Diana do Mar Eventos MancheteAna Margarida de Carvalho, escritora: “O que realmente me interessa é contar histórias” É de contar histórias que Ana Margarida de Carvalho gosta. Primeiro fê-lo como jornalista, ao longo de uma carreira de 25 anos, agora como escritora a tempo inteiro. Sem rotinas, pouco dada e até avessa à disciplina, prepara uma nova obra, após ter conquistado, com apenas dois romances um lugar na ficção portuguesa [dropcap]O[/dropcap]s romances “Que Importa a Fúria da Mar” (2013) e “Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato” (2016), premiados com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), foram escritos ainda quando era jornalista. Como foi o processo de transição para a literatura? Fui jornalista durante 25 anos, portanto, sempre me adaptei a uma linguagem que tem de ser funcional, denotativa, directa. O que conta no jornalismo é a eficiência, transmitir a verdade mas, conhecendo o cânone, sempre tentei fazer a escrita jornalística de uma forma um pouco diferente, pelo que a minha transição não foi uma coisa abrupta de maneira nenhuma. Além disso, sempre fiz muitas reportagens longas em que a parte formal era muito importante e, portanto, sempre tive isso em conta. Por outro lado, trabalhei em géneros híbridos como a crónica ou a crítica cinematográfica em que o nosso lado subjectivo está muito lá. O que realmente me interessa é contar histórias e isso faz-se em ambos os registos. Só que no jornalismo temos um pacto de verdade com o leitor, enquanto na ficção temos um da verosimilhança. Além disso, simultaneamente escrevia guiões. Sempre tive um lado meu muito virado para a ficção, pelo que não senti que tivesse de fazer uma adaptação interior. Depois de sair da revista Visão, em Dezembro de 2016, nunca mais pensou em regressar ao jornalismo? Eu fui mandada fora, considerada dispensável e despedida. Não só eu, mais outros dez colegas. Curiosamente foram pinçados os que teriam mais a ver com o ADN da revista e um carácter mais jornalístico e menos tarefeiro, pessoas que pensavam mais pela sua própria cabeça talvez e não tanto executantes. Talvez fosse esse o critério – não percebi, nunca nos foi explicado. Mas o jornalismo demora muito tempo a sair-nos da cabeça. Estou sempre com apelos de reportagens, de entrevistas, mas depois paro e penso que isso já não tem nada a ver comigo. O meu olhar jornalístico ainda existe – essa transição é que eu tenho de fazer. Tenho de voltar a ter um olhar mais estético, que seria mais interessante para uma ficcionista. Embora também haja curiosidade pessoal, tantos anos de jornalismo não passam por nós sem deixar marcas. Quão distinto foi o primeiro romance do segundo? Há uma Ana Margarida de Carvalho diferente? Achei que no primeiro [“Que Importa a Fúria da Mar”] auto-impus-me mais constrangimentos. O livro encontra-se dividido em duas partes, têm o mesmo número de capítulos, tudo converge para o mesmo ponto. Em “Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato” há um turbilhão ou vários turbilhões em simultâneo que se vão enrodilhando. O primeiro, apesar de ter uma mistura entre tempos e espaços, não é um livro linear, escrevi-o se calhar com mais alguma contenção. Este foi escrito com uma maior sensação de liberdade, talvez seja essa a diferença. Eu se pudesse, se não tivesse que haver este cuidado para comodidade dos leitores e alguma pressão por parte das editoras, nem tinha posto capítulos. Sinto que no segundo romance são um bocadinho artificiais. O que se segue agora? Há um novo romance em preparação? Sim. Recebi uma bolsa do Estado português para escrever um romance e, portanto, é isso que que tenho de fazer em 2018. [O livro] está numa fase inicial, mas passa-se num Alentejo um bocado profundo e ambíguo antes do 25 de Abril, talvez nos anos 1950/60 numa aldeia onde se vive uma ambivalência: a de ajudar os resistentes a passarem a fronteira e de, ao mesmo tempo, e a de denunciar ou entregar à polícia política. Depois gostava de introduzir também o ambiente fechado que se vivia nos arrais de pesca de atum no Algarve e vou cruzar esses dois ambientes. O seu pai, Mário de Carvalho, serve-lhe de referência, inspiração ou, em certa medida, acaba por ser um fardo? Sim, talvez mais fardo, embora não seja algo muito simpático de dizer [risos], porque a quota literária familiar já estava preenchida, mas também não foi algo que me perturbasse particularmente. Ele é uma referência, claro, mas é-me difícil distinguir a referência paterna da referência literária. Teve outras referências? Tantas. A história não tem rigorosamente nada a ver, mas quando penso num livro referencial para a primeira obra penso em “A Amante do Tenente Francês”, de John Fowles, um livro de culto de que gosto muito, que foi uma referência formal, mas também um pouco mais do que isso. A referência para o segundo seria “A Nave dos Loucos”, de Katherine Anne Porter, porque me fez pensar que é possível fazer um livro em que não há nenhuma personagem principal, em que o leitor sinta empatia, em que as pessoas são todas odiosas e estão todas fechadas. E na literatura portuguesa? Gosto muito de José Saramago, que é daqueles autores que quase que li a obra toda, de José Cardoso Pires e também do António Lobo Antunes, um escritor a sério, porque consegue olhar para uma coisa vulgar com assombro. E como foi a experiência de escrever para crianças, com o livro infantil “A Arca do É”? A repetir? Gostava muito, mas aí já não depende só de mim. Já é preciso um ilustrador, é um trabalho a meias. Até tenho uma ideia para fazer, mas o ilustrador, entretanto, também me se tornou muito requisitado e tem projectos próprios, portanto, teria que encontrar outro disponível, mas este ano está reservado para o romance. Mas com esse livro, destinado a crianças ainda não autónomas na leitura, houve duas partes muito boas: por um lado, ter um ilustrador a interpretar o texto que escrevi, que é bastante simples, e, por outro, as sessões com crianças. Isto porque quando não têm maus professores – aqueles que lhes impõe uma maneira de pensar e regras estereotipadas – permitem sessões interessantíssimas, porque os miúdos têm ainda uma liberdade de pensamento e uma falta de autocensura que lhes permitem fazer perguntas muito estimulantes. O livro tem a ver com a arca de Noé, imaginei que ele tinha um irmão que era completamente o oposto dele – o “É” – , numa brincadeira com o ‘é’ e o ‘não é’. Era uma espécie de Epimeteu, por contraponto ao Prometeu. Uma vez, quando estava a explicar a um grupo de meninos, que inventamos as histórias, que podemos fazer tudo o quisermos, como se fossemos uma espécie de Deus, uma menina perguntou: ‘Ai é? Então porque não puseste uma senhora? Realmente fui apanhada. Tinha dito que podiam fazer tudo à vontade, enfrentar tudo, pôr o céu a amarelo e o mar a roxo, quebrar os estereótipos e depois aquela menina apanhou-me [risos]. Por falar no feminino, olhando para a literatura houve evolução na forma como são vistas? Uma vez estive numa mesa, num evento deste género, com outro escritor, em que ele começou a enumerar escritores de quem gostava e não enunciou um único nome feminino. Foi, de facto, uma coisa que me chocou bastante. Acho que foi um esquecimento um pouco selectivo demais. É um sinal de que nada mudou em termos genéricos? Até temo que tenha piorado. Como atravessamos uma crise muito dura, atrás dessa crise veio também uma crise de costumes e civilizacional – porque vem sempre. Economicamente estamos a recuperar mas até recuperarmos a outra parte, da mentalidade, se calhar demora mais tempo. Tenho essa sensação que houve um retrocesso em termos da forma como se olha a mulher. E Macau? Que sensações lhe despertou a primeira visita? Estou um bocado assoberbada de estímulos, é uma cidade que parece que não pára, parece que toda a gente está com pressa de ir para todo o lado em sentidos divergentes, o que me causa certa confusão. Tenho uma vida bastante pacata, estou quase todos os dias sozinha, e, de repente, há todos este estímulos visuais e pessoas a movimentarem-se, os carros e a poluição. Perdi-me naqueles casinos loucos onde até há cheiro, sons, imagens e tudo ao mesmo tempo. Tudo isto causa-me um certo atordoamento. Até achei que havia mais velha Macau do que nova, mas logo na Taipa tive o meu choque de artificialismo, porque é disso que se trata: pessoas encafuadas, pouquíssima natureza (…). Não pensei que o dinheiro do jogo fosse uma coisa tão poderosa, mas devia ter pensado. Tinha lido sobre uma Macau com resquícios misturados de China e de Portugal e, depois, deparei-me com arranha-céus completamente histriónicos e com aquelas imitações um bocadinho grotescas.
Hoje Macau EventosRota das Letras | Liliana Ribeiro ganhou concurso de contos [dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]iliana Ribeiro foi a premiada portuguesa do concurso de contos do festival literário Rota das Letras, com a história “E se as Pedras”. Huang Hou Bin foi o vencedor, tendo concorrido com o conto em língua chinesa intitulado “Atravessar a Fronteira”. Em inglês sagrou-se vencedor Graeme Hall, com o conto “O Riso do Macaco de Jade”. Além do prémio monetário de dez mil patacas atribuído a cada autor, os três contos são publicados no livro “Seis em Ponto”, lançado ontem durante o festival. Tal como é habitual, todos os anos é lançado um livro que contém não apenas os contos vencedores como contos de autores convidados que experimentam o desafio de escrever sobre Macau. “Seis em Ponto” conta com histórias escritas pelos convidados presentes na última edição do Rota das Letras, como é o caso de Natalia Borges Polesso, que escreveu “Volta”, ou Bruno Vieira Amaral, que assinou “A vida eterna no Rio das Pérolas”.
Diana do Mar Manchete SociedadeRota das Letras | Cancelamentos de presença de autores depois de pressão do Gabinete de Ligação [vc_row][vc_column][vc_column_text] A indicação de que a vinda de três escritores convidados para Festival Literário de Macau não seria “oportuna” veio do Gabinete de Ligação, afirma Ricardo Pinto, director do evento. A organização do Rota das Letras vai reflectir sobre a continuidade do festival após os recentes acontecimentos que levaram, entretanto, o director de programação a anunciar a sua saída [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] dias do início, o Festival Literário de Macau “Rota das Letras” cancelou a presença de três escritores após ter sido informado “oficiosamente” de que a vinda de Jung Chang, James Church e Suki Kim “não era considerada oportuna” e que, por conseguinte, “não estava garantida a sua entrada no território”. Desconhecia-se, no entanto, a fonte da informação, depois de os secretários para os Assuntos Sociais e Cultura e da Segurança, Alexis Tam e Wong Sio Chak, garantirem não ter conhecimento sobre o caso. Ricardo Pinto confirmou que a referida indicação não veio do Governo de Macau, mas antes “da parte do Gabinete de Ligação”. Contudo, em declarações reproduzidas pela TDM no mesmo dia, sábado, feitas a partir de Pequim, o director do Gabinete de Ligação, Zheng Xiaosong, afirmou desconhecer o caso em torno da Rota das Letras. “Obviamente não íamos colocar os autores convidados na situação de chegarem aqui a Macau e não poderem entrar”, uma vez que havia “grande” a probabilidade de tal suceder, reiterou Ricardo Pinto. Para o director do Festival Literário, esta situação foi uma “surpresa”, atendendo a que “foi a primeira vez” que sucedeu algo do género desde que o Rota das Letras nasceu em 2012. “Para nós foi especialmente desconcertante porque não acho que se justifique em circunstância nenhuma, mas em relação a estes autores ainda menos”, sublinhou. Continuidade na mesa O cancelamento da presença de três escritores por não estar garantida a sua entrada em Macau vai levar o Rota das Letras a reflectir sobre a continuidade de um evento que conquistou um lugar no calendário cultural. “Depois do que aconteceu, obviamente tudo terá que ser reflectido, repensado e discutido” mais tarde para “ver até que ponto faz sentido continuar com o festival, em que termos, em que circunstâncias, em que condições”, afirmou o director, Ricardo Pinto, à margem da cerimónia de abertura do Rota das Letras, que arrancou no Sábado e decorre até ao próximo dia 26. “Não há nada que eu possa dizer [sobre o futuro]. Acho que o importante, neste momento, para nós, é que este festival possa ser bem organizado” e ter o “menor ruído possível depois de todo o que já houve”. Os três escritores em causa são Jung Chang, conhecida principalmente por “Cisnes Selvagens – Três Filhas da China” (1991) e pela controversa biografia “Mao: A História Desconhecida”; James Church, um ex-agente da CIA, autor da série “Inspector O”, uma história de detectives passada na Coreia do Norte; e Suki Kim, sul-coreana conhecida por trabalhar infiltrada, autora de “Without You, There Is No Us” (2014), livro no qual converteu a experiência de ensinar inglês às crianças das elites da Coreia do Norte. DSEJ retira participação Uma das partes importantes do Festival Literário de Macau é o “Rota das Escolas”, uma iniciativa que tem contado com a coordenação da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ). Na edição anterior, por exemplo, incluiu cerca de 30 sessões em instituições de ensino oficiais e privadas. No entanto, este ano, segundo revelou o próprio organismo à Rádio Macau, “não consideraram participar nos trabalhos do Festival Literário”, para “evitar afectar as actividades regulares de ensino nas escolas”, atendendo a que a data do Rota das Letras (que se tem realizado quase sempre em Março) se sobrepõe ao período de exames. “O que nos foi informado é que a DSEJ não estava com disponibilidade para fazer a habitual coordenação que, “obviamente, nos facilitava imenso”, comentou Ricardo Pinto. “O nosso contacto com as escolas começou por ser sempre feito directamente – julgo que só há duas edições passou a ser coordenado pela DSEJ”. No entanto, “o facto de a DSEJ não ter, este ano, querido ou podido (…) não impediu que nós tivéssemos feito esse trabalho. Aliás, várias dirigiram-se ao festival no sentido em que pudéssemos levar lá os autores e é isso que vai acontecer”, sublinhou. Apesar dos recentes acontecimentos, Ricardo Pinto tem confiança de que a adesão ao Rota das Letras não vai ser beliscada. “Por uma razão: independentemente de nós termos querido muito que os autores que não vão estar presentes estivessem, também acho que obviamente aqueles que vêm têm muita qualidade e seguramente muito a dar ao festival. Julgo que seria mau para eles sobretudo, mas mau também para o público não agarrar esta possibilidade de poder contactar com eles”, sublinhou. Normalmente, o Festival Literário acaba por reunir, em torno das múltiplas iniciativas, entre 10 e 20 mil pessoas ao longo de 15 dias. “Não me parece que esse número seja muito diferente”, disse Ricardo Pinto. “Temos dezenas de autores, incluindo muitos locais também, que em si mesmo são um excelente cartaz para o festival e uma garantia para as pessoas que aqui se dirigirem de que não se arrependerão”, rematou. [/vc_column_text][vc_column_text css=”.vc_custom_1520871558252{margin-top: 15px !important;margin-right: 0px !important;margin-left: 0px !important;padding-top: 10px !important;padding-right: 15px !important;padding-bottom: 18px !important;padding-left: 15px !important;background-color: #3f3f3f !important;border-radius: 1px !important;}”] Hélder Beja abandona direcção Hélder Beja está demissionário [foto de arquivo] Este episódio teve outra consequência: o anúncio de Hélder Beja de que vai abandonar o cargo de director de programação do Festival Literário de Macau imediatamente depois do final da sétima edição, ou seja, no dia 26. “Na qualidade de co-fundador e membro da direcção da Rota das Letras desde a primeira hora, e na sequência dos eventos noticiados nos últimos dias, que culminaram com o cancelamento da presença de alguns autores que se preparavam para participar no festival, considero que na presente conjuntura não tenho condições para continuar”, escreveu num breve comunicado enviado na sexta-feira às redacções. “Foi um prazer e um desafio ajudar a criar e a desenvolver a Rota das Letras”, concluiu. Ricardo Pinto tentou demovê-lo no sentido em que, “a ter que tomar essa decisão, o fizesse “o mais tarde possível”, dado que o festival se encontra em curso, mas compreende a decisão. “Também lhe disse que percebo perfeitamente as razões dele. Percebo a frustração que ele sente, comungo dessa frustração e acho que essa frustração sentem-na todas as pessoas que estão envolvidas na organização do festival”, argumentou. “Obviamente irei ter ainda uma conversa com o Hélder depois do festival. Gostaria muito que continuasse”, realçou. Wong Sio Chak desconhece “rumor” Instado a comentar a notícia sobre o cancelamento da participação de três autores do Festival Rota das Letras, o secretário para Segurança afirmou não ter conhecimento sobre a situação. Wong Sio Chak adiantou ainda que contactou com o Corpo de Polícia de Segurança Pública que também afirma não ter informação sobre o assunto. De acordo com comunicado, o secretário para a Segurança frisou que a entrada e a saída do território de qualquer indivíduo é uma questão do foro privado da própria pessoa, pelo que as autoridades policiais nunca divulgam informação sobre a mesma. Por fim, afirmou não saber o motivo para o surgimento de “esse rumor”. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
Carlos Morais José Editorial MancheteFestival Rota das Letras | Uma baixa, uma derrota [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] cancelamento da vinda de três escritores ao Rota das Letras, por ser considerada uma presença “inoportuna”, foi imposto ao director do festival através de um “conselho” oriundo do Gabinete de Ligação, que alvitrava a hipótese de lhes ser recusada a entrada na RAEM. Quer o Secretário Alexis Tam (responsável pela área da Cultura), quer o Secretário Wong Sio Chak, afirmaram desconhecer o assunto. Este último falou mesmo de um “rumor”. Certo é que os escritores não vêm e estamos perante um precedente perigoso e inexplicável. Ou seja: desde quando é que o princípio “Macau governado pelas gentes” caiu em desuso e o Gabinete de Ligação explica aos serviços de imigração quem deve ou não deve entrar na região? Quem governa realmente Macau? E a não ser o Executivo de Chui Sai On, deveremos ouvir o Gabinete de Ligação ou o Ministério dos Negócios Estrangeiros? Quem podemos responsabilizar por decisões como esta que, infelizmente, mancha a imagem de Macau no exterior e desassossega intelectuais e criativos aqui na terra? Na verdade, e poderá ser coincidência, no seu último discurso referente à RAEM, o primeiro-ministro Li Keqiang insistiu no princípio Um país, Dois Sistemas mas ter-se-á esquecido de invocar, como sempre tinha feito, a garantia de que Macau seria governado pelos seus residentes e não por Pequim. Será que algo mudou e não nos disseram nada? Ontem, em pleno segundo dia de programação, o ambiente no Rota das Letras era pesado e, obviamente, o tema geral das conversas passava pelo cancelamento da vinda dos escritores. Uma sombra vergava o ânimo das pessoas e muitas questões sobre o futuro dos nossos quotidianos em Macau, inevitavelmente, foram colocadas. A própria existência do Rota das Letras, um dos mais significativos eventos culturais da RAEM, perante esta baixa, foi questionada e posta em causa. E todos já saímos derrotados: a organização do evento, o público, os escritores, o Governo, o Gabinete de Ligação, a população da RAEM e, sobretudo, a imagem internacional da cidade. Que Macau é este e com que linhas nos cosemos? A Lei Básica é para cumprir ou vai ser alterada? O segundo sistema só existe no plano económico a partir de agora? E o que fazem Chui Sai On e os secretários, que poder realmente detêm? Se as mudanças constitucionais em Pequim já bastavam para causar apreensão, a actual situação em Macau também apresenta contornos inéditos e, porque estamos perante repressão, preocupantes. Precisamos de saber: até quando continuará a liberdade a passar por aqui?
