Só conversa (吹水)

Strange days have found us
Strange days have tracked us down
They’re going to destroy our casual joys
We shall go on playing or find a new town, yeah

The Doors, Strange Days

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão dias estranhos, estes que vivemos agora em Macau, e se não se pode dizer que estes dias tenham vindo atrás de nós e nos tenham encontrado, pode-se dizer que fomos nós que os procuramos, e se não formos cuidadosos, pode ser que arruínem a nossa felicidade. Discutem-se por aí agora questões que tiveram todo o tempo do mundo para ser discutidas, como sejam a identidade, e que papel desempenha cada um no contexto da RAEM. Tudo isto tem sido o mote para as mais variadas análises, que vão da simples opinião até a estudos mais ou menos elaborados, e se há alguma conclusão que pode ser retirada, é que não há conclusões a retirar. Tudo varia conforme o que se procura saber, e junto de quem. Macau é assim, uma terra de contrastes e de pessoas que contrastam, e permitam-me o lugar comum, “cada caso é um caso”.
Quer no que concerne à questão da identidade, ou da forma como se encara esta realidade tão particular que é Macau, há um factor que é preciso ter em conta: a falta de um valor essencial que seja comum a todas as comunidades, algo precioso, original e único que seja um resultado do convívio entre todas elas, que tenha perdurado e cuja necessidade de preservar fosse unânime – em suma, uma matriz. Nunca seria fácil, mesmo que houvesse uma pretensão a tal, uma vez que Macau foi sempre tido como um lugar de passagem, parte de um plano maior, e nunca uma meta. O território usufrui hoje de um estatuto que é mais uma vez temporário, mesmo que os cinquenta anos estabelecidos até nova mudança sejam mais do que qualquer outro período da sua história recente na mesma condição. Parece confuso posto nestes termos, mas vou elaborar.
O que se sabe de Macau dos tempos remotos não é muito diferente daquilo que hoje temos; podem ter desaparecido os pescadores, mas o passatempo a que estes já se dedicavam antes de chegarem os portugueses permanece e é a principal fonte de receitas, senão a única com relevância: os jogos de fortuna e azar. A história muitos de nós conhece mais ou menos bem, mas é já partir do século XX que Macau adquire a forma tem actualmente, e nesse particular foi sempre refém dos sobressaltos da História dos dois elementos que entraram na sua génese: Portugal e a China. O primeiro, longínquo e nem sempre atento administrador, passou por três fases distintas após o evento da República, e se por um lado o gigante chinês atingiu o mesmo estatuto quase em simultâneo, tudo aquilo que veio a seguir, e praticamente até aos dias de hoje nunca transmitiu uma sensação de segurança que garantisse a Macau um desenvolvimento paralelo à sua situação política. Durante estes cem anos não se pode dizer que tenha havido um período de estabilidade que permitisse a Macau que aparecessem mais do que duas gerações, e com elas um conjunto de valores comuns que se pudessem enraizar ao ponto de valer a pena lutar por eles. Não é fatalismo, é apenas a única realidade que temos.
Por isso é que me causa alguma estranheza que se faça isto agora e com carácter de urgência. Ninguém se ralou durante os 15 anos que se passaram desde a transferência de soberania em chegar a consenso algum sobre temas como a identidade macaense, o papel da comunidade portuguesa ou como é o português-tipo em Macau, e numa perspectiva mais abrangente, qual o “peso” de cada um no contexto actual da RAEM – posso ir adiantando que o meu anda pelos 80 quilos, um pouco mais quem sabe, mas nunca acima dos 85, garantidamente. Toda esta súbita separação do trigo do joio dá até a entender que se prepara algo semelhante às Leis de Nuremberga de 1935, e torna-se urgente encontrar um lugar ao sol.
Fora de brincadeiras, e voltando à questão do consenso: não somos um povo de consensos, temos um carácter que eu não chamaria de vincado, mas antes rígido, confundimos firmeza de princípios com casmurrice, e não temos a rectidão que muitas vezes é necessária para dar o corpo ao manifesto. Neste particular julgo ter sido Martim Moniz o último a fazê-lo, antes de ser inaugurada a modalidade de “heroísmo de bancada”, em que nos tornámos exímios. As descobertas? Bem, detalhes à parte, foi no rescaldo dessa epopeia que chegámos aqui e por cá continuamos, sem que para tal nos fosse necessário ser atribuído um papel, a não ser que estejamos aqui a falar do BIR, o que nesse caso será antes um cartão. Se somos titulares deste cartão que nos permite usufruir um estatuto de igualdade perante os restantes portadores do mesmo, devemo-lo unicamente à diplomacia – não à última administração portuguesa, e muito menos ao Governo português. Aqui quando digo governo falo obviamente nos sucessivos governos, que depois de se terem servido de Macau para financiar campanhas eleitorais e outras pantominices antes da transferência de soberania, vão-se demitido lentamente dos compromissos que assumiram inicialmente com Macau, revelando sempre um distanciamento que ora se vai acentuando, ora se fica pelas boas intenções.
E é esta a imagem que passamos para os outros, para os que partilhando do mesmo estatuto que nós, e que nos é dado pelo tal BIR, têm consciência da nossa desunião e do nosso orgulho que consideram “bárbaro”, por culpa das vezes em que nos recusamos a parar para olhar um pouco à nossa volta e entender alguns sinais. A pouca queda que temos para o associativismo, que no nossa caso é misto de provincianismo e vaidade, faz com que a comunidade chinesa diga de nós que “só temos é paleio”, ou no dialecto cantonês “chui sôi” (吹水). E sim, aquele “sôi” é o caracter para “água”, que é como quem diz “saliva”, que temos de sobra e não nos inibimos de gastar. Mas há um lado positivo em tudo isto, e que foi abordado num dos tais estudos “à la minuta” que por aí apareceram: o direito de matriz portuguesa. E isso, meus amigos, é o princípio, meio e fim de todas as coisas, o que nos segura a nós e aos outros, todos os que têm BIR e alguns que não têm, e foi o maior tesouro que aqui deixámos. Fico a torcer para que tratemos dele com a maior reverência, e que lhe demos o corpo ao manifesto, se necessário. E eis finalmente qualquer coisa que valha a pena esse sacrifício.

10 Mar 2016

Tribunal, “tops” e tiques

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão nos levem o Velho Tribunal. Não transformem o Velho Tribunal numa nova biblioteca cheia de ares condicionados e janelas cromadas. A sério, até parece uma boa ideia mas não é. Até parece um acto em defesa da cultura, mas não é. Não tenho nada contra livros, muito pelo contrário, e muito menos contra bibliotecas, mas o tribunal tal como está funciona e não precisa de ser alterado- talvez um reboco aqui ou acolá, talvez pintar-lhe as paredes exteriores de várias cores, e depois mudar outra vez. Talvez não fazer nada. Transformá-lo numa biblioteca será um desperdício pois essa pode muito bem funcionar noutro sítio qualquer. Se mais fosse preciso, a realização do festival de literário de Macau, que o tem vindo a utilizar como quartel general nos dois últimos anos aproveitando as suas capacidades multidisciplinares, as recentes actuações de teatro do grupo Hiu Kok, ou as várias exposições que por ali têm ocorrido chegam para perceber o porquê deste pedido. Há algo de intrinsecamente apelativo para um artista quando se depara com um espaço que já teve outros propósitos, como fábricas antigas, ou antigos tribunais, há algo de extremamente atraente e convidativo em desenvolver expressões artísticas em espaços nus, de concreto à vista, que parecem predispostos a tudo, disponíveis para acolherem as mais díspares manifestações. Tal como numa pintura o artista deve perceber quando é altura de parar, neste caso é preciso entender não ser necessário embelezar nem reconverter, bastando conservar. Poupa-se dinheiro e dota-se a cidade de um espaço multidisciplinar, atraente para as artes, onde tudo pode acontecer bem no centro da cidade. Quando tanto se fala na promoção da criatividade e das artes em geral, que melhor do que um local como o Velho Tribunal para a sua promoção? Entidades governamentais competentes, pensem nisso, por favor. Ainda estão a tempo de mudar de ideias.

Tops

Das coisas mais irritantes com que nos deparamos nos dias de hoje é a proliferação de rankings para tudo e mais alguma coisa. A praia mais bonita do mundo, a cidade mais não sei quê, os principais destinos para umas férias assim, os melhores locais para não sei quê assado, os mais ricos, os mais bonitos, os mais…. livra! Não há traseiro que aguente. Listas feitas para idiotas que não sabem distinguir, para incapazes de perceberem o que é melhor para eles, para bandos de carneiros se poderem juntar às moles e tirarem mais uma selfie à frente do não sei quê que está no top de não sei que mais. Mas, pior do que isso, quando se fala de destinos turísticos, é o orgulho pateta dos autóctones, quiçá mais seguros de si por viverem na cidade com mais igrejas, ou com mais pessoas de calções cor-de-rosa. Depois vêm os resultados. Porque quando se atraem muitas moscas o melhor é dar-lhes poias com fartura pois, caso contrário, o mosquedo vai varejar para outras paragens. Coitados dos locais, entretanto, zonzos no meio do zumbido, nauseados pelo número de poias bruscamente plantadas aqui e acolá. É o que me ocorre quando olho para a minha cidade natal, Lisboa, a ficar descaracterizada, dia após dia, em função de um fogo fátuo chamado turismo, embriagada em gourmets e boutiques, atarantada com tuk tuks e quejandos como se andar de triciclo motorizado fosse coisa de local desenvolvido e não uma necessidade de povos com menos recursos como os tailandeses, os cambojanos ou os indianos, fartos que estão de não terem autocarros não poluentes como Lisboa ou sistemas de metropolitano abrangentes. O turismo, esse tesouro dos países subdesenvolvidos, essa arma de arremesso de políticos populistas e sem ideias, especialmente quando é gerido de forma provinciana como em Portugal (e noutros locais mais próximos de nós) é apenas um bem temporário e nunca uma solução de fundo pela quantidade de impactos negativos que provoca e já mais do que estudados. Mas as pessoas não aprendem, não querem aprender ou, ignorantes por falta de mundo, não sabem. Portugal, em boa verdade, só evolui na aparência porque, lá no fundo, continua a ser formado, na sua maioria, por um povo de simplórios com tiques de grandeza desejosos de serem aceites entre os que considera importantes nem que para isso tenha de se prostituir.

Tiques

E por falar em tiques, mais ou menos pategos, custou-me ver o Festival Literário de Macau abrir com uma sessão em chinês… e inglês. Depois de ter sido revelado à imprensa a política da organização em não convidar autores banidos na China , foi também banido o português na abertura oficial, idioma oficial de Macau para os mais distraídos, e substituído pelo inglês, língua oficial de Hong Kong. Até percebo os desejos de internacionalização do festival e consequente reorientação estratégica ao abrir o elenco a escritores de outras línguas que não o português e o chinês para dar mais mundo ao evento, mas numa cerimónia de abertura de um evento organizado por um jornal português, numa terra onde os simbolismos políticos são tão importantes, com a presença do Secretário Alexis Tam que representa a cultura do território e fala português, numa sessão onde, ainda por cima, existia tradução simultânea, por mais que tente entender não consigo. A não ser à luz da eterna reverência portuguesa que nem aqui, tão longe de casa, continua a assomar nos comportamentos e de um processo de autocensura que, como o próprio convidado do festival, Chan Koonchung, dizia ontem nas páginas deste jornal, “é sempre uma das coisas mais perigosas”. Mas não pensem que tenho algo contra o festival, muito pelo contrário. É, provavelmente, o evento mais interessante do território. Mas não me lixem. Full stop.

Música da Semana

David Bowie – “We Are Hungry Men”

“We are not your friends
We don’t give a damn for what you’re saying
We’re here to live our lives
I propose to give the pill
Free of charge to those that feel
That they are not infertible
The crops of few, the cattle gun
There’s only one way to linger on
So who will buy a drink for me, your
Messiah”

9 Mar 2016

Caso Ho Chio Meng – Afinal… em que ficamos?

* Por Mário Alves Cardoso, advogado

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]todos os títulos, é uma questão bem curiosa, jurídica e socialmente interessante, a que agora se levantou a propósito do julgamento do pedido de habeas corpus interposto pelo antigo Procurador do Ministério Público de Macau e actual Procurador-Adjunto, Ho Chio Meng.
Questão essa que, sucintamente, se traduz no seguinte: qual a posição, qual o estatuto de que o magistrado em causa gozava no momento em que interpôs o pedido de habeas corpus, alegando a ilegalidade da prisão preventiva decretada pelo TUI ?
Para ele, para a sua defesa, a fundamentação do pedido era simples, crê-se: o arguido, magistrado do Ministério Público, não podia ser nem detido nem preso preventivamente, tendo em conta o n.º 1 do art.º 33.º do Estatuto dos Magistrados ( que é uma lei especial, sublinhe-se, e prevalece por isso sobre as leis gerais, nomeadamente sobre o Código de Processo Penal ), o qual estipula que « Os magistrados não podem ser detidos ou preventivamente presos antes de pronunciados ou de designado dia para a audiência, excepto em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 ( três ) anos.»
E, no entanto, o magistrado em causa foi detido e depois colocado em prisão preventiva, sem que estivesse pronunciado, sem que houvesse dia designado para a audiência de julgamento e, mesmo, sem que houvesse acusação por parte do Ministério Público.
Apresentado o arguido ao TUI, foi este órgão judicial supremo que tomou a decisão de o colocar em prisão preventiva. Ou seja, considerou-se competente para tal, face ao art.º 44.º da Lei de Bases da Organização Judiciária da RAEM, que determina, na alínea 8), a competência daquele tribunal para « julgar processos por crimes e contravenções cometidos pelos magistrados referidos na alínea anterior. » ( ou seja, por Juízes de Última Instância, pelo Procurador, por Juízes de Segunda Instância e por Procuradores-Adjuntos ).
Julgou-se, pois, o TUI competente para apreciar, quer tivesse considerado a categoria profissional do arguido à data dos alegados factos criminosos ( Procurador ) ou a categoria à data da decisão ( Procurador-Adjunto ). De resto, o arguido fora já ouvido no CCAC, em 4 de Fevereiro de 2015 — de acordo com a Comunicação Social de matriz portuguesa –, pouco antes de ter sido nomeado coordenador da Comissão de Estudos do Sistema Jurídico-Criminal.
Pois bem: de acordo igualmente com notícias da mesma Comunicação Social, em favor da decisão que indeferiu o pedido de habeas corpus militou a circunstância de o TUI considerar que não era aplicável ao caso a citada norma especial do art.º 33.º do Estatuto dos Magistrados. Isto pelo facto – ainda de acordo com o noticiado nos jornais – de o arguido não estar actualmente a desempenhar funções de magistrado do MP mas outras estranhas à sua magistratura.
Dando como certo este ponto de vista, esta posição do TUI – que não conhecemos em pormenor por só ter sido publicitada pelo tribunal, até agora, a versão em língua chinesa do acórdão proferido –, levanta-se então uma importante questão, cremos, e salvo melhor e fundada opinião: a competência do Tribunal de Última Instância para o processo em causa.
Para isso, há que esclarecer: o que é que altera ( ou não ) o ponto de vista alegadamente adoptado pelo TUI no que respeita à sua competência para julgar o processo-crime relativo a um ex-Procurador e actual Procurador-Adjunto ? Será que o facto de considerar não aplicável in casu o art.º 33.º do Estatuto dos Magistrados ao arguido, por não se encontrar na situação de exercício efectivo de funções judiciais, poderá levar a que se conclua também que, então, a sua condição, o seu « estatuto de magistrado » está suspenso ? E que, face a essa suspensão, não seria aplicável ao caso a regra da competência do TUI estabelecida na Lei de Bases da Organização Judiciária?
Afigura-se-nos — salvo melhor opinião –, no que respeita à competência para apreciar e julgar, que o TUI continua a ser o tribunal competente face ao disposto na Lei de Bases da Organização Judiciária, porque o arguido não deixou de ser magistrado com determinada categoria, no caso, Procurador-Adjunto.
Mas, se para este efeito o arguido continua a ser magistrado e com aquela categoria, e, por conseguinte, a competência do TUI se mantém – independentemente de o magistrado estar, ou não, no exercício efectivo de funções judiciais –, então a subordinação plena, total, do arguido ao Estatuto dos Magistrados ( aos deveres que ele impõe mas também ao benefício dos direitos que nele estão consignados ) parece-nos inevitável.
De resto, é o próprio Estatuto dos Magistrados que decide, que expressamente consigna, a única excepção a esta regra de subordinação dos profissionais do foro abrangidos, ao estipular, no n.º 6 do artº 72.º, que « A pena de demissão importa a perda do estatuto de magistrado conferido pelo presente diploma e dos correspondentes direitos. »
Face ao ponto de vista alegadamente expresso pelo TUI na decisão que indeferiu o habeas corpus requerido – ou seja, a impossibilidade de o arguido se socorrer da norma constante do art.º 33.º, que lhe confere o direito a não ser detido nem preso preventivamente quando não se verificam as situações ali referidas, decorrente do facto de estar a desempenhar outras funções que não as judiciais –, posição radical ( polémica, certamente ) poderia então equacionar-se, concretamente a seguinte: o magistrado que deixe de exercer, temporariamente, as funções judiciais inerentes ao seu cargo e categoria passa, automaticamente, a deixar de estar abrangido pelas regras do Estatuto dos Magistrados.
Ou seja, a sua condição de magistrado passa a estar suspensa, não produzindo ela quaisquer efeitos enquanto se mantiver a situação de não exercício das funções judiciais. Assim sendo, não seriam aplicáveis ao magistrado com essa condição suspensa, e por causa disso, quaisquer regras jurídicas que se reportem à condição de magistrado.
Forçoso seria, então, de concluir, por exemplo, que os tribunais de última e de segunda instância – competentes, como se viu, para apreciarem processos e decidirem acções que envolvam magistrados – deixariam, nessa circunstância, de o ser, dada a ausência, temporária, da condição de magistrados dos arguidos. Passando, então, a competência para apreciar os crimes e contravenções, alegadamente praticados por aqueles magistrados « suspensos », para os tribunais de base, de primeira instância.
É um facto que o comunicado emitido pelo TUI na sua página oficial electrónica apenas refere não ter admitido o pedido o pedido de habeas corpus porque este « só pode ser pedido e concedido nos termos prescritos na lei, fundamentando-se, obrigatoriamente, nas situações enumeradas nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 206.º do Código do Processo Penal. Outros tipos de eventual prisão ilegal não podem servir de fundamento do pedido de habeas corpus. » Não há, pois, no comunicado qualquer referência ao alegado « ponto de vista do tribunal » quanto à não aplicabilidade do referido art.º 33.º do Estatuto dos Magistrados à situação concreta do arguido, o não exercício efectivo, no momento, de funções judiciais.
Repita-se: não conhecemos o texto exacto ( em língua portuguesa ) do acórdão proferido. Mas, conhecemos o comunicado oficial em Português divulgado pelo tribunal. E, perante ele, é forçoso concluir: o indeferimento do pedido de habeas corpus nada tem a ver com a aplicabilidade, ou não, do art.º 33 do Estatuto dos Magistrados.
Tem a ver, sim – e, pelos vistos, exclusivamente –, com o facto de o tribunal ter considerado não estar preenchido nenhum dos pressupostos exigidos pelo art.º 206.º do Código de Processo Penal para o deferimento de um tal pedido de libertação de arguido preso. Ou seja, que: a ) a prisão foi ordenada por entidade incompetente; b ) foi motivada a prisão por facto pelo qual a lei a não permite; e c ) que a prisão se manteve para além dos prazos fixados pela ou por decisão judicial.
Todavia, escreveu-se num jornal: « O juiz Sam Hou Fai acrescentou ainda que , para inverter a situação de prisão preventiva, Ho Chio Meng teria de interpor um recurso e não fazer um pedido de habeas corpus. » ( « Hoje Macau », 2 de Março ). Permita-se-nos que perguntemos: o meritíssimo juiz-presidente do TUI afirmou, na audiência de julgamento do pedido, aquilo mesmo que atrás está referido? Que o arguido em causa teria que interpor um recurso da decisão que ordenou a sua prisão preventiva ? Um recurso ? Mas para quem ?
Com todo o respeito que o tribunal, as pessoas e a matéria nos merecem, isto demonstra claramente a incongruência do sistema jurídico quando se trata de decisões do TUI tomadas em primeira instância, pois que, como é sabido, é jurisprudência daquele tribunal delas não ser admissível recurso.
Ao arrepio da justiça e do bom-senso, como o reconhece a maioria da comunidade jurídica da RAEM. E, provavelmente, como o sente o próprio Tribunal de Última Instância.

8 Mar 2016

Infidelidade

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]que é a infidelidade e de que forma é tolerada, ultrapassada ou pura e simplesmente recusada no âmbito de um relacionamento romântico e sexual?

A psicologia evolutiva preconiza que os homens e as mulheres perceberão como problemática a infidelidade de forma distinta, caindo, por isso, noutro cliché de género. Os homens ficarão mais magoados por saberem que o seu parceiro(a) se envolveu sexualmente com alguém, enquanto que as mulheres ficarão mais magoadas por saberem que o seu parceiro(a) nutre sentimentos românticos por outra pessoa. Ademais, diz a disciplina que há razões evolutivas para os homens procurarem relacionamentos extra-conjugais, enquanto que as mulheres terão mais vantagens em permanecer em relações monogâmicas. Uma matemática simples, mas complicada de concretizar, se os homens e as mulheres procuram na natureza da relação coisas completamente diferentes, algum dia encontrarão compatibilidade?
Se há casais felizes por esse mundo fora é porque muito provavelmente encontraram um consenso em relação a muitas coisas, em especial, de como a relação extra-conjugal é entendida. Como defensora de explicações não-redutoras de qualquer fenómeno, parece-me vantajoso dissecar ao tutano este diálogo relacional, no âmbito pessoal e científico, da significação do sentimento de traição por quem vê o seu amado envolvido numa outra relação íntima. A infidelidade, a traição ou adultério envolve-se de complexidade cognitiva, relacional e social.

O relacionamento ‘extra’, como é encarado de forma polémica, mas não obstante, de uma forma muito sensual, preenche a imaginação dos criadores consumidores de literatura, cinema e… de telenovelas. A combinação de sensualidade, rebeldia e dramatismo transforma qualquer história aborrecida em qualquer coisa mais aliciante – escandalosa! E são estas as histórias e outras práticas que invadem a modelação de atitudes e de práticas (extra) relacionais. Com a imperativa diversidade que para aí anda, diria que a construção ideológica do sexo e do amor (e as suas dissonâncias) que cada um de nós carrega resultará em assumpções não-universais da infidelidade.

A habitual assumpção de que a causa da procura do outro para além da díade provém de um descontentamento relacional, pode ser contestada. Muitas vezes, não se vai à procura de outra pessoa porque o relacionamento sente falta de qualquer coisa (sexo?). O descontentamento não está no outro, mas em si mesmo. O descontentamento em relação ao que somos e fazemos é o maior propulsor pela procura exterior de novidade. O desconhecido incentiva a nossa reinvenção e inovação. A consequência, sim, pode ser um relacionamento quebrado e desentendido, que poderá ser reinterpretado, arranjado ou esquecido. O melhor que as pessoas envolvidas podem fazer por isso.

Há por aí uma senhora, uma terapeuta conjugal, que é muitas vezes convidada a falar em palestras sobre a questão da infidelidade: Esther Perel. Na sua descrição de ‘porque é que casais felizes traem?’ chegamos à conclusão que a infidelidade não tem anda que ver com as nossas ideias pré-concebidas. Da sua experiência com casais que sofrem com a descoberta que existe uma terceira pessoa, o relacionamento passa por uma transformação que até pode ser bastante positiva para o casal que quer salvar o seu relacionamento. Ou pode ser positiva também para o casal que decide terminar e seguir com as suas vidas. Afinal, a infidelidade, por pior que seja para diferentes pessoas, até pode ser uma abertura para discutir o relacionamento, se assim o quiserem, constituindo a rotura necessária para o novo começo.

De relembrar, contudo, que os relacionamentos extra-relacionais podem ser não dramáticos quando fazem parte do acordo entre casal. Amante(s) podem ser a norma e não a disrupção: tudo por casais felizes.

8 Mar 2016

Corrupção de alto nível

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]sta semana as atenções focaram-se na prisão do antigo Procurador-geral Ho Chio Meng (Ho), por alegada fraude.
O website “macaodailytimes.com.mo” fez notícia do assunto no passado dia 27 de Fevereiro, divulgando que Ho estava “sob investigação do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) por alegado envolvimento em negócios ilegais. Estas operações fizeram movimentar cerca de 167 milhões de patacas e tiveram lugar entre 2004 e 2014, período durante o qual Ho chefiou o Ministério Público.”
Segundo o comunicado de imprensa do CACC, emitido no sábado à tarde, “destas transacções, os suspeitos deverão ter recebido em luvas pelo menos 44 milhões de patacas.”
O caso ainda está sob investigação. Notícias de última hora davam conta que o Tribunal rejeitou o habeas corpus interposto por Ho.
“Habeas Corpus” significa literalmente em latim “Que Tenhas o Teu Corpo”. Consiste basicamente num pedido de restituição de liberdade.
O website “wikipedia” informa que Ho foi o primeiro Procurador-geral da Região Administrativa Especial de Macau, a ser designado para três mandatos, em 1999, 2004 e 2009.
Em 1983, Ho doutorou-se em Direito pela Universidade de Direito e Ciências Políticas Southwest, na China. Entre 1987 e 1990 foi Juiz Assistente, Juiz e Presidente do Tribunal do Povo da província de Guangdong. Voltou a Macau em 1990. Pouco depois foi para Portugal, para a Universidade de Coimbra, com o objectivo de aprofundar os seus conhecimentos de Português e de Direito. De regresso a Macau obteve o bacharelato em Direito pela Universidade da cidade.
Já em Macau, em 1998, frequentou um curso de formação destinado a funcionários públicos seniores, no Instituto Chinês de Administração Nacional, e completou o doutoramento em Direito Económico na Universidade de Pequim em 2002.
Com este currículo, não admira que tenha sido designado para o cargo de Procurador-geral da RAEM
Confrontados com este caso, não podemos deixar de nos lembrar de outro, o de Ao Man Long (Ao). Ao foi preso a 8 de Dezembro de 2006 na sequência de uma investigação do CCAC, e tornou-se o mais alto funcionário a ser preso em Macau. Alegadamente, Ao tinha dado preferência em projectos governamentais a certas empresas, em negócios que montaram a 804 milhões de patacas. A 30 de Janeiro de 2008, Ao foi considerado culpado de 40 acusações de suborno passivo, entre outras, e foi condenado a 27 anos de prisão.
Se Ho for condenado, irá tornar-se o segundo funcionário de patente mais elevado a ser preso em Macau.
Existe um ponto comum nos caos de Ho e de Ao – os cargos elevados que ocupavam. Foi apenas há cerca de 16 anos que a transferência de soberania de Macau foi efectuada, mas neste espaço de tempo um funcionário superior foi preso por suborno e outro está preso sob suspeita. A imagem do Governo de Macau é afectada por estas situações.
De qualquer forma, o CCAC desempenhou bem as suas funções e os comunicados de imprensa que emitiu transmitiram a mensagem correcta. Estas medidas poderão ajudar a repor a boa imagem do Governo macaense.
Mas é vital que a longo prazo se possa impedir que casos como estes voltem a acontecer. Por exemplo, não será preferível que o Governo tenha apenas um departamento para coordenar todos os contratos? Independentemente da natureza do que estiver a ser negociado e de quem for o seu responsável, este departamento único desempenharia a função de regulador das boas práticas negociais, evitando que se possam cometer fraudes com facilidade.
Mas de qualquer forma é necessário que haja uma investigação a fundo do caso Ho. Se efectivamente foi cometido um crime, é indispensável que seja feita uma acusação. Se o crime não ficar provado, Ho deve ser libertado. Um procedimento correcto e independente é indispensável, não só para que seja feita justiça, mas também para que o público compreenda que todos são iguais perante a Lei, seja qual for a sua posição social e as suas relações com o poder.
Os casos de Ao e Ho já ocorreram. O importante é evitar que outros semelhantes voltem a acontecer.

*Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

7 Mar 2016

PERSPECTIVAS |A vida sem violência é um direito humano fundamental

[drocap style=’circle’]A[/dropcap] ONU define a violência contra as mulheres como qualquer acto de violência de género que resulte, ou possa ter como resultado um dano físico, sexual ou psicológico para a mulher, incluindo as ameaças de tais actos, a coacção ou a privação arbitrária da liberdade, ocorrida em público ou em privado. A violência familiar refere-se ao comportamento do parceiro ou ex-parceiro íntimo, que causa dano físico, sexual ou psicológico, incluídas a agressão física, coacção sexual, abuso psicológico e os comportamentos de controlo.
A violência sexual é qualquer acto sexual, a tentativa de consumar um acto sexual, ou outro acto dirigido contra a sexualidade de uma pessoa por meio de coacção de outra pessoa, independente da sua relação com a vítima. A violência contra as mulheres é um problema grave de saúde pública, bem como uma violação flagrante dos direitos humanos da mulher. A nível mundial, uma em cada três mulheres, em todo o mundo, foram vítimas de violência física e/ou sexual do seu companheiro, ou violência sexual por pessoas diferentes do seu parceiro íntimo, em algum momento da sua vida.
Ainda que, as mulheres possam ser expostas a muitas outras formas de violência, consta-se que uma elevada percentagem da população feminina mundial, senão na sua maior parte é vítima de violência doméstica. A maioria dos casos é violência infligida pelo seu parceiro íntimo. É de considerar que, em todo o mundo, quase um terço de todas as mulheres que tiveram um relacionamento de casal, referem ter sido vítimas de violência física e/ou sexual por parte do seu companheiro, e em algumas regiões, este valor pode ser muito superior.
A nível mundial, cerca de 40 por cento do número total de homicídios femininos são cometidos pelo seu parceiro íntimo, o que mostra ser um cenário alarmante. As mulheres que têm sido vítimas de abuso físico ou sexual pelos seus parceiros íntimos, correm um maior risco de sofrer uma série de graves problemas de saúde. Assim, por exemplo, têm mais 16 por cento de probabilidades de dar à luz crianças com baixo peso, e mais do dobro de sofrer um aborto, ou quase o dobro de padecer uma depressão e, em algumas regiões, são uma vez e meia mais propensas a contrair o vírus do HIV, por comparação com as mulheres que não tenham sido vítimas de violência doméstica.
A nível mundial, 7 por cento das mulheres foram agredidas sexualmente, por uma pessoa distinta do seu parceiro íntimo. Ainda que, exista menos informação sobre os efeitos da violência sexual não conjugal na saúde, da informação existente depreende-se que as mulheres que sofreram esta forma de violência, são 2,3 vezes mais propícias a desenvolver distúrbios relacionados com o consumo de álcool, e 2,6 vezes mais inclinadas, a sofrer de depressões ou ansiedade. Assim, existe a necessidade de redobrar os esforços em várias áreas, de forma a prevenir esta forma de violência, e oferecer os serviços necessários às mulheres que sofrem.
A mudança assinalada na prevalência da violência dentro das comunidades, países e regiões, ou entre estes, põe em evidência que a violência não é inevitável, e que pode ser prevenida. Existem programas de prevenção promissores, que terão de ser testados e alargados, e há cada vez mais informação sobre os factores que explicam a modificação observada em todo o mundo. Tal informação, mostra a necessidade de abordar os factores económicos e socioculturais, que fomentam uma cultura de violência contra a mulher, incluindo a importância de interrogar as normas sociais que reforçam a autoridade, e a dominação do homem sobre a mulher, e aprovam ou toleram a violência contra as mulheres.
É necessário reduzir o grau de exposição à violência na infância, reformar o direito da família, promover os direitos económicos, sociais e culturais da mulher, e acabar com as desigualdades de género no acesso ao emprego na economia formal e ao ensino secundário. É necessário também, prestar serviços às vítimas de violência. O sector da saúde deve desempenhar um papel mais importante, quando tenha de dar resposta à violência por parceiro íntimo e sexual contra a mulher. As novas directrizes clínicas e normativas sobre a resposta do sector da saúde à violência contra a mulher, revelam a necessidade urgente de integrar estas questões na educação clínica.
É importante que todos os prestadores de cuidados saúde entendam que a exposição à violência e má saúde das mulheres estão intimamente relacionadas, e que podem dar respostas adequadas, sendo um aspecto fundamental, o de encontrar oportunidades para oferecer apoio e encaminhar as mulheres a outros serviços que carecem, como por exemplo, quando as mulheres procuram acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, como o cuidado pré-natal, planeamento familiar, pós-aborto, serviços de rastreio do vírus HIV, saúde mental ou de urgência.
A disponibilidade de serviços complementares de cuidado às vítimas de violações, deve ser assegurado, e o acesso aos mesmos numa escala maior que a existente na maior parte dos países. A violência contra a mulher, especialmente a exercida pelo seu parceiro íntimo e a violência sexual, são um grave problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos das mulheres. É de notar que o baixo nível de instrução, abuso infantil, exposição a cenas de violência na família, uso nocivo do álcool, atitudes de aceitação da violência e as desigualdades de género, são factores associados a um maior risco de serem cometidos actos violentos.
Os factores associados ao aumento da possibilidade de ser uma vítima do parceiro íntimo ou de violência sexual, incluem um baixo nível de educação, a exposição a cenas de violência entre os pais, abuso durante a infância, atitudes de aceitação da violência e desigualdades de género, e em famílias de altos rendimentos, existe informação que permite mostrar que os programas escolares de prevenção da violência por parceiro íntimo, ou violência na fase de namoro entre os jovens podem ser eficazes. As estratégias de prevenção primária nas famílias de baixos rendimentos, parecem ser prometedoras, como sejam, o microfinanciamento conjuntamente, com a formação em igualdade de género e as iniciativas comunitárias direccionadas contra a desigualdade de género, ou inclinadas a melhorar a comunicação e aptidões para as relações interpessoais.
As situações de conflito, pós-conflito e deslocamento podem agravar a violência, como a violência por parte do parceiro íntimo, e originar formas adicionais de violência contra as mulheres. A violência do parceiro íntimo e a violência sexual são cometidas na sua maioria por homens, contra mulheres e crianças do sexo feminino, ainda que o oposto tenha vindo a aumentar.
O abuso sexual infantil afecta crianças do sexo feminino e masculino. Os estudos realizados demonstram que aproximadamente 20 por cento das mulheres e 5 a 10 por cento dos homens, referem ter sido vítimas de violência sexual na infância. A violência entre os jovens, que inclui também a violência doméstica é outro sério problema. As crianças que crescem em famílias, em que existe violência, podem sofrer diversos transtornos de comportamento e emocionais. Estes transtornos, podem associar-se também, à acção ou ao sofrimento de actos de violência, em fases posteriores da sua vida.
A violência doméstica também está associada a maiores taxas de mortalidade e morbilidade em menores de cinco anos. Os custos sociais e económicos deste problema são enormes, e repercutem-se por toda a sociedade. As mulheres podem ficar numa situação de isolamento e impossibilitadas de trabalhar, perder o seu emprego ou salário, deixar de participar nas actividades diárias, e ver diminuídas as suas forças físicas e anímicas para cuidar de si e dos seus filhos. Existem poucas intervenções actualmente, em muitos países, cuja eficácia tenha sido demonstrada por meio de estudos bem delineados e revelados à sociedade.
É necessidade urgente a existência de mais recursos para reforçar a prevenção da violência pelo parceiro íntimo e a violência sexual, sobretudo no campo da prevenção primária, para impedir que se produza o primeiro episódio. Quanto à prevenção primária, existe alguma informação correspondente a países de altos rendimentos, que sugerem que os programas escolares de prevenção da violência nas relações de namoro são eficazes. Todavia, não foi avaliado a sua possível eficácia em meios de recursos escassos. A fim de propiciar mudanças duradouras, é importante que se façam leis e se formulem políticas que protejam a mulher, combatam a discriminação da mulher, fomentem a igualdade de género e ajudem a adoptar normas culturais mais pacíficas.
A resposta adequada do sector da saúde pode ser de grande ajuda para a prevenção da violência contra a mulher. A sensibilização e a formação dos prestadores de serviços de saúde e de assistência social constituem outra estratégia importante. Abordar de forma integral as consequências da violência e as necessidades das vítimas supervenientes requer uma resposta multissectorial. Estas considerações são defendidas com maior veemência no relatório da Organização Mundial de Saúde “Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence” de 2013.
O relatório apresenta a primeira revisão sistemática e resumo de todas as informações científicas sobre o predomínio de duas formas de violência contra as mulheres, nomeadamente a violência pelo parceiro íntimo ou violência doméstica e a violência sexual infligida por outra pessoa, que não seja o parceiro íntimo, e denominada por violência sexual não conjugal. As previsões agregadas a nível mundial e regionais do predomínio destas formas de violência, obtidas a partir de informações demográficas mundiais recolhidas de forma sistemática foram apresentadas no relatório, pela primeira vez.
As conclusões do relatório são impressionantes e devem ser tidas em conta na feitura das leis sobre a matéria. O relatório salienta que a violência contra a mulher é um fenómeno omnipresente em todo o mundo e transmite a forte mensagem que não se trata de um pequeno problema que afecta apenas alguns sectores da sociedade, mas também, de um problema de saúde pública mundial de proporções epidémicas, que requer a adopção de medidas urgentes.
A “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, denominada de “Carta Internacional dos Direitos da Mulher”, foi adoptada pela ONU, a 18 de Dezembro de 1979, e entrou em vigor 3 de Setembro de 1981, sendo seguida da “Declaração Sobre A Eliminação Da Violência Contra As Mulheres” da ONU, de 20 de Dezembro de 1993.
A “Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica” foi adoptada, em Istambul, a 11 de Maio de 2011, e entrou em vigor a 1 de Agosto de 2014. O seu principal objectivo é o de prevenir e averiguar os actos de violência sobre as mulheres em geral, e a violência doméstica, em particular. É de realçar que a “Lei da Violência Doméstica” da China, entrou em vigor, a 1 de Março de 2016.
É necessária uma intervenção a nível mundial, pois uma vida sem violência é um direito humano fundamental inerente a todos os homens, mulheres e crianças.

Jorge Rodrigues Simão

4 Mar 2016

O português em Macau

[dropcap style=’circle’]L[/dropcap]i com algum interesse o artigo neste jornal sobre a tese da doutoranda Vanessa Amaro que se debruçou sobre os padrões de comportamento dos portugueses em Macau. (*)
Naturalmente, quando se faz um estudo dessa natureza não é de todo inesperado que os resultados obtidos desencadeiem discussões agrestes, conforme se constata no próprio website do Hoje Macau onde o dito artigo pode ser lido.
Generalizar é sempre perigoso – mais ainda quando (1) o universo de inquiridos se limita a um pequeno grupo de 60 portugueses e (2) o público é incapaz de interpretar de forma devida os resultados do estudo.
Não se pretende com esse comentário tirar mérito ao trabalho feito o qual, conforme acima referido, me despoletou curiosidade por se tratar de um tema bastante interessante.
O importante, parece-me, é ter-se consciência de que se trata de um estudo assim talhado e que, por isso, não querendo colocar em causa os resultados obtidos e as conclusões tiradas pela autora, há que aceitar que logo ao virar da esquina poderemos encontrar um português aqui em Macau com um comportamento diametralmente oposto.
Dito isso, vou deixar aqui algumas considerações sobre o que me pareceu mais intrigante, esclarecendo-se desde já que o faço apenas com base no artigo do jornal, cujas passagens vou transcrever.

O carácter temporário

“Uma coisa comum é que todos pensam Macau como uma coisa muito temporária (…), nunca compraram casa, não aprenderam chinês porque sempre tiveram a intenção de um dia ir embora.”
Já estivemos pior – se é que se possa considerar o “carácter temporário” uma coisa má.
O que é certo é que antes da transferência de soberania esse “carácter temporário” era muito mais forte pois o português vivia Macau num cenário de contagem decrescente.
Contudo, as coisas estão a mudar. Frequentemente assisto a conversas entre pais portugueses sobre a educação dos filhos e preocupações com a língua chinesa, não descartando a possibilidade de um futuro em Macau. Não significa que se tenha descartado o “carácter temporário”. Quando muito, abandonou-se a ideia do regresso já agendado.4316P22T1
É claro que existem sempre uns ilustres que assumidamente não gostam de cá estar, mas que aqui estão porque, enfim, não têm outra alternativa.
Mas há também outros recém-chegados que gostam genuinamente de cá estar e não sentem necessidade de planear uma eventual saída. E isto para não falar daqueles que já aqui estão há uma data de anos, já se multiplicaram, e que não se conseguem imaginar a viver noutro sítio tão cedo. Alguns, mesmo já reformados, são incapazes de deixar Macau para sempre: passam umas temporadas cá e outros lá, vêm e vão conforme a saudade lhes aperta – seja ela em que sentido for.

Rejeição do termo emigrante

“Outro denominador comum é a recusa do termo emigrante para definir um português que vive em Macau, por ser pejorativo.”
Esse comportamento não se restringe apenas aos portugueses. Em geral, muitos que aqui estão, portugueses ou não, preferem a expressão “expatriado”, precisamente para evitar o cunho negativo que a expressão “emigrante” traz consigo.
No entanto, já me parece mais grave quando se lê no artigo que os portugueses em Macau poderão considerar “(…) uma ofensa colocá-los em pé de igualdade como outras comunidades, como os filipinos (…)” e que terá a ver com “(…) a necessidade de a comunidade se tentar posicionar como elite.”
É um facto que alguns têm essa mentalidade da elite, talvez fruto de um certo orgulho ferido. Contudo, e curiosamente, é também após a transferência de poderes que se observa em Macau a presença de portugueses com condições de trabalho e formas de vida não muito diferentes das dos nossos amigos da comunidade filipina.
Portanto, ainda que existam os tais com a mania da elite – e felizmente não serão muitos, seguramente uma minoria – há também outros que têm uma postura admiravelmente humilde.

E finalmente: a bolha

“(…) a bolha em que vivem alguns portugueses, que adoptaram a ideia de que podem fazer a sua vida sem ter de aprender chinês (…), fecham-se nos seus grupos e fazem toda a sua vida no circuito português.”
A bolha existe sim. E a língua é o factor principal.
Questionou-me um dia um amigo meu da faculdade, que já aqui esteve por duas vezes, por que razão não falam chinês os portugueses em Macau.
Dizia ele – com razão – que o português que fixe residência em qualquer outro país que seja aprende sempre a falar a língua local.
A minha resposta?
Este é um assunto para ser tratado com pinças e não quero (voltar) a ser mal interpretado e, como tal, limito-me a dizer o seguinte: tive o privilégio de ser educado desde muito cedo a aceitar de forma objectiva a transferência de soberania.
Por essa razão hoje, na qualidade de português de Macau e em Macau, vivo harmoniosamente na RAEM sem complexos.
Há coisas que levam tempo a mudar – estamos a falar de uma alteração profunda de mentalidade.
E, analisando bem as coisas, a RAEM existe há apenas 16 anos.
É preciso dar tempo ao tempo.

Sorrindo Sempre

Voltou à carga o nosso amigo Roy Eric Xavier. Como se não bastasse a birra que fez no passado quando instituições locais lhe recusaram o apoio para um projecto pessoal, agora, por alguma razão, decidiu acusar os líderes da comunidade macaense de miopia cultural. (**)
As bombas que o senhor doutor lança sazonalmente já se tornaram habituais e a malta até já encolhe os ombros. Tal como o cão do vizinho que ladra sempre que alguém passa por perto – era preferível que não ladrasse, mas como está fechado dentro de casa e atrás da porta, também já pouco nos importamos.
Melhor de tudo continua a ser a sua definição de Macaense – o tal International Macanese – que, confesso, ainda hoje fui incapaz de compreender.
E mais baralhado fiquei depois de ler as suas últimas declarações: os Macaenses são “(…) os portugueses euroasiáticos (…) nascidos em Macau ou os descendentes de portugueses euroasiáticos nascidos ou com ligações familiares a Portugal, Goa, Índia Ocidental, sul da China (…) Japão, Malásia, Indonésia ou Timor”. (***)
Com definições assim, não admira o senhor doutor considerar os líderes da comunidade Macaense uns míopes culturais.
Porque afinal o mundo está cheio de Macaenses – de Portugal a Timor e até mesmo no Japão, os porutugaru kei nihonjin são também Macaenses, a Tina Yuzuki é também Macaense – mas por alguma razão ninguém os reconhece como tal, ninguém os consegue ver.
Mas, tal como os extra-terrestres que a pouco e pouco vão colonizando o planeta Terra sem nos apercebemos – they are out there.

(*) Hoje Macau, edição de 29 de Fevereiro de 2016
(**) JTM, edição de 25 de Fevereiro de 2016
(***) JTM, edição de 1 de Março de 2016

4 Mar 2016

Perguntaram a Jesus?

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]último fim-de-semana marcou um retrocesso civilizacional em Portugal, com mais um acto de censura por parte da Igreja Católica, e a conivência do seu rebanho, que se diz “indignado”. Tudo por causa de um cartaz do Bloco de Esquerda, destinado a assinalar a aprovação no último dia 10 de Fevereiro da lei que permite a adopção por casais do mesmo sexo, um dos grandes cavalos de batalha do lobby “gay”, que com o pretexto da igualdade queria ver todos a usufruir dos mesmos direitos, sem distinção entre famílias convencionais e alternativas (é difícil escrever em linguagem de “igualdade”). No cartaz em causa aparecia uma imagem de Jesus Cristo do Sagrado Coração, e ao seu lado uma mensagem onde se lia “Jesus também tinha dois pais”, e em baixo em letras mais pequenas uma menção à lei aprovada, acompanhada da data. Só isto e mais nada.

Confesso que sorri quando vi pela primeira vez o cartaz, não por maldade, e muito menos por o achar engraçado. A verdade é que não sei porque é que esgalhei aquele sorriso quase espontâneo, mas pode ter sido por instinto, feliz pelo país ter atingido um patamar do progresso em que coisas como estas já não deixam ninguém chocado, e que incidentes dignos do Index da Santa Inquisição, como a censura de uma obra daquele que viria a ser até agora o único Nobel português, ou a perseguição a um humorista por causa de uma rábula com a última Ceia, eram tudo coisas do passado. Infelizmente enganei-me, e quem quiser começar a contar a partir de sábado passado a última vez que algo de tão retrógrado aconteceu, não perca tempo, pois parece que não se aprendeu nada.

Os católicos ficaram ofendidos, sim senhor, e vejam lá que até encaminharam para a Procuradoria Geral uma queixa com três mil assinaturas, acusando o Bloco de “blasfémia”, uma figura que em pleno século XXI consta do Código Penal. Compreendo que conste, aceita-se, mas o que se entende por “blasfémia”, que só consigo visualizar dita por um padre de olhos muito abertos segurando uma Bíblia na mão e acenando um crucifixo na outra urrando “blasfééémia… esconjuuurooo!”? Uma imagem que por incrível que pareça ainda faz sentido. A imagem não estava adulterada, mas mesmo assim houve quem alegasse que “as cores estavam mudadas” – algum fotófobo cristão com toda a certeza – e a mensagem era “sugestiva”, pois associava Jesus à adopção por casais do mesmo sexo. Deve ser aí que está a tal “blasfémia”, afinal. “Que nojo, casais do mesmo sexo”, terão eles pensado.

Para não desviar as atenções do essencial, vou-me abster de mencionar o registo da Igreja com tudo o que tenha a ver com crianças, orfanatos e afins. Seria rebaixar-me ao nível de quem condenou e enxovalhou pessoas com base na sua orientação sexual, tentou a todo o custo privá-las dos mesmos direitos CIVIS, e ainda conseguiu que a tal lei fosse vetada uma vez, prolongado assim a angústia de quem tem a consciência de que isto partia de uma instituição que tem um historial de séculos de perseguições, tortura e execuções contra todos os que eram apenas diferentes.

Gostava de saber se estes cristãos que se dizem ofendidos vão à missa, comungam e confessam os seus pecados, como qualquer bom cristão com moral para acusar alguém de blasfémia. Não? É exagero meu? Então certamente que se partilharem a sua vida com mais alguém (do sexo oposto, lógico) são casados, caso contrário vivem em “fornicação”. Não? A Igreja diz que sim, e no caso de virem a terem filhos, a lei civil dotou as crianças do mesmo estatuto de todas as outras que também não pediram para nascer. Para a Igreja continuam a ser “bastardos”. Não é um insulto, não, é mesmo isso que lhes chamam.

O Bloco de Esquerda recuou na intenção de publicar o cartaz. Fez mal, e de ter ficado perto de fazer História, passou ao anedotário nacional, com as beatas de braço cruzado a bater com o pé e carantonhas medonhas a ralhar “vejam lá, ai que temos o caldo entornado”, em mais um postal muito nacional. O fundador do PS, Alberto Barros, veio defender a iniciativa, alegando ainda que “a blasfémia está na Bíblia”. De facto o cartaz não diz nenhuma mentira – tecnicamente, lá está. Eu entendi a ideia, agora quem vê naquilo algo de pérfido, ou a sugestão de que um dos três elementos ali mencionados tem alguma coisa a ver com a adopção por casais “gay”, tem uma imaginação fértil. E doentia.

A discussão que veio depois, quer nas redes sociais, quer em artigos de opinião, mais pareciam o concurso “quem é o mais engraçadinho”, com a temática centrada em “quantos pais tem afinal Jesus”, e qual deles era o quê, um sem fim de inanidades que nem parecem vindas de gente que diz ter “fé”, algo que deve e merece ser respeitado, pois apesar de não carecer de fundamentação científica, é do desígnio de cada um – e o que tenho eu a ver com isso? Pior foi ler comentários do género “sou agnóstico, mas…”, mas nada, e se é agnóstico não tem nada que partilhar de uma indignação de que se desmarcou à partida. Outros ainda sugeriram “que se fizesse o mesmo com Maomé”, que como se sabe, diz-nos muito a nós, e anda sempre na nossa mente e nos nossos corações, e “iam ver o que acontecia”. Estes devem ser os mesmos que ainda há um ano “eram Charlie”. Sabem o que mais? Na altura achei aquilo uma bacoquice saloia, de um pedantismo gritante. Hoje vejo que tinha razão.

No fim, e depois de mais uma decepção, chego à conclusão que ainda estamos muito atrás do que seria o ideal nesse princípio da separação entre a Igreja e o Estado, quando uma imagem inocente com aquela ainda fere sensibilidades a este ponto. Eu pessoalmente considero muito pior aquela em que Jesus aparece pregado, ensanguentado, com uma coroa de espinhos e um ar de quem se não está a divertir mesmo nada, mas esta é uma imagem “adorada” pelos mesmos católicos que se ofenderam com a outra. Se calhar era mais justo se perguntássemos a Jesus o que preferia: se ter dois pais, ou ser torturado em nome de quem insiste em não lhe atribuir qualidades humanas. E eles e a outros, para o bem e para o mal.

3 Mar 2016

O ouro da capital sem abrigo

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão vou esconder o alívio que sinto por já ter passado mais uma gala dos homenzinhos dourados com nome de porteiro. Um momento conhecido por celebrar o cinema mas que, em boa verdade, tenho-a por ser precisamente o contrário. Um sinal dos tempos onde a rendição ao deleite dos brilhos é muito mais importante do que qualquer reflexão de conteúdo. Este ano, o ponto alto foi a não nomeação de actores negros, uma polémica que, sinceramente, apesar da minha ascendência africana, não subscrevo porque quotas só por que sim é coisa que me enerva. Para o ano sugiro uma polémica à volta da ordem de entrega dos galardões. Uma vez que começam dos menos importantes para os mais importantes, interrogo-me porque o de “melhor actor” é entregue depois do de “melhor actriz”. (Ema Watson, se estiveres a ler isto fica aqui a sugestão para 2017).
Enfim, polémicas à parte, apesar dos milhões de caracteres que lhes são dedicados, das inúmeras páginas de jornal e da enormidade de tempo de antena que lhes são dedicados eu até podia passar ao lado do assunto, pois podia. Podia estar a escrever sobre outra coisa qualquer, pois podia. Mas gosto de cinema e estou farto de comportamentos ovinos. A questão não é quem ganha ou quem perde mas a quantidade dos quem sem esta marmelada de evento não passam, como os mosquitos não dispensam o brilho das luzes mesmo que o resultado desse fascínio seja o churrasco. Só por isso perdemos todos. A forma patética, a reverência e o quase fanatismo com que a festa da Academia de Beverly Hills é seguida, como se estivesse a anunciar alguma coisa realmente importante, como uma boa colheita, é no mínimo redutora. Perdem-se noites, tardes, dias a discutir sobre quem vai levar, ou deixar de levar o alienígena dourado para casa como se isso fosse realmente digno de nota. De uma forma benigna, poder-se-á dizer que a culpa é do cinema, do seu poder, um grande e importante poder, digo eu. Mas não é o cinema que está em causa aqui. Só de forma aparente, porque a realidade é que a cerimónia das estatuetas dos áureos carecas é apenas uma contingentação de mercado e, no limite, uma tentativa de asfixia do cinema e é isso que me desgosta em toda este assunto. O que este evento é, isso sim, é a força do marketing, e não a do cinema, porque o cinema não se reduz àquela meia dúzia de filmes que anualmente por ali desfilam.
Concordo que a ideia que fica, claro, é que aquilo é o cinema todo porque é essa a ideia que as grandes produtoras norte-americanas precisam de passar. Para elas, o cinema começa e acaba naquela estrita selecção. Não que os filmes em presença sejam normalmente maus, ou normalmente bons, mas porque o esforço colocado na cerimónia dos homenzinhos carecas é apenas desenhado para condicionar toda uma produção mundial, pois os filmes que por ali não passam praticamente não existem em termos de mercado ou têm muito mais dificuldades em ser distribuídos. Em boa verdade, é o marketing no seu melhor, verdadeira lamparina de centenas de megawatts, porque promove e executa na perfeição a estratégia dos grandes estúdios. Ou seja, como grande parte dos filmes dão prejuízo, os estúdios necessitam de pelo menos um blockbuster no catálogo, de pelo menos uma nomeação, nem que seja para a “melhor maquilhagem”, para que pelo menos um dos chouriços da tábua se destaque da mole e assim possam pagar o prejuízo dos outros, que raramente são filmes independentes de qualidade mas sim produtos de enchimento de natureza duvidosa. Basta ver um canal de filmes…
Como dizia Carlos Morais José, director deste jornal, numa entrevista recente à imprensa local, “os leitores são inventados pela literatura”, o que faz todo o sentido e parece-me perfeitamente possível de aplicar também ao cinema. Todavia, ao promovermos até à loucura este mito dos douradinhos da Academia temo pelos cinéfilos que esta alienação inventa. O cinema das carpetes vermelhas e dos vestidos faustosos (os brilhos) numa cidade que alberga umas das maiores populações de sem abrigo nos Estados Unidos, que já vai nos 44.000 segundo a New Yorker, ao citar a Los Angeles Homeless Services Authority.
De positivo, apenas o facto de alguns dos premiados aproveitarem a massiva exposição mediática para levantarem assuntos realmente importantes como DiCaprio fez, e bem, ao alertar para o aquecimento global. O resto é um potencial churrasco de mosquito.

Música da semana

“Heroes” David Bowie

I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing will drive them away
We can beat them, just for one day
We can be Heroes, just for one day

And you, you can be mean
And I, I’ll drink all the time
‘Cause we’re lovers, and that is a fact
Yes we’re lovers, and that is that

Though nothing, will keep us together
We could steal time,
just for one day
We can be Heroes, for ever and ever
What d’you say?

2 Mar 2016

A sete chaves

[dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uinta-feira passada, o website Yahoo de Hong Kong publicou uma notícia retirada de um artigo do jornal “Sing Tao newspaper”, onde se fazia saber que a Apple Inc. (Apple) se tinha recusado a criar um código de segurança universal para os Iphones5c., rejeitando a decisão do Tribunal que deliberara nesse sentido.
O terrorista Syed Rizwan Facook, utilizou um Iphone5c no ataque de San Bernardino em 2015. O ataque aconteceu a 2 de Dezembro último e provocou 14 mortos e 22 feridos graves. No ataque participou também Tashfeen Malik, companheira de Syed Facook. Eram ambos islamitas sunitas.
O casal fugiu após o tiroteio. Quatro horas mais tarde foram cercados pela polícia, acabando por ser mortos nos confrontos que se seguiram. O FBI desencadeou um processo de investigação. A 6 de Dezembro, quatro dias depois do ataque, Barack Obama anunciava que o ataque tinha sido um acto de terrorismo.
No website Wikipedia podia ler-se,
“… o FBI obteve uma ordem do Tribunal a exigir que a Apple criasse uma forma de os serviços secretos poderem contornar o controlo de segurança do Iphone usado por um dos terroristas envolvido no ataque e. poder aceder aos seus conteúdos. A Apple alegou que esta ordem representa um ataque às liberdades fundamentais que o governo deve defender.”
A Apple ficou perante um dilema. Se, para ajudar na investigação, a Apple obedecer à ordem judicial, terá de criar uma nova versão do iOS, contornando várias especificações de segurança de extrema importância, para que venha a ser instalada neste iPhone. Mas, desta forma, esta nova versão pode ficar disponível. Ao contrário do “Yahoo”, do “Google” e do “Facebook”, cujas receitas advêm principalmente da publicidade, a Apple factura a partir da venda dos seus produtos. Se o público passar a desconfiar da segurança do Iphone5c, a imagem da empresa será afectada. O volume de vendas dos produtos da Apple pode vir a baixar.
Embora o FBI garanta que só iria usar este programa nesta situação, a Apple mantem-se inflexível. Compreende-se facilmente que se este programa puder desbloquear o Iphone do terrorista, também pode ser usado para desbloquear qualquer outro. É colocar em risco a segurança da informação. Esta é mais uma razão pela qual a Apple se recusa a cumprir a ordem.
Não há dúvida que a Apple está a proteger as liberdades e a privacidade do público, mas também está a ir contra uma ordem do Tribunal. Se a Apple mantiver esta posição, um dos seus responsáveis, por exemplo, o Presidente ou o Director Executivo, pode vir a ser preso. Também pode ser acusada de ignorar a segurança nacional. É como se fizesse vista grossa ao perigo que ameaça o país. Em última análise os consumidores poderão deixar de comprar produtos da Apple. Neste perspectiva os lucros da Apple também podem vir a baixar.
O Iphone pode desempenhar várias funções. pode ser usado para enviar emails e mensagens, pode tirar fotografias e fazer vídeos. Fazendo o download de certas aplicações, como o Whatsapp e o Wechat, o Iphone pode ainda desempenhar outras tarefas. Sabemos que este litigio entre a Apple e o FBI se vai arrastar. Os recursos irão suceder-se até ao limite do possível. Podemos antever um processo com uma duração de três a cinco anos. A bem da investigação deste caso, seria preferível o FBI passar por cima da Apple e procurar a informação de que precisa noutras fontes. Por exemplo, vários repórteres chamaram a atenção para o facto de os terroristas terem publicado informações relacionadas com o ataque no Facebook. Também é possível que tenham usado uma conta do Yahoo para enviar e receber emails relacionados com este acto criminoso. A Apple pode não estar disposta a colaborar com o FBI, mas não quer dizer que as outras empresas não estejam. Como já referi, o Facebook e o Yahoo vão buscar a maior parte das suas receitas à publicidade, estas empresas não podem deixar de colaborar com o FBI. Se esta colaboração se vier a verificar, deixa de ser tão importante encontrar a “chave para abrir” o Iphone5c de Syed Rizwan Facook.
Mas voltemos à litigação. A questão entre o FBI e a Apple é muito simples – como conciliar a segurança nacional com a liberdade e a privacidade da informação? Os cidadãos americanos não querem que o governo invada a sua privacidade, o que é compreensível. É também óbvio que a maioria das pessoas é pacífica. Não vão ver-se a braços com a justiça e, portanto, não querem que o governo tenha acesso aos seus dados. No entanto o Iphone5c de Syed Rizwan Facook, guarda os dados pessoais de… Syed Rizwan Facook. Poderá o FBI aceder à informação armazenada no Iphone5c de Syed Rizwan Facook, só porque ele é terrorista? Este caso é excepção?
Ao analisar os factos, o Tribunal vai ter de responder a estas questões. Se o FBI ganhar, a Apple será obrigada a colaborar. Deixa de ser apenas uma ordem para desbloquear um Iphone. Para equilibrar as exigências da segurança nacional com as da defesa das liberdades e da privacidade da informação, o Tribunal pode pedir ao FBI que prove que Syed Rizwan Facook usou o Iphone5c no ataque. Se o Iphone5c tiver sido um instrumento usado para cometer um crime, então o Tribunal pode pedir a “chave para abrir” o Iphone5c. A ordem não é incondicional.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

29 Fev 2016

A China entre o optimismo e a retracção

“Industrialization is necessary. But if this industrialization is connected with the new global division of labor, China will bear a greater cost compared with traditional industrialization in terms of the exhaustion of energy resources, the exploitation of cheap labor, damage to the environment and the loss of labor protections.”

China’s Twentieth Century: Revolution, Retreat and the Road to Equality
Wang Hui

O mundo divide-se entre optimistas e pessimistas e alguns países são extremamente optimistas sobre o futuro da humanidade, e outros crêem que estamos praticamente condenados. Alguns países têm as melhores e as piores expectativas no que diz respeito ao futuro da humanidade. A sondagem realizada pela “YouGov”, e cujo relatório foi publicado, a 20 de Janeiro de 2016, inquiriu mais de dezoito mil pessoas, revelando que entre os dezassete países estudados, a China é o país mais optimista do mundo, tendo mais de 40 por cento de cibernautas chineses, afirmado que o mundo está cada vez melhor em termos gerais, quase o dobro que o segundo país mais optimista, a Indonésia.
A percentagem de optimistas na China representa quatro vezes a média mundial que é de 10 por cento. Os países mais pessimistas do mundo são a França, Hong Kong, Austrália e Tailândia. O mundo, em geral, está equilibrado, uma vez que a sondagem mostra que 50 por cento da população mundial, é pessimista relativamente ao seu futuro. O relatório ressalta o facto de que não parece existir uma relação, ou uma muito pequena, entre o PIB e o optimismo.
Os Estados Unidos são mais ricos que o Reino Unido, com um PIB de cinquenta e três, e quarenta e dois mil dólares, respectivamente, apesar de se encontrarem empatados quanto ao pessimismo. A Austrália, por outro lado, possui um PIB “per capita”, vinte vezes maior que o segundo país mais optimista. A grande diferença da China para com os restantes países, pode dever-se ao facto, de que tem um crescimento económico muito alto, em comparação com o resto do mundo, e dá prioridade ao seu sistema de saúde.
A combinação facilita a realização de objectivos pessoais que podem contribuir para o optimismo dos asiáticos. O ser pessimista a respeito do futuro da humanidade, parece ser algo lógico, sobretudo, em França devido aos ataques terroristas que sofreu, e em particular, no respeitante aos problemas climáticos e às ameaças que se prevêem para os próximos anos. Todavia, alguns dados, permitem interrogar o pessimismo, e a ONU deu a conhecer que em 2012 a pobreza reduziu para 12,7 por cento, quando em 1981 era quatro vezes superior, ainda que existam oitocentos milhões de pessoas que passam fome e que no inicio do milénio, cerca de trinta e quatro milhões de crianças tiveram acesso ao sistema educativo, em parte, devido ao facto de muitos países terem conseguido atingir os “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio”, promovido pela ONU.
As previsões do crescimento mundial não são tão optimistas, pois é atenuada a procura. O crescimento mundial, que as previsões actuais situam em 3,1 por cento para 2015, alcançaria 3,4 por cento em 2016 e 3,6 por cento em 2017. É de prever que a recuperação da actividade mundial será mais gradual que o previsto nas das “Perspectivas da Economia Mundial -World Economic Outlook Report”, de Outubro de 2015, do Fundo Monetário Internacional, especialmente no caso das economias de mercados emergentes e em desenvolvimento. É de prever que as economias avançadas, continuem a recuperar-se de forma moderada e desigual, e que as diferenças dos seus produtos continuem a reduzir-se gradualmente.
O cenário das economias de mercados emergentes e em desenvolvimento é diverso, mas em muitos casos, coloca desafios. A desaceleração e o reequilíbrio da economia Chinesa, a queda dos preços das matérias-primas e as pressões a que se encontram submetidas as principais economias de mercados emergentes, continuarão a constranger as perspectivas de crescimento em 2016 e 2017. A retoma do crescimento projectado para os próximos dois anos, apesar da desaceleração que está a sofrer a China, reflecte principalmente um prognóstico de melhoria gradual das taxas de crescimento dos países que estão a sofrer pressões económicas, especialmente o Brasil, Rússia e alguns países do Médio Oriente, ainda que, que tal recuperação parcial projectada, poderá fracassar por novos choques económicos e políticos.
Os riscos para as perspectivas mundiais continuam a tender para a diminuição, e estão relacionados com os ajustes que se estão a dar na economia mundial, como a desaceleração generalizada das economias de mercados emergentes, o reequilíbrio da economia chinesa, a queda dos preços das matérias-primas e a retirada gradual das condições monetárias extraordinariamente acomodatícias nos Estados Unidos. Se estes desafios essenciais não forem geridos adequadamente, o crescimento mundial descarrilará. A actividade económica internacional manteve o abrandamento, em 2015.
As economias dos mercados emergentes e em desenvolvimento, apesar de contribuírem com mais de 70 por cento para o crescimento mundial, desaceleraram pelo quinto ano consecutivo, tendo as economias avançadas continuado a registar uma ligeira recuperação. As perspectivas mundiais continuam a ser determinadas por tês rotas críticas, como a desaceleração e reequilíbrio gradual da actividade económica da China, que se está a afastar do investimento e da manufactura, direccionando-se ao consumo e serviços, a redução dos preços da energia e de outras matérias-primas, e o endurecimento gradual da política monetária dos Estados Unidos, no contexto de uma resiliente recuperação económica, no momento em que os bancos centrais de outras importantes economias avançadas, continuam a relaxar a política monetária.
O crescimento global da China, em geral, está a evoluir, ainda que as importações e as exportações estejam a reduzir com maior rapidez do que se esperava, em parte como consequência da contracção do investimento e da actividade manufactureira. Esta situação, adicionada às inquietações do mercado em torno do futuro desempenho da economia chinesa, está a criar o efeito de contágio a outras economias através das vias comerciais, e da queda dos preços das matérias-primas, assim como, devido a uma menor confiança e um aumento da volatilidade dos mercados financeiros. A actividade manufactureira e o comércio continuam a ser débeis em todo o mundo, devido não apenas à situação da China, mas também à fraqueza da procura mundial e do investimento a nível mais alargado, e especialmente, a contracção do investimento nas indústrias extractivas.
A queda violenta das importações num conjunto de economias de mercados emergentes e em desenvolvimento a sofrer pressões económicas, também, estão a afectar negativamente o comércio mundial. Os preços do petróleo têm vindo a sofrer uma considerável redução desde Setembro de 2015, devido à expectativa de que continuaria a aumentar a produção, por parte dos membros da “Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) ”, dentro de um contexto no qual, a produção mundial de petróleo continua a superar o consumo. Os mercados de futuros, neste momento, apontam para aumentos leves dos preços, em 2016 e 2017. Os preços de outras matérias-primas, especialmente os metais, também diminuíram.
A queda dos preços de petróleo está a exercer pressão nos saldos fiscais dos exportadores de combustíveis, e está a turvar as suas perspectivas de crescimento, e ao mesmo tempo, a suportar a procura de habitações e a fazer diminuir o custo comercial da energia nos países importadores, especialmente nas economias avançadas, onde os utilizadores finais beneficiam inteiramente deste embaratecimento. A descida dos preços do petróleo, impulsionado por um aumento da oferta, deveria suportar a procura mundial, uma vez que os importadores de petróleo têm uma maior tendência ao consumo que os exportadores, e nas circunstâncias actuais, existem vários factores que têm reduzido o impacto positivo da queda dos preços de petróleo.
É de ter em consideração, como consequência das pressões financeiras que estão a viver muitos exportadores de petróleo, tem uma menor margem para amortecer o choque, o qual contém uma contradição substancial da procura interna. O embaratecimento do petróleo tem produzido um notável impacto no investimento na extracção de petróleo e gás, o qual também, tem afectado a procura agregada mundial. A retoma do consumo dos importadores de petróleo, tem sido menor do que se esperava, tendo em conta outros acontecimentos de quedas de preço no passado, possivelmente, devido a que algumas dessas economias, ainda se encontrem em processo de desendividamento.
É possível que em várias economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, a transmissão do embaratecimento aos consumidores tenha sido limitada. A distensão da política monetária, em geral, empreendida pela zona euro e Japão contínua, enquanto a Reserva Federal dos Estados Unidos, subiu a taxa de juros dos fundos federais, que durante sete anos, e até Dezembro de 2015, se tinha mantido em quase zero, para sustentar a recuperação. As condições financeiras, em geral, continuam a ser muito acomodatícias nas economias avançadas. As perspectivas de um aumento gradual das taxas de juros, como evolução da estratégia de política monetária nos Estados Unidos, assim como estrépitos da volatilidade financeira num contexto marcado pelas inquietações, à volta do futuro crescimento dos mercados emergentes, têm contribuído para condições financeiras externas mais restritivas, menores fluxos de capital e novas depreciações das moedas de muitas economias de mercados emergentes.
O nível geral da inflação moveu-se lateralmente na maioria dos países, em termos amplos, sendo provável que desça, tendo em conta que as novas quedas dos preços das matérias-primas e a fragilidade da manufactura mundial que estão a exercer pressão sobre os preços dos bens negociados. As taxas de inflação subjacente mantêm-se muito abaixo dos objectivos das economias avançadas. A evolução desigual da inflação nas economias de mercados emergentes reflecte, por um lado, as implicações de uma procura interna débil e da queda dos preços das matérias-primas e, por outro lado, as pronunciadas depreciações cambiais ocorridas no curso do ano de 2015.
O crescimento nas economias avançadas aumentaria 0,2 por cento em 2016, a 2,1 por cento, e manter-se-ia sem alterações em 2017. A actividade global conserva a robustez nos Estados Unidos, graças a condições financeiras que ainda são favoráveis e ao fortalecimento do mercado imobiliário e do trabalho. A fortaleza do dólar está a sobrecarregar a actividade manufactureira, e o recuo dos preços do petróleo está a travar o investimento em estruturas e equipamentos de mineração. O fortalecimento do consumo privado, na zona euro, estimulado pelo embaratecimento do petróleo e as condições financeiras favoráveis, está a compensar a fragilidade das exportações líquidas.
É de acreditar no crescimento do Japão em 2016, por força do suporte fiscal, queda dos preços de petróleo, condições financeiras acomodatícias e aumento das receitas. O crescimento das economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, aumentará de 4 por cento em 2015, o nível mais baixo desde a crise financeira de 2008 a 2009, a 4,3 por cento, e 4, 7 por cento em 2016 e 2017, respectivamente.
É de prever que o crescimento da China diminua para 6,3 por cento em 2016, e 6 por cento em 2017, devido ao crescimento baixo do investimento, à medida que a economia continua a reequilibrar-se. A Índia e as restantes das economias emergentes da Ásia terão uma continuação do crescimento robusto, ainda que alguns países, venham a enfrentar fortes ventos contrários, criados pelo reequilíbrio da economia chinesa e a fragilidade da indústria manufactureira mundial. Assim, dar-se-á uma desaceleração mais marcada do que o esperado, enquanto a China, leva a cabo a transição necessária para um crescimento mais equilibrado, com maiores efeitos de contágio internacional por via do comércio, os preços das matérias-primas, confiança, e os efeitos consequentes nos mercados financeiros internacionais e de valorização das moedas.

26 Fev 2016

Intenções duvidosas

Um acontecimento político ocasional não consegue verdadeiramente congregar os partidos e associações que o integram, já que cada grupo tende a desconfiar das intenções dos restantes. Quanto mais significativas forem as alterações registadas na cena politica, maior tendência terão os partidos para “dançar conforme a música”, num jogo óbvio de namoro ao poder. Toda a gente sabe que os factos históricos têm sido, desde sempre, intencionalmente distorcidos. A História contada pelos vencedores é sempre manipulada a seu favor, não deixando lugar à existência de outras interpretações. O Poder teme que a mais pequena centelha possa causar um incêndio. Quem persistir em defender os seus ideais, e não quiser colaborar com a “situação”, acaba por ser empurrado para fora do barco até porque, hoje em dia, o patriotismo já foi “privatizado”. Vivemos uma era sem monarquias absolutas, mas também vivemos o período mais autocrático de sempre. É, no entanto, hora de despertar as consciências, hora de agir e lutar por uma democracia que tanto tem custado a conquistar.
Ninguém até agora abdicou facilmente do Poder, porque o Poder implica dinheiro, estatuto, influência e o mais variado tipo de regalias. Qualquer coisa que lembra “O Triunfo dos Porcos” de George Orwell, está a tomar forma por esse mundo fora, em nome dos mais variados “ismos”. As pessoas assemelham-se cada vez mais aos pais do protagonista do filme de animação japonês “Spirited Away”, que se empanturravam até não poder mais, ao ponto de parecerem porcos prontos para a matança. Os que estão agarrados ao poder, ou os que ignoram totalmente o sofrimento de quem vive abaixo da linha da pobreza, todos os dias recebem louvores na imprensa. Ninguém está interessado em perceber as causas da pobreza sistemática e das dificuldades permanentes de tantos milhões de seres humanos, quando está a sondar o mercado para comprar um apartamento.
É muito mais fácil deixar ao abandono lotes de terreno do que construir, até porque a erva daninha está baratíssima se comparamos com as despesas de uma família normal.
Quando a pressão exercida pela lava na crosta da Terra não pára de aumentar, os vulcões sofrem erupções e os terramotos acontecem. Quando os edifícios construídos com materiais deficitários se cruzam com um terramoto, caem inevitavelmente. Se queremos evitar as tragédias, temos de eliminar os riscos. Infelizmente, existem precedentes históricos que nos mostram ser habitual culpar as vítimas pelas consequências das calamidades.
A seguir ao grande incêndio de Roma, Nero não criou uma Comissão de Inquérito Independente e declarou que os cristãos tinham sido os responsáveis. Na “Noite dos Cristais” do Reich (Reichskristallnacht) em Munique, os judeus foram as vítimas. O mais certo é também não ter sido criada nenhuma Comissão de Inquérito para apurar a identidade dos culpados.
Sobre os confrontos entre a polícia e os manifestantes, ocorridos no primeiro dia do Ano Novo Chinês em Hong Kong, os noticiários oficiais declararam que nenhum dos vendedores ambulantes tinha sido formalmente acusado. Antes pelo contrário, os detidos encontram-se entre o grupo de pessoas que se mobilizaram via internet para apoiar a causa dos vendedores ambulantes e organizaram este suposto “motim”. Afirmar que os Serviços de Informação da Polícia não conseguiram ser eficazes e reunir material relevante sobre esta “mobilização de massas”, seria um insulto à competência da Polícia e ao bom senso dos cidadãos. Em 2015, na altura do movimento “Occupy Central”, todos os participantes foram identificados e listados. Podem sofrer restrições se quiserem visitar a China continental ou apenas dar um salto a Macau. É natural que, como quase meio milhão de habitantes de Hong Kong protestou contra a implementação de leis criadas a partir do Artigo 23 da Lei de Bases de Hong Kong, a China continental tenha passado a prestar particular atenção às questões políticas da região e que esteja muito bem informada sobre os movimentos de oposição em Hong Kong. O Governo Central poderá saber mais sobre estes movimentos do que os seus próprios membros.
Em qualquer jogo de xadrez, seja chinês ou ocidental, as peças mais numerosas são os peões. Existe um ditado chinês que reza o seguinte: “o soldado que atravessou o rio não tem forma de voltar atrás”. Os agentes da polícia que cumpriram as ordens dos seus superiores, são obviamente seres humanos com sentimentos, como qualquer outro cidadão, manifestante ou agitador. É, portanto, indispensável que, quer a vida, quer os direitos, de todas as pessoas sejam respeitados.
Um certo intelectual de Hong Kong escreveu uma história sobre formigas. Umas eram vermelhas e outras pretas e, por causa de terem sido instigadas, envolveram-se numa grande luta. Embora os seres humanos sejam superiores às formigas, não conseguiram impedir que se disparasse o primeiro tiro em Sarajevo, que conduziu à I Guerra Mundial. Será esta a tragédia da Humanidade, ou antes um destino urdido por esquemas e intrigas que tecemos uns contra os outros?

26 Fev 2016

Com o recto correcto

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e por acaso passou do título e chegou aqui, gostaria de pedir alguns minutos do seu tempo. Não porque lhe queira vender nada, e não ando carente de atenção, mas porque isto lhe pode interessar, e só pretendo contribuir com algumas observações que podem ser úteis, e mesmo que as rejeite, pode muito bem guardar lá no fundo da caixa de ponderação. Caixa de quê? Leu bem, pois se esperava a de Pandora, ei-la na forma mais insuspeita de se revelar: o “politicamente correcto”. Isto explica mais ou menos o trocadilho no título da peça, mas garanto que é mesmo um assunto sério.
Ao contrário do que muita gente pensa, o “politicamente correcto” não é um termo originalmente português, nem um exclusivo da Política e dos políticos, e nem sequer lhes pertence a parte de leão (e se vermos o que para ali vai, ui…). Este “politicamente” é uma tradução do original em inglês “politically”, que tem um sentido muito mais abrangente, e tem a ver com toda a gente, políticos, sociedade civil, todos que partilhem da mesma vontade, indiferentes a critérios segregacionistas, com a cor da pele, origem, religião, língua ou cultura, e do pobre mendigo ao exmo. Vichyssoise da República, todos somos “políticos” da nossa vontade, e dotados de julgamento pessoal e individualizado. Sendo assim, existem outras variantes desta noção, como são casos o esteticamente correcto, o verbalmente correcto, e por aí fora, e sempre com o mesmo denominador: o “correcto”. A este ponto gostaria de perguntar se é normal em alguma circunstância deixar de considerar o “correcto”…correcto? E se vos disser que o “correcto” pode ser apontado como razão para o nosso insucesso? Se optar pelo “correcto”, faço mal? Qual é a alternativa? Vou passar a elaborar. Pode ser que identifiquem o caso que vou falar a seguir e que ocorreu há algumas semanas em Portugal, por isso não vale a pena ocultar a figura em questão, a Ministra da Justiça, ficando a identidade fora da equação, pelo menos por agora.
Portanto a Ministra da Justiça de Portugal anunciou que o executivo ia tomar uma medida para reduzir a sobrelotação nas cadeias portuguesas, um problema que mesmo que não se esteja por dentro da actualidade, nunca terá um lado que nos possa ser interpretado como “positivo”, mesmo que não nos diga respeito directamente – ser preso não é uma coisa “impossível” de acontecer seja a quem for. Mas pronto, se tanto se pensa na morte, que nada tem de “correcto”, porque não mudar de cenário? Assim, a medida de coação a aplicar nos casos em que se aplicam os requisitos que determinam a prisão preventiva, e mais à frente vamos ver quais são, será o uso de uma pulseira electrónica, medida já aplicada em alguns casos de justiça criminal em Portugal, nomeadamente com os crimes económicos, e praticamente qualquer crime que não o de sangue. Isto entende-se, no geral.
Agora imaginem que esta notícia vos era apresentada desta forma: “Ministra da Justiça quer deixar criminosos à solta, permitindo que fiquem em casa com pulseira electrónica. Criminosos, como sabemos, são pessoas que praticam violação, roubos e homicídio”. Parece resumido, e não é mentira, certo? E de facto, para quê tantos rodeios, se um crime é um crime, e quando são praticados os seus autores não fazem distinção das vítimas, ou lhes deixam escolher seja o que for, não é assim? Não, não é, e todo este raciocínio é minado de preconceito e ódio, e para que seja também um crime, basta “colorir” os autores de violação, roubo, e homicídio. A propósito , a tal ministra que referi é angolana de origem, o que implica também que é preta, e não foi preciso muito mais para que se lesse na medida que propôs aplicar intenções que nem ao Diabo lembrava.
Agora preparem-se para o pior: o meu discurso é para estas pessoas que seguem o raciocínio que apresentei, “politicamente correcto”. E isso “tem sido um entrave à liberdade de expressão”, pois à custa de manter o “politicamente correcto”, não é permitido “dizer as verdades”. Muito bem, e qual é a única verdade em toda essa dissertação? Que a Ministra da Justiça de Portugal é angolana e preta, talvez. Todo o resto assenta num pressuposto que não é mais que uma “desonestidade intelectual”. Nem tudo o que é ilegal é um crime, e estes últimos APENAS constam no Código Penal em vigor, e aí inclui-se violação, roubo, e homicídio, definidos como “crime público”, ou seja, “crime contra a sociedade”. Os requisitos da prisão preventiva incluem a possibilidade de continuidade da actividade criminosa, a fuga, ou a destruição de provas. Não me parece que a medida foi feita a pensar num violador ou um homicida, e nesse caso as vítimas dos mesmos teriam toda a legitimidade para protestar o que seria um insulto – não tanto se após o caso ficar transitado em julgado não se provar a autoria do crime, e pouco importa o que pensa seja quem for, aquela pessoa não é um “criminoso”.
Não fui afectado pelo escândalo que envolveu o BPN, mas consigo entender a angústia dos lesados e o ressentimento com o principal responsável pela gestão ruinosa das suas poupanças, mas serão reembolsados caso o banqueiro suspeito de fraude dormir a dois metros de um sanitário que partilha com mais três pessoas? Se for provada a sua culpa e condenado a prisão efectiva, não vai cumprir a pena com a pulseira no braço ou no calcanhar, método que mesmo assim de menos humilhante só tem mesmo o facto de ficar em casa – muito menos humilhante, e agora pergunto eu: é mesmo necessário que toda a gente passe pela prisão, mesmo que não seja um homicida, violador ou reconhecido autor de roubo, que aqui insinua o uso de arma /ou o recurso à violência?
Outro caso teve a ver com um nosso conhecido, um jornalista que já passou aqui por Macau, e cujo nome pouco importa perante a falta de que foi acusado. Este caso reporta-se ao ano passado, após as eleições legislativas, e durante uma reportagem sobre dois deputados estreantes, o jornalista referiu-se a um deles na versão feminina do seu nome, dando de seguida uma risada com gosto. O referido deputado é homossexual, e aparentemente não tem com o profissional da imprensa qualquer tipo de relação que justificasse ser o alvo daquela piada, transmitida para o mundo inteiro através do Telejornal da RTPi. O visado apresentou uma queixa, mas o conselho da estação pública de televisão julgou-a improcedente, não isentando mesmo assim o profissional de apresentar um pedido de desculpas formal, e certamente que não se vai querer meter noutra igual. Não merecia um castigo pesado, na minha humilde opinião, mas não sou o deputado em questão nem homossexual para saber o que sentem estas pessoas quando acontecem situações como esta. Há quem prefira analisar isto de um outro prisma, o da “liberdade de expressão”, para branquear a provocação do jornalista, e acusar o “politicamente correcto” de silenciar aquilo que diz ser “a verdade”.
Têm todo o direito à sua opinião, esses fascistas ressabiados, meninos de coiro, nazis e outros chicos-espertos que tomam toda a gente por parva (vejam que “agradável”), querendo culpar o correcto pela sua ideia completamente desviada dos valores que a democracia e a liberdade nos deviam ter incutido. No meu conceito de politicamente correcto não há criminosos por suspeita, fulano é tratado pelo nome, sem acrescentar seja o que for que a apenas a ele diga respeito, e não interessa a cor das ministras. E de você, o que posso esperar?

25 Fev 2016

Mudar a Cassete

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]egando nas palavras de José Tavares quando recentemente falava a este jornal sobre desporto, uso-as agora para me referir à nova administração do IACM que o próprio irá encabeçar, na esperança de fazer uma contribuição positiva e de que aquela venha a seguir um pensamento renovador para o Leal Senado, como o seu líder o anunciava para o Desporto. Vem a este propósito o trânsito caótico da cidade e um velho postulado cientifico datado dos anos 60, conhecido por “procura induzida”. Basicamente, este princípio, explicado em 1969 pelo Eng. de estradas britânico John Leeming, quando aplicado ao trânsito rodoviário, diz que “quanto mais estradas, mais carros”. A ideia é a de que novas vias atraem não só os que já conduziam, mas também os que acham o novo percurso mais apelativo, outros que não conduziam mas agora acham uma boa ideia, e outros ainda que vêem na nova rota uma oportunidade para irem às compras.
Naturalmente, a nossa espécie tem o vício da movimentação e quanto maiores as possibilidades para o fazermos, mais o faremos daí que, à primeira vista, faça todo o sentido promover o aparecimento de mais estradas. No limite, acelerarmos a economia e o tal do desenvolvimento. A questão é que se criarmos formas alternativas de movimentação esse problema também pode ser resolvido, a nossa qualidade de vida não se deteriora e, em casos de dimensões mínimas como Macau, parece óbvia a necessidade de mudar a cassete e pensar em começar a encerrar estradas; a Almeida Ribeiro, por exemplo, ou a Rua da Felicidade, ambas eu fecharia já! E se não ‘já’ muito em breve. É claro que muita gente iria protestar (faz parte do governar) mas os resultados apareceriam mais depressa do que as pessoas julgam, até porque lugares maiores como Paris, Florença, São Francisco ou Seul também o fizeram e não voltaram atrás. Portugal também está na mesma linha de pensamento com várias alterações previstas para a Segunda Circular e outros pontos da cidade e Paris tem vindo a desenvolver nas últimas décadas uma política sistemática de redução dos espaços para automóveis; em São Francisco foi removida uma secção de uma auto-estrada que transportava cerca de 100,000 automóveis por dia em 1989. A avenida que a substituiu, a Octavia Boulevard, hoje transporta apenas 45,000 carros por dia e o trânsito move-se; em Florença, inibe-se fortemente o trânsito automóvel no centro histórico da cidade e promove-se as ciclovias, mas será na Coreia, em Seul, que poderá ter acontecido o resultado mais espectacular desta política de redução de vias: uma auto-estrada considerada artéria vital, e que transportava 168,000 carros por dia, foi substituída por um rio, parques e algumas ruas menores, o trânsito não piorou e os índices de poluição baixaram drasticamente.
A Almeida Ribeiro no seu conjunto com a Rua da Felicidade e ruelas adjacentes não dariam um excelente passeio público? Não será essa uma das soluções para resolver o problema de aglomeração de pessoas no centro histórico? E a Rua do Campo? Ui! Se me deixassem mexer nos bulldozers…
É claro que sempre que uma cidade pretende acabar com estradas, os residentes esperneiam, gritam e chamam nomes a toda a gente mas depois a experiência prova-os errados. A essa conclusão chegaram também as autoridades rodoviárias de Los Angeles ao salientarem um estudo desenvolvido pela investigadora Susan Handy da Universidade da Califórnia onde se afirma que: “existem evidências óbvias de ‘procura induzida’”; “mais estradas significam mais trânsito no curto e no longo prazo” e que “a maior parte do trânsito é novo”;
Macau, já o disse antes, pela sua dimensão e afluência, tem uma oportunidade única para criar uma cidade exemplar, sustentável, agradável para viver e visitar e a resolução do caos rodoviário, que passa por uma nova forma de ver e viver a cidade, estará intimamente ligada a esse processo. Num momento em que a própria China anuncia medidas de contenção da poluição atmosférica e se esforça por cumprir os acordos de Paris de mudanças climáticas, Macau e esta nova administração do IACM têm a grande oportunidade de mostrarem à China, e ao mundo, de que somos capazes de mudar a cassete, de pensar moderno e de trazer para a China soluções inovadoras como o foi o nosso apanágio no passado, porque é esse o nosso legado. Tendo em conta o passado desportivo de José Tavares estou convicto que ele vai olhar para as ruas e ver vias de bicicletas, circuitos pedonais e a maratona a passar pelo centro histórico. Acho até que ele verá com muita facilidade um Dia Sem Carros e estações públicas de bicicletas. Por isso, espero sinceramente que a nova administração venha com uma nova cassete, com um tom desportivo e jovial e com a visão necessária para ver mais além e devolver a cidade às pessoas. Já agora que a cassete também traga novas músicas como a “Balada das Esplanadas”, há tanto arredadas da nossa vida, esse património inexplorado e desprotegido… E desejo boa sorte, também, porque malhar em ferro frio concordo que é um desporto difícil. Mas há que aquecê-lo…

Música da Semana

David Bowie – “Dancing in the Street”

“(…) Calling out around the world

Are you ready for a brand new beat

Summer’s here and the time is right

For dancing in the streets
They’re dancing in Chicago

Down in New Orleans

In New York City
All we need is music, sweet music

There’ll be music everywhere

They’ll be swinging, swaying, records playing

Dancing in the street, oh
It doesn’t matter what you wear, just as long as you are there (…)”

24 Fev 2016

Vício

[dropcap style=’circle’]I[/dropcap]maginem aqueles momentos mágicos. Momentos de um romantismo desproporcional à vida real. Coisas que só se vêm em filmes, mas que acontecem, todos nós já ouvimos histórias destas.
O destino fez com que se encontrassem de novo, depois de uma breve troca de palavras no metro. Ela não tinha dinheiro trocado para pagar o bilhete, ele dá-lhe o que ela precisa, tudo será melhor do que ser apanhada sem bilhete por revisores. Exactamente uma semana depois ela vê-o a passear pela baixa da cidade. A consciência fez com que ela pagasse o dinheiro de volta, e, aí, falaram. A partir desse momento o mais semelhante será pensar no enredo do filme Before Sunrise. Ele ia-se embora em breve e ela também, aquela foi a cidade de encontro como poderia ter sido outra qualquer. Falaram imenso e rapidamente perceberam que tinham tudo que ver um com o outro. Há quem chame destino.
Um ano depois ela está na mesma cidade exactamente no mesmo período e decide contactá-lo. Porque esta era uma cidade que ele regularmente visitava, ele estava lá. Tudo que fazia esperar um reencontro carinhoso mostrou-se surpreendentemente desconfortável. Não foi romântico, não foi excitante, não foi nada do que ela estava a espera. Foi aborrecido de uma atracção forçada, por ele. Ela já não aguentava mais. Só queria sair dali, a desilusão era demasiado grande. Um ano de fantasias românticas onde objecto de desejo fora sempre ele, e, agora, cara-a-cara, a incompatibilidade era demasiado óbvia. O romantismo foi com os porcos.
– Sou viciado em sexo.
– Ok…
– Não podemos sair daqui sem ir para a cama.
Ela pensou que este era um exagero de um argumento. Como já seria de esperar, ele perdeu qualquer hipótese de envolvimento sexual, porque, no fim de contas, a excitação dela vinha de todo romantismo que o encontro tinha despertado. A intriga para um encontro racional tão estúpido como aquele fê-la ficar para falar sobre isso, em vez de lhe dar um estalo e sair dali.
Um hipersexual ou um viciado em sexo é alguém que tem uma vida sexual exageradamente activa. Define-se, por isso, pela prática excessiva de qualquer actividade que envolva excitação sexual: pornografia, masturbação ou sexo (muito frequente e com muitos parceiros diferentes). Como se tratam de actividades normais por si só, tabelar uma frequência patológica não é fácil. Contudo, quando o sexo é utilizado como um regulador emocional e, acima de tudo, pela sua constante prática, torna-se num obstáculo à vida normal, torna-se num problema. Ninfomania nas mulheres e satiríase nos homens. Porque é que a criatura masculina nesta história quis sugerir uma patologia para convencer a rapariga a ter o que queria, parece absurdo. Será que estava à espera que a piedade funcionasse como excitador sexual? ‘És doente do sexo, coitadinho, deixa-me compensar-te com… mais sexo’. Ou talvez ele estivesse à espera de um cenário ‘enfermeira sexy’ pronto para o ajudar. Ou talvez procurasse justificar-se, esta poderia ser a explicação do forçar de química inter-pessoal e a causa para o desastre do segundo encontro.
A sensibilidade para casos de hipersexualidade ainda é mais necessária se considerarmos quão difícil é definir normalidade sexual. E foi isso que moveu a rapariga a explorar aquele discurso sem sentido, especialmente porque ela viu o seu conto de fadas ser destruído por completo.
Mas ele mentiu. Ele só queria despertar a atenção de alguma forma. Se o vício era real ou não, ele definitivamente não pensava em outra coisa.

23 Fev 2016

Máscaras Ilegais

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Fishball Riot (Revolta das Bolinhas de Peixe) teve lugar há mais de 10 dias. Até ao momento, foram presas mais de 60 pessoas pela polícia de Hong Kong e, a maior parte, foi acusada de provocação de “motim” ao abrigo do artigo 18 da Lei da Ordem Pública. Como referi no artigo da semana passada, é previsível que a polícia continue à procura de suspeitos e que estes venham a ser acusados e presos.
No seguimento da Fishball Riot, alguns membros do Conselho Legislativo de Hong Kong sugeriram a criação de uma Lei “anti-máscara”.
No website “Wikipedia” podia ler-se,
“As leis “anti-máscara” são iniciativas legais que pretendem impedir que as pessoas ocultem os rostos, por razões políticas ou culturais.”
Em diversos países, como por exemplo os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Dinamarca, França, Alemanha, Noruega, Rússia, Espanha, Suécia, Suíça, Ucrânia, Reino Unido etc. existem leis anti-máscara. A lei canadiana é muito clara quanto a esta proibição. No artigo 351 (2) do Código Penal canadiano, podemos ler,
“Alguém que, com intenção de cometer um crime, oculte a face com uma máscara, ou de qualquer forma procure tornar-se irreconhecível, incorre numa infracção gravosa punível até 10 anos de prisão”.
Como o nome indica, “infracção gravosa” significa crime grave. No Canadá, implica o pagamento de multas superiores a 5.000 dólares ou prisão superior a seis meses. No entanto existem algumas excepções a esta norma.
Actualmente em Hong Kong não vigora qualquer lei anti-máscara. Se existisse, facilitaria o trabalho da polícia porque a lei proibiria os amotinados de ocultar a sua identidade.
Mas é necessário analisar esta questão mais aprofundadamente. Em primeiro lugar, é forçoso que nos lembremos que andam por aí muitas e variadas doenças. A Síndrome Respiratória Aguda Grave – SARS (do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome) é sem dúvida uma das mais sérias. A SARS propaga-se por via aérea. À semelhança da maior parte das gripes. Todos os profissionais de saúde concordam que o uso da máscara é o método mais simples e eficaz de prevenir o contágio e a propagação do vírus. A criação de uma lei que impeça o uso de máscara, pode tornar-nos vulneráveis a uma série de doenças. Se pensarmos que muitos vírus sofrem constantemente mutações, sem que haja medicamentos eficazes contra a nova estirpe, é necessário pensar cuidadosamente antes de se implementar em Hong Kong uma lei anti-máscara.
Em segundo lugar, a utilidade de uma lei deste tipo é questionável. Se um agitador participa num motim, com intenção de atear fogos ou lançar tijolos para perturbar a paz e, eventualmente, ferir alguém, será que se vai deixar identificar facilmente? A resposta é óbvia. Podemos por isso deduzir que, mesmo havendo uma lei anti-máscara, o seu efeito seria diminuto, ou mesmo nulo, porque o individuo em questão arranjaria sempre forma de se disfarçar. Em termos processuais, esta lei apenas permitiria acusar o réu de mais um crime, o de ocultação de identidade. A função de uma lei anti-máscara não vai além disso.
Na medida em que é difícil identificar os agitadores, como é que a polícia os descobriu tão facilmente? A Lei Básica de Hong Kong conserva o direito comunitário, que ainda está em vigor. Ao abrigo do direito comunitário, a pena será atenuada se o réu cooperar com as autoridades. Por exemplo, se alguém for apanhado pela polícia e for responsabilizado por fogo posto e motim, estará a enfrentar duas acusações. No entanto a polícia quer deter outros culpados, contra os quais não tem provas. Se o detido ajudar a polícia a identificar os outros envolvidos pode ver a sua pena diminuída da seguinte forma:

a. Ser acusado apenas de um crime, em vez de dois
b. Ver a sua sentença atenuada em Tribunal.

A “Atenuação” é um procedimento a ter em conta durante um julgamento. Se a polícia informar o juiz que o réu foi cooperante a sentença será atenuada.
Em alternativa, o Governo de Hong Kong poderá considerar a implementação de uma lei semelhante à Portaria para a Concorrência. Esta portaria entrou em vigor a 14 de Dezembro de 2015 e o Comité para a Concorrência é responsável pela sua criação. Como todos sabemos, é muito difícil apurar as negociatas feitas “por baixo da mesa”, e que muitas vezes determinam os preços com que os produtos são lançados no mercado. O Comité para a Concorrência beneficia qualquer pessoa envolvida, desde que ajude a “abrir o jogo”.
A prática processual referida não é uma lei, a polícia pode mudar de ideias sempre que quiser. Mas se o Governo de Hong Kong produzir uma lei semelhante à Portaria para a Concorrência, garantindo alguns benefícios (ex. retirar algumas acusações, atenuar a sentença, etc.) à pessoa que estiver disposta a ajudar a identificar outros agitadores, pode ajudar eficazmente o trabalho da polícia.
Posto isto, a lei anti-máscara pode ser parte da solução, mas a sua utilidade também é questionável. A actual política de acusação criminal pode não dar garantias suficientes a um detido, de forma a que este se decida a ajudar a identificar outros agitadores. E a identificação dos agitadores continua a ser um problema para o Governo de Hong Kong.
Talvez seja preferível perceber as causas da Fishball Riot. Esta é melhor maneira de solucionar os problemas sociais. Neste sentido, Hong Kong deve aprender com Macau. Macau não tem uma lei anti-máscara e não acha de bom tom deixar os criminosos impunes. Mas Macau é uma cidade sossegada e pacífica.

*Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

22 Fev 2016

Rebeldes do Yu Tan

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]ambém fui rebelde na minha juventude.
Participei em manifestações estudantis. Gritei slogans de protesto e dei murros no ar.
Defendi os meus ideais com firmeza e nunca fugi das discussões que, sabia de antemão, acabavam em confronto e luta.
Para marcar a minha posição utilizava consciente e propositadamente argumentos desmesurados.
Fazia-me de desentendido quando os meus adversários esclareciam os seus pontos de vista.
Extrapolava do discurso deles o que verdadeiramente não tinham dito, mas tomava como palavras suas que utilizava depois para pôr em causa o que diziam.
Explorava as contradições por mais irrelevantes que fossem para o assunto em discussão.
Era agressivo e aguerrido. Tinha sangue na guelra.
Mas a minha agressividade limitava-se às palavras. Nunca bati em ninguém.

* * *

Na minha juventude tinha amigos que eram contra o capitalismo, o corporativismo, as empresas multinacionais, os governos, enfim, todas as grandes organizações que, no entendimento deles, exploram os mais fracos, controlam as massas para atingir fins ilegítimos e, em geral, praticam o mal e contribuem para a injustiça no mundo.
Em casa dos meus amigos ouvia-se Bob Marley, Ben Harper e Rage Against the Machine. Tinham também uma cassette com baladas do tempo da revolução cubana e temas que homenageavam Che Guevara.
Um dos meus amigos enveredou-se pela política e de vez em quando vejo-o na televisão. É inteligente e eloquente, tem um discurso fluido. Mas na sequência das últimas eleições sou capaz de o ver menos.
Um outro amigo decidiu adoptar um modo de vida alternativo. De vez em quando falamos pela internet e não compreende como é que fui capaz de trabalhar os anos que trabalhei para o governo, ocupando a posição que ocupei. E diz que muito menos me compreende agora, uma vez que trabalho na empresa onde trabalho.
Diz-me que chegou a recusar boas ofertas de trabalho porque os empregadores eram grandes organizações que lhe metem nojo.
Não deve ser mentira porque se trata de um sujeito com boa formação, bases sólidas e muito boa cabeça. Aliás, sempre o tive como um indivíduo acima da média. E admiro-o por conseguir viver pacificamente e coerentemente à sua maneira, sem ter de trair nem impor os seus ideais.

* * *

Gosto muito de yu tan (*). No mercado existem, essencialmente, três tipos de yu tan: o branco, o amarelo e o dourado. Não tenho nenhuma preferência porque para mim são todos bons.
O yu tan faz parte da minha infância. Quando era miúdo, ia frequentemente com a minha empregada ao mercado do Há Van Kai (Manduco). Os vendilhões de lá tinham o que, para mim, eram os melhores yu tan de Macau.
Nesses tempos era também vulgar em Hong Kong a utilização da expressão yu tan mui (**) para designar uma categoria particular de prostitutas. Não vou explicar a razão de ser dessa expressão por ser aqui inapropriado. Mas o que é certo é que essa expressão – e a yu tan mui também – caiu entretanto em desuso.19216P19T1
Mas o yu tan em si sobreviveu aos tempos e ainda hoje é popular. Prova disso é que esse petisco pode ser saboreado não apenas nos vendilhões de rua, mas também em inúmeras lojecas que foram surgindo em diversos cantos da cidade e ainda nas lojas de conveniência: o Circle K e o 7 Eleven desde cedo se aperceberam do seu potencial, incluindo-o nas suas ementas de fast food.
Portanto, ninguém duvida que o yu tan faz parte da cultura popular de Macau e Hong Kong e que, por isso, deve ser protegido.

* * *

O que se passou em Mong Kok foi um perfeito disparate.
Um grupo de anarquistas pseudo-defensores da democracia que pegam no yu tan como pretexto para criar um motim orquestrado via redes sociais. E com a agravante de ser em pleno Ano Novo Chinês – que laia de gente é essa?
Inicialmente era em defesa dos vendilhões ambulantes. Mas esses esclareceram desde logo que nada tinham a ver com a confusão e que não se faziam representar pelos anarquistas. Estavam apenas interessados em vender yu tan e fazer algum dinheiro extra nos dias do Ano Novo Chinês. E mais nada.
Depois já eram as questões políticas, económicas e sociais de Hong Kong. O problema da habitação, a distância cada vez maior entre os ricos e os pobres, a falta de democracia, o sufrágio universal… Essas coisas.
Dias a seguir as justificações passaram a ser ainda mais indeterminadas: a incompetência do CY, as interferências de Pequim nos assuntos internos de Hong Kong, a frustração acumulada da população, a marginalização da geração mais jovem.
Finalmente a cereja no topo do bolo: a incapacidade do governo em ouvir a voz da população na sequência do Occupy Central.
Tudo isto é dito por sábios com ar filosófico e a olhar de lado para a câmara.
Devo ser tosco e obtuso pois nada disso para mim faz sentido. Quem me dera ser um pensador profundo como muitos desses sábios que andam por aí para conseguir compreender essas explicações todas.
Confesso que tive alguma dificuldade em alcançar o Occupy Central. Pelo que essa Revolução do Yu Tan custa-me ainda mais compreender. Muito mais.
Porquê?
Porque o que vejo é uma cambada de ignorantes e sujeitos deficientemente formados que nem falar direito sabem e que procuram justificar os seus actos de puro vandalismo e cobardia com discursos incoerentes e raciocínios desarticulados, minados de contradições.
Uma cambada de imbecis que se aproveitaram da contínua atitude submissa das autoridades. Atitude essa que, progressivamente, levou a que se permitisse atirar bananas dentro da Legco, bem como outros excessos e atropelos que passaram a ser vulgares.
Com medo de serem condenados pela população, antes de actuar contra multidões irracionalmente agressivas a polícia até precisa de exibir um cartaz onde se lê “Stop Charging or We Use Force”.
Uma luta desigual porque os anarquistas podem fazer e dizer tudo o que lhes apetece e lhes vem à cabeça. No entanto a polícia é prontamente condenada pelo uso excessivo da força por causa de um inofensivo gás pimenta ou por ter dado uma ou outra bastonada a mais.
(Tal como nas minhas consultas públicas do passado em que se tolerava que fosse insultado pelo povão, mas que tinha ainda assim de mostrar um sorriso e dizer “muito obrigado pela sua valiosa opinião”, pois seria imediatamente crucificado se me atrevesse a responder à letra ou a humilhar alguém à frente das câmaras pela idiotice técnica da opinião que o Zé da esquina me dava).
Ao que já chegámos.
Portanto, caríssimo leitor, ainda que não seja do meu estilo colocar as coisas em termos absolutos e redutores, e mesmo não negando que Hong Kong tem de facto problemas profundos que afectam a população e sobre os quais o governo parece não ter soluções, tenho a dizer que para mim esses “Scholaristas” e “Localistas” não são mais que um bando de oportunistas políticos sem qualquer solidez intelectual e que, só por isso, não me convencem e não merecem o meu mínimo respeito – à semelhança de uns quantos pseudo-políticos aqui do nosso Macau.
Contudo, pior que isso tudo é aperceber-me que, em geral, as pessoas são incapazes de analisar esses acontecimentos de forma objectiva, sem a interferência de preconceitos – actualmente parece que só se pode ser integralmente e fervorosamente a favor ou contra.
Com isso tudo, posso apenas concluir que existe algo de fundamentalmente errado em Hong Kong nos dias que correm. E, até certo ponto, em Macau também.

Sorrindo Sempre
O anarquista Ray Wong Toi-yeung, representante do movimento “Localists” de Hong Kong, afirmou numa entrevista que atirar calhaus contra a polícia não é um acto violento.

Sorrindo sempre.

(*) 魚蛋 : bola de peixe ou fishball, petisco de rua típico do Sul da China.
(**) 魚蛋妹 : menina do yu tan, em tradução directa.

19 Fev 2016

O direito fundamental dos idosos à saúde

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] “Pesquisa Económica e Social Mundial 2007”, sobre o “Desenvolvimento do Envelhecimento da População Mundial”, elaborado pela ONU, menciona que o aumento da esperança de vida e a redução das taxas de fertilidade, são os principais factores que determinam a “transição demográfica”. À escala mundial, a esperança de vida passou de 47 anos, entre 1950 e 1965 para 65 anos, entre 2000 e 2005, e deverá atingir os 75 anos, entre 2045 e 2050. Assim, as pessoas podem pela primeira vez, esperar viver mais que os 65 anos. A maior esperança de vida, adicionada às importantes quedas das taxas de fecundidade é a causa do rápido envelhecimento das populações de todo o mundo.
As mudanças são grandiosas e as implicações enormes, pois uma criança nascida em diferentes latitudes quer seja no Brasil ou em Myanmar, em 2015, pode esperar viver mais vinte anos, que uma criança nascida há cinquenta anos. É notável que na República Islâmica do Irão, em 2015, uma pessoa, em cada dez, tenha sessenta anos. Esta taxa terá aumentado para um em cada três, em apenas trinta e cinco anos, sendo o ritmo de envelhecimento da população muito mais rápido que no passado, pois uma vida mais longa é um recurso extremamente valioso, permitindo a oportunidade de repensar, não apenas, como viver a velhice, mas também como poderia desenvolver-se toda a nossa vida.
O curso da vida, em muitas partes do mundo, por exemplo, circunscreve-se a um conjunto rígido de fases, como a primeira infância, os anos escolares, um período definido de anos de trabalho e a reforma. A partir desta perspectiva, é costume dar como aceite que os anos adicionais, simplesmente são acrescentados ao final da vida, permitindo uma reforma mais prolongada. Todavia, existem estudos que demonstram que muitas pessoas reconsideram este enquadramento das suas vidas, à medida que cada vez mais pessoas vivem até uma idade avançada. Pensam em mudança, e passar os anos adicionais de outra forma, talvez em continuar os estudos, iniciar uma nova actividade ou dedicar-se a um passatempo abandonado há muito tempo.
É de considerar que as pessoas mais jovens esperam viver mais tempo, podendo planear as suas vidas de forma diferente, como por exemplo, em primeiro lugar, dedicar mais tempo à constituição de uma família e depois, pensar na melhoria da sua carreira profissional. Alcançar uma maior longevidade dependerá, em grande medida, de um factor chave que é a saúde. Se as pessoas vivem esses anos adicionais, com um bom estado de saúde, a sua capacidade para realizar o que valorizam, será apenas diferente de uma pessoa mais jovem.
Porém, se os anos adicionais se caracterizarem por uma diminuição da capacidade física e mental, as consequências para os idosos e para a sociedade serão muito mais negativas, pese o facto, que por vezes, faz julgar que o aumento da longevidade, vem acompanhado de um período prolongado de boa saúde, mas lamentavelmente existem poucas provas de que os idosos, actualmente, gozem de melhor saúde que os seus pais quando tinham a mesma idade.
A falta de saúde não tem de ser uma característica predominante da idade avançada. A maioria dos problemas que enfrentam os idosos está associada a doenças crónicas, em particular, doenças não transmissíveis que se podem prevenir ou retardar, com a adopção de hábitos saudáveis, e outros problemas de saúde podem ser tratados se forem detectados a tempo.
As pessoas que sofrem de incapacidade física podem ter uma vida digna e de permanente crescimento pessoal em condições favoráveis e adequadas. O mundo infelizmente, está muito afastado desses ideais paradigmáticos. O envelhecimento da população exige uma resposta integral de saúde pública, e não se tem discutido o suficiente para encontrar as respostas adequadas, acrescentado do facto de existirem poucos dados empíricos do que se poderia fazer, o que não significa nada fazer de imediato, pelo que é urgente passar à acção.
As mudanças que constituem e influenciam o envelhecimento são complexas, e no plano biológico, o envelhecimento está associado com a acumulação de uma grande variedade de danos moleculares e celulares, e com o tempo reduzem gradualmente as reservas fisiológicas, aumentando o risco de muitas doenças e diminuindo, em geral, a capacidade intrínseca do indivíduo. A longo prazo sobrevêm a morte, pelo que tais alterações não são nem lineares, nem uniformes e só se associam vagamente com a idade de uma pessoa, após decorridos alguns anos.
A idade avançada com frequência trás alterações consideráveis, para além das perdas biológicas. Trata-se de alterações nas funções e atitudes sociais e na necessidade de enfrentar a perda das relações mais estreitas. Os idosos, perante esta situação, concentram-se em atingir menos objectivos e actividades, mas dedicam-se aos que sejam mais significativos, além de optimizar as suas capacidades, através da prática e recurso a novas tecnologias, compensando a perda de algumas aptidões, com outras formas de realizar tarefas. Assim, os objectivos, prioridades e preferências, também parecem mudar.
Ainda que, algumas dessas alterações possam ser o resultado da adaptação à perda, outros reflectem o desenvolvimento psicológico, permanente em idade avançada, que pode estar associado com o desenvolvimento de novos papéis, ponto de vista e vários contextos sociais interligados. As alterações psicológicas podem explicar o motivo porque em muitas sociedades a velhice, pode ser um período de bem-estar subjectivo agudo. É importante que ao elaborar uma resposta de saúde pública ao envelhecimento, não apenas sejam consideradas estratégias que contrariem as perdas associadas com a idade avançada, e que reforcem a resiliência e o crescimento psicossocial.
A sociedade, apesar de não existir um idoso típico, muitas das vezes encara-os de forma estereotipada que pode induzir à discriminação de pessoas ou grupos, apenas pela sua idade, denominada de discriminação por motivos de idade, e é possível que actualmente, seja uma forma mais generalizada de discriminação que o sexismo ou o racismo. O conceito generalizado e relacionado com a velhice, é o de que as pessoas idosas são dependentes ou representam uma carga, fazendo que, aquando da formulação das políticas sociais, se entenda que a despesa com os idosos seja apenas uma sangria para as economias e se dê ênfase à contenção de custos.
As conjecturas acerca da dependência devido à idade ignoram as numerosas contribuições que os idosos fazem para a economia. O Reino Unido realizou uma investigação, em 2011, e calculou que depois de compensar os gastos das pensões, bem-estar social e saúde com as contribuições realizadas através de impostos, despesas de consumo e outras actividades de valor económico, os idosos faziam uma contribuição líquida à sociedade de quase quarenta mil milhões de libras, e que atingirá setenta e sete mil milhões de libras em 2030.
Ainda que, não existam muitos dados disponíveis dos países com baixo e médio rendimento, a contribuição dos idosos é significativa. A idade média dos pequenos agricultores do Quénia, por exemplo, ultrapassa os 60 anos. As pessoas idosas podem ser fundamentais para manter a segurança alimentar no Quénia e em outros locais da África Subsariana, realizando também, uma função crucial de apoio a outras gerações. A Zâmbia calcula que um terço das idosas, são as que provêem e cuidam das crianças, cujos pais faleceram devido à epidemia do VIH, ou emigraram para trabalhar.
Assim, em todos os meios, sem contar o nível dos recursos, os idosos contribuem de diversas formas que são menos tangíveis economicamente, ao prestar apoio emocional em momentos de ansiedade ou aconselhar sobre problemas de difícil resolução. As políticas sociais devem ser desenhadas de forma a fomentar a capacidade dos idosos, para que realizem estas múltiplas contribuições.19216P20T1
O envelhecimento da população aumentará a despesa na saúde, mas não tanto como se pensava, existindo a ideia de que as necessidades crescentes do envelhecimento das populações darão lugar a um aumento insustentável das despesas na saúde. O panorama, não é tão claro, porque ainda que a idade avançada seja associada, em geral, com maiores necessidades de assistência sanitária, a relação entre a utilização do sistema de saúde e a despesa na saúde é variável.
A despesa na saúde por pessoa, em alguns países de altos rendimentos, reduz-se de forma considerável depois dos 75 anos, enquanto aumenta o custo em cuidados a longo prazo, dado que cada vez mais pessoas chegam a idades avançadas, permitindo que tenham uma vida longa e saudável, podendo aliviar as pressões inflacionárias com os gastos na saúde. O sistema de saúde influi em grande medida na relação entre a idade e a despesa na saúde. É muito provável que essa influência reflicta as diferenças nos sistemas, incentivos e abordagens das intervenções dos prestadores no que diz respeito aos idosos com saúde débil e normas culturais, sobretudo acerca do momento da morte.
O período de vida relacionado com os maiores gastos na saúde, sem importar a idade que se tenha, corresponde ao último ano, ou dois últimos anos de vida, sendo que esta relação varia consideravelmente, entre os países, sendo por exemplo, de 10 por cento do total de gastos na saúde na Austrália e Holanda, e de 22 por cento nos Estados Unidos, devido aos cuidados de pessoas no último ano da sua vida. O aumento dos custos associados aos últimos anos de vida, parece ser menor nos grupos de idade mais avançada, que nos grupos de menor idade. Prever os gastos futuros na saúde a partir da idade da população tem um valor questionável.
É de ter em conta que algumas investigações históricas, somam-se a estas interrogações, ao indicar que o envelhecimento tem muito menos influência nos gastos da saúde que outros factores. Os Estados Unido, viveram um período, entre 1940 e 1990, em que se deu o envelhecimento da população mais rápido de sempre, contribuindo em 2 por cento para o aumento dos gastos na saúde, enquanto as mudanças relacionadas com a tecnologia, foram responsáveis entre 38 por cento e 65 por cento.
As despesas nos sistemas de saúde, os cuidados a longo prazo e maiores condições favoráveis são usuais serem apresentados como custos. A visão deve ser diferente. Estas despesas devem ser consideradas como investimentos que desenvolvem a capacidade, e portanto, o bem-estar e a contribuição dos idosos e ajudam as sociedades a cumprir as suas obrigações no que diz respeito aos direitos fundamentais dessas pessoas.
O retorno desses investimentos, em alguns casos é directo, pois melhores sistemas de saúde permitem melhores condições de saúde, que por sua vez favorece a participação e o bem-estar; em outros casos, o retorno pode ser menos óbvio, porque requer a mesma atenção. O investimento nos cuidados de saúde, por exemplo, a longo prazo ajudará as pessoas idosas, com perda significativa da capacidade a manter uma vida digna, podendo permitir também, que as mulheres possam trabalhar, além de incentivar a coesão social, ao partilhar os riscos dentro da comunidade.
O repensar da justificação económica para esta forma de agir, desloca a discussão da visão típica de minimizar os ditos custos, que violam os direitos fundamentais não apenas dos idosos, mas de toda a população, para uma análise que tem em conta os benefícios que se podem perder, se as sociedades não conseguirem fazer as adaptações e os investimentos adequados. Quantificar e considerar rigorosamente a magnitude dos investimentos e dividendos que produzem, será crucial para que os responsáveis pela tomada de decisões, concebam políticas bem fundadas, que são também, uma das preocupações e recomendações da Organização Mundial de Saúde, reiteradamente efectuada, e de novo consubstanciado no relatório “Health in 2015: from MDGs, Millennium Development Goals to SDGs, Sustainable Development Goals”, de 8 de Dezembro de 2015 aos Estados-membros, e que muitos paradoxalmente, continuam a fazer ouvidos de mercados, não apenas nesta matéria, como em todas as outras.

19 Fev 2016

Uma palavra aos mais jovens

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m certo jovem regressou a Macau depois de ter terminado os estudos em Taiwan. Como pretendia iniciar actividades de cariz social, pediu-me que o recebesse para escutar a minha opinião sobre o assunto. Fico sempre feliz por poder aconselhar e apoiar jovens estudiosos e empenhados em intervir socialmente. Numa pequena cidade como Macau, com mais de 500.000 habitantes, as relações interpessoais são de certo modo complexas, especialmente quando se trata de falar sobre os interesses de cada um, pode haver lugar a mal-entendidos. É por isso necessário que nos preparemos mentalmente, caso contrário podemos provocar o efeito contrário do desejado.
Quando recebi este jovem, a primeira pergunta que lhe coloquei foi “o que é que o leva a desejar envolver-se socialmente?” Respondeu-me que desejava alargar os seus conhecimentos para estar mais bem preparado para o futuro. Penso que esta é a resposta correcta, basta recordarmos a palavras do Dr. Sun Yat-sen, quando aconselhava os jovens a “envolverem-se em projectos grandiosos em vez de apenas ambicionarem a cargos oficiais”. Era uma forma de admoestação, ao alertar os jovens para não se deixarem fascinar por cargos superiores, muito bem pagos, esquecendo as intenções originais, que seriam servir o povo.
A este jovem lembrei a quatro metas ontológicas definidas por Zhang Zai, um estudioso chinês da Dinastia Song, a serem alcançadas por todos os intelectuais. A formação superior deverá “levar as pessoas a agirem de forma benevolente, para mostrar ao cidadão comum um caminho a seguir e provocar a sua admiração, respeitar e desenvolver os ensinamentos dos mestres ancestrais (ex. Confúcio e Mêncio), e lançar as bases para que as gerações seguintes desfrutem de uma paz duradoura”. Em Setembro de 2006, quando o ex-Primeiro Ministro Wen Jiabao visitou a Europa, durante uma entrevista citou estas palavras de Zhang.
É sempre mais fácil falar sobre ideais do que realizá-los. As dificuldades que se encontram neste percurso não serão tanto motivadas por razões de ordem externa, mas mais por razões de ordem interna, trata-se sobretudo de vontade pessoal e perseverança. Quando alguém decide participar socialmente, quer seja a nível do serviço público quer seja a nível de uma organização privada, quanto maior for o seu envolvimento, mais elevada a sua posição e mais importante a natureza do seu trabalho, tanto maior será a pressão com que terá de lidar e, igualmente, maiores serão as tentações com que se irá deparar. Se não possuir grande fé nas suas convicções, pode facilmente deixar-se ir ao sabor da corrente e os seus ideais verem-se consumidos pela “feira das vaidades” do dia-a-dia. Mesmo a faca mais afiada acabará por ficar romba se “pensar” que não precisa dos cuidados do amolador.
Quem quiser envolver-se social e politicamente terá de estar em alerta constante. É importantíssimo que se atenha à sua fé e às suas virtudes. Quando pessoas talentosas, mas sem qualidades morais, sobem ao Poder provocam mais danos que benefícios. Assim, as virtudes são um pré-requisito para o trabalho social e político. São sem dúvida de louvar todos os jovens que pretendam dedicar-se a um trabalho em prol do bem comum.
Mas antes de se envolverem, devem estar muito bem preparados, para saberem lidar eficazmente com desafios e adversidades futuras.
As palavras de Zhang têm servido de orientação aos intelectuais chineses ao longo de milhares de anos. Sob estes ensinamentos, dispõem-se a sacrificar-se pelo bem comum. Não procuram ganhos pessoais, colocam sempre o bem-estar do povo em primeiro lugar. Esta atitude incorpora os princípios de lealdade e tolerância da doutrina de Confúcio, e os princípios do amor universal e do “caminho” defendidos por Mêncio.
Como nos últimos tempos a cena política macaense tem estado confrontada com diversas questões problemáticas, os jovens devem tentar ser observadores destas situações, analisá-las e aprender com elas, já que depois de “entrarmos na montanha” deixamos de conseguir ver a montanha como ela é.

19 Fev 2016

Morto “ainda era pouco”

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ortugal é um país de brandos costumes, diz-se. Ou foi, portanto já não é. Melhor dizendo, “vai sendo”, conforme as modas, e nisto pode-se dizer que os Portugueses não diferem do comum “homo sapiens”, independente da sua localização geográfica: de barriga cheia tem menos vontade de protestar, mandar vir, bater com o pé, ou numa variante regional específica deste primata, “encostá-los todos ao Campo Pequeno”. Mesmo esta frase leva-nos de volta a um tempo não muito distante, onde o estado de coisas se pode descrever simplesmente como de “nem o pai morre, nem a gente almoça”, com uma tendência para o “ou comem todos, ou não há moralidade” (isto de ser Português tem que se lhe diga).
Actualmente pode-se dizer que estaremos entre os povos mais pacíficos do planeta. Não, não é por sermos uns pelintras que não têm onde cair mortos, quanto mais uma bomba atómica, ou por não possuirmos recursos naturais ou quaisquer outros que justifiquem mandar um “drone” de reconhecimento, quanto mais uma invasão completa. O que o freguês iria ganhar ao adquirir este país tão catita, portátil e arrumado num cantinho junto ao mar era “dívida”. O freguês faz uma careta, agradece a atenção e rejeita diplomaticamente a proposta, dizendo que “procura algo que garanta um retorno do investimento a curto e médio prazo”. Ó que pena, o que há por aqui e vem tendo muita saída são as insolvências, cortes e austeridade. Obrigado na mesma, e à saída sirva-se de uma fatia de capital de uma qualquer empresa pública que fizemos questão de retalhar e vender ao desbarato. E despache-se senão os chineses levam tudo.
Somos também muito cordiais a hospitaleiros com os forasteiros, venham eles apenas em turismo, ou com intenção de se mudar para o nosso solarengo recanto, contribuindo assim para o progresso e para o bem comum da Pátria amada. Não…isto não é uma mentira, por assim dizer. É mais um paleativo, se preferirem. Uma masmorra escura e fria decorada com motivos festivos, e quem sabe alguma música alegre, para esquecer as mágoas. São muitas? A gente tapa-as com uns cobertores giraços, do Harry Potter, ou isso. Logo se vê. A verdade crua e nua é que se nota cada vez mais um tipo de sectarismo que nunca foi nosso apanágio. Quer dizer, afinal ainda se olha para Portugal como sendo “o ânus da Europa” – e pouco importa de que prisma se olha para o velho continente.
Temos uma História de que nos orgulhamos, o que leva por vezes algumas aves de mau agoiro a acusar-nos de “viver do passado”. Ora essa, há coisas boas de que podemos usufruir, de que temos uma longa tradição, e a que alguns países podem apenas ambicionar em sonhos – ainda hoje! Por exemplo, Portugal foi o primeiro país do mundo a fazer constar da sua Constituição a abolição total da pena de morte. Sabiam? Ah, mas aposto que não sabiam que o Reino Unido apenas aboliu a pena capital nos anos 60 do século passado, e a França nos anos 80! Bárbaros. E dos Estados Unidos nem se fala. Suck on that, yankees. Um ponto para nós em Progresso Civilizacional, o que perfaz o total de…um ponto. Vá lá, então que cara é essa? É um começo, melhor que nada. Tenham fé, como o Eusébio quando ia marcar um “penalty”.
A nossa longa tradição de não aplicar um castigo tão radical (e irreversível, também) a alguém que teve um dia (ou dias) menos feliz(es) leva-nos a elaborar uma respeitável quantidade de prosa sobre o assunto, com primazia para aquela que busca inspiração no divino: “Só Deus tem o condão de tirar uma vida”. Deus e um vasto rol de enfermidades, portanto (essas não serão obra Dele, certamente…). O nosso registo de fazer justiça com base na máxima “olho por olho, dente por dente” ficou tão dissipado num passado longínquo que damos por nós a adoptar um tom paternalista com os países que ainda seguem esta prática troglodita – a China, por exemplo, onde as execuções são levadas a cabo de forma indiscriminada, obedecendo a critérios nem sempre bem claros (uma retina feita à medida de algum Zé-Pagante cegueta de Hong Kong, por exemplo). De facto, temos tanto para dar. Em sermões, o que sempre é melhor que nada. Ou será mesmo assim?
Perante tudo o que deixei expresso nestas linhas – isto é, se dali alguma coisa se aproveita – não posso deixar de partilhar o meu espanto quando deparo com tanto compatriota sedento de sangue nestes tempos atribulados que correm. Claro que falo das redes sociais, fóruns e caixas de comentários um pouco por essa “net” fora, que são como um “Cavalo à Solta”: denúncia do que sente, do que pensa a gente certa. O senão é que não há nada de poético ou inspirador no que pensa esta gente, ou muita dela, e tivesse Ary dos Santos sobrevivido à taquicardia que o fez partir do mundo dos vivos, dificilmente resistiria à segunda, após ler o que ali se pinta no mural virtual do mais puro desgosto e ressentimento.
A medida para tudo é “pena de morte, e ainda é pouco”, como se a pena capital fosse alguma camisola de lã da Burberry’s que estamos mortinhos por experimentar e ver e nos fica bem. Esta noção de que “pena de morte é pouco” deixa-me meio baralhado – o que pode ser “pior que a morte”, especialmente se esta for aplicada primeiro, tornando tudo o que se possa seguir de indolor, inerte e inodoro? Estranho conceito, este, mas não deixa de ser preocupante observar como os até aqui sempre cordatos lusitanos vão imaginando as formas mais cruéis, sádicas e demoradas de castigar SUSPEITOS de crimes, que podem ir do simples furto à mais humilhante violação. E reparem como destaquei a palavra “suspeitos”, pois para os partidários da justiça “à la minuta”, isso da presunção da inocência não passa de uma mariquice, de “mais burocracia”. Toca mas é a limpar o sebo o gajo, e “ai se fosse comigo…”. Esta curiosa expressão é um pouco como a letra da cantiga “Se eu fosse um homem rico”, de “O violino no telhado”, mas aqui seria seguido de “…mandava matar essa escumalha toda”.
Bem vistas as coisas, devíamos era dar-nos por felizes por não ter tido a mesma falta de sorte que os “nuestros hermanos” do lado. Ah pois é, pois enquanto o tio Sal (Gostaram? Dá-lhe um ar mais “in”) e os seus esbirros da PIDE se mordiam de inveja, Francisco Franco ocupava as horas mortas entre a “paella valenciana” do almoço e a soirée de “flamenco” com um fartote de fuzilamentos, encomendados por ele próprio. “¿ Está bien así o si le gusta con mas leche, comandante?”. O que faz falta é acordar para a vida camaradas. E já agora lerem certas coisas que por vezes escrevem, antes de decidirem partilhá-las com o mundo. Basta fazerem aos próprios botões esta simples pergunta: “é isto mesmo que eu quero para mim e para os meus”? Fica a sugestão.

Destaque
“Esta noção de que “pena de morte é pouco” deixa-me meio baralhado – o que pode ser “pior que a morte”, especialmente se esta for aplicada primeiro, tornando tudo o que se possa seguir de indolor, inerte e inodoro?”

18 Fev 2016

Para que serve a TDM?

Várias vezes me interrogo e nunca chego a nenhum resultado conclusivo. Não percebo qual a missão da TDM. Não produz entretenimento nem ficção, não encomenda aos produtores locais, dá poucos meios aos seus jornalistas, não tem um arquivo de imagem organizado, serve para quê? Sempre que entra uma nova administração espero a proverbial lufada de ar fresco mas, venho invariavelmente a descobrir, que não passa de mais uma corrente de ar que nos deixa cada vez mais obstipados e menos refrigerados. Na volta, e é o que parece, o problema é menos das administrações e mais da tutela que ainda não percebeu para que serve a TDM.
Canais abrem com fartura mas os conteúdos originais continuam a faltar não se compreendendo como a instituição que mais poderia contribuir para o desenvolvimento das indústrias relacionadas com a produção de vídeo e cinema no território continue a passar ao lado do fenómeno. Mas nos tempos que correm, passa tão desapercebida como um elefante a tentar escapar-se de fininho de uma loja de conveniência.
Ao que parece, este ano viram o orçamento reduzido o que, a confirmar-se, é a manifestação do absoluto contra-senso, se pretendermos levar a sério a política do governo de desenvolvimento das indústrias criativas locais. A TDM pode, e deve assumir-se como o principal comprador do território, que assim veria surgirem mais lugares fixos para a produção de vídeo no sector privado, mais possibilidades para actores, decoradores, carpinteiros, para um sem número sem número de actividades que a indústria da produção de televisão e cinema requerem para funcionar. Isto já para não falar no papel que a TDM poderia, e deveria, ter na distribuição de conteúdos “made in Macau” para os países de língua portuguesa. Mas nem tudo requer orçamentos sólidos. A capacidade de ‘network’ com outras televisões na China, a abertura de pontes entre os produtores locais e as televisões chinesas poderia também ser algo para a TDM se entreter enquanto o governo não entende a necessidade, ou a TDM não souber pedir, de uma dotação orçamental condigna.
Também tenho alguma dificuldade em compreender como é possível a TDM ainda não ter um arquivo de imagem e continuar a esquivar-se da sua responsabilidade de prover Macau de memória. Há uma série de exemplos que a TDM poderia seguir para se afirmar como um centro produtor; a RAI, o Canal+, a Arte, até a própria RTP que tem participado na produção de várias ficções originais já para não falar em programas de entretenimento de autoria que poderiam ser exportados. Parece que a TDM já se resignou ao facto das pessoas preferirem ver os canais de Hong Kong e as cadeias internacionais e então resume-se a cumprir calendário sem criar grandes ondas. Como o elefante, na esperança de passar pelos espaços da chuva. Especialmente agora que se anuncia um festival de cinema com 80 milhões orçamento, ao que parece em grande parte suportado pelo governo, esta apatia da TDM torna-se ainda mais ofensiva. É certo que o festival de cinema enquanto tiver a torneira dos cifrões aberta vai manter-se e trazer até Macau muitas estrelas, mas se o tecido local não for fortalecido e entidades como a TDM que deveriam estar a apoiar activamente a produção local continuarem de braços caídos, se os produtores locais continuarem sem capacidade de gerarem e escoarem produto, nenhum festival fará sentido.

Ainda os “macaios”

Tenho perfeita consciência da conotação negativa que a expressão “macaios” encerra e daí a ter utilizado. Lembrar-se-ão muitos, com certeza, de como a expressão “tuga” também já foi mal vista. Limpar os sótãos faz sempre bem.

Música da Semana

David Bowie – “This is Not América”

(…)
The little piece in me,
Will die
(this is not a miracle)
For this is not America

Blossom fails to bloom this season,
Promise not to stare,
Too long
(this is not America)
For this is not the miracle

There was a time,
A storm that blew, so pure
For this could be the biggest sky
And I could have the faintest idea

For this is not America

Shalalalala
Shalalalala
Shalalalala
(…)

17 Fev 2016

Sexo Musical

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]epois da literatura há três semanas atrás, pareceu-me oportuno explorar o sexo na música. Porque, curiosamente, é uma forma artística de contornos sexuais pouco claros, ou seja, não há características óbvias sobre o que é música sensual/erótica/pornográfica. Formas artísticas visuais são mais fáceis de ser entendidas como tal. Exemplo: pénis ou vulva à vista mais facilmente se encaixam na categoria. Só me vem à cabeça excepções relacionadas com aulas de anatomia, e isso, para a maioria das pessoas, not sexy at all.
Parece-me que não há um mundo a descobrir de música potencialmente auxiliadora de actividades masturbatórias ou sexuais. E se ninguém anda à procura, não haverá oferta. O que poderia ser considerado como música pornográfica? Sons sexualmente excitados (à lá música do Serge Gainsbourg: Je t’aime, ohhhhhh, oui, je t’aime… moi non plus) E gemidos, muitos gemidos e, quiçá, um orgasmo. Talvez a calma sensual de um saxofone ou a brutalidade de uma percursão de sensação latejante, equiparada com aqueles momentos em que uma pessoa só quer ser encostada a uma parede e deixar-se levar por muito, mas muito, tesão. Pensei que a minha melhor hipótese fosse na procura de pornografia para invisuais: mas só encontrei descrições audio de filmes já existentes, nada de muito musical.
Por isso, se não há um género claro, o pessoal possui imaginação suficiente para tornar música, até a menos óbvia, parte da sua sexualidade. Os mais arrojados consideram as suas listas de uma sensualidade indiscutível! E por isso publicam listas de músicas sensuais por aí. Ou… ‘a lista das melhores músicas para fazer striptease’, ‘lista das melhores músicas para aquecer corações’, ‘lista das melhores músicas para lubrificar o sexo’ e muitas mais. Eu que me julgo uma esquisita musical, de universal estas listas têm muito pouco.
Mas uma coisa é certa, a música vive do sexo e da sensualidade para se tornar popular e rentável. Basta ligar aquele site com uma invejável colecção de vídeos de música e clicar em qualquer actual canção pop para nos depararmos com maminhas a saltar de decotes, troncos nus de muito músculo, rabos semi à mostra, graciosamente, a fazer o twerk (movimentos de anca ultra rápidos) e os constantes eufemismos para sexo. Existem ainda os projectos musicais que se dedicam exclusivamente ao tema, nas suas letras de pormenorizada descrição sexual. Talvez não necessariamente sexualmente excitante mas sem dúvida classificada como ‘sexo na música’. O termo técnico é pornogrind que acompanha outros géneros bastante pesados usando uma linguagem bastante explícita. Para os que desejam algo menos óbvio, mas ainda bastante relacionado com sexo, existe o porn groove, um estilo de música bem estabelecido nos anos 70 durante o boom da indústria pornográfica, que precisava de uma banda sonora característica. Uma guitarra minimalista, mas com um bom feeling, acompanhada por um pedal wah-wah.
É interessante pensar que há sons ou músicas que despertam uma sensualidade sem igual. Acredito que todos nós tenhamos ‘aquela’ música que cria uma sensação de friozinho na barriga e um lamentar por não ter um namorado ou namorada. Pode ser vista como construção muito personalizada de sexualidade, tipo, condicionamento clássico do cãozinho do Pavlov. O perigo é que estas nossas preferências podem chocar com os gostos musicais do parceiro ou de outras pessoas em geral. Quando o Rui Veloso canta ‘não se ama alguém que não ouve a mesma canção’, ganha todo um outro sentido se pensarmos que a incompatibilidade musical possa ser exposta em momentos de intimidade.
Pensem nas vossas listas, peçam outra ao parceira/o, comparem-nas, ouçam-nas e desfrutem. E claro, quando acharem necessário, façam a vossa própria música.

16 Fev 2016

Confrontos em Hong Kong

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 8 de Fevereiro, o primeiro do Ano do Macaco no Calendário Chinês, ocorreram tumultos violentos em Hong Kong. Os acontecimentos ficaram conhecidos como a Revolta das Bolinhas de Peixe (Fishball Riot)”. O website “wikipedia” fez um relato detalhado, do qual iremos analisar alguns excertos que servirão de base à nossa reflexão:
“No passado dia 8 de Fevereiro, o primeiro do Ano Novo Chinês, funcionários do Departamento de Higiene Alimentar e Ambiental (FEHD) tentaram encerrar bancas de comida ilegais, instaladas nas ruas de Mong Kok. O movimento Hong Kong Indigenous (HKI) convocou de imediato a população através das redes sociais, para proteger os vendedores ambulantes e, por volta das 21.00h, estavam reunidas algumas centenas de pessoas que começaram por agredir verbalmente os agentes da FEHD.
Por volta das 22.00h, um táxi que vinha a entrar na Portland Street, atropelou acidentalmente um idoso. Os manifestantes bloquearam a rua e impediram o taxista de sair do local. Entretanto a polícia chegou e rodeou a viatura, avisando as pessoas para não se aproximarem. Seguidamente a polícia retirou-se, regressando pouco tempo depois, por volta das 23.45, com um estrado portátil, o que provocou a fúria da multidão. À meia-noite, estalaram confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes, quando os agentes da autoridade pretendiam desimpedir as ruas. A polícia, equipada com capacetes e escudos, lançou-se sobre os manifestantes com bastões e gás pimenta. Por seu lado alguns manifestantes, equipados com escudos improvisados, óculos de protecção, capacetes e luvas, arremessaram sobre os polícias garrafas de vidro, tijolos, vasos e caixotes do lixo.”
Por volta das 2.00 da manhã, na Argyle Street, um agente da polícia querendo proteger um colega ferido, caído no chão, disparou dois tiros para o ar.
“Às 4.00 da manhã, o primeiro de diversos fogos ateados nessa madrugada, desencadeou-se na Sai Yeung Choi Street South, seguido de outros três que viriam a deflagrar nessa mesma rua. Alguns manifestantes lançaram fogo a contentores de lixo, na zona que circunda a Shantung Street e a Soy Street, e que inclui os cruzamentos da Fife Street com a Portland Street e da Nathan Road com a Nelson Street. Os fogos foram apagados pela polícia e pelos bombeiros. As duas transversais da Nathan Road foram cortadas a sul da Argyle Street e a estação de Metro de Mong Kok foi encerrada.
Às 7h 15m, depois de um longo impasse, os manifestantes foram retirados da Soy Street, perto da Fa Yuen Street, após a chegada ao local dos agentes especiais da Unidade Táctica de Polícia. Os manifestantes foram dispersando gradualmente, por volta das 8.00 da manhã. Às 9.00h as ruas de Mong Kok estavam calmas e a estação de Metro reabriu às 9h 45m.”
Nos confrontos ficaram feridos cerca de 90 agentes da polícia. Um jornalista de Ming Pao queixou-se de ter sido agredido pela polícia apesar de ter mostrado a identificação. Jornalistas da RTHK e da TVB ficaram igualmente feridos nos confrontos.
Até sexta-feira, a polícia tinha prendido 65 pessoas, com idades compreendidas entre os 15 anos e os 70. O porta-voz da HKI, Edward Leung Tin-kei, também foi detido. Edward Leung Tin-kei é candidato pelo movimento New Territories East, às eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong. É previsível que mais pessoas venham a ser detidas, ao abrigo da “Lei da Ordem Pública”, acusadas de “provocação de tumultos”. A pena máxima pode chegar aos 10 anos de cadeia
Lançar tijolos contra pessoas pode provocar danos graves. Se o agredido morrer, estamos perante um crime de homicídio. Este tipo de comportamento é obviamente irracional. Alguém que queira expressar uma opinião, deve fazê-lo pacificamente. Se uma pessoa for atingida na sequência de confrontos desta natureza, é vítima de “expressão de opinião violenta”. Será esta uma forma correcta de nos expressarmos? E será justo para a vítima?
A polícia de Hong Kong tem muito auto-controlo. Nunca agem de forma emocional. Mesmo quando são provocados diversas vezes pelos manifestantes, só usam o gás pimenta para manter a ordem. Nunca disparam nem usam gás lacrimogénio. Os simpáticos e corajosos agentes da polícia de Hong Kong saíram desta situação com uma boa imagem.
No entanto a polícia Hong Kong deve prestar mais atenção à forma como usa o equipamento de protecção, especialmente os escudos. Como a maior parte dos agentes foi ferida por tijolos que caiam de cima, verificou-se que os escudos não foram eficazes. Ao contrário da Força Policial de Macau, podem usar escudos para proteger o corpo todo e a cabeça. Desta forma podem impedir ferimentos provocados por objectos que sejam lançados de cima. Estes cuidados adicionais deverão ser considerados.
Ponderemos agora sobre os efeitos a curto prazo da Revolta das Bolinhas de Peixe. Nesta situação será que os turistas desejam visitar Hong Kong? Se pensarem na sua segurança, a resposta é obviamente “não”. Se verificarmos as taxas de ocupação dos hotéis de Hong Kong, constataremos que à data dos acontecimentos, as lotações não estavam completas. Os preços baixaram para atrair mais clientela. No primeiro dia do Ano Novo Chinês, a diária num hotel de quatro estrelas, era de apenas 400 HK dólares. Estes tumultos violentos destruíram a economia de Hong Kong. Não se espera que possa haver uma recuperação a curto prazo. Estamos perante um caso de “lançar achas para a fogueira”.
Os vendedores ambulantes sem licença são um problema para o Governo de Hong Kong. Alguns manifestantes envolvidos nestas rixas afirmavam que quando lutaram contra o comércio paralelo, houve um decréscimo de turismo em Hong Kong, e mesmo assim venceram. Agora, se o Governo de Hong Kong permitir que os vendedores ambulantes sem licença continuem com os seus negócios em Mongkok, estes manifestantes ficarão com a impressão de ter “vencido” de novo. Se, por um lado, o Governo de Hong Kong perseguir os vendedores ambulantes, estes poderão ver o seu modo de vida posto em causa. Mas também se corre o risco de vir a haver uma segunda “Revolta das Bolinhas de Peixe”. Estas questões podem colocar o Governo num dilema.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

15 Fev 2016

Má sorte

1. Primeiro foi o troço das antigas muralhas, vandalizado por quem acha que pode fazer o que lhe apetece, onde lhe apetece, quando lhe apetece. Depois foi a Casa de Lou Kao, que levou com uma parede em cima que não lhe pertence, por causa de obras que – dispensa-se o relatório preliminar e também não é preciso esperar por conclusões finais – são feitas às três pancadas, como quase tudo o que diz respeito à construção em Macau. E agora o templo de A-Ma. Um incêndio com causas desconhecidas, em plenas comemorações do ano novo chinês. O património não anda com sorte.
Um incêndio de madrugada, de origem incerta. O Instituto Cultural já veio garantir que foi feita, há pouco tempo, uma inspecção ao local, espaço de peregrinação de centenas (milhares?) de pessoas durante estes dias. À hora a que escrevo, presume-se que se tenha tratado de um curto-circuito, uma daquelas coisas de que ninguém tem culpa – ou às tantas tem.
Mas não interessa a culpa: já se sabe por aqui morre quase sempre solteira e, quando contrai matrimónio, por norma fá-lo com o cônjuge mais fraco que poderia arranjar. O que importa é pensar no que se anda a fazer, no que se vai fazer, como evitar que estas situações aconteçam. No meio da má sorte, a sorte toda: tivessem as chamas começado a outras horas e este texto seria, todo ele, muito diferente. Num edifício com acessos complicados, a má sorte seria uma enorme tragédia.
Macau tem esta estranha condição da má sorte relativa: o mundo vai desabando, mas aqui, neste pedaço de terra crescente, nada acontece. Esta forma de evitar o azar total não se deve à competência das autoridades ou à consciência de quem age no espaço público: deve-se à sorte, que muitos dizem ser divina, apesar de os deuses não serem consensuais.
É bom que o azar total não nos bata à porta: antes cair o revestimento dos corredores, que sucumbiu ao frio, do que o tecto em cima da cabeça. Antes furar um pneu num buraco da estrada que já conta com mais de seis meses de vida, do que estourar o carro nesse mesmo buraco que a chuva tapou. Antes isso, claro está. Mas a má sorte que se vai tendo deveria servir para se começar a exigir mais – das autoridades e de quem age no espaço público. É que um dia destes o panchão rebenta no sítio errado, na hora errada, na mão errada. Não há má sorte relativa que não possa ser, um dia, absoluta.

2. Corro o risco de ser culturalmente intolerante. Corro. Mas as touradas também fazem parte da cultura do meu país e não lhes acho a mínima piada, pelo que não é uma questão de idiossincrasia – é mesmo uma questão de bom senso. Macau continua a ser, em termos de ano novo chinês, uma coisa estranha, bastante primitiva.
Dir-me-ão que faz parte da tradição isto de andar a queimar coisas para o ar, a horas em que há gente que quer, por exemplo, dormir descansada, sem a sensação de acordar no meio da Guerra do Pacífico. Queimam-se panchões nos locais que as autoridades definem mas também noutros sítios, que já sabemos que há sempre quem faz o que lhe apetece, quando lhe apetece, onde lhe apetece.
Dir-me-ão que faz parte da tradição e eu acredito, mas há 300 anos havia outras tradições, aqui e noutras partes do mundo, que se abandonaram por razões lógicas, próprias da evolução da espécie. Os panchões não fazem parte da realidade de muitas cidades da China, que também é tradicionalmente dada a fogos-de-artifício e outros dispositivos ruidosos. Houve alguém, do outro lado da fronteira, que se lembrou da poluição – sonora e sobretudo atmosférica, que isto de andar a queimar coisas não faz nada bem ao ar que se respira.
Por aqui, tudo na mesma. A festa ainda dura mais uns dias, pelo que quem quiser dormir que se aguente, porque até à uma da manhã a festa dura e há tolerância governamental para algumas tradições. Os turistas dão jeito e há que manter o povo contente. E depois – que fique claro porque já nos disseram, vezes sem conta, esta verdade absoluta – a culpa da poluição não é nossa. É só má sorte.

3. Outra sorte tiveram os Serviços de Saúde num caso recente que deu origem a uma das notas de imprensa mais extraordinárias que já tive oportunidade de ler. Chegou pouco antes da uma da manhã, acompanhada de uma mensagem para o telefone. O título diz tudo: “SSM [Serviços de Saúde de Macau] agradecem ao tribunal que julgou improcedente um recurso sobre o levantamento da medida de isolamento obrigatório”.
Quero ter a esperança de que a nota de imprensa original tenha sido redigida em chinês e que em chinês tenha um sentido completamente diferente. É que não fica bem uma entidade pertencente a um Governo agradecer decisões de órgãos judiciais – por mais importantes que possam ser para a saúde pública, como parece ter sido o caso. É a escolha do verbo, bem sei, pode ser só mesmo falta de jeito, admito. Para a próxima, um “congratulam-se” cai melhor. Ou então um título informativo, daqueles tipo “Tribunal dá razão aos Serviços de Saúde”. Por causa daquelas coisas da separação dos poderes e do Estado de direito. É que só falta mesmo o cesto de frutas e o cartão a acompanhar. Em nome da boa sorte, pois.

12 Fev 2016