Justiça | Recusado pedido de Ao Man Long para reaver 9,13 milhões

Em “dificuldades financeiras” o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas pretendia recuperar o dinheiro que não foi declarado perdido para a RAEM. O TSI entende que Ao tem de continuar a esperar

 

O pedido de Ao Man Long para descongelar cerca de 9,13 milhões de patacas depositado em contas bancárias foi recusado pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI). A decisão, face a este património que não foi declarado como perdido a favor da RAEM, foi tomada no final de Janeiro e resulta de uma longa batalha judicial, que começou pelo menos em 2008.

Segundo a decisão do mês passado, os tribunais decidiram que os cerca de 9,13 milhões de patacas não têm de ser declarados como perdidos para a RAEM, porque não resultam dos crimes de corrupção nem foram gerados com o dinheiro dos crimes de corrupção.

No entanto, e apesar do reconhecimento das “dificuldades financeiras” do ex-secretário que está a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Coloane, o TSI considerou que as contas devem continuar congeladas, para o caso da RAEM não ser capaz de reaver o património ligado à corrupção que foi apreendido no Reino Unido e em Hong Kong.

A decisão tem por base o Código Penal, que permite à RAEM obrigar os condenados a pagar o valor correspondente aos bens e dinheiro ligados ao crime que estão guardados no estrangeiro. Este mecanismo é de recurso e só pode ser utilizado quando a RAEM não consegue que esses bens e dinheiro sejam devolvidos através dos acordos de cooperação com as outras jurisdições.

 

Em dificuldades

No pedido, em que pretendia que as contas fossem descongeladas, a defesa indica que Ao Man Long atravessa “dificuldades financeiras”. Também de acordo com esta versão, o dinheiro, está congelado em contas com 2,06 milhões de patacas, com 6,70 milhões de dólares de Hong Kong e ainda com 37,1 mil libras esterlinas.

Outro dos argumentos, era de que pelo menos uma conta no Banco Comercial de Macau devia ser desbloqueada, porque esta sempre serviu para que o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas guardasse o vencimento.

Por outro lado, a defesa contestava ainda que houvesse necessidade de congelar as contas, dado que grande parte dos imóveis e bens de Ao Man Long no Reino Unido fora recuperados, pelo que dificilmente o ex-governante vai ter de fazer pagamentos extra à RAEM.

Segundo a versão de Ao Man Long, que remete para um comunicado do Gabinete da Secretária para a Administração e Justiça da RAEM, de Novembro de 2015, “o Governo do Reino Unido irá restituir ao Governo da RAEM os bens recuperados no valor de 28.718.752,63 Libras Esterlinas, o correspondente aproximadamente a 350 milhões de patacas”. Nesse comunicado era também apontado que “a maior parte dos bens ilícitos” de Ao Man Long no estrangeiro “e que fazia parte do confisco decretado pelo Tribunal de Macau, já está recuperada”.

O ex-secretário para os Transporte e Obras Públicas encontra-se no Estabelecimento Prisional de Coloane depois de ter sido condenado pela prática dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, abuso de poder e riqueza injustificada em 2008.

18 Fev 2024

Recusada transferência de Ao Man Long para Portugal

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades de Macau recusaram a transferência para Portugal do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long. A notícia foi avançada ontem pela Macau News Agency, que cita fontes governamentais portuguesas, a quem a decisão já terá sido comunicada. No entanto, o advogado que está a conduzir o processo, Álvaro Rodrigues, diz desconhecer qualquer desfecho.

A data da decisão não foi tornada pública, assim como também não foi explicado se partiu de Macau ou de Pequim. Segundo o acordo de transferência de prisioneiros assinado entre Portugal e Macau, o Governo de Pequim é sempre consultado e as decisões não são estritamente legais, podendo ser tomadas com base em motivos políticos.

No entanto, segundo a Macau News Agency, a nega ao ex-secretário, que está a cumprir uma pena de 29 anos, foi justificada com o facto de ter sido considerado que se trata de um cidadão com nacionalidade chinesa. “O pedido de transferência do cidadão não obteve o consenso do Estado que condenou porque foi considerado que tem nacionalidade chinesa, assim não cumpriu as condições para a transferência”, citando fonte da Procuradoria Geral da República Portuguesa.

O processo estava a ser conduzido pelo advogado Álvaro Rodrigues, que ontem afirmou, ao HM, desconhecer qualquer decisão. “Eu não sei de nada. Não me vou pronunciar sobre uma decisão que não conheço”, afirmou.

A negação da transferência por qualquer das partes envolvidas implica automaticamente a recusa. Isto também porque este tipo de decisão não aceita qualquer tipo de recurso.

Altas penas

Foi em 2008, após o julgamento mais mediático da RAEM até então, que Ao Man Long foi condenado a uma pena de prisão de 29 anos pela prática dos crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

Até 2008 o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas tinha sido o único titular de alto cargo na RAEM a ser condenado na Justiça. A colega de Governo de Ao, a secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, também chegou a ser investigada por alegados crimes de falsificação de documentos, abuso de poder e prevaricação relacionados com documentos de atribuição de sepulturas, mas o Ministério Público considerou, ainda na fase de instrução, que não havia matéria para a levar a julgamento.

Posteriormente, em 2017, Ho Chio Meng foi o mais recente titular de alto cargo a ser condenado pelos tribunais, neste caso pela prática de 1.092 crimes, entre os quais a fundação de associação criminosa e corrupção.

21 Out 2020

Macau já sabe que Ao Man Long quer ser transferido para cumprir resto da pena em Portugal

O Governo de Macau vai agora analisar se permite que o processo siga novamente para Portugal, onde tem de ser examinado por um tribunal local. As autoridades da RAEM podem recusar a transferência a qualquer momento e uma decisão favorável tem de ser autorizada por Pequim

 

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades portuguesas já informaram o Governo de Macau de que Ao Man Long pretende ser transferido para Portugal, para cumprir o que resta da pena de prisão de 29 anos. O ex-secretário para os Transporte e Obras Públicas encontra-se no Estabelecimento Prisional de Coloane depois de ter sido condenado pela prática dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, abuso de poder e riqueza injustificada em 2008.

A confirmação da informação sobre o pedido de transferência foi avançada pelo gabinete do secretário para a Administração e Justiça, André Cheong. “Acusámos a recepção do ofício em relação à questão em epígrafe [pedido de transferência do cidadão Ao Man Long], remetido pela autoridade portuguesa, o assunto encontra-se de momento nos seus trâmites”, foi respondido, ao HM.

Sobre a fase do processo em curso e uma eventual decisão, o Executivo local optou por não fornecer uma resposta.

Segundo o Acordo entre Portugal e Macau sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, em vigor desde Dezembro de 1999, os cidadãos portugueses a cumprir pena na RAEM podem pedir transferência para Portugal. A revelação sobre o pedido de Ao Man Long aconteceu em Dezembro do ano passado, depois de o processo, que está a ser conduzido pelo advogado Álvaro Rodrigues, ter chegado às autoridades portuguesas.

Com o pedido em mãos, as autoridades de Macau, numa decisão que deverá passar pelo Chefe do Executivo, vão agora avaliar se permitem que o processo avance novamente para Portugal ou se fica já por aqui.

Se for decidido que Ao Man Long não deve cumprir a pena em Portugal, o processo fica imediatamente morto, sem hipótese de recurso. No entanto, se houve luz verde, nesta fase, a documentação sobre a condenação segue para a Europa, onde vai ser analisada pela Procuradoria-Geral da República Portuguesa, pela Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e ainda por um tribunal local, que tem de reconhecer a pena.

Pequim também decide

Concluída a fase do processo em Portugal, o gabinete do Procurador da RAEM, o gabinete do secretário e o Chefe do Executivo voltam a debruçar-se sobre o assunto.

No caso de se considerar que a transferência pode avançar, o processo é enviado para Pequim, onde uma comissão ligada ao Governo Central dará o seu parecer. Se todas as partes concordarem, então Ho Iat Seng autoriza que seja comunicado a Portugal que Macau aceita a transferência de Ao Man Long.

Porém, se Macau insistir que o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas deve cumprir a pena na RAEM, o processo chega ao fim. Esta é uma decisão que pode ser tomada por motivos políticos e que não admite recurso.

13 Mai 2020

RAEM, 20 anos | Ao Man Long, Ho Chio Meng e Sulu Sou: os processos que abalaram o território

Em duas décadas de existência da RAEM, os governos de Edmund Ho e Chui Sai On tiveram de lidar com os efeitos da condenação do ex-secretário Ao Man Long e do ex-Procurador Ho Chio Meng. Foram processos que mudaram a percepção da sociedade face à Administração e a agenda política em relação à corrupção, mas que também expuseram as falhas da justiça. O caso da suspensão do deputado Sulu Sou, diz o seu advogado, teve um lado pedagógico

 

 

2006 – A prisão do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long

[dropcap]E[/dropcap]stávamos a 5 de Dezembro de 2006 quando o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, foi detido em casa. Dava-se assim início a um longo processo que viu à lupa as grandes obras públicas e privadas feitas entre o período de 2002 e 2006 e que teve vários processos conexos, com julgamentos em Hong Kong. A condenação de Ao Man Long aconteceu a 30 de Janeiro de 2008, tendo sido condenado a 27 anos de prisão efectiva por 57 crimes, a maioria deles de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, condenado num processo conexo, recorda um caso que trouxe à tona vários problemas do sistema judicial, a começar pelo facto de Ao Man Long, por ser titular de um principal cargo, não ter direito a recurso. Se fosse hoje condenado, o ex-secretário poderia ter recorrido para o Tribunal de Última Instância (TUI), uma vez que a lei de bases da organização judicial foi alvo de uma revisão.

