André Lui, artista plástico: “A história é a minha inspiração”

 

Depois de largos anos na Europa, apesar de vir com frequência a Macau, o artista plástico e arquitecto André Lui redescobriu a velha cidade e transformou-a em arte. Um exemplo de como uma abordagem contemporânea se pode inspirar no passado

 

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois de passar a década de 1990 em Portugal, André Lui regressou a Macau, para partir, de novo, para uma temporada de três anos em França. Durante a fase portuguesa, o artista raramente regressava à urbe banhada pela foz do Rio das Pérolas. Mas sempre que o fazia encontrava uma cidade diferente, com grandes mudanças, a crescer para cima. Ainda assim, nada que se compare “com a mudança gigante dos últimos dez anos”.

Quando estudava no liceu gostava de pegar nos materiais e de ir pintar para o meio da rua, dava-lhe gozo retratar velhos prédios degradados. Esse exercício abriu-lhe duas portas: a porta da expressão artística que nasce da história, e a porta da própria arquitectura, que estudou na Universidade Técnica de Lisboa. “Normalmente, a cultura e o passado dos sítios são uma grande inspiração para mim, os antepassados dos edifícios da cidade chamam-me muito a atenção”, revela o arquitecto. É nesta fantasmagoria urbana que nasce a inspiração de André Lui.

O artista reflecte na sua arte locais de Macau como o Jardim Lou Lim Ioc, o centro histórico e a zona de Nam Van. Aliás, estas zonas são o cerne da exposição “Impressão de Macau”, patente na S2 da galeria junto ao Lago Nam Van, ao abrigo do Anim’Arte, e que conta com mais de 20 obras do artista local.

Redescobrir a velha China

O Jardim Lou Lim Ioc foi um caso interessante na vida de André. Depois das longas temporadas passadas na Europa, o arquitecto regressou a casa sedento da antiga Macau. “Quando voltei, tive uma vontade muito grande de redescobrir a velha cultura chinesa tradicional, que está espalhada pela cidade ainda hoje.” Nessa altura, a passagem pelo Velho Continente ainda o marcava bastante, em particular no que toca às cores usadas pela pintura francesa do século XIX. “Gosto muito do impressionismo, assim como do pós-impressionismo, e as pinturas do Jardim Lou Lim Ieoc foram muito influenciadas por esse movimento artístico, mesmo ao nível das cores com que trabalhei”, confessa.

Apesar de se inspirar muito no passado arquitectónico, André Lui também se deixa influenciar pela vida quotidiana de quem mora em Macau. Em particular, com o crescimento que a cidade sentiu nos últimos dez anos. Com o desenvolvimento cresceram os problemas, à medida que o espaço para habitar e circular diminuíram. “Como sou arquitecto, também me interessa a vivência contemporânea dos cidadãos”, conta. Como tal, pegando na sensação de claustrofobia que o progresso trouxe ao território, o artista montou uma instalação que procurou retratar a falta de espaço que Macau tem para oferecer aos seus habitantes.

André é um artista multifacetado, trabalha também com fotografia, videografia, assim como pintura e instalação. Não consegue escolher um meio predilecto, mas comenta que a instalação lhe “oferece mais possibilidades, é mais versátil”. Dessa forma pode usar um leque variado de técnicas e materiais, baseando-se no carácter tridimensional das obras.

Porém, os desenhos ou pinturas são elementos mais fáceis de controlar. Se uma expressão artística privilegia o espaço, a outra trabalha mais à superfície, num plano bidimensional. Para André, mesmo ao nível da inspiração, “uma pintura é mais fácil de trabalhar, porque está mais ligada às emoções pessoais”. Outra razão pela qual não faz tantas instalações prende-se com a relação que a obra tem com o espaço onde está exposta, e essa é a razão pela qual tem menos oportunidades de expor este meio em Macau.

Mergulho na Praia Grande

Quando desenha, ou pinta, André Lui é muito frequentemente capturado pelas questões do património e história da cidade. Uma das zonas que mais o fascina é, também, a mais retratada de Macau: a Praia Grande. Hoje em dia, é um zona de beira lago, mas o passado do que era o Lago Nam Van é desconhecido para grande parte da população mais nova. André desenhou a zona como era antigamente, com base em antigas gravuras de pintores como George Chinnery, e até chegou a dar umas pequenas aulas de história sobre a zona. “Mostrei imagens antigas da Praia Grande aos alunos e a verdade é que a maioria não imaginava o passado da zona”, releva.

Ao longo do século XIX, a Praia Grande era o centro social e financeiro de Macau. Com uma ampla avenida estendida à beira-mar, ao longo da baía, polvilhada por casas luxuosas ligadas a negócios europeus. Era uma espécie de hub de comércio internacional. “A história desta zona é a que mais me puxa a atenção em toda a cidade”, revela. Era uma parte de Macau muito vibrante, com mercadores e pescadores a viverem lado a lado, e uma coabitação harmoniosa entre as culturas orientais e ocidentais.

Era a parte da cidade mais emblemática, que a melhor representava, o seu indiscutível cartão de visita. Daí ter sido imortalizada nas pinturas de George Chinnery e de outros pintores que passaram para a tela a curvatura da baía.

Na exposição patente no Largo Nam Van, o artista conta a história do local, assim como a evolução ocorrida ao longo dos anos. “Na Praia Grande podemos ver a grande mudança que ocorreu na imagem da cidade”, explica. Essa evolução de património e paisagem inspiraram-no. “Na série de desenhos que fiz da zona, tentei fazer uma comparação entre a imagem da cidade actual e o aspecto que tinha no século XIX”, acrescenta André.

O fascínio por esta parte da cidade mantém-se muito além da inspiração artística. Quando tem tempo, André Lui gosta de dar umas voltas pela zona que fica a sul e que se estende pela Rua da Praia do Bom Parto. “Ainda tem a mesma atmosfera que tinha nos anos 80 e 90.” Além de conter ainda intacta grande parte do que foi a zona nobre da Macau antiga, é uma zona óptima para passear, ou dar uma corrida aproveitando a sombra das árvores.

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