasiado” cordial e frutuoso. Veremos. O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda têm uma importância vital nesta matéria e sabem bem que a reprovação do Orçamento do Estado é um enorme prejuízo para o país. As suas responsabilidades estão bem patentes e o povinho poderia vingar-se nas urnas em força pelo voto no PS. Obviamente que no Comité Central do PCP existam duas alas, uma mais radical e outra mais moderada. Esta última tem a noção do que acabámos de referir e possivelmente ainda consiga um acordo com o Governo. Por seu lado, o Bloco de Esquerda tem mudado paulatinamente de posição política relativamente ao Governo. Tornou-se mais crítico e a sua coordenadora Catarina Martins parece não querer nada com António Costa. Todavia, o antigo líder do Bloco, Francisco Louçã, agora comentador de televisão, foi da opinião que seria muito negativo para os portugueses que o Orçamento do Estado não fosse aprovado. E é esta política de “loucos” com que temos de viver e substancialmente assistimos a discórdia atrás de discórdia em todos os quadrantes. Não só de política geral, mas no interior dos partidos como vos referimos no início, mas o que é preocupante é ver um PCP que nunca deixou sair para o exterior os seus segredos, vê-lo agora com as suas células a discutir a liderança do partido. Por um lado, há quem deseje a substituição de Jerónimo de Sousa pelo líder parlamentar João Oliveira, enquanto outros preferem que seja o actual eurodeputado e vereador da Câmara Municipal de Lisboa, João Ferreira. Estes políticos parece que ainda não viram o quadro dos salários da Europa Ocidental, onde entre 19 países, Portugal está em último lugar com os salários mais baixos. Uma vergonha por se gastar tanto dinheiro como por exemplo no saco roto da TAP e não se usar esse dinheiro para a dignidade de quem trabalha. Só para ficarem com uma ideia, em primeiro lugar está a Suíça com um rendimento anual de 35 mil euros, enquanto Portugal na última posição tem um rendimento anual de 14 mil euros e com uma agravante, temos a sétima carga fiscal mais elevada sobre o trabalho, de 41 por cento. É obra. *Texto escrito com a antiga grafia
Hoje Macau VozesForma urbana (I) – Das tempestades e do atrito urbano Por Mário Duarte Duque, arquitecto A forma urbana é uma característica que condiciona tudo o que constitui transporte no espaço urbano, nomeadamente água e ar. Tal característica é, por sua vez, uma síntese de vários aspectos da forma urbana, entre eles “o atrito”, ou seja, a resistência ao transporte, e que na cidade se designa por “atrito urbano”. O atrito da superfície urbana retarda a drenagem da água das chuvas, aumenta o tempo de concentração de toda a água recolhida numa bacia hidrográfica, assim como atrasa a possibilidade do colector de toda essa bacia entrar em colapso. Esse atrito urbano forma-se no tipo de revestimento de superfície e nas características desse revestimento. Um coberto vegetal constitui não só maior atrito que uma superfície construída como contribui par um maior tempo de concentração da drenagem de uma bacia, porque também grande parte da água é infiltrada no solo. Assim como, uma via em paralelepípedos de pedra constitui maior atrito que uma via em laje lisa de betão. As vias de paralelepípedos de pedra, na RAEM só não contribuem para um maior tempo de concentração de toda a drenagem porque, acessoriamente e para facilidade de manutenção, são construídas sobre uma laje de betão que não permite qualquer infiltração de água no solo. Já para o que se prende com o transporte do ar, importa separar as brisas geradas localmente, dos ventos de circulação regional ou geral. Na situação de tempestades, são os ventos regionais que estão em comando e o “atrito urbano” a esse transporte já não se forma na superfície urbana, mas no chamado “canópio urbano”, constituído pela superfície urbana quando ela não está ocupada, mas também por todo o relevo que resulta de copas de árvores e de construção. Sendo o “canópio urbano” da RAEM formado na sua generalidade por construção, interessa conhecer porque os ventos são sentidos de modo diferente na cidade durante uma tempestade, independentemente da exposição dos lugares. Uma morfologia urbana constituída por construção com a mesma altura, rasgada por vias a que chamamos espaços canal afundados na massa construída, o vento varre esse “canópio urbano” com muito pouco atrito e pouca repercussão ao nível da superfície urbana. É muito parecido ao modo como as populações dos desertos se defendem em torno de pátios abaixo do nível do solo, durante uma tempestade de areia. Se ao longo do mesmo “canópio urbano” existir alguma irregularidade de alturas, isso confere um acréscimo de textura a esse “canópio urbano”, o mesmo quer dizer maior “atrito urbano”, mas ainda com muito pouca repercussão ao nível da superfície urbana. O risco que advém dessas situações é mais porque a resistência ao vento reside na textura desse “canópio urbano” que muitas vezes é constituído por construções informais nas coberturas, não sujeitas a cálculo, por vezes mal fixas, que se desprendem durante uma tempestade, e que podem causar danos graves. Todavia, quando o espaço urbano é constituído por grandes torres dispersas, o atrito que disso resulta é enorme e dá origem a um verdadeiro caos. Esse caos resulta do facto de que a textura do “canópio urnbano” constitui um “atrito urbano” cuja resistência e exposição equivale ao impacto do vento, e reencaminha o ar no espaço urbano, não só numa multiplicidade de direcções, mas também em diferentes sinais de sentido. Isso explica porque na mesma fachada de um edifício alto há vidros que entram pelos interiores da construção e vidros que são sugados para o exterior. O centro ou a meia altura de uma fachada é o centro do impacto e é onde os vidros são comprimidos no interior de uma construção. As extremidades da fachada é para onde o ar é divergido, se liberta do obstáculo, e de onde os vidros são sugados para o exterior com tudo o que se encontra no interior dessas construções. Se dobrarmos a esquina de uma construção alta, e que sequer é o lado exposto ao vento, todos os vidros dessa esquina acabam por estar também sujeitos a um efeito de sucção. Nada mais que o mesmo efeito que mantém os aviões no ar quando eles se deslocam. E se numa construção pequena temos a certeza que a água corre de cima para baixo quando chove. Numa construção alta podemos ter a certeza de que ela pode correr ao longo das fachadas em qualquer direcção. Chegados aqui, o “canópio urbano” só pode ser visto como uma componente do planeamento urbano e não um resultado aleatório desse planeamento. Convencionalmente a atmosfera classifica-se por caótica. O sentido que nisso reside prende-se com uma infinidade de condições e de magnitudes diversas que é ainda impossível introduzir num modelo, para reproduzir e explicar os efeitos exactos. “Caos” caracteriza tudo o que percepcionamos, mas que não compreendemos na totalidade, nem temos o controlo. “Caos é a “cruzada” primordial da razão, para compreender e controlar fenomenologia, com o propósito de converter as ideais em “cosmos”. Mesmo não compreendendo na totalidade, “caos” é também algo que se alimenta para aumentar a energia que se reconhece nos sistemas e para facilitar actuação de mecanismos que são capacidade própria desses sistemas. Em ciência, “caos” está associado a uma componente dos sistemas a que se chama “entropia”, e é também a razão por que toda a investigação na vertente da manipulação ambiental e atmosférica é comtemplada com grande cautela, exactamente porque mexe em muito que não se conhece na totalidade. O certo é que, hoje, na passagem de uma tempestade, temos o ar limpo, não tivemos danos, e todos partilhamos uma sensação de “fresh start”.
João Romão VozesFísica política No princípio era política, a economia: ainda antes de Adam Smith e David Ricardo, fundadores da ciência económica que haviam de oferecer ao mundo bases teóricas para as políticas liberais dos séculos vindouros, já os estudos exploratórios de fisiocratas franceses, como Quesnay, exploravam as ligações íntimas e óbvias entre a análise dos processos económicos, das suas condicionantes e consequências sociais, da importância e necessidade da sua regulação e legislação – enfim, do caráter inseparável da economia e da política no contexto do capitalismo na altura emergente. O pensamento posterior de Karl Marx viria a trazer à economia política uma dimensão crítica e revolucionária até então desconhecida e só possível pela integração sistemática das abordagens económica, social e política – um processo que mais tarde se viria a definir como “multidisciplinar”. Nem sempre havia de ser assim, no entanto. Na verdade, a dimensão política da análise económica não havia de se perder e ainda hoje os critérios de regulação ou desregulação das economias e de afectação e mobilização de recursos continuam a ocupar lugar central nos programas de intervenção política nos mais diversos níveis territoriais de decisão sobre o futuro das comunidades – seja o das autarquias locais, o das regiões, o dos países, ou mesmo o dos blocos internacionais, que normalmente combinam uma certa conjugação de interesses económicos e políticos comuns. O que se perdeu foi esse esforço original de integração “multidisciplinar” e de se analisarem os aspectos económicos, sociais e políticos de uma forma sistematicamente integrada. Ainda que os critérios económicos ganhassem cada vez mais peso na formulação de políticas, a intensificação da formalização matemática associada aos estudos económicos foi transformando este campo do conhecimento, tornando-o cada vez um terreno de sofisticação de cálculo e formalização de modelos quantitativos, e desligando-o progressivamente de outras abordagens da sociedade. Gradualmente, deixou de se falar em “economia política” e passou a falar-se apenas de “economia”, ainda que os aspectos económicos continuassem a ser centrais na formulação de políticas. Esse carácter “multidisciplinar” da economia política levou também a que outras disciplinas assumissem designação semelhante. Na realidade, enquanto a designação “economia” substituía a “economia política”, emergia entretanto a “sociologia política”, durante o século 20, procurando integrar na análise sociológica a dimensão política e as questões de poder. Também no campo da economia emergiam novas correntes, como a “regulacionista” ou a “institucionalista”, que procuravam combinar os desenvolvimentos de elevada precisão matemática da economia com aspectos de decisão política. Em todo o caso, no século 20 são correntes relativamente minoritárias (ainda que ocasionalmente influentes) as que procuram integrar os conflitos políticos na análise da economia e da sociedade, enquanto no século 19 a economia política constituía o eixo fundamental (e único, até certa altura) deste campo do conhecimento científico. Nunca esta dimensão política que se foi aplicando a diversas “ciências sociais” se aplicou às chamadas “ciências naturais”. “Biologia política” ou “química política” nunca foram designações utilizadas. Em todo o caso, talvez fosse tempo de começar a pensar no desenvolvimento de uma certa “física política”, tendo em conta o estado lastimoso em que o nosso modelo de desenvolvimento económico, altamente predatório, injusto e destrutivo vai deixando o planeta: nada se perde, tudo se transforma, mas as transformações em curso ameaçam claramente as possibilidades de vida humana na Terra. É um tempo histórico em que talvez a física possa ajudar mais do que a economia na formulação de políticas de governo. Na realidade, os Prémios Nobel da Física recentemente atribuídos apontam para a urgência dessa dimensão política. Giorgio Parisi foi galardoado com metade do prémio pelos seus trabalhos, iniciados ainda nos anos 1980, no estudo dos processes de regulação de sistemas complexos aparentemente desorganizados, ou caóticos, como possam parecer as sociedades humanas ou a diversidade de ecossistemas do planeta. A outra metade do prémio teve destinatários envolvidos no estudo de problemas directamente associados a um sistema complexo específico, o clima: Syukuro Manabe desenvolve, desde os já remotos anos 1960, modelos explicativos do impacto das emissões de dióxido de carbono na subida de temperaturas na superfície terrestre, assunto que está hoje no centro das preocupações políticas da juventude do planeta, ainda que parte significativa da humanidade continue a negligenciar o problema; e Klaus Hasselmann tem vindo a desenvolver e aperfeiçoar modelos estatísticos que permitem identificar os padrões de longo prazo na evolução do clima na Terra, independentemente da evolução mais ou menos irregular, errática ou caótica do estado do tempo em cada momento – contributo que poderá ajudar parte significativa da população do planeta a dar ao problema climático a importância e a urgência que ele na realidade tem. Se essa importância tem sido mais ou menos reconhecida pelos poderes instituídos, já o mesmo não se poderá dizer da urgência. Apesar da assinatura em 1994 de um tratado internacional promovido pela ONU para enfrentar as alterações climáticas, pouco significativas têm sido as medidas entretanto assumidas. Apesar do famoso “Acordo de Paris”, assinado em 2015 por 195 países durante a Conferência das Alterações Climáticas (“GOP 2015”), desde então não têm deixado de se acumular os avisos da comunidade científica sobre a contínua degradação dos ecossistemas e das condições de vida na terra decorrentes, não só da acção humana, como da incapacidade de a transformar. Dentro de poucas semanas haverá nova Conferência (“GOP 2021”), desta vez em Glasgow. A atribuição deste Prémio Nobel da Física vem evidenciar a urgência do problema mas ainda não é certo que estejamos perante a emergência de uma qualquer “Física política”. Na realidade, vamos ter líderes habitualmente motivados por critérios económicos para a definição de políticas que há muito dispensaram até o suporte da economia política.