Rodrigo de Matos, cartoonista: “Coloco-me na linha de fogo”

Rodrigo de Matos é um dos cinco cartoonistas do território no “Barcelona X Macao Art of Illustration”. Para o criador de crónicas ilustradas, rir da tragédia é importante. O cartoon é fundamental enquanto alerta para os problemas da actualidade

Tem formação em jornalismo, área em que trabalhou, mas está agora exclusivamente dedicado ao cartoon e à ilustração. Como é que esta passagem aconteceu?

É preciso perceber que não sou um ilustrador puro. Sou um cartoonista editorial. O cartoon editorial, ao contrário do que muita gente pensa, não é um tipo de ilustração. É um trabalho diferente que usa outra linguagem. A ilustração ocupa, numa publicação, um lugar especifico e que é, como o próprio nome indica, o de ilustrar e embelezar textos. Já o cartoon editorial é mais do que isso: é uma espécie de crónica de opinião, escrita numa linguagem muito própria. A minha formação em jornalismo, bem como a experiência que tive depois da formação enquanto repórter, foram muito importantes. É por isso que posso dizer que tenho um conhecimento, teórico e prático, de como é produzida a informação. Penso que sei filtrar melhor o que são os acontecimentos da actualidade, o que está por detrás de determinadas situações e as suas implicações. Isso também é uma parte fundamental do meu trabalho enquanto cartoonista. O meu cartoon é, antes de mais, um trabalho de selecção do que é importante na actualidade e do que tem potencial humorístico também. Além disso, tenho de acrescentar a ilustração propriamente dita. Em suma, o meu trabalho implica o trabalho jornalístico e editorial em que é seleccionado o que é importante e em que analiso as notícias, tenho o trabalho de criar uma piada à volta disso e depois o de conseguir transmitir a ideia com a linguagem da informação.

Acabou por fazer um curso em Madrid específico nesta área.

Sim, na ESDP de Madrid aprende-se a trabalhar com uma diversidade grande de meios analógicos e tradicionais da pintura. Foi também ali que aprendi a produzir vários tipos diferentes de ilustração para ser publicada, desde ilustração infantil a desenho realista de cenas históricas e de animais como aqueles que vemos, por exemplo, numa enciclopédia. Foi um curso muito importante porque foi muito prático e foi onde aprendi o que me faltava: ter um traço mais profissional.

Foto: Sofia Margarida Mota

Já chegou ao seu traço?

Sim, penso que sim, mas noto evolução a cada ano que passa. A graça de tudo isto também é esta evolução para que não esteja a fazer sempre a mesma coisa. Nos últimos anos fiz um esforço de conversão ao digital total. Já no final do curso, em Madrid, demos umas bases de utilização do Photoshop para o tratamento de desenhos feitos em papel. Quando comecei a trabalhar profissionalmente com cartoons, todo o meu trabalho era feito sobre papel, com canetas e lápis: primeiro era o esboço com lápis, depois com lápis azul e depois com uma caneta especial. Era um processo que envolvia três folhas de papel que depois digitalizava e coloria. Actualmente, já há uns tablets muito bons em que desenhamos sobre o ecrã e que são muito semelhantes ao papel. A tecnologia também já evoluiu tanto que a sensibilidade destas canetas digitais está muito próxima, se não mesmo melhor, do que as canetas tradicionais. Esta evolução tem sido muito positiva porque vejo que o meu trabalho não perde nada quando feito digitalmente, sendo que até pode ganhar.

Recebeu, em 2014, o Grand Prix do Festival Press Cartoon Europe, na Bélgica. Em que é que este reconhecimento internacional projectou os seus desenhos?

É difícil avaliar até que ponto isso aconteceu, mas penso que terá acontecido. Um prémio desses é uma coisa que valoriza muito qualquer currículo.

Quais são as suas referências editoriais?

Sou, desde sempre, um grande apreciador daquilo a que se pode chamar da escola norte-americana de cartoons. Os trabalhos que são publicados na imprensa de referência dos Estados Unidos da América têm uma linguagem e um humor típico que me influenciam muito.

Como é que poderia caracterizar essa linguagem?

É um pouco redundante falar em humor inteligente porque penso que todo o humor tem de ser inteligente. O humor implica uma actividade cerebral que leva à compreensão da piada. Os americanos são muito influenciados por uma escola associada à stand-up comedy de qualidade. É um humor mordaz e sarcástico e que não explica a piada, não dá tudo ao leitor. O que os cartoonistas americanos fazem, e que eu também procuro fazer à minha maneira, é contar uma história dando só um pequeno momento, aquele momento chave que é suficiente para perceber tudo o que se quer contar.

Muitas vezes os cartoons pegam em situações trágicas da realidade. A estas situações junta o humor. Como é que lida com esta ligação?

Ainda hoje, sempre que faço um cartoon acerca de um determinado tema mais triste, como um ataque terrorista com vítimas mortais, há sempre alguém que diz que o meu trabalho é de mau gosto. Penso que é uma questão muito cultural. Ainda achamos que o riso ofende, que o riso é uma coisa feia, proibida e má. Temos uma visão muito negativa do humor que, penso, nos é transmitida pela nossa cultura judaico-cristã. É um erro que pode ter tendência a ser corrigido nas próximas gerações, se o mundo evoluir numa direcção interessante. As pessoas têm tendência em confundir o tema da piada com o alvo da piada. Quando faço um cartoon acerca de um acontecimento com mortes, ou sobre uma doença que está a matar crianças, o que pretendo não é ridicularizar as vítimas, não é humilhar quem sofre. A intenção do cartoon é chamar a atenção para o que está mal. Quanto mais grave a situação é, mais pede um cartoon. O que se pretende, quando se faz este tipo de trabalho, é que as pessoas se indignem com o que está mal. O cartoon aponta o dedo aos paradoxos da condição humana. Se isso pode provocar o riso, é para que nos possamos também rir de nós. A nossa cultura, especialmente quando se fala de morte, tem um preconceito enorme. A morte é um grande tabu, é intocável. Não se pode falar dela, não se pode brincar mas, na realidade, a morte faz parte da vida, é a sua parte final. Quando um trabalho meu tem esse tipo de reparo, quando é considerado uma coisa de mau gosto só porque aborda o tema da morte ou do sofrimento das pessoas, procuro não me deixar perturbar. A verdade é que o meu trabalho é sempre susceptível de críticas. Coloco-me na linha de fogo. Um cartoonista, faça o que fizer, seja qual for o tema, vai ofender sempre alguém. Mas nem sempre a pessoa que se sente ofendida tem razão. Cresci a ouvir que não devia brincar com coisas sérias e nunca concordei com isso. Até hoje tenho tentado provar o contrário: as coisas sérias são coisas com as quais devemos brincar e que devemos abordar de todas as formas.

Que temáticas mais gosta de abordar?

Gosto precisamente das que são mais problemáticas porque representam um desafio maior. É arranjar uma piada no drama. Há sempre um lado irónico nas coisas. Uma situação trágica em que há várias mortes sem razão é uma coisa muito difícil. Mas são também estas situações que encerram em si uma ironia e um paradoxo muito grande. Estas características estão inerentes ao actual momento da nossa civilização. Somos tão avançados, somos capazes de realizações tecnológicas incríveis e, ao mesmo tempo, ainda aqui andamos a matar-nos por causa de homens invisíveis.

Veio para Macau em 2009. Como é que esta vinda para o Oriente influenciou o seu trabalho? 

Macau apareceu na minha vida por acaso. Estava em Lisboa, tinha a colaboração com o jornal Expresso e vim cá visitar um amigo. Com a oportunidade de trabalhar aqui fiquei dividido. Acabei por optar por ficar em Macau precisamente por achar que teria um potencial de conhecimento maior se aqui ficasse. Pensei também em aprender a língua chinesa, um projecto que ainda não consegui concretizar. Ao tentar perceber uma cultura tão diferente da nossa, acabamos por ficar sempre mais ricos e por perceber melhor o próprio ser humano.

8 Jun 2017

‘Gaokao’| Milhões de estudantes iniciam teste crucial

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ilhões de estudantes chineses submetem-se desde ontem ao ‘Gaokao’, o maior exame de acesso à universidade do mundo, considerado “crucial à meritocracia chinesa”, e que exige anos de preparação.

Segundo números do ministério chinês da Educação, de um total de quase dez milhões de adolescentes que fazem esta semana os testes, apenas 3,74 milhões vão conseguir entrar na Universidade.

Entre aqueles, só alguns milhares terão acesso às melhores instituições de ensino superior do país, que garantem maiores probabilidades de um bom futuro profissional ou académico.

“O ‘Gaokao’ é como um grande jogo, em que cada participante segue a mesma lógica e trabalha arduamente para aumentar as hipóteses de ser escolhido”, descreve Liu Jiawei, estudante na Universidade de Pequim.

Para Liu, o ‘Gaokao’ é também uma prova do seu esforço nos primeiros vinte anos da sua vida e marca um ponto de viragem para a vida adulta.

O êxito no ‘Gaokao’ pode proporcionar a saída da pobreza de famílias rurais, permitindo o acesso dos seus filhos a um emprego bem remunerado nas prósperas cidades do litoral.

Mobilização geral

A prova é um acontecimento nacional, com pais e familiares, estudantes ou curiosos, a concentrarem-se em frente aos centros de exame para encorajar os estudantes.

O ‘Gaokao’ demora entre dois e três dias, variando entre províncias, e inclui testes de língua chinesa, matemática, inglês, humanidades e ciências.

Na Mongólia Interior, noroeste da China, um comboio transportou na terça-feira mais de 600 estudantes até ao distrito de Oroqen, para realizarem a prova.

Em Pequim e outros centros urbanos, a frequência de algumas carreiras de autocarro foi reforçada. No metro, os estudantes têm acesso prioritário, evitando filas de espera em hora de ponta.

Dispositivos da polícia são também destacados, para manter a ordem e evitar o uso de cábulas.

Este ano marca o 40.º aniversário desde que os testes foram retomados, após terem sido suspensos durante a Revolução Cultural, entre 1966-76.

8 Jun 2017

Pequim opõe-se a relatório do Pentágono sobre o exército chinês

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]equim “opõe-se firmemente” a um relatório do Pentágono sobre o exército chinês, que destaca a construção de instalações militares em ilhas artificiais no Mar do Sul da China e sugere que o país construirá mais bases militares além-fronteiras.

A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Hua Chunying afirmou ontem que o relatório, que é publicado anualmente, contém “comentários irresponsáveis” e ignora os factos.

“A China opõe-se firmemente” ao documento, disse Hua, afirmando que o seu Governo é uma força na salvaguarda da paz e estabilidade na região Ásia-Pacífico e no mundo.

Recusando comentar a possível abertura de bases militares além-fronteiras, Hua afirmou que a China e o Paquistão – um dos países apontado como favorito a receber uma base chinesa – são países amigos que colaboram de forma mutuamente benéfica em diversos domínios.

A China está a construir a sua primeira base militar fora do país em Djibuti, que diz irá facilitar a sua participação em patrulhas anti-pirataria no Golfo de Áden e as operações da ONU de manutenção da paz na região.

Influência crescente

A base ficará situada próximo de uma base norte-americana, mas o exército dos Estados Unidos recusa que se trate de uma ameaça.

“A China muito provavelmente vai tentar estabelecer mais bases militares em países com os quais tem uma longa relação de amizade e interesses estratégicos similares, como com o Paquistão”, afirma o relatório do Pentágono.

“Esta iniciativa, somada à visita regular de navios militares chineses a portos estrangeiros, reflecte e amplifica a crescente influência chinesa, estendendo o alcance das suas forças armadas”, aponta.

O documento refere ainda a construção de instalações militares nas Ilhas Spratly, no Mar do Sul da China, que Pequim reclama quase na totalidade.

E detalha que, no final do ano passado, a China estava a construir hangares com dimensão para combate, instalações para fixar armas, quartéis, edifícios administrativos e infraestruturas de comunicação.

A China afirma que as bases servem para garantir a segurança de navegação e assistir barcos de pesca. Mas aponta também que ajudam a reforçar as reclamações territoriais do país e que Pequim tem o direito de aumentar a capacidade de defesa no território.

“O desenvolvimento da defesa nacional serve para salvaguardar a independência soberana da China e a integridade do seu território. É um direito legítimo de um Estado soberano”, afirmou Hua.

