Gatinhos

JORGE Almeida Fernandes relembrou há dias no “Público” que o Hamas nasceu com apoio de Israel para debilitar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) que gozava de simpatia generalizada em grande parte do mundo e era presidida por Yasser Arafat, uma figura cimeira o século XX que morreu envenenado pela Mossad, a polícia secreta de Israel.

De tudo isto eu sabia e até bem mais: que o apoio israelita ao Hamas era de ordem técnica, financeira e diplomática, explicitamente acompanhado pelos EUA e complementado por cumplicidades dentro da NATO e, sobretudo, francesas e britânicas, dados os interesses de Londres e Paris no Médio Oriente e na África.

Assim como não posso ignorar o terrorismo de estado praticado por Israel ao longo dos últimos 75 anos e a expansão de colonatos ilegais e novos colonatos com impunidade garantida por Telaviv.

Quando a ONU definiu a existência de dois estados e decidiu colocar um cordão militar entre eles, Israel, espantosamente, rejeitou esse dispositivo multinacional de separação de forças armadas e Washington nada fez para que a vontade repetidamente reiterada pela comunidade internacional fosse cumprida.

Hoje tomei nota de que o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que já vi referido como “excremento de Beja” e possuidor de uma personalidade semelhante à da perfumada Zita Seabra e à do herói nazi ucraniano Stepan Bandera, acusou por estes dias a extrema-esquerda de “conivência com terroristas”.

No comentário de Ana Sá Lopes, também no “Público”, ontem, o que Moedas parece desejar é que “todos sejamos animais” domésticos. “Antes fôssemos animais: haveria mais empatia, se tivessem sido 3000 gatinhos mortos em Israel e na Palestina e não o número de pessoas de carne e osso dos dois lados.”

Assinala a jornalista que “os termos da discussão pública – mesmo nas mais altas instâncias (da União Europeia), a começar pela presidente da Comissão – são indignos e limitam-se à desumanidade que é a de cada um escolher o seu morto. Isto é barbárie”.

De facto, Ursula von der Leiden, aquela insignificante loiraça que, comprovadamente, vampirizou relatórios técnicos e científicos para subir na vida, alegadamente, por mérito próprio, foi a Israel na sexta-feira, acompanhada da sua alma gêmea Roberta Metsola, presidente o Parlamento Europeu, que a ouviu dizer que os israelitas podiam fazer aos palestinianos o que quisessem, porque a sua Europa os acompanharia cegamente.

Perante esta miséria moral, há quem pense que a senhora Ursula ainda não superou o possível remorso geracional, de terem os seus ascendentes familiares e amigos mais próximos participado no Holocausto.

Talvez o mesmo aconteça com o chanceler Scholz que aparece apaixonado pela ‘blitzkrieg’, mas os EUA, que têm somado alguns desaires na vasta envolvente do Mar Negro e que veem a Turquia, a Arábia Saudita, o Irão, o Egito, a Rússia, a Índia e a China a navegarem em águas circunstancialmente afins, não podem apreciar este belicismo acéfalo, quando muitas movimentações que lhe são hostis juntam forças no Indo-Pacífico.

Biden não teve outro remédio senão mandar o seu aflito secretário de Estado, Anthony Blinken, à zona e andar de governo em governo a aconselhar cabeça fria. De seguida, até precisou de declarar pubicamente:

“A nossa humanidade – o valor que atribuímos à vida humana é o que nos torna quem somos. E é um dos nossos maiores pontos fortes. É por isso que é importante tomar todas as precauções possíveis para evitar ferir civis. Por isso lamentamos a perda de todas as vidas inocentes, de civis de todas as religiões, de todas as nacionalidades, que foram mortos.”

Apenas acredita nesta hipocrisia quem não sabe de Vietnames, Coreias, Cambojas, Iraques, Líbias, etc., mas, quando há interesses maiores em jogo, não há que estranhar esta modalidade seráfica do pragmatismo bem norte-americana.

20 Out 2023

Cooperação Faixa e Rota: Zarpar novamente após 10 anos de Sucesso e Glória

Por Liu Xianfa *

Em 18 de Outubro de 2023, o terceiro Fórum Faixa e Rota para a Cooperação Internacional foi inaugurado em Pequim, com representantes de mais de 140 países e mais de 30 organizações internacionais participando neste grande evento. Na cerimónia de abertura, o presidente chinês, Xi Jinping, analisou a grande jornada de 10 anos da cooperação Faixa e Rota, resumiu as suas realizações e experiência notáveis, e delineou solenemente oito medidas principais para apoiar a cooperação de alta qualidade da Faixa e Rota, dando início a um novo capítulo da cooperação Faixa e Rota na próxima década de ouro.

A cooperação Faixa e Rota é uma sinfonia magnífica de história e realidade.

A Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), enraizada na história, responde a questões levantadas pela realidade. Na história, os nossos antepassados criaram uma Rota da Seda terrestre ligando a Ásia, a Europa e a África, e abriram uma Rota da Seda marítima ligando o Oriente e o Ocidente, iniciando uma nova fase de intercâmbios amigáveis entre os povos e moldando o espírito da Rota da Seda que caracteriza por paz e cooperação, abertura e inclusão, aprendizagem mútua e benefício mútuo. Em 2013, o presidente Xi Jinping revelou a BRI e revigorou as antigas rotas da seda na nova era. Actualmente, o mundo está a passar por grandes mudanças nunca vistas num século. A globalização económica enfrenta contracorrentes e a economia mundial enfrenta o risco de recessão. Cerca de 90% dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas “descarrilaram” e quase um terço dos objectivos estagnou ou até regrediu. A atenção do mundo está focada em Pequim, esperando que a China lidere o caminho. Neste momento crítico, o Presidente Xi Jinping, no seu discurso de abertura, declarou que a China dará oito passos importantes, incluindo a construção de uma rede multidimensional de conectividade rodoviária e de cintura, o apoio a uma economia mundial aberta, a realização de cooperação prática para apoiar uma Faixa e Rota de alta qualidade, promoção do desenvolvimento verde, avanço da inovação científica e tecnológica, apoio ao intercâmbio entre pessoas, promoção da cooperação baseada na integridade do Cinturão e Rota e fortalecimento da construção institucional para a cooperação internacional Faixa e Rota, injectando assim um forte impulso na cooperação Faixa e Rota de alta qualidade e modernização mundial.

A cooperação Cinturão e Rota é uma convergência perfeita de conceitos e práticas.

É excelente tanto em ideias quanto em resultados reais. A BRI está alinhada com o conceito de uma comunidade global de futuro partilhado e foi bem recebida pela comunidade internacional como um bem público e uma plataforma de cooperação, e alcançou resultados sólidos. Mais de 150 países e mais de 30 organizações internacionais assinaram documentos de cooperação Faixa e Rota com a China, estabelecendo mais de 3.000 projectos de cooperação, gerando quase um bilião de dólares americanos em investimentos e registrando conquistas frutíferas na conectividade física, institucional e interpessoal: foi lançado um grande número de projectos emblemáticos e programas “pequenos mas inteligentes”; a cooperação na Rota da Seda da Saúde, na Rota da Seda Verde, na Rota da Seda Digital e na Rota da Seda da Inovação registou progressos constantes; foram criadas mais de 20 plataformas especializadas de cooperação multilateral; os intercâmbios e a conectividade entre pessoas foram aprofundados. Foram estabelecidos importantes princípios orientadores para a cooperação de alta qualidade Faixa e Rota, que incluem o princípio de “planear juntos, construir juntos e beneficiar juntos”, a filosofia da cooperação aberta, verde e limpa, e o objectivo de procurar cooperações de alto-padrão, centrada nas pessoas e sustentável. Todas estas conquistas florescentes compuseram uma sinfonia inspiradora na nova era.