Hoje Macau SociedadePEN Hong Kong expressa consternação quanto ao caso do Rota das Letras [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] associação de escritores PEN Hong Kong diz-se “consternada” com a notícia de que a organização do Festival Literário de Macau – Rota das Letras foi informada de que não estava garantida a entrada no território de três dos autores convidados, divulgou ontem o canal de rádio da TDM. Num comunicado divulgado na página electrónica da associação, os escritores do território vizinho dizem-se “muito preocupados” com o que classificam de ataque à liberdade de expressão. A TDM – Rádio Macau pediu uma reacção sobre este caso a vários membros da Associação de Escritores de Macau, também conhecida como Macau Pen Club, mas até agora nenhum se mostrou disponível. Já para a associação de Hong Kong, trata-se de “um desenvolvimento muito preocupante” que “infringe directamente o direito à liberdade de expressão e a expressão literária”. São direitos que a PEN Hong Kong considera que “devem estar garantidos em Macau e em todo o lado”. No comunicado, a associação de escritores cita as declarações à TDM – Rádio Macau do director de programação do Rota das Letras. Hélder Beja afirmou que a organização foi informada, “oficiosamente”, de que a presença de Jung Chang, Suki Kim e James Church não era oportuna em Macau e ainda que não estava garantido que os três autores conseguissem entrar no território. No comunicado da PEN Hong Kong lê-se que “banir autores apenas com base na aceitabilidade política do que escrevem, de acordo com critérios vagos que não são sequer tornados públicos, é um desenvolvimento muito preocupante que não pode ser defendido”. Cultura limitada Ao mesmo tempo que reconhece às autoridades de imigração o poder de decidir quem entra em Macau, a associação de escritores apela à Administração do território para que “não use o acesso à cidade como uma ferramenta secreta de controlo político para determinar que tipo de livros são considerados aceitáveis”. A PEN Hong Kong defende que “ao fazer isso”, as autoridades “não estão apenas a proibir que autores internacionalmente reconhecidos visitem Macau, prejudicando a reputação do território como uma cidade conhecida pelas indústrias culturais e criativas, como também estão a limitar os intercâmbios culturais que os cidadãos podem desfrutar”. O comunicado descreve essa atitude como “censória” e “autoritária”, o que a PEN Hong Kong diz ser “deplorável”. Jung Chang, sino-britânica, é autora de “Cisnes Selvagens – Três filhas da China”, e ainda co-autora de uma polémica biografia de Mao Tse-tung. Suki Kim, coreana-norte-americana, passou seis meses infiltrada na Coreia do Norte, e James Church, pseudónimo de um ex-agente dos serviços de inteligência norte-americanos (CIA), é escritor de romances policiais.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeRota das Letras | Ausência de escritores afecta imagem de Macau, dizem analistas. Amnistia Internacional já se pronunciou O cancelamento da vinda dos escritores Jung Chang, James Church e Suki Kim ao festival literário Rota das Letras é encarado por muitas vozes como algo que pode prejudicar a imagem internacional de Macau. Mok Ian Ian, presidente do Instituto Cultural, referiu que o Governo sempre apoiou o evento e que nunca houve uma apreciação do programa. A Amnistia Internacional pede explicações [dropcap]N[/dropcap]inguém sabe como, nem porquê, mas a verdade é que, a dias de começar uma nova edição, o festival literário Rota das Letras sofreu quatro baixas de peso na lista de convidados. Nomes prestigiados da literatura, como é o caso de Jung Chang, James Church e Suki Kim viram a sua presença em Macau cancelada pela organização depois desta ter recebido um aviso de que as suas vindas não seriam oportunas. “Foi-nos comunicado oficiosamente que não era considerada oportuna a vinda desses três autores, por isso, não estava garantida a sua entrada no território. O Festival não quis colocá-los nessa situação e tomou a decisão de cancelar a sua vinda. Esta situação ultrapassa, em muito, o raio de acção do Festival Literário”, explicou ao HM Hélder Beja, director de programação do Rota das Letras. Até ao momento, ainda não se sabe de onde veio esse aviso, uma vez que tanto os secretários Alexis Tam e Wong Sio Chak, das tutelas dos Assuntos Sociais e Cultura, e Segurança, afirmaram não ter informações sobre o caso. Ontem, à margem da apresentação do programa do Festival de Artes de Macau, a presidente do Instituto Cultural (IC), Mok Ian Ian, garantiu que Macau é um território livre e que o Governo sempre deu apoio ao evento. “Quanto à situação destes três escritores conseguirem, ou não, entrar em Macau não tenho muitas informações detalhadas. Eu também, como vocês, só consegui ter essas informações ontem através das notícias. Estou convicta de que Macau é uma cidade livre, segura e aberta.” Mok Ian Ian considerou que o cancelamento da vinda dos três escritores foi “um acaso”. “Acho que o financiamento prestado por parte do IC nunca implicou apreciação quanto ao conteúdo, às pessoas que convidam. Nós apoiamos sempre as associações de Macau para organizarem actividades artísticas”, frisou a também artista. “O IC tem vindo a apoiar a realização deste evento. Sobre os escritores que não podem vir só tive conhecimento ontem. IC só proporciona apoio em termos de recursos financeiros e espaço. Assumimos sempre uma atitude aberta e damos apoio sempre que possível [às actividades culturais de associações]”, adiantou. Mok Ian Ian destacou ainda a qualidade que o Rota das Letras tem vindo a obter desde a sua primeira edição. “Eu também já participei nesta actividade [Rota das Letras]. Como sabem, esta actividade já se realiza há vários anos e é uma actividade com qualidade. Este festival já tem a sua marca.” Entretanto, Patrick Stewart, da Aministia Internacional, disse à Rádio Macau que o Governo deve esclarecer se está proibida a entrada a estes escritores e que argumentos possui para o fazer. “Se o Governo já sabe que o festival literário de Macau avançou com a informação de que receberam a comunicação de que os participantes seriam impedidos de entrar, então o Governo deve esclarecer se a entrada destas pessoas está garantida e se há ou não problemas de maior. Deve também confirmar os critérios que o Governo tem para autorizar a entrada de pessoas”, referiu. Zonas cinzentas Em 2014, o académico Eric Sautedé foi afastado da Universidade de São José (USJ) por, alegadamente, ter tentado organizar uma palestra com Frank Dikotter, autor do livro “A Grande Fome de Mao”, um livro sensível para as autoridades chinesas. Em declarações ao HM, Sautedé, hoje a viver em Hong Kong, lamenta que a organização tenha optado por cancelar a vinda dos três escritores chineses. “Essa é uma má resposta [por parte da organização]. Quanto mais se cai, mais se fica suprimido. Deveria ter sido utilizado o argumento de que não é do interesse de Macau ir de encontro a estas posições injustificadas. A vinda [destes escritores] é considerada ‘inoportuna’ com que critérios?”, questiona. Na visão do académico de ciência política, “esta é uma forma de autocensura no seu pior”. E nem as declarações oficiais de membros do Executivo mudam a posição assumida por Eric Sautedé. “Claro que as autoridades vão sempre negar. Permitir que áreas cinzentas sejam a norma é a pior atitude possível.” Larry So, analista político, lembrou as experiências recentes, como a proibição de entrada de jornalistas, deputados e activistas de Hong Kong no território. O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, nunca admitiu a existência de uma “lista negra” de pessoas, e chegou a explicar que muitas das proibições foram por motivos de manutenção da segurança interna. Contudo, Larry So, ex-docente do Instituto Politécnico de Macau (IPM), considerou que nem é isso que está em causa desta vez. “Temos vindo a adoptar esta política e isso significa que estamos a tentar fazer de Macau um território ‘limpo’, sem estas interferências do exterior. Mas será que deveríamos fazer isto, no sentido de não termos este tipo de discursos e vozes em Macau? Temos de manter a liberdade de expressão e temos de ser mais inclusivos em Macau, ao invés de excluirmos toda a gente que possa ser uma má influência, a não ser que sejam terroristas. Isto é algo que não é benéfico para a nossa imagem internacional”, defendeu. Larry So disse mesmo temer que se esteja a ir longe demais. “Temos de olhar para esta questão do ponto de vista da inclusão. Este tipo de políticas não inclusivas não deviam existir, não deveríamos ir longe demais nesta questão.” “Vamos ser apontados pela União Europeia e outras entidades como não tendo respeito pela liberdade de expressão e direitos humanos. Em termos internacionais, isto não é bom para a nossa imagem”, referiu ainda. Imagem manchada Sulu Sou, deputado à Assembleia Legislativa temporariamente suspenso, disse ter ficado “surpreendido” quando soube do cancelamento. “Macau deveria ser um lugar aberto para a diversidade de culturas. Penso que não é razoável que este tipo de coisas estejam a acontecer. Na área da cultura deve haver liberdade de expressão” Para o activista do campo pró-democrata, este caso “vai afectar a imagem de Macau em termos internacionais”. Apesar de serem nomes incómodos para Pequim, a verdade é que Jung Chang esteve em Novembro no Festival Literário de Hong Kong. Na China, a autora do livro “Cisnes Selvagens”, que relata a sua experiência durante a Revolução Cultural, tem a vida condicionada, pois só pode regressar ao seu país para visitar familiares, devendo evitar todo o tipo de viagens e de actividades políticas, segundo uma entrevista publicada pelo jornal The Telegraph. Esta situação manteve-se, pelo menos, até 2013. Além de “Cisnes Selvagens”, a autora escreveu também a biografia “Mao: A História Desconhecida”, publicada em 2005, e que foi descrito como “uma bomba atómica” pela revista Time. A obra foi assinada em co-autoria pelo marido de Jung Chang, o historiador britânico Jon Halliday. Mais recentemente, em 2013, deu à estampa “A Imperatriz Viúva – Cixi, a Concubina que mudou a China” (2013). Jung Chang, que se mudou para o Reino Unido há quatro décadas, tem as suas obras traduzidas em mais de 40 idiomas, contando com mais de 15 milhões de exemplares vendidos. A outra baixa na programação do Festival Literário é a de Suki Kim, nascida em Seul e radicada em Nova Iorque. Conhecida por trabalhar infiltrada, depois de lançar o romance “The Interpreter” (2003). A autora foi para a Coreia do Norte com uma missão: ensinar inglês às crianças das elites. Essa experiência foi convertida no livro “Without You, There Is No Us” (2014). James Church, autor da série “Inspector O”, foi outro dos autores considerados inoportunos. O ex-agente da CIA, com décadas de estreita ligação à península coreana, começou a escrever o primeiro dos seis livros da série como um desafio a si próprio. A ideia afigurou-se aliciante para o autor, uma vez que nunca se tinha escrito uma história de detectives passada na Coreia do Norte, referiu a organização do Rota das Letras aquando da apresentação do programa que tinha a Coreia do Norte como um dos principais destaques. Hyeonseo Lee, norte-coreana que conseguiu fugir do seu país e que hoje se dedica a falar da sua experiência em todo o mundo, cancelou a sua visita por motivos pessoais.
Diana do Mar Manchete SociedadeRotas das Letras | Autores ‘riscados’ por visita ser considerada inoportuna A autora de “Cisnes Selvagens”, um dos principais destaques do cartaz do Rota das Letras, já não vem a Macau. O Festival Literário cancelou a vinda de Jung Chang, e de mais dois escritores, após indicação de que seria considerada inoportuna Jung Chang é autora de “Cisnes Selvagens – Três Filhas da China” (1991) e de “Mao: A História Desconhecida” (2005), êxitos mundiais com milhões de exemplares vendidos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s autores Jung Chang, James Church e Suki Kim vão falhar o Rota das Letras, que arranca no próximo Sábado. O Festival Literário de Macau cancelou a vinda dos três escritores após receber a indicação de que a sua visita não era considerada oportuna. “Foi-nos comunicado oficiosamente que não era considerada oportuna a vinda desses três autores, por isso, não estava garantida a sua entrada no território”, afirmou o director de programação do Rota das Letras ao HM, Hélder Beja. “O Festival não quis colocá-los nessa situação e tomou a decisão de cancelar a sua vinda”, explicou. “Esta situação ultrapassa, em muito, o raio de acção do Festival Literário”, realçou Hélder Beja, sem revelar, porém, donde chegou a mensagem de que a visita dos três escritores em causa era entendida como inoportuna. O HM contactou a tutela, tendo o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, afirmado que “não tem qualquer conhecimento” sobre o caso. Desconhece-se por que razão a presença da prestigiada escritora contemporânea em Macau pode ser entendida como inapropriada, até porque em Novembro, por exemplo, marcou presença no Festival Literário de Hong Kong. Já à China (onde os seus livros estão banidos), Jung Chang apenas podia regressar para visitar familiares sob condição de não ver amigos e de evitar todo o tipo de viagens e de actividades políticas, segundo uma entrevista publicada pelo jornal The Telegraph. Esta situação manteve-se, pelo menos, até 2013. A autora, de 65 anos, é conhecida, principalmente, pela obra “Cisnes Selvagens – Três Filhas da China” (1991), considerado pelo Asian Wall Street Journal o livro mais lido sobre a China, retratada através dos olhos de três gerações de mulheres. Outros dos marcos incontornáveis da obra da escritora é a exaustiva biografia “Mao: A História Desconhecida”, que publicou, em 2005, foi descrito como “uma bomba atómica” pela revista Time. A obra foi assinada em coautoria pelo marido de Jung Chang, o historiador britânico Jon Halliday. Mais recentemente, em 2013, deu à estampa “A Imperatriz Viúva – Cixi, a Concubina que mudou a China” (2013). Baixas de peso Suki Kim contou as suas experiências na Coreia do Norte em “The Interpreter” (2003) e “Without You, There Is No Us” (2014) Jung Chang, que se mudou para o Reino Unido há quatro décadas, tem as suas obras traduzidas em mais de 40 idiomas, contando com mais de 15 milhões de exemplares vendidos. A outra baixa na programação do Festival Literário é a de Suki Kim, nascida em Seul e radicada em Nova Iorque. Conhecida por trabalhar infiltrada, depois de lançar o romance “The Interpreter” (2003), foi para a Coreia do Norte com uma nova missão: a de ensinar inglês às crianças das elites. Essa experiência foi convertida no livro “Without You, There Is No Us” (2014). James Church, autor da série “Inspector O”, foi outro dos autores considerados inoportunos. O ex-agente da CIA, com décadas de estreita ligação à península coreana, começou a escrever o primeiro dos seis livros da série como um desafio para si próprio. A ideia afigurou-se aliciante para o autor, uma vez que nunca se tinha escrito uma história de detectives passada na Coreia do Norte, referiu a organização do Rota das Letras aquando da apresentação do programa que tinha a Coreia do Norte como um dos principais destaques. James Church, ex-agente da CIA, é o autor da série “Inspector O”, história de detectives passada na Coreia do Norte Além das três baixas referidas, duas das quais relacionadas precisamente com o hermético regime, o Festival Literário anunciou uma quarta: a de Hyeonseo Lee, a única autora convidada que nasceu na Coreia do Norte. Desta feita, foi a própria activista dos direitos humanos e autora d’ “A Mulher Com Sete Nomes: História de uma Refugiada da Coreia” que cancelou a vinda por “motivos de ordem pessoal”, de acordo com a organização. Em contrapartida, o Festival Literário anunciou a derradeira confirmação. Trata-se da escritora e pintora sino-francesa, Shan Sa. Nascida em Pequim, em1990, mudou-se para Paris para prosseguir os estudos. Sete anos depois, lançou, em francês, “A Porta da Paz Celeste” que venceu o Prémio Goncourt para o Primeiro Romance, um dos mais prestigiados prémios literários de França. Em 2001, foi distinguida com o Prémio Goncourt des Lycéens com “A Jogadora de Go” e, desde então, os seus trabalhos têm sido publicados em mais de 30 idiomas em todo o mundo, refere a organização. Já na qualidade de pintora teve os seus quadros expostos em Macau, Hong Kong, Xangai, Paris, Nova Iorque e Tóquio. O Rota das Letras vai decorrer entre 10 e 25 de Março.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteRota das Letras | Jung Chang e JP Simões marcam abertura do festival literário [vc_row][vc_column][vc_column_text] Começa já no próximo dia 10 de Março o festival literário local “Rota das Letras”. Os nomes já começaram a ser divulgados há algumas semanas e ontem foi dada a conhecer a lista completa de convidados. O destaque vai para a presença na abertura do evento da autora de “Cisnes Selvagens”, Jung Chang e do concerto do português JP Simões [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cerca de 60 os convidados da sétima edição do festival literário de Macau, “Rota das Letras”. Jung Chang, autora de “Cisnes Selvagens – Três Filhas da China”, considerado pelo Asian Wall Street Journal o livro mais lido sobre a China e que retrata uma centena de anos no país através dos olhos de três gerações de mulheres, tem presença confirmada na abertura da edição deste ano do evento. A informação foi dada ontem em conferência de imprensa pelo director, Ricardo Pinto. De acordo com o responsável a presença de Jung Chang merece especial destaque. “Na minha geração, eram os romances da Pearl S. Buck, hoje em dia talvez “Os Cisnes Selvagens” seja, de facto, essa porta de entrada na literatura chinesa e, sobretudo na história recente da China. É uma autora com uma dimensão enorme, popularíssima”, referiu. A autora é ainda conhjecida pelas obras “Mao: A História Desconhecida” e “A Imperatriz Viúva – Cixi, a Concubina que mudou a China”. As obras de Jung Chang estão traduzidas em mais de 40 idiomas, tendo vendido acima dos 15 milhões de exemplares. Vencedora de diversos prémios, incluindo o UK Writers ‘Guild Best Non-Fiction e o Book of the Year UK, foi distinguida com doutoramentos honoris causa por universidades no Reino Unido e nos EUA. Nascida na província de Sichuan em 1952, durante a Revolução Cultural (1966-1976), Jung Chang trabalhou como camponesa, “médica de pés descalços”, operária siderúrgica e electricista, antes de se tornar estudante de Inglês na Universidade de Sichuan. Mudou-se para o Reino Unido em 1978 e doutorou-se em Linguística pela Universidade de York, tornando-se a primeira pessoa da China comunista a obter tal grau numa universidade britânica. Vidas multiculturais Ricardo Pinto destacou ainda a presença de Li-Young Lee, poeta americano premiado e autor de várias colectâneas de poesia e da autobiografia “The Winged Seed: A Remembrance”. Nascido em Jacarta, filho de pais chineses, “Lee cedo aprendeu sobre a perda e o exílio”, refere a organizção. O seu avô, Yuan Shikai, foi o primeiro Presidente republicano da China logo após o período provisório de Sun Yat-sen, e o pai, cristão fervoroso, foi o médico de Mao Tse-Tung. Quando o Partido Comunista da China se estabeleceu, os pais de Lee mudaram-se para a Indonésia. Em 1959, o seu pai, depois de passar um ano como prisioneiro político do Presidente Sukarno, fugiu com a família para escapar à xenofobia contra os chineses. Depois de um périplo de 5 anos, passando por Hong Kong, Macau e Japão, fixaram-se