David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCombater a epidemia à sombra da Lion Rock A situação epidémica em Hong Kong é grave. Foram registadas mais de 50.000 novas infecções num só dia. Alguns peritos calculam que 15 por cento da população de Hong Kong está actualmente infectada com o novo coronavírus. Num total de 7,5 milhões de habitantes, significa 1 milhão e 125 mil de casos activos, o que é extremamente preocupante. O número de pessoas infectadas cresce de dia para dia. O sistema de saúde público e as zonas para internamentos COVID estão muito além das suas capacidades. Muitas das pessoas infectadas estão a fazer o isolamento em casa. Este método de tratamento provoca inevitavelmente que os restantes membros da família contraiam também o vírus. Com o passar do tempo a propagação do vírus aumenta. Actualmente, a China continental está a ajudar Hong Kong no combate à epidemia. Um grande número de medicamentos foi trazido para Hong Kong e também foram deslocados muitos médicos. Além disso, têm vindo muitos operários trabalhar 24 horas por dia na construção de hospitais de isolamento. São todas medidas eficazes para travar a epidemia. Dado que estamos de momento a viver o pico da epidemia na cidade, acredita-se que ainda vai levar algum tempo até que os números diários de infectados desçam significativamente. Mas a coisa mais ultrajante que aconteceu durante este período foi o aparecimento de uma gravação na Internet, onde se afirma que Hong Kong vai ser “castigada” durante a testagem a toda a população, a realizar nos finais de Março; querendo os autores da gravação dizer que durante a testagem, o Governo de Hong Kong vai proibir os residentes de saírem à rua para comprar comida e bens essenciais. Logo a seguir à notícia falsa do “castigo” ter surgido, criou-se o pânico em Hong Kong e as pessoas precipitaram-se para as lojas. A comida e os medicamentos esgotaram-se. Alguns supermercados e farmácias têm tido falta de pessoal devido a alguns dos seus trabalhadores estarem infectados, a esta situação veio juntar-se a febre do açambarcamento, pelo que certas lojas têm restringido as vendas de alimentos e medicamentos. Ao mesmo tempo, como sempre acontece, alguns negociantes menos escrupulosos aumentaram imediatamente os preços destes bens. Embora o Governo de Hong Kong tenha imediatamente desmentido a notícia falsa do “castigo” e tenha repetidamente sublinhado que o abastecimento de alimentos e de medicamentos está normal, é difícil acalmar a fúria de açambarcamento. As “notícias falsas” e os “aumentos de preços” vão sem dúvida tornar mais difícil a vida dos residentes de Hong Kong e a sua luta contra a epidemia, As “notícias falsas” e os “aumentos de preços” não podem deixar de nos lembrar do que aconteceu em 2003, por altura do surto do SARS. Um adolescente de Hong Kong, com 14 anos de idade, publicou notícias falsas na Internet, afirmando que Hong Kong se tinha tornado um porto epidémico. Nessa altura, se esta notícia fosse verdade, as pessoas não teriam podido entrar nem sair de Hong Kong, e a importação de alimentos e de medicamentos teria sido problemática. Além disso, Luo Wen morreu em Outubro de 2002. Foi o primeiro cantor a interpretar a canção “Under the Lion Rock”, símbolo do “espírito de Hong Kong”. A famosa cantora Leslie Cheung morreu em Abril de 2003. Quase simultaneamente, soube-se que Anita Mui, outra cantora muito conhecida que sofria de cancro, acabara de falecer em Dezembro de 2003. As notícias relacionadas com o SARS e a morte destes cantores emblemáticos entristeceram completamente a população de Hong Kong. No entanto, rapidamente o Governo de Hong Kong localizou o adolescente e esclareceu toda a situação. Apesar disso, o pânico que levou ao açambarcamento de comida e de medicamentos continuou por algum tempo e o desalento tomou conta de Hong Kong. Actualmente, todos os residentes de Hong Kong têm de lutar em conjunto contra a epidemia. As notícias falsas só vêm trazer problemas e confusão a esta luta. Tudo isto é desnecessário. Se tudo correr pelo melhor, não voltará a haver notícias falsas. Depois da epidemia abrandar, o Governo de Hong Kong vai fazer cumprir a lei ao pé da letra, identificar aqueles que publicarem notícias falsas e trazê-los perante a Justiça, para impedir que situações deste género se repitam no futuro. Recentemente, para homenagear e agradecer à equipa médica de Hong Kong, a TVB de Hong Kong mudou a letra de “Under the Lion Rock” e rebaptizou-a para “Under the Lion Rock, Let’s Fight the Epidemic Together”, que foi cantada por diferentes artistas. Os últimos versos dizem o seguinte: “Estamos unidos sob a Lion Rock para nos encorajarmos uns aos outros a vencer esta luta contra a epidemia.” A partir daqui fazemos votos que as pessoas de Hong Kong se ajudem umas às outras e trabalhem em conjunto para vencerem a luta contra esta epidemia. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAinda não mataram a cultura O tempo de confinamento devida à pandemia causada pela covid-19 deixou um grande número de portugueses sem trabalho. Mas, as mulheres e homens das artes foram os que mais sofreram. Os concertos musicais onde trabalham artistas, músicos, técnicos de som e de iluminação, produtores, motoristas dos camiões que transportam o material, operadores de câmara, editores de vídeo e todos aqueles que se envolvem trabalhando para o espectáculo ficaram radicalmente sem ganha-pão. Caso idêntico aconteceu com o mundo do teatro e cinema. As editoras começaram a responder aos escritores que tudo estava parado. Um amigo nosso da Sociedade Portuguesa de Autores transmitiu-nos que muitas obras estavam escritas e prontas para serem lançadas, mas que as editoras têm tomado algumas atitudes que só prejudicam os escritores. As pessoas das artes em geral protestaram e apelaram ao Governo que os ajudasse. O apoio foi praticamente nulo, com excepção para o programa Protege da Câmara Municipal de Lisboa. A cultura em Portugal está cada vez mais desprezada e o que interessa aos governantes são os aeroportos, os TGV’s, as barragens e que hajam muitos empresários a edificarem hotéis para os turistas. A cultura para quem governa é algo semelhante a uma sanita. Mas, felizmente, ainda há quem lute em defesa dos valores culturais e organize eventos que incentivam os escritores e premeiam as suas obras. Foi o caso exemplar do evento Correntes d’Escritas que se realizou, mais uma vez, no final do mês passado, na Póvoa de Varzim. Correntes d’Escritas é uma lufada de ar fresco no panorama cultural da literatura e os autores sentem que a organização de uma reunião deste tipo só alenta quem se sente inspirado a escrever. E Portugal tem escritores de enorme valia, mesmo admirados a nível internacional, tais como António Lobo Antunes, Afonso Cruz, José Luís Peixoto, Lídia Jorge, Válter Hugo Mãe, Carlos Morais José e Gonçalo M. Tavares, entre outros. Este ano, a escritora portuguesa Luísa Costa Gomes venceu o Prémio Literário Casino da Póvoa 2022 atribuído no âmbito do encontro literário Correntes d’Escritas, com o livro “Afastar-se”. O júri do concurso decidiu distinguir a obra desta escritora de 67 anos, de Lisboa, considerando a coerência na diversidade deste livro de contos, género em que a autora se tem destacado ao longo de vida literária, bem como a constante procura da forma adequada que Luísa Costa Gomes persegue em cada conto. “No domínio da escrita, o trabalho da autora persiste com rigor constante”, destacou o júri, constituído por Ana Maria Pereirinha, Carlos Quiroga, Carlos Vaz Marques, Isabel Lucas e Isabel Pires de Lima, salientando ainda “o contundente uso da ironia na escrita de Luísa Costa Gomes”. Mas, vocês acreditam que os canais de televisão mal fizeram referência a um evento desta tão importante envergadura no panorama cultural? É verdade, as televisões só se preocupam em programas para atrasados mentais, do tipo “Big Brother”. Uma vergonha e falta de profissionalismo de quem dirige esses órgãos de comunicação social. E esta foi a primeira vez que o principal prémio dos encontros Correntes d’Escritas foi atribuída a um livro de contos. Luísa Costa Gomes, licenciou-se em Filosofia, foi professora do Ensino Secundário, dirigiu a revista “Ficções”, dedicada à divulgação de contos, e, além de ser autora de romances, contos, crónicas, faz tradução literária. O seu primeiro romance, “O Pequeno Mundo”, ganhou em 1988, o Prémio D. Diniz da Casa de Mateus enquanto a obra “Olhos Verdes” venceu, em 1995, o Prémio Máxima de Literatura. Com “Contos Outra Vez” conquistou em 1997, o Grande Prémio de Conto da Associação Portuguesa de Escritores. O seu romance “Ilusão (ou o que quiserem)” recebeu, em 2010, o Prémio Literário Fernando Namora, pela inovação e ágil registo estilístico. No encontro Correntes d’Escritas participaram mais de 60 autores ibéricos, o que nos dá uma ideia da dimensão e importância deste evento cultural. Felizmente, Portugal sempre teve entre os seus melhores grandes mulheres escritoras, desde Florbela Espanca a Agustina Bessa-Luís. E foi outra mulher, a escritora Lídia Jorge, que já tem um espólio valiosíssimo de distinções obtidas no nosso país e no estrangeiro, que também recentemente foi a vencedora do Grande Prémio de Crónicas e Dispersos Literários, da Associação Portuguesa de Escritores, com o livro “Em Todos os Sentidos”. Orgulhosamente os portugueses têm de constatar que a cultura é fundamental no seu quotidiano. Relembro a alegria que sentimos há dias, ao ver subir ao palco o nosso amigo Ruy de Carvalho com 95 anos de idade e 80 de carreira. Um feito memorável que mostra ainda a todos os imbecis que nada fazem pela cultura, que esta não tem idade ou género. Impõe-se que o evento Correntes d’Escritas continue pelos anos vindouros para que possamos sempre afirmar que ainda não mataram a cultura. *Texto escrito com a antiga grafia
João Romão VozesA vitória da guerra Mais uma vez, a guerra está a ganhar: o exército e os poderes da Rússia não quiseram deixar dúvidas sobre a brutalidade da invasão do território da Ucrânia, que vão ocupando com sistemática precisão: são dois países com dimensões, populações e capacidade económica absolutamente desequilibradas, com a super-potência militar e nuclear a instalar-se alarvemente no território de um país de limitados recursos bélicos, com as suas magníficas caravanas de dezenas de quilómetros com veículos e material de guerra, aviões e espectaculares paraquedistas para as ocasiões necessárias, e arsenal nuclear de prevenção para qualquer eventualidade. A guerra instalou-se na Ucrânia e no mundo, ocupando o espaço mediático e fazendo até esquecer a pandemia que continua a ameaçar grande parte da humanidade. Condicionou discursos políticos e políticas económicas e passou, enfim, a comandar a agenda política e mediática do planeta. Na imprensa pouco se fala de outros assuntos, os mercados (das finanças, produtos ou serviços) reajustam-se em função de boicotes e outras alianças, as geo-estratégias assumem de repente novas configurações. Em particular, abrem-se de par em par para quem foge da guerra portas europeias que estiveram pouco mais que entreabertas quando se tratou de guerras noutras paragens, enquanto se acena com processos de adesão ultra-rápida à União Europeia a países que até agora estavam longe de ser sequer candidatos. Há aqui um quase unanimismo que as imagens de guerra ajudam a criar, de solidariedade para com as vítimas destas vontades imperialistas de grandes potências com orgulho ferido. Populações em massa, pequenas e grandes empresas ou figuras do universo empresarial, desportistas com público e notório reconhecimento, formações políticas de todo o espectro, alinharam-se rapidamente em torno da importância de se proteger o povo ucraniano, vítima indefesa de uma guerra que provavelmente nem é a sua. Ainda bem. Este unanimismo traz no entanto outras formas de violência, em nome das boas vontades e boas intenções dos consensos hegemónicos: por exemplo, a censura e a negação do direito às fontes de informação do lado “inimigo” revelam a insegurança e a dificuldade em lidar com outros pontos de vista, com a tal liberdade de que se fala quando se enuncia o direito à auto-determinação, mas que se nega a oponentes em caso de conflito. O oponente não é só o Estado russo: são também os grupos, organizações ou partidos que contextualizam esta guerra num processo mais longo de desnecessária, injusta e catastrófica militarização do planeta. A violência da guerra impõe também um olhar unilateral sobre os problemas, um consenso imposto, impermeável a discussões, profundamente autoritário e anti-democrático, sem qualquer espaço para o diálogo, para a negociação, para a paz. Esta força bruta não se limita às discussões em redes ditas sociais: ela alastra às ruas, às manifestações, às sedes de partidos, a tudo o que questione a guerra, o seu contexto e as suas consequências ainda mais bélicas. Na realidade, esta ocupação traz ainda mais guerras e essa é a sua vitória: o ambiente bélico das discussões entre grupos e pessoas é notório e facilita a legitimação do reforço da capacidade beligerante que se vai desenhando, ou pelo menos discutindo, em vários países: desde logo na Ucrânia e restantes países na vizinhança da Rússia, alegadamente potenciais próximas vítimas da barbárie do regime de Putin, mas também outros países no continente Europeu, como a Alemanha (modesta neste campo desde a segunda guerra mundial) ou a própria União Europeia, que começa a reivindicar com mais insistência a necessidade das suas próprias forças armadas, enquanto reafirma o papel da NATO na segurança do continente. O assunto chegou mesmo ao Japão, onde Shinzu Abe, anterior primeiro-ministro, veio a público defender que o alojamento em território japonês de armas nucleares dos Estados Unidos, no âmbito da NATO, deve ser discutido. Dá-se a coincidência, no entanto, de o actual primeiro-ministro, Fumio Kishida, ser natural de Hiroshima, uma das cidades mártir das bombas atómicas da segunda guerra mundial, que certamente não abrirá a discussão sobre um dos raros temas – senão o único – capaz de levar manifestantes às ruas das cidades japonesas. Enquanto emerge como solução militar para a pacificação, juntando mais guerra à guerra, a NATO escapa à discussão pública das suas próprias responsabilidades. Terminada a Guerra Fria e dissolvido o Pacto de Varsóvia no bloco de Leste, que sentido faz a NATO, afinal? Desde os anos 1990, nunca a NATO foi chamada a defender um dos seus países membros de um qualquer ataque. Pelo contrário, a NATO tem fomentado e protagonizado guerras e ocupações diversas, sobretudo no Médio Oriente. Em nenhum caso resultou destas ocupações uma solução melhor do que a que existia: resultou destruição, morte, miséria, corrupção, refugiados e mais autoritarismo em vez de mais democracia. No caso particular da Europa, a deliberada e sistemática expansão da organização para Leste, até isolar e cercar a Rússia, está certamente no centro da guerra que vivemos hoje. A esta guerra que a NATO foi alimentando, respondemos com mais guerra e com mais NATO. Em nome dessa paz militarizada, quem tenta discutir pacificação, desmilitarização e diálogo tem sido atacado com violência, verbal e física. É o pensamento possível em tempos de guerra e suas manipulações mediáticas, quando afinal as sanções económicas parecem constituir formas bastante eficazes para exercer a pressão suficiente. Afinal, os povos da Rússia, da Ucrânia ou da Europa, perdem todos com esta guerra.