8 Jun 2017

Vergílio Ferreira: Memória, realidade e imaginação

Ferreira, Vergílio, Rápida a Sombra, Bertrand, Lisboa, 1993
Descritores: Literatura Portuguesa, Romance, Memória, Regresso, Paraíso Perdido, 214, [2] p.: 21 cm, ISBN: 972-25-0269-7.

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Rápida a Sombra dominam os temas que são estruturais na obra de Vergílio Ferreira, como por exemplo a ideia de um regresso, que é quase sempre a uma aldeia. A ideia de regresso após um longo afastamento está também no Cântico Final, no Para Sempre, em Signo Sinal e em outros romances. É o regresso que geralmente potencia a elaboração de uma espécie de balanço reflexivo através do uso da memória. A analepse é uma das figuras de estilo mais caras a Vergílio Ferreira, desde logo por isso, porque os regressos e os exercícios de memória são recorrentes. Contudo neste romance, Rápida a Sombra, o regresso de Júlio Neves é-nos dado apenas em termos imaginários enquanto em Para Sempre se trata de um regresso definitivo, o que de facto também não muda nada, pois a ideia de regresso é sempre ao mesmo tempo real e fictícia.

O romance usa espaços distintos e não só a cidade e a aldeia, mas também o escritório, a praia, as várias casas, etc., mas o que não é nomeável, sendo porém muito mais da ordem do arquétipo ontológico, é a oposição mais estruturante entre o espaço do visível e o espaço do invisível. São as figuras femininas que delimitam, em minha opinião, as fronteiras, ou seja, as verdadeiras fronteiras, aquelas que separam e organizam duas modulações de Ser. Este é outro tema recorrente nos romances de Vergílio Ferreira. Há sempre duas mulheres paradigmáticas tal como neste romance Helena, a sua mulher, e Hélia, mulher sonhada e paradigma de desejo e nostalgia. É esta bifurcação ôntica que permite a instauração de três domínios existenciais, o da memória, o da realidade presente e o da pura imaginação. O visível e o invisível, contudo, não são afins de nenhum dos três domínios de forma esquemática ou simplista. O invisível pode fazer a sua erupção tanto através da imaginação como da memória, o que parece óbvio, mas pode também irromper, fazer a sua aparição, a partir justamente da realidade. Como diz Vergílio Ferreira, em Rápida a Sombra “só o invisível se vê, a irrealidade é real, nos intervalos do real e do visível!”.

É esse, o papel próprio da ficção, do romance e da novela em particular, dar a ver um tipo de realidade que mais nenhuma arte é capaz de dar, essa espessura existencial que se não vê. Neste sentido radical há uma aparição em toda a arte do romance. O romance é a forma de arte em que o invisível, o intangível puro, se torna visível e aparece. O romance é sempre a expressão de uma epifania porque nos narra a experiência do acesso ao rosto do que é invisível e não tem rosto. Em boa verdade devo desdobrar este conceito de narrativa em dois elementos, o que ela, narrativa, narra e o que pela narrativa se faz aparecer, pois são duas realidades imbrincadas mas distintas. Narrando uma ordem de coisas e de factos o narrador, através do seu poder, faz aparecer outra ordem de factos e de coisas. É como se de uma arte da prestidigitação se tratasse. Vergílio Ferreira di-lo e nesse sentido diz o mesmo que Milan Kundera, embora por outras palavras: “Todo o real tem atrás de si outro real. E é nesta diferença que se insere a distinção entre o ‘saber’ e o ‘ver’. Saber que se é mortal só é ver que se é mortal quando se passa para o lado de lá do saber. É onde está a ‘aparição’. O que está para lá é do domínio do intangível e do sagrado. Como aos deuses, não se lhe pode ver a face. Ou só em breves instantes de privilégio”.

Não partilho com Vergílio Ferreira, no entanto, a ideia de que a aparição, a epifania portanto, responda a uma pergunta. Partilho com Kundera a ideia da insustentável leveza do ser. Num romance a narrativa faz aparecer essa dimensão da existência, única, essa erupção do que se não vê, justamente porque não pergunta nem questiona, não especula nem investiga; narra apenas e narra, quase que se pode dizer, de uma forma intelectualmente pobre e não filosoficamente pretensiosa; pois é a narrativa do aparentemente nada que faz fulgurar, nunca porém de repente, mas como uma moinha que de nós se apropria, uma outra dimensão da existência. A dimensão da existência que o romance mostra e da qual nos faz participar é rigorosamente como um estado de alma que aos poucos se apodera de nós e nos mantém cativos durante um certo tempo.  

     

Sinopse e Ficha Crítica de Leitura

Vergílio Ferreira nasceu na aldeia de Melo, no Distrito da Guarda a 28 de janeiro de 1916 e faleceu em Lisboa no dia 1 de Março de 1996. Formou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em Filologia Românica. Em 1942 começou a sua carreira como professor de Português, Latim e Grego. Em 1953 publicou a sua primeira colecção de contos, “A Face Sangrenta”. Em 1959 publicou a “Aparição”, livro com o qual ganhou o Prémio “Camilo Castelo Branco” da Sociedade Portuguesa de Escritores. Em 1984, foi eleito sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras. As suas obras vão do neorrealismo ao existencialismo. Considera-se geralmente que o romance Mudança assinala justamente a mudança de uma fase para outra. Na fase final da sua carreira pode-se dizer que Vergílio Ferreira tocou as fronteiras de um puro niilismo. Em 1992 foi eleito para a Academia das Ciências de Lisboa e além disso, recebeu o Prémio Camões, no mesmo ano.

Obras principais: Mudança (1949), Manhã Submersa (1954), Aparição (1959), Para Sempre (1983), Até ao Fim (1987), Em Nome da Terra (1990) e Na tua Face (1993).  O autor faleceu em 1996, em Lisboa. Deixou uma obra incompleta, Cartas a Sandra, que foi publicada após a sua morte. A partir de 1980 e até 1994 foram sendo publicados os seus diários, com a designação de Conta Corrente. Deve ainda salientar-se a publicação do conjunto de ensaios intitulado O Espaço do Invisível entre 1965 e 1987.

8 Jun 2017

Virgens e meninos rabinos

05/05/2017

Max Ernst – “Virgem que espanca o Menino Jesus observada por três testemunhas” (1926)

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma vez, pensava na vida olhando a minha filha mais pequena que brincava com um pato amarelo, de plástico, e perguntei-lhe de chofre: Filha, o que é a mentira? Ela, entretida com o  pato, atirou: Uma tartaruga. Não me desmanchei: E quantas patas tem? Respondeu firme: Duas.

Depois, sob pretexto de lhe ler uma história, mostrei-lhe uma gravura com uma tartaruga. Ela concluiu o resto, não precisei de lhe dizer uma palavra. Chama-se a isto a racionalidade: a capacidade de mudarmos as nossas concepções quando confrontamos aquilo  em que acreditávamos com a experiência da realidade.

O que se denota pelo comportamento de Trump é que para ele as tartarugas ainda têm duas patas e continuarão a ter.

Dizia o presidente americano que os EUA abandonam o acordo por ser mau para o emprego nos Estados Unidos, pois afecta a indústria do carvão e de outros combustíveis fósseis. O que ele não diz – eis uma personagem em quem até as omissões mentem – é que o acordo, simultaneamente, estimula outras indústrias bem mais florescentes na economia dos EUA. Elucidam os jornais: «Segundo números do Departamento da Energia, citados pela CNN, a indústria do gás natural emprega 362 mil pessoas, a solar 374 mil e a eólica 102 mil. Já a indústria do carvão dá emprego a 164 mil funcionários, um número que tem vindo a descer há décadas. Os dados mostram ainda que a empregabilidade na indústria solar cresceu, em 2016, 17 vezes mais que o crescimento total do emprego.» Não são recicláveis os operários americanos? A tal da perna curta, etc.

Na verdade, a única coisa que lhe interessa são duas.

A primeira é exibir músculo para ver se ganha ao resto do mundo a discussão sobre quem estabelece as regras da relação, o vulgo “quem manda em casa!”. E as coisas não estão a sair-lhe bem.

A segunda é a que resulta disto: em Trump, neste momento, por detrás da máscara da arrogância, existe uma criança tremendamente assustada. Alguém que deu conta de que pode haver despistes mortais num triciclo.

Em estudando-lhe as expressões faciais, nos momentos chaves da sua exposição mediática, nota-se alguém tremendamente dividido entre o papel de que ele se acha investido e a mortificação de já não saber que máscara adoptar com precisão em cada ocasião. A urgência pomposamente solene com que empurrou Montenegro (a macia matéria do mundo) para depois apertar um botão do casaco em Grande-Plano não é congruente com o ar de pilhéria com que anuncia que se está nas tintas para que o planeta fique estufado – um ar de puto radiante por contrariar os outros.

A lição dura que Trump está a ter através de humilhações sucessivas, dentro e fora – e proporcionais à irrealidade com que as nega no twitter – é a derrota do homem comum americano: a sua impropriedade para enfrentar a complexidade do mundo actual, dado padecer da inércia de nunca se interrogar se a tartaruga terá mesmo duas patas.

Por isso jamais poderá agir Trump como diplomata e nunca almejará ser mais do que o ladino intermediário de alguns negócios, não coincidindo exactamente o seu primeiro interesse com os interesses da  América, antes fixando-os na manutenção do rating da sua imagem. Será que o triciclo se aguenta na curva?

Só este pânico explica a inadequação dos tuites em que desqualifica o mayor londrino. Não é a pertinência, a justeza da palavra que ele visa, isso é irrelevante, ele apenas roga, desesperadamente, por atenção e, quiçá, ternura.

Apetecia convocar aqui a “Virgem que espanca o Menino Jesus observada por três testemunhas”, de Max Ernst (o quadro que ilustra a crónica)” – são imensamente friáveis as nádegas do Menino, seu filho. E, para já, tirar o triciclo a Trump. Quanto a mim prometo não voltar ao tema dos meninos rabinos.

06/05/2017

Esta Virgem e a crónica de há duas semanas do Valério sobre as 72 Virgens que aguardam por mártir de um Islão no Paraíso, fez-me pensar no tipo de virgens que quereria para mim, depois duma minha virtual conversão. Eis algumas que já me ocorreram:

  1. a) Têm todas de ter um certificado de garantia de que nunca estiverem em hotel russo ao mesmo tempo que um milionário americano, não quero hímenes restaurados;
  2. b) quero uma virgem com uma genitália que seja uma espiral de quatrocentos e cinquenta metros de diâmetro, com rochas negras de basalto, para que eu exercite os meus dotes de montanhista;
  3. c) outra com uma (sic) como a que descrevi exaustivamente num conto: com quatro cantões como a Suiça. Já que a nomeei mereço frequentá-la;
  4. d) uma virgem, como pediria o filósofo Agamben, de “uma beleza-por-vir” mas que não seja demasiado linguaruda como a Xerazade, podendo no entanto herdar-lhe as axilas, que diziam aromatizadas em jasmim. Melhor, que seja só axilas…
  5. e) uma virgem que, como queria o gnóstico Valentim, não obre e não urine e saia ilesa de todas as minhas fantasias;
  6. f) uma virgem cuja palavra menstrue, para que me lembre. Outra
  7. g) tão inteligente que, de cada vez que me veja nu, não sinta logo necessidade de chamar os bombeiros;
  8. h) uma virgem que tenha pomares nas virilhas e exsude em aparos moles;
  9. i) uma virgem tão feliz em sê-lo que a cole num postal para o Papa Francisco;
  10. j) uma virgem especialista sobre o vasto mundo do paguro;    
  11. k) uma virgem inautêntica, até sincera nisso, e duma fantasmagórica vacuidade para que eu possa dormir lá dentro;
  12. l) uma especialista em sânscrito que me possa ler o Kama Sutra, na língua que o incarna, sem precisarmos de nos cansarmos no espaldar;
  13. m) uma não-virgem, que pode ser a minha mulher (troco-a por vinte e cinco virgens), pra que naquela imensa eternidade tenha alguém que me diga que não;
  14. n) uma virgem que respeite a minha decisão de não querer ser informado sobre os pormenores da incandescente cópula do gafanhoto (16 horas de labor operático).

Por favor, recrutadores, passem a palavra.

8 Jun 2017

Baleia azul

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pareceu esta estranha designação que tem por detrás práticas destrutivas e incentivo à destruição como meio de averiguar o limite das capacidades quando norteadas por um engenhoso cérebro de « Encantador de Serpentes». Não creio por isso que o seu inventor seja um jovem de vinte e dois anos — isso é apenas mais um embuste de carácter «Lobo Solitário» que sabemos não existir quando se trata de mecanismos mais vastos. Estamos perante um teste laboriosamente criado para analisar a vulnerabilidade dos jovens, até que ponto eles estão receptivos a um propósito cego e vertiginoso que, tal como a magia, os guie num canto suicida.