nos Estados Unidos em 1964. Ricardo Pinto espera ainda que a presença em Macau do escritor durante duas semanas possa vir a inspirar os seus escritos futuros. “Espero que Li-Young Lee use estas duas semanas para escrever algumas histórias sobre o território”, disse. Por fim, o director do “Rota das Letras” sublinhou a presença de Marco Lobo. Com ligações a Macau, o escritor residente em Tóquio é conhecido pelo seu interesse na diáspora portuguesa. O facto de ter tido acesso a uma educação multicultural que teve início em Macau e Hong Kong, e se estendeu pela Ásia, Europa e pelas Américas permitiu-lhe observar de perto as diversas sociedades em que a cultura portuguesa se difundiu. Os seus romances históricos, “The Witch Hunter’s Amulet” e “Mesquita’s Reflections”, exploram a temática dos conflitos culturais envolvendo raça e religião, aponta o organizador. No que toca aos países lusófonos, a Rota das Letras traz ao território Rui Cardoso Martins, escritor e argumentista, autor das crónicas “Levante-se o Réu” e “Levante-se o Réu Outra Vez” — Grande Prémio APE/Crónica 2016 e dois prémios Gazeta. Tem ainda quatro romances publicados, com destaque para “Deixem Passar o Homem Invisível”, Grande Prémio APE, 2009. Também Isabel Lucas, jornalista, crítica literária e autora de “Viagem ao Sonho Americano” vai marcar presença no território. Com um pé na literatura e outro na música, vai estar em Macau Kalaf Epalanga, membro da ex-banda Buraka Som Sistema e autor de três romances. Juntam-se a estes, a historiadora e escritora Isabel Valadão, a professora catedrática, poeta, ensaísta e dirigente do projecto Literatura-Mundo Comparada em Português, Helena Carvalhão Buescu, a cabo-verdiana Dina Salústio, e Albertino Bragança de São Tomé e Príncipe. Outro dos convidados do festival deste ano é o romancista, jornalista e professor universitário filipino Miguel Syjuco. O seu romance de estreia, Ilustrado, foi NY Times Notable Book em 2010 e vencedor do Man Asian Literary Prize. Estes nomes vão juntar-se à dissidente e ativista dos direitos humanos norte-coreana Hyeonseo Lee, a Suki Kim, que passou seis meses infiltrada naquele país, aos lusófonos Maria Inês Almeida, Rui Tavares e Ana Margarida de Carvalho, Ungulani Ba Ka Khosa, de Moçambique, e Julián Fuks, do Brasil. Os autores locais terão também um papel importante no programa da Rota das Letras. A poetisa, catedrática e cronista Jenny Lao-Phillips, o catedrático e escritor de infanto-juvenil Paul Pang, o poeta Rui Rocha, o poeta e historiador Fernando Sales Lopes e a romancista Isolda Brasil participarão em várias sessões ao longo das duas semanas do evento. Outras artes No que toca às artes plásticas e visuais, o “Rota das Letras” volta a apresentar uma série de exposições. Uma mostra colectiva de artistas e arquitectos locais, com curadoria da arquitecta Maria José de Freitas traz nomes como Ung Vai Meng, Carmo Correia, Adalberto Tenreiro, António Mil-Homens, Chan In Io, João Miguel Barros, Francisco Ricarte, Gonçalo Lobo Pinheiro e Manuel Vicente numa exposição sob o tema “River Cities Crossing Borders: History & Strategies”, no Edifício do Antigo Tribunal. O artista local João Ó exibirá “Modelo para Impossível Tulipa Negra”, parte de um projecto maior intitulado Palácio da Memória. Apresentado inicialmente no Museu Nacional da História Natural e da Ciência, de Portugal, o projecto reflecte sobre a figura e feitos do sacerdote e cientista Matteo Ricci, jesuíta italiano do século XVI que se estabeleceu, via Macau, na China continental. O nome invoca a “Carta Geográfica Completa de Todos os Reinos do Mundo”, desenhado por Ricci em 1584 e impresso em xilogravura em 1602. Na Livraria Portuguesa de Macau, o “Rota das Letras” apresenta “Paisagens Literárias de um Viajante”, uma exposição do artista português Rui Paiva, que viveu em Macau durante vários anos. Juntamente com a sua obra e objectos de colecção, Rui Paiva irá lançar o seu livro recentemente publicado, “Nuvem Branca”, livro de artista e de vida. Duas outras exposições organizadas por parceiros de longa data do Festival, a Fundação Oriente e a Creative Macau, farão também parte do programa. “Rostos de Poesia”, do artista chinês Chen Yu, será inaugurada a 13 de Março na Casa Garden, seguida por uma sessão de poesia. “Pinacatroca”, pelo cartonista local Rodrigo de Matos, estará patente na Creative Macau de 22 de Março a 21 de Abril. Letras na tela São cinco os filmes apresentados pela sétima edição do festival literário de Macau. A realizadora portuguesa Rita Azevedo Gomes terá duas películas: “Correspondências”, baseado na troca de correspondência entre Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena, e “A Vingança de uma Mulher”. Ju Anqui traz a Macau o seu último título, “Poet on a Business Trip”. O escritor e realizador Han Dong irá mostrar “At the Dock”. Já o poeta Yu Jian apresentará o documentário “Jade Green Station”.[/vc_column_text][vc_column_text css=”.vc_custom_1518569357434{margin-top: 10px !important;border-top-width: 1px !important;border-right-width: 1px !important;border-bottom-width: 1px !important;border-left-width: 1px !important;padding-top: 8px !important;padding-right: 8px !important;padding-bottom: 8px !important;padding-left: 8px !important;background-color: #f9f9f9 !important;border-left-color: #777777 !important;border-left-style: solid !important;border-right-color: #777777 !important;border-right-style: solid !important;border-top-color: #777777 !important;border-top-style: solid !important;border-bottom-color: #777777 !important;border-bottom-style: solid !important;}”] Ritmos, canções e letras JP Simões apresenta-se actualmente sob o nome Bloom A edição deste ano conta ainda com a apresentação de dois concertos. No sábado, 10 de Março, pelas 21h, no Pacha Macau, JP Simões-Bloom subirá ao palco, seguido da DJ Selecta Alice. Bloom é o novo pseudónimo de JP Simões, músico e compositor português que esteve envolvido em vários projectos como Pop dell’Arte, Belle Chase Hotel e Quinteto Tati. De acordo com a organização, “a busca de uma nova sonoridade levou-o para caminhos musicais bastante distintos do seu trabalho habitual”. “Tremble like a Flower” é o nome do seu primeiro álbum a solo, que se move por ambientes próximos do folk e do blues atravessados por paisagens psicadélicas, e será apresentado em dueto com o músico, compositor e produtor Miguel Nicolau. Logo a seguir, a DJ Selecta Alice toma o controlo da pista de dança. Ela é uma das impulsionadoras e pioneira da World Music em Dj set em Portugal. Curadora do palco do Sacred Fire no Boom Festival, Selecta Alice homenageia nos seus sets a cultura da festa e da celebração da vida através da música e do ritual da dança. Os ritmos de África, América Latina, Balcãs e Índia são paragens obrigatórias nas suas viagens sonoras à volta do mundo. Domingo, 18 de Março, pelas 20h, é a vez de Zhou Yunpeng subir ao palco no Teatro D. Pedro V. Zhou é um cantor folk e poeta natural de Shenyang, que ficou cego aos nove anos. Aos 10 anos, começou a frequentar a Escola para Crianças Cegas de Shenyang e, posteriormente, o Instituto de Educação Especial da Universidade de Changchun (1991), onde estudou Língua Chinesa. Concluído o curso, mudou-se para Pequim e começou a sua carreira musical. Em 2011, recebeu os prémios de “Melhor Cantor Folk” e “Melhor Letrista” da Chinese Media Music, e o seu poema “The Wordless Love” foi considerado “Melhor Poema” pela revista People Literature. Também participou no filme Detective Hunter Zhang e assinou a banda sonora do mesmo – a película veio a ganhar o galardão de Melhor Filme no Festival de Cinema Golden Horse (Taiwan). Em 2017, foi responsável pela banda sonora do filme At the Dock. Contos com fartura A edição deste ano ao concurso de contos contou com uma adesão recorde. Foram um total de 190 textos recebidos nas línguas portuguesa, chinesa e inglesa. “A maioria são em português com participantes de Portugal, Macau e muitos do Brasil”, referiu o director de programação, Helder Beja. Para o responsável, o aumento do número de trabalhos recebidos é visto com muito “bons olhos na medida em que é o reflexo do trabalho que o festival tem vindo a desenvolver ao longo dos anos”. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
Sofia Margarida Mota EventosRota das Letras | Coreia do Norte em destaque no festival literário [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]yeonseo Lee, Suki Kim, James Church e Michael Breen vão marcar presença na edição deste ano do festival Rota das Letras. Todos têm um aspecto em comum: escrever acerca da Coreia do Norte. O objectivo é transformar Macau num palco de discussão daquele país que preenche a actualidade, afirma Hélder Beja. A Coreia do Norte vai estar em destaque na edição deste ano do festival literário local, Rota das Letras. A presença deste país no evento não é novidade mas o objectivo é mesmo transformar Macau num palco de conversa sobre o que se passa naquele país tendo em conta a situação internacional. “Não é a primeira vez que a Coreia do Norte passa no Festival. Já trouxemos há dois anos o Adam Johnson, vencedor do prémio Pulitzer com uma obra que segue a vida de Pak Jun Do”, começa por dizer o director do festival, Hélder Beja, ao HM. A escolha não recai apenas em escritores naturais da Coreia até porque do grupo que vai estar presente em Macau, apenas uma autora nasceu no país, mas sim num grupo que tenha a presença daquele país nas suas carreiras e vidas. A razão aponta Hélder Beja tem que ver com o facto de ser “um dos temas mais relevantes da actualidade do mundo em que vivemos e também porque de alguma forma espelha um pouco a forma como as nações se relacionam e como as grandes potências se organizam”, aponta. Fugir para contar Hyeonseo Lee é uma dissidente e activista dos direitos humanos norte-coreana que, mais tarde, guiou a sua família até à liberdade através da China e do Laos. É licenciada em inglês e chinês pela Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros e passa grande parte do seu tempo a fazer campanha pelos refugiados e pelos direitos humanos dos norte-coreanos. A coreana tem escrito para o Wall Street Journal, o The New York Times, o blogue LSE Big Ideas e para o Ministério da Unificação da Coreia do Sul. Autora de “A Mulher com Sete Nomes: História de uma Refugiada da Coreia do Norte”, publicado em português e com direitos de publicação vendidos para, pelo menos, mais 22 línguas. Suki Kim é uma autora conhecida por trabalhar infiltrada e após lançar o romance “The Interpreter”, a escritora nascida em Seul e radicada em Nova Iorque iniciou uma nova missão: mudou-se para a Coreia do Norte para ensinar inglês às crianças das elites. A experiência foi transformada em livro, o “Without You, There Is No Us”. Coreia à lupa James Church, autor da série “Inspector O”, foi agente dos serviços secretos ocidentais e há várias décadas que está estreitamente ligado à península coreana. Começou a escrever o primeiro dos seis livros da série como um desafio para si próprio, refere a organização do Rota das Letras em comunicado, “uma vez que nunca se havia escrito uma história de detectives passada na Coreia do Norte”. Já Michael Breen vive na Coreia do Sul há 30 anos. Foi correspondente em Seul para o The Guardian e o Washington Times durante vários anos. Dirige agora a sua própria empresa de relações públicas em Seul e colabora com vários jornais internacionais como o The Wall Street Journal e a revista The Atlantic. É o autor dos livros “The Koreans: Who They Are, What They Want, Where Their Future Lies” e “Kim Jong-il: North Korea’s Dear Leader”. O seu último trabalho, “The New Koreans: The Story of a Nation”, foi publicado na Primavera de 2017. Mais da China e de Portugal Do lado dos autores lusófonos e chineses, além dos já anunciados Julián Fuks, Ana Margarida de Carvalho, Han Dong e A Yi, a Rota das Letras traz a Macau os autores de obras infanto-juvenis Maria Inês Almeida (Portugal) e Bao Dongni (China Continental), o historiador e escritor Rui Tavares (Portugal), a Ungulani Ba Ka Khosa, romancista de Moçambique e o conhecido escritor de thrillers Chan Hou Kei de Hong Kong. Os nomes que vão representar a literatura local ainda estão em segredo mas Hélder Beja garante que a representação local na edição deste ano será muito semelhante àquela que tem acontecido em anos anteriores. “Normalmente temos sempre um grupo entre cinco e sete escritores locais e é isso que vai voltar a acontecer sendo que os nomes serão anunciado no inicio do próximo mês altura em que será também conhecida a totalidade do programa do festival literário Rota das Letras”, remata.
Andreia Sofia Silva EventosRota das Letras | Obras de Chen Yu, sobre poetas portugueses, integram festival [dropcap style≠’circle’]Y[/dropcap]ao Jingming será o curador de uma exposição do pintor Chen Yu, que retratou em papel de arroz, e com recurso a tinta da china, vários poetas e escritores portugueses, desde Luís de Camões a Fernando Pessoa, passando pelo Nobel Saramago. A exposição, a acontecer na Casa Garden, integra o festival literário Rota das Letras. Chen Yu, pintor a residir em Pequim, será um dos convidados do festival literário Rota das Letras para inaugurar, pela primeira vez em Macau, uma exposição da sua autoria. O professor Yao Jingming, actualmente director do departamento de português da Universidade de Macau, será o curador de uma iniciativa que liga nomes sonantes da literatura portuguesa à pintura. A organização está a ser feita em parceria com a Fundação Oriente, adiantou Yao Jingming ao HM. “A exposição terá como tema principal os poetas portugueses mas os quadros serão acompanhados por textos dos escritores e também de outros escritores estrangeiros. São retratos feitos com tinta da china e em papel de arroz, uma técnica usada por este artista chinês.” Chen Yu já aceitou o convite e está ainda a trabalhar em alguns quadros, sempre em estreita comunicação com Yao Jingming, que o tem apoiado no envio de textos e na explicação do contexto literário de cada um dos poetas ou escritores retratados nas telas. “O artista aceitou o meu convite e estou à espera que ele possa fazer mais retratos de escritores portugueses. Já enviei algumas imagens para ele fazer textos e poemas e ler e ficar com uma ideia mais forte sobre os escritores e poetas portugueses.” Um dos autores mais difíceis de retratar, na óptica de Yao Jingming, é o poeta Fernando Pessoa. “Disse-lhe que se trata de um poeta muito complicado, com uma escrita muito complexa. Então veremos se é capaz de expressar o mundo literário deste poeta. Acho que é difícil retratar isso através de um trabalho artístico, mas então ele está a fazer um esforço para abordar essa questão. Ontem enviou-me um trabalho no qual o Pessoa, ele próprio, encarna noutros três heterónimos”, adiantou o também poeta, que escreve com o pseudónimo de Yao Feng. Esta comunicação com Chen Yu tem como objectivo fazer com que “a exposição possa ficar mais interessante para o público português”. Recital integrado na exposição Na cabeça de Yao Jingming existem outras ideias para este evento, apesar de muitos detalhes ainda estarem por decidir. Uma dessas ideias passa pela visita à gruta dedicada ao poeta Luís de Camões, localizada no jardim com o mesmo nome. Há também a intenção de realizar um recital de poesia na Casa Garden. “São duas coisas que vão complementar-se mutuamente. Vamos escolher poemas em português e chinês para fazer um serão poético num espaço bonito e agradável”, adiantou Yao Jingming. No total, a exposição terá entre 30 a 40 peças do pintor chinês.
João Luz EventosFestival | Rota das Letras anuncia os primeiros nomes para cartaz deste ano A organização do Festival Literário de Macau – Rota das Letras 2018 anunciou os primeiros nomes de convidados da edição que decorre entre 10 e 25 de Março. A edição que se avizinha terá a presença de Ana Maria de Carvalho, Julián Fuks, Rosa Montero, Peter Hessler, Leslie T. Chang e Han Dong [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] edição 2018 do Festival Rota das Letras já mexe com o anúncio dos nomes dos primeiros convidados para o cartaz deste ano. De Portugal vem Ana Margarida de Carvalho, jornalista, escritora e autora de guiões de cinema e uma peça de teatro. A portuguesa, filha do escritor Mário de Carvalho, estreou-se no romance em 2013 com o livro “Que Importa a Fúria do Mar”. Ana Margarida de Carvalho A obra inaugural de Ana Margarida de Carvalho viria a ganhar por unanimidade o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores. A escritora e jornalista viria a repetir o feito com o seu segundo livro, “Não Se Pode Morar nos Olhos de um Gato”, que foi, simultaneamente nomeado pela Sociedade Portuguesa de Autores e pelo PEN Club. O livro publicado no ano passado venceu ainda o prémio Manuel Boaventura e foi finalista do Prémio Oceanos. Do Brasil directamente para o Edifício do Antigo Tribunal de Macau chega o escritor e crítico literário Julián Fuks, autor de “A Resistência” publicado em 2015 e que venceu o Prémio Jabuti, o Prémio Saramago e que ficou em segundo lugar no Prémio Oceanos. O autor brasileiro escreveu ainda “Procura do Romance” e “Histórias de Literatura e Cegueira”. Da Espanha vem Rosa Montero, que trabalhou como repórter desde 1970 e que ainda publica no El País e em publicações da América Latina. A jornalista espanhola estreou-se no romance em 1979 com “Crónica do Desamor”. Desde então, publicou 15 romances, duas biografias, três colecções de entrevistas, um livro de contos e várias obras para crianças. Os seus livros estão traduzidos em mais de 20 idiomas, sendo que o mais recente, de 2016, é “A Carne”. Escrita Interior Como é habitual, o Rota das Letras dá destaque a autores de língua chinesa. A edição deste ano trará a Macau A Yi, que integrou a lista dos “20 autores abaixo dos 40” da revista UNITAS. O escritor, cujo temperamento tem ganho alguma fama, foi agente policial, trabalhou em secretariado e foi editor antes de se dedicar a sério à ficção. A Yi Com uma obra marcada pela predominância dos contos, A Yi tem vincado a sua personalidade enquanto escritor através de um estilo literário algo bizarro e uma visão do mundo desapaixonada e isenta de sentimentalismos. O chinês foi distinguido como um dos 20 autores mais promissores da China pela People’s Literature e venceu o Prémio Revelação dos Prémios da Imprensa de Literatura Chinesa. O prolífero autor Han Dong é outro dos convidados oriundo da China Continental e que fará parte do cartaz da edição deste ano do Rota das Letras. O autor tem uma carreira longa com mais de 40 romances, colectâneas de contos, poesia e ensaios. Han Dong, escreveu igualmente séries de televisão e cinema. Aliás, na qualidade de argumentista e realizador, Han Dong teve o seu filme In the Dock em competição no 22º Festival Internacional de Cinema de Busan e no 1º Festival de Cinema de Pingyao. No primeiro lote de nomes revelados pela organização do evento há também um norte-americano, Peter Hessler, que viveu dois anos em Fuling, uma pequena cidade afectada pelo projecto da Barragem das Três Gargantas, experiência que inspirou a sua obra inaugural “River Town: Two Years on the Yangtze”. O livro faz parte de uma trilogia que reflecte os 11 anos que o norte-americano viveu na China, onde se inclui “Oracle Bones” e “Country Driving”. Neste naipe dos primeiros nomes anunciados está ainda a norte-americana Leslie T. Chang e Victor Mallet. A lista completa de convidados e respectivo programa da sétima edição do Festival Literário de Macau – Rota das Letras serão apresentados no início de Fevereiro de 2018.
