Sofia Margarida Mota EventosEntrevista | Ricardo Moreira da Silva, artista plástico [dropcap style=’circle’] R [/dropcap] icardo Moreira da Silva, Xisto Soares e Tony Amaral trazem a Macau obras incluídas na componente “O Outro” da Alter Ego, ao abrigo da Exposição Anual de Artes entre a China e os Países de Língua Portuguesa, patente no edifício da Antigo Tribunal até 9 de Setembro. Em discurso directo, Moreira da Silva revela um pouco da nova expressão artística que tem explorado e do estado da arte em Timor-Leste Está em Macau com um trabalho que fez com os timorenses Xisto Soares e Tony Amaral. Como surgiu esta ligação? Fui parar a Timor há quatro anos. Fui por uma questão de vistos e acabei por lá ficar a trabalhar numa agência de comunicação como director artístico. Entretanto, conheci artistas timorenses e vi-me a mãos com a situação que ali se vive. Há muita falta de referências artísticas. Talvez por isso, os artistas timorenses desenvolveram uma forma de arte muito própria, muito ligada ao animismo que também está muito próximo da arte conceptual contemporânea. Comecei a criar programas de educação cultural, com a colaboração da Fundação Oriente e esta vinda aqui é integrada num programa de educação cultural que também trouxe estes dois artistas com quem já tenho trabalhado. Pretendo ainda desenvolver laços com Macau e espero criar uma possível ponte de ligação para ajudar os artistas timorenses a internacionalizarem-se. E o que trazem a Macau? Esta exposição foi um grande passo. Trouxemos três grandes peças monumentais, de 15 metros por cinco. A produção destas peças é um diálogo silencioso entre os três artistas e tem que ver com uma nova corrente que estou desenvolver. Chama-se infra-arte e que na pintura está ligada à hiper-pintura. É uma pintura velada, de difícil acessibilidade se não se tiver tecnologia. É um conceito um pouco difícil de se ilustrar até por ser de vanguarda. Mas pode explicar um pouco melhor? A pintura ao longo da história tem vindo a trabalhar a questão da ilusão. Depois com a vinda da fotografia isso perdeu um bocado o sentido para a pintura tanto que houve quem afirmasse que a pintura estava morta. Entretanto, viu-se nas correntes do início do século XX, uma ligação da pintura à percepção e ao desenvolvimento intelectual dessa percepção. É uma espécie de linha de fenomenologia ligada à construção pictórica e a essas bases analógicas que são a pintura e a escultura. Hoje em dia, com o desenvolvimento tecnológico, houve outra vez uma usurpação desses espaços e esta é uma pintura que trabalha a dependência tecnológica. Trabalha noutros espectros visuais e essa acessibilidade a estes espectros depende sempre de outro tipo de tecnologias. É necessário outro meio para aceder a essa pintura? Sim, precisa sempre de um meio. Por exemplo, o raio-x ou o ultra violeta, etc, tudo isso, são espectros de percepção que geralmente não utilizamos no observador. Embora não seja comunicação, é um objecto de observação e vive por essa razão. Neste momento, trabalho no sentido de criar uma espécie de exercício que vive desta dependência. A própria produção também implica esse meio? Isto começou em 2013 e neste momento está a evoluir precisamente para isso, para uma manipulação já do meio tecnológico para conseguir tomar mais partido da criação. Mas a tecnologia não está acessível a toda a gente, não esta democratizada o que cria limitações mesmo nas produções de exposições. Muitas vezes a própria produção da exposição não consegue criar meios, foi o que aconteceu cá. Vínhamos com as peças de hiper-pintura e aqui não se conseguiram encontrar os meios para que o público pudesse entrar em contacto com a infra-imagem. De qualquer das maneiras, como objecto são bastante interessantes. São espiritualmente minimais. São peças monocromáticas, mas às vezes feitas com matérias muito simples e isso dá-lhes um charme muito próprio. Apesar de não estarem expostas, estas peças estão aqui em Macau e a sua venda vai reverter directamente para uma fundação que trabalha só nesta questão da internacionalização dos artistas e no desenvolvimento cultural em Timor. Naquele país, a arte é uma zona frágil da estrutura que está em desenvolvimento e que tem outras prioridades que não a cultura. Também estamos a fazer um grande levantamento biográfico e descobrimos que os grandes pilares da arte em Timor nos últimos 40 anos são mulheres. Isto até é uma contradição, porque neste momento não há quase artistas mulheres naquele país. Mas quem representa a história visual e cultural de Timor na cultura e na escultura, são realmente as mulheres. Neste sentido, também estamos com um programa que se chama o WAP, Woman Art Power, que tem só que ver com a calibração, com o trazer de volta um equilíbrio entre os dois géneros neste meio cultural tendo em conta a música, o teatro, a performance a escultura, pintora, etc. Trouxeram peças que não foram expostas. Como foi criada a exposição que está no edifício do Antigo Tribunal? Em termos de gestão de espaço houve algumas alterações. Quando chegámos, acabaram por nos ceder um espaço no Antigo Tribunal com características muito próprias. Era um espaço muito pequeno, com duas salas quase iguais, e uma acessibilidade muito pequenina através de uma porta que faz a ligação entre os dois espaços. Acabei por curar e ser também artista trazendo para ali a questão da Alegoria da Caverna. Em que é que a alegoria se materializa aqui? Estamos dentro de um córtex cerebral. A alegoria da caverna é a simulação do que é o espaço interno da consciência. É como se o crânio estivesse desabitado do cérebro, fosse um espaço arquitectónico que tem esta divisão entre os espaço dos dois lóbulos cerebrais. Dentro desta caverna, deste espaço, fizemos inscrições nas paredes, algumas com stencil. Fizemos pinturas, esculturas, inscrições. Trabalhar com estes dois artistas, neste espaço, acabou por representar um pouco o trazer-lhes à luz a situação que se passa em Timor. Lá, eles estão num ambiente confortável, mas com muita falta de referências e com um imaginário do que é que é o universo cá fora. Acaba por se transformar numa espécie de sombra e eles acabam por ter receio de entrar em contacto com ele. Esta vinda a Macau mostra-lhes também o oposto: não há monstros nenhuns. Isto é um universo de ligações e interligações, rizomático, que é acessível e eles são embaixadores culturais que trazem os seus hábitos e arte. Acabou por ser um exercício muito válido e interessante. Esta mudança acabou por trazer à exposição uma influência já de Macau. A parte mais ritualística das velas, das latas com fogo e dos incensos acabou por ser transposto para dentro da instalação.
Diana do Mar EventosPintura | Austin Sou estreia-se a solo na Galeria da Fundação Rui Cunha [dropcap style=’circle’] F [/dropcap] luid Gestures (“Gestos fluidos”, numa tradução livre) marca a estreia a solo do jovem artista Austin Sou. A exposição individual de pintura, inaugurada na quarta-feira, encontra-se patente na Galeria da Fundação Rui Cunha até ao próximo dia 23. Nascido e criado em Macau, Austin Sou é um jovem artista que aspira a deixar a sua marca no mundo da arte. Com o seu trabalho abstracto, que vai buscar inspiração à dança e ao ioga, Austin Sou procura estabelecer uma conexão entre a natureza e a liberdade. A vontade de ser artista surgiu quando percebeu que ao estar em contacto – tanto consigo próprio como com aqueles que o rodeiam –, permitia-lhe superar as barreiras da timidez e outras reservas sociais, realça a Fundação Rui Cunha num comunicado enviado às redacções. A exposição individual de pintura, que pode ser vista como “uma janela para o trabalho de uma nova geração de artistas locais”, reúne um total de 11 obras. A curadoria ficou a cargo do professor e também artista Cai Guo Jie. “A obra e o processo criativo de Austin [Sou] foca-se muito na arte perdida de conceber os seus próprios pigmentos”, afirmou Cai Guo Jie, para quem o que torna o trabalho de Austin Sou “tão único” é o facto de “ele gostar de accionar as características materiais dos pigmentos e de dominar a abertura da cor e emoção”. “Os diferentes pigmentos são inseridos num recipiente, criando bolsas de cor”, fazendo com que “ele não esteja apenas a conceber um único trabalho, mas a dar um novo sentido de cor. O resultado é uma sensação de completude, uma conexão com a natureza e o círculo da vida”, acrescentou o curador.
António Conceição Júnior Manchete VozesJúlio Pomar, o suave rebelde [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo que por coincidência, mirei ontem à noite o relógio. Eram 01:57 e, sonolento, coloqueios auscultadores que estão bem perto, para ouvir as notícias da Antena 1. O noticiário abriu com uma triste notícia: Júlio Pomar tinha falecido aos 92 anos. Olhei para o breu do tecto e ocorreu-me “A Cegueira dos Pintores” e de como me tinha comprazido a ler a escrita de um dos maiores pintores de sempre, de Portugal e, porque não, do mundo. Se Pomar se tornou icónico pelo “Almoço do Trolha” e, consequentemente da sua inscrição no movimento Neorrealista português, será redutor tentar classificá-lo dentro de qualquer movimento. Júlio Pomar foi, igualmente, e como António Arnaut – desaparecido quase no mesmo dia – um cidadão de corpo inteiro, combatente pela liberdade, que foi preso por isso e por ser filiado no Partido Comunista Português, consequências da sua rebeldia perante preceitos e conceitos já fora de prazo. Foi através da grande Amizade criada com outros grandes lutadores pela liberdade, Manuel de Brito e sua Mulher, Arlete Alves da Silva que, nos princípios dos anos 1980, me foi possível trazer a Macau, para a Galeria do Museu Luís de Camões, exposições da Galeria 111, entre as quais figuravam obras gráficas de Júlio Pomar. Foi no aprofundar dessa Amizade e de outras, como o grande Poeta Pedro Tamen e o Arq. José Sommer Ribeiro, respectivamente Administrador para as Belas-Artes e Director do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, todos amigos entre si, que foi possível realizar em 1985 o “Ciclo dos Últimos Cem Anos da Pintura Portuguesa” em Macau, na Galeria do Leal Senado, e na qual, também Júlio Pomar foi um dos cabeças de cartaz. Na sua obra perpassam não apenas o Neorrealismo com obras de referência como o já referido “Almoço do Trolha” e “O Gadanheiro”, e posteriormente “Os Cegos de Madrid”, uma quase invocação a Goya, de 1957, e sucessivos ciclos como as sínteses nuas que encontram no “Banho Turco” e em “Maio de 68” referências que serão substituídas por outra linguagem radicalmente diferente com a sua série de tigres e macacos do início dos anos 80, que se desenvolve noutra série que aqui se representará com o retrato de Fernando Pessoa e outras personalidades, e touradas e corvos, numa incessante deambulação naquilo que ele próprio consideraria “a sua volubilidade”. Para além da admiração pela sua espectacular versatilidade que aqui se testemunha de modo incompleto, Júlio Pomar foi sempre um daqueles rebeldes suaves incapazes de ser outra coisa que não a sua autenticidade. A atestá-lo fica esta pequena estória: Pomar estava em Macau com sua Mulher Teresa e o casal Arlete Alves da Silva e Manuel de Brito e fomos os três casais ao Forum de Macau para ouvir um concerto onde pontificava um pianista da nossa praça. As cadeiras eram incómodas, eu fazia barulho com o celofane dos meus rebuçados e, pelo canto do olho, reparo num aceno do Pomar; propunha-me irmos fumar. Saímos os dois e fomos para o átrio fumar e conversar placidamente, enquanto ao longe rugia a orquestra. Conversámos e fumamos livremente, até que terminou o concerto e se nos juntaram as respectivas mulheres e os amigos. Dias depois, de um modo extremamente afável, no Arquivo Histórico do Tap Seac, Pomar descerrava um trabalho do jovem Ng Vai Meng, dando-lhe um afável abraço. Para se ser verdadeiramente grande é preciso ser-se autêntico. Para se ser autêntico, é preciso por vezes ser-se rebelde, o que, no caso de Júlio Pomar, foi sempre um suave mas determinado rebelde, a recordar-me uma pintura anagramática: o SG Gentil, de um autor cujo nome teima em não me chegar à memória. Todos estamos mais pobres.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteÓbito | O artista plástico Júlio Pomar morreu aos 92 anos em Lisboa O incontornável Júlio Pomar faleceu ontem aos 92 anos. O artista, por muitos classificado como indomável, deixa um vasto legado. Para Carlos Marreiros, além do génio artístico, a inteligência e a luta por ideais marcaram a sua vida e obra. Rui Rasquinho considera que Pomar é um exemplo de obstinação de um grande artista que viveu totalmente para o seu trabalho [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista Júlio Pomar faleceu na quarta-feira aos 92 anos. Tanto o homem como a obra deixam um legado de talento e luta pela liberdade. Algumas das sua obras passaram por Macau pelo menos duas vezes. A última aconteceu em Setembro de 2015 numa mostra no Albergue SCM – “A jornada de um mestre – Júlio Pomar e amigos”. “Era um artista muito coerente. Um artista indomável e de uma inteligência acutilante” começa por dizer o arquitecto Carlos Marreiros ao HM. Muitas vezes os artistas plásticos expressam-se bem nos seus trabalhos, mas verbalmente encontram algumas dificuldades. Não era o caso de Pomar. “O artista tinha um discurso poderoso, penetrante e sabia ser muito duro quanto o tinha que ser e ser muito sedutor e doce quando também o queria ser, sem nunca abdicar da sua posição”, refere o também responsável pelo Albergue. Perseguido durante o Estado Novo, o artista fugiu para França. De acordo com Marreiros, esta necessidade de fuga acabou por ser uma mais valia: “Se calhar foi bom, porque desta forma Júlio Pomar pode abrir os seus horizontes de forma acelerada e qualitativa, mais do que se estivesse em Portugal”. Uma das características da sua visão artística é a versatilidade. Homem que passou por várias fases ao longo da carreira, Pomar não deixou que nenhuma das suas facetas retirasse qualidade à globalidade da sua obra. Muito pelo contrário. Em cada mudança revelava a solidez. No entender de Carlos Marreiros, esta é uma afirmação não só de talento, mas também de inteligência. “Além do génio, o artista tem de ser culto, tem de ser inteligente e tem de ser muito trabalhador”. Júlio Pomar, aponta, reunia, pelo menos esta três, sem se ficar por aqui. Juntam-se às virtudes do pintor, o facto de Pomar utilizar a arte para indicar situações de injustiça social e de luta pela liberdade. “O facto de se conseguir reinventar a si próprio é uma das características mais notáveis e brilhantes do Júlio Pomar”, afirma. Também para Rui Rasquinho, a morte de Pomar é a perda irreparável. Na visão do artista local o que mais se destacava em Júlio Pomar era o facto do artista viver intensamente a sua prática. “Ele só pensava em trabalhar e já há poucos assim”, refere. Para o futuro, fica a obra que Carlos Marreiros considera que deve agora passar por um cuidadoso processo de catalogação, sendo que, afirma, seria de toda a pertinência criar um museu em sua homenagem. “Este espólio tem que ser organizado e classificado de forma a um dia integrar um museu digno da sua qualidade, ou que seja mesmo construído um museu dedicado a Júlio Pomar”. Reacções oficiais O Presidente da República Portuguesa lembrou Júlio Pomar como um “criativo irreverente” e considerou que a sua morte deixa a cultura portuguesa “muitíssimo mais pobre”, manifestando a certeza de que o Governo proporá “o luto nacional correspondente”. O chefe de Estado descreveu Júlio Pomar como “um inovador e criativo irreverente, profundamente rebelde”, que “esteve sempre à frente do seu tempo” e “marcou boa parte do século XX, marcou a transição para o século XXI” em Portugal, “mantendo-se sempre jovem”. “Nós devemos a Júlio Pomar a abertura de Portugal ao mundo e a entrada do mundo em Portugal, desde logo, durante a ditadura, não apenas como pintor, não apenas como desenhador, mas como grande personalidade da cultura”, afirmou. Para ilustrar a irreverência de Júlio Pomar, Marcelo Rebelo de Sousa recordou “o seu retrato do Presidente Mário Soares que figura na galeria dos retratos no Museu da Presidência da República, e que na altura chocou tantos bem pensantes”, observando: “Porque ele era assim”. O Presidente da República referiu ainda que o seu trabalho artístico “percorreu todas as fases, mais figurativo, menos figurativo, mais abstracto, menos abstracto” e definiu-o como “um desconstrutor” que olhava “para a outra realidade das coisas” e a retratava. Por seu lado, o primeiro-ministro português, António Costa, afirmou que Portugal perdeu “um dos seus mais icónicos artistas”, numa primeira reacção à morte do artista plástico Júlio Pomar. “Com a morte de Júlio Pomar, Portugal perde um dos seus mais icónicos artistas”, disse Costa, numa mensagem publicada na rede social Twitter. “Ficará para sempre a sua obra, comprometida apenas com a cultura portuguesa e com a liberdade criativa”, acrescentou o chefe do Governo português. Pintor e escultor, nascido em Lisboa em 1926, Júlio Pomar é considerado um dos criadores de referência da arte moderna e contemporânea portuguesa. O artista deixa uma obra multifacetada que percorre mais de sete décadas, influenciada pela literatura, a resistência política, o erotismo e viagens a lugares como a Amazónia, no Brasil. O homem Nascido em Lisboa, em 1926, Júlio Pomar, que gostava mais de desenhar do que de jogar à bola quando era criança, vendeu o primeiro quadro a Almada Negreiros por seis escudos, numa época em que era impensável viver da pintura. Tornou-se um dos artistas mais conceituados do século XX português, com uma obra marcada por várias estéticas, do neorrealismo ao expressionismo e abstracionismo, e uma profusão de temáticas abordadas e de suportes artísticos experimentados. A obra foi dedicada, sobretudo, à pintura e ao desenho, mas realizou igualmente trabalhos de gravura, escultura e ‘assemblage’, ilustração, cerâmica e vidro, tapeçaria, cenografia para teatro e decoração mural em azulejo. Desde muito jovem começou a escrever sobre arte, tem obra poética publicada, alguma musicada e interpretada por cantores como Carlos do Carmo e Cristina Branco. Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e nas Escolas de Belas-Artes de Lisboa e Porto, tendo participado em 1942, em Lisboa, convidado por Almada Negreiros, na VII Exposição de Arte Moderna do Secretariado de Propaganda Nacional/Secretariado Nacional de Informação. Fez parte da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUD), e participou activamente nas lutas estudantis, o que lhe custou a expulsão das Belas Artes do Porto. Em 1947, realizou a primeira exposição individual, no Porto, onde apresentou desenhos, e colaborou com os jornais A Tarde, Seara Nova, Vértice, Mundo Literário e Horizonte, participando no movimento artístico “Os Convencidos da Morte”, assim denominado por oposição aos célebres “Os Vencidos da Vida”, grupo marcante na história da literatura portuguesa. A oposição ao regime de Salazar leva-o a passar quatro meses na prisão, a apreensão de um dos seus quadros – “Resistência” – pela polícia política, e a ocultação dos frescos com mais de 100 metros quadrados, realizados para o Cinema Batalha, no Porto. Mesmo assim, Júlio Pomar conseguiu desenhar e pintar na prisão – onde circulavam papel, lápis e caneta. Num período inicial, neorrealista, foram marcantes algumas das suas obras, como “O Almoço do Trolha” ou a “Menina com um Gato Morto”. Dos tempos que viveu em Paris, destaca-se a série de quadros a preto e branco para ilustrar a versão de “D. Quixote”, de Aquilino Ribeiro. Em Portugal, a primeira retrospectiva da obra de Pomar foi organizada em 1978 pela Fundação Gulbenkian e exibida na sua sede em Lisboa, também no Museu Soares dos Reis, no Porto e, parcialmente, em Bruxelas. Júlio Pomar também ilustrou várias obras, como “Guerra e Paz”, de Tolstoi, “O Romance de Camilo, de Aquilino Ribeiro, a obra “D. Quixote”, de Cervantes, “A Divina Comédia”, de Dante “Pantagruel”, de Rabelais, “Rose et Bleu”, de Jorge Luís Borges, e “Mensagem”, de Fernando Pessoa.
Sofia Margarida Mota EventosCarlos Farinha, artista plástico e representante de Portugal na Art Beijing: “Olhar como se estivesse de lado” Foi um dos dois artistas portugueses que estiveram presentes, no final de Abril, na Art Beijing. Carlos Farinha encerra nos seus quadros o mundo que vê e faz questão de misturar e as influências que vai recolhendo. Macau e o Oriente não são excepção O que representa para si ter sido um dos dois artistas portugueses seleccionados para a Art Beijing? Foi uma honra e uma enorme responsabilidade representar Portugal. Queria aproveitar a ocasião para agradecer à Galeria Arte Periférica e à Embaixada de Portugal por me ter proporcionado esta oportunidade. Estar nesta feira representa uma presença da arte portuguesa num mercado difícil mas de uma extraordinária dimensão e visibilidade. A título pessoal foi uma experiência curiosa e enriquecedora perceber a forma como o público chinês se relaciona com as minhas obras. Quando vemos os seus trabalhos há uma espécie de tragicomédia presente. Concorda? É curioso que me faça essa pergunta. Realmente tenho uma propensão para uma certa dramatização dos assuntos que pinto, [as pinturas] são muitas vezes criadas pela ironia, e uma certa abordagem despreocupada de um contador de histórias. As várias leituras que se pode fazer sobre as minhas pinturas são um sinal dos vários níveis de compreensão que pretendo criar, sem no entanto ser moralista ou generalista. Por exemplo, quando uso a caricatura, ela retira uma carga simbólica às histórias que conto levando-me para um campo onde posso desenvolver uma ironia que, se não fosse desse modo, poderia ganhar contornos melindrosos e ineficazes. Qual o ponto de partida quando começa um trabalho? Depende se é apenas um exercício ou o desenvolvimento de um conceito para uma exposição mas, muitas vezes, o dia-a-dia é o meu grande referente (político e social). Quais são as suas referências? São várias. Ultrapassam a própria pintura do Millet ou da Paula Rego, mas também passam pela actualidade e pelas redes sociais. Passou por Macau. O que lhe ficou do território a nível pessoal? E a nível artístico? Muito: Sentir um pouco de Portugal no Oriente e a sensação de que Macau tem uma identidade própria. Ficaram-me amigos, memórias e um desejo de conhecer melhor o Oriente. Conheci artistas, o trabalho da AFA e gosto particularmente do trabalho do Erick Fok. Conseguimos identificar elementos de várias experiências culturais por onde vai passando. Como é que os interliga? Em que cultura se localiza para o fazer? Se é que isso acontece. Bem, o meu processo criativo parte muito do facto de ter crescido fora de Portugal e de ter uma visão muito própria do meu presente. Olhar como se estivesse de lado para criar um espaço de crítica criativa. Considera o seu trabalho como tendo, de alguma forma, uma componente interventiva? Sim. Aliás, tive diversas experiências que me levaram a compreender melhor o mundo em que vivemos. Já tive vários quadros virais, partilhados centenas de vezes nas redes sociais. Sem essa necessidade de perceber o mundo em que vivemos, nunca seria um artista. Intervir é uma necessidade visceral no meu mundo. Qual é a sua opinião da arte que se faz na China? Bem, é uma potência em estado bruto, muito diversificada mas com características muito próprias. Daquilo que tive oportunidade de ver existe um encontro com a arte que é apresentada nos grandes centros culturais do mundo mas, ao mesmo tempo, procuram uma identidade própria. Das suas obras, pode-nos contar a história de duas que tenham que ver com o Oriente? “A tradutora” é um quadro que retrata as relações entre Portugal e a China através da representação simbólica de uma caravela portuguesa e de um junco chinês. A mulher que transporta os barcos serve para equilibrar e criar laços entre as duas culturas tão diferentes através do seu papaguear e do domínio das duas línguas. A tradutora é a garante da comunicação. “Lucky Man” é um quadro que retrata uma mesa de jogo num casino em Macau. Este quadro tem numa das figuras um boneco de boa sorte ao ombro, [porque] todos os jogadores procuram a sorte no jogo. Neste momento, encontra-se a trabalhar em algum projecto? Por acaso, estou a preparar uma cartografia plástica do mundo português, focada sobretudo no Oriente. É um projecto que ambiciono desde a minha primeira presença em Macau.
Diana do Mar EventosExposição de pintura na Fundação Rui Cunha até 27 de Maio [dropcap style≠‘circle’]“C[/dropcap]elebrar na Tela” é o nome da exposição colectiva inaugurada ontem na Fundação Rui Cunha. A mostra, que reúne 30 obras em aguarela, fica patente ao público até 27 de Maio Paisagens figuram como o cenário comum a 30 aguarelas que formam “Celebrar a Tela”, uma exposição colectiva que junta as obras de seis artistas da China, Austrália, Reino Unido e Moldávia. A mostra, inserida nas celebrações do sexto aniversário da Fundação Rui Cunha, fica patente até 27 de Maio. Em exibição encontram-se aguarelas de três pintores da China (Lin Tao, Ping Long e Wu Kemeng), um do Reino Unido (John Hoar), um da Austrália (Hermen Pekel) e um da Moldávia (Eugen Chisnecean). “São artistas com muita qualidade. Têm todos um grande percurso dentro da aguarela”, sublinhou Raquel Dias, coordenadora da área de apoios socioculturais e filantrópicos da Fundação Rui Cunha. Lin Tao foi um dos três pintores que marcou presença na inauguração da exposição colectiva para a qual contribui com cinco aguarelas, sendo a sua preferida uma em que retrata com tintas diluídas em água a paisagem da terra-natal: Qingdao. Na tela sobressai o mar azul, onde um barco segue viagem, com as montanhas em pano de fundo. A mensagem por detrás da obra é “a vida em movimento”, explicou o artista de 48 anos, que expõe pela primeira vez os seus trabalhos fora da China continental. Lin Tao chegou a pintar ao estilo ocidental, mas depois encontrou a aguarela e a técnica artística acabou por conquistar o seu “carácter activo”. Hoje é pintor a tempo inteiro numa academia da cidade portuária da província de Shandong, donde é natural. Chega a Macau por via da Associação de Aguarela de Qingdao, entidade com a qual a Fundação Rui Cunha colabora pela segunda vez e que trouxe então três representantes ao território, como explicou Raquel Dias. Arte caridosa Esta associação vai também participar, no sábado, no evento “Arte pela Caridade”, também inserido nas celebrações do sexto aniversário da Fundação Rui Cunha. “Esperamos reunir mais de 100 artistas, sendo que a Fundação Rui Cunha vai doar 100 patacas por cada artista que aparecer e em seu nome. O dinheiro angariado vai reverter para a Caritas”, indicou a mesma responsável. A iniciativa vai decorrer entre as 9h e as 11h nos Lagos Nam Van. Dependendo também da participação, vão ser escolhidas 20 a 30 obras (a serem posteriormente acabadas) que, se os artistas concordarem, vão ser depois leiloadas. As verbas angariadas revertem igualmente para a organização de caridade.
Michel Reis h | Artes, Letras e IdeiasEuropa celebra pela primeira vez o Ano Europeu do Património Cultural [dropcap style=’circle’]P [/dropcap] or iniciativa da Comissão Europeia celebra-se pela primeira vez este ano o Ano Europeu do Património Cultural (AEPC), enquadrado pelos grandes objectivos da promoção da diversidade, do diálogo intercultural e da coesão social, visando chamar a atenção para a importância da preservação e transmissão do património às gerações futuras, para o papel do património no desenvolvimento social e económico e nas relações externas da União Europeia, e ainda motivar os cidadãos para os valores comuns europeus. Sob o lema “Património: onde o passado encontra o futuro”, o Ano Europeu do Património Cultural pretende incentivar mais pessoas a descobrir e explorar o património cultural da Europa e reforçar o sentimento de pertença a um espaço europeu comum. Ao longo do ano, terão lugar por toda a Europa uma série de iniciativas e eventos que permitirão às pessoas aproximarem-se do património cultural e desempenharem um papel mais activo nas questões que lhe dizem respeito. O património cultural influencia a identidade e a vida quotidiana dos povos, tanto o material, o imaterial, o natural como o digital. Rodeia-os nas aldeias, vilas e cidades, nas paisagens naturais, nos monumentos, nos museus, palácios e sítios arqueológicos… O património cultural não só está presente na literatura, na arte e nos objectos expostos nos museus, mas está igualmente presente nas técnicas que se aprendem com os antepassados, nos ofícios tradicionais, na música, no teatro, nos ambientes e no espírito dos lugares, na gastronomia e no cinema. O AEPC 2018 pretende dar a conhecer ainda melhor a diversidade e a riqueza dos valores das diferentes nacionalidades e ultrapassar fronteiras. O AEPC constitui uma importante oportunidade para a realização de iniciativas em diferentes níveis – europeu, nacional, regional e local – envolvendo os cidadãos, organizações, entidades públicas e privadas, que contribuirão para uma maior visibilidade da cultura e do património e para o reconhecimento da sua importância e do seu carácter transversal em todos os sectores da sociedade. O AEPC convida todas as entidades e organizações, públicas e privadas, municípios, investigadores, escolas, comunidades, universidades, associações, ONGs, a preparar projectos e actividades que, enquadrados nos objectivos do Ano Europeu, promovam a reflexão e o debate sobre a actualidade e o futuro do património, a sua importância vital para as pessoas e para as comunidades e o seu valor no desenvolvimento social e económico equilibrado, contribuindo para o desenho de um futuro melhor para todos. Cada país da UE designou um coordenador nacional responsável pelas comemorações e pela coordenação dos eventos e projectos a nível local, regional e nacional. A Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, bem como o Comité das Regiões e o Comité Económico e Social organizarão eventos para comemorar o Ano Europeu e lançarão actividades que porão em destaque o património cultural. Além disso, a UE financiará projectos de apoio ao património cultural. No âmbito do programa Europa Criativa, foi lançado um convite específico à apresentação de propostas de projectos de cooperação relacionados com o Ano Europeu. Uma grande variedade de outras oportunidades estarão disponíveis ao abrigo dos programas Erasmus+, Europa dos Cidadãos, Horizonte 2020 e de outros programas da UE. Para garantir que os efeitos destes esforços se farão sentir para além de 2018, a Comissão, em colaboração com o Conselho da Europa, a UNESCO e outros parceiros, lançou dez projectos com impacto a longo prazo, incluindo actividades com escolas, investigação sobre soluções inovadoras para a reutilização de edifícios históricos e a luta contra o tráfico ilícito de bens culturais. O objectivo é ajudar a desencadear um processo de mudanças efectivas no modo como usufruímos, protegemos e promovemos o património, assegurando que o Ano Europeu terá benefícios para os cidadãos a longo prazo. A página electrónica do Ano Europeu do Património Cultural em Portugal, lançada pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para congregar e divulgar as iniciativas que, por todo o país, e ao longo deste ano, se proponham contribuir para reforçar a ligação das comunidades com o seu património, lista já mais de 750 actividades. Uma das funcionalidades que o sítio oferece é um calendário de 2018 no qual se pode escolher um dia do ano e ficar a saber todas as iniciativas previstas para essa data. Uma lista em constante actualização, já que a página continuará a aceitar inscrições até ao final do ano. Pouco mais de três meses desde a abertura deste Ano Europeu do Património Cultural (AEPC), as 750 iniciativas já registadas, promovidas por entidades públicas e privadas, têm origem em 74 municípios de todo o país, incluindo os Açores e a Madeira, e poderão abranger, segundo estimativa da DGPC, cerca de 240 mil pessoas. As visitas e rotas patrimoniais são o tipo de actividade mais comum, com 232 iniciativas previstas, mas há programas para todos os gostos, de congressos e outros encontros a exposições, oficinas, espectáculos de artes performativas, animações de rua, recriações históricas, exibição de documentários, sessões de leitura ou concursos, para citar apenas alguns. Cerca de um quinto das realizações programadas até ao momento (incluindo as já realizadas desde o início do ano) partiram dos próprios organismos tutelados pelo Ministério da Cultura, sobretudo da DGPC e das várias Direcções Regionais de Cultura, que no seu conjunto promoveram 105 actividades, mas também, entre outras, da Direcção-Geral das Artes, do Instituto do Cinema e Audiovisual, do Centro Cultural de Belém, da Biblioteca Nacional ou dos teatros nacionais D. Maria II e São João.
Sofia Margarida Mota EventosFilipe Dores expõe obra de cariz político em Londres Não é um artista que se inspire em causas, mas um dos quadros da última colecção em que Filipe Dores trabalhou tem um contexto político e acabou por ser selecionado para estar exposto em Londres, nas Mall Galleries. Por cá, pode ser visto em Hong Kong no próximo mês [dropcap style≠‘circle’]S[/dropcap]ão cinco urinóis numa parede e um guarda-chuva amarelo entre dois deles. Os objectos foram esquecido na ressaca dos protestos dos movimentos pró-democráticos de Hong Kong e constituem os elementos que compõem a aguarela de Filipe Dores seleccionada para exposição em Londres. O trabalho é uma afirmação política porque o contexto assim o proporcionou, diz o artista local que não quer ser conotado como pintor de causas. Motivado pela situação de Hong Kong e pela nomeação da Chefe do Executivo da região vizinha, Filipe Dores pôs mãos à obra. “O quadro escolhido faz parte de uma colecção de cinco trabalhos que fiz no ano passado sobre a nomeação da Chefe do Executivo de Hong Kong”, começa por dizer ao HM. O trabalho seleccionado fala por si e tem uma relação óbvia com a situação política da região vizinha. “Para mim, há muitas pessoas a pensar que o governo da região vizinha está a fazer um bom trabalho”, entende. Para Filipe Dores, está em causa o facto de os movimentos pró-democratas não terem muita consistência na sua actuação. “Na minha opinião, são movimentos que só fazem coisas quando mais lhes convém e depois esquecem-se. É isto que aquele quadro quer dizer”, aponta Filipe Dores. Fogo de vista pintado “O que quis dizer com esta pintura, em específico, foi que houve muita gente envolvida nos protestos associados ao movimento dos guarda-chuvas, mas, simbolicamente, bastou irem à casa de banho para lá deixarem o guarda-chuva amarelo”, comenta. Para Dores, é um quadro que representa uma afirmação. Esta pintura que será exposta em Londres faz parte de mais um passo na internacionalização da carreira do artista local que trabalha essencialmente com aguarela. No entanto, Filipe Dores não quer ficar conhecido como um artista movido por situações políticas, até porque, “não o sou”, afirma peremptoriamente. “Não trabalho para seguir causas políticas, aconteceu neste acaso, porque calhou”. Filipe Dores pinta porque é isso que melhor sabe fazer. Em Macau a colecção de cinco quadros feita sob o mote político de Hong Kong não vai poder ser vista, pelo menos para já. Mas, no próximo mês vai estar exposta na região vizinha numa feira de arte.
Hoje Macau Eventos“Estou sempre a contar uma história nos meus quadros”, diz Paula Rego [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] artista portuguesa Paula Rego diz estar sempre a contar uma história nos seus quadros, mesmo que essa história vá mudando ou que só seja descoberta no final do processo de criação. Num texto publicado no jornal britânico The Guardian, no contexto da exposição “All Too Human”, a inaugurar na próxima semana na Tate Britain, em Londres, Paula Rego afirma que “as histórias têm pessoas nelas”, então desenha pessoas a fazer coisas umas às outras, lembrando que recorre a contos do folclore português e a histórias como as de Eça de Queirós. A artista relata como o processo de criação do retrato do antigo Presidente da República Jorge Sampaio “quase [a] matou”, porque, enquanto pintava, “havia pessoas sempre a entrar e a dizer ‘esse braço não está bem’ ou ‘o nariz dele não é assim’”. “No fim, eu disse: ‘Talvez devêssemos ir para outro lado’. Fomos para uma sala cheia de armários de vidros e trabalhei muito duro. Fiquei num hotel lá perto e ia para a cama exausta. É um homem muito simpático. Ou, pelo menos, foi muito simpático para mim. Ainda somos amigos”, conta Paula Rego. A artista portuguesa radicada em Londres há décadas diz trabalhar maioritariamente a partir de modelos vivos ou de “bonecos” que faz ou que são feitos para si. “Desenho o contorno em carvão. Costumo começar pelo rosto e vou trabalhando a partir daí. Usar bonecas é uma experiência diferente de um modelo vivo. São obedientes – posso colocá-las como quero e ficam assim, são como atores num palco. Mas não trazem vida – preciso de uma pessoa lá, também, porque a intensidade é importante. Se desenhas uma pessoa, ela dá-te muito de volta. Às vezes dão tanto – inundam-te com a sua personalidade, com a sua alma – que tens dificuldades em segurá-las”, referiu Paula Rego. Para a artista, quanto mais se olha, melhor uma pessoa se torna a olhar, e “isso é uma disciplina importante, seja como for que se pretenda trabalhar”. Rego conclui com a constatação daquilo que lhe suscita maiores dificuldades: “As árvores são as coisas mais difíceis de acertar. E as tulipas. E todos os vegetais, exceto os tomates”. A exposição “All Too Human” é inaugurada no dia 28 de fevereiro e vai estar na Tate Britain até 27 de agosto, com o objetivo de “celebrar os pintores no Reino Unido que procuram representar as figuras humanas, as suas relações e as redondezas das formas mais íntimas”, segundo a página do museu. Além de Paula Rego, a mostra inclui trabalho de artistas como Lucian Freud, Francis Bacon e Frank Auerbach, entre outros, como Walter Sickert e David Bomberg, de gerações anteriores. Paula Rego é uma das pintoras participantes na Bienal Internacional de Mulheres Artistas de Macau, que decorre a 13 de Maio.
Andreia Sofia Silva EventosRota das Letras | Obras de Chen Yu, sobre poetas portugueses, integram festival [dropcap style≠’circle’]Y[/dropcap]ao Jingming será o curador de uma exposição do pintor Chen Yu, que retratou em papel de arroz, e com recurso a tinta da china, vários poetas e escritores portugueses, desde Luís de Camões a Fernando Pessoa, passando pelo Nobel Saramago. A exposição, a acontecer na Casa Garden, integra o festival literário Rota das Letras. Chen Yu, pintor a residir em Pequim, será um dos convidados do festival literário Rota das Letras para inaugurar, pela primeira vez em Macau, uma exposição da sua autoria. O professor Yao Jingming, actualmente director do departamento de português da Universidade de Macau, será o curador de uma iniciativa que liga nomes sonantes da literatura portuguesa à pintura. A organização está a ser feita em parceria com a Fundação Oriente, adiantou Yao Jingming ao HM. “A exposição terá como tema principal os poetas portugueses mas os quadros serão acompanhados por textos dos escritores e também de outros escritores estrangeiros. São retratos feitos com tinta da china e em papel de arroz, uma técnica usada por este artista chinês.” Chen Yu já aceitou o convite e está ainda a trabalhar em alguns quadros, sempre em estreita comunicação com Yao Jingming, que o tem apoiado no envio de textos e na explicação do contexto literário de cada um dos poetas ou escritores retratados nas telas. “O artista aceitou o meu convite e estou à espera que ele possa fazer mais retratos de escritores portugueses. Já enviei algumas imagens para ele fazer textos e poemas e ler e ficar com uma ideia mais forte sobre os escritores e poetas portugueses.” Um dos autores mais difíceis de retratar, na óptica de Yao Jingming, é o poeta Fernando Pessoa. “Disse-lhe que se trata de um poeta muito complicado, com uma escrita muito complexa. Então veremos se é capaz de expressar o mundo literário deste poeta. Acho que é difícil retratar isso através de um trabalho artístico, mas então ele está a fazer um esforço para abordar essa questão. Ontem enviou-me um trabalho no qual o Pessoa, ele próprio, encarna noutros três heterónimos”, adiantou o também poeta, que escreve com o pseudónimo de Yao Feng. Esta comunicação com Chen Yu tem como objectivo fazer com que “a exposição possa ficar mais interessante para o público português”. Recital integrado na exposição Na cabeça de Yao Jingming existem outras ideias para este evento, apesar de muitos detalhes ainda estarem por decidir. Uma dessas ideias passa pela visita à gruta dedicada ao poeta Luís de Camões, localizada no jardim com o mesmo nome. Há também a intenção de realizar um recital de poesia na Casa Garden. “São duas coisas que vão complementar-se mutuamente. Vamos escolher poemas em português e chinês para fazer um serão poético num espaço bonito e agradável”, adiantou Yao Jingming. No total, a exposição terá entre 30 a 40 peças do pintor chinês.
Sofia Margarida Mota EventosExposição Lusófona no Clube Militar começa amanhã A iniciativa tem lugar mais do que uma vez por ano e mostra a pintura que se faz nos países da lusofonia. A partir do próximo dia 18, a galeria Comendador Ho Yin, no Clube Militar, volta a acolher “Pontes de Encontro”. Mostrar a diversidade e a riqueza da criação artística em diferentes culturas volta a ser o mote do acontecimento [dropcap style≠‘circle’]“P[/dropcap]ontes de Encontro” volta à galeria do Clube Militar de Macau. A exposição dedicada à pintura lusófona tem lugar entre 18 de Outubro e 5 de Novembro e constitui “um contributo para o aprofundamento das relações culturais entre a China e o mundo lusófono”, refere a organização em comunicado. Esta é a segunda mostra dedicada ao tema, este ano, e vai contar com a presença de um artista plástico contemporâneo de cada um dos países de língua oficial portuguesa. “Apresentam-se trabalhos originais de artistas provenientes dos oito países de língua oficial portuguesa e de Macau, testemunhos da indesmentível energia artística que nelas corre”, refere a curadoria a cargo da APAC – Associação para a Promoção de Actividades Culturais. “Pela sua própria natureza, esta exposição exprime múltiplas abordagens criativas e temas, juntando artistas de diversas sensibilidades e técnicas”, acrescenta a organização. Paralelismos e diferenças A ideia é mostrar ao público “um vasto leque de estilos e de temas, sublinhando a diversidade e criatividade das artes visuais no conjunto daqueles países”, resume a curadoria. Para que não haja dúvidas a APAC explica: é preciso observar e contrastar “a pulsão social visível nas obras de Lino Damião e os universos oníricos de Jayr Peny e Nela Barbosa, as cores e a fantasia de Pedro Proença ou Eva Tomé, e o dinâmico abstracionismo de Ung Vai Meng, o jogo das formas em Suzy Bila, a influência da arte popular em João Carlos Barros e a serenidade figurativa de Tchum Nhu Lien”. No total, estarão expostas 27 obras, três por artista e todas originais para mostrar ao público “um vasto leque de estilos e de temas, sublinhando a diversidade e criatividade das artes visuais no conjunto daqueles países”.
João Luz EventosPintura | Ip Son Hou expõe no Centro UNESCO de Macau A exposição de pintura “Flor e Pássaro, Montanha e Água”, de Ip Son Hou, é inaugurada amanhã na Sala de Exposições do Centro UNESCO de Macau. A mostra de trabalhos do artista local integra o ciclo “Projecto de Promoção de Artistas de Macau” e estará patente até 11 de Outubro [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] natureza tem sido, desde tempos imemoriais, uma das primordiais fontes de inspiração para as mais variadas expressões artísticas. Ip Son Hou não é uma excepção a esta regra. Nesse sentido, a Sala de Exposições do Centro UNESCO de Macau recebe a partir de amanhã a exposição “Flor e Pássaro, Montanha e Água”, do artista local. A inauguração está marcada para o final da tarde, às 18h30, hora em que o público pode passear pelas 65 obras seleccionadas pelo pintor. A cerimónia marca o início da exposição que estará patente até 11 de Outubro, e que será palco do lançamento de uma publicação com o mesmo título da mostra. As obras exibidas têm como cenário ambientes montanhosos e aquáticos que representam o percurso artístico do autor nos últimos anos e são também atmosferas estéticas conducente com os traços de Ip Son Hou. O pintor local é o tipo de criador que busca recorrentemente inspiração em contextos de paisagens naturais, tendo ultimamente encontrado nas representações de flores e pássaros uma forma de se expressar. Um percurso que faz sentido, tendo em conta que Ip Son Hou tem ao longo da sua carreira como artista revelado uma propensão para pintar obras onde a vida ocupa o papel principal. Discípulo e mestres Ip Son Hou nasceu em Cantão há 60 anos e é um nome recorrente em mostras de pintura locais, daí não seja de estranhar que tenha sido seleccionado para a Exposição Colectiva dos Aristas de Macau. Em 1996 foi um dos protagonistas de uma mostra itinerante que percorreu várias cidades de Taiwan. Em 2013 esteve em destaque na Exposição Individual de Pintura de Flores e Pássaros na Galeria do Restaurante Plaza. Ip Son Hou começou a sua formação em pintura com tenra idade. Aprendeu a fazer esboços com o Professor Chen Yinghen, uma técnica fundadora para o que se seguiria. Prosseguiu os estudos de expressão plástica sob a batuta do Professor Liu Renyi com quem aprendeu técnicas de pintura chinesa de flores, enquanto que as representações de pássaros foi um conhecimento que adquiriu com os professores Cai Jingxiang e Guan Haoquan. O artista tinha o hábito de pintar flores nos parques de Guangzhou quando vivia na capital da província de Guangdong. Quando se mudou para Macau começou a trabalhar como técnico de desenho artístico em fábricas de móveis, uma ocupação que mantém há uma década. Actualmente é membro da Associação dos Artistas de Belas-Artes de Macau e da Associação de Sinetes de Macau, secretário-geral da Associação de Arte a Tinta de Macau bem como presidente da direcção da Associação de Caligrafia de Deleite (Macau). Uma acumulação de cargos que não lhe rouba tempo suficiente para continuar a deixar-se encantar com cenários naturais e a pintar o que vê.
João Luz EventosExposições | Pan Gongkai estreia-se numa mostra de pintura em Hong Kong [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] pintura chinesa tem vários nomes de peso que a transportam para a arte contemporânea de relevo mundial. Pan Gongkai é um deles. A primeira exposição do artista em Hong Kong abre no dia 25 de Novembro na Kwai Fung Hin Art Gallery. Um evento que merece destaque no calendário das artes dos próximos meses Entre 25 de Novembro e 24 de Janeiro de 2018, Hong Kong recebe pela primeira vez uma exposição de Pan Gongkai, um artista de renome internacional que pegou na veia mais tradicional da pintura chinesa e a revestiu de contornos contemporâneos. A mostra estará patente ao público na Kwai Fung Hin Art Gallery, que é composta por um total de 30 peças criadas ao longo de três anos. Um dos destaques da exposição é um quadro com seis metros de largura que pertence a uma série de trabalhos de tinta da China em papel em consonância com uma instalação de vídeo. Pan Gongkai é um nome de vulto incontornável da pintura chinesa. Nascido em 1947, como David Bowie, o artista foi criado num ambiente intimamente artístico. O seu pai, Pan Tianshou, foi um dos mais relevantes mestre da pintura a tinta da China do século XX. Depois de uma educação onde aprendeu a domar a técnica da tinta da China na Academia de Belas-Artes de Zhejiang, o pintor acabaria por chegar a presidente da Academia Central de Belas-Artes de Pequim entre 2001 e 2015. Já antes havia liderado a Academia de Belas-Artes de Hangzhou. Um dos educadores de artes mais prestigiado na academia do Interior da China, Pan Gongkai é um nome que extravasa em muito as barreiras da cultura chinesa para patamares internacionais. Mais além Pan Gongkai, apesar de estar intimamente enraizado na expressão artística chinesa tradicional, em particular pelo uso da tinta da China, é um entusiasta dos estudos comparados entre a arte chinesa e ocidental. Esta confluência de referências díspares espelha-se na estética do pintor e académico, que rompe as barreiras conceptuais das belas-artes da China. Nos início dos anos 1980, Pan Gongkai argumentou que as artes chinesas e ocidentais eram sistematicamente complementares e que poderiam coexistir e influenciar-se mutuamente. Segundo o pintor, ambas as expressões artísticas são compatíveis e representam duas formas diferentes de perseguir a derradeira visão estética. Esta perspectiva teórica tem atraído atenção de académicos tanto no Interior da China assim como pelo mundo fora. Dessa forma, não é de estranhar que Pan Gongkai tenha reunido o consenso de várias áreas artísticas, da pintura, teoria artística, arte contemporânea, arquitectura e design. As obras de larga escala do pintor são, normalmente, intensas em termos de impacto visual, reveladoras da elegância e da subtileza típicas da tradicional expressão em tinta da China. Ao mesmo tempo, a mestria técnica que exibe nas pinceladas demonstram uma estética contemporânea única, bom gosto e tensão dramática. A juntar à criatividade e mestria em termos de pintura, Pan Gongkai também se exprime através de instalações e novos media de forma a explorar as potencialidades de transformação que pretende que a tradicional tinta da China atinja no contexto da cultura contemporânea. Os trabalhos do artista chinês têm sido exibidos com grande frequência, ultimamente, no Museu Suzhou, no Museu de Artes de São Diego, no Museu de Artes de Frye em Seattle e no Today Art Museum de Pequim. Em 2011, Pan Gongkai participou na 54º Bienal de Veneza com uma instalação intitulada “Melting”, tendo chegado a um patamar de apreciação mundial. Com a leveza de pincelada que caracteriza a pintura chinesa, Pan Gongkai transcende conceitos artísticos definidos chegando a um patamar global em termos de expressão estética. Profundamente conduzido por temáticas metafóricas e ideias simbólicas, as pinceladas do artistas chinês conseguem transmitir poder, emoções fortes e uma amplitude conceptual que extravasa fronteiras artísticas. Definitivamente, uma exposição a não perder.
Anabela Canas h | Artes, Letras e Ideias Iluminação ArtificialDeste interior não sai ninguém [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap], no entanto, entra-se. Pode-se entrar por ele adentro como de uma realidade que, podendo ser ilusória, nunca se perde de o ser. E cair. Por essa realidade abaixo. Por ela fora, por aí. Mesmo se inexistente. Mesmo se previamente inexistente senão em possibilidade, e mesmo se antecipadamente pressentida em toda a sua intangibilidade, para além de uma sombra um reflexo ou a pura invenção de uma camada do que não é, não foi, mas se presta a uma forma possível. De ser. De iludir. Ali me sento todos os dias na sua frente. Não talvez já a tentar entendê-lo, mas que se me revele ele lentamente no seu silêncio. Encontrar-lhe o olhar. A cor. Pinceladas que erram ou não. Pintar. Às vezes, como partir para um “blind date”. Sentar-me à mesa com o desconhecido. Uma coisa mútua, em que cada um tenta explicar-se ao outro. E ficava. Quieta nas horas, em frente a ele quando veio sentar-se. Central e necessário. E eu em busca de lhe entender o olhar. Como uma linha da vida, da mão, da página, do coração, em que, como numa única e ínfima célula, se encerrasse como num cofre, todo o código genético de um pensamento, de um sentir e de um viver. Numa única célula. De um corpo. De uma frase. De um olhar. Esse seu olhar divergente, como uma curiosa antecipação genética ao que teria que ser. E a ver a chegada de cada linha, numa arquitectura de interrogações. A mim, a ele, a esse interior de que não se sai. E antes ainda, à procura de um local mítico de encontro improvável, possível, na imensa maleabilidade do tempo que tudo admite à ilusão, à fantasia ou à memória, encontrei-me como se com esse meu mais que ilustre, distinto e invulgar colega do Liceu de Macau. O ponto etéreo de cruzamento de uma memória com uma fantasia. E eu ali, como sempre, pequena e timidamente o olho em tentativa de entender. Sabendo, sem redenção, que não se sabe o desconhecido. Sabe-se o desconhecimento. Baixo. Surgiu baixo e fui ver. Na verdade, então, não era uma figura imponente. No corpo. Não no corpo. E ficou ali, e um dia, depois, voltou e enrodilhou-se sobre si. A olhar de dentro, soturno e calado como o outro. E quando voltou, vindo de um real para além da dor, cambaleou a ansiar o conforto de não pesar ao corpo, nem a vida, nem o pesar a consumi-lo. E os monstros. Fugido de monstros e memórias, ou talvez a mesma coisa tudo. Cambaleou para o interior vindo da dissolução progressiva e futura. Reuniram-se na curvatura de uma parábola muda de cegos – pensei: como a outra, de Brueghel – e assim também aqui esse desígnio os fez cair. Ancorados no cego da frente, o primeiro a ouvir brisas ténues da poética realidade enfeitiçada de símbolos, que tudo modelou do início para o fim. Dali, da frente, para trás, o início de tudo. Aqui, ou ali. Como se no tempo da narrativa, no tempo de se deixar varrer de olhos em muda interrogação, se pudesse distinguir duas opostas leituras vectoriais. Dois sentidos de leitura, entre o oriente e o ocidente do oriente também do quadro. Numa curiosa imagem, do fio cronológico das coisas que se sucedem. Antecedem? Mas há uma face a que nunca terei e se tem acesso. Não vou dizer o que, assim, não é nomeável. Tacteável. Que de dentro espreitaria sempre sem se deixar ver por detrás de reflexos cristalinos de um olhar cuja cor não ficou registada. E dele sempre seria evidente, mais o reflexo do que o interior. E é um jogo imparável, este, do desconhecimento. E assim se anda sempre á procura de um entendimento do outro, confundindo-o em muito com o que reflecte de quem o olha. De um além fechado sobre a impossibilidade de saber mais. Mais para além do muito que floresce em palavras e pequenas e múltiplas peças de um puzzle labiríntico, em que se o tenta edificar. A pessoa que já não está. Por detrás das palavras e dos gestos que elaborou. E que noutro tempo, sabe-se lá onde estaria para além ou para aquém delas e desses. Observei até quebrar a estranheza, os olhos e como quando os olhos teimam em ser baixos se lhe eleva o queixo. Em desafio. Todos os dias de riquexó e cão para o liceu. Onde fomos colegas. Que importa se num tempo que não cruzou ali caminho nem pena nem espada. Honra-me assim pensar o tempo sem direcções preferenciais, sem disjunções estanques, e porque às vezes não as tem mesmo e de todo. O tempo da memória faz-se talvez de matérias como o da imaginação e da ilusão. Sim. Ia de riquexó e de cão para lá. O homem que deu este nome a um cão. Arminho. Como as etéreas rendas de que cobria a madrugada dos poemas. Cortinas e esfumados lirismos como das gaivotas exaustas e sem ânimo. Nunca mortas, afinal. Sentava-se mais tarde quieto na camisa- de- forças do seu duplo e pensava na gaivota por morrer. Arminho. Sabe-se lá porquê. O arminho que é coisa leve e de fru-fru de festas. O arminho que é coisa inquieta a um simples suspiro, leve como leves os tules das cortinas simbólicas de que reveste os seus monstros. Dantes, Nilo ou Tejo eram nomes de cão e o do seu, leve e esvoaçante. Talvez a paixão pela música das palavras não deixasse chamar-lhe das pérolas. Deste rio. E, no entanto, pérolas são os pontos de dor da ostra. Tornados luz. Mas o que de um poeta diz, a vida de um poeta, e o que diz um poeta no que diz, o que diz no que não diz, talvez. O que se esconde no que esconde e naquele que o procura, a ele ou esconder. De que véus e velaturas se recobre o que se esconde, como de desvendável existência, é pergunta que me fugiu desamparada para o longínquo horizonte da resignação. Como se sólida matéria a intuir por detrás. Mas o escondido é nebulosa não matéria. Invenção de que pergunta, sem saber mais do que adivinhar o muito que preenche o território de que se revelam as sombras projectadas do poeta. As brumas amigas. As camadas de encobrimento. Aguadas como poalha em dias de chuva. Coloquei-as para não ter a pretensão de as retirar. Janelas sobre o espaço. Entreabertas e obstruídas levemente de leves cortinas. Portas que não levam ao conhecido. Cuidadosas a mais por detrás de biombos. Como filtros. Como roupas entre o corpo e a casa. Pessanha, o quadro sobre um tempo invisível que não atinjo mas tapo. Os quadros vivos atrás do quadro. E indecisa digo também o contrário, como da vida me chegam sempre ecos. Porque há de a vida abalroar-me sempre nesta estranha convivência de contrários. Recomeçando. Como distinguir-lhe um silêncio de secreta abertura, de um silêncio de discreto encerramento. E depois, trocar os adjectivos. Porque me fugiu sempre a invejável harmonia das certezas, para este olhar polifónico que me traz num carrocel. Mas ele ali, parado, que pensaria? Quando naqueles dias de alma difusa e sem ideias que transpareçam por detrás desta cortina, deixo que sejam os pequenos bichos devoradores a agitar-se na folha. Cada um na certeza de existir e produzir sombra. Sem cardume possível se bem que partilhando águas. Sigo-lhe as sombras. Os objectos a representar a vida e a cobrir esta de obstáculos ao vazio. Intrigante colecionismo, o de objectos inúteis e crivados de imagens. Duas camadas de máscaras sobre o interior. De um pote, um vaso, um jarrão sem flores. Vivas. Vazio. Como na poesia, que dele revela uma leve e musical arquitectura da dor. De que parte, que recobre, e onde regressa como ao grito necessário. Medido e emendado. No entanto. E recoberto de símbolos ou diluído neles. O grito da dor. Da que é início e decidida sentido e fim. Sento-me na sua frente todos os dias. Desmultiplicou-se em tempos, fragmentou-se, diluiu-se no fundo, como era para ser. Denso de cor e etéreo de transparência. Sento-me ali a olhar como, por um túnel paradoxal de linguagem a tentar igualar a vida, se juntam e justapõem os tempos, os lugares e as fases de ser, entre uma poética guiando a vida e, em sentido contrário, o recuo a uma retaguarda que foi teoria e definiu. E não salvou. Restos. Como células que descartamos todos os dias. Invisivelmente. Em cada passo, em cada gesto. Impressas do código genético. E partículas de água que se evolam e nos abandonam a uma secura de plantas. A ir. Naquele fio do tempo. Ou da navalha. Como restos são os mortais. Ou os restos imortais espalhados por uma eternidade de memória, nos quais, como um convite desfiado em cordas, se tenta ascender. Adivinhar caminho. Ou tão simplesmente, na música do poeta. Sem mais do que ouvir. E queria o olhar inquieto a viajar, de leste a oeste do quadro. De oriente a ocidente. Repletos de origem, confusos de final. Tantos dias e tão poucos ali me sentei na sua frente. Ele calado e eu. A tentar adivinhar a arquitectura daquele interior. Daquele exterior invasivo. A tentar não o expor nem o fechar. Com a emoção de um encontro. E um dia, encerro a última aresta daquele interior cruzado de monstros e enigmas que ficam. Deixo uma portada entreaberta e vou. Mas olho para trás todas as vezes que posso enquanto o meu olhar alcançar o quadro. O poeta. Despeço-me com saudade. Do encontro plano com a terceira dimensão escondida e escura atrás do quadro. Está frio. O tempo congelou. O homem morreu. A poesia não.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteEntrevista | Eugénio Novikoff Sales, artista plástico Um desajustado do mundo. Nascido e vivido entre culturas, foi definido como o pai de um novo estilo de pintura, o da lusofonia. Eugénio Novikoff Sales mostra em cada quadro “a mancha negra africana”, com paciência da China e sem o apoio da terra que o viu nascer. Os seus quadros estão expostos no Albergue SCM até 3 de Setembro [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]ilho de pai português e mãe russa, nasceu em Macau e cresceu em Moçambique. Como é que se juntam estes mundos tão diferentes? Só recentemente é que consegui, digamos, integrar-me comigo. Senti-me sempre diferente das outras pessoas. Por exemplo, quando estive no liceu em Macau, não me dava com os colegas chineses que estavam a aprender português. Não me identificava. Por outro lado, também não me identificava com os portugueses e não entendia as conversas. Não por causa da língua, mas pelo que diziam: falavam muito de compras e coisas novas, o que não me interessava. Tinha chegado de Portugal, onde também não me dei bem. Antes, tinha estado em África. Foi onde me senti melhor. Apesar de não me relacionar com a população portuguesa, acabei por ter outro tipo de amigos. Eram das tribos que havia em Nampula. Lembro-me que havia lá um jardim em que se fazia uma feira todos os domingos. Vinham pessoas das comunidades pequenas ali à volta e traziam os filhos. Traziam estátuas de pau-preto também, e vinham vestidas com as capulanas e aquelas cores todas. Tudo isso me marcou e era com estas crianças que brincava. Agora já percebi que o tempo dilui as coisas e já lido melhor com o desajustamento e mesmo comigo. É considerado o pai de um novo estilo artístico, o da lusofonia. Como é que aconteceu? Sempre gostei de pintar e de fazer desenhos. Quando andava no liceu de Macau já gostava de rabiscar nas paredes. Tive um professor que apareceu na sala uma vez para me fazer uma pergunta. Tinha visto uns desenhos e perguntou-me se eram meus. Disse que sim, e perguntou-me se tinha mais quadros. Respondi também que sim. Foi vê-los. Passados uns dias disseram-me que o antigo Museu Luís de Camões iria ter uma exposição de pintura e fui convidado a participar. Foi quando tive a minha primeira exposição oficial. Mas desde essa altura que quem via os meus quadros não os conseguia integrar em nenhum estilo específico. Aquela exposição acabou por ir para Hong Kong. As pessoas identificavam com facilidade os motivos africanos nas minhas pinturas, mas não sabiam dar-lhes um nome. Não era cubismo nem expressionismo, nem nada. A definição aconteceu quando tive a minha exposição na residência do cônsul e me foi dado o “título” de pai da arte da lusofonia na China. Mas se me perguntar o que é, também não sei dizer ao certo. Há, por exemplo, dois países com os quais não tenho ligação. São o Brasil e Timor Leste, e que também fazem parte do mundo lusófono. Em que é que África se expressa na sua pintura? Em Moçambique marcaram-me muito as cores e os movimentos. Mas foi essencialmente a cor preta. É uma cor difícil de se manejar. Mas penso que é aqui que entra o que está dentro de nós e, neste caso, tem sempre uma ligação com a selva. E como é que entra Macau nesta lusofonia? Através do papel de arroz que agora é um dos meios que utiliza? Quando há exposições em Macau, há jantares no final em que os anfitriões colocam à disposição dos pintores folhas de papel de arroz e tinta-da-china. A primeira vez que peguei neste papel não achei fácil de manejar com aquela tinta porque espalha-se com muita facilidade. Mas lá ia tentando, resolvi fazer uns estudos neste material com acrílico e achei que funcionava bem. Desta forma podia também usar cores, as minhas cores mais puras. Nos meus desenhos não há remendos. Acho ainda que a China também se expressa no meu trabalho através da paciência que tenho de ter para fazer os meus traços. É como se fossem fios de uma renda, calculada e espontânea. Esta é a minha parte chinesa. Sei que gosta da arte feita no Oriente, mas que também considera que lhe falta qualquer coisa. Os artistas chineses têm uma técnica muito boa, mas falta-lhes, por vezes, cor. Não estudei arte, não estudei a técnica, mas também pinto e sou reconhecido. Sou reconhecido pela China, por exemplo. O que lhes falta é aquilo a que chamo de “mancha negra de África”. É um termo meu para descrever aquilo que não sei de outra forma. Penso que pintores internacionais como o Picasso ou o Matisse tinham esta “mancha negra”, estava dentro deles. É uma coisa que não se aprende e não é relacionada com a cor. A “mancha negra” é a alma de uma pintura. Li numa entrevista que deu que, na sua opinião, devia existir um sistema em Macau para proteger os artistas. O que queria dizer? Penso que, em Macau, a escolha dos artistas que devem ser projectados e reconhecidos está a ser manipulada dentro dos círculos em que se inserem. Deveria existir um departamento, sem interesses, para organizar uma base de dados de todos os artistas locais e do seu género de pintura. Aqui não há uma forma de identificar os artistas. Aqui nenhum artista é conhecido pelo seu estilo, enquanto no estrangeiro é o estilo que adopta ou que cria que marca um artista. Macau deveria ser a plataforma da lusofonia, é uma coisa nova e poderia influenciar a China, que está cada vez mais aberta ao Ocidente e às suas influências. Por outro lado, as associações têm uma espécie de monopólio dos artistas. Para se conseguir fazer alguma coisa neste sector temos de fazer parte de uma associação. São as associações que promovem os seus artistas e acaba por se tratar sempre de um ciclo fechado. Deveria ser criado um departamento para dirigir uma secção de apoio aos pintores locais, e Carlos Marreiros é um homem carismático, capaz de dirigir uma tarefa deste tipo. O que acha da criação artística do território? Em 1980, António Conceição Júnior organizou uma exposição dos artistas de Macau. Mais tarde apareceu o Círculo dos Amigos da Cultura com o Carlos Marreiros. Mas, depois disso, vários artistas saíram desse círculo e começaram a criar as suas próprias associações. Foi o descontrolo. As associações queriam artistas que pertenciam a outras. Estavam também presentes criadores que tinham vindo do Continente e que queriam fazer a sua própria associação. Em Macau, temos muitos artistas, mas derivam todos do mesmo grupo. O que se passa agora é que qualquer associação, para ter o seu apoio, ensina artes aos seus alunos. Quando fazem uma exposição até o nome diz: “Artista x vai fazer a exposição com os seus alunos”. Estas iniciativas têm o apoio do Governo mas são, na sua maioria, entidades que não projectam o nome de Macau para o exterior, porque não aparecem com trabalhos novos. Os professores também não querem que os alunos sejam melhores do que eles ou que tenham mais sucesso. O Governo deveria dar mais importância aos artistas que projectam a imagem do território no exterior, aos artistas internacionais. No meu caso, quando comecei a pintar, não era para ser famoso. Mas Macau está a fazer artistas para a posteridade e isto é feito dentro de um círculo fechado. Entretanto, há artistas que estão a ficar completamente esquecidos e que têm valor. Tem sido fácil para si ser artista aqui? Neste momento estou numa fase de alguma crise. Não vendo os meus quadros abaixo de determinado preço. Não posso fazer isso e prefiro não vender do que desvalorizar o meu trabalho. Como sou também o pioneiro do estilo da lusofonia, acho que os meus quadros têm de ter valores altos. Posso oferecer, mas não vendo as minhas obras se não for pelo valor que acho justo. Mas tem sobrevivido com a pintura? Vive de quê? Vivo de patrocinadores. Quando tenho de me deslocar para exposições, são os patrocinadores que tenho que me facultam o dinheiro. Dão-me um valor e eu faço a gestão desse dinheiro. Aqui também não há um mercado de arte. Não há leilões. O meu estilo de pintura é um marco e como tal tem um preço. Por outro lado, nunca tive apoios do Governo. Nunca fui apoiado pela Fundação Macau e já tenho três exposições internacionais. Mas penso que virá o dia em que os meus quadros vão ser reconhecidos aqui. Está zangado com Macau? Não é com o Governo em si que estou zangado. Mas há figuras negras em Macau que têm sempre uma palavra a dizer em quem é que deve ter apoios. É isso que me incomoda.
Isabel Castro EventosPortugal | Exposição de Sofia Bobone é hoje inaugurada A artista plástica Sofia Bobone inaugura hoje a sua primeira exposição de pintura em Portugal. Por convite da Câmara Municipal de Odivelas, estão expostos mais de 30 quadros. São mulheres, animais e pinturas abstractas numa abordagem múltipla da obra da artista [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o início, não era a pintura. Mas passou (também) a ser porque houve mais tempo, houve tempo para aprender. Sofia Bobone, designer, expôs há um par de anos em Macau os seus primeiros quadros e houve quem tivesse achado que a obra deveria ser levada até Portugal. O convite partiu da Câmara Municipal de Odivelas e o trabalho de sete meses, feito a pensar nesta exposição, pode ser visto a partir de hoje. O desafio que lhe foi colocado, diz Sofia Bobone, teve o condão de a obrigar “a trabalhar muito”. A grande maioria das telas que levou para Portugal foi feita a pensar em “O Corpo e a Cor”, nome escolhido para a mostra. Entre os 33 quadros, apenas dois tinham sido já expostos. Os quadros dividem-se em três partes. “Foi-me pedido que trouxesse várias coisas. Como é a primeira vez que exponho em Portugal, seria melhor mostrar a variedade do que tenho feito”, explica. Assim, podem ser observados quadros sobre a figura feminina, outros sobre animais – veados e cavalos – e trabalhos abstractos. “Não tenho um estilo em que só faça uma coisa”, justifica a pintora. “Comecei há pouco tempo e estou a aprender, a explorar técnicas e estilos novos, e tenho estado sempre a variar.” Há, no entanto, uma linha transversal a esta variedade: a cor. “É muito à base de cor. Todos os quadros têm cores vivas”, aponta. “Por exemplo, nos quadros com figuras femininas e nos dos animais exploro como a cor se reflecte. As mulheres são, na sua maioria, azuis, mas não são quadros abstractos, são completamente figurativos. Percebem-se as formas todas e como a cor pode incidir nelas.” Para ficar Apesar de continuar a fazer trabalho como designer gráfica e também como designer de jóias, Sofia Bobone tem dedicado mais tempo à pintura, “um desafio enorme” que a deixa “muito contente”. As telas e os pincéis surgiram numa altura em que ficou sem trabalho e, por isso, com o tempo que ainda não tinha conseguido para se dedicar a um projecto antigo. Mas foi preciso ultrapassar outra barreira. “A pintura sempre foi algo que quis muito fazer, mas tinha medo de falhar, de não conseguir e de não fazer bem. Depois perdi o medo. Não sei se é da idade”, diz. “Pensei em experimentar e comecei a ter aulas com [o artista plástico] Lao Sio Kit. Ele encorajou-me muito e disse-me que tinha potencial. Fez-me acreditar e, a partir daí, continuei.” Sofia Bobone continua a frequentar o ateliê livre dado por Madalena Fonseca. O trabalho de design não ficou para trás: é uma actividade a que se dedica a tempo parcial. “Dá para poder continuar a pintar. Como sou eu que faço a gestão do meu tempo, posso fazer as três coisas: design gráfico, de jóias e pintura.” Concentrada agora na exposição de Portugal, Sofia Bobone não tem planos concretos para novos projectos em Macau. Mas deixa, desde já, uma garantia. “Quero continuar a pintar e, mesmo sem ter uma exposição à vista, vou continuar a desenvolver trabalho. Tenho de me mexer porque isto de ser artista é bonito, mas as pessoas têm de ir à procura de sítios para expor e encontrar pessoas para mostrar o seu trabalho.” O plano da artista passa por aqui. A pintura chegou para ficar.
Hoje Macau EventosPintura | Os sentidos de Denis Murrell [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] inaugurada na próxima segunda-feira uma exposição de Denis Murrell. “Para Baixo e Para Cima” está integrada no Projecto de Promoção de Artistas de Macau, uma organização da Fundação Macau (FM) que conta com a colaboração da Fundação Rui Cunha. Em comunicado, a FM explica que a mostra reúne mais de 30 obras de Denis Murrell. Na cerimónia de inauguração será lançada uma publicação com o mesmo título da exposição. Denis Murrell nasceu em Upper Ferntree Gully, nos arredores de Melbourne, na Austrália, em 1947. Vive em Macau desde 1989. Antes de se mudar para o território, foi durante 14 anos professor de inglês na Papua Nova Guiné e na Austrália. Em 1995, o artista ganhou o 1.º Prémio de Pintura Ocidental na II Bienal de Arte de Macau. No ano seguinte, a sua obra “Ambos” ganhou o primeiro prémio na categoria de pintura de expressão ocidental na XIII da Exposição Colectiva dos Artistas de Macau. Em 2000, a sua pintura “Fantasia Lunar” ganhou uma medalha de bronze no Concurso de Arte Asiática do Século XX Forte Cup, em Washington. Em 2006, Denis foi seleccionado pela empresa Liquitex como Artista do Mês, tendo sido apresentado no seu website. Em 2012, o Museu de Arte de Macau realizou uma exposição que contou, entre outras peças, com mais de 20 trabalhos que Denis Murrell doara ao longo dos anos ao museu. Considerando-se há muito um artista de Macau, sempre activo, o pintor tem participado em muitas exposições, tanto no território, como no estrangeiro. “Nos últimos anos tem-se dedicado ao ensino, transmitindo aos seus alunos as técnicas do seu estilo particular, que faz uso do acrílico, aguarelas e tinta-da-china, em toda a espécie de papel absorvente”, descreve a FM. A inauguração está marcada para as 18h30, na Galeria da Fundação Rui Cunha. A exposição estará patente até ao próximo dia 26. A entrada é gratuita.
Sofia Margarida Mota EventosNatália Gromicho, artista plástica: “Macau foi um sonho realizado” Depois de ter estado em Macau no ano passado, para uma exposição exclusivamente produzida com pinturas ao vivo inspiradas na Ásia, Natália Gromicho avança agora para o lançamento do seu primeiro livro. “Do Ocidente para o Oriente” é uma representação, na linguagem da artista, dos sítios por onde passou. O livro é apresentado a 25 de Maio em Lisboa O lançamento da obra “Do Ocidente para o Oriente” resulta de uma série de exposições que, por seu turno, deram origem a uma apresentação global no Museu do Oriente em Lisboa. Como surgiu a ideia de fazer este livro? O livro surge como um passo quase natural na sequência de um trabalho realizado ao longo de vários anos. As obras reúnem todas a influência oriental em que me inspirei na Índia, em Singapura, em Timor-Leste e no último destino por onde passei, Macau. Foi um conjunto de trabalhos cuidadosamente preparados e seleccionados, inicialmente para integrar a exposição do Museu do Oriente de Lisboa. Com o resultado conseguido, pensei que seria um trabalho merecedor de ser mostrado ao público através de um outro meio. Para isso, optei por um formato que nunca tinha utilizado antes, o do livro. O que vamos ver nesta edição? Tratando-se de uma primeira edição em livro, espero que consiga retratar, através da minha linguagem, algumas das obras que, penso, foram de maior relevo dentro do percurso a que chamo do Ocidente para o Oriente. É uma selecção criteriosa dentro do material que foi exposto. O que conta “Do Ocidente ao Oriente”? De que “viagens” fala ou que “viagens” quer contar? A minha ideia é que o leitor percorra as várias fases e influências que senti ao longo das viagens que fiz e experiências por que passei durante cerca de quatro anos. A distância que separa o Oriente do Ocidente foi a base de todo este projecto. É lá, longe, que se encontra uma cultura que considero extremamente vasta e muito rica. Tentei abordar aquilo que, para mim, fazia mais sentido e que me era mais querido. Do que mais admiro no Oriente e mais me tocou foi a noção de disciplina, o vestuário usado e a arquitectura também tão diversa. Espero que, de alguma forma, tenha conseguido homenagear de forma correcta algumas características destes povos que me serviram de inspiração. Mas tudo começa em Nova Deli, com o primeiro contacto a Oriente. “Humanidade” foi o nome da exposição onde apresentei obras já inspiradas em ambientes, monumentos e na própria cultura indiana. A ideia era já dar a minha interpretação do que senti. Depois veio Singapura. Penso que podemos considerar que Singapura representa a grande mudança da minha expressão plástica. Na prática, o que aconteceu foi o abolimento do traço e a incursão num expressionismo abstracto profundo. O objectivo é também levar o espectador a criar a sua própria linha de pensamento. Desta passagem em Singapura nasceram algumas das obras que considero mais icónicas e de maior relevo dentro do meu espólio. Penso que o contacto com aquela arquitectura teve também um papel fundamental e sinto-o como marcante. Os edifícios emergiam. Depois temos Timor Leste. É ainda uma presença constante no meu processo criativo, um lugar onde encontrei um povo extremamente inteligente e sensível. Pintar em Timor foi um grande desafio, principalmente para conseguir explicar o que me leva a pintar desta forma. Ali a pintura abstracta é uma forma de arte que os timorenses não contemplam. Macau é o marco de uma nova era, é o regresso à cor e à minha “Nova Linguagem Pictórica”. Foi em Macau que escolhi a produção em grande formato que até agora utilizo de forma permanente. É uma alteração radical da forma de comunicar com o público que se mantém. Macau foi um sonho realizado. Mas não fica por aí, além da minha grande admiração por Macau, que sentia já há muito, antes mesmo de ter tido oportunidade de cá estar. A exposição “Nova Linguagem Pictórica” representa também um novo início para mim: marca o começo de uma nova fase minha e da minha pintura. Por outro lado, coincidiu com uma data assinalável: os 20 anos de carreira. Juntando tudo, o livro pareceu-me uma boa forma para dar destaque a todo um conjunto de situações de relevo para mim. Começa com a obra “Lusíadas” e termina com “Torre de Macau”. Os “Lusíadas” é a minha homenagem a Luís Vaz de Camões, pai da língua portuguesa. Em que critérios se baseou para chegar à selecção final? Foram trabalhos cuidadosamente seleccionados de entre os trabalhos produzidos no período de 2012 a 2016. São “expressões” das minhas influências orientais. Tive em atenção que fosse uma abordagem global, desde trabalhos que foram exibidos em Nova Deli e em Singapura. Tive ainda em atenção o que produzi in loco, com as pinturas ao vivo que fiz em Díli ou aquando da minha passagem por Macau. Depois, e no Ocidente, está sempre Lisboa, a minha cidade. O que espera que o público veja neste livro? Espero que o público tenha contacto com a minha obra, com a minha linguagem, e que percorra o caminho que preparei para que o leitor sinta na pintura algumas das experiências que eu vivi, não só a Oriente, como a Ocidente.
Hoje Macau EventosAlbergue | Dez anos de desenhos de Daniel Vicente Flores [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s desenhos de Daniel Vicente Flores vão estar em exposição a partir do dia 19 no Albergue SCM. “Desenhos 2006-2016” é um conjunto de 33 obras a tinta-da-china “onde o artista explora o traço carregado de ângulos e variações representando a mancha de forma figurativa e abstracta, e onde se encontram por vezes apontamentos de cor”, lê-se em comunicado de imprensa. De acordo com a organização, a mostra representa um imaginário íntimo em tom provocatório, onde o significante e o mundo identitário do artista se confundem. “Os meus desenhos não são estudos de sombra e luz a partir da observação, mas da luz e da cor em si, que formam o desenho relacionado com o mundo exterior apenas simbolicamente”, refere o artista. Daniel Flores nasceu em Macau em 1989 e aqui viveu até 1999. O interesse pelo desenho enquanto expressão vem desde muito jovem, sendo que a literatura e a poesia surgem mais tarde. A residir em Lisboa, concluiu o ensino secundário na Escola António Arroio, na componente de Encenação. Frequentou a Faculdade de Belas Artes de Lisboa (Artes Multimédia) e a Escola de Jazz do Hot Club Portugal. Prossegue, em simultâneo, com todas as suas actividades artísticas: desenho, literatura e música. Daniel Vicente Flores não deixou, no entanto, de visitar Macau com frequência e “Desenhos 2006-2016” é um marco “natural na terra natal”. No mesmo dia, é lançado o Livro “Impressões” com desenhos e poemas do artista, com a chancela da editora Livros do Oriente.
Sofia Margarida Mota EventosAFA | Aguarelas de Cai Guo Jie expostas a partir de hoje São paisagens locais vistas com olhos de pássaro. A proposta é de Cai Guo Jié que adoptou Macau como casa e a quer mostrar a todos. A exposição é uma organização da Art for All Society e está patente até 23 de Abril no Art Garden [dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap]verlook the Macau City” é a exposição de Cai Guo Jie que está, a partir de hoje, aberta aos visitantes no Macau Art Garden. A iniciativa promovida pela Art for All (AFA) traz uma série de 14 aguarelas que representam alguns dos espaços mais emblemáticos da cidade, produzidos pelo artista. A escolha da técnica, disse o autor ao HM, tem a ver com motivos históricos e culturais. “Antigamente, a aguarela era utilizada na cerâmica que, antes de ser levada para cozedura, era pintada com esta técnica”, explicou. A aplicação é realizada na pintura de espaços como Mong Ha, o Porto Interior, as Ruínas de São Paulo, a Igreja de São Lourenço e o Alto de Coloane. O objectivo é dar um panorama geral do território. “É um retrato dos lugares por onde passo todos os dias e que fazem parte da cidade”, disse. Depois de várias exposições com passagens por Pequim, a mostra que hoje inaugura representa ainda uma mudança na perspectiva do artista. As paisagens agora elevadas a um plano superior do olhar, pretendem mostrar os lugares comuns de residentes e visitantes quando passeiam pela cidade. “Na pintura `Camões Olhando para o Leste´, o espectador parece ter sido levantado no ar e colocado num ponto mais alto, o horizonte também se levanta e a maior dimensão é ampliada à utilização de uma folha de aguarela completa”. Cai Guo Jie, natural de Taiwan veio para Macau à cerca de cinco anos. “Era o local onde tinha o coração”, disse ao HM. Ao longo da carreira, passou por várias fases e, se num momento inicial tinha como meta a adaptação e técnicas ocidentais a motivos do oriente, com o tempo o objectivo também se transformou: “tornou-se fundamental dar mais relevo às técnicas locais”. “Prefiro exportar a cultura a importar o que vem de fora e, quando me senti preparado, decidi produzir uma série de trabalhos sobre Macau”, recordou. Liberdade local Vindo de fora e com os olhos postos nos jovens criadores, Cai não tem dúvidas de que, em Macau, a liberdade é um marco na criação artística capaz de levar ao sucesso. Em contraponto está a realidade de Taiwan. “A maioria dos alunos de arte de Taiwan estudam muito mas o objectivo não passa de tentarem passar nos exames. Os estudantes de Macau são diferentes: “são muitos os que se dedicam à arte por sentirem um verdadeiro interesse e gosto por ela e, como tal, trabalham muito para conseguirem fazer o que gostam”, apontou Cai. Por outro lado, a diferença pode estar na formação, até porque “os professores de Taiwan não consideram a questão da carreira. Como tal, aquando de dificuldades, os estudantes acabam por optar por outras carreiras. “Já aqui, e baseado na minha experiência no Instituto Politécnico de Macau, sinto que as escolas estão mais empenhadas em ajudar os artistas no encontro de um caminho profissional”. É a autonomia que sente na vida artística de Macau que dá a Cai Guo Jie confiança para ficar e trabalhar no território. “Aqui, há liberdade e possibilidade de cada um de nós desenvolvermos as nossas características”, concluiu o artista.
João Luz EventosAndré Lui, artista plástico: “A história é a minha inspiração” Depois de largos anos na Europa, apesar de vir com frequência a Macau, o artista plástico e arquitecto André Lui redescobriu a velha cidade e transformou-a em arte. Um exemplo de como uma abordagem contemporânea se pode inspirar no passado [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois de passar a década de 1990 em Portugal, André Lui regressou a Macau, para partir, de novo, para uma temporada de três anos em França. Durante a fase portuguesa, o artista raramente regressava à urbe banhada pela foz do Rio das Pérolas. Mas sempre que o fazia encontrava uma cidade diferente, com grandes mudanças, a crescer para cima. Ainda assim, nada que se compare “com a mudança gigante dos últimos dez anos”. Quando estudava no liceu gostava de pegar nos materiais e de ir pintar para o meio da rua, dava-lhe gozo retratar velhos prédios degradados. Esse exercício abriu-lhe duas portas: a porta da expressão artística que nasce da história, e a porta da própria arquitectura, que estudou na Universidade Técnica de Lisboa. “Normalmente, a cultura e o passado dos sítios são uma grande inspiração para mim, os antepassados dos edifícios da cidade chamam-me muito a atenção”, revela o arquitecto. É nesta fantasmagoria urbana que nasce a inspiração de André Lui. O artista reflecte na sua arte locais de Macau como o Jardim Lou Lim Ioc, o centro histórico e a zona de Nam Van. Aliás, estas zonas são o cerne da exposição “Impressão de Macau”, patente na S2 da galeria junto ao Lago Nam Van, ao abrigo do Anim’Arte, e que conta com mais de 20 obras do artista local. Redescobrir a velha China O Jardim Lou Lim Ioc foi um caso interessante na vida de André. Depois das longas temporadas passadas na Europa, o arquitecto regressou a casa sedento da antiga Macau. “Quando voltei, tive uma vontade muito grande de redescobrir a velha cultura chinesa tradicional, que está espalhada pela cidade ainda hoje.” Nessa altura, a passagem pelo Velho Continente ainda o marcava bastante, em particular no que toca às cores usadas pela pintura francesa do século XIX. “Gosto muito do impressionismo, assim como do pós-impressionismo, e as pinturas do Jardim Lou Lim Ieoc foram muito influenciadas por esse movimento artístico, mesmo ao nível das cores com que trabalhei”, confessa. Apesar de se inspirar muito no passado arquitectónico, André Lui também se deixa influenciar pela vida quotidiana de quem mora em Macau. Em particular, com o crescimento que a cidade sentiu nos últimos dez anos. Com o desenvolvimento cresceram os problemas, à medida que o espaço para habitar e circular diminuíram. “Como sou arquitecto, também me interessa a vivência contemporânea dos cidadãos”, conta. Como tal, pegando na sensação de claustrofobia que o progresso trouxe ao território, o artista montou uma instalação que procurou retratar a falta de espaço que Macau tem para oferecer aos seus habitantes. André é um artista multifacetado, trabalha também com fotografia, videografia, assim como pintura e instalação. Não consegue escolher um meio predilecto, mas comenta que a instalação lhe “oferece mais possibilidades, é mais versátil”. Dessa forma pode usar um leque variado de técnicas e materiais, baseando-se no carácter tridimensional das obras. Porém, os desenhos ou pinturas são elementos mais fáceis de controlar. Se uma expressão artística privilegia o espaço, a outra trabalha mais à superfície, num plano bidimensional. Para André, mesmo ao nível da inspiração, “uma pintura é mais fácil de trabalhar, porque está mais ligada às emoções pessoais”. Outra razão pela qual não faz tantas instalações prende-se com a relação que a obra tem com o espaço onde está exposta, e essa é a razão pela qual tem menos oportunidades de expor este meio em Macau. Mergulho na Praia Grande Quando desenha, ou pinta, André Lui é muito frequentemente capturado pelas questões do património e história da cidade. Uma das zonas que mais o fascina é, também, a mais retratada de Macau: a Praia Grande. Hoje em dia, é um zona de beira lago, mas o passado do que era o Lago Nam Van é desconhecido para grande parte da população mais nova. André desenhou a zona como era antigamente, com base em antigas gravuras de pintores como George Chinnery, e até chegou a dar umas pequenas aulas de história sobre a zona. “Mostrei imagens antigas da Praia Grande aos alunos e a verdade é que a maioria não imaginava o passado da zona”, releva. Ao longo do século XIX, a Praia Grande era o centro social e financeiro de Macau. Com uma ampla avenida estendida à beira-mar, ao longo da baía, polvilhada por casas luxuosas ligadas a negócios europeus. Era uma espécie de hub de comércio internacional. “A história desta zona é a que mais me puxa a atenção em toda a cidade”, revela. Era uma parte de Macau muito vibrante, com mercadores e pescadores a viverem lado a lado, e uma coabitação harmoniosa entre as culturas orientais e ocidentais. Era a parte da cidade mais emblemática, que a melhor representava, o seu indiscutível cartão de visita. Daí ter sido imortalizada nas pinturas de George Chinnery e de outros pintores que passaram para a tela a curvatura da baía. Na exposição patente no Largo Nam Van, o artista conta a história do local, assim como a evolução ocorrida ao longo dos anos. “Na Praia Grande podemos ver a grande mudança que ocorreu na imagem da cidade”, explica. Essa evolução de património e paisagem inspiraram-no. “Na série de desenhos que fiz da zona, tentei fazer uma comparação entre a imagem da cidade actual e o aspecto que tinha no século XIX”, acrescenta André. O fascínio por esta parte da cidade mantém-se muito além da inspiração artística. Quando tem tempo, André Lui gosta de dar umas voltas pela zona que fica a sul e que se estende pela Rua da Praia do Bom Parto. “Ainda tem a mesma atmosfera que tinha nos anos 80 e 90.” Além de conter ainda intacta grande parte do que foi a zona nobre da Macau antiga, é uma zona óptima para passear, ou dar uma corrida aproveitando a sombra das árvores.
João Luz EventosPintura | Inaugurada amanhã a exposição de Manuela Martins [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om uma vida recheada, Manuela Martins foi professora de meia Macau, viveu em Moçambique, constituiu família, mas apesar das trocas de continente teve sempre uma constante na sua vida: a pintura. Já com idade avançada, 84 anos, e com problemas de saúde, não pudemos chegar à fala com a pintora. Como tal, falámos com um dos seus filhos, Rui Calçada Bastos, artista plástico, que organizou a exposição. O público poderá ver uma selecção de peças que a artista tinha em casa, desde quadros de 2009 até mais recentes “da última vez que esteve cá, mas sempre muito direccionadas para temas relacionados com Macau”, explica o filho. Entre os quadros escolhidos há retrato do emblemático Padre Teixeira, o que vem de encontro ao modo de pintar de Manuela Martins, retratar aquilo que vê pelos sítios por onde vai passando, daí o nome da exposição: Observações. Quem se deslocar à Casa Garden poderá ver entre 25 a 28 telas, no habitual óleo que caracteriza a carreira da pintora. Enquanto deu aulas em Macau, Manuela foi expondo com regularidade, todos anos havia sempre algo a apresentar. Mesmo hoje, com 84 anos, continua com uma produção considerável. “Isso já vai muito além dos conceitos, se é arte contemporânea, ou não, já não interessa muito, acho que é mais a demonstração de acreditar na pintura e de manter uma enorme curiosidade no olhar”, comenta o artista plástico. Traço de uma geração Com uma formação muito académica como artista, fiel ao óleo sobre tela e às representações figurativas, Manuela Martins faz parte da geração que estudou nas Belas Artes nos anos 50. Colega de artistas conceituados como Lourdes Castro e José Escada, Manuela trilhou um caminho diferente, não inteiramente dedicado às artes. “O que aconteceu com a minha mãe foi ter mudado de vida várias vezes, foi viver para Moçambique, apaixonou-se, teve filhos, tudo rumos complicados para uma carreira artística”, explica o filho. Ao contrário dos seus colegas que investiram a sério numa carreira, Manuela seguiu a vida “normal” de uma mulher. Para Rui Calçada Bastos, a mãe poderia ter chegado a outro patamar de visibilidade, se tivesse apostado apenas na pintura. No entanto, a vida deu-lhe experiência que se reflecte na sua arte. “Sempre foi honesta consigo própria, pintando aquilo que via”, explica o filho, e organizador da exposição, acrescentando ainda que acha que a mãe deixa um legado genial, porque tem “pinturas dos costumes africanos dos anos 50/60, e depois a visão que ela teve de Macau”. “A minha mãe foi o trigger disto tudo, eu cresci a vê-la pintar”, conta o artista plástico. Dos quatro filhos que Manuela teve, Rui foi o que decidiu também abraçar as artes. Foi pelo pincel da mãe que percebeu “que há coisas no mundo externo que não estão lá ao primeiro olhar, essa curiosidade foi ela que me imprimiu”, explica. Certamente que Rui não será a único a ser inspirado por uma figura incontornável desta cidade, de alguém que transformou a sua visão de Macau em arte.
Michel Reis h | Artes, Letras e IdeiasBotticelli reimaginado no Victoria and Albert Museum [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]extraordinária visão artística de Alessandro di Mariano di Vanni Filipepi, muito melhor conhecido como Sandro Boticelli, foi injustamente negligenciada durante três séculos antes de ser redescoberta no séc. XIX. Desde aí, o pintor italiano tem sido considerado um dos artistas mais importantes de hoje, cuja imagética do séc. XV ditou os padrões das interpretações da beleza clássica e penetrou em todas as esferas da vida contemporânea. Como tal, influenciou e inspirou um grande número de artistas e designers, que responderam ao notável legado eterno do artista, reimaginando Boticelli. Mais de 50 obras originais de Boticelli, e cerca de 100 criadas por talentos ao longo de 500 anos estão agora em exibição no Museu Victoria and Albert em Londres, numa exposição que representa uma homenagem incrível em todos os sentidos da palavra. Botticelli Reimagined (Boticelli Reimaginado), a maior exposição do artista no Reino Unido desde 1930, visa demonstrar como a sua imagética icónica penetrou e se fixou permanentemente na memória colectiva da sociedade e nos seus aspectos visuais. Mostra a arte de Boticelli como um fenómeno de design que se tornou parte integrante de tantas obras de arte desde a sua morte em 1510. Artistas como Dante Gabriel Rossetti, Edward Burne-Jones, William Morris, René Magritte, Elsa Schiaparelli, Andy Warhol e Cindy Sherman exibem a suas próprias reinterpretações da Renascença de Boticelli, acrescentando-lhe o reflexo dos tempos em que foram criadas, através de obras de pintura, moda, cinema, desenho, fotografia, tapeçaria, escultura e gravura. A exposição esta dividida em três secções principais: “Gobal, Moderno, Contemporâneo”, que mostra como a imagística de Boticelli alcançou o nível actual de aclamação, é dominada por umas das obras mais famosas de Boticelli, O Nascimento de Vénus (de meados da década de 1480). A famosa imagem de uma Vénus emergindo de uma concha à beira mar (que não pode deixar a sua exibição permanente na Galeria Uffizi em Florença), tem sido revisitada e reimaginada por uma série de artistas contemporâneos, como David LaChapelle, em Renascimento de Vénus (2009), na qual aplicou a sua imagem de marca, a saturação e a superficialidade, ou Rineke Dijkstra e os seus Beach Portraits de 1992. Detalhes de Pinturas da Renascença (Sandro Boticelli, Nascimento de Vénus, 1482) (1984) de Andy Warhol acomoda o rosto e o cabelo solto do ícone de Boticelli no seu estilo liso e palete ousada, enquanto Vénus Segundo Boticelli (2008) de Yin Xin reinterpreta Vénus com uma aparência chinesa. A influência de Boticelli no cinema inclui a sequência de Ursula Andress a emergir do mar abraçada a uma concha no filme “Dr. No” (1962) e um excerto do filme “As Aventuras do Barão Munchausen” (1988) no qual Uma Thurman reconstitui O Nascimento de Vénus. Funcionando como os enormes frescos que estudou em Itália, Going Forth by Day de Bill Viola é um ciclo de imagens digitais inspirado nas invenções de Boticelli. Esta secção, entre outras obras, inclui ainda a obra trompe l’oeil de Tamara de Lempicka Painting with Boticelli (1946) que apresenta o pintor com o a chave para a arte, assim como obras chave de Robert Rauschenberg, René Magritte and Maurice Denis. Na secção “Redescoberta”, podem ver-se uma selecção de obras de arte criadas por Edgar Degas, Gustace Moreauand e John Ruskin, entre outros, que traçam o impacto da arte de Boticelli no círculo pré-Rafaelita em medos do séc. XIX. Dante Gabriel Rossetti, John Ruskin e Edward Burne-Jones, todos coleccionaram obras de Boticelli. E a sua estética foi reinterpretada em La Ghirlandata (1873) de Rossetti e em The Mill: Girls Dancing to Music by a River (1870-82) de Burne-Jones. A célebre Primavera do mestre florentino assombra esta secção, como é demonstrado por The Orchard (1890) de William Morris, uma tapeçaria que retrata senhoras medievais num cenário magnânimo, por Flora (1894) de Evelyn De Morgan, ilustrando uma ninfa de flores, e pelo único filme sobrevivente de Isadora Duncan a dançar. Cópias de O Nascimento de Vénus de Edgar Degas e Gustave Moreau (1859) assim como de Duas Mulheres a copiar o fresco de Botticelli de Vénus as Graças (1894) de Etienne Azambre, demonstram a popularidade de copiar a sua obra. A influência europeia de Boticelli é manifesta em pinturas importantes de Jean-Auguste-Dominique Ingres, Arnold Böcklin e Giulio Aristide Sartorio. Finalmente, “Boticelli no seu Próprio Tempo” mostra o artista tanto como um criador extremamente dotado como um designer de génio que dirigiu um atelier extremamente bem sucedido, incluindo a sua única pintura assinada e datada A Natividade Mística (1500), três retratos supostamente da beldade lendária Simonetta Vespucci, e a requintadamente detalhada Pallas e o Centauro (1482), que viaja para Londres pela primeira vez. Um número de variações sobre a temática da Virgem e do Menino em diferentes formatos ilustra a criatividade de Boticelli enquanto designer, enquanto um grupo espectacular do seu raro corpo gráfico, incluindo cinco dos seus desenhos da Divina Comédia de Dante, reflectem a sua técnica como desenhador. A mostra encerra com duas pinturas monumentais de corpo inteiro de Vénus, repetindo a heroína de O Nascimento de Vénus, e ainda o Retrato de Uma Senhora conhecido por Smeralda Bandinelli (c. 1470-5), do V&A, que pertenceu a Rossetti, restaurado especialmente para esta exposição, entre muitas outras obras. A exposição Botticelli Reimagined, em parceria com a Gemäldegalerie – Staatliche Museen zu Berlin e com o patrocínio da Société Générale, está patente no Victoria and Albert Museum em Londres, de 5 de Março a 3 de Julho de 2016.
Flora Fong Eventos ManchetePintura | Filipe Miguel das Dores é premiado em Inglaterra e recorda Luís Amorim Filipe Miguel das Dores, jovem pintor de Macau, ficou em segundo lugar num prémio atribuído pelo Royal Institute of Painters in Water Colours, no Reino Unido, com uma pintura da Livraria Portuguesa. Com outra obra – “The September after 18 years” – o jovem chamou a atenção para a morte de Luís Amorim [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]inta com aguarelas e está a fazer sucesso no Reino Unido. É assim o jovem Filipe Miguel das Dores, que participou pela segunda vez com duas obras na exposição anual do Royal Institute of Painters in Water Colours. De entre mais de duas mil obras provenientes de todo o mundo, a obra de Filipe Miguel das Dores, intitulada “Working Alone”, acabou por ficar em segundo lugar no “Leatherseller’s Award”. A obra premiada apresenta a Livraria Portuguesa como pano de fundo. “Numa noite escura, num canto do edifício, revelou-se um pouco de luz onde se trabalhou sozinho. Numa rua sem ninguém, mostrou-se um pouco dos traços pelos quais os humanos passaram”, descreveu o artista na sua página do Facebook. “É bastante difícil pintar a proporção de centenas de azulejos nas paredes do edifício com tanta precisão”, descreveu. Filipe Miguel das Dores “gosta muito” de mostrar a sua visão do mundo e do espaço através dos desenhos de edifícios. Nesta obra, o jovem levou mais de 300 horas para concluir sozinho a pintura em aguarelas, feita com papéis grossos pintados com múltiplas camadas. Ao HM, o artista explicou que estava muito nervoso antes da atribuição do prémio, porque já tinha ganho o “The John Purcell Paper Prize” o ano passado, com a obra “A noite de Mário”. “Muitos amigos pressionaram-me, de certa forma, porque já ganhei uma vez. Acho que tive a sorte de ganhar novamente, foi uma espécie de bónus para mim.” Filipe Miguel das Dores confessou que outra das surpresas foi ter artistas estrangeiros e o próprio público a observar a sua obra e a tecer comentários positivos. Lágrimas por Luís Outra obra de Filipe Miguel das Dores chama-se “The September after 18 years”. A pintura mostra a parte de baixo da ponte Governador Nobre de Carvalho e, ainda que não tenha ganho qualquer prémio, revela um outro sentido, referindo-se ao aniversário de Luís Amorim, jovem que apareceu morto em Macau. “Quantas lágrimas se podem esconder num céu escuro? Criei esta obra por causa do meu amigo Luís Amorim, que morreu em 2007. As autoridades de Macau defenderam que ele se suicidou e decidiram acabar com a investigação, mas os pais não acreditaram. Afinal a autópsia em Portugal revelou que o Luís morreu por ter sido espancado. Mas Macau não quis voltar a investigar o caso. Então nós passamos todos os dias naquele lugar como de costume, mas os pais dele perderam o mundo a partir daquele dia”, contou ao HM. A morte de Luís Amorim e a criação desta obra levou Filipe Miguel das Dores a participar em competições internacionais para que mais pessoas lá fora tenham conhecimento do caso. “Sendo cidadãos de Macau acreditamos que todos têm o direito de exigir uma nova investigação ao caso, para que voltemos a acreditar nos órgãos judiciais e numa sociedade de Direito”, rematou.