A cooperação Cinturão e Rota beneficia tanto a China como o mundo.

A BRI, proposta pela China, pertence ao mundo inteiro. Sob a orientação da BRI, a China está a abrir ainda mais as suas portas ao mundo, com as suas regiões do interior a transformarem-se de “laterais” em “avançados”, e as regiões costeiras a atingirem novos patamares na sua abertura. O mercado da China tornou-se ainda mais integrado com o mercado global. A BRI injectou um novo impulso na economia global, criou novas oportunidades para o desenvolvimento global e melhorou a capacidade de desenvolvimento e o bem-estar das pessoas das partes interessadas.

As pesquisas mostram que, devido à BRI, o custo do comércio global foi reduzido em 1,8%, o comércio entre os países participantes aumentou entre 2,8% e 9,7%, o comércio global aumentou entre 1,7% e 6,2% e o rendimento global aumentou 0,7 % e 2,9%. Até 2030, os projetos de transportes da BRI poderão ajudar a retirar 7,6 milhões de pessoas da pobreza extrema e 32 milhões de pessoas da pobreza moderada. O secretário-geral da ONU, António Guterres, elogiou o facto de a BRI ter trazido esperança e progresso a milhares de milhões de pessoas no mundo.

Dez anos é apenas o prólogo. Enfrentando mudanças que têm consequências para o mundo, para os nossos tempos e para a história, a BRI, zarpando novamente a partir de um novo ponto histórico, abrirá definitivamente uma nova janela de oportunidade para a China e o mundo com produtos de maior qualidade e desenvolvimento de maior nível, e tornará realidade o desejo das pessoas por uma vida feliz em um ritmo mais rápido.

* Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau.

19 Out 2023

A que aspiram os americanos?

O antigo Presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o actual Presidente Joe Biden anunciaram que se vão candidatar à corrida presidencial de 2024. Segundo as últimas notícias, muitos estados ainda não decidiram qual o candidato que vão apoiar, sendo a Pensilvânia um deles. Sondagens recentes mostravam que a taxa de aprovação de Trump neste estado era 9% superior à de Biden.

A diferença entre Trump e Biden é o primeiro estar envolvido em vários processos judiciais. Trump foi processado por evasão fiscal e por falsificação de documentos relacionados com os seus negócios. Embora o resultado destes processos seja imprevisível, a sua existência terá impacto nas eleições presidenciais. O julgamento terá início no próximo mês. Existe, portanto, a possibilidade de Trump ser eleito Presidente antes de se saber o desfecho do julgamento. Uma vez que o Presidente dos Estados Unidos goza de imunidade judicial durante o seu mandato, o processo será suspenso por quatro anos. Adiar um julgamento não é do interesse de nenhuma das partes. Para já, o resultado é desconhecido, mas mais cedo ou mais tarde será revelado.

A honestidade é muito importante. Certa vez, académicos americanos da área de gestão fizeram um estudo sobre valores universais. Os resultados experimentais provam que, independentemente da classe social dos inquiridos, todos defendiam que a honestidade, a equidade e a justiça são princípios basilares.

A honestidade também é fundamental na vida quotidiana. Pelo contrário, a desonestidade dificulta a interacção das pessoas umas com as outras e faz com que tenham medo de ser enganadas. A honestidade é extremamente importante para alguns profissionais, especialmente contabilistas, advogados, analistas financeiros, etc. Se estes profissionais forem desonestos e cometerem crimes como fraude, falsificação de contabilidade etc., quando forem condenados em tribunal, deixam de poder exercer.

Crimes como evasão fiscal e falsificação de documentos revelam desonestidade e a experiência diz-nos que têm impacto nas eleições. No entanto, os resultados das sondagens na Pensilvânia são inesperados. Os eleitores deste estado não parecem ter ficado impressionados com o envolvimento de Trump em processos judiciais e continuam a apoiá-lo. Quer isto dizer que os valores universais dos americanos estão a mudar?

A honestidade é um valor da moral universal. A moralidade é um padrão pessoal de comportamento. Através da educação, ajudamos as pessoas a entender a forma de se comportarem. A ética empresarial é o padrão de comportamento nos negócios. Nos anos 1960, os Estados Unidos começaram a estudar a ética empresarial e mais tarde organizaram os dados da pesquisa e criaram uma disciplina independente. Quando as Universidades leccionam estas matérias, ensinam os alunos a serem honestos e a conduzirem as suas empresas de forma a terem consciência da ética empresarial. Posteriormente, a ética empresarial tornou-se também objecto de investigação académica. Tudo isto ilustra a importância da moralidade.

Trump esteve também envolvido em escândalos sexuais, que, no entanto, não tiveram grandes consequências. Por outro lado, o caso extra-conjugal do ex-Presidente Clinton causou um alvoroço nos Estados Unidos à época, chegando a haver quem pedisse a sua demissão. Comparando as exigências morais dos americanos naquela época com as de hoje, voltamos a perguntar, estarão os valores morais dos americanos a mudar?

Quando o julgamento dos casos de evasão fiscal e de falsificação de documentos chegar ao fim, os americanos vão ficar a saber se Trump é ou não desonesto. Este assunto preocupa-os e nós não vamos tirar ilações. O que preocupa a comunidade internacional é saber se os valores universais dos americanos estão a mudar e que qualidades querem ver no próximo Presidente. Afinal de contas, a comunidade internacional quer ter líderes íntegros com bons valores morais. Quando os jornalistas interrogaram o ex-Presidente Obama sobre escutas que os Estados Unidos fariam a líderes de outros países, ele respondeu frontalmente e disse que são coisas que acontecem em todo o lado. Esta resposta pôs fim a uma turbulência política. Por aqui se vê que a honestidade também pode ser uma boa habilidade política, desde que seja usada correctamente.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politéncico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

17 Out 2023

Carta de Agradecimento

(Imagem de Edgar Martins)

10 de outubro de 2023

A todos:

Escrevo esta carta com o coração pleno de reconhecimento e gratidão.

Chamo-me Angélico Sousa e fui vítima de um grave acidente de trânsito ocorrido no Túnel Gongbei, em Zhuhai, no dia 25 de Setembro de 2023.

Deste trágico acidente resultou a perda do meu amado filho, Noel Tomás Wang de Sousa.

Após o acidente, tive o privilégio de ser atendido pela equipe dedicada de médicos e enfermeiros do Hospital Integrado de Medicina Tradicional Chinesa e Ocidental de Zhuhai; o seu profissionalismo, cuidado e dedicação permitiram-me iniciar o processo de recuperação física, mesmo enquanto lidava com a mais extrema dor emocional.

Este acidente captou a atenção de muitos em Macau e, por esse motivo, sinto que devo vir por este meio expressar o meu profundo reconhecimento a todos.

Em especial, quero agradecer ao Gabinete para os Assuntos de Taiwan, Hong Kong e Macau, ao Departamento Municipal de Segurança Pública de Zhuhai, ao Destacamento da Polícia Rodoviária Hong Kong-Zhuhai-Macau, à Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, aos Serviços de Rodovia de Zhuhai, à Brigada Portuária de Zhuhai, à Melco Resorts & Entertainment Ltd. de Macau, à Fundação da Santa Casa da Misericórdia de Macau, à União Geral das Associações dos Moradores de Macau, ao Consulado Geral de Portugal em Macau e Cantão e, bem assim, a vários dos meus antigos amigos da TDM.