“Este processo foi marcante porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema”, recordou ao HM.

João Miguel Barros recorda muitos outros problemas, a começar pela actuação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que começou por investigar o caso.

“Na altura fui muito crítico da actuação do CCAC, pois existiram obviamente grandes violações de garantias processuais. Uma das coisas que sempre coloquei em cima da mesa foi o facto de as buscas em casa de Ao Man Long não terem sido feitas de acordo com a lei e com o código. A validade das buscas afectaria claramente o resultado final do processo.”

O causídico explica que Ao Man Long teria de estar presente ou representado nestas buscas, o que não aconteceu. “O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no Governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas”.

O segredo de justiça

João Miguel Barros recorda que a prisão de Ao Man Long chamou também a atenção para a questão do segredo de justiça. “O CCAC tinha de mostrar à sociedade que não era uma entidade sem relevância e quis criar ali um caso, dando conferências de imprensa em que se violava o segredo de justiça, porque se identificavam as fontes, mostravam partes do processo. Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada.”

Além disso, o processo obrigou a sociedade a olhar para as competências e poderes do CCAC, mas João Miguel Barros frisa também uma situação relacionada com a defesa de Pedro Chiang.

“Foram cometidas ilegalidades graves ao declararem a nulidade de uma notificação ainda no âmbito da investigação para não apreciarem os recursos que eu tinha colocado, mas ao mesmo tempo isso já não serviu para evitar que ele fosse julgado. Uma coisa que serve para não apreciar o recurso mas já não serviu para dar continuidade ao julgamento.”

Portugueses de fora dos colectivos

O processo Ao Man Long não só foi “muito rico em mostrar tudo o que eram fragilidades ou falta de experiência das autoridades judiciárias em lidar com processos desta dimensão”, como obrigou a um outro olhar em relação ao crime de branqueamento de capitais.

“Houve interpretações que os tribunais fizeram para condenar empresários por esse crime quando não havia nenhum precedente que justificasse o branqueamento de capitais. Foi muito claro para todos os advogados que não era possível ninguém sair inocente, ou melhor, ainda que houvesse inocentes, era obrigatório acusar e também condenar.”

Também aqui se notou as diferenças na “cultura jurídica” entre juízes portugueses e chineses. “Nos julgamentos que fiz logo na primeira instância foi sintomático que os arguidos eram normalmente absolvidos do crime de branqueamento de capitais, porque havia uma percepção muito clara da parte dos juizes portugueses que era preciso distinguir muito bem a tipologia dos crimes e as molduras penais. As pessoas foram condenadas em crimes de corrupção e de abuso de poder, mas passou a haver uma diminuição significativa das condenações por branqueamento de capitais, porque a cultura jurídica é diferente.”

Para João Miguel Barros, houve uma “consequência prática” advinda do caso Ao Man Long, que é o facto de “os juízes portugueses terem deixado de fazer parte dos colectivos do crime”. “Ou isto é uma coincidência muito grande ou então é uma consequência do modo como esses colectivos julgaram o processo Ao Man Long”, acrescentou.

Os atropelos

Apesar de não ter estado ligado ao caso Ao Man Long, o advogado Jorge Menezes recorda “os atropelos processuais” ocorridos. “Desde logo, o caso do famoso caderno de ‘clientes’ seus, cujo original nunca foi junto ao processo e tinha folhas rasgadas, o que foi interpretado como uma maneira de proteger pessoas cujos nomes lá estavam.”

Para o causídico, “ficou a imagem de uma pessoa que devia ter sido condenada, mas acabou sendo-o com atropelos às leis e ao sistema”. “E a pena foi um exagero: foi aplicada a pensar nos outros, para dar o exemplo, não para fazer justiça”, acrescentou.

Para o analista político Larry So, a prisão de Ao Man Long teve um efeito directo na relação entre a sociedade e o Governo.

“Estes processos de corrupção foram muito significativos para Macau. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que um titular de um alto cargo foi condenado por tal crime. Nessa altura foi um alarme para Macau descobriu-se que a corrupção poderia chegar aos lugares cimeiros do Governo. Claro que o Governo teve de limpar a sua imagem e puxar pela moral dos funcionários públicos. Afectou toda a Administração e as campanhas anti-corrupção atingiram um outro nível.”

 

2016 – A prisão do ex-Procurador Ho Chio Meng

Por ironia do destino, dez anos depois surgiria um segundo caso de corrupção. Em Fevereiro de 2016, Ho Chio Meng, à data Procurador do Ministério Público (MP) da RAEM, foi preso preventivamente suspeito de corrupção na adjudicação de obras e serviços. O magistrado foi acusado e respondeu por 1.536 crimes, nomeadamente burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção/fundação de associação criminosa.

Para Jorge Menezes, este caso foi ainda mais grave do que o de Ao Man Long. “Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais, acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos crimes que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria.”

Neste sentido, “a imagem pública que restou de uma vontade institucional de branquear eventuais actos de corrupção na própria magistratura do MP. Sem terem aberto um inquérito, dificilmente nos convencerão do contrário”.

Menezes recorda, apesar de não ter provas, de sentir “os atropelos e facilitações no MP daquela época”, lembrando que não foi feito um levantamento de eventuais práticas ilegais nas investigações do MP em processos-crime.

“Alguma instituição responsável acusaria o mais alto investigador de milhares de crimes de corrupção, mas já não investigaria se ele foi corrompido onde mais interessava e onde tinha poder efectivo – nos inquéritos criminais?”, questionou.

Nesse sentido, “ao não ordenar um inquérito alargado a processos crime de relevo com percursos processuais suspeitos dirigidos sob a alçada de Ho Chi Meng, o sistema judicial falhou grosseiramente e perdeu muita credibilidade”.

Oriana Pun, advogada defensora de Ho Chio Meng, lamenta que o ex-Procurador não tenha tido a possibilidade de recorrer da pena, algo que hoje também seria possível. “Um dos problemas que foi realçado é o facto de o caso ser julgado pelo Tribunal de Última Instância como primeira instância. Todos devem ter oportunidade para reclamar e recorrer, pelo menos uma vez. E como acontece com todos os processos, a sentença pode acarretar defeitos e vícios, que só podem
ser corrigidos mediante recurso.”

Para João Miguel Barros, este foi “um processo das maiores perplexidades”, tendo em conta também a forma como a acusação foi feita, e marca os 20 anos da RAEM pelo facto de o ex-Procurador ser a figura principal. Larry So destaca o facto de a prisão de Ho Chio Meng ter revelado que a corrupção podia chegar a toda a Administração, incluindo ao órgão de investigação criminal.

“Percebeu-se que o problema era ainda mais profundo. O processo trouxe a ideia de que era fácil aos funcionários públicos e titulares dos principais cargos serem corrompidos com uma ligação aos vários interesses da sociedade, incluindo casinos e empresários.”

Larry So considera que, depois destes dois casos, o Governo de Chui Sai On tem colocado a luta pela transparência governativa no topo da agenda, algo que promete também ser a bandeira do Executivo de Ho Iat Seng.

“No passado a corrupção não era um assunto muito abordado ou não se discutia de forma profunda. Mas agora é um dos assuntos mais discutidos e uma das características mais importantes que os funcionários públicos devem ter”, lembrou Larry So.

 

2017 – A suspensão do mandato de Sulu Sou no hemiciclo

Não foi um caso de corrupção, mas mexeu com a sociedade. Eleito pela primeira vez para a Assembleia Legislativa (AL) em Setembro de 2017, Sulu Sou veria o seu mandato suspenso temporariamente por decisão dos seus próprios colegas do hemiciclo, perdendo a imunidade parlamentar. Tal votação levou-o a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada pelo Tribunal Judicial de Base em Maio do ano passado, de onde saiu com a obrigação de pagar uma multa de 120 dias. O caso envolveu também Scott Chiang, activista da Associação Novo Macau, defendido por Pedro Leal.

Jorge Menezes, advogado defensor de Sulu Sou, esta foi “uma das duas recentes páginas negras da AL”. “Os atropelos dos seus direitos e da lei cometidos pela Mesa da AL foram pueris, revelando descontrolo. Foi triste ver a fábrica de leis violar as suas próprias leis, demonstrando a cada passo um desconhecimento de princípios elementares de direito”, acrescentou.

O causídico português destaca ainda o facto de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) ter recusado o recurso apresentado por Sulu Sou a esta suspensão de mandato, considerando estar em causa um processo político.
“O processo judicial em si foi outra decepção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar. O acto político, matéria de discricionariedade elevada, esse não é para os tribunais decidirem. Mas ninguém pediu ao Tribunal que dissesse se os deputados deviam ou não votar a favor da suspensão: o que pedimos foi que analisasse a violação da lei, pois é precisamente para isso que existem os tribunais.”

Além disso, Jorge Menezes destaca o facto de “os próprios actos políticos entrarem na competência dos tribunais se violarem direitos fundamentais”, algo que aconteceu com o processo de suspensão organizado pela Comissão de Regimentos e Mandatos e pela Mesa da AL, defende.

Um lado pedagógico

Jorge Menezes não tem dúvidas de que o caso Sulu Sou acabou por ter “um enorme efeito pedagógico na comunicação social e na comunidade em geral, que se interessou, comentou e envolveu como observador activo”. Além disso, foi um processo que “contribuiu para uma consciencialização acrescida da importância do Direito como instrumento de limitação dos poderes e moralização da actividade pública, para a ideia de que devemos ser governados por lei, regras e princípios, não por interesses, políticos ou outros.”

Larry So assegura que o caso Sulu Sou deu início a uma nova fase na AL. Sulu Sou voltou ao seu lugar, mas isso não quer dizer que seja adorado pelos seus pares. “Mudou um pouco as coisas na AL, porque temos um deputado jovem. Mas este foi um caso sobretudo ligado à questão da justiça social. Muitos deputados do campo pró-Pequim não gostam dele mas têm de o aceitar na AL, porque ficou provado que Sulu Sou não cometeu qualquer crime”, rematou.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Ao Man Long, Ho Chio Meng e Sulu Sou: os processos que abalaram o território

Em duas décadas de existência da RAEM, os governos de Edmund Ho e Chui Sai On tiveram de lidar com os efeitos da condenação do ex-secretário Ao Man Long e do ex-Procurador Ho Chio Meng. Foram processos que mudaram a percepção da sociedade face à Administração e a agenda política em relação à corrupção, mas que também expuseram as falhas da justiça. O caso da suspensão do deputado Sulu Sou, diz o seu advogado, teve um lado pedagógico

 
 

2006 – A prisão do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long

[dropcap]E[/dropcap]stávamos a 5 de Dezembro de 2006 quando o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, foi detido em casa. Dava-se assim início a um longo processo que viu à lupa as grandes obras públicas e privadas feitas entre o período de 2002 e 2006 e que teve vários processos conexos, com julgamentos em Hong Kong. A condenação de Ao Man Long aconteceu a 30 de Janeiro de 2008, tendo sido condenado a 27 anos de prisão efectiva por 57 crimes, a maioria deles de corrupção passiva e branqueamento de capitais.
João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, condenado num processo conexo, recorda um caso que trouxe à tona vários problemas do sistema judicial, a começar pelo facto de Ao Man Long, por ser titular de um principal cargo, não ter direito a recurso. Se fosse hoje condenado, o ex-secretário poderia ter recorrido para o Tribunal de Última Instância (TUI), uma vez que a lei de bases da organização judicial foi alvo de uma revisão.
“Este processo foi marcante porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema”, recordou ao HM.
João Miguel Barros recorda muitos outros problemas, a começar pela actuação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que começou por investigar o caso.
“Na altura fui muito crítico da actuação do CCAC, pois existiram obviamente grandes violações de garantias processuais. Uma das coisas que sempre coloquei em cima da mesa foi o facto de as buscas em casa de Ao Man Long não terem sido feitas de acordo com a lei e com o código. A validade das buscas afectaria claramente o resultado final do processo.”
O causídico explica que Ao Man Long teria de estar presente ou representado nestas buscas, o que não aconteceu. “O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no Governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas”.

O segredo de justiça

João Miguel Barros recorda que a prisão de Ao Man Long chamou também a atenção para a questão do segredo de justiça. “O CCAC tinha de mostrar à sociedade que não era uma entidade sem relevância e quis criar ali um caso, dando conferências de imprensa em que se violava o segredo de justiça, porque se identificavam as fontes, mostravam partes do processo. Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada.”
Além disso, o processo obrigou a sociedade a olhar para as competências e poderes do CCAC, mas João Miguel Barros frisa também uma situação relacionada com a defesa de Pedro Chiang.
“Foram cometidas ilegalidades graves ao declararem a nulidade de uma notificação ainda no âmbito da investigação para não apreciarem os recursos que eu tinha colocado, mas ao mesmo tempo isso já não serviu para evitar que ele fosse julgado. Uma coisa que serve para não apreciar o recurso mas já não serviu para dar continuidade ao julgamento.”

Portugueses de fora dos colectivos

O processo Ao Man Long não só foi “muito rico em mostrar tudo o que eram fragilidades ou falta de experiência das autoridades judiciárias em lidar com processos desta dimensão”, como obrigou a um outro olhar em relação ao crime de branqueamento de capitais.
“Houve interpretações que os tribunais fizeram para condenar empresários por esse crime quando não havia nenhum precedente que justificasse o branqueamento de capitais. Foi muito claro para todos os advogados que não era possível ninguém sair inocente, ou melhor, ainda que houvesse inocentes, era obrigatório acusar e também condenar.”
Também aqui se notou as diferenças na “cultura jurídica” entre juízes portugueses e chineses. “Nos julgamentos que fiz logo na primeira instância foi sintomático que os arguidos eram normalmente absolvidos do crime de branqueamento de capitais, porque havia uma percepção muito clara da parte dos juizes portugueses que era preciso distinguir muito bem a tipologia dos crimes e as molduras penais. As pessoas foram condenadas em crimes de corrupção e de abuso de poder, mas passou a haver uma diminuição significativa das condenações por branqueamento de capitais, porque a cultura jurídica é diferente.”
Para João Miguel Barros, houve uma “consequência prática” advinda do caso Ao Man Long, que é o facto de “os juízes portugueses terem deixado de fazer parte dos colectivos do crime”. “Ou isto é uma coincidência muito grande ou então é uma consequência do modo como esses colectivos julgaram o processo Ao Man Long”, acrescentou.

Os atropelos

Apesar de não ter estado ligado ao caso Ao Man Long, o advogado Jorge Menezes recorda “os atropelos processuais” ocorridos. “Desde logo, o caso do famoso caderno de ‘clientes’ seus, cujo original nunca foi junto ao processo e tinha folhas rasgadas, o que foi interpretado como uma maneira de proteger pessoas cujos nomes lá estavam.”
Para o causídico, “ficou a imagem de uma pessoa que devia ter sido condenada, mas acabou sendo-o com atropelos às leis e ao sistema”. “E a pena foi um exagero: foi aplicada a pensar nos outros, para dar o exemplo, não para fazer justiça”, acrescentou.
Para o analista político Larry So, a prisão de Ao Man Long teve um efeito directo na relação entre a sociedade e o Governo.
“Estes processos de corrupção foram muito significativos para Macau. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que um titular de um alto cargo foi condenado por tal crime. Nessa altura foi um alarme para Macau descobriu-se que a corrupção poderia chegar aos lugares cimeiros do Governo. Claro que o Governo teve de limpar a sua imagem e puxar pela moral dos funcionários públicos. Afectou toda a Administração e as campanhas anti-corrupção atingiram um outro nível.”
 

2016 – A prisão do ex-Procurador Ho Chio Meng

Por ironia do destino, dez anos depois surgiria um segundo caso de corrupção. Em Fevereiro de 2016, Ho Chio Meng, à data Procurador do Ministério Público (MP) da RAEM, foi preso preventivamente suspeito de corrupção na adjudicação de obras e serviços. O magistrado foi acusado e respondeu por 1.536 crimes, nomeadamente burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção/fundação de associação criminosa.
Para Jorge Menezes, este caso foi ainda mais grave do que o de Ao Man Long. “Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais, acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos crimes que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria.”
Neste sentido, “a imagem pública que restou de uma vontade institucional de branquear eventuais actos de corrupção na própria magistratura do MP. Sem terem aberto um inquérito, dificilmente nos convencerão do contrário”.
Menezes recorda, apesar de não ter provas, de sentir “os atropelos e facilitações no MP daquela época”, lembrando que não foi feito um levantamento de eventuais práticas ilegais nas investigações do MP em processos-crime.
“Alguma instituição responsável acusaria o mais alto investigador de milhares de crimes de corrupção, mas já não investigaria se ele foi corrompido onde mais interessava e onde tinha poder efectivo – nos inquéritos criminais?”, questionou.
Nesse sentido, “ao não ordenar um inquérito alargado a processos crime de relevo com percursos processuais suspeitos dirigidos sob a alçada de Ho Chi Meng, o sistema judicial falhou grosseiramente e perdeu muita credibilidade”.
Oriana Pun, advogada defensora de Ho Chio Meng, lamenta que o ex-Procurador não tenha tido a possibilidade de recorrer da pena, algo que hoje também seria possível. “Um dos problemas que foi realçado é o facto de o caso ser julgado pelo Tribunal de Última Instância como primeira instância. Todos devem ter oportunidade para reclamar e recorrer, pelo menos uma vez. E como acontece com todos os processos, a sentença pode acarretar defeitos e vícios, que só podem
ser corrigidos mediante recurso.”
Para João Miguel Barros, este foi “um processo das maiores perplexidades”, tendo em conta também a forma como a acusação foi feita, e marca os 20 anos da RAEM pelo facto de o ex-Procurador ser a figura principal. Larry So destaca o facto de a prisão de Ho Chio Meng ter revelado que a corrupção podia chegar a toda a Administração, incluindo ao órgão de investigação criminal.
“Percebeu-se que o problema era ainda mais profundo. O processo trouxe a ideia de que era fácil aos funcionários públicos e titulares dos principais cargos serem corrompidos com uma ligação aos vários interesses da sociedade, incluindo casinos e empresários.”
Larry So considera que, depois destes dois casos, o Governo de Chui Sai On tem colocado a luta pela transparência governativa no topo da agenda, algo que promete também ser a bandeira do Executivo de Ho Iat Seng.
“No passado a corrupção não era um assunto muito abordado ou não se discutia de forma profunda. Mas agora é um dos assuntos mais discutidos e uma das características mais importantes que os funcionários públicos devem ter”, lembrou Larry So.
 

2017 – A suspensão do mandato de Sulu Sou no hemiciclo

Não foi um caso de corrupção, mas mexeu com a sociedade. Eleito pela primeira vez para a Assembleia Legislativa (AL) em Setembro de 2017, Sulu Sou veria o seu mandato suspenso temporariamente por decisão dos seus próprios colegas do hemiciclo, perdendo a imunidade parlamentar. Tal votação levou-o a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada pelo Tribunal Judicial de Base em Maio do ano passado, de onde saiu com a obrigação de pagar uma multa de 120 dias. O caso envolveu também Scott Chiang, activista da Associação Novo Macau, defendido por Pedro Leal.
Jorge Menezes, advogado defensor de Sulu Sou, esta foi “uma das duas recentes páginas negras da AL”. “Os atropelos dos seus direitos e da lei cometidos pela Mesa da AL foram pueris, revelando descontrolo. Foi triste ver a fábrica de leis violar as suas próprias leis, demonstrando a cada passo um desconhecimento de princípios elementares de direito”, acrescentou.
O causídico português destaca ainda o facto de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) ter recusado o recurso apresentado por Sulu Sou a esta suspensão de mandato, considerando estar em causa um processo político.
“O processo judicial em si foi outra decepção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar. O acto político, matéria de discricionariedade elevada, esse não é para os tribunais decidirem. Mas ninguém pediu ao Tribunal que dissesse se os deputados deviam ou não votar a favor da suspensão: o que pedimos foi que analisasse a violação da lei, pois é precisamente para isso que existem os tribunais.”
Além disso, Jorge Menezes destaca o facto de “os próprios actos políticos entrarem na competência dos tribunais se violarem direitos fundamentais”, algo que aconteceu com o processo de suspensão organizado pela Comissão de Regimentos e Mandatos e pela Mesa da AL, defende.

Um lado pedagógico

Jorge Menezes não tem dúvidas de que o caso Sulu Sou acabou por ter “um enorme efeito pedagógico na comunicação social e na comunidade em geral, que se interessou, comentou e envolveu como observador activo”. Além disso, foi um processo que “contribuiu para uma consciencialização acrescida da importância do Direito como instrumento de limitação dos poderes e moralização da actividade pública, para a ideia de que devemos ser governados por lei, regras e princípios, não por interesses, políticos ou outros.”
Larry So assegura que o caso Sulu Sou deu início a uma nova fase na AL. Sulu Sou voltou ao seu lugar, mas isso não quer dizer que seja adorado pelos seus pares. “Mudou um pouco as coisas na AL, porque temos um deputado jovem. Mas este foi um caso sobretudo ligado à questão da justiça social. Muitos deputados do campo pró-Pequim não gostam dele mas têm de o aceitar na AL, porque ficou provado que Sulu Sou não cometeu qualquer crime”, rematou.

20 Dez 2019

Ex-secretário Ao Man Long quer cumprir resto da pena em Portugal

[dropcap]O[/dropcap] ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, está a tratar das formalidades e fez um pedido de transferência para Portugal, onde pretende cumprir o resto a pena. Depois de um julgamento altamente mediático, o secretário foi condenado em 2008 a uma pena de prisão de 29 anos pela prática dos crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

Segundo o HM apurou, o processo está a ser conduzido pelo advogado Álvaro Rodrigues que ontem à noite negou fazer qualquer comentário sobre a situação: “Não confirmo nada e não tenho nenhum comentário a fazer”, afirmou.

Para poder ser transferido para Portugal, Ao Man Long tem de possuir nacionalidade portuguesa e o respectivo passaporte. No entanto, este aspecto não é um entrave uma vez que o ex-secretário tem nacionalidade portuguesa e o seu nome consta nos cadernos eleitorais portugueses. A fase mais complicada do processo para Ao Man Long deverá ser mesmo convencer as autoridades chinesas a aceitar a transferência num caso que foi tão mediático, não só por se tratar de um ex-governante, mas também pelo facto de a lei chinesa não reconhecer a dupla nacionalidade.

Além disso, segundo o Acordo entre Portugal e Macau sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, em vigor desde 17 de Dezembro de 1999, a “transferência pressupõe uma efectiva ligação do condenado à jurisdição de execução, de modo a permitir uma melhor reintegração e readaptação ao seu meio familiar, social e profissional após o cumprimento da pena”. Este poderá ser outro dos entraves às pretensões do ex-secretário.

Segundo os dados fornecidos anteriormente pela secretaria para a Administração e Justiça ao HM, desde a transferência e Maio do ano passado tinham sido transferidos da RAEM para Portugal cinco portugueses.

Contudo, os pedidos aprovados até essa altura tinham sido seis, mas uma das pessoas acabou por desistir do processo, já depois de ter recebido autorização para a transferência. Houve ainda três processos recusados, dois por não preencherem as condições de transferência e um por ter a vida profissional em Macau e Hong Kong.

10 Dez 2019

Waterleau | Governo vai vender ex-acções de Ao Man leong

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo está a tratar do procedimentos para vender a participação na empresa Waterleau, que era propriedade do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Leong. No âmbito da condenação do ex-secretário, as acções foram revertidas pela RAEM.

A situação foi confirmada, na sexta-feira, por Raimundo do Rosário: “Desde 20015 ou 2016 que estamos a tratar dos procedimentos para vender as acções. Devido à sua natureza [empresa que participa em concursos públicos locais], o Governo não deve ter estas acções nas suas mãos. Mas antes precisamos de fazer os procedimentos legais. Mas garanto que já foi tomada a decisão que não devemos ter estas acções. Temos de vendê-las para o exterior”, afirmou Raimundo do Rosário.

26 Mar 2018

Governo autoriza construção de duas torres residenciais e passagem pedonal na Areia Preta

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, assinou um despacho que revê a concessão de um terreno localizado na Rua dos Pescadores, zona da Areia Preta. De acordo com um despacho publicado ontem em Boletim Oficial (BO), o terreno irá servir para habitação e comércio, sendo a Companhia de Investimento e Desenvolvimento Predial Trust Art, Limitada a concessionária.

O despacho aponta para a futura “construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com seis pisos, sobre o qual assentam duas torres com 13 pisos cada uma, destinado a habitação, comércio e estacionamento”. Haverá também lugar para uma área de estacionamento de veículos.

Além disso, o projecto inclui a construção de uma infra-estrutura pública. “Sobre [uma] parcela de terreno é constituída servidão pública, destinada à construção da passagem pedonal pública e instalação de respectivo equipamento, para o livre trânsito de pessoas e bens sem quaisquer restrições, não podendo ser objecto de qualquer tipo de ocupação, temporária ou definitiva”, pode ler-se no BO. Caberá ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) a gestão desta infra-estrutura, bem como a sua manutenção e reparação.

A primeira vez que este terreno foi concessionado a esta empresa foi em 1993. Depois de duas revisões da concessão datadas de 1996 e 2004, a empresa veio agora entregar na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes uma proposta para o aproveitamento do mesmo.

A proposta foi apresentada a 15 de Janeiro de 2014, tendo “o respectivo projecto de alteração de arquitectura, por despacho do director destes serviços, de 16 de Junho de 2014, considerado passível de aprovação, condicionada ao cumprimento de alguns requisitos técnicos”. De acordo com o BO, a empresa pediu a modificação do aproveitamento do terreno novamente a 28 de Agosto do mesmo ano.

“Reunidos os documentos necessários à instrução do procedimento, a DSSOPT procedeu ao cálculo das contrapartidas devidas e elaborou a minuta do contrato de revisão da concessão que mereceu a concordância da concessionária, expressa em declaração apresentada em 5 de Dezembro de 2014”, lê-se ainda.

Anualmente, a concessionária terá de pagar 7,749 mil patacas, sendo que o reaproveitamento do terreno deverá ser feito no prazo de 36 meses.

22 Mar 2018

Iec Long | CCAC considera nula permuta de terrenos com Governo e fala em violação à lei

Violações graves à antiga Lei de Terras, competências ultrapassadas e um acordo nulo. É conhecida a conclusão da investigação do CCAC face à troca de terrenos da Iec Long com o Governo, numa história tão complexa que mete o ex-Procurador, o Secretário Ao Man Long, o ex-director Jaime Carion e muitas empresas

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]acordo que o Governo fez com os proprietários da antiga Fábrica de Panchões Iec Long é nulo e viola a lei. A conclusão é do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que diz que o acordo para a permuta de terrenos feito em 2001 está errado em vários princípios, que vão desde violações “graves à lei”, a falta de competência do director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e a um cálculo de valores de terrenos prejudicial à RAEM.
“O CCAC verificou algumas práticas da Administração Pública que violaram manifestamente o princípio da legalidade”, começa por apontar o organismo liderado por André Cheong. “As formas, os procedimentos e os princípios da permuta de terrenos estão previstos expressamente na antiga Lei de Terras, mas os adoptados na permuta do terreno da Iec Long desviam-se gravemente do disposto na lei. O [acordo] firmado pelo director da DSSOPT e pelo representante da Sociedade da Baía da Nossa Senhora da Esperança não está em conformidade com o disposto na antiga Lei de Terras.”
Entre as falhas apontadas, estão o facto do director nem sequer ter exigido à Sociedade a apresentação do documento comprovativo dos seus direitos sobre todo o terreno da Fábrica de Panchões e o facto do valor do terreno da Iec Long incluir coisas que não devia. “Inclui não só o valor das parcelas que constituem propriedade privada e das aforadas, mas também o valor das arrendadas já devolvidas ao Governo, das parcelas vagas e das parcelas da propriedade do Estado. [Tudo] foi deduzido do prémio, o que violou manifestamente a igualdade das prestações consagrada na antiga Lei de Terras.”

Contornos de novela

O caso da troca de terrenos da Iec Long, na Taipa, voltou à baila em 2015, quando a Macau Concelears deu a conhecer que o Governo e os donos do terreno da Iec Long tinham celebrado um acordo onde o Executivo se comprometia a conceder um lote na Baía de Nossa Senhora da Esperança, na Taipa, com 152 mil metros quadrados, em troca do terreno da fábrica, com 28 mil. A ideia do Governo era construir um parque temático no local e, depois de diversas sugestões e desacordos, o Executivo finalmente cedeu outros lotes.
Foi em 1950 que o terreno da Fábrica foi concedido por arrendamento a Tang Kun Hong e Tang Ming Hong, proprietários da Iec Long, para que pudessem continuar a actividade. Na década de 1980, o Governo decide retirar a concessão devido ao declínio da indústria. Com a “fábrica parada”, não fazia sentido os terrenos estarem nas mãos dos empresários. iec long fábrica panchões
O terreno da fábrica contava, contudo, com mais de 3200 metros quadrados de lotes privados, que pertenciam aos dois proprietários. Cada um deles acaba por passar essa parte, igualmente dividida, a herdeiros. Estes, por sua vez, acabam por fazer negócio com outras empresas, entre as quais a Companhia San Tat.
O desejo de trocar os terrenos da Iec Long por outros continua e os titulares apresentam por mais do uma vez sugestões: primeiro pedem um terreno na ZAPE, que o Executivo rejeita, propondo a troca de um no Pac On. Mas o tamanho inferior leva a que os concessionários desistam da troca e apresentem, em 1997, um projecto de reaproveitamento de todo o terreno da Iec Long: no local querem construir 11 edifícios de habitação e comércio, mas tal não é autorizado pelo Governo.
No mesmo ano, em Dezembro, os proprietários voltam a pedir um terreno da Baía de Nossa Senhora da Esperança. No ano seguinte, o Executivo aceita dar três lotes com pouco mais de nove mil metros quadrados e os proprietários não querem.

Dedo de Procurador

O caso começa a ficar mais complicado quando o herdeiro de um dos proprietários, Kong Tat Choi, passa não só a ser titular de parcelas privadas no terreno da Iec Long, mas é-o também de um outro lote na Taipa. O BT27, na Rua de Fat San e Rua de Bragança, foi concedido em 1989 para a construção de um prédio de habitação. Quatro anos depois, Kong Tat Choi passa o lote à Companhia de Investimento e Fomento Predial Samtoly.
Nesse mesmo ano, o Governo aceita uma alteração no plano de aproveitamento desde que a Samtoly pagasse 87 milhões de patacas de prémio adicional. “A Samtoly pagou a primeira prestação, bem como outras três prestações, no entanto recusou-se a pagar a última prestação do prémio vencida em 1995, no valor de 14,1 milhões de patacas.”
Um conflito de pagamento leva a que os proprietários da Iec Long peçam ao Governo para ter “em consideração a resolução da disputa no processo da permuta do terreno da Fábrica de Panchões Iec Long”. O conflito dá-se porque os donos de dois lotes ao lado do BT27 pagaram “muito menos” do que a Samtoly para a alteração do projecto. A empresa pede para pagar menos, mas o Governo rejeita e a Samtoly passa ao ataque em tribunal porque não só não viu o preço do prémio do seu terreno reduzir, como não se viu satisfeito o pedido de permuta dos proprietários da Iec Long.
E é aqui que entra o Ministério Público (MP). Em 1999, pede às Obras Públicas o processo do BT27 e pede ao organismo que fixe um novo prémio “mais razoável” para a Samtoly, de forma a existir uma conciliação das duas partes. A DSSOPT diz que a empresa pode ser isenta do pagamento da última prestação de 14,1 milhões e ser restituída de 12,5 milhões e, em 2000, o Procurador convoca uma outra reunião onde se decide que, como os donos do BT27 e da Iec Long são os mesmos, a questão passa a ser resolvida no processo de permuta de terrenos da Fábrica.
“O Secretário para os Transportes e Obras Públicas aceitou a proposta do Procurador e no processo de negociação sobre a permuta do terreno da Baía de Nossa Senhora da Esperança, além do terreno da Iec Long é tida em
consideração a restituição do prémio do Lote BT27”, explica o CCAC.
A Samtoly vê a DSSOPT sugerir a restituição de 66 milhões de patacas, contando com o pagamento da última prestação, e o terreno da Iec Long a ser avaliado em 136 milhões.
O Secretário concorda e os titulares do terreno da Iec Long e os representantes da Samtoly dizem à DSSOPT que qualquer negociação e assinatura de documentos sobre a permuta do terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança ficaria a cargo da Sociedade de Desenvolvimento Predial Baía da Nossa Senhora da Esperança.
É neste contexto que o director da DSSOPT assina em 2001 um acordo para a permuta de um terreno com 152 mil metros quadrados na Taipa, para construção de um complexo turístico e habitacional pela Sociedade. A empresa tem de pagar prémio, mas desse são deduzidos 428 milhões de patacas.

Não acaba aqui

É no ano seguinte que a Shun Tak entra na história. Em Fevereiro de 2002, a Sociedade da Baía pede a divisão do terreno no local homónimo em duas parcelas: uma delas, a A – com 99 mil metros quadrados – para ser entregue à empresa Shun Tak para a construção de um hotel. O Governo autoriza e a Shun Tak paga 500 milhões de dólares à Sociedade para poder desenvolver o terreno.
Mas a Shun Tak não fica satisfeita e, três anos e um requerimento conjunto com a Propriedades Sub F depois, consegue que o Governo ceda à parceira uma área de mais de 18 mil metros quadrados nos NAPE para a construção de um hotel e habitação. Em troca, cede o mesmo espaço ao Governo na parcela A da Baía Nossa Senhora da Esperança. Não chega e, em 2006, a Shun Tak apresenta outro pedido, que não é aceite pelo Executivo: a troca do resto da parcela A, agora com 80 mil metros quadrados, por um terreno no Cotai com 65 mil metros quadrados, para a construção de um casino, hotéis e comércio.
O ano passado, depois de ter sido dado a conhecer o caso, alegações de falta de transparência, transferência de interesses e dívidas ocultas do Governo foram imediatamente levantadas. Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, pediu ao CCAC que começasse uma investigação. A conclusão chega agora e não é meiga, sendo que a única empresa que fica com alguma coisa deste negócio é a Shun Tak.
“O [acordo] não constitui instrumento legal através do qual o Governo possa conceder ou prometer a concessão de terrenos, face à sua desconformidade com o disposto na antiga Lei de Terras (…) e porque violou o disposto na antiga Lei de Terras, tornando-se assim impossível que se considerem quaisquer efeitos jurídicos relativamente à permuta ou ao compromisso da permuta daquele terreno. Não é possível considerar que o mesmo configure um contrato de concessão legalmente vinculativo. Poderia considerar-se a possibilidade de o [acordo] ser considerado informal na perspectiva da sua natureza jurídica, mas, ainda assim, tal acordo informal dificilmente pode constituir fonte de direitos ou deveres jurídicos, devido à impossível concretização do respectivo objecto”, frisa o CCAC. O organismo aponta o dedo directamente às Obras Públicas, para dizer que a responsabilidade é deles e é “iniludível neste caso”. Diz ainda que o “dever de fundamentação” não foi cumprido pelo Governo em algumas decisões. Por exemplo, a sugestão do procurador na restituição à concessionária do Lote BT27 de mais de 60 milhões, sem qualquer indicação que justificasse esta mudança e o valor do terreno da Fábrica, que passou de 42,4 milhões para 136 milhões “sem fundamentação”.
Apesar do terreno na Baía de Nossa Senhora não ter concedido nos termos da lei – o que impedia a Sociedade de dividir o terreno e ceder as parcelas divididas, “os procedimentos da concessão [à Shun Tak] foram realizados em conformidade com o disposto na antiga Lei de Terras. E, ao abrigo do contrato de concessão, a Shun Tak já concluiu o aproveitamento do terreno”, tendo até o hotel entrado já em funcionamento.

As caras envolvidas

Sociedade de Desenvolvimento Predial Nossa Senhora da Esperança: tem como administradores Sio Tak Hong, membro de Macau no Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, presidente-fundador da Associação dos Conterrâneos de Kong Mun de Macau e membro do Conselho Executivo e da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, e Tat Choi Kong, membro do quadro da Universidade de Macau e da Câmara de Comércio

Director das Obras Públicas: Jaime Carion, agora reformado

Secretário para os Transportes e Obras Públicas: Ao Man Long, agora preso por 29 anos e meio por corrupção

Procurador da RAEM: Ho Chio Meng, agora detido preventivamente, por acusações de corrupção

Shun Tak: Pansy Ho

Propriedades Sub F: Daisy Ho

À espera de mais

O Chefe do Executivo, Chui Sai On, já reagiu ao relatório, tendo admitido que já incumbiu entidades de continuar a dar acompanhamento ao caso. Uma dessas entidades é Raimundo do Rosário, que vai perceber os desenvolvimentos advindos da falta de vinculação jurídica da troca dos terrenos. O líder do Governo admite ainda que o CCAC vai agora investigar eventuais indícios criminais, “por exemplo de corrupção ou burla” e põe em cima da mesa a instrução de um processo disciplinar caso “se verifique infracção disciplinar cometida por funcionário público”. A DSSOPT diz apenas estar a fazer uma análise do caso e o HM não conseguiu estabelecer ligação com Jaime Carion, na altura director do organismo. Sobre as eventuais infracções penais neste caso o CCAC diz não ter “nesta fase” quaisquer comentários a fazer.

Decisões que pesam

O acordo de permuta “não está em conformidade com o disposto na antiga Lei de Terras e, do ponto de vista jurídico, tem por base um objecto impossível. Não é legalmente vinculativo para o Governo, sendo nulo”

“O Governo não tem qualquer encargo para com a Sociedade de Baía da Nossa Senhora da Esperança ou quaisquer outras empresas a nível de concessão de terrenos”

“Desde a sua celebração em 2001, o [acordo] nunca foi publicado no Boletim Oficial, o que viola a antiga Lei de Terras”

Nem o acordo, nem o processo “foram remetidos à Comissão de Terras”

“Todas as parcelas da Iec Long são propriedade do Estado”

“Uma vez que o terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança não foi concedido nos termos da lei, a Sociedade da Baía da Nossa Senhora da Esperança não podia dividir o terreno e ceder as parcelas divididas. [Mas] os procedimentos da concessão [à Shun Tak] foram realizados em conformidade com o disposto na antiga Lei de Terras. E, ao abrigo do contrato de concessão, Shun Tak já concluiu o aproveitamento do terreno e construiu neste terreno um complexo constituído por um hotel e por uma área residencial, sendo que tal hotel já entrou em funcionamento”

IC gasta cinco milhões em conservação que “não devia”

O CCAC atira ainda críticas face à conservação da Fábrica de Panchões, que custou aos cofres do Instituto Cultural (IC) mais de cinco milhões de patacas. Para o organismo, as reparações feitas de 2009 a 2015 deveriam ter sido paga pelos proprietários da Iec Long.
“Nas acções de conservação da Fábrica, o IC não exerceu de forma plena as competências que o regime jurídico lhe atribui, dando origem a
situações de incumprimento da lei e de embaraço. O IC suportou as despesas resultantes de trabalhos de reparação e reordenamento, mas nos documentos disponibilizados pelo IC não se encontra fundamento que justifique o facto de tais despesas terem sido adiantadas pelo IC e também não se constata que o IC tenha cobrado ao ‘proprietário’ o montante de mais de cinco milhões de patacas entretanto despendidos.” iec long
O CCAC acrescenta ainda que a abertura do procedimento de classificação da Fábrica como património “é necessária e premente”, até porque já foram feitas as conservações. O organismo critica ainda o IC por não ter pedido quaisquer informações junto dos serviços de Obras Públicas sobre a propriedade da fábrica, ainda que tenha pedido ao proprietário autorização para lá entrar.

Cronologia

1950: concedido terreno a Tang Kun Hong e Tang Ming Hong, proprietários da Fábrica
1986: Administração portuguesa declara a rescisão dos contratos
1995: proprietários pedem a permuta entre os terrenos da Iec Long e
um terreno situado na ZAPE. Governo não aceita, mas admite dar um terreno no Pac On. Proprietários não querem
1997: proprietários da Iec Long apresentam um projecto de concepção de
reaproveitamento de todo o terreno, pretendendo construir 11 edifícios de 42 pisos, destinados a habitação e comércio. Não recebem autorização
Dezembro 1997: proprietários pedem novamente permuta do terreno por um da Baía de Nossa Senhora da Esperança
1998: Governo aceita permuta em troca dos direitos e interesses sobre o terreno da Iec Long. Mas a área de 9417 metros quadrados era diferente da fábrica, pelo que não é firmado qualquer acordo
2000: Procurador convoca uma reunião com a DSSOPT onde se decide que, como os donos do BT27 e da Iec Long são os mesmos, a questão é resolvida no processo de permuta de terrenos da Iec Long. O Secretário aceita
2000: Terreno da Iec Long é avaliado em 136 milhões de patacas e é calculado um prémio do terreno de troca. Proposta merece a concordância do Secretário e a DSSOPT continua as negociações
Novembro de 2000: os titulares do terreno da Iec Long e os representantes da Samtoly dizem à DSSOPT que qualquer negociação e assinatura de documentos sobre a permuta do terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança ficaria a cargo da Sociedade de Desenvolvimento Predial Baía da Nossa Senhora da Esperança
2001: director da DSSOPT e representante da Sociedade firmam acordo sobre a entrega de um terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança com 152 mil metros quadrados para construção de um complexo turístico e habitacional. A empresa tem de pagar prémio, mas desse são deduzidos 428 milhões de patacas
2002: Sociedade da Baía da Nossa Senhora da Esperança pede ao Governo a divisão do terreno na Baía de Nossa Senhora da Esperança em duas parcelas – uma com 99 mil metros quadrados e outra com 53 mil. A empresa pede ao Governo para autorizar a cedência da maior parcela à Shun Tak, para a construção de um hotel
2002: Governo aceita e a Shun Tak paga 500 milhões de dólares de Hong Kong à Sociedade da Baía da Nossa Senhora da Esperança
2005: Shun Tak e Propriedades Sub F apresentam um pedido de concessão conjunto para um terreno na zona B dos NAPE, com 18.363 metros quadrados, para construir um hotel e residências. Em troca davam parte da sua parcela A do terreno na Baía da Nossa Senhora da Esperança
2006: Governo concede por arrendamento à Propriedades Sub F um terreno com 18.344 metros quadrados nos NAPE. A Shun Tak abdica do mesmo espaço mas na parcela A

14 Jul 2016

La Scala | Recurso de Joseph Lau negado pelo TUI

[dropcap style=’circle’]J[/dropcap]oseph Lau perdeu um recurso no Tribunal de Última Instância (TUI), que não deu razão ao empresário de Hong Kong condenado por corrupção quando este pediu a fixação de jurisprudência sobre o seu caso. Lau defendia que a decisão do Tribunal de Segunda Instância (TSI) que o condenou era oposta a uma decisão relativa à mesma questão de Direito do mesmo tribunal, mas proferida em 2009.
O empresário, recorde-se, está ligado ao chamado Caso La Scala e foi condenado a cinco e três meses por um crime de corrupção activa e um de branqueamento de capitais. Joseph Lau considerou, contudo, que para que fosse condenado por branqueamento teria de ter existido um crime de corrupção passiva praticado por Ao Man Long, ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas condenado a 29 anos e meio de cadeia, e não deveria ter sido considerado, segundo o recorrente, o crime de corrupção activa praticado por ele próprio.
“[No acórdão que serve de base ao recurso] entendeu-se que, para efeitos de imputação do crime de branqueamento de capitais a uma arguida, o crime precedente não pode ser o crime de corrupção passiva para acto ilícito praticado pelo funcionário, devendo antes ser o crime de corrupção activa para acto ilícito praticado por outro arguido”, pode ler-se no acórdão ontem tornado público e que se refere a um julgamento que também envolve Ao Man Long.

Perspectivas

O Colectivo do TUI não concorda. Para os juízes, Jospeh Lau foi não só condenado pelo crime de branqueamento de capitais porque cometeu corrupção activa, mas também porque “prestou colaboração na dissimulação da origem das vantagens pagas ao arguido Ao Man Long, efectuando o pagamento, em forma sinuosa, dos subornos”.
Já na outra decisão utilizada como fundamento para o recurso do empresário, a arguida foi absolvida do crime de branqueamento de capitais pois ficou provado “apenas que ela colaborou com [um] arguido que era corruptor activo na dissimulação das vantagens por este prometidas pagar a Ao Man Long”. O TUI defende que os factos “fundamentais sobre os quais assentam as decisões em causa são distintos” e até que não se encontram decisões opostas: “O TSI considerou que, para efeitos de imputação do crime de branqueamento de capitais, o crime precedente não pode ser o crime de corrupção activa. [O recurso] afirma que o crime de branqueamento de capitais tem como crime precedente a corrupção passiva para acto ilícito cometido pelo corrupto passivo, pelo que não se encontra, de modo algum, em oposição com [a decisão] que negou a punibilidade do crime de branqueamento de capitais porque o crime precedente não pode ser o crime de corrupção activa”. Ao Man Long foi condenado por corrupção passiva e, para o tribunal, “não se vislumbra nenhuma oposição, muito menos expressa” entre as duas decisões, pelo que decidiu negar o recurso a Joseph Lau.

26 Jan 2016

Corrupção | Restituídos 350 milhões de patacas de caso Ao Man Long

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]icou ontem decidido que o Governo britânico vai restituir, ao Executivo da RAEM, os bens recuperados do caso Ao Man Long, no valor de cerca de 350 milhões de patacas. “Conforme o acordado, o Governo do Reino Unido irá restituir ao Governo da RAEM os bens recuperados no valor (…) de 350 milhões de patacas, sendo que, até hoje, a maior parte dos bens ilícitos que Ao Man Long detinha no estrangeiro, e que faziam parte do confisco decretado pelo Tribunal de Macau, já está recuperada”, assegura o Gabinete da Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan em comunicado.
O retorno desta soma ao território conclui a restituição quase total de todos os bens ilícitos que estavam na posse do ex-Secretário para as Obras Públicas e Transportes. A decisão foi tomada mediante assinatura do Certificado de Restituição à RAEM pelo Reino Unidos dos bens ilícitos do caso do ex-Secretário. O documento foi assinado pela Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan e pela Cônsul Geral britânica, Caroline Elizabeth Wilson, contando ainda com a presença de representantes da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Dificuldades ultrapassadas

O pedido de restituição destes bens foi feito pelo Governo local e da China ao Reino Unido em 2010. O mesmo documento sublinha que esta troca é “um processo muito difícil” devido às burocracias existentes entre dois territórios. Sónia Chan elogiou as autoridades britânicas pelo “alto profissionalismo, seriedade e espírito de cooperação”. No ano passado, o Ministério Público anunciou ter recuperado cerca de 80 milhões de patacas, também da tranche alegadamente em posse do ex-Secretário.
Ao Man Long foi detido em 2006 por branqueamento de capitais e corrupção, tendo sido provado o seu envolvimento numa série de obras públicas do Executivo, relacionadas com troca de favores, de terrenos e pagamento para a construção de obras. O também engenheiro foi condenado a 29 anos de prisão pela prática dos crimes acima referidos.

4 Nov 2015

Concessões de terrenos do Windsor Arch e de hotel na Taipa “na mesma situação do Pearl Horizon”

* MODIFICADO: CORRECÇÃO = TERRENO DE HOTEL NA TAIPA, NÃO DO EMPREENDIMENTO LA SCALA

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Chefe do Departamento de Gestão de Solos da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Lo Hio Chan, revelou ontem existirem mais três terrenos cujas concessões expiram no final do ano sem que o espaço tenha sido devidamente aproveitado. Ao que o HM conseguiu apurar, todos eles foram concedidos por Ao Man Long, antigo Secretário para as Obras Públicas e Transportes condenado por corrupção, e pertencem a empresários conhecidos de Macau.
Um dos terrenos diz respeito ao lote com cerca de 19 mil metros quadrados, na Estrada Governador Albano de Oliveira, na Taipa, que pertence à Empresa de Desenvolvimento Predial Vitória. Esta empresa tem como administradores William Kuan, parceiro de negócios de Ng Lap Seng, e Jorge Neto Valente, advogado. O próprio Ng Lap Seng estava identificado em 2009 como director-geral da empresa.
O terreno estava destinado à construção de um complexo de habitação, comércio e estacionamento e de um hotel, mas a concessionária quis alterar parcialmente a finalidade da concessão e modificar o aproveitamento do terreno, com a construção de um edifício de habitação, comércio e estacionamento com maiores áreas, como indica um despacho publicado em Boletim Oficial. Submeteu esse pedido em 2005 à DSSOPT, que foi aprovado em 2006. Segundo o que o HM conseguiu apurar este lote é onde está construído o empreendimento Windsor Arch, que criou bastante polémica em 2008 devido à altura, e que se encontra, actualmente, quase concluído.
As informações sobre estes três terrenos foram ontem cedidas aos jornalistas em formato de anúncios no Boletim Oficial, com Lio Hio Chan a realçar que os progressos das obras são melhores que os do Pearl Horizon, que ainda prepara as fundações.

No mesmo tom

Outro dos terrenos é um dos lotes pertencentes às empresas Kam Pou Loi e Tai Lei Toi, com 3701 metros quadrados, situado na Avenida Wai Long, em frente ao aeroporto. O lote foi um dos concedidos à CAM — Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, tendo sido posteriormente reduzido e dividido em espaços atribuídos a diferentes sociedades. Este é um dos terrenos pertencentes à CAM onde iriam ser erguidos empreendimentos, neste caso um hotel.
Pretendendo aproveitar o terreno com a construção de um edifício destinado a hotel de três estrelas e estacionamento, as empresas solicitaram também autorização para modificação do aproveitamento do terreno em 2006.
Outro dos casos diz respeito a um lote concedido por arrendamento na Estrada dos Sete Tanques na Taipa. No local seriam construídos três prédios com dez andares, com a área global de 5412 metros quadrados. A detentora do terreno é a Sociedade Hotelpor Hotelaria, Importação e Exportação.
Em Setembro de 2005, a concessionária solicitou a modificação do aproveitamento do terreno para a construção de três torres com 41 pisos cada. A empresa pediu mais um terreno por causa “de condicionalismos” arquitectónicos do local e, tendo em consideração que o sistema de radar utilizado pela Administração de Aeroportos se encontrava instalado no terreno junto aos edifícios a construir, a empresa comprometia-se a suportar os encargos com a sua substituição. Assim, em 2006, conseguiu obter autorização para a construção.

8 Out 2015

A verdade está à solta, colhendo o que se semeia

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]urante a Dinastia Song do Sul da China, o imperador Gaozong e o seu chanceler Qin Hui conspiraram juntos para remover Yue Fei, o principal general militar na altura. Qin chegou mesmo a discutir os detalhes do plano em casa com a sua mulher. Fruto dessas discussões, o casal chegou a um consenso que “libertar o tigre para que este regressasse às montanhas viria a trazer uma série interminável de problemas no futuro”. Assim, a única alternativa viável era a morte de Yue Fei. Alegasse que, depois do falecimento de Qin Hui, este visitou a mulher durante um sonho para a informar que o seu complot havia sido exposto, o que a assustou de tal modo que chegou mesmo a causar a sua morte.
A verdade vem sempre ao de cima, mais tarde ou mais cedo. Mesmo quando todos se preocupam apenas com os seus próprios assuntos, não se pode assumir que a sociedade se encontra em paz. Se nós não nos interessarmos pelo local em que vivemos, este sítio acaba inevitavelmente por nos partir o coração. A quarta legislatura do Governo da RAEM encontra-se em funções há menos de um ano, mas mesmo assim os problemas sociais têm-se multiplicado, e com uma ferocidade tal que mais se assemelham a uma erupção vulcânica. O recente incidente envolvendo a troca de terrenos destinados à Fábrica de Panchões Iec Long, que se encontra agora sob a investigação do Comissariado Contra a Corrupção, é um dos muitos casos que preocupam as gentes de Macau.iec long
A troca de lotes verificada neste incidente foi realizada de acordo com todos os requerimentos legais durante o mandato de Ao Man Long como Secretário para as Obras Públicas e Transportes. A maior incongruência foi a troca de um lote pequeno por um bem maior, situação considerada fora do normal e isenta de qualquer razão ou lógica. Não nos podemos porém esquecer de uma situação semelhante que envolveu o empresário da construção civil Lam Wai. Na altura, ninguém levantou nenhuma objecção acerca do caso de Lam e todo o processo decorreu dentro da legalidade. Mas, quando Ao Man Long foi processado por aceitar subornos, a opinião pública, e em especialmente a deputada Kwan Tsui Hang, exigiram que o sucessor de Ao nas Obras Públicas investigasse as concessões de terras realizadas durante a era de Ao como Secretário para as Obras Públicas e Transportes, de forma a garantir que nenhum problema tivesse ficado por resolver. Mas, no final de contas, o sucessor de Ao pouco ou nada fez a este respeito, e o caso da Fábrica de Panchões Iec Long nem sequer fazia parte da lista de transacções sob investigação.
Lembro-me que, na altura, alguns deputados insistiram frequentemente para que o Governo divulgasse quanta permuta de terrenos havia sido autorizada, e que fornecesse esclarecimentos sobre o rumor de que parte dos cinco aterros do Plano Urbanístico teria de ser usada como compensação pelas permutas anteriores. Mas, como já é habitual, a resposta do Governo foi pouco esclarecedora. Apenas quando Raimundo do Rosário assumiu a pasta de Secretário para as Obras Públicas e Transportes é que as autoridades se dignaram a fornecer respostas mais detalhadas às perguntas colocadas pelos deputados em questão. Veio-se então a saber que, em relação à troca de terrenos relativa à Fábrica de Panchões Iec Long, esta permuta só podia ter ocorrido de acordo com os respectivos procedimentos legais. Mas, apenas por estar de acordo com a lei não significa necessariamente que a troca tenha sido justificada. Mas temos também que reconhecer que esta prática se encontra tão enraizada que acabou mesmo por se tornar numa característica distinta de negócios “à Macau”. Também no caso do terreno “Tou Fa Kón”, localizado perto do Mercado Vermelho, assim como no do projecto La Scala, situado em frente ao Aeroporto Internacional de Macau, os respectivos terrenos foram concedidos de uma forma legal. Mas isso não tira importância ou influência às várias partes interessadas que se movimentaram nos bastidores de todo este processo.
O Secretário Raimundo do Rosário chegou aliás a pedir ao Comissariado contra a Corrupção que abrisse um inquérito relativo à troca de terrenos da Fábrica de Panchões Iec Long, o que acabou por ser uma medida muito inteligente. Por um lado, este dirigente evitou desta forma vir a ser considerado responsável pelos casos melindrosos que constituem o legado da antiga Administração. E, daí para a frente, todas as futuras decisões relativas à Fábrica de Panchões Iec Long teriam de ser aprovadas pelo Comissariado contra a Corrupção. Por outro lado, esta decisão vem também evitar que Raimundo se torne no alvo de ataques por parte do público caso se venha a verificar qualquer outro problema no que toca a concessões de terrenos, especialmente aquelas envolvendo lotes de grandes dimensões. Caso os nossos leitores estejam a par dos desenvolvimentos do caso da Fábrica de Panchões Iec Long, sabem certamente que o proprietário do terreno em questão, assim como os seus parceiros, mantém uma relação muito íntima com os círculos empresariais e políticos do território. Tanto Chui Sai On como Raimundo do Rosário são responsáveis de resolver ou gerir qualquer problema que tenha sido deixado pela Administração anterior. Podemos então afirmar que ambos estão agora a colher aquilo que semearam no passado. Mas, neste momento, seria talvez vantajoso perguntar a nós próprios, o que levou Macau a se tornar naquilo que é hoje? iec long
Será que o conceito de “um país, dois sistemas” falhou? Ou será então que as gentes de Macau são incapazes de gerir o território por si próprias? Na verdade, o princípio “um país, dois sistemas” acabou por dar a Macau, como também a Hong Kong e a Taiwan, um alto nível de tolerância política. Se os tumultos de 4 de Junho não tivessem ocorrido na China, a onde de reformas políticas que decorria no país não teria nunca terminado, e as situação política teria despoletado em algo verdadeiramente agradável.
Em Macau, por sua vez, não há falta de talentos, apenas uma escassez de talentos políticos que estejam dispostos a se dedicar à cidade por completo. Existem sim muitos que proclamam ser patrióticos e ainda que amam a RAEM, mas na realidade estão dispostos a roubar para proveito próprio ou então de forma a enriquecer as associações ou organizações a que pertencem. Mas Macau nunca teve falta de indivíduos interessados em representar as massas, nem tão pouco de organizações destinadas a supervisionar o desempenho do Governo. Todavia, estas associações são incompetentes e colocam ênfase na manutenção do status quo, ou da harmonia social, ao invés de exigir a responsabillização dos funcionários públicos. Assim, e com uma administração que carece de supervisão apropriada, a porta encontra-se aberta a todo o tipo de conduta desordeira. Outro problema que temos de superar é a necessidade que os nossos campeões da democracia sentem em ser foco das atenções, assumindo este problema um carácter de veneração semi-religiosa. Na verdade, estes indivíduos encontram-se tão divorciados da realidade que se julgam transformados numa espécie de ídolo, que porém existe apenas em nome. Além disso, recusam-se a partilhar o poder com outros, devido ao medo que têm de perder o seu status social, e parecem ser ignorantes da necessidade que todos nós temos em gerir adequadamente o tempo. Tudo isto culmina numa espécie de ecologia política caracterizada por pessoas que se dedicam a enriquecer através da política. Ao mesmo tempo, deparamo-nos com uma sociedade cada vez mais populista, em que a maioria dos seus cidadãos denota uma nítida falta de visão estratégica, além de uma marcada incapacidade em assumir uma conduta altruísta. Se as coisas se mantiverem assim, o que pode ser feito? Esta questão merece sem dúvida a nossa atenção.

28 Ago 2015

La Scala | Decisão do tribunal destrói alegações da Moon Ocean

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]abem-se agora as justificações do Tribunal de Segunda Instância (TSI) que deram razão ao Chefe do Executivo na anulação da concessão dos terrenos da Moon Ocean onde estava a ser construído o La Scala.
De acordo com o acórdão, ontem analisado pelo HM, a Moon Ocean acusou o Chefe de usurpação de poder, considerando que “este não podia unilateralmente” ter declarado a nulidade dos contratos e que isto teria de ser feito através dos tribunais. “A Administração usurpou o poder judicial”, contrapôs a Moon Ocean.
O TSI não concorda e alega que a decisão que foi anulada foi uma outra do próprio líder do Governo. “O que o acto recorrido declarou nada tem a ver com a invalidade dos contratos administrativos de concessão de terreno, mas sim a nulidade dos actos do Chefe do Executivo que autorizaram a transmissão dos direitos [dos lotes]”, começa por apontar o tribunal, acrescentando ainda que a Administração pode, “movida por razões de interesse público”, agir através de um acto administrativo – como foi a decisão de Chui Sai On – sobre outro.
A empresa que pertencia a Joseph Lau alega que os terrenos do domínio privado da RAEM cabem no âmbito do direito de propriedade, “que é protegido como direito fundamental na Lei Básica” e diz que a acção de Chui Sai On em cancelar a adjudicação dos terrenos “despojou a [empresa] dos seus direitos sobre os lotes e as benfeitorias e construções já aí efectuadas”.
Argumentos que são, novamente, invalidados pelo TSI. “O prazo do arrendamento não pode ser superior a 25 anos. Por seu turno, o prazo das renovações nunca deverá exceder, para cada uma, dez anos. (…) Não obstante estes traços que apontam para a natureza real, não obstante o direito do concessionário poder ser um direito real (…), a inviolabilidade do direito que a recorrente [alega] pressupõe que o direito se mostre adquirido”, sublinha o tribunal, que diz que esse direito não chegou a existir devido às ilegalidades praticadas.

Efeitos colaterais

A Moon Ocean queixa-se ainda que está a ser punida por consequências de um crime onde nem se pôde defender – o de corrupção que levou à condenação de Ao Man Long no Tribunal de Última Instância (TUI) e que originou a anulação da concessão das terras -, mas o TSI diz que, apesar de ser verdade que só pode ser punido quem foi julgado, “nada impede que se retirem efeitos colaterais de uma dada decisão condenatória num outro processo”. Mais ainda, o TSI diz que no âmbito do recurso interposto pela Moon Ocean, houve toda a hipótese de defesa, tendo sido até “sacrificada a celeridade da justiça”.
A Moon Ocean tenta ressalvar-se ainda com o facto de ter sido Edmund Ho, anterior Chefe do Executivo, a assinar os despachos de concessão das terras e ter sido o ex-Secretário a ser condenado, para dizer que não se pode anular os actos do líder do Governo, mas o tribunal discorda. “Não estão em causa apenas as situações em que o acto administrativo em si preenche um tipo penal, mas todas aquelas em que envolva, na sua preparação ou execução, a prática de um crime, estando nessas circunstâncias, por exemplo, os actos que sejam praticados mediante suborno ou por corrupção. Apesar de os despachos da autorização da transmissão de direitos serem realizados pelo Chefe do Executivo, a decisão feita por estes fundamentou-se no processo anterior (…)”.
A recorrente também apresentou provas para tentar comprovar que os membros do júri do processo de selecção não foram pressionados e que a proposta da recorrente até era a melhor, mas o TSI entendeu que isso não exclui que não tivesse havido suborno.
A Moon Ocean fala dos prejuízos derivados da anulação da concessão do terreno onde já havia obras e onde já tinham sido adquiridas casas, argumentando que foram violados “os princípios da justiça e da boa-fé e os interesses públicos”. O TSI até admite que é verdade que houve danos económicos que atingiram pessoas e empresas que nada têm a ver com o crime cometido e diz mesmo que “a Administração bem podia aproveitar tais investimentos”, Contudo, diz, “os tribunais não podem intervir na escolha da Administração nesse domínio”.
Recorde-se que Chui Sai On declarou a nulidade dos despachos exarados por Edmund Ho, em 2006, que autorizaram a transmissão dos cinco terrenos à Moon Ocean. Recentemente, foi anunciado que a empresa perdeu o recurso.

26 Jun 2015