Todo este mecanismo não afirma: “Quero acabar com a Humanidade!” Um mecanismo destes não produz frases, deixando-as para os mais jovens e radicais. Os jovens sagram sempre. Há mesmo ritualisticamente a herança sacrificial dos mais belos, dos sem defeito, para acalmar a fúria dos deuses, pois que se for velho, com defeito ou feio, a tempestade não acalma: Abraão não vai do presente para o passado – o degolador do filho – apenas do passado para o futuro do Homem que praticava costumes tribais de matança dos inocentes na linha dessa necessidade. A sua importância firma-se pelo fim dessa prática, já que na consciência humana representada pelo anjo ele evolui para uma nova dimensão. Passam então os animais a cumprir esse antigo desígnio: os cordeiros, as pombas, os bois, sempre jovens, pois que um cordeiro adulto se transforma em carneiro. Manteve-se o princípio: o sangue velho é um plasma que também não apazigua o deus do monoteísmo.

Mas as nossas sociedades estão cada vez mais velhas, como bem se constata proporcionalmente à média de vida atribuída neste período do tempo, pois que se fôssemos homens bíblicos estaríamos certamente entre o imberbe e a pequena infância e o que daqui resulta é que da nossa vida já vivida, as ideias ,os conceitos e as realidades, ultrapassam em muito os sonhos juvenis e os espaços de manobra que eles têm para ser. No meio de tal abundância eles colidem ainda com o artefacto adulto de uma “juventude” que se prolonga, sendo por embuste que nos aproximamos muitas vezes das suas naturezas.

Sabemos que o tempo que lhes dedicamos é um dever feito com esforço e uma imensa insegurança. Queremos defendê-los mas não sabemos de que forma. No nosso íntimo achamo-los desagradáveis e problemáticos e desejamos que aquilo passe; crescer é uma dor que presenciamos e não sabemos ainda resolver; nós que resolvemos quase tudo… ou pensamos ser assim. Lembramo-nos, não raro, com um certo alívio, que mesmo em queda, ali não voltaremos mais, lembramos a nossa dor nesses domínios, mas o tempo era outro e o estranho é que a placa de vidro frio das antigas gerações é exatamente a mesma que eles projectam em nós. Nós, tão diferentes de tudo, temos de ser expostos a um teste que denuncia paralisação.

Os jovens mesmo em queda são milhões pelo mundo fora e há que saber testar os seus limites e fazer experiências ao grau de extremo abandono a que, não parecendo, estão sujeitos. É uma “central” que de certa forma quer saber se pode contar com este “exército” quando o mote das suas ordens se fizer sentir e assim estes e outros jogos e outras baleias avançam para um primeiro escrutínio experimental. Um líder jovem que não sabe dos estatutos da missão dirá ainda ingenuamente: «Quero acabar com toda a Humanidade» mas, por detrás, o saguim e o sardónico manejam os cordéis. Estes cordéis que podemos, mesmo metaforicamente, remeter para a primeira felicidade de Pinóquio « Não há cordões em mim! (…) posso andar, posso falar, posso mexer(…)». Mais tarde também ele se encontrará no ventre da Baleia, da Dona Monstra.

Aliás, a ideia de uma Humanidade engolida por um ser marinho é comum em todas as civilizações. Jonas por lá andou retido e o delírio da sua invocação e da salvação foi tanto que é vomitado do seu ventre para fora. O mar é inimigo de Deus desde a origem, é visto como um reino da morte quer como o caminho que a ela conduz e, se formos a um dos mais emblemáticos romances do século vinte, «Moby Dick» de Herman Melville, saberemos identificar alguns signos desta verdade: o seu herói é Ismael que luta contra o grande Leviatã, neste caso, a Baleia Branca. O deserto é a antítese deste Inferno e, até ver, onde Deus nasceu, bem como todos os homens das tribos desérticas. Existe ainda por lá o Paraíso. Ismael, filho de Abraão, também não foi morto tal como o seu irmão Isaac: o deserto salvou-o do sacrifício criancista. O monstro é absolutamente de identificação marítima. E agora do grande romance que diz assim: (ainda e a propósito dos jogos jovens ou dos jogos com os jovens, dos testes que só a eles sangra, e que não vemos, impávidos como andamos, a sua tão líquida frescura. E este romance é quase uma profecia).

«GRANDE E DISPUTADA ELEIÇÃO PARA A PRESIDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS»

« VIAGEM DE UM TAL ISMAEL NUM BALEEIRO»

« BATALHA SANGRENTA NO AFEGANISTÃO»

« No entanto, não consigo adivinhar por que motivo esses encenadores, os Destinos, me designaram para um reles papel numa expedição baleeira, quando outros receberam magníficos papéis em grandiosas tragédias, e falas breves e simples em comédias ou em farsas; mas agora que recordo todas as circunstâncias, começo a compreender as origens e os motivos que, astuciosamente apresentados sob vários disfarces, me induzem a aceitar este papel, além de me levarem a cair no engano de que se tratava de uma escolha resultante do meu livre arbítrio e do meu discernimento.»

O populismo não é apenas político, mas também cultural, afásicos sistemas que consistem na degradação e banalização do pensamento e, se não se fizer mais que dar notícias e querer-se inventar tudo a partir de uma ideia milagrosa que geralmente se afirma de modo terrorista, com frases bombásticas e antevisões de conhecimentos panfletários, nunca iremos saber o porquê destas Baleias, desta hiperbólica boca aberta para um ventre de que o próprio Leviatã se demitiu na sua imponderável denúncia de não querer saber mais disto para nada. É depois uns contra os outros que iremos ser vomitados sem que saibamos da “central” nem de coisa nenhuma.

Os livros não são um fim em si, mas uma ajuda, e quase seria melhor abdicar de um entulho argumentativo dissolvente que empoeirou a visão da consciência do que andar perdido entre resmas de “verdades” insolventes. Parecem-nos todas longínquas estas outras Baleias, mas não, são exactamente as mesmas que esta Azul, indisfarçavelmente monstruosas, e só outros poderes as conseguem subjugar. A atenção requer entrega, um aspecto que a “central” sabe não existir, e entregamos-lhes assim por indiferenciação esmagadora a vida dos nossos filhos.

8 Jun 2017

Loucura, santa loucura

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]iva! Reside em Macau, e não é maluco? Bipolar? Esquizofrénico? É normal, portanto. Ora, nem sabe o que está a perder, pois em Macau vale a pena ser louco. Nem que seja um bocadinho, mas quanto mais melhor. Garantidamente ninguém se mete consigo, enquanto que se der o caso de ser uma pessoa normal, arrisca-se a ter que prestar contas à Polícia, ao Ministério Público, à Auditoria, ao CCAC, tudo! Macau é “no country for sane men”. Lembram-se daquele idoso sem abrigo que costumava ficar especado no meio do Largo do Senado a emanar um intenso odor a urina? Muitos anos passaram, e o senhor muito provavelmente já terá ido ter com o criador, mas na altura em que era um enfado para residentes e turistas, chegou a haver quem tivesse interpelado as autoridades e chamado a atenção para o caso. Resposta da polícia? “O senhor tem o direito de estar ali, se quiser”. Viva o segundo sistema, onde se consagra o direito de se revelar o que vai quer na alma, quer na bexiga.

Atendamos ao exemplo do “estranho amarelo”, como é conhecido entre locais e turistas aquele indivíduo que quase diariamente pontifica na Avenida da Praia Grande, e debitar altos decibéis de poluição sonora através de uma grafonola rachada, e a exibir danças tribais entre no meio da estrada, entre os sinais vermelhos para o trânsito. Experimente o leitor desatar a berrar a meio do dia naquela artéria da cidade, e em menos de cinco minutos tem a polícia à perna. Um dia destes alguém partilhou nas redes sociais uma imagem do referido indivíduo a viajar num transporte público com todo o aparato que o acompanha – cartazes, megafone, roupagem estúpida, tudo a que tem direito. Tente o leitor entrar num autocarro com duas malas de viagem, e vai ver como é dali escorraçado em menos que nada.

O pior mesmo é quando a loucura parte de onde menos se espera, ou de onde nunca deveria partir. Ainda esta semana os Serviços de Saúde (SS, e nem por acaso) anunciaram um sistema de delação, onde se encoraja os residentes a denunciar quem estiver a fumar em espaços proibidos para o efeito. Ora isto de fumar não é bem a mesma coisa que montar uma barraca de farturas, e já consigo imaginar a situação:

– “Ah ah! O senhor está a fumar aqui, onde não é permitido?”

– “Sim…olhe não sabia”.

– “Ai não? Então olhe, fume devagarinho que eu vou ali chamar o fiscal!”

– “E se entretanto eu acabar o cigarro?”

– “Acenda outro!”

Claro que a excepção seria sempre para o estranho amarelo. Esse bem podia estar a fumar numa maternidade ou no Macau Dome, e ninguém dizia nada.

E do que me estou eu a queixar? Ora essa, de coisa nenhuma. A loucura é que está a dar, garanto-vos, ou não me chame eu Napoleão Bonaparte.

PS: Realizam-se as eleições no Reino Unido, numa altura em que o país está mergulhado numa onda de insegurança devido a mais um atentado levado a cabo em Londres no último sábado, e uma outra de incerteza devido ao Brexit. Fico a torcer para que a partir de hoje a sra. Theresa May passe a uma (infeliz) nota de rodapé da História. E não, agora não é loucura.

8 Jun 2017

Detido líder do maior grupo da máfia japonesa ‘yakuza’

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s autoridades japonesas detiveram, por fraude, o líder do grupo ‘yakuza’ Kobe Yamaguchi-gumi, herdeiro da maior organização criminosa do país, num novo golpe da polícia contra a máfia que vive actualmente uma luta interna pelo poder.

Kunio Inoue, de 68 anos, foi detido na terça-feira pela polícia de Hyogo, no centro do Japão, pela suspeita de ter registado sob o nome de outra pessoa um telemóvel para seu uso pessoal, segundo noticiaram ontem os meios de comunicação social japoneses.

A detenção de líderes mafiosos por delitos menores é uma prática habitual que a polícia utiliza para iniciar processos formais de acusação, dado que assim ganham tempo para recolher provas e construir casos sobre crimes mais graves e mais complexos.

Kunio Inoue lidera o grupo de Kobe, que se separou em 2015 da Yamaguchi-gumi, considerada até então o mais poderoso dos grupos ‘yakuza’ e uma das organizações criminosas que mais receitas gera em todo o mundo por actividades como extorsão, tráfico de droga e fraude fiscal, entre outros negócios ilegais.

O detido admitiu ter usado o telemóvel registado em nome de uma conhecida durante o interrogatório, mas as autoridades podem apresentar novas acusações contra si antes de terminar o prazo legal de detenção, explicaram fontes policiais ao diário Asahi.

Em queda

A Yamaguchi-gumi, fundada em 1915 na cidade portuária de Kobe (sul), sofreu a cisão de 13 dos seus grupos afiliados no verão de 2015 devido a lutas de poder e à pressão crescente da polícia e da sociedade japonesas.

As autoridades intensificaram a vigilância deste tipo de organizações por ter receio da ocorrência de ajustes de contas e para aproveitar o momento de debilidade que atravessam, por causa da dissidência, o que se reflecte no número decrescente de membros.

A Yamaguchi-gumi contava em 2014 com aproximadamente 23.400 membros – quase metade dos cerca de 53.300 ‘yakuza’ de todo o Japão –, um número muito inferior aos 180.000 que tinha durante a ‘era dourada’ da máfia japonesa na década de 1960.

No passado mês de Abril, o próprio grupo de Kobe da Yamaguchi-gumi sofreu uma perda massiva de afiliados, que formaram um novo subgrupo independente.

Desde então, as organizações criminosas encontram-se em estado de confrontação, tendo sido registados 47 incidentes que resultaram em mais de 30 detidos, segundo dados da polícia nipónica.

8 Jun 2017

Análise sobre concessões de jogo: Pensar com tempo

[dropcap style≠’circle’]À[/dropcap] medida que o tempo se escoa e se aproxima o termo dos contratos vigentes de concessão e de “subconcessão” para exploração dos jogos de fortuna ou azar em casino, aumenta o número de questões que se coloca em relação ao seu futuro, assistindo-se a uma movimentação dos escudeiros ao serviço dos interesses dos empresários directa e indirectamente associados à indústria do jogo.

