Breve nota sobre o Governador José Carlos da Maia (1878-1921)

Tereza Sena apresenta no HM uma nota biográfica de José Carlos da Maia, Governador de Macau entre 1914 e 1916 e assassinado em Lisboa há 100 anos, no âmbito do episódio “Noite Sangrenta”. A historiadora está a preparar um livro sobre estes anos marcados pela implantação da República em Portugal e na China, sem esquecer a I Guerra Mundial. A autora disse que o livro “está muito avançado”, mas o projecto encontra-se , para já, suspenso, não podendo ser adiantada uma data para a sua conclusão

São de todos conhecidos o carácter idealista, a filiação maçónica e a prática carbonária, bem como a acção revolucionária que tornou Carlos da Maia num dos heróis da República, convicções essas que, uma vez à frente dos destinos de Macau, o fizeram apoiante da jovem República chinesa e, muito particularmente, de Sun Yat Sen (1866-1925), seu fundador e primeiro Presidente, como é testemunhado na por demais conhecida carta de agradecimento que este lhe endereçou em 23 de Junho de 1916. Motivada pelo facto de Maia ter recusado a extradição dos apoiantes de Sun Yat Sen fugidos para Macau após o afastamento deste da Presidência e a reviravolta de Yuan Shikai (1914-1966), atribuindo-lhes o estatuto de “refugiados políticos” e negando o de “criminosos” — por via do qual deveriam ser entregues, ao abrigo do estipulado no Tratado de 1887 —, poderá, na opinião de alguns autores, testemunhar uma relação bem mais activa e empenhada por parte do Governador português na causa revolucionária chinesa.

Da sua curta governação, que se estendeu efectivamente de 10 de Junho de 1914 a 5 de Setembro de 1916, sabe-se ter sido tão próspera e empreendedora que obteve grande apoio da comunidade chinesa, à qual deu pela primeira vez assento no Conselho de Governo, onde veremos então pontuar o primeiro grande magnata do jogo, Lou Lim Ioc (Lu Lianruo) (1884-1955). Mas também, que se preocupou com a segurança de Macau em tempo de guerra, onde inclusivamente criou o Batalhão de Voluntários de Macau, e com o fomento da colónia impulsionando diversas infraestruturas e empreendimentos que mudaram para sempre a vida da cidade. Entre estes, e entre outros, temos o início da construção da Avenida Almeida Ribeiro, ligando a Praia Grande ao Porto Interior, dando o pontapé de saída no tão almejada e sempre adiado projecto do porto de Macau, só concretizado na década seguinte. Foi também no seu mandato, e durante a chefia de José Vicente Jorge (1872-1848) — e sob a proposta deste —, que a Repartição do Expediente Sínico foi reformulada e regulamentada, tal como a respectiva Escola, o que tudo demonstra uma activa interacção com o meio, passem embora as tensões suscitadas aquando da tentativa de criação da Carta Orgânica de Macau, cujo primeiro projecto elaborou.

Contudo, graves divergências com a Metrópole, e nomeadamente com Afonso Costa (1871-1937), que, de Presidente do Executivo passara à pasta das Finanças no Ministério da União Sagrada, levaram-no a pedir a exoneração em 18 de Junho de 1916.

Recusada esta, Carlos da Maia anuncia a partida em 30 de Julho, e seguirá para Portugal — via Japão, Américas e com escala em Xangai onde Sun Yat Sen reorganizava as suas forças —, em 5 de Setembro de 1916, donde nunca regressará. Vai, oficialmente e devidamente autorizado, para conferenciar com o Ministro das Colónias — que era também o Presidente do Ministério —, deixando o Governo de Macau entregue a Manuel Ferreira da Rocha (1885-1951), que o assegurou até 21 de Junho de 1917, quando se constituiu um Conselho Governativo.

Na origem do descontentamento de Carlos da Maia parecem estar quer a ampliação dos poderes judiciais dos cônsules portugueses — nomeadamente no caso do escândalo dos passaportes portugueses passados a chineses em Xangai —, quer divergências quanto ao destino a dar aos dinheiros de Macau que, segundo reza a tradição, abundariam por essa época nos seus cofres. Não sendo autorizado a depositá-los nos bancos de Hong Kong para virem a suportar as obras do porto de Macau como pretendia, Maia vira-se até obrigado a remeter 100 contos de réis para Lisboa, a título de empréstimo, para socorrer outras colónias. Embora o recurso aos saldos positivos de Macau não fosse inédito, as finanças públicas portuguesas estariam então ainda mais exauridas do que habitualmente com as avultadas “despesas de guerra”.

O processo de exoneração de Carlos da Maia foi algo atribulado e reflecte a grande instabilidade governativa resultante da forte agitação e conflitualidade políticas que Portugal então vivia — que acabarão por o vitimar —, sem também deixar de espelhar rivalidades e visões antagónicas que perpassavam a vida político-administrativa de Macau, em sede parlamentar, e pela mão do tenente Francisco Gonçalves Velhinho Correia (1882-1943), eleito deputado por Macau em 1916, cuja candidatura Maia não patrocinara. Ressalvando-lhe embora a “honorabilidade pessoal”, colocará este correligionário de Afonso Costa sob escrutínio toda a actividade governativa de Carlos da Maia, que acusava de autoritário, prepotente, perdulário, questionando-lhe a falta de capacidade governativa e alguma permeabilidade aos chineses, ou, talvez melhor, falta de firmeza para com eles. Reproduzindo o discurso das forças conservadoras macaenses, que o apoiavam, elegerá para tema principal da sua interpelação os gastos com as obras do porto de Macau — cuja prossecução levava Maia a Portugal —, mas requeria também o acesso integral a uma série de processos existentes no Ministério envolvendo Carlos da Maia.

O Governador — que voltara a pedir e a ver recusada a demissão em Dezembro de 1916 — contará no parlamento com o apoio de Alexandre Botelho de Vasconcelos e Sá (1872-1929), de João Tamagnini Barbosa (1883-1948) e de Abílio Marçal, todos eles republicanos desiludidos que em breve adeririam à “República Nova” de Sidónio Paes (1872-1918).

Fosse ou não uma campanha orquestrada para derrubar Carlos da Maia, a que eventualmente Velhinho da Costa se prestaria também movido por razões pessoais — como o acusara Vasconcelos e Sá —, o certo é que, menos de um mês depois, em 12 de Junho de 1917, e no mesmo 3º governo de Afonso Costa, em exercício de 25 de Abril a 8 de Dezembro de 1917, é decretada a exoneração de Carlos da Maia. Viria ela, no entanto, a ser declarada sem efeito por Decreto de 9 de Fevereiro de 1918, já no tempo de Sidónio Paes. De facto, só se tornará definitiva com outro diploma, de 1 de Junho de 1918, depois de, na Metrópole, Maia já ter presidido à Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa, entre Janeiro e Março de 1918, e de ter sido nomeado Ministro da Marinha em 9 de Março. Não obstante ter deixado o cargo em 7 de Setembro do mesmo ano conseguiu nesse curto mandato introduzir reformas de vulto na organização do Ministério, logo se demitindo e pondo fim à sua efémera adesão activa ao Sidonismo, a que o levara a desilusão e a humilhação atrás descrita. E provavelmente também a influência do grupo que então o defendia, e onde também pontuava o histórico herói da Rotunda Machado Santos (1875-1921), seu companheiro, o que nunca lhes será perdoada pelas alas mais radicais, como a História virá a demonstrar.

No executivo de José Relvas (1858-1929) — aquele mesmo que da varanda da Câmara Municipal de Lisboa proclamara a implantação da República —, Maia teve uma igualmente brevíssima passagem, desta vez pelo Ministério das Colónias, entre 27 de Janeiro e 21 de Março de 1919. Não se esqueceu, mesmo assim, de uma série de indivíduos de Macau e da diáspora macaense, com destaque para os seus corpos militares, nomeadamente os Corpos de Voluntários de Macau e de Xangai, condecorando-os pelos feitos na conjuntura de beligerância pela qual se acabava de passar. Em 8 de Março de 1919 também fará atribuir a Comenda da Ordem de Sant´iago da Espada pelos “serviços prestados às letras e artes de Macau” a Camilo Pessanha, seu irmão maçónico e indivíduo por quem nutria especial estima e admiração e a quem muita apoiara no processo de doação de parte da sua colecção de arte chinesa a Portugal.

Pouco mais de dois anos depois Carlos da Maia encontrará a morte, sendo barbaramente assassinado ao lado de outros heróis da República como Machado de Santos, e do presidente do Ministério já demissionário, António Granjo (1881-1921), naquela que ficou para a História como a noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921, em circunstâncias nunca convenientemente averiguadas.

Não o esqueceram, no entanto, os homens do Batalhão de Voluntários de Macau, por ele criado como se referiu, que, na passagem do 3º aniversário da sua morte, em 19 de Outubro de 1924, farão colocar uma lápide no seu jazigo na Rua 21 do Cemitério dos Prazeres em Lisboa, então erigido, juntando-se assim àqueles que, com tal homenagem, pretendiam acima de tudo fazer justiça à memória de Carlos da Maia, que ficaria para a História como um herói e romântico revolucionário.

Excerto de um livro em preparação

 

Tereza Sena

Investigadora Adjunta Sénior do Centro Xavier de Investigação para a Memória e Identidade, da Universidade de São José, Macau
Macau, 19 de Outubro de 2021

20 Out 2021

José Luís Peixoto, escritor: “Cada livro é um degrau para os próximos”

O mais recente romance de José Luís Peixoto, “Almoço de Domingo”, à venda em Macau, tem como figura central Rui Nabeiro, o pai dos cafés Delta. Apresentado no fim-de-semana passado no FOLIO – Festival Internacional de Literatura de Óbidos, Portugal, o romance foi construído a partir de entrevistas com Rui Nabeiro e representa o interesse do escritor em explorar a fronteira “dúbia” entre ficção e realidade

 

Há pouco, na sessão de autógrafos, falava com uma leitora sobre o livro “Uma Casa na Escuridão”, que já faz 20 anos. Esperava ter chegado até aqui?

Sempre tive essa esperança. Ainda assim, nunca foi muito garantido. É por isso que hoje, quando constato que, passados 20 anos, ainda aqui estou, a publicar livros num caminho sempre ascendente, com cada vez mais leitores e mais reconhecimento, é muito gratificante. Dá-me também muito entusiasmo para o que aí vem, porque na escrita olhamos sempre para o futuro, a trabalhar em algo que está por vir.

Isso passa por uma evolução como escritor, na forma de escrita? Já se aventurou pela poesia e pela literatura de viagens com o livro sobre a Coreia do Norte. Pretende agora trazer algo de novo?

Às vezes tenho a sensação de que cada livro é como um degrau que depois me leva aos próximos. Na verdade, quando olho para cada livro que escrevo, como é o caso deste último, [Almoço de Domingo], tenho sempre a sensação de olhar para os anteriores e de encontrar neles o que me levou a escrever esse livro. Neste momento, estou num ponto em que tem sido muito interessante para mim trabalhar a fronteira muito dúbia entre a ficção e o factual.

E a não ficção.

Entre a ficção e o que é o histórico, de certa forma. Tenho vindo a tratar disso noutros livros com relações autobiográficas assumidas, como no caso do livro da Coreia do Norte ou no “Caminho Imperfeito”, que fala da Tailândia e que também tem essa dimensão de não ficção. Também já inclui figuras e pessoas conhecidas que todos sabemos que existem ou que existiram, como é o caso de José Saramago no romance “Autobiografia” ou de Rui Nabeiro neste último livro. Tem sido muito interessante, porque passear nessa fronteira assenta um pouco quase neste mal-entendido, que existe desde há séculos, sobre o que é real e não é, o que é verdade e não é. Muitas vezes são colocadas essas questões assentando-as no debate ficcional e autobiográfico quando, de facto, esta questão não se prende com esses temas, porque existe uma verdade na ficção também. Ainda assim, é um tema que recorrentemente é trazido e que hoje em dia se encontra muito em múltiplos aspectos da nossa sociedade. Lembro-me dos reality shows, por exemplo.

Uma realidade um bocado construída.

Sim, um bocado fabricada. Acho interessante reflectir sobre isso, porque as ficções, na vida, são muitas, e de vários tipos. É muito comum, no nosso dia-a-dia, darmos por ficcionais coisas que têm uma dimensão biográfica importante, e darmos como concretas coisas que são muito trabalhadas ficcionalmente.

No caso de “Almoço de Domingo”, o que é real e ficcional na “personagem” de Rui Nabeiro?

É muito curioso porque, sendo o Rui Nabeiro uma pessoa tão concreta, presente, puxa-nos logo para essa dimensão do quotidiano, do real. Mas, por outro lado, neste livro vemos que ele está dividido em três partes que correspondem a três dias concretos, que são 26, 27 e 28 de Março de 2021. O livro chegou às livrarias antes dessas datas, então claro que tudo o que aconteceu foi ficcionado. Mas quando construí esses episódios tive em consideração os hábitos e as características do Rui Nabeiro. Mas é uma construção. O mesmo acontece, talvez de uma forma mais subtil, em relação aos acontecimentos do passado. Esses detalhes parecem insignificantes, mas são eles que constituem a experiência de estar e de ser. Este livro é, na sua essência, um texto de ficção. Para mim é muito interessante todos os vínculos que ele estabelece com o real, por muito que isso depois acrescenta à própria leitura e identidade do texto, até sob ponto de vista prático. O facto de o próprio Rui Nabeiro sentir que a sua história é contada ali, acho fascinante.