A sua assistência, preocupação e apoio durante este período difícil têm sido inestimáveis para mim.

A bondade de todos vós deu-me força e deu-me esperança.

Com profunda gratidão,

Angélico Sousa

17 Out 2023

A guerra do orçamento de Estado

Portugal, e o mundo, passou os dias da semana passada a assistir assustadoramente à invasão do Hamas a território israelita e aos bombardeamentos de Israel à Faixa de Gaza, conflito que certamente irá durar muitas semanas. Entretanto, o ministro das Finanças, Fernando Medina, veio anunciar as principais medidas do Orçamento do Estado para 2024. Uma verdadeira panóplia de divergências. Que estranho é para o observador independente que o Orçamento do Estado tenha merecido a crítica atroz de todos os partidos políticas da extrema direita à extrema esquerda, excepto obviamente do Partido Socialista.

A estranheza deve-se apenas à dúvida latente se um Orçamento do Estado não tem nada de positivo para bem do povo. Naturalmente que tem. Os partidos políticos que fazem oposição à maioria absoluta socialista não sabem minimamente esclarecer os potenciais seus militantes. Só dizer mal, por vezes, paga-se muito caro e não será por acaso que nas últimas sondagens, o PSD tem o pior resultado da sua história na tendência de voto dos potenciais eleitores.

O Orçamento do Estado tem efectivamente, dentro dos limites que é possível, muitos benefícios para a população, designadamente para os sectores críticos da Saúde, Educação e Habitação. Aumenta os salários dos funcionários públicos, mantém o apoio ao pagamento das rendas de casa das famílias que se encontram em dificuldade e apresenta uma série de medidas estruturais que vários economistas e empreendedores já aplaudiram.

Não se pode pegar na crítica por dá cá aquela palha e anunciar em alta voz, em certos casos, com laivos de histeria, que o orçamento é uma decepção, sem pensar calmamente que todo um processo de enquadramento financeiro para um orçamento estatal deriva das possibilidades que a União Europeia concede. O Governo mexeu em termos positivos no IRS para jovens, o que levará muitos deles a não abandonar o país.

Apresenta um plano, pela primeira vez, para a construção de centenas de habitações para jovens e não só. Um qualquer governo merece crítica acérrima quando entra na asneira ou na incompetência. Ora, um Orçamento do Estado é um documento que leva meses a executar com a maior dificuldade no acordo entre Ministérios. O primeiro-ministro António Costa salientou que é o Orçamento do Estado possível. A única coisa de que pode ser criticado é que dá com uma mão mas retira com a outra.

No Orçamento do Estado para 2024 naturalmente que nem tudo são rosas. Veremos: o Estado vai cobrar em impostos 167 milhões de euros por dia. Segundo o PSD os impostos vão subir de 24,9 para 25, 2% do PIB. 60 mil milhões de euros é o valor a ser cobrado em 2024; Pobrezinhos mas, cada vez, menos caloteiros. A dívida pública, em 2024, vai ficar nos 98,9% do PIB. Vamos pagar menos pelo custo do dinheiro. Se em 2024 tivéssemos a mesma dívida de 2015 cada português teria de pagar em 2024, 230 euros. Afinal, os críticos terão de meter algo dentro do saco porque relativamente aos funcionários públicos é claro que haverá um benefício significativo: os funcionários públicos vão ser aumentados entre 3% e 6,8%. Têm direito a 715 milhões de euros no próximo ano.

O problema que mais tem dado que falar é o que referimos anteriormente em que os críticos do Governo acusam que o orçamento dá com uma mão e tira com a outra devido aos impostos indirectos. São aqueles impostos, quase invisíveis. As taxas nos produtos dos supermercados, na gasolina, no tabaco, no IUC dos carros e aqui é que torcemos o nariz porque o aumento é de 8,9%. Se o povo quer poupar terá de ir menos ao supermercado, terá de andar menos de carro, terá de deixar de fumar e beber menos.

Vejam só os números dos aumentos: IVA cresce 7,9 %, o imposto nos produtos petrolíferos sobe 13,4%, o tabaco tem um aumento de 14%, o álcool vai subir 17, 4%. E finalmente o IUC dos carros anteriores a 2007 terá uma subida de 21%, o que leva as pessoas a pensar que a intenção é acabar com os carros com mais anos e que o povinho compre um carro novo. Como é isso possível, se quem tem um carro comprado antes de 2007 mal tem dinheiro para o manter?

Por outro lado, o investimento público cresce 24,2%. Sendo assim, vamos esperar que os serviços estatais comecem a servir o público com o mínimo de dignidade, sem longas esperas, sem não atenderem os telefones e sem abordarem o público com sete pedras na mão. E acima de tudo, esperemos que a Polícia Judiciária deixe de responder a uma queixa-crime que um cidadão apresente, só ao fim de dois ou três anos, porque a PJ é quem mais vai receber, nada mais que 282 milhões de euros.

Quanto ao problema dos professores podem esperar sentados no que respeita aos seis anos, seis meses e 23 dias que pretendem receber. Em 2024, os professores que sejam colocados em Lisboa ou Algarve e a sua residência fique a mais de 70 quilómetros podem candidatar-se a um subsídio de habitação. E vivó velho. Muitos professores deveriam pensar bem se não valeria a pena irem leccionar para Macau, que está com dificuldades de docentes na Escola Portuguesa, devido à falta de residência, mas que pensamos ser uma obrigação da Fundação da Escola Portuguesa arranjar casas para professores.

Enfim, foi uma semana em que as televisões misturaram Orçamento do Estado com massacres e invasões no Médio Oriente, quando a verdadeira guerra esteve em Portugal entre a classe política. Tristemente.

16 Out 2023

Pela espada matas, pela espada morrerás

O título deste artigo foi tirado de Mateus 26:52-54, que cita Jesus quando ele se dirigiu a Pedro que, revoltado com a prisão do Messias, empunhava na mão uma espada. Jesus compreendia que fazer justiça pelas próprias mãos não resolvia os problemas e desejava ser julgado de acordo com a Lei, mesmo que o julgamento não fosse justo, porque queria que o mundo soubesse que o sangue de um inocente nunca é derramado em vão. Os factos provam que Jesus, que foi crucificado, foi o verdadeiro vencedor.

O Império Romano há muito que não existe, mas a Igreja fundada por Cristo permanece firme nestes tempos conturbados e passou a ser a consciência moral da sociedade.

Os cristãos de Macau que tenham feito uma peregrinação à Terra Santa ou que tenham estado ema Jerusalém, terão compreendido o problema que se arrasta desde há muito tempo entre judeus e palestinianos. Mas para resolver este conflito com 2.000 anos, não se pode depender apenas da força.

Em 1993, foi assinada na presença do Primeiro-Ministro israelita Yitzhak Rabin, do líder da OLP, Yasser Arafat e do Presidente dos EUA, Bill Clinton, a Declaração de Princípios sobre a Autonomia Provisória da Palestina, conhecida como “Acordo de Oslo”.
Esperava-se que este acordo viesse a resolver as relações desde há muito hostis entre os dois lados. É uma pena que o tiroteio ocorrido numa Praça central de Telavive, a 4 de Novembro de 1995, tenha não só tirado a vida a Yitzhak Rabin, um homem de paz, como também tenha mantido aceso o conflito sangrento entre Israel e a Palestina até aos nossos dias.