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLei da máscara Alguns órgãos de comunicação social anunciaram no passado dia 8 que várias pessoas em Macau são a favor da promulgação da “Lei da Máscara”. Mas, como em tudo, há também quem discorde. O motivo que desencadeou a hipótese de se criar esta lei foi a contaminação de um segurança pelo coronavírus, devido a não ter usado a máscara correctamente. Nas três semanas seguintes, realizaram-se em Macau dois testes em massa à população e foram detectados três casos de infecção. Os residentes ficaram mais alerta para a possibilidade de o vírus se propagar na comunidade e para se encontrar todas as formas de o travar. Além disso, algumas pessoas não usam máscara quando se reunem ao ar livre. Se algumas estiverem infectadas, o virus propaga-se e a prevenção da epidemia passa a ter falhas. Alguns empregados discordam desta ideia porque suam muito enquanto tarbalham e têm de tirar a máscara para se refrescarem. A Lei da Máscara será um inconveniente para estas pessoas. Esta lei obriga ao uso da máscara enquanto houver epidemia. É uma lei e uma medida compulsiva. Quem a transgredir será punido. Fica excluída a possibilidade de “usar máscara ou não usar é uma questão de liberdade pessoal”. Macau tem as condições para formular e promulgar a “Lei da Máscara”, porque o Governo local implementou o “Plano para Garantir o Fornecimento de Máscaras”. Cada residente de Macau podia comprar 10 máscaras por apenas 8 patacas, e estas condições mantêm-se até agora. Se não houvesse máscaras em número suficiente, então as pessoas teriam razão para se opôr a esta lei. O objectivo da “Lei da Máscara” é obrigar as pessoas a usá-las e a usá-las correctamente. Quem não as usar quando a tal é obrigado será punido por lei. Mas quem não usar a máscara correctamente também será punido. O uso correcto da máscara pressupõe “que cubra completamente a boca, o nariz e o queixo” e, embora a lei esteja ainda a ser escrita, estas condições não serão certamente alteradas no essencial. E quais são os conteúdos específicos da “Lei da Máscara”? Sabemos que muitos factores têm de ser considerados antes da sua formulação. O Presidente americano Joe Biden assinou a ordem executiva “100-Day Mask Challenge” a 20 de Janeiro de 2021, que requeria que os americanos usassem máscara em todos os transportes públicos. É uma situação muito parecida com a de Macau. Podemos não usar máscara quando corremos ou praticamos qualquer outro desporto? Podemos não usar máscara ao ar livre? Em Taiwan, as pessoas têm de as usar sempre na rua, caso contrário são multadas em $15,000. Se os elásticos da máscara se romperem, pode ser considerada uma razão válida para não a usar e portanto não constituir violação à lei? Uma das formas de lidar com esta situação é aconselhar as pessoas a terem sempre consigo uma máscara suplementar. Assim, mesmo que a primeira se estrague, isso não é razão para não usar protecção. Caso contrário, estarão a violar a lei. Se o uso continuado da máscara causar inflamação cutânea, impedindo a sua utilização, estamos perante uma excepção legítima? Deverá haver um certificado médico que possa ser apresentado em tribunal pela defesa? Já convivemos há quase dois anos com esta epidemia. É natural que as pessoas estejam cansadas. Algumas revelaram-se mais sensíveis ao uso de máscaras. No passado dia 26, em Pingtung, Taiwan, quando um homem entrou numa loja de conveniência, a empregada lembrou-o de que tinha de usar máscara. De forma inesperada, o homem atacou os olhos da empregada, causando-lhe lesões na retina. Esta mulher pode vir a perder a visão de um dos olhos. No dia 18 de Setembro, numa bomba de gasolina na Alemanha, o empregado da caixa viu entrar um homem sem máscara que vinha comprar cerveja. Lembrou-o várias vezes para a necesidade de a usar. O homem saíu e voltou com máscara. Quando ia pagar tirou-a ostensivamente e os dois envolveram-se numa discussão. Mas o pior ainda estava para vir, o homem estava armado, disparou o matou o empregado. Mais tarde, disse à polícia que era contra o uso da máscara. Perante estes casos extremos, haverá necessidade de formular penas específicas para os infractores? Eu não uso máscara, o que é que você me pode fazer? Esta pergunta incorre numa pena, porque é uma violação à Lei da Máscara. Até aqui as penalizações têm sido apenas multas; mas em alguns casos esta penalização não é possível. Por exemplo, se alguém se recusa a usar máscara num autocarro, o condutor não tem autoridade para o multar. Pode apenas expulsá-lo do autocarro. Na elaboração desta lei, será necessário especificar que os condutores de transportes públicos têm autoridade para expulsar passageiros sem máscara? Antes de ser expulso do veículo, deve chamar-se a autoridade para que o identifique e multe? Deparamo-nos ainda com outra questão, que departamento vai implementar esta lei? Será criado um Gabinete especial, como no caso do Gabinete para a prevenção do tabagismo, levada a cabo por pessoal especializado, ou ficará essa responsabilidade nas mãos da Polícia? Seja qual for o departamento responsável, é bom que os agentes trabalhem aos pares. Caso ocorram situações extremas dois agentes ajudam a reduzir os riscos. Após ser criado o departamento responsável, a lei deverá entrar imediatamente em vigor após a sua promulgação? Ou deve dar-se alguns dias para que as pessoas se adaptem à nova legislação? Se houver um período de adaptação, quem estiver em situação de violação deve ser avisado. Se acreditarmos que todos já compreenderam a importância do uso da máscara, não vai ser necessário muito tempo de adaptação. Estas discussões decorrem em torno dos conteúdos específicos da lei. Quanto maior for o impacto de uma lei na vida do dia a dia, com mais situações se irá deparar. É preciso ser muito cuidadoso na elaboração das leis. É concebível que se a Lei da Máscara vier a ser formulada, venha a ter um certo peso na sociedade. Afinal de contas, o mais importante não é a Lei da Máscara. O que é necessário é que todos sejam conscientes e façam a sua parte para prevenir a propagação do vírus. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesCaos nos hospitais Os amigos leitores que me acompanham há mais de um ano devem estar lembrados do que escrevi não há muito tempo sobre a situação dos médicos em Portugal. Afinal, o caso é muito pior. A situação está caótica e os hospitais pelo país fora, bem como os centros de saúde, estão a rebentar pelas costuras. A falta de médicos e a falta de condições para trabalhar é algo de gravíssimo. No Hospital de São Bernardo, em Setúbal, o director clínico tinha-se demitido por falta de condições para trabalhar e logo 87 médicos pediram a demissão por solidariedade. A situação em Setúbal é dramática e o hospital já não tem condições para servir a população. As queixas estendem-se a vários serviços e unidades. Na anestesiologia, por exemplo, só há 50 por cento das salas a funcionar e não há um número suficiente de anestesistas que permita sequer voltar à normalidade quanto mais compensar um défice que já existia antes. Os anestesistas por todo o Portugal são o maior problema. Como na maioria são mulheres médicas, naturalmente têm problemas de natalidade, de tratamento de filhos e outros problemas que não acontecem com os homens. Quase todos os hospitais estão com problemas graves. Muitos dos médicos já nem se queixam dos maus salários, dos milhões de horas extraordinárias que realizam, mas sim da falta de colegas na estrutura global de uma unidade hospitalar. Há falta de médicos, apesar do país ter cerca de 40 mil clínicos. Há médicos que gostariam de permanecer no Serviço Nacional de Saúde (SNS) mas ao fim de muitos anos de andarem a falar para o boneco optam pelos hospitais privados ou pelo estrangeiro. Para terem uma pequena ideia, há médicos que levam para casa mil euros, enquanto na Alemanha, Bélgica, França, Holanda e outros países europeus os médicos têm um rendimento entre os seis e os nove mil euros. Assim não há médico português, tal como os enfermeiros e outros técnicos de saúde, que aguente um sistema que não tem qualquer organização e que não olhe para a Saúde de uma forma realista e sempre tomando em conta que os hospitais públicos devem ser a sustentação de vida de uma população. O Ministério da Saúde está cheio de incompetentes a ganhar três e quatro vezes mais que um médico e a Ordem dos Médicos e o Sindicato Independente de Médicos dizem que o problema está a chegar ao fim. É gravíssimo que em Lisboa o Hospital Egas Moniz também esteja à beira da ruptura. As salas de cirurgia estão vazias por falta de profissionais e o hospital viu-se obrigado a contratar uma clínica privada para realizar as intervenções cirúrgicas. Ao ponto a que chegámos quando tudo isto é pago com o nosso dinheiro. Há dirigentes federativos ligados à Saúde que já se pronunciaram que existe uma estratégia para acabar com o serviço público indo paulatinamente passando o serviço de Saúde para os privados. Os hospitais de Beja e de Évora estão há anos a passar pelas maiores dificuldades e estão igualmente com falta de pessoal médico para poderem aceitar os doentes que para estas unidades são dirigidos. O problema é geral e os médicos de todo o país só apresentam queixas na gestão da Saúde e ameaçam em numerário assustador que se vão embora para o estrangeiro ou para os hospitais privados, os quais começam a aparecer no território nacional como cogumelos. O Governo tem de se compenetrar que médicos e enfermeiros não são alfaiates e sapateiros. São especialistas que obtiveram um dos cursos mais difíceis do mundo para salvar vidas. Obviamente que a sua remuneração não pode ser de mil euros. Conheço um dos melhores cirurgiões de oftalmologia que Portugal tem e ele opera diariamente num hospital público e à tarde vai descansar? Não, à tarde vai melhorar o seu salário dando consultas numa clínica privada. Sai de casa às seis horas e regressa às nove da noite. É vida para um dos melhores que temos? Perguntei-lhe porque não opta pelo estrangeiro? Respondeu-me que foi Portugal que fez dele médico e que tem de servir o seu povo. A situação no sistema de Saúde é mesmo muito grave. A situação no Hospital de Leiria já levou a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos a alertar para a situação grave devido à falta de médicos no serviço de urgência e pediu ao Ministério da Saúde uma solução imediata do problema. Esta não é uma situação que surgiu hoje, há vários anos que a Ordem dos Médicos tem denunciado a gravíssima carência de recursos humanos no Hospital de Leiria e de outros hospitais da Região Centro do país. Uma situação que se agravou com a pandemia originária da doença covid-19. Os médicos foram requisitados para o combate ao vírus e os centros de saúde ficaram vazios. Os pacientes com outras doenças graves ficaram para trás e não tiveram consultas, cirurgias ou exames durante um ano e meio. Actualmente esses doentes, excepto os que entretanto morreram, tentam ser atendidos e ainda não existiu um planeamento que recupere o atendimento de milhares de portugueses. *Texto escrito com a antiga grafia
Mário Duarte VozesInundações na RAEM (III) Da reconstrução da matriz morfológica da RAEM A primordial preexistência de um tecido urbano é a sua morfologia geográfica. É isso que determina a preferência de determinado local em relação a outros para a formação urbana, como também determina o modo da ocupação urbana desse local. Dessas características ressaltam condições favoráveis para a formação urbana, como resultam moldes de ocupação, desenvolvidos por engenho e por arte, que tiram melhor partido dessas condições iniciais favoráveis. A segurança (que em português tanto significa security como safety) é igualmente critério por que se pauta a escolha dos locais e os moldes da ocupação. A génese da formação urbana na península de Macau pautou-se pelas vantagens da configuração do litoral, mas também se pautou pela segurança que as colinas conferem, face à contingência da presença da hidrologia. Assim, a cidade caracterizou-se por dois anfiteatros, um orientado para a Praia Grande e outro para o Porto Interior, inicialmente distintos, social e funcionalmente, mas unidos pela cumeeira comum e contínua da Colina da Penha. Era esse o perfil geográfico mais seguro em caso de inundação, a que correspondia, e que ainda corresponde, grande parte da Rua Central. Na Rua Central localizaram-se igrejas principais desde a Sé a S. Lourenço, o comércio ocidental, passando pelo centro administrativo, o Largo do Senado, ao qual se acedia pelas rampas que hoje correspondem às travessas do Roquete, da Misericórdia e de S. Domingos. Com a mesma Rua Central comunicavam privilegiadamente os tardozes dos palácios da Praia Grande, assim como as mansões chinesas viradas ao Porto Interior. Do que já vinha infra-estruturando e caracterizando a fábrica da cidade por aplicação de modelos urbanos ocidentais, chegaram também a Macau os modelos ocidentais de apetrechamento e de actualização das mesmas tradições urbanísticas ocidentais. Na Europa foi a abertura dos territórios nacionais pelo caminho de ferro, e a abertura das cidades a esses territórios através de estações, e ao mundo através de portos, que espoletou o movimento de pessoas, assim como o movimento de bens e de serviços, e que determinou mudanças radicais nos centros das cidades, na maior parte ainda de matriz medieval. Todas estas transformações tinham em vista a abertura do espaço urbano para uma melhor circulação e qualidade ambiental, introduzindo o novo modelo de vias a que se chamou boulevard. Teve como modelo mais paradigmático as transformações efectuadas na cidade de Paris pelo Barão Haussmann (1809 – 1891), enquanto conduziu a prefeitura do Sena (1853-1870), que se pautaram pelas aspirações de uma classe média que passou a predominar nos centros das cidades, como se pautaram pelos mesmos fundamentos intelectuais que tinham aberto caminho ao liberalismo económico e puseram termo ao “ancien regime”. Em Macau o mesmo modelo, movido pelos mesmos pressupostos, formou a iniciativa da abertura da Av. de Almeida Ribeiro, conhecida por San Ma Lou em chinês, ou tão simplesmente, a “avenida nova”. Comando que se atribui a Carlos da Maia (1878-1921), enquanto Governador de Macau (1914-1916). Macau passou assim a ser dotado de uma nova via principal, moderna, arejada por duas frentes marítimas, ligando os dois anfiteatros urbanos, social e funcionalmente distintos até então, integrando uma nova acessibilidade, criando um polo com funções onde predominou a classe média, e colocando a cidade em comunicação verdadeiramente cosmopolita com outras regiões e com o mundo, através de um porto. Por tudo isso, essa só pode ter sido uma intervenção esclarecida, pois nela se reflectem muitos dos fundamentos intelectuais por que o modelo se pautou. Para essa realização foi necessário rasgar parte da cumeeira geográfica a que correspondia a Rua Central. É essa a razão por que se desce por escada da Sé à Av. Almeida Ribeiro, e por rampa, mais inclinada que outrora, da Rua Central à Av. Almeida Ribeiro. Disso resultou que a morfologia da colina da Penha se isolou do resto da cidade, ou seja, interrompeu-se a continuidade da circulação segura que servia toda a cidade no caso de inundação das zonas baixas. Em grande medida é isso que hoje também reduz a fruição da continuidade do Centro Histórico de Macau, tal como está hoje definido, agravada pela forma como se encontram definidos os atravessamentos pedonais da Av. Almeida Ribeiro. Chegados aqui, importa dizer que as estratégias por se pauta a infra-estruturação das cidades são sempre aquelas que resultam do que anima e preocupa o momento histórico. Efectivamente, à data, o delta do Rio das Pérolas não estava ocupado como se encontra hoje, nem a maré precisava de se espraiar pela cidade por já não ter espaço no estuário. À data, a cidade apenas estava histórica, funcional e intelectualmente desactualizada e estiveram disponíveis os instrumentos para uma actualização necessária. Presentemente a inundação das zonas baixas da Península de Macau é preocupação e importa conhecer quais são as zonas que podem ficar geograficamente isoladas. Importa conhecer se toda a Colina da Penha pode ficar isolada da Península de Macau, de onde depende da quase totalidade dos dispositivos da protecção civil, no dia em que toda a Av. Almeida Ribeiro passar a ser considerada zona de inundação. Como importa avaliar da autonomia dessa colina, no que respeita a serviços de apoio, pois os locais de refúgio do Poto Interior, no caso de inundação, são parte na Colina do Monte, mas outra parte na Colina da Penha. A segurança contra inundações pauta-se por critérios que, em grande medida, é possível retirar da segurança contra incêndios, com adaptações óbvias. Os espaços dos edifícios são igualmente seccionados por compartimentação de segurança, todas essas áreas são dotadas de escapatórias própria e alternativas, os caminhos de evacuação devem ser convenientemente enclausurados. No caso do risco de incêndio, as portas devem ter adequada resistência ao fogo, mas no caso do risco de inundação, as portas deverão ter adequada estanqueidade. Neste caso falamos principalmente de caves. Os espaços urbanos devem ser na generalidade e alternativamente acessíveis por vias que acomodem a circulação e a manobra dos veículos de emergência, de resgate e de combate a incêndios. No caso de segurança contra inundações os mesmos locais já têm que ser acessíveis por vias acima do nível da inundação. Por isso, e alternativamente importaria avaliar da possibilidade de a Rua Central ser infra-estruturada com uma passagem desnivelada, que de novo a ligasse à Rua da Sé, sobrevoando a Av. de Almeida Ribeiro, e que fosse acessível a peões e a veículos, nomeadamente a veículos de emergência e de resgate, recuperando a continuidade da mesma cumeeira que no passado serviu a cidade. Um tipo de intervenção que reclama engenho e arte. Importa ainda clarificar que esta zona integra o Centro Histórico de Macau, inscrito na lista do património mundial classificado pela UNESCO, e relevar que o que justifica a inscrição de monumentos e lugares na lista do Património Mundial da UNESCO, não é a antiguidade mas “o valor universal excepcional” dessas realizações. Exactamente aquilo que se alcançou por engenho e por arte e que habilita as realizações de hoje a inscrições na lista desse património no futuro. Classificação que se pauta por 10 critérios onde importa “o desenvolvimento de formas de relevo ou características geomórficas significativas” (vd. critério 8); Falamos de infra-estruturas urbanas que se caracterizam por disposições construtivas fundamentais e necessárias para estabelecimento e suporte da vida urbana. Avaliam-se por uma análise S.W.O.T., nomeadamente no sentido de aferir oportunidades e de tirar o maior partido do esforço da iniciativa (vd. Plano Director IX – Oportunidade para uma análise S.W.O.T., em Hoje Macau – 11 Jun 2021) Inscrevem-se em legítima espectativa dos habitantes da cidade junto dos seus administradores. São dispositivos em permanente actualização face ao acréscimo de complexidade por que a vida urbana evolve. Por vezes caracterizam-se na sua concepção por qualidades semelhantes aos humanos e às organizações, nomeadamente por resiliência. I.e., a capacidade de se manterem funcionais na perturbação. Têm a capacidade de colocar os habitantes em paz com as suas instituições. Nunca será demais lembrar Thomas Heatherwick, pelo seu manifesto de 2013 “I don’t like design, at all”, onde clamou que “o que define o carácter de uma cidade é sua infra-estrutura, não é um edifício extraordinário”. “É a infra-estrutura da cidade que a diferencia, mais do que um museu ou a casa chique de alguém”. Sempre se dirá que a infra estrutura mais primordial de uma cidade é a forma urbana.