Reportagem | Uber: “Mesmo que seja ilegal, apoio o serviço”

Com Flora Fong

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Governo diz que é ilegal, os taxistas temem uma concorrência que também acusam de ser ilegal. Só os residentes parecem satisfeitos: finalmente têm acesso a um meio de transporte à distância de uma aplicação de telemóvel, nos momentos em que não conseguem apanhar um táxi, ainda que o preço esteja longe de ser o ideal.
Dou Lam, de 30 anos, experimentou a Uber no início desta semana. “Eram nove horas da noite, o meu bebé de um ano estava com febre e queríamos apanhar um táxi para o hospital Kiang Wu. Moro na zona norte e durante meia hora não consegui apanhar nenhum. Assim que procurei a Uber, o condutor chegou ao fim de dez minutos e até me ajudou a colocar a cadeira do bebé. Foi muito simpático”, contou ao HM. Dou Lam elogia a chegada da Uber, por ser um serviço que pode ser usado por mulheres grávidas ou idosos, quando os taxistas se recusam a transportar estes passageiros. Contudo, destaca o elevado preço, bem acima das tarifas cobradas pelos táxis.
Já Íris Chan (nome fictício) é residente em Macau, mas vive em Zhuhai. Na passada quarta-feira, teve de voltar a casa num ápice, tendo chamado a Uber para o transporte entre a Doca dos Pescadores e as Portas do Cerco. Pagou 70 patacas.
“Foi um pouco caro mas vale a pena, porque o transporte é muito confortável e seguro, o condutor até saiu do carro para me abrir a porta. Mesmo que seja ilegal, apoio o serviço. Se os cidadãos de Macau conseguissem apanhar um táxi facilmente, a Uber não teria optado por operar aqui”, disse Íris Chan.
Inês Dias apenas conhece a experiência da irmã com a Uber, que usou a aplicação num momento em que precisava desesperadamente de transporte. “O senhor era muito simpático, falava um Inglês impecável e ela teve direito a uma garrafa de água no fim. Mas de facto chegaram mais tarde do que era suposto. Ela usou o serviço e usaria de novo, mas é bastante mais caro do que os táxis normais”, contou ao HM.
Inês Dias não duvida: num território onde as deslocações são cada vez mais difíceis, a Uber torna-se numa opção a seguir. “Não ando muito de táxi, mas se tivesse alguma aflição, e foi o caso dela, que não conseguia apanhar táxi, aí irei chamar a Uber. Não há táxis, chamamos o serviço e estamos à espera uns 15 minutos, por que não? Mas não seria uma coisa que iria usar sempre, porque parece-me bastante mais caro do que os táxis.”
Em comunicado enviado ao HM, a Uber, através do seu porta-voz, Harold Li, assume que os preços são previamente anunciados aos passageiros. “As tarifas cobradas pela Uber são transparentes e são anunciadas aos passageiros antes de começarem a sua viagem, por forma a eliminar essas incertezas. Se os passageiros tiverem algum tipo de dúvida, o nosso serviço de apoio ao cliente está disponível.”

“Não queremos”

Do lado de quem conduz um táxi diariamente, as reacções em relação à Uber são negativas. Tony Kuok, presidente da Associação de Mútuo Auxílio de Condutores de Táxi, diz que a declaração do Governo sobre o factor ilegalidade faz todo o sentido, defendendo que o Executivo “não deve permitir a sua sobrevivência em Macau”.
“Se a Uber quer ser legalizada, pode-se candidatar às licenças especiais de táxi e acredito que aí os cidadãos dão as boas-vindas. Mas usar o serviço sem a devida autorização pode dar origem a acusações. Se não acontecerem hoje, acontecem amanhã”, apontou Tony Kuok.
O presidente da Associação que representa o maior número de taxistas pede a atenção dos residentes para “não arriscarem” a pagar o serviço com cartão de crédito, sem a devida legalização.
“O Governo de Zhuhai combate os serviços de transporte da Uber e o de Macau também deve combater. O Governo já disse à população que é ilegal, e quando houver problema as pessoas não podem queixar-se ao Governo, devem assumir os seus próprios problemas.” táxis
O HM falou com mais quatro taxistas. Ip, com mais de 50 anos de idade, não sabia que a Uber já estava a operar em Macau, considerando que o serviço não vai sobreviver. “Há muitos engarrafamentos e acho que [os condutores da Uber] não vão querer trabalhar neste ambiente. Mas esperamos que a Uber não ofereça este serviço ilegal, concordo que o Governo combata a [empresa].”
Para Chan, taxista de cerca de 40 anos, o serviço de transporte privado pode afectar o negócio dos taxistas, mas não muito. “Se calhar os residentes de Macau não gostam de pedir transporte dessa forma, estão habituados a chamar táxis na rua.”
A taxista concorda com a medida do Governo contra a Uber. “Em Hong Kong e no interior da China a Uber também é ilegal, esse serviço de transporte privado não deve afectar os serviços de transporte público. É tarde se o Governo só combater [o serviço] quando surgirem problemas.
“A Uber vai prejudicar o nosso negócio, é uma competição”, disse Tse, taxista de 50 anos. “Os táxis são regulamentados pela lei, mas eles não. Os táxis amarelos não conseguem sobreviver, como é que eles conseguem? Os táxis pretos têm também serviço de chamada via telefone, mas também não há sucesso, não conseguimos uma chamada por dia”, acrescentou.
Chan é um taxista bem mais jovem, com 30 anos de idade, mas também ele rejeita a Uber. “Não há regulamentação suficiente para esse serviço porque parece que os automóveis podem transportar clientes à vontade e ganhar dinheiro. Essa aplicação quer legalizar o transporte ilegal.”
Mas Chan não acredita que o serviço da Uber influencie largamente o negócio de taxistas. “Os utentes desse serviço podem ser apenas cidadãos de Macau, os turistas continuam a apanhar táxis na rua”, afirmou.

Parcerias com agências de viagens, multas e mal entendidos

“Ficámos surpreendidos com a polícia”

Para poder operar no território, a Uber recorreu a agências de viagens, cujo serviço de transporte está legalizado e reconhecido pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST). Ontem, a Polícia de Segurança Pública (PSP), juntamente com a DST e os Serviços de Tráfego (DSAT), anunciaram três multadas passadas a carros de “transporte ilegal através de chamadas ao serviço ‘pedir transporte’ de aplicações móveis”. Em comunicado enviado ao HM, Harold Li, porta-voz da Uber para Macau, rejeita as acusações.
“Devido ao facto de estarmos a trabalhar com as mesmas agências de viagens e condutores que têm vindo a providenciar transporte aos residentes de Macau e visitantes, bem como aos hotéis e casinos, e uma vez que há disposições legais claras para esses serviços, ficamos surpreendidos e desapontados pela forma como a polícia tem tentado evitar que os condutores providenciem este tipo de serviços. Vamos continuar a trabalhar com conselheiros legais para resolver o que consideramos ser um mal entendido.”
O balanço de quase duas semanas de operações é positivo. “A Uber mantém-se com agências de viagens como parceiras e vamos continuar a trabalhar com elas para providenciar percursos seguros e de confiança para as pessoas de Macau. Estamos estupefactos pela quantidade tremenda de respostas positivas que temos recebido do público de Macau desde o lançamento e vamos continuar a trabalhar arduamente para responder às suas necessidades de transporte”, apontou.
Chon, trabalhador numa agência de viagens, é condutor da Uber há uma semana e confirma a cooperação entre a Uber e as agências de viagens.
“A agência pode ser vista como a empreiteira do serviço da Uber, porque fornece os automóveis e condutores. Mas agora há carência de condutores, a Uber tem apenas quatro automóveis e da nossa parte só há três. Vou precisar de ir conduzir para a Uber dez horas por dia a partir da próxima segunda-feira”, frisou.
Recusando as acusações feitas pela polícia e Governo, Chon explica que os serviços são pagos cara a cara e que os condutores são recrutados pela agência. “A forma é igual à que é utilizada no transporte dos clientes para os hotéis. Só que agora há mais uma aplicação que pode ser usada pelos cidadãos”, defendeu.
Manuel Wu, dono da agência de viagens Macau Explorer, considera que a chegada da Uber a Macau pode ter efeitos positivos. “Pode melhorar o serviço de transportes públicos, porque traz uma competição positiva”, disse o responsável, pedindo ao Executivo que legalize o serviço.
“As leis de Macau devem avançar de acordo com o tempo e o mercado. Não se devem apenas permitir rádio-táxis mas também se deve considerar introduzir o modelo da Uber. Os actuais contratos dos transportes públicos são sempre atrasados e uma cópia [uns dos outros]. O Executivo precisa de pensar mais no ângulo dos candidatos e dos concessionários”, disse Manuel Wu.
Contudo, o responsável defende que “é preciso regulamentar o preço, os condutores e os automóveis. Caso não pertençam a agências de viagens, são totalmente ilegais. O seguro é outro ponto importante”, remata.

Andrew Scott: violência pode acontecer

Optou por não experimentar a Uber por ser presidente da Associação dos Passageiros de Táxi, mas Andrew Scott não deixa de olhar para o serviço com curiosidade. E avisa: a violência entre motoristas de táxi e da Uber pode acontecer, à semelhança do que aconteceu noutros países. “É muito possível. A indústria dos táxis em Macau está muito cimentada e há certos elementos do sector que já mostraram ter tendência para a violência: veja-se os casos no lobby do Venetian contra clientes, situações algo perigosas.”
“Trazer competição ao mercado é bom, fazer o Governo olhar para o sector é bom. O conceito da aplicação é óptimo, já que permite às pessoas terem acesso ao transporte segundo uma solução do século XXI. O Governo tem de encarar a necessidade de aprovar a lei que já foi discutida bastantes vezes. Não diria criar leis para acomodar a Uber no mercado, mas o que o Governo deveria fazer era tentar melhorar o sector dos táxis em Macau, fazendo aprovar a nova lei”, apontou.
Andrew Scott defende ainda a criação de parcerias público-privadas na atribuição das licenças de táxi. “O actual problema é que as tarifas são muito baixas para que haja um bom serviço, criam um mau serviço. E é por isso que eles procuram clientes, dizem que sem isso não conseguem sobreviver. As tarifas deviam aumentar para o dobro ou o triplo.”

Hipótese de legalização “não é grande”

O Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, garantiu ontem que a hipótese de legalizar o serviço da Uber em Macau não é grande. “Mais de metade dos países do mundo não legalizaram o funcionamento da Uber, mas o Executivo vai considerar as opiniões da população e de diferentes sectores. Mas como é difícil regulamentar as tarifas, o que pode fazer com que o abuso das tarifas pelos taxistas se torne mais comum e racional.”

30 Out 2015

Saúde | Ho Ion Sang questiona subsídios para sector privado

O deputado Ho Ion Sang exige explicações aos Serviços de Saúde (SS) sobre a implementação dos subsídios para as consultas externas nos centros de saúde privados. Numa interpelação escrita, o deputado questiona a forma como o Governo vai assegurar a utilização racional dos recursos de saúde em Macau. O deputado da União Geral das Associações de Moradores de Macau (UGAMM) recordou quando os SS explicaram que, em 2013, 40% das idas aos serviços de urgência do Hospital de São Januário não foram de facto uma urgência, o que o leva a questionar como estão a ser utilizados os recursos físicos e humanos. A medida do Executivo abrange dois serviços de urgência do Hospital Kiang Wu ou oito centros de saúde de instituições sem fins lucrativos.

14 Out 2015

SS | Distribuídos 24,5 milhões. Mais de 30 grávidas com rastreios gratuitos

Os SS gastaram, no segundo trimestre deste ano, mais de 20 milhões de patacas na atribuição de subsídios a associações locais no âmbito da saúde. Entre esta despesa, estão 27,5 mil patacas destinadas à realização de exames de diagnóstico do Síndrome de Down para grávidas residentes, que não conseguiram ser feitos no público

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Serviços de Saúde (SS) distribuíram 24,5 milhões de patacas por várias associações locais no âmbito da saúde. A lista de subsídios atribuídos foi publicada em Boletim Oficial esta quarta-feira e mostra que ao Hospital Kiang Wu foram atribuídas 275 mil patacas na forma de apoio financeiro para a prestação do serviço de análise laboratorial do cancro cervical em mulheres.
Só a Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM) teve direito a 11,31 milhões de patacas em subsídios para apoio financeiro à Clínica dos Operários. A Associação de Beneficência Tung Sin Tong voltou a arrecadar uma soma elevada de 5,8 milhões de patacas para consultas infantis e de estomatologia. Também a Associação de Estudantes do Instituto de Enfermagem Kiang Wu de Macau teve direito a 11,9 mil patacas para as suas actividades. Este ano, os cuidados de saúde relacionados com a SIDA tiveram uma grande ajuda do Governo, tendo este despendido um montante total de 669,2 mil patacas para um “projecto educativo sobre a SIDA”, que teve lugar em 2014. A Cruz Vermelha conseguiu cerca de um milhão para o transporte de doentes, com a Associação Nova Juventude Chinesa de Macau a arrecadar montante semelhante.

Gravidez assegurada

Outro dos abonos com significativa expressão foi aquele atribuído às clínicas e hospitais de associações privadas destinado a financiar o rastreio do Síndrome de Down em mulheres grávidas. O Executivo gastou um total de 27,5 mil patacas nos actividades de rastreio a 31 mulheres. Este plano foi anunciado em Janeiro deste ano pelos SS, notícia que surgiu depois de várias pré-mamãs se terem queixado da inexistência deste teste gratuito. De acordo com o manual de cuidados das grávidas do organismo estatal, está em causa a oferta de um exame entre as 10 e as 14 semanas de gestação. Estes exames foram complementados com um teste ao sangue entre as 15 e as 20 semanas, tudo no sentido de perceber se o feto sofre alguma deficiência.
“Ambos os exames têm uma taxa de fiabilidade de 70% para o diagnóstico do Síndrome de Down e quando feitos conjuntamente, podem aumentar esta percentagem até aos 86%”, disse o director do Hospital Conde S. Januário, Chan Wai Sin, à data da implementação desta medida. “Ambos serão fornecidos a mulheres grávidas até aos 35 anos e, para mães mais velhas, lançámos um serviço de teste de ADN como alternativa, uma vez que tem uma taxa de fiabilidade ainda maior”, destacou.

28 Set 2015

SS visitam idoso agredido por causa do cigarro

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Serviços de Saúde (SS) repudiam “de forma enérgica” os actos de violência que foram praticados contra o idoso que pediu a um cliente do seu estabelecimento que apagasse o cigarro, por ser proibido fumar. Num comunicado, os SS salientam que continuarão a ser firmes na “execução rigorosa da lei sobre o controlo do tabagismo”. O sub-director dos SS, Cheang Seng Ip, e o Coordenador do Gabinete de Prevenção e Controlo do Tabagismo, Tang Chi Hou, visitaram, em conjunto com o director do Hospital Kiang Wu, Ma Hok Cheong o idoso ao hospital, “inteirando-se do seu estado de saúde que actualmente é estável”, dizem. Os responsáveis prometeram que as autoridades vão diligenciar todas as possibilidades para encontrar o agressor e entregá-lo à justiça. Lam, de 66 anos, foi agredido por um homem com uma garrafa na cabeça, tendo ficado ferido.

18 Set 2015

Erro Médico | Diploma concluído “em breve”, diz Governo

A proposta de alteração à Lei do Erro Médico está quase concluída e será entregue à AL brevemente. A confirmação parte de Lei Chin Ion, director dos SS. Vai ser o reclamante o responsável por comprovar a existência de erro médico

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]alteração à proposta de Lei do Erro Médico está quase concluída e a entrega à Assembleia Legislativa está para breve, confirma o director dos Serviços de Saúde (SS), Lei Chin Ion. A lei, recorde-se, foi aprovada em 2013 e os deputados ainda não receberam a proposta revista pelo Governo, depois de esta ter estado a ser discutida na especialidade.
“A alteração da proposta da lei entrou já na fase final e está quase concluída, prevendo-se que seja entregue com a maior breve à Assembleia Legislativa para discussão”, garante um comunicado dos SS.
O anúncio foi feito no passado sábado, durante uma conferência de imprensa. O coordenador do Gabinete Jurídico dos Serviços de Saúde, Rui Amaral, aponta a obrigatoriedade das provas de erro médico serem apresentadas pelo reclamante com um dos pontos fulcrais do diploma.
“Em primeiro, é o ‘ónus da prova’, cabe ao reclamante apresentar as provas e, durante a investigação, a Comissão de Perícia Médica irá colaborar com o reclamante”, destacam os SS em comunicado. É de sublinhar que estes pontos convergem com aquilo que o Governo considera serem os mais importantes ao “nível técnico”.

Mais um grupo

A tão discutida criação de uma Comissão de Perícia Médica segue mesmo para a frente e esta vai contar com a presença de especialistas do exterior convidados pelo Executivo, “no sentido de assegurar o nível de perícia médicos em casos de erro médico”. Nova é a introdução de um Conselho para a Resolução de Litígios, grupo responsável por coordenar a comunicação entre as duas partes, quando estas optarem pela resolução directa do caso. O quarto ponto referido é o estabelecimento de um Seguro da Responsabilidade Civil para Profissional de Saúde. Tal, justifica, deve ser de compra obrigatória por parte de “todos os profissionais de saúde” no sentido de se protegerem de eventuais acusações. Fica ainda decidido que as especialidades de Obstetrícia, Ginecologia e Cirurgia Geral têm um risco mais alto por serem mais complexas que as restantes.
A proposta de Lei do Erro Médico foi aprovada pela na generalidade na AL em Outubro de 2013, mas só agora os SS anunciam a sua conclusão.