Da mesma forma, o assassinato de Song Jiaoren, na estação de Caminhos de Ferro de Xangai a 20 de Março de 1913, estilhaçou o sonho democrático da China. Song Jiaoren morreu dois dias depois de ser atingido, sem ainda ter completado 31 anos de idade, e a China ficou mergulhada num longo período de turbulência.

Se a violência política pudesse resolver problemas, hoje em dia a China ainda seria governada pela família de Yuan Shikai. Quando o Hamas lançou um ataque surpresa contra Israel, no passado dia 7 de Outubro, o resultado já estava à vista. Quem pela espada mata, pela espada morrerá. A questão é saber quantos inocentes perderão a vida?

A humanidade esquece-se sempre das lições da História e do sofrimento causado pelas guerras. Reparei que a cada 80 anos é travada uma guerra evitável, sempre porque alguém toma uma má decisão na altura errada, trazendo consigo tristeza e dor que jamais serão apagadas. Por exemplo, em 1860, as forças britânicas e francesas aliadas tomaram Pequim e queimaram o Antigo Palácio de Verão, causando danos irreparáveis a relíquias culturais da China. Durante a Guerra Civil Americana em 1861, morreram muitos soldados.

Cerca de 80 anos mais tarde, a II Guerra Mundial chegava ao fim, deixando um rasto de destruição de bens e de vidas humanas astronómico. Se todos os problemas pudessem ser resolvidos pela força, Alexandre, o Grande e Genghis Khan teriam sido únicos líderes do mundo.

A desintegração sempre traz à tona dores e tristezas e a paz e harmonia é o que todos desejam. Para lidar com eficácia com o actual problema da desintegração, devemos seguir o “modelo vietnamita” ou o “modelo alemão”? Afinal de contas, a força é apenas uma moeda de troca nas negociações políticas e as questões políticas têm de ser resolvidas por meios políticos.

13 Out 2023

Ciber segurança

Recentemente, as questões de ciber segurança estiverem em foco em Hong Kong. Há pouco tempo, a empresa Cyberport foi atacada e os seus dados foram roubados, para os recuperar a Cyberport teria de pagar 300.000 US dólares. ´Também o sistema informático do Hong Kong Consumer Council foi vítima de um ataque. Desta vez, os piratas informáticos exigiram um pagamento de 500.000 US dólares para repor os ficheiros. Ambas as organizações declararam que não vão pagar as quantias exigidas.

Em ambos os casos, os piratas informáticos usaram a Internet para atacar os sistemas informáticos, roubar os dados e exigir os pagamentos. A opção de não lhes pagar é correcta, porque se e pagar uma vez abre-se as portas a uma chantagem que não vai ter fim. Alguns peritos informáticos salientaram que, certa vez, uma empresa pagou para recuperar os seus ficheiros. No mês seguinte, sofreu 28 ataques. Por aqui se pode ver que pagar aos chantagistas só dá azo a que a chantagem não pare.

A questão-chave é apostar na segurança de forma a impedir os ataques. Nos dois casos acima mencionados, nos ficheiros roubados existiam dados de antigos clientes e de antigos empregados. Quando é que estes dados vão ser necessários? Por exemplo, um antigo cliente pode ter de apresentar documentos a repartições governamentais com o seu historial para provar a sua situação financeira. Quando um antigo empregado é contratado por outra organização, pode ter de fazer prova das suas actividades anteriores. Ou seja, as organizações têm de armazenar todos os dados porque podem ser necessários no futuro. Será que se pode considerar armazenar este tipo de dados num sistema de intranet a que não se possa aceder através da Internet? A intranet não está ligada ao mundo exterior, e os piratas informáticos não têm forma de penetrar neste sistema, pelo que os dados ficam em segurança. Além disso, será que certos dados podem ser apagados após um determinado período de tempo? Por exemplo, após sete anos. Se não houver dados, o interesse no roubo desaparece.

O caso dos Bancos é diferente, porque a sua actividade depende da transacção de dados. Após a conclusão da transação, os dados têm imediatamente de ser actualizados, caso contrário, as consequências da perda de informação serão muito sérias. Os actuais sistemas informáticos guardam automaticamente uma cópia no computador? Se o sistema for atacado, haverá assim uma cópia de segurança e nem todos os dados serão perdidos. Simultaneamente, as empresas ainda podem criar um terceiro sistema informático para ser usado apenas em situações de emergência. Com este sistema em triplicado, mesmo que haja intromissão, os prejuízos serão minimizados.

A Lei de Protecção de Dados Pessoais de Singapura estipula que as empresas devem apostar em fortes sistemas de segurança, caso contrário, terão de pagar uma multa equivalente a um ano de rendimentos. A lei é simples, mas o que é complicado é atingir os níveis de segurança pretendidos. Quanto mais complexo for o sistema informático, maior terá de ser o investimento em segurança. Esta lei, também fornece indicações sobre a implementação das medidas de segurança conforme o sistema informático em vigor em cada empresa. Depois de terem ocorridos os dois incidentes anteriormente referidos, haverá necessidade de alterar a Lei da Privacidade de Dados Pessoais de Hong Kong e de optar por uma abordagem semelhante à de Singapura para garantir mais protecção às empresas e organizações?

Algumas pessoas podem perguntar, por que não aumentar as penas para os crimes informáticos? Existe apenas uma razão. O facto de os piratas informáticos e de as vítimas estarem na maior parte das vezes em países, ou regiões, diferentes torna muito difícil levar os infractores a comparecerem perante a justiça. Por conseguinte, endurecer as penas terá muito pouco efeito no combate ao crime informático internacional.

A nível individual também é necessário prestar muita atenção à segurança informática. Além de instalar software antivírus, também precisamos de actualizar os nossos computadores pessoais de tempos a tempos. O alvo dos piratas informáticos são os dados e os dados são armazenados no disco rígido do computador. Se o disco rígido não armazenar dados, mesmo que seja atacado, só precisamos de voltar a formatá-lo e o problema está resolvido. Por conseguinte, armazenar os dados num disco externo, que só ligamos ao computador em caso de necessidade, reduz largamente a possibilidades de ataques via Internet.

Em Macau, não tem havido notícias de ataques informáticos. Para estarmos preparados para o pior, devemos primeiro instalar o software antivírus no computador, actualizar o sistema informático, apagar dados antigos, fazer cópias de segurança, estar sempre atentos e encarar a hipótese de aumentar as medidas de segurança para prevenir ataques internacionais ilimitados.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politéncico de Macau
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Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

10 Out 2023

Estrangeiros na tropa é uma aberração

Não sei que ideias mais absurdas podem aparecer na esfera política deste país. No âmbito das Forças Armadas, ao nível dos quadros superiores reina a revolta com a ideia que tem sido gerada de aceitar nas Forças Armadas cidadãos estrangeiros – atribuindo-lhes, em troca do serviço, cidadania, e ultrapassando assim a necessidade de haver revisão constitucional, porque a nossa Constituição é peremptória: só cidadãos portugueses podem integrar as Forças Armadas.

Toda esta ideia absurda deve-se à diminuição gradual de jovens interessados em integrar as Forças Armadas. Porquê? Porque precisamente o Ministério da Defesa não modifica a actual situação miserável dos militares que obtém um salário baixo e não têm condições sociais para manter a família.