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOportunidades para as finanças públicas Durante a epidemia os impostos podem ser aumentados? E as rendas, podem ser deduzidas dos impostos? No passado dia 23, o Governo de Hong Kong apresentou o Orçamento para este ano, no qual vale a pena analisar as medidas relativas às “taxas” e às “deduções das despesas de arrendamento”. Em Hong Kong, as taxas são impostos que o Governo cobra em função de uma percentagem sobre o valor do arrendamento do terreno tributável. Devido aos diferentes sistemas sociais, Macau não cobra estas taxas. O novo Orçamento propõe um novo sistema de taxas – as ” Taxas Progressivas”, que se baseia no princípio de que “quem tem mais paga mais”. Esta taxa começa num valor básico e vai subindo progressivamente, em função dos rendimentos. Os proprietários mais afectados podem pagar até ao dobro do valor básico. Existem cerca de 42.000 imóveis residenciais sujeitos ao novo sistema, representando cerca de 2 por cento do total de imóveis residenciais privados. O novo sistema aumentou as receitas do Governo em cerca de 760 milhões de dólares de Hong Kong (HKD) por ano. Se as medidas de concessão de taxas pontuais precisarem de ser implementadas no futuro, o Governo poupará cerca de 3,1 mil milhões de HKD. Não é a primeira vez que o Governo de Hong Kong aumenta os impostos no meio da epidemia. No Orçamento do ano passado, o Executivo subiu a taxa do imposto de selo de 0,1 por cento para 0,13 por cento, o que deverá aumentar a receita em cerca de 8 mil milhões de HKD. Após esta mudança, Hong Kong tornou-se o lugar com a segunda maior taxa de imposto de selo do mundo. A “dedução das despesas de arrendamento” representa uma medida de desagravamento fiscal. A renda paga pelos inquilinos pode ser usada como dedução fiscal, até um máximo de 100.000 HKD, e as receitas do Governo serão reduzidas em 3,3 mil milhões de HKD. Muitos inquilinos congratularam-se com a medida, acreditando que aliviaria os encargos dos contribuintes que não possuem imóveis residenciais. Alguns académicos e pessoas do sector imobiliário de Hong Kong salientaram que, se calculada à taxa de imposto mais elevada, a isenção máxima de 100.000 HKD pode poupar aos inquilinos cerca de 1.000 HKD em impostos por mês. A isenção fiscal de 100.000 HKD não tem impacto no mercado imobiliário. É impossível para os inquilinos pagar rendas mais caras por causa dos incentivos fiscais. Os senhorios têm de pagar impostos sobre as rendas que recebem. Uma vez que é operacionalmente difícil verificar se o proprietário está a alugar o imóvel, é muito comum este não pagar impostos após o arrendamento do imóvel. De acordo com o novo sistema, se o arrendatário quiser usufruir da dedução do imposto, deve declarar o arrendamento ao Departamento de Receitas Do Interior. A declaração é a mesma que o senhorio deve preencher para atestar os rendimentos do arrendamento, e, portanto, terá mais dificuldade de fugir ao imposto. O novo sistema pode, por conseguinte, aumentar as receitas do Governo, mas no Orçamento não vem mencionado até quanto pode ir este aumento. Quer a “progressão das taxas” quer a “dedução das despesas com o arrendamento” estão relacionados com aumentos de impostos. O Governo de Hong Kong fica um tanto ou quanto constrangido quando tem de aumentar os impostos. Poucos residentes apreciam esta medida. Em circunstâncias normais, haveria sempre quem se opusesse a estas medidas. Agora, neste período pandémico, a vida dos residentes é mais difícil, com os empregadores preocupados com o enfraquecimento dos negócios e os trabalhadores preocupados com o desemprego, o descontentamento vai naturalmente aumentar. Hong Kong poderia não aumentar os impostos? Actualmente, as reservas fiscais do Governo são apenas suficientes para cobrir as despesas operacionais durante cerca de 18 meses. Além disso, para aliviar as dificuldades das pessoas durante a epidemia, o Governo aumentou as despesas, e já havia défice orçamental em 2020. Embora o aumento da taxa do imposto de selo e o sistema de taxas progressivas possam aumentar a receita fiscal de Hong Kong em cerca de 9 mil milhões de dólares, as despesas derivadas das medidas de combate à epidemia são da ordem dezenas de milhares de milhões de dólares, e estas despesas são muito superiores às novas receitas fiscais. Resumindo, a reserva fiscal é escassa, as receitas são insuficientes e as despesas aumentaram significativamente, e embora o Governo tenha aumentado os impostos, este aumento não faz face aos grandes gastos decorrentes da epidemia. Finalmente, o problema do défice orçamental ainda existe, e, mesmo assim, alguns residentes mostram insatisfação com o aumento dos impostos. Não é fácil para o Governo de Hong Kong lidar com as finanças públicas. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesAmericanos já não são donos do mundo Amigos leitores, tinha agendado escrever-vos sobre o grave problema da seca extrema que se vive em Portugal, com o gado em perigo de morrer sem água e pasto. Mas, durante toda a semana passada se íamos ao supermercado as conversas que se ouviam eram sobre a “guerra”, se entrávamos na farmácia logo se ouviam duas clientes a falar da “guerra”, no café não havia nenhuma mesa onde os clientes não falassem da “guerra”, se entrámos num táxi logo o motorista nos perguntava o que pensávamos da “guerra”, ao entrar na barbearia habitual a conversa dos presentes era sobre a “guerra”, em casa constatávamos que todos os canais de televisão e de rádio só falavam durante todo o dia da “guerra”. Meus amigos, perguntámos a nós próprios se o povo, os políticos, os jornalistas estariam todos loucos. Mas qual guerra? Para existir uma guerra tem de haver pelo menos dois beligerantes. E o que se tem assistido é à invasão de tropas russas em território ucraniano e ao bombardeamento de certos locais. Não vimos um tiro sequer por parte de ucranianos. No terreno não há guerra nenhuma. Há uma invasão militar de um país a outro. A Rússia está em litígio constante de forma bélica na fronteira com a Ucrânia desde 2014 e recentemente teve o desplante de reconhecer a independências de duas pequenas regiões controladas por rebeldes pró-Rússia. Como é que os canais de televisão e jornais apenas só falaram da guerra Rússia-Ucrânia, sem ter havido um único confronto militar entre as partes? Para nós isto é inacreditável e demonstra uma falta de profissionalismo e uma lavagem aos cérebros das pessoas tomando a Rússia como o inimigo número um, esquecendo-se do povo russo que não apoia na totalidade a invasão da Ucrânia às ordens de Putin, que todo o mundo sabe tratar-se de um ditador com imenso poder, inclusivamente o nuclear. Contudo, sejamos sérios e quando pretenderem falar do bandido Putin lembrem-se do que os norte-americanos fizeram no Vietname, no Iraque, na Síria e na Palestina, neste caso através dos criados de Israel. Falem claro informando porque é que a Rússia de Putin invadiu a Ucrânia. Putin desde 2014 que anuncia que se a Ucrânia passar a membro da NATO que invadiria de imediato o território ucraniano. Mas, tudo se tornou muito grave. Ao longo dos últimos anos a Ucrânia foi tendo o apoio financeiro e militar dos Estados Unidos da América. Os americanos foram instalando militares e armamento na Ucrânia. Junto dos aeroportos, ao redor de certas cidades ucranianas, incluindo a capital Kiev, os americanos construíram bases militares. E ninguém teve durante a semana a coragem de explicar aos leitores, ouvintes e telespectadores que o bandido Putin tinha recebido a informação de que os americanos já tinham na Ucrânia mísseis poderosos que em cinco minutos podiam destruir completamente Moscovo. Neste sentido, Putin, o bárbaro, perdeu a cabeça e ordenou o bombardeamento de todas as bases militares americanas e que os carros de combates destruíssem os prédios onde residiam militares americanos disfarçados de ucranianos. Os bombardeamentos russos foram sinalizados apenas em determinados locais, precisamente onde estavam as bases militares americanas e tudo destruiu sem dar um minuto de reacção aos homens de Biden. Putin é louco, mas não quer morrer com um bombardeamento que viesse do lado ucraniano. Os americanos já constataram que deixaram de ser os donos do mundo. A condenação à Rússia é total, esquecendo-se os “grandes” comentadores, de que vivem na Ucrânia mais de 300 mil cidadãos russos e quando Putin matar o povo da Ucrânia está simultaneamente a matar compatriotas. No momento em que Putin mate os homens, mulheres e crianças que vivem na Ucrânia perde o apoio popular que tem tido, apesar de se registarem várias manifestações de protesto em solo russo contra a invasão na Ucrânia, que já levou à prisão de cerca de 1800 manifestantes. Obviamente, que é possível que a paranóia de Putin se cumpra aproveitando a invasão, que se traduz na ocupação da Ucrânia instituindo um governo fantoche pró-russo. A Europa entrou em paranóia e esqueceu-se, por exemplo, que Putin tem o apoio da China. Um dia que Pequim precise de algo, naturalmente que terá o voto favorável da Rússia no Conselho de Segurança da ONU. A paranóia já passou dos limites com sanções económicas à Rússia não vendo que se os supermercados ficarem vazios o povo russo é que sofre. Em Portugal, as notícias “controladas” têm criado o ódio contra tudo o que é russo esquecendo-se, mais uma vez, que no nosso país vivem famílias russas há décadas e que são cidadãos portugueses. E pensemos em algo de muito grave: Putin é louco e nunca quer perder em nada e se os oligarcas lhe dizem que estão a perder a “guerra” com a Europa e americanos, é homem para carregar no botão nuclear e termos uma terceira guerra mundial. Talvez, seja conveniente, não “brincar” mais com a fera…
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesOs últimos 1000 metros Qual é a diferença entre o último quilómetro e os últimos 1000 metros? A distância é a mesma, mas a unidade de comprimento é diferente. Se apenas nos for permitido usar o quilómetro para descrever a distância que nos separa do fim da era Covid-19, em vez de a ela nos referirmos como 1000 metros, estaremos perante um problema. O pensamento rígido e a insistência ideológica são vírus mais mortais para a humanidade do que a Covid-19. Macau está plenamente consciente da sua forma particular de sobrevivência. O que permitiu a Macau sobreviver à administração portuguesa e à liderança da China continental foi a sua “flexibilidade”. Sempre que uma medida política não era favorável a Macau, o Governo local tentava minimizar os efeitos negativos e lutava para encontrar possibilidades de crescimento e de desenvolvimento da pequena cidade. O planeamento sempre foi o sonho dos políticos, mas a sobrevivência é aquilo de que os cidadãos precisam. Não podemos deixar de comer por existir a hipótese de nos engasgarmos. Se isso acontecer, cuspimos o pedaço que ficou preso na garganta e continuamos a comer para sobreviver. As pessoas que vivem constantemente com medo e ansiedade ou se tornam inseguras, sofrendo de nervosismo, ou encontram uma saída. Os problemas que afligem a vizinha Hong Kong são um bom exemplo desta situação. Para lidar com a Covid-19, adoptou-se a estratégia de “prevenção da importação de casos de Covid-19 e da sua propagação na comunidade”, acrescida da vacinação e da melhoria das condições sanitárias gerais para reduzir os impactos da pandemia. Todos sabemos que o novo coronavírus não pode ser erradicado, que se vai adaptar ao meio ambiente e sofrer constantes mutações. Obter o “número de infecções Zero” e “coexistir com a Covid-19” são duas medidas que estão a ser implementadas e não existe conflito entre elas. Quando a epidemia surgiu em Hong Kong há dois anos, os peritos de saúde propuseram ao Governo local que a cidade ficasse confinada, para impedir a entrada de pessoas infectadas. Se essas medidas de controlo tivessem sido implementadas, Hong Kong não estaria agora na situação em que se encontra. Se compararmos a abordagem dos Governos de Hong Kong e de Macau na resposta à pandemia, compreendemos que o Governo de Macau é digno de louvor. Porque o Governo de Macau foi capaz de pensar na corrida até ao final da epidemia, como a prova dos últimos 1.000 metros e não como a prova do último quilómetro. Quando visualizamos um quilómetro surge-nos uma entidade unitária, difícil de ultrapassar enquanto tal, ao passo que 1.000 metros são constituídos por muitas pequenas parcelas. O Governo avança uns poucos metros todos os dias e, mais cedo ou mais tarde, completará os 1.000 metros. Durante as celebrações do Ano Novo chinês, o Governo de Macau deu o seu melhor para oferecer as mais variadas actividades à comunidade, como a Feira das Vésperas do Ano Novo Lunar, do fogo de artificio e da Parada de Celebração do Ano do Tigre. Depois, ainda tivemos a “Maratona de Concertos Amor Infinito” que deu trabalho a dezenas de artistas locais e a outros profissionais. Além disso, a Cerimónia de imposição de Medalhas e Títulos Honoríficos do Ano 2021 da RAEM foi retomada sob o signo de um entendimento cauteloso. O vírus afecta a saúde das pessoas, mas a infecção pode ser curada. No entanto, as políticas erradas destroem a estabilidade social, muito mais difícil de restaurar. Em Macau, durante o Ano Novo Chinês, um leitão assado foi avaliado em 388 patacas, que é um preço muito baixo. Isto aconteceu porque muitas refeições festivas foram canceladas ou adiadas, e por isso os restaurantes que já tinham encomendado muitos leitões assados tiveram que vendê-los com grandes descontos. Macau não proibiu as “reuniões de grupos” nem a utilização dos “espaços interiores dos restaurantes” porque o pânico em torno da pandemia pode destruir a vida do dia a dia. Para que o pânico seja ultrapassado, o Governo deve garantir o estilo de vida das pessoas para além de tomar medidas de prevenção da epidemia. Tem de consolidar a confiança dos cidadãos e tomar medidas concretas para ajudá-los a vencer passo a passo os últimos 1.000 metros da corrida contra a pandemia. Embora Hong Kong seja uma bela cidade, não é um modelo a seguir.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA desnecessária arte de fingir orgasmos Comecemos pela Meg Ryan e a sua icónica demonstração que os orgasmos podem ser fingidos, no rom-com clássico dos anos 80. Muitos filmes e sitcoms depois apropriaram-se desse facto inabalável que, tendencialmente em relações heterossexuais, as mulheres fingem os orgasmos e os homens parecem não notar. A percentagem, dizem alguns estudos mais alarmistas, é estrondosa. Cerca de 67 por cento a 74 por cento das mulheres já reportaram terem fingido um orgasmo pelo menos uma vez na vida. A pergunta que se impõe é: porquê? Ninguém anda a ensinar que se deve fingir orgasmos. Eu certamente nunca assisti que fosse uma dica a ser passada de geração em geração. É como se o orgasmo fingido fizesse parte de um repertório silencioso, uma estratégia para lidar com as coisas do sexo e da cama, sem ninguém perceber bem como, nem de onde veio. Resta-nos analisar o orgasmo fingido como o resultado de uma interacção que deve ter determinados contornos. Pode ser que o propósito seja despachar o sexo de forma inequívoca, simples, e sem palavras necessárias. Mas também pode ser que seja uma estratégia de lidar e cuidar do ego masculino que julga que a masculinidade é medida pela quantidade de orgasmos que se pode proporcionar à parceira romântica. Ora, como sabemos, o orgasmo feminino necessita de um alinhamento particular, uma profunda delicadeza e grande sentido de descoberta. Só tendo essa abertura e habilidade é que as mulheres atingem o clímax. O orgasmo feminino ainda continua envolto em muito mistério, que ajuda a perpetuar o famoso orgasm gap documentado na literatura. Esta refere-se ao fosso que existe entre a quantidade de orgasmos reportados pelos parceiros. Em encontros heterossexuais de uma noite – e especialmente nesses casos – os homens reportam muito mais orgasmos do que as mulheres. Elas tentam resolver esse problema da melhor forma que podem: fingindo o orgasmo. Isto porque as crenças patriarcais do orgasmo feminino continuam por aí, ideias pré-concebidas, algumas delas mirabolantes. Há quem ache que o orgasmo deveria ser simultâneo ou que depende de penetração profunda, unicamente. Estas e tantas outras crenças contribuem para a pouca flexibilidade e criatividade no sexo, e eventualmente, levando à sua desgraça. Podemos também culpar a pornografia, o educador sexual contemporâneo, para grande tristeza de muita gente. A recomendação é que parem imediatamente de fingir orgasmos. Para todo o sempre. Uma recomendação que se aplica aos homens que, em números muito menores, também fingem orgasmos de vez em quando. Não será por magia que desencantam parceiros que muito eficaz e habilidosamente saibam dos vossos caminhos para o orgasmo. Não vale a pena remediar com os dotes –ainda que impressionantes – de os fingir. Mais vale lidar com o desconforto, com a potencial ferida, com o desfazer de expectativas de uma noite perfeita, a tal digna de um filme pornográfico. Importa que se observe o que nasce do desconforto e que se consiga confrontar com aquilo que não aconteceu. Só assim é que se cria uma oportunidade fabulosa de se transformar, experimentar outra vez, conversar sobre expectativas. Se se achar importante ou necessário, explica-se o que se gosta e como se gosta. Pode-se até desconstruir o peso do orgasmo no sexo, e deixar que ele deixe de ser o eixo definidor de uma relação sexual satisfatória. Flexibilizar, re-criar, transformar, sentir o prazer em vez de o assistir, como se fosse um filme ou um romance – não é essa a mudança desejável? Fingir o orgasmo só atrapalha o sonho de um sexo diferente. Pensem nisso na próxima vez que sentirem que devem fingir o que quer que seja.