Erro de diagnóstico que sai caro

A Lei do Erro Médico tem suscitado uma série de opiniões e discórdia, com representantes de várias associações médicas a questionarem a legitimidade da responsabilização dos profissionais de saúde em casos de denúncia de erro médico por parte dos doentes. Só este ano, 11 associações juntaram-se para mostrar o seu desagrado perante o conteúdo da proposta de lei. Um dos casos mais debatidos remonta a Junho passado, quando dois médicos do Hospital Kiang Wu foram condenados pelo crime de ofensa à integridade física. De acordo com as associações, a condenação oficial destes profissionais vai fazer com que os restantes médicos implementem medidas de auto-proteccionismo.
Ainda na semana passada o deputado Cheang Chi Keong se queixava da demora na entrega desta proposta à AL, durante o balanço dos trabalhos da passada sessão. “Entendemos os atrasos na proposta devido às mudanças dos titulares dos principais cargos, mas é raro uma Comissão não ter ainda recebido uma nova proposta depois de se ter concluído as discussões na especialidade”, frisou Cheang Chi Keong. “Os assessores jurídicos da AL já apresentaram as cláusulas que os deputados sugeriram ao Governo em Março, mas é lamentável que até ao momento não haja novidades” afirmou.

14 Set 2015

Família com gastroenterite após refeição na Guia

Uma família de cinco pessoas contraiu gastroenterite entre a passada quinta-feira e o fim-de-semana. O casal, avó e duas crianças têm idades compreendidas entre os seis e os 60 anos e os Serviços de Saúde desconfiam que tenham contraído o vírus através da ingestão de massa com carne bovina no restaurante vietnamita Kam Yue, na Rua Nova à Guia. “Durante a madrugada da noite seguinte [sexta-feira], cerca das 5h30, o marido e a mãe dele manifestaram sintomas associados à gastroenterite, nomeadamente diarreia e vómitos”, referem os SS. Mais tarde, foi a esposa quem começou a sentir-se igualmente mal, pelo que os três recorreram às Urgências do hospital Conde de São Januário e Kiang Wu. Segundo os SS, suspeita-se que a gastroenterite tenha sido provocada por bactérias de produtos alimentares que “não foram guardados e manuseados adequadamente”.

7 Set 2015

IAS tem 60 dias para adoptar orientações de Alexis Tam

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]ias depois do Comissariado de Auditoria (CA) ter revelado irregularidades cometidas pelo Instituto de Acção Social (IAS) na atribuição de subsídios, eis que Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, reagiu ontem, prometendo mudanças.
Segundo um comunicado oficial, Alexis Tam “determinou o prazo de 60 dias para o cumprimento das orientações, terminado o qual deve ser elaborado um relatório no qual constem medidas adoptadas e os resultados da sua execução, incluindo as medidas de curto e longo prazo”.
Para Alexis Tam, é “imperativo inserir alterações nos critérios de apreciação e autorização de subsídios, respectivos mecanismos de verificação e critérios de gestão e controlo dos subsídios atribuídos em numerário”. O IAS deve “adoptar critérios uniformes de apreciação e autorização por forma a garantir a igualdade e a justiça na apreciação e autorização de subsídios, assegurando que candidatos da mesma natureza sejam tratados de igual forma”.

Mea culpa

Ontem o presidente do IAS, Ion Kuong Io, participou no programa “Macau Talk” do canal chinês da Rádio Macau e admitiu que não actualizou as instruções dos trabalhos, o que causou a adopção de diferentes critérios nos cinco centros do IAS, acusação feita pelo relatório do CA.
Iong Kuong Io disse já ter emitido novas instruções dos trabalhos para os cinco centros, as quais já começaram no mês passado. O presidente prometeu ainda dar mais formação aos funcionários, para que façam apreciações dos pedidos mais justas.
No que toca ao envelhecimento da população, o presidente do IAS disse no programa de rádio que existem 400 idosos à espera de vaga em lares, tendo previsto que todos poderão arranjar lugar daqui a um ano. Iong Kuong Io prometeu que até 2018 serão criadas 2400 vagas.
Um ouvinte sugeriu que os idosos podem fazer a hipoteca das suas casas junto dos bancos para suportarem as despesas da velhice. Choi Sio Un, chefe do departamento de solidariedade do IAS, referiu que já foi feita uma comunicação com os bancos, mas que os idosos preferem deixar as suas casas aos filhos. Apesar disso, o IAS prometeu comunicar com a Autoridade Monetária e Cambial para estudarem essa possibilidade.
Já o chefe da medicina interna dos Serviços de Saúde (SS), Ng Hou, citou um estudo feito pelo hospital Kiang Wu, que mostra que 5% dos idosos sofrem de demência precoce. Os SS querem criar mais instituições especializadas para este tipo de doença.

27 Ago 2015

Segundo caso confirmado de dengue importado

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Serviços de Saúde (SS) confirmaram o segundo caso importado de febre de dengue. O doente em causa é uma mulher, não residente de Macau, com 33 anos, filipina, que reside na área do Porto Interior e que recentemente, entre 19 de Julho e 2 de Agosto de 2015, viajou sozinha às Filipinas para visitar a família. Depois do regresso ao território, no dia 6 de Agosto, a doente começou a manifestar sintomas de febre, dores nas articulações e erupções cutâneas em todo o corpo, tendo recorrido a uma clinica privada mas não apresentou qualquer melhoria. No dia 13 de Agosto recorreu ao Hospital Kiang Wu onde foi internada. Esta terça feira, 18 de Agosto, o Laboratório de Saúde Pública confirmou os resultados positivos no teste de anticorpos da febre de dengue. Pelo facto de ter efectuado esta viagem e a data de apresentação de sintomas, este caso foi classificado como um caso importado de febre de dengue, explicam os SS. Nenhum dos seus amigos com quem reside apresentou sintomas similares aos da febre de dengue, sendo por isso, este o segundo caso de febre de dengue importado no presente ano.

19 Ago 2015

Caso colectivo de gastroenterite devido a sandes

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Serviços de Saúde (SS) detectaram esta segunda-feira um caso colectivo de gastroenterite, com residentes de Macau a sentirem os sintomas após terem consumido sanduíches oriundas de Taiwan, da marca “Horng Ryen Jen”. Segundo o comunicado, “foram adquiridas duas caixas, cada uma possuindo oito sandes. As caixas foram adquiridas por amigos dos doentes directamente de Taiwan e levados para Hong Kong”, sendo que uma das caixas foi trazida para Macau.
“Duas famílias com cinco pessoas consumiram separadamente as respectivas sandes durante a manhã dos dias 28 e 29 de Julho. Entre sete a vinte horas após o consumo, duas pessoas manifestaram indisposição sendo que um deles, no dia 31 de Julho, teve choque séptico, necessitando de ser submetido a um tratamento de monitorização, devido à sua situação caso grave, no Hospital Kiang Wu”. Actualmente, o homem está em estado considerado clinicamente estável mas ainda necessita de internamento. O outro doente encontra-se em estado normal, explicam os SS. Os três amigos que consumiram o produto em Hong Kong também mostraram sinais de gastroenterite, com “indisposição como febre, dores abdominais, vómitos e diarreia”, tendo recorrido a tratamento médico.
Os SS já analisaram o caso, com amostras laboratoriais, e confirmam que “existe uma enorme probabilidade de este incidente ser considerado uma infecção colectiva de gastroenterite” por salmonela. O Governo da RAEHK já baniu as sandes, depois de outras 46 pessoas terem também sido afectadas. Em Macau, segundo a Rádio não há destas sandes à venda.

5 Ago 2015

Táxis de Macau

[dropcap style=’circle’]No[/dropcap]dia 6 de Julho deste ano, o jornal local “Hou Kong” publicou uma peça que continha a informação mais recente sobre a fiscalização efectuada aos táxis do território, tendo em especial atenção as recentes queixas de comportamento ilegal ou inapropriado por parte dos seus condutores.
Segundo a mesma notícia, durante a primeira parte de 2015, a Polícia Judiciária e o Departamento de Trânsito conduziram operações conjuntas de forma a combater os operadores de táxis ilegais. No total realizaram-se 3.037 processos judiciais, cobrindo ofensas diversas, conforme especificado na tabela abaixo:

Queixas apresentadas Número de casos processados Percentagem
Cobrar em demasia 730 24.04%
Recusar passageiros 919 30.26%
Utilização de outro veículo 124 4.08%
para transporte de passageiros
Recolha de passageiros 100 3.29%
em local indevido
Outras 1.164 38.33%
TOTAL 3.037 100%

A mais recente operação deste género destinava-se não só a combater a operação de táxis ilegais, mas também a realização de ofensas por parte dos condutores devidamente registados, para desta forma melhorar a imagem dos transportes públicos de Macau e ainda para garantir a defesa dos direitos dos utentes deste tipo de transporte.
Uma grande parte da população local tem vindo a manifestar o desejo de se proceder a uma maior inspecção e monitorização desta forma de transporte público. Nos meses transactos, tem sido praticamente impossível obter um táxi à noite, pois durante este período os condutores de táxis conseguem distinguir se o potencial passageiro é local ou porventura estrangeiro, grupo este que constitui o cliente preferencial dos taxistas, visto dirigem-se norma geral a um hotel, casino ou sauna, que são locais de fácil acesso. Já quanto aos residentes locais, nunca se sabe onde estes tencionam ir, e se surgir por exemplo a necessidade de se dirigirem ao Hospital Kiang Wu, o percurso já apresenta um maior número de problemas e de atrasos, tendo em conta as ruas apertadas e congestionadas que rodeiam este centro hospitalar local. Se a viagem for realizada durante o dia, podemos facilmente imaginar o condutor a reclamar, dizendo coisas como “não sei como, mas parece que segui pelo caminho errado, agora vamos ter de dar uma volta maior”. Este tipo de esquema costuma acontecer quando a tarifa a receber não cobre, no entender do taxista, todo o tempo despendido nessa viagem, facto que justifica este solicitar uma compensação maior, mas também por vezes resolvido com umas voltas adicionais de forma a encarecer o trajecto.
Agora, estou convicto que o serviço prestado por estes taxistas tem vindo a registar uma melhoria em virtude da fiscalização recentemente efectuada. Ao que parece, e até mais ver, a maioria dos táxis tem estado a obedecer à lei desde então.
Isto não quer dizer, contudo, que não possam ser feitas melhorias ao serviço, e para o efeito pretendo aqui fazer algumas observações que devem ser resolvidas no futuro. Em primeiro lugar, se observarmos a estação de táxis do Terminal Marítimo do Porto Exterior, assim como a que fica localizada nas Portas do Cerco, verificamos que os táxis seguem sempre em apenas uma faixa de rodagem, que é normalmente a do lado esquerdo. Assim, não é possível apanhar um táxi na faixa do lado direito, pois normalmente não se encontram aqui veículos a aguardar passageiros. Por estas razões, os taxistas costumam ter opiniões diversas sobre qual das duas faixas representa a possibilidade de maiores receitas, preferindo uns a faixa da direita e outros a da esquerda. Mas, regra geral, a faixa da esquerda é a mais procurada, pois regista um maior número de percursos longos, que são obviamente os mais rentáveis. Salientamos, porém, que isto não é uma regra matemática, nem sequer chega o Governo a fazer qualquer diferenciação, por meio de sinais, entre as duas faixas, depreendendo-se então que esta observação é derivada exclusivamente da experiência dos motoristas. Por fim, a dúvida permanece por esclarecer, não sendo possível determinar com exactidão qual das faixas permite um maior encaixe financeiro por táxi, nem sequer perceber se seria vantajoso ou não permitir a recolha de passageiros quer do lado direito como do lado esquerdo, ou se seria possível oferecer mais conveniência aos passageiros caso se invertesse a ordem agora verificada. taxis
Outro serviço que merece uma maior reflexão é o chamado tele-táxi. Muitos residentes têm manifestado o seu descontentamento por não conseguir a marcação de um táxi desta forma, apesar de inúmeras tentativas. Mas, após uma breve conversa com alguns motoristas locais, foi possível perceber as razões que impossibilitam uma melhor oferta deste tipo de serviço. Vamos aqui imaginar uma situação em que um passageiro telefona para reservar um veículo, sendo ao mesmo oferecido um táxi, aqui chamado de A. Porém, quando este chega ao local pré-determinado, este verifica que o passageiro em causa acabou na verdade por apanhar um outro táxi, B, que se encontrava vazio. Neste caso, é o passageiro que se encontra em falta, e não o táxi A. Mas o que pode ser feito para evitar a repetição deste tipo de situações? Se por um lado temos necessidade de combater aqueles motoristas que praticam ilegalidades, temos também a necessidade de recompensar aqueles outros que operam com rigor e pontualidade. Assim sendo, compreende-se que o passageiro em causa, que apanhou o táxi errado, deve naturalmente ser penalizado pelo incumprimento do contrato, mesmo que feito por via oral, pois tal facilitaria a repetição deste tipo de situações.
Ultimamente, um outro tipo de modelo tem vindo a aparecer nas ruas da RAEM, em que carros particulares são utilizados para o transporte de passageiros, em substituição dos tradicionais táxis. Isto é mais frequente em certas zonas da cidade, e varia conforme a hora do dia. Certas manhãs, nas Portas do Cerco, é possível encontrar vários carros particulares a transportar clientes de um lado para o outro, serviço este que é remunerado por via monetária, entrando estes em competição directa com os táxis. Enquanto que certos passageiros preferem esta opção, visto os carros serem na maior parte dos casos mais confortáveis do que os táxis, outros há que não aceitam este desenvolvimento, pois consideram que os tais carros particulares não têm licença para operarem de uma maneira comercial, como aqui mesmo descrevemos. Além disso, as apólices de seguro de um e de outro não são iguais, nem e custo nem no tipo de cobertura oferecida. Regra geral, o seguro de um carro particular não cobre os passageiros, e no caso de um acidente, este não recebem nenhuma compensação por parte da seguradora. Este pode sempre optar por abrir um processo judicial para o efeito, mas não é garantido que venha a receber nenhum dinheiro, mesmo caso o Tribunal lhe venha a dar razão. Tendo isto em conta, sou da opinião que as autoridades não devem permitir o uso de carros particulares para o transporte comercial de passageiros, pois estes não se encontram devidamente assegurados, e também por isto vir na verdade a prejudicar financeiramente os condutores de táxis propriamente licenciados.
Em forma de remate, acrescento aqui o meu agrado pessoal em verificar que a indústria de táxis de Macau está a ser fiscalizada, ao mesmo tempo que se têm verificado melhorias no serviço. Toda a população pretende ver a continuação desta tendência, pois não só os residentes como os próprios operadores de táxis só têm a beneficiar do adicional aperfeiçoamento da indústria.

20 Jul 2015

Saúde | Casal filipino procura ajuda para salvar filha

Corre uma campanha no Facebook para pagar os tratamentos de Chyn, filha de um casal filipino residente em Macau. A conta já gerou dez mil patacas, mas o Governo e a Cáritas não dão apoio

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hyn é filha de trabalhadores não residentes (TNR) e nasceu há um mês no hospital Kiang Wu com várias doenças. Além de lhe ter sido diagnosticado Síndrome de Down, a bebé tem uma malformação cardíaca congénita e problemas pulmonares. Sem direito a qualquer tipo de assistência médica, Carlo de Guzman e a esposa lançaram uma campanha no Facebook, intitulada “Help our little Angel Baby Chyn” (Ajudem o nosso pequeno anjo Bebé Chyn).
Ao final de quatro dias de funcionamento, a campanha já gerou dez mil patacas de donativos, confirmou Carlo de Guzman ao HM. Ao todo, o casal precisa de pagar 160 mil patacas aos Serviços de Saúde (SS), uma vez que, por serem TNR, não têm direito a qualquer apoio, sendo que os tratamentos têm de ser pagos em 200%, por serem portadores de blue card. Está agendada uma operação à bebé para Setembro, que custará cerca de 300 mil patacas.
“Quando fomos ao hospital público pensámos que seria mais fácil para nós, por ser o hospital do Governo e esperávamos que nos pudessem ajudar. Ficamos desapontados por não nos poderem ajudar financeiramente. Mas compreendemos porque têm de respeitar as regras, por sermos TNR. Chegamos a ter uma reunião com um assistente social do hospital e foi-nos dito que seria difícil termos apoio social do Governo, por não sermos residentes”, contou Carlo de Guzman ao HM. bebé_facebook
Apesar disso, o pai de Chyn agradece toda a ajuda disponibilizada pelo pessoal médico e de enfermagem, tanto do hospital Kiang Wu como do São Januário.

[quote_box_right]“Chegámos a ter uma reunião com um assistente social do hospital e foi-nos dito que seria difícil termos apoio social do Governo, por não sermos residentes” – Carlo de Guzman, pai de Chyn[/quote_box_right]

Desempregado há um ano, morador no território há dez, juntamente com a mulher, este trabalhador filipino tem estado a bater em todas as portas, depois das recusas dos SS e até da Cáritas. “Também contactei outras organizações em Macau e vamos reunir com eles durante esta semana, e discutir a nossa situação com eles, assim poderemos ver o que poderá ser feito”, disse o pai.
Carlo Guzman também já estendeu o pedido de apoio financeiro às Filipinas, mas assume que voltar para Manila com a filha não é a primeira opção. “Se enviarmos a nossa filha para as Filipinas é quase o mesmo preço do que fazer aqui os tratamentos e a minha esposa precisaria de deixar o emprego para dar a total atenção à nossa bebé. Mas nós sem um emprego ficaríamos numa situação muito difícil. Em Manila não temos familiares, teríamos de ficar em hotéis, pagar alojamento, contas e transporte. Preferimos ficar aqui porque ao menos temos a nossa família”, concluiu.
A ajuda pode ser dada à família através da página no Facebook.