A ideia absurda tem ganho força na bancada parlamentar do PS com o presidente da Comissão de Defesa, Marcos Perestrelo, a mostrar-se favorável ao ingresso de estrangeiros sem sequer colocar o domínio do português como dever necessário. Por outro lado, o major-general Vieira Borges concorda com a ideia desde que apenas fosse restrita a cidadãos da CPLP.

Por seu turno, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa já se mostrou mais favorável à ideia, mas tem vindo a regredir a sua posição, parecendo agora aproximar-se da ministra da Defesa, que é cautelosa quanto à solução. Naturalmente que a ministra tem de ser cautelosa, porque para sermos sérios, o que aconteceria era darmos a cidadania portuguesa a mercenários. Um outro socialista, Pedro Pinto, nem lhe interessa a origem dos mercenários, apenas o domínio da língua portuguesa.

Marcos Perestrelo, por exemplo, não concretiza em que moldes se daria a obtenção de cidadania, alegando que é preciso reflectir. Sem se comprometer com uma ideia concreta, ressalva que no processo de obtenção da nacionalidade, a questão da língua é relevante, mas ainda assim refere-se-lhe como uma barreira ultrapassável. Para Perestrelo, a atribuição de cidadania a estrangeiros que quiserem integrar as Forças Armadas portuguesas seria, em abstracto, a melhor solução – escusando-se assim a uma revisão constitucional e ao apoio do maior partido da oposição, o PSD.

O major-general Vieira Borges propõe que, no âmbito da CPLP, se abra um regime especial para aqueles que queiram ingressar nas Forças Armadas. Os pretendentes devem estar, segundo este militar, pelo menos, um ano em Portugal – que lhes garantirá a dupla cidadania – e depois cumpridos todos os requisitos ordinários para entrar nas Forças Armadas (nomeadamente habilitações literárias), poderão tentar alistar-se. A proposta de Vieira Borges é mais conservadora do que as ideias de Perestrelo ou Sousa Pinto. E por que razão especificamente um ano? O militar afirmou que seria o mínimo para alguém perceber o país. Mas, estará à espera que uns fulanos que vêm enfiar-se nas Forças Armadas apenas porque precisam de dinheiro, autênticos mercenários, estejam muito interessados a gastar tempo em “perceber” o país? Há cada lírico.

Desde que cumprimos o serviço militar que conhecemos muitos militares e militares na reserva e contactámos alguns. Todos foram unânimes em discordar da ideia de contratar estrangeiros. Um deles, mostrou-me um jornal com declarações do capitão de Abril, Vasco Lourenço. Lourenço não tem papas na língua afirmando: “Acho uma aberração só própria das mentes que não têm a mínima ideia do que é a instituição militar em Portugal”.

E acrescenta: “Um indivíduo que venha para o serviço militar de um país a que não pertence é um mercenário, não posso chamar outra coisa”. Lourenço ressalva não ter problemas em que portugueses nacionalizados se alistem no Exército, mas observa que esta cidadania não deve poder ser adquirida de um dia para o outro”. Questionado sobre o argumento da lusofonia, Lourenço é determinante: “No grupo Wagner também devem falar várias línguas. Não brinquem comigo, ou são portugueses ou são mercenários. Uma coisa são Forças Armadas, outra são forças com armas”, considerou.

Por fim, o presidente da Associação 25 de Abril rematou: “Criem condições para que as Forças Armadas se sintam prestigiadas e que, quando saem do país, fiquem com as costas familiares protegidas. Façam isso e as Forças Armadas podem voltar a ter mais efectivos do que os necessários”.

Estamos perante uma ideia, verdadeiramente absurda e que deve ser rejeitada por todos os portugueses. Portugal não precisa de mercenários. O único factor que realmente mobilizará os jovens a ingressar no Exército, Marinha ou Força Aérea é a mudança de paradigma que se tem de registar nas condições remuneratórias dos militares e acabar com os quartéis onde as camaratas, casas de banho e a generalidade das instalações nem para porcos serviriam.

9 Out 2023

O poder do erótico

O erótico abraça o prazer, essa capacidade fisiológica que tanto minimizamos. Não sabemos dar espaço ao prazer nas nossas vidas. Muitas autoras negras norte-americanas têm vindo a alertar para esta incapacidade que precisa de se transformar em empoderamento. Desde os anos 70, Audre Lorde, e nos últimos anos, adrienee maree brown, defendem uma ideia muito simples. As ideias mais simples são as mais revolucionárias: o erótico é poder. Quem pratica o erótico pratica pleasure activism. Não se trata de um ativismo pelo orgasmo, apesar de esse ainda ser muito relevante. O erótico como arma política implica entender os obstáculos ao prazer, e reconstituir o acesso ao erótico e ao sensual, de forma genuinamente inteira.

No prazer cabe a re-invenção. O erótico oferece o contacto com o centro de si, alinhar a sensação de cabeça aos pés com a terra que habitamos, unir-se com a capacidade infinita de se ser e gozar. Essa capacidade que nos dizem difícil, porque é devassa, pecaminosa ou inconcebível, é uma arma política quando praticada, de tão negada que é. O erótico é a forma utópica de viver o presente. A sensação do corpo que nos segue, mas que pode comandar, é descurada em prol de formas tortuosas. A culpa, a repreensão, ou o medo sobrepõem-se ao estar-com que se quer simples e descomplicado.

O erótico não pode ser minimizado ao orgasmo, ou à pornografia. Audre Lorde, no seu ensaio sobre o poder do erótico, defende reclamar o erótico na forma inteira de sentir. Avança ainda que não deve ser confundida com a pornografia, porque esta, na verdade, revela-se o oposto do erótico.

A pornografia tem um guião, um desenlace planeado. O erótico exige o deixar sentir, deixar-se ir. Descobrir, em contacto, a vontade de se concretizar em pleno. Tal como o orgasmo, este pode ser mecanizado e performado, ou pode ser genuíno, naturalizado, improvisado. Ter um orgasmo antes do trabalho, antes de uma tarefa aborrecida, antes de um trabalho criativo, é o que muitas ativistas pelo prazer defendem. Abrir as portas do erótico através do orgasmo é provavelmente o caminho mais rápido de entrar, mas não fica por aí.

Como um mergulho pela riqueza da interioridade, o erótico e a sensualidade dão sentido e integram a complexidade humana. Na conceptualização de Audre Lorde, a função do erótico é interligar paradoxos e polaridades, os que dicotomizam espiritualidade da política, ou a arte da ciência. No erótico há um encontro que também se estende ao encontro com o outro, no desabrochar de sensações que se multiplicam. Assim se materializa a filosofia Ubuntu. Eu existo porque nós existimos. Limites que se desvanecem momentaneamente.

E claro, uma outra função do erótico que a autora defende, é a capacidade de encontrar ainda mais alegria e mais paixão na forma de existência. Na forma como o corpo ressoa as coisas belas da vida. Admirar arte, ouvir música, dançar ou fazer amor. No erótico encontram-se outros ritmos de danças nunca dançadas. O poder do erótico está na capacidade reivindicativa de ir contra o que conhecemos e aprendemos, e procurar lá dentro os mais íntimos desejos e vontades.