Hoje Macau VozesAs relações China-Rússia e os acontecimentos em Donetky-Lugansk (Ucrânia) Por Francisco José Leandro – Professor Associado da Universidade Cidade de Macau Nas relações China-Rússia há cinco factos que, independentemente dos próximos desenvolvimentos no sudeste da Ucrânia, irão ditar a posição chinesa. Em primeiro lugar, a China e a Rússia são membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, facto que a China entende como uma especial responsabilidade no quadro da preservação do sistema da Carta das Nações Unidas; isto significa o respeito pela integridade territorial de todos os Estados e, tal como afirmou recentemente o Ministro dos Negócios Estrangeiros da China Wang Yi, “todas as soluções para a crise na região de Donetky-Lugansk devem ser negociadas no quadro dos Acordos de Minsk” (2015). Posição lógica e coerente na sequência dos acordos de Budapeste em 1994, no quadro da OSCE, aos quais a China deu o seu apoio de forma escrita. Em segundo lugar, a assimetria das relações económicas (a economia Chinesa é cerca de 11 vezes a da Rússia), os recentes desenvolvimentos no contexto da iniciativa da nova rota da seda na região da Eurásia, designadamente no âmbito da Parceria Económica Euro-asiática (2021), da Parceria Estratégica China-Rússia (1994), da entrada em funcionamento do gasoduto “Power of Siberia” (2022) e das possibilidades que oferece o Projecto Yamal e a Rota da Seda Polar, levará previsivelmente a que China a adopte uma posição de responsabilidade e de comedimento perante a comunidade internacional e perante os seus próprios interesses. Em terceiro lugar, a China é um importante parceiro comercial da Ucrânia. A Ucrânia importa da China 15% do seu total de importações, exposta para a China 16% do seu total de exportações. Para além disso, é necessário ter em conta que, face às posições políticas já assumidas pela União Europeia e pela maioria dos seus Estados-Membros, a China é o maior parceiro comercial do Espaço Comum Europeu e, também por essa razão, não se espera um inequívoco, incondicional e público alinhamento China-Rússia. Espera-se, isso sim, um intenso debate diplomático sem os holofotes dos meios mediáticos. Em quarto-lugar, as relações China-Rússia já não são as que se verificavam em 1958 durante a cimeira Mao Zedong-Kruschev. A China é hoje uma superpotência económica, uma potência em crescimento e com sofisticação militar, um reconhecido actor global, ao qual a Rússia se vai procurar associar, para capitalizar no seu esforço de regresso ao concerto dos estados mais poderosos do sistema internacional. Todavia, as assimetrias geoeconómicas estão a favor da China, que estou em crer não deseja mais do que aprofundar parceiras, distanciando-se da ideia de alianças formais. Finalmente, a China e a Rússia têm um forte ponto comum nas suas agendas das relações internacionais: são ambas potências revisionistas que não aceitam uma ordem internacional baseada unicamente no modelo neoliberal e, como tal, têm visões próprias para a evolução do sistema. Ambas sabem também, que uma eventual reeleição do Presidente Donald Trump (2025) aconselha a uma redobrada prudência, já que alinhadas representam uma possibilidade de reequilíbrio ideológico da ainda ordem hegemónica.
Carlos Morais José A outra face VozesI know not what tomorrow will bring No tempo em que os burros pela manhã zurravam e não se dava por uma profusão de luzes e de ribaltas, este não era um território sossegado. Talvez para quem distraidamente fitasse o espelho baço e imóvel da Baía, o trânsito frouxo e as mulheres arredias, imaginasse ser esta cidade uma pasmaceira, um local semi-adormecido, opiado pelo dinheiro fácil do jogo e entregue a uma administração complacente. Mas quem aqui fazia a sua vida sabe perfeitamente que em Macau nem o céu, nem o vento são sossegados. E quando assim aparentam estar, é mau augúrio. Por baixo dessa aparente calma e descontração, agitavam-se emoções, planos mirabolantes, os últimos sonhos de um império desfeito. Sob o manto amorfo da apatia, uma efervescente e glamorosa realidade. Pelas ruas silenciosas, de visibilidade ténue, recortavam-se personagens ainda à procura de um papel na peça de teatro que então se findava. Disfarçados numa aparência quase jesuítica, debatiam-se e roncavam um florido erotismo a par com a mais depravada bestialidade. Não, não foi preciso a liberalização do jogo para que o mundo viesse a Macau. Já cá estava mas era discreto: não se anunciava na berma dos passeios com luzes e promessas. Fazia-o tímido, como quem convida para uma volta num carrossel de fauna estranha e cuja corrida é de destino incerto. Pouco plástico, pouco gesso havia. A cidade tinha um sabor real a irrealidade. * Chama-se a isto mudar de século, de milénio, de ambiente, de sonhos e de vida. Mudar de paisagens e esquecer o subtil, o que aos poucos se revela, o passeio por jardins desconhecidos. O sabor de uma cultura a revelar-se num gesto púdico ou atrevido de uma mulher. Não, a invasão não veio para ensinar nada. Veio para fazer esquecer e inaugurar um novo paradigma. Tudo isto me veio à memória num passeio por este Macau de hoje, sem turistas, sem negócio, sem chama, sob uma chuva fina e persistente. Uma vez mais estamos cercados, desta vez por uma doença que nos faz fechar as portas dos nossos castelos, transforma a cidade numa fortaleza monótona e triste. Lá fora, o mundo queima o seu próprio rastilho, solavanca, ouvem-se bramidos de guerra. Lá fora, os senhores do mundo conversam interminavelmente sobre as soluções que não querem implementar. Lá fora, milhões de inocentes esperam por mais levas de ignomínia, de miséria, de infinita estupidez. Mas aqui, aqui nesta quase-ilha, aqui neste balão que flutua sobre o Rio das Pérolas, é como se o tempo estivesse suspenso e simplesmente envelhecêssemos sem que nenhuma ruga se inscreva nas nossas faces ou nenhuma memória digna desse nome se escreva nos calhamaços da História. Sei que respiro, que como, que porventura amo. Não sei se isto é viver, mas algo me atinge com a certeza de que estou vivo. “I know not what tomorrow will bring”.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSurto epidémico em Hong Kong A quinta vaga da epidemia atingiu Hong Kong. Macau enviou equipas médicas para ajudar no combate a este surto e alguns Hongkongers refugiaram-se na China continental. Recentemente, o número de pessoas infectadas aumentou exponencialmente. No momento em que escrevia este artigo, existiam cerca de 8.000 infectados em Hong Kong. Em muitos bairros de habitação social a água está contaminada. Os prédios têm de ficar isolados e a testagem dos habitantes é obrigatória. A situação é preocupante. Para fugir a este surto epidémico alguns Hongkongers optaram por procurar abrigo em Macau, mas testaram positivo para a COVID. Outros decidiram refugiar-se na China continental e a Shenzhen Bay Bridge estava congestionada. É sabido que para tentar travar as infecções, o Governo de Hong Kong tem incentivado os residentes a vacinar-se e a vacina já pode ser administrada a crianças a partir dos 3 anos. Além disso, também foram contratados táxis para levar os doentes aos hospitais para aliviar a pressão sobre o serviço de ambulâncias e criadas mais instalações para receber doentes infectados. Todas estas medidas são importantes para achatar a curva de expansão da epidemia. É evidente que a medida mais importante é a procura de ajuda junto do Governo Central. O Presidente Xi Jinping ordenou que o Governo da Província de Guangdong prestasse ajuda ao Governo de Hong Kong na luta contra a epidemia. Esta decisão levou a que fossem enviadas de imediato para Hong Kong, equipas médicas, mantimentos, e outras provisões. Estas medidas fortaleceram o combate à epidemia, ao assegurarem todos os bens necessários e ajudaram a aliviar a ansiedade dos residentes. Macau também enviou oito médicos para ajudar a travar este combate. Três destas medidas são dignas de reflexão. Em primeiro lugar, para travar a epidemia, o Governo Central demonstrou que se preocupa com os residentes de Hong Kong e que espera que a situação melhore. Durante este surto, o Governo Central mais uma vez prestou auxílio a Hong Kong, bem como Macau. Este apoio demonstra que os chineses se ajudam uns aos outros sempre que necessário. Em segundo lugar, destaco o serviço e táxis para levar e trazer os doentes dos hospitais. Esta medida reduz a sobrecarga das ambulâncias e permite que os doentes se desloquem isolados, reduzindo o risco de contágio nos transportes. Os taxistas estão dispostos a disponibilizar os seus serviços para o transporte de doentes, independentemente do risco de contraírem a infecção, o que é um exemplo concreto da luta conjunta contra a epidemia. Todos sabemos que o interior de um táxi é um espaço pequeno e os taxistas aumentam grandemente o risco de se infectarem ao realizarem estas viagens. Este espírito de cooperação é digno de louvor. Em terceiro lugar destaco o deficit fiscal do Governo de Hong Kong. Para dar resposta à epidemia, o Governo de Hong Kong apresentou ao Conselho Legislativo a proposta para a criação de um fundo de 27 mil milhões de ajuda às pessoas em dificuldades financeiras. No ano financeiro de 2019/2020, o Governo de Hong Kong teve um deficit de 10,6 mil milhões. No ano financeiro de 2020/2021, o Governo de Hong Kong teve um deficit de 232,5 mil milhões. Nos anos financeiros de 2021/2022 e de 2022/2023, é muito provável que volte a haver deficit. No final de Novembro de 2021, as reservas financeiras do Governo de Hong Kong eram de 860,2 mil milhões. As receitas provenientes dos impostos são limitadas. Durante a epidemia a economia abrandou e as despesas aumentaram. Se o deficit fiscal se mantiver por vários anos, a situação financeira do Governo de Hong Kong vai ser grandemente afectada. Por este motivo, Hong Kong aumentou o imposto de selo em 2021, fazendo assim crescer as receitas do Governo. É pena que o aumento das receitas não consiga mesmo assim contrabalançar o aumento das despesas e que o déficit fiscal do Governo se mantenha. No novo orçamento que o Governo vai apresentar, haverá certamente uma alínea dedicada à resolução deste problema. O surto pandémico em Hong Kong tem três implicações para Macau. Primeiro, o número de pessoas infectadas em Hong Kong aumentou exponencialmente. Em muitos bairros de habitação social a água está contaminada. Os prédios têm de ficar isolados e a testagem dos habitantes é obrigatória. Este facto demonstra que há muita gente a viver em áreas densamente povoadas. A este respeito, a situação de Hong Kong e de Macau é similar. Se o vírus surgir na comunidade de Macau, é natural que se espalhe rapidamente devido à densidade populacional. Por este motivo, Macau esteve certo ao adoptar a política de “zero casos”, que deve continuar a ser implementada para evitar o aparecimento de surtos dentro da comunidade. Em segundo lugar, alguns Hongkongers fugiram para a China continental porque aí existem medidas efectivas de controlo da epidemia. Estes clandestinos foram criticados na Internet por estarem a “envenenar milhares de quilómetros”. Tendo isto em mente, Macau devia reforçar as patrulhas fronteiriças para prevenir entradas ilegais. Esta é também uma das formas de impedir a entrada do vírus em Macau. Em terceiro lugar, a epidemia vai certamente durar por mais algum tempo, e ainda não se sabe que fundos vão ser necessários para ajudar as vítimas desta situação. Macau deve continuar a adoptar a política de prudência financeira, tentar equilibrar os pagamentos e reduzir o deficit fiscal. Finanças estáveis aumentam a confiança de todos no combate à epidemia. O Governo de Hong Kong deve organizar bem as equipas médicas, usar as provisões de forma adequada, lutar para achatar a curva de expansão da epidemia, e reduzir as preocupações sociais. Deve também apreciar e compreender o cuidado e o amor demonstrados pelo Governo Central e pelo Governo de Macau. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesEmigrantes tratados como lixo No tempo do fascismo de António Salazar um grande número de portugueses atravessava os montes fronteiriços e ia para França a fim de não cumprir serviço militar nas colónias. Por lá ficavam como emigrantes e juntando-se a milhares de portugueses que ao longo de décadas tinham optado por uma vida melhor nos Estados Unidos da América, na Austrália e da Suíça. Os emigrantes portugueses sempre foram tomados por boa gente, trabalhadores, sérios, pacíficos e unidos em família. Mas sempre trabalharam no duro. De sol a sol. As mulheres ainda hoje começam às seis da madrugada em limpezas de escritórios, entram numa fábrica às nove e só saem às 18 horas. Mas, a maioria delas ainda vai fazer umas limpezas e só chega a casa às 21 horas. Mal vêem os filhos e os maridos. É uma vida desgraçada. Alguns dirão que ganham muito dinheiro, mas não nos podemos esquecer que o pecúlio tem vindo a reduzir porque o nível de vida no Luxemburgo, França, Suíça e Holanda em especial, está a subir assustadoramente. Desde o aluguer de uma casa aos produtos comestíveis tudo está muito caro. Alguns portugueses emigrantes até já concluíram que podem ter uma vida muito decente em Portugal e trabalhando menos e têm resolvido regressar à sua terra. Os emigrantes sempre foram desprezados pelas autoridades portuguesas. Na maioria das terras onde trabalham em Inglaterra e em França não existe consulado português que lhes dê apoio. Os sucessivos governantes que temos tido desde o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 apenas souberam viajar em primeira classe ou executiva dos aviões e gozar instalados em bons hotéis, por vezes levando consigo a cara metade, ou a secretária ou a amante, tudo pago pelo Estado. Chegam aos países onde vivem emigrantes, nomeadamente, no dia 10 de Junho, de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas, e botam um discurso de palavras que o emigrante não entende. Apenas lhes fica na memória que os governantes prometeram este mundo e o outro e nunca cumpriram absolutamente nada. Ainda nos lembramos de um ministro que uma vez prometeu a uma comunidade portuguesa em New Jersey que lhe havia de enviar dois jogos de equipamentos, incluindo botas e uma dezena de bolas para o clube de futebol existente na comunidade. Já passaram mais de 10 anos e nem uma bola chegou à cidade americana. Os emigrantes queixam-se há anos que a Radiotelevisão Portuguesa (RTP) deve mudar radicalmente para melhor a programação que emite para o estrangeiro. Nunca aconteceu essa melhoria e os emigrantes preferem ver os canais locais ou a TVE espanhola. Os emigrantes são seres humanos muito especiais. Foram para trabalhar, mas souberam organizar-se e solidariamente criaram os seus clubes de lazer e de desporto. Muitas vezes ajudam quem chega de novo e nada conhece na terra que escolheu para viver. A história da nossa emigração está cheia de dignidade e conhecimento intelectual. Na cidade de Perth, na Austrália, os portugueses são os proprietários de todos os navios de pesca e os homens mais ricos da cidade. Na América, muitos descendentes de emigrantes chegaram ao cargo de presidente da Câmara, vereadores e até senadores. Hoje, temos descendentes de portugueses nos mais altos cargos da política e do empresariado norte-americano. Mas, tudo foi com o seu trabalho e estudo. Nunca os governos portugueses se preocuparam com o seu bem-estar. A preocupação maior foi sempre que os emigrantes enchessem os cofres dos bancos em Portugal. Um dia, os emigrantes reivindicaram o seu direito a votar sempre que se realizassem eleições em Portugal. Inacreditavelmente ainda se realizam eleições às quais não é permitido o voto do emigrante. No entanto, nas últimas eleições legislativas os emigrantes que vivem na Europa e fora da Europa votaram nos seus partidos de preferência. Votaram, mas aqueles milhares que o fizeram nos países da Europa viram uma cambada de incompetentes anularem-lhes o voto e atirarem os boletins para o lixo. Essa Comissão Nacional de Eleições devia ter sido atirada ao mar. Foi uma vergonha o que se passou, alegando que os votos não traziam uma cópia do Cartão de Cidadão do votante. Misturaram os votos todos e escandalosamente 80 por cento dos votos dos emigrantes foi para o lixo. Aliás, eles já estão habituados a serem tratados como lixo há muitas décadas. Recordamos aqui o que lemos sobre um português de nome José Martins que passou toda a sua vida a trabalhar em Banguecoque, na Embaixada de Portugal, e a ajudar todos os portugueses que passavam pela Tailândia e que veio a falecer na miséria. Se algum embaixador que passou em serviço pela Tailândia e que esteja vivo, sabe bem da veracidade deste “crime” feito a um verdadeiro patriota. Por agora, o caso dos votos no lixo foi para tribunal e este decidiu que as eleições na Europa fossem repetidas. Um constitucionalista de renome explicou na rádio que para se cumprir a Constituição essas eleições tinham que se efectuar no dia 27 de Fevereiro. Mas, os decisores nem lêem a Constituição e nem respeitam a lei constitucional. Os “sabichões” marcaram a repetição eleitoral para 13 de Março, atrasando toda a formação do novo governo com os prejuízos graves que isso acarreta. Como diz um vizinho nosso, é o país que temos… *Texto escrito com a antiga grafia
João Romão VozesMenos que pessoas O que se está a passar nas eleições legislativas em curso com os votos dos não-residentes em Portugal é um bom exemplo da forma negligente como as pessoas são sistematicamente tratadas pela administração pública da nação. Só que desta vez as consequências afectam a população toda: com a repetição da votação no círculo eleitoral da Europa decidida pelo Tribunal Constitucional, vai ser adiada a tomada de posse da Assembleia da República e, naturalmente, também a do governo, com as decorrentes implicações, por exemplo, na aprovação do orçamento de Estado, que eventualmente ocorrerá por altura do Verão, com cerca de metade do ano já decorrido. Para quem possa não ter dado por esta triste anedota, deixo um breve resumo. A menos que expressem a intenção de votar presencialmente num consulado português, as pessoas não residentes em Portugal recebem na sua morada um duplo envelope e um boletim de voto. No envelope mais pequeno inserem o boletim, preenchido, em total anonimato. Depois de fechado, inserem-no no envelope maior, juntando cópia de documento de identificação. Esta exigência da cópia do documento de identificação nem sempre existiu e será eventualmente desnecessária. Mas o certo é que a lei eleitoral é inequívoca em relação a esta obrigatoriedade. O que passou desta vez é que largos milhares de votantes não enviaram a cópia do seu documento de identificação. Foram então anulados 1907 votos no círculo eleitoral de fora da Europa, onde me calha votar. O bizarro da situação é que no círculo da Europa houve outro entendimento e decidiu-se contabilizar todos os votos, incluindo os das pessoas que não enviaram a tal cópia do documento de identificação. Os envelopes identificados com os nomes das pessoas foram diligentemente separados entre os que tinham ou não tinham enviado o documento, mas os envelopes anónimos com os boletins de voto foram todos misturados, impossibilitando a sua separação posterior. Resultado: quando finalmente se decidiu que os votos enviados em incumprimento do regulamento não podiam ser aceites, também tiveram que ser anulados os que tinham sido submetidos de acordo com as regras, uma vez que estavam todos juntos. 157.205 votos (80 por cento do total) viriam então a ser anulados, o que levou agora o Tribunal Constitucional a decidir a repetição desta votação. Vale a pena acrescentar, já agora, que em qualquer dos círculos eleitorais das pessoas não residentes em Portugal é praticamente impossível, por enquanto, haver resultados diferentes dos que se obtiveram – um lugar no Parlamento para cada um dos dois maiores partidos. Uma vez que em cada círculo só se elegem duas pessoas, haver uma outra força política (que não o PS ou o PSD) a ser a segunda mais votada ainda não parece realista. Por outro lado, que o partido mais votado tenha mais do dobro dos votos do segundo – para conseguir os dois lugares – também não parece realista actualmente. Assim sendo, parlamento e governo terão que esperar pelo desfecho de nova votação da qual resultará, em princípio, a mesma distribuição de representantes. Enquanto pessoa residente fora de Europa, tive então a sorte de não ver o meu voto atirado para um qualquer balde do lixo, ou ponto de reciclagem, como aconteceu a milhares de pessoas a viver no continente europeu. Foi pura coincidência. Mas não posso deixar de relacionar esta negligência e sobranceria com que se trata quem está distante com a minha própria experiência nos ocasionais contactos com a administração pública nacional a que infelizmente estou obrigado. Começa desde logo com a sistemática obrigatoriedade da presença física nos serviços consulares para um conjunto muito de alargado de serviços, mesmo em tempo de pandemias generalizadas, como foi o caso dos últimos dois anos. Por exemplo, para pedir a renovação do cartão do cidadão, para o levantar, para pedir o cartão de cidadão para a minha filha com um ano de idade ou para o levantar, tenho sempre que me deslocar aos serviços consulares, em Tóquio, suficientemente longe da minha residência para me obrigar a uma deslocação em avião, usando um dia de férias, para tratar presencialmente de burocracias, pondo em risco a minha saúde e de quem me atende. A minha filha tem que estar presente quando se trata dos seus documentos, o que obriga também à deslocação da mãe: três pessoas em avião, com ou sem pandemia, a usar dias férias, em nome da segurança da nação e dos seus procedimentos regulamentares. É também em nome da segurança que não podemos entregar a nossa própria fotografia pessoal, impressa ou digital, para os documentos oficiais. A fotografia tem que ser feita em Máquina própria, devidamente certificada e ligada aos Serviços Centrais. Aconteceu-me cumprir este ritual com a Máquina avariada, às vezes funciona outras vezes não, temos que ir tentando até que funcione, não se sabe muito bem porque só funciona às vezes mas de certeza que acaba por funcionar. Podemos é garantir que a nação está segura com esta fotografia. Também me aconteceu voltar ao mesmo serviço quase um ano depois, desta vez com a minha filha, e lá estava a dita Máquina, ainda avariada, a funcionar só às vezes mas obrigatória sempre, a forçar uma bebé de um ano a repetidas tentativas de ser fotografada com a devida ligação aos Serviços Centrais. Lá funcionou. O prédio tresanda a pobreza, aliás: numa cidade de tão magníficos e modernos edifícios, a Embaixada de Portugal ocupa dois ou três pisos de um prédio estreito, antigo, onde não há bandeiras a ondular e a marcar orgulhosamente a presença nacional: há uma pequena placa, discreta e sensatamente envergonhada, que nos informa que é ali, apesar das aparências, que devemos tratar dos nossos assuntos. Com o carrinho da bebé, vamos com aperto no exíguo elevador. Felizmente não tivemos que mudar fraldas, que a casa de banho é pequena obscura, ao contrário do que é prática corrente no Japão, mesmo nas estações do metro. Mesmo junto ao consulado há outro serviço da Embaixada, em salas quase contíguas, onde só encontrei uma pessoa portuguesa a trabalhar (há algum tempo). Na realidade, na Embaixada de Portugal foi muito breve o período durante o qual tive a grata experiência de conseguir rápidas e esclarecedoras respostas por correio electrónico ou atendimento, telefónico ou presencial, em português. Em geral essas mensagens digitais são ignoradas e quando finalmente telefono – ou lá me desloco presencialmente – sou atendido numa mescla de português arcaico e espanhol que tenho dificuldade em perceber. Graças a isso fiquei oficialmente registado no Japão como Joan Romaon, logo no meu primeiro contacto com estes serviços, quando ainda desconhecia o katakana, o alfabeto japonês utilizado para traduzir palavras de outras línguas. Sei que é difícil integrar a fonética associada ao til neste alfabeto, mas teria sido fácil ter deixado a coisa como a Joao Romão, que é o que utilizo quando não tenho que apresentar documentos oficiais. É a isto que estou habituado pelos serviços do estado português enquanto residente no estrangeiro: nem sequer temos direito ao nome ou à língua. Somos menos que pessoas.
