Reportagem | Uber: “Mesmo que seja ilegal, apoio o serviço”

Com Flora Fong

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Governo diz que é ilegal, os taxistas temem uma concorrência que também acusam de ser ilegal. Só os residentes parecem satisfeitos: finalmente têm acesso a um meio de transporte à distância de uma aplicação de telemóvel, nos momentos em que não conseguem apanhar um táxi, ainda que o preço esteja longe de ser o ideal.
Dou Lam, de 30 anos, experimentou a Uber no início desta semana. “Eram nove horas da noite, o meu bebé de um ano estava com febre e queríamos apanhar um táxi para o hospital Kiang Wu. Moro na zona norte e durante meia hora não consegui apanhar nenhum. Assim que procurei a Uber, o condutor chegou ao fim de dez minutos e até me ajudou a colocar a cadeira do bebé. Foi muito simpático”, contou ao HM. Dou Lam elogia a chegada da Uber, por ser um serviço que pode ser usado por mulheres grávidas ou idosos, quando os taxistas se recusam a transportar estes passageiros. Contudo, destaca o elevado preço, bem acima das tarifas cobradas pelos táxis.
Já Íris Chan (nome fictício) é residente em Macau, mas vive em Zhuhai. Na passada quarta-feira, teve de voltar a casa num ápice, tendo chamado a Uber para o transporte entre a Doca dos Pescadores e as Portas do Cerco. Pagou 70 patacas.
“Foi um pouco caro mas vale a pena, porque o transporte é muito confortável e seguro, o condutor até saiu do carro para me abrir a porta. Mesmo que seja ilegal, apoio o serviço. Se os cidadãos de Macau conseguissem apanhar um táxi facilmente, a Uber não teria optado por operar aqui”, disse Íris Chan.
Inês Dias apenas conhece a experiência da irmã com a Uber, que usou a aplicação num momento em que precisava desesperadamente de transporte. “O senhor era muito simpático, falava um Inglês impecável e ela teve direito a uma garrafa de água no fim. Mas de facto chegaram mais tarde do que era suposto. Ela usou o serviço e usaria de novo, mas é bastante mais caro do que os táxis normais”, contou ao HM.
Inês Dias não duvida: num território onde as deslocações são cada vez mais difíceis, a Uber torna-se numa opção a seguir. “Não ando muito de táxi, mas se tivesse alguma aflição, e foi o caso dela, que não conseguia apanhar táxi, aí irei chamar a Uber. Não há táxis, chamamos o serviço e estamos à espera uns 15 minutos, por que não? Mas não seria uma coisa que iria usar sempre, porque parece-me bastante mais caro do que os táxis.”
Em comunicado enviado ao HM, a Uber, através do seu porta-voz, Harold Li, assume que os preços são previamente anunciados aos passageiros. “As tarifas cobradas pela Uber são transparentes e são anunciadas aos passageiros antes de começarem a sua viagem, por forma a eliminar essas incertezas. Se os passageiros tiverem algum tipo de dúvida, o nosso serviço de apoio ao cliente está disponível.”

“Não queremos”

Do lado de quem conduz um táxi diariamente, as reacções em relação à Uber são negativas. Tony Kuok, presidente da Associação de Mútuo Auxílio de Condutores de Táxi, diz que a declaração do Governo sobre o factor ilegalidade faz todo o sentido, defendendo que o Executivo “não deve permitir a sua sobrevivência em Macau”.
“Se a Uber quer ser legalizada, pode-se candidatar às licenças especiais de táxi e acredito que aí os cidadãos dão as boas-vindas. Mas usar o serviço sem a devida autorização pode dar origem a acusações. Se não acontecerem hoje, acontecem amanhã”, apontou Tony Kuok.
O presidente da Associação que representa o maior número de taxistas pede a atenção dos residentes para “não arriscarem” a pagar o serviço com cartão de crédito, sem a devida legalização.
“O Governo de Zhuhai combate os serviços de transporte da Uber e o de Macau também deve combater. O Governo já disse à população que é ilegal, e quando houver problema as pessoas não podem queixar-se ao Governo, devem assumir os seus próprios problemas.” táxis
O HM falou com mais quatro taxistas. Ip, com mais de 50 anos de idade, não sabia que a Uber já estava a operar em Macau, considerando que o serviço não vai sobreviver. “Há muitos engarrafamentos e acho que [os condutores da Uber] não vão querer trabalhar neste ambiente. Mas esperamos que a Uber não ofereça este serviço ilegal, concordo que o Governo combata a [empresa].”
Para Chan, taxista de cerca de 40 anos, o serviço de transporte privado pode afectar o negócio dos taxistas, mas não muito. “Se calhar os residentes de Macau não gostam de pedir transporte dessa forma, estão habituados a chamar táxis na rua.”
A taxista concorda com a medida do Governo contra a Uber. “Em Hong Kong e no interior da China a Uber também é ilegal, esse serviço de transporte privado não deve afectar os serviços de transporte público. É tarde se o Governo só combater [o serviço] quando surgirem problemas.
“A Uber vai prejudicar o nosso negócio, é uma competição”, disse Tse, taxista de 50 anos. “Os táxis são regulamentados pela lei, mas eles não. Os táxis amarelos não conseguem sobreviver, como é que eles conseguem? Os táxis pretos têm também serviço de chamada via telefone, mas também não há sucesso, não conseguimos uma chamada por dia”, acrescentou.
Chan é um taxista bem mais jovem, com 30 anos de idade, mas também ele rejeita a Uber. “Não há regulamentação suficiente para esse serviço porque parece que os automóveis podem transportar clientes à vontade e ganhar dinheiro. Essa aplicação quer legalizar o transporte ilegal.”
Mas Chan não acredita que o serviço da Uber influencie largamente o negócio de taxistas. “Os utentes desse serviço podem ser apenas cidadãos de Macau, os turistas continuam a apanhar táxis na rua”, afirmou.

Parcerias com agências de viagens, multas e mal entendidos

“Ficámos surpreendidos com a polícia”

Para poder operar no território, a Uber recorreu a agências de viagens, cujo serviço de transporte está legalizado e reconhecido pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST). Ontem, a Polícia de Segurança Pública (PSP), juntamente com a DST e os Serviços de Tráfego (DSAT), anunciaram três multadas passadas a carros de “transporte ilegal através de chamadas ao serviço ‘pedir transporte’ de aplicações móveis”. Em comunicado enviado ao HM, Harold Li, porta-voz da Uber para Macau, rejeita as acusações.
“Devido ao facto de estarmos a trabalhar com as mesmas agências de viagens e condutores que têm vindo a providenciar transporte aos residentes de Macau e visitantes, bem como aos hotéis e casinos, e uma vez que há disposições legais claras para esses serviços, ficamos surpreendidos e desapontados pela forma como a polícia tem tentado evitar que os condutores providenciem este tipo de serviços. Vamos continuar a trabalhar com conselheiros legais para resolver o que consideramos ser um mal entendido.”
O balanço de quase duas semanas de operações é positivo. “A Uber mantém-se com agências de viagens como parceiras e vamos continuar a trabalhar com elas para providenciar percursos seguros e de confiança para as pessoas de Macau. Estamos estupefactos pela quantidade tremenda de respostas positivas que temos recebido do público de Macau desde o lançamento e vamos continuar a trabalhar arduamente para responder às suas necessidades de transporte”, apontou.
Chon, trabalhador numa agência de viagens, é condutor da Uber há uma semana e confirma a cooperação entre a Uber e as agências de viagens.
“A agência pode ser vista como a empreiteira do serviço da Uber, porque fornece os automóveis e condutores. Mas agora há carência de condutores, a Uber tem apenas quatro automóveis e da nossa parte só há três. Vou precisar de ir conduzir para a Uber dez horas por dia a partir da próxima segunda-feira”, frisou.
Recusando as acusações feitas pela polícia e Governo, Chon explica que os serviços são pagos cara a cara e que os condutores são recrutados pela agência. “A forma é igual à que é utilizada no transporte dos clientes para os hotéis. Só que agora há mais uma aplicação que pode ser usada pelos cidadãos”, defendeu.
Manuel Wu, dono da agência de viagens Macau Explorer, considera que a chegada da Uber a Macau pode ter efeitos positivos. “Pode melhorar o serviço de transportes públicos, porque traz uma competição positiva”, disse o responsável, pedindo ao Executivo que legalize o serviço.
“As leis de Macau devem avançar de acordo com o tempo e o mercado. Não se devem apenas permitir rádio-táxis mas também se deve considerar introduzir o modelo da Uber. Os actuais contratos dos transportes públicos são sempre atrasados e uma cópia [uns dos outros]. O Executivo precisa de pensar mais no ângulo dos candidatos e dos concessionários”, disse Manuel Wu.
Contudo, o responsável defende que “é preciso regulamentar o preço, os condutores e os automóveis. Caso não pertençam a agências de viagens, são totalmente ilegais. O seguro é outro ponto importante”, remata.

Andrew Scott: violência pode acontecer

Optou por não experimentar a Uber por ser presidente da Associação dos Passageiros de Táxi, mas Andrew Scott não deixa de olhar para o serviço com curiosidade. E avisa: a violência entre motoristas de táxi e da Uber pode acontecer, à semelhança do que aconteceu noutros países. “É muito possível. A indústria dos táxis em Macau está muito cimentada e há certos elementos do sector que já mostraram ter tendência para a violência: veja-se os casos no lobby do Venetian contra clientes, situações algo perigosas.”
“Trazer competição ao mercado é bom, fazer o Governo olhar para o sector é bom. O conceito da aplicação é óptimo, já que permite às pessoas terem acesso ao transporte segundo uma solução do século XXI. O Governo tem de encarar a necessidade de aprovar a lei que já foi discutida bastantes vezes. Não diria criar leis para acomodar a Uber no mercado, mas o que o Governo deveria fazer era tentar melhorar o sector dos táxis em Macau, fazendo aprovar a nova lei”, apontou.
Andrew Scott defende ainda a criação de parcerias público-privadas na atribuição das licenças de táxi. “O actual problema é que as tarifas são muito baixas para que haja um bom serviço, criam um mau serviço. E é por isso que eles procuram clientes, dizem que sem isso não conseguem sobreviver. As tarifas deviam aumentar para o dobro ou o triplo.”

Hipótese de legalização “não é grande”

O Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, garantiu ontem que a hipótese de legalizar o serviço da Uber em Macau não é grande. “Mais de metade dos países do mundo não legalizaram o funcionamento da Uber, mas o Executivo vai considerar as opiniões da população e de diferentes sectores. Mas como é difícil regulamentar as tarifas, o que pode fazer com que o abuso das tarifas pelos taxistas se torne mais comum e racional.”

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