13 Jul 2015

Kuok Cheong U, director do Centro Hospitalar Conde de São Januário

Kuok Cheong U, o novo director do hospital público, mostra-se confiante na melhoria dos serviços médicos. Mais trabalho de equipa, uma academia de formação médica, escoamento de pacientes mais eficaz e serviços com horários prolongados são alguns dos pontos que defende. Para ele, a RAEM tem de contar com os seus recursos e não esperar por “milagres”, vindos de Pequim ou de Portugal

[dropcap]O[/dropcap] cirurgião Rui Furtado afirmou que no atendimento no serviço de urgências só existem médicos não diferenciados, ou seja, sem especialidade, algo que, na sua opinião, põe em causa o diagnóstico. Isto é verdade?
Temos médicos especialistas em serviço nas urgências, sempre tivemos. Comecei a trabalhar neste hospital em 1992, comecei como médico especialista em Macau em 1986 e antes disso trabalhava no Kiang Wu, portanto conheço os dois sistemas hospitalares muito bem. No início, o médico especialista de serviço, incluindo todas as especialidades e não só o serviço de urgência, trabalhava segundo o sistema de médico por chamada, ou seja, podia não estar no hospital mas se fosse necessário era contactado e tinha que se apresentar no serviço. Com isto, o que acontecia é que os médicos de clínica geral estavam no serviço, nessa altura, falo dos anos 90. Mas depois disso percebeu-se a tendência mundial de melhorar o sistema de saúde incluindo o serviço de urgência e começámos a estabelecer médicos especialistas neste serviço. Temos seis médicos especialistas no serviço de urgência que cumprem o seu serviço em turnos de 24 horas, durante todo o ano. Temos um plano de escalas, um relatório do trabalho dos médicos… Portanto, temos sim médicos especialistas competentes no nosso serviço de urgência.

Foi ainda dito que o serviço de urgência tem vindo a aumentar o número de camas…
É preciso esclarecer que o aumento de camas não é do serviço de urgência mas sim das salas de observação em que os doentes estão, como o nome indica, em observação até ser determinado o seu problema. É aí que se percebe o que é que o doente precisa, se é necessário um tratamento urgente ou se passa para a especialidade. Neste período de tempo precisamos de camas para ter os doentes. Nas salas de observação, no início, nos anos 90, tínhamos cerca de dez camas, mas depois com o desenvolvimento económico de Macau e o aumento da densidade populacional, precisávamos de melhorar a nossa capacidade de recepção de doentes. Portanto fomos aumentando consoante a necessidade, passo a passo, de dez camas, para 20, 30 até às cem.

Mas este aumento entope o serviço, porque a especialidade não tem a mesma capacidade para receber.
Concordo com o que o dr. Furtado disse: o número de camas é excessivo. Temos que considerar como contornar a situação não só para expandir mas como controlar, e como, claro, usar os recursos da melhor forma. Isto é o que eu vou fazer e estou confiante que o consigo fazer. É um facto a incapacidade que temos de momento em fazer circular os pacientes. Este é o problema. O que estou a tentar é resolvê-lo, como tentar diminuir o tempo em que os pacientes estão na sala de observação. Isto é algo que temos que fazer, melhorar a comunicação entre as especialidades e a emergência. Temos que nos reconectar. Quero resolver esta questão nos próximos três meses.

Portanto o problema do número de camas insuficiente, em todas as especialidades, mantém-se?
Sim, mantém-se. Estamos a tentar resolvê-lo de várias formas. Uma delas é tentar organizar e equilibrar as salas de observação. Estamos também a tentar aproveitar alguns espaços desaproveitados do hospital mas, claro, é preciso ter em conta os recursos humanos existentes. Portanto, temos muito trabalho pela frente.

Assumiu o cargo há pouco tempo. Quais as medidas prioritárias a tomar?
Neste momento ainda estamos na fase de planeamento. Disse-lhe que estou confiante, porque há de facto uma excelente comunicação entre mim, como director do hospital, o director dos Serviços de Saúde e o Gabinete do Secretário. Neste momento todos sabemos que a economia de Macau não está numa fase muito estável e, por isso, temos que considerar [a execução do plano] de forma mais cuidadosa. Temos vários planos, mas um plano é um plano. Sabemos também que as pessoas estão muito atentas a este assunto e queremos ir ao encontro das preocupações da população.

kuok cheong u

Mas, no imediato, o que pretende fazer?
Por exemplo, anunciámos que vamos alargar o horário do alguns departamentos. Porquê? Porque queremos ganhar tempo perante o cenário da lista de espera para a especialidade. Esta lista é um pouco longa e achamos que conseguimos resolver isso tendo um horário mais alargado. Este é o ponto um. Sempre tendo em conta que aumentar o horário não pode implicar aumentar a carga de trabalho dos recursos humanos, não só médicos, mas também dos enfermeiros e auxiliares. Temos que ter muito cuidado. Por isso é que vamos tentar em quatro departamentos primeiro, como um teste.

Quais os departamentos?
Cardiologia, Ortopedia, Fisioterapia e Radiologia. A lista de espera de Ortopedia é muito grande, é de mais de cem dias. Claro que comparado com outras cidades, como Hong Kong, não é assim tão longa, mas em Macau é de facto grande. Vamos tentar aproveitar e organizar o horário, administrando-o da melhor forma possível. Na minha opinião temos espaço para crescer, para melhorar. Nas áreas de Cardiologia e Radiologia estou bastante familiarizado e sei que conseguimos diminuir o tempo de espera. Estes quatro departamentos são os meus alvos de teste para me responder às perguntas: como conseguimos diminuir e se efectivamente conseguimos da forma adequada e sem aumentar a pressão nos recursos humanos. Pretende-se criar turnos rotativos, o que significa que vamos manter o pessoal, toda a equipa, médicos e enfermeiros, 24 horas por semana. Assim consigo não aumentar a pressão nos recursos e ao mesmo tempo melhorar a performance dos profissionais.

E o segundo ponto?
Queremos também tomar esta medida, não só pelas listas de espera, mas também pelo novo Hospital das Ilhas. Não sou engenheiro, não estou dentro da construção, mas o meu trabalho é preparar uma equipa profissional para trabalhar lá.

Como é que o vai fazer?
Se não tivermos tempo, se não tivermos espaço não consigo preparar uma equipa local. Não podemos esperar ajuda de Pequim ou de Portugal porque eles têm os seus trabalhos, os seus problemas. Temos que nos preparar a nós mesmos. Portanto, se conseguir prolongar a hora de trabalho em todos os departamentos significa que terei mais um período de tempo para os novos trabalhadores, usando as mesmas instalações para fazerem o seu trabalho. Se eles conseguirem fazer um turno, terei uma segunda equipa preparada. E quando o hospital estiver pronto terei uma equipa para enviar para lá.

Quando é que acha que o novo hospital estará pronto?
Não sou eu que lhe posso dar essa resposta porque não sou engenheiro. Mas o meu trabalho é preparar os profissionais e isso já está a ser feito. Mas claro, antes de me empenhar a 100% nisto, tenho que fazer alguns testes. Tenho que perceber qual a resposta da população. Por exemplo, um paciente tem uma dor, ele irá preferir ir ao hospital depois das 18 horas ou espera até ao dia seguinte? Tenho que perceber o comportamento da sociedade, tenho ainda que ouvir os médicos, colaboradores, enfermeiros, auxiliares e as suas opiniões. Eles também têm famílias. É um trabalho de equipa, temos que trabalhar como tal e assumir que aqui se trabalha assim.

Discute-se a acreditação dos médicos. O director sempre defendeu a avaliação dos mesmos. Quem faz esta avaliação? O próprio hospital?
Até agora, desde que vim para este hospital, passei por um período bem difícil de treino – faz parte -, de estágios e exames. Compreendo a lei e a regulação de forma clara e concordo com ela. Todos os médicos neste hospital, incluindo eu próprio, estamos conforme a lei. A avaliação é feita por especialistas de fora e locais que trabalham em equipa.

[quote_box_left]”Estamos a tentar incluir médicos com excelentes qualidades, independente da sua nacionalidade, da sua língua. Estamos a tentar tornar o sistema internacional. Desde que assumi funções, todas as comunicações, reuniões e decisões são feitas em inglês e é assim que deve continuar”[/quote_box_left]

E sobre a acreditação do hospital atribuída por uma empresa australiana. Foi comprada conforme acusam?
Tenho uma resposta da empresa, sobre um artigo que saiu no vosso jornal sobre este assunto que diz, passo a citar, “a organização pode comprar o serviço de acreditação, mas nunca o resultado final”, palavras de Christine Dennis, CEO da Australian Council on Healthcare Standards (ACHS), a empresa responsável pela acreditação. Acho que isto é uma afirmação muito importante. Por exemplo, podemos comprar um Ferrari mas nunca compraremos um campeonato. Certo?

As alterações propostas pela empresa serviram apenas para conseguir a acreditação ou ainda estão a ser respeitadas? O hospital foi acusado de as ter esquecido logo depois de conseguir a acreditação. É verdade?
Não creio. Aqui trabalha-se em equipa e num sentido geral trata-se de uma atmosfera muito boa, embora haja casos em que algumas boas pessoas não são assim tão bons colegas de equipa. Alguns deles, quer [o hospital] tenha ou não acreditação podem não dar o seu melhor e nós temos que estar de olho neles, para garantir o trabalho certo. Por isso é que existe um director, para garantir que as coisas funcionam e são cumpridas. Se não estiverem a funcionar correctamente é necessário marcar uma reunião para resolver o problema. Esse encontro vai-nos dizer se estamos a dar um bom apoio e se estamos a seguir os conselhos da [empresa de] acreditação. Porém sei que alguns departamentos não têm recursos humanos suficientes, nem espaço suficiente para trabalhar. Mas estamos a tentar fazer uma reforma nesse sentido…é para isso que aqui estou.

A quantidade de dinheiro público, em fundos do Governo, que é entregue ao hospital privado Kiang Wu, é bastante volumosa. Esse dinheiro não deveria ser empregue nas instalações públicas? Aqui neste hospital?
Essa é uma questão que deve ser feita ao director dos Serviços de Saúde. A minha opinião é que existe um orçamento limitado. Por exemplo, no caso do hospital, este edifício não pode aumentar, por ser localizado numa zona em que é preciso manter o tamanho actual. O facto de não poder crescer vai implicar a compra de serviços ao exterior. Sabemos que Macau é uma terra pequena e que a densidade populacional está a crescer cada vez mais, tornando-se uma das maiores do mundo. Este é um serviço de saúde, estabelecido nos anos 80, e é preciso perceber como é que pode ir ao encontro deste aumento da população. Uma das soluções é abrir outro hospital, já o estamos a fazer. Mas antes disso é preciso alargar o horário do funcionamento dos serviços. Segundo ponto, comprar serviços. A questão que deve ser considerada é quanto é preciso pagar por isso.

Entrando em algumas especialidades, como a Obstetrícia e Ginecologia. Não foi feito a mais de 500 mulheres o primeiro ultra-som fetal. Como é que se justifica esta ausência de comunicação entre médico e paciente?
Há diferentes níveis deste ultra-som fetal, nós fazemo-lo em três níveis: nos primeiros três meses, nos três meses do meio e nos últimos três meses. Não fazer o primeiro não traz qualquer problema. Normalmente não é necessário. À excepção de alguns casos em que algo possa correr mal, um sangramento, por exemplo. Segundo sei, não há obrigatoriedade no exame nos primeiros três meses. Podemos pensar assim: os seres humanos nem sempre tiveram ao seu dispor máquinas de ultra-som e continuámos a crescer na mesma. O ultra-som é algo que os médicos podem usar como um acrescento, não precisamos do ultra-som para manter a gravidez estável. Se a grávida se sentir bem e estiver tudo bem, o primeiro exame pode não ser feito, não há necessidade. Já no segundo período da gravidez podemos utilizar este exame para perceber o estado do feto, se é normal ou se poderá ter um problema grave no futuro. Na fase final nem sempre é preciso. A segunda fase é a mais importante, porque, no caso de ser preciso fazer uma intervenção, é mais fácil nesta altura do que mais tarde. Futuramente, com o desenvolvimento da medicina, talvez nem seja necessário o ultra-som.

Estavam de saída alguns médicos desta especialidade. Já foram substituídos?
Sim, neste momento temos 16 obstetras e ginecologistas a trabalhar neste hospital. Nos últimos dois anos saíram seis e foram recrutados cinco.

Falando de uma maternidade mais humanizada… Está disponível neste hospital a epidoral para as mulheres em trabalho de parto? Passa por elas a decisão de receber a anestesia ou não?
Sim, claro que temos, mas a opção de administrar passa pelo ginecologista ou obstetra em questão. Claro que a opinião da mãe e da família é tida em conta, mas trata-se de uma decisão médica.

kuok cheong u

Os cursos pré-natais, disponíveis neste hospital, são dirigidos apenas em cantonês. Num sistema de saúde que se quer internacional, como é que isto acontece?
Desconhecia e garanto que vou resolver a questão. Daqui a três meses volte a perguntar-me isso. (risos)

Ainda no idioma, porque é que o hospital não está no seu todo equipado pelo menos com as duas línguas? Há corredores e especialidades só na língua chinesa.
Quero estabelecer uma melhor comunicação com as pessoas e isso já está a acontecer, como por exemplo, na entrada do hospital coloquei informações de uma exposição em três línguas: Chinês, Português e Inglês. Essa é uma aposta minha. Não sei falar em Português, mas quero muito alcançar este objectivo de pelo menos duas línguas.

Pretende colocar profissionais portugueses e chineses a liderar equipas? Faz questão que haja essa permanência das duas línguas?
Estamos a tentar incluir médicos com excelentes qualidades, independente da sua nacionalidade, da sua língua. Estamos a tentar tornar o sistema internacional. Desde que assumi funções, todas as comunicações, reuniões e decisões são feitas em inglês e é assim que deve continuar.

Chegou um caso ao HM de uma paciente que não conseguiu fazer o tratamento na especialidade de Nefrologia e teve que ir para o privado fazer. Há falta de equipamento?
De facto, temos máquinas, mas é certo que não são suficientes, por isso é que temos que comprar o serviço ao hospital Kiang Wu, embora seja bastante caro. Queremos expandir os nossos serviços de hemodiálise para que os pacientes possam de forma autónoma fazer o seu tratamento. Isto não é algo novo em Macau, é uma tendência mundial. A necessidade de passar quatro ou cinco horas de dois em dois dias num hospital para tratamento é algo que temos que combater, proporcionando ao paciente outras formas de fazer a hemodiálise. Estamos a tentar perceber se há uma área em que isto possa ser feito.

Num sistema de saúde perfeito, o público não terá que comprar ao privado. Concorda?
Não ignoro os serviços privados, eles fazem parte de Macau, são um recurso da população. Serviços e médicos, privados ou não, pertencem a Macau. Por isso, acho que devemos trabalhar em equipa.

Concorda com a vontade de ser criada uma Faculdade de Medicina?
Não. Acho que há um mal entendido entre academia, escola e universidade. Alexis Tam disse que vamos ter uma academia médica em Macau e isso eu apoio e dedicar-me-ei a 100% nesse projecto. Macau é um terra pequena e talvez faça sentido no futuro ter uma Faculdade de Medicina, mas não agora. Não temos recursos, não temos as condições para levar este projecto para a frente. A não ser que cresçamos a nível de volume e que, efectivamente, haja essa necessidade.

Mas concorda com a academia médica?
Sim, acho que é preciso uma academia que dê formação contínua aos profissionais já existentes. Precisamos de um organismo de acreditação profissional e essa academia vai convidar especialistas de fora, seja dos EUA ou de outro lado. Vamos tentar convidá-los para gerir esta academia e os programas de formação deverão ser acreditados a nível internacional. Estamos sempre a querer que em Macau o sistema de saúde seja acreditado internacionalmente, por isso, julgo que este é o caminho a seguir. Por exemplo, a lei de Macau não é a lei de Hong Kong mas de qualquer forma, e mesmo que eu não queira lá trabalhar, quero que o meu estatuto profissional seja reconhecido em Hong Kong.

Quando é que esta academia estará pronta?
Este é um grande trabalho, um grande projecto, que não espero que aconteça em três meses, mas sim, em dois, três ou quatro anos.

Concorda com a Lei do Erro Médico?
No meu ponto de vista, não é uma prioridade. Nem todos os países têm esta lei, por exemplo, Hong Kong não tem, porque está contemplado no Código Civil. Não deve ser uma prioridade, mas temos espaço para a discutir, temos espaços para a perceber. Está aberto para discussão mas não é prioritário.

Em caso de saída de Lei Chin Ion, poderá aceitar assumir o cargo como director dos SS?
Ainda é cedo para falar sobre isso, ainda agora me sentei nesta cadeira e tenho muito trabalho pela frente. Como disse há muita coisa para fazer, quero muito fazer o meu trabalho bem e sei que o vou fazer.

“Os próximos cinco anos serão a era mais brilhante da saúde”, defendeu Alexis Tam. Quer comentar?
É preciso uma correcção na interpretação dessa expressão. Antes de aceitar este cargo, trabalhei no gabinete portanto percebo perfeitamente o que o Secretário quer dizer com essa expressão. O que é o brilhante? O brilhante refere-se à construção. Há muitos planos de construção, tanto eu como o Secretário sabíamos isso, portanto, serão anos brilhantes no que respeita à construção. Agora posso dizer-lhe que faremos o nosso melhor para acompanhar esta tendência de evolução, esta construção. Não somos engenheiros, mas como é que vamos equilibrar o crescimento com a construção? Com os nossos planos para melhorar os serviços, não só no hospital mas também nos Serviços de Saúde. Estou confiante nesta era brilhante que agora começa.

29 Jun 2015

Erro Médico | Proposto regime disciplinar e Comissão de Perícia do exterior

Um maior destaque no papel da Comissão de Perícia e a criação de um regime disciplinar que deverá ter funções como um Código Deontológico é o que pretende a 3.ª Comissão Permanente da AL, que vai fazer a sugestão ao Governo. A Lei do Erro Médico não deverá chegar este ano

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]ma lei que dá trabalho. É assim que Cheang Chi Keong, presidente da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, caracteriza o Regime Jurídico de Tratamento de Litígios decorrentes do Erro Médico. O presidente explicou que a Comissão vai propor a criação de um Regime Disciplinar que dite regras que os médicos devem cumprir, como uma espécie de Código Deontológico, que não existe em Macau.
“Vamos abordar com o Governo, para ver se é possível, no processo de reconhecimento profissional, pedir a criação de um regime disciplinar, que dite quais são os deveres disciplinares a cumprir pelos profissionais. (…) No caso de infracção desses deveres disciplinares pode então dar ao lugar ao cancelamento [da licença], por exemplo, pode até não ir à fase penal”, explicou Cheang Chi Keong.
No caso de existir uma infracção a este regime que dita as regras será então detectado “um problema a nível profissional”, ou seja, um incumprimento. “É preciso encontrar um ponto de equilíbrio”, argumentou o presidente, reforçando a necessidade de criar uma lei que proteja utentes e médicos.

Comissão de fora

Durante a reunião de ontem da Comissão que analisa a lei na especialidade, foi ainda analisado o acórdão sobre o caso do erro no diagnóstico de dois médicos do Kiang Wu que não foram condenados criminalmente. A Comissão “muito discutiu” o assunto e debruçou-se sobre os relatório de perícia.
“A intenção é, com a aprovação da proposta de lei, que em caso de erro médico seja apresentado um relatório feito pela Comissão de Perícia a criar para se saber e apurar as responsabilidades de cada parte”, explicou o presidente, adiantando que assim seria evitável ter que ir a tribunal. “Se a lei for aprovada, há ainda um centro de mediação e deixa de ser necessário ter que ir a tribunal, porque resolve-se rapidamente o problema em causa, porque as partes também não pretendem sujeitar-se a um longo processo de acção judicial. Para nós a questão do relatório de perícia é de facto uma matéria muitíssimo importante, como já várias vezes sublinhei”, argumenta.
Segundo explicou Cheang Chi Keong, esta comissão deve ser composta por membros do exterior, devido às ligações de proximidade – consequência de um território pequeno – entre as partes envolvidas.
“Deve ser uma perícia que envolva peritos fora do território para aprovar as responsabilidades, definindo se se trata de uma negligência ou se a responsabilidade não é imputável aos prestadores dos cuidados de saúde, etc”, explicou, justificando que “em Macau as pessoas são muito próximas e a composição da Comissão de Perícia deve ter uma composição mais adequada”. Muitas vezes, defendeu, as pessoas conhecem-se e só uma comissão com elementos do exterior poderá ser a solução viável.
Recorde-se que a proposta de lei actual congratula a existência de uma Comissão de Perícia que, no olhar da Comissão, “não está numa posição relevante”. Um atraso na preparação da lei está ainda prevista pela Comissão, pelo que o presidente assume que não há certezas da conclusão do trabalho até ao final do ano, conforme previsto anteriormente.

26 Jun 2015

Mentalismo com Características Chinesas (I)

Wang Yangming (王阳/陽明1472-1528), cujo nome pode ser traduzido por “Sol brilhante”, também é conhecido pelo seu nome de nascença, Wang Shouren (王守仁), que significa “Guardião da Benevolência”. Natural de Yuyao (余姚), da província de Zhejiang (浙江), perto de Hangzhou (杭州) , foi um importante pensador neo-confucionista ao qual é atribuído o desenvolvimento da Escola do Coração-Mente (心学/學 Xīn Xué), contra grande parte da sua tradição filosófica, a escola dos princípios (理学/學Xué Lǐ ), que defendia a existência basilar de princípios celestiais (天理 Tiān Lǐ), fundamentais para a explicação da realidade, separados do poder mental. Filho de um oficial, recebeu a melhor educação clássica, tendo acesso a todo o acervo da biblioteca confucionista.

Apesar de conhecer e defender bem a ortodoxia clássica dos Quatro Livros e dos Cinco Clássicos (四书五经/四書五經 Sì Shū Wǔ Jīng), ainda jovem sentiu-se atraído pelo Taoismo e pelo Budismo, o que o tornaria um verdadeiro neo-confucionista, já que esta filosofia se caracteriza por ser uma conjugação e ligação entre o Confucionismo, Taoismo e Budismo, regida e orquestrada pelos valores ético-morais da filosofia confucionista.

Também na sua vida filosófica e profissional os valores confucionistas estiveram sempre em primeiro plano, habilmente conjugados num “idealismo dinâmico”, como lhe chamou Wade Baskin em Classics in Chinese Philosophy, que sistematizou e desenvolveu na esteira de Lu Jiuyuan (陆九渊,1139-1193). Passou nos exames imperais e em 1499 alcançou o exame de topo. Seguindo as pisadas do pai, também ele serviu o seu governo, durante longos anos até ter ofendido um eunuco, o que lhe valeu uma sova enxovalhante na praça pública e o afastamento do centro do poder, tendo sido banido para à época pouco desenvolvida Província de Guizhou (贵州) em 1506.

Aí teve oportunidade de melhorar as condições de vida dos habitantes e, também, de aperfeiçoar o seu sistema filosófico. Foi reabilitado em 1510, regressando à corte, tendo-se distinguido não apenas como bom administrador e homem de estado, mas como um general de obra feita e várias vitórias no currículo. A influência da sua filosofia perdurou. E ele recebeu a honra póstuma de em 1584 lhe ser prestado culto no templo confucionista.

A sua linha filosófica afastava-o do maior neo-confucionista até então, Zhuxi (朱熹, 1130-1200). Distinguia-o não o louvor à Humanidade ou Benevolência (Rén仁), mas, por um lado, a defesa da indissociabilidade entre o conhecimento e a acção (知行和一Zhī xíng hé yī), em termos práticos e resumidos, a seus olhos não era possível ao sábio pensar uma coisa e fazer outra, porque formava um todo como uma árvore, cuja raiz já indicava os ramos, as flores e os frutos; por outro, a identificação dos princípios celestiais com o coração-mente e este, por seu turno, com o universo, formando um todo inseparável, mais uma vez como a árvore, imagem a que recorre frequentemente para explicar que os princípios são o coração e este os princípios. A união indica a mente correta, a divisão ou separação, o mau viver, ou seja, a mente egoísta. O coração-mente controla o corpo, e só é controlado pelas paixões deste, concretamente pelas suas sete paixões, quando deixa de ser o mestre que contém os princípios celestiais e virtuosos prontos a desabrocharem e frutificarem.

Há, portanto, ideias inatas, como a do bem que são alcançadas intuitivamente, pois estão dentro de nós. O coração-mente é um espelho que precisa de ser polido para compreender e empreender a união consigo próprio e com o universo. “A mente é una, no caso de não ter sido corrompida pelas paixões humanas, é então chamada a mente justa. Mas se é corrompida por intuitos humanos e paixões, denomina-se mente egoísta” (1974, Baskin: 578.) Neste neo-confucionista, o domínio do coração implica a relação com os princípios morais inatos. Só é benevolente quem compreende e atua de forma benevolente, porque teoria e prática, reitera-se, são uma e mesma coisa. O objetivo do sábio é que a sua mente esteja tão afinada ou polida que reflita perfeitamente a realidade que o rodeia. Para tal é fundamental tranquilizar a mente, como? Harmonizando as sensações e paixões num equilíbrio tão perfeito quanto possível.

Neste tipo de filosofia mentalista o que significa a natureza? Recordemos, antes de prosseguir, que estamos perante uma forma de idealismo, logo a natureza é, primeiro, quanto à substância, o Céu (Tian), impessoal, mas também pode assumir a figura popular de um deus personalista, O Senhor Supremo (上帝 Shàngdì); segundo, do ponto de vista funcional, o destino; terceiro, enquanto relação com a humanidade, é a disposição; quarto, é o coração-mente enquanto poder controlador do corpo, (Baskin, 1974: 593) porém, em quinto lugar, enquanto manifestação da mente ou princípio mental, é as suas próprias virtudes, que lhe vão permitir alcançar o equilíbrio ou o meio entre as paixões, suscitando os bons pensamentos, que são as raízes e radículas geradas pela mente altruísta (Baskin, 1974: 597).

A natureza, tal como é entendida por Wang Yangming, neste caso o coração-mente (心xin) é o bem maior, pelo que o filósofo nos aconselha a tratá-lo como se cultivássemos uma das suas imagens já nossa conhecida, a árvore, com calma e sem ansiedade, pois precisa de tempo para se desenvolver, não se deve esperar que o tronco surja antes das raízes e quanto a estas devem ser regadas parcimoniosamente, de modo a que cresça a seu ritmo, deixando surgir os ramos, as folhas, as flores e os frutos. Nesta filosofia, procura-se alcançar uma mente altruísta, tranquila, guiada por virtudes morais, pela justiça e serviço à humanidade, com o controlo atento das paixões e das vicissitudes da vida, em nome do caminho do dever, determinado pela mente. E os filósofos taoistas e budistas que não praticam esta via, vivem separados, mergulhados em ilusões e comportamentos desviados pelas suas personalidades egoístas, já que segundo Wang Yangming os taoistas se revelam incapazes de conhecer e praticar os princípios morais e os budistas de se exercitarem nos relacionamentos humanos.

A verdade é que este filósofo também foi poeta. Na excelente edição Quinhentos Poemas Chineses (2014), coordenada por António Graça de Abreu e Carlos Morais José, podemos ler dois poemas de Wang Yangming, traduzidos por Camilo Pessanha: “Ascensão ao Miradoiro do Kiang” e “À noite, no Pego do Dragão”, onde seguimos com emoção a luta do neo-confucionista pelo domínio do corpo e suas paixões, sobretudo no segundo poema, donde retiro os últimos versos “À borda da torrente, intento fazer versos aos viço das orquídeas. /Embargam-mo as saudades violentas, empolgando-me, do Kiang-Pei e do Kiang-Nan.” (Wang Apud Abreu, Morais José, 2014:271 )

Recorde-se com o Clássico Trimétrico que entre as sete paixões a controlar: a alegria (喜 xi), a fúria (怒nù), a tristeza(哀āi), o medo (惧/懼jù), o amor (爱/愛ài), o ódio(恶/惡 wù) e o desejo (欲yù), se encontra o amor . Este, na versão neo-confucionista de Wang Shouren, “Guardião da Benevolência”, assume-se como amor à humanidade (仁爱/愛 rén´ài), mas, ainda assim, deve ser sentido e expresso com contenção, equilíbrio e harmonia para que a mente egoísta não se sobreponha à altruísta.

Acompanhemos a exteriorização poética desta ideia, que ao ganhar corpo adquire forte sentimento em “Oração de invocação à Chuva” (《祈雨辞》), registada no reinado do Imperador Ming Zheng De, no Rio Gan na actual parte Sul de Jiangxi , no 11º ano, que corresponde ao ano de 1516 da era cristã (正德丙子南赣作):

Ó Céus! Há dez dias que não chove. O campo não tem colheitas.
Há um mês que não chove, o rio vai deixar de correr.
Ah, há um mês que não chove, o povo já está doente.
Se não chover no próximo mês, como vai a população sobreviver?
Que culpa tem a arraia-miúda para sofrer tamanho castigo?!
Se falhei no cumprimento do meu dever, que me seja ditada a sentença.
Ó Céus! Já não bastam os ladrões para às gentes dar aflição, é sobre eles que deve recair a ira, não sobre o povo inocente.
Por que se consomem mutuamente o bem e o mal?
Ó Céus! Que mal te fez o povo para tão pronta fúria!
Ergam-se velozes as nuvens no céu, caindo a chuva benfazeja sobre os campos.
Mais do que os roubos não terem sido travados a tempo, pesa-me a tristeza de ver à minha volta tanto sofrimento e pobreza.

(呜呼!十日不雨兮,田且无禾。
一月不雨兮,川且无波。
一月不雨兮,民已为痾。
再月不雨兮,民将奈何?
小民无罪兮,天无咎民!
抚巡失职兮,罪在予臣。
呜呼!盗贼兮为民大屯,天或罪此兮赫威降嗔。
民则何罪兮,玉石俱焚?
呜呼!民则何罪兮,天何遽怒?
油然兴云兮,雨兹下土。
彼罪遏逋兮,哀此穷苦!)

O mentalismo de Wang Yangming, porque é neo-confucionista, implica amor, respeito e atenção aos outros e ao seu contexto natural e social, tal como o ponto de chegada da sua filosofia requer, pelo que este tipo de mentalismo se na raiz se aproxima do budismo, distingue-dele, mesmo quando este último manifesta caraterísticas chinesas, como teremos oportunidade de ver num próximo texto.

O objectivo dos neo-confucionistas será grosso modo o de transformar a terra num paraíso benevolente, onde a humanidade possa viver em harmonia por acção directa de chefes empenhados e sérios, que muito se penalizam ao jeito dos governantes da antiguidade chinesa, como Yao (尧) e Shun (舜), quando o vento não sopra a favor da população, ou melhor, quando as condições não permitem que todos os seres desabrochem tão naturalmente como plantas regadas por bons agricultores.

Referências Bibliográficas

Baskin, Wade. 1974, Classics in Chinese Philosophy. New Jersey: Helix Books.
Graça de Abreu, António, Carlos Morais José (Coord.). 2014. Quinhentos Poemas Chineses. Lisboa: Nova Veja.
Wang Yangming. 2019.Stanford Encyclopedia of Philosophy. https://plato.stanford.edu/entries/wang-yangming/
Wang Yangming (王陽阳明) 2013《祈雨辞》璞如子(释注).http://www.ziyexing.cn/articles/article-37.htm
Xu Chuiyang.1990. Three Classic in Pictures. Ilustrações de Shang Liangxin. Singapura: EPB Publishers.

1 Mar 2023

A Rota da Seda leva as religiões ocidentais à China

(História da Primeira Entrada do Cristianismo na China • Parte 3)
Texto e imagens: Ritchie Lek Chi, Chan (*Artigo publicado no Macau Daily Newspaper em 1 de Maio de 2022)

 

A Dinastia Han criou a rota da seda terrestre

O cristianismo chegou à China por três vezes, através do Nestorianismo durante as dinastias Tang e Yuan, e pela mão dos jesuítas, agostinhos, dominicanos, franciscanos, etc. que vieram para Macau no final da dinastia Ming e no início da dinastia Qing, Estes missionários viajaram e arriscaram as suas vidas para chegar à China vindos do extremo oeste. As suas jornadas tornaram-se numa das importantes fontes históricas para os estudiosos contemporâneos.

Em primeiro lugar, que caminho tomou o Nestorianismo para entrar na China? Um artigo no “Daily Headlines” dá algumas indicações. “Como é que o misterioso Nestorianismo cristão se desenvolveu rapidamente no antigo Oriente?” “Assim, esta pequena facção enraizou-se na Mesopotâmia, onde hoje é o Iraque, e tem a sua sede na Babilónia. Após a missão da Rota da Seda em terra e mar, os missionários a continuaram para leste”.

A “Rota da Seda terrestre” que ligava a China e a Europa estava bastante desenvolvida naquela época. O “Luoyang Jialan Ji” escrito por Yang Xuanzhi da Dinastia Wei do Norte, e o “Zizhi Tongjian” que regista o oitavo ano de Tianjian do Imperador Wu em Liangwu mencionado nos dois artigos acima, mostra que durante as Dinastias Wei do Norte e do Sul e do Norte, havia vestígios de nestorianos nos templos de Luoyang. De acordo com dados históricos, a “Rota da Seda” foi formada muito antes das duas dinastias acima, ou seja, durante a Dinastia Han, que será descrita em detalhe a seguir.

Zhang Qian Explorando o Caminho e o Grande Han Atacando os Hunos

A fim de desenvolver a Rota da Seda por terra, Zhang Qian, da Dinastia Han, foi para regiões ocidentais onde contribuiu para a sua implementação. A corte Han destacou tropas para derrotar os Xiongnu de acordo com os dados de escavação de Zhang Qian, e a grande vitória da Dinastia Han na região de Fergana mostrou que a China poderia lançar uma guerra em larga escala em toda a Bacia de Tarim. Após este conflito, dezenas de reinos de Tarim deixaram de prestar homenagem aos hunos e recorreram à China em busca de asilo. Sogdian e Bactria também enviaram embaixadas para tentar encontrar uma aliança política que lhes desse a oportunidade de aderir a uma aliança política para obter produtos exóticos feitos no Oriente.

De acordo com registos da “Biografia das Regiões Ocidentais” no Livro do Han ‘O poder do exército do Império Han fez todos os países obedecerem com admiração, atraiu a circulação de dinheiro e mercadorias e todos eles oferecem ao Império Han itens raros produzidos em vários lugares. Eles tiraram os seus chapéus e expuseram as suas cabeças, caminharam sobre os cotovelos e olharam para o leste em direcção ao imperador Han”(Nota 1).

Sob a proteção da Dinastia Han, a Rota da Seda era pacífica. A China e o Ocidente tinham relações tranquilas em matérias de política, comércio, cultura, etc. As relações entre a China e todos os grupos étnicos nas Regiões Ocidentais eram amistosas. Em 105 a.C., a corte Han organizou uma caravana para partir de Chang’an para Anxi (Pérsia), o actual Irão. Desde essa época, que a China e os países das Regiões Ocidentais promoveram imensas trocas de produtos, tendo essa passagem crescendo gradualmente até se formar a mundialmente famosa “Rota da Seda Terrestre”.

Canal China-Europa para várias religiões no Ocidente

Por esta ” Rota da Seda”, a corte Han destacou enviados especiais para visitar Dawan, Kangju, Dayuezhi, Daxia, etc. em países da Ásia Central, incluindo Anxi (Pérsia) e Shendu (Índia), Amcai (o país entre o Mar de Aral e o Mar Cáspio), Tiaozhi (o estado vassalo de Parta, a área da actual Síria) e Lixuan (a cidade egípcia de Alexandria anexada a Daqin (Roma).

Actualmente, na Ásia Central, especialmente na Turquia, que liga o continente da Europa, algumas áreas rurais que não foram destruídas por guerras ou desastres naturais, ainda vemos algumas estações de correio antigas da Rota da Seda.

Além disso, na décima sétima caverna (a caverna das escrituras tibetanas) das Grutas de Dunhuang Mogao na província de Gansu, China, foram colectadas traduções nestorianas e uma pintura em seda da figura de Cristo com cor artística persa.

Em virtude desse importante corredor China-Europa, as religiões ocidentais tornaram-se a rota de transporte para a China. Budismo, Nestorianismo, Maniqueísmo, Zoroastrismo e Islamismo , etc., todos pisaram a antiga terra da China durante a Dinastia Tang.