Hoje Macau VozesUm novo capítulo na implementação do princípio de “um país, dois sistemas” com características de Macau Fu Ziying* A Primavera está de volta a Macau. Por ocasião do Ano Novo Lunar do Tigre, em nome de todos os colegas do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, gostaria de estender aos compatriotas de Macau as saudações e os votos de felicidades, e manifestar-lhes os nossos sinceros agradecimentos pelo vosso apoio ao trabalho do Gabinete de Ligação! O passado Ano Lunar do Búfalo foi um ano marcante. O Comité Central do Partido Comunista da China, com o camarada Xi Jinping no seu núcleo, uniu e liderou todo o Partido e o povo de todos os grupos étnicos do país, para promover o desenvolvimento do Partido e do país, obtendo novas realizações notáveis. No ano passado, o Partido Comunista da China (PCC) celebrou o seu centenário aniversário. A 6ª sessão plenária do 19º Comité Central do PCC fez um balanço abrangente sobre as grandes conquistas e experiências históricas da luta centenária, e aprovou a terceira resolução histórica. No ano passado, a China venceu a batalha contra a pobreza como previsto, e construiu de forma integral uma sociedade moderadamente próspera, alcançando o objectivo da luta do primeiro centenário, e iniciou uma nova jornada em direcção ao objectivo da luta do segundo centenário. No ano passado, a China lidou de forma calma e ordenada com as mudanças e a pandemia da Covid-19, que nunca aconteceram no último século, dando um bom começo do Décimo Quarto Plano Quinquenal, permitindo assim a sua liderança a nível global no desenvolvimento económico e na prevenção e controlo dapandemia. No ano passado, a China conseguiu progressos no aprofundamento da reforma em várias áreas, alargou ainda mais a abertura com confiança, e deu passos sólidos na construção de um novo quadro do desenvolvimento, obtendo resultados significativos no desenvolvimento de alta qualidade. O módulo Tianhefoi lançado. A sonda Tianwen chegou a Marte. O satélite Xiheiniciou a sua exploração solar. Os astronautas chineses entraram pela primeira vez na estação espacial da China. A nação chinesa, repleta de vigor, está a avançar ao grande rejuvenescimento e ninguém pode impedi-la, o que é motivo de imenso orgulho para nós. O ano passado também teve significado especial para Macau. Com a firme liderança e o grande apoio do Governo Central, o Chefe do Executivo uniu e liderou o governo da RAEM e todos os sectores da sociedade, para fazer face a vários desafios como os surtos da Covid-19 e a recessão da economia, persistindo nos espíritos de servir o povo, dedicar-se à inovação e ao trabalho duro, para enfrentar as dificuldades, avançar firmemente para frente, combater a pandemia, estabilizar a economia, cuidar do bem-estar da população, promover a diversificação e a reforma, e procurar o desenvolvimento, permitindo assim a manutenção da estabilidade socio-económica. Em linha com o Décimo Quarto Plano Quinquenal Nacional, o Governo da RAEM promulgou o segundo Plano Quinquenal. A construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdonge Macau em Hengqin teve um bom começo, e o desenvolvimento da diversificação adequanda da economia deu novos passos. Realizou-se com sucesso a sétima Eleição da Assembleia Legislativa de Macau. “Macau governada por Patriotas” entrou numa nova fase. As actividades sobre a educação da segurança nacional realizaram-se de forma aprofundada. Criou-se em Macau, em coordenação com o Governo Central, o sistema de conselhos para a defesa da segurança nacional. Obtiveram-se novos progressos na defesa da segurança nacional. Os compatriotas de Macau celebraram o centenário da fundação do Partido Comunista da China, estudando e fazendo divulgação da história do Partido. Apoiaram activamente a revitalização das zonas rurais no interior da China. A sua paixão patriótica e o amor a Macau são cada vez mais fortes. Registou-se uma tendência positiva na manutenção do desenvolvimento estável de Macau, fruto de trabalho árduo e é muito preciosa, demonstrando a boa tradição de tolerância e assistência mútua dos compatriotas de Macau, bem como as vantagens institucionais de “um país, dois sistemas” e a sua forte vitalidade. O Presidente Xi Jinping indicou na mensagem do Ano Novo de 2022, que a pátria está sempre preocupada com a prosperidade e estabilidade de Hong Kong e Macau. Só através de esforços concertados é que “um país, dois sistemas” pode ser estável e de longo alcance. Em Dezembro último, quando recebeu em audiência o Chefe do Executivo Ho Iat Seng, o Presidente Xi Jinping reiterou ainda que, a pátria é sempre o forte apoio para a manutenção da estabilidade e da prosperidade de Macau a longo prazo. Deste modo, o Governo Central vai continuar a cumprir firme e escrupulosamente o princípio de “um país, dois sistemas”, e apoiar plenamente a diversificação adequada da economia da RAEM, escrevendo-se um novo capítulo na implementação bem-sucedida do princípio “um país, dois sistemas”, com características de Macau. As orientações importantes do Presidente Xi Jinping, manifestam o seu cuidado e carinho para com Macau, e indicam a direcção para onde vai o princípio de “um país, dois sistemas” de forma estável e de longo alcance. Aproveitando a conjuntura favorável, vamos dedicar-nos a abrir um novo horizonte para o desenvolvimento. Este ano, o Partido Comunista da China convocará o seu 20º Congresso Nacional, que vai virar uma nova página na história do Partido e do país, bem como da implementação do princípio de “um país, dois sistemas”. Este ano, devemos ter em mente as expectativas do Presidente Xi Jinping, e continuara escrever, com o espírito e a coragem do Tigre, um novo capítulo da implementação com sucesso do princípio de “um país, dois sistemas” com características de Macau. Para escrever-se um novo capítulo, é preciso defender firmemente a jurisdição geral do Governo Central. A implementação da jurisdição geral do Governo Central, é uma conclusão importante tirada da experiência histórica desde o retorno de Hong Kong e Macau à Pátria. Espero que todos possam defender resolutamente a jurisdição geral do Governo Central, defender a ordem constitucional definida na Constituição da China e na Lei Básica da RAEM, salvaguardar a soberania, a segurança e os interesses de desenvolvimento nacional, implementar o princípio de “Macau governada pelos patriotas”, para garantir que o princípio de “um país, dois sistemas” seja implementado na direcção certa e de forma correta, estável e sustentável. Para escrever-se um novo capítulo, é preciso consolidar a base do desenvolvimento de Macau. A diversificação adequada da economia é um caminho indispensável para o desenvolvimento sustentável de Macau, e também é a nossa expectativa comum. Neste momento, o impacto da pandemia ainda existe. É preciso prepararmo-nos para os desafios a longo prazo, e reforçarmos a confiança de vencer as dificuldades. Espero que, enquanto lutamos contra a pandemia e para que se recupere a economia, todos possam promover o desenvolvimento saudável e ordenado do sector de jogo, explorar activamente o desenvolvimento de indústrias diversificadas, tentar formar um enquadramento industrial razoável e consolidar a base para a prosperidade e estabilidade de Macau a longo prazo. Para escrever-se um novo capítulo, é preciso aproveitar bem as vantagens únicas de Macau. Macau tem a vantagem de ser uma ponte de ligação entre o Oriente e o Ocidente, aberta ao mundo exterior, e tem desempenhado um papel de portal na abertura da China nos dois sentidos. Destaca-se o seu lugar importante e único no processo histórico da reunificação nacional e do grande rejuvenescimento da Nação Chinesa. Desejo que todos actuem activamente na integração no desenvolvimento do país, na iniciativa “Uma Fixa, Uma Rota”, na construção da área da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau, na construção de “Um Centro, Uma Plataforma e Uma Base”, na construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin com maiores esforços, no aumento constante da competitividade, para dar um novo vigor à prosperidade e estabilidade a longo prazo de Macau, e contribuir para a reunificação nacional e o rejuvenescimento da Nação Chinesa. Para escrever-se um novo capítulo, é preciso promover a passagem do patriotismo de geração em geração. Os compatriotas de Macau têm a tradição de amar a Pátria, o que constitui a razão mais importante da implementação com sucesso do princípio de “um país, dois sistemas”. Espero que todos possam continuar a consolidar, promover e transmitir a tradição, alcançar a unidade mais ampla sob a bandeira de “amar a Pátria, amar Macau e apoiar o Partido Comunista da China”, reforçar a educação do patriotismo dos jovens, cultivar os sentimentos da Nação e do país, a fim de assegurar que o princípio de “um país, dois sistemas” seja passado de geração em geração. A história ilumina o futuro. A luta não tem fim. Neste ano, o Gabinete de Ligação do Governo Central na REAM desempenhará bem, como sempre, as funções atribuídas pelo Governo Central, apoiará firmemente a governação do Chefe do Executivo e do governo da RAEM conforme as Leis de Macau, reforçará os contactos com todos os sectores da sociedade, para levar em conjunto o desenvolvimento de Macau a um novo patamar. * Director do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM
Carlos Morais José A outra face VozesProcrusto e a banalidade Hoje Procrusto é rei. Procrusto era um ladrão que prendia as suas vítimas a uma cama e depois lhes esticava os membros quando não eram suficientemente grandes ou os cortava quando excediam os limites do espaço que lhes era destinado. É o símbolo antigo da banalização, da redução a uma medida convencional, da tirania da mediocridade contra os que excedem ou não preenchem os critérios preconcebidos. Na idade do banal nada nos toca realmente. Mergulhados no imenso fluxo de notícias (reparem que num tempo mais acelerado que o chamado tempo real), somos de tal modo submergidos que os valores têm necessariamente que se esbater e não há tempo para perguntas: a nova informação está aí, nova e fresca, pronta a consumir, um pouco por todo o lado e vinda de todo o lado. Por ser banal, a informação tudo banaliza. E banaliza, sobretudo, os sentimentos. São irradiações de paixão, de amor, de adultério, de crenças nisto e naquilo, de piedade, de compaixão por si mesmo, de exposição da dor, a todo o momento, a toda a hora, sem limites, nem fronteiras. É por isso que temos tanta dificuldade em sofrer. Não é preciso: o sofrimento tem uma tão excessiva mediatização que já só existe no espaço público, deixou de fazer sentido na nossa própria privacidade. Ninguém sofre porque, na medida em que está em todo o lado o sofrimento alheio, nos sentimos, finalmente, um pouco ridículos. O dito pragmatismo tornou-se num rei que vai nu, mas que ninguém tem a coragem de denunciar, sob pena de desinserção, de não pertença ao esprit du temps. O falso fato do rei nunca foi presentificado como hoje. Nunca noutros tempos se apostou tanto na falsidade, na mentira, na verdade entrecortada, como agora. É o caso paradigmático das revistas cor-de-rosa, as publicações que mais vendem em todos os países. É porque, na realidade, o banal aflige as pessoas. E as vidas dos ricos e famosos são, pretensamente, um passo mais além dos percursos da banalidade. É claro que se trata meramente de uma aparência mas, no mundo contemporâneo, a aparência é o que interessa mesmo às pessoas que têm a sensação efectiva da extinção do real. Esta extinção está presente sobretudo nos media. Mas não só. Existe nos nossos empregos, existe nos cafés, existe nas conversas pouco fluidas e repetitivas, existe na repetição à exaustão de temas vazios como motivo simples de entretenimento. Ninguém quer avançar nada, não se trocam ideias. O banal reina como imperador supremo nas nossas vidas. Acabaram as noites no largo, sob as estrelas, quando os homens tentavam seriamente avançar um pouco na concepção que faziam do mundo, de si próprios e das coisas. Aliás, ai de quem tentar superar um pouco o regime da banalidade. Será olhado como um ser estranho, desviante, até perigoso. Bom mesmo é manter o registo do banal, ainda que sobre ele se façam algumas flores, se modifique um pouco qualquer frase para dizer exactamente o mesmo. Esses são os génios do nosso tempo, os heróis dos poderosos, as estrelas dos humildes. Aparecem nas capas de revistas com afirmações brilhantes, considerações intempestivas do género “sou uma vítima da paixão”, entre garrafas de champanhe e paisagens de castelos. O pior é que o banal nos faz duvidar de nós mesmos. Da sinceridade das nossas intenções, da bondade dos nossos sentimentos. O próprio mal foi também banalizado e nesse sentido, nesse processo, foi igualmente glorificado. A banalidade representa o mundo dividido em dois, justificando por isso a existência da maldade, da cupidez, da traição barata, da crueldade. A banalidade é o pântano onde nos movimentamos como crocodilos tristes e desdentados, a charneca enevoada onde nenhum cão gigantesco e feroz alguma vez aparece. O banal é rex, mas pequeno, subtil, abafador das ilusões, assassino das mais legítimas esperanças. Não se trata de um tirano, mas de uma miríade de Procrustos que nos impedem de, noite após noite, ter uma simples, lúcida, clara, sufocante, visão das estrelas que – acreditamos – ainda estão lá em cima, penduradas num certo céu.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTestagem obrigatória e lei do trabalho As leis do trabalho estipulam que, quando um empregado está doente, deve apresentar uma baixa médica justificando desta forma a sua ausência. No entanto, essas mesmas leis normalmente não consideram que um empregado que tenha de ser submetido a um teste obrigatório à COVID fique dispensado de comparecer no local de trabalho. O que pode fazer uma pessoa que seja despedida por não se apresentar ao trabalho, quando tem de fazer um teste obrigatório? No passado dia 8, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, anunciou que em resposta à grave epidemia que grassa na cidade, será necessário implementar medidas de prevenção mais restritivas, nas quais se incluem não permitir que se formem grupos com mais de duas pessoas, alargar a apresentação do certificado de vacinação a centros comerciais, supermercados, lojas, cabeleireiros, etc. Além disso, a Employment Ordinance (Lei do Trabalho) vai ser revista. Se o empregado estiver a ser testado, ou se estiver numa área confinada e precisar de ser submetido a um teste que o impeça de se apresentar no local de trabalho, o Departamento de Saúde emitirá um certificado justificativo. Após revisão da legislação do trabalho, este certificado passa a equivaler a uma baixa médica. Se o trabalhador for despedido enquanto está doente, considera-se que houve “despedimento sem justa causa” e o visado pode pedir uma indemnização. Em Hong Kong, para se considerar que houve “despedimento sem justa causa” o empregado terá de ter estado ao serviço da empresa por um período mínimo de dois, e o despedimento terá de ter ocorrido sem que se verifique nenhuma das causas que o tornam plausível à luz da lei do trabalho. Depois da revisão desta lei, a ausência do empregado devido à realização de “um teste obrigatório” deixa de ser motivo que justifique o despedimento. Se o despedimento ocorrer nestas circunstâncias será considerado “sem justa causa”. Como a epidemia em Hong Kong se está a agravar, cada vez mais pessoas são submetidas à testagem obrigatória, pelo que um número crescente de trabalhadores terá de faltar e alguns deles foram despedidos por este motivo. É claro que durante a epidemia muitos negócios foram afectados e as receitas das empresas baixaram. O despedimento de trabalhadores pode reduzir as despesas das empresas. No entanto, quando as pessoas perdem os seus trabalhos ficam desempregadas. Num contexto de epidemia é ainda mais difícil encontrar um novo emprego. As más relações de trabalho dificultam a cooperação do Governo, dos empregadores e dos empregadores no combate à epidemia. Por isso mesmo, a revisão da lei do trabalho em Hong Kong foi muito bem recebida pela população em geral. Esta revisão vem acabar com certas lacunas. Daqui em diante, mais ninguém poderá vir a ser despedido por ter tido de se submeter a um teste obrigatório. Além disso, estas alterações serão uma grande ajuda no combate à epidemia em Hong Kong, levando a que os trabalhadores colaborem de boa vontade com o Governo. Vão ainda reduzir o receio de despedimento entre os trabalhadores. Desde o início da epidemia, que a situação em Macau tem estado sob controlo, tendo havido muito poucos casos de infecção pelo novo coronavírus. Macau está unido, o Governo e os residentes trabalham juntos para lutar contra este vírus. Durante as várias testagens universais que se fizeram na cidade, ninguém foi despedido por esta causa. Se a epidemia continuar, é provável que venham a haver mais testagens universais. Como sabemos, é melhor prevenir do que remediar. Embora a Lei Laboral de Macau contemple a ausência do trabalhador por motivo de doença, ser submetido a um teste não equivale a estar doente. Poderá ser considerada uma “ausência justificada” pelo facto de não se dever “a uma decisão do trabalhador”, de acordo com o Artigo 50 (2) (9) da Lei Laboral de Macau. No entanto, para ter a certeza de que assim seja, serão necessários mais esclarecimentos. Esta potencial ameaça só será eliminada, quando a lei de Macau proibir claramente o despedimento sempre que o trabalhador esteja a ser submetido a um teste obrigatório. De momento, as alterações da lei do trabalho em Hong Kong são um exemplo com o qual podemos aprender. Faz-nos compreender que ser submetido a um teste não é a mesma coisa do que estar doente. Devemos estar atentos à experiência de outros locais, prestar mais atenção às leis necessárias para combater a epidemia e à sua revisão, para proteger os direitos e os interesses dos residentes de Macau. Assim que a sociedade de Macau tiver mais apoio e mais colaboração de todos, a nossa capacidade de prevenção da epidemia aumentará significativamente. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesA segurança informática é uma treta Portugal ficou quase parado no que concerne ao sistema informático, ao nível de empresas, bancos, hospitais e obviamente de segurança geral. Os criminosos informáticos atacaram forte e feio. Começaram pela Impresa, a empresa proprietária do semanário Expresso e da SIC. Logo aqui, mostraram como um apagão informático pode prejudicar milhares de pessoas e provocar um prejuízo económico significativo. Mas, logo de seguida veio o maior ataque. Algo de impensável numa multinacional de telecomunicações como a Vodafone. Cerca de cinco milhões de pessoas ficaram sem poder comunicar, não puderam telefonar, receber mensagens, trabalhar nos computadores ou ver televisão. Foi um apagão fortíssimo que prejudicou de uma forma inacreditável a inactividade dos movimentos bancários, as comunicações oficiais entre polícias e militares, os contactos entre os membros do Governo ou mesmo o trabalho na Presidência da República. Foi um apagão gravíssimo, chocante e prejudicial que obrigou a própria Vodafone a mandar vir os melhores peritos em informática para paulatinamente ir reactivando o sistema. Pergunta-se como é que uma companhia de tão grande importância como a Vodafone não tem um supersistema de segurança que contrarie estes ataques criminosos? Foram dois dias de desespero. O ciberataque à operadora ainda afectou os serviços importantíssimos dos Bombeiros, a rede Multibanco e o INEM que é um serviço de salva-vidas com as suas ambulâncias sem poderem movimentar-se devido à falta de comunicação com a central. E até aconteceu algo de caricato. Imaginem a Polícia Judiciária a pretender investigar o ataque e ficou sem rede de telefones e sem poder funcionar, incluindo serviços de piquete, que servem de atendimento ao público e recebimento de queixas. Foi um ataque sem precedentes, nunca aconteceu um caso com tanto impacto, em tantos sistemas e de forma transversal e de uma dimensão inédita por ter afectado várias plataformas distintas, bloqueando os serviços de voz, SMS, dados e TV dos clientes. Todos os especialistas que contactámos concordaram num ponto: este foi um ataque inédito, que fica para a história, e com características que fogem às tendências relacionadas com a obtenção de resultados financeiros por parte dos atacantes, que normalmente avançam com pedidos de resgate para os dados cifrados. Em vários países da Europa cada vez tem havido mais ataques informáticos, mas quase todos eles com o fim da obtenção de muito dinheiro. Tudo indica que se tratou de um ataque sofisticado, direccionado especificamente a vulnerabilidades estudadas na infraestrutura da Vodafone, de cariz terrorista, ou um ataque fortuito, de alguém que teve acesso a credenciais com privilégios elevados. É difícil de perceber para quem não está por dentro da investigação, mas os especialistas dizem que nenhum dos casos está fora de causa. Este caso demonstra uma coisa, a questão não é se vamos ser atacados outra vez mas quando e que os ataques podem acontecer de forma sofisticada ou explorando uma vulnerabilidade em sistemas mais antigos. Este será o principal desafio a todo o segmento empresarial, com mais impacto no Estado. O que se pode concluir à partida, é que a segurança informática em Portugal é uma treta. Não estamos preparados tecnologicamente para enfrentar os criminosos informáticos e qualquer dia estamos um mês sem internet. E os ciberataques não ficaram por aqui. O principal laboratório de análises clínicas, e não só, Germano de Sousa, viu igualmente atacado todo o sistema do grupo e o receio principal quedou-se na possibilidade de a intenção ter sido a caça aos milhares de dados dos clientes do grupo laboratorial. O ataque afectou o contacto com os postos de colheita para os testes covid-19. Foi cortada a informação com o grupo CUF e outros hospitais. Neste caso também não houve qualquer pedido de resgate. No entanto, continuamos a pensar que a maioria das grandes empresas e instituições não possui sistemas de segurança informática e, se for assim, podemos no futuro ter imensos dissabores. Grande dissabor poderia ter sido uma tragédia que na semana passada o FBI dos EUA transmitiu à Polícia Judiciária portuguesa. Um jovem universitário de 18 anos, viciado há dois anos em vídeos de massacres em universidades, preparava-se para na passada sexta-feira levar a cabo um atentado terrorista na sua universidade lisboeta que poderia matar dezenas de colegas, segundo o imenso equipamento que foi descoberto em casa do jovem. Os pais e alunos do estabelecimento de ensino ficaram em estado de choque e alguns alunos não conseguiram deslocar-se para a universidade. Segurança, palavra indispensável que deve permanecer nas mentes de quem tem responsabilidade. A segurança das pessoas ou dos benefícios nas nossas vidas como as telecomunicações têm de ser vistos de forma diferente e, sem dúvida, as regras têm de ser alteradas e obrigar a criar novos sistemas de segurança para bem de todos os habitantes no planeta. *Texto escrito com a antiga grafia
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesDepois da tempestade vem a bonança De acordo com o calendário chinês, 2022 é o Ano do Tigre. Os tigres são animais ferozes, solitários e impiedosamente territoriais. Os machos dominantes expulsam todos os outros dos seus domínios. Os homens e os tigres encontram-se ao mesmo nível na cadeia alimentar desde o início dos tempos. Durante as festividades de Ano Novo, todos trocam cumprimentos auspiciosos, chegando mesmo a transformar o tigre em personagem de desenhos animados. Mas na realidade, 2022 é um ano muito sombrio para o mundo e para a China. A Polícia Judiciária (PJ) de Macau assinalou na sua súmula do Trabalho da PJ em 2021 que “este ano (2022) marca a realização de importantes conferências políticas do nosso país e a implementação de importantes políticas económicas da RAEM, a interferência e ataques de forças externas serão inevitavelmente mais intensos”. Numa cidade pequena como Macau, não reparei em quaisquer ataques de forças externas, mas sei de ciência segura que dois ex-directores dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) são suspeitos de corrupção e que Mok Ian Ian deixa a Presidência do Instituto Cultural e que a directora dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, Chan Pou Ha, vai deixar o cargo, já que se vai aposentar. Depois de terem decorrido mais de dois anos após o surto da COVID-19, para além da implementação de um conjunto de medidas anti-pandemia, o Governo da RAE tem sido incapaz de ajudar as pequenas e médias empresas e os cidadãos mais desprotegidos a ultrapassarem os impactos desta situação. Já todos sofremos bastante os efeitos da tempestade, mas ninguém ousa dizer quando virá a bonança. As palavras bonitas são reconfortantes, mas em nada ajudam. Em 2021, Macau sofreu tremendas mudanças a nível político e económico. Uma política unilateral conduziu à ausência de supervisão efectiva à administração do Governo da RAE e o atraso nas reformas políticas tem criado problemas constantes no sistema político. A rectificação drástica do sector do jogo e a extinção das salas VIP podem vir a ter um efeito de tsunami na economia de Macau. Se o Governo da RAE não tiver um plano de medidas de contra-ataque, quando a vaga de desemprego e de extinção de negócios chegar, teremos motivos para temer circunstâncias desastrosas para Macau. Na súmula do Trabalho da PJ em 2021, destacava-se a importância das “conferências políticas do nosso país a realizar em 2022”. Estas conferências políticas não só afectarão Macau, mas serão cruciais para o desenvolvimento da China, das suas relações com Taiwan e ainda para o desenvolvimento das relações Sino-Americanas. Se as “forças externas” são verdadeiramente aterradoras, como frequentemente são designadas pelo Governo da RAE, imagino que só as partes envolvidas o saberão. Mas, penso que o que realmente afecta a situação global, são as questões internas. Não foi a última palha que partiu as costas do camelo, mas os pesos que o dono lhe punha constantemente às costas! Os tigres não são animais assustadores? Um livro chinês muito antigo relata-nos uma conversa de Confúcio. Certo dia, passava o Mestre com os seus discípulos pela Montanha de Taishan, quando ouviu o choro convulsivo de uma mulher. Confúcio mandou um discípulo perguntar à mulher o motivo do seu desgosto. A mulher respondeu, “O meu sogro e o meu marido tinham sido mortos aqui por um tigre e agora o meu filho teve o mesmo destino.” Confúcio perguntou-lhe porque é que ela não tinha partido daquele sítio fatal para fugir do tigre, e ela respondeu que não tinha fugido porque naquela zona não existia um Governo opressivo. Depois de ter ouvido a resposta, Confúcio disse aos seus discípulos para terem sempre presente que “um Governo opressivo é mais feroz do que um tigre.” Muitos chineses conhecem esta história, quer sejam pessoas do povo, quer pertençam às classes dirigentes. Se todos tivessem conseguido compreender o verdadeiro significado da história, acredito que muitos incidentes infelizes da história chinesa podiam ter sido evitados. Embora o tigre seja um animal feroz, se não for provocado ou maltratado, não ataca os humanos por iniciativa própria. Da mesma forma, como é que as águas de um lago podem estar serenas quando estão constantemente a ser agitadas? O ano de 2022 será seguramente difícil, e a bonança pode não chegar depois da tempestade. Portanto, todos deveremos estar bem preparados para esta eventualidade.
Olavo Rasquinho VozesTsunamis, Meteotsunamis e outros fenómenos similares Recentemente o público mais atento foi surpreendido pela notícia sobre a ocorrência de um fenómeno pouco vulgar, que consistiu numa perturbação da superfície do oceano Pacífico e que se estendeu pelo Atlântico. Os marégrafos, instalados nas regiões costeiras mais longínquas do local onde foi originado o fenómeno, registaram alterações do nível do mar fora do normal. Os técnicos que procedem à monitorização deste tipo de fenómenos mostraram-se inicialmente surpreendidos, na medida em que não foi registado nenhum sismo que pudesse justificar este tipo de ondas. A surpresa desvaneceu-se quando se tomou conhecimento da ocorrência de uma forte erupção explosiva de um vulcão na região das ilhas Tonga. O Reino de Tonga é um país constituído por 169 ilhas, onde cerca de um quarto são inabitadas. O arquipélago tem uma área de aproximadamente 700 km2 que se estende por uma vasta região de cerca de 700.000 km2, no Pacífico Sul, a sueste das ilhas Fiji, a uma distância aproximada de 3.300 quilómetros a leste da Austrália. As ondas no arquipélago chegaram a atingir cerca de 15 metros, propagando-se, à medida que diminuíam de amplitude, pelo Pacífico, até atingirem regiões tão distantes como o litoral do Japão, Austrália, Nova Zelândia e a costa oeste do continente americano. Propagaram-se também pelo Atlântico, onde, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), atingiram Portugal, tendo sido o sinal registado de maior amplitude de cerca de 40 cm em Ponta Delgada e Peniche. O vulcão parcialmente submerso Hunga Tonga-Hunga Haʻapai estava latente, entre as pequenas ilhas Hunga Tonga e Hunga Haʻapai, daí a ser designado pela junção dos dois nomes. A erupção ocorreu em 14 de janeiro de 2022, atingindo o seu máximo no dia seguinte, a cerca de 65 km a norte da ilha Tongatapu, onde se encontra a capital Nukuʻalofa, dando origem à formação de uma enorme nuvem de fumo e cinzas, em forma de cogumelo, com o diâmetro de cerca de 260 km. Grande quantidade de cinzas vulcânicas cobriu parte das ilhas, prejudicando culturas e cobrindo a pista de aterragem do aeroporto internacional, o que impediu durante alguns dias a aterragem de aviões com meios de assistência à população. As cinzas vulcânicas prejudicaram também a navegação aérea no espaço aéreo de algumas ilhas do Pacífico Sul. O cabo submarino que liga o Reino do Tonga ao mundo exterior foi também danificado, tendo impedido as comunicações durante alguns dias. Foram registados estragos nas zonas costeiras das ilhas do arquipélago e de algumas regiões bastante longe da zona de geração. No Peru ocorreu um derrame de petróleo correspondente a cerca de 12.000 barris, durante a descarga de um petroleiro, do qual causou grave desastre ecológico a 30 km a norte de Lima, vitimando inúmeros peixes e aves. O número de vítimas mortais foi relativamente baixo, contando-se três no arquipélago de Tonga e duas no litoral do Peru. A explosão, que projetou material vulcânico a mais de 20 km de altitude, gerou uma onda de choque atmosférica que se propagou com velocidade supersónica, dando várias vezes a volta ao globo, potenciando perturbações na superfície dos oceanos que o IPMA classificou como um meteotsunami. No entanto tal designação é discutível. A queda sobre a superfície do oceano de material vulcânico que havia sido projetado poderá também ter contribuído para a geração dessas perturbações, contribuindo assim para reforçar a ondulação causada pela onda de choque. Os meteotsunamis não devem ser confundidos com os tsunamis. Os primeiros são em geral menos intensos e consistem em ondulação de grande comprimento de onda associada a fenómenos atmosféricos caracterizados por variações bruscas da pressão, podendo ocorrer, por exemplo, durante a passagem de formações de cumulonimbus (linhas de borrasca) e frentes frias muito ativas. No que se refere ao fenómeno tradicionalmente designado por tsunami, a sua geração nada tem a ver com fenómenos meteorológicos, mas com a ocorrência de eventos geofísicos abruptos, como sismos submarinos, erupções vulcânicas e deslizamento costeiro ou submarino de terras. A queda de meteoritos no mar pode também provocar tsunamis. (Consta que o desaparecimento dos dinossauros foi consequência da queda de um asteroide que provocou um enorme tsunami há cerca de 65 milhões de anos). Outro fenómeno que poderá ser confundido com tsunami é designado por “storm surge” (traduzido frequentemente para português, embora indevidamente, como “maré de tempestade”). A sua ocorrência resulta do arrastamento das ondas pelo vento contra a costa e a consequente inundação de zonas baixas, quando o mar que se encontra sobre-elevado devido a pressão atmosférica muito baixa (quando a pressão diminui 1 hPa, o nível do mar sobe cerca de 1 cm). Ocorreu um fenómeno deste tipo em Macau, em agosto de 2017, aquando da passagem do tufão Hato. Em novembro de 2013, nas Filipinas, a “storm surge” associada ao tufão Haiyan (chamado Supertufão Yolanda nas Filipinas), foi a causa de muitas das cerca de 6.000 vítimas mortais. As consequências de tsunamis e de “storm surges” são muito semelhantes, embora as características das ondas sejam diferentes. Nas “storm surges” as ondas são sempre causadas pelo vento, têm maior frequência e propagam-se com menor velocidade, enquanto que as geradas pelos tsunamis são em geral consequência de sismos submarinos e são caracterizadas por maior comprimento de onda, menor frequência e muito maior velocidade. As ondas de um tsunami propagam-se em águas profundas com velocidade próxima da velocidade de cruzeiro de aviões comerciais, ou seja, cerca de 900 km/h. À medida que entram em águas menos profundas, a velocidade das ondas diminui e a amplitude aumenta. Ambos os fenómenos geram ondas que, invadindo as zonas baixas do litoral, podem provocar estragos consideráveis e elevado número de vítimas. A semelhança das consequências de tsunamis e de “storm suges” é tão grande que, conforme noticiado na imprensa filipina, o Mayor de Guiuan, a primeira cidade a ser atingida pelo tufão Haiyan, perante a passividade da população relativamente a um aviso de “storm surge”, enviou mensageiros em motociclos para alertar as comunidades costeiras da iminente chegada de um tsunami de grandes proporções. O termo “tsunami” sobressaltou a população que, seguindo instruções, se concentrou em locais de onde pôde ser evacuada. A expressão “storm surge”, difundida em inglês e traduzida para a língua local, foi considerada muito técnica e pouco compreensível por uma população não muito instruída. (Curiosamente, Guiuan teve um papel importante na história das Filipinas. Reza a história que, no século XVI, foi na ilha Homonhon, pertencente àquela municipalidade, que Fernão de Magalhães desembarcou pela primeira vez naquele arquipélago. Talvez por esta razão a população da cidade é maioritariamente católica). Outro fenómeno que poderá ser confundido com tsunamis são as “Seiches” (termo do francês falado na Suíça que significa abanar periodicamente). Trata-se, no entanto, de ondas estacionárias que ocorrem geralmente, em determinadas condições, em bacias parcial ou totalmente fechadas, como por exemplo, o lago Erie, um dos cinco lagos na fronteira entre os EUA e o Canadá, ou no lago Lémand, entre a Suíça e a França. Ocorrem normalmente quando ventos fortes associados a alterações bruscas da pressão atmosférica empurram a massa de água contra um dos limites da bacia. Quando o vento cessa, a massa de água inverte o sentido do deslocamento, oscilando durante horas ou mesmo dias. Tratando-se este texto de um artigo de opinião, permito-me discordar do IPMA no que se refere a ter classificado como um meteotsunami a perturbação dos oceanos Pacífico e Atlântico provocada pela explosão vulcânica do Tonga. Um meteotsunami é um tsunami cujas causas estão relacionadas com fenómenos meteorológicos. Não sendo fenómenos deste tipo a erupção vulcânica nem a onda de choque por ela provocada, não se trata, portanto, de um meteotsunami, mas simplesmente de um tsunami. *Meteorologista