Andreia Sofia Silva EventosRota das Letras | Gei Fei poderá estar presente em 2018 Terminada mais uma edição do festival literário Rota das Letras, Hélder Beja, director de programação do evento, fala da diversidade de autores que passaram por Macau e levanta a ponta do véu para a próxima edição: Gei Fei, autor chinês contemporâneo, que começou a publicar na década de 80 [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hegou ontem ao fim a edição deste ano do festival literário Rota das Letras, que durante duas semanas trouxe ao edifício do antigo tribunal uma panóplia de autores de vinte nacionalidades diferentes, sem esquecer os concertos e os espectáculos. Para Hélder Beja, director do programação do festival, essa diversidade cultural foi um dos pontos altos. “O ano passado tivemos várias nacionalidades mas este ano tivemos mais: cerca de vinte, uma coisa nova para Macau e para este festival. A maior parte das sessões tiveram bastante público. Esse para mim é o grande resumo: a diversidade resultou e o festival tem de continuar a ser essa ponte entre a China e os países de língua portuguesa, mas deve ser mais do que isso e, a partir de agora, vai ser ainda mais isso”, contou ao HM. A pensar nisso, Hélder Beja falou de um importante nome da literatura contemporânea chinesa que já foi convidado e que poderá mesmo marcar presença em 2018: Gei Fei. “Ainda não veio, há-de vir, está convidado. Queremos trazê-lo para o ano, mas tudo depende muito das agendas dos autores”, apontou Hélder Beja. “Os pontos altos desta edição foram os que esperávamos: a passagem por Macau de pessoas como o Pedro Mexia ou Yu Hua. Houve pontos altos surpreendentes, como a Jéssica Faleiro, uma autora que nos surpreendeu a nós e que recebeu a atenção do público, e Bruno Vieira do Amaral, por ser um autor com muita qualidade e por ter o dom da palavra, sem ser deselegante, o que é raro de encontrar”, acrescentou Hélder Beja. Ao nível dos espectáculos e performances, o subdirector do Rota das Letras destaca a presença de Sérgio Godinho, “como autor e como músico”, e ainda da “performance lindíssima da Vera Paz, uma das mais lindas em seis anos de festival”. Palavras do mundo Num lugar onde vários idiomas se misturam, o director de programação do Rota das Letras considera que a ligação entre a literatura chinesa e os autores internacionais acaba por ser mais imediata, por comparação com o distanciamento físico da literatura portuguesa. “Esse encontro [da língua chinesa] é até mais fácil do que o encontro com a literatura em língua portuguesa. Isto porque os autores que trazemos aqui já estão traduzidos para inglês, mas não estão em português. Na literatura em português há um maior desconhecimento, o que é normal, porque os autores vivem noutro hemisfério, que passa mais pela língua portuguesa”, adiantou. Cheng Yongxin, director da revista literária Harvest, editor e escritor, disse ao HM ter ficado surpreendido com a diversidade cultural que este festival conseguiu trazer. “Fiquei muito surpreendido quando recebi o convite e quando vi este festival, achava que Macau era um lugar só com casinos, mas este festival teve uma grande escala, com tantos escritores. A literatura tem uma grande influência em pessoas tão diferentes e de todo o mundo, então penso que este evento é muito importante.” Quanto aos autores de Macau, Hélder Beja referiu que é objectivo da direcção do festival continuar a convidar cerca de seis nomes por edição. “Há que ser muito estruturado em algumas coisas. Há três anos decidimos ter seis autores de Macau em cada edição, não achamos ser possível haver mais autores de Macau do que esse número, muitas vezes porque não há. Temos de fazer um trabalho de ir à procura de autores que não têm nada publicado numa outra língua que não seja o chinês. Queremos continuar a trazer autores de língua portuguesa de Macau, de língua chinesa e também autores internacionais que façam de Macau a sua casa.” “Um livro excelente” Em relação ao concurso de contos, os vencedores foram João Carvalho da Silva, que, apesar de ser português, venceu na categoria de conto em inglês. A brasileira Adi Berenice e Silva venceu na categoria do conto escrito em português, enquanto que Chi Pang Loi foi o vencedor de língua chinesa. O livro com os contos vencedores e com contos escritos por alguns autores da edição 2016 do festival foi ontem lançado. “O concurso correu bem, não tivemos mais submissões do que o ano anterior. Estendemos o prazo e isso ajudou. Este quinto livro é excelente, tivemos muitas contribuições dos autores de 2016”, rematou Hélder Beja.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteLiteratura | Yu Hua fala de livros, censura e influências Yu Hua é um dos principais nomes da literatura contemporânea chinesa. O autor, que oscila entre romances autorizados e ensaios proibidos na China Continental, não abdica da liberdade da escrita. Está em Macau para participar no Rota das Letras [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] autor de “Viver”, “A China em Dez Palavras” e “Crónicas de Um Vendedor de Sangue” está em Macau para participar no festival literário Rota das Letras. Conhecido pela sua escrita “violenta” que retrata essencialmente a sociedade ao tempo da Revolução Cultural, época em cresceu, Yu Hua tem no seu trabalho um retrato do absurdo. No entanto, não é um non-sense confinado ao contexto chinês. “Passa-se no Continente mas podemos ver o absurdo em todo o lado porque está na vida diária. A China é um exemplo e um país cheio de contradições”, referiu num encontro realizado ontem com a imprensa. Alvo de censura em várias obras, nomeadamente ensaios, o autor explica que “não há muitas preocupações quando em causa estão romances”. A razão, aponta, é que o trabalho de ficção pode incluir o uso de estratégias muito diferentes para expressar o que gostaria de dizer de forma explícita. Quando se trata de ensaios, como “A China em Dez Palavras”, que é proibido no Continente, a expressão é diferente. “Temos de dizer as coisas de forma directa”, assume. A proibição do livro, diz, não foi surpresa. “Mal escrevi a primeira palavra, ‘Povo’, em que falo do 4 de Junho em Tiananmen, sabia que aquele livro nunca seria publicado na China”, aponta. No entanto, continuou a escrever tendo em consideração o mercado de Taiwan e de Hong Kong. Para o autor, a atitude do Governo Central é “infantil”. Enquanto escritor, Yu Hua considera que o maior requisito é a independência seguida de sentido crítico. Actualmente, aponta, é mais fácil ser crítico. “Temos de admitir que o Governo Central é mais tolerante agora do que antes e conseguimos ouvir mais vozes críticas que podem ou não ser aceites”, diz, acrescentando que “o sentido de independência na escrita deve ser sempre prioritário à crítica”. Do esquecimento A Revolução Cultural é um tema transversal nos livros de Yu Hua, quase como se fosse uma inevitabilidade. “O meu período de estudos em criança apanhou a década da Revolução. O que passei naqueles anos influenciou o resto da vida, porque o pensamento acerca do mundo nasce das experiências tidas nesses anos e que, depois, vão sendo revisitadas”, explica. O facto de continuar dentro de histórias daquela altura é importante ainda hoje. Para Yu Hua, o problema que se levanta na actualidade é o facto de “os mais novos não saberem nada do que se passou na Revolução Cultural”. O autor sublinha que os tempos e acontecimentos que marcam a história recente da China estão a ser apagados e que é precisamente essa a intenção das autoridades. “O Governo Central é o primeiro a proibir a discussão das coisas. No ano passado, na altura do aniversário da Revolução, pensei que fosse feito algum festejo, mas tal não aconteceu, não vi nada. A informação na Internet acerca da Revolução Cultural estava completamente bloqueada”, ilustra. Yu Hua considera que o comportamento dos dirigentes, 50 anos depois, está a dar resultados porque “os jovens não sabem nada e nem se preocupam em saber”. Na sua opinião, a situação é perigosa e a história precisa de ser recordada para que se evitem repetições. “Hoje em dia, a Revolução Cultural aparece no dia-a-dia das pessoas como se fosse a dinastia Qing, está muito distante.” Ainda assim, entende que é um período da história da China que vai deixar um rasto para sempre. Kafka, salva-vidas Não é fácil escolher as obras que conseguiu ler durante a juventude e que lhe marcaram o rumo literário. Mas “havia uma cópia impressa de um livro de Alexandre Dumas, na altura banido”. As opções eram limitadas e só podia ler Lu Xun. Na altura era um autor de que não gostava. Obrigado o recitar o poeta chinês que não entendia, Lu Xun só mais tarde regressou à vida de Yu Hua e participou das suas referências fundamentais. Após os anos conturbados na década de 1950, deram entrada na China vários livros e com eles os “três mestres” de Yu Hua. “O meu primeiro professor foi o escritor japonês Yasunari Kawabata.” Com a leitura do autor nipónico, Yu Hua sentiu que se estava a afastar de si mesmo. “Mais tarde senti-me preso por ele, estava a imitá-lo e não estava a ser eu. Foi quando em 1996 encontrei Kafka. Salvou-me a vida”, recorda. Não é que tenha aprendido a escrever com o autor checo. Mais que isso, foi Kafka que ensinou a liberdade da escrita a Yu Hua. “Percebi que podia escrever o que me apetecesse. Kafka deu-me o direito e as asas da liberdade.” O terceiro professor foi William Faulkner, o autor que lhe “educou os sentimentos”. A literatura ocidental constitui o instrumento da sua escrita e, sem a sua presença, muitos dos seus livros nunca teriam existido, admite. Os clássicos são imperdíveis, até porque acompanham a escrita, mesmo que de forma subliminar. Tolstoi é um exemplo de referência. Yu Hu, apesar de ateu, não deixa de mencionar a Bíblia como referência maior porque, considera, “é o melhor livro do mundo”. Macau numa palavra Se Yu Hua escolhesse uma palavra para Macau, dentro da lógica do livro “A China em Dez Palavras”, seria a “ignorância”. O termo, explica, deve-se ao facto de não conhecer o território. No entanto, não deixa de anotar as mudanças, nem sempre muito positivas, que constata. Numa visita em 1996, recorda, Macau era mais limpo. “Lembro-me de passear de carro perto do mar e a água era limpa. Na altura, pensei que Macau fosse muito asseado”, diz. A ideia agora é outra. Sente-se a poluição e, “não estando como Pequim, aproxima-se desse estado”, lamenta.
Andreia Sofia Silva EventosEric Chau, vice-presidente do Macau Pen Club: “Nem todos querem promover romances na China” Há 30 anos, um grupo de escritores do território criava a Associação de Escritores de Macau, também conhecida como o Macau Pen Club. Eric Chau, vice-presidente, fala dos projectos para o futuro e de como deve ser promovida a leitura entre os mais jovens [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o início eram as ideias, a vontade de partilhar palavras escritas na solidão, pequenos contos, poemas, romances. Em 1987 nascia a Associação de Escritores de Macau, ou o Macau Pen Club, e desde então que o panorama literário de Macau em língua chinesa tem ganho outra dimensão. Convidado do festival Rota das Letras, Eric Chau, vice-presidente do Macau Pen Club, falou ao HM dos projectos para o futuro. Em Setembro ou Outubro deverão ser realizadas várias actividades para celebrar o 30.º aniversário do Macau Pen Club, incluindo a aposta numa maior promoção da revista do grupo, que se publica desde o início da associação. Actualmente o Macau Pen Club conta com 93 membros, e o interesse dos mais jovens não diminuiu. “Há cada vez mais pessoas interessadas em aderir ao Macau Pen Club, mas nem todos podem aderir. Precisam de já ter alguns trabalhos publicados e o ponto mais importante é que têm de ter qualidade. Há muitos membros que estão a aderir à associação, mas não tantos quanto os interessados”, contou Eric Chau ao HM. Ainda assim, o Macau Pen Club continua a não estar aberto à comunidade de escritores de língua portuguesa ou inglesa, embora, para Eric Chau, essa pudesse ser uma realidade. “Queremos atrair mais escritores portugueses ou ingleses, mas nem todos os nossos membros dominam estas línguas. O festival Rota das Letras deveria apostar mais nessa conexão de escritores, promover eventos em conjunto e levar a uma partilha de ideias. Espero que este festival possa desempenhar um papel mais importante a este nível.” Não obstante, a literatura portuguesa desde sempre teve influência nos escritores locais. “Tem inspirado muitos dos nossos escritores chineses. Muitos dos nossos membros ficaram muito interessados em ler os romances do escritor José Saramago, Prémio Nobel da Literatura. Mas o maior desafio na ligação entre escritores chineses e portugueses continua a ser a tradução. O foco do Macau Pen Club continua a ser os leitores chineses, e o nosso funcionamento é ainda muito baseado nos escritores chineses”, acrescentou o vice-presidente. Um plano de leitura? Sendo este um território onde os mais novos lêem muito pouco, mas onde as bibliotecas estão cheias de leitores de jornais, Eric Chau pede que se aposte em mais actividades por parte das bibliotecas públicas, que consigam atrair os mais novos para a leitura de romances ou contos. “Os docentes das escolas sempre comunicaram com o Macau Pen Club no sentido de promovermos mais a paixão pela leitura junto dos alunos, mas penso que essa deve ser uma responsabilidade dos professores. Não é sequer responsabilidade dos escritores, que apenas se devem focar em produzir literatura e escrever bons livros. Deveríamos fazer mais coisas para promover essa paixão pela leitura, e espero que essa situação melhore.” Para Eric Chau, também as livrarias “deveriam desenvolver um papel mais activo em termos de promoção da paixão pela leitura junto das crianças e adolescentes”. “As actividades desenvolvidas pelas bibliotecas públicas nem sempre são interessantes e muitas vezes são mais focadas para as pessoas que já gostam de ler. Deve ser feito o contrário”, acrescentou. Questionado sobre a possibilidade da adopção de um plano de leitura por parte do Governo, que incluiria livros recomendados às escolas [à semelhança do que acontece em Portugal], Eric Chau lembra a pequenez de Macau e do mercado. “Em termos da recomendação de livros, Macau é um território tão pequeno. Em Hong Kong, Taiwan e China já há muitas recomendações de livros, e o Governo de Macau ou as próprias entidades podem fazer referência a essas recomendações. Mas criar uma lista de livros obrigatórios não é o mais importante. O mais importante é que tipo de estratégias devem ou podem ser adoptadas pelas bibliotecas públicas para atrair os estudantes”, apontou. China, esse gigante diferente Outra das realidades do panorama literário local é que se publica muito, mas vende-se pouco. O acesso ao mercado chinês não é fácil, mas o vice-presidente do Macau Pen Club assegura que nem todos querem ir mais longe. “Nem todos os escritores de Macau estão interessados em promover os seus romances na China. Não têm esse grande objectivo de atingir os leitores da China, não têm essa ambição.” Além disso, “há diferenças, incluindo diferenças culturais, e se vendermos directamente os livros de Macau na China, penso que será difícil aos leitores do Continente entenderem o contexto das obras, o que está por detrás do romance. Há muita comunicação nas aplicações, nas redes sociais, mas publicar e vender um livro de Macau na China é difícil por causa da lei, que é mais restrita”, rematou Eric Chau.
Sofia Margarida Mota EventosRai Mutsu escreve para recordar Macau [dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] Sonho da Ilha Verde” é o mais recente projecto de Rai Mutsu. Desta feita, o jovem escritor de Macau vai além das palavras e integra um projecto com várias dimensões artísticas. A música está a cargo da banda de Fortes Pakeong Sequeira com o projecto Blademark e a imagem é da responsabilidade da realizadora Emily Chan. A ideia é continuar o trabalho a que Rai Mutsu se dedica desde que começou a escrever: preservar uma Macau prestes a desaparecer. “Este trabalho aborda os bairros pobres que existiam na Ilha Verde e onde cresceram muitos dos artistas locais”, afirma ao HM. “São sítios cheios de histórias de infância e que caracterizam as formas de pensar dos locais”, acrescenta. As histórias, ensaios e poesia de Rai Mutsu procuram sempre as memórias do território. Para o escritor, esta é uma forma de evitar que se percam as características de Macau. “Nos últimos anos, Macau tem mudado muito e de forma muito rápida.” As alterações não se registam apenas na aparência do lugar. A maior mudança deu-se nas mentalidades das pessoas. “Antes do início do desenvolvimento abrupto de Macau, nos anos 2000, as pessoas tinham uma vida simples em que os desejos eram poucos. Com o enriquecimento da região, temos mais escolhas e as pessoas começaram a querer mais”, defende. Esta mudança de mentalidade dá origem à mudança física e “a arquitectura deixa de ter importância para dar lugar a edifícios que tragam dinheiro”. “Quero, com os meus trabalho, ter um apontamento que possa comunicar um pouco do que foi a cultura de Macau”, diz. Literatura aos bocados A escrita no território existe, considera, sendo que está muito fragmentada e, por isso, “não tem peso”. A língua é o maior obstáculo, quer para o lado de quem escreve em português, como para quem o faz em chinês. A razão, aponta, é não existir uma verdadeira plataforma capaz de traduzir as obras das várias comunidades de Macau para que se possam conhecer umas às outras. Rai Mutsu escreve para a comunidade chinesa, porque é quem o consegue ler. No entanto, fica o lamento: “Temo que os meus livros não cheguem às outras comunidades”. O abismo de entendimento entre as culturas de Macau, considera, poderia ser colmatado com a própria literatura. “As várias comunidades têm diferentes formas de pensar que, por vezes podem causar conflitos. A literatura feita e partilhada podia ter um papel importante em desmistificar preconceitos, resolver conflitos e atenuar as diferenças culturais”, aponta. Rai Mutsu gostava de viver da escrita, mas “viver como autor em Macau só é fácil se o objectivo não for ganhar dinheiro”. Não obstante, considera que o território dá liberdade criativa, mas “o que acontece é que as pessoas acabam por ir trabalhar para o Governo e, como tal, têm de passar a ter mais cuidado com o que escrevem”. As soluções passam por adoptarem heterónimos ou mesmo deixarem a escrita. Outros há, afirma, que recorrem à ficção ou à poesia. A razão, aponta, é serem géneros que permitem múltiplas interpretações. Rai Mutsu lança a 24 de Março um novo livro de poemas, “Desta Vez Venho Sozinho”.
Hoje Macau EventosRota das Letras | Deusa d’África fala de Moçambique, da guerra e da paz [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] escritora e activista cultural moçambicana Deusa d’África, que está em Macau a participar no festival literário Rota das Letras, sonha com “um país que seja homem”. A “guerra” só deve ser feita por causas justas, como a literatura. Aos 28 anos, Deusa d’África é autora de “Ao Encontro da Vida ou da Morte” (poesia), “A Voz das Minhas Entranhas” (poesia) e “Equidade no Reino Celestial” (romance). Nasceu Dércia Sara Feliciano, no sul de Moçambique, na província de Gaza. Anos mais tarde, trocou o nome de baptismo por o de uma das personagens que criou em “Equidade no Reino Celestial”. “A minha mãe decidiu que eu devia ser Dércia Sara Feliciano. (…) E o nome que eu escolhi para mim é Deusa d’África. E ela aceita este nome, tanto que quando me acorda (…) ela diz: ‘Deusa, hora de ir ao trabalho’. E no meu local de trabalho dizem que não gostam do nome Dércia, porque Dércia é difícil. Então Deusa é mais simpático”, explicou durante uma palestra no Rota das Letras. Deusa d’África é mestre em Contabilidade e Auditoria, lecciona na Universidade Pedagógica e na Universidade Politécnica, e é gestora financeira do projecto Global Fund – Malária em Moçambique. É a partir de Xai-Xai, capital de Gaza, a cerca de 200 quilómetros de Maputo, que reflecte sobre o país que “cresceu economicamente”, mas que enfrenta “muitos desafios”. “Há muitos elementos que envolvem o crescimento de um país, dos quais ainda necessitamos como um povo, para que o país possa se erguer e possa se tornar aquilo que nós sonhamos, que é um país que seja homem, um homem competitivo diante dos outros homens, que são os países”, disse Deusa d’África em entrevista à Lusa. A autora refere-se, em concreto, à necessidade de criar “um ambiente de paz e de tranquilidade” para que o povo moçambicano possa “crescer, viver e sonhar”, num ambiente de paz que não fique “à mercê da vontade dos homens”. A paz em Moçambique tem estado sob permanente ameaça nos últimos anos, devido a clivagens entre a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). Entre 2013 e finais de 2016, o país foi assolado por acções de violência opondo as Forças de Defesa e Segurança (FDS) e o braço armado da Renamo, no âmbito da contestação do processo eleitoral de 2014 pelo principal partido da oposição. A mais recente trégua entre as duas partes foi anunciada no passado dia 3, com a duração de 60 dias. “Felizmente temos esta informação, esta trégua (…) vai-se prolongando uma semana, duas, um mês. São notícias boas, mas não é o que nós sonhamos como moçambicanos”, disse. Sem paz, “não podemos estudar, as crianças não podem crescer, não podem tornar-se os homens do futuro, os presidentes de amanhã, os ministros de amanhã diante desta situação”, acrescentou, reflectindo a propósito do conflito que considera “um problema de vaidade humana”. Das festas aos funerais Deusa d’África desenha as suas próprias roupas e sonha com um desfile de moda, entre tantos projectos que lhe faltam fazer. Além da escrita – que lhe permite ser homem, mulher, criança e às vezes até seres inanimados –, Deusa d’África acumula o papel de activista cultural, nomeadamente através da associação Xitende, fundada em 1996 e da qual é coordenadora-geral. A autora diz-se activista “pela sociedade inteira”, que luta pela “justiça social” e em prol da produção literária num país onde, diz, “se lê menos” e faltam políticas de promoção da leitura. “Sou um contraste. Tudo muito estranho, mas vem do berço. (…) A minha família sempre foi ligada às artes, especificamente literatura, música, e eu não podia ser diferente dos meus”, afirmou. “Com cinco anos de idade, na primeira classe, eu já dizia poesia. Em todos os casamentos no bairro, todas as festas de aniversário, tinha de estar lá a dizer um poema. Hoje em dia sou convidada até em cerimónias fúnebres. Dizem que quando eu digo um poema até se esquecem que estão num ambiente triste, viajam no além”, contou. Deusa d’África não vê limites quando toca à dinamização cultural. Por exemplo, entre outras “actividades absurdas”, organizou uma marcha pelo livro por ocasião de uma celebração do Dia Mundial do Livro, a 23 de Abril. Para a autora, o livro e a poesia “são uma forma de resistência, uma forma de combate, uma forma de fazer a guerra”. Uma guerra contra? “Uma guerra é uma guerra. O importante é que a guerra tenha causas”. “O problema dos homens é que eles fazem guerras sem nenhum motivo. E o que nós temos que aprender, diz até Adolfo Hitler no livro ‘A Minha Luta’, é aprender a fazer uma guerra tendo uma causa justa”, disse. “E neste caso específico, a causa é a literatura, a promoção da nossa literatura, ao promover a literatura estamos a promover a própria existência da humanidade. Uma causa mais do que suficiente para que a gente lute por ela”, acrescentou.
João Luz Entrevista MancheteHenrique Raposo, escritor e cronista: “Hoje, dou por mim a elogiar os sindicatos” Henrique Raposo, cronista no semanário Expresso e autor do polémico “Alentejo Prometido”, que será apresentado hoje no festival Rotas das Letras, está em Macau. Estivemos à conversa sobre o Alentejo, os desafios da Europa, as crises de valores e os paradoxos ideológicos que grassam o Mundo, ao som de guitarras portuguesas FOTO: Eduardo Martins | Rota das Letras [dropcap]A[/dropcap]presenta hoje, no festival Rotas das Letras, o livro “Alentejo Prometido”, que originou indignação em Portugal. Como explica esta reacção? Acho que as pessoas que ficaram indignadas não leram o livro. A meu ver, o livro é uma carta de amor ao Alentejo e, como todas cartas de amor, tem momentos de dureza e de ternura. A indignação foi provocada por um clip de uma entrevista ao Pedro Boucherie Mendes que circulou na Internet. Na altura escrevi que admito que me expliquei mal, sou escritor, não sou orador. Mas nada justifica aquilo que se passou. O que se passou é que a esquerda portuguesa vai sempre ter uma má relação comigo porque nasci no povo da esquerda e não sou da esquerda. Nesse sentido, vamos ter sempre uma relação difícil e aquilo foi um pretexto para me baterem. Portanto, considera a indignação mais política do que regionalista. Começou com uma reacção epidérmica de alentejanos na Internet, sobretudo miúdos que não têm referências do passado. Aliás, sobre o presente gostava que alguém encontrasse páginas mais luminosas e esperançosas que as minhas. Talvez se eu tivesse dito que o livro está mais próximo do romance, de um trajecto pessoal, do que do ensaio a polémica fosse menor. Depois, como muitos romances, parte do pessoal e abre para o geral, o livro é sobre um desterrado que tenta encontrar a sua identidade, é a minha “estrada de Damasco”. Não tenho problemas de estar na minoria, no campo mediático é evidente que quem é liberal, ou conservador, está em minoria. A esquerda domina o espaço o público, até acho normal. A indignação, a partir de certo momento, foi instrumentalizada pelo PCP, principalmente através das câmaras municipais. Depois há uma certa direita marialva que também não gostou do livro. Não acho que o livro seja político mas, como tenho uma forte carga política devido ao meu papel como cronista, as pessoas não conseguiram ver aquilo como um romance, e quiseram ver, à força, um estudo. Como vê a ascensão do eurocepticismo na Europa? Não estou apocalíptico. Estou pessimista, aliás, sou pessimista por natureza. Não se constrói algo como a União Europeia sem crises. O coração da Europa é a França e a Alemanha, tudo se joga aí. Acho que vamos ter boas notícias este ano porque a Le Pen, mesmo ganhando a primeira volta, perde a segunda. Hoje em dias as sondagens valem o que valem, ainda assim todas indicam que a Frente Nacional perde na segunda volta. Quem vota Fillon, quem vota centro-direita, um conservador clássico, não vai votar Le Pen. Mas, atenção, se nada mudar na maneira como os franceses encaram os muçulmanos, nada vai mudar. Melhores notícias ainda estão a vir da Alemanha, onde a CDU continua forte, a Alternative für Deutschland não está a conseguir comer muito eleitorado ao centro-direita. Mas mais interessante é a recuperação do SPD de Schultz, isso é uma boa notícia. É fundamental que o centro seja forte, para aguentar aquilo que parece uma tenaz extremista dos dois lados. Num plano mais alargado no tempo, não considera que as instituições europeias podem estar em perigo? A longo prazo ainda sou mais optimista, porque a minha geração, a geração Erasmus, sente a Europa. Eu sinto-me europeu aqui, sinto-me europeu nos Estados Unidos. Sempre fui muito pró-americano e quando fui passar uma temporada nos Estados Unidos julgava que me ia sentir em casa. Todos os meus heróis políticos estão na direita americana, o Lincoln, os pais fundadores. Mas não, eu sou europeu. Posso ter afinidades ideológicas com eles, posso respeitar a república americana, que é o maior projecto político desde o Império Romano, é absolutamente maravilhoso, mas não sou americano, sou europeu. Mas não acha que sem uma reformulação institucional as tensões dentro da União Europeia podem aumentar? O que pode haver é um choque na Europa entre o leste e o ocidente. Acho que é muito possível haver uma coisa feia. Não é impossível uma guerra, não é impossível nos Balcãs, nem na zona da Hungria, por exemplo. Vejo mais a possibilidade de conflito entre eles, e depois vejo uma separação cultural, entre o leste e o ocidente europeu. Na questão como abordam os negros, os muçulmanos, por exemplo. Critico muito a esquerda europeia porque recusa, numa perspectiva muito politicamente correcta, integrar o muçulmano no nosso modo de vida, porque ele tem a cultura dele e tem de viver à parte. Abomino esta espécie de Apartheid ao contrário, julgo que isso tem custado caríssimo. Também tenho de criticar a direita da Europa de Leste que é aberta e orgulhosamente racista. Têm orgulho em ter sociedades exclusivamente brancas. São sociedades que vão ser nacionalistas, vai receber muito mal qualquer tipo de pessoa estranha, não querem ser uma sociedade cosmopolita, não confundir com multiculturalista. Por este prisma, não vão conviver bem com a União Europeia, nem com a globalização, como se está a ver agora. Não teme o nacionalismo no ocidente europeu? No leste as atitudes são muito nacionalistas. Enquanto os portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, tivemos mundo, tivemos império, que não foram nada simpáticos para o resto do mundo. Neste aspecto, detesto o luso-tropicalismo que diz que fomos uns porreiraços para os outros, não fomos. Fomos tão racistas e imperialistas como os outros. Mas isso teve um efeito benévolo hoje em dia, porque temos uma maior facilidade em contactar o outro. Somos cosmopolitas porque fomos imperiais. Nós, em Lisboa, não vamos ter uma direita nacionalista/racista, porque já temos duas gerações a conviver diariamente com negros, muçulmanos, indianos. Da minha geração de intelectuais à direita há uma barragem permanente contra Trump e Brexit, contra Le Pens. “Fomos tão racistas e imperialistas como os outros. Mas isso teve um efeito benévolo hoje em dia, porque temos uma maior facilidade em contactar o outro.” Ficou surpreendido com a eleição de Donald Trump? Trump é a ponta de um iceberg que já tem décadas. Existe um problema enorme na política americana ao nível do financiamento. Transforma a democracia numa oligarquia porque, no fundo, quem decide o voto é o “um por cento” que financia as duas máquinas partidárias. Se acho que em Portugal há demasiados lobbies debaixo da mesa, que deviam ser assumidos e institucionalizados de qualquer maneira para que as coisas não fossem tão obscuras, na América eu acho que se passa ao contrário. Chegou-se a um ponto de centralidade do lobbying que está a desvirtuar tudo. Aliás, há reportagens arrepiantes em que se mostra o dia-a-dia de um congressista, que é estar ao telefone a pedir financiamento para campanha. Não é estar a falar com as pessoas para tentar resolver os problemas delas. Não é estar em diálogo com os outros senadores, ou congressistas, para ter os tais acordos “bipartisan”, que resolvem os problemas. Isto desvirtua tudo. O investimento em lobby na Europa também tem aumentado nos últimos 15, 20 anos. Acha que há um deficit de democracia também na Europa? Isso eu não acho, porque a União Europeia é feita por democracias, votamos em democracias nacionais, e temos votado sistematicamente em quem é pró-europeu. Nesse sentido, não acredito no deficit democrático na Europa. Não sou nacionalista, abomino a Le Pen, mas se fizer um texto onde defendo o patriotismo clássico sou apelidado, imediatamente, de fascista, reaccionário, por aí fora. Se critico um muçulmano que bateu na filha ou que matou a filha, e se critico a maneira como nós, europeus, descrevemos essa barbárie dizendo que é um crime de honra, sou apelidado de islamofóbico. Não aceito isso. Há também falta de comunidade, quer à esquerda, quer à direita. O discurso clássico da esquerda tem a sido “a globalização desregulou a economia, acabou com fábricas e sindicatos”. Enquanto critica a desregulação da economia, elogia a desregulação da família, os novos valores, a família tradicional, o casamento que é desnecessário, um discurso libertário nos valores familiares. A direita fez o contrário, critica a desregulação da família, mas depois elogia a desregulação da economia. Mas estamos todos a falar das mesmas coisas, sentimos todos falta de comunidade. A direita sente falta da família, do bairro; a esquerda sente falta dos sindicatos. Cresceu numa comunidade de cariz socialista. Cresci num ambiente sindical e, se quiser, isto é um elogio indirecto ao PCP, porque foi o ambiente em que cresci, e eles fazem muito bem uma coisa: bairro! Através dos sindicatos, das associações. Ainda hoje, e regressando ao “Alentejo Prometido”, queria voltar a um bairro imaginário que tive quando era puto, ali na zona de Loures. Já não é o meu bairro, já não me sinto em casa. Hoje, dou por mim a elogiar os sindicatos, apesar de achar que o sindicalismo em Portugal está muito atrasado, continua em guerras dos século XIX. Precisamos de dar empregos industriais às pessoas. Nós, Ocidente, precisamos de perceber que não podemos ser só uma sociedade de consumidores, temos de voltar a fazer coisas, a ter aquele sentido de comunidade que a fábrica dá. Por outro lado, precisamos de voltar a ter respeito pela família, seja de que família for. Casamento gay, para mim, era já amanhã, apesar de isso criar problemas com amigos cristãos que não gostam dessa ideia. Temos de voltar a criar família, laços de comunidade. Como é possível ser católico, sentir a mensagem de Jesus, numa direita que se afasta da defesa do Estado Social? Existe uma tensão na direita entre a defesa da família, temos de saber conciliar o que é crescimento económico com a família. Vejo a direita só a falar de mercado e a esquerda a falar de Estado, e no meio onde está a comunidade? Onde é que as famílias moram, onde é que as crianças brincam? Na esquerda há uma tensão entre, por um lado, a defesa dos direitos dos gays, das mulheres e depois a incapacidade de criticar o Islão que é a comunidade mais homofóbica e mais machista. Essa tensão está a custar caríssimo à esquerda, é por isso que o Labor em Inglaterra está como está. À direita a tensão é na defesa da globalização, que eu acho que é positiva, não sei como se pode falar da globalização sem se falar da diminuição drástica da pobreza no mundo inteiro. Sobretudo, aqui nesta zona. Centenas de milhões de chineses saíram da mais abjecta pobreza e são hoje em dia classe média. Como vê a posição da China neste contexto capitalista global? É a minha primeira vez na Ásia, no velho e grande Oriente, estou a absorver tudo. Lembro-me de um historiador económico, David Landes, que há uns anos escreveu um livro onde dizia que o capitalismo era a cara chapada dos chineses. Vendo o que se está aqui a passar, o capitalismo muitas vezes desregulado, que existe na China sob a égide de um partido comunista, é uma realidade muito interessante. O que me está a fazer alguma espécie é ver miúdos chineses muito parecidos com os ocidentais. Vejo casais de namorados na rua e são como europeus, ou americanos, têm roupas iguais, os cantores pop que ouvem parecem muito semelhantes. Até agora, a coisa mais fascinante que tenho estado a observar são as modelos chinesas, o ideal de beleza chinês parece ser da chinesa ocidentalizada, na própria face. Apesar de todo o poder asiático, o ocidente continuava a decidir o belo, o que não deixa de ser, para um ocidental empedernido como eu, uma coisa maravilhosa. Quero fazer uma reportagem muito sensitiva sobre o que tenho vivido aqui e depois quero pensar um ensaio sobre isto.
Andreia Sofia Silva EventosSanaz Fotouhi, co-produtora de “Love marriage in kabul”: “A política não vai criar a paz” Co-produziu um filme que aborda a questão dos casamentos arranjados no Afeganistão, mas também escreve. “Love Marriage in Kabul” foi o passaporte para Sanaz Fotouhi vir a Macau participar no festival Rota das Letras. Com o HM conversou sobre o Afeganistão do pós-guerra e de como os padrões ocidentais de liberdade trazem pressão às mulheres do Médio Oriente [dropcap]Q[/dropcap]Qual a história que está por detrás do documentário “Love Marriage Kabul”? Como é que chegou a esse projecto? Na realidade, é uma história longa. Quando decidimos [Sanaz trabalhou com Amin Palangi e Pat Fiske] fazer o filme não era para ser este em particular. Em 2006, decidimos fazer um filme sobre o Afeganistão, então viajámos para lá e procurámos por temas interessantes. Deparámo-nos com um assunto terrível, as mulheres que se imolam, como tentativa de suicídio. Mas a curta-metragem, intitulada “Hidden Generation [Geração Escondida]”, continha um assunto tão horrível que as pessoas não se identificaram e, surpreendentemente, o filme não correu assim tão bem, porque não houve essa identificação. Decidimos fazer algo mais positivo. Demorámos alguns anos a pesquisar sobre este assunto, queríamos encontrar uma história feliz. Só depois de ter acesso a esta organização [Mahboba’s Promise] é que descobrimos a história perfeita para fazer o filme. É difícil encontrar histórias felizes junto das mulheres do Médio Oriente? Penso que não é difícil, há muitas histórias. É difícil, isso sim, ter acesso às histórias. Sabemos que elas existem, mas o que é mais difícil é estabelecer esse contacto para que as pessoas contem as suas histórias. As pessoas têm medo de contar ou consideram que muitos dos casos que ocorrem são normais? É uma questão cultural. O Médio Oriente tem sociedades muito segregadas, a diferença entre o que é público e privado é muito clara. Assuntos como o casamento, ter filhos, suicídio, são coisas muito pessoais, sobre as quais as pessoas não querem falar, sobretudo com alguém estrangeiro. Por isso é que ajudou bastante o facto de ser mulher para fazer este filme. O meu parceiro é o director do filme, mas é um homem [Amin Palangi] e não conseguiu ir a sítios onde eu conseguia ir. Então o meu papel para obter as histórias das mulheres foi muito importante. Este filme teve uma grande projecção internacional. Isso é fundamental para mostrar ao mundo o que está a acontecer com as mulheres no Médio Oriente? Sim. Quisemos sobretudo mostrar às pessoas que a vida continua, que as pessoas conseguem viver para além da guerra [do Afeganistão], algo que tem vindo a acontecer de forma contínua nos últimos anos. Com o “Hidden Generation” quisemos mostrar a ocorrência de um problema, era urgente e importante, mas como era muito errado, não havia uma conexão com as pessoas. Mas “Love Marriage in Kabul” tem uma história que todos gostam, todos se apaixonam por ela. Por isso é que as pessoas se identificam mais com este filme. Nasceu no Irão. Por que decidiu fazer um filme no Afeganistão? Em parte foi coincidência. O meu pai trabalhou no Afeganistão, em Cabul, então ficámos fascinados com o país. E depois é muito mais fácil fazer filmes no Afeganistão do que no Irão (risos). Devido à censura? Sim e também porque precisamos de muitas coisas, permissões, pedidos. No Afeganistão podemos ir simplesmente aos sítios. Há ainda uma repressão em relação à mulher iraniana? Para quem vive fora do Irão, ter acesso à realidade do país pode ser surpreendente, porque as mulheres na verdade têm bastante poder e têm vindo a ganhá-lo nos últimos anos. Olhando para os números de acesso às universidades, há mais mulheres do que homens, as mulheres são poderosas nos negócios, são educadas, têm uma voz. A situação é boa se compararmos com outros países vizinhos. Como a Arábia Saudita, por exemplo. Sim. Não posso comparar com o Afeganistão, porque o país ainda está a recuperar da guerra. É preciso tempo para recuperar. Mas, comparando com a Arábia Saudita, sem dúvida que a vida é melhor. Há grandes diferenças. E no Afeganistão? A sociedade está a recuperar no sentido certo? As coisas têm vindo a melhorar. Quando visitámos o país em 2006, e quando voltámos em 2009, e depois em 2013, fomos observando muitas mudanças. Logo a seguir à saída dos Talibã o país não tinha quaisquer infra-estruturas. Não havia telefones, bancos, tudo foi destruído. Gradualmente fomos vendo uma melhoria na sociedade. Mas, ao mesmo tempo, penso que a situação das mulheres ficou diferente. No filme “Hidden Generation” investigámos as razões pelas quais as mulheres se tentavam imolar. E surpreendentemente as mulheres começaram a fazer essas tentativas depois da saída dos Talibã. Pensávamos que as coisas seriam piores durante o Governo Talibã, mas descobrimos que, com a sua saída, novas coisas começaram a aparecer no país. As mulheres ficaram expostas a novas ideias, mas houve muita pressão. Não sabiam como lidar com essas ideias. Não sabiam. Quando os Talibã saíram, a televisão voltou ao Afeganistão. Então as mulheres começaram a assistir a filmes Bollywood e a ver coisas diferentes, mulheres a exporem-se. Muitas pessoas decidiram ir para países como o Paquistão ou o Irão porque a guerra acabou, mas depararam-se com situações de pobreza, também com muita pressão. Depois da guerra começou a surgir também a influência de muitas organizações não-governamentais (ONG) que chegaram ao Afeganistão e começaram a dizer que era preciso dar liberdade às mulheres. Mas a liberdade foi imposta segundo padrões ocidentais. O que percebemos é que podemos ensinar isso às mulheres, mas os homens não estão preparados para ter isso na sociedade. As mulheres podem começar a protestar, mas os homens vão dizer “cala-te e senta-te”. É uma situação extremamente complexa. Não podemos culpar os homens directamente, porque para eles é uma forma de protecção, não sabem lidar com isso. Como se pode criar então uma liberdade com padrões adaptados ao Médio Oriente, aos seus usos e costumes? A liberdade é uma coisa relativa. Há diferentes padrões de liberdade. É muito difícil abordar isto porque a liberdade dos países ocidentais é muito diferente da liberdade do Médio Oriente. Há uma enorme diferença cultural. Não acho que a comunidade internacional seja responsabilizada por trazer essa liberdade. Temos é de criar compreensão para que as pessoas possam avançar para isso sem qualquer tipo de críticas. Essa é a solução. É necessário então uma maior promoção dos ideais e mais acções de educação. Mais do que as ONG, penso que as histórias são importantes, a arte é importante. Acho que a política não vai criar a paz, é apenas sobre benefícios materiais. Exposições, fotografias, filmes, são uma boa forma de criar essa conexão. A sua família estava no Irão em 1979. Como viveram a revolução? A minha história é diferente, porque eu não cresci no Irão. Vivi no Japão, na América, em Hong Kong. O meu pai era bancário e não me considero a típica mulher iraniana. Mas sim, a minha família estava no país nessa altura, viram tudo de fora, não eram propriamente apoiantes do que estavam a acontecer, não se envolveram nessa questão. O meu pai sempre trabalhou em vários países. Sente-se afortunada pelo facto de não ter vivido no Irão? Isso deu-lhe maior liberdade para fazer coisas? Essa é uma pergunta interessante, nunca pensei sobre isso. A minha história é única. Sinto que faço mais coisas, e não apenas em relação às mulheres no Irão. Mas isso não tem que ver com o facto de ser iraniana, mas sim com o meu estilo de vida, com o facto de viajar tanto. Que projectos pretende desenvolver a seguir? Estou a trabalhar num livro sobre este filme, estou à procura de uma editora. É sobre os bastidores do filme, mas também sobre a minha perspectiva enquanto mulher no Afeganistão. Também sou directora-geral da Asia-Pacific Writers and Translators (Escritores e Tradutores da Ásia-Pacífico).