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesA escuridão que precede a alvorada O declínio de uma região reflecte-se no estado da sua comunicação social. Quanto maior é a liberdade de imprensa, maior a tolerância do Governo em relação às diferentes opiniões e mais desenvolvida é a sociedade. No passado, Hong Kong tinha uma actividade jornalística fluorescente, regida pela lei da oferta e da procura e a competição obrigava os accionistas a uma constante luta pelo aperfeiçoamento. Mas a partir do momento em que esta actividade passou a estar sujeita à intervenção dos políticos e a ser regulada por autoridades públicas, ficou reduzida a um mero instrumento de propaganda e só sobrevive quem segue as regras à risca. Para além do fecho do jornal Apple Daily, vários colunistas importantes deixaram de escrever, como é o caso de Lam Shan Muk (colunista do Economic Journal de Hong Kong) e de Simon Shen (analista político e colunista). O escritor e apresentador de rádio Chip Tsao, conhecido pelo pseudónimo de To Kit, emigrou para Inglaterra. Em Macau, Li Jiang, editor chefe do Jornal Informação (Son Pou), anunciou na sua coluna que ia deixar de escrever. Quando a crítica desaparece, os problemas sociais também parecem desaparecer. Da mesma forma, com os deputados da Assembleia Legislativa a seguirem escrupulosamente o princípio “Macau governado por patriotas”, as divergências desaparecem. A escuridão que precede a madrugada é particularmente gritante! Alguém que tenha lido a obra de Mao Tsé Tung não pode cair no erro básico de dicomitizar a sociedade chinesa em “patriotas” e “não-patriotas”. Quem estiver familiarizado com o processo de redacção da Lei Básica de Hong Kong e de Macau, não vai seguramente interpretar as ideias contidas nos princípios “Um País, Dois Sistemas”, “Hong Kong Governado por Hongkongers”, “Macau Governado pelas Suas Gentes” e “alto grau de autonomia”, propostos por Deng Xiaoping, como “Hong Kong Governado por Patriotas”, “Macau Governado por Patriotas”, ou como “O Governo Central ter total jurisdição sobre as RAEs”. O derradeiro objectivo do princípio “Um País, Dois Sistemas”, idealizado por Deng Xiaoping, é a resolução pacífica da questão de Taiwan. Como é que a proposta de “Taiwan governada por patriotas” pode ajudar a uma reunificação pacífica? A “politica da meritocracia” elogiada por muitos especialistas e académicos não passa de um sinónimo de “politica de obediência civil”. Quando um carro não tem buzina, reduz a emissão de barulho; quando o corpo tem deficiência de glóbulos brancos, a pessoa não se sente bem, e quando uma cidade fica sem electricidade, não se pode incendiar. Mas depois do carro sem buzina ter um acidente, a pessoa com deficiência de glóbulos brancos adoecer, a vida fica melhor se vivermos às escuras? Relativamente ao desenvolvimento de Macau, o Governo levou a cabo uma consulta pública sobre o “Segundo Plano Quinquenal de Desenvolvimento Socioeconómico da Região Administrativa Especial de Macau (2021-2025)”. No entanto, no documento de consulta, apenas quatro linhas são dedicadas ao Primeiro Plano Quinquenal. É essencial que as reformas sejam efectuadas durante o Primeiro Plano Quinquenal. A forma como o Plano e a consulta foram delineados, faz com que as pessoas se interroguem sobre a sua eficácia. O “Projecto Geral de Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin” é outra iniciativa particularmente importante para Macau. Aí, são mencionados os quatro sectores industriais para a promoção da diversificação adequada da economia de Macau, incluindo a investigação e desenvolvimento científico e tecnológico e a manufactura topo de gama, a indústria de marcas de Macau, nomeadamente a medicina tradicional chinesa, as indústrias cultural e turística, de convenções e exposições e do comércio, bem como as finanças modernas. Mas Macau não é forte em nenhuma destas áreas. Quando o desenvolvimento de Macau se encontra numa fase embrionária, o “Projecto Geral de Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin” não passa de uma boa prospectiva para o futuro. Tomemos como exemplo os recentes surtos de covid-19 em Macau, seguranças que trabalham em hóteis, usados como locais de quarentena, foram infectados. Em resposta às perguntas dos jornalistas sobre o surto, dirigentes da RAEM atribuíram-no ao uso incorrecto das medidas anti-epidémicas por parte dos seguranças. Mas como é que é que possível que os departamentos relevantes não tenham sido parcialmente responsabilizados? É pena que hoje em dia não haja pessoas a fazer perguntas na RAEM. Ninguém grita do lado de fora da Fortaleza, e os que estão lá dentro podem dormir um sono tranquilo sem que sejam perturbados, até virem a morrer sufocados. Mas será a tranquilidade que precede a morte algo de desejável? Para sobreviver à escuridão que precede a alvorada, não podemos contar apenas com o Governo da RAE e com os deputados da Assembleia Legislativa recentemente eleitos. Precisamos de agir, é isso que verdadeiramente importa.
Olavo Rasquinho VozesImplicações das Alterações Climáticas no Leste Asiático Uma pergunta que grande parte dos habitantes do nosso planeta faz é seguramente “será que as alterações climáticas são uma realidade e, no caso de o serem, em que medida irão afetar a região que habito?” Eu próprio pergunto o que irá acontecer na região onde vivo, nas Azenhas do Mar, a cerca de 40 km de Lisboa. A moradia que habito situa-se no declive de uma pequena colina, a cerca de 300 metros de distância da linha de costa, a algumas dezenas de metros de altitude, o que me deixa tranquilo no que se refere à subida do nível do mar. Também o local não é suscetível de ser afetado por cheias rápidas, fenómeno que tem vindo a acentuar-se à escala global. Caso haja episódios de precipitação intensa, a água escoará facilmente para o mar. O mesmo não pensará o proprietário de um pequeno estabelecimento que existia na Praia Pequena, há algumas dezenas de anos, hoje completamente destruído pela fúria do mar. Esta praia é adjacente à Praia Grande, onde por vezes os pequenos quiosques nesta existentes são danificados quando há marés vivas, cujas consequências são agravadas quando coincidem com tempestades. Quem me está a ler (espero que mais alguém para além do revisor deste texto), decerto leitor do jornal “Hoje Macau”, poderá perguntar “onde é que este tipo quer chegar? Será que as Azenhas do Mar e as Praias Pequena e Grande ficam no Leste Asiático?”. A realidade é que as alterações climáticas estão a afetar o nosso planeta, e vão continuar a fazê-lo, praticamente à escala global. Para podermos seguir as consequências do evoluir do clima já estão ao nosso alcance ferramentas que nos permitem ter uma ideia do que poderá acontecer no futuro. Uma delas é o Atlas Interativo do IPCC[i], que faz parte do sexto Relatório de Avaliação (AR6)[ii] deste órgão das Nações Unidas, publicado parcialmente em 9 de agosto do corrente ano. Trata-se de uma nova e poderosa ferramenta que nos permite analisar a evolução espacial e temporal (a curto, médio e longo prazo) de alguns dos parâmetros que caracterizam os possíveis tipos de clima suscetíveis de virem a ocorrer, com base em cenários estabelecidos em função da quantidade de gases de efeito de estufa (GEE) devido, principalmente, às atividades antropogénicas. Entre estes parâmetros salientam-se a subida do nível do mar, o aumento da temperatura máxima do ar, o aumento da temperatura da superfície do mar, o número de dias com temperatura superior a 35 ºC ou 40 ºC, etc. Através deste Atlas (que pode ser acedido em https://interactive-atlas.ipcc.ch/) pode-se estimar o que poderá acontecer, em termos climáticos, em diferentes regiões do globo, colocando o cursor num determinado local dos mapas digitais nele contidos. Poder-se-á constatar que as consequências das alterações climáticas, numa determinada região, serão tanto mais gravosas quanto maior for o período abrangido e maior a injeção de GEE. Como é sabido, a Região Administrativa Especial de Macau está situada no Leste Asiático (ou Extremo Oriente), numa zona de monções, em que predominam os ventos húmidos do quadrante sul durante os meses mais quentes e ventos do quadrante norte, mais secos, durante os meses menos quentes. A RAEM é também afetada pelo tempo associado a ciclones tropicais (tempestades tropicais e tufões), em média cerca de seis vezes por ano. Quando a aproximação destas depressões coincide com as marés astronómicas altas, os seus efeitos podem ser agravados no que se refere à ocorrência de inundações nas zonas mais baixas, nomeadamente no Porto Interior. Tendo estes fenómenos ocorrido no passado, o que tem causado graves prejuízos à população, facilmente se pode imaginar o que poderá acontecer no futuro, atendendo à subida do nível do mar e à muito provável maior intensidade dos ciclones tropicais. Tufões intensos estão associados a um fenómeno designado por “efeito barométrico inverso”, que consiste no facto de, quando a pressão atmosférica é muito baixa, haver uma sobre-elevação do nível do mar de cerca de 1 cm por hectopascal (hPa[i]), na região afetada pela tempestade, i.e., o nível do mar sobe cerca de 1 cm quando a pressão desce 1 hPa. Assim, por exemplo, numa situação em que a pressão sobre o mar seja cerca de 1013 hPa antes da aproximação de um tufão com a pressão no centro de 950 hPa, haverá uma subida do nível do mar de aproximadamente 63 cm. A superfície do mar, assim sobre-elevada, que acompanha o tufão, só por si poderia causar inundações em terra. Acontece, porém, que ao efeito de elevação do nível do mar se junta a ação do vento forte que, arrastando a água, dá origem ao que se designa por maré de tempestade. Em 23 de agosto de 2017, aconteceu algo semelhante, na RAEM, durante a passagem do tufão Hato, cujo o valor mais baixo da pressão medida em Macau foi cerca de 945 hPa. O facto de ter atingido terra sensivelmente à mesma hora do máximo da maré barométrica fez com que os três efeitos (pressão extremamente baixa, ventos muito fortes e maré alta) se conjugassem, provocando uma maré de tempestade que causou inundações com graves consequências, causando a perda de vidas e graves prejuízos materiais. A acumulação de água da chuva com a do mar fez com que, em alguns locais, o nível da água atingisse cerca de 5 m acima do solo, conforme medição por instrumentos dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau. Observações via satélite têm confirmado que o nível do mar, à escala global, tem vindo a aumentar cerca de 3,1 mm por ano, o que implica que, dentro de algumas dezenas de anos (a manter-se, ou a aumentar esta tendência) as consequências dos ciclones tropicais em Macau serão tendencialmente mais gravosas. Consultando o Atlas Interativo, aparece-nos um globo terrestre em rotação, com uma legenda indicando as variáveis “temperatura” e “precipitação”. Clicando na primeira, pode-se observar o aumento das extensões geográficas abrangidas pelos incrementos da temperatura média de 1,5 ºC, 2 ºC, 3 ºC e 4 ºC, tendo como referência o período 1850-1900. Analogamente, clicando em “precipitação”, pode-se também estimar o aumento das extensões abrangidas pelo incremento desta variável, a nível global, correspondentes a esses diferentes acréscimos de temperatura. É facilmente compreensível esta última constatação, na medida em que, quanto maior for o aquecimento global, maior será a evaporação e, consequentemente, maior a concentração de vapor de água na atmosfera. Este vapor, ao condensar, provocará uma cobertura de nuvens tanto mais extensa e compacta quanto maior a concentração de vapor de água na atmosfera. Estarão, assim, criadas as condições para forte precipitação, reforçando o que já está a acontecer no que se refere à tendência de aumento de frequência e intensidade das chamadas cheias rápidas, que apanham de surpresa os habitantes das regiões onde esses fenómenos ocorrem, como o que aconteceu no verão de 2021, na Europa e na China, onde houve centenas de vítimas provocadas por fenómenos deste tipo. Para construir este Atlas, o IPCC recorreu ao acoplamento de vários modelos climáticos, tendo em consideração as constantes interações entre as diferentes componentes do sistema climático (atmosfera, hidrosfera, criosfera, litosfera e biosfera). Com este intuito, o IPCC desenvolveu representações gráficas, através das quais se pode extrair informação climática regional que poderá servir de base à tomada de medidas, a nível governamental, no sentido de diminuir o impacto das alterações climáticas. Por exemplo, se pretendermos estimar qual o aumento do nível do mar na região de Macau, acedemos ao sítio do Atlas Interativo do IPCC, clicamos no quadro “Regional Information”, aparece-nos um mapa-múndi sobre o qual clicamos em “Variable”, escolhemos “Sea level rise” e colocamos o cursor no ponto do mapa correspondente à região “East Asia”. Na parte inferior do ecrã aparece-nos um gráfico no qual é possível extrair o valor da subida do nível do mar a curto, médio e longo prazo. Poder-se-á estimar que a subida nessa região seria de cerca de 1 m em 2100. Procedendo analogamente para outras variáveis, como, por exemplo, o aumento da temperatura máxima anual, podemos concluir que seria de aproximadamente 3 ºC em 2100. Isto para o cenário designado por SSP5-8.5, que corresponde a altas emissões de GEE. O Atlas Interativo constitui, assim, uma ferramenta a que os assessores técnicos dos governos poderão usar no sentido aconselhar os decisores políticos sobre a tomada de medidas, no sentido de atenuar a vulnerabilidade dos respetivos territórios, adaptando as estruturas de modo a melhor enfrentarem as alterações climáticas. [i] hPa (Hectopascal) – unidade de pressão correspondente a 100 Newton por metro quadrado. Antigamente designava-se por milibar (mb).