Hoje Macau VozesPortugal-China | 43 anos de relações diplomáticas Por Rui Lourido* Portugal e a China perfizeram 43 anos de relações diplomáticas, com o seu estabelecimento a 8 de Fevereiro de 1979. Só com o derrube do fascismo, e a implantação da democracia em Portugal, foi possível o reconhecimento do governo da República Popular da China, que ocorreu a 6 de Janeiro de 1975. Portugal orgulha-se de ser a nação europeia que mantém as relações de amizade mais longas (desde o século XVI) com a China, bem como de ter sido pioneira na difusão da sofisticada e avançada civilização chinesa às restantes nações ocidentais, o que viria a influenciar a moda europeia, com um gosto à chinesa – a chinoiserie. Os sucessos civilizacionais da democracia socialista chinesa, ao ter o povo no centro da acção política do governo da China, permitiram o feito histórico de retirar 850 milhões de habitantes da pobreza (com o acesso universal ao trabalho, saúde, habitação e educação). Com o desenvolvimento económico, os chineses ampliaram a sua abertura ao mundo (aceitando mais responsabilidades no apoio às agências das Nações Unidas) e foram exemplares no combate à pandemia da COVID-19 (com um número incrivelmente baixo de mortes e mesmo de infectados). As relações entre os dois países têm beneficiado da abertura da China e são baseadas no interesse comum e descritas pelos respectivos governos como exemplares. As autoridades portuguesas têm-se empenhado em aprofundar as suas relações com a China, nomeadamente, com visitas, ao mais alto nível, dos Presidentes da República e de membros do Governo de Portugal – de Ramalho Eanes a Mário Soares, de Jorge Sampaio a Cavaco Silva (visita que acompanhei na qualidade de historiador), e do actual Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Portugal recebeu a visita de estado do Presidente da China, Xi Jinping, em Dezembro de 2018. Durante a visita foram assinados, pelos dois países, 17 acordos de cooperação (incluindo 10 memorandos de entendimento), abrangendo múltiplas áreas. Da cultura às áreas financeira e empresarial (energia, comércio e serviços, transportes, novas tecnologias com o 5G e o STARLAB – laboratório nos domínios do mar e do espaço). Destacamos o acordo de participação na “Nova Rota da Seda”, que potenciará a cooperação bilateral em mercados terceiros, e valorizará o Porto de Sines e a sua ligação à rede ferroviária transeuropeia e euro-asiática, essenciais para Portugal ganhar a uma nova centralidade na economia europeia. Pensamos que é do interesse geoestratégico de Portugal implementar o mais rápido possível estes acordos com a China (sem hostilizar os nossos aliados tradicionais), a fim de potenciar a favor de Portugal a sua integração neste mundo global, nomeadamente nas redes de novas tecnologias de Inteligência Artificial. Por outro lado, ao diversificar a origem das suas fontes de rendimento, Portugal cria condições para melhor resistir à próxima crise económica ocidental. Neste âmbito, em 2021, realizou-se uma conversa telefónica entre o Presidente da República Chinesa, Xi Jinping, e o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, na qual foi reafirmada a importância da Parceria Estratégica Portugal-China, assinada em 2005. Foi ainda reconhecido o apoio inestimável da China no combate ao COVID-19, quer na divulgação internacional da descodificação do genoma do SARSCOV2, quer no rápido envio de materiais de protecção à saúde. Esta parceria permitiu, apesar da pandemia, que as trocas comerciais entre a China e Portugal, de Janeiro a Novembro de 2021, aumentassem cerca de 27% face ao ano anterior, atingindo 805,093 mil milhões de USD, sendo que as exportações da China foram de 481,581mil milhões de USD e as importações da China de 323,512mil milhões de USD. Os acordos nas áreas da ciência e do ensino superior foram reforçados, a 10 de Dezembro de 2021, pelos ministros da ciência de ambos os países. Entretanto, já tinham sido criados cinco institutos Confúcio em Portugal (Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Coimbra, com o apoio das respectivas universidades públicas), com cerca de 30 professores chineses (suportados pelo governo chinês) que dão aulas de chinês, simultaneamente, nas universidades e em 30 escolas secundárias públicas. A sociedade civil tem também uma atividade muito diversificada, designadamente na cultura e na investigação. Devido ao serviço público que presta a nível internacional destaco, a Biblioteca Digital Macau-China “Descrições de Macau-China dos Séculos XVI ao XIX”, iniciativa do Observatório da China, em parceria com a Biblioteca Nacional de Portugal, com o apoio da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e o patrocínio da Fundação Macau. Este novo sítio da web disponibiliza mais de 200 mil páginas com as descrições e a cartografia portuguesas, dos séculos XVI ao XIX, relativas a Macau e à China, essenciais para a compreensão do relacionamento entre o Ocidente e a China, e de apoio a estudantes, investigadores e a leitores de todo o mundo. As televisões públicas da China (CCTV) e de Portugal (RTP) tem vindo a reforçar as relações com a retransmissão de programas de divulgação de ambos os países, em especial das respetivas tradições e culturas, com destaque para a transmissão em directo das cerimónias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno em Beijing 2022. A nível cultural, o Ano Novo Chinês tem sido comemorado, desde 2014, em várias cidades portuguesas, em especial nas ruas de Lisboa, com um desfile de grupos etnográficos, com música e dança da China e de Portugal. O novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Carlos Moedas, participou no evento digital de comemoração do Ano Novo Chinês, organizado pela Embaixada da China em 2022 (a convite do embaixador Zhao Bentang), comprometendo-se a dar continuidade e a apoiar o aprofundamento das relações com a China. Em 2019, realizou-se um grande festival da cultura portuguesa na China e da cultura chinesa em Portugal, incluindo música, dança, artes plásticas, projetos de arquivos e bibliotecas, contando com o empenho do embaixador de Portugal na China, José Augusto Duarte. A Comunidade portuguesa na China e a Chinesa em Portugal têm crescido desde a criação da Região Administrativa Especial de Macau. De tal forma que para além da Embaixada em Pequim (Beijing) e do Consulado em Macau, Portugal abriu um novo consulado em Cantão (Guangzhou). Por outro lado, a Comunidade Chinesa em Portugal tem vindo a crescer moderadamente, sendo em 2021 de 27.430 chineses. As relações entre Portugal e a China devem (como sempre aconteceu) continuar a aprofundar-se com benefício e respeito mútuos! *Historiador, Presidente do Observatório da China
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO corpo perfeito não existe: o mito que complica o sexo Há um determinado número de condições para que o sexo faça bem. Sexo é demasiado vago para ser esse poço de benefícios que eu tento apregoar. No caso das pessoas que foram socializadas e que se identificam como mulheres, a questão da imagem corporal é um importante factor que pode bloquear ou desbloquear todos os benefícios do sexo. Quanto mais te sentires confortável na tua pele, quanto mais te sentires confortável sem roupa, expondo a celulite, as estrias, as banhas e os outros supostos demónios que foram incutidos, mais confortável te sentirás com o sexo. Isto não sou eu a dizê-lo de forma gratuita, isto é o que a investigação confirma. Há investigação científica que sugere que é preciso resolver este problema – e obsessão – do corpo perfeito se queremos educar para uma sexualidade mais livre e prazerosa. Mas esta questão do corpo não vai lá só com livros e vídeos de auto-ajuda que de forma débil, e um tanto ou quanto incompleta, tentam ensinar as pessoas a aceitarem o seu corpo tal como é. Não quero soar pessimista, mas procurar uma solução milagrosa no trabalho individual e cognitivo – apesar de ajudar – é ingénuo. Vivemos desde sempre em sociedades que gostam de cristalizar um ideal de beleza. A indústria – e o tão poderoso marketing por detrás – suscita o consumo de produtos e serviços com um propósito absolutamente indigno: que não deveremos querer ser quem somos. Por isso é que parte deste processo de libertação tem que passar por escrutinar todas as mensagens que são transmitidas por várias vias, desde o seio familiar, até às narrativas mais gerais de como é que podemos apreciar o corpo. Por exemplo, os ginásios escolhem promover os seus serviços com uma ênfase desmesurada nas 300 maneiras de como se pode esculpir e tonificar o corpo: um objectivo que a maior parte das pessoas não irá conseguir alcançar. Desafio-vos a encontrar um espaço de exercício físico que o publicite como um importante promotor da saúde e bem-estar, em vez de focar-se no controlo do corpo. Se existem situações em que estas narrativas são óbvias e muito condenáveis – por exemplo, ao pensarmos que meninas de 8 anos já andam preocupadas com a gordura e com o seu visual – existem outras formas em que as narrativas operam de forma mais subtil. A associação entre excesso de peso e a saúde é um daqueles mitos que aos poucos começa a ser desconstruído. Não há evidência científica que o peso ou o índice de massa corporal seja um indicador de melhor ou pior saúde. O estigma que as pessoas com excesso de peso passam na sociedade e no acesso a serviços é que está associado a crescentes problemas de saúde. Aliás – e isto vai vos surpreender – a investigação parece mostrar que o défice de peso está mais associado a problemas de saúde do que o excesso. Disto ninguém fala, não é? O sexo só faz bem se nos sentirmos bem. A forma como nos relacionamos com o nosso corpo é importante para a sexualidade positiva. Não podemos, contudo, assumir que está nos nossos ombros a responsabilidade de resolver um problema que vai existir ainda por muito tempo. Os mitos e as histórias do corpo perfeito e sensual precisam de muita desconstrução ainda. No entretanto, tenta-se viver o maravilhoso mundo do sexo sabendo que o corpo perfeito nunca irá existir.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDesejos de Ano Novo O Ano Novo chinês começou a 1 de Fevereiro e no dia 7 celebra-se o “Dia do Povo”. Nesta última data comemora-se o aniversário de todos os chineses. Aqui, quero desejar a todos os meus leitores um excelente Ano Novo e um feliz aniversário. Posso perguntar quais são os vossos desejos para 2022? Esta pergunta não tem uma única resposta, porque todos temos desejos diferentes. No entanto, os desejos da humanidade para 2022 centram-se certamente na paz mundial e na saúde para todos. Na Ásia, os testes de mísseis na Coreia do Norte acrescentaram um elemento de instabilidade à segurança global. Na Europa, as relações entre a Rússia e a Ucrânia estão tensas. Por alegadamente defender a sua própria segurança, a Rússia opõe-se à entrada da Ucrânia na NATO. Em defesa dos seus próprios interesses, é fácil de compreender que os Estados Unidos e a Nato dêem as boas vindas à Ucrânia. Muitos analistas acreditam que esta tensão pode conduzir à guerra e afectar a segurança global. Vamos precisar de algum tempo para ver como é que estas questões na Rússia e na Coreia do Norte se vão desenvolver. Mas de certeza que ninguém quer que degenerem em conflitos armados, e, se tudo correr pelo melhor, em 2022, estes assuntos hão-de resolver-se sem dificuldade de maior. Outro problema que todos temos de resolver, é a pandemia do novo coronavírus. Este vírus surgiu em 2019 e desde então já sofreu várias mutações, resultando numa variedade de novas estirpes. Actualmente, as vacinas ainda não são capazes de combater o vírus na totalidade, e ainda não foi descoberto um medicamento capaz de curar eficazmente as pessoas infectadas com sintomas graves. Hamsters e outros animais também podem ser infectados com este vírus. Além de nos questionarmos se se trata de uma “doença zoonótica”, estamos mais preocupados com a elevada infecciosidade do vírus. Se o vírus afecta humanos e animais, então, no caminho da luta contra a epidemia, os seres humanos não só devem salvar-se, como também salvar os animais. Para combater a epidemia, temos de trabalhar com afinco para prevenir as infecções. Tomar a vacina, usar máscara e evitar multidões são medidas eficazes para este fim. Se suspeitar que está infectado, deve testar-se. Também temos de estar preparados para voltar ao ensino online e ao tele-trabalho, sempre que necessário. Quando sairmos, temos de usar correctamente o “código de saúde” e o “código de deslocação”. Estes dois códigos ajudam a localizar pessoas infectadas pelo vírus e os seus contactos próximos. Façamos em conjunto um voto pela paz mundial e tomemos medidas anti-epidémicas a nível global. À semelhança do emblema dos Jogos Olímpicos de Inverno, que actualmente decorrem em Pequim, os cinco anéis entrelaçados da bandeira olímpica, simbolizam a unidade dos povos dos cinco continentes. Desde que todos cumpram o seu dever e tenham fé, ultrapassaremos naturalmente todo o tipo de dificuldades. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesRescaldo da Hecatombe Kung Hei Fat Choi. Com a entrada de o novo ano do Tigre Portugal assistiu a mais uma decisão eleitoral por parte do seu povo. Antes de mais, dizer-vos que as empresas de sondagens bem podiam encerrar as portas. Não acertaram uma ou fartaram-se de fazer fretes a quem lhes pagava. Chegámos ao ponto de ter um semanário que se autodenomina de “referência” que aldrabou todos os seus leitores ao publicar em manchete “empatados”, sabe-se lá por ordem do patrão ou para influenciar descaradamente o voto no PSD. A verdade é que assistimos a uma hecatombe nas hostes da direita e da esquerda política portuguesa. O PSD andou embrulhado em eleições internas à pressa e com um líder que mais se preocupou com o seu gato do que apresentar alternativas ao Partido Socialista. Rui Rio já se convenceu que não tem arcaboiço para ser um líder governamental e já anunciou a sua ida para casa a fim de arrumar os papéis que chegou a dizer serem imensos. Os social-democratas estão numa encruzilhada que poderá nunca mais ter cura. Em vez de procurarem um jovem experiente, homem ou mulher, para novo líder de um caminho de quatro anos, não, andam a falar em nomes patéticos como Luís Montenegro, Paulo Rangel e Carlos Moedas. Nomes que já passaram à história para a liderança, porque Moedas terá que dirigir a edilidade lisboeta. O PSD também pagou o preço da arrogância manifestada a partir de certa altura quando até inventaram uma sondagem que o dava em primeiro lugar. Adivinhava-se que o PS ganhava as eleições porque António Costa é um político hábil e logo no início da campanha começou a falar em maioria absoluta sabendo do êxito que tinha sido junto do povo o processo de vacinação nacional. Costa também sabia que no interior do PCP e do Bloco de Esquerda as coisas não andavam bem. Apesar de o Partido Comunista ser uma organização fechada, introvertida e com métodos muito precisos, sabia-se há mais de dois anos que existia uma facção no PCP que pretendia a mudança do secretário-geral. E talvez essa facção tivesse razão porque Jerónimo Sousa, além da idade, foi alvo de uma intervenção cirúrgica durante a campanha eleitoral e não tenhamos dúvidas que esse facto fez perder muitos votos comunistas. E não só. Os partidos de esquerda BE e PCP começaram muito cedo a introduzir nas massas populares que o Chega era um perigo, que vinha aí o fascismo, que o líder Ventura era um nazi que poderia levar o país para a desgraça fazendo uma aliança de direita com o PSD, Iniciativa Liberal e CDS. O povo assustou-se e preferiu que tudo ficasse nas mãos da “estabilidade” apregoada por António Costa. E a sua vitória foi estonteante ao conseguir uma maioria absoluta indiscutível. Nestas eleições para a Assembleia Legislativa, os observadores políticos concordam que no rescaldo da votação a surpresa foi o pormenor mais significativo. Surpresa nas hostes do Bloco de Esquerda onde Catarina Martins abusou da arrogância e deixou os seus simpatizantes a olhar para o novo “partido do táxi”. Surpresa com os comunistas que não souberam, nem nunca saberão, ser um pouco moderados e não radicalizarem as propostas que apresentam ao povo e com a agravante de se terem virado de faca afiada para o Partido Socialista. O PCP deu um grande desgosto a pessoas que nem são comunistas, mas que consideram que o histórico António Filipe ao não ser eleito é uma perda insubstituível na bancada parlamentar e que o jovem João Oliveira, possível futuro secretário-geral do partido, também ao não ser eleito, o grupo parlamentar dos comunistas passará a ser um género de tartaruga a caminhar numa praia. Surpresa máxima no CDS-PP, um partido que há 47 anos tem à sua maneira democrata-cristã ajudado a democracia a caminhar. O jovem Francisco Rodrigues dos Santos, muito antes da campanha eleitoral, já tinha sido pendurado na guilhotina partidária por ambiciosos e frustrados como Nuno Melo, Telmo Correia, Paulo Portas e Assunção Cristas. Nenhum destes centristas queria o “Chicão” a liderar o CDS e propagandearam por todo o país que o CDS com a actual liderança não iria longe. A derrocada foi enorme, foi tão desconcertante que o jovem líder pediu logo a demissão do cargo na noite em que se souberam os resultados. E foi a morte do CDS? Não cremos nessa hipótese porque é um partido presente em imensas Câmaras Municipais e no norte do país tem milhares de apoiantes, os quais talvez pela sua idade e com medo da pandemia não foram votar. O CDS poderá continuar a ser um partido que recupere a sua identidade parlamentar daqui a quatro anos. O CDS não é um MRPP que nada tem nem ninguém que o levante, mas o dinheiro nos cofres acabou, terá de sair do Largo do Cardas e o novo líder centrista terá de ter um emprego porque o partido não lhe poderá pagar qualquer salário. Surpresa para o resultado do Iniciativa Liberal, um partido com jovens licenciados, com propostas de puro capitalismo e que se adivinhava não vir a conseguir ter mais que dois deputados. Passou a ter um grupo parlamentar com oito deputados o que se pode considerar uma boa vitória. Surpresa maior para o neo-fascista André Ventura. O Chega tinha um lugar no Parlamento e agora passou a ser a terceira força política com mais deputados na Assembleia da República. Ventura gritou, vociferou, chamou nomes a todos e anunciou que um dia será governo. Muitos portugueses que pertenciam ao CDS e ao PSD acreditaram no populista e racista votando em grande número no Chega. Vamos ter um novo Governo e um novo Chefe de Estado, porque Marcelo Rebelo de Sousa limitar-se-á no futuro a cortar fitas. António Costa com a sua maioria absoluta apenas desejamos que não faça o mesmo que o triste passado de Cavaco Silva e de José Sócrates.