Ele transmitiu-lhe isso?

Recebi essa informação sempre um bocadinho indirectamente. Sempre que lhe fiz essa pergunta directamente ele escapou. Ele nunca foi muito objectivo, mas ouvi ele responder a essa pergunta a várias pessoas e a dizer que estava contente. E isso para mim é suficiente.

Fizeram várias entrevistas.

Sim, tivemos conversas em que eu chegava com as minhas questões e temas preparados, e normalmente falava sobre assuntos sobre os quais tinha mais dúvidas e sobre detalhes. São eles que dão vida às descrições e precisava muitas vezes que ele me desses detalhes. Mas em alguns momentos a minha memória e as minhas referências também foram muito úteis. Descrever, por exemplo, a pequena mercearia que a mãe do Rui Nabeiro tinha quando ele era criança contou muito com as memórias que tinhas das mercearias na minha aldeia.

“Almoço de Domingo” remete para quê?

Para já, “Almoço de Domingo” tem a ver com um momento importante do romance que é, na verdade, o coração do livro, em que existe um cruzamento de vários momentos da vida de Rui Nabeiro e daquela família, as gerações do passado e do presente, e até do futuro. A minha ideia era que esse título exprimisse imediatamente a ideia de família, porque esse é um aspecto muitíssimo importante na vida do Rui Nabeiro, o seu projecto e na forma como ele estruturou toda a sua vida. Ao mesmo tempo, como patriarca, é uma figura que está num ponto em que olha para um lado e vê uma quantidade de gerações do passado que ele testemunhou, e olha para outro e vê as gerações do presente e do futuro que não conheceram essa realidade, e ele é a única ponte entre os dois.

Escreveu o romance “Galveias”, uma aldeia no Alentejo de onde é natural, e este último romance é sobre Rui Nabeiro, uma figura também da região. Este é um livro que faz uma nova homenagem ao Alentejo?

Escrever sobre aquele Alentejo foi uma grande oportunidade que este livro em proporcionou. Porque tem muitas realidades. No caso de Campo Maior é impossível contar a história daquele lugar ignorando a fronteira. É marcante a todos os níveis. Tinha alguns ecos da fronteira quando era criança, chegava ali a televisão espanhola, mas não se compara com essa vida [do tempo de Rui Nabeiro]. Foi interessante acrescentar esse Alentejo ao que eu já escrevi. Vem na sequência do meu interesse por ir alargando o meu retrato desta região. No caso do livro “Galveias”, falando especificamente de espaços, acaba por se encontrar uma forma de ser bastante genérica também. Uma das coisas mais engraçadas, e que me acontece muito, é quando encontro pessoas que me dizem “a minha Galveias chama-se tal”. Galveias passa a ser um exemplo, uma referência. E o Rui Nabeiro tem os seus elementos concretos, mas pode ser a referência de um homem, daquela idade, numa outra região.

19 Out 2021

Novo livro de Maria Helena do Carmo conta a vida de Pedro Gastão Mesnier, secretário do Governador Visconde de São Januário

Se dominasse a língua chinesa, Maria Helena do Carmo escreveria sobre Deng Xiaoping, que segundo a sua óptica mudou a China para sempre. Por enquanto, é sobre a história de Macau que se debruça. O seu mais recente livro, “Macau no tempo áureo do comércio”, conta a história de Pedro Gastão Mesnier, secretário do Governador Correia de Almeida, Visconde de São Januário, e do fim do comércio de cules

 

Como chegou a Pedro Gastão Mesnier, uma figura histórica ligada a Macau e que é quase desconhecida?

Eu também a desconhecia, até que António Aresta escreveu sobre o Pedro Gastão Mesnier e finaliza com a frase “quem sabe se um dia Maria Helena do Carmo não faz daqui um romance”. Fiquei intrigada. Foi um desafio, um estímulo ele escrever isso. Fui verificar quem era o sujeito e vi que tinha morrido muito novo, com 37 anos. Questionei-me como alguém que morreu tão novo se tornou numa figura tão importante. Investiguei em Macau e na Biblioteca Nacional em Portugal coisas que escreveu. Durante a pandemia tive a sorte de encontrar online os boletins da província de Macau e Timor nos anos em que Pedro Gastão Mesnier lá esteve. Ele era um dos escritores dos boletins. Consegui saber o que ele fez na Índia. Soube da história anterior, da ida para Londres aos 17 anos, e que já estudava línguas orientais ainda em miúdo. Tive acesso a extractos da sua vida, porque ele escreveu nesses boletins sobre a viagem que fez com o então vice-rei da Índia, que depois foi Governador de Macau, Januário Correia de Almeida, Visconde de São Januário. Deram uma volta pela Índia e depois encontrei testemunhos sobre tudo o que se passou em Macau. Achei extraordinário, um homem que conviveu com o príncipe da Rússia, futuro Czar, com o rei do Sião. Mas houve outro aspecto que me intrigou bastante.

Qual foi?

Estudei a história de Macau desde os seus primórdios e sempre achei que Macau era uma cidade muito pobre, mesmo já tendo entrado no negócio do ópio.

Falamos de que data?

Até ao século XVII Macau não estava muito mal porque havia negócios de Goa para o Japão. A partir de 1640 tudo se transformou, deixámos de ter Malaca e em Macau começa a sentir-se um certo empobrecimento. A minha tese foi sobre a primeira metade do século XVIII, sobre a pobreza que se prolongou até à segunda metade do mesmo século. E estranhei que no século XIX tenha surgido imensa riqueza.

Deu-se então o “tempo áureo do comércio”, que dá nome ao livro.

Exacto. Os chineses que levavam uma vida muito humilde, mas alguns construíram palacetes, e isso intrigou-me. Dei então com o comércio dos cules, que já tinha começado em Amoy, com uma firma francesa, que, entretanto, foi seguido por outros portos, inclusivamente por Hong Kong. Mas foi sendo proibido o comércio por outros portos, devido aos tratados de comércio assinados com a China. Só Macau não concluiu o tratado.

Não foi ratificado.

Sim. E assim aproveitaram Macau para ter uma porta de escoamento dos cules. Eram feitos contratos por oito anos, e claro que os chineses estavam interessados em sair [do país], porque no tempo dos imperadores pagavam muitos impostos e eram extremamente pobres. Como acabou a escravatura, a necessidade de mão-de-obra levou os franceses a buscarem trabalhadores [chineses] com contrato de trabalho. No início não havia problemas, mas depois quando virou negócio encontrámos uma série de chineses a aliciarem outros, porque ganhavam com isso.

Gerou-se um caso diplomático e de violação de direitos humanos.

Macau era o único porto onde continuava esse comércio e aquilo começou a ser abusivo. Havia macaenses e chineses envolvidos no negócio, donos de embarcações e com armazéns. Nessa altura, os pobres lavradores [chineses] já iam para as Américas, Cuba, África, sobretudo América Central, para os caminhos-de-ferro na Califórnia. Era mão-de-obra barata. E depois começa um comércio de quase escravatura, porque quem os recebia ficava com as suas cédulas e não os deixavam ir embora.

Qual o papel do Visconde de São Januário para travar este comércio, já na qualidade de Governador?

Teve de facto atitudes muito correctas, mas não foi o primeiro a tentar formas disciplinadas de negócio. O Visconde da Praia Grande foi talvez o primeiro. Mas o Visconde de São Januário conseguiu terminar com o negócio dos cules.

Mas quem teve a mão mais forte para a proibição deste comércio? Foi o Governador de Macau ou o ministro da metrópole, à época, Andrade Corvo?

Tenho a impressão de que os ministros aqui em Portugal não tinham muito a ideia do que se passava noutros locais. Não estavam presentes e sabiam apenas o que lhes era contado. É natural que tenha sido o Visconde de São Januário, através do correio diplomático, que tenha levado à decisão de Andrade Corvo.

O comércio dos cules era uma pedra no sapato nas relações entre Portugal e a China?

Era, apesar de o Visconde de São Januário já acordado verbalmente em 1872… e penso que o Pedro Gastão Mesnier também teve um papel importantíssimo porque investigou muita coisa e foi emissário do Visconde de São Januário a Cantão, com outros sinólogos. Fez um trabalho de investigação muito importante sobre o que se estava a passar. E era ele que informava o Governador.

O que mais a surpreendeu na figura de Pedro Gastão Mesnier?

O facto de ser um aventureiro, de ser extremamente inteligente. Nunca concluiu um curso, mas esteve cinco anos em Coimbra. Devia ser uma daquelas pessoas que queria saber tudo. Ele retornou a Coimbra [depois de sair do Oriente] para ir novamente com o Visconde de São Januário para as Américas, largou de novo a sua licenciatura. Mas era um escritor admirável. Os extractos que encontrei sobre o tufão [um dos maiores que assolou Macau] mostra como era admirável na sua escrita. Admiro as pessoas cultas e ele era muito culto. Algumas coisas inventei, como o amor que teve [no Japão]. Mas há um enredo amoroso verdadeiro.

O romance macaense?

Sim, o do barão que se apaixonou pela cunhada e teve uma filha com ela. O nome dela está registado nas Famílias Macaenses. A filha ficaria em Hong Kong órfã, porque os pais morreram cedo, quando tinha 13 anos. E era ilegítima, o que naquela época era igual a ser renegada. Falo da Madre Teresina, que no livro é Teresa de Trento, e coloco-a a falar com a amante do barão. Há uma rua em Macau com o nome Madre Teresina.

O livro acaba por abordar também como era a comunidade macaense na época, mais conservadora.

Exacto, e logo pelo facto de serem cristãos. Tinham posições elevadas, porque os macaenses eram os únicos intérpretes dos europeus e nasceram na terra, dominavam o terreno. E a maioria dos macaenses eram ricos. Na altura, muitos chineses preferiam pertencer a Macau e serem considerados macaenses, dava um certo estatuto. Mas claro que a China mudou imenso desde então. Admiro imenso Deng Xiaoping. Se tivesse capacidade para ter acesso a fontes chinesas, se soubesse traduzir, era para mim um homem excepcional [para escrever sobre].

Fala de um romance?

Não, uma biografia. Eu vou muito para o real.

Escrever sobre Macau e a sua história continua a ser um desafio? Ainda existem muitos temas por explorar?

De facto, existem. Não sei se vou continuar devido a vários factores. O primeiro tem a ver com a minha idade, a visão, a saúde. Tenho também de encontrar um tema muito apaixonante que consiga investigar.

18 Out 2021

FOLIO | Exposição de Rosa Coutinho Cabral e Carlos Morais José em Óbidos

“Visto com os pés, escrito com os olhos” é o nome da exposição de rua que integra a edição deste ano do FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, e que conta com fotografias de Rosa Coutinho Cabral e textos de Carlos Morais José. As imagens foram capturadas na Rua Direita, em Óbidos, e remetem para outras perspectivas da realidade

 

Serão poucas as vezes que olhamos para baixo e encaramos as coisas sob a perspectiva dos nossos pés, ignorando o que os nossos olhos vêem. Foi com este pensamento que a realizadora e encenadora Rosa Coutinho Cabral fotografou pedaços da Rua Direita, em Óbidos, imagens que podem agora ser vistas na rua principal da histórica vila portuguesa, numa exposição que integra a edição deste ano do Festival Literário Internacional de Óbidos (FOLIO) ontem inaugurada.

Carlos Morais José, director do HM e escritor, é o autor dos textos que acompanham as imagens. “Os textos não são explicativos mas sim alusivos às imagens que a Rosa captou, acrescentam coisas que não estão nas imagens mas que se podem imaginar a partir delas ou que se podem ver num outro plano. Quer seja um plano do realmente visível, ou um plano simbólico e imaginário”, referiu ao HM.

As imagens foram captadas na última edição do FOLIO, conforme contou Rosa Coutinho Cabral ao HM. “Fiquei atraída pelas texturas quase pictóricas das paredes, os restos e as marcas dos equipamentos, como caixas de electricidade e bueiros, as faixas de azul anil e amarelo. São marcas que conferem à Rua Direita de Óbidos uma fisionomia particular mas que é praticamente invisível aos olhos, porque está ao nível dos pés.”

A cineasta e encenadora descreve que, nesta exposição, “como em tudo na arte, não há uma mensagem em particular”, mas sim “uma forma de abordar o real ou aquilo que nos rodeia”. “Eu tive essa vontade de, de certa maneira, tornar visível uma matéria que é bastante invisível”, apontou.

Esta mostra nasceu também graças ao apoio da editora portuguesa Ler Devagar. Foi a própria Rosa Coutinho Cabral que convidou Carlos Morais José para a elaboração dos textos, dando continuidade a uma colaboração antiga.

“Pareceu-me, quando estava a fotografar, que seria muito interessante ter temas que não coincidissem com o que se via, mas com o que não se vê ao nível dos olhos”, afirmou.

O lugar do outro

A edição deste ano do FOLIO tem como tema “O Outro” e esta mostra pretende, aliás, ser o reflexo de isso mesmo, criando outras perspectivas. Até porque, como escreve Carlos Morais José a propósito da mostra, “em cada lugar há uma outra imagem”.