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPensões e anuidades O Secretário do Trabalho e Segurança Social de Hong Kong, Law Chi-kwong, anunciou recentemente que estava a ser considerada a fusão do Fundo de Previdência Obrigatório de Hong Kong com o Esquema de Anuidades. A razão principal desta vontade de fusão é a incapacidade do Fundo de Previdência para garantir protecção suficiente à população de Hong Kong na reforma. O Fundo de Previdência entrou em vigor em Hong Kong a 1 de Dezembro de 2000. Empregadores e empregados devem contribuir com 5 por cento do valor dos salários e estes 10 por cento de contribuições são utilizados na forma de investimento. O trabalhador pode levantar o valor acumulado ao atingir a idade de 65 anos. Segundo os dados da Autoridade de Hong Kong que regula este Fundo, em Dezembro de 2020, existiam 10,32 milhões de contas, 4,54 milhões de subscritores deste plano detinham 4,36 milhões de contas contributivas e 5,92 milhões de contas pessoais, que no total excediam o valor de 110 mil milhões de dólares de Hong Kong. Em média, cada subscritor do plano tem uma conta previdência no valor de 251.000 dólares de Hong Kong; partindo do princípio que cada um deles se reforma aos 65 anos e morre aos 85, nesses 252 meses de esperança de vida, só pode gastar 996 dólares de Hong Kong por mês. Este valor é suficiente para sobreviver? Para além do Fundo de Previdência, em Hong Kong, a protecção na reforma passa também pelo Esquema de Anuidades, activado através da Hong Kong Mortgage Corporation Limited, e implementado a 10 de Abril de 2017. Os clientes alvo são pessoas a partir dos 60 anos e o valor segurado varia entre os 50.000 e os 3 milhões de dólares de Hong Kong. Este seguro permite que as pessoas recebem uma quantia fixa mensal até ao final das suas vidas. Actualmente, uma pessoa de 60 anos que faça um seguro no valor de 1 milhão pode receber 5,100 mensais. Esse valor aumenta para os 5,800 dólares de Hong Kong depois dos 65 anos. Em Macau a protecção social está dividida em dois níveis. O primeiro tem diferentes tipos de pensões, sendo que um deles é a pensão de reforma. Foi implementado a 1 de Janeiro de 2017. Os contribuintes descontam 900 patacas por mês. Ao cabo de trinta anos, ficam a receber 3,740 patacas mensais. O Fundo de Previdência Central Não Obrigatório é o segundo nível contributivo, e destina-se a fortalecer a protecção na reforma aos residentes. Este Fundo foi implementado a 1 de Janeiro de 2018. Os trabalhadores devem descontar 5 por cento dos seus salários entre os 18 e os 65 anos, e o empregador outros 5 por cento. Estas contribuições voluntárias são usadas como um investimento que o trabalhador pode reaver após atingir a idade de 65 anos. O método é semelhante ao Fundo de Previdência Obrigatório de Hong Kong. Segundo os dados dos Serviços de Estatística de Macau, relativos ao segundo trimestre de 2021, o rendimento mensal médio da população de Macau é de 15.500 patacas. Se o trabalhador começar a descontar aos 25 anos, ao fim de 20 anos de trabalho, acumulou 390.600 patacas. Após 40 anos de descontos, quando atingir a idade da reforma, terá acumulado 781.200 patacas. Se este valor será suficiente para assegurar uma reforma confortável é uma questão que pode ter várias respostas, na medida em que nem todas as pessoas têm as mesmas necessidades nem os mesmos padrões de vida. Não podemos portanto generalizar. Sem estes Fundos de Hong Kong e de Macau, o trabalhador só pode contar com uma pensão a partir dos 65 anos e não terá mais qualquer complemento. Quem vier a depender das reformas para viver terá de pensar duas vezes antes de fazer qualquer gasto, com medo que o dinheiro não lhe chegue. O mérito dos fundos de pensão na forma de anuidades é os reformados poderem usufruir de um rendimento extra. Este rendimento é diferente de um salário ou de juros de investimentos, porque quer um quer outro são afectados pela economia, mas a anuidade transforma-se num rendimento fixo que não sofre alterações. Este rendimento vai reduzir as preocupações financeiras dos reformados que ficam mais à vontade para efectuar gastos extra. O maior problema que esta situação levanta é as pessoas não puderem adquirir bens de maior monta, como por exemplo uma propriedadde. No caso de haver investimentos em fundos com anuidades, o dinheiro disponível fica bastante reduzido, e quem quiser comprar uma propriedade terá de pagar as prestações. Embora as pessoas possam receber um rendimento fixo até ao fim das suas vidas, a questão passa por quanto tempo irão viver. Esta incógnita vai alterar o valor da prestação, que será naturalmente a segunda incógnita. Se esta anuidade for usada para pagar a renda, é muito provável que não vá ao encontro do plano que a pessoa fez para a sua reforma. Desfrutar a reforma depende da qualidade da protecção que se recebe, e esta protecção deriva do sistema de segurança social do Governo e dos preparativos de cada um. Actualmente o Fundo de Previdência Não Obrigatório de Macau está a ser revisto e ainda não se sabe que alterações vai sofrer. Como a actual situação económica não é muito boa, se este Fundo passar a ser compulsivo, obrigando os empregados e os empregadores a contibuições extras, as opiniões vão dividir-se. Nestas circunstâncias irá o Governo ponderar, a implementação de um plano de anuidades voluntário como forma de reforçar a protecção na reforma? Como foi dito, a protecção na reforma depende do sistema de segurança social do Governo e dos preparativos que cada um fizer para o efeito. Quanto mais cedo fizermos um plano de reforma e explorarmos as múltiplas possibilidade de virmos a usufruir de rendimentos adicionais, maior será a nossa protecção na idade da reforma. Quanto mais cedo ponderarmos os gastos que teremos com vestuário, alimentação, habitação e transportes durante a reforma, maior será a possibilidade de virmos a ter uma reforma mais descansada.
André Namora Ai Portugal VozesA surpresa O Partido Socialista venceu as eleições autárquicas realizadas em Portugal, mas teve uma surpresa. Uma surpresa directamente ligada a todos os jornais, revistas, televisões, empresas de sondagens, comentadores, cronistas, fazedores de opinião nos cafés, enfim, todo e qualquer cidadão que acompanhou a campanha eleitoral anunciou que em Lisboa o candidato Fernando Medina seria reeleito. Foi a grande surpresa na noite eleitoral quando se concluiu que Carlos Moedas tinha ganho por dois mil votos e que Fernando Medina tinha perdido cerca de vinte e cinco mil eleitores relativamente às eleições anteriores. As empresas de sondagens nem quiseram acreditar, porque os números retirados dos inquéritos que realizaram nunca lhes deram Moedas próximo de Medina. Todos os cidadãos já aceitaram que a surpresa foi enorme, que estiveram errados, que confiaram nas sondagens anunciadas e já aceitaram que Fernando Medina não soube conduzir a campanha ou alguém por ele, como o primeiro-ministro António Costa apenas o prejudicou. A grande surpresa para todos até teve repercussões além-fronteiras. Já me informaram que um nojo de jornalismo que sempre foi praticado em Macau teve a rastejante veleidade de sujar o meu nome com uma citação maldosa e sem ética em jornalismo, porque eu na última crónica limitei-me a escrever o que todos fizeram. Inclusivamente tivemos um exemplo que bradou aos céus e, no entanto, nenhum outro jornal se lembrou de o criticar. Aconteceu com o semanário NOVO que tem uma linha editorial apoiante do PSD e do CDS e publicou na primeira página o possível resultado eleitoral em Lisboa, dando a Medina 46,6% e a Moedas 25,7% dos votos do povo lisboeta. Errar é humano. Sempre esteve imbuído na normalidade humana. O que nunca foi normal foram a existência de citações de jornais sem credibilidade a outros jornais cujos conteúdos lhes provocam inveja. As eleições autárquicas tiveram um grande vencedor, o qual já começa a ser tristemente uma realidade. O vencedor foi a abstenção. O povo já não acredita nos actuais políticos, nas suas promessas. O povo está cada vez mais pobre, vive com as maiores dificuldades, os jovens não conseguem habitação nem emprego. E metade do povo resolveu ficar em casa ou ir passear para o jardim, mas longe de qualquer mesa de voto. E este facto devia levar os políticos a analisar e a modificar o comportamento político, tomando em conta que a maioria do povo não pode pagar por um almoço mais que cinco euros, incluindo a bebida e o café. Os políticos que estiveram dois mandatos no Parlamento Europeu sem fazer nada, cheios de mordomias, viagens de borla todas as semanas e que têm reformas vitalícias de 10 mil ou mais euros deviam anunciar a sua desistência. Deviam dar o exemplo a um povo pobre que ao constatar exemplos desses resolve não votar. A abstenção tem um significado infinito e não vemos ninguém nas televisões a ir ao âmago da questão e ter a coragem de indicar as verdadeiras razões, incluindo os falecimentos de milhares de pessoas que continuam a constar dos cadernos eleitorais. Quanto aos resultados em si foi o que já se esperava com algumas pequenas surpresas. A surpresa pertenceu sempre ao confinamento de qualquer eleição. E daí, tivemos o líder do PSD a manter-se no lugar devido às suas escolhas Carlos Moedas e José Manuel Silva, este para Coimbra que foi sempre um bastião socialista. Surpresa também para o CDS, denominado o partido do táxi, e que conseguiu manter as seis câmaras que já tinha. Surpresa para a perda da maioria absoluta de Rui Moreira, no Porto. Surpresa no Bloco de Esquerda que elegeu um vereador pela primeira vez na câmara portuense. Surpresa pelo Partido Comunista não ter conseguido reaver a sua amada Almada e ter perdido o amante da Coreia do Norte, Bernardino Soares, da Câmara de Loures. Surpresa no Alentejo, onde na zona de Évora, o PSD conquistou quatro edilidades. As surpresas foram muitas, mas o mais importante continua a situar-se no que escrevi na semana passada: a falta de tudo no interior do país, especialmente nas aldeias das montanhas. Ainda agora vi essa confirmação numa reportagem excelente na SIC onde mostra ao mundo como a miséria é grande no interior do país. A reportagem mostrou que há dezenas de idosos acamados sem apoio de ninguém, aldeias onde não vai um médico ou enfermeiro, onde os medicamentos não chegam, onde a comida é baseada nos víveres que conseguem ter no quintal, as habitações sem condições algumas de humanidade. Uma reportagem de Débora Henriques que deve ser premiada porque se tratou de jornalismo de qualidade, sério, digno e não de se preocupou em citar outros colegas por ódio e inveja. Surpresa também no resultado do neofascista do Chega que conseguiu eleger 19 vereadores. Surpresa em Faro onde os socialistas cada vez perdem mais para os sociais-democratas. Esperemos que todas estas surpresas contribuam para a redução da corrupção e do compadrio no poder local. Que a qualidade de vida das populações possa melhorar de forma vistosa. Dois pequenos exemplos. Que os autarcas se preocupem em forçar o Governo na instalação de médicos nos centros de saúde e que o autarca que tem a responsabilidade do maior lago artificial da Europa, o Alqueva, proíba nas suas águas barcos a motor e que só possam navegar embarcações a energia solar. A partir de agora a política portuguesa vai entrar num período certamente de luta entre facções dentro dos partidos políticos para que nas próximas eleições hajam, ou não, as tais surpresas que pelos vistos só surpreenderam os infames pseudojornalistas que produzem um pasquim em Macau. *Texto escrito com a antiga grafia
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMais vale prevenir A 14 de Setembro, o Centro de Macau de Coordenação de Contingência para Reforçar a Resposta ao Novo Coronavírus anunciou que as pessoas que trabalham directamente com o público e as que trabalham em espaços fechados devem ser vacinadas contra esta infecção. Se, após avaliação médica, as pessoas que tenham todas as condições para ser vacinadas, não o quiserem ser, terão de fazer todas as semanas um teste ao ácido nucleico, às suas próprias expensas. As instituições públicas e privadas devem publicar as suas próprias linhas orientadoras, ao abrigo das novas circunstâncias, caso contrário estarão a violar a “Lei de Prevenção e Controlo de Doenças Infecciosas.” O objectivo da publicação de linhas orientadoras em todos os locais de trabalho é a salvaguarda da saúde pública e a garantia de que a transmissão do vírus será reduzida ao máximo. A vacinação é uma medida preventiva da infecção. Quanto mais cedo se tomarem medidas preventivas, mais seguros serão os locais de trabalhos e mais saudável ficará toda a população de Macau. Em Macau, actualmente, cerca de 60 por cento dos funcionários públicos estão vacinados. Dados dos Serviços de Saúde indicam que, após avaliação médica, foram emitidos 913 “Certificados de Suspensão de Vacinação” e “Certificados de Não Vacinação”. Os “Certificados de Suspensão de Vacinação ” destinam-se as pessoas submetidas a tratamento médico, como é o caso de pacientes oncológicos a fazer quimioterapia, que só precisam de ser vacinados dentro de nove ou dez meses; ou pacientes com gripe, e ou qualquer outra infecção, que terão a vacinação suspensa por uma semana. Os “Certificados de Não Vacinação” destinam-se a pessoas com reacções alérgicas graves às vacinas. Estes certificados têm validade permanente. A julgar pela situação da vacinação nos diversos países do mundo, constata-se que ainda existem muitas pessoas que são infectadas mesmo depois de estarem vacinadas. Além disso, abaixo de uma certa idade as crianças ainda não estão a ser vacinadas. Mesmo que toda a população estivessse vacinada, essas crianças continuavam a poder ser infectadas com o vírus. Todos estes factores combinados, indicam que a possibilidade de a vacina prevenir a transmissão do vírus é inferior a 70 por cento e a afirmação de que vacinação cria uma parede defensiva é duvidosa. Actualmente, não existe medicação que trate eficazmente esta infecção. Só existe um método preventivo: a vacinação. O US Centers for Disease Control and Prevention confirmou que no início de Julho de 2021, 99,5 por cento das pessoas que morreram vítimas da COVID, não estavam vacinadas. Neste período, 93 por cento dos infectados que já tinham recebido a vacina não precisaram de internamento. O New England Journal of Medicine salientou que quando as pessoas vacinadas são infectadas desenvolvem uma carga viral mais baixa e que, além disso, os seus sistemas imunitários já “sabem” a lidar com o vírus. Yuan Guoyong, professor da Faculdade of Medicina da Universidade de Hong Kong, assinala que o vírus é mais transmissível com baixas temperaturas. Nessas circunstâncias, as infecções serão mais graves e a recuperação mais demorada. Esta afirmação é preocupante, porque o Inverno vai chegar dentro de dois meses, e o sistema de saúde vai precisar de mais recursos para tratar os doentes. Se o número de pessoas infectadas aumentar subitamente, devido ao frio, a pressão nos hospitais vai aumentar; se essa pressão for muito grande o sistema de saúde pode colapsar, o que será muito grave. Se pensarmos que “só temos uma vida”, devemos considerar seriamente vacinar toda a população. Em Hong Kong, a 5 de Setembro, tinham sido administradas mais de 7,840 milhões de doses de vacinas. O Departamento de Saúde recebeu a informação que terá havido 5.698 casos de reacções adversas, uma percentagem de 0.07 por cento do total da população vacinada. Destes, 41 casos foram considerados graves, o que representa uma percentagem de 0.0005 por cento do total. Não se verificaram quaisquer mortes relacionadas com a vacinação. Estes números demonstram que a vacinação é segura e não que há necessidade de preocupação. A França implementou o passe sanitário, que é uma forma disfarçada de tornar a vacinação obrigatória, o que causaou mal estar em algumas pessoas e provocou protestos. Este exemplo mostra que a vacinação obrigatória pode ser contraproducente. Só a divulgação intensiva e a pedagogia podem ser a abordagem correcta. A recompensa também pode ser considerada. Em Hong Kong uma pessoa foi elegível para um sorteio por estar vacinada e acabou por ganhar um apartamento. Este caso foi conhecido em toda a cidade e recebeu a admiração de todos. Para aumentar a taxa de vacinação, estes métodos devem ser considerados. Sabemos que ainda vai levar algum tempo até que este vírus possa ser erradicado. Antes que isso aconteça, a humanidade vai ter de co-existir com o vírus. Por enquanto não existem medicamentos que curem a infecção, a única forma de prevenir é vacinar. Escrevi este artigo no dia em que o Governo de Macau anunciou a segunda testagem a toda a população. Se o vírus não for erradicado, vão existir mais testagens deste tipo de futuro. A ciência diz-nos que as vantagens da vacina suplantam largamente as desvantagens. Prevenir é melhor do que remediar. Depois de receber um teste negativo, cada pessoa deve pensar na melhor forma de proteger a sua saúde e nas responsabilidades que tem para consigo próprio e para com os outros. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAs eleições não conhecem o interior Obviamente que vos estou a escrever antes das eleições autárquicas em Portugal. Foi uma semana triste, de perplexidade em alguns casos. A campanha eleitoral deixou os portugueses a gostar menos deste sistema político que tem sido oferecido aos eleitores. Uma campanha amorfa, sem vida, sem alternativas. Os candidatos passaram a semana a discutir. Foi só um lavar de roupa suja. A maioria dos presidentes de Câmara quer continuar com o “tacho” e todos nós sabemos as razões desse desejo tão estranho. Na direita política nem tudo foi entendimento. O PSD coligado com o CDS e outros partidos mais pequenos, como o Iniciativa Liberal não conseguiram convencer ninguém de modo a alterar o status quo, a não ser possivelmente em Coimbra, onde o PS pode perder o poder. Tivemos o “banha-da-cobra”. Ventura que chegou a ter cinco pessoas à sua espera para um comício. Ele para a televisão bate em todos, mas o povinho já topou que Salazar chegou um. Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, respectivamente líderes do PSD e do CDS chegaram mesmo a dar o ar aos potenciais eleitores que a seguir às eleições vão de patins. A grande esperança do Partido Comunista nestas eleições é reconquistar Almada e levou o armamento pesado para a campanha de Maria das Dores Meira que tinha realizado em Setúbal um bom trabalho. Em Almada está a grande dúvida e quando lerem esta crónica já são capazes de saber os resultados. Alguns deles já vos posso dar: no Porto, Rui Moreira ganha a brincar e na capital do país, o portuense-lisboeta Fernando Medina ganha com uma vantagem considerável sobre Carlos Moedas. E o que fica destas eleições? Duas coisas lamentáveis: mais abstenção e propaganda política do primeiro-ministro que não devia ter andado pelo país a anunciar e a prometer melhorias ao povo, quando ele sabia perfeitamente que essas promessas apenas serão cumpridas com o dinheiro que vai chegando da União Europeia, o qual titularam de “bazuca”. António Costa não tinha necessidade nenhuma de se ter armado em feirante baixando o nível da sua imagem de primeiro-ministro. As eleições autárquicas têm uma importância vital para que o poder local possa melhorar o nível de vida dos portugueses, especialmente do interior. Mas, no interior é que estão os pobres, os velhos e os acamados. Nada se ouviu na campanha eleitoral que se iria construir habitação social de imediato, que os centros de saúde deixavam de ter pessoas que vão para a porta de madrugada a fim de recolher uma senha, que os médicos iriam ter o seu salário muito aumentado se fossem laborar para o interior do país. Não, os reformados que recebem uma miséria continuarão esquecidos, os estudantes sem bolsa de estudo ou residência na cidade onde está instalada a universidade que escolheram. A tão anunciada revolução no sistema ferroviário anunciado pelo ministro das Infraestruturas, não teve uma palavra de qualquer candidato a autarca no sentido de pressionar o governante, cuja única preocupação é continuar a passear no seu Maserati e a enterrar a TAP. As eleições autárquicas podiam servir para revolucionar as lacunas existentes. Eleger candidatos de quem o povo gostasse, mas nada disso acontece. Os partidos é que mandam e colocam lá as suas figuras de proa para que possam ser eleitos, a fim de continuarmos a assistir à corrupção e compadrio existentes. No entanto, houve autarcas que realizaram bom trabalho. Loures e Cascais é um exemplo de que autarcas de ideologia completamente diferente, como o caso de Bernardino Soares (PCP) e Carlos Carreiras (PSD), podem apresentar obra que beneficiou quem votou neles e o mais certo é que continuem a votar. O pior de tudo são as promessas. Ouve-se um candidato a discursar e promete mundos e fundos. No final do mandato, mais de metade dos projectos ficaram na gaveta. E no poder local sempre assistimos aos cambalachos da mais diversa ordem. Alguns autarcas têm sido alvo de investigação criminal e até sentenciados. Há projectos nas Câmaras Municipais que são autênticas ilegalidades dentro da legalidade. Como assim? Constrói-se um prédio destinado a habitação para estudantes ou para pobres com rendimento reduzido, para as chamadas rendas acessíveis. Assim que as obras têm início e os interessados se dirigem à edilidade para se inscreverem no sentido de obterem um apartamento, é-lhes comunicado que a lista já está esgotada. Como foi? É que os funcionários superiores da edilidade, incluindo os presidentes, já destinaram as fracções para os amigos, ou amigos dos amigos, recebendo em troca uma óbvia compensação. Com autarcas desta natureza é natural que se vá perdendo a vontade de votar. E como ainda está um solinho agradável, a malta prefere ir até à praia. Ao menos aí votam todos num mergulhinho… *Texto escrito com a antiga grafia
João Romão VozesTurismos futuros Entre as actividades económicas mais afectadas pela pandemia global do covid-19 estão certamente as relacionadas com o turismo, por definição associadas à mobilidade de pessoas, a deslocações para zonas diferentes da “residência habitual” à qual temos maior ou menor vínculo. Um pouco por todo o mundo, as características da doença e das suas formas de propagação impuseram severas e inevitáveis restrições aos movimentos de pessoas, a forma possível de proteger as comunidades. Os fluxos internacionais, em particular, foram largamente afectados por estas limitações decorrentes de uma doença que se propaga internacionalmente mas que é tratada a partir de serviços de saúde nacionais. Esta pandemia ocorreu num tempo histórico concreto: é uma altura em que se acumulam evidências sobre a degradação ecológica do planeta e se antecipam mais seriamente limitações à possibilidade de vida humana na Terra. Não é só o esgotamento de recursos naturais não renováveis, cientificamente demonstrados pelo menos desde a publicação pelo “Clube de Roma” do relatório “Limites do crescimento”, em 1972: são também os impactos dessa sobre-exploração (e as decorrentes emissões de dióxido de carbono ou outros gases tóxicos na atmosfera) sobre a destruição de ecossistemas variados e consequentes profundas alterações em curso que se vão observando e medindo no clima em que temos que viver. Esta é também uma altura em que se manifestam sinais cada mais relevantes da concentração da riqueza global, a contrariar a tendência para uma maior justiça social que foi caracterizando o século 20, sobretudo a seguir à segunda guerra mundial, com a relativa hegemonia ideológica de correntes sociais-democratas em grande parte do planeta, as inerentes políticas de reforma dos sistemas económicos e a emergência de diferentes formas de regulação dos movimentos de capitais e dos mercados de trabalho, limitações à duração das jornadas laborais, direito ao lazer, obrigatoriedade de salários mínimos e períodos de férias pagas, ou outros direitos até então desconhecidos nas economias de livre mercado – e que hoje vão eventualmente desaparecendo, em nome de uma certa “flexibilidade” que também representa novas formas de informalidade, ilegalidade ou abuso, por acaso não tão raras na prestação de serviços relacionados com o turismo. Estas reconfigurações contemporâneas dos sistemas económicos são também facilitadas por desenvolvimentos tecnológicos ligados à transmissão e processamento da informação, à digitalização das economias e dos quotidianos, que também transforma modos de lazer, formas de consumir e, naturalmente, de viajar. Além de facilidade com que hoje se conhecem antecipadamente destinos de viagem e possíveis consumos, também se facilita a partilha em diferentes plataformas de socialização digital das “experiências” que se viveram – um processo de digitalização e mediatização da viagem que vai da inspiração à reflexão, passando pelo consumo e pela experiência, como referem os estudiosos da matéria. De igual forma – e talvez sobretudo – esta digitalização também trouxe ao turismo uma nova oportunidade, a de se viajar sem se deixar de trabalhar, a de abandonar fisicamente o lugar habitual de trabalho e de residência mas ainda assim permanecer disponível e em contacto permanente, instantâneo e tendencialmente gratuito, com inusitada facilidade de comunicação e transmissão de dados. Nem o lazer nem o turismo correspondem hoje necessariamente a momentos em que se interromperam as rotinas habituais – e em particular as decorrentes de tarefas profissionais. Outra característica particularmente relevante para assinalar o contexto em que emerge a pandemia de covid-19 é a importância sem precedentes históricos que o turismo assumiu nas economias e sociedades, uma certa democratização em grande parte do planeta (também em resultado das conquistas sociais que a classe trabalhadora foi acumulando ao longo do século 20), que se foi traduzindo na emergência de novos produtos, serviços e mercados de massas, numa mercantilização crescente dos momentos de lazer, das paisagens, dos espaços naturais, do património cultural ou até dos espaços públicos dos destinos turísticos melhor sucedidos – e que deixaram de se situar em áreas relativamente inóspitas e isoladas para passarem a ocupar também os centros das cidades de todo o mundo. Esta massificação seria ainda acompanhada por novas oportunidades mercantis potenciadas pela digitalização: a transformação do parque residencial urbano em alojamento turístico, em nome de uma suposta partilha de recursos e de uma plena integração do turista na comunidade que visita, mas que afinal induz um processo sistemático de exclusão, de expulsão de residentes permanentes dos bairros centrais das cidades para passar a alojar turistas, numa rotação permanente e acelerada que transforma (ou destrói) os tais modos de vida tidos como “típicos”, “autênticos” ou “únicos” que justificavam a atractividade turística. Além do manifesto impacto ambiental, o turismo de massas contemporâneo veio acelerar os processos de gentrificação em curso nos centros urbanos na sua transição contemporânea de uma economia centrada nas grandes unidades fabris de produção repetitiva e automatizada para uma outra, orientada para as pequenas unidades de produção, mais criativas e flexíveis na abordagem a processos produtivos cada vez mais orientados para a personalização e a individualização dos consumos, incluindo os relacionados com as cada vez maiores indústrias do entretenimento, do lazer e do turismo. É esta massificação de experiências supostamente individuais e personalizadas – mas que na realidade assentam na mesma brutal extração em larga escala de recursos naturais, culturais, humanos e paisagísticos que são de todos – que começamos a presenciar nos primeiros sinais de um certo regresso ao “velho normal” da economia e dos fluxos turísticos anteriores à pandemia de covid-19. É dessa extração sistemática e violenta que vivem os sistemas económicos contemporâneos, por muito que se anunciem inovadoras formas de criatividade, “sustentabilidade” ou “resiliência”: à falta de alternativas que disputem esta hegemonia do neo-liberalismo dominante, é a esta exploração desenfreada dos recursos de um planeta em auto-destruição que vamos voltar rapidamente.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMacau deve proibir jogos online? No passado dia 31 de Agosto, a China Press and Publication Administration publicou uma “Comunicação sobre a Prevenção e Restrição do Acesso de Menores a Jogos Online”. Os menores terão autorização para jogar apenas aos fins-de-semana e nos períodos de férias, entre as 20h00 e as 21h00. O objectivo desta medida é muito simples: impedir os menores de jogarem online e proteger a sua saúde física e mental. O China Economic Information Daily informou que 62.5 por cento dos menores joga com frequência online e 13.2 por cento joga mais de duas horas durante a semana. Partindo do princípio de que os jovens passam oito horas na escola, jogam duas horas no telemóvel e dormem outras oito, sobram seis horas, durante as quais têm de se alimentar, deslocar-se e tratar da higiene pessoal. E será que lhes sobra tempo para estudar? Em Setembro, um grupo de Hong Kong realizou um estudo para o qual entrevistou pais de alunos de 463 escolas primárias e secundárias. O estudo foi publicado dia 16. Os resultados mostraram que 97 por cento dos filhos dos inquiridos jogava online, mais de 50 por cento destas crianças jogava à volta de três horas por dia, e perto de 20 por cento mais de cinco horas diárias. Já 75 por cento dos inquiridos está convencido de que jogar online prejudica o desempenho académico dos filhos, 90 por cento acredita que prejudica a sua saúde e perto de 80 por cento pensa que afecta as relações familiares. Mais de 95 por cento dos inquiridos pediu ao Governo para tomar medidas que impedissem os menores de jogar online. O grupo intimou as empresas de jogos online a criarem “códigos de conduta” e auto-regulação, caso contrário o melhor seria a Região Administrativa Especial de Hong Kong criar legislação que regulasse o sector. Os promotores do estudo também sugeriram que o Governo da RAEHK seguisse o exemplo do Governo Central para prevenir o vício do jogo nos jovens, exigindo que os jogadores se registassem com os seus nomes verdadeiros, que regulassem o tempo que os menores podem jogar, que restrigissem certos temas, proibissem a pornografia, a violência e outros conteúdos ilegais e bloqueassem o acesso de menores ao pagamento de jogos online. Um estudo feito em Macau assinalava que os motivos que levavam os chineses a jogar online são o “entretenimento”, a “resistência” e o “escapismo”. Um jogo divertido permite aos jogadores esquecer por momentos as suas preocupações e escapar à realidade. É fácil tornar-se viciado e vir a sofrer de perturbações relacionadas com o jogo. Os viciados em jogos online acabam por perder o interesse no entretenimento, têm consciência de terem um problema, mas mesmo assim continuam a jogar, escondendo muitas vezes das outras pessoas o seu vício. Dados recentes mostram que cerca de 2 por cento dos chineses adultos residentes em Macau sofre de perturbações relacionadas com o jogo. Hoje em dia, os jogos online não são apenas entretenimento, são também uma espécie de desporto. Os E-sports são disso um bom exemplo. A Asian Games vai registar em 2022 os eventos E-sports como eventos desportivos, e de alguma forma legitimá-los enquanto actividade desportiva. Houve quem descrevesse os jogos online como “ópio mental”, sublinhando que nenhuma indústria ou competição pode assentar a sua actividade em algo que destrói uma geração. Julgando pela avaliação que a maior parte das pessoas faz dos jogos online, este argumento terá muitos apoiantes. Os jogos online são o produto de uma tecnologia avançada. Quanto mais se desenvolve a tecnologia, mais se desenvolvem os jogos. Os jogos online são uma espécie de brinquedo. As crianças têm naturalmente desejo de brinquedos. No entanto, o alvo dos jogos online não são apenas crianças, mas também adultos. Encontramos muitos adultos viciados em jogos online. Estes jogos introduziram-se em todos os níveis da sociedade. Se as empresas que os desenvolvem tivessem auto-disciplina e introduzissem elementos que combatessem a dependência do jogo, o impacto que teria na vida, no trabalho e no estudo dos jogadores seria menor. Mas isso reduziria o consumo e consequentemente as vendas e os seus lucros baixariam. E estas empresas não querem isso. Alguns destes jogos chegam a incluir conteúdos pornográficos e violentos que vão afectar negativamente os jovens. Em qualquer dos casos, quem joga online deveria ter auto-disciplina e não se deixar viciar. Jogar de forma controlada é entretenimento. Jogar de forma descontrolada é vício. Quando existem muitos jogadores viciados, estamos perante um problema social. Precisamos de mais informação para avaliar se existe um problema social em Macau devido à dependência do jogo online, antes de considerarmos partir para a regulamentação. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesElectricidade é o cancro do povo Há uns anos os ambientalistas provaram dois factos: que a construção de mais barragens e a instalação de energia eólica seriam um duro golpe no ambiente e em nada iria beneficiar os portugueses no sentido de possuírem um custo mais barato no consumo da energia. Os governantes nunca se incomodaram nada com o que dizem os ambientalistas e estes não entendem para que existe um ministro do Ambiente. A construção de uma série de barragens provocou uma onda de corrupção nunca vista e que, segundo algumas das nossas fontes, o Ministério Público tem andado atrás desses destruidores de valores históricos, tais como as incrustações do neolítico e paleolítico nas rochas das margens de certos rios. Recordo aqui uma visita que fiz em 1973 a Vila Velha de Ródão e ao Fratel. No Fratel o caso era de espanto: centenas de desenhos profundamente visíveis e significativos da vida daqueles tempos, inclusivamente eram visíveis seres humanos com arcos de flechas. Os arqueólogos tudo fizeram para que não fosse destruído um valor tão importante do que aconteceu com os nossos antepassados, mas nada conseguiram. A construção de uma barragem deixou a riqueza de Fratel submersa para sempre. O que se passou recentemente no Tua foi vergonhoso. Tínhamos um dos locais mais belos que percorrido de comboio deixava os turistas estonteados e os residentes locais tinham transporte para o trabalho. Mas a teimosia e a ganância pelo dinheiro levou a que os governantes seguissem para a frente com a construção de mais uma barragem que soterrou a linha ferroviária. Os magnatas das empresas de energia não pensam no povo. O lucro está sempre em primeiro lugar. Quando se iniciou a instalação da energia eólica, alguns especialistas chamaram a atenção para os prejuízos que a inovação iria provocar, além dos milhões de euros que foram gastos no projecto incluindo o dinheiro que escorreu para certos autarcas autorizarem a instalação das eólicas nos seus terrenos. As eólicas têm sido um desastre ambiental e não só. O movimento das pás gigantes tem destruído uma variedade de produções agrícolas e certos aldeões ficaram sem nada. O ruído dos geradores que foram instalados perto de habitações obrigou os pobres dos camponeses a mudar de local para poderem dormir. E o pior é pensar a longo prazo: as eólicas são do mais inestético que se pode ver no cimo de uma montanha, a paisagem natural levou uma facada cuja dor é imensa e o pior será daqui a vinte ou trinta anos quando as eólicas já não funcionarem e quem é que retira aquele lixo férreo do cimo das serras? Ninguém, obviamente. Por que não optaram as “cabecinhas pensadoras” em instalar as eólicas no mar, tal como acontece em vários países. Mais efeito energético e mais estético, sem prejudicar e matar o movimento migratório das aves. Têm sido mortas aves aos milhares quando embatem contra as pás das eólicas e nunca ouvimos ninguém da defesa dos animais a protestar contra a contínua instalação de eólicas. Tudo isto foi anunciado ao povo de que a energia passaria a existir mais limpa e mais barata, e que consequentemente o consumidor teria a electricidade mais barata. Debalde. Somos o país com a energia mais cara da Europa. Como é possível tão triste desiderato num país tão pequeno e com tantas barragens e geradores com energia eólica? E afinal, em que resultou o gasto de milhares de milhões de euros no sector da energia? A partir de Outubro o povo vai sofrer mais um aumento de 3 por cento no preço da electricidade. Vergonhoso e chocante, quando após uma pandemia milhares de famílias ficaram com a corda na garganta e certas empresas tiveram de fechar a porta. Dizia-me um empresário de uma fábrica de produção média de plásticos que paga 80 mil euros por mês de electricidade e que naturalmente que este aumento no preço da electricidade irá provocar um aumento na venda dos seus produtos ao consumidor. A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) determinou uma subida de 1,05 euros por mês, para a maioria dos consumidores em mercado regulado. Isto é infame e os portugueses não entendem, tal como não percebem a razão de o preço de os combustíveis aumentar todas as semanas. Por outro lado, com a energia eléctrica a bater no início da semana passada novos recordes sucessivos de preço no mercado grossista ibérico (Mibel) e a rebentar a escala com 130,53MWh, a dúvida mantém-se: o que vai acontecer às facturas da luz dos portugueses? A Deco já veio dizer que é certo que as facturas vão subir para todos, tanto no mercado regulado como no livre, mas o Governo promete descidas nas tarifas para 2022. Promessas… em tempo de eleições, porque a vergonha de nada fazer de bom para o povinho continuará para sempre.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesEleições em tempos de pandemia Nestas eleições, as 7ªs para a Assembleia Legislativa, registou-se a mais baixa taxa de afluência às urnas do sufrágio directo, desde o regresso de Macau à soberania chinesa. O Presidente da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) explicou que a fraca participação dos eleitores se ficou a dever à pandemia e ao calor que se fez sentir, sem fazer qualquer alusão à exclusão de candidatos pertencentes a seis listas de candidaturas. Quando os jornalistas lhe perguntaram quantos residentes de Macau não puderam vir à cidade votar devido à COVID, o Presidente da CAEAL disse que era um número impossível de calcular. É um facto inegável que eleitores de Macau que se encontram em Hong Kong ou em Taiwan não puderam regressar para votar devido à pandemia. Devem ser alguns milhares. Seja como for, vir a Macau de propósito para votar implica um gasto que muitos eleitores poderiam não estar dispostos a fazer, mesmo que não existisse COVID. Mas uma coisa é certa, a fraca afluência às urnas não teve nada a ver com as condições climáticas. A 12 de Setembro, dia da votação, o tempo estava óptimo e o tufão estava muito longe de Macau, na verdade, muitíssimo melhor do que em 2005, quando foi hasteado o sinal 3 de tempestade tropical. Ocorreram apenas alguns aguaceiros isolados na Península de Macau, na parte da tarde, o tempo na Taipa estava bom e as diversas assembleias de voto estavam bem organizadas. Para lá da assembleia de voto do Instituto Politécnico de Macau, onde também decorria a eleição por sufrágio indirecto, estar um pouco congestionada, em todas as outras a votação decorreu de forma bastante calma ao longo do dia. A julgar pela minha experiência, o acto eleitoral poderia ter estado concluído em alguns minutos apenas. Na minha opinião, a principal razão para a baixa afluência às urnas do sufrágio directo foi a exclusão pela CAEAL, a 9 de Julho, de candidatos pertencentes a seis listas de candidaturas, embora o Governo se recuse completamente a admiti-lo. Tão pouco o admitem os peritos ou os estudiosos que apoiam e são fiéis ao Executivo da RAEM. Antes do dia da votação, pedi aos meus amigos para não desencorajarem as pessoas de irem votar nem que lhes pedissem para votar nulo ou em branco, porque esse tipo de pedido seria ofensivo. Votar é um dever e um direito dos eleitores e devem ser eles a decidir como e em quem votar. Afinal de contas, toda a conversa sobre encorajamento dos eleitores ao voto e as preocupações sobre votos em branco e votos nulos vieram da parte dos órgãos de comunicação oficial e dos órgãos de comunicação social privados. Embora eu imagine que possam existir situações que o Governo não deseja que ocorram nas eleições por sufrágio directo, não me atrevo a fazer declarações na imprensa nem nas redes sociais porque “O Big Brother observa-nos” e por respeito às decisões dos eleitores. Que mensagem quiseram passar os eleitores que votaram em branco? E a que tipo de insatisfação correspondem os votos nulos? A este respeito, as autoridades não podem optar pela “política da avestruz”, antes pelo contrário têm de reflectir sobre o assunto. Quanto às observações dos peritos e dos estudiosos, que só sabem “dourar a pílula”, nem vale a pena mencioná-las. Só encarando a realidade podemos evitar os erros e só admitindo os erros podemos evitar a a catástrofe. Em relação às eleições por sufrágio directo, tenho de louvar a CAEAL pela boa organização das assembleias de voto, bem como pela manipulação meticulosa levada a cabo por indivíduos relevantes, durante o processo pré-eleitoral. Segundo a minha análise, no início do período pré-eleitoral, não se deveria ainda planear a desclassificação dos candidatos do campo “Pró-democracia”. Durante a campanha eleitoral, alguns indivíduos mais calculistas deram o seu melhor para congregar listas das associações que partilham os mesmos pontos de vista convencionais, de forma a impedir que houvesse dispersão de votos. Estas associações também destacaram jovens candidatos a fim de “enfrentarem” a juventude dos candidatos do campo “Pró-democracia”. Esta estratégia é razoável e apropriada e está em consonância com a actual situação de Macau. Talvez que, no final do período eleitoral, estes promotores não se tenham sentido tão confiantes em relação à sua estratégia ou, depois de avaliarem a campanha eleitoral no seu conjunto, tenha surgido a ideia da desclassificação dos candidatos do campo “Pró-democracia”, bem como de mais 6 candidatos de 3 outros grupos, para garantir que tudo viesse a correr pelo melhor. Este método “de razia” pode sem dúvida antecipar resultados, mas é quase sempre muito difícil compensar os danos causados pelo uso da força excessiva. A destruição dos ecossistemas produz um impacto negativo no ambiente e a destruição da paisagem política cria buracos problemáticos. O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, declarou após terem sido conhecidos os resultados da eleição por sufrágio directo e da eleição por sufrágio indirecto, que vai dar a conhecer a lista da nomeação dos deputados através de um despacho, de forma a preencher os sectores quem não têm representantes na Assembleia Legislativa. Mas na verdade, as eleições para a Assembleia Legislativa de Macau incluem a eleição por sufrágio indirecto para eleger deputados representantes dos diversos sectores. O campo “Pró-democracia” que sempre elegeu cerca de 20% dos deputados eleitos desapareceu subitamente da Assembleia Legislativa, por isso os 30.000 eleitores que sempre o apoiaram deixaram de ter representantes no Parlamento. Isto fez com que a balança política de Macau se desequilibrasse. Será que vai dar origem a uma crise no Governo da RAEM e na Assembleia Legislativa? Assim, depois desta eleição em tempos de pandemia, devem ser consideradas: a forma de preservar a paisagem política de Macau, para obter a salvaguarda da segurança nacional e a forma de assegurar a estabilidade social e de promover um saudável funcionamento da Assembleia Legislativa.
Olavo Rasquinho Vozes6º Relatório do IPCC – Alterações climáticas 2021 Como é sabido, a Organização das Nações Unidas foi criada com a missão de promover a paz no nosso planeta. A primeira organização internacional com esse objetivo, a Liga das Nações, iniciou a sua atividade logo após a primeira guerra mundial, em 1919. Apesar de ter falhado ao não conseguir evitar a II guerra mundial, a Liga serviu de inspiração para o nascimento da ONU, em 1945. A atividade das Nações Unidas não se limita a aspetos relacionados com a paz mundial. Entre as suas várias agências especializadas e programas destacam-se a Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, sob os auspícios dos quais foi criado o IPCC, em 1988, com o intuito de monitorizar as alterações climáticas e disponibilizar, para os decisores políticos, avaliações regulares sobre essas alterações, os seus impactos, riscos futuros e opções de adaptação e mitigação. Ao longo dos seus 33 anos o IPCC já publicou, além de outros documentos intermédios, cinco Relatórios de Avaliação (Assessment Reports – AR) completos sobre a evolução das alterações climáticas, e parte do sexto relatório (AR6), que foi dado a conhecer há algumas semanas. O Relatório de Avaliação anterior (AR5) havia sido divulgado em 2013. A periodicidade destes relatórios é de cerca de 6 anos. O mais recente sofreu atraso devido às circunstâncias relacionadas com a epidemia COVID-19. O IPCC não recorre a especialistas próprios, elabora os seus relatórios com base em estudos de centenas de cientistas pertencentes a diversas instituições, nomeadamente universidades, institutos e organizações intergovernamentais. O AR6 resulta das contribuições de três Grupos de Trabalho: Grupo de Trabalho I (Física como ciência base), Grupo de Trabalho II (Impactos, adaptação e vulnerabilidade) e Grupo de Trabalho III (Mitigação). A parte correspondente ao Grupo de Trabalho I foi apresentada em conferência de imprensa a 9 de agosto do ano corrente. As partes referentes aos Grupos de Trabalho II e III ainda não estão completas, prevendo-se a sua apresentação em fevereiro e março de 2022, respetivamente. Será também publicado um Relatório Síntese, nos fins de setembro desse mesmo ano. Uma das organizações intergovernamentais que tem vindo a colaborar com o IPCC, o ESCAP/WMO Typhoon Committee, tem o seu secretariado sedeado em Macau. A sua colaboração tem consistido na coordenação de estudos elaborados por meteorologistas e climatologistas dos catorze países e territórios daquela organização intergovernamental, situados nos limítrofes do noroeste do Pacífico Norte e do Mar do Sul da China. No caso específico do atual relatório, o Comité dos Tufões contribuiu com a publicação “Terceira avaliação dos impactos das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais na região do Comité dos Tufões” (título original: Third assessment on impacts of climate change on tropical cyclones in the Typhoon Committee Region”), publicado em 2020. (Curiosamente o secretariado deste Comité está sedeado na Avenida 5 de Outubro, data da implantação da República Portuguesa, em 1910, a algumas centenas de metros do Largo General Ramalho Eanes, em Coloane, o que ilustra, em certa medida, a ligação histórica entre Macau e Portugal). A parte recentemente publicada, correspondente ao Grupo de trabalho I, é um extenso documento com 3.949 páginas, em que se apresentam, de modo exaustivo e com base científica, o estado atual do clima e os vários cenários que poderão condicionar a evolução das alterações climáticas em função da injeção de gases de efeito de estufa (GEE) e as suas implicações para o futuro do planeta. Como é prática habitual, foi também publicado o “Resumo para os Decisores Políticos” (Climate Change 2021 – The Physical Science Basis – Summary for Policymakers – SPM), que consiste num documento de 41 páginas, com linguagem mais acessível, não só sobre o estado atual do sistema climático e as suas possíveis alterações devido à ação antropogénica, mas também sobre como limitar as implicações dessas alterações nas diferentes regiões do globo. O SPM consta de quatro partes: A – O Estado Atual do Clima; B – Climas Futuros Possíveis; C – Informação Climática para Avaliação de Riscos e Adaptação Regional; D – Limitando Futuras Alterações Climáticas. No que se refere à parte A, há a salientar as seguintes constatações: 1) Não há dúvida que as atividades humanas têm vindo a provocar o aquecimento da atmosfera, do oceano e da terra. Têm ocorrido alterações rápidas e generalizadas na atmosfera, oceanos, criosfera e biosfera. 2) A escala de alterações recentes no sistema climático e o estado atual de muitos aspetos do clima são sem precedentes, desde há milhares de anos. 3) As alterações climáticas induzidas pelas atividades humanas estão a acentuar muitos extremos climáticos e meteorológicos em todas as regiões do globo, nomeadamente ondas de calor, precipitação intensa, secas e ciclones tropicais. A parte B do Resumo para os Decisores Políticos (Climas Futuros Possíveis) consta essencialmente dos resultados de modelos de previsão climática em resposta a cinco cenários diferentes, estabelecidos em função das quantidades de GEE injetadas na atmosfera, obtendo-se, assim, projeções dos aumentos de temperatura relativos a períodos a curto (2021-2040), médio (2041-2060) e longo prazo (2081-2100), tomando sempre como referência a temperatura média global referente ao período 1850-1900. Nos relatórios do IPCC são usados, entre outros, os seguintes termos para indicar a probabilidade de ocorrência dos resultados dos modelos: praticamente certo (99-100%), muito provável (90-100%), provável (66-100%), tão provável como improvável (33-66%), improvável (0-33%), muito improvável (0-10%), excecionalmente improvável (0-1%). Assim, quando se afirma que é muito provável que o aumento da temperatura no fim do corrente século, considerando o cenário de emissões muito altas, possa atingir valores entre 3,3 e 5,7 °C, é o mesmo que afirmar que a probabilidade de que tal aconteça é de 90% a 100%. O quadro resume o aumento muito provável da temperatura média global correspondente aos cinco cenários estabelecidos: Emissões muito baixas, Emissões baixas, Emissões intermédias, Emissões altas e Emissões muito altas. De acordo com este quadro, é muito provável que o aumento da temperatura a longo prazo (2081-2100) esteja compreendido entre 1,0 e 1,8 °C no cenário de baixas emissões de GEE. Analogamente, também no fim do século, no cenário emissões intermédias o aumento de temperatura seria muito provavelmente de 2,1 a 3,5 °C e no cenário de emissões muito altas, de 3,3 a 5,7 °C. Se não houver um esforço concertado a nível global para reduzir as emissões de GEE, a situação atual poderá evoluir de modo a ser enquadrada no cenário mais pessimista (usualmente referido como “business as usual”), é muito provável que o aumento da temperatura no fim do corrente século possa atingir valores entre 3,3 e 5,7 °C, o que seria catastrófico para a vida no nosso planeta. Ainda segundo o AR6, de acordo com estudos paleoclimáticos, foi há mais de 3 milhões de anos a última vez que a temperatura média do ar (em relação ao período 1850-1900) se manteve igual ou acima de 2,5 °C. A parte C do SPM (Informação Climática para Avaliação de Riscos e Adaptação Regional), trata de informações sobre como o sistema climático responde à influência da interação da atividade humana com fatores naturais e a própria variabilidade interna, tendo em vista o planeamento de medidas de adaptação e de redução de riscos à escala regional. A parte D (Limitando as Futuras Alterações Climáticas) debruça-se sobre a necessidade de limitar as futuras alterações climáticas, enfatizando que o controlo de possíveis climas futuros está intimamente relacionado com redução drástica das emissões de CO2. Realça também a constatação de que existe uma relação quase linear entre as emissões de dióxido de carbono produzido pelas atividades humanas e o aumento global da temperatura. Estabelece que para cada mil gigatoneladas de CO2 acumulado na atmosfera corresponde um aumento global de temperatura de cerca de 0,45 °C. O passar do tempo tem revelado que as projeções do IPCC são por vezes ultrapassadas pela realidade. Em certas regiões do globo o aquecimento tem sido superior ao previsto. Assim, por exemplo, a temperatura média do ar em zonas terrestres próximas do círculo polar ártico atingiu recentemente valores nunca registados, o que tem facilitado a ocorrência de incêndios na tundra e nas florestas da Sibéria onde, na cidade Verkhoyansk, a temperatura atingiu 37 °C em junho de 2020. O aumento de temperatura em regiões de latitudes tão elevadas tem vindo também a causar o degelo em vastas áreas em que o solo húmido permanece quase permanentemente gelado, formando o que se designa por pergelissolo (permafrost, em inglês) e que, ao fundir, provoca a libertação de grandes quantidades de metano, o que contribui para reforçar o aquecimento global. O aumento da temperatura nestas regiões tem sido duas vezes superior à média global. Comparado com o CO2, o metano, como gás de efeito de estufa, é cerca de 20 vezes mais potente, embora permaneça muito menos tempo na atmosfera. Outra implicação das alterações climáticas é o aumento do nível médio do mar, devido não só ao degelo de grande parte das calotas polares e de glaciares, mas também à dilatação provocada pelo aquecimento. Segundo medições obtidas via satélite, o nível do mar tem aumentado cerca de 3 cm por década. Através do AR6 pode-se ter acesso a um simulador que nos disponibiliza um mapa com as projeções de subida do nível do mar. Um sinal de que as alterações climáticas são uma realidade é o facto de ter chovido significativamente, em 14 e 15 de agosto do corrente ano, no ponto mais alto da Gronelândia, algo que nunca tinha acontecido desde que há registos das ocorrências de fenómenos meteorológicos. O tipo de precipitação normal nessa região é a queda de neve. A chuva contribui para acelerar o ritmo do degelo nas calotas polares. Este acontecimento ilustra bem uma das constatações do AR6 no que se refere ao agravamento das condições favoráveis ao degelo na Gronelândia, que tem vindo a acentuar-se nas últimas duas décadas devido às emissões de GEE.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesIntercâmbio jurídico No passado dia 10, o Gabinete do Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Região Administrativa Especial de Hong Kong presidiu à “Cerimónia de Apresentação de Jovens Talentos da Região Administrativa Especial de Hong Kong a Organizações Jurídicas Internacionais”. Cinco destes jovens advogados já estão colocados na Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado, no Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado e no Centro Regional para a Ásia e Pacífico da Comissão das Nações Unidas sobre o Direito Comercial Internacional, abrindo caminho a uma cooperação que teve início este mês. Os presidentes destas organizações internacionais declararam que dão a maior importância à cooperação com a China e que estão muito gratos ao Governo chinês e ao Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) pelo envio de jovens extraordinariamente talentosos para trabalharem em organizações de primeiro plano. Declararam ainda que vão aproveitar esta oportunidade para alargar o intercâmbio e a cooperação com a China. Esta é a segunda vez que a RAEHK envia cidadãos para organizações internacionais e dá entrada em palcos mundiais através de pontes construídas pela China. A primeira vez foi em 2019, quando cinco funcionários públicos passaram a integrar agências das Nações Unidas em Nova Iorque, Viena e Genebra. A integração de jovens advogados de Hong Kong em organizações internacionais tem um significado de longo alcance. Sem a coordenação da China, teria sido impossível Hong Kong só por si ter conseguido este tipo de acordo, que resultou das conquistas diplomáticas da China, do sucesso do princípio “um país dois sistemas” na RAEHK e dos esforços destes talentosos jovens. A “Iniciativa Cinturão e Rota da Seda” promovida pela China envolve muitos países. A construção de infraestruturas e o comércio de mercadorias requerem serviços jurídicos, que são indispensáveis em caso de conflito. A China exerce o direito socialista, Macau e Hong Kong continuam depois da reunificação a exercer respectivamente o direito civil e a common law. O princípio “um país, dois sistemas e três jurisdições” na “Área da Grande Baía” implica a aplicação de três sistemas jurídicos diferentes. Tanto a “Iniciativa do Cinturão e da Rota da Seda” num contexto internacional, como a “Área da Grande Baía”, num contexto doméstico, trouxeram novas oportunidades e desafios ao direito civil e ao direito comercial. Sem pessoas talentosas nos diferentes cenários, não seria possível resolver conflitos jurídicos. De acordo com a Lei Básica de Hong Kong, a cidade vai continuar a exercer a common law por mais algumas décadas. A common law tem uma característica única que é a sua espinha dorsal, o recurso aos precedentes. Os países e regiões que exercem a common law podem alegar precedentes ocorridos em todos eles, durante um julgamento. O Artigo 84 da Lei Básica de Hong Kong Basic assim o estipula. Os Tribunais de Hong Kong possuem poder independente e também poder de adjudicação. Dos cinco juízes do Supremo Tribunal, um, não permanente, é proveniente de um país ou região regulamentados pela common law. A maioria dos juízes de Hong Kong exerceram inicialmente como advogados durante cinco a dez anos, e só depois ascendem à magistratura. Depois de uma experiência rica na área da litigação, é mais fácil compreender os pontos de vistas de ambas as partes durante o julgamento. Actualmente existem 11.000 procuradores e 1.600 advogados de barra naturais de Hong Kong. Existem ainda na cidade mais 1.500 advogados estrangeiros, provenientes de mais de 30 jurisdições. Para exercerem em Hong Kong, os advogados estrangeiros têm de se submeter ao mesmo exame dos estudantes de direito locais. O foco da RAEHK na indústria e no comércio, protege implacavelmente os direitos de propriedade intelectual e desenvolveu activamente o conceito de arbitragem e mediação na resolução de conflitos. Apoiadas pelas vantagens da China, as empresas estrangeiras e as empresas da China continental escolheram a RAEHK para sede dos seus negócios ou para aí estabelecerem filiais. A evocação de precedentes, o poder jurídico independente, a integração de juízes estrangeiros, o intercâmbio de advogados, a necessidade de jurisdição para o desenvolvimento comercial e industrial, fizeram no seu conjunto com que a RAEHK criasse fundações sólidas no quadro do estado de direito. Os residentes também são muito conscientes da necessidade de obediência à lei e as várias medidas tomadas fizeram com que a comunidade internacional tenha completa confiança no sistema jurídico de Hong Kong. O intercâmbio destes cinco jovens advogados demonstra que a diplomacia chinesa beneficiou a RAEHK e também a competitividade dos talentos jurídicos da região. Os conhecimentos jurídicos e a experiência que estes jovens levaram consigo para as organizações internacionais onde foram colocados proporcionou à RAEHK um melhor entendimento do quadro internacional, e estas organizações ajudaram a elevar o estatuto jurídico de Hong Kong no panorama global. Esperemos que, num futuro próximo, jovens advogados da Região Administrativa Especial de Macau venham a ter a oportunidade de interagir com organizações internacionais. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesOs aeroportos não se entendem Todos nós sabemos os milhões de euros que envolvem a construção de um aeroporto e as centenas de interesses económicos que estão por trás da decisão final para a edificação de um empreendimento desta envergadura. Portugal é um país tão pequeno e nunca se ouviu falar num número tão exagerado de possíveis aeroportos, já não referindo os aeródromos que poderiam ser transformados em aeroportos. Temos o aeroporto Sá Carneiro, no Porto, cujos gestores queixam-se a toda a hora da discriminação da TAP relativamente aquela unidade aeronáutica. Em Lisboa, está o busílis da questão, se atendermos que aeroporto de Faro é destinado a uns aviõezinhos destinados aos turistas que vêm mergulhar nas águas do Algarve. Em Lisboa, o aeroporto da Portela, agora denominado Humberto Delgado, é um verdadeiro milagre, possivelmente com origem em Fátima. Custa a acreditar como é que em tantos anos ainda não aconteceu uma tragédia enorme com a queda de uma aeronave no centro da capital, o que seria uma desgraça. O aeroporto de Lisboa está esgotado, não comporta mais o registo de aumento no seu movimento. Como dizia um comandante da TAP “Isto está a rebentar pelas costuras”. Ainda me recordo da primeira vez que aterrei no aeroporto de Banguecoque, na Tailândia, e demorei de autocarro uma hora a chegar ao hotel. O aeroporto tailandês estava situado a muitos quilómetros de distância da capital. Não se concebe que tenham passado décadas e os nossos governantes nunca tenham pensado numa solução viável e alternativa à pista existente na Portela. De há uns poucos anos a esta parte é que se iniciou o reboliço sobre a construção de um novo aeroporto que servisse Lisboa. Lembram-se da Ota? Ui, o que foi aquilo. Um descalabro vergonhoso. Sem estudos realizados por grandes especialistas na matéria, começou-se a anunciar que a Ota iria ser a alternativas para Lisboa. Os amigos dos políticos governantes começaram a comprar terrenos ao redor da Ota que foi um fartar vilanagem. Compraram por 10 a pensar vender por 100. Acabaram por vender por 10 o que tinham comprado por 100. Um aeroporto na Ota veio-se a provar que não tinha viabilidade. Depois apareceu o nome de Alverca. Ah este sim, já tem uma boa pista da Força Aérea, está perto de Lisboa, já tem ligação rodoviária e ferroviária, Alverca é que será o ideal. Nem fazem ideia a especulação que se gerou de imediato no preço das vendas das casas e dos terrenos. Bem, afinal, vieram os estudos profissionais e as conclusões eram infrutíferas para que Alverca servisse de aeroporto de apoio ao de Lisboa. Mas aqui é que o gato vai às filhoses. Fala-se sempre na construção de um pequeno aeroporto de apoio ao da capital, quando Lisboa devia deixar de possuir um aeroporto no centro da urbe e com os aviões a passarem ao lado de prédios com 13 andares, como é o caso da avenida dos Estados Unidos da América e do Campo Grande. De seguida, viu-se uma luz ao fundo do túnel: o ideal será no Montijo. Já é uma base aérea e com umas modificações estruturais será ouro sobre azul. Os abutres na caça dos terrenos apareceram logo e à volta do Montijo foi tudo vendido a um preço exorbitante. Os interesses económicos de certos políticos e seus amigos empresários já esfregavam as mãos de contentes porque o Montijo seria a solução. No entanto, esqueceram-se, como sempre, da defesa do ambiente e da dimensão da pista. A fauna ao redor da base do Montijo é única e os flamingos vermelhos nunca resolveriam deixar o Montijo. Quanto à pista de aterragem termina mesmo junto às águas do rio Tejo e não tinha possibilidade de um acrescento, cujos custos situar-se-iam no absurdo. O tribunal superior já decidiu, e bem, que no Montijo nem pensar. Bem, então temos Alcochete. Já começaram a ser vendidos terrenos à volta de Alcochete que os consultores de imobiliário nem querem acreditar. Mas, o problema é que a construção de um aeroporto em Alcochete também tem muito que se lhe diga e levará pelo menos uns dez anos a edificar. O problema do aeroporto de Lisboa devia ter sido resolvido ontem e não pensar agora numa estrutura que pode levar a construir em uma década. Alcochete, dizem os entendidos, está sobre aquíferos, águas subterrâneas que podem com o seu movimento dar início ao abatimento de terras. Ora, se existe um só aquífero que seja na área onde pretendem projectar o aeroporto de Alcochete será melhor desistir já da ideia. Então, já que não existe entendimento para a construção de um aeroporto alternativo que sirva a capital lisboeta, ainda teremos algo de viável? Naturalmente que temos. Temos algo que ninguém dos corredores ministeriais quer ver, possivelmente porque não interessa aos abutres. Há muitos anos, não foi por acaso que os militares alemães construíram uma base aérea em Beja. E Beja, hoje em dia, tem um belíssimo aeroporto, onde acabou de aterrar o maior avião do mundo. Beja será o local ideal para com algumas modificações estruturais e a construção de hangares para a manutenção técnica, passar a ser o aeroporto ideal para transportar os passageiros para Lisboa. Se é para se gastar algum dinheiro, então, que se construa uma ligação ferroviária de alta velocidade directamente a Lisboa e uma ligação à autoestrada que liga Lisboa e Algarve. Ainda por cima, os governantes só andam a pensar numa terceira ponte entre Lisboa e a margem sul. Pois bem, que essa ponte seja apenas para os comboios que façam a ligação directa a Beja. Beja é um achado que existe e que tem todo o potencial de ser um grande aeroporto internacional a cerca de menos de uma hora de Lisboa. Quem discordar da alternativa Beja será porque pretende ganhar muitos milhões por baixo da mesa… *Texto escrito com a antiga grafia
João Romão VozesA quinta vaga São já quase dois anos de convívio com o covid-19 no Japão, começa a haver sinais de abrandamento da quinta vaga e está para breve a chegada do terceiro chefe de governo desde o início da pandemia. O primeiro a abandonar foi Shinzo Abe, após sete anos e oito meses como primeiro-ministro, o período mais longo na história do Japão. Evocou problemas de saúde – tal como tinha feito em mandato anterior, terminado em 2007 – mas já se acumulavam suspeitas de favorecimentos diversos em negócios do estado, além de manifestos sinais de insucesso das profundas reformas na política económica que implementou – a pomposamente chamada “Abenomics”, de fracos resultados, afinal. Desta vez foi Yoshihide Suga, o anterior ministro do governo de Abe que o havia de substituir no cargo, a demitir-sai após um ano deste exercício, assumindo a responsabilidade pelo descontrole que se vive hoje no país em relação à pandemia. Os primeiros casos verificaram-se em Janeiro de 2020, os números de infecções sempre estiveram longe das calamidades que se viveram noutras paragens, mas foram-se sucedendo novas “vagas” de infecções, cada vez maiores. Os temores que se foram expressando em relação ao perigo das Olimpíadas afinal não se justificaram (foram pouquíssimos os casos associados aos Jogos) mas ainda assim o Japão vive hoje o seu pior período de convivência com o vírus, com grande parte do país num estado de emergência que foi oficialmente prolongado à data em que escrevo (quinta feira, 9 de Setembro). A primeira vaga de infecções, iniciada em final de Janeiro de 2020, teria o seu ponto máximo em meados de Abril, com uma média semanal inferior a 550 novos casos por dia, valor que hoje parece insignificante para uma população de 126 milhões de pessoas (menos de meio caso por 100 mil habitantes, portanto). Parece pouco mas na altura impunha receios, sobretudo pela desconhecimento do que estava por vir e de como lidar com um problema que nessa primavera chegava à Europa e à América, depois de um inverno exclusivamente asiático. A segunda “vaga” havia de chegar no Verão e de ter o seu ponto culminante durante a primeira metade do Agosto, com a média semanal de novos casos a chegar ao valor máximo de 1.380, já mais de 1 caso por cada 100.000 habitantes, mas com grandes variações regionais e uma larga concentração nas grandes áreas metropolitanas de Tóquio e Osaka (além da ilha de Hokkaido, que se destacou desde o início e ainda hoje é zona particularmente problemática). A viver em Sapporo, foi aí que comecei o meu contacto com a pandemia desde o seu início em terras japonesas, mas neste verão já estava na tranquilidade de Hiroshima, até então praticamente imune ao vírus. Outras duas vagas haviam de se seguir, com durações e dimensões semelhantes e números máximos de novos casos francamente superiores: no início de Janeiro de 2021 atingiu-se uma média de 6.445 casos por semana (mais de 5 por cada 100 mil habitantes) e em meados de Maio chegou-se a um número bastante semelhante (6.460). Em ambas as situações, a cidade de Hiroshima, onde continuo a viver, já não era o paraíso de isolamento que tinha sido até então e tiveram que se intensificar as medidas restritivas. Havia de se iniciar entretanto um tardio processo de vacinação, com uma inusitada demora na aprovação pelas autoridades sanitárias do país das mesmas vacinas que já se utilizam massivamente em grande parte do mundo. E é já com cerca de metade da população vacinada que se vive uma quinta vaga de propagação da epidemia, já numa clara tendência de descida, mas que atingiu no final de Agosto uma média semanal de novos casos superior a 23 mil (mais de 18 por 100 mil habitantes). Ainda assim, o estado de emergência que tinha sido decretado até 12 de Setembro em quase todo o país foi hoje prolongado até ao fim do mês e o primeiro-ministro que estava no poder durante este período de descontrolo máximo apresentou esta semana a demissão. Na realidade, os números que se vivem hoje no Japão (média semanal de 10,7 novos casos diários) não são sequer próximos dos que se registam nos mesmos dias no reino Unido (56,7) ou nos Estados Unidos (45,5), são inferiores aos que se registam em Portugal (15,7) e semelhantes aos do estado espanhol (11,1). Sendo de longe os piores números que se registaram no país ao longo desta pandemia, o Japão em nenhum momento viveu sob medidas compulsivas de confinamento – para as quais, aliás, não há sequer cobertura legal. Há restrições severas aos horários de funcionamento de alguns estabelecimentos, limites à lotação de estabelecimentos públicos, recurso ao tele-trabalho ou apelos à não-mobilidade entre regiões. Nunca houve limitações à mobilidade entre municípios e mesmo em relação à mobilidade entre regiões o controle é quase inexistente. Há um apelo generalizado ao bom-senso e à auto-disciplina, que em geral foi resultando mas que agora começa a dar sinais de alguma ineficácia. São quase dois anos nisto, afinal. Felizmente a vacinação progride agora aceleradamente e espera-se que a partir de Novembro comece a haver mais abertura em relação às viagens internacionais, para as quais continua a haver uma quarentena obrigatória de duas semanas quando se entra no país. Talvez possa então fazer planos para visitar familiares e amizades em Portugal. Já é tempo.