A Rota da Seda Marítima existe desde os tempos antigos

Se a Rota da Seda terrestre criou a história do Cristianismo vindo para a China duas vezes, que impacto teve a “Rota da Seda Marítima” na chegada do cristianismo à China? De facto, a Rota da Seda Marítima existe desde os tempos antigos, “O primeiro uso da Rota da Seda Marítima foi a caravana e os mensageiros romanos, que chegaram à China em 166 d.C.; e o primeiro navio afundado e a porcelana chinesa desenterrados no Sudeste Asiático até agora pertencem a um veleiro árabe na Ásia Ocidental, datado de 830 a.C. na Dinastia Tang tarde” (Nota 2).

Em 399 d.C., Fa Xian, um eminente monge da Dinastia Jin Oriental, partiu da terra da Rota da Seda para a Índia aos 65 anos, mas o caminho de volta foi pela Rota da Seda Marítima durante 15 anos. Fa Xian viajou para 20 países antes de chegar à sua cidade natal. Além disso, na Dinastia Ming, Zheng He também seguiu esta rota marítima “sete vezes para o Oceano Ocidental”, tornando-se a primeira grande frota mundial de exploração oceânica. Alguns padres nestorianos também chegaram às áreas costeiras do sul da China da Rota da Seda Marítima com navios mercantes.

Interrupção do Império Otomano

Porque razão os nestorianos não chegaram à China pela Rota da Seda Marítima? A utilização da rota da seda marítima não era tão boa quanto a rota da seda terrestre. Além da suavidade e segurança da rota terrestre, o mais importante era os comerciantes das regiões ocidentais poderem chegar directamente ao próspero centro da China naquela época. Portanto, a formação de rotas marítimas não poderia desempenhar um grande efeito.

“No final do século XV, devido à ascensão do Império Otomano, cortaram-se os laços comerciais entre o Ocidente e o continente do Leste Asiático. Para encontrar novas rotas comerciais, os países ocidentais começaram a navegar, descobrindo sucessivamente a América do Norte, a América do Sul e o Sudeste Asiático” (Nota 3). Ou seja, até os europeus iniciarem a “Grande Descoberta Geográfica” no século XV, os portugueses partiram de Lisboa, contornaram o perigoso Cabo da Boa Esperança na África do Sul, foram para a África Oriental e seguiram a antiga Rota da Seda Marítima para leste para a Índia, e depois para o misterioso e próspero Extremo Oriente.

O cristianismo acompanhou também a grande era de viagens e descobertas deste mundo, com as frotas a chegarem ao Extremo Oriente. Mais tarde, após inúmeras tentativas, os portugueses finalmente conseguiram parar em “Hou Kiang Ou (Macau)”, que ao mesmo tempo se tornou a base para o desenvolvimento do cristianismo na China continental.

Notas:
1. The Roman Empire and the Silk Routes:The Ancient World Economy and the
Empire of Parthia, Central Asia and Han China, Raoul Mclaughlin. Translated by Zhou Yunlan. Oriental Publishing Media, Guangdong People’s Publishing House, October 2019. Page 77, first paragraph, line 4.
2. “A economia da Indonésia supera a da província de Zhejiang, com 268 milhões de pessoas no país, quanto é o salário médio de uma pessoa em Janeiro? “, Sohu.com: https://www.sohu.com/a/528182421_120048357.
3. “Rota Marítima da Seda”, Wikipedia, terceiro parágrafo.

28 Dez 2022

Maravilhoso contador das horas

[dropcap]D[/dropcap]e Lisboa com destino à Índia partiu a 24 de Março de 1578 a 30ª expedição de missionários jesuítas onde seguiam os padres Michele Ruggieri, Francisco Pasio, Duarte de Sande e ainda sem estar ordenado Matteo Ricci.

O Visitador das missões das Índias orientais, o padre Alessandro Valignano chegara a Macau em Setembro de 1578 e “aí, rapidamente se deu conta, por um lado, da vastidão do império da China e da sua importância estratégica, e por outro, das enormes barreiras com que esse mesmo império se defendia de todo o contacto com povos estrangeiros”, segundo Horácio Peixoto de Araújo, que transcreve a visão do Visitador altamente positiva do reino da China, tão diferente de os demais reinos existentes no Oriente, assim como a qualidade das gentes e costumes, “a fertilidade da terra e a perfeição do governo. E tudo isto, acentuava [Valignano], sem o concurso da doutrina cristã.”

Vendo as enormes potencialidades que se abriam à evangelização, o Visitador mandou vir da Índia o padre Michele Ruggieri (1543-1607), que chegou a Macau em Julho de 1579 e por ordem de Valignano começou de imediato a estudar a língua dos mandarins, “com o auxílio de um letrado chinês que, depois de reprovar nos exames para alcançar grau se tinha fixado em Macau”, segundo refere Rui Manuel Loureiro, que num aparte relembra, “Quando o padre Francisco Pérez tentou conseguir autorização para permanecer em Cantão em 1565, os mandarins cantonenses tinham-lhe perguntado se dominava a língua chinesa; perante a resposta negativa do jesuíta, o seu pedido tinha sido rotundamente indeferido.” Para Ruggieri, se ler e escrever os carácteres chineses não trazia grandes obstáculos (ao fim de dois anos dominava doze mil caracteres), já os tons exigiam prática no falar. Daí, nada melhor do que acompanhar os comerciantes portugueses à feira de Cantão [iniciada em 1580 e então a durar dois meses] e procurar encontrar algum Mandarim com quem praticar.

“Pela Páscoa de 1580 (3 de Abril), o Pe. Miguel Ruggieri, jesuíta italiano aplicado ao Real Padroado de Portugal e com os meios diplomáticos e materiais que este lhe forneceu, dirigiu-se a Cantão e habitou numa casa junto ao Rio Si-Kiang” [em mandarim Xijiang, que significa Rio Oeste]. E continuando com Benjamim Videira Pires S.J., Ruggieri aí voltou em 1581, duas vezes, “a primeira das quais com o Irmão Paes e a segunda, antes de 25 de Outubro com o já Pe. André Pinto, todos jesuítas.” Segundo o padre Domingos Álvares, Superior da residência de Macau, “alguns mandarins o receberam e comunicaram com ele. Demorou-se, uma vez, três meses e, a outra, dois, residindo no palácio do Embaixador do Sião.” A sua fama começava a despertar o interesse entre os mandarins de Cantão.

Angústia em Macau

Em 1582, o novo Vice-rei de Guangdong e Guangxi Chen Rui mandou uma chapa para Macau a convocar o bispo (desde 1581 D. Leonardo de Sá) e o Capitão-mor (D. João de Almeida) para comparecerem em Zhaoqing. O chamar as mais importantes personalidades de Macau “criou uma certa angústia pois parecia ser mais rápida a saída dos portugueses de Macau do que os padres conseguirem missionar na China”, relatava o Pe. Francisco de Sousa.

Segundo o padre Manuel Teixeira, “Os cidadãos de Macau, não achando conveniente a ida das duas supremas autoridades da colónia, enviaram em seu lugar, como delegados de Macau, o Ouvidor Matias Panela, representando o Capitão-mor, e o jesuíta Miguel Ruggieri, representante do bispo”, a quem Valignano ordenou que tratasse de ver se poderia lá quedar.

Assim, segundo Benjamim Videira Pires, “em Abril-Maio de 1582, Ruggieri voltou, pela quarta vez, a Cantão e aí ficou mês e meio. No dia 2 de Maio, encontrou-se Ruggieri em Cantão com o Pe. Alfonso Sanchez S.J. e dois franciscanos, um dos quais foi o terciário João Diaz Pardo, que pela segunda vez se aventurava a entrar na China.” Montalto de Jesus refere, por ser “importante para a segurança da colónia, que alguém se dirigisse a Shao-king-foo (Zhaoqing), na altura a sede vice-real”, de Cantão Ruggieri para lá se dirigiu em Junho com o Juiz português Matias Panela, “homem de idade e grande experiência, que sempre se relacionara muito bem com os mandarins.”

Na audiência, o novo Vice-rei acusou os portugueses de terem tribunais em Macau, terra sobre alçada do imperador, assim como condenava a permanência de cafres e japoneses, não queridos pelos chineses. “Para poder controlar eficazmente os Portugueses que começaram a ter um comportamento cada dia mais arrogante a partir da repressão dos marinheiros amotinados de Zhelin, serviu-se habilmente da política de ‘garrotes mais cenouras’ para os Portugueses ficarem com medo e respeito da nossa magnanimidade e gratos às nossas acções virtuosas. (…) Através desta convocação, fez saber aos Portugueses que eles estavam a residir em Macau na qualidade de vassalos do Imperador chinês. Este acto reforçou a soberania chinesa sobre Macau”, segundo Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, que referem, “Durante este processo, os representantes de Macau não perderam a oportunidade de prestar vassalagem política ao vice-rei e, através dele, ao Imperador chinês [Wan Li, 1573-1620], o que agradou sobremaneira a Chen Rui, que representava o Filho do Céu em Cantão.”

A delegação levou presentes como sedas e cristais que o Vice-Rei pagou para mostrar que as ofertas não era suborno e deu-lhes alguma prata para fazer compras em Macau. Segundo D. João de Deus Ramalho: “Entrementes Ruggieri vê-se detido por uma doença grave e Matias Panela teve de voltar sozinho a Shiu-Hing [Zhaoqing] a dar conta das suas compras, informando o motivo por que faltava o Delegado Ruggieri. Matias Panela aguçara-lhe a curiosidade e o desejo de rever o Padre na sua corte, porquanto lhe anunciou que outro Padre [o português Rui Vicente] trouxera um raro objecto da Índia. Um relógio maravilhoso que tinha a arte de tanger as horas por si mesmo.” O Vice-Rei mostrou-se muito interessado por esse engenho e por isso convidou-os para uma segunda visita, a fim de lhe trazerem o maravilhoso contador das horas.

Ruggieri, depois de restabelecido, partiu a 18 de Dezembro de 1582 para Zhaoqing com o Padre Francisco Pasio, [que com Matteo Ricci tinha chegado a Macau em 7 de Agosto de 1582 proveniente de Goa]. Assim, em 27 de Dezembro de 1582, pelas mãos dos dois padres italianos foi entregue o primeiro relógio mecânico, “uma máquina de aço toda de rodas por dentro, que continuamente se moviam por si mesmas e mostravam por fora todas as horas do dia e da noite e o som de uma campainha dizia o número de cada uma delas”.

O Vice-Rei Chen Rui, com o precioso relógio, instrumento nunca visto na China (e ainda muito raro no Ocidente) e a confirmação dos delegados portugueses de Macau reconhecer a soberania chinesa, ficou de tal modo contente que não pôde negar a Ruggieri a ambicionada satisfação de se estabelecer em Zhaoqing, capital dos dois Guangs. Tal viria a ocorrer no ano seguinte.

30 Dez 2019

Embaixada Jesuíta de 1555

[dropcap]N[/dropcap]as viagens ao Japão, os portugueses tinham Lampacau como apoio na China, sua verdadeira sede entre 1553 e 1558, segundo Beatriz Basto da Silva. Feito o ‘Assentamento’ em 1554, foram eles autorizados a negociar nas águas do Guangdong, em Lampacao e Macau, e legalmente irem comerciar a Cantão. “Realizava-se com este acordo um dos principais pontos de que dependia a viagem ao Japão, para além de se assegurar o comércio pacífico com aquele imenso mercado que era a China; a possibilidade de, na época própria, poder haver, legalmente um porto na costa da China, embora ainda em regime provisório e menos estável do que as feitorias que teriam tido em Fu kien e no Che-kiang”, segundo Gonçalo Mesquitela, que refere, “A repercussão deste acordo foi imediata entre os portugueses, tal a importância que teve entre os mercadores e missionários de Goa e de Malaca, que finalmente obtiveram as condições para prosseguir o sonho em que morrera S. Francisco Xavier: a abertura da China à evangelização.”

A nova da vitória diplomática de Leonel de Sousa logo foi levada a Malaca, onde se encontravam os padres Belchior Nunes Barreto S.J. e o dominicano Fr. Gaspar da Cruz, que animados planearam ir a Cantão tentar resgatar os portugueses feitos prisioneiros na China ao longo do estado de conflito existente desde 1521. Cada vez que uma nau se perdia ou era tomada pelos chineses, os tripulantes eram mortos ou aprisionados; mas tudo isso mudara porque os portugueses passaram a ser reconhecidos e a pagar direitos.

Assim, em 1555 ocorreu a segunda “tentativa de penetração do Evangelho no Celeste Império, ao nível embaixatorial e por meios dos ‘filhos’ de Inácio de Loyola”, segundo Videira Pires, que refere, “Belchior Nunes Barreto, vice-provincial dos Jesuítas no Oriente, com o padre Gaspar Vilela, quatro outros irmãos (Fernão Mendes Pinto, Belchior Dias, António Dias e Estêvão de Góis) e quatro meninos catequistas, viajando para o Japão, chegaram a Sanchoão e aí celebraram Missa” a 20 de Julho. Seguiram para Lampacau de onde o padre Belchior Barreto se dirigiu por duas vezes a Cantão, no período de Agosto a Novembro de 1555. Beatriz Basto da Silva data de 20 de Novembro de 1555 a chegada a Cantão e refere ter sido o primeiro jesuíta a entrar na China Continental. E continuando com Videira Pires, o padre Barreto “em cada visita demorou-se um mês para negociar a libertação de alguns dos 60 cativos portugueses na China.

Só para Mateus Brito, ali preso há seis anos e mais dois portugueses, assim como três outros cristãos, o resgate era de mil taéis, por cabeça”. Mas o melhor produto para trocar pelos cativos portugueses era o âmbar cinzento, pois o Imperador Jiajing (1522-1566) há seis anos o procurava ansiosamente, por dar longa vida, noticia Fr. Gaspar da Cruz. No entanto, só depois da terceira visita do padre Barreto a Cantão e após a partida da missionária embaixada jesuíta a 7 de Junho de 1556 rumo ao Japão, foram estes seis presos libertados, passada a Quaresma de 1556 e antes de 1558.

O padre Barreto regressou a Goa em 1557, tendo exercido desde Agosto de 1555 a Junho de 1556 o apostolado entre os cerca de 300 portugueses que se encontravam então em Macau, assim como em Lampacau. Refere Victor F. S. Sit, “Fontes históricas indicam, também, que, até aos anos de 1555-1560, um certo número de comerciantes portugueses continuavam a viver em Lampacau, em cabanas precárias e a guardar mercadorias em armazéns provisórios durante o Inverno. Nesse local, havia entre 400 a 600 portugueses, cinco sacerdotes e uma igreja.”

Razões para Macau

Segundo Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, em Revisitar os Primórdios de Macau, houve dois superiores motivos que levaram ao assentamento dos portugueses em Macau. O primeiro, o reconhecimento por parte das autoridades chinesas da superioridade bélica portuguesa e o aproveitar as esquadras bem equipadas destes para guardar dos piratas japoneses a sua costa, em vez de reconstruir de novo uma armada, extinta após as viagens de Zheng He, o que ficaria extremamente caro e não havia dinheiro para tal. O segundo motivo foi a falta do âmbar cinzento trazido pelas antigas embaixadas tributárias dos países vizinhos, mas que agora escasseava. Os portugueses conseguiam esse produto e de uma qualidade muito superior ao arranjado por vezes pelos mandarins. Assim, “a partir de 1555 as repetidas ordens de procura do âmbar cinzento dadas por Pequim” levaram a que as autoridades de Guangdong já deixassem “os portugueses estar à vontade em terra e os palhais que estes construíam passaram a casas.”

A permanência dos portugueses em Macau, refere Wu Zhiliang, talvez “esteja directamente ligada aos motivos de sustentar com o comércio as despesas militares e de servir Macau como uma barreira natural para a defesa dos mares, [mas] a razão essencial [para além de trazerem âmbar cinzento e outras estranhas mercadorias] foi a indisponibilidade das autoridades imperiais centrais da Dinastia Ming (1368-1644) no tratamento dos assuntos comerciais das costas do sudeste da China. Tal se devia à grave crise social verificada nos finais desta Dinastia e as guerras nas fronteiras do Império – a Revolta de Lótus Branco em Shandong, a invasão dos mongóis no Noroeste da China, a Guerra entre a China e Birmânia e os conflitos entre a China e Espanha nas Filipinas.”

Em 1557, no regresso da viagem ao Japão, o Capitão-mor foi informado terem as autoridades chinesas dado permissão para construir casas de carácter permanente contando-se a partir desse ano o estabelecimento efectivo dos portugueses em Macau. Também nesse ano o governo Ming criou, subordinado ao Subcomissário para a Defesa Marítima, três cargos para os assuntos de Macau: “Eram respectivamente o Superintendente de Macau (Ti-diao), com responsabilidades na administração, justiça e relações externas de Macau, o comissário para o combate à Pirataria (Bei-wo), encarregue também das patrulhas marítimas, e o Inspector de Segurança Pública (Xun-ji)”, segundo Victor F. S. Sit, que refere, “acreditados em Macau para desempenhar as respectivas funções, foram as instalações oficiais chinesas montadas a sul de Patane.”

Substituindo Francisco Martins, que em Junho de 1557 seguiu viagem para o Japão, Leonel de Sousa tornou-se Capitão-Geral de Macau e sobre si escreveu: . Daí o elogio a Simão de Almeida e a recomendação que fez para mercês reais, “porque não é de Sua Alteza por exemplo dos que se acharem em partes tão remotas, que folgue de servir Sua Alteza com pessoas e fazendas como ele fez. Tiveram comigo alguns pontos d’ honra.”