“A ideia que ficou desta experiência de escrita e de fotografia é que, de alguma maneira, cada uma das imagens é um outro a partir do outro, são experiências de produção artística e literária. Não só aquilo que se vê a partir dos pés é uma outra forma de ver, é um outro olhar, e depois há uma parte invisível que vem das próprias palavras”, disse a autora das imagens.

Acima de tudo, Rosa Coutinho Cabral diz ter ficado “muito feliz” pela aceitação do projecto e pela oportunidade de colaborar novamente com Carlos Morais José. O autor do texto acaba por ser “a outra pessoa, neste caso o meu outro, nesta proposta de alteridade entre as imagens e as palavras”.

Para Carlos Morais José, é sobretudo “muito gratificante” o facto de esta mostra estar patente na rua e não num espaço expositivo fechado.

Óbidos e Pessanha

Muito mais do que abordar os inúmeros outros, esta exposição acaba por também estabelecer uma ligação com a relação que o poeta português Camilo Pessanha tem com a vila de Óbidos, onde viveu e trabalhou antes de ir para Macau, nos primórdios do século XX.

“A memória da sua passagem pela cidade ficou registada, entre outros documentos, no poema ‘Castelo d’Óbidos’, incluído [na obra] Clepsydra. Mais recentemente, o FOLIO convidou-me, enquanto escritor de Macau, para estar presente. Este ano a nossa relação continuou. Seria interessante manter esta ligação entre as duas cidades, os seus escritores e talvez entre os seus festivais literários”, adiantou Carlos Morais José. A mostra “Visto com os pés, escrito com os olhos” está patente até 24 de Outubro.

Portas abertas

O FOLIO começou ontem e promete dar ao público 11 dias de literatura, música e arte com a presença de 175 autores e escritores. Esta edição marca o regresso do FOLIO aos eventos presenciais depois da pandemia, com um programa que inclui 160 actividades e 16 mesas de autor e debates, além de outras iniciativas.

A título de exemplo, a conversa de ontem juntou autores como Leïla Slimani e Juan Gabriel Vasquez e foi o ponto de partida para as mesas por onde passarão Isabel Lucas, Itamar Vieira Júnior, Jeferson Tenório, Paulo Scott, Fernando Rosas, Lilia Schwarcz e Richard Zimler.

A escritora chinesa Jung Chang também estará presente, juntamente com autores como Mário Lúcio, Mário de Carvalho, Alberto Manguel, Pedro Mexia, Ricardo Araújo Pereira, Dulce Maria Cardoso, João Paulo Borges Coelho, Ana Margarida de Carvalho, Ana Luísa Amaral, Amália Bautista e Tatiana Levy, entre outros. O tema da edição deste ano é “O Outro”, com a inclusão de uma novidade: a banda desenhada. O programa celebra também a obra do escultor José Aurélio e os 50 anos da galeria Ogiva, em Óbidos, da qual foi fundador.

15 Out 2021

Novo livro de Astérix foi lançado esta segunda-feira 

O álbum de banda desenhada “Astérix e o Grifo”, lançado esta segunda-feira, mostra os gauleses Astérix e Obélix numa viagem ao encontro dos nómadas Sármatas, anunciou o grupo editorial francês Hachette Livre.

“Astérix e o grifo” é assinado pelo argumentista Jean-Yves Ferri e pelo desenhador Didier Conrad, a dupla que tem dado continuidade à série criada há mais de 60 anos por René Goscinny e Albert Uderzo.

Este é o 39.º álbum de BD protagonizado pelos gauleses Astérix e Obélix e terá uma tiragem mundial de cinco milhões de exemplares, com edição simultânea em vários países.

Sobre “Astérix e o Grifo”, a filha do desenhador, Sylvie Uderzo, revelou que esta é a derradeira história que o pai ainda acompanhou, nos primeiros esboços e trabalho de escrita, antes de morrer em Março de 2020.

Na nova banda desenhada, Astérix e Obélix rumam a Leste no encalce do exército romano, que quer capturar um grifo por ordem do imperador Júlio César. É num território desconhecido e gelado, de paisagens brancas na Ásia Central, que os gauleses encontram os Sármatas, povo da antiguidade que é considerado antepassado dos Eslavos.

Além da galeria habitual de personagens, a narrativa conta ainda com um geógrafo romano que tem de partir com a expedição militar, e a quem os autores da BD emprestaram a fisionomia do escritor francês Michel Houellebecq.

Abordagem ecológica

Na apresentação do álbum à imprensa, em Vanves, região de Paris, o argumentista Jean-Yves Ferri explicou que “Astérix e o Grifo” tem ainda uma abordagem sobre ecologia.

“Os romanos representam um pouco a atitude, digamos, ocidental em relação à natureza e à maneira como se servem dela, enquanto os Sármatas são apresentados como respeitadores do ambiente, em particular dos animais. Os gauleses estão ali no meio, entre ambos”, afirmou Ferri.

Além de Astérix e Obélix, entre as personagens que povoam o imaginário criado por Uderzo e Goscinny, contam-se ainda o druida Panoramix, o bardo Cacofonix e o pequeno cão Ideafix, entre muitas outras.

O irredutível guerreiro gaulês apareceu pela primeira vez em Portugal, nas páginas da revista Foguetão, no dia 4 de Maio de 1961. A primeira edição portuguesa de um álbum de Astérix data de 1967, e foi “Astérix, o Gaulês”.

12 Out 2021

FCM | Cultura macaense revelada a alunos em Portugal

Os alunos de uma turma do ensino primário da Escola EB1 São João de Deus, em Lisboa, vão saber mais sobre a cultura macaense graças ao projecto “Macau: Entre o Oriente e o Ocidente”, levado a cabo pela Fundação Casa de Macau. Esta iniciativa tem a duração de três anos e poderá contar com a participação da Escola Portuguesa de Macau

Ensinar a cultura macaense aos mais pequenos é aquilo a que se propõe a Fundação Casa de Macau (FCM) no seu mais recente projecto, intitulado “Macau: Entre o Oriente e o Ocidente”, desenvolvido em parceria com o agrupamento de escolas D. Filipa de Lencastre, em Portugal. O protocolo foi assinado no passado dia 24 de setembro.

O projecto, que arrancou já este mês, começou com uma turma do ensino primário da escola EB1 São João de Deus, em Lisboa, podendo ser alargado a outras escolas. A ideia é que esta iniciativa dure até 2024, ou seja, durante três anos lectivos, conforme explicou ao HM a secretária-geral da FCM, Joana Silva.

“A professora [Elisabete Correia Marques] definiu áreas que serão trabalhadas, sempre com a temática de Macau no horizonte. Vamos trabalhar com os alunos a culinária macaense, as festividades e os costumes. Também vamos procurar ter uma interacção com outras disciplinas. Vamos tentar, por exemplo, que na disciplina de expressão plástica os alunos possam fazer réplicas de cerâmica chinesa.”

Para já, a única entidade que está associada a este projecto é o Centro Cultural e Científico de Macau, mas há também a ideia de juntar a Casa de Macau em Lisboa. Está também na calha a realização de um intercâmbio com a Escola Portuguesa de Macau (EPM), sendo que poderá ser realizada uma visita de estudo ao território, ainda sem data prevista.

“Como é um projecto para ser feito em três anos temos tempo para ir inserindo outros parceiros”, adiantou Joana Silva.

Visitas e pesquisas

A primeira actividade deste projecto passou por uma visita de estudo às instalações da FCM, na zona do Príncipe Real, no passado dia 8. “A Fundação acaba por ser, ela própria, um mostruário [da cultura macaense]. Depois, os alunos vão trabalhar em aula outros temas mais específicos.”

Além dos estudantes do ensino primário, alunos mais velhos também poderão participar neste projecto que poderá chegar a outras escolas de Lisboa e do país.

“Já antes da pandemia tínhamos esta ideia de que há falta de conhecimento de Macau junto do público infanto-juvenil português, devido à renovação de gerações e falta de ligação. Uma das acções da FCM é precisamente essa [dar a conhecer a cultura]. Já antes fazíamos algumas actividades pontuais com as escolas.”

Joana Silva assume que é “responsabilidade” da FCM mostrar esta cultura “muito ímpar, mas também diferente”. “O facto de as crianças serem muito novas é a idade ideal para absorver [novas coisas] e despertar a curiosidade”, rematou.

Além das visitas, será feita a apresentação de trabalhos, que inclui também a participação dos encarregados de educação dos alunos, e ainda a realização de pesquisa e investigação sobre Lisboa e a RAEM. Entre Outubro de 2022 e Junho de 2024 está agendado um intercâmbio entre turmas. Não está, para já, definido um orçamento para este projecto, sendo que caberá à docente “contactar diferentes organismos públicos e privados com vista a que se estabeleçam parcerias e, eventualmente, alguns patrocínios”.

12 Out 2021

UNESCO | Gravações de Amália Rodrigues candidatas a “Memória do Mundo”

O Ministério da Cultura vai candidatar as gravações de Amália Rodrigues ao programa da UNESCO “Memória do Mundo”, pelo “valor universal excepcional do registo da sua voz e da sua música”

[dropcap]“N[/dropcap]o ano em que se celebra o centenário de Amália Rodrigues, queremos sublinhar a importância e o valor universal excepcional do registo da sua voz e da sua música, fazendo jus à sua carreira de dimensão mundial, através do reconhecimento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) das gravações da cantora como “Memória do Mundo””, afirmou ontem a ministra Graça Fonseca, em comunicado.

A candidatura será promovida através da equipa do Arquivo Nacional do Som, em colaboração com a empresa Edições Valentim de Carvalho, proprietários da colecção de fitas-magnéticas gravadas pela intérprete entre 1951 e 1990 e de outras gravações, algumas nunca publicadas, como ensaios, diferentes ‘takes’, experiências de gravação, gravações informais, entre outras.

Segundo a tutela, a candidatura surge na sequência do trabalho há muito desenvolvido pela Valentim de Carvalho na preservação e divulgação deste fundo documental, e do início de um trabalho conjunto com a equipa do Arquivo Nacional do Som. O ministério sublinha que esta candidatura não só afirma a importância do fundo documental como reforça, na prática, a visibilidade destes documentos.

Amália Rodrigues, intérprete associada a um repertório português como é o Fado, foi responsável pelo conhecimento e projecção deste género além-fronteiras, sem ter deixado de se preocupar com a sua renovação.

Quando fala em fronteiras, o Governo refere-se a “todas as fronteiras”, ultrapassando as meramente territoriais, que ficaram marcadas pela apresentação da cantora “ao vivo” e pela publicação dos seus discos “praticamente em todo o mundo, da Austrália ao Azerbaijão”, com actuações tanto em palcos de pequenas aldeias italianas, como no Lincoln Center de Nova Iorque.

Linguagem universal

Amália Rodrigues ultrapassou também as fronteiras linguísticas, interpretando repertório em diversas línguas, como português, castelhano, italiano, francês, ou inglês, mas sobretudo as fronteiras do género musical, “afirmando-se como intérprete do fado, mas também das rancheras mexicanas, do flamenco ou da canção italiana, entre outros repertórios, inspirando autores como Charles Aznavour ou Vinicius de Moraes que para ela compuseram”.

Graças a uma capacidade musical “fora de série”, a cantora “revolucionou o género nas suas múltiplas dimensões: musical, poética, estilo interpretativo”.

A candidatura das gravações de Amália Rodrigues à UNESCO tem uma forte vertente patrimonial, de reconhecer a importância universal destes documentos, de os preservar e divulgar. Mas o Ministério da Cultura pretende também “reafirmar inequivocamente o compromisso nacional de desenhar, implementar e fortalecer uma política consolidada para o património sonoro”.

“Estamos a trabalhar para instalar as infraestruturas tecnológicas do Arquivo Nacional de Som, encerrando definitivamente uma história já com 85 anos. E estamos a fazê-lo e vamos sempre fazê-lo com todos os agentes detentores de património sonoro”, destaca o comunicado.

O programa “Memória do Mundo” é uma iniciativa da UNESCO que visa realçar e preservar documentos ou conjuntos de documentos com especial significado e valor para a humanidade, documentos (também fonográficos) com “importância mundial e valor universal excepcional”.

Passado preservado

As primeiras inscrições tiveram lugar em 1997, e até hoje já foram inscritos como “Memória do Mundo” mais de 400 documentos ou conjuntos de documentos, da Magna Carta, à Bíblia de Gutenberg.

Portugal inscreveu até hoje 10 documentos, entre os quais o Tratado de Tordesilhas, o Diário da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, a Carta de Pêro Vaz de Caminha, ou o registo de vistos atribuídos pelo cônsul português Aristides Sousa Mendes.

No domínio do património documental sonoro, são vários os documentos inscritos: o disco com a gravação do apelo à resistência francesa na II Guerra Mundial pelo General de Gaulle; as colecções históricas dos arquivos de som de Viena, de Berlim e de São Petersburgo; as 103 fitas-magnéticas com a gravação do julgamento de Frankfurt – Auschwitz; ou uma colecção de discos comerciais de Carlos Gardel.

A candidatura das gravações de Amália Rodrigues será a primeira candidatura portuguesa de um documento audiovisual.