André Namora Ai Portugal VozesA marquise de um campeão À ilha da Madeira chamam-lhe a “Pérola do Atlântico”. Uma pérola cheia de miséria humana por todos os bairros. A maioria da população é pobre e trabalhadora, vivendo em casas rudimentares que se misturam com os hotéis mais luxuosos que se possa imaginar. Nesta ilha, num bairro pobre, no seio de uma família sem posses e de vários irmãos, um menino não largava uma bola de trapos. Mais tarde, o seu pai alcoólico ofereceu-lhe uma bola parecida com as do futebol a sério. O pequeno madeirense não largava a bola de dia e de noite. No bairro, os outros miúdos começaram a vê-lo a manobrar a sua querida bola de uma forma diferente e quando era para fingir que realizavam um jogo, o pequeno driblava todos e marcava golos que começou a dar nas vistas dos adultos que se encontravam nas esquinas do bairro a beber as suas cervejas. Até que um dia, um desses adultos falou com os pais do miúdo e levou-o a jogar num clube de pequena dimensão da ilha da Madeira. Nesse clube, o miúdo que chegava aos treinos de sapatilhas rotas ou descalço, assim que se via com umas botas calçadas até parecia que tinha patins. O treinador começou a ficar de boca aberta pelas virtudes futebolísticas que o miúdo apresentava. Concluiu-se que tinham ali uma verdadeira pérola que poderia dar frutos ao pequeno clube. E na verdade, uns milhares já representava muito dinheiro e foi assim que o grande Sporting Clube de Portugal contratou o miúdo e com a mãe em lágrimas lá o viu partir para Lisboa, onde ficou instalado numa pensão com outros colegas que também pertenciam às escolinhas de futebol do Sporting. O miúdo começou a crescer e no tratamento com a bola era um caso muito sério. Era o melhor nos jogos-treino. Um dia, o madeirense foi chamado a jogar na equipa principal do clube. O jovem entrou em campo e as bancadas aplaudiam todas as suas jogadas e golos. Estava ali uma futura estrela para o futebol mundial, pensaram muitos sportinguistas. E acertaram. Num encontro entre o Sporting e o Manchester United, o manager inglês, o mestre Alex Ferguson, passou todo o tempo a perguntar quem era aquele miúdo. Tanto lhe responderam que no final do encontro, os dirigentes do Manchester United já estavam reunidos numa sala com os seus congéneres do Sporting, no sentido do miúdo que jogava na Madeira com uma bola de trapos, fosse para Inglaterra contratado pelo clube de Manchester. O acordo foi firmado e o Cristiano Ronaldo viu-se, timidamente, na alta roda do mundo do futebol. A carreira de Cristiano Ronaldo foi um êxito nunca visto. Há muito tempo que os amantes do futebol não viam golos de toda a espécie e feitio. Cristiano corria, driblava tudo e marcava golos. Cristiano colocava a bola a 40 metros da baliza para marcar um livre directo e a bola só terminava dentro das redes. Cristiano não falhava um penálti. Cristiano foi campeão de Inglaterra três vezes, venceu a Supertaça e a Taça dos Campeões. O mundo passou a falar de Cristiano Ronaldo como um jogador sensacional e único. O Real Madrid não descansou enquanto não o contratou. Conseguiu levá-lo a troco de muitos milhões de euros, porque no mundo do futebol nunca se sabe ao certo quanto dinheiro é ao certo movimentado. Em Madrid, rapidamente Cristiano passou a ser um ídolo e as vendas das suas camisolas resultavam num lucro astronómico para os merengues. Cristiano passou a fazer parte da lista dos maiores milionários do mundo e quando foi para a Juventus, deu-se ao luxo de escolher a melhor casa que existia em Turim e ao mesmo tempo resolveu ser proprietário de uma cadeia de hotéis para juntar ao Museu Cristiano Ronaldo que fora construído no Funchal. Capital madeirense onde se situa o aeroporto que passou a chamar-se Cristiano Ronaldo em sua homenagem. O jogador de futebol já era figura mundial quando começaram a aparecer de todo o mundo grandes homens da alta finança a solicitarem-lhe investimento nos seus países, tais como, Estados Unidos da América, Emirados Árabes Unidos, Inglaterra, Espanha e Itália. Cristiano optou por investir muitos milhões no seu país. Uma casa apalaçada junto a uma lagoa, uma casa de luxo em Cascais, outra casa na Avenida da Liberdade, um apartamento de luxo no valor de mais de oito milhões de euros em pleno centro de Lisboa junto ao hotel Ritz, fora as muitas casas e valores que ofereceu à mãe, irmãos, amigos e muitos milhões a instituições de beneficência, especialmente de crianças com doenças oncológicas. Mas, o apartamento de luxo junto ao hotel Ritz é que veio estragar tudo. Num momento em que acaba de bater o recorde mundial de o jogador com mais golos marcados em selecções nacionais, eis que ainda se fala e não param de salientar na imprensa uma “marquise” que a vedeta mundial construiu no terraço da sua casa. Uma marquise idêntica a milhares existentes na região de Lisboa. E os invejosos foram logo embirrar com a marquise da residência de Ronaldo. Nada há mais importante neste país que ainda na semana passada viu o tribunal rejeitar a construção do aeroporto do Montijo quando o de Lisboa está a rebentar pelas costuras. Cristiano Ronaldo não merecia que a edilidade lisboeta ordenasse a demolição da marquise de Cristiano Ronaldo, porque sendo assim teria que retirar todas as outras que apareceram como cogumelos nos terraços dos prédios ao longo dos anos. A ingratidão para quem tem promovido o nome de Portugal pelo mundo nunca será compreensível quando essa ingratidão se baseia numa marquise. Triste país este, onde falta tudo e a preocupação vai para a destruição de uma marquise. PS – Ao director deste jornal, Carlos Morais José, e a todos quantos têm colaborado na publicação do Hoje Macau, endereço os meus parabéns pelos 20 anos de qualidade jornalística única em língua portuguesa. *Texto escrito com a antiga grafia
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesSoou o tiro de partida Este mês e em Dezembro próximo irão ter lugar eleições legislativas, respectivamente em Macau e Hong Kong. A campanha para as eleições à Assembleia Legislativa de Macau começou a 28 de Agosto, com apenas 14 listas de candidaturas a concorrerem à eleição por sufrágio directo, o menor número de listas desde o regresso de Macau à soberania chinesa. Quanto ao processo da eleição por sufrágio indirecto, regressou ao formato anterior, em que o número de candidatos é igual ou inferior ao número de lugares disponíveis no Parlamento. Já os sete deputados nomeados por despacho do Chefe do Executivo, a seu tempo se saberá se essa nomeação irá trazer surpresas ou receios à população. Se houvesse o costume de disparar um tiro de partida para assinalar o início do processo eleitoral para a Assembleia Legislativa de Macau, então esse tiro teria sido disparado a 9 de Julho. Quando a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) anunciou a exclusão de candidatos pertencentes a seis listas de candidaturas a 9 de Julho, o processo eleitoral para a sétima Assembleia Legislativa da RAEM ficou basicamente determinado. Não pretendo fazer quaisquer comentários ou análises de momento, para não influenciar a campanha eleitoral. Mas alguns jornalistas escreveram artigos sobre o quadro em que vão decorrer as próximas eleições para a Assembleia Legislativa. Afinal de contas, a CAEAL é constituída apenas por seis pessoas, que decidiram quem é elegível para concorrer às eleições, mas o resultado eleitoral é decidido por mais de 300.000 eleitores elegíveis. Esse resultado será conhecido dentro de dez dias e os factos falarão por si. Em Hong Kong, o Comité de Revisão da Elegibilidade dos Candidatos (CERC sigla em inglês) determinou que a proposta do deputado Cheng Chung-tai, para o Comité Eleitoral (CE) era inválida, pelo que foi banido do Conselho Legislativo a 26 de Agosto. Cheng Chung-tai era deputado desde 1 de Outubro de 2016. Este incidente pode ser considerado como o tiro de partida do processo eleitoral para o Conselho Legislativo de Hong Kong, mas menos sensacionalista do que o incidente da desclassificação de candidatos de Macau. E isto porque em Hong Kong já tinha havido episódios de desclassificação de candidatos ao Conselho Legislativo e demissão em massa de deputados do campo pró-democracia em 2020. Embora Cheng Chung-tai não tenha integrado o grupo de deputados demissionários e o porta-voz do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau Junto do Conselho de Estado tenha afirmado que Cheng tinha tomado uma “decisão sensata”, como a situação mudou, quem perdeu os seus cargos teve de sair. A Assembleia Popular Nacional (APN) aprovou a Decisão de Aperfeiçoar o Sistema Eleitoral da Região Administrativa Especial de Hong Kong em Março de 2021 e a CAEAL de Macau definiu, em Junho de 2021, os sete critérios para avaliar a eligibilidade dos candidatos à sétima Assembleia Legislativa. Estas alterações marcam uma nova fase do princípio “um país, dois sistemas”, que regula as administrações de Hong Kong e de Macau, embora ambos os Governos das RAEs “estejam no mesmo barco”. A adopção desta estratégia está certamente relacionada com o actual clima político interno e internacional. Mas optar por medidas “impositivas” em detrimento de medidas “moderadas”, não vai ajudar a encontrar uma solução. Só quem valoriza a estabilidade acima de tudo pode apreciar medidas “impositivas”. A China conheceu muitos movimentos políticos, incluindo a Campanha Anti Direitista (1957), a Revolução Cultural (1966) o Contra-Ataque ao Vento Desviacionista de Direita (1975) e disparou o tiro de partida vezes sem conta. E o país e o seu povo sofreram sempre mais, cada vez que um desses tiros era disparado. As eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong terão lugar como previsto em Dezembro próximo. Mas depois de Cheng Chung-tai ter sido desclassificado, é pouco provável que o Partido Democrata e o Partido Cívico inscrevam os seus membros como candidatos às eleições para o Conselho Legislativo. O Governo de Hong Kong irá apresentar ao Parlamento a proposta de do Registo Médico 2021(Emenda à Lei) para discussão, a fim de criar uma forma de admitir médicos formados fora de Hong Kong, que sejam residentes permanentes, para poderem exercer na cidade. Esta proposta surge no sentido de colmatar o déficit de 700 médicos de diversas especialidades. Não existem estudos que indiquem se esta falta de especialistas se prende com a recente vaga de emigração de Hong Kongers. Mas as recorrentes vagas de emigração em Hong Kong nos últimos anos são um facto indesmentível. O objectivo que preside à Decisão de Aperfeiçoar o Sistema Eleitoral de Hong Kong, à Lei de Segurança Nacional de Hong Kong e à definição dos sete critérios para a avaliação da elegibilidade dos candidatos à sétima Assembleia Legislativa de Macau poderá ser uma tentativa de garantir a estabilidade da classe governante e de cortar qualquer tipo de resistência à sua liderança. No entanto, a classe governante não tomou em consideração uma questão importante, a saber: a principal causa das crises de governação ao longo de todas as Dinastias chinesas encontrou-se sempre no seio das próprias classes dominantes. Um polícia não dispara uma arma ao acaso no meio da cidade, nem um caçador se põe aos tiros sempre que lhe apetece. Os governantes não têm sempre de exercer todo o poder ao seu alcance, e tal como nos exemplos anteriores, não precisam de disparar todas as balas de uma só vez.