João Romão VozesTurismo em comum e subsídios à aviação barata Retomo o assunto da última crónica, assumindo como ponto de partido que o essencial do turismo é comum: pertencem às comunidades locais (ou são mesmo produzidos por elas) os recursos que tornam um lugar atractivo para a visita turística, sejam eles os valores ecológicos associados à biodiversidade do território, as particularidades geológicas, as paisagens e ambientes naturais, os museus e outros elementos materiais do património cultural local, os saberes, tradições ou eventos comunitários, os modos de estar e de viver, a segurança na vida quotidiana, a limpeza das ruas, enfim, são múltiplas as formas com que as características específicas de um determinado território podem contribuir para definir e reforçar a sua atractividade turística. Em última análise, é da exploração destes recursos (ou deste capital comum às comunidades locais) que vivem as empresas turísticas – e em particular as do transporte aéreo: a pessoa que compra um bilhete de avião raramente está prioritária ou sequer vagamente interessada nos limitados serviços prestados a bordo – a sua motivação é explorar, conhecer, desfrutar de um lugar diferente (ou eventualmente desempenhar uma actividade profissional que requer uma deslocação). Na realidade, frequentemente, o avião é, em si mesmo, uma inevitabilidade aborrecida com a qual se tem que lidar para se chegar ao destino. Neste sentido, as notícias recentes a revelar que o Turismo de Portugal ofereceu 3 milhões de euros a uma companhia privada de aviação de baixo custo para desenvolver novas operações de transporte em algumas das magníficas ilhas nacionais, constitui um triplo insulto à população: porque financia com fundos públicos uma actividade já de si lucrativa e que beneficia largamente da criação de um mercado que é atraído, não pelos serviços que oferece, mas pelos recursos disponíveis e/ou produzidos pela comunidade que lá vive; porque transfere receitas de contribuintes nacionais para embaratecer as viagens de pessoas vindas países francamente mais desenvolvidos (na realidade, obrigando contribuintes portugueses a pagar-lhes parte das férias); e porque contribui ostensivamente para continuar o processo de destruição sistemática do planeta para o qual o tráfego aéreo – e as emissões de CO2 relacionadas – contribui com reconhecida relevância. Na realidade há um quádruplo insulto, neste caso à nossa inteligência: o subsídio apresenta-se dissimulado como um contributo público para uma campanha promocional a desenvolver em mercados de suposta alta prioridade estratégica para o turismo nacional e não como um subsídio à empresa em questão. É verdade que estas notícias nem sempre mostram com exactidão os detalhes dos acordos e dos negócios envolvendo entidades públicas (ou parcerias público-privadas) e empresas de aviação, em particular as relacionadas com esta massificação turística de baixo custo, frequentemente tratada como “prioritária” nas estratégias de desenvolvimento turístico do país. Os relatórios e documentos de prestação de contas destas entidades são quanto a isso relativamente opacos ou, no mínimo, confusos, e mesmo as interpelações parlamentares que vão assinalando ocasionalmente esta discussão pública da ação governativa têm sido muito pouco esclarecedoras. Certo é que existem apoios públicos, quer de autarquias, quer de governos regionais, quer de governos nacionais – e eventualmente de vários ao mesmo tempo – para promover a criação destas rotas turísticas em nome de um alegado contributo que a chegada de turistas oferece à comunidade local (e aparentemente esquecendo que a sua existência só é possível porque essa comunidade produz e cuida os recursos e as experiências que tornam o destino atractivo). Esta farsa de uma suposta economia de mercado que afinal é largamente dependente de decisões e apoios públicos mais ou menos dissimulados tem naturalmente os seus farsantes, que tanto podem ser os diligentes empresários do sector (os que recebem subsídios para as suas iniciativas particulares mas que criticam apoios governamentais às companhias públicas de aviação), como os dinâmicos e empreendedores gestores públicos que elogiam as virtudes da iniciativa privada e o fomento da livre concorrência enquanto oferecem envergonhados subsídios com escassa (ou nula) transparência de processos. Esta farsa de mercado também resulta nisto: num dos mais pobres países da Europa, a população local paga para se trazerem turistas dos países mais ricos, alimentando um duvidoso processo de desenvolvimento, que vai perpetuando um medíocre desempenho da economia nacional e agravando os problemas ecológicos do planeta. Talvez estas obscuras formas de financiamento público de entidades privadas que vivem da extração de recursos comunitários não fossem possíveis se as comunidades tivessem algum poder de decisão sobre os orçamentos que afinal são de todos. Dificilmente o saberemos, na realidade, porque no consenso neo-liberal dominante há pouco espaço para se divergir desta generalizada “parceira público-privada” em que os riscos são públicos e os lucros privados – e neste caso o subsídio público serve precisamente para reduzir ou eliminar o risco do sagaz investidor privado. Mas também porque são inexistentes ou muito raros os casos em que há um envolvimento efectivo de comunidades locais na definição de políticas de turismo (ou de desenvolvimento em geral). Esse envolvimento é mais do que justificado: não só num plano mais teórico, por ser recomendado em todas as orientações gerais sobre processos de “desenvolvimento sustentável”, mas também no plano mais prático da interferência avassaladora do turismo nos quotidianos e nos modos de vida: ao contrário da generalidade das restantes actividades económicas, o turismo faz-se no interior das comunidades, partilhando os mesmos recursos, os mesmos serviços, os mesmos espaços públicos. Não são só hotéis e aviões: hoje a população turística aloja-se em áreas originalmente planeadas como habitacionais, definidas em função de uma previsível evolução demográfica, impondo escassez e inflação na oferta de habitação, em Portugal quase exclusivamente dependente de mercados pouco regulados; os transportes públicos locais têm que ser partilhados, eventualmente com prejuízo de quem vive perto de zonas de grande atractividade turística, fenómeno bem conhecido em zonas de Lisboa como Alfama ou Belém; os espaço públicos estão frequentemente congestionados em áreas centrais das cidades, prejudicando a mobilidade e o usufruto pela população local; mesmo em serviços e actividades do domínio privado – como restaurantes, bares ou actividades recreativas -, a população residente é frequentemente prejudicada (ou expulsa) por processos inflacionários relacionados com a presença massiva de turistas com poder de compra mais alto. Subsidiar este tipo de economia alimenta injustiças sociais e certamente não contribui para a consolidação de um modelo de desenvolvimento que ajude a economia nacional a aproximar-se dos padrões dos países mais desenvolvidos da Europa.
Hoje Macau VozesPequim 2022 – A Olimpíada de Inverno e o início do Ano Lunar do Tigre um passo em frente no sonho Chinês Por Francisco José Leandro A Carta Olímpica, documento de referência de todas actividades olímpicas e do espírito olímpico, declara que o objetivo último do olimpismo, enquanto filosofia de vida que exalta e combina de forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente, é o de colocar o desporto ao serviço do desenvolvimento harmonioso da pessoa humana. Os cinco anéis entrelaçados, símbolo do movimento olímpico, representam precisamente os cinco continentes unidos por uma sociedade pacífica em torno da promoção e preservação da dignidade humana. Neste sentido, uma das missões principais do Comité Olímpico Internacional (COI) é, precisamente, o de encorajar e apoiar a ética da boa governação, bem como a educação dos jovens e orientar os seus esforços para assegurar que no desporto prevalece o espírito de fairplay. O COI é uma organização internacional não governamental, sem fins lucrativos, de duração ilimitada, constituída sob a forma de associação dotada de personalidade jurídica, reconhecida pelo Conselho Federal Suíço e que tem por objectivo a implementação da Carta Olímpica, na preparação e realização dos jogos, no final de cada Olimpíada, isto é, no final do período de 4 anos civis consecutivos, entre a realização dos Jogos Olímpicos, que consistem nos Jogos da Olimpíada e nos Jogos Olímpicos de Inverno. As Olimpíadas são numeradas consecutivamente a partir dos primeiros Jogos da Olimpíada celebrados em Atenas em 1896 e os Jogos Olímpicos de Inverno são numerados pela ordem em que têm lugar. Em 2022, vai realizar-se em Pequim, a XXIV Olimpíada de Inverno. Depois de várias questões associadas à prevenção de uma possível deriva elitista e ao decorrer da primeira Guerra Mundial, teve início no dia 25 de Janeiro de 1924, os primeiros Jogos Olímpicos de Inverno. O sucesso alcançado pela competição, levou o COI a reconhecer oficialmente, em 1926, os Jogos de Chamonix em França como os primeiros Jogos Olímpicos de Inverno. A ideia da construção de um espírito verdadeiramente olímpico extravasa a mera realização dos jogos e deve ser uma referência para toda a Olimpíada, no sentido da promoção e preservação deste espírito, durante todo o período de preparação e, em todas as actividades associadas aos jogos. Os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim ocorrem, precisamente, entre os dois centenários, isto é, entre o centésimo aniversário do Partido Comunista da China (2021) onde foi declarado que a nação atingiu o objectivo material de se tornar uma sociedade moderadamente desenvolvida e o centésimo aniversário da fundação da República Popular da China (2049), onde se espera que a China venha a atingir o estatuto de uma nação desenvolvida. Tendo em conta este cenário, na véspera do início destes Jogos, estão reunidos em Pequim três elementos que se combinam e se potenciam. O primeiro, a vontade do Governo Central da China em prosseguir o espírito da Olimpíada e de lhe associar uma ética da boa governação levando à implementação da visão estratégica do Presidente Xi Jinping para encorajar 300 milhões de pessoas a praticar desportos de Inverno e, deste modo, contribuírem para a construção de uma China saudável, o desenvolvimento da indústria desportiva, a protecção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento coordenado na Região Nordeste da China, na integração da Região constituída por Pequim, Tianjin e Hebei, na Região Sudeste (centrado na província de Cantão), na Região Autónoma Uigure do Sinquião (Xinjiang) e no Tibete. O segundo está associado à simbologia do Tigre como símbolo de vitalidade e determinação transformadora, usado pelo Presidente Xi Jinping para avançar com o seu compromisso político e transformar o evento, numa oportunidade para desenvolver as energias sustentáveis e fomentar uma cultura de preservação ambiental e reciclagem em larga escala. De facto, pela primeira vez que 100% das necessidades de consumo de energia de todas as instalações terão por base energia renovável e, essas necessidades, continuarão a ter por base energia verde, mesmo depois do fim dos jogos. Para minimizar as emissões de dióxido de carbono, nas deslocações associadas aos jogos, serão utilizados, entre os dias 4 e 20 de Fevereiro de 2022, cerca de 700 veículos movidos a hidrogénio. Os Jogos de Inverno abriram também a oportunidade para um projeto de coordenação inter-regional na área do fornecimento de energia, trazendo eletricidade verde com base em energia eólica e solar das áreas vizinhas para Pequim. Com o estabelecimento da primeira rede eléctrica flexível de corrente contínua (Projecto Zhangbei-Rouzhi de 500 quilovolt) e, por isto mesmo, espera-se que estes jogos sejam os primeiros na História Olímpica suportados por energia 100% sustentável. O terceiro prende-se precisamente com o facto de que os dois elementos anteriores, constituem passos significativos para a construção do sonho chinês, nos seus aspectos domésticos de desenvolvimento sustentado, oportunidades de desenvolvimento humano, correção de assimetrias, unidade na diversidade, e na sua componente externa, de incremento do prestígio internacional associado aos cinco continentes. Razões certamente para afirmar que Pequim 2022, representa muito mais que o fim da Olimpíada de Inverno e o início ano do Tigre – trata-se de um compromisso renovado com o espírito olímpico, ao serviço do desenvolvimento harmonioso das pessoas e das comunidades, um passo em frente para a concretização atempada do sonho Chinês. Professor Associado e Vice-director do Instituto para a Investigação sobre os Países de Língua Portuguesa da Universidade da Cidade de Macau