7 Out 2021

Cruzeiro Seixas em destaque na feira de arte internacional Frieze

O percurso e obra do mestre do surrealismo português, falecido há cerca de um ano, voltam a ser objecto de homenagem numa prestigiada feira de arte intenacional

[dropcap]A[/dropcap] obra de Cruzeiro Seixas vai estar em destaque na feira de arte internacional Frieze, em Londres, entre 13 e 17 de Outubro, enquanto trabalhos dos portugueses Hugo Lami e Pedro Sousa Louro vão ser expostos em eventos paralelos.

Documentos, cartas, desenhos, poesia e desaforismos, alguns dos quais inéditos, do surrealista português, que morreu no ano passado aos 99 anos, vão estar entre trabalhos raramente vistos de figuras pouco conhecidas mas consideradas pioneiras da arte de vanguarda do século XX.

A exposição chega pela mão da Perve Galeria, que fez a selecção de trabalhos produzidos ao longo de cinco décadas, com especial ênfase no trabalho desenvolvido pelo artista enquanto viveu em Angola, ao longo de 12 anos, entre 1952 e 1964.

O período em Angola destaca-se não só pelo uso de materiais nativos que na altura causaram fricções com o regime e a polícia política de Salazar, mas também por ter sido quando “descobriu a poesia”, influenciando a sua produção artística posterior, disse à agência Lusa o diretor artístico da Perve Galeria, Carlos Cabral Nunes.

A mostra é a segunda exposição internacional do Ciclo de Celebração do Centenário de Cruzeiro Seixas, que a Perve tem vindo a promover desde 2020.

“Cruzeiro Seixas não é só um artista português, é um extraordinário artista internacional. A sua obra transcende a nossa própria condição de país periférico. Ele é o artista português na história que mais obra realizou, com uma linguagem própria, muito multifacetada e surpreendente”, defende.

A Secção Spotlight tem curadoria da norte-americana Laura Hoptman, actual diretora do museu Drawing Center em Nova Iorque, e que durante anos dirigiu o Museu de Arte Moderna da mesma cidade (MoMA), e é dedicada a artistas vanguardistas do século XX.

Este ano vai incluir obras de artistas como Woody Vasulka, Franca Sonnino, Obiora Udechukwu, Feliciano Centurión, Santi Alleruzzo, entre muitos outros.

A galeria de Lisboa é a única portuguesa entre 130 galerias internacionais na Frieze Masters, a parte da feira internacional dedicada a artistas anteriores ao século XXI.

Ouras presenças

O evento “irmão”, Frieze London, dedica-se à arte contemporânea e artistas ainda vivos, com obra posterior ao ano 2000.

Juntas, atraem anualmente cerca de 60 mil visitantes, como programadores, artistas, coleccionadores, galeristas e críticos, bem como o público em geral, mas em 2020 realizou-se num formato digital devido à pandemia covid-19.

Aproveitando a presença de especialistas internacionais em Londres, muitas galerias realizam exposições paralelas para coincidir com a Frieze, como é o caso da Neon Art Gallery, que vai promover uma exposição individual do português Hugo Lami.

Intitulada “Life Found on the Moon” (“Encontrada Vida na Lua”, em tradução do inglês), a exposição decorre entre 11 e 17 de Outubro.

Lami vive entre Lisboa, onde estudou Pintura na Escola Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, e Londres, onde concluiu um mestrado em Escultura no Royal College of Art.

Também residente e formado em Londres, no Chelsea College of Arts, o português Pedro Sousa Louro participa numa exposição colectiva de mais de 70 artistas de 25 países na Saatchi Gallery.

A StART Fair pretende marcar o lançamento da StART.art, uma plataforma de comércio electrónico para artistas.

Já no âmbito da Frieze Sculpture, uma das maiores exposições de escultura ao ar livre de Londres, que decorre até 31 de Outubro, expõe o português José Pedro Croft.

A exposição tem curadoria, pelo nono ano consecutivo, de Clare Lilley, directora do programa no Parque de Esculturas de Yorkshire, e apresentará também trabalhos das artistas brasileiras Solange Pessoa e Vanessa da Silva.

6 Out 2021

A origem da cozinha Macaense em Macau (Primeira Parte)

Ritchie Lek Chi, Chan

Uma importante fonte de comércio de especiarias

 

Em 2017, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau lançou o trabalho de inclusão da candidatura de Macau como a “Cidade da Gastronomia”, na esperança de atrair mais turistas e aumentar a popularidade de Macau através da promoção da gastronomia de Macau, de modo a transformar Macau numa típica cidade turística de lazer.

Aproveitando a popularidade, muitos livros chineses e portugueses sobre “Cozinha Macaense” ou “As habilidades culinárias dos Macaenses em Macau” foram lançados no mercado, e muitos artigos publicados em jornais. Hoje, este clima quente acalmou um pouco, e vamos falar sobre a história de fundo da cozinha Macaense de Macau por outro ângulo.

Quando todos apreciam os pratos nativos, quantas pessoas sabem que por detrás destas iguarias está a longa história de Macau, mas também o pano de fundo histórico da navegação portuguesa. Quando descobrimos um mapa náutico português, podemos verdadeiramente compreender a origem da cultura alimentar Macaense. Por outras palavras, a cultura Macaense inclui o surgimento da “Cozinha Macaense”, que pode traçar as trocas culturais e os encontros culturais provocados pelas viagens portuguesas através do mar ao mundo oriental.

Li vários livros ou artigos chineses e portugueses, publicados em Macau, sobre as origens históricas da cozinha Macaense. O conteúdo menciona que durante o período do “Grande Descobrimento Geográfico”, as rotas dos portugueses para o Oriente incluíram África, Índia, Península Indochina, Tailândia, Malásia e Timor, etc. Mas quase não há menções de desembarques de portugueses na Indonésia e da procura de especiarias preciosas neste país. No entanto, verifiquei outros livros em língua estrangeira ou páginas da web relacionadas, especialmente depois que a literatura indonésia afirmou mais claramente que os portugueses se estabeleceram em Malaca, e logo se dirigiram para a Indonésia ao sul ou sudeste. Em 1511, uma frota portuguesa desembarcou com sucesso na ilha indonésia de Molucas (Maluku), conhecida como “Ilhas das Especiarias”. Desde então, a Ilha Maluku. e as ilhas vizinhas, tornaram-se uma importante fonte de produção no comércio de especiarias de Portugal, e introduziram cravo e noz-moscada na culinária indonésia e na europeia. (Nota 1)

A Terra das Especiarias e a vitória dos Portugueses

Sob a orientação de dois professores de história e geografia, três alunos do ensino médio da Escola Secundária Chengyuan de Taipei City escreveram um artigo “A Guerra das Especiarias e a História do Desenvolvimento Comercial do Poder Marítimo da Europa Ocidental”. O artigo foi extraído da “Especiarias” (Les épices), escrito por Lucien Guyot, professor da Escola Nacional Superior de Agricultura de Grinnon em Paris, França (L’Institut national agronomique Paris-Grignon, France ), e acadêmico da Academia Francesa de Agricultura(L’académie D’agriculture de France). Esta passagem afirmava que o sucesso dos portugueses desta vez “não só acabou com o monopólio dos venezianos no comércio europeu de especiarias, mas também abriu a corrida às especiarias pelos próximos duzentos anos e mesmo o prelúdio da expansão colonial” (Nota 1).

Além disso, o Padre Manuel Teixeira, historiador português e residente em Macau várias décadas, escreveu “A Diocese Portuguesa de Malaca”. O capítulo 8 descreve especificamente as actividades dos jesuítas na Ilha das Molucas para compreender a importância que os portugueses atribuem à ilha. Portanto, de acordo com todas as afirmações anteriores, quando falamos da origem da comida macaense, a cultura alimentar indonésia é também um dos elementos essenciais.

Vale a pena referir que a maior parte dos países por onde passaram portugueses eram considerados “terras das especiarias”, locais ricos com uma grande variedade de especiarias, o que permitiu aos portugueses obter lucros avultados no futuro comércio, que alcançou o seu pico em 1513-1919. (Nota 2). Outras potências europeias perceberam isso e, mais tarde, ingressaram no negócio de comércio de especiarias de forma preventiva. Até que “a normalização do comércio de especiarias orientais e o retorno aos princípios morais foram promovidos por franceses e britânicos posteriormente entre o século XIX e a primeira metade do século XX (Nota 3).”

Mistura de culturas produz cozinha Macaense

Macau é uma cidade pequena, com muita comida deliciosa, e uma população migrante que tem aumentando nas últimas décadas, trazendo diferentes culturas e diversificando a cultura alimentar de Macau. Entre os muitos pratos deliciosos, embora a cozinha cantonense possa representar os pratos autênticos de Macau, a única que pode verdadeiramente mostrar o intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente é a “cozinha macaense” ou a “comida macaense”.

Durante mais de quatrocentos anos, os intercâmbios culturais em Macau não se limitaram à cultura chinesa Lingnan e à cultura portuguesa. Também penetraram nas culturas africana, indiana e do sudeste asiático trazidas pelos portugueses durante o período de navegação na Idade Média. Este intercâmbio cultural multifacetado deu origem a dois importantes produtos mistos: “Patuá” e a ” Arte da Culinária Macaense”.

Patuá é baseado no português e mistura de vocabulário malaio, indonésio e cantonês, língua esta que foi diminuindo gradualmente e está prestes a desaparecer. A razão é que na sociedade chinesa dominada pelos dialectos cantoneses em Macau, a nova geração macaense recebe o português ortodoxo na escola e o cantonês é o principal meio de comunicação em casa ou fora da escola. Portanto, no ambiente linguístico é difícil para o Patuá continuar a circular e manter um espaço de “sobrevivência”. No entanto, a cultura da cozinha e comida macaense é facilmente aceite. Nos últimos anos, com a vigorosa conservação e promoção do Governo e da organização cívica, a cozinha macaense continua a espalhar-se até hoje. Além disso, tornou-se um símbolo e destaque da cultura alimentar de Macau e um importante traço histórico das trocas culturais “chinesas e ocidentais” de Macau.

A cozinha e a gastronomia macaense em Macau revelam um fenómeno de mistura cultural. De facto, este fenómeno não ocorre apenas em Macau, mas também em qualquer parte do mundo, enquanto houver nacionalidades estrangeiras ou raças diferentes a viverem juntas por muito tempo, haverá trocas mútuas de cultura e costumes de vida, criando uma nova cultura.

Aqui estão alguns exemplos:

Indonésia, Malaca e Goa

Ao longo da história nos últimos quinhentos anos, tanto governantes estrangeiros como imigrantes que chegaram à Indonésia trouxeram cultura e costumes do seu próprio país. Em particular, na capital Jacarta que é ponto de encontro das civilizações oriental e ocidental. Harmonia com a cultura indiana, Médio Oriente, europeia e chinesa, formando um sistema cultural rico e complexo. Escrevi um artigo no Diário de Macau para apresentar uma “Aldeia Tugu” em Jacarta onde vivem pessoas de ascendência portuguesa, indonésia e malaia, cuja comida reflecte o fenómeno da mistura de culturas (Nota 4), bem como as zonas onde vivem os chineses em Jacarta, etc., o que pode evidenciar a óbvia cultura mista. Também na área onde vivem chineses, lugar onde se destaca a cultura mista, a comida que cozinham diariamente é uma mistura de características chinesa e indonésia.

Malaca é uma cidade multicultural, tal como Jacarta. Antes da chegada dos portugueses, já os chineses tinham desembarcado na pequena cidade junto à rota de Zheng He. Os portugueses trouxeram não só a cultura ocidental, mas também a cultura de outras colónias portuguesas. Posteriormente, Grã-Bretanha e Holanda ocuparam a cidade, fazendo com que Malaca parecesse ter adicionado uma cultura mais exótica. Em Ujong Pasir, uma aldeia de etnia luso-malaia, Chinatown, e Chetti, uma aldeia de etnia luso-indiana, os residentes falam malaio ou uma língua mista, mas mantêm os costumes e rituais de sua terra natal. A cultura alimentar assenta principalmente em pratos malaios e indonésios, mais com elementos portugueses, indianos, britânicos e chineses.

Desde os tempos antigos, a Ilha de Java e Sumatra da Indonésia têm uma relação estreita e trocas frequentes com Malaca. As culturas dos dois lugares, incluindo a cultura alimentar, também se trocam e se influenciam. Na vila portuguesa, existem muitos restaurantes que servem cozinha luso-malaia, semelhantes aos da cozinha macaense de Macau.

Além disso, nos restaurantes chineses na Chinatown os clientes podem comer a comida da “Nyonya” (Nota 5), esta é uma mistura de pratos cantonenses, fujianenses, hakka e malaios. Os cidadãos de Macau também conhecem a comida da “Nyonya”, o “Laksa” e “Belacan”.

Chetti, uma aldeia indígena em Malaca, é habitada por uma população que mistura as descendências malaia, indiana, portuguesa e britânica. Esta aldeia é mais complexa e diversa culturalmente e um lugar onde se come caril. Aliás, o ar da vila está repleto do sabor do caril indiano, que pode ser considerado um paraíso para quem gosta da especiaria.