6 Out 2023

Tufões, furacões, medicanes e outros fenómenos meteorológicos

Antigamente, os nossos ancestrais saíam das suas cavernas, ou não, em função do tempo. Faziam-no para caçar ou recoletar os produtos necessários à sua subsistência. É provável que tentassem inferir as condições meteorológicas durante as quais se dedicariam às suas tarefas, recorrendo à observação das nuvens, do vento e de outros parâmetros meteorológicos. Observando e prevendo o comportamento da atmosfera, estavam a praticar, sem terem consciência disso, o que está na base de uma das ciências mais antigas, a Meteorologia.

Apesar da sua antiguidade, ainda somos surpreendidos pelo facto de, esporadicamente, surgirem termos meteorológicos novos. É com certa frequência que os media se referem a “rios atmosféricos” para designarem extensas zonas da atmosfera em forma de corredor, caracterizadas por grande concentração de vapor de água e que frequentemente dão origem a fortes precipitações, por vezes com graves consequências.

Outro termo, “meteotsunamis” (ou tsunamis meteorológicos), que aparece mais raramente, refere-se a perturbações da superfície do mar causadas pela variação brusca da pressão atmosférica, associadas ao movimento rápido de frentes frias e linhas de borrasca (formações de cumulonimbus dispostos em linha) muito ativas. Os meteotsunamis são caracterizados por ondulação de grande comprimento de onda, a qual, ao atingir as zonas costeiras, provoca efeitos semelhantes aos dos tsunamis, embora geralmente com menor intensidade.

A expressão “maré de tempestade” (storm surge, em inglês) já entrou no léxico habitual, mas o seu significado ainda não é compreendido por muitas populações das regiões do litoral, o que tem causado milhares de vítimas. A pressão atmosférica muito baixa, associada a ciclones extratropicais e tropicais muito intensos, faz com que o nível do mar se sobre-eleve, e a água superficial seja arrastada pelo vento, invadindo as zonas costeiras baixas. Quando a pressão diminui 1 hectopascal (ou milibar) o nível do mar sofre uma elevação de aproximadamente 1cm, o que implica que, quando um ciclone com a pressão muito baixa no seu centro se desloca, é acompanhado por esta sobre-elevação, o que faz com que a agitação marítima atinja a costa por vezes com um nível superior a um metro em relação ao normal.

Foi o que aconteceu na passagem do furacão Katrina na região de Nova Orleães, em agosto de 2005, o que causou cerca de 1800 mortos. Analogamente, em novembro de 2013, o tufão Haiyan provocou cerca de 6000 mortos nas Filipinas, em grande parte devido à maré de tempestade associada. Também o tufão Hato, em agosto de 2017, foi caracterizado por uma maré de tempestade que provocou forte inundação em algumas zonas baixas de Macau. Neste caso, o facto de a passagem do tufão ter coincidido com a maré astronómica alta agravou a situação, na medida em que houve uma sobreposição de três fatores: a maré de tempestade, a preia-mar e o vento forte.

Há algumas semanas reapareceu, nos meios de comunicação social, o termo “medicane”, usado para designar fenómenos meteorológicos relativamente raros, que ocorrem no Mediterrâneo, e que consistem em depressões híbridas, com características simultaneamente de depressões extratropicais e de ciclones tropicais.

O mais recente destes fenómenos formou-se a partir de uma perturbação do campo da pressão sobre o Mar Egeu, em 4 de setembro de 2023, que se deslocou para sul da Grécia, provocando precipitação intensa e inundações neste país, causando mais de uma dezena de vítimas mortais. A tempestade, que foi denominada Daniel pelo serviço meteorológico grego, atravessou o Mediterrâneo e, no dia 10, atingiu o Nordeste da Líbia, causando precipitação extraordinariamente intensa. A estação meteorológica de Al-Bayda, relativamente próxima da cidade de Derna, registou 414,1 mm entre as 08:00 horas do dia 10 e as 08:00 horas de 11 de setembro. Como referência pode-se mencionar que esta precipitação, que ocorreu em apenas 24 horas, correspondeu a cerca de 75% da precipitação anual média em Lisboa e cerca de 22% do que chove anualmente, em média, em Macau.

4 Out 2023

Depois de tocar o fundo

Depois de três anos de pandemia, Hong Kong e Macau têm defrontado vários problemas no processo de recuperação económica. Se os Governos das duas cidades não procurarem soluções pragmáticas, e se preocuparem apenas com “contar bonitas histórias de Hong Kong” e “bonitas histórias de Macau”, os problemas só irão agravar-se.

No passado dia 26, o Hang Seng Index de Hong Kong fechou em 17,466.90 pontos, atingindo a cotação mais baixa desde 28 de Novembro de 2022. Conseguir segurar os 17.500 pontos será um factor-chave que afectará a subida ou a queda do mercado de acções da cidade num futuro próximo.

Enquanto Hong Kong afirma que está num período de transacção do caos para a ordem, e da estabilidade para a prosperidade, existe uma nova de vaga de emigração de residentes e algumas escolas foram fechadas ou mudaram de direcção devido ao número insuficiente de estudantes.

Perante esta situação, Anthony Cheung Bing-leung, o antigo Secretário dos Transportes e da Habitação de Hong Kong, viu-se obrigado a publicar um artigo no Ming Pao (um jornal de Hong Kong de língua chinesa) declarando que, “A actual imagem de Hong Kong é confusa e ambígua.

Devido à turbulência política e às reviravoltas dos últimos anos, bem como a implementação da Lei da República Popular da China sobre a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong, alguns estrangeiros duvidaram que Hong Kong continuasse a ser a cidade e o mercado que era, e perguntam-se se não seria a sua crescente sujeição ao controlo político a causa de perda de diversidade e inclusão. Hong Kong não carece de atenção internacional. Mas nos últimos anos, Hong Kong é vista como um local complicado que alberga negatividade, o que está a alterar a sua imagem internacional. Embora o Governo de Hong Kong entoe diariamente canções de louvor à cidade, tem também de procurar entender a percepção que dela têm do exterior”.

Quanto a Macau, que não tem atraído muita atenção internacional, a da RAEM foi implementada em 2009, que efectivamente assegurou a estabilidade e manteve um estado de harmonia na região, assegurando simultaneamente a liberdade a diversidade e a inclusão desfrutadas em Macau.

Em 2021, embora não se tenham verificado nesta cidade incidentes sociais semelhantes aos de Hong Kong, o Governo da RAEM decidiu aperfeiçoar o seu regime eleitoral, Numa acto sem precedentes, desclassificou candidatos de vários grupos que concorriam às eleições para a Assembleia Legislativa. As drásticas mudanças no cenário político de Macau criaram situações que não podem ser ultrapassadas com a mera aplicação de paliativos. O desempenho e as capacidades de supervisão do Governo da RAEM enfraqueceram ao mesmo tempo que a cidade sofreu os efeitos de três anos de pandemia. Se não fossem as reservas acumuladas ao loora.

O Governo da RAEM pensa que tudo está a melhorar e a acompanhar o ritmo de desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, mas também deve ter em conta a mão cheia de incidentes sociais infelizes que aconteceram nos últimos anos. De acordo com as estatísticas oficiais, houve 80 casos de suicídio em Macau em 2022. No primeiro trimestre de 2023, foram reportados 23 suicídios e no segundo, 24, o que é digno de atenção. O slogan “quatro níveis de prevenção concertada e quatro abordagens interligadas”, para lidar com o problema da saúde mental, que o Governo da RAEM sempre enfatiza não pode ter apenas um papel limitado. Afinal de contas, a prática é o único caminho para testar a verdade.