Hoje Macau EventosBrasileira Natalia Borges Polesso sobre “Amora”, Prémio Jabuti [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] mulher no centro da narrativa figura como uma “escolha consciente” para Natalia Borges Polesso que, depois da obra “Amora”, vencedora do prémio mais importante da cena literária brasileira, vai aventurar-se pelo romance no próximo ano. Pese embora reconhecimentos pelas obras que publicara antes – “Recortes para Álbum de Fotografia sem Gente” (2013) e “Coração à Corda” (2015) – foi com “Amora” que deu o ‘salto’ ao conquistar o Prémio Jabuti 2016 na categoria de Contos e Crónicas. “Escolhi que a mulher vai estar realmente no centro da minha narrativa. A questão da homossexualidade – pode ser vital ou tangencial – também vai estar de alguma forma presente”, afirmou a escritora, de 35 anos, que prepara um romance para o próximo ano. “Por enquanto tenho uma ideia. É um romance sobre a mulher que escreveu o maior tratado da filosofia”, dado o “momento meio distópico” que hoje se vive, afirmou, em entrevista à agência Lusa, à margem do festival Rota das Letras. Além de lhe ter aberto as portas, “Amora” (2015) – que descreve como “um livro sobre afectos” e é protagonizado por mulheres de diferentes idades em distintas fases da vida, em que “tudo gira em torno delas”, em “histórias ‘homoafectivas’, de amores lésbicos” – também permitiu a Natalia Borges Polesso a experiência de abordar temas que considera relevantes para falar tanto no Brasil, como no mundo. “O reconhecimento com o prémio para um livro que trata desse tema é muito importante para mim e é bastante recompensador ver isso sendo tratado com mais humanidade pelas pessoas”, realça. Numa altura em que o Brasil vive um período agitado – ou “meio estranho” – há “um pouco de alento, um respiro dentro dessas questões” quando um livro como “Amora” sobressai, reconhece a escritora, para quem não é líquida a resposta à pergunta sobre a forma como a sociedade brasileira olha para a mulher homossexual. “O Brasil é muito grande e as respostas são muito diversificadas. A mulher no Brasil tem um tratamento complicado e depende muito da sua classe, da sua cor. O género é um dos factores dessa complexidade toda”, considera, parafraseando uma frase “acertada” de uma amiga. “Se tem uma coisa que a deixa feliz todos os dias é acordar e saber que existe o feminismo. É dentro desse movimento que a gente se encontra, e pode ajudar-nos a pensar nessas questões todas”, de como é viver, ser mulher, ser lésbica, ser negra ou ser da periferia no Brasil. As viagens da literatura O ‘feedback’ levou-a a perceber que o livro não era só seu, mas antes “de muitas pessoas” e, nesse contexto, “era importante ressaltar que era literatura e que era literatura lésbica – e isso seria um posicionamento social, ético e também estético”, até porque dentro da obra tal constitui “uma coisa construída com preocupação”. “Amora” – tal como “tudo” – “tem um pouco de biográfico”. “Fora a escolha temática, tem algumas histórias que lembram um pouco coisas da minha infância, da minha adolescência. Tem histórias que ouvi de amigos, que escutei na rua, tudo tem um pouco dessa transformação. Escrever é esse exercício de alteridade, mas para o fazer tudo passa pela gente”, sustenta. Relativamente a “Recortes para Álbum de Fotografia sem Gente (2013), “Amora” foi também mais amadurecido, algo que está também relacionado com o doutoramento em Teoria da Literatura. “Para o ‘Amora’ quis pensar muito nas histórias, como ia contá-las e como ia representar essas mulheres. Em termos de escrita acho que foi isso que mudou: a estrutura dos contos e um pouco mais de cuidado com as personagens, [as] vozes diferentes para tentar representar multiplicidade de tipos de pessoas, de mulheres no caso”, explica. Pelo meio, escreveu “Coração à Corda”, mas hesita em regressar à poesia. Apesar de “gostar muito”, “ainda não sabe se é boa” poetisa e tem lido autores “maravilhosos” como Angélica Freitas ou Marília Garcia. A escritora – que chegou a querer ser médica mas confessa que desmaia quando vê sangue – não esconde que gostava de ser escritora a tempo inteiro, mas tem prazer em dar aulas de Literatura e Inglês. Embora considere “muito gratificante” ser professora, é a literatura que a leva a descobrir mundo. “Quando comecei a estudar literatura pensei que, por uma questão metafórica, abriria o livro e estaria noutro lugar, mas hoje tenho outras certezas”, diz Natalia Borges Polesso, que também assina a ‘tirinha’ cómica publicada ‘online’ intitulada “A escritora incompreendida”. “A literatura realmente me leva para outros lugares do mundo e me dá oportunidade de conhecer culturas, pessoas e outros escritores maravilhosos”, remata.
Hoje Macau Eventos MancheteRota das Letras | Guineense Abdulai Silá sobre construção da identidade nacional [vc_row][vc_column][vc_column_text] Abdulai Silá vê o escritor como um missionário que “vende a ideia de que existe um outro mundo onde as coisas são melhores”. O autor pinta a Guiné- -Bissau como um país que, “não sendo real, pode vir a ser”. Hoje debate com Sérgio Godinho o papel das letras na construção da identidade nacional [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] autor de “Eterna Paixão” – um livro de 1994 considerado o primeiro romance guineense – está em Macau, onde participa no festival literário Rota das Letras, partilhando hoje o ‘palco’ com Sérgio Godinho, num debate sobre o papel do escritor na construção da identidade nacional. “Todo o cidadão contribui, de uma forma ou outra, para a construção de uma identidade nacional”, principalmente tendo em conta que a Guiné-Bissau é “um país novo, ainda na fase de construção”. Mas há um grupo “que tem uma responsabilidade particular”, diz Abdulai Silá em entrevista à Lusa, referindo-se aos que “trabalham no domínio da cultura de uma maneira ou de outra, e muito particularmente no domínio da literatura”. “A identidade nacional é uma coisa que se forma e que tem como um dos condimentos fundamentais a utopia, entendida no sentido da crença naquilo que eventualmente podemos ser, podemos atingir, mesmo não o sendo. Por isso, o escritor tem um papel fundamental, ele pode contribuir mais do que qualquer outro para esse processo de criação do mito”, explica. Considerando a “situação um pouco anómala” que o seu país atravessa, o que “abala o cidadão comum”, Silá vê a escrita como algo para ajudar “a acreditar na possibilidade de mudança”. Tendo assistido ao “momento histórico extraordinário”, ao “fim de uma era, início de uma outra” que foi a independência, Silá não concebe uma escrita que não reflicta sobre o país. “Todo esse sonho que foi construído ao longo dos anos que antecederam e a seguir à proclamação da independência tem vindo a ser adiado de uma forma violenta. Não posso ficar indiferente a esta situação, isso toca-me e acho que, como cidadão, tenho a obrigação de, pelo menos para a geração vindoura, passar uma mensagem fundamental: há espaço para o sonho”, explica. Aos 59 anos, o escritor mantém a “crença inabalável” de que a Guiné-Bissau vai encontrar a estabilidade: “Tudo o que eu faço, digo e escrevo é nessa perspectiva. Não nos podemos deixar enganar pela dificuldade do momento. A tarefa é vender a esperança, é acreditar no futuro. Quem conhece a história da Guiné sabe que é uma história de vitória. Pode parecer um bocado ridículo tendo em conta a situação actual, mas é isso mesmo. A história é longa, a Guiné é construída por um povo que ultrapassou grandes desafios”. Uma bomba na editora Há mais de 20 anos, Silá co-fundou a editora Ku Si Mon, que até hoje publicou “uma quarentena” de livros. “Três amigos juntaram-se e decidiram, num momento específico da nossa história, criar uma editora porque, antes, durante o regime de partido único, não havia essa possibilidade. Havia de facto uma censura. Eu pessoalmente andei mais de dez anos com um livro na mão, a correr de um lado para o outro, a ver se conseguia publicar e acabei por entender que não havia saída”, explica. Quando se deu a “liberalização política” – Silá não gosta de usar o termo “democracia” por considerar que “de facto não há” –, os amigos aproveitaram a oportunidade. “Tínhamos consciência plena dos desafios que tínhamos pela frente. Tínhamos uma missão específica, publicar livros, banalizar o livro, no sentido positivo. Aqueles que na altura decidiam sobre quem publicava, criavam uma imagem em que o livro era uma coisa que estava nas nuvens, para pessoas privilegiadas. Era preciso acabar com isso”, descreve. O escritor dá o objectivo como alcançado, mas não sem muitos obstáculos: “Nos quatro primeiros anos, fizemos mais de 20 títulos, entre 1994 e 1998. O que é que aconteceu depois? Em Junho de 1998 houve uma guerra, uma das primeiras bombas caiu na nossa editora e destruiu tudo, perdemos manuscritos para sempre. Ficámos, de 1998 até 2004, sem poder fazer nada. Quando se aproximou o 10.º aniversário reunimo-nos e dissemos ‘Ok, vamos retomar actividade’. Mas a verdade é que a editora nunca mais foi a mesma”. Apesar da menor produtividade, Silá considera que “o caminho está desbravado” e existem agora outras editoras privadas. “Já é irreversível, já ninguém pode dizer que vai censurar a publicação de um livro, isso está fora de questão”, garante. O optimismo de Silá é transversal, do futuro do país até à literatura guineense, que diz ter tido “um desenvolvimento extraordinário nos últimos anos”. “Saímos de uma situação em que, quando se falava do país, dizia-se que não existia no mapa literário para uma em que anualmente são publicadas mais de duas dúzias de livros. Muitas destas publicações são feitas à custa do próprio autor, o que significa que esses autores estão a dar um peso cada vez maior à publicação do seu trabalho. Um livro é, no fundo, a revelação daquilo que um cidadão pensa, sonha, deseja em relação ao seu país”, conclui.[/vc_column_text][vc_cta h2=”” shape=”square” style=”flat” color=”peacoc” css=”.vc_custom_1489410159112{margin-bottom: 0px !important;border-top-width: 1px !important;border-right-width: 1px !important;border-bottom-width: 1px !important;border-left-width: 1px !important;padding-top: 20px !important;padding-right: 20px !important;padding-bottom: 20px !important;padding-left: 30px !important;border-radius: 1px !important;}”] Fala-se cada vez menos português na Guiné-Bissau, diz escritor O escritor guineense Abdulai Silá está preocupado com o estado da língua portuguesa no seu país, devido a um sistema educativo “falido”, que, diz, ignora o facto de menos um por cento dos guineenses falar o idioma no dia-a-dia. “O nosso sistema educativo está falido. Há cada vez menos capacidade de expressão em português. Isso chega ao ponto de ser preocupante, chega ao ponto em que pessoas que têm a língua como principal ferramenta de trabalho não a dominam o suficiente para exercer. Vêem-se acórdãos, até no supremo tribunal, cheios de erros”, lamenta o escritor, em entrevista à Lusa. Abdulai Silá diz também que há “cada vez mais pessoas a escreverem em crioulo”, o que considera “saudável”, salientando que “essa necessidade de diálogo com o cidadão é cada vez mais forte”, mas alerta para o facto de, por outro lado, haver “uma dificuldade real de utilização do português”. “Ensinamos o português como se se tratasse de um país onde as pessoas falam português no dia-a-dia. Isso é falso. Menos de um por cento dos guineenses fala português no seu dia-a-dia. Falam outras línguas, uma boa parte fala crioulo, outra nem sequer o crioulo fala. Não se pode ensinar essa língua ignorando essa realidade. O resultado é o que se vê”, critica. O autor apela a uma “política linguística clara”, que corrija situações como, por exemplo, professores que não dominam o português a ensinarem a língua, como diz ter conhecimento de existirem. “Tenho dois sobrinhos a terminar o 12.º ano e não são capazes de escrever uma nota simples, ou ter uma comunicação básica sobre o estado do tempo. Fazem tantos erros, tantos erros. Não são culpados, são vítimas”, relata. Com a comunicação oral “praticamente nula”, Abdulai Silá considera particularmente grave que as entidades que utilizam a escrita o façam de forma deficitária. “É muito difícil, por exemplo, ler-se os jornais, hoje. Na primeira página, erros crassos. Isso é muito mais grave do que se pode imaginar, num contexto em que não se fala, em que uma das formas mais eficientes de melhorar o conhecimento da língua é através da leitura. O guineense não fala português com outro guineense, é muito raro, mas escreve e lê o português todos os dias. Quando esse contacto com a língua não ajuda, porque está cheio de erros, as pessoas ficam na dúvida: será que é como escreveu o jornalista ou como em aprendi noutro local?”, alerta. Iliteracia, livros de fora Uma dificuldade ainda anterior a esta é a reduzida taxa de literacia do país, cerca de 60 por cento. Além dos que não sabem efectivamente ler e escrever, Silá lembra que há também “analfabetos funcionais”. “É o que temos e que é muito perigoso, pessoas que nunca pegam num livro, não cultivam a mente”, diz. Perante esse cenário, o escritor questiona-se: “Vale a pena dirigir-se a uma pequena minoria, essa meia dúzia de indivíduos que decidem sobre o destino do país?”. Para contornar essa situação, a associação de escritores procura “envolver cada vez mais, e através de acções concretas, o cidadão comum, sobretudo o jovem”. A associação tem cerca de duas dezenas de membros, mas as suas actividades são abertas a todos. Silá destaca os encontros mensais para discutir “a cultura de uma maneira geral”. “Num ambiente tão tenso como o que se tem vivido ultimamente na Guiné-Bissau, entendemos que deve haver momentos de lazer, momentos de reflexão, momentos de convívio, de pacificação. Há sempre um convidado que fez uma contribuição válida na história da Guiné-Bissau, seja de que área for”, explica.[/vc_cta][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][/vc_column][/vc_row]
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteClara Law e Eddie Fong, realizadores de cinema: “Sou uma nómada no mundo” Clara Law e Eddie Fong são um casal que vive para o cinema. Ela nasceu em Macau e cedo foi para Hong Kong, onde conheceu o colega e companheiro. Actualmente, vivem na Austrália. Regressaram ao território para filmar o projecto que têm em mãos e como convidados do Rota das Letras. Ao HM, falaram das origens, do cinema e de como se cruzam nos filmes que fazem [dropcap]N[/dropcap]asceu em Macau, mas não tem recordações do território. C.L. – Saí de Macau aos dez anos. Não tenho memórias. A minha família era muito tradicional e eu não estava autorizada a sair de casa ou a andar nas ruas. A minha memória é a ida para a escola e o regresso a casa. Ocasionalmente, a minha mãe levava-me aos gelados e ao cinema ver filmes do John Wayne. Passava também muito tempo com a minha avó a ver filmes em cantonês. Como é que o cinema apareceu? C.L. – Formei-me em Literatura Inglesa na Universidade de Hong Kong. Depois do curso comecei a procurar trabalho e não me estava a ver num emprego das nove às cinco. Em dois meses devo ter passado por uns sete trabalhos. Depois falaram-me da Radio Television Hong Kong (RTHK) e que me podia candidatar para dar assistência na realização. Aproveitei a oportunidade e entrei. Assim que comecei a trabalhar, descobri o que realmente gostava. Foi uma paixão. A partir daí quis ir para uma escola de cinema. Queria fazer coisas escolhidas por mim e não vindas de outras pessoas. Fui então para a London Film Academy. Regressei a Hong Kong e conheci o Eddie Fong, que já tinha realizado dois filmes e escrevia guiões. Eu tinha uma ideia, mas não tinha dinheiro. Contactei-o e perguntei se podíamos fazer um filme, mesmo assim, e ele aceitou. Desde o início da carreira, com “Autum Moon” e “Floating Life”, a questão da emigração e das origens está muito vincada. É de alguma forma uma questão pessoal? C.L. – O nosso passado transforma-nos no que somos. Nasci em Macau e venho de uma família chinesa. Vivi aqui pouco tempo, mudei-me para Hong Kong e estudei em Inglaterra. É muito difícil dizer onde é a minha casa. O sentimento é o de não saber realmente de onde venho. Cresci com uma educação ocidental e chinesa. Na escola falava inglês e em casa era tudo muito tradicional. Há esta divisão cultural dentro de mim, fez parte do meu crescimento e fez com que não soubesse claramente onde estavam as minhas raízes. Este flutuar interno sem saber onde se está fez com que, mais tarde, fosse à procura da minha veia chinesa. Sou uma nómada no mundo. Não estou nem aqui nem ali. E.F. – Quando vivemos em Hong Kong sentimos que não pertencemos àquele lugar. É um lugar sem história porque a história está toda na China Continental. O que aprendemos acerca do passado chinês não permite que compreendamos, de um ponto de vista existencial, de onde fazemos parte. Não há nada que possamos ver, tocar ou sentir como parte de um passado. É muito abstracto. Sou chinês, mas sou de Hong Kong, logo não sei bem quem sou. É estranho. Quando começámos a trabalhar no nosso primeiro projecto, estávamos no início da onda de emigração. O nosso primeiro filme era sobre um casal, em que um era ocidental e o outro oriental. Partilhavam a vida e o choque cultural era notório. Esta convivência era muito natural no dia-a-dia mas ninguém falava nisso, pelo menos no cinema. Há um termo especifico para estas pessoas, que na altura designava os académicos que iam para Hong Kong dar aulas e deixavam a esposa e filhos no país de origem: eram os “astronautas”. É um jogo de palavras na língua chinesa que remete para 太空人 – ‘taikongren’, em que ‘tai’ significa mulher, ‘kong’ vazio e ‘ren’ pessoa. A ironia é que, com a distância, as mulheres que ficavam no país de origem acabavam por se envolver com outras pessoas e os “astronautas” ficam sozinhos. Hoje em dia os tempos são outros. Já não há muitos “astronautas” em Hong Kong. Clara Law C.L. – Estamos na segunda vaga da diáspora. Há muitos jovens que começam a sentir que Hong Kong tem mudado muito e não é mais um lugar seguro para se viver. As terras e casas estão com valores que não são suportáveis para poderem ter as suas e construírem uma família. Sentem que têm de ir embora. É um tema sempre actual. Como é que mantêm o contacto com as vossas origens? C.L. – Tive uma fase, em Inglaterra, em que senti necessidade de ir à procura das minhas raízes de forma mais profunda. Comecei a estudar filosofia chinesa. No regresso a Hong Kong continuei a estudar e li muito, nomeadamente do pensamento que fundamenta a cultura chinesa: confucionismo, taoismo e budismo. Foi um processo para me levar a mim também. Por outro lado, já tinha coisas que identificava como vindas da minha família tradicional chinesa. Hábitos e rituais que aprendemos por os experienciar como o cuidado dos pais quando envelhecem, mas precisava de encontrar o processo de pensamento e foi o que fiz. E.F. – Temos de fazer a viagem de regresso às origens e estas estão na história do pensamento chinês que, julgo, tem estado perdido nos últimos anos. O processo de afastamento começou com o último império. Com a continuação da história foi sempre a piorar. Basicamente, estamos a perder as nossas tradições de pensamento há perto de 700 anos. Por exemplo, em Hong Kong, ninguém fala sobre isso ou, se fala, não o fazem da melhor maneira porque não sabem. São poucos os que ainda tentam aprender as bases de uma forma real e investigam de uma forma aprofundada o que é que pode realmente significar a cultura chinesa. Este é um assunto que, na actualidade, deveria significar muito para o mundo em geral. Ainda no âmbito da emigração e com olho nos processos de exílio e acolhimento de refugiados, fizeram “Letters to Ali”. C.L. – “Letters to Ali” foi feito em 2004 e é totalmente um documentário ou, para ser mais exacta, um ensaio para um documentário. O filme aconteceu porque sentimos que havia alguma coisa na Austrália que estava muito mal depois de sabermos pelas notícias da história de Ali, um menino afegão à procura de exílio. A situação dos refugiados também é um assunto do momento. Como é que encaram a questão? C.L. – Hoje em dia é uma questão mais complexa do que quando fizemos o filme. Na altura era mais clara. As pessoas que procuravam exílio não eram tratadas como humanos, mas sim como coisas que não deveriam existir. Penso que, actualmente, os refugiados não são políticos, mas essencialmente económicos. É também mais difícil definir o próprio termo. Por outro lado, o movimento de refugiados atingiu um número tão grande que as necessidades, além da aceitação do outro, passam por uma aceitação real da sua cultura e capacidade para a convivência. Não se pode acolher pessoas e depois não se saber como lidar com elas e com a sua cultura. A aceitação de refugiados deve ser acompanhada de uma estrutura de apoio e isso, penso, não está a acontecer da melhor maneira. Se aceitam pessoas e depois não sabem como as ajudar a reconstruir as suas vidas, os problemas aparecem e haverá sempre políticos a tomar partido da situação e prontos a lançar um apelo ao medo. E.F. – O problema dos refugiados é apenas um sintoma. É como se olhássemos para um todo em que esta questão é apenas um sinal. Como na medicina chinesa, não é possível lidar apenas com o sintoma, é necessário tratar da sua origem. Penso que é claro que na raiz está o cada vez maior abismo entre riqueza e pobreza. Ninguém quer deixar o país de origem e as suas raízes mas, quando as pessoas não têm como comer e estão em guerra, são forçadas a procurar um espaço onde possam sobreviver. Ouvimos tantas histórias de pessoas que só querem regressar a casa dadas as dificuldades culturais. Como é que apareceu a ida para a Austrália? C.L. – A minha família tinha emigrado para lá e, numa visita, decidimos ficar. Naquela altura, os nossos filmes “Autumn Moon” e “Tentation of the Monk” tinham participado num festival na Austrália e tiveram críticas muito boas. Acabámos por ter produtores a procurarem-nos e a querem trabalhar connosco. Tínhamos uma história que queríamos fazer, seleccionámos uma produtora e fizemos o filme. Foi tudo muito natural. A Austrália, de uma forma geral, é um país simpático e, em Melbourne, conseguimos sentir um certo sentido de comunidade. Se falarmos de multiculturalismo, penso que é um sítio em que se pode vivê-lo realmente. E.F – Em Hong Kong, a indústria cinematográfica estava a apoiar essencialmente filmes mainstream e não era o que queríamos fazer. Andamos sempre numa espécie de margem. Tentamos ter algumas ideias mais comerciais porque queremos vender os filmes mas, ao mesmo tempo, queremos dizer alguma coisa com o nosso trabalho. Este regresso a Macau para filmar e participar no festival literário é também o primeiro após a partida. Um filme no território onde nasceu marca um regresso às origens? C.L. – Sim. O filme acaba por falar de alguém à procura das origens. Tive de voltar para procurar a minha infância em Macau. O engraçado foi mesmo a quantidade de memórias que vieram ao de cima. Por exemplo, fomos a um restaurante português e deram-nos pão com manteiga. O sabor daquela manteiga, um produto que geralmente não gosto, soube-me a infância. A casa onde vivia já não existe, mas tem feito parte dos meus sonhos e já consigo visualizar a rua. É uma mulher de sucesso no cinema. Acha que é uma área ainda feita essencialmente por homens ou considera que a tendência está a mudar? C.L. – Nunca pensei sequer que, por ser mulher, seria privada de fazer o que quer que fosse. Sempre achei que faria o que queria e que ninguém me poderia parar. Na estação de televisão não sabia como fazer as luzes, então ia estudar o que sentia que me fazia falta saber. Com o conhecimento vem a confiança e nada nos pode parar. Já sei fazer tudo o que é necessário para filmes. E.F. – Por termos vivido tanto em Hong Kong, mais uma vez enquanto lugar particular, não sentimos muito as questões de género. Quando nos mudámos para a Austrália sentimos mais a diferença de tratamento. Por exemplo, quando íamos ao banco, o funcionário olhava sempre para mim e eu nem entendia, porque não olhava para a Clara. Notava-se claramente que era suposto ser o homem a tomar as decisões. Estranhámos muito isso.
Isabel Castro Entrevista MancheteSérgio Godinho, músico e escritor: “Voltar é mesmo uma alegria” [vc_row][vc_column][vc_column_text] Regressar a cidades onde já se esteve é ter a sensação de que o mundo não é só a nossa casa. Sérgio Godinho está a caminho de Macau, desta vez como romancista, para participar no festival Rota das Letras. Ainda em Lisboa, contou ao HM como nasceu o primeiro romance, que relação é esta com um novo tipo de escrita, e falou do disco novo que sai depois do Verão. Um álbum com uma cinematográfica ligação ao território [dropcap]C[/dropcap]Como é que aparece este “Coração Mais que Perfeito”? Aparece um pouco na sequência, ao nível do ofício da escrita, do livro de contos que saiu há dois anos, “VidaDupla”. São nove contos nos quais descobri uma vontade de escrever e também uma linguagem própria, uma voz própria. Surgiu um pouco por acaso, porque me pediram um conto – que está no “VidaDupla” – e depois apeteceu-me continuar. Quando acabei, senti que tinha de me abalançar, no sentido de ter vontade e de ter esse ímpeto criativo, a algo de mais fôlego, mais extenso, em que estivesse mais tempo com as personagens, onde as criasse e elas convivessem comigo e crescessem, fossem aparecendo outras. O romance não tem muitas personagens: tem duas principais. Tem uma mulher, que é a personagem principal, e um homem que é muito importante para a acção. Depois, tem mais algumas – poucas – personagens. Mas foi esse fôlego mais longo no qual me abalancei durante ano e meio. Não sou pessoa que escreva muito por dia, mas todos os dias tenho vontade de escrever. Não me obrigo. E por isso foi um grande prazer. Como é que se passa da escrita da canção para o poema, que tem outra estrutura, para o conto e, de repente, para o romance, que implica um envolvimento muito maior com as personagens e com a construção da narrativa? Foi uma aventura nova para mim porque nunca tinha tido uma coisa de continuidade assim, com todo esse tempo de maturação da história, das personagens, dos novos acontecimentos que vou descobrindo à medida que vou escrevendo. Não tinha uma estrutura fixa à partida. Tinha uma ideia de condução do fio da narrativa mas, depois, muitas coisas aconteceram, felizmente. Não tinha o esquema todo feito. Agora, como é que se passa? Não se passa. Embora nas canções, muitas vezes, haja personagens e narrativas, são actos completamente diferentes. A escrita de canções, desde logo, joga duas formas de expressão – a música e as palavras, as frases. A música tem códigos muito estritos, tem harmonias, tem progressões harmónicas, tem estribilhos, geralmente, tem regras muito fixas, dentro das quais há uma grande liberdade. As palavras têm uma métrica muito própria, que tem de ser musical, e não é por acaso que começo geralmente pela música. As palavras, quando aparecem, estão já a espraiar-se numa determinada frase musical. E têm rimas, quase sempre, é raro não ter uma canção com rimas, até porque gosto delas. Depois, há a conjugação dessas duas formas de expressão, para que pareça uma coisa única. A grande vitória de uma canção é nós sentirmos que aquela letra e aquela música sempre conviveram, e não podiam existir uma sem a outra. É evidente que também tenho versões instrumentais e já publiquei textos das minhas canções, mas é sempre uma parte de um todo. O todo é a canção, é o objecto canção. Portanto, são abordagens completamente diferentes. A escrita de ficção é uma escrita que vai acontecendo continuamente e que se vai estruturando. Uma canção é uma peça de joalharia. Ou de relojoaria. “Coração Mais que Perfeito” é uma história de amor – e eu diria que não poderia ser de outra maneira. Eugénia é uma mulher que nos é apresentada através de um acontecimento trágico. Depois vamos voltar atrás mas, de facto, há um suicídio, embora não seja completamente expresso, de um grande amor – e foi um amor mútuo. O amor não se degradou, simplesmente o homem, o Artur, começou a ter um processo de decadência psíquica em que vai perdendo o pé e ninguém o pode agarrar. E quem é esta Eugénia? “Fala de ti própria, Eugénia”, lê-se no primeiro capítulo. Eugénia é uma mulher forte – é uma sobrevivente –, embora os seus valores não sejam sempre os mais recomendáveis. Ela não é um exemplo, mas também não é um livro pedagógico, não tem de ser uma personagem exemplar. É uma mulher cheia de defeitos, os valores dela são fortes mas, por vezes, também são um pouco voláteis. Não tem muitas referências: a mãe não é referência para nada, o pai desaparece muito cedo, e ela vai vogando na vida sem grande rumo. Os trabalhos dela não têm um fito profissional, ela vai vivendo as coisas. Mas vai vivendo com intensidade. Há uma altura em que resolve prostituir-se, durante pouco tempo, porque sim, porque uma amiga o faz e ela tem uma certa atracção por isso, por experimentar – mas, a certa altura, aquilo corre mal. É o contrário dele: ele é um actor, que esteve na escola de teatro, que sempre teve um fito na vida. Quando comecei a construir as personagens, não descobri logo o que é que ele faria, qual seria a sua profissão, porque achei que deveria ter uma profissão que o interessasse. A personagem do actor sempre me interessou porque eu estou a criar personagens – no fim de contas, estou a ser um dramaturgo. E o actor, à sua maneira, está a criar personagens – já existem, mas está a dar-lhes o seu corpo, a sua intenção, a sua voz estilística. E esse sim, é mais próximo de mim, porque também já fiz trabalho de actor e achei que esse desdobramento de uma vida noutras vidas era interessante. Como se verá, é também por essa outra vida que tem que ver com o teatro que ele começa a perder o pé psiquicamente. Depois fica mesmo psicótico, mas é um processo longo, que ocupa a segunda parte do romance. Esse desdobramento de uma vida noutras vidas acontece também no segundo romance, que já está escrito? Não. É outra coisa, é um assunto completamente diferente. Está escrito. Daqui a um ano, espero, falaremos outra vez, mas não. É um assunto diferente, um romance mais concentrado, no sentido em que tem quase exclusivamente duas personagens e, a dois terços do livro, aparece uma terceira. É mesmo outro assunto. Este assunto passa-se ao longo de vários anos, num período extenso de tempo, e o outro não. O terceiro [livro] está parado porque estou a canções. Este ano sairá ainda um novo álbum, lá para Setembro. Sobre esse novo disco, o que é que já está pensado? O disco vai ter várias parcerias musicais. Já aconteceu, nalgumas canções, outros compositores fazerem as músicas e eu fazer as letras todas – desde as colaborações brasileiras aos Clã, com “O Sopro do Coração”, que tem música do Hélder Gonçalves e letra minha. Aqui, quis levar um pouco mais longe isso e, portanto, há canções que vão estar neste disco em que a música não é minha, mas em que estou a fazer também esses casamentos. Há duas canções – e essas são letra e música minha – que são originalmente do filme do Ivo Ferreira que está a ser rodado aí em Macau, e que são cantadas no filme pela Margarida Vila-Nova. O filme tem três canções minhas – duas delas, vou cantar à minha maneira no álbum. Há quase seis anos, quando falámos a propósito dos 40 anos de carreira, dizia que tinha vontade de voltar a Macau. Na altura, não era algo que estivesse em perspectiva. Depois disso, já houve dois convites e uma participação num filme que está a ser rodado aqui. Macau está a entranhar-se cada vez mais. É a sexta vez que vou a Macau. A primeira vez que fui, Macau era muito diferente, como é evidente. Foi em 1990. A Fundação Oriente convidou-me e fiz aí um concerto, depois também fomos a Goa e a Pangim, fui para a abertura oficial da delegação. Na altura, o Lisboa era o grande casino e depois havia os casinos flutuantes. Depois, há quase 12 anos, estive no Festival de Artes de Macau, mas entretanto tinha voltado lá. Estive no 10 de Junho há dois anos e agora regresso. Macau está a tornar-se cada vez mais familiar, porque vou conhecendo gente, outras pessoas com quem me cruzo. Estou muito curioso em relação ao festival Rota das Letras. Há dois anos, tinha estado com o Hélder Beja e o Ricardo Pinto, que tinham manifestado a vontade de ir ao festival e o aparecimento do romance propiciou isso. É mesmo com alegria que volto a Macau. Gosto muito de voltar aos lugares que vou conhecendo, ver o que está intacto, o que mudou, passear por ruas que já me foram familiares. Gosto muito de descobrir lugares, mas também gosto muito de voltar. Estive no início do ano no Rio de Janeiro, um lugar onde tenho onde ficar, em casa de amigos, que é uma cidade extremamente familiar e é muito bom tornar a calcorrear aquelas ruas. É a sensação de que o mundo também nos pertence. Sou um observador do que está à volta – observador em todos os aspectos, até no criativo – e voltar a Macau é mesmo uma alegria.[/vc_column_text][vc_cta h2=”Palavras e música no Rota das Letras” h2_font_container=”font_size:40px” h2_google_fonts=”font_family:Oswald%3A300%2Cregular%2C700|font_style:300%20light%20regular%3A300%3Anormal” h2_css_animation=”none” shape=”square” style=”flat” color=”chino” use_custom_fonts_h2=”true” css=”.vc_custom_1488974315816{margin-bottom: 0px !important;border-top-width: 1px !important;border-right-width: 1px !important;border-bottom-width: 1px !important;border-left-width: 1px !important;padding-top: 20px !important;padding-right: 20px !important;padding-bottom: 20px !important;padding-left: 30px !important;border-radius: 1px !important;}”]A primeira intervenção de Sérgio Godinho no festival literário de Macau está marcada para o próximo domingo, dia 12. Às 19h, no edifício do antigo tribunal, é apresentado o livro “Coração Mais que Perfeito”. No dia seguinte, no local que serve de sede ao Rota as Letras, pelas 18h, participa numa sessão com o autor guineense Abdulai Silá, em que vai estar em discussão o papel do escritor na construção da identidade nacional. Sérgio Godinho vai ainda participar nas sessões destinadas aos mais novos: na segunda-feira, está na Escola Portuguesa e, no dia seguinte, na Escola Luso-Chinesa Luís Gonzaga Gomes. Na quarta-feira, o escritor de canções sobe ao palco do teatro do Venetian, para um concerto que começa às 20h30. O músico vem acompanhado pelo pianista Filipe Raposo.[/vc_cta][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][/vc_column][/vc_row]
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteRaquel Ochoa, autora da biografia de Manuel Vicente: “O seu génio era, por natureza, caótico” No meio dos esquissos pragmáticos fazia poesia e filosofia, buscava eternamente um desconhecido para o conhecer e criar uma outra coisa. A paixão pela arquitectura durou até ao fim, tal como o lado pop que marcou um génio “irrepetível”. O livro “Manuel Vicente: A Desmontagem do Desconhecido” é hoje apresentado no edifício do antigo tribunal, no âmbito do festival Rota das Letras [dropcap]C[/dropcap]omo é que chegou a Manuel Vicente e à possibilidade de escrever a sua biografia? É uma aventura com muitos anos, porque escrever sobre Manuel Vicente é tudo menos fácil. Não é uma pessoa com um carácter e um percurso linear. Nenhum ser humano é, mas o Manuel Vicente destaca-se. O seu génio era, por natureza, caótico. Ele costumava dizer que a maneira de se ordenar era utilizando aquelas grelhas que ele usava muito na sua arquitectura. Quanto ao resto não seguia um padrão, não tinha uma forma de querer agradar a um qualquer parâmetro. Começámos este trabalho com o apoio do Centro Cultural e Científico de Macau. Um amigo que foi aluno dele, o Sérgio Xavier, disse-me: ‘Tu que escreves biografias vais adorar o meu professor, que é um homem que eu adoraria que alguém que não tem nada que ver com a arquitectura tentasse capturar a sua personalidade’. Fui um pouco sem saber ao que ia, mas fiquei imediatamente convencida. Comecei então a entrevistar Manuel Vicente, a conhecer alguns dos seus amigos. Isto durou dois anos e nunca pensámos que iria demorar tanto tempo a ser publicado o livro. O que levou a isso? Ele adoeceu e, antes disso, estava com trabalho e menos tempo. Por causa da doença afastámo-nos, ele afastou-se de toda a gente. Após a morte dele demorei a encontrar a finalização do projecto. Porquê? Este trabalho não é uma biografia, chamo-lhe ensaio biográfico. Se estava pensado para ser uma biografia, não pôde ser no final devido à sua partida. Houve histórias que ficaram por contar. O meu trabalho não ficou completo e tinha de assumir um risco. Ou finalizava a biografia com um método que não é o meu ou tinha de chamar-lhe outra coisa, e torná-lo num documento interessante e importante para entender a vida de Manuel Vicente. Aí foi essencial a aproximação e interesse de Rui Leão, que foi seu colega e que o conheceu muito bem. Deu-me algum apoio e a sua equipa direccionou-me onde estava perdida. Depois fiz várias entrevistas e pude completar esta biografia. Tive acesso a um trabalho do Bruno Alves, que fez uma tese de mestrado sobre o arquitecto. Que Manuel Vicente podemos ter no livro? Vamos ter o homem caótico ou o arquitecto que gosta de pop art? É uma pergunta à qual é difícil responder. Sempre quis mostrar o Manuel Vicente íntimo, que não era nada fácil. O meu foco não é, de todo, a arquitectura. Esta aparece porque é a linguagem dele, é a maneira como ele se projecta na sua construção como pessoa. Percebo pouco ou nada de arquitectura e, aliás, a feitura deste livro muda-me completamente a visão que tenho sobre ela, sobre as cidades. As conversas com ele alteraram também a minha maneira de olhar o mundo. Há uma alteração entre a Raquel que não conhece o Manuel Vicente e a Raquel que passa a conhecê-lo. Fascina-me o carácter, o pensamento filosófico. O que me interessou partilhar foi: porque é que este homem consegue pensar desta maneira. Ele próprio era uma pessoa do mundo. Muitos consideram-no um arquitecto de Macau, mas ele não gostava muito dessa designação. Não posso com toda a certeza dizer que não gostava, mas posso dizer que ele se via como um arquitecto do mundo. E com muito mundo. Essa é uma das facetas que tento ao máximo apresentar de uma forma muito simples, contando episódios passados em várias partes do mundo e as pessoas que o influenciaram. Uma das coisas que mais gosto de fazer na vida é viajar e identifiquei-me muito com o Manuel Vicente viajante. Há episódios incríveis na vida dele. Há um episódio em que ele tem a oportunidade de dar quase a volta ao mundo durante seis ou sete meses. A primeira mulher está grávida e, por um acidente de percurso ele perde um transporte, e quando chega à maternidade a mulher já tinha tido o filho. Obviamente ela não gostou, ele conta isto com imensa pena, mas este episódio revela bem o viajante que Manuel Vicente era e também o que é viajar: faz-nos também perder muitas coisas. Até ao fim da vida, lidou com as consequências de ser um viajante e de não ser um homem que assentou só num sítio. Falo nomeadamente da dificuldade que é estudar a obra arquitectónica dele, que é uma obra dispersa. Que pessoa foi o Manuel Vicente que não está espelhada nos edifícios que desenhou? Há outro lado? Sem dúvida. Qualquer pessoa que tenha tido a oportunidade de privar com ele entende essa espontaneidade com que ele falava e se incorporava nas coisas. Ele tinha uma forma de ver esta planta que aqui está numa rua, numa cidade, num projecto. Tinha uma maneira de emergir nas coisas. Incorporava-se nas coisas com um mergulho completamente louco, de uma maneira incansável. São épicas as histórias dos seus ateliers, em que todos viviam praticamente neles. Ele impunha esse ritmo, mas aquilo era uma festa, não era nada imposto. Esta é talvez a faceta mais conhecida dele, a maneira fogosa com que ele vivia as coisas. Para mim, o mais interessante foi captar tudo isso em discurso directo. É ouvir a maneira como ele sussurrava as coisas. Em pormenores tentei ao máximo trazer essa voz dele, dos tempos que precisava para começar a falar das coisas. Não o vejo ou nunca o vi como arquitecto, como os outros olham para ele e têm um enorme respeito pela sua arquitectura. Entendo esse respeito, mas o que me fascinou foi o pensador Manuel Vicente. A maneira como ele pensa sobre a construção de uma identidade, de um povo. Quando pensamos na arquitectura pensamos em algo estático, com números, linhas, e ele ia além disso. Ia além desse pensamento pragmático. Sim. Ele tinha uma objectividade que é clara nas suas obras, mas era dentro dessas linhas que ele criava poesia. Eu também o via como poeta. Estava sempre a fazer grandes anotações de frases que ele dizia e que eram autêntica poesia. Confesso que vi o meu trabalho inacabado, mas chegámos a um produto final que vale a pena. Não é por acaso que não existem milhares de biografias sobre ele. É muito difícil encontrar um fio condutor para a história da vida dele. Era um homem de uma errância em relação ao pensamento e espaço físico onde viveu, e à própria arte que praticava. Ele recebeu influências de arquitectos também eles completamente erráticos e fora do sistema, e tudo isso é difícil de compilar e colocar numa obra biográfica. Nessas conversas como surgia Macau? Surgia de forma espontânea, era um território que lhe dizia muito? Macau surgiu nas nossas conversas constantemente. Não houve uma conversa em que Macau não surgisse. Era muito giro, porque ele tinha várias Macau na sua vida. Tinha a Macau que guardava de forma cinematográfica na sua cabeça, do período em que chegou [ao território], daquilo que foi a primeira grande paragem em termos profissionais. Depois tem a fase de Macau de grande trabalho e intervenção na cidade. Depois há uma terceira Macau, de fazer o seu trabalho olhando para as condições políticas que aqui existiam. [Desse período] também tem bastantes histórias para contar, mas sempre reservado. Muitas das informações nem surgem em discurso directo, mas sim com base em jornais. Há depois uma última Macau, quando ele tem cá o atelier, mas está baseado em Lisboa. É a Macau em que tudo o que ele é e sente vem daqui mas, ao mesmo tempo, com algumas amarguras, nomeadamente a história do Fai Chi Kei. Quando demoliram o complexo de habitação pública. Ele tem um episódio que acho curial. Quando lhe perguntei o que achava desta demolição, conta que, durante os primeiros anos de Macau, houve alguém que tentou alterar a fachada de um edifício que ele tinha feito e que aquilo o transtornou por completo. Aí era o Manuel Vicente ainda jovem. Ele disse-me isso de uma maneira muito gira: ‘A minha tensão arterial foi para um nível que nunca mais saiu de lá. Percebi nesse momento que as minhas obras são as minhas obras, e eu sou eu’. Então, em relação ao Fai Chi Kei, ele dizia que era uma pena, mas que as cidades evoluem. Que lhe custava, mas que não ia pensar muito nisso. Que outras mágoas levou de Macau? Ele não era um homem de muitas mágoas. Esta é a resposta politicamente correcta, mas é verdadeira. Ele era um homem que respirava a projectar e dizia que a vida dele era fazer arquitectura. A única mágoa dele foi talvez não lhe terem dado mais trabalho. Acredito que o projecto da Expo 98 que foi demolido também tenha sido uma mágoa para ele, por ser a obra lindíssima que era. Teria outras, mas estas eram as mais evidentes. Ele era uma pessoa que explodia quando tinha de explodir, eu ainda tive uma quota-parte disso, mas não se compara a outras situações que aconteceram. O Manuel Vicente que conheci, nos últimos anos, é alguém completamente resolvido, à excepção de não se conformar com o facto de ter menos trabalho. A arquitectura esteve à frente da vida pessoal? Não sei se tenho estatuto para responder a isso. Sei que pôs a arquitectura à frente de tudo e mais alguma coisa, muitas vezes. Não sei se fazia isso de forma sistemática. A arquitectura era a sua grande paixão, mas adorava os filhos. Sempre que podia falava da segunda mulher, Teresa, falava com imenso respeito da primeira mulher, e a legião de amigos era muito referida. Era um homem de afectos, terá tido muitas loucuras e, nessa busca pela arquitectura, terá feito alguns atropelos. O livro chama-se “A Desmontagem do Desconhecido”. É o desconhecido para além do que foi edificado? É enigmático, foi difícil pensar um título à altura. A desmontagem vem da maneira que ele tinha de ver as coisas, de as desmontar. O desconhecido surgiu porque tudo o que era novo, o que ele não conhecia, era o que o animava. Percebi isso nele: ele queria ir em busca do desconhecido para depois desmontar e montar de novo à maneira dele. Há muitas histórias da infância neste livro, sobre a deficiência que ele tinha numa anca. Teve uma infância demolidora, passou 12 anos numa cama. Talvez venha daí a vontade de ir à aventura. Sim. Quando entendemos a infância que ele teve e de como a família o apoiou, que ele talvez não contasse no escritório, é interessante percebermos isso. É como a aventura na Índia, que o marca enquanto jovem. Ele tem também uma aventura em Karachi, no Paquistão, e o regresso da Índia é uma viagem que dá um livro. São coisas que se narram de forma breve e consistente neste livro, e que nos fazem aproximar de novo desta pessoa, que é muito saudosa para Macau e Portugal, para o mundo da arquitectura e dos pensantes que gostam de falar com alegria, a sorrir. Ele era essa pessoa. Que legado deixa ele? Há muita gente que, a partir do momento em que entra em contacto com ele e com a sua obra, percebe que Manuel Vicente é irrepetível. Tem este lado pop, uma linguagem apelativa para um jovem que goste do lado disruptivo da arquitectura. Acho que as pessoas que se interessam por este mundo não consensual da arquitectura o vão procurar e estudar.
João Luz Entrevista MancheteEntrevista | Pedro Mexia, crítico literário e cronista Pedro Mexia é o homem dos sete ofícios literários. Publicou poesia, faz crítica literária, crónicas, comentário político e é um dos membros do Governo Sombra, programa da TSF que passa na TVI 24. Pedro Mexia estará no festival literário Rota das Letras no próximo mês [dropcap]C[/dropcap]omecemos pela política portuguesa. Que balanço faz do Governo liderado por António Costa? É uma novidade, nunca tinha sido tentado e conseguido uma aliança de esquerda no parlamento, assim como nunca tinha acontecido ser o segundo partido mais votado a liderar um Governo. Isso causou alguma perplexidade e acusações, acho eu, despropositadas de ilegitimidade. O que acho que tem acontecido é que estão todos a fazer um esforço bastante grande para que o Governo consiga superar as divergências, muito grandes, que os partidos têm em certas áreas. Nomeadamente nas áreas das questões europeias ou na renegociação da dívida e, eventualmente, em outras que não vieram à baila, como a NATO. Tem havido um certo esforço para maximizar as áreas de concordância, tais como desfazer o que foi feito no Governo anterior nas áreas do trabalho, do rendimento. Também se tem tentado arranjar pontos comuns que permitam cumprir a legislatura. Parece-me que, neste momento, nenhum dos eleitorados dos partidos que apoiam o Governo do PS veria com bons olhos que se tirasse o tapete ao Governo. Está a ser uma legislatura em esforço dado o facto de esta solução ser melindrosa mas, globalmente, do ponto de vista do Governo, parece estar a correr bem. Parece existir uma espécie de extensão político-social que acho que tem beneficiado muito a percepção pública do trabalho do Governo. E como tem visto a actuação da oposição? O PSD tem tido uma atitude um pouco insólita que é, simplesmente, esperar que o Governo falhe nos seus propósitos e que, depois, o eleitorado reconduza o PSD nas próximas eleições. A oposição no Parlamento tem sido pouco construtiva e, nalguns casos, votando contra medidas que, no passado, defenderam, embora, em contextos diferentes. Acho que o PSD ficou muito atordoado com o facto de não ter governado na sequência das eleições que ganhou, é normal que tenha ficado. Mas não se percebe muito bem qual é o horizonte estratégico que tem, a não ser esperar. Isso parece-me que é pouco. O CDS, como já fazia quando estava no Governo, tenta sempre colocar-se um pouco à margem. Tenta passar uma mensagem mais positiva e menos agastada, mas está muito dependente do sucesso da sua líder na corrida a Lisboa. “O PSD tem tido uma atitude um pouco insólita que é, simplesmente, esperar que o Governo falhe nos seus propósitos e que, depois, o eleitorado reconduza o PSD nas próximas eleições.” Que ideia tem de Macau? Tenho alguma ideia do que vou lendo e do que me dizem algumas pessoas que conheço que aí estiveram e que aí vivem. Não é uma ideia muito substantiva. Há duas coisas que sobressaem, digamos assim, nos testemunhos que vou tendo. Uma tem que ver com o facto de a presença portuguesa ser relativamente incipiente, por exemplo, em termos da utilização da língua e do ponto de vista arquitectónico. Mas, por outro lado, parece haver uma comunidade portuguesa hiper-consistente, no sentido, por exemplo, da multiplicação de jornais. Parece haver uma compensação da diluição da presença portuguesa no que é hoje um território chinês. Como contraposição a isso uma comunidade que tem algum… não sei se dinamismo é a melhor palavra. Atrai-lhe a ideia da queda de impérios? Vê nisso algum romantismo? Claro que sim. Há uma cena muito boa na versão longa do Apocalipse Now, onde aparece uma plantação de uns franceses no meio da Indochina francesa. Aquilo tem imensa força porque é, realmente, o fim do mundo e isso tem um certo frisson literário. Por falar em apocalipse, como racionaliza o fenómeno Donald Trump? Não é muito difícil de racionalizar em termos do significado de um eleitorado descontente que queria, no fundo, alguém que partisse a loiça e que fosse completamente diferente. Alguém que tivesse um discurso, atitude e actuação completamente diferentes daquelas que os políticos mais conservadores, ou mais liberais tinham tido. Mas essa explicação racional, para mim, não chega para apagar certos paradoxos. Nomeadamente uma certa passividade do establishment republicano, que acordou tão tarde para o perigo real desta candidatura. Houve uma cisão muito grande dos opinion makers conservadores e dos políticos conservadores. Os primeiros, em geral muito críticos, e os segundos, no mínimo, conformados em relação ao Trump. Nem os paradoxos, evidentemente intrínsecos, dos descamisados e desempregados escolherem um milionário para protagonizar as suas queixas e os seus agravos. Além do mais, há algo que acho muito importante, as ideias dele são apenas uma parte daquilo que ele é. São ideias flutuantes ao longo do tempo, muitas vezes parecem improvisadas. O que acho realmente preocupante é a personalidade de Donald Trump. É uma personalidade infantil, de uma volatilidade, de uma fúria que amua, que seriam simplesmente risíveis num adulto, mas que dão bastante inquietude tendo em conta como ele vai reagir a assuntos sérios. Ele perde tempo a discutir quantas pessoas estavam na tomada de posse, a Casa Branca dedica-se a falar da marca de roupa da Ivanka. Esse lado é caricatural, mas há assuntos em que os Estados Unidos são protagonistas destacados que não são assuntos cómicos e, portanto, isso preocupa-me. “Donald Trump tem uma personalidade infantil, de uma volatilidade, de uma fúria que amua, que seriam simplesmente risíveis num adulto, mas que dão bastante inquietude tendo em conta como ele vai reagir a assuntos sérios.” O mundo aguenta uns Estados Unidos assim tão destabilizados? Não sei se isto vai durar a legislatura toda, há duas ou três hipóteses diferentes. Uma é a legislatura toda e, de facto, se a situação se degradar cada vez mais, não sei o que será daqui a um ou dois anos, se continuarmos a este ritmo. A segunda é isto continuar a esta ritmo e tornar-se uma espécie de novo normal e as pessoas habituarem-se, o que seria o resultado mais catastrófico de todos, achar que não tem mal o Presidente dos Estados Unidos dizer as coisas que diz e fazê-las, atacar a imprensa, juízes, etc. O terceiro, que seria o melhor dos resultados, seria os americanos afastarem este Presidente antes do fim do mandato. Porque, francamente, é um embaraço para a América e para o mundo. Como vê a ascensão de focos de populismo na Europa, nomeadamente de extrema-direita? Nalguns casos a deriva para o populismo não é propriamente de direita. Também tem havido movimentos importantes de populismo à esquerda. No caso da Grécia em que o Syriza varreu, praticamente, o PASOK. Na Espanha assistimos à emergência de um partido que acaba com o bipartidarismo, o Podemos. Temos também o fenómeno italiano do 5 Estrelas, difícil de classificar como sendo de esquerda ou de direita. Não é só a direita. Mas, claro que há uma espécie de Internacional Nacionalista muito activa, aliás, aparecem juntos em comícios. Houve as eleições da Áustria, o caso francês e o holandês. Na maioria dos casos talvez seja à direita, que está mais em ascensão, pela simples razão de, entre os principais temas, estarem a segurança e as migrações. São temas tradicionalmente mais caros ao eleitorado de direita. Portanto, é normal se há atentados, se há problemas com as vagas de emigrantes e refugiados, que a direita e a extrema-direita estejam particularmente activas. Li que a discografia dos The Smiths era algo de fundamental para si. Tem alguma música que destaque? Isso é complicado porque não são duas, nem três. Entre muitas há uma canção que acho particularmente curiosa, porque tem que ver com o facto de o Morrissey não ter grande receio de exprimir aquilo a que se pode chamar de maus sentimentos. É uma canção chamada “Death of a Disco Dancer” que, no fundo, é sobre um certo cepticismo face à ideia de que “nos vamos todos dar bem uns com os outros”. “All very nice, very nice…” “Maybe in the next world.” Há toda uma tradição “feel good” numa parte da música pop que ele rejeita claramente. Nem sei se é uma das melhores canções dos The Smiths, mas é muito exemplificativa de uma certa crueza com que o Morrissey trata os assuntos, de uma forma que não tínhamos visto antes. Essa canção, não sendo das minhas preferidas musicalmente, é muito exemplificativa da sensação que tive quando conheci a banda e percebi que era completamente diferente do que tinha ouvido antes. “Na maioria dos casos talvez seja à direita, que está mais em ascensão, pela simples razão de, entre os principais temas, estarem a segurança e as migrações. São temas tradicionalmente mais caros ao eleitorado de direita.” Costuma estar atento às novidades do panorama musical? Estou mais ou menos atento. Não sou, claramente, uma pessoa do hip hop nem da electrónica. Tenho um gosto um bocadinho delimitado na música pop que é, basicamente, as bandas de guitarras. Dentro desse nicho estou bastante atento, ainda por cima agora tenho um programa na Rádio Radar. Temos sempre um disco novo todas as semanas, estou mais atento por obrigação, mas não com o lado mais exaustivo que tenho com o cinema e com as estreias de cinema. Embora com o spotify, que sou subscritor, é mais fácil chamarem-nos à atenção e estar a par das novidades do que a picar a Internet aqui e ali, ou a comprar discos. Porque nunca se aventurou, em termos de escrita, no romance? O romance é uma obra de imaginação, pelo menos como eu o entendo. Simplesmente estar a contar uma história real mudando os nomes, que era o que eu faria se escrevesse um romance, parece-me desinteressante. Como não sou capaz de inventar coisas que não aconteceram, não sou capaz de escrever um romance. Como resolve o conflito entre a introversão e o papel público que desempenha? Não há nenhum conflito porque, para já, a maior parte do que eu faço é escrever e isso não se opõe à introversão, pelo contrário, até se casa bastante bem com ela. Outro tipo de actividades, ou compromissos, que eu tenha são obrigações em que procuro fazer o melhor. Está-se a trabalhar, a desempenhar um papel e, portanto, o facto de ser introspectivo, ou introvertido, não é contraditório com isso. As pessoas têm de fazer a sua vida, são-nos pedidas certas coisas e eu faço na medida do que posso e sei. Se eu tivesse de ser DJ, ou coisa do género, é que seria mais complicado.