Portugal governou Goa cerca de 450 anos desde 1510. Os portugueses tiveram um impacto significativo na cultura, gastronomia e arquitectura de Goa. Naquela época, as autoridades incentivaram os portugueses a casarem com mulheres goenses e a estabelecerem-se como agricultores, vendedores ou artesãos locais. Estes portugueses ​​tornaram-se rapidamente uma classe privilegiada, passando a existir em Goa uma considerável população euro-asiática. Alguns alimentos também começaram a misturar características de Portugal e da Índia, incluindo o porco com vinagre e picante “Sorpotel” e o porco com vinho e vinagre “Sarapatel” que os portugueses estão habituados a cozinhar para a época do Natal. E também outra receita de porco com vinho tinto e alho, “Vinha d’alhos” da cozinha portuguesa, mudando para “Vindaloo ou Vindalho” porco de caril. Existe também a receita de caranguejos com caril (origem de Índia ou Malásia) conhecida em Macau.

 

Anotação:
“A guerra das especiarias e a história do desenvolvimento comercial dos países com poder marítimo da Europa Ocidental”, autores: Zhu Peiyu, Nie Jiajun, Huang Pinhua, Supervisores: Kang Shiyun, Cai Liqing, página 4. http://www.shs.edu.tw › works › essay › 2018/11
“Revista de Cultura” do Instituto Cultural do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, edição chinesa, número 99, 2016. Página 26, terceira linha do primeiro parágrafo.
“Les épices”, de Lucien Guyot, traduzido por Liu Deng, p. 65.
“Arte e Cultura Alimentar na Mesma Linha”, autor: Ritchie Lek Chi Chan, Macau Daily News, 7 de Fevereiro de 2021. Edição “Rua de Macau”.
“Nyonya” (Nonya) geralmente se refere à senhora e esposa. Essas mulheres de status elevado são mulheres de etnia chinesa e malaia mistas, ou mulheres chinesas que viveram na Malásia, Indonésia e Singapura por várias gerações e não falam chinês.

29 Set 2021

Julião Sarmento debatido em congresso internacional em Novembro

O artista Julião Sarmento (1948-2021) vai ser homenageado por artistas, curadores e historiadores num congresso internacional, entre 4 e 6 de Novembro, em Lisboa, que terá por título “Na escalada do desejo”, revelou à agência Lusa a organização.

“O desaparecimento de Julião Sarmento foi um choque para todos, e tendo em conta o impacto da sua figura como artista no meio nacional e internacional, achámos que fazia todo o sentido lançar um congresso no dia do seu aniversário e nos seguintes”, justificou a directora do Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) – Museu do Chiado, Emília Ferreira.

A iniciativa é do MNAC em conjunto com a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, onde irá decorrer, presencialmente, com oradores portugueses e estrangeiros, como Pedro Lapa, Delfim Sardo, Benjamin Weil, Raquel Henriques da Silva, Alexandre Melo, Cristina Guerra, João Pinharanda e Nuno Crespo.

Este congresso sobre Julião Sarmento – que faria 73 anos em 4 de Novembro -, “o mais internacional dos artistas portugueses” e que “morreu cedo demais”, sublinhou Emília Ferreira, “é um pretexto para reunir especialistas nacionais e internacionais sobre a sua obra, e fazer-lhe a devida homenagem”.

Autor de uma obra multifacetada, Sarmento, nascido em 1948, em Lisboa, representou Portugal na Bienal de Arte de Veneza em 1997 e foi alvo de uma exposição pela Tate Modern, em Londres, em 2011.

No ano seguinte, o Museu de Serralves, no Porto, organizou a mais completa retrospectiva até hoje realizada do seu trabalho, reconhecido com a atribuição do Prémio da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA).

No seu trabalho, combinava vários suportes, desde a pintura, a fotografia, o desenho, o vídeo, o som e a performance.

“É um artista já muito estudado, cuja obra teve ecos teóricos um pouco por todo o mundo, mas não podíamos deixar passar este momento”, vincou a directora do MNAC, comentando ainda: “Se calhar é uma reacção emotiva, mas, na verdade, é um artista central que merece muito este enfoque”.

Para continuar

O encontro internacional – que também contará com a presença, entre outros, de Clara Ferreira Alves, Ana Anacleto, Bernardo Pinto de Almeida, Helena Vasconcelos e Filipa Oliveira – vai abrir uma ´open call´ de propostas de investigadores e autores que possam apresentar painéis sobre vários temas ligados à obra de Sarmento.

Embora o artista seja já muito estudado, a historiadora de arte considera “importante trazer ao debate parte dos estudos feitos e potenciar outros, porque os congressos também servem para isso, para serem espaço de debate teórico, confronto crítico e apresentar propostas”.

A directora do MNAC revelou ainda à Lusa que, em conjunto com os mesmos parceiros, este será o primeiro de uma série de congressos anuais dedicados a figuras da arte portuguesa contemporânea, e Nikias Skapinakis (1931-2020) já foi escolhido para a próxima homenagem, em 2022.

“A ideia é mesmo fazê-los anualmente, com a parceria absolutamente relevante da Faculdade de Belas Artes e dos nossos centros de investigação, sobre nomes centrais das nossas artes”, salientou a diretora, referindo-se ao Centro de Estudos e de Investigação em Belas Artes (CIEBA), ao Instituto de História de Arte (IHA) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e ao Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-ULisboa).

O Congresso Internacional “Na escalada do desejo. Julião Sarmento (1948-2021)” tem, na comissão organizadora, Bruno Marques, Emília Ferreira, Hilda Frias e Joana d’Oliva Monteiro, contando com a colaboração de outros investigadores na comissão científica.

28 Set 2021

Bienal de Veneza | A memória do colectivo YIIMA em representação de Macau

Depois de uma bem-sucedida exposição no Museu Berardo, em Lisboa, o trabalho do colectivo YIIMA, composto pelos artistas Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io, vai representar Macau na Bienal de Veneza 2022. A curadoria está a cargo de João Miguel Barros que tentou transportar as memórias captadas pelo colectivo em sonhos

 

A notícia surpreendeu João Miguel Barros, fotógrafo e advogado, mas deixou-o sobretudo satisfeito pelo enorme reconhecimento que contém. O trabalho do colectivo YIIMA, de Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io, exposto em Lisboa em 2019, vai representar Macau na Bienal de Veneza de 2022, mas desta vez com o nome de “A Alegoria dos Sonhos”.

Esta foi a forma que o seu curador, João Miguel Barros, encontrou para ajustar um trabalho que captou as memórias sócio-culturais de Macau e que tem agora de responder à temática da Bienal, “The Milk of Dreams”.

As obras do colectivo YIIMA, constituídas essencialmente por fotografias, em que Ung Vai Meng e Chan Hin Io encarnam a figura de anjos, estiveram expostas, pela primeira vez, no Museu Berardo, mas a adaptação foi agora essencial.

“Quisemos construir uma história que tivesse correspondência com a realidade”, contou João Miguel Barros ao HM. “O trabalho deles ajusta-se muito a este projecto do sonho, porque há sempre dois anjos nas cenas que produzem uma memória e um tempo que querem registar. Com esta alegoria quisemos construir uma ponte entre Macau e Veneza, em que Macau é o ponto de partida e Veneza o ponto de chegada.”

Neste universo comunicacional, o ponto de partida é a “vivência cultural dos lugares e das pessoas, as memórias”, enquanto que a chegada é feita através de um sonho. Veneza passa então “a ser o testemunho de toda esta carga de memória e do património”.

O desafio, segundo João Miguel Barros, passa agora pela instalação e montagem, sujeitos a restrições de espaço, uma vez que no local arrendado pelo Governo de Macau não é possível usar as paredes.

“Além das fotografias em grandes dimensões vamos ter uma estátua grande que vai ter de ser instalada num pedestal, num pátio da casa que foi destinada a Macau. Vamos ter também elementos multimédia e levar vários objectos típicos das famílias chinesas para uma sala, como se fosse um bazar, e que surgem nas fotografias”, explicou o curador. Este bazar vai, na sua perspectiva, “suscitar uma enorme curiosidade” junto do público.

Preservar identidade

O projecto foi um dos 24 que se apresentaram a concurso para a representação da RAEM na Bienal de Veneza e João Miguel Barros considera que “ser um português na equipa que representa Macau é um elemento importante em termos de multiculturalidade que temos de evidenciar” no território.

Para alguém que quer desenvolver ainda mais a carreira como fotógrafo e curador, trata-se de um “desafio muito estimulante no futuro”. Mas João Miguel Barros considera que tanto Guilherme Ung Vai Meng, antigo presidente do Instituto Cultural, como Chan Hin Io mereciam este reconhecimento.

“O trabalho de ambos é de extrema importância e precisa de ser reconhecido em Macau de uma outra forma. É muito sério e muito importante na perspectiva artística, porque tem a fotografia performance, muito planeada pelos dois, com um cenário representado numa performance que dá origem à fotografia final.”

Mas mais do que esta componente, o curador destaca o facto de, com este projecto, se reunirem memórias de Macau que vão aos poucos desaparecendo com o desenvolvimento inevitável do território.

“Há outras componentes que têm de ser avaliadas, mais sociológicas e históricas, na defesa do património cultural material e imaterial. Há muitos anos que ambos fazem um registo apurado e documental, através da fotografia, das enormes e profundas transformações que Macau vai sofrendo ao nível das tradições e dos lugares”, rematou.

28 Set 2021

Curador português João Miguel Barros representa Macau em Veneza

O curador português João Miguel Barros e os artistas de Macau Ung Vai Meng e Chan Hin Io vão representar o território na 59.ª Bienal Internacional de Arte de Veneza 2022, anunciou o Instituto Cultural (IC).

João Miguel Barros nasceu em 1958, em Lisboa. Advogado, é também um curador independente na área da fotografia contemporânea, com trabalho realizado em várias exposições de fotografia em Portugal.

Ung Vai Meng, artista que obteve o doutoramento em Belas Artes pela Academia de Arte da China, participou em vários projetos de arte contemporânea de grande escala em Lisboa e Singapura.

Já Chan Hin Io, é fotógrafo e conta no currículo com diversas exposições individuais em Macau e Portugal.

A proposta de exposição recorre a vários suportes como fotografia, escultura, videoarte, arte performativa” e “dilui as fronteiras entre o sonho e a realidade”, revelando “a abundância, densidade e vivacidade dos recantos de Macau, apresentando a sua memória coletiva e a situação atual”, segundo o júri.

A “Alegoria dos Sonhos” vai ao encontro do tema da 59.ª Bienal, “The Milk of Dreams”, ao conseguir reunir “profundas preocupações humanistas e reflexões sobre o espaço de vivência” e “ao entrelaçar uma visão panorâmica com um olhar pormenorizado”, até porque “a obra eleita disseca a história singular e a miscigenação cultural de Macau”, pode ler-se na nota que justifica a seleção.

O júri analisou 24 propostas de 60 curadores e artistas locais. A “Bienal Internacional de Arte de Veneza” foi criada em 1985 e esta é a sétima vez que Macau participa no evento.

27 Set 2021

Música | Achun lança Keep Da Vibez Goin’ e prepara concertos em Macau

Keep Da Vibez Goin’ é o mais recente disco de Achun, o músico local que na ausência de uma comunidade alternativa em Macau centrou a carreira em Hong Kong. Numa altura em que a ansiedade e o negativismo ganham terreno, os sons de Achun são o elixir da boa disposição, descontração e ritmo à vida

 

Apesar de tudo, a boa onda prevalece. “Keep Da Vibez Goin’”, o disco de Achun lançado recentemente, é o equivalente a abrir todas as janelas numa casa fechada há demasiado tempo, a aragem que rompe com o mofo que se expandiu na inactividade.

Situado no campo da música electrónica, distante dos marasmos barulhentos das discotecas, “Keep Da Vibez Goin’” resulta da colagem de muitos estilos que influenciam o músico de Macau, como hip hop, drum and bass, big beat e soul. “Neste último disco, muitas faixas nasceram de samples de antigas músicas de pop japonês dos anos 80, sons 8-bit e de velhos jogos de Nintendo”, conta ao HM. As melodias simples e difíceis de tirar da cabeça que servem de banda sonora de videojogos, o ambiente dos jogos de arcada e o universo digital japonês são fontes de inspiração para Achun.

Com a pandemia a congelar a vida e a remeter a carreira para a internet, sem concertos marcados e com as viagens entre Hong Kong e Macau entremeadas com quarentenas, o músico local acabou por ficar grande parte do ano passado na região vizinha. Pelo meio, o seu filho nasceu e lançou em Julho de 2020 “Unending Journey”, um disco que acabou por não ter suporte físico, apesar dos planos para o editar em vinil. O álbum encontra-se à venda em formato digital no bandcamp e Spotify do artista.

No final do ano passado, o DJ que comanda a XXX Records, editora de Achun, desafiou o artista a trabalhar no próximo registo. Foi neste cenário que nasceu “Keep Da Vibez Goin’”, o disco que soa como um grito cool de resistência ao cenário negativo que se estabeleceu.

A faixa de abertura, “Groovin’ In Da Midnite” dá algumas pistas sobre a mente criativa de Achun, com a melodia a ser entregue pela via digital 8-bit a remeter o ouvinte para um universo de videojogos. A música seguinte, “Say Goodbye”, é uma festa, plena de groove e batida drum and bass que reclama visibilidade de um artista criativo e com uma noção muito particular de melodia, longe dos produtos comerciais que geraram fenómenos como os Mirror, outras boybands semelhantes e artistas que esticam a corda do cantopop até ao infinito.

Um ninho no nicho

Apesar de somar dezenas de milhares de streamings no Spotify, Macau não acarinha nichos culturais que fujam às tendências mais convencionais de criação, em particular na música. Motivo pelo qual a carreira de Achun tenha passado mais por Hong Kong, Zhuhai e outros locais no Interior, como Xangai.

Em Hong Kong, Achun encontrou uma pequena comunidade alternativa, que foge às regras da arte mercantil ditada ainda por meios antigos como a televisão. “A maioria do meu público é de Hong Kong, antes da pandemia passava muito tempo lá e tocava muito ao vivo. Quando regressei este ano a Macau percebi que ninguém me conhece, continua tudo muito parado, a maioria das pessoas não sai, não vai a festas ou concertos”, contextualizou o músico ao HM.

Apadrinhado pela editora XXX, que nasceu de um club nocturno em Kowloon com o mesmo nome, Achun encontrou artistas com visões semelhantes com quem colaborou. Luna is a Bep, artista em ascensão na cena hip hop de Hong Kong, foi uma das colaboradoras recentes do músico de Macau. A primeira parceria aconteceu há dois anos, com um tema inspirado nos protestos em Hong Kong e nas questões identitárias das gerações mais novas.

A segunda colaboração é uma das faixas de destaque do disco do ano passado de Achun. “Tree Poisons”, tema inspirado no conceito budista dos três venenos (ignorância, apego e aversão), que fala das angústias dos mais novos na região vizinha. Disparidade entre ricos e pobres, habitação e elevado custo de vida são questões sociais fortes que estão no epicentro de uma melodia calma, com toques de soul e uma linha de baixo que faz mexer as ancas.

O gosto musical de Achun é bem representado nesta faixa. Batidas ténues, que embalam mais do que agitam, longe dos tempos de rocker, quando os sons do pop-rock britânico dominavam a discografia, com Oasis, Blur, Radiohead e Suede entre os discos predilectos. Porém, já a electrónica se infiltrava no seu gosto, através de nomes incontornáveis como The Chemical Bothers, The Prodigy e Daft Punk.

Hoje, com 37 anos, o músico de Macau evoluiu enquanto compositor, aprimorando ecletismo e múltiplas influências em melodias e ritmos que transportam o ouvinte para cenários mais optimistas do que os que vivemos.

Achun tem no calendário duas actuações em Macau. No próximo dia 30 de Outubro irá servir o prato principal da ementa da noite de Halloween no DD3 e em Novembro actua no Festival Hush!, ainda sem data marcada.

27 Set 2021

Casa Garden | Instalação interactiva de Célia Brás abriu ontem portas 

“Como Nunca te Viste”, uma instalação interactiva da autoria de Célia Brás, abriu ontem portas na Casa Garden, sede da Fundação Oriente em Macau. Este é o novo projecto da 10 Marias – Associação Cultural e pode ser visitado até ao dia 10 de Outubro.

Com esta instalação “o público será guiado pelo espaço de forma a que se submeta aos objectos e equipamentos que irão produzir um jogo de sombras, com recurso a um projector e fontes específicas de luz, assim como filtros de correcção de cor, lentes fotográficas e sensores de movimento que serão activados por interacção do público”.

Além disso, esta instalação conta com a projecção de um pequeno vídeo que tem como “intenção clara evidenciar a Inquietação e o desassossego que se vive em Macau em plena época de restrições provocadas pelo novo coronavírus, que tem condicionado os habitantes de Macau a não sair do território durante tanto tempo”.

Com este projecto cultural pretende-se que os visitantes possam interagir com a instalação, descobrindo a sua projecção e registando as imagens que pretendem. “O resultado final poderá ser captado por câmaras fotográficas ou telemóveis que registaram a sua interacção com os equipamentos em determinado momento e a forma como a sua sombra é recriada”, aponta uma nota de imprensa.

Célia Brás vive em Macau há 16 anos e é formada em engenharia multimédia e informática. Membro da 10 Marias – Associação Cultural, Célia Brás participou em diversos espectáculos promovidos por esta entidade, bem como na montagem de instalações e exposições.

24 Set 2021

Nova temporada da Orquestra Chinesa de Macau começa hoje com concerto online

O concerto “Esplêndidas Paisagens” marca hoje o início da temporada 2021-2022 da Orquestra Chinesa de Macau (OCM). O espectáculo de abertura começa às 20h e será transmitido online no site oficial da orquestra, na sua página de Facebook e na conta de WeChat icmochm.

Sob a batuta do maestro Hu Bingxu, a Orquestra Chinesa de Macau junta-se à famosa executante de suona Liu Wenwen, que irá interpretar o Concerto de Suona Ode ao Kylin, e Duan Aiai a cargo do Concerto de Erhu Capricho da Grande Muralha.

O Instituto Cultural (IC) descreve Liu Wenwen, como “uma jovem artista pós-anos 90, uma das executantes de suona mais brilhantes, jovens e internacionalmente influentes”. Quanto a Duan Aiai, o IC destaca o currículo da artista, em particular o seu papel enquanto “instrumentista nacional de primeira classe e solista de erhu da Orquestra Chinesa de Xangai”.

Amanhã às 14h30 e 15h30, a OCM apresenta dois espectáculos na Academia Jao Tsung-I, que combinam a música tradicional chinesa com o ambiente histórico e artístico dos museus. Segundo o IC, alguns dos espectáculos acontecem em simultâneo com exposições temáticas.

Entre mundos

A 13 de Outubro, às 20h, no grande auditório do Centro Cultural de Macau, acontece o espectáculo Outubro Musical “Ligação Este-Oeste em Música”, integrado no cartaz do Festival Internacional de Música de Macau. Neste concerto, a OCM vai apresentar “As Ilhas Irmãs”, uma obra prima do compositor Wang Chenwei, além de que o maestro Liu Ju vai juntar-se a dois executantes de instrumentos chineses e ocidentais.

É o caso de Xie Nan, violinista de renome internacional e mais conhecida na China e no exterior pela sua execução do Concerto de Violino “The Butterfly Lovers”, e Su Chang, que tem sido a intérprete de referência do Concerto de Guzheng Ru Shi desde que estreou esta peça.

No geral, a temporada 2021-2022 terá como tema principal “fusão e integração”, conceito baseado “na cooperação, criando um mundo artístico mais inclusivo através da música tradicional chinesa e proporcionando concertos com um rico conteúdo”.

24 Set 2021

Cinemateca | Documentário de Macau e filme LGBT em destaque em Outubro

A obra de Macau “Once They Were Here” testemunha as agruras e as vitórias de uma clínica veterinária que serve de repositório do egoísmo da espécie humana. Em destaque na programação da Cinemateca Paixão está ainda o clássico do cinema gay “Lan Yu”, co-produzido na China e em Hong Kong. “Annete”, “It’s a Flickering Life” e “Moulin Rouge” estão também incluídos no cardápio de Outubro

 

Do nascimento à morte, passando por situações limite e injustiças, a ternura permanece. Pelo menos aquela que circula dos animais para a espécie humana. Incluído na programação de Outubro da Cinemateca Paixão, “Once They Were Here” é uma obra documental produzida em Macau que pretende por a nu situações resultantes dos maus tratos animais pela mão do homem.

No entanto, através do testemunho do dia-a-dia de uma clínica veterinária de Macau aberta 24 horas, a obra realizada por Chit Hao e Teng Teng Chan, foca também a bondade e a compaixão que essa mesma mão, por vezes impiedosa, é capaz de transmitir e concretizar. A doença, o nascimento, a morte, a separação, a alegria e o envelhecimento parecem ser os ingredientes inevitáveis de uma relação desigual, pela qual, contudo, vale a pena lutar.

“Once They Were Here” será exibido na Cinemateca Paixão nos dias 1, 2, 3, 5, 8, 10, 14 e 16 de Outubro. Após a sessão agendada para o dia 3 de Outubro, os realizadores da obra, Chit Hao e Teng Teng Chan, estarão disponíveis para conversar com o público.

Vencedor do prémio de melhor longa metragem no Festival Internacional de Cinema Gay – Glitter Award (2003) e exibido no Festival de Canne em 2001, “Lan Yu” conta a história de um jovem habituado à vida do campo que ruma a Pequim para estudar arquitectura. Inesperadamente, Lan Yu acaba por se apaixonar por Handong, dando início a uma história de amor intensa e turbulenta.

“Lan Yu” é uma co-produção da China e de Hong Kong realizada por Stanley Kwan que pode ser vista na Travessa da Paixão nos dias 3, 7 e 13 de Outubro.

Mistérios musicais

Nomeado para a Palma de Ouro da edição deste ano do Festival de Cinema de Cannes, “Annete” é outro dos destaques incontornáveis da programação da Cinemateca Paixão. Protagonizado por Adam Driver e Marion Cotilard, “Annete” assume os moldes de um musical para proporcionar um espectáculo de variedades pitoresco, que vai desde a ácida carreira de stand-up comedy de Henry (Adam Driver) até às aclamadas performances de Ópera de Ann (Marion Cotilard), a sua mulher.

Pelo meio do glamour e felicidade do casal, tudo muda quando nasce a sua filha, Annete, detentora de um dom simultaneamente misterioso e excepcional. Realizado por Leos Carax, “Annete” será exibido a 30 de Novembro e 2, 6 e 8 de Outubro.

Directamente do Japão para a Cinemateca Paixão, chega “It’s a Flickering Life”. Realizado por Yoji Yamada, “It’s a Flickering Life” presta homenagem aos tempos áureos do cinema japonês dos anos 20, comemorando ao mesmo tempo o centenário da produtora Shochiku. O enredo da obra leva o espectador a acompanhar a história de Tora-san, um pai ausente com dívidas de jogo que sempre sonhou ser realizador. “It’s a Flickering Life” pode ser visto na Cinemateca Paixão nos dias 25, 26 e 29 de Setembro.

Da programação de Outubro da Cinemateca Paixão fazem ainda parte o clássico “Moulin Rouge” (EUA e Austrália), “Eternal Summer: 4K Remastered Version” (Taiwan), “Barbarian Invasion2 (Hong Kong e Malásia), “The Edge os Daybreak”, “Wheel of Fortune and Fantasy” (Japão) e Brother’s Keeper (Turquia e Roménia).

24 Set 2021

Frank Havermans, artista: “Gosto de ligar o meu trabalho ao mundo lá fora”

Até ao dia 31 de Dezembro quem passar junto à montra do estúdio Improptu Projects, de João Ó e Rita Machado, poderá ver a instalação “Infra#Macau_Artificial Landscapes”, do artista holandês Frank Havermans, que traça um olhar sobre infra-estruturas urbanas e a sua ligação com as pessoas. Frank Havermans fala sobre este projecto e de como considera fundamentais, acima de tudo, os valores culturais de cada um

 

Quando começou este projecto e como surgiu a oportunidade de o desenvolver em parceria com o estúdio Improptu?

Conheci o João [Ó] em Hong Kong, em 2012, quando participámos na mesma exposição. Também participei na Bienal de Arquitectura de Hong Kong nesse ano com uma grande instalação na zona de Wanchai. Quando o João e a Rita [Machado] se mudaram para o novo estúdio e arrancaram com este novo espaço de exposições, com a montra, perguntaram-me se queria ser o primeiro artista a expor lá. Claro que me senti honrado pela oportunidade. Apesar de o João e a Rita estarem mais ligados à arquitectura, o nosso trabalho pode coincidir, uma vez que eu também faço instalações de arquitectura.

Como foi fazer este projecto à distância?

Eu próprio faço este tipo de instalações e deixei o Improptu montar tudo segundo as minhas instruções. Esta foi a primeira vez que fiz algo do género. Diria que trabalharam muito bem. A Rita e o João têm a mesma compreensão da qualidade do espaço e sempre compreenderam como é que as coisas devem ser executadas.

Esta instalação que traz a Macau fala da ligação entre infra-estruturas de cidades como Macau, Hong Kong e Shenzhen. Como começou a sua relação profissional com estes lugares?

Tenho visitado esta região algumas vezes. A primeira vez foi em 2008, quando participei numa exposição do NAI – Netherlands Architecture Institute [Instituto de Arquitectura da Holanda]. Fiquei fascinado com a complexidade e o rápido desenvolvimento desta região. Em 2011 estive em Shenzhen durante três meses numa residência artística. Aprendi mais sobre a cidade e a região desse lado da fronteira. Também estive em Chongqin várias vezes, em Guangzhou e Xangai. Todas elas são cidades cujas infra-estruturas estão em rápido crescimento e desenvolvimento. Alguns destes elementos são tão grandes que apenas os posso comparar com catedrais. As largas estruturas construídas há mais de uma geração conectam-se com uma certa crença. Diria que a nossa é ter um livre transporte de pessoas e bens para que haja um vasto comércio a nível mundial. Estamos a construir uma rede mundial de estradas, linhas ferroviárias, portos e aeroportos, e com tudo isso surgem os edifícios. Na China, e neste caso no Delta do Rio das Pérolas, é claro ver qual é a direcção. E para mim, enquanto artista, isso é muito interessante.

Estas são cidades muito diferentes, mas este projecto tenta, de certa forma, conectá-las?

De facto, são cidades e culturas muito diferentes. O país, as paisagens, o ambiente natural também é diferente. Como estamos cada vez mais ligados com as infra-estruturas a nível mundial necessitamos das mesmas tipologias. Então estamos a criar paisagens artificiais em todo o mundo que são suficientes para nós. Em qualquer aeroporto no mundo as pessoas podem compreender como estar lá, mesmo sem falarem a mesma língua. As tipologias ligam-se a diferentes culturas. Gosto de olhar para os mapas e, virtualmente, viajar por todo o mundo. Olhar de perto certas cidades e aí encontrar este tipo de paisagens artificiais, como os planos dos soalhos de portos. São claramente artificiais e só existem para servir o comércio humano. Isto deixa-me intrigado porque este tipo de ambientes afasta-nos da natureza, e é da natureza que nós vimos. É estranho que, em poucas gerações, estejamos a criar este tipo de ambientes monoculturais mas a uma escala global. Então sim, estas cidades podem ser diferentes, mas estão a mudar para uma tipologia mais geral. As paisagens na montra do Improptu enfatizam esta questão.

Há também, com este projecto, uma ligação a Macau e a Portugal.

É óbvia essa relação. A parte interessante é que, sobretudo com os aeroportos e portos marítimos, as ligações entre os países não são visíveis e não se materializam como as estradas. Qualquer porto ou aeroporto se pode interligar com outro no mundo. Nesta instalação não mostro apenas as ligações de comércio entre os nossos países mas também uso uma tipologia de infra-estruturas que enfatiza as nossas relações enquanto seres humanos. Mas diria que essas ligações globais e de comércio são importantes, mas não tanto como os nossos valores culturais.

O facto de expor este projecto numa montra faz com que seja diferente?

Fiz muitas instalações com o tema do urbanismo, muitas vezes dentro de instituições culturais como galerias, espaços de arte ou museus. Quando me pedem para fazer uma instalação eu tento cada vez mais fazer uma ligação em torno das pessoas ao instalá-la num espaço público. Gosto de ligar o meu trabalho ao mundo lá fora, significa comunicar. Considero sempre o meu trabalho como arquitectura e isso está sempre ligado ao contexto do espaço exterior. Não espero que todos o compreendam, mas não me importo que se levantem questões. Esse é um dos focos do meu trabalho. Penso que a ideia do estúdio de criar uma montra como espaço de exposição tem o mesmo fim. Eles [João Ó e Rita Machado] querem ligar-se às pessoas à sua volta dar a conhecer a arte e a arquitectura. Para mim é um valor acrescentado!

23 Set 2021

FIMM | Espectáculo gravado de Cuca Roseta integra cartaz 

A edição deste ano do Festival Internacional de Música de Macau (FIMM) vai contar com um espectáculo gravado da fadista portuguesa Cuca Roseta. Segundo uma nota de imprensa, o espectáculo “Fado em Grande Ecrã: MEU de Cuca Roseta” integra a iniciativa “Fim de Semana FIMM-tástico: Noites com Música e Filmes”, que se realiza durante três noites consecutivas na Praça do Tap Siac. O espectáculo será transmitido a 30 de Outubro entre as 17h e 22h.

Esta iniciativa inclui ainda as exibições “Orquestra Sinfónica de Londres com Sir Simon Rattle em Grande Ecrã” e “Na Trilha Sonora de – Edição Especial”, bem como o filme “Cinema Silencioso – Rockfield: A Fazenda do Rock”, transmitido dia 31 de Outubro, e “Willy Wonka e a Fábrica de Chocolate”.

A pianista Chen Sa é outro dos nomes confirmados para a edição deste ano, sendo que o seu recital de piano abre o festival. A pianista apresenta Sonatas para Piano de Beethoven e breves peças de Robert Schumann, “oferecendo uma interpretação única de várias obras-primas do Classicismo e do Romantismo, com a sua técnica sofisticada e delicada”, descreve o Instituto Cultural.

O FIMM traz também um espectáculo protagonizado pela Orquestra de Macau em colaboração com Liu Ming, violinista. Além disso, a Orquestra Chinesa de Macau, em associação com a violinista Xie Nan e a executante de guzheng, Su Chang, irá apresentar o concerto “Ligação Musical Este-Oeste”, interpretando o Concerto para Violino The Butterfly Lovers, o Concerto para Guzheng Ru Shi e a peça com características musicais tipicamente sulistas The Sisters’ Islands.

O cartaz oferece ainda o concerto “O Contemporâneo e a Tradição – Agrupamento de Música Cantonense”, além de mostrar a música da etnia Dong, da província de Guizhou, no Largo da Companhia de Jesus. Os bilhetes para o FIMM estão à venda a partir de sábado.

21 Set 2021

DST | Gala de drones vai iluminar céu de Macau no dia nacional

A partir do dia 1 de Outubro realiza-se a “Gala de Drones Brilha sobre Macau”, uma série de dez espectáculos de luz e cor que irá iluminar o céu por cima do Lago Nam Van. Mais de três centenas de drones vão criar figuras e coreografias, substituindo o tradicional festival de fogo de artifício

 

Sem o tradicional festival internacional de fogo de artifício este ano, cancelado devido à pandemia, a Direcção dos Serviços de Turismo (DST), organiza, pela primeira vez, a “Gala de Drones Brilha sobre Macau” a partir de 1 de Outubro.

Ao longo de cinco noites (1, 3, 9, 16 e 23 de Outubro), o céu por cima do Lago Nam Van vai iluminar-se com a luz de mais de três centenas de drones. Cada noite terá duas sessões, às 19h30 e às 21h30, e um espectáculo para cada noite do evento, a cargo de uma empresa diferente todas as noites.

O espectáculo inaugural marcado para 1 de Outubro, dia que celebra a implantação da República Popular da China, intitula-se “Arte do Amor pela Pátria” e estará a cargo de uma empresa de Shenzhen.

No dia 3 de Outubro, um domingo, é a vez de uma companhia de Guangzhou apresentar a coreografia “Construa a terra dos seus sonhos”, enquanto que a 9 de Outubro o “Charme de Macau” iluminará a noite num show montado por uma equipa de Tianjin. Na noite de 16 de Outubro, outra companhia de Shenzhen comanda os drones no espectáculo “Desfrute da sua viagem em Macau”. Finalmente, a fechar a gala na noite de 23 de Outubro, uma empresa de Pequim apresenta “Paixão por Macau”. Todos os espectáculos têm duas sessões marcadas para as 19h30 e 21h30, cada uma com duração entre 10 a 15 minutos.

Barulho das luzes

A DST apresenta este evento pela primeira vez em alternativa a Festival Internacional de Fogo de Artifício, como já havia indicado a directora da DST, Helena de Senna Fernandes, há cerca de um mês, enquanto ainda aguardava luz verde das autoridades de saúde. A DST explica que, devido ao impacto do surto do novo tipo de coronavírus, Macau adoptou restrições nas entradas e saídas nas fronteiras, “impedindo as equipas pirotécnicas provenientes de outros países e regiões de vir a Macau competir no Concurso Internacional de Fogo de Artifício de Macau”. Facto que levou a que o evento fosse novamente cancelado, com a “Gala de Drones Brilha sobre Macau” a colmatar a lacuna deixada em aberto.

A natureza deste tipo de espectáculos está, porém, dependente de condições meteorológicas. “O desempenho e canais de comunicação dos drones são influenciados pela intensidade do vento e da chuva”, explicam as autoridades, acrescentado que as condições mínimas exigem “velocidade do vento inferior a 31-40 km/h” e que não chova.

Caso seja necessário adiar ou cancelar espectáculos, o “público será avisado, tanto quanto possível, com uma antecedência de duas horas”. Para tal, a DST irá coordenar com os Serviços Meteorológicos e Geofísicos que irá avaliar a “situação concreta na altura” e ter como referência a previsão do tempo.

De outra dimensão

Continuando o conceito de presentear o público com “artes visuais executadas no céu nocturno”, as autoridades indicam em comunicado que a “Gala de Drones Brilha sobre Macau” trazem uma nova experiência de entretenimento nocturno, “através da tecnologia, design tridimensional em 2D e 3D, luzes, música, entre outros elementos”.

Em relação às empresas escolhidas, a DST refere que “possuem uma rica experiência de exibições com drones, realizado espectáculos de drones na app “yangshipin”, na contagem decrescente dos Jogos Asiáticos, na Gala do Ano Novo Chinês da CCTV, entre outras actividades no Interior da China”. Além disso, três das equipas que vão iluminar cinco noites de Outubro bateram o recorde mundial de maior número de drones a voar ao mesmo tempo e de voo mais demorado.

21 Set 2021

“The Crown” é a grande vencedora dos Emmys

A série da Netflix “The Crown” foi a grande vencedora da 73.ª edição dos Prémios Emmy, levando pela primeira vez a estatueta de Melhor Série Dramática e dominando por completo a categoria na maior noite da televisão.

“Estou sem palavras”, disse o produtor executivo de “The Crown”, Peter Morgan, no discurso de vitória do Emmy para série dramática do ano, que foi entregue no fim da cerimónia, na madrugada desta segunda-feira em Los Angeles.

Olivia Colman, que já tinha vencido o Emmy de Melhor Actriz em Série Dramática pelo seu papel de Rainha Isabel II, mostrou-se surpreendida pelo domínio absoluto da série, agora na quarta temporada, e a sua própria vitória. “Teria apostado dinheiro em como isto não aconteceria”, afirmou.

Nas nove principais categorias de Série Dramática, “The Crown” venceu oito. Além de série do ano e Melhor Actriz, deu a Josh O’Connor o Emmy de Melhor Actor, pelo papel de Príncipe Carlos, distingiu Tobias Menzies como Melhor Actor Secundário pelo papel de Príncipe Filipe de Edimburgo e corou Gillian Anderson como Melhor Actriz Secundária, por interpretar Margaret Thatcher.

A série também recebeu o prémio de Melhor Escrita para Série Dramática, para Peter Morgan, e distingiu a realizadora Jessica Hobbs pelo episódio “War”, com o Emmy de Melhor Realização.

Kate Winslet vence prémio

A outra grande vencedora da noite foi a nova série da Apple TV+, “Ted Lasso”, premiada como Melhor Série de Comédia contra títulos como “Black-ish”, “Emily em Paris” e “The Kominsky Method”.

A produção, que conseguira vinte nomeações, levou igualmente os principais prémios de representação: o protagonista Jason Sudeikis foi Melhor Actor, Brett Goldstein foi Melhor Actor Secundário e Hannah Waddingham venceu o Emmy de Melhor Actriz Secundária.

A também nova comédia da HBO, “Hacks”, conquistou várias distinções de peso. Jean Smart venceu o Emmy de Melhor Actriz e tanto os prémios de realização (Lucia Aniello) como escrita (Lucia Aniello, Paul W. Downs e Jen Statsky) foram para esta série.

Na categoria de minissérie, série de antologia ou filme os prémios foram divididos entre “O Gambito da Rainha”, que conquistou o título de Minissérie do Ano e Melhor Realização (Scott Frank) e “Mare of Easttown”, que levou quase tudo na representação. A produção da HBO deu a Kate Winslet o Emmy de Melhor Actriz, a Julianne Nicholson o prémio de Melhor Actriz Secundária e a Evan Peters o Emmy de Melhor Actor Secundário. ”The Handmaid’s Tale”, da Hulu, foi uma das grandes derrotadas. O drama tinha 21 indicações e desta vez não recebeu qualquer prémio.

20 Set 2021

Literatura | Dora Nunes Gago e Luís Carmelo finalistas dos prémios PEN Club 2021

A directora do departamento de português da Universidade de Macau é finalista na categoria “Ensaio” com o livro “Uma cartografia do olhar – Exílios, imagens do estrangeiro e intertextualidades na Literatura Portuguesa”. Já o escritor Luís Carmelo, colaborador do HM, é finalista na categoria Narrativa com o livro “Cálice”, uma edição da Abysmo

 

Graças ao livro “Uma cartografia do olhar – Exílios, imagens do estrangeiro e intertextualidades na Literatura Portuguesa”, editado pela Húmus, Dora Nunes Gago está entre os 15 finalistas da edição deste ano dos prémios PEN Club. A directora do departamento de português da Universidade de Macau (UM) revelou ao HM estar “muito honrada e feliz” com esta distinção. A lista dos finalistas foi conhecida na quarta-feira.

A felicidade surge só pelo facto de estar no mesmo grupo que o filósofo português José Gil. “Em suma, só me posso sentir grata e honrada por figurar no meio de autores tão reconhecidos.”

Esta obra nasce do trabalho de investigação desenvolvido por Dora Nunes Gago na UM, nomeadamente quanto a “projectos desenvolvidos sobre imagens do estrangeiro e exílios, no âmbito da literatura portuguesa, comparada e também literatura de Macau”.

A académica consultou o espólio de escritores como José Rodrigues Miguéis, disponível na Universidade de Brown, nos EUA, e em outras bibliotecas de universidades estrangeiras.

A última parte do livro foi concluída graças a um trabalho de investigação feito não apenas na Universidade de Brown mas também em Brock, no Canadá, Aveiro e Paris-Nanterre, em França.