Não nego a importância do serviço comunitário, mas deve ter-se em linha de conta as condições económicas e sociais para que possa ser eficaz. Uma cidade sem esperança pode facilmente dar origem a sentimentos negativos entre os seus residentes. Por um lado, o Governo da RAEM dá grande importância à recuperação económica, mas por outro lado, controla rigorosamente a atribuição de subsídios a organizações sem fins lucrativos. Considerando as preocupantes estatísticas de suicídio acima mencionadas, deverá o Governo alocar mais fundos destinados especificamente a instituições de bem-estar social?

O Instituto de Acção Social fez todos os possíveis para incentivar os residentes a cuidarem da sua saúde mental e da dos seus familiares e amigos. Em caso de necessidade, podem ligar para a Linha aberta para Aconselhamento Psicológico da Cáritas de Macau ou para a Linha de Aconselhamento do Instituto de Acção Social para falarem sobre as suas preocupações e procurarem ajuda. No entanto, se existirem vários factores sociais desfavoráveis, pode ser difícil melhorar o bem-estar emocional das pessoas afectadas.

A Bíblia diz-nos que quando Moisés conduziu o povo de Israel na sua fuga do Egipto até às margens do Mar Vermelho, o exército egípcio os perseguiu. Em desespero, os israelitas acusaram Moisés, dizendo “Trouxeste-nos para o deserto para morrermos, porque não havia sepulturas no Egipto?” Moisés acabou por conduzir o seu povo através do Mar Vermelho em direcção à Terra Prometida – a terra do leite e do mel, fazendo assim desaparecer os seus receios. Os maiores temores surgem quando não há esperança. Só dando esperanças às pessoas elas podem ver o dia de amanhã. Por isso pergunto: onde está o Moisés dos nossos dias?

29 Set 2023

Cooperação China-Portugal na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota produz resultados abrangentes

Por Zhao Bentang, Embaixador da China em Portugal

O presidente Xi Jinping propôs a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota em 2013, a qual foi acolhida positivamente pela comunidade internacional. Ao longo de 10 anos, a China e os demais países envolvidos coordenaram políticas, alinharam planos de desenvolvimento, implementaram projetos de conectividade, promoveram a facilitação do comércio e do investimento, e construíram uma importante plataforma de cooperação internacional.

A iniciativa chinesa tornou-se um caminho rumo ao desenvolvimento, uma via de oportunidades e uma rota de prosperidade.

Em dezembro de 2018, durante a visita de Estado do Presidente Xi Jinping a Portugal, a China e Portugal assinaram um memorando de entendimento sobre a cooperação na construção da iniciativa Cinturão e Rota. Em abril de 2019, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, visitou a China e participou no segundo Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional. Os líderes dos dois países realizaram visitas recíprocas em menos de meio ano, elevando a parceria estratégica abrangente China-Portugal a novos patamares.

Actualmente, a cooperação na construção da iniciativa chinesa entre a China e Portugal encontra-se em um novo ponto de partida. Ambas as partes estão comprometidas em avançar, aproveitar oportunidades, respeitar mutuamente os princípios da igualdade e continuar a melhorar a cooperação prática, enriquecendo ainda mais o conteúdo da parceria estratégica abrangente bilateral.

A cooperação China-Portugal na construção da iniciativa recorre a vantagens naturais. Portugal é uma nação antiga de navegação, o ponto de partida europeu na antiga Rota da Seda Marítima e um importante hub que conecta a Rota da Seda Terrestre e a Rota da Seda Marítima. É, por isso, um parceiro natural. Portugal é um dos membros fundadores do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, foi um dos primeiros países da Europa Ocidental a assinar um acordo de cooperação na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota com a China, o primeiro país da União Europeia a estabelecer uma “parceria azul” oficial com a China e o primeiro país da zona do euro a emitir títulos denominados em renminbi.

A China é o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia, enquanto que, por seu turno, Portugal é um dos principais destinos do investimento chinês na Europa. As excelentes condições geográficas e a sólida disponibilidade para a cooperação estabeleceram uma base para a cooperação entre a China e Portugal.

Nos últimos anos, o comércio bilateral entre a China e Portugal cresceu rapidamente, ultrapassando US$ 6 mil milhões em 2018 e atingindo mais de US$ 9 mil milhões em 2022, alcançando um novo recorde histórico. Isso é ainda mais notável, considerando os desafios da pandemia e a lentidão da recuperação econômica global. Os investimentos chineses em Portugal abrangem diversas áreas, tendo aumentando de € 9 mil milhões em 2018 para € 11,2 mil milhões em 2022. Os produtos portugueses exportados para a China têm assistido a um aumento tanto em variedade quanto em quantidade, com produtos como carne de porco preto, vinho e cerveja ganhando popularidade entre os consumidores chineses.

Mais de 40 universidades chinesas oferecem cursos de língua portuguesa, enquanto Portugal tem cinco institutos Confúcio e diversas escolas públicas e privadas oferecendo cursos de chinês. Esses resultados de cooperação beneficiam diretamente as populações de ambos países, promovendo também a troca cultural e a compreensão mútua.

Tanto a China quanto Portugal enfrentam desafios econômicos, sociais e de desenvolvimento. A China está disponível para trabalhar em conjunto com Portugal no sentido de continuar a alinhar a iniciativa Cinturão e Rota com a estratégia de desenvolvimento de Portugal, promover uma cooperação sólida nos campos da sustentabilidade, digitalização, inovação e economia do mar.

A China valoriza o papel de Portugal na União Europeia e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e está disponível para expandir ainda mais a cooperação de mercado trilateral ou multilateral para beneficiar mais países e povos.

“Há centenas de anos, porcelanas azuis e brancas da China navegaram pelo oceano até Portugal, fundindo-se com as técnicas locais de produção de cerâmica, criando o encantador ‘azul de Portugal'”, escreveu o Presidente Xi Jinping em um artigo assinado em nome do povo chinês, nas vésperas de sua visita de Estado a Portugal, em 2018, destacando a amizade duradoura e profunda entre os dois países.

Acreditamos que, no futuro, a cooperação China-Portugal na construção da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota continuará a impulsionar o desenvolvimento contínuo da parceria estratégica abrangente China-Portugal, em benefício dos povos de ambos os países.

26 Set 2023

Mercado nocturno II

A semana passada, falámos dos mercados nocturnos e da sua importância para a revitalização da economia, na medida em que podem ser direccionados tanto para os habitantes locais como para os turistas. Além disso, as actividades a que se dedicam são sobretudo nocturnas. A venda de bebidas alcoólicas é disso um exemplo, porque é principalmente feita à noite.

As actividades dos mercados nocturnos, devem ser feitas de acordo com certos temas para maximizar as suas potencialidades. No calendário lunar chinês, a 15 de Agosto (no calendário ocidental, é uma data móvel do mês de Setembro) celebra-se o “Festival do Meio do Outono. A Lua cheia é o símbolo de uma família feliz e as pessoas costuma vir para a rua celebrar. Nesta altura do ano, a Lua cheia é a maior e a mais brilhante. Existirá alguma instituição disposta a emprestar um telescópio para que todos possam observar o céu nestes mercados e puderem ver a verdadeira face da Lua? Esta actividade é interessante e cientificamente significativa. As crianças ficariam felizes.