24 Set 2019

Fim do Liampó português em Shuangyu

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m Liampó, António de Faria, segundo Fernão Mendes Pinto, “Depois de ser desembarcado em terra, e lhe serem dados os parabéns da sua chegada, o vieram ali visitar todos os mais nobres e ricos, os quais por cortesia se prostravam por terra, em que houve alguma detença”. (…) “Daqui o levaram para a igreja por uma rua muito comprida fechada toda de pinheiros e louros, e toda juncada, e por cima toldada de muitas peças de cetins e damascos. E em muitas partes havia mesas em que estavam caçoulas (vasos de barro para cozinha, ou vaso de porcelana para queimar perfumes) de prata com muitos cheiros e perfumes, e antremeses de invenções, muito custosos.
E já quase no cabo desta rua estava uma torre de madeira de pinho toda pintada a modo de pedraria, que no mais alto tinha três curucheos, e em cada uma grimpa dourada com uma bandeira de damasco branco, e as armas reais iluminadas nela com ouro. E numa janela da mesma torre estavam dois meninos e uma mulher já de dias chorando, e em baixo ao pé dela estava um homem feito em quartos, muito ao natural, que dez ou doze castelhanos estavam matando, todos armados, e com suas chuças (chuço é uma haste de pau com choupa de ferro, afiado na extremidade superior) e alabardas tintas em sangue, a qual coisa, pelo grande fausto e aparato com que estava feita, era muito para folgar de ver. E a razão disto dizem que foi porque dizem que desta maneira ganhara um Foão de quem os verdadeiros Farias descendem, as armas da sua nobreza nas guerras que antigamente houve entre Portugal e Castela.
Neste tempo, um sino que estava no mais alto desta torre como de vigia deu três pancadas, ao qual sinal se quietou o tumulto da gente, que era muito grande. E ficando tudo calado, saiu de dentro um homem velho (idoso) vestido em uma opa de damasco roxo, acompanhado de quatro porteiros com maças prata. E fazendo um grande acatamento a António de Faria, lhe disse com palavras muito discretas quão obrigados todos lhe estavam pela grande liberalidade que usara com eles e pela grande mercê que lhes fizera em lhes restituir suas fazendas, pelo qual todos lhe ficavam dali por diante por súbditos e vassalos, com menagem dada de seus tributários em quanto vivessem. E que pusesse os olhos naquela figura que tinha junto de si, e nela, como em espelho claro, veria com quanta lealdade os seus antecessores de quem ele descendia ganharam o honroso nome da sua progénie (descendência, geração), como era notório a todos os povos de Espanha. Donde também veria quão próprio lhe era a ele o que tinha feito, assim no esforço que mostrara, como em tudo o mais que usara com eles. Pelo qual lhe pedia em nome de todos, que em começo do tributo a que por razão de vassalagem lhe estavam obrigados, aceitasse por então aquele pequeno serviço que lhe oferecia para murrões (morrão é um pedaço de corda enleada com que se põe fogo às peças) dos soldados, porque a mais dívida protestavam de lha satisfazerem a seu tempo. E com isto lhe apresentou cinco caixões de barras de prata em que vinham dez mil taéis.
António de Faria lhe agradeceu com muitas palavras as honras que até então lhe tinham feitas e o presente que lhe ofereciam, porém por nenhum caso lho quis aceitar por muito que todos nisso insistiram”, Fernão Mendes Pinto na Peregrinação. Segunda-feira, 14 de Maio de 1542 zarpou de Liampó António de Faria.

Expulsar os piratas

Em Shuangyu, este porto de Liampó temporariamente nas mãos dos portugueses, pois feito sem permissão do governo chinês, terminou em 1548-49 quando foi destruído. Tal se deveu, segundo Fernão Mendes Pinto, a Lançarote Pereira que praticou as brutalidades que originaram a destruição da colónia portuguesa de Liampó. Já Gaspar da Cruz atribui aos “chineses que andavam entre os portugueses, e alguns portugueses com eles, vieram-se a desmandar, de maneira que começaram a fazer grandes furtos e roubos e a matar alguma gente”. Anota Rui Manuel Loureiro, “Os portugueses, de facto, deverão ter cometido algumas depredações no litoral de Liampó, em circunstâncias ainda mal esclarecidas, mas que parece terem estado ligadas a roubos cometidos por intermediários chineses”. E seguindo com Gaspar da Cruz, “Foram os males em tanto crescimento e o clamor dos agravados foi tão grande, que chegou não somente aos loutiás grandes da província mas também a el-rei. O qual mandou logo fazer uma armada muito grossa na província de Fuquiem, para que lançassem todos os ladrões da costa, principalmente os que andavam em Liampó, e todos os mercadores, assim portugueses como chineses, entravam na conta dos ladrões.”
Segundo João de Deus Ramos, “Em 1547 Zhu Huan foi nomeado Vice-Rei das duas províncias de Fujian e Zhejiang, e deu mostras de ser forte ânimo no rigoroso cumprimento das proibições em vigor quanto ao comércio com os estrangeiros. Conseguiu assim criar as mais fortes inimizades em todos os sectores da população que beneficiava daquele comércio”. Já Rui Loureiro refere que “a corte imperial chinesa despachou para as províncias meridionais de Fukien e Chekiang, o vice-rei Chu Wan em 1548, com o encargo de debelar o surto de pirataria que afectava aquelas regiões”.
“A 14 de Maio de 1548, Zhu Wan preparou o estratagema para atacar o Porto de Shuangyu (Liampó dos portugueses). Deu ordens ao Comandante Regional Lu Tang para com o Comandante Wei Yigong, ambos de Fujian, seguirem e aí esperar a melhor oportunidade de em conjunto começarem o combate. A vitória na batalha naval foi conseguida em Jiushan. A destruição de Liampó só aconteceu mais tarde”, segundo Deus Ramos. Já Victor F. S. Sit refere, “Em 1547, Zhu Wan, o chefe militar de Zhejiang, deu uma tremenda derrota aos navios portugueses em Shuangyu, mandou incendiar as mil casas que havia na ilha e todos os barcos utilizados no comércio ilegal e mandou encerrar o porto. Os portugueses tiveram que fugir para o Sul, acabando por chegar a Sanchoão (Shangchuan) e a Lampacau (Langbai), ilhas da província de Guangdong. A ilha de Sanchoão (Shangchuan) acabou por ser o último ponto de paragem dos portugueses antes de se estabelecerem em Macau”.

Fim do estabelecimento provisório

O segundo período de contactos na China, entre portugueses e chineses, acabou com a batalha de Zoumaxi (走马溪, Ribeira de Cavalos Galopantes) em 1549, período que podemos designar como “Entre Chincheo e Liampó”, segundo Revisitar os Primórdios de Macau.
Gaspar da Cruz conta: “Fazendo-se prestes a armada, saiu-se ao longo da costa do mar. E porque os ventos lhe não serviam já para poder ir a Liampó, foram para a banda do Chincheo, onde achando navios de portugueses começaram a pelejar com eles, e de nenhuma qualidade deixavam de vir nenhuma fazenda aos portugueses”. Já Rui Loureiro refere: “Ao contrário do que afirma Fr. Gaspar, a armada chinesa, a instâncias de Chu Wan, atacou na realidade o entreposto de Liampó em 1548, interrompendo o intenso tráfico ilegal que os estrangeiros ali realizavam. Depois do assalto a Liampó, o comissário imperial Chu Wan desencadeou uma violenta campanha contra a navegação estrangeira na região de Chinchéu, onde os portugueses se tinham entretanto refugiado”.
E seguindo com Gaspar da Cruz, “Estiveram assim muitos dias pelejando (os portugueses) às vezes para verem se podiam ter remédio para fazerem suas fazendas. Passados muitos dias e vendo que não tinham remédio, determinaram de se ir sem ela(s). O que sabendo os capitães d’armada, mandaram-lhe(s) de noite muito secretamente um recado, que se queriam que lhe(s) viesse fazenda, que lhe(s) mandassem alguma coisa. Folgando muito os portugueses com este recado, fizeram-lhe(s) um grosso e honrado presente e mandaram-lho de noite, por assim serem avisados. Dali por diante vieram-lhe(s) muitas fazendas, fazendo os loutiás que não atentavam nisso e dissimulando com os mercadores. E assim desta maneira se fizeram as fazendas aquele ano, que foi de 1548”.
João de Deus Ramos, “No ano seguinte deu-se um acontecimento que ficaria conhecido pelo , bem demonstrativo de que a fase do conflito e do comércio ilícito entre portugueses e chineses estava a chegar ao seu termo.
Já se viu como o Vice-Rei Zhu Huan ganhara a maior impopularidade ao querer impor com rigor as proibições do comércio com os estrangeiros. Em 1548 a frota de Diogo Pereira dirigiu-se à China. Determinou que as mercadorias que levava fossem transportadas em dois juncos chineses. Depois de alguns recontros violentos que determinaram a sua partida, deixou no entanto ficar os juncos, comandados por Fernão Borges e Lançarote Pereira, acompanhados de trinta portugueses e mais gente, na expectativa de ainda fazerem algum negócio. As forças navais chinesas não perderam tempo em apresá-los, matando alguns dos nossos e fazendo prisioneiros outros. Mas os tempos eram diferentes, e em vez de vir de Pequim a confirmação de sentenças, como acontecera trinta anos antes, foi despachado um Comissário Imperial para investigar o caso. Considerou que os portugueses não eram culpados dos crimes de que os acusavam, mas apenas pacíficos mercadores. Lê-se num documento da época: […], Carta de Afonso Ramires. O Vice-Rei Zhu Huan suicidou-se, e outros oficiais foram executados.
Terminava o período do conflito e do comércio ilegal, estava criado o ambiente, e as condições de parte a parte, para o surgimento de Macau.”
“Em 1549, foram expulsos das terras de Chincheo e, entre 1550-1553 fixaram-se sucessivamente em Sanchoão, Lampacau e depois Macau.” (Wu Zhiliang, História do Desenvolvimento Político de Macau, 1999).
E terminamos no Cap LXII da Peregrinação, em que Fernão Mendes Pinto refere de um episódio de 1540/1, “E chegando à vista do junco, (António de Faria) mandou que a lorcha se passasse da outra banda, por que abalroassem ambos juntamente, e que ninguém disparasse nenhum tiro de fogo, por que não sentissem os juncos da armada que estavam dentro no rio o tom de artilharia, porque acudiriam a ver o que era. Tanto que as nossas embarcações chegaram ao lugar onde estava surto o junco, ele foi logo abalroado sem nenhuma detença, e saltando dentro vinte soldados se senhorearam dele sem contradição alguma…” Esta frase descontextualizada das circunstâncias e sem os antecedentes, remete no entanto os portugueses à actividade de pirataria, mas neste episódio aconteceu atacar um barco amigo.
Segundo Bento de França nos “Subsídios para a História de Macau “nos finais de 1556 navegava por aquelas costas um terrível pirata, Chan-si-lau a quem os portugueses, para agradar ao mandarim local, deram caça e acabaram com o seu reinado”. Era já Macau local usado pelos portugueses para esperar os tecidos de seda vindos de Cantão.

12 Ago 2016

K’ang-Hsi, imperador da China, revela segredo do sucesso da sua governação

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hegou ao poder muito novo e há quem diga que existiram vários sinais que previam a sua coroação e reinado. Quer dizer aos leitores de Macau algo sobre isto?
O meu nascimento foi tudo menos miraculoso – nada de extraordinário aconteceu enquanto cresci. Cheguei ao trono com oito anos. Nunca permiti que se falasse de influências sobrenaturais do género das que se encontram registadas nas Histórias: estrelas da sorte, nuvens auspiciosas, unicórnios e fénixes, a erva chih e outras bênçãos, ou queimar pérolas e jade em frente do palácio, ou livros celestes enviados para manifestar a vontade do Céu. Tudo isto não passam de palavras vãs e não posso ir tão longe nas minha presunção. Limito-me a viver cada dia de uma forma normal concentrando-me em governar bem.

É fácil, durante toda a vida, exercer constantemente o poder?
Dar e tirar a vida. São esses os poderes do imperador. Ele sabe que os erros dos funcionários administrativos em departamentos do governo podem ser rectificados mas que um criminoso que foi executado não pode ser ressuscitado. Assim como uma corda cortada não pode de novo ser unida. Sabe, também, que por vezes as pessoas têm de ser chamadas à moralidade através do exemplo de uma execução. Em 1683, depois da captura de Taiwan, discuti com os sábios da corte a imagem do 56º hexagrama do Livro das Mutações, “Fogo na Montanha”. A calma da montanha significa o cuidado que se deve por na imposição de penas; o fogo move-se rapidamente, queimando a erva, tal como os processos, que devem ser resolvidos com celeridade. A minha leitura é que um regente necessita ao mesmo tempo de clarividência e cuidado no castigar. A sua intenção deverá ser castigar de forma a evitar a necessidade de mais castigo.

Kangxi_Emperor2No seu tempo a corrupção era um problema. Quer falar-nos de alguns casos mais relevantes?
Hu Chien-ching era um subdirector do Tribunal de Adoração Sacrificial cuja família aterrorizava a sua região natal em Kiangsu, apoderando-se de terras, mulheres e filhas alheias e assassinando pessoas depois de as acusar falsamente de roubo. Quando finalmente um cidadão vulgar conseguiu demonstrar a sua culpa, o Governador considerou o caso longamente e o Conselho de Castigos recomendou que Hu fosse demitido e exilado por três anos. Eu, por outro lado, ordenei a sua execução, com o resto da família, na sua terra natal para que todos pudessem observar a minha visão de tal comportamento. O cabo Yambu foi condenado à morte por alta corrupção nos estaleiros navais; não só concordei com a pena como enviei o oficial da guarda Uge para supervisionar a decapitação, ordenando que todo o pessoal dos estaleiros, dos generais ao mais baixo soldado, se ajoelhasse em armadura completa e ouvisse o meu aviso de que o seu destino seria a execução se não pusessem fim à sua perfídia.

Mas a pena de morte… Hoje em dia há quem seja contra…
Em tempo de guerra deve haver execuções para castigar a cobardia ou a desobediência. A penal capital da morte lenta deve ser aplicada em casos de traição, tal como o Código Legal determina.

Está então à vontade quando envia um homem para a morte?
De entre as coisas que considero desagradáveis, nenhuma outra é pior do que dar o veredicto final sobre as sentenças de morte que me são enviadas para ratificação depois das sessões de Outono. Os relatórios de julgamento devem ser todos verificados pelos Secretários Superiores, no entanto, encontram-se ainda erros de caligrafia, ou mesmo passagens inteiras incorrectamente escritas. Isto é indesculpável quando se lida com a vida e a morte. Apesar de, naturalmente, me ser impossível examinar cada caso em pormenor, tenho, ainda assim, o hábito de ler as listas no palácio todos os anos, verificando o nome, registo e estatuto de cada homem condenado à morte e a razão por que lhe foi aplicada tal pena. Depois, verifico de novo a lista na sala de audiências com os Secretários Superiores e o seu pessoal, decidindo quais podem ser poupados.

Quando julga alguém, que princípios aplica?
É um bom princípio procurar sempre os aspectos bons de uma pessoa ignorando os maus. Quando se suspeita constantemente das pessoas estas acabam por suspeitar de nós.

Mesmo quando se trata de Chineses (han)?
Tentei ser imparcial entre Manchu e Chineses, não os separando nos julgamentos.

Mas confiava plenamente nos seus oficiais chineses?
Avisaram-me para não nomear o Almirante Shih Lang para liderar a campanha contra Taiwan por ter servido antes a Dinastia Ming e tambémo rebelde Coxinga e, logo, poder revoltar-se se lhe desse navios e tropas. Mas uma vez que os restantes almirantes Chineses asseguravam que Taiwan nunca seria tomada, chamei Shih Lang para uma audiência e disse-lhe pessoalmente: “Na corte dizem que te revoltarás quando chegares a Taiwan. É minha opinião que enquanto não fores enviado a Taiwan a ilha não será pacificada. Não te revoltarás, garanto-te.” Shih Lang capturou Taiwan num ápice e provou ser um oficial leal. Apesar de arrogante e desprovido de instrução, compensou esses defeitos pela prontidão e ferocidade das suas capacidades militares. Os seus dois filhos têm-me servido com distinção.

Qual a sua visão sobre a queda da dinastia Ming?
Passaram-se coisas absurdas durante os Ming: quando, no fim da dinastia, o Imperador Ch’ung-chen aprendeu a montar tinha dois homens para segurarem o freio, dois para os estribos e dois para o arreio de garupa – mesmo assim caiu mandando aplicar quarenta chicotadas ao cavalo e enviando-o para trabalhos forçados num posto militar. Do mesmo modo, quando uma pedra para ser usada na construção do palácio não passava na Porta Wu-men, Ch’ung-chen mandava aplicar-lhe sessenta chicotadas.

Alguma loucura… mas os seus ritos imperiais também exageram…
O imperador tem de suportar o elogio com que o cobrem e que enche os seus ouvidos e que não lhe é de melhor uso do que a chamada “medicina-restaurativa”. Essas banalidades evasivas asseguram o mesmo sustento que a pastelaria fina e rapidamente se tornam enjoativas.

A balofice, pelos vistos, não funciona consigo. E exageros intelectuais também não.
Se desejar, conhecer algo tem de o observar ou experimentar em pessoa. Se afirma conhecer algo com base em ouvir dizer, ou por o descobrir num livro, será motivo de riso para aqueles que realmente conhecem. Demasiadas pessoas afirmam conhecer as coisas quando, na verdade, nada sabem acerca delas. Desde a minha infância tenho procurado descobrir as coisas por mim mesmo em vez de fingir possuir conhecimento quando ignorante. Sempre que me encontrava com pessoas mais velhas inquiria acerca das suas experiências e recordava o que me diziam. Mantenha uma mente aberta e aprenderá coisas. Perderá as boas qualidades dos outros se apenas se concentrar nas suas próprias capacidades.