O livro finalista dos prémios PEN Club contém dez capítulos e centra-se na representação dos percursos migratórios e da experiência exílica na área da literatura, sobretudo portuguesa, partindo também de um ponto de vista comparativo e de intersecção entre a Imagologia e outras teorias adequadas à análise dos fenómenos de exílio.

Além da análise à obra de Rodrigues Miguéis, são também estudadas obras de Fernanda Dias, escritora que viveu em Macau entre 1986 e 2005, Ferreira de Castro, Jorge de Sena, Maria Ondina Braga e Agustina Bessa-Luís.

Estas são vozes relevantes, mas que ficaram “algo esquecidas no panorama da literatura portuguesa que importa resgatar do silêncio” e que nos trouxeram “lições de humanidade”. O trabalho de Dora Nunes Gago olha ainda para o poeta Carlos Drummond de Andrade e para a escritora macaense de origem chinesa Ling Ling, entre outros.

Uma “ocultação maior”

Na categoria de Narrativa é finalista o escritor português Luís Carmelo, habitual colaborador do HM. Carmelo concorre com a obra “Cálice”, editada pela Abysmo.

Para o autor, a nomeação dá-lhe felicidade, uma vez que este romance “foi criado numa atmosfera evocativa realmente única” na sua vida.

“Cálice” parte da morte de um pai que não mais é do que uma metáfora para a morte de todos os pais, “essa ocultação maior que permanece”. “Trata-se de uma narrativa que testemunha o modo como três gerações de uma família lentamente se redescobrem. A morte do pai é a privação do coro grego a que os filhos desde sempre se habituaram. Recuperá-lo é uma longa viagem que se está sempre a reiniciar”, descreve Luís Carmelo.

A escrita de “Cálice” vai avançando “entre o tempo histórico e o andamento de várias urgências interiores, deixando para o final uma surpresa, porventura um assombro”.

Luís Carmelo não deposita nenhumas expectativas em relação à possibilidade de ganhar o prémio. “É como num jogo de futebol em plena final: que ganhe o melhor. Todos os outros nomeados são meus amigos e prezo-os mesmo muito”, confessou.

20 Set 2021

Música | 30 anos de “Ten”, primeiro álbum de Pearl Jam, celebrados hoje no Roadhouse

Cinco músicos – Miguel Falé, Nuno Gomes, Pedro Lagartinho, Daniel Ricardo e João Kruss Gomes – juntaram-se novamente para formar uma banda de tributo a um dos seus grupos musicais de eleição, os Pearl Jam. O 30º aniversário do disco de estreia da banda de Seattle dá o mote para o concerto desta noite, no Roadhouse. Senhoras e senhores, ao vivo em Macau: Pearl Jamón

 

No dia 27de Agosto de 1991, os Pearl Jam apresentavam-se ao mundo com o disco de estreia “Ten”, adicionando mais uma estrela na constelação do grunge de Seattle onde brilhavam outros astros como os Nirvana, Soundgarden e Alice in Chains.

Volvidos três décadas do ponto de partida e 11 álbuns de estúdio, um grupo de músicos de Macau decidiu não deixar o aniversário de “Ten” passar sem uma celebração. Hoje, a partir das 21h, os Pearl Jamón sobem ao palco do Roadhouse para tocar os clássicos da banda de Eddie Vedder e companhia Miguel Falé, Nuno Gomes, João Kruss Gomes, Pedro Lagartinho e Daniel Ricardo.

Para Miguel Falé, vocalista, a criação dos “Pearl Jamón” é como cumprir um sonho. Depois de anos a amar os Pearl Jam e a tocar as suas músicas com outros projectos, decidiu convidar conhecidos aliados musicais e avançar para esta aventura.

Perguntar a Miguel porque é que gosta de Pearl Jam quase não faz sentido. “Não é preciso uma resposta para isso, porque todos gostam de Pearl Jam, porque aquilo é mesmo muito bom.”

O primeiro contacto do músico com a banda de Seattle foi, precisamente, com “Ten”, quando os Nirvana já andavam na berra. “O grunge estava a aparecer e os Pearl Jam trouxeram uma coisa completamente nova, que era uma espécie de revivalismo dos anos 70, mas com uma voz extraordinária e uns arranjos interessantes. A nível da composição [Pearl Jam] era superior a Nirvana, e comecei a acompanhar as suas músicas. Foi sempre um sonho fazer uma banda de tributos.”

Nuno Gomes, baixista, elogia a voz de Miguel Falé, por ser parecida com a de Eddie Vedder. “Ele tem uma rara capacidade de imitar muito bem [a sua voz]”, contou ao HM. Algo que “já se notava” quando ambos integraram o projecto musical “Violet Go”, em 2018.

Duas ou três actuações

Mais do que voltar a tocar baixo, “um desafio enorme”, Nuno Gomes está sobretudo contente por tocar músicas de uma das suas bandas preferidas. “Os Pixies sempre foram a minha banda preferida, mas os Pearl Jam ocuparam o número dois ou três. Participar neste projecto é uma enorme alegria. Eles eram realmente espectaculares nos anos 90. Ouvi os primeiros álbuns e conhecia todas as músicas.”

Imitar o que os Pearl Jam fazem em estúdio e em palco “é um desafio”, mas o músico acredita que é capaz de o fazer.
Sem noção se o projecto é para continuar, ou não, uma coisa é incontornável. Depois do concerto desta noite, estão previstas mais duas actuações, a segunda no LMA.

Mas depois é possível que os “Pearl Jamón” cheguem ao fim, porque em Macau as bandas de tributo tendem a esgotar-se rapidamente. “Não há muitas certezas quanto à continuidade da banda, pois Macau é muito pequeno e os projectos esgotam-se rapidamente. Talvez quando as fronteiras abram possamos ir até Zhuhai”, disse Nuno Gomes.

Quanto ao nome da banda, nasceu de uma brincadeira. “Vivi muito tempo em Espanha, e num dos ensaios fui brincar para o microfone e disse ‘Buenos noches a todos, nosotros somos Pearl Jam’ [Boas noites a todos, somos os Pearl Jam]. Sempre achei graça ao facto de eles dizerem Pearl Jam à maneira espanhola. Então não sei quem disse, se fui eu ou o baterista, que disse “Pearl Jamón”. E começamos todos a rir e ficou o nome.”

Além da banda “Violet Go”, alguns destes músicos já se tinham cruzado com o projecto “Real Blood”, onde algumas músicas dos Pearl Jam foram interpretadas.

17 Set 2021

LMA | Cezhi tocam pela primeira vez em Macau na sexta-feira

Com o primeiro álbum de estúdio gravado há apenas duas semanas, os Cezhi sobem ao palco do LMA na sexta-feira para o primeiro concerto em Macau. Oriundos de Guangzhou, a banda que nasceu das cinzas dos Wu Tiao Ren traz na bagagem canções sobre o quotidiano urbano das metrópoles do sul da China e as angústias dos jovens que as habitam

 

Cezhi, em mandarim, significa papel higiénico e é o nome da nova banda do baixista dos Wu Tiao Ren. A ironia bem-humorada que caracteriza este recente projecto musical de Guangzhou nota-se logo no nome. A banda actua no LMA esta sexta-feira, a partir das 21h30, um concerto promovido pelo projecto None of Your Business (NOYB), de Manuel Silva, que tem organizado vários eventos culturais no território.

Os laços com Manuel Silva com a nova banda, que gravou o primeiro disco há duas semanas, começaram quando os Cezhi ainda nem existiam e o baixista do grupo, Neon, fazia parte dos Wu Tiao Ren, banda que integrou uma das edições do festival This is My City (TIMC). Desde então que o organizador do espectáculo tem estado atento ao seu percurso musical.

“O Neon [baixista] é acompanhado por um grupo de jovens músicos bem mais novos que ele, também de Guangzhou. Alguns são da escola de jazz onde foi professor. Outros são jovens que estão a experimentar uma nova carreira na música, pois alguns deles trabalham e têm outro tipo de vidas que nada têm a ver com a música”, conta ao HM Manuel Silva.

O primeiro álbum de estúdio foi gravado há apenas duas semanas. Depois do primeiro concerto em Zhuhai, a banda vai atravessar a fronteira para se estrear em Macau.

Com músicas cantadas em mandarim e cantonense, o sentido de humor faz parte do ADN da banda, que gosta de explorar sonoridades que se situam entre jazz, rock e música experimental.

“Há um lado bastante sarcástico e humorístico nos temas que abordam, um bocado sobre o quotidiano de quem trabalha nestas cidades da China e da relação que as novas gerações têm com esse quotidiano. Acho que é um projecto que serve para tirar o pulso a esta nova geração que vive nas cidades aqui à volta”, disse Manuel Silva.

Um “imenso potencial”

O promotor do festival TIMC, entre outros eventos, acredita “no imenso potencial” dos Cezhi, por ser um grupo composto “por músicos com muita experiência de banda e de estrada”, mas também “por jovens que trazem uma energia nova”.

“Percebe-se nas músicas deles que é ainda difícil definir um estilo só, ainda estão num processo de procura e isso agrada-me no trabalho deles.”

Manuel Silva acompanhou o processo de gravação do disco em estúdio e assegura que é cada vez mais importante estar atento ao que se faz, em termos musicais, do outro lado da fronteira. Esses músicos “fazem parte de uma comunidade maior e dinâmica e nem sempre Macau tem noção dessa contribuição”.

As cidades de Guangzhou e Shenzhen são “as maiores fontes destes projectos”. Através do TIMC e do projecto NOYB, Manuel Silva tem procurado dar a conhecer as novidades musicais das novas gerações de músicos chineses, a par dos eventos culturais promovidos pelo Governo. “É bom contribuirmos para o cartaz cultural tanto de Macau como de Zhuhai. Queremos continuar a fazê-lo este ano e para o ano que vem”, rematou.

15 Set 2021

Lusofonia | Associação Somos! lança concurso de contos para crianças e jovens

A Associação Somos! – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa lança amanhã a primeira edição de um concurso de contos, com o tema “Era uma vez o meu mar”, destinado aos mais novos. A Escola Luso-Chinesa da Flora representa Macau na iniciativa que tem o escritor angolano Ondjaki como um dos padrinhos

 

Depois de organizar iniciativas na área da fotografia, a Somos! – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa” (Somos – ACLP) lança amanhã a primeira edição de um concurso literário destinado aos mais pequenos. Com o tema “Era uma vez o meu mar”, o concurso tem como objectivo “despertar e promover o gosto pela leitura e escrita em língua portuguesa entre os alunos de escolas de países e regiões lusófonos”. Além disso, pretende “apelar aos sentidos, criatividade e imaginação dos mais novos ao abarcar uma segunda fase de ilustração desses mesmos contos”.

A iniciativa envolve a participação de uma escola por cada país ou região, num total de nove instituições onde o Português é utilizado como língua veicular, e destina-se a alunos do 5º e 6º anos de escolaridade (10 aos 12 anos). A instituição que vai representar Macau é a Escola Luso-Chinesa da Flora.

Cada escola deverá concorrer com um conto original, que poderá ser produzido individualmente ou em grupo. Numa fase posterior, os trabalhos serão distribuídos aleatoriamente por todas as escolas participantes para a respectiva ilustração.

O prémio divide-se, assim, em duas categorias, distinguindo-se, numa primeira fase o melhor conto inédito em língua portuguesa e, numa segunda etapa, a ilustração.

O valor monetário total do prémio é de 12.500 patacas, destinando-se 7.500 patacas à escola vencedora na categoria de conto e 5.000 patacas à instituição de ensino vencedora na categoria de ilustração.

Portugal faz-se representar com o agrupamento de escolas “A Lã e a Neve”, da Covilhã, enquanto que Angola vai participar com a Escola de Aplicação e Ensino.

De Timor-Leste a Escola Portuguesa de Díli – Centro de Ensino e Língua Portuguesa Ruy Cinatti marca presença, enquanto que o Brasil participa através do Instituto Pandavas Núcleo de Educação, Cultura e Ações Socioambientais, sediado em São Paulo. De Cabo Verde participa a Escola Básica Eugénio Tavares Achada Santo António, enquanto que da Guiné Bissau foi escolhida a Escola EBU Prof. António José de Sousa. Por sua vez, Moçambique faz-se representar neste concurso pela Escola Primária Matchik – Tchik, e São Tomé e Príncipe com a ARCAR – Associação para Reinserção das Crianças Abandonadas e em Situação de Risco.

Livro na calha

Terminada a recolha de textos, a Somos! irá editar os contos em livro com ilustrações, estando prevista tradução para chinês.

O concurso conta com padrinhos de renome internacional nas respectivas áreas, como o conhecido escritor angolano Ondjaki e o cartoonista português António Antunes. Caber-lhes-á ainda a escolha do conto e da ilustração vencedores, em conjunto com um painel de jurados composto por Sara Augusto, professora convidada do Instituto Politécnico de Macau e Rodrigo de Matos, cartoonista radicado no território e colaborador do jornal Ponto Final e do semanário português Expresso. O júri conta ainda com nomes como Susana Diniz, tradutora e membro da Somos!, e Wesley Chan, natural de Macau, designer e autor de banda desenhada.

14 Set 2021