Há tempos, correspondendo a um simpático convite que me foi dirigido, tive oportunidade de alinhavar algumas ideias preliminares sobre o futuro das “subconcessões”, referindo alguns pontos que a título introdutório me pareceram pertinentes avançar desde logo. Agora importa desenvolver um pouco mais essa reflexão, em português para evitar dúvidas, até para que o debate público em torno das questões que se levantam possa ser feito em tempo útil.

De maneira a que amanhã não me venham perguntar, nem haja quem de boa ou de má fé se questione sobre quais os interesses que represento, clarifico de antemão que não trabalho, directa ou indirectamente, para nenhum operador da indústria do jogo, nem para o Governo da RAEM, não represento os interesses de nenhum cliente nesta matéria e não sou pago pelo jornal. O que se segue é fruto de uma breve reflexão que entendo dever ser feita em voz alta para que seja socialmente útil e permita aos cidadãos de Macau aperceberem-se de alguns contornos menos claros da situação actual que requerem a sua atenção e consciencialização.

1. As concessões em vigor atingirão o seu termo em 2020 e 2022. Pelo menos teoricamente as subconcessões deverão expirar na mesma altura. Seria de todo desejável que também na prática assim fosse para dessa forma se começar por corrigir a aberração legal decorrente da sua própria criação. Sem prejuízo disso, convirá que o Governo da RAEM comece já a pensar nos diversos caminhos que se lhe abrem e nas soluções por que poderá optar no momento oportuno.

2. Depois do desenvolvimento que a indústria do jogo alcançou ainda durante o século XX, da primeira revolução operada já neste século com a sua liberalização limitada, que permitiu a entrada de novos operadores, a modernização da indústria e a canalização de receitas para Macau numa escala mundialmente nunca vista e cujo grau de excepcionalidade ainda se reveste de maior importância em função da pequenez física e populacional da RAEM, é chegado o momento de ser dado o “grande salto em frente” que colocará a indústria do jogo exclusivamente ao serviço da sua população.

3. Será por isso desejável que qualquer que seja a solução escolhida esta esteja devidamente balizada pelo interesse público e por procedimentos tão transparentes que permitam a qualquer cidadão compreender a lógica subjacente às decisões sem que subsistam no seu espírito dúvidas quanto à seriedade do percurso e das escolhas.

4. Numa perspectiva externa, por outro lado, assentir-se-á que o que tiver de ser feito, para além de irrepreensível do ponto de vista legal, respeitará práticas internacionalmente aceites, dessa forma preservando a imagem e reputação internacionais de Macau numa área de grande atenção, competição e que sendo geradora de elevadíssimos proventos, qualquer que seja a escala, requer sempre avultados investimentos e a sua adequada protecção.

5. Naturalmente que o Governo da RAEM não tendo anteriormente criado quaisquer expectativas aos actuais operadores que não decorressem da lei, não só não pode sentir-se constrangido nas decisões que tiver que assumir, como tem de fazê-lo com inteira liberdade, independentemente da etnia, cor, nacionalidade ou religião dos lobbies de interesses.

6. Se assim é, um governante consciente começará por decidir se é conveniente (ou não) prosseguir com o actual modelo. Quanto a este ponto, entendo que o que temos não é o que mais convém a Macau. Já esclareci noutra sede que o regime das subconcessões para além de ilegal não traz benefícios que as justifiquem, havendo conveniência em que se lhes ponha termo. Ao mesmo tempo, afigura-se necessário preservar a competição entre operadores. Há por isso interesse em alterar a actual lei do jogo e aumentar o número de licenças, as quais deverão sempre ser outorgadas directamente pelo Governo da RAEM.

7. Acredito, assim, que o número de operadores poderia ser alargado até oito, sem que haja qualquer obrigatoriedade no final de se atribuir este número. Em função do que entretanto vier a acontecer e das circunstâncias do mercado, e respectiva procura nos contextos interno e externo, aprovada a alteração da actual lei o Governo ficaria com a liberdade de no momento julgado adequado colocar a concurso o número de licenças que entendesse.

8. O que se vem de referir poderia, numa primeira fase, respeitar o previsto no art.º 2.º da Lei 16/2001. Isto é, obedecer à forma de um concurso limitado com prévia qualificação – teria de ser sempre por concurso público, pois foi o que o legislador consagrou e é numa perspectiva de transparência e combate à corrupção o mais conveniente – no qual participariam apenas os actuais titulares de licenças.

9. Terminada esta fase, caso o Governo da RAEM entendesse que as propostas avançadas estariam aquém do desejável em matéria de contrapartidas, então seria aberto um concurso público internacional em que poderiam participar todos os interessados que cumprissem com o caderno de encargos.

10. Logo na primeira fase, o Governo da RAEM esclareceria qual o modelo de exploração e/ou gestão que mais conviriam. O actual modelo de gestão poderá ser melhorado e a gestão, revertendo os actuais casinos, tal como previsto na lei, para a RAEM, poderia, inclusivamente, ter uma natureza mista, sendo entregue a sociedades com a participação de capitais privados e públicos, ainda que estes em valor mínimo.

11. Depois, é preciso apontar as prioridades em matéria de realização de investimentos e contrapartidas. Não penso que haja interesse em que o número de hotéis de cinco estrelas continue a crescer indefinidamente. Mesmo prosseguindo numa política de conquista de terrenos ao mar, é agora mais importante melhorar as condições de vida dos residentes. Isto conseguir-se-ia com a canalização de investimentos para áreas mais carenciadas e onde é urgente realizar novos investimentos, como seja a criação de mais e melhores infra-estruturas de cariz social e cultural, fora dos resorts integrados onde estão os casinos. Há falta de espaços dedicados à cultura, centros de exposições, bibliotecas, esplanadas. É urgente uma aposta na renovação do tecido urbano que passe pela recuperação e manutenção de edifícios e espaços públicos, muitos precocemente degradados e dando uma imagem terceiro-mundista da cidade; também numa melhoria substancial da rede viária e do sistema de transportes de Macau, obrigando à substituição das miseráveis carcaças poluentes que aí circula por autocarros amigos do ambiente, patrocinando com as entidades públicas acções de formação de condutores de pesados e de táxis, investindo em parques de estacionamento públicos em locais onde fazem falta, contribuindo para a melhoria do sistema de saúde através da aquisição de equipamentos de última geração, fomentando uma melhoria da formação do pessoal clínico e auxiliar, incentivando a investigação científica e a produção literária, artística e cinematográfica, tudo de acordo com padrões internacionais reconhecidos. Ou seja, o tipo de investimentos que deverá ser exigido futuramente aos concessionários terá de ser de natureza diferente dos actuais e negociado caso a caso em razão das necessidades.

12. Uma reforma de médio prazo passaria também pela criação de uma entidade independente de supervisão e regulação do jogo, moderna e com funções distintas das que devem ficar cometidas à actual Direcção da Inspecção e Coordenação de Jogos. Essa entidade deverá ser capaz de pensar o jogo para além da conjuntura, aconselhando os poderes públicos sobre a matéria, estando capacitada com um corpo técnico de elite, bem pago para evitar tentações, e vocacionado em exclusivo para tratar das questões atinentes à indústria, mas deixando a fiscalização em concreto das actividades para a actual DICJ ou uma outra entidade.

Muitas outras questões poderão ser equacionadas e discutidas. Para já vamos pensando nestas.

7 Jun 2017

Análise | O jogo depois de 2022

É a indústria sem a qual Macau não vive, por muito que se pense em diversificação do tecido económico. Nos bastidores, o Governo está já a pensar no que serão os novos contratos do jogo. Há outra transição à porta, que poderá não trazer novidades de fôlego. Quem pensa no assunto entende que chegou a hora de se emendar a mão

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ela frente estão um par ou dois de anos, conforme os casos, mas o tempo conta-se de forma diferente quando em causa estão negócios desta dimensão. O Executivo está já a trabalhar no que serão os futuros contratos do jogo, uma área da vida económica fulcral para a estabilidade social do território. Lionel Leong, o secretário para a Economia e Finanças, tem nas mãos o dossiê mais complicado de todos, porque é aquele em que as apostas são mais elevadas.

As actuais concessões do jogo terminam em 2020 e 2022. Ponto prévio: há quem acredite, como o economista Albano Martins, que o Governo poderá recorrer à cláusula que viabiliza a prorrogação contratual de forma “a alinhar” todas as datas das futuras concessões. Seja daqui a dois anos e meio, seja daqui a quatro, para o Governo vão reverter todas as infra-estruturas construídas pelo sector. E vai ter de desenhar novos contratos, sendo que não está obrigado a assiná-los com as operadoras que hoje conhecemos em Macau.

Nalguns meios, corre a ideia de que Pequim poderá querer ter uma participação directa nos casinos da RAEM. O jogo tem garantido ao território as verbas suficientes para que a manutenção da paz social saia reforçada, o que agrada ao Governo Central, mas é também um foco de problemas: Macau ainda continuará a ser a lavandaria do dinheiro sujo do outro lado da fronteira.

Neste contexto, uma possível participação de empresas estatais nas futuras concessões poderá representar o controlo efectivo de Pequim. A acontecerem, as participações serão sempre “minoritárias e simbólicas”, aponta ao HM uma fonte ligada ao sector, mas suficientes para que a China Continental “encaixe” algum dinheiro e, sobretudo, exerça a influência que pretende ter na indústria.

Quantas são?

Em Fevereiro de 2002, quando foi tornado público o resultado do concurso internacional para a liberalização do jogo, foram divulgados os nomes de três empresas vencedoras: Sociedade de Jogos de Macau (que veio suceder a STDM, a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, detentora até então do monopólio), a Galaxy Casino e a Wynn Resorts.

Mas estas três operadoras rapidamente se multiplicaram e passaram a ser seis, uma situação algo híbrida em que concessionárias e subconcessionárias se misturam. Curiosamente, foi uma subconcessionária – a Sands – que deu início ao processo expansionista do Cotai.

O economista Albano Martins acredita que, quando forem firmados novos contratos, o Governo vai avançar para a atribuição de seis concessões, acabando assim com “a fórmula esquisita” que estrutura, neste momento, o mercado. É também esta a convicção de Sérgio de Almeida Correia, jurista, que até vai mais longe nas contas que faz: “Podem ser seis, mas também podem ser mais. Admito que esse número possa ir até oito e, pessoalmente, entendo que seria o adequado”.

Seis será então o número mínimo para assegurar “alguma competição no mercado”, mas a abertura de mais duas concessões poderia evitar alguns dramas do passado, porque permitiria “acomodar algumas entidades que, embora não sejam concessionárias, nem subconcessionárias, têm instalações que estão a ser utilizadas pelo jogo”.

O advogado defende que é preciso “acabar com situações menos transparentes” e recorda o que aconteceu ainda antes de 1999, em que “situações aparentadas com subconcessões, que não eram reconhecidas por lei, eram toleradas pela Administração”. A STDM trabalhava em regime de monopólio, o Tribunal Superior de Justiça de Macau pronunciou-se sobre o cenário e “até mandou notificar a Administração, no sentido de promover a rescisão do contrato com a operadora”. Tal não aconteceu, tendo “a Administração portuguesa desrespeitado, na altura, uma decisão do mais alto tribunal” do território.

Quem são?

Com o número seis a ser mais ou menos consensual, resta saber a quem serão entregues as concessões. Para Albano Martins, não há dúvidas. “Acredito que sejam todas as mesmas e nem penso, tampouco, que alguma delas possa mudar”, afirma. O economista faz as contas a investimentos e ao retorno que algumas operadoras – aquelas que ainda têm projectos por concluir no Cotai – ainda não tiveram.

“Todas as instalações revertem para o Governo, pelo que até [deixarem de operar em Macau] todos os custos têm de estar amortizados”, explica, sublinhando que são milhões e milhões em investimentos feitos. Albano Martins não acredita que o Executivo volte a atribuir concessões de 20 anos, como as que estão em vigor. Aponta uma década como o tempo dos futuros contratos.

Já Sérgio de Almeida Correia não encontra razão para que, se for esse o entendimento do Governo, não se possa mexer nos actores da principal indústria da cidade. E o argumento do investimento feito não o convence.