A iguaria por excelência do “Festival do Meio do Outono” é o “bolo lunar”. Se existir uma banca que venda bolos lunares à unidade, em vez de serem vendidos em caixas, todos se sentirão encorajados a comprar alguns e ainda algumas bebidas não alcoólicas. Podiam comprar, comer e beber imediatamente, o que seria simultaneamente festivo e significativo. Enquanto comiam bolos lunares, podiam observar o céu, à procura de astronautas. A seguir, também podiam ir ver o espectáculo de fogo de artificio do Dia Nacional. Não ia ser maravilhoso?

Os turistas da China continental que vêm sozinhos deixam as suas casas por um breve período de tempo para virem assistir ao Festival do Meio do Outono em Macau. Durante gerações, leram o poema de Du Fu “A Lua é Mais Brilhante na Nossa Terra Natal”. Ao olharem a Lua, sentem as saudades que o poeta tinha da sua terra e as suas preocupações com a família, e vão ter uma relação mais harmoniosa com as suas próprias famílias depois de regressarem a casa.

Os turistas da China continental que vêm a Macau com familiares e amigos ignoram os bolos lunares e procuram artigos e especialidades locais nos mercados nocturnos – egg rolls, rebuçados de amendoim, carne seca, etc. Nas suas terras, podem comer bolos lunares todos os dias. Em Macau, comem-se bolos de amêndoa, tartes portuguesas, bolos de ananás, etc. para celebrar o Festival do Meio do Outono. A gastronomia celebrativa deste Festival varia consoante o local.

Os turistas estrangeiros têm também uma oportunidade para aprender mais sobre a cultura chinesa, para entenderem a origem do Festival do Meio do Outono e compreenderem o impacto significativo da tradição dos bolos lunares na História da China. Se os turistas gostarem destes doces, podem comprar algumas unidades ou mesmo algumas caixas. Estes turistas vão ficar muito felizes quando voltarem às suas casas, porque levam consigo egg rolls, bolos de ananás e carnes secas confeccionados em Macau. Mas só os turistas que visitam Macau em Setembro podem provar bolos lunares que aqui só são feitos uma vez por ano.

Um mercado nocturno que reúna cultura, temas, actividades, entretenimento e gastronomia é do interesse dos habitantes locais e dos turistas. Com participantes de todo o mundo cria-se um ambiente feliz e harmonioso e pode incentivar-se o consumo e a estimulação da economia.

Mas existem ressalvas para qualquer actividade e os mercados notcurnos não são excepção. Para que estes mercados possam ser bem-sucedidos, a continuidade é um elemento indispensável. Durante a primeira realização, o organizador deve estar já a planear na próxima. Quando as pessoas souberem a data e a programação da seguinte, vão poder planear com antecedência a sua vinda. Os mercados nocturnos promovem actividades económicas à noite e o ruído é inevitável. Os locais onde se realizam devem ficar um pouco afastados das zonas residenciais. Devem situar-se em locais acessíveis, embora evitando incómodo para a vizinhança, e devem ficar sujeitos a controlo de tráfego. Os produtos vendidos nos mercados nocturnos também devem obedecer à regulamentação específica em vigor. Por exemplo, os alimentos devem ter prazo de validade. As leis de Macau devem ser respeitadas e os menores não poderão comprar bebidas alcoólicas. Como estamos no Outono, o tempo deve estar um pouco mais fresco e as gripes podem voltar a aparecer. Se houver muita gente nos mercados nocturnos, deve ser implementado o controlo de multidões para evitar ajuntamentos excessivos. Este controlo deve ter em conta a questão sanitária, mas também será indispensável para a manutenção da ordem social.

Se estivermos dispostos a promover os mercados nocturnos e algumas empresas quiserem introduzir inovações, poderemos estimular a economia e atrair turistas? Só depois de experimentar, poderemos saber a resposta a esta pergunta. Mas é certo que para estimular a economia, atrair turistas e beneficiar a sociedade de Macau, os mercados nocturnos são uma das muitas opções que vale a pena considerar.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politéncico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

26 Set 2023

O surrealismo do PSD

No momento em que escrevemos este texto as sondagens indicam que nas eleições da Madeira, o PSD poderá vencer por maioria absoluta. Numa ilha onde o caciquismo político reina desde o 25 de Abril e onde existem mais bairros de pobres que hotéis de luxo, vivendo a região autónoma, à base do turismo. É com essa política de caciquismo que o PSD tem saído vencedor e onde Alberto João Jardim fez o que lhe apeteceu mas sempre pedindo de mão beijada milhões de euros aos governos da República. Uma República que assiste à maior crise no interior do PSD.

Os sociais-democratas, com as suas diferentes facções, não descansaram enquanto não mandaram embora um homem sério e activo como Rui Rio e que escolheram para líder Luís Montenegro que tem chefiado o partido há 18 meses sem apresentar uma alternativa para um dia poder vir a ser primeiro-ministro. É nas hostes do PSD que temos ouvido dizer que com Luís Montenegro o partido não vai lá e é assim que a toda a hora sonham com o “D. Sebastião” de nome Passos Coelho para voltar a chefiar os destinos do partido. Como é que Passos Coelho pode ser o “desejado” se o povo ainda não esqueceu a sua governação onde tudo foi mau e em prejuízo dos mais desprotegidos?

No PSD assiste-se ao surrealism total onde cada um quer tudo, e nada acertado apresenta. Até apareceu um Poiares Maduro a propor que fosse retirado o subsídio de Natal aos reformados. Isto, até é ofensivo quando temos portugueses a receber reformas de 150, 200 e 300 euros.

A bancada parlamentar do PSD em confronto com o Governo nos vários debates apenas tem sabido manifestar contradição com as propostas governamentais, mas alternativas viáveis nunca se ouviram. Com um líder parlamentar fraquíssimo, o que se assiste é a António Costa, como primeiro-ministro, sair do Parlamento todo satisfeito pelas posições que toma com frontalidade e lógica, dentro dos parâmetros em que é possível financeiramente governar, apesar das críticas da oposição que o dinheirão que veio da Europa em forma de PRR não ser aplicado no desenvolvimento estrutural do país.

O que acontece no PSD é que assiste ao Iniciativa Liberal e ao Chega a cativarem cada vez mais adeptos, os quais vêm da área do PSD. Segundo as últimas sondagens, que valem o que valem, o Chega e o IL podem vir a ter juntos maior percentagem eleitoral que o PSD e, isso, seria um descalabro para quem se arvora em afirmar ser o maior partido da oposição.

O PSD bem tenta puxar todos os “senadores” para a ribalta da propaganda, tais como Marques Mendes que anda a ser levado ao colo pelo Presidente Marcelo a fim de o candidatar a seu successor, Durão Barroso o tal primeiro-ministro que abandonou os portugueses para ocupar cargos de remuneração choruda na Europa, Pedro Santana Lopes que à frente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa saiu com uma fama desastrosa devido à péssima gestão e o surrealismo do outro mundo chamado Aníbal Cavaco Silva. Este último, teve o desplante e a pouca vergonha de lançar um livro onde tenta ensinar como se deve ser primeiro-ministro. Bem, é melhor rirmos do que chorarmos, quando nos lembramos que Cavaco Silva foi dos piores primeiros ministros que Portugal teve.

Em entrevista encomendada a um semanário, Cavaco Silva não deixou de sublinhar, como piadas ao actual primeiro-ministro, que se existe um ministro sem bom senso deve ser demitido. Mas, o que será isso do bom senso à frente de um Ministério? Depois, acrescentou que se um ministro for mal educado igualmente tem de ser demitido. Será que Cavaco Silva entrou já na fase da senilidade e não se lembra de quