Tânia dos Santos Sexanálise VozesA Luta e as Derrotas [dropcap style =’circle’] A [/dropcap] 14 de Março de 2018, no Rio de Janeiro, Marielle Franco foi morta/assassinada/ executada por ser quem era. Perdão, não foi só por ser quem era, mas por lutar por aquilo em que acreditava. Não foi um simples crime de ódio, e isto digo-o com alguma certeza: foi um crime político. Silenciou-se a voz de uma mulher, negra, feminista e defensora dos direitos humanos. Ao longo de tantos séculos de humanidade e civilização quantas vozes já foram silenciadas? Muitas, demasiadas. Mas desta vez bateu-me forte. Esta era uma voz contemporânea, uma voz com a qual poderia ter-me identificado. Muitas ideias que já partilhei aqui, neste espaço de escrita, vezes sem conta, cairiam no mesmo espectro ideológico. Aquele em que acredita que é precisa a emancipação plena das sexualidades, das raças, e das condições de vida humanas. A luta, que deveria ser de todos, é somente para aqueles que a julgam absolutamente necessária. Mulheres de todo o mundo, uni-vos! Da China ao Brasil, mostrem a palavra, as vossas ideias de igualdade e a vossa militância pelo fim da injustiça. Na criatividade contínua ou pontual descobrem-se novas formas de irreverência, novas formas de dar visibilidade à dor de muitos. Dar voz aos oprimidos e injustiçados não é somente mostrar como a vida é filha da mãe. Dá-se visibilidade e põe-se em causa as estruturas, permitem-se mudanças – tem-se esperança que a voz de uns possa um dia dar a voz a muitos mais. Perseverança, resiliência e teimosia são as características obrigatórias para quem quiser alistar-se a este exército. Há a resistência verbal e física, há resistência em forma de balas e de tortura. Não consigo não admirar as muitas pessoas, e muitas mulheres, que deram o corpo e espírito ao manifesto, à causa, qualquer que seja. Haverão lutas mais dignas que outras? Mais necessárias que outras? Isso já são preciosismos que me ultrapassam. Atrevo-me a celebrar a neta que quis dar voz à avó que era prostituta (obrigada Zhang Lijia), ao J-Bo que antes era a Joana (obrigada por seres o primeiro transexual masculino em Macau) e a todxs xs outrxs que marcam, continuamente, a esfera pública e o nosso imaginário colectivo. Grandes, médios e pequenos gestos que vão semeando mudança. As sementes caiem por entre as pedras calcárias do passeio e, contra todas as expectativas, as plantinhas crescem na adversidade. Nós nem sabemos bem como, mas crescem. A 14 de Março de 2014, em Beijing, Cao Shunli morreu por ser quem era. Perdão, por lutar por aquilo em que acreditava. Quatro anos e 17310 km que separam duas mortes de mulheres que atreveram mostrar a sua voz. Que raio de coincidência infeliz. Estas são as derrotas, o que querem que vos diga? Gostava que não acontecessem. Ainda assim vivo iludida de que ‘perder’, não nos desanima nem nos enfraquece. Quanto muito a derrota fortalece ou enraivece, cria massa crítica para mais confronto. O que é que isto tudo tem que ver com sexo? Tem tudo e nada. Face a estas e tantas outras derrotas – aliás, parece que vivemos num mundo triste, ultimamente – tenho criado o meu espaço de protesto, tenho dado forma à voz do sexo que no fundo poderia ser a voz de tudo o que nos preocupa. Esforço-me por exorcizar os meus demónios nesta tentativa débil de criação, e de resistência.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMediatismos no Tribunal [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] antigo Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang Yam-kuen, foi acusado de ter aceitado da Wave Media a quantia de 3,8 milhões de HKD (487.000 USD) para remodelar uma penthouse na China. Em paga do favor, Donald Tsang ter-se-ia mostrado “favorável” à concessão da licença de emissão para a operadora de Rádio, no período em que exercia funções como Presidente do Conselho Executivo. Bill Wong Cho-bau, o maior accionista daquela operadora, era proprietário da penthouse e pagou as obras de remodelação. O caso foi apresentado perante um júri no Supremo Tribunal. Presidiu o juiz Andrew Chan Hing-wai. Como no final não foi possível que 6 dos 8 jurados concordassem com a acusação, Donald Tsang saiu em liberdade. No entanto, a apreciação final apresentada por escrito pelo juiz Andrew Chan incluía muitos comentários sobre o caso. Se ainda estiverem recordados das notícias que saíram durante o julgamento, um dos jurados, então referido como Mr. Q, perseguiu e chegou à fala como uma famosa estrela mediática, que se tinha deslocado ao Tribunal como apoiante de Donald Tsang. Mr. Q era um fã de longa data desta celebridade, pelo que a interpelou e fizeram-se fotografar juntos. O procurador separou imediatamente Mr. Q do resto dos jurados e reportou o caso ao juiz. Temendo uma possível parcialidade do jurado, o juiz afastou-o do júri. No parágrafo 32 da sua apreciação, o juiz declara, “…… Mr. X (a celebridade) foi introduzido no Tribunal por um elemento de uma empresa de relações públicas, ao contrário dos cidadãos normais que tiveram de esperar na fila para entrarem. Quando entrou sentou-se na área reservada à família e aos amigos do réu …” Nos parágrafos 36, 38 e 39, o juiz refere, “O processo que levou ao afastamento de Mr. Q, fez-me perceber pela primeira vez que uma empresa de relações públicas e consultoria, tinha sido envolvida neste julgamento. De facto, eles estiveram constantemente presentes, dentro e fora do Tribunal, ao longo do primeiro julgamento e também do segundo, mas na altura eu não tinha tomado consciência das suas funções, já que todos os cidadãos têm direito a assistir às audiências.” “A família e os amigos do réu têm todo o direito de estar presentes no julgamento, para observarem os trabalhos e para o apoiarem. O que não é permitido de forma alguma, a estas ou a quaisquer outras pessoas, é tentar exercer influência sobre membros do júri. Interferir com o júri é subestimar os alicerces do nosso sistema jurídico.” “Antes do início do primeiro e do segundo julgamento, o Réu, através dos seus advogados, pediu o consentimento do tribunal para reservar lugares para os seus amigos e familiares. O pedido foi deferido. Ao longo do segundo julgamento, especialmente durante a parte final, antigos colegas do Réu, como, os seus antigos Secretário das Finanças e da Justiça, antigos Conselheiros do Partido Democrata, Conselheiros em funções da Aliança Democrática para o Melhoramento e Progresso de Hong Kong, e proeminentes figuras religiosas, estiveram presentes no Tribunal em diferentes ocasiões, introduzidos pela empresa de relações públicas e consultoria, e tomaram assento na área reservada, à semelhança de Mr X. O objectivo destas presenças era, sem dúvida, mostrar ao júri que o Réu era uma pessoa de bem, apoiado pelas figuras mais destacadas da sociedade.” A “empresa de relações públicas e consultoria” mencionada pelo juiz é normalmente uma empresa ou uma pessoa singular que trabalha a favor da boa imagem do réu. O júri deve ouvir todos os testemunhos que são dados no Tribunal e analisar todas as provas. Estas provas são apreciadas pela Acusação e pela Defesa. Depois de todas as provas terem sido aceites e examinadas, são submetidas à apreciação do júri para que seja emitido um veredicto de inocência ou de culpa. No julgamento de Donald Tsang estiveram presentes muitas celebridades, que se sentaram na área exclusivamente reservada a amigos e familiares do réu, de forma a que todos os jurados os pudessem ver distintamente. Existe a possibilidade de que a presença destas personalidades possa ter influenciado o júri a acreditar na inocência do réu; neste cenário, a hipótese de o réu ter cometido um crime será baixa e, portanto, não é culpado. E porque é que os jurados se deixam afectar por estas disposições? Porque são todos pessoas comuns. Qualquer pessoa que tenha completado o ensino secundário e tenha mais de 21 anos pode integrar um júri. Não são escolhidos entre os famosos, e não podem ser especialistas em leis. Os jurados podem ser facilmente influenciados por estes cenários. Se isto for possível, então pode ser também possível que, perante uma situação deste género, a decisão do júri, ao invés de ser tomada a partir das provas apresentadas, possa partir de factores exteriores ao processo. Se for o caso, o estado de direito está a ser respeitado? Se o estado de direito não for respeitado, a população vai continuar a confiar no sistema jurídico? O Tribunal é um espaço aberto a todos os cidadãos. Em Hong Kong, as pessoas são livres de entrar e de sair de uma sala de audiências, e a presença de pessoas famosas não vai contra a lei. Mas a presença de celebridades pode afectar a decisão do júri e, desta forma, afectar o grau de confiança que a população deposita no nosso sistema jurídico, e assim pode ser encarada como um pouco “imoral”. É preciso contrabalançar os interesses de ambas as partes e ter em consideração o estatuto social de Donald Tsang. Donald Tsang foi Chefe do Executivo de Hong Kong, a maior parte dos seus amigos são pessoas de nomeada. A sua presença em Tribunal pode ser apenas uma forma de lhe demonstrarem o seu apoio. Se assim for, o objectivo não será influenciar o júri, mas sim apoiar um amigo. Mas agora façamos uma visita ao website dos Tribunais de Hong Kong. Na página “Sala de Audiência Tecnológica”, IMAGEM – PROCEDIMENTOS JURÍDICOS E SISTEMAS DE TRANSMISSÃO”, pode ler-se, “A Sala de Audiências Tecnológica está equipada com um Sistema de Transmissão para contemplar situações em que o público não cabe todo no Tribunal. Se o juiz assim o desejar, a sala de espera contígua à sala de Audiências Tecnológica pode ser imediatamente convertida numa extensão do Tribunal. Assim que o sistema de transmissão for activado, quem está sentado no exterior pode assistir à sessão através de ecrãs LCD.” Se quisermos evitar o efeito potencialmente pernicioso da presença de celebridades na sala de audiências, poderemos reservar os lugares na sala apenas para familiares e amigos chegados, ficando os VIPs acomodados na sala exterior, onde podem assistir à sessão através dos ecrãs colocados para o efeito. Macau implementa o sistema jurídico continental e, por isso, os julgamentos dispensam a presença de um júri. O juiz é o único responsável pelas sentenças. A decisão do juiz é a voz da lei, e não a de pessoas comuns. A vantagem é óbvia.
Hoje Macau VozesDireito de Reposta de Jorge Marques [dropcap style≠‘circle’]S[/dropcap]ou Jorge Marques, pai de Rodrigo Marques que teve destaque nas notícias publicadas no vosso Jornal, como sendo o “agressor” da EPM. A notícia contém factos ofensivos, inverídicos e revela falta de imparcialidade jornalística, pelo que, venho por este meio, dar a nossa versão dos factos de forma a contribuir para o esclarecimento da verdade. Antes de começar, faço uma declaração de princípio. Sou contra qualquer tipo ou forma de violência, seja ela qual for, considero inadmissível, intolerável, sem desculpa. Desejo desde já, a total recuperação dos dois jovens envolvidos. Factos ofensivos ao bom nome do meu filho. A notícia fez crer que existe um único “agressor”, um adolescente mais velho, maior, que bate numa criança mais nova. A verdade é que, meu filho com 15 anos e 1,66 metros, envolveu-se num confronto físico na EPM, com um colega de 13 anos, por sinal bastante mais alto e encorpado. Até prova em contrário o meu filho não é “agressor”, no máximo é um dos envolvidos no acontecimento, logo o termo “ agressor” é ofensivo ao seu bom nome. Factos inverídicos. A notícia assenta num relato inverídico – um agressor cobarde e um agredido à traição. Na realidade, o que ocorreu foi uma série de provocações entre ambos os adolescentes que, resultaram num lamentável confronto físico, traduzido por um murro de cada parte, seguido imediatamente pela separação efetuada pelos vigilantes da EPM. Nada mais do que isto, ao contrário do que foi relatado. A agressão mútua resultou, num olho negro e em escoriações no meu filho, que justificou uma ida ao hospital. A falta de rigor e de imparcialidade jornalística. A notícia baseou-se unicamente na versão do pai de um dos intervenientes, logo facciosa, daí pouco rigorosa. O jornalista, autor do artigo, fez o seu trabalho, mas para ser imparcial, tinha obrigação de pelo menos tentar contactar a parte acusada, para obter a nossa versão e não o fez, nem antes da publicação, nem até á data de hoje. O princípio da imparcialidade mais relevante se torna uma vez que se trata de menores de idade. Então, no mínimo deveria mencionar no artigo que não foi efecuada qualquer tentativa de contacto connosco. Com os melhores cumprimentos, Jorge Marques Adelaide Ferreira
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasA Nova Rota da Seda (II) [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China é o maior credor da Ásia Central e Oriental e as instituições políticas da China encaminharam para as principais “empresas estatais (SOE na sigla em língua inglesa)”, para começarem a fazer negócios com as empresas dos países que participam no projecto, pois parece existir uma pressão política, para que este tenha sucesso. É de considerar que grandes empresas públicas com recursos enormes acumulavam aproximadamente 1 trilião de dólares nos últimos anos e representam entre 25 a 30 por cento da produção industrial da China. É crucial que as empresas públicas adoptem projectos para a Iniciativa, para sobreviverem. O plano “Uma Faixa, Uma Rota” irá enfrentar muitos desafios no futuro. O equilíbrio de poder instável em muitas áreas do mundo e a incerteza política em países considerados fulcrais e que receberão os investimentos da Iniciativa, aumentou para níveis críticos e muitos países por onde passará a “Nova Rota da Seda”, enfrentarão políticas internas instáveis e desafios de segurança. O Paquistão, Afeganistão, Síria e Turquia, estão entre os países que têm de reavaliar as suas políticas e áreas de actuação internas para fornecer a credibilidade necessária à China para os investimentos em curso. O governo chinês deve ter em consideração a frágil situação em uma infinidade de países euro-asiáticos, na perspectiva das relações internacionais. Existem também, desafios a nível económico e mais especificamente, interrogações sobre se a liderança chinesa na Iniciativa terá em conta o crescimento da economia chinesa. É de acreditar que a economia chinesa está no bom caminho, e o presidente chinês defende que a economia deve ser menos dependente das exportações e da construção de infra-estruturas públicas. Parece que não existe uma estratégia clara, nem prioridades concretas, sobre quais os tipos de projectos que devem ser realizados. Quanto a corrupção, vários relatórios chegaram à conclusão de que muitos fundos não podem ter sido descaminhados no suborno a funcionários e, em olear as rodas, para que o projecto avance. É de esperar que a China perca 80 por cento dos seus investimentos no Paquistão, 50 por cento no Myanmar, e 30 por cento na Ásia Central. Existe a possibilidade de um aumento do terrorismo e outras ameaças à segurança. O movimento radical islâmico terá mais oportunidades de se mover através de toda a região e maiores formas de financiamento do terrorismo podem ocorrer, e ainda se desconhece como a União Europeia (UE) retribuirá aos movimentos chineses no sistema económico internacional. A Comissão da UE aceitou muitos investimentos chineses, mas declarou que examinará estritamente todos os outros investimentos, que deveriam ser implementados sob os valores de transparência empresarial, com respeito ao meio ambiente e aos direitos laborais. É de esperar que a Rússia tente suavizar o plano chinês fazendo que China respeite as leis e os direitos acima mencionados dos países com quem irá cooperar. Por outro lado, os Estados Unidos parecem incapazes de reagir à iniciativa chinesa. Há quem acredite que, através dos efeitos colaterais de capital para investimentos, a China também possa transmitir alguns problemas internos, de natureza militarista e nacionalista, aos países vizinhos, e muitos países da região temem essa ideia, sendo que tal suspeita que parece de todo infundada, cresce em torno das razões do projecto. O interesse pela área de Caxemira aumentou, especialmente no Paquistão e Índia. A Índia preocupa-se com os movimentos da China, e expressou a sua oposição ao projecto que se realizará em Caxemira e no Myanmar, uma linha de caminho-de-ferro planeada no valor de vinte mil milhões de dólares que ligará as cidades de Kyaukpyu e de Kunming, irritou os habitantes locais que enfrentam o interesse chinês como recordação do “Império do Meio”. É de realçar que na Ásia Central, existe uma geral desconfiança sobre os chineses devido ao facto de que ainda não passaram muitos anos desde que reinaram a região, e existe uma falta de compreensão cultural das populações locais e como resultado, há muitas fricções entre as empresas locais e as chinesas. A Grécia, devido à sua posição geográfica e geopolítica única, parece ser a principal entrada da China para a Europa, através da “Rota Marítima da Seda”. A localização ideal do porto de Pireu, na encruzilhada da África, Ásia e Europa, e uma capacidade de acomodação grande, o suficiente, mesmo para grandes e modernos navios porta-contentores, converte o porto em um bem valioso da Iniciativa, pelo que dá a entender que muitas e boas oportunidades surgirão no futuro próximo, com origem na realização de negócios de investimentos em transportes, sector da energia, telecomunicações e na área do turismo. A distância do porto de Pireu de outras significativas cidades costeiras e movimentados portos, destacam a importância estratégica do porto por economizar tempo e dinheiro, se for explorado pela “Rota Marítima da Seda”. O primeiro passo para a presença chinesa no país ocorreu em 2009, quando a “China Ocean Shipping (Group) Company (COSCO na sigla em língua inglesa)”, uma empresa estatal da China, que é uma das maiores empresas de transporte marítimo do mundo, começou a operar a parte do terminal de porta-contentores por um período de trinta e cinco anos e nos termos do acordo, um montante inicial de cinquenta milhões de euros seriam pagos à Grécia, e durante todo o período de actividade, estima-se que em um total de quatro mil milhões e trezentos milhões de euros seja pago pela COSCO. A privatização do terminal de contentores da “Autoridade do Porto de Atenas (OLP)”, foi outro marco importante para o envolvimento chinês no porto de Pireu. Os próximos passos incluíram a assinatura de um acordo entre a empresa chinesa de telecomunicações, ZTE Corporation e a empresa grega Forthnet, e a aquisição da empresa grega “Independent Power Transmission Operator S.A. (IPTO sigla em língua inglesa ou ADMIE na sigla em língua grega)”, que é a empresa operadora do sistema de transmissão de electricidade helénica, pela empresa chinesa “State Grid Corporation of China (SGCC na sigla em língua inglesa)”, por um montante de trezentos e vinte milhões de euros. É de notar que qualquer aquisição por parte das empresas chinesas está sob o olhar microscópico da Comissão Europeia, que, aparentemente, leva em conta os interesses geopolíticos da UE. Além disso, espera-se que a Iniciativa OBOR aumente o comércio chinês e influencie a região e mudança do modelo económico do país, baseado em exportações e infra-estruturas para um mais consumidor. A Iniciativa OBOR pode enfrentar algumas dificuldades sérias em relação ao seu planeamento e implementação, devido à natureza altamente ambiciosa da Iniciativa. O envolvimento de vários países no projecto também pode desacelerar o processo de tomada de decisão e, aumentar o tempo necessário para a construção de infra-estruturas e, em geral, o desenvolvimento de projectos que são vitais para a sustentabilidade da Iniciativa. Quanto mais países participarem no projecto, mais provável é ter interesses nacionais opostos e um aumento de risco económico e político a ser regulado pelo principal investidor de todo o projecto que é a China. Todos esses factores devem ser levados em consideração pela China durante a implementação da Iniciativa OBOR. A China deve decidir sobre o dilema de como prosseguir com a Iniciativa, apoiando as empresas estatais chinesas, ou por regiões com desempenho menor. As empresas públicas desempenham um papel importante na economia chinesa e essas empresas poderiam arrastar a economia chinesa e, consequentemente, poderiam causar desvantagens também no desenvolvimento de todo o projecto. O sinal precoce com imediato impacto foi o facto de a Moody’s ter anunciado a 24 de Maio de 2017, a redução da nota atribuída à dívida pública da China de “Aa3” para “A1”, devido à queda das reservas cambiais e prevendo que as autoridades aprovem mais estímulos económicos. A baixa do “rating” da China pela primeira vez desde 1989, faz questionar se as instituições têm a capacidade de proceder com reformas (especialmente na área de SOEs). A verdadeira questão que fica em aberto é o de saber se a China apoia as suas empresas, ou conseguirá mudar o seu modelo económico e respeitar os seus vizinhos? [primeira parte]
Hoje Macau VozesIn Medium Stat Virtus – Errar dizendo a verdade [dropcap style≠’circle’]I[/dropcap]n medium stat virtus é uma conhecida expressão Latina que significa “a virtude está no meio”, ou seja – a virtude, ou a verdade, está afastada dos extremos. Uma frase que pode cheirar a certa tibieza, a querer estar bem “com Deus e com o Diabo”, mas que de facto encerra provada sabedoria. De facto qualquer “verdade” levada às últimas consequências – é disparate. Demonstrando – é verdade que temos que trabalhar? Sim. Então – trabalhemos 24 horas por dia! (disparate!). E não é também verdade que precisamos de descansar? Sim. Então durmamos todo o dia! (arre, até nos fazia mal!). E assim por diante. Ah – mas poderá dizer o leitor – isso é só a nível fisiológico! Sim – mas não só. A nível psicológico o mesmo se passa. Observemos, por exemplo, uma criança de uns dois anos. Se sair à rua com a mãe, a criança (se não se deparar com algo que lhe faça medo) afasta-se dela a correr uns metros – mas logo olha para trás para ver se a mãe ainda ali está. A criança não escolhe entre aventura e protecção – ela quer aventura e protecção. O mesmo se verifica com as necessidades, ou impulsos, artísticos – que alguns dizem só terem lugar quando outras necessidades, mais básicas, estejam satisfeitas. Mas a realidade desmente esta visão: as cangas que sujeitam as vacas são finamente esculpidas, o homem da Idade Média, no meio dos “4 cavaleiros do Apocalipse” (a fome, a guerra, a peste e a morte) levantava maravilhosas catedrais – e, indo ainda mais longe, o homem pré-histórico já fabricava instrumentos musicais e objectos artísticos. A fome não seca a Arte. Normalizando as medidas, normalizando as ideias Infelizmente a cultura, sobretudo a jurídica – talvez a que mais obrigações teria de entender a alma humana – orienta-se por “princípios”, a partir dos quais diz como se deve proceder – é verdade que também diz que se devem tratar com igualmente as coisas iguais, e desigualmente as desiguais, mas na prática tem dificuldade em aplicar este princípio. Esta forma de pensar é relativamente recente – instalou-se com a revolução francesa e a noção de que “todos os homens nascem livres e iguais” e da “liberdade de comércio” inglesa. Até aí não fazia confusão aos homens que cada cidade tivesse o seu foral, que as Universidades, a Igreja ou o Exército tivesse leis próprias…mas tudo isso foi varrido – não foram só as medidas (o metro, o quilo,…) que foram normalizadas. Um exemplo da “normalização” foi considerar o casamento, até aí um sacramento, uma doação mútua de duas pessoas uma à outra, um “contrato” – pois havia que “encaixar” o casamento num qualquer esquema, e foi a gaveta” que se achou mais adequada. Da ordem jurídica esta forma de pensar invadiu a política, e aqui os seus efeitos são ainda mais negativos. Sem olhar para o lado Exemplos de ideias levadas às suas últimas consequências, esquecendo-se de “olhar para o lado”, foi a revolução dos Khmers vermelhos no Camboja, ou nos nossos dias o Estado Islâmico, com as consequências infelizmente conhecidas por todos. Exemplos extremos – dir-se-á. Mas, ainda nos Estados ditos civilizados, e em pessoas civilizadas, impera essa forma de pensamento. Procura-se uma lei, um princípio, para autorizar ou negar qualquer coisa – e achado esse princípio parece justificada a decisão. Entretanto com tal forma de pensar esquece-se que há “outros princípios”, e que um ou mais desses “outros” podem ser opostos ao “princípio” invocado. Há o “princípio” que as nações têm de ser mantidas unas, que qualquer cedência nessa área abriria uma “caixa de Pandora”, isto é, um nunca acabar de dissolução dos Estados – e assim foi tratada a Catalunha, “esquecendo-se” o direito à autodeterminação. A circulação de pessoas tem de ser livre – “esquecendo-se” que os Estados têm direito a existir, e que entre esses direitos está o de escolher quem neles possa entrar. O comércio entre as nações tem de ser livre – “esquecendo-se” que numa competição, todos os concorrentes devem obedecer a regras iguais, situação que não se verifica na prática, pois os salários e as leis, nomeadamente os impostos e as leis de protecção ambiental, são diferentes de país para país. Há o princípio de respeitar quem cometeu um crime, mas esse princípio não pode pôr em causa o dos cidadãos poderem viver sem medo, e terem direito aos seus bens. E no meio de tantos esquecimentos não se esquecem os praticantes dessa forma de pensamento de apelidar quem põe em causa estes princípios de estúpido, ou mal informado – como no caso do Brexit e da eleição de Trump – “esquecendo-se” que tais opções políticas resultaram de eleições – outro princípio sagrado dos nossos dias. Está a Democracia acima da lei? Mas também poderemos discutir se o princípio “eleições” pode ser aplicado de forma cega, ou única. De facto os críticos da Democracia invocam que esta não é um bom sistema, pois o Povo é influenciável, e não sabe o suficiente para decidir assuntos de certa complexidade. E o facto é que, para não naufragar em tais escolhos, mesmo nas democracias, as regras de determinado desporto, ou os princípios de determinada ciência, não resultam de uma votação aberta, ou dos “conhecimentos médios”, mas de um “conselho” de mestres nesse desporto ou nessa área científica. O aplicar o princípio “democracia” como regra única, traduz-se em contínuos a tomarem parte nos Conselhos Directivos das Faculdades, Politécnicos a conferir doutoramentos, reformas ortográficas “porque o povo escreve assim”, etc. Disclaimer Significa o acima dito que a independência de um povo deve ser proclamada de ânimo leve? Que não exista comércio entre as nações? Que não se acolham, enquanto melhor solução não se encontra, quem foge da guerra ou da fome? Que não se respeite a dignidade dos presos? Que a Democracia é para deitar fora? Não! E quem minimamente me conhece sabe que nunca advoguei, e espero nunca advogar, tais ideias. Significa apenas que todos os raciocínios baseados num único “princípio” (ainda que válido) têm de ser rejeitados por incompletos, ou dito de outra forma – por não respeitarem a complexidade da alma (ou das pulsões) humanas. Soluções estudadas/equilibradas, precisam-se. In medium stat virtus. António Manuel de Paula Saraiva
Tânia dos Santos SexanálisePeríodo [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ois que o dia 8 de Março já passou, com greves, celebrações, rosas, pedidos de igualdade, e o já clássico ‘dia das mulheres é todos os dias, não é só hoje!’. Pronto, já sabemos – neste 2018 houve celebrações de todos os tipos. Para uma celebração à la sexanálise, achei adequado inserir novamente um tópico clássico à condição feminina: a menstruação. Vou desde já partir do princípio que todos estão conscientes de que a menstruação ainda é um tabu social, em algumas zonas do globo mais do que outras. Rebobinem nas vossas cabeças os anúncios de tampões e pensos higiénicos que já viram, o que é que aparece? Close-ups de rabos de miúdas e quiçá um pensinho onde vertem um líquido azul – que se parece bastante com a menstruação, não é? Not. E sabem porquê? Porque a menstruação ainda suscita algum horror, alguma vergonha, algum desconforto. Os mais variados eufemismos servem para evitar o confronto menstrual. No mundo anglo-saxónico tudo que seja relativamente vermelho serve para falar ‘da chegada’ sangrenta: o comunismo, o Drácula, o Arsenal (em Portugal fala-se do Benfica), a Bloddy Mary ou Mar Vermelho. Só para enumerar uns quantos, porque dizem os que se dedicam a isto que devem existir 5000 expressões para evitar dizer uma palavra relativamente inocente como ‘período’. Não estou de todo a defender que a menstruação se deva tornar num tópico de conversa à mesa de jantar, eu tenho mais decência que isso. Mas porque não discutí-la de forma ponderada fora da hora das refeições? A menstruação não é só o sangue que cai entre as pernas de 3 a 5 dias por mês. A menstruação acompanha-se de todo um conjunto de sintomas (chatos) que variam de pessoa para pessoa. Como se costuma achar que ‘tudo é normal’ aquando da menstruação (‘Ah, estás com dores? É normal’; ‘Ah estás mais irritadiça? É normal) ninguém pára para pensar que há coisas que não são tão normais quanto isso. Saiu estes dias um artigo em que um médico chegou à conclusão que as dores menstruais podem ser tão intensas quanto um ataque cardíaco. Um ataque cardíaco, pessoal! A Dismenorreia (a forma mais médica de dizer dores menstruais) pode dar cabo da vida das pessoas detentoras de um útero. As dores, que são fruto de contracções uterinas, podem não ter uma razão aparente. Quando têm, é provavelmente causada por Endometriose, que é basicamente o endométrio a crescer em lugares atípicos, que pode ser até na bexiga, nos pulmões e no cérebro (!!!!)… Pois, este é o tipo de informação que nem sempre chega a todos. Há pessoas e pessoas que vão a médicos, que se queixam e que opinam sobre o seu desconforto menstrual, e que não chegam a conclusão nenhuma. Como a menstruação é tópico candidato ao evitamento, e como a sociedade acredita que a menstruação é o fardo feminino da impureza e do desconforto, as ferramentas médicas e tecnológicas para mudar o paradigma (da menstruação) deixam-nos muito aquém do que merecíamos. Se existe activismo menstrual (sim, isto é mesmo um conceito) é por estas e por outras mais. Fica por discutir os transtornos pré-menstruais, os preços absurdos dos produtos de higiene feminina, os impostos que lhes exigem quando é um produto de necessidade básica, a poluição associada aos produtos descartáveis, o estigma de que a menstruação está sujeita ou às exigências sociais/familiares quando uma rapariga está menstruada e pode ‘manchar’, ainda que de uma forma abstracta, tudo à sua volta. Ser mulher, perdão, ter um útero (porque ser mulher é uma categoria muito mais inclusiva) e ter a menstruação é, a maior parte das vezes, difícil. De que nos vale arrastar os preconceitos de muitos em detrimento de uma menstruação feliz?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOrçamento de Hong Kong para 2018 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 28 de Fevereiro o Secretário das Finanças de Hong Kong, Paul Chan, apresentou a sua primeira proposta de orçamento no Conselho Legislativo. No ponto 5 da proposta pode ler-se: “As iniciativas propostas neste Orçamento são orientadas por três objectivos principais: (1) Diversificar a economia: é necessário diversificar a economia para criar riqueza em Hong Kong e para permitir que os jovens tenham mais e melhores oportunidades. (2) Investir no futuro: o surto de gripe deste Inverno veio mais uma vez lembrar-nos da necessidade premente de melhorar o serviço de saúde; uma população envelhecida coloca desafios que teremos de ultrapassar através da disponibilização de recursos e do planeamento; devemos também melhorar o ambiente e tornar Hong Kong uma cidade inteligente, onde seja agradável viver e trabalhar. Cuidar e partilhar: as crianças e os jovens deverão receber mais atenção, protecção e oportunidades; as famílias da classe média devem ser aliviadas do peso dos impostos e os menos privilegiados deverão receber mais apoios. Além disso, uma vida preenchida necessita, não só de condições materiais, mas também de enriquecimento intelectual e espiritual.” Não restam dúvidas de que este Orçamento reflecte preocupações sociais. Mérito de quem o fez. A receita do Governo merece uma discussão mais alargada. Em 2016 /17, o Governo arrecadou $6.045 mil milhões, maioritariamente originários de seis procedências. Impostos sobre actividade económica ($1.551 mil milhões), impostos salariais ($148), imposto de selo ($1,000), retorno de investimento ($398), rendimento sobre leilões de terrenos ($1.210), outros ($1.338). A despesa do Governo montou aos $4.065 mil milhões. A principal razão do saldo positivo foi a receita proveniente dos leilões de terrenos, que atingiu os $1.210 mil milhões, excedendo as expectativas. O saldo positivo nas contas governamentais, permitiu que este ano se possa baixar os impostos, conforme foi anunciado na proposta de Orçamento. Como a taxação sobre os salários está sujeita a diversos escalões é difícil dar um número certo que ilustre a diminuição dos impostos. De qualquer forma, as duas fontes de receita mais estáveis são os impostos sobre a actividade económica e sobre os salários. As receitas originárias dos leilões de terrenos e do imposto de selo dependem completamente da flutuação do mercado imobiliário. Os rendimentos do investimento dependem sobretudo da economia mundial. A partir desta análise conclui-se que só 28% das receitas do Governo de Hong Kong são estáveis, 72% são flutuantes e altamente dependentes de factores externos. Olhando nesta perspectiva, será que a redução de impostos é um bem a longo prazo? Olhando para o censo de 2013, reparamos que a população entre os 45-54 anos, representava 17.7% do total. O número de homens nesta faixa etária era de 587.900, e o número de mulheres ascendia aos 681.700. As outras faixas etárias apareciam representadas da seguinte forma: Grupo etário % da população homens mulheres 0-14 11.0% 408.000 382.600 15-24 11.7% 424.500 417.900 25-34 15.2% 454.900 639.700 35-44 15.9% 471.500 671.800 A diminuição da população significa a diminuição da força de trabalho, logo a diminuição da receita do Governo em impostos salariais. Ninguém tem vontade de pagar mais impostos. A redução de impostos faz toda a gente feliz. No entanto, estes números mostram a realidade daqui a 20 anos. No futuro, as receitas provenientes dos leilões de terrenos e do imposto de selo continuarão a ser altas, a população e a força de trabalho continuarão baixas e as receitas do Governo vão ressentir-se. Para além disso, os lucros provenientes dos leilões de terrenos representam aumento de receitas, mas também representam aumento dos preços da habitação. A venda dos terrenos por preços elevados inflaciona o preço das casas. Comprar um apartamento em Hong Kong é, como sabemos, um verdadeiro pesadelo. A instabilidade das receitas leva a que o Governo de Hong Kong tenha falhado na implementação de algumas políticas necessárias, como o plano de reformas e um serviço de saúde acessível. Se o Governo não conseguir resolver os problemas levantados pelos cuidados de saúde, habitação e reformas, o mal-estar acaba por se instalar. Macau tem uma situação melhor do que a de Hong Kong porque as receitas do jogo são sempre estáveis. A diminuição da população revela-se menos problemática podendo implementar-se com mais facilidade medidas de protecção social, como a criação de um fundo de garantia.
João Luz VozesNão surpreendido [dropcap style≠‘circle’]N[/dropcap]ão me arrogo da capacidade de ser particularmente clarividente, ou dotado de percepção que me separa dos comuns mortais. No entanto, há coisas por demais evidentes. Quando cheguei a Macau ouvi de todos os quadrantes que para perceber esta terra teria de cá estar décadas a fio, atravessar várias Eras de conhecimento, até conseguir descortinar as verdadeiras tramas desta grande tragédia operática que dá pelo nome de “Política Local”. Dou essa de desbarato, com fair play, sem repercussões de ego. Ainda assim, quero falar-vos da metáfora da rã em água a ferver. Um caldo progressivamente mais quente, mas condimentado por um salário que não existe nos paladares portugueses e uma vida de conforto que se blinda contra inconvenientes da realidade. Não estamos na Europa, estamos longe dela e das suas suaves panaceias, sabia disso antes de vir. Não é preciso ter assim tanto mundo para sentir o calor do dragão que flameja acima de nós e aquilo de que é capaz tendo em conta a sua história recente. Assumo-me não surpreendido com o fim do limite de mandatos do Xi Jinping, assim como não fiquei surpreso com o que se passou no Festival Rota das Letras. O poder que não se legitima no povo que deve representar é um poder, naturalmente, amedrontado dos cidadãos e do que possam pensar, ler, ver, consumir, ambicionar. Este será o grande desafio da autocracia chinesa nas décadas futuras. Na ressaca do dinheiro, conquistada a capacidade de quebrar as amarras da pobreza e poder pagar comida e tecto, estas pessoas vão querer pensar livremente, serão inevitavelmente contaminados com o vírus importado tardiamente da Revolução Francesa, com todas as libertinagens do pensamento livre. Esta ambição não tem lugar no mapa, nem no tempo, precede-nos a todos. Resolvida a fome e a casa, resta edificar a biblioteca. A contrarrevolução é um facto incontroverso, tão fatal como o destino, imparável como a água, a terra, o ar que se transforma em belicismo natural. Não fiquei surpreendido. Desde que cá cheguei, um ano e quatro meses, que vejo isto a acontecer. Este é o poder que confunde uma peça jornalística em tempos de eleição com propaganda política. Que equipara repórteres “do exterior”, mesmo que oriundos de uma região irmã, a ameaças à estabilidade social e a um sentido de harmonia fundado no medo profundo. Este é o poder que suspende um deputado por uma ninharia, enquanto acolhe com conforto o conflito de interesses. Onde está a surpresa? Quantas vezes testemunhámos isto na História? Quanto mais absoluto for o poder, menos seguro e cimentado é, por mais décadas que se mantenha às rédeas do destino dos governados, irá sempre temer e não saber lidar com a dissidência ou a crítica. A autocrítica é uma característica só eficaz se houver capacidade para assumir falhas e coragem para as corrigir. O absolutismo é como um gajo vaidoso que teme de morte qualquer olhar atravessado, qualquer esgar de ironia, que corre apavorado do humor e dos espelhos. É cinzento, burocrático e velho à nascença, camuflando fraqueza de espírito com força de músculo. Não esperem também que verta uma lágrima pela morte de paleolíticas ideologias cimentadas em premissas inumanas. Estes somos nós, em qualquer cultura, em qualquer época. Desde sempre, e para sempre, o poder absoluto vai corromper absolutamente. O que esperavam quando temos legisladores a papaguear amor à pátria a cada dez palavras? Pensam que estão a brincar? A abertura não vai acontecer, digo eu do meu inexperiente raciocínio de recém chegado.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesA sabedoria de Deng Xiaoping [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] 13.º Congresso Nacional do Povo e o Comité Nacional da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês vão reunir-se em Pequim. Um dos objectivos das sessões plenárias é a criação de uma emenda ao Artigo 79 da Constituição da República Popular da China, que anule o limite de dois mandatos consecutivos do Presidente e do Vice-Presidente. Os conteúdos que vão ser agora revistos foram inseridos na Constituição em1982, sob a liderança de Deng Xiaoping, o pioneiro da Reforma e da política de abertura da China. O Presidente da República Popular da China é nominalmente o líder supremo do País. Mas, na realidade, o Presidente da Comissão Central Militar do Partido Comunista da China é quem detém o maior poder. Mao Tsé Tung deteve este cargo até à sua morte. Deng Xiaoping nunca foi Presidente da China, mas sim Presidente da Comissão Central Militar, o que explica a força da sua liderança. Pensando nesta distribuição de poder, porque é que foi introduzido em 1982 o limite de dois mandatos consecutivos para o Presidente e para o Vice-Presidente? Porque Deng Xiaoping era um homem sábio. Como sabemos, depois do Partido Comunista ter fundado a República Popular da China em 1949, Mao Tsé Tung e Liu Shaoqi assumiram a presidência em sucessão, entre 49 e 68. Depois de Liu Shaoqi ter sido afastado em 1968, durante a Revolução Cultural, o lugar de Presidente foi cancelado por algum tempo. Mas o lugar de Primeiro-Ministro, pelo contrário, foi ocupado por Zhou Enlai desde 1949, até à sua morte em 1975. Deng Xiaoping e os antigos quadros do Partido que atravessaram a Revolução Cultural, sabiam que o poder corrompe e que “o poder absoluto corrompe absolutamente”. Foi por isso que Deng “reformou” a Constituição em 1982, libertando-a das ambiguidades que conduzem à corrupção. Nas “Obras Escolhidas de Deng Xiaoping”, podemos ler, “Para salvaguardarmos a democracia popular, o estado de direito tem de ser fortalecido. É preciso assegurarmo-nos que a democracia se institucionaliza e se legitima, e garantir que este sistema e as leis não mudam se houver alternância de líderes, ou se os líderes mudarem os seus pontos de vista ou os seus objectivos”. Em obediência a este princípio, na emenda de 1982 à Constituição, ficou definido que o Presidente e o Vice-Presidente da China não podiam servir para lá dos dois mandatos consecutivos. Para além disso, no Artigo 87, declara-se que o Primeiro Ministro, o Vice-Primeiro Ministro e os Conselheiros de Estado têm igual limitação de mandatos. Mas, para salvaguardar a liderança do Partido Comunista, não se estabeleceu limite de mandatos para os líderes do Partido nem para o Presidente da Comissão Central Militar. Seguindo os princípios orientadores estabelecidos por Deng Xiaoping, até à presente data, todos os líderes da China respeitaram o limite de mandatos. Jiang Zemin e Hu Jintao foram ambos Presidentes por dois mandatos. E tanto Zhu Rongji como Wen Jiabao ocuparam o cargo de Primeiro-Ministro por dois mandatos consecutivos. Se estes líderes não tivessem respeitado a Constituição, Jiang Zemin ou Hu Jintao ainda poderiam ser hoje em dia Presidentes da China. Para impedir a concentração de um poder permanente nas mãos de um só líder, que pudesse vir a desencadear outra catastrófica Revolução Cultural, Deng Xiaoping dedicou muito tempo a introduzir alterações cuidadosamente pensadas. Mas, apesar disso, o modelo da liderança conjunta caiu em 1989. Hu Yaobang e Zhao Ziyang, foram os melhores concretizadores do pensamento de Deng Xiaoping. Após a morte de Hu e a demissão de Zhao, os sucessores conseguiram manter o limite de mandatos, no entanto a luta pelo poder na China nunca deixou de existir. A centralização excessiva do poder e o surgimento de sectores de pressão, os poderosos grupos plutocráticos, aumentaram em muito a corrupção. O vigoroso ataque a este flagelo desencadeado nos últimos anos por Xi Jinping e por Wang Qishan conquistou o coração do povo. Mas a edificação de um sistema eficaz é ainda mais importante, porque impede as pessoas de prevaricar a priori. O estado de direito é sempre melhor que o situacionismo. Deng Xiaoping já morreu há mais de duas décadas, mas, por mais clarividente que fosse, nunca poderia ter previsto as emendas à Constituição que estão a ser preparadas. Quando o sistema não se desenvolve da melhor maneira, será inevitavelmente substituído pelo autoritarismo político.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Nova Rota da Seda (I) “President Xi’s Belt and Road initiative (BRI), aimed to promote economic development and exchanges with China for over 60 countries, necessitates a wide range of security procedures. While the threats to Chinese enterprises and Chinese workers based on foreign soil are poised to increase, there is an urgent need to develop new guidelines for risk assessment, special insurance and crisis management.” “Securing the Belt and Road Initiative: Risk Assessment, Private Security and Special Insurances Along the New Wave of Chinese Outbound Investments” – Alessandro Arduino and Xue Gong [dropcap style=’circle’] A [/dropcap] “Nova Rota da Seda”, também conhecida como a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota (OBOR na sigla em língua inglesa)” ou “Iniciativa Faixa e Rota (BRI na sigla em língua inglesa)” abreviadamente designada por “Iniciativa”, é uma estratégia de desenvolvimento proposta pela China, que visa promover a cooperação económica e a ligação, principalmente, entre países euro-asiáticos. A Iniciativa é denominada, por comparação com a “Rota da Seda”, que era um caminho antigo de seis mil e quatrocentos e trinta e sete quilómetros de comprimento, que remonta à Dinastia Han Ocidental (206 aC – 220 dC) e costumava ligar as regiões da Ásia Oriental com o Médio Oriente e a Europa, tendo feito prosperar numerosas civilizações euro-asiáticas durante séculos. Assim, com a implementação da estratégia “Nova Rota da Seda”, a China pretende reavivar a rota de dois mil anos, investindo em alguns projectos de infra-estrutura sérios em todo o percurso, que se assemelha em grande parte à lendária “Rota da Seda”. A promoção do desenvolvimento e dos benefícios económicos para os países envolvidos e o estreitar dos laços culturais dos participantes são os principais objectivos da Iniciativa OBOR , ou seja, baseia-se em uma estratégia de desenvolvimento de ganhos para os países que estão localizados ao longo do percurso da “Nova Rota da Seda”. Os primeiros indícios da ideia da OBOR foram vieram à superfície durante as Olimpíadas de 2008, mas o plano ambicioso da China foi declarado pela primeira vez no segundo semestre de 2013, pelo presidente chinês Xi Jinping. O projecto OBOR consiste em duas rotas diferentes, sendo uma terrestre e outra marítima, começando e terminando ambas na China. A primeira rota denominada de “Faixa Económica da Rota da Seda” começa na cidade de Xian, onde se encontra localizado o exército de terracota, na China Central, e leva ao norte da Europa, até Roterdão, como o mais movimentado porto europeu, percorrendo todo o caminho da Ásia Central, Médio Oriente, Europa Oriental, Rússia e o centro da Europa. A “Rota Marítima da Seda”, por outro lado, liga o Mar Mediterrâneo com o Mar da China Meridional, em um longo caminho que vem através do Canal de Suez, Oceano Índico e Estreito de Malaca. É de prever que cerca de sessenta e cinco a setenta países e um total de quatro mil milhões e quatrocentos milhões de pessoas que representam 60 por cento da população global, beneficiarão da participação no projecto OBOR, que levará no mínimo entre trinta a trinta e cinco anos a ser realizado. Tendo em vista implementar com êxito este plano ambicioso, a China está a planear a construção de seis corredores económicos, a fim de unir a “Faixa Económica da Rota da Seda”, com a “Rota Marítima”, enquanto em alguns corredores a infra-estrutura existente será explorada, em outras áreas e será construída, de acordo com o projecto OBOR. Os corredores parecem ter uma orientação para oeste e sul, o que significa que as regiões do Japão e Coreia do Norte e do Sul são excluídas do projecto, pelo menos por enquanto. Os seis corredores económicos que diferem em tamanho e comprimento, são a Península da China-Indochina, o “Fórum Bangladesh-China-Índia-Myanmar para a Cooperação Regional (BCIMEC na sigla em língua inglesa)”, o “Corredor Económico China-Paquistão (CPEC na sigla em língua inglesa)”, a Nova Ponte Continental da Eurásia, a China-Ásia Central-Ásia Ocidental e a China-Mongólia-Rússia. É de ressaltar que o planeamento e a construção desses corredores estão actualmente em vários estádios quanto à sua implementação, aparentemente, devido à natureza multilateral dos acordos mencionados. Quanto ao projecto, os primeiros esforços da China ocorreram com a assinatura de acordos de negócios no valor de trinta mil milhões de dólares com o Cazaquistão, a melhoria das infra-estruturas no Sri Lanka e mais especificamente, a reconstrução do porto de Colombo, em um acordo no valor de mil milhões e quatrocentos milhões de dólares. A China prosseguiu a um ritmo acelerado para o estabelecimento do “Banco Asiático de Investimento em Infra-estrutura (AIIB na sigla em língua inglesa) ” (Portugal é membro desde 15 de Abril de 2015), com um capital inicial de cem mil milhões de dólares. Aparentemente, o objectivo principal do banco é financiar todos os projectos relacionados com a “Rota da Seda”. É de realçar que muitos países desenvolvidos adquiriram o estatuto de membros no AIIB, ainda que a maioria seja aliada dos Estados Unidos, como a Alemanha, França, Reino Unido e outros. Existe uma grande apreensão entre os países ocidentais de que a “Rota da Seda”, conjuntamente com o AIIB tentará substituir o sistema financeiro actual estabelecido pelo Banco Mundial. A China estabeleceu o ambicioso objectivo de alcançar um investimento de um trilião de dólares em projectos de infra-estruturas. O plano abrangerá um número considerável de países que acumulam 30 por cento do PIB mundial. Existem, actualmente, sessenta e oito países que participam na Iniciativa e mais de novecentos acordos estão a ser preparados, que representam um total de oitocentos e noventa mil milhões de dólares, enquanto a China declarou que está disposta a investir o total de quatro triliões de dólares em todo o projecto. É notável que o AIIB tenha apenas fornecido crédito no valor de mil milhões e setecentos e trinta milhões de dólares para o projecto. A Iniciativa tem quatro objectivos chave, que são melhorar as infra-estruturas regionais, aumentar a coordenação da política económica regional, integração de mercados e incentivar os laços culturais para construir apoios para o projecto mais alargado. O plano baseia-se em um conjunto de infra-estruturas de transporte, energia e projectos de telecomunicações, juntamente com planos para aumentar a cooperação diplomática regional, redução de custos financeiros, provisão de mais crédito e integração cultural. Apresenta três propostas básicas, sendo a primeira relativa às telecomunicações e satélites, com o estabelecimento de uma rede de cabos ópticos para melhorar a conectividade internacional e ter uma transmissão de dados mais rápida, reduzindo assim os custos para os países participantes. As multinacionais de telecomunicações chinesas como “Zhong Xing Telecommunication Equipment Company Limited (ZTE Corporation na sigla em língua inglesa) ” e a “Huawei Technologies Co., Ltd. (Huawei)”, assinaram grandes acordos para a construção de redes, como a de um cabo de fibra óptica no Afeganistão. A adopção do sistema de posicionamento global “Compass ou BeiDou-2” chinês, rival do GPS, aumentará a independência dos sistemas ocidentais de telecomunicações. A segunda proposta é relativa às áreas urbanas, com a manutenção de vastos dados que poderiam melhorar todos os aspectos diários das cidades. Actualmente, existe uma integração de informações e avanços tecnológicos. A cidade de Yinchuan, capital da província de Ningxia, por exemplo, oferece aos cidadãos uma variedade de serviços inovadores, incluindo o acesso a informações da cidade, através de “Códigos QR” (código de barras bidimensional que pode ser facilmente digitalizado usando a maioria dos telefones celulares equipados com câmara), e a capacidade de pagar tarifas de autocarros no embarque através de suporte lógico de reconhecimento facial. A terceira proposta é relativa ao comércio electrónico, como as empresas chinesas “Grupo Alibaba (Alibaba)” e “JD.Com (JD)”, que estabelecerão armazéns em todas as regiões da Iniciativa, de modo a melhorar o sistema de fornecimentos e logística, trazendo melhores negócios para cada membro da Iniciativa, devido a uma enorme redução nos custos. A Iniciativa será financiada pelo “Banco Popular da China (PBC na sigla em língua inglesa)” que transferiu oitenta e dois mil milhões de dólares para três bancos estatais. A China criou um fundo especial para a Iniciativa com um capital total de quarenta mil milhões de dólares e conjuntamente com o AIIB, são os pilares do gigantesco projecto em termos de financiamento. Além disso, o “Banco de Exportação e Importação da China” emprestou oitenta mil milhões de dólares em 2015, enquanto no mesmo período, o “Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD) ” emprestou vinte e sete mil milhões de dólares. [continuação]
Leocardo VozesHumanidade VS. Realidade [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]sta semana decidi abordar um tema actual e muito sensível, respeitante à situação dos trabalhadores não-residentes (TNR) em Macau, mas antes de começar, gostaria de deixar um ou outro aspecto bem claro, para que não haja lugar a qualquer mal entendido. Em primeiro lugar, considero que a discriminação que foi feita nas tarifas dos transportes públicos entre residentes e TNR é errada e injusta; segundo, considero a teoria, assaz difundida na opinião pública, de que que TNR são responsáveis pela inflação ou pelo aumento do preço do imobiliário, um discurso xenófobo, populista e demagogo. Tudo isso e mais o que quiserem. Ponto assente. Em relação à mais recente polémica do aumento do preço dos partos em Macau para os não-residentes, em quase dez vezes mais, tem-se falado muito do coração, e não se tem atentido ao que é a realidade de Macau. Geográfica, económica, social, todas. É uma realidade realmente muito particular, única, se quiserem. Obviamente que é desumano negar ou dificultar o acesso de alguém à maternidade, mas nem sequer é disso que eu estou aqui a falar. Na prática, dotar os residentes e os não-residentes do mesmo acesso a cuidados de saúde, pré-natal, natal, qualquer um, leva a uma inevitável ruptura do prório sistema de saúde pública. É preciso não esquecer que existe ainda apenas 1 (um) hospital público em Macau, para mais de meio milhão de pessoas. Depois tenho notado ainda uma notória confusão entre o conceito de humanidade e legalidade; o Governo pode demitir-se de prestar assistência de qualquer tipo aos TNR, mas se isso lhe “fica mal”, não tem nada de ilegal. O artigo 38 da Lei Básica é bem claro: “A liberdade de contrair casamento e o direito de constituir família e de livre procriação dos RESIDENTES DE MACAU são legalmente protegidos.”. Outro argumento que colhe a favor desta decisão é a opinião da maioria dos residentes de Macau. E não, não sou eu, mais o caro leitor e o resto da comunidade portuguesa radicada em Macau, “a maioria dos residentes”. A componente económica pesa, e bastante, para a grande maioria da população. E isto leva-nos ao que é, no fundo, o estatuto de TNR, ou vulgo “blue card”. Tem-se tratado do tema dos TNR com um certo lirismo, mesmo que eu próprio partilhe às vezes desse sentimento. Mas do que se trata este título, afinal? São trabalhadores migrantes que estão na RAEM com um visto de trabalho, renovável ou não, e são da responsabilidade directa de privados, que os contratam através de um sistema de cotas. Na maioria dos casos, são pessoas que vêm para o território angariar divisas para mandar para os seus países de origem. Não são pessoas que vêm em busca do “mínimo de conforto”, ou morar numa habitação com espaço para escritório e uma sala ampla para receber os amigos ao fim-de-semana. Não vêm com o propósito de se integrar na sociedade local o mais rapidamente possível, nem esperam que toda a gente goste deles. É uma realidade que circula fora da nossa esfera de europeus sofisticados e humanistas. Nesta região da Ásia, este tipo de migração cifra-se na ordem dos milhões de pessoas. Nem todos os casos têm um final feliz. Mas nem tudo está perdido, e parece que o secretário da tutela da saúde se vai reunir com associações de trabalhadores migrantes locais, de modo a negociar um acordo. Acho bem, que se premeie e dê benefícios a quem contribui para o desenvolvimento de Macau, seja ele de que origem for. Mas isso levaria-me a falar do que seria o ideal, e que há muito venho defendendo, que é um sistema em que os TNR pudessem obter residência depois de período de permanência legal e ininterrupta no território. Algo parecido com o que já acontece com os residentes não permanentes. E mais uma vez esbarramos com aquilo que gostávamos que fosse, e a realidade, que às vezes é dura.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesNas Complicações do Sexo [dropcap]Q[/dropcap]uando o sexo fala mais alto que todos os nossos instintos, tornamo-nos animalescos. Damos espaço aos nossos animais irracionais ao reagir de acordo com os nossos impulsos sexuais e finalmente rendemo-nos aos corpos suados e ao prazer. Mas se há coisa que tenho tentado exprimir é que a biologia do sexo não explica tudo. Nós, as pessoas que o praticam, traçamos limites conceptuais sobre o sexo e as suas práticas associadas. Estas são ideias repetidas e transmitidas através das nossas conversas, dos nossos textos, das nossas imagens, dos nossos órgãos de comunicação social, enfim, de todas as formas comunicativas. Como que por magia, estas acções de criação de significado elaboram uma imagem, uma representação social do sexo. É isso que faz com que uma fotografia de uma miúda de biquíni com uns pelitos a sair da virilha seja automaticamente censurado nas redes sociais. Porque é estranho, não é? Não há sinal de pornografia, nudez ou violência, são uns pêlos que na verdade, verdadinha, não passam de pêlos, e que ainda assim são ofensivos a olho nu. Ainda há pouco tempo a mais conhecida rede social censurou a Vénus de Willendorf. Aquela estátua pré-histórica com maminhas grandes e ancas largas. Estas ideias nas nossas cabeças sobre o que é decente ou não é (aquela velha história da boa sexualidade e sexualidade desviante que é perigosa) apresenta-se como ‘natural’ mas na verdade, não deixam de ser ideias que nós construímos, em conjunto. Vamos fazer um jogo, quando eu digo sexo, quais são as três palavras que vos vem à mente? Sem pensar muito, mais automático que puderem. Prazer. Pénis. Orgasmo. Prazer, com a ajuda do pénis, para atingir um orgasmo. Até dá para delinear uma temporalidade. O sexo que podia ser simples assim, complica-se infinitamente na prática, particularmente, na prática social e diária do diálogo sexual. Aliás, eu diria que os problemas do sexo começam pela falta de um verbo digno e de fácil acessibilidade. O que é que quero dizer com isto: temos o verbo ‘f****’, um favorito pessoal, que lhe falta um correspondente menos grosseiro. Copular? Fazer/ter sexo? Ter relações sexuais? Nada. Se ao menos ‘sexar’ pudesse entrar no nosso dicionário como um neologismo por uma necessidade de simplificação. Mas nunca o puderá ser, porque ‘sexar’, de acordo com o dicionário, quer dizer ‘determinar o sexo de um ser vivo, geralmente animal, por meio da análise de ADN, de traços morfológicos ou de comportamento’. Nada sensual. Mas estas complicações não são necessariamente infelizes, porque ao menos obrigam-nos a pensar no sexo. E sabe tão bem pensar no sexo… nos momentos de intimidade com o outro, nos prazeres do corpo, nas formas sócio-culturais de expressão sexual, nas fantasias de alcançar uma sexualidade feliz e plena de/para todos. Pensar à séria é o que muitos evitam. Vivemos tempos de evitamento, até em desafios de outras naturezas. Olhem para os jornais, para o que tem acontecido em países remotos assolados pela guerra, em decisões políticas complicadas de entender, em participação democrática que dá voz à violência, xenofobia e ódio. A vida está cheia de complicações ainda por resolver, na cama, no quarto, em casa, na cidade, em países e no mundo. Eu percebo que comparado com tensões internacionais, a minha preocupação com um verbo que simplifique ‘fazer o sexo’ pareça uma preocupação fútil. Mas desafio-vos a pensar fora da caixa, a desconstruir as narrativas a preto e branco e que se aceite – e que se aprenda a discutir – as sombras de cinzento que a vida nos proporciona (por falar em sobras de cinzento, já estão por aí novas e picantes descrições da sequela do re-descobrimento do sexo no grande ecrã). Encarar aquilo que evitamos com emoção – com paixão. E agora? Quais são as três palavras que a palavra ‘sexo’ evoca? Prazer. Liberdade. Compreensão?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOlho por olho e ficamos todos cegos [dropcap style=’circle’] R [/dropcap] ecentemente, ficámos a saber pelos jornais que, nos EUA, um homem tinha sido preso por tentar atacar o agressor sexual das suas duas filhas, o clínico do centro de medicina desportiva da Universidade de Michigan, Larry Nassar. O caso ocorreu durante uma audiência, que teve lugar no início de Fevereiro. O pai das jovens, Randal Margraves, atacou o réu após as filhas terem prestado depoimento. No Tribunal, Margraves encontrava-se de pé, junto à mesa onde estavam sentados os seus dois advogados. Foi então que Margraves dirigiu um pedido à juíza Janice Cunningham, “Por favor, conceda-me cinco minutos a sós com o filho da mãe.” A juíza recusou o pedido, como é natural. “Então por favor, apenas um minuto.” A magistrada voltou a recusar. Nessa altura, Margraves disparou em direcção a Nassar, com o fito de o morder, mas acabou por ser impedido pelos funcionários do Tribunal. A audiência foi adiada por 30 minutos. Quando retomou, Margraves pediu desculpa. Foi detido por breves momentos, mas o juiz que analisou o caso recusou-se a prende-lo por ofensas ao Tribunal. Margraves contou ao juiz, “Não estou aqui para me sobrepor às minhas filhas. Estou aqui para as ajudar a ultrapassar esta situação horrível.” O juiz retorquiu, “Não posso tolerar nem pactuar com atitudes vigilantes ou com comportamentos vingativos. No entanto, devido às circunstâncias, este Tribunal não lhe aplicará qualquer castigo.” “Ninguém está a desculpá-lo. Contudo, existem procedimentos legais, e o sistema judicial faz o que é suposto fazer.” Dois dias mais tarde, o procurador Douglas Lloyd declarou que Nassar não pretendia processar Margraves. O comportamento de Margraves no Tribunal é compreensível em face do que aconteceu às filhas. Mas qualquer agressão é inaceitável, sobretudo se ocorrer num Tribunal. Se começarmos a clamar por vingança abrimos as portas a situações incontroláveis. Foi o que a juíza Cunningham quis dizer quando referiu “olho por olho, e ficamos todos cegos”. A vingança é obviamente inaceitável. Para punir o crime existem os Tribunais e nunca devemos ir além disso. A justiça nunca pode passar por vinganças pessoais. O propósito dos nossos sistemas jurídicos é a aplicação de pena pelo Tribunal – para promover a ordem, o direito e impedir a vingança. A vingança só pode gerar o caos. Mas para impedir comportamentos vingativos, é necessário que exista um sistema jurídico de total confiança. O sistema deve proporcionar justiça às vítimas. Será que neste caso o castigo aplicado a Nassar foi justo? É difícil dizer, até porque o castigo nunca é proporcional ao sofrimento das vítimas. Se o caso for muito grave, é ainda mais difícil determinar o que é “proporcional”. Em 2005, Chun-kwok, um polícia de Hong Kong patrulhava as ruas sozinho e mandou parar um suspeito, de seu nome Chi-Yung Liu. Nessa altura, o suspeito esfaqueou o polícia no pescoço. Devido à hemorragia o agente ficou em coma, porque o cérebro deixou de ser oxigenado e acabou por ficar em estado vegetativo. Os médicos afirmaram que será praticamente impossível haver uma recuperação. Como o suspeito se entregou à polícia só foi condenado a 10 anos de prisão. Ao fim de 5 anos e 9 meses, saiu em liberdade condicional, por bom comportamento. Por ter sido ferido no cumprimento do dever, o Governo da RAEHK foi obrigado a pagar uma indemnização a Chun-kwok, que se traduziu nos seguintes termos: a. Pagamento de salário e pensão mensais b. Cobrir todas as despesas médicas c. Pagamento de uma indemnização avultada à esposa do agente d. Assumir os encargos do curso superior que a filha de Chun fez na Austrália. Para além disto, a Força Policial de Hong Kong realojou às suas custas a família de Chun-kwok. Neste caso o castigo aplicado ao agressor pode ser comparado ao sofrimento causado à vítima? Ter-se-á feito justiça? Terão as avultadas quantias de dinheiro compensado a família por, na prática, ter perdido um ente querido? Mais uma vez, são questões de difícil resposta. Mas, sejam quais forem as nossas opiniões, nunca podemos aceitar que se faça justiça pelas próprias mãos. O castigo aplicado ao agressor deverá ser proporcional aos danos que causou. Para bem de todos, a justiça nunca pode passar as portas do Tribunal.
João Luz VozesExpat de Hong Kong [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]vanço pelas ruas da rainha de cabeça alta, debaixo dos meus ténis estende-se um Império perdido. Cada passo que dou é a afirmação do domínio intrínseco que tenho sobre este mundo. Sou o protótipo do novo explorador, deslocado a meio mundo de distância da minha santa terrinha dos arrabaldes de Manchester, Joanesburgo, Toulouse ou Toronto. Trouxe as minhas raízes na bagagem, mas o meu coração ficou em Hackney, ou nos arredores de Paris, não interessa a proveniência porque palpito suburbanidade a cada batimento cardíaco. Como nunca cheguei a sair de casa, não consigo conceber o sítio onde estou, apenas o ténue arrebatamento do sucesso construído além-fronteiras. A vaidade embriaga-me mais do que os rios de Prosecco a que me obriguei a gostar. Vivo na minha bolha sem compreender esta terra que me acolheu. O que querem estes milhões de pessoas que nem sequer têm a hombridade de falar uma palavra de inglês? Por que carga de água secam tanto peixe? Não me levem a mal, gosto do exotismo, de mergulhar nele, mas só um dedinho de pé no largo oceno chinês. Para mim, a China é uma manhã louca na selvajaria mercantil de Mongkok e Sham Shui Po, onde barrigas de meia idade são exibidas ao sol enquanto digerem refeições em que entranhas são o ingrediente rei. Entranhas nas entranhas, interior no interior. Essa é a China que testemunho, em pequenas doses calculadas antes de me enfiar de novo num anónimo centro comercial. Faço por não ver a realidade do dragão que plana sobre a minha cabeça, reduzindo-o apenas à crueza dos turistas chineses que inundam o Soho. Para mim, a China resume-se às hordas de turistas que cuspem catarro na calçada e compram toneladas de Chanel através do WeChat. Apesar de terem bastante muito mais dinheiro que eu, jamais poderão chegar aos calcanhares da velha riqueza pós-imperialista que olha para todo o mundo como um aglomerado de camponeses iletrados. A China é Central e Causeway Bay e todas as reminiscências europeias vincadas pela profusão de marcas que me aconchega como um abraço maternal. O meu lar é uma qualquer Starbucks que reconheça o meu cartão de cliente. Nunca estou só porque tenho o consumo para me fazer companhia, os laços estreitos de emotividade que estabeleci com marcas que vieram comigo para o oriente. O comércio multinacional é a minha família. Hong Kong podia ser um bairro de Londres deslocado territorialmente, poderia ser trasladado para o meio do Índico, para o sopé dos Himalaias, para a brancura do Deserto do Atacama que seria igual. As mesmas Gucci, Macdonalds e todos os lugares comuns do comércio a cada esquina. Mas, já que estou aqui, quero uma refeição vegan sem glúten, claro, um brunch eterno regado copiosamente a champanhe, quero uma tonelada de quinoa e pós de proteínas para me insuflar os bícepes depois do ginásio. Quero aparecer altaneiro em bares onde a pretensão se serve em copo alto, musicado por mau gosto que não consigo discernir. Anexada ao meu braço está a namorada desta semana, um híbrido genético local que mistura o sangue de um holandês com uma chinesa. Que se chame Cindy e que não seja demasiado oriental, nem branca demais para não me fazer lembrar as Jezebéis da minha terra. Cena quente! Ela quer ser ocidental e eu sou o colonizador horizontal, louro, cosmopolita, com a alma mergulhada na alta finança que subjuga o mundo. Sou uma cópia do Patrick Bateman, o assassino higiénico do American Psycho. Uso o cabelo impecavelmente penteado para trás, projecto expoentes de superficialidade apurada, fato domingueiro a roçar o desportivo, botões de punho de ouro, sapatos feitos por medida. A minha existência resume-se a um compêndio de gadgets que colecciono no meu cubículo de 15 mil dólares por mês. A minha existência não ficaria completa sem leasings e cartões de crédito por pagar. Quando partir desta terra não vou deixar nada, nem levar nada. O mistério do oriente permanecerá por desvendar, até porque nunca mergulhei verdadeiramente nele.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs leis da globalização (II) “The BRI launched by President Xi Jinping in 2013, which is intended to promote economic development and exchanges between China and more than 60 countries, is gaining momentum. The revival of the ancient Silk Road economic ‘belt’, combined with the 21st Century sea lanes of communication known as the ‘road’, is intended to enhance global connectivity and increase commercial activity.” Alessandro Arduino [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] comércio internacional pode realizar-se sem a multinacionalização, e muitos são os que acreditam ser a vaga do futuro. A revista “The Economist” prevê uma diminuição crescente de pequenas empresas que usam o comércio electrónico para comprar e vender, em uma escala global. O comércio “online”, ainda é significativamente menos internacionalizado, que o comércio “off-line”. É à luz das mudanças que se fazem no ambiente político, que parece ser o momento particularmente inoportuno, para pensar que se pode ser global, apenas criando um “site” ou juntando-se a uma plataforma “online”. Os que pensam que a sua empresa deve continuar a fazer negócios em uma diversidade de mercados, precisa de descobrir se deve mudar o tipo de estratégias que usa, em resposta às pressões proteccionistas. As empresas usam a adaptação quando desejam ajustar-se às diferenças entre países para serem responsáveis localmente, e usam a associação de empresas para alcançar economias de escala e capacidade que se estende através das fronteiras nacionais, sendo que as estratégias de arbitragem são utilizadas para explorar as diferenças, como os baixos custos laborais em um país ou melhores incentivos fiscais em outro. As empresas devem usar essas estratégias, pelo que terão de mudar algo, mesmo que seja pouco, em um mundo proteccionista, mas talvez menos do que se pensa. O presidente da “General Electric (GE)”, Jeffrey Immelt, não está só quando fala do suporte arrojado da sua empresa distanciado da associação e dá importância à localização no ambiente actual. As empresas devem procurar oportunidades para ampliar os seus esforços de adaptação, porque tornarem-se mais sensíveis às diferenças pode ajudar a reduzir o impacto do proteccionismo. A forma mais óbvia para uma empresa se adaptar é a multiplicidade de produtos, políticas e posicionamento no mercado para se adequarem aos mercados locais. No entanto, cada mudança aumenta os custos e a complexidade. Logo, a adaptação inteligente, geralmente, envolve a limitação da quantidade ou variedade de produtos, bem como encontrar formas de melhorar a eficácia e a eficiência de qualquer alteração introduzida. As empresas, por exemplo, podem projectar plataformas comuns sobre as quais as alterações locais são oferecidas, ou podem externalizar alguns dos custos da adaptação, através de franquias, empreendimentos conjuntos ou outros tipos de parcerias. Mas, enquanto uma maior adaptação pode ter sentido, as multinacionais não devem colocá-la automaticamente como prioridade, o que só prejudicaria as suas fontes de vantagem competitiva em relação aos concorrentes locais. As empresas globais, especialmente as de economias avançadas, normalmente justificam as suas estratégias transfronteiriças principalmente com base na associação. Os casos mais clássicos, revelam investimentos em activos tecnológicos ou de “marketing” intangíveis que podem escalar através das fronteiras nacionais. Tais vantagens normalmente devem ser bastante grandes, para superar a vantagem do juízo doméstico dos concorrentes locais. A lógica económica para a associação não se evaporará para multinacionais que tenham construído um negócio saudável e lucrativo em mercados estrangeiros, mesmo que alguns países tornem mais caro operar dentro das suas fronteiras. Quanto à arbitragem, as oportunidades para que as multinacionais verticais se globalizem no lado da oferta, em vez do lado da procura, reduziram um pouco nos últimos anos, mas ainda permanecem imensas. Mesmo com o aumento da prosperidade nos grandes mercados emergentes, o PIB “per capita” dos Estados Unidos ainda é sete vezes maior que o da China e trinta e três vezes o da Índia. As diferenças nos regimes fiscais entre países, também não vão desaparecer e continuarão a proporcionar oportunidades de arbitragem. Assim, e de acordo com a “Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)”, a dispersão das taxas de imposto sobre as empresas entre os países pouco mudou desde 2007, e o progresso na contenção dos paraísos fiscais tem sido lento. Além disso, as diferenças entre países em termos de segurança, saúde e ambiente continuam a persistir também, embora a exploração dessas diferenças suscite preocupações éticas. As multinacionais que saem dos mercados emergentes tendem a começar as suas vantagens com as primazias arraigadas em arbitragem, concorrentes no exterior com base em baixos custos domésticos. Tal estratégia continua a ser o motor que impulsiona o crescimento e a lucratividade e rentabilidade da indústria “offshore” de serviços de “Tecnologia de Informação (TI)” da Índia, que inspirou o “The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-first Century” de Thomas L. Friedman, iniciando uma onda de interesse em estratégias de avaliação. Após mais de uma década, os salários dos programadores na Índia, ainda são apenas uma fracção dos praticados nos Estados Unidos, e a redução de custos contínua sendo a principal razão pela qual as empresas optam por terciarizar. Os maiores fornecedores centrados na Índia, ultrapassaram os concorrentes ocidentais em termos de crescimento e rentabilidade e, a partir de Junho de 2016, os quatro principais vendedores concentrados na Índia, desfrutaram de arbitragens de mercado superiores a 50 por cento maiores, do que os seus quatro principais concorrentes ocidentais. À medida que as empresas de países avançados e emergentes se dedicam à liderança global, cada um deve reforçar a sua fraqueza tradicional, para os operadores históricos, a arbitragem e para os insurgentes, a associação. Os donos do mundo desenvolvido em serviços de TI, como a Accenture e a IBM, expandiram os seus esforços na Índia, enquanto as empresas indianas estão a tentar fortalecer as suas marcas e capacidades tecnológicas. O alicerce de Immelt para a localização implica um impulso à sua estratégia de adaptação. A GE, como a maioria das outras multinacionais, não pode desistir da associação ou da arbitragem. As vantagens baseadas em associação da GE são o que sustentam a sua capacidade de competir em cento e setenta países. A sua máquina de “Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)” ou “Investigação e Desenvolvimento (I&D)” de quase seis mil milhões de dólares de investimentos anuais, produz inovações tecnológicas de destaque mundial, o valor da marca de trinta e quatro mil milhões de dólares abre as portas em todos os locais, os seus famosos programas de formação de gestão atraem e cultivam talentos, e o seu alcance em produtos, serviços e geografias contribui para o imenso potencial de intercâmbios de associação de fronteira, e enquanto as observações de Immelt minimizam a arbitragem salarial, tal como o fez na década de 1980, em contraste com a direcção focada, actualmente, na venda de mais produtos ao exterior, a arbitragem tornou-se suficientemente enraizada na empresa nas últimas décadas, que provavelmente não vai desaparecer e continuará a ser parte da sua estratégia de globalização. É de entender que a estratégia de localização da GE é melhor entendida, como a que mantém uma força central na associação enquanto atenua a prioridade da empresa na arbitragem e torna-se mais adaptável. Quanto ao ajustamento com a sociedade, associar-se com, onde e como competir, são as questões principais, salientando como fundamental, o modo de como se deve envolver com a sociedade, que está a tornar-se cada vez mais proeminentes nas agendas dos líderes empresariais, excepto em indústrias altamente regulamentadas, as empresas historicamente tratam as interacções com os governos, a média e o público, como uma reflexão posterior na definição das estratégias. Mas, em muitos casos, as empresas estão a ter maiores impactos de factores políticos e macroeconómicos do que de considerações competitivas. Tais factores, incluem movimentos de taxas de câmbio impulsionados pelo “Brexit”, compartilham flutuações de preços em resposta às alterações de políticas e ao custo de mudança de planos de investimento à luz das modificações antecipadas na política comercial. É de acrescentar à lista o aumento das ONGs, a proliferação das médias sociais e o aumento do sentimento anti-globalização. As empresas são constrangidas nas suas respostas a esses desenvolvimentos por uma série de factores. Em primeiro lugar, a reacção contra a globalização também é, em parte, uma reacção contra os grandes negócios. A reputação geral dos negócios está em um mínimo histórico. O “Pew Research Center”, em uma pesquisa recente, perguntou aos entrevistados nos Estados Unidos, o quanto as pessoas em dez profissões contribuíram para o bem-estar da sociedade. Os executivos de empresas classificaram o futuro, com excepção dos advogados, e apenas 24 por cento dos entrevistados disseram ter pensado que os líderes empresariais contribuíram muito. O “Barómetro de Confiança Edelman” de 2017, também relata um mínimo histórico para a credibilidade dos executivos empresariais e das decisões das empresas sobre como implantar o capital de reputação que possuem e que são dificultadas pelas tensões entre os cidadãos de um país e o seu governo. O presidente executivo da Uber, Travis Kalanick enfrentou problemas com a percepção pública de se ter juntado ao conselho consultivo de negócios de Trump, pelas incertezas acerca de como evoluiria a situação económica e social nos Estados Unidos, acabando por renunciar ao cargo a 21 de Junho de 2017, depois de um conjunto de acusações, desde assédio sexual a sexismo na empresa, passando pelo uso de um programa de computador para enganar autoridades reguladoras de várias cidades no mundo, até suspeitas de roubo de propriedade intelectual para o fabrico de carros auto guiados. Assim e nesse contexto, é necessário falar mais sobre questões sociais e entender porque os líderes empresariais são muitas vezes instruídos a ter certos comportamentos, para não ser considerado como uma panaceia. Ainda que seja difícil oferecer instruções simples sobre como lidar com essas complexidades, a lei da semi-globalização sugere uma liminar e uma visão. Em primeiro lugar, a injunção é estar em consonância com o facto de os governos pensarem sempre que uma empresa que opera é uma actividade incerta, e que tal seja uma estratégia sustentável. [continua]
Leocardo VozesO factor Pi(çarra) [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá aí o Festival RTP da Canção, que teve as suas duas meias-finais nas últimas duas madrugadas de Domingo para segunda, a horas indecentes em Macau. O festival é daquelas coisas que ou se gosta, ou se detesta, e entre estes últimos há quem mesmo assim veja, para depois dizer horrores, e quem não veja mas diga mal na mesma. Importa mesmo é dizer mal, e chamar àquilo “foleiro”, e “pimbalheiro” – digam lá se é ou não é? Este ano o certame tem um novo aliciante, pois o Festival da Eurovisão realiza-se este ano em Lisboa, pois como estão recordados, no ano passado Salvador Sobral foi a Kiev matar esse borrego do rebanho do nosso miserabilismo, e atreveu-se a ganhar a Eurovisão. Já no ano anterior a selecção de futebol foi a Paris conquistar o seu primeiro grande título internacional, e numa questão de meses os portugueses ficaram sem dois brinquedos para jogar às lamentações. Pode ser que organizar o Festival da Eurovisão seja considerado para alguns uma coisa de somenos, ou até um despesismo desnecessário, uma coisa que sai “dos nossos impostos”, oh oh oh. Só que em termos de promoção internacional para o país, o festival tem que se lhe diga, pois é visto por 200 milhões de telespectadores em todo o mundo. Para que vejam que estou a falar a sério, o Festival da Eurovisão de 2012 foi realizado em Baku, capital do Azerbaijão, e graças a ele fiquei com a ideia de que aquele país era um paraíso na Terra. Adiante. Uma vez que Portugal organiza pela primeira vez este evento sexagenário, o factor casa implica que a canção representante nacional passe directamente para a final de 12 de Maio, e se quisermos outro milagre de Fátima como em 2017, convém encontrar um digno sucessor para “Amar pelos dois”, o êxito que Salvador imortalizou, e deixou o cançonetisto nacional no topo do mundo. Do escrutínio propriamente dito, vi por alto algumas canções e alguns intérpretes, e comentários à parte, penso que é um ano com mais qualidade que o habitual. Uma colheita mais ou menos, digamos. Dá para gostar de algumas entradas, e nota-se que pela primeira vez em muitos anos há uma mão cheia de artistas interessados em ganhar o festival. Polémicas, claro que não podiam faltar. Depois de um equívoco na votação da primeira meia-final, estava servido o aperitivo para o prato principal: a “barraca” da canção de Diogo Piçarra. O cantor que esteve em Macau no último Festival da Lusofonia, e provavelmente o artista de maior “pedigree” em competição, trouxe um tema simples, que obteve o maior parte dos votos tanto do júri, como do público. Só que a “Canção do Fim” de Piçarra era mesmo tão simples, que já existia. Primeiro apareceu uma versão da IURD, pasme-se, datada de 1979, e depois outras anteriores a essa, em línguas estrangeiras. Surgiram imediatamente acusações de plágio, mas eu não ia tão longe; o Diogo Piçarra é um compositor com provas dadas, e as comparações com Tony Carreira são no mínimo injustas. O que se passou foi que desta vez o Piçarra não tentou. Não estava para ali virado, pronto. Picasso, que também começa com “pi”, não ficou famoso a pintar quadros que já existiam. Depois de dois dias de vendaval na imprensa e nas redes sociais, Piçarra fez o melhor que tinha a fazer, e retirou-se da corrida à Eurovisão, enumerando as suas razões numa nota publicada no Facebook. Palmas para ele, por não ser teimoso. Ficasse a canção no festival, e provavelmente ganhava, podendo mais tarde ser desqualificada na final, o que seria uma vergonha. E porque é que ia ganhar? Porque nós iamos votar nela, ora essa. Porque nos disseram para não votar, e isso era o que faltava! Somos mesmo assim, nada a fazer. Agora pelo amor do Buda, vejam lá se fazem alguma coisa de jeito em Maio, para que o mundo fique pelo menos com a impressão de que somos um país de gente simpática, bem disposta e de bem com a vida. Assim como o Azerbaijão, vá lá.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDo Prato para o Sexo [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] comida com ou sem sexo poderia ser uma questão útil, mas raramente o é. Estou a ver muitas ligações entre uma coisa e outra, os dois são necessários (talvez um mais do que o outro) e dão prazer. Se pudermos juntar os dois prazeres numa experiência conjunta teremos prazer ao quadrado, diriam os matemáticos. Mas como é que se quantifica o prazer gustativo e o prazer sensual, e de que forma se equacionam estas propriedades do prazer na recriação da experiência humana? Já todos ouviram falar do chocolate, certamente. O chocolate produz químicos nos nossos cérebros que são os mesmos do prazer sexual. Mas comer chocolate não é a mesma coisa que a penetração de corpos. Podia ser a mesma coisa, mas certamente que não é. Um ‘foodgasm’ não é um orgasmo, nem a pornografia tem muito que ver com a tão recentemente popularizada ‘food porn’. O sexo é particular a uma intimidade das gentes e do tesão. A comida é prazerosa de uma forma não sexual, ou não sensual, ou será que é? As ostras parecem vulvas descobertas, as bananas e os pepinos são (escandalosamente) fálicos. O abacate e a papaia desenham vaginas, as tartes de maçã… não se parecem com nada, mas já iniciaram a sexualidade de certos jovens de uma certa realidade cinematográfica. O estímulo visual pode provocar a imaginação, mas o melhor são as propriedades ditas afrodisíacas de certos alimentos. São precisos nutrientes que mantêm a erecção e lubrificação. Dizem os especialistas que os espargos, por exemplo, fálicos e cheios de vitamina E e potássio são óptimos para manter a irrigação sanguínea nas partes que interessam. Os abacates e as ostras ajudam na produção de testosterona, os morangos, um clássico do romance, estão cheios de coisas boas para a produção de hormonas. Enfim, já perceberam a ideia, não quero ser uma enciclopédia nutricional. Mas por favor, deixem-me constatar o óbvio que falta ser reforçado: comidinha saudável, corpo são e o sexo acompanha os benefícios. Para ninguém se convencer que comer abacates em quantidades industriais tem o mesmo efeito instantâneo que o Popeye e os espinafres. Falta a comida no sexo – a comida que acompanha a penetração que referi há pouco. Talvez um clássico de morangos com chantilly, ou uma prática para dias especiais, para quando se precisa de um ‘picante’ na relação sexual. Picante esse, acautelem-se, para ser consumido e não ser esfregado em lugar nenhum. Os mais cautelosos ainda sugerem que comida nenhuma poderá ser inserida nas partes íntimas, mas que pode (e deve) ser abusada na pele. Para os interessados na logística, esta não é uma actividade para quem gosta das coisas limpas. Porque corpos nus, esfregadelas e uns amassos com comida à mistura, vai certamente deixar muita desarrumação e sujidade. Lençóis, o chão, ou qualquer outra superfície manchados de chocolate líquido e outros que tais… Mas para quem não tem problemas com isso, regozigem-se com a exploração oral de corpos e sabores. Aliás, parece que os japoneses têm tradições gustativas ainda mais requintadas. O nyotaimori que até já chegou ao ocidente (apesar de ter sido recebido com muitos protestos) é a prática de usar mulheres nuas como pratos de sushi. Ou outra – e esta não percebi se era verdade ou não – de usar o pequeno recipiente que as pernas fechadas de uma mulher criam, e lá verter licor para ser cuidadosamente consumido em infusão com a penugem típica da região. Isto é só puxar pela imaginação e aproveitar as propriedades nutricionais e quiçá afrodisíacas para uma sexualidade e alimentação feliz. A equação que leva o prato ao sexo não é complexa, é simples, é só juntar os ingredientes e ter a vontade certa. Prazer ao quadrado, será?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO autocarro da tragédia [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ntes do mais, Feliz Ano Novo a todos os meus leitores. Desejo-vos tudo de bom no Ano do Cão. Esperava-se que nesta época todos os chineses estivessem felizes, a celebrar na companhia das suas famílias. No entanto, isso não foi verdade para todos, porque no dia 10 de Fevereiro houve um terrível acidente com um autocarro que provocou 19 vítimas mortais e 67 feridos. Por volta das 6:15h da manhã, um autocarro da KMB, da carreira 872, vinha de Sha Tin com destino a Tai Po. Alegadamente o condutor perdeu o controlo do veículo numa curva perto de Tai Po Mei, o autocarro despistou-se e capotou sobre um dos lados. Os passageiros afirmaram que o condutor vinha a descer a rua a toda a velocidade. Aparentemente o motorista tinha sido informado que estava a circular com atraso. “Você está 10 minutos atrasado” terá dito um passageiro ao condutor. “Ele estava irritado porque algumas pessoas reclamaram do atraso e nessa altura começou a conduzir como se fosse a pilotar um avião.” Outro passageiro afirmou: “Ele estava a conduzir muito depressa, demasiado depressa para quem vem numa descida.” O motorista foi detido por condução perigosa, causadora da morte de vários passageiros e de ferimentos graves em muitos outros e aguarda o desenrolar das investigações. Após a ocorrência deste acidente, o mais mortal dos últimos 15 anos envolvendo um autocarro, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, cancelou a agenda que tinha programada para o segundo dia do Novo Ano Lunar. O gerente da KMB, Godwin So Wai-kei, declarou que o motorista, de 30 anos de idade, tinha ingressado na companhia em 2014. Em Setembro passou a trabalhar a tempo parcial. O condutor conhecia bem esta carreira, que só se efectua em dias feriados, e tinha realizado este percurso há três semanas atrás. O condutor tinha efectuado turnos de sete horas nos últimos quatro dias e, no Sábado, tinha um turno de quatro horas. O administrador da KMB, Roger Lee Chak-cheong, declarou que 560 dos 8300 motoristas ao serviço da companhia trabalham a tempo parcial. Destes, 80 por cento têm mais de 60 anos e foram readmitidos após a reforma. “Os motoristas a tempo parcial, desempenham um papel importante nas companhias rodoviárias, especialmente durante as horas de ponta, porque ajudam a colmatar as necessidades extra.” “[Mas] aos olhos da opinião pública … os motoristas a tempo parcial podem causar alguma desconfiança. Nesta altura, esperamos poder proporcionar aos passageiros condições que os façam sentir-se mais confiantes.” Estas declarações levantam outra questão. Nos dias que se seguiram ao acidente, vários representantes do sindicato dos motoristas criticaram a KMB por não monitorizar mais de perto o trabalho dos funcionários temporários. Estas declarações dão resposta às causas do acidente, às preocupações dos funcionários e do público? Ninguém sabe ao certo, mas a KMB suspendeu temporariamente as escalas de 209 motoristas temporários, bem como a contratação de novos condutores a tempo parcial, para atenuar as inquietações do público. No entanto, este caso não termina aqui. Neste momento, existe um movimento que reclama melhores salários e melhores condições para os motoristas. As negociações com a administração da KMB não deram bom resultado e ficou marcada uma greve para os dias 24 e 25 deste mês. Mas será que existe uma relação directa entre a greve e o acidente? Por enquanto, ninguém sabe. Seja como for, as declarações dos motoristas efectivos sobre a necessidade de monitorizar mais de perto o trabalho dos seus colegas temporários, indicam que se deverá dar mais atenção a este aspecto. Existem vantagens óbvias no recrutamento de pessoal a tempo parcial em Hong Kong. A Lei do Trabalho estabelece claramente que os trabalhadores a tempo parcial usufruirão apenas dos benefícios definidos no contrato. Ou seja, os benefícios estatutários estabelecidos na lei não se aplicam a estes trabalhadores. Desde que o empregador pague o salário mínimo e faça as contribuições para o fundo social não se levantam mais questões. A empresa não terá de garantir férias, nem licenças de maternidade, nem outros benefícios, ao contrário do que é obrigada a fazer com os trabalhadores efectivos. Os custos operacionais com os trabalhadores efectivos são muito superiores àqueles que a empresa suporta com os trabalhadores temporários. Mas, se por um lado os trabalhadores a tempo parcial ajudam a empresa a reduzir custos, por outro lado levantam alguns problemas. A falta de compromisso da empresa para com o trabalhador gera necessariamente falta de empenho, não existe incentivo para uma dedicação ao trabalho. No final acabam sempre no desemprego. Além disso, é natural que os trabalhadores temporários tenham prioridade na escolha dos horários. Se não houver horários disponíveis os temporários não trabalham. Mas como a empresa não quer que isso aconteça, a maior parte das vezes é dada aos temporários a prioridade na escolha das escalas de serviço. Numa empresa em que o trabalho tem de ser escalonado, os efectivos devem dar prioridade aos temporários na escolha dos horários. Mas será que a escala preferencial é a melhor escala? A resposta fica em aberto. Ao contrário de Macau, em Hong Kong os horários nocturnos não são mais bem remunerados. Quem trabalha à noite recebe o mesmo do que quem trabalha de dia. Agora imagine que é um trabalhador efectivo. Nestas condições, permitia que o trabalhador temporário trabalhasse de dia e deixasse a noite para si? Estes problemas existem em todas as empresas com trabalho escalonado e trabalhadores efectivos e temporários. Não são exclusivos da KMB. De qualquer forma vale a pena discutir estas questões, até porque, recentemente, o Governo de Macau anunciou que pretende criar uma nova legislação para regular as relações entre empregadores e trabalhadores a tempo parcial. Segue-se a transcrição do parágrafo 2.2 da proposta: “2.2. Breve apresentação do regime de trabalho a tempo parcial Assim como foi referido atrás, quando foi elaborada a Lei n.º 7/2008 (Lei das relações de trabalho), a 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, após discussão, concordou que, dada a natureza das relações de trabalho a tempo parcial e a modalidade da sua prestação de trabalho, seria necessário regulamentar esse tipo de relações de trabalho segundo um regime diferente, por isso a “Lei das relações de trabalho” estipula que o trabalho a tempo parcial é regulado por legislação especial. Nessa altura, a 3ª Comissão expressou que o trabalho a tempo parcial só era diferente em termos da duração de trabalho, e que essa diferença deveria ser contemplada por lei, através do princípio da proporcionalidade e da equiparação de conteúdos funcionais.” Este parágrafo demonstra claramente que o trabalho a tempo parcial só se deverá diferenciar pela duração e que todos os benefícios deverão ser proporcionais a quem trabalha a tempo inteiro. A ideia é boa. Mas será que pode vir a resolver todos os problemas levantados pelo trabalho tempo parcial, necessariamente mais precário? Além disso se os trabalhadores efectivos fizerem horas extraordinárias, como é que serão reguladas? As “horas extraordinárias” equivalerão a trabalho “a tempo parcial”? Esperemos que a nova legislação venha dar resposta a estas dúvidas.
Carlos Morais José Manchete VozesAnálise / Xi Jinping | O grande passo atrás [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] proposta de alteração da constituição chinesa, nomeadamente a remoção do limite de dois mandatos para presidente e vice-presidente, feita pelo Partido Comunista Chinês e ainda não aprovada, constitui um passo atrás na História, um golpe profundo nas aspirações “científicas” do regime e um abrir de uma caixa de Pandora de onde poderão sair malefícios dispostos a afectar o mundo. Não foi por acaso que Deng Xiaoping introduziu esta norma, até aí e ainda hoje inexistente no dito “mundo socialista”. A China acordava do pesadelo da Revolução Cultural, na certeza de que seguir a vontade de um só homem podia conduzir o país ao descalabro. Sabiamente, Deng compreendera que a libertação das forças produtivas implicava também uma mudança significativa na estrutura do poder, de modo a que não se criassem as condições para uma repetição da História que, sabemos desde Marx, acontece primeiro como tragédia e depois como farsa. Ora se a Revolução Cultural representa uma trágica repetição da História, nomeadamente da violenta ascensão da dinastia Qin e da destruição cultural subsequente, o regresso da China a um tenaz comando centralista e providencialista provavelmente desenrolar-se-á como farsa, sob a luz dos holofotes mediáticos, numa teatralidade já obsoleta, que não seduzirá gente esclarecida. Isto porque confiar na existência de homens providenciais é tique de um mundo antigo, enraizado na superstição e no alívio da submissão, distante da pretensão de cientificidade que o PCC gosta de utilizar no seu discurso e na definição dos seus objectivos. Na verdade, trata-se de uma desgraça, velha como o mundo, áspera como balas e de consequências funestas. Existe aqui algo de religioso neste pensamento que, no século XXI, deveria estar totalmente afastado, erradicado, sanitizado, dos meandros do poder. Até porque o culto da personalidade, por muito que agrade às informes massas, deve ser mantido nos limiares das revistas de famosos, na medida em que roça o ridículo numa mente esclarecida, contemporânea e, sobretudo, escaldada pelo “carisma” de alguns personagens do século XX. Trata-se, no limite, de algo exorcizado por Deng Xiaoping, cuja sabedoria proporcionou à China o lugar que hoje ocupa no plano internacional e impulsionou o crescimento interno que espanta o mundo. Infelizmente, agora prevê-se o regresso de um certo infantilismo de cariz popular, insuportável a olhos lúcidos e a ouvidos educados, na medida em que desvenda o aspecto teatral do relacionamento do poder com as massas populares. Xi Jinping, que se apressou a classificar de “nihilismo histórico” o pensamento filosófico finissecular europeu (pós-moderno), não deveria precisar de importar os valores escatológicos do Ocidente (judaico-cristãos) para justificar um Mandato do Céu. A China implementava o discurso do “governo científico”, mais assente na máquina do Partido do que na benevolência e sapiência de um só homem. E com esta postura distinguia-se de outros países ditos comunistas ou pós-comunistas. Inaugurava, para gáudio de alguma esquerda, um novo sistema de transferência de poder em ambiente autoritário, que garantia alguma alternância, luta política, portanto, satisfação. Sem perder mão das rédeas, nem deixar de picar o cavalo na direcção pretendida e apresentando tremendos resultados económico-sociais. Tudo isto sem recorrer ao abstruso culto da personalidade ou mesmo evitando-o como Maomé evitava o toicinho, pois lembrava-se ainda na pele dos efeitos maléficos de tal sorte. Resta equacionar, sobretudo pelos actuais líderes chineses, se esse extraordinário desenvolvimento económico-social não foi precisamente consequência do novo ordenamento político e motivado pela constitucional e inevitável sucessão: do mesmo modo que as forças produtivas se libertavam no mercado e na sociedade, também as forças políticas prosperavam no interior do PCC e o horizonte certo de mudança não só motivava a criatividade como pacificava a mecânica dos desejos. Ao impor a alternância, a constituição pacificava as facções excluídas dos lugares cimeiros, porque instituía a possibilidade de ascensão. Neste sentido, a alteração constitucional parece um passo pouco inteligente, pelo qual o PCC se extirpa dessa dinâmica que o manteve a flutuar à tona da sociedade chinesa, sem contestações de maior, durante os anos rebeldes da transformação. Xi Jinping, seguindo um famoso texto de 1937 de Mao Zedong (“Sobre a contradição”, no qual o fundador da RPC recusa a síntese hegeliana e funda o materialismo histórico sínico), identificou a actual contradição do socialismo com características chinesas: o fosso aberto entre ricos e pobres, alimentado pela crescente corrupção. E, de forma brilhante, entendendo que aí residia a salvação do Partido face ao crescente descontentamento popular, iniciou uma gigantesca campanha anti-corrupção, ganhando num golpe a aprovação das massas e a capacidade de eliminar indesejáveis. Por outro lado, implementou uma internacionalização estruturada da China, através da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota (que representa a primeira medida de carácter planetário até hoje concebida e implementada) e da modernização radical do Exército de Libertação Popular, que manteve sob o controlo estrito do Partido, agora capaz de defender as aspirações chinesas no Mar do Sul. Assim, a China surgiu no planeta como a única superpotência com capacidade e vontade para desenvolver uma cooperação mundial de benefício comum, preocupada com o meio ambiente (apesar de ser o segundo maior poluidor) e criadora de conceitos globais, como a “comunidade de futuro comum”, algo que os americanos não se preocuparam em fazer e do qual se distanciam, num exercício de arrogância que deixa descalço o ocidente perante a investida oriental, armada de dinheiro e de valores globais. Mas, ao entrar no que o PCC define como “nova era”, com esta alteração constitucional, a China arrisca-se a dar um passo atrás, ainda que simbólico, ao deificar um governante. Deng previra este perigo e exorcizara-o constitucionalmente. Deste modo, a China arrisca-se a reproduzir, pelo menos para o mundo, uma nova dinastia semelhante à que governa a Coreia do Norte, hoje alvo da chacota de muitos chineses, que a classificam de “monarquia absoluta”. Tal não abonará a favor da sua imagem global como constituirá um rude golpe nos que viam nas alterações introduzidas no PCC um eventual modelo de para outros regimes de partido único. Pensamos, por exemplo, nalgumas ditaduras africanas e na influência benéfica que a comparação com a China poderia, eventualmente, produzir. Contudo, tudo indica que o passo está dado e a constituição será alterada, abrindo caminho à eternização de Xi e dos seus aliados na cadeira do comando. O futuro dirá se não se trata de um tiro no pé, mais motivado pela uma arrogância infantil de quem sente um extremo poder antes sonegado, porque, sejamos francos, só uma mentalidade de criança aceita a existência de homens providenciais. Ao negar a extensão do poder além de dois mandatos, a constituição chinesa sabiamente evitava o infantilismo político, cujas trágicas consequências estão bem documentadas pela História. Um grande político deve ter a consciência da necessidade de se retirar da cena pública, sob pena de se transformar (a si e, sobretudo, aos que gravitam à sua volta) naquilo que procurava combater. Já sem falar das maleitas sociais provocados pela inércia que decorre de tal situação, entre as quais a corrupção desempenhará papel preponderante. De facto, podemos imaginar que, à imagem do presidente, outros postos do PCC nas províncias ganharão um estatuto idêntico, eternizando os mesmos no poder, com as consequências conhecidas. Esperemos que, em 2023, independentemente das mudanças constitucionais, Xi Jinping mostre que é um grande líder e tenha a sabedoria de escolher reformar-se, dando a outros o seu lugar. Para bem da China e do mundo.
João Luz VozesTurista em massa [dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]imito-me ao pacote feito pela agência, tenho os bolsos recheados de coupons e vouchers e o meu nome está inscrito na lista. Um shuttle aguarda-me para me levar à porta do meu destino, sou transportado de berço em berço depois de longas horas empacotado num terminal de aeroporto desenhado para trazer à tona toda a violência animal camuflada por normas sociais de conduta. A minha identidade tem pequeno-almoço incluído e tours organizadas pela providência encarneirada que dará descanso ao meu poder de decisão, almoço com desconto de 30 por cento, sabedoria adormecida numa anónima chaise longue. As calorosas boas-vindas sorriem-me enquanto me prendam com a bebida grátis a que tenho direito. Saí de Macau durante o Ano Novo Chinês em busca de santuário, pus em acção um plano de fuga às enchentes de turistas que entopem as artérias da cidade e a ironia acabou por me conduzir a um destino onde eu próprio sou o turista massificado, perpetuando a permuta de multidões por esse mundo fora. Sou a unidade mercantil na Era da industrialização do lazer que destrói almas e ecossistemas, sigo o trilho percorrido por milhares em direcção a paraísos perdidos como Boracay, Pattaya ou Phuket. Acrescento massa à infinita hemorragia de pessoas, à superabundância de produtos globais, sem raiz, que envenenam a autenticidade dos lugares. Nada fica intacto depois da minha passagem. Águas são contaminadas de desperdício e fluídos humanos, plástico é plantado com generosidade nos canteiros indefesos do jardim da mãe natureza, cimento e tijolo avançam contra o vigor do verde e o lixo agiganta-se em montanhas de morte que ameaçam cair para cima de todos nós. Por todo o lado celebra-se a destruição, a moleza de um conforto pouco sadio, a partida para longe de casa mas para um lugar onde se encena a familiaridade das coisas que ficaram para trás. Uma vez chegado ao paraíso, sem ter trabalho para despachar, depressa me embrenho numa série de actividades que preciso cumprir para sentir que estou a desempenhar bem o papel de turista. No mar há uma série de tarefas para executar. Caiaque, paddle board, mergulho, parasailing, kitesurf, pesca de sereias e todo o rol de trabalhos a fazer devidamente documentados nas redes sociais. Tenho de conseguir coisas, não posso ficar parado e deixar que o tempo deixe de o ser, eliminando os dias entre rum escuro e um livro de palavras boas. Não! Preciso cumprir, afinal estou de férias e tenho de reportar àqueles que não estão o que fiz, como tal, há que empreender especialmente quando nada há para fazer. Realizo-me em roteiros, itinerários e toda a pantomima de concretização de desejos feitos para mim e todos os outros milhões que me seguirão e seguiram. Sou só mais um numa infinita fila de seguidores. A vida nestes aviários de lúbricos prazeres é construída à minha volta, feita à minha medida. Venho para violar a terra e o mar, para esfregar a minha pança comodista nas costas de uma menina de tez escura, venho para destruir tudo o que há de puro e belo nos paraísos destituídos de cifrão. A minha vantagem é o Visa, o UnionPay e a sorte de ter nascido no sítio certo, na altura apropriada. Quando regressar à minha pacata rotina caseira passo a antecipar uma nova escapadela para outro país pobre, onde a pataca é a minha fortaleza, não levarei nada comigo, além de colesterol, fígado gordo e vagas recordações sem lugar. Assim que aterrar na terra onde os Maseratis se multiplicam como colehos, vou esquecer a falta de saneamento básico, as barracas de madeira que desafiam tempestades tropicais e os meninos que sorriem indiferentes à falta de futuro. Depois de me esquivar a mais uma chapada de humildade, vou voltar à minha condição de pequeno monarca, que olha com arrogante superioridade para o destino daqueles que fugiram dos paraísos arruinados e vieram para Macau à procura de uma oportunidade de futuro. Vou continuar a encarar estas pessoas como inferiores, como alguém para me servir, esteja de férias ou em casa.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAs leis da globalização (I) “Since about 2010, double-digit economic growth rates have been observed across Africa. This growth is partly due to rising international commodity prices, and partly due to internal economic structural changes. Over the last decade, six of the world’s 10 fastest-growing countries were African. In eight of the last 10 years, Africa’s lion states have grown faster than the Asian tigers.” “Middle Classes in Africa: Changing Lives and Conceptual Challenges” [dropcap]L[/dropcap]ena Kroeker, David O’Kane and Tabea Scharrer. Os empresários esforçam-se para se adaptar a um mundo imaginado apenas há apenas um ano. O mito de um mundo sem fronteiras desapareceu. Os pilares tradicionais dos mercados abertos, como os Estados Unidos e o Reino Unido estão a cambalear, e a China está-se a posicionar como o mais firme defensor da globalização. O voto no “Brexit”, em 23 Junho de 2016, surpreendeu a União Europeia, e as ideias sobre a globalização tornaram-se cada vez mais negativas nos Estados Unidos, à medida que a campanha eleitoral presidencial progredia. Após a eleição de Donald Trump, com medo de uma guerra comercial, começou a ser defendida a tese de que a maior pensamento comercial das últimas três décadas está a passar por sérios problemas, e que as vantagens da economia de escala desapareceram. O pilar dinâmico da empresa e da sua localização abanavam. A grande questão que se coloca é de saber se a retirada massiva do exército empresarial de um país é a abordagem correcta para as empresas nestes tempos incertos, ou, apesar de embalar e voltar a casa, devem concentrar-se na localização, ou seja, produzir e até inovar onde vendem, como opção estratégica? É de recordar que, há apenas uma década, os empresários acreditavam que o mundo estava a tornar-se plano para as empresas globais, sem restrições, através das fronteiras dos países, e que rapidamente dominariam a economia mundial. Tais afirmações exageradas foram provadas como erradas. Os clamores actuais por um enorme retrocesso da globalização, diante de novas pressões proteccionistas, também são uma reacção exagerada, em outra direcção. Ainda que, uma certa euforia sobre a globalização se tenha deslocado para a sombra, especialmente nos Estados Unidos, a globalização ainda não sofreu uma séria reversão. A retirada em grande escala ou um excesso de localização prejudicaria a capacidade das empresas de criar valor através das fronteiras e à distância usava-se a rica variedade de estratégias da globalização que ainda são eficazes e continuarão a funcionar bem no futuro. A turbulência actual exige uma reformulação mais subtil das estratégias das multinacionais, das estruturas organizacionais e das abordagens do ajuste social. As falsas percepções comuns sobre o que é, e o que está a mudar sobre a globalização, oferecem directrizes para ajudar os empresários a decidir onde e como competir e a examinar o papel das multinacionais em um mundo complexo. As dúvidas sobre o futuro da globalização começaram a surgir durante a crise financeira de 2008-2009, mas à medida que as condições macroeconómicas melhoraram, a escuridão deu lugar a uma mistura obscura de perspectivas. Por exemplo, em apenas três semanas, em 2015, foram defendidas ideias como as da globalização a uma velocidade extremamente alta ou o fim da globalização. Face a tanta ambiguidade, é essencial analisar os dados fornecidos pelo “Global Connectedness Index (GCI)”, que é uma análise detalhada do estado da globalização em todo o mundo, rastreando os fluxos internacionais de comércio, capital, informações e pessoas. Os dois componentes do índice de maior interesse comercial que são o comércio de mercadorias e investimento estrangeiro directo, foram atingidos duramente durante a crise financeira, mas nenhum deles sofreu um declínio similar desde então. O comércio sofreu uma grande queda em 2015, mas foi quase inteiramente um efeito preço, impulsionado pela queda dos preços das mercadorias e pela revalorização do dólar. Os dados actualizados sugerem que, em 2016, o investimento estrangeiro directo diminuiu, em parte, devido à repressão dos Estados Unidos sobre inversões fiscais. Os dados completos para 2017, ainda não estão disponíveis, mas o estímulo comercial em pessoas e fluxos de informações provavelmente reforçará a ideia de que a globalização permaneceu igual ou aumentou. O que mergulhou de nariz foi o tom do discurso público nos Estados Unidos e em outras economias avançadas. A análise das referências dos meios de comunicação social para o termo globalização nos mais proeminentes jornais e revistas mundiais revela uma acentuada sensação de sensibilidade, com decréscimo das quedas em 2016. O contraste entre os dados que vão do misto ao positivo sobre os fluxos internacionais reais e o balanço negativo no discurso sobre a globalização podem ser fixados, ironicamente, na tendência de até mesmo os executivos experientes, exageradamente preverem a intensidade dos fluxos de negócios internacionais em relação à actividade doméstica, ou seja, acreditam que o mundo é muito mais globalizado do que realmente é. As percepções exageradas sobre a profundidade da globalização, quanto à actividade, são internacionais versus doméstica e têm um custo. As sondagens revelam que os entrevistados que exageraram acerca das previsões acerca da intensidade da globalização, foram mais propensos a acreditar em declarações erróneas sobre estratégias de negócios internacionais e políticas públicas. Quando os empresários pensam que o mundo é mais globalizado do que realmente é, tendem a subestimar a necessidade de entender e responder às diferenças entre os países, quando operam no exterior e na esfera das políticas públicas, e os líderes políticos tendem a subestimar os ganhos potenciais da globalização e a super-estimarem as consequências nocivas para a sociedade. As pesquisas sugerem que as pessoas também subestimam a amplitude da globalização, ou seja, até que ponto a actividade internacional é distribuída globalmente e não focada de forma restrita. Um inquérito realizado aos leitores do “Washington Post”, revelou que 62 por cento dos inquiridos concordaram que o livro mais lido de Thomas Friedman era “The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-first Century”, que menciona que as empresas actuam em um campo de jogo global, habilitado para a rede mundial de computadores, que permite colaboração em pesquisa e trabalho em tempo real, sem importar a geografia, distância ou, no futuro próximo, até mesmo a linguagem. Todavia, os dados mostram que a actividade internacional real continua a ser amortecida fortemente por todos esses factores, e para contrariar as ideias contraditórias sobre as questões globais, devem ser consideradas duas leis que regem, respectivamente, a profundidade e amplitude da globalização que são a lei da semi-globalização, que é a actividade comercial internacional, que embora significativa, é muito menos intensa do que a actividade doméstica, e a lei da distância que determina que as interacções internacionais são atenuadas pela distância ao longo de dimensões culturais, administrativas, geográficas e, muitas vezes, económicas. Tais princípios podem ser muito úteis para a elaboração de estratégias futuras. É de considerar que dados os fortes sentimentos proteccionistas e possivelmente até uma guerra comercial, continuarão a ser válidos. A melhor forma de os testar será no momento, e apesar do tempo, as políticas da administração Trump e de outros governos ainda não são claras, e estudar o que aconteceu pela última vez que uma grande guerra comercial explodiu, que foi na década de 1930, e o que levou à maior regressão da história da globalização. Existem duas leituras fundamentais, correspondentes às duas leis da globalização. A primeira lição é de que, embora o comércio tenha regredido precipitadamente na década de 1930, não deixou de existir. O colapso que começou em 1929 foi surpreendente, e no início de 1933, os fluxos comerciais caíram dois terços. A queda no valor reflectiu uma queda mais nos preços do que nas quantidades, que diminuíram em menos de 30 por cento. Mesmo na sequência do colapso, os volumes de comércio continuaram a ser muito grandes para ignorar os estrategas de negócios. A segunda lição é de que a distância de vários tipos continuou a atenuar a actividade comercial internacional. A relação entre os fluxos comerciais e a distância geográfica mal se moveu, de 1928 a 1935. Os efeitos benéficos de uma língua comum e os laços coloniais permaneceram poderosos, pois conjuntos de países com esses laços continuaram a negociar cerca de cinco vezes mais entre si, comparados com conjuntos de países sem tais laços. O resultado líquido foi de que os parceiros comerciais com os quais os países (ou grupos de países) fizeram a maior parte dos seus negócios, antes do incidente continuaram posteriormente, em grande parte inalterados. Quanto ao futuro e se o comércio global não estagnou na década de 1930, é razoavelmente seguro afirmar que também não acontecerá na década de 2020. As análises da possibilidade de uma guerra comercial durante a administração Trump, poderia parecer sugerir declínios muito menores no comércio dos que ocorreram na década de 1930. A “Moody’s Analytics” estima que, se os Estados Unidos impusessem tarifas à China e México, e esses dois países retaliassem, esse e outros factores fariam contrair as exportações dos Estados Unidos em oitenta e cinco mil milhões de dólares em 2019, o que representa apenas cerca de 4 por cento do total de exportações dos Estados Unidos em 2015. É claro que uma guerra comercial mais ampla teria um efeito mais significativo, mas é muito improvável que as consequências sejam tão terríveis como na década de 1930. Da mesma forma, se a amplitude do comércio não mudou muito, apesar da drástica queda durante a “Grande Depressão”, provavelmente, não mudaria muito no caso de uma guerra comercial actual. Vale a pena acrescentar que, com muitos outros países independentes, além de cadeias de abastecimento mais fragmentadas verticalmente, os efeitos estimados da distância geográfica no comércio de mercadorias são realmente maiores do que na década de 1930. Quanto à questão de onde competir, é de observar, se é improvável que as interacções transfronteiriças desapareçam, qual o argumento para a retirada das multinacionais? O recuo das empresas globais, que provocou uma discussão significativa, apontou para os problemas de desempenho que experimentaram, mas os declínios nos últimos três a quatro anos ocorreram em um ambiente de preços de mercadorias, diminuição da procura por serviços relacionados à globalização e, para as empresas dos Estados Unidos, mudanças nas taxas de câmbio, factores que cumpriram claramente papéis exagerados. E as quedas a longo prazo na última década coincide com um período em que a globalização realmente diminuiu. Os problemas de desempenho fraco durante este período deveriam forçar à reconsideração da multinacionalização, que seria como argumentar que Singapura, o país mais conectado do mundo, de acordo com o DHL, deve afastar-se da globalização devido aos problemas de crescimento que observou desde a crise financeira. O último relatório oficial acerca do futuro da economia de Singapura rejeita essa noção, dizendo que a globalização através do comércio, capital e fluxos de conhecimento ainda é o futuro no que diz respeito à cidade-estado. E, mesmo em países muito menos dependentes das exportações do que Singapura, um retrocesso maciço da globalização seria contraproducente. Mesmo quando as condições económicas são favoráveis e a globalização está a avançar rapidamente, como aconteceu há várias décadas atrás, as multinacionais podem enfrentar problemas de execução. Os estudos, observaram que, entre 1990 e 2001, as empresas da “Fortune Global 500”, apresentaram consistentemente menores rendimentos médios nas vendas para suas as operações no exterior do que para as suas empresas domésticas. Dadas as dificuldades provocadas pela lei da distância, a multinacionalização sempre foi uma opção, não um imperativo. Algumas empresas e indústrias, claramente sobreviveram, especialmente nos anos anteriores à crise financeira. O que falta em grande parte do debate actual é a noção de contingência, ou seja, uma abordagem caso a caso, em que um movimento relacionado à globalização é avaliado pelos seus próprios méritos, em vez de ser submetido a algum limiar sobre se deve avançar e globalizar ou voltar para casa. Assim, muitas empresas multinacionais precisam de renovar a atenção para onde competem, ou seja, para a selecção do mercado e devem também, resistir à ideia de que uma empresa verdadeiramente global deve competir em todos os principais mercados. É de ponderar que cerca de 64 por cento dos entrevistados de um estudo da Universidade de Harvard, realizado em 2017, concordaram com esta (não) dictum, porém, uma análise dos dados financeiros internos de dezasseis multinacionais, indicou que oito tinham grandes unidades geográficas que destruíram a sua valia, depois dos seus custos de financiamento serem tomados em conta. Tais problemas ainda persistem. A Toyota, por exemplo, parece ser a única concorrente importante no sector automobilístico, altamente globalizada, que conseguiu aumentar a participação de mercado significativa no Japão, América do Norte, Europa e nas principais economias emergentes, ainda que seja altamente rentável. A maioria das grandes fabricantes de automóveis, em contrapartida, seria melhor servida seguindo o exemplo da General Motors (GM), proprietária das marcas Vauxhall e Opel, e da francesa PSA Group, fabricante dos carros Peugeot, Citroen e DS, que tinham uma série de iniciativas estratégicas com o objectivo de aumentar a rentabilidade e a eficiência operacional, incluindo uma potencial aquisição da Opel, cuja operação europeia era deficitária. A PSA Group discutia então a compra das operações europeias da GM, tornando-se a segunda maior da região e permitindo que a GM se concentrasse na América do Norte e na China. Os dados recentes sobre empresas classificadas entre as cem melhores com a maioria dos activos localizados fora dos seus países de origem revelam uma história semelhante. Enquanto essas empresas tendem a operar em dezenas de países, os seus quatro principais mercados, incluindo o mercado doméstico, representam cerca de 60 por cento das suas receitas e provavelmente uma fatia maior de lucros totais, e apenas uma percentagem de um dígito da “Fortune Global 500” que representa as maiores empresas do mundo por receitas, ganham pelo menos 20 por cento das mesmas em cada uma das regiões da tríade da América do Norte, Europa e Ásia-Pacífico. Ao classificar os mercados para se concentrar, é importante notar que a lei da distância se aplica ao investimento directo estrangeiro, bem como ao comércio. Embora o IDE seja menos sensível à distância geográfica do que o comércio é de estimar que o efeito de uma linguagem comum e uma ligação colonizado – colonizador e o IDE, seja mais sensível às diferenças no rendimento per capita. Assim, como as empresas pesam as suas opções, devem procurar oportunidades onde possam encontrar afinidades culturais, administrativas, políticas, geográficas e económicas. Tal ressoa ainda mais fortemente, pois é de recordar que as relações com os países se tornaram ainda mais importantes durante a década de 1930. À medida que o ambiente político muda, os líderes empresariais precisam de manter um olhar cuidadoso sobre como os seus países de origem estão a realinhar os seus laços internacionais e a engajarem-se na sua diplomacia corporativa. É de lembrar também de que operar apenas domesticamente é uma opção. Apenas cerca de 0,1 por cento das empresas mundiais são multinacionais, ainda que a multinacionalização seja altamente distorcida em relação às empresas maiores, isso enfatiza grandemente o seu impacto global. (As suas filiais estrangeiras geram 10 por cento do PIB global, e as multinacionais representam mais de 50 por cento do comércio mundial). Para as empresas com base em grandes economias emergentes, concentrando-se no mercado interno, onde gozam de vantagem doméstica e bem-sucedido crescimento, pode ser uma proposta particularmente atraente. Os líderes empresariais devem resistir à ideia de que uma empresa global deve competir em todos os mercados.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesO ano do cão danado [dropcap]O[/dropcap] novo ano chinês, que começou em Fevereiro, está sob a influência do signo do Cão. Sou cristão e, como tal, não me interesso minimamente por previsões astrológicas. Mas, se atentarmos nos diversos incidentes ocorridos recentemente, podemos facilmente adivinhar que este vai ser um ano turbulento. Em primeiro lugar, o mercado bolsista sofreu uma depressão a nível global em Fevereiro, provocando uma queda no Índex Hang Seng de Hong Kong superior a 3000 pontos. Este desaire foi seguido de uma tragédia. Um acidente com um autocarro provocou 19 vítimas mortais. Em Macau, o Comissariado contra a Corrupção emitiu o relatório da investigação sobre o projecto de construção num terreno situado no Alto de Coloane, onde se refere a possibilidade de ter havido administração imprópria ou, mesmo, ilegalidade respeitante à concessão do terreno. O relatório foi entregue ao Ministério Público, enquanto o público aguarda por mais notícias relativas ao desenrolar do processo. Só uma investigação mais aprofundada poderá revelar a verdade e libertar as pessoas da suspeita de conluio entre representantes do Governo e empresários com interesses na concessão do terreno. Acredito em Deus, creio que a verdade não teme o confronto e estou confiante que o mal nunca prevalece sobre o bem. E também acredito em relações profundas. A corrida às acções e a especulação estabeleceram preços recorde dos títulos a nível mundial. Mas os analistas de mercado não contaram às pessoas toda a verdade e limitaram-se a encorajar os pequenos investidores a apostar na bolsa, provocando-lhes enormes prejuízos. Mas voltando ao acidente em Hong Kong, é absolutamente ridículo verificar que algumas pessoas atribuem as culpas ao movimento “Occupy Central”. Se prestarmos atenção às notícias, compreendemos que esta tragédia não pode ser dissociada da exploração dos trabalhadores numa sociedade capitalista. Os motoristas são tratados com muito pouco respeito. Os requisitos para exercer a profissão não apresentam qualquer exigência. A transportadora só se preocupa com o lucro e negligencia as possíveis consequências de um serviço de má qualidade. Era só uma questão de tempo até acontecer uma fatalidade. Quanto ao projecto de construção no Alto de Coloane, cheguei a encarregar-me da inquirição deste caso quando fui deputado na Assembleia de Legislativa. Nessa altura, os representantes do Governo indiciados alegaram que os documentos da concessão do terreno estavam escritos em português e recusaram-se a responder às minhas perguntas. Durante os últimos anos, muitas pessoas tentaram aprofundar este caso. Acredito que se acabará por provar que as dúvidas que sempre alimentei sobre este assunto tinham razão de ser. Não há fumo sem fogo, mas o preço tem de ser pago por quem ateia o incêndio e não pelos inocentes. 2018 poderá ser o ano em que os “vilões” de Hong Kong e de Macau virão a revelar a sua verdadeira natureza. Nos últimos anos, soube-se que funcionários superiores da China continental foram castigados por corrupção. É uma consequência do alastramento deste problema nos tempos que correm. Sob a liderança do Presidente Xi, desenvolveu-se uma luta cerrada à corrupção e os resultados são promissores. Acredito que após a conclusão dos congressos do CNP e da CCPPC, que terão lugar em Março, e que serão marcados por algumas mudanças individuais, o Governo central terá mais disponibilidade para prestar atenção aos assuntos de Hong Kong e de Macau. Enquanto melhor amigo do Homem, a principal tarefa do cão é guardar o dono e os seus bens. Um cão que abana a cauda a qualquer estranho pode ser muito simpático, mas não convém ao seu dono. Macau precisa de mais do que um cão feroz para defender os interesses do seu povo e impedir que seja roubado pelos corruptos. Quer se trate do Comissariado contra a Corrupção, a comunicação social ou o público em geral, todos têm de cumprir o seu papel e guardar Macau das investidas malignas. No ano do cão, espero que trilhemos a senda do combate à corrupção e lutemos pela manutenção da paz. 2018 poderá ser o ano em que os “vilões” de Hong Kong e de Macau virão a revelar a sua verdadeira natureza.
Leocardo VozesCozidos e mal amados [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] chefe de cozinha português José Avillez foi recentemente agraciado com o “Grand Prix de L’Art de La Cuisine”, uma espécie de Oscar da gastronomia mundial, uma distinção que, à distância que estou e atendendo que estamos aqui a falar de cozinha, me deixa contente, por ele. Está de parabéns, portanto. Assim que o chefe ganhou o prémio, começou a circular pelas redes sociais uma imagem da sua interpretação do Cozido à Portuguesa, que é servido no seu restaurante “Belcanto”, em Lisboa, distinguido também ele com duas estrelas Michelin. O Cozido em questão é composto por duas míseras cenourinhas, uma folha de couve, uma lâmina de nabo e cebola, e debaixo destas duas um pedaço de carne que mal dá para encher a cova de um dente. Tudo regado com o caldo do Cozido e servido com uma folha de hortelã. Caíu logo o Carmo e Trindade (que nem por acaso são ali perto), e o tribunal popular “online” determinou que aquilo “é um insulto”; questionou-se a competência do chefe Avillez, chamou-se de “parvos” aos gajos da Michelin, e enfim, choveram comentários do tipo “na tasca tal come-se melhor e mais barato”, ou “a minha Gertrudes faz um Cozido que se apresente”. Muito bem, e tenho a certeza que o meu filho, que nem sabe acender os bicos do fogão cá de casa, confecionaria também ele um prato muito mais substancial, e nem é isso que está em causa. Contudo, e depois de tentar saber a causa das coisas, descobre-se que o tal Cozido do chefe Avillez faz parte de um menu de degustação. Repito, degustação. Quem for procurar o significado da palavra “degustar” no dicionário, vai encontrar a seguinte definição: “Provar ou tomar o gosto de algo; avaliar pelo paladar o sabor de”. Não seria degustação no caso do Cozido vir servido com chouriços e alheiras inteiras, chispes de porco, um arraial de batatona, couves do tamanho de uma bola de futebol, e tudo regado com vinhaça, como o meu povo gosta. Neste caso o tal menu de degustação “Lisboa” (e recomendo sinceramente uma pesquisa na net) inclui um total de 12 pratos, e custa 300 euros. Não está ao alcance de todas as bolsas, é verdade, mas o chefe Avillez não está ali a enganar ninguém. Ah sim, e os 300 “paus” incluem “couverts”, água e café. É no fundo uma experiência gastronómica, e não um almoço de enfarta-brutos, e a julgar pelas (excelentes) avaliações nos Yelpers e Zomatos desta vida, tem muita qualidade. O povo pode escolher ir entupir as coronárias com o cozido da tal tasca da esquina, ou em alternativa usufruir da arte do melhor cozinheiro do mundo. E quando queremos “o melhor do mundo”, é óbvio que temos que pagar por isso. É de estranhar a alergia que os portugueses têm ao sucesso dos seus compatriotas. Não há bolas de ouro que Cristiano Ronaldo possa ganhar que demova os seus “haters”, e até Salvador Sobral, que no ano passado teve o desplante de ganhar o Festival da Eurovisão, foi quase crucificado por ter proferido a palavra “peido” em determinada circunstância. Eu não quero acreditar que os portugueses são um povo invejoso, ou até mal amado, como sugere o título desta peça. Eu diria antes que é “desconfiado”. Sim, é isso, “o outro pensa que é melhor que eu”, ou “tem a mania que é esperto, mas a mim não me engana ele”. Pode ser que um dia passe, quando começar a ser normal termos os melhores do mundo em várias outras funções. Nunca perco a esperança que isto aconteça um dia. Sou mesmo um optimista inveterado. PS: E parabéns ao chefe Avillez, de quem não tenho procuração passada para defender. É uma questão de justiça, apenas.
Tânia dos Santos VozesPós-parto contemporâneo [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] sexo que leva à procriação, que leva à maternidade e à paternidade, passa por um processo de gestação, parto, e a aturar filhos para sempre. Mas há sempre um início. Início esse que não é quando sabemos que estamos ‘grávidos’. O verdadeiro início vem quando é preciso cuidar de um ser vivo pequenino e totalmente dependente de nós. As nossas prioridades mudam, e a nossa forma de ver o mundo também muda. Não falarei de experiência própria, por isso não me vou armar em especialista no assunto. Mas estive a ler umas coisas e a pensar em outras coisas, e parece que, socialmente e ocidental-mente falando, não é dada muita importância ao período depois do parto. Isto porque depois de uma gravidez, que necessita de imensos cuidados, e de um parto que será doloroso e mais ou menos complicado, o pós-parto é visto como o culminar, e não um início. Já num outro momento referi que a parentalidade não é um mar de rosas tão singelo e simples. No mundo ocidental 50% a 85% das novas mães passam por uma melancolia particular, e 25% caiem muitas vezes em depressão pós-parto. Há muito ainda por perceber acerca destes momentos de definição maternal. Há um artigo clássico em antropologia que analisa vários rituais familiares depois do parto, em contextos culturais distintos. Parece que sabedoria popular destas populações – tida como ‘rudimentar’ – activava certos mecanismos sociais que providenciavam algum tipo de apoio à recente mamã. Cada cultura, cada tradição, é bem certo. Mas descreviam-se mulheres de família ou da comunidade que se mobilizam para apoiar nas coisas mais simples, ou na lida da casa, ou num ou outro mimo, ou a providenciar alguma paz e sossego. No ocidente foram-se perdendo os rituais que pudessem existir. As mães têm direito a uma licença, e os pais, com alguma sorte, têm direito a uns dias, mas rapidamente deixam a mãe e o bebé sozinhos em casa. A globalização e os nossos estilos de vida cada vez mais nómadas tem feito com que a família directa também não esteja tão presente. Num mundo de individualismos parece que existe uma natural tendência para que logo após o nascimento do bebé seja uma altura de maior isolamento e solidão. A psicologia evolutiva explica que no pós-parto, a mãe torna-se num exímio radar aos perigos que possam existir. Ao sentir-se numa posição mais vulnerável, o corpo fica mais alerta a tudo: o sono fica mais leve e a ansiedade é maior. Por isso parece-me bastante natural que a nossa tendência biológica para a protecção e preocupação, combinada com algum isolamento, faça o pós-parto dos períodos mais desafiantes para as recentes mamãs. As soluções para contrariar estas formas de parentalidade não são simples. Mexem com políticas sociais, tradições culturais e com condições de trabalho e de vida. Uma amiga minha, especialista nestas questões perinatais, também me alertou para a imagem da parentalidade que os meios de comunicação social nos tenta vender. Mães e pais perfeitos que para além de proporcionarem o melhor do mundo aos seus filhos, têm o cabelo lavado e parecem fabulosos e radiantes com tudo. Não que queira pintar uma imagem negra e desgraçada da parentalidade, longe de mim de tentar influenciar as mentes com o meu pessimismo inevitável. O objectivo é mostrar que é absolutamente natural que a vida pós-parto seja mais desgraçada do que maravilhosa – com toda a maravilha que a parentalidade garante. Quanto ao cabelo lavado… parece que na Guatemala rural, o tratamento de cuidado pós-parto inclui apoio em banhos ritualizados, massagens no abdómen e até lavar o cabelo! Estas actividades por si só protegem-nos da ansiedade até certo ponto, o apoio percebido é que interessa. Uma apropriação cultural a considerar?