Para si, a experiência parece ser fundamental.
A nossa ideia de princípio deriva mais da experiência do que do estudo, embora devamos dedicar a mesma atenção a ambos. Afinal, muitas pessoas chamam antiguidades a velhos recipientes de porcelana mas se pensarmos em recipientes do ponto de vista do princípio sabemos que foram a dada altura feitos para ser usados. Apenas no presente nos parecem gastos e impróprios para deles bebermos e, por fim, acabamos por colocá-los nas nossas secretárias ou prateleiras, contemplando-os de quando em vez. Por outro lado, podemos alterar a função de um objecto e, portanto, alterar a sua natureza. Como fiz ao converter uma espada inoxidável que os Holandeses certa vez me ofereceram numa régua que mantinha sobre a minha secretária. Tal como o Jesuíta António Tomás observou, tratou-se de converter algo que transmitia medo em algo que proporcionava prazer. O raro pode tornar-se comum, como acontece com os leões e animais que os embaixadores estrangeiros gostam de nos oferecer e a que os meus filhos se acostumaram. Na guerra é a experiência da acção que conta. Os chamados Sete Clássicos Militares estão recheados de disparates sobre água e fogo, presságios e conselhos sobre o tempo, todos aleatórios e em contradição. Disse uma vez aos meus oficiais que quem seguisse estes livros nunca ganharia uma batalha.

Kangxi_EmperorFalou de um jesuíta. Vários frequentaram a sua corte. Aprendeu muito com eles, sobretudo na Matemática e Astronomia?
Apesar dos métodos Ocidentais serem diferentes dos nossos, podendo mesmo ser vistos como um seu melhoramento, há neles pouco de inovador. Os princípios da Matemática derivam todos do Livro das Mutações e os métodos Ocidentais são de origem Chinesa: a Álgebra – “A-erh-chu-pa-erh”– nasce de uma palavra Oriental.

Claro, tudo tem origem na China… Mas esses jesuítas tentavam conhecer a cultura chinesa.
Nenhum dos Ocidentais está realmente à vontade com a literatura chinesa – à excepção talvez do Jesuíta Bouvet, que leu muito e desenvolveu a capacidade de conduzir um estudo sério do Livro das Mutações. Muitas vezes não conseguimos impedir sorrir quando eles iniciam uma discussão. Como podem falar acerca “dos grandes princípios da China”? Por vezes, agem erroneamente por não estarem acostumados aos nossos hábitos, outras vezes são induzidos em erro por Chineses ignorantes – o enviado papal, de Tournon, usava caracteres mal escritos nos seus memorandos, empregava frases impróprias e assim em diante.

Estou a ver que ainda não esqueceu a Questão dos Ritos, na qual discordou com o Cardeal de Tournon.
Sobre a questão dos Ritos Chineses que podiam ser praticados pelos missionários Ocidentais, de Tournon recusou-se a falar, embora lhe tivesse enviado mensagens repetidamente. Concordei com a fórmula que os padres de Pequim estabeleceram em 1700: que Confúcio era honrado pelos Chineses como um mestre mas que o seu nome não era invocado em oração com o propósito de obter felicidade, promoções ou riqueza; que o culto dos antepassados era uma expressão de amor e recordação filial, cuja intenção não era obter protecção para o autor do culto e de que não havia a ideia de que ao erguer uma tábua ao antepassado a sua alma nela residia. Quando eram oferecidos sacrifícios aos Céus estes não eram endereçados ao céu azul, mas sim ao senhor e criador de todas as coisas. Se de Tournon não respondeu, o Bispo Maigrot fê-lo dizendo-me que o Céu é uma coisa material e não devia ser adorada e que se devia apenas invocar o nome de “Senhor do Céu” para mostrar a reverência apropriada. Maigrot não era somente ignorante da literatura Chinesa: não conseguia sequer reconhecer os mais simples caracteres chineses. No entanto, decidiu discutir a falsidade do sistema moral Chinês.

O Papa queria impor-lhe um representante, não é verdade?
Não compreendo o que quereis dizer com ‘um homem da confiança do Papa’. Na China, ao escolhermos pessoas não fazemos tais distinções. Alguns estão próximos do meu trono, outros a meia distância e outros mais longe. Mas a qual deles poderia confiar qualquer incumbência se houvesse a mais pequena falha da devida lealdade? Quem de entre vós se atreveria a enganar o Papa? A vossa religião proíbe-vos de mentir, aquele que mente ofende a Deus. O enviado respondeu: “Os missionários que aqui habitam são homens honestos, mas falta-lhes o conhecimento interno da Corte Papal. Muitos enviados de outros países convergem para Roma, sendo experientes em negociações e, por isso, preferíveis aos que aqui se encontram.” Então disse-lhe: “Se o Papa mandasse um homem de conduta impecável e dons espirituais tão excelentes quanto os dos Ocidentais que aqui estão agora, um homem que não interferisse com os outros ou os tentasse dominar, ele seria recebido com a mesma hospitalidade que os outros. Mas se dermos a um tal homem poder sobre os outros, como haveis solicitado, haverão muitas e sérias dificuldades. Encontrastes aqui Ocidentais que passaram quarenta anos connosco e, se mesmo esses ainda não têm um conhecimento perfeito dos assuntos imperiais, como poderia alguém tão recentemente transplantado do Ocidente fazer melhor? Ser-me-ia impossível dar-me com ele como me dou com estes. Precisaria de um intérprete, o que implica desconfiança e embaraço. Um tal homem nunca estaria livre de erro e, se fosse nomeado líder de todos, teria de suportar qualquer culpa incorrida pelos restantes e pagar o preço de acordo com os nossos costumes.”

A verdade é que Vossa Excelência nunca foi convertido ao catolicismo.
As suas palavras não eram diferentes dos mais tresloucados ou impróprios ensinamentos de Budistas e Taoístas, porque deveriam ser tratados de forma diferente?

Então se não acredita no Deus cristão, pelo menos acredita no destino?
O destino surge das nossas mentes e a nossa felicidade é procurada em nós mesmos. Daí serem feitas previsões a partir do curso dos planetas acerca do casamento e da fortuna, descendentes, carreira e o passar dos anos – no entanto, estas previsões não chegam muitas vezes a realizar-se na experiência posterior. E isto porque se não desempenharmos o nosso papel humano não poderemos compreender o caminho do Céu. Se o astrólogo diz que serás bem sucedido, poderás então dizer: “Estou destinado a sair-me bem e posso dispensar os estudos?” Se aquele afirma que enriquecerás, poderás sentar-te e aguardar a riqueza? Se te oferece uma vida livre de desgraça, poderás ser temerário? Ou ser debochado sem risco apenas por que diz que viverás muito e em saúde?

il_570xN.758050173_12idComo encara o seu reinado?
Estou a aproximar-me dos setenta e os meus filhos, netos e bisnetos são mais de 150. O país está relativamente em paz e o mundo está em paz. Mesmo que não tenhamos melhorado todas as maneiras e costumes e tornado toda a gente próspera e feliz, trabalhei com incessante diligência e intensa vigilância, nunca descansando, nunca ocioso. Durante décadas exauri todas as minhas forças, dia após dia. Como poderia tudo isso ser resumido numa frase de duas palavras como “trabalho árduo”?

Deixa uma extraordinária herança. Qual foi o seu segredo?
Todos os Antigos costumavam dizer que o Imperador se devia preocupar com princípios gerais mas que não devia lidar com pormenores. Não posso concordar com isto. O tratamento descuidado de um assunto pode trazer consequências nefastas ao mundo inteiro, um momento de distracção pode causar danos a todas as gerações futuras. A falta de atenção aos pormenores acabará por colocar em risco as nossas maiores virtudes. Por isso dedico sempre a maior atenção aos pormenores. Por exemplo, se negligenciar alguns assuntos hoje e os deixar por resolver, amanhã existirão mais assuntos para resolver.

Está portanto satisfeito com o seu desempenho?
Desfrutei a veneração do meu país e as riquezas do mundo. Não há objecto que não possua, nada que não tenha experimentado. Mas agora que atingi a velhice não consigo parar nem um momento. Por isso, considero o país como um sandália usada e todas as riquezas como lama e areia. Se morrer sem que tenha havido uma erupção de distúrbios, os meus desejos terão sido satisfeitos. Desejo que todos vós oficiais se recordem que fui o Filho do Céu portador da paz por mais de 50 anos e o que vos repeti, vez após vez, foi realmente sincero. Então, isso terá completado um fim digno da minha vida. Nada mais direi.

Na próxima segunda-feira, a Livros do Meio lança “Imperador da China – Autobiografia de K’ang-Hsi”, na Fundação Rui Cunha, pelas 18h30. A apresentação da obra será feita por Carlos Morais José.

15 Jan 2016

A embaixada portuguesa em Pequim

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]em ter sido formalmente recebida em Nanjing pelo Imperador Zhengde (1505-21), a primeira Embaixada portuguesa à China seguiu para a capital Beijing por ordem do soberano chinês, onde se deveria realizar o acto protocolar da entrega dos presentes e da carta enviada pelo Rei de Portugal D. Manuel.
Tomé Pires, que escrevera sobre a China sem a ter visitado, teria nesse momento um manancial de informações para aditar na sua Suma Oriental após ter percorrido Tamão (cuja localização tem adeptos na hoje conhecida por Ilha Lin Tin ou, segundo as actuais informações baseadas em documentação chinesa, a Ilha de Dayushan, actual Lantau), Nantó (Nantou, 南头, pequena vila na área de Nanshan, hoje pertencente a Shenzhen), Cantão (Guangzhou, 广州), Nanhsiung (Nanxiong南雄), Passo de Meiling (Meiguan, 梅岭关), Nan’an (南康), Kanchou (Ganzhou 赣州), Kian (Ji’an 吉安), Linkiang (Linjiang临江), Nankang (Nanchang, 南昌) e navegado do Rio Zhang (章江) ao Kuangkiang (Ganjiang 赣江), na cidade de Jiujiang (Kiukiang, 九江) desaguou no Rio Yangtzé (Changjiang, 长江) por onde seguiu para Nanquim (Nanjing, 南京, nessa altura denominada Yingtian) e onde o Imperador chinês se encontrava.
A outra metade do percurso que a Tomé Pires faltava realizar foi feito pelo Grande Canal (DaYunHe, 大运河) seguindo de barco a Embaixada até à capital Pequim (Beijing, 北京), onde chegou no ano de 1520, ou em Janeiro de 1521. É de salientar que os historiadores de Macau como Marques Pereira, Luís Gonzaga Gomes e Beatriz Basto da Silva referem a data de 11 de Janeiro de 1521 para a entrada em Pequim do primeiro Embaixador de Portugal à China. Já Rui Loureiro propõe ter ocorrido em finais de 1520, ou talvez como diz Paul Pelliot, em Agosto de 1520, pois as fontes chinesas afirmam que a embaixada portuguesa permaneceu em Pequim quase um ano.
Armando Cortesão diz: “Não consta ao certo quando Pires partiu de Nanquim, nem quando chegou a Pequim. Sabe-se apenas que, depois de ter navegado mais de mil quilómetros ao longo do Grande Canal, já se encontrava na capital quando o Imperador lá chegou, em Fevereiro de 1521”.
Há também informações contraditórias acerca de ter Tomé Pires vindo de Nanjing integrado, ou não, na comitiva imperial durante a viagem para Beijing. No Revisitar os Primórdios de Macau a nota 92 refere: “Tomé Pires chegou, na comitiva imperial, a 18 de Janeiro de 1521”. Já Rui Loureiro revela: “O imperador chinês partira de Nanquim na mesma altura que a embaixada, mas detivera-se numa pequena cidade dos arredores de Pequim, onde assistiu à execução do príncipe revoltado: ” Cartas dos Cativos de Cantão. Assim, em Janeiro de 1521, o Imperador Zhengde encontrava-se em Tongzhou, a vinte quilómetros para Leste do Palácio Imperial em Beijing e foi durante a estadia nesta pequena localidade que recebeu vários memorandos sobre os portugueses.

Memorandos contra os portugueses

Onde terá o Imperador Zhengde recebido os memorandos, é ponto onde não há consenso pois, Rui Loureiro refere que o imperador os recebeu (em Tongzhou) numa pequena cidade dos arredores de Pequim e Armando Cortesão diz que o Imperador recebeu em Nanquim o embaixador do Rei de Malaca, Mamude Xá “e a carta que trazia. Ao mesmo tempo, chegou-lhe outra carta de dois mandarins de Pequim e ainda outra dos de Antão, acumulando queixas contra os portugueses, principalmente por causa dos desmandos de Simão de Andrade. Não admira, por isso, que a embaixada portuguesa fosse mandada seguir para Pequim sem ser recebida.”
Malaca desde 1409 pusera-se debaixo da protecção dos imperadores chineses da dinastia Ming para conter os ataques do reino de Sião. Assim, “quando os portugueses a tomaram por Afonso de Albuquerque, em 1511, Malaca era tributária do Imperador da China. O Rei de Malaca, Mamude Xá, que fugiu quando da conquista da cidade, ficou sempre inimigo figadal dos portugueses e enviou um embaixador, Tuam Hasam Mudeliar (o , de Barros) a queixar-se ao seu suserano contra os portugueses, , que tinham tomado o seu reino, e a pedir o auxílio que, como vassalo, lhe era devido” A. Cortesão. Rui Loureiro complementa: “Alegando a sua condição formal de tributário do Celeste Império, o soberano malaio solicitava ajuda contra a ocupação portuguesa do seu estado: (referido nas Cartas dos Cativos de Cantão). Ao mesmo tempo, tentava lançar o descrédito sobre a embaixada lusitana, alegando que Tomé Pires e que os portugueses eram encapotados, que vinham tentar ocupar o território chinês, tal como anteriormente tinham conquistado Malaca”.
Para além da pressão dos mensageiros malaios na corte imperial, que narravam histórias terríveis sobre os portugueses, outros dois memorandos, de teor muito semelhante, foram enviados de Beijing e de Guangzhou ao imperador e vinham reforçar o mau carácter dos portugueses que andavam pela costa Sul da China. 8 hM Beijing Cidade Proibida
Como o memorando de Beijing traz o relatório das queixas enviadas de Cantão, ficamo-nos assim pelo que veio dessa metrópole meridional acerca do comportamento abusivo dos folangjis da expedição de Simão de Andrade. “Os funcionários cantonenses descreviam todas as arbitrariedades cometidas pelos portugueses, desde a recusa de pagarem direitos alfandegários até à construção não autorizada de uma fortaleza, passando pela agressão a um mandarim e pelo rapto de crianças.” E continuando com Rui Loureiro, sugeriam “ao imperador que não recebesse a missão chefiada por Tomé Pires, pois os ocidentais, sob disfarce de embaixada legítima, vinham apenas , para depois as ocuparem.”
Tais memorandos parecem não ter surtido os efeitos esperados no Imperador Zhengde, pois adoptou uma posição conciliadora, atribuindo os conflitos a segundo Cristóvão Vieira, nas Cartas dos Cativos de Cantão.

Ambiente desfavorável em Pequim

Enquanto a Embaixada de Tomé Pires esperava em Beijing pelo regresso do Imperador Zhengde, que apenas ocorreu em Fevereiro de 1521, segundo o que refere Luís de Albuquerque: “o ambiente criado na corte para a recepção do embaixador não seria, por consequência, dos mais favoráveis. Para o agravar surgiram ainda mais alguns equívocos e o presente deve ter sido considerado mesquinho. Já A. Cortesão diz: “Quando o Imperador chegou à capital, Pires entregou na corte três cartas de que era portador: uma do Rei D. Manuel, para ser aberta apenas na presença do Imperador, outra de Fernão Peres de Andrade e a terceira dos governadores de Cantão. Esta última tinha sido escrita quando os Governadores estavam ainda sob a boa impressão deixada por Andrade. Mas a carta deste (Fernão Peres de Andrade) foi, em Cantão, traduzida pelos intérpretes chineses, segundo o estilo da terra, os quais, entre outras coisas, escreveram que o Rei de Portugal desejava ser vassalo do Rei da China, etc. Tomé Pires nada sabia, claro está, do teor da fantástica tradução. Quando a carta selada de D. Manuel foi aberta no palácio imperial e traduzida, verificou-se que o seu espírito era, naturalmente, por completo diferente do que os intérpretes tinham escrito em nome de Andrade. Montalto de Jesus explica: “Acostumada como estava, a corte de Pequim, a receber apenas embaixadas tributárias, o teor altivo da carta de D. Manuel foi considerado derrogatório para com o Filho do Céu. Outra carta de Fernão Peres de Andrade foi falseada pelos intérpretes em Cantão e transformada numa petição de vassalo”. E continuando com A. Cortesão: “Os intérpretes aceitaram a responsabilidade pela deturpação, explicando que assim haviam feito com o melhor intuito, para adaptá-la ao costume da terra. Foram presos, tendo sido aberto um inquérito”.
Montalto refere ainda: “uma nota do Vice-Rei de Cantão informava que Andrade pedira autorização para estabelecer uma feitoria em Cantão e que, difíceis de contentar, os conquistadores de Malaca eram muito presunçosos no tocante a honrarias. O conselho imperial, reparando na disparidade dos termos destas cartas, declarou Pires um impostor e um espião”, ficando “os membros da Embaixada proibidos de se aproximar do Palácio Imperial para fazer a costumada reverência” como anota Cortesão e com ele continuando: “Cristóvão Vieira descreve essa prática imposta aos embaixadores que iam à corte chinesa: .
O Imperador ter desculpado os portugueses não caiu bem aos já “irritados mandarins, e mais acusações eram trazidas contra Pires e seus companheiros. E se algumas delas eram verosímeis – como o caso sucedido a uma mandarim que as autoridades de Cantão, em 1520, mandaram a Tamão cobrar quaisquer direitos dos portugueses e que, segundo Vieira, depois se queixou de (isto é, os portugueses) – outras eram puramente fantásticas.
Barros conclui assim o capítulo da Década III, em que se refere a tudo isto: . T’ien-Tsê Chang, escritor chinês moderno, conta que alguns historiadores chineses de então chegam ao ponto de dar pormenores do preço pago pelas crianças e até do processo usado pelos portugueses para as assar” Armando Cortesão.

Morte do Imperador

Faleceu em 20 de Abril de 1521 o ainda jovem Imperador Zheng De, que de nascença se chamava Zhu Houzhao e ficou com o nome póstumo de Yi Di e o nome de Templo Wu Zong (1505-21). Nascido em 26 de Outubro de 1491 era o filho mais velho do Imperador Hongzhi e como bom estudante, esperava-se que se tornasse um brilhante soberano. Subiu ao trono a 19 de Junho de 1505, tendo como nome de Era, Correcta Virtude. Sendo do signo astrológico do zodíaco chinês Porco, preferiu delegar aos eunucos do palácio a governação do país e viver ‘liberta-mente’ nos seus palácios fora da Cidade Proibida (Gugong), assim como andar em constantes viagens pelo país. Gostava de conviver com estrangeiros e convidou muitos muçulmanos para o servirem como conselheiros. Demonstrou ser um bom militar, pois pessoalmente comandou uma expedição contra os mongóis e vencendo-os, estes durante muitos anos deixaram de invadir as fronteiras Norte da China. Na viagem de regresso de Nanjing, após a sua campanha contra o revoltoso Príncipe de Ning, o Imperador encontrando-se no barco a lançar uma rede de pesca, caiu à água do Grande Canal e adoeceu. Ainda passou por Tongzhou, onde julgou e sentenciou à morte o rebelde Zhu Chenhao, a quem tinha vencido em Nanjing. Três meses após a sua chegada a Beijing, o Imperador faleceu de doença contraída pelas águas do Grande Canal, havendo quem diga ter sido envenenado, pois era de fácil recuperação essa maleita.
Segundo o costume, em virtude do falecimento do Imperador Zhengde (正德), a embaixada de Tomé Pires “foi convidada a sair da capital, para seguir para Cantão, onde deveria aguardar a boa ou má disposição do novo imperador em o receber” Luís Gonzaga Gomes.
Como todos os filhos do Imperador Zheng De não tinham passado da tenra idade, o seu sucessor foi o primo Zhu Houcong, que governou a China entre 1521 e 1566 como Imperador Jiajing (1522-66) e seguindo com A. Cortesão: “Shih-tsung (Jiajing) contava apenas catorze anos. Os mandarins passaram então a dominar em absoluto. Da pouca conta em que os portugueses eram tidos nos diz Vieira, ao explicar a dureza com que foram recebidos em Pequim e o mais que depois lhes sucedeu: . Alguns dos mandarins declararam que a Embaixada não era genuína e desejavam que Pires e seus companheiros morressem como espiões. Salvou-os nessa ocasião o privilégio diplomático. Mas o intérprete principal Hoja Yasan (desmascarado como falso embaixador) e os outros quatro foram .”
Montalto de Jesus diz: “O imperador morreu durante esta crítica conjuntura e o seu sucessor, anulando a intenção da corte de executar Pires”, foi a Embaixada “então mandada sair da capital e regressar a Cantão, com os presentes que trouxera para o Imperador, os quais foram recusados. Pires e os seus companheiros partiram de Pequim em 22 de Maio e chegaram a Cantão em 22 de Setembro de 1521, tendo durante a viagem falecido Francisco de Budoia” A. Cortesão, mas a data de partida de Beijing registada em Wuzong Shilu (Crónica Verídica do Imperador Wuzong) é 22 de Abril, como no Revisitar os primórdios de Macau é explicado, sendo também daí o que é dito dentro dos parênteses do parágrafo anterior.
“Ao mesmo tempo, foram de Pequim mandadas instruções, por via rápida, para que, quando o Embaixador e os seus companheiros chegassem a Cantão, fossem presos, e que só depois dos portugueses terem evacuado Malaca e esta sido entregue ao seu legítimo rei, vassalo do Imperador da China, seriam aqueles postos em liberdade” A. Cortesão.
Durante o período em que a Embaixada de Tomé Pires viajava de Guangzhou para Nanjing e daí para Beijing, até ao seu regresso a Guangzhou, muita coisa ia acontecendo na costa Sul da China. A imagem de pirata que Simão de Andrade aí deixara e o não acatar, pelos mercadores portugueses, a suspensão obrigatória de todas as actividades após a morte do Imperador, levou a que em Setembro de 1521 ocorresse ao largo do porto de Tunmen a primeira batalha naval entre portugueses e os chineses.

12 Jul 2015

Dois embaixadores no encontro com o imperador em Nanjing

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]té chegar a Nanjing tinha Tomé Pires como Embaixador viajado já durante dezassete meses desde Cochim, na Índia, a Tamão (屯门, actual Lin Tin) na China, onde esperou de 15 de Agosto de 1517 até finais de Setembro para ser desembarcado em Cantão (广州). Aí, numa longuíssima e desesperante demora para seguir até Pequim (北京), esteve à espera mais de dois anos e meio, sendo a viagem constantemente adiada.
Em 1518, Fernão Peres de Andrade, desembarcada a Embaixada e antes de partir rumo a Portugal, disse aos Governadores de Guangzhou que, no ano seguinte, outro Capitão português viria recolher o Embaixador. Mas, quando em Agosto de 1519 Simão de Andrade chegou à China, com essa finalidade, encontrou ainda Tomé Pires em Cantão sem daí ter saído. Por isso, Simão que “era um homem assomadiço e impaciente e sem grande sensibilidade para levar em conta os costumes e as etiquetas daqueles com que era obrigado a negociar”, como o define Luís de Albuquerque, “sentiu como se fosse uma afronta” e andou por Tamão a maltratar os chineses, enquanto aguardava pela Embaixada que, no entretanto, iniciara a viagem à Corte do Celeste Império.
Com Tomé Pires tinham ficado em Cantão cinco portugueses, Duarte Fernandes, Francisco de Budoia, Cristóvão de Almeida, Pedro de Faria e Jorge Álvares, o persa de Ormuz já lusitanizado Cristóvão Vieira, mais doze moços servidores e cinco intérpretes, sendo Yasan o principal. No entanto, para além de Cristóvão Vieira, Francisco de Budoia e Duarte Fernandes não consegui descobrir quem mais dos portugueses seguiu com Tomé Pires na viagem de Cantão a Pequim, sabendo ter Jorge Álvares voltado a Malaca a 23 de Janeiro de 1520, onde se distinguiu nas lutas contra o Rei de Bintão, ficando-se pela região do Sudeste da Ásia, mercadejando de Malaca ao Mar do Sul da China.
Só em 23 de Janeiro de 1520 Tomé Pires, acompanhado pelo seu séquito, iniciou a etapa até Pequim (北京), para se encontrar com o Imperador e entregar-lhe o presente e a carta do Rei D. Manuel.
O percurso até Nanjing, onde chegaram em Maio de 1520, foi feito na sua maior parte de barco, pelos canais e rios que abundam pelo Sul da China, sendo apenas a passagem montanhosa, que separa as províncias de Guangdong, Jiangxi e Fujian, feita em liteira, a cavalo e a pé. Nessa travessia faleceu Duarte Fernandes, que já vinha adoentado. Rui Loureiro, complementando com o que vem nas Cartas dos Cativos de Cantão: “Apesar de se elevar a cerca de três mil metros de altitude, a serra era provida de caminhos calcetados, embora muito íngremes e trabalhosos, que provocaram a admiração dos portugueses. Assim, foi possível atingir Wan’an, do outro lado deste maciço montanhoso, já na província de Jiangxi, num curto espaço de tempo, utilizando mulatos e asnos, para aí retomar a rota fluvial.” Ora esse caminho, já por nós realizado, para se chegar à Passagem de Meiling (Meiguan, 梅岭关) não tem que se subir mais de quatrocentos metros de altitude, sendo ele ainda calcetado e do outro lado, encontra-se não Wan’an, que dista dali algumas centenas de quilómetros, mas sim a vila de Dayu (大余), conhecida na altura da dinastia Ming por Nan’an (南安) e banhada pelo Zhangjiang (章江). E seguindo com Armando Cortesão: “Assim, ao chegarem a Nan’an, junto a um subafluente do Kuangkiang (赣江, Ganjiang) que, após uns seiscentos quilómetros de percurso, vai desaguar no grande Yangtzé (长江, Changjiang), de novo embarcaram, passando pelas cidades de Kanchou (赣州, Ganzhou), Kian (吉安, Jian), Linkiang (临江, Linjiang), Nanchang (南昌) Nankang e Kiukiang (九江, Jiujiang) junto já da confluência. Depois, seguiram pelo Yangtzé abaixo, durante mais uns quinhentos quilómetros até Nanquim, onde chegaram em Maio de 1520”. Como tivemos ocasião de mostrar num artigo passado, a povoação de Nankang situa-se entre Dayu e Ganzhou, mas, pela posição colocada na citação acima reproduzida de A. Cortesão, ela é o nome cantonense de Nanchang (南昌), a capital da província de Jiangxi. Aí Tomé “Pires fez observações de latitude, uma das quais em Nanchang, que indicou encontrar-se entre 28º e 29º N (latitude exacta, 28º 30′ N). Outra latitude que se sabe ele ter observado foi a de Pequim, a que atribuiu 38º ou 39º (latitude exacta, 39º 54′)” A. Cortesão.

Em Nanjing com o Imperador

Após três meses de viagem, quando a Embaixada portuguesa chegou a Nanjing “o imperador Zhengde encontrava-se então nessa cidade, onde dirigia pessoalmente as operações militares contra um príncipe que se revoltara” como refere Rui Loureiro, que numa nota, usando Paul Pelliot diz, esse príncipe de Ning era Zhu Chenhao e tinha-se rebelado contra a autoridade imperial em 1519, atacando Nanjing, revolta que foi rapidamente controlada. A História da China refere que a rebelião iniciara-se em 10 de Julho de 1519, quando à frente das tropas, o Príncipe Ning partiu da sua capital Nanchang para atacar Nanjing, mas foi derrotado pelo oficial militar local Wang Shouren. O Imperador Zhengde, ao chegar, ficou frustrado por não ter sido ele a liderar as tropas na vitória, como ocorrera em 1518 na expedição ao Norte da China, onde, nomeando-se General Zhu, cercou Yingzhou e numa batalha derrotou os mongóis, o que levou a um longo período sem estes voltarem a invadir a China. Agora a solução encontrada pelos seus ajudantes foi libertar o Príncipe Ning para depois ser o imperador a capturá-lo, o que veio realmente a acontecer.
No Revisitar os Primórdios de Macau para uma nova abordagem da História de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, numa nota lê-se: “Aconteceu que o bárbaro Folangji chamado de Jiabidanmo (capitão-mor) e uns trinta acompanhantes vieram apresentar os seus tributos. Ao chegarem a Nanquim, encontraram Jiang Bin, que comandava as quatro forças de elite na protecção pessoal de Sua Majestade. Este apresentou o Hoja Yasan a Sua Majestade. Sua Majestade gostou do Hoja Yasan e deixou-o ficar na sua companhia.”
Ora Hoja Yasan (Huozhe Yasan) era o intérprete principal do grupo de cinco que vinham de Malaca com Tomé Pires integrados na Embaixada. Quando esta fora recebida em Cantão “tratava-se de uma embaixada mandada pelo país Folangji para apresentar os seus tributos”, mas “como Portugal não constava da lista dos países tributários da China, não podia sequer, em princípio, ser aceite em Cantão para iniciar o processo burocrático de obtenção de autorização para ir à capital imperial”. Como em 1511 os portugueses tinham conquistado Malaca, “a solução encontrada terá sido esta: comunicar a Pequim a vinda desta embaixada como se fosse uma missão de Malaca, um país tradicionalmente tributário da China. Só com esta fraude, talvez sugerida ou mesmo preparada pelas próprias autoridades de Cantão, haveria legitimidade para se conseguir a autorização central para a ida da Embaixada de Tomé Pires a Pequim.” E continuando no Revisitar os Primórdios de Macau: “Neste processo intervêm duas figuras centrais: o famoso jurubaça Hoja Yasan”, natural de Fuliang (Jingdezheng) de Jiangxi e “o eunuco Ning Cheng, que apresentou, muito provavelmente, o jurubaça Yasan a Jiang Bin, o eunuco favorito do Imperador Zhengde. A partir daí, o Yasan, um simples intérprete contratado pelos Portugueses passou a figurar nas fontes chinesas como sendo o embaixador, já que a fisionomia dos Portugueses não correspondia em nada à dos de Malaca, familiar aos mandarins centrais. E assim, paradoxalmente, a primeira embaixada portuguesa seguiu para Pequim com um embaixador chinês. Precisamente por esta razão, não há, na carta de Cristóvão Vieira – que era membro da Embaixada de Tomé Pires – nenhuma referência à actuação de Tomé Pires durante a sua estada em Nanquim e mais tarde, em Pequim, já que talvez Tomé Pires e os outros portugueses que foram às duas capitais tivessem sido aceites como acompanhantes de Yasan, que naqueles termos se fazia passar pelo embaixador perante as autoridades centrais.”
O embaixador do antigo sultão de Malaca encontrava-se já em Nanjing quando a Embaixada portuguesa aí chegou mas, sem conseguir ser recebido pelo Imperador chinês, dirigiu-se para a capital. Esta informação de Rui Loureiro é contrária à de Armando Cortesão que diz: “O Imperador recebeu em Nanquim este embaixador e a carta que trazia. Ao mesmo tempo, chegou-lhe outra carta de dois mandarins de Pequim e ainda outra dos de Cantão, acumulando queixas contra os portugueses, principalmente por causa dos desmandos de Simão de Andrade. Não admira, por isso, que a embaixada portuguesa fosse mandada seguir para Pequim sem ser recebida.” 7 hM Nanjing

O Imperador visita os portugueses

“O Imperador Wu-tsung estava em Nanquim, mas não quis receber aí o embaixador português, mandando-lhe recado para que seguisse para Pequim e lá aguardasse a sua chegada”, mas tal informação de A. Cortesão, pelo que em seguida se relata, cria algumas dúvidas. Rui Manuel Loureiro refere que: “De Nanquim, os portugueses escreveram pela segunda vez para Cantão, afirmando que se tinham avistado com o imperador, notícias estas que chegaram às mãos de Simão de Andrade antes da sua partida para Malaca” e A. Cortesão complementa: “Em 2 de Agosto foram escritas cartas, ao que parece, ainda de Nanquim, depois entregues a Jorge Botelho e Diogo Calvo, em Tamão (são elas que relatam o convívio do Imperador com os membros da Embaixada fora do protocolo).” Algo de muito surpreendente o que nessas cartas é referido como tendo ocorrido em Nanjing e que, por ser fora do restrito protocolo chinês e ter quebrado todos os hábitos diplomáticos, causa grande perplexidade. O embaixador fora extremamente bem recebido pelo Imperador Zhengde (1505-21) e que . O Imperador, que segundo o costume chinês nunca saía dos seus aposentos, tinha ido repetidamente visitar os portugueses, chegando mesmo a jogar com Tomé Pires às távolas. No Revisitar os Primórdios de Macau para uma nova abordagem da História de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang lê-se: “Mais surpreendente ainda é o facto de que o Imperador Zhengde encontrou-os pelo caminho da sua inspecção e foi visitá-los à pousada onde estavam”. “Sua Majestade dignou-se ir pelos seus próprios pés imperiais ter com ele(s) diariamente.” “Tudo isto poderia parecer impossível do ponto de vista da aplicação rigorosa do protocolo dos Ming; contudo, com este Imperador, que gozava da fama de ser liberal e libertino, não havia nada impossível, se considerarmos também que os Portugueses eram apadrinhados por Jiang Bin, que era, nessa altura, o primeiro favorito do monarca.”
“O soberano chinês ordenou que a embaixada seguisse para Pequim, onde seria formalmente recebida” Rui Loureiro e Armando Cortesão refere: “Não consta ao certo quando Pires partiu de Nanquim, nem quando chegou a Pequim. Sabe-se apenas que, depois de ter navegado mais de mil quilómetros ao longo do Grande Canal, já se encontrava na capital quando o Imperador lá chegou, em Fevereiro de 1521.”
No Revisitar os Primórdios de Macau: “As fontes chinesas dão-nos uma ideia de que a integração de alguns membros da embaixada portuguesa no séquito de Zhengde foi um favor imperial conseguido pela intervenção de Jiang Bin…” mas parece que se tratava “de uma prática comum o Imperador Zhengde levar na sua comitiva um número reduzido de membros das embaixadas que se encontravam na China. Esta informação leva-nos a deduzir que parte da embaixada de Tomé Pires ficou com o Imperador Zhengde em Nanquim e a outra seguiu para Pequim. Dos que ficaram em Nanquim, um era sem dúvida, o Yasan, pois nas fontes chinesas há muitas referências ao facto de o Imperador Zhengde, como passatempo, aprender o português com ele”.
Numa nota do Revisitar os Primórdios de Macau refere-se que “Tomé Pires chegou, na comitiva imperial, a 18 de Janeiro de 1521” a Pequim. Já numa outra nota, desta vez do livro Nas Partes da China de Rui Manuel Loureiro diz “Paul Pelliot, recorrendo a fontes chinesas que afirmam que a embaixada portuguesa permaneceu em Pequim quase um ano, coloca a chegada de Tomé Pires à capital em Agosto de 1520. Esta datação é pertinente, pois os portugueses chegaram a Nanquim em Maio, e três meses seriam mais do que suficientes para a viagem entre esta última cidade e Pequim”.
Do Rio Yangtzé até à capital a viagem foi realizada de barco pelo Grande Canal (大运河), passando por Sampitay, conhecida por Pizhou (邳州) e situada a Leste de Xuzhou, chegando a Embaixada por fim a Pequim (北京).

Destaque
O Imperador, que segundo o costume chinês nunca saía dos seus aposentos, tinha ido repetidamente visitar os portugueses, chegando mesmo a jogar com Tomé Pires às távolas

“Com este Imperador, que gozava da fama de ser liberal e libertino, não havia nada impossível, se considerarmos também que os Portugueses eram apadrinhados por Jiang Bin, que era, nessa altura, o primeiro favorito do monarca.”
Jin Guo Ping e Wu Zhiliang em “Revisitar os Primórdios de Macau para uma nova abordagem da História”

3 Jul 2015