“Ninguém pode ter a certeza, porque os contratos de jogo têm um prazo de validade definido e muito claro. Quando começaram a trabalhar em Macau, as operadoras sabiam perfeitamente qual era o prazo durante o qual tinham de fazer os seus investimentos e rentabilizá-los”, diz.

O jurista recorda que a lei prevê a possibilidade de haver um concurso limitado. “Agora, a atribuição das licenças só pode ser feita por concurso público, a não ser que se altere a lei. O concurso público deve permitir que várias entidades participem; se não, não faz sentido.”

Que contas?

Depois de uma descida em montanha russa ao nível dos resultados, a indústria do jogo parece estar em franca recuperação. Os números mais recentes, os do mês passado, alimentam um certo optimismo: os casinos de Macau tiveram receitas de 22,742 mil milhões de patacas, um aumento de 23,7 por cento na comparação anual. Quase 40 por cento deste valor vai directamente para os cofres públicos.

Albano Martins volta a fazer contas ao negócio para dizer que é pouco viável que haja grandes alterações em matéria fiscal. Macau é uma jurisdição que é lucrativa a quem nela opera, mas também sai cara em termos de impostos – mais do que outros territórios onde se joga a sorte.

“Estamos habituados a ouvir falar dos 35 mais quatro por cento, 39 por cento de impostos, mas não é exactamente assim. As operadoras têm essa carga fiscal, mas também pagam prémios e outros contributos”, descreve. Feito o somatório, “anda à volta de 43 por cento”.

Nos novos contratos, acredita o economista, as operadoras “já não terão uma obrigação de investimento, porque já foi feito”. Albano Martins lembra que só a Galaxy é que tem espaço suficiente para fazer mais um casino. “O Governo vai ter aí uma grande margem para poder negociar contrapartidas, além do imposto.”

De modo semelhante, Sérgio de Almeida Correia observa que não é possível continuar a construir hotéis, porque tudo tem um limite. Mas entende que há espaço para outro tipo de exigências por parte do Governo.

“As concessões só têm interesse se todos beneficiarem: as empresas, os investidores e a população de Macau. A população de Macau deve ser o primeiro destinatário dos investimentos e não pode estar a receber menos do que aquilo que os operadores recebem”, defende o advogado, que gostaria de ver todo este processo tratado de forma atempada. “O Governo vai ter de definir prioridades, fazer contas, e ver o que é mais conveniente do ponto de vista do interesse público, porque é o único que aqui importa.”

O economista Albano Martins tem várias sugestões no que toca a futuras contrapartidas, mas não vê grande margem para alterações. “Nem vejo que o Governo tenha muita mais imaginação para ir além do que já fez.”

Será esta a grande missão de Lionel Leong: numa altura em que o jogo ganha pernas no Japão, com vários dos investidores de Macau interessados no mercado nipónico, garantir o apetite pelo jogo do território, dando a quem cá vive mais do que tem recebido.

 

Ideias para contrapartidas das novas concessões

Um dos casinos deveria ter uma orquestra, uma grande orquestra. Outro poderia construir um museu a sério. A ideia é de um profundo conhecedor da indústria: o advogado Francisco Gaivão trabalhou durante vários anos numa operadora e sabe bem o modo como funciona o sector.

“Não faz grande sentido obrigar os casinos a terem creches, escolas e professores. Isso são obrigações do Governo, tem de assegurá-las com base no orçamento bom que tem, fruto das receitas fiscais”, sustenta. Mas a educação não se faz apenas nos estabelecimentos de ensino. Há projectos culturais “que estariam dentro do âmbito do objecto social alargado destas empresas” e que poderiam constar dos novos contratos, “como se fez noutros sítios”.

Francisco Gaivão tem ainda outra proposta, ligada à educação específica do sector, que implicaria uma revolução de mentalidades. “Sempre me pareceu que um grande obstáculo à verdadeira diversificação da economia é a política da carreira de dealer para os locais.” Insiste-se numa fórmula que, para o advogado, está errada, porque a progressão na carreira deve ser feita apenas pelo mérito.

“Temos em Macau alguns americanos e australianos com elevados cargos e que começaram por ser dealers, uma experiência que é, muitas vezes, a porta de entrada numa carreira na indústria do jogo”, explica. “No entanto, continuaram a estudar, a formar-se, foram para boas universidades, progrediram na carreira graças ao seu mérito e não com base numa política como a adoptada em Macau.” A política local consiste em “proibir a progressão dos de cima, restringir cada vez mais aqueles que estão no topo, impondo uma promoção artificial dos que estão na parte de baixo da cadeia”.

“Toda essa política é extremamente errada e nociva para Macau”, alerta Francisco Gaivão, que tem a solução. “Seria interessante que o Governo obrigasse as concessionárias a investir, com indicadores financeiros e muito concretos, em acções de formação do seu pessoal do jogo.” Para Macau deviam vir “bons professores”, com uma “avaliação científica que permitisse ver quem é que, de facto, vale a pena ser promovido.”

Para o advogado, não só os trabalhadores locais poderiam ter novos horizontes, como as operadoras teriam um problema resolvido. “Se começarem a ter pessoal local altamente qualificado, os casinos preferirão contratar aqui do que ir recrutar pessoas a Portugal, à Austrália, à China ou a Singapura”, afiança.

Menos poluição, mais saúde

Na lista de possíveis contrapartidas, o economista Albano Martins – que não imagina grandes alterações no futuro – pensa nas questões ambientais, no que pode ser exigido em termos de transportes das operadoras. O advogado Sérgio de Almeida Correia subscreve: “As operadoras devem ser obrigadas a substituir os autocarros poluentes por veículos híbridos ou eléctricos, para diminuir a poluição.”

Quanto ao plano arquitectónico, pouco ou nada há agora a fazer. Existe a convicção mais ou menos generalizada de que se poderia ter evitado “o grande desastre”, como diz Albano Martins, “das reproduções mal feitas de casinos que já existiam”.

Ainda assim, há outras áreas onde é possível uma intervenção diferente. “Há muitas contrapartidas que podem ser feitas”, vinca Sérgio de Almeida Correia. “Podem ser no apoio ao sistema educativo de Macau, para que haja um maior envolvimento das operadoras para a elevação do nível cultural e científico. Podem ser exigidas contrapartidas relativamente ao sistema de saúde, com benefícios para toda a comunidade.” Ideias não faltam.

7 Jun 2017

Vasco Fong deixa Gabinete de Protecção de Dados Pessoais

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]asco Fong está de saída do cargo de coordenador do Gabinete de Protecção de Dados Pessoais, regressando ao Tribunal de Segunda Instância, noticiou ontem a Rádio Macau. De acordo com a emissora em língua portuguesa, a comissão de serviço de Vasco Fong só deveria terminar a 12 de Março do próximo ano, mas o juiz terá já pedido para regressar ao tribunal, o que deverá acontecer no próximo mês.

Fong foi nomeado para o cargo de coordenador do Gabinete de Protecção de Dados Pessoais a 20 de Dezembro de 2014, uma nomeação com duração de dois anos que acabou por ser renovada por igual período de tempo em 2016.

Antes de assumir o cargo de coordenador do Gabinete de Protecção de Dados Pessoais, Vasco Fong desempenhou as funções de comissário contra a Corrupção, entre 2009 e 2014.

Bilingue, com uma licenciatura e mestrado em Direito pela Universidade de Macau, e um doutoramento em Direito Administrativo pela Universidade do Povo de Pequim, Vasco Fong foi nomeado para o cargo de juiz em 1998.

Como magistrado, exerceu funções no antigo Tribunal de Competência Genérica, no Tribunal de Instrução Criminal e no Tribunal Administrativo. Entre 2002 e 2009, foi juiz-presidente do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base. A partir de 2009, desempenhou funções como juiz do Tribunal de Segunda Instância.

Em 2001, 2005 e 2009 foi também presidente da Comissão Eleitoral para a Assembleia Legislativa.

7 Jun 2017

AL | Quando tudo muda nas leis, até o nome

São poucas as vezes em que uma proposta de lei apresentada pelo Governo no hemiciclo mantém o conteúdo integral até ao fim da análise na especialidade, sem que haja mudanças profundas na intenção legislativa. Analistas dizem que está em causa a credibilidade e o longo tempo para a implementação de políticas

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]oucas propostas de lei entregues na Assembleia Legislativa (AL) terão sofrido mudanças de conteúdo tão profundas como o regime de prevenção e controlo do tabagismo. Se, no início, o Governo prometeu o fim total do fumo nos casinos, a versão final do diploma, entregue na semana passada no hemiciclo, permite a continuação das salas de fumo, desde que com a adopção de regras mais rígidas por parte das operadoras de jogo.

Este é o exemplo mais recente de uma prática algo comum na AL. Os diplomas que são entregues raramente são os mesmos no final do período de análise na especialidade. As mudanças não se verificam apenas no conteúdo técnico dos articulados, mas também na intenção legislativa ou na política que se pretende legislar. E há leis que mudam de nome.

Eilo Yu, docente da Universidade de Macau (UM), considera que o mais grave não são as alterações profundas de que as leis são alvo, mas sim o longo período de tempo para que uma medida seja implementada.

No caso do regime de prevenção e controlo do tabagismo, “o Governo simplesmente ajustou o princípio da política”, mas “esse é o problema, o de demorar tanto tempo a implementar as políticas públicas”. O Executivo “está sempre a tentar decidir e a encontrar consensos com base em consultas públicas insuficientes”.

“O Governo simplesmente fez um ajustamento, não violou por completo a intenção legislativa inicial”, defendeu ainda Eilo Yu. “O Governo não deu uma explicação clara sobre isso, daí questionarmos as razões para a mudança”, disse ainda o académico, investigador sobre questões ligadas à acção governativa e Administração Pública.

E a credibilidade?

Na visão de Larry So, analista político, as mudanças drásticas nas propostas de lei podem pôr em causa a credibilidade do próprio Executivo. “Todas estas mudanças súbitas [nas propostas de lei] que têm ocorrido nos últimos anos definitivamente contribuem para a má imagem do Governo”, defendeu o antigo docente do Instituto Politécnico de Macau.

Tendo a lei do tabaco como exemplo, Larry So referiu que “houve a ideia de que poderia haver um resultado negativo nas receitas dos casinos e houve uma desistência em prol disso. Não é uma postura de um Governo responsável.”

“O Governo está a ceder em relação ao sector do jogo. Quem é que gere o Governo? As operadoras de jogo ou a própria Assembleia Legislativa?”, acrescentou.

Jorge Fão, antigo deputado à AL, desvaloriza as alterações aos conteúdos das leis. “É preciso ter coragem [para fazer mudanças de fundo]”, apontou ao HM.

“Na minha óptica é algo positivo. Quando virem que algo está mal, tem de se mudar. No caso da lei eleitoral, se as duas versões [em português e chinês] não coincidem, então tem de se fazer uma alteração. Se as coisas com que nos deparamos estão mal, ou se virmos que podem perturbar o investimento ou a vida das pessoas, então devemos ponderar a posição inicial”, frisou.

Jorge Fão, que foi deputado entre 2001 e 2005, recorda que no seu tempo havia menos alterações aos diplomas.

“No meu tempo o funcionamento era outro. A sociedade era outra, foi há dez anos. Naquele tempo a sociedade tinha outra postura, são períodos completamente diferentes. Penso que o Governo tem de ter um equilíbrio entre o que se pede e o que se pode fazer”, rematou.

7 Jun 2017

Aliança do Povo pede penas pesadas para alojamentos ilegais

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ataque que aconteceu num casino de Manila, que fez 37 mortos, elevou os níveis de alerta um pouco por toda a Ásia. Por cá, a Associação Aliança do Povo de Instituição de Macau pegou no exemplo para alertar para o problema da prestação ilegal de alojamento.

Song Pek Kei, subdirectora da associação e deputada, considera que as medidas tomadas pelo Governo para prevenir atentados terroristas em Macau não são suficientes.

Em conferência de imprensa realizada ontem, Song Pek Kei adiantou que, para ser reforçada a segurança dos residentes de Macau, o Executivo precisa de melhorar a lei de prestação ilegal de habitação. Na opinião da deputada, a obscuridade legal em que estas residências actuam pode potenciar actividades criminosas, além de prejudicar a imagem do turismo da cidade.

O diploma legal em questão entrou em vigor há cerca de sete anos e, desde então, têm sido realizadas acções de fiscalização, levadas a cabo pela Direcção dos Serviços de Turismo e pela Polícia de Segurança Pública, a hotéis e pensões ilegais.

Apesar de tudo, os membros da Aliança do Povo de Instituição de Macau não estão satisfeitos com o facto de a situação persistir e de os hotéis clandestinos não terem sido erradicados. Song Pek Kei acrescenta que a situação dos alojamentos ilegais pode permitir a permanência no território de pessoas sem autorização, além de estas casas poderem abrigar actividades criminosas como o tráfico de droga ou a prostituição.

Chan Tak Seng, vice-presidente da associação, considera que a entrada em vigor da lei teve um efeito positivo, mas que este se veio a desvanecer com o tempo. O dirigente associativo acha que a lei dá às autoridades capacidade para fechar uma casa durante algum tempo mas que, entretanto, os infractores podem continuar a abrir outros locais para a prática do mesmo tipo de crime. Chan Tak Seng vai mesmo ao ponto de considerar a lei inoperante face ao crescimento deste tipo de casos.

Como tal, Nick Lei Leong Wong, director da associação, pede o agravamento das medidas punitivas para os fornecedores da habitação ilegal, sendo mesmo necessário, na óptica do dirigente, criminalizar este tipo de negócio.

Entretanto, o director da Aliança do Povo de Instituição sugere que o Governo crie um mecanismo de comunicação entre residentes e a polícia, com o intuito de envolver os cidadãos no combate ao alojamento ilegal.

7 Jun 2017

Novo Macau | Membros querem que Scott Chiang fique na direcção

Scott Chiang abandona oficialmente o cargo de presidente da Associação Novo Macau esta sexta-feira, mas alguns membros estão a tentar convencê-lo a ficar. Sou Ka Hou, que já foi presidente do organismo, não quer voltar ao cargo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda nada está decidido quanto à presidência da Associação Novo Macau (ANM). Scott Chiang anunciou a sua saída do cargo que, oficialmente, terá que deixar já esta sexta-feira. Contudo, Sou Ka Hou, que já foi presidente e que actualmente apenas faz parte da direcção da ANM, adiantou ao HM que alguns membros estão a tentar convencer Scott Chiang a ficar.

“Para já, a ANM quer mesmo convencer Scott Chiang a manter-se no cargo, o que quer dizer que, até ao dia 9 de Junho, ainda podemos alterar alguma coisa”, disse Sou Ka Hou, que saiu da presidência em 2015 para frequentar a universidade em Taiwan.

“Só podemos divulgar os próximos passos a tomar quando Scott Chiang anunciar a sua decisão, se fica ou se sai”, acrescentou o jovem activista, que deixou bem claro que não pretende voltar a assumir o cargo que já ocupou.

“Não tenho planos para ser presidente da Novo Macau”, referiu. “Ainda não discutimos quem vai ser o próximo presidente, porque o mais urgente é convencer Scott Chiang [a ficar]. Falamos com ele sobre a situação da nossa associação, por isso teremos de discutir a situação até ao dia 9”, apontou.

Sem comentários

Contactado pelo HM, Scott Chiang não quis fazer quaisquer comentários, tendo remetido mais explicações para a conferência de imprensa que a ANM organiza hoje, onde será discutida a necessidade de maior reacção do Governo às regras da UNESCO no que à protecção do património diz respeito.

Jason Chao, que deixou a ANM, estará presente na conferência de imprensa na qualidade de voluntário. A parceria do fundador do website “Project Just Macau” com actividades da Novo Macau mantém-se, desde que não estejam relacionadas com as eleições, referiu Chao ao HM.

Scott Chiang anunciou a saída da presidência da direcção da ANM no passado dia 23 de Maio. Num comunicado tornado público na sua página pessoal de Facebook, Chiang deixou no ar algum desconforto com questões internas da associação pró-democrata.

“Ao contrário dos estragos materiais, as profundas feridas do meu coração podem não ter remédio. Uma decisão difícil é tomada e tem de ser concretizada. Estou convencido de que a minha decisão vai clarificar o caminho para a união da ANM e para que siga em frente”, escreveu.

O ainda presidente da ANM referiu ainda que a sua saída não está relacionada com questões pessoais ou familiares, sendo que uma das razões prende-se com a política.

“A ANM tem sido uma campeã na luta pela justiça, por entre outras causas, por um período maior do que aquele que pensámos ser possível. Não nos podemos esquecer, contudo, que internamente merecemos a mesma justiça”, apontou.

“Um processo legal poderá mostrar a diferença entre o estar certo e errado, dentro ou fora da lei, justo ou injusto. Afinal de contas, os fins não justificam os meios”, desabafou ainda.

Em jeito de balanço, Scott Chiang adiantou ainda que hoje é mais difícil fazer activismo político em relação à fase de arranque da ANM. “Estes são tempos difíceis. A economia está numa boa fase, mas é mais difícil fazer activismo. A maneira como as pessoas pensam e a forma como está a sociedade não estão ao mesmo nível do crescimento económico, e temos de lutar por isso. O campo pró-democrata também tem espaço para melhoria”, rematou.

7 Jun 2017

Emprego | FAOM faz inquérito às relações laborais e direitos de trabalhadores

A Federação das Associações dos Operários de Macau encomendou um estudo às condições laborais. Na sequência do inquérito será entregue ao Governo um rol de sugestões, entre elas a aprovação da lei do salário mínimo e a facilitação de entrada no mercado de trabalho a trabalhadores não residentes

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) realizou ontem uma conferência de imprensa onde apresentou o livro azul, um documento que pretende apontar o caminho para o desenvolvimento dos direitos e interesses dos trabalhadores do território.

Este documento surge na sequência de um estudo que a federação associativa encomendou ao Instituto de Relações Industriais da China a fim de avaliar as relações laborais e o grau de protecção dos direitos dos trabalhadores de Macau. Leong Wai Fong, director da FAOM, garantiu que os resultados do inquérito, assim como algumas sugestões, serão enviados ao Governo.

Entretanto, Jiang Ying, directora da Faculdade de Direito do instituto que realizou o estudo, considera que é importante que seja criado um mecanismo de coordenação das relações de trabalho de forma a que sejam tomadas medidas para melhorar as relações laborais. Nesse sentido, a directora adianta que o Governo de Macau deve acelerar os trabalhos de elaboração da lei sindical, para que seja regulada a figura legal da convenção colectiva de trabalho.

Outro aspecto levantado por Jiang foi a necessidade de o Executivo manter uma ligação estreita com a China Continental. A académica alerta que em Macau há carência de trabalhadores para determinado tipo de áreas onde é requerido um maior nível de conhecimento técnico. Neste aspecto, Jiang salienta que na RAEM a mão-de-obra tem um nível de escolaridade muito baixa, apesar do esforço do Governo em facultar formação à massa laboral.

Importar braços

No que diz respeito à questão dos trabalhadores não residentes (TNR) em Macau, Jiang Ying entende que para o desenvolvimento do território é obrigatória a importação de mais trabalhadores.

Segundo as estatísticas, o número de TNR tem aumentado, apesar de recentemente esse crescimento ter abrandado. A académica considera que o Governo deve implementar medidas que aumentem a transparência da importação de mão-de-obra estrangeira, além de melhorar o mecanismo de substituição destes trabalhadores. Outra medida prende-se com a necessidade de reforço de acções de formação aos trabalhadores locais para que estes sejam mais competitivos.

No que diz respeito a benefícios de trabalhadores, Jiang Ying alertou para o facto de no Interior da China ter sido alargado o período de licença de maternidade, assim como outros direitos laborais.

Outras medidas sugeridas pela académica são a implementação dos cinco dias de trabalho por semana, o aumento do período de férias, assim como a elaboração de diplomas que regulem o salário mínimo e a licença de paternidade.

De acordo com o documento apresentado pela FAOM, além das melhorias ao regime de segurança social, é necessário facilitar a resolução de conflitos laborais entre o patronato e os trabalhadores. Nesse aspecto, Jiang Ying espera que seja levado avante o reforço da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) e dos tribunais de Macau.

O director da FAOM esclareceu que o livro azul ainda está numa fase inicial de elaboração mas que, ainda assim, as sugestões que o documento aponta serão entregues ao Executivo para serem tidas em consideração.

7 Jun 2017

Estudo | Inquérito indica que 72 por cento dos estudantes se sentem chineses

Uma sondagem de duas associações locais permitiu chegar à conclusão de que mais de 70 por cento dos estudantes de Macau se sentem chineses. A percentagem aumentou em relação a um inquérito semelhante feito há três anos. Os autores do estudo justificam o facto com a pujança económica e política da China

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] geração mais nova de Macau tem uma forte noção de identidade nacional. A leitura é feita pelo jornal Ou Mun, que dava conta de uma sondagem sobre a matéria feita pela Associação Geral de Estudantes Chong Wa de Macau e pela Associação de Pesquisa sobre Juventude de Macau. Na edição de ontem, explicava-se que 72 por cento dos estudantes do ensino secundário dizem “eu sou chinês”, o que representa um aumento de 15 por cento no espaço de três anos.

Mais de 60 por cento dos inquiridos entendem que o facto de se sentirem chineses “é muito importante”. Para os autores do estudo, estes dados estão directamente relacionados com o desenvolvimento económico e político da China Continental.

Na comparação com os resultados apurados em 2014, modificou-se o modo como os estudantes compreendem o que é a China Continental. São 60 por cento aqueles que garantem que a aprendizagem é feita na escola e através de livros, o que significa que esta percentagem duplicou e que a chamada educação patriótica está a surtir efeitos.

Os responsáveis pela análise dos resultados destacam que os estudantes demonstram um forte sentido de responsabilidade cívica, o que fará com que sejam, no futuro, cidadãos activos. Em termos gerais, preocupam-se com a leitura de notícias sobre o que acontece do outro lado da fronteira.

Os autores do relatório defendem que, há três anos, a questão da identidade estava a ser afectada pelas “notícias negativas” acerca da situação política de Hong Kong e da corrupção na China Continental. Agora, o cenário é diferente: a projecção que o país tem em termos internacionais faz com que os jovens tenham uma noção de identidade mais forte.

O inquérito foi feito em 15 escolas diferentes, entre Abril e Maio, tendo sido recolhidos 1200 questionários.

7 Jun 2017

Pais do Costa Nunes confiantes na escolha da próxima direcção

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois de menos de um ano no cargo de directora do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes, Lola do Rosário deixa o lugar depois de ser revelado que não irá continuar no próximo ano lectivo. A notícia, avançada pelo Jornal Tribuna de Macau, não preocupa Fátima Oliveira, presidente da associação de pais do infantário da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM).

“Confio que vão contratar alguém com capacidade de gestão, que mantenha a qualidade da escola e as características que a distinguem das outras escolas”, afiança. Além disso, Fátima Oliveira explica que o Costa Nunes está a funcionar bem nos dias que correm e que, seja quem for que vier, terá um natural período de adaptação, “tal como Lola do Rosário teve depois de Vera Gonçalves sair”.

Quanto à substituição da directora, a presidente da associação de pais não tece qualquer comentário, uma vez que “cabe à APIM decidir quem é mais adequado para gerir o jardim-de-infância”.

No entanto, Fátima Oliveira confessa que não ficou surpreendida com a saída de Lola do Rosário. “A própria directora, quando chegou no ano passado, disse publicamente, por várias vezes, que vinha apenas por um ano, não só à associação, como aos próprios pais em reuniões públicas”, explica.

De resto, Fátima Oliveira faz um “balanço, em geral, positivo” do mandato de Lola do Rosário”, uma vez que a “direcção da escola sempre colaborou com a associação de pais, estabelecendo uma relação muito saudável e aberta”.

A presidente da associação que representa os pais dos alunos do Costa Nunes acrescenta que sempre houve um espírito onde a crítica construtiva sempre foi bem recebida.

Fátima Oliveira explica ainda que existem situações que podem ser melhoradas, “acertos que se foram alinhavando com a direcção”. Uma delas prende-se com a forma como os educadores comunicam com os pais, que se pode aprimorar. “Se calhar faria falta orientações mais uniformizadas em relação à comunicação”, adianta.

Outra das situações é a resposta que o Costa Nunes tem de dar à crescente entrada de alunos de língua chinesa, “que requer alguns cuidados e adaptação, uma vez que a escola é de matriz e língua veicular portuguesa”, explica a presidente da associação de Pais. Fátima Oliveira acrescenta que nunca ouviu nenhum pai contra a entrada de crianças chinesas, mas que esse facto carece de alguma preparação e de “uma política condizente com a mudança de paradigma”.

De resto, Fátima Oliveira perspectiva a continuação da qualidade do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes, uma instituição muito “acarinhada pela comunidade portuguesa, macaense e, cada vez mais, pela comunidade chinesa”.

7 Jun 2017

Exposição conta história da travessia marítima no território

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] exposição “Viagens de Outros Tempos” é uma mostra que faz a retrospectiva das ligações marítimas entre Macau e as Ilhas. Em meados do século XX, a península de Macau e as ilhas da Taipa e Coloane estavam separadas por mar, sendo as lanchas um importante meio de transporte entres estes pontos do território.

De acordo com o Instituto Cultural, “em dias de mau tempo, vários residentes e turistas experimentaram os atrasos e suspensões temporárias do serviço, mas tais inconvenientes não impediam as pessoas de as usar”.

Com o passar do tempo, este tipo de transporte tornou-se desnecessário, tendo o serviço de travessia marítima sido interrompido após a conclusão da Estrada do Istmo e da Ponte Nobre de Carvalho.

“Viagens de Outros Tempos” apresenta pela primeira vez várias colecções ao público, incluindo documentos originais tais como o “Registo de Carga da Companhia de Transporte Marítimo de Passageiros Un Fat que Ligava Macau a Coloane” e o “Contrato de Locação de Lanchas a Motor”. A exposição integra ainda fotografias, bilhetes, jornais e publicações comemorativas relativas às lanchas que faziam a travessia entre Macau e as Ilhas.

Faz também parte desta mostra pioneira a apresentação de “A Evolução da Topografia de Macau”. Feita através de um ecrã, a iniciativa explora as linhas costeiras do território e as rotas das lanchas de diferentes épocas.

Outros horizontes

Paralelamente são exibidos vídeos de entrevistas a residentes que recordam as viagens que fizeram. Porque o tempo não pára e a tecnologia pode ser aliada da história, o espaço de exposição tem reservada a possibilidade de experimentar um passeio de lancha virtual em 3D, baseado no modelo da “Kuong Kong”.

Por outro lado, o evento tem ambições académicas. Tendo uma componente de conhecimento em que são reflectidas as transformações sociais que se deram no território durante o período abordado, a ideia da organização é “disponibilizar material para futuros estudos sobre tráfego marítimo.

“Viagens de Outros Tempos” está patente ao público até 5 de Outubro, na Casa de Nostalgia das Casas da Taipa.

7 Jun 2017

Cinema | Iñárritu usa realidade virtual para retratar horrores de migração

Depois de arrebatar Hollywood, o realizador mexicano Alejandro Iñárritu aventura-se no campo da realidade virtual. “Carne y Arena” é uma experiência em que o espectador submerge na realidade dramática da fronteira entre o México e os Estados Unidos

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]uito mais do que um filme, “Carne y Arena” é uma experiência de vida, uma alucinação de um mundo que, infelizmente, não é uma fantasia. O projecto de realidade virtual de Alejandro Iñárritu, o realizador que ganhou o Óscar de melhor realizador com “Birdman” e “The Revenant”, é inaugurado hoje na Fundação Prada em Milão, onde fica em exibição até 15 de Janeiro. Além disso, o projecto faz parte da selecção oficial do Festival de Cannes que se começa a debruçar sobre este tipo de media.

O realizador mexicano volta a esticar os limites do conceito de cinema com “Carne y Arena”, um filme com cerca de sete minutos, filmado por Emmanuel Lubezki, que leva o espectador à zona fronteiriça que separa os Estados Unidos do México. A experiência submersível e intensa permite uma visibilidade de 360 graus baseada nos relatos de emigrantes e refugiados que tentam chegar a solo norte-americano vindos do México ou da América Central.

A experiência é um mergulho angustiante nas vidas de quem procura atravessar uma fronteira clandestinamente. Primeiro, o “espectador” é convidado a tirar os sapatos e as meias antes de entrar num local do tamanho de um campo de ténis coberto de areia. Assim que é colocado o capacete de realidade virtual, a vastidão árida do deserto do Arizona engole o “espectador”, que se vê entre figuras andrajosas e assustadas. De repente, surge um helicóptero e dois jipes e a acção é dominada por agentes fronteiriços, fortemente armados, que prendem toda a gente.

Arte de intervenção

A experiência é vívida, ajudada pela capacidade do software de traçar o posicionamento do “espectador” e o seu campo de visão. Desta forma, os polícias berram na cara do espectador, que não chega a ser um personagem, apesar de estar dentro do filme.

Apesar da forte componente social que tem estado na agenda política, Alejandro Iñárritu considera que é redutor caracterizar “Carne Y Arena” como um manifesto anti-Trump. O realizador, em declarações ao The Art Newspaper, explica que “as pessoas estão completamente dessensibilizadas” para as histórias de desespero dos emigrantes e refugiados.

“Lemos notícias horríveis, quase todos os dias, sobre mais um barco que se afundou no Mediterrâneo, com centenas de pessoas que a bordo, e esquecemos. Este projecto tenta transmitir algo que acho que perdemos a habilidade para sentir”, explica Iñárritu.

A tecnologia transporta o “espectador” para um lugar onde sentir é inevitável, enquanto se vê rodeado de homens, mulheres e crianças aterradas, com cães a ladrar e pânico auditivo debitado pelo capacete de realidade virtual.

“Há um momento em que perdes um pouco a tua identidade e a capacidade para racionalizar o que estás a viver”, conta o realizador ao The Art Newspaper.

“Começas a reagir com o coração, as tuas emoções, sem o cérebro e é isso que me interessa”, acrescenta o realizador. Uma das intenções do projecto é humanizar o desespero dos emigrantes oriundos do México e de outros países da América Latina, a quem Donald Trump chamou de “más pessoas e violadores”.

Apesar de “Arena y Carne” coincidir com a actualidade da política norte-americana, o realizador espera que essa não seja a leitura dos espectadores.

“Tornámos grande um homem tão pequeno, horrendo e embaraçoso”, comenta Iñárritu, acrescentando que começou “a pensar no projecto há quatro anos quando Trump era apenas um palhaço na televisão”. O realizador acha que é necessário olhar para os problemas com profundidade e ver as razões que levam as pessoas a deixarem os seus países.

“Carne y Arena” não é cinema, de acordo com o Iñárritu, mas uma nova forma de arte com capacidade para abalar o mundo. A realidade virtual é um meio com capacidade para aumentar as possibilidades de expressão dos artistas que conseguirem domar a tecnologia que, até agora, tem sido mais usada para videojogos e pornografia.

Nesse aspecto, o realizador considera que o cinema perdeu a capacidade para impressionar audiências. “Há cem anos, era incrivelmente relevante e conseguia abalar as pessoas, mas penso que perdemos a inocência nesse aspecto”, comenta o cineasta ao The Art Newspaper.

7 Jun 2017

Ambiente | Pequim e Califórnia assinam acordo para o clima

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, e o governador do Estado norte-americano da Califórnia, Jerry Brown, comprometeram-se ontem a cooperar na luta contra as alterações climáticas, depois de Donald Trump ter renunciado ao acordo de Paris.

Xi e Brown reuniram-se no Grande Palácio do Povo, em Pequim, parte da visita oficial que o governador realiza esta semana à China, após a decisão do Presidente dos Estados Unidos.

Xi Jinping disse estar confiante de que a Califórnia vai continuar a promover a cooperação bilateral, especialmente nos sectores da tecnologia, inovação e desenvolvimento verde, segundo a agência noticiosa oficial Xinhua.

A Califórnia e o ministério chinês da Ciência e Tecnologia assinaram um acordo de colaboração no desenvolvimento de tecnologias limpas.

O governador da Califórnia assinou colaborações similares nos últimos dias com os líderes das províncias chinesas de Jiangsu e Sichuan.

Em Pequim, Brown afirmou que a decisão de Trump de sair do acordo de Paris é apenas um “retrocesso temporário” na luta global contra as alterações climáticas.

“A China, os países europeus e os Estados norte-americanos vão agora preencher o vazio deixado pela decisão de Washington”, disse.

“Ninguém pode ficar à margem. Não podemos permitir qualquer desistência do tremendo desafio humano de fazer a transição para um futuro sustentável”, acrescentou.

Resposta interna

Jerry Brown é um dos líderes da chamada Aliança dos EUA pelo Clima, que reuniu até agora treze Estados e territórios do país, em resposta à decisão de Trump de sair do acordo de Paris.

A Califórnia, a maior economia entre os Estados norte-americanos, é também um dos Estados que exerce controlo mais rigoroso na área ambiental, detendo a liderança no sector no país.

Apesar de a China ter ultrapassado, nos últimos anos, os EUA como líder mundial no desenvolvimento de energias renováveis, tem tido dificuldades em integrar os painéis solares e turbinas eólicas numa rede de distribuição eléctrica dominada por centrais a carvão.

Trump é um acérrimo defensor das indústrias fósseis norte-americanas, em particular da do carvão, que sofreu um forte declínio na produção, durante o mandato do anterior Presidente Barack Obama.

7 Jun 2017

Filipinas suspendem envio de trabalhadores para o Qatar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] governo do Presidente filipino, Rodrigo Duterte, suspendeu ontem temporariamente as autorizações de deslocação de trabalhadores para o Qatar, na sequência da crise diplomática com vários países árabes.

O ministro do Trabalho filipino, Silvestre Bello, afirmou que a suspensão entrou em vigor ontem, mas ainda não existe qualquer plano para repatriar mais de 200 mil trabalhadores do arquipélago do Sudeste Asiático do Qatar.

A decisão da Arábia Saudita de encerrar a fronteira terrestre com o Qatar, através da qual a pequena nação do Golfo Pérsico importa a maior parte dos alimentos, desencadeou uma corrida aos supermercados.

Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Egipto, Iémen e Líbia, além das Maldivas, anunciaram sucessivamente, na segunda-feira, o corte de relações diplomáticas com o Qatar, criando a mais grave crise regional desde a guerra do Golfo de 1991.

Discursos da razão

Riade justificou a decisão com “o acolhimento pelo Qatar de vários grupos terroristas e sectários para desestabilizar a região”, incluindo a Irmandade Muçulmana, a Al-Qaida, o Estado Islâmico e grupos apoiados pelo Irão.

O Cairo acusou Doha de ter uma “abordagem antagonista” e afirmou que “todas as tentativas para o impedir de apoiar grupos terroristas falharam”, dando ao embaixador do Qatar 48 horas para abandonar o Egipto e chamando o seu encarregado de negócios em Doha.

O corte de relações é associado a medidas que implicam o isolamento do Qatar, anfitrião do Mundial de Futebol 2022, com o encerramento de fronteiras terrestres e marítimas, proibições de sobrevoo e restrições à deslocação de pessoas. Sete companhias aéreas anunciaram a suspensão dos voos de e para Doha.

A diplomacia do Qatar considerou-as injustificadas e baseadas em alegações e pressupostos falsos: o Qatar “não interfere nos assuntos alheios” e “luta contra o terrorismo e o extremismo”, afirmou o emir, xeque Tamim Ben Hamad Al-Thani.

7 Jun 2017

Sombras e vento frio

Metro, Lisboa, 29 Maio

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda no REALIZAR:poesia, durante o lançamento de Vertem-se Bíblias em Quimbundo (ed. Miasoave), o João Paulo Esteves da Silva explicou muito explicadinho a origem do volume: um amigo hebreu e poeta ofereceu-lhe um tablet e ele pôs-se a «andar pela cidade com os polegares». Usei os meus para tomar nota no telemóvel, mas desnecessariamente, pois não me esqueci. O livro traz ainda um cd com as canções de um outro projecto, Crime, mas os poemas iniciais têm pouco a ver, a não ser no que indica uma epígrafe: na luta diária, os nossos gestos poderiam cometer crimes. Ainda assim, aqueles percursos pelo quotidiano são compostos no modo narrativo da voz off de um qualquer filme noir, com os olhos a fazer a vez dos polegares no tocar da cidade. Muita sombra perpassa, não sei se melancólica, nas descrições falsamente fotográficas do que se faz e desfaz, da chuva e das árvores, tantas árvores, do vazio e de Deus, mas também de memórias e de anseios, por outro sítio ou por neve. Longos versos a dizer em baixo contínuo de cortante singeleza. Falho paragens no metro atulhado com a voz off a empurrar-me, de súbito flanêur de filme noir na cidade branca. Branca por que raio? «Claro que preciso do apoio dos livros, empilho-os, encosto-me, descanso/Pouso-os na mesa, sombras benfazejas, anjos sentinelas//Às vezes, tenho a mão sobre um enquanto leio outro/Acompanho com toques mais ou menos ritmados//Agrada-me escrever em contraluz, virado de frente para o livro/ A ver o lado mais sombrio das formas, iluminadas por trás (…)».

Cemitério da Paz, Setúbal, 30 Maio

Interrogações. De que espécie era a pequena árvore que nos refrescou naquele deserto, sobreiro ou oliveira? De onde vinha e para que apontava o arbusto que se erguia do vazio da gigantesca cabeça tombada, céu ou terra? De que mineral nasceu a cabeça tombada, lioz ou granito? Sabe o coração que os seus batimentos desenham paisagens, montanhas e fossas? Que lonjura e profundidade deve ter o traço para fazer um destino?

Facebook, Lisboa, 1 Junho

Leio notícia da morte de Armando Silva Carvalho (quantos dos citadores instantâneos e lamentadores terá comprado um dos seus livros?). Não consigo relembrar-me da última conversa sobre Deus. Ou seria morte? Será possível falar daquele sem esta? Qual espelha o quê? «Entrego estes frutos minerais/tardios./ Envolvo numa sombra a mão/ que mos recebe. / A isso chamo eu mundo./ Entrego mais e mais, amei falsificando,/ e ajeito o pescoço à lâmina/dos dias./ Com os olhos bem abertos abarco/ toda a queda./ Eu sei, é o outono.» (De Canis Dei, incluído em O Que Foi Passado a Limpo, ed. Assírio & Alvim, volume que sobreviveu com marcas à inundação). Sopra na cidade, mal anoitece, um vento frio.

Horta Seca, Lisboa, 1 Junho

Apesar do vento, fez-se festa, esta finissage. Como nas boas receitas, a qualidade de cada ingrediente foi-se encaixando para fazer mais, muito mais, do que a soma das partes nesta edição especial de «Desenhar Em Cima da Conserva», caixa com livro e latas de conserva. Surjam agora mãos-leitoras que o usem para se apoiar. A ideia do mano Tiago [Ferreira] de convocar ilustradores capazes de ocupar, com imagens, um vazio desenvolveu-se, à mesa, para cadáver esquisito em banda desenhada que contasse mais uma história de marinheiros e sereias. Aconteceram encontros mensais, na loja da Conserveira de Lisboa, para assistir ao desenho ao vivo até que o Museu do Trabalho, antiga conserveira de Setúbal, acolheu há um ano, uma primeira mostra do conjunto dessas obras, enquanto o André [Carrilho] encerrava a histórica com épica baleia. Outro mano, José Teófilo [Duarte], com ajuda do João Silva, desenhou o objecto com o peso exacto de cor e modo, antes de ser passado a caixa, de modo a conter duas latas Tricana, cuja imagem aproveitaria personagens da Susana [Carvalhinhos] e do Pedro [Brito]. E estou longe de esgotar a lista de competentes contributos. Outro dos casos, portanto, em que as páginas dos livros se transfiram em ramos de árvore abrindo espaços na paisagem e tocando mundos e fundos. Por exemplo, neste dia fez-se toalha para dispor os sensíveis e delirantes amuse-bouche da Ingrid [Correia], tão bem acompanhados pelos espirituais Syrah, Viosinho e Touriga Nacional, da Quinta do Gradil, gentileza da Ana Matias. Tenho até carinho por caixas, sobretudo de cartão, mas não tinha nas estantes que vou construindo nada com esta luxúria bruta. A bd dentro vive de brincar entre o negro e o branco, seja traço ou mancha. Cada vez que a folheio encontro tranquilidades e tempestades, o delírio e o medo, além do amor. E depois o mar, em (pro)fundo.

Casa da Cultura, Setúbal, 2 Junho

O rosto da Festa da Ilustração soma, este ano, ao grafismo sólido do José Teófilo [Duarte] a fluidez do desenho do António Jorge [Gonçalves]: figura que corre, com lápis na vez a perna, traçando o chão que pisa. Preciso aqui desmontar a metáfora como se fosse prótese?

Pelas zero horas, estamos, os organizadores, tolhidos pela quase solenidade no meio dos seus desenhos que são quase só traços. Dizem, com pujante energia, que somos isso, afinal, linhas, vestígios. Com método, leu a Casa da Cultura e instalou três momentos do trabalho que vem fazendo, começando pela ampliação dos seus inseparáveis cadernos do registo imediato de gente sentada viajando de metropolitano nos cinco continentes. Ao que se segue o trabalho de desenho ao vivo de par com música, teatro ou dança, para acabar em A Minha Casa Não Tem Dentro, com o essencial do seu livro mais recente, de toque abysmático. Disse três momentos? Erro. São quatro, pois a improvisação é componente essencial do seu modus operandi: a vida prolonga-se nas páginas do caderno onde assenta notas, sejam desenhadas ou escritas, ou ambas as coisas. E dali frutificam depois para o que der e vier. Havia uma parede cega na Casa da Cultura, a caminho dos Desenhos Éfemeros, a tal onde às escuras assinala a parte do seu trabalho com a luz. Faça-se da parede folha de caderno (veja-se foto ao lado), com perguntas e desenhos ou perguntas desenhadas. «Respondo-me ao perguntar? Desenho porque desejo-te? O medo mata? O medo salva?» Obrigado por perguntares: «Como te sentas hoje?»

7 Jun 2017

Venús terá sido asiática? 亚洲人是彻底的“女尊男卑” (Parte 2)

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]os finais do século XX o Japão exportou para o mundo ocidental um universo visual que parecia naïve e a léguas de distância das artes gráficas tradicionais Ukiyo-e. Personagens animadas fofinhas, como o Pokemon e a Hello Kitty, foram amplamente adoptadas pela juventude ocidental e foram crescendo dentro da série manga da Nintendo. O ocidente começou então a criar bonecos inspirados nos japoneses. A Selfridges de Londres elegeu como mascote da loja uma boneca de olhos rasgados e cabeça grande para celebrar o tema “A vida em Tóquio”. Jovens designers começaram a incorporar alguns destes elementos nas suas criações e estas mascotes tornaram-se moda no ocidente. Os consumidores do mundo inteiro aderiram entusiasmados à novidade, até ter sido substituída pela “descoberta” seguinte. Contudo, no Extremo Oriente os bonecos fofinhos continuaram de vento em popa porque fazem parte de uma cultura cimentada ao longo da História, e não de uma febre consumista pontual. O gosto popular por bonecos fofinhos está enraizado numa estética tradicional e continua a desempenhar um papel importante no dia a dia das pessoas.

A série manga destina-se a todos – homens, mulheres e crianças – e inclui os temas mais variados, desde a comédia ao romance e da Filosofia à História. A “mania do boneco” vai muito além da cultura dos jovens porque dá às pessoas a hipótese de identificação. A aparência segura e ternurenta sugere o desejo de ser protegido. E as pessoas são protegidas quando não exprimem opiniões, que é um sinal de saberem o que é o “respeito”. Não dizer abertamente o que se pensa e o que se quer, significa que pomos as opiniões e as necessidades dos outros à frente das nossas. E este tipo de “respeito” mantém-nos seguros e fofinhos. A um ocidental dá seguramente a impressão de estar perante alguém que lhe lembra uma criança. E é aqui que está a diferença. Se lhe chamarem “fofinho” em Tóquio, querem dizer mais ou menos o mesmo que os tipos da Califórnia quando lhe chamam “cool”.

Entretanto os jovens fãs chineses fazem upload e remix dos vídeos de animação japoneses, criando um género AMV (Animation Music Videos). Extraem os pedaços de músicas e de filmes de animação japoneses de que gostam mais, e depois editam-nos em conjunto. A juventude chinesa desenvolve a sua sexualidade dentro do contexto de uma cultura consumista, porque as fantasias sexuais das pessoas são afectadas pela febre de censura da RPC. Os jovens vêem na abertura do estilo japonês uma fuga aos estigmas da cultura sexual chinesa, um misto de controle do Estado e de moral confuciana.

A seguir também temos a pornografia japonesa, exportada para o ocidente com grande sucesso, uma mais valia para a imaginação do homem branco. Por exemplo, os filmes pornográficos japoneses com mais saída dedicam grande parte do tempo a mostrar corpos femininos a serem beijados e acariciados. Parecem “gostar” mais das mulheres do que os seus congéneres ocidentais, que apenas as “exploram”.

Da próxima vez quero falar-vos de um filme pornográfico destinado às mulheres que se chama ‘Amor Entre Rapazes’ e que nos mostra o amor gay e outras aventuras. Este sub-género tem actualmente muita popularidade nos sites que partilham vídeos como o Youtube.com.

Termino com as palavras de Lemy Motörhead: “Não podemos ser só de uma cor. Para esta coisa do sangue vir algum dia a funcionar como deve de ser, temos de misturar as raças e fornicarmos desalmadamente até ficarmos todos mulatos.” Da próxima vez que se deparar com racismo, lembre-se destas palavras.

Noutra cidade, noutro lugar, noutra raça. Hasta la vista.

7 Jun 2017

Automobilismo | BMW apresentou o seu “Art Car” para o Grande Prémio de Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] 18º exemplar da Colecção BMW Art Car vai participar no 64º Grande Prémio de Macau e foi apresentado a semana transacta na China continental. No Museu de Art Minsheng, em Pequim, em frente a centenas de convidados, incluindo alguns membros da administração da BMW AG, a artista chinesa Cao Fei revelou o seu projecto que ficará aqui exposto até Novembro.

O BMW M6 GT3 empregará uma “realidade aumentada e virtual” e aborda o “futuro da mobilidade, como a condução autónoma e a digitalização”. Com 39 anos, Cao Fei, mais conhecida pelo seu projecto online RMB City (um mundo virtual projectado para o jogo de realidade alternativa Second Life), tornou-se a artista mais jovem a fazer um trabalho desta natureza para a BMW. O carro será visto a correr numa decoração em preto-carbono, isto porque que o design criado pela artista chinesa só é possível ser visto no mundo virtual.

“O BMW Art Car da Cao Fei é uma reflexão sobre a velocidade da mudança na China, sobre a sua tradição e o seu futuro”, era possível ler no comunicado da BMW. O projecto artístico está dividido em três componentes: um vídeo de um praticante espiritual viajando no tempo, recurso à realidade aumentada, exibindo fluxos coloridos de luz, acessíveis através de uma aplicação dedicada e o carro de corrida BMW M6 GT3 no seu preto-carbono original.

“Para mim, a luz representa pensamentos. Como a velocidade dos pensamentos não pode ser medida, o #18 Art Car questiona a existência de limites na mente humana”, diz Cao Fei, lembrando que “nós estamos a entrar numa nova era, onde a mente controla directamente objectos e onde os pensamentos podem ser transferíveis, como operações não tripuladas e inteligência artificial… Que atitudes e temperamentos seguram a chave que abrirá a porta para uma nova era?”

A tradição dos “BMW Art Car”, carros de competição cuja decoração fica a cargo de um artista de renome, como Alexander Calder, Andy Warhol ou Jeff Koons, remonta a 1975. Até hoje foram produzidos dezassete carros, sendo o exemplar que será visto a acelerar nas ruas de Macau o dezoito. O dezoito também será o número escolhido para a corrida em Macau, isto devido á simbologia do número na cultura chinesa. Esta será primeira vez que um “BMW Art Car” corre no Circuito da Guia.

Brasileiro ao volante

Entretanto, a BMW Motorsport já escolheu quem irá pilotar o seu carro entre nós no mês de Novembro. Apesar de contar nas suas fileiras com um especialista no Circuito da Guia e duas vezes vencedor da corrida de Fórmula 3, o português António Félix da Costa, o construtor alemão escolheu outro piloto lusófono para conduzir o BMW M6 GT3 especial, neste caso o brasileiro Augusto Farfus. O piloto de Curitiba conhece bem as ruas da RAEM, tendo vencido por duas ocasiões quando a Corrida da Guia pontuava para o WTCC.

Este carro será inscrito na corrida Taça GT Macau que este ano comemora a sua décima edição. Por confirmar está se esta mesma Taça GT Macau dará corpo pelo terceiro ano consecutivo à Taça do Mundo FIA de GT, apesar de Pun Weng Kun, Presidente do Instituto do Desporto do Governo da RAEM e Coordenador da Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau, ter dado sinais no sentido da continuidade durante a cerimónia do anúncio do patrocinador principal do evento.

7 Jun 2017