A língua portuguesa é muito difícil

Há muitos anos que ouvimos dizer que a língua portuguesa ortograficamente falando é das mais difíceis do mundo. E concordamos plenamente. A língua portuguesa bem falada ou escrita tem de ser muito bem estudada e investigada.

Muito pouca gente em Portugal sabe escrever. Nós próprios temos a noção que somos limitados sobre o conhecimento devido da nossa língua, apesar de termos optado por um tipo de escrita que seja da compreensão da maioria dos nossos leitores. Em Portugal temos personalidades que são autênticos literatos porque a sua escrita é de um nível muito elevado e que, por vezes, nos obriga a ir abrir o dicionário. Escrevem com elevada simplicidade, mas de uma forma eclética e de alto nível, meia dúzia de portugueses e, isso, é desolador.

Escrever com alto nível é apresentar um conjunto de símbolos, sintáticos, com regras semânticas e palavras-chave que permite criar códigos com instruções para controlar as acções adquiridas pelo conhecimento. É o que acontece ao lermos António Lobo Antunes, Luísa Costa Gomes, Isabel Rio Novo, Gonçalo M. Tavares, Mário de Carvalho, Carlos Morais José, Miguel Sousa Tavares, António Barreto, Mário Cláudio, Miguel Esteves Cardoso, Valério Romão, João Reis ou José Luís Peixoto. São génios da escrita, de uma inspiração invulgar, possuidores de um dom quase sobrenatural. Escrevem como falam. Têm um conhecimento da literatura como nós não imaginamos. Um cantor tem o dom da voz, um carpinteiro produz obras que nem ele sabe como as conseguem obter. Um conhecedor profundo da língua portuguesa oferece aos seus leitores o prazer de aprender o desconhecido.

Toda esta conversa vem a propósito da campanha eleitoral que tem decorrido pelo país fora e onde nunca tínhamos ouvido tantos pontapés na gramática portuguesa. “Há meses atrás” é o habitual em ministros, deputados, líderes políticos, comentadores televisivos e personalidades de elite quando são entrevistadas. E nunca ninguém lhes perguntou que se o caso referido foi “há meses atrás”, então, e à frente? Mas nestas eleições fica para a história da língua portuguesa o erro crasso divulgado pelo próprio líder do partido “Iniciativa Liberal (IL)”, dos jornalistas de televisão e rádio, dos comentadores das redes sociais que têm passado todo o tempo de campanha a proferir a patacoada de dizer “a” Iniciativa Liberal. No feminino. Iniciativa Liberal é um partido político. É masculino. Tem de se pronunciar “O Iniciativa Liberal”. Mas não, não há alma viva na campanha eleitoral que não diga “A Iniciativa Liberal”.

O que é isto afinal? Analfabetismo, não vamos tão longe. Distracção? Indesculpável. Hábito? Hábito de quê, se o partido político tem tão pouco tempo de existência? Temos de concluir que todos os pontapés na nossa língua representam desinteresse em valorizá-la, representam mesmo sem rodeios alguma ignorância, tantas vezes proferida ou escrita por quem vive dessa mesma escrita. Esta ignorância sobre a língua portuguesa fez-nos recordar os editoriais de um sapo que durante anos nem sabia conjugar o sujeito com o predicado. Mas falam, escrevem, candidatam-se a deputados da nação sem saberem o mínimo da língua portuguesa. Uma vez perguntámos a um deputado a razão de ao fim de tantos anos nunca ter usado da palavra no Parlamento. A resposta foi inacreditável, ao dizer-nos que ainda não tinha arranjado quem lhe escrevesse o discurso porque de português bem escrito sabia muito pouco. E era advogado.

A campanha eleitoral tem tido como rainha a ignorância das palavras faladas ou escritas. Os candidatos são inúmeros. Os partidos políticos que concorrem às eleições do próximo dia 30 são tantos que nem os conhecemos a todos. Mas falam, falam por tudo o que é mercado, centro de cidade, restaurante alugado para o efeito. Entregam pelas ruas panfletos, que ao lermos alguns, logo pensamos que Camões desmaiava se visse tal desiderato. Panfletos num português que nem um aluno do segundo ciclo escreveria tão mal. Um horror. Uma tristeza confirmarmos que há muito pouca gente que apresente a língua portuguesa como ela merece, com estilo correcto, com diversidade e lógica mas com as regras devidas a serem cumpridas.

A língua portuguesa está hoje em dia patente em milhares de livros, na maioria chamados “cor-de-rosa”, romances de meia tigela, folhas cheias de asneiras ortográficas onde os próprios revisores nunca frequentaram uma Faculdade onde se ensinasse Literatura. Hoje em dia, toda a fulana que vai a um programa de televisão e que sente o seu ego bater nas nuvens, vai logo escrever um livro. E o pior é que muitas editoras rejeitam grandes obras, textos maravilhosos, mas para poderem ganhar rios de dinheiro apenas optam por lançar no mercado as vedetas da televisão e dos jornais. Desistimos de acompanhar as arruadas e as declarações aos jornalistas, os noticiários que são preenchidos pelas baboseiras de certos políticos.

A nossa mente que adora ler, que sente o que lê, que distingue o bom do mau, rejeita liminarmente os tais pontapés na língua portuguesa. Adorávamos saber escrever a nossa língua de uma forma que nos pudesse dar satisfação plena. Contudo, já nos damos por muito satisfeitos por conseguir enviar-vos estas crónicas, apenas com o intuito de vocês poderem acompanhar o que vai acontecendo pelo nosso Portugal. Como se aproxima aí o Novo Ano do Tigre recebam um abraço e Kung Hei Fat Choi.

*Texto escrito com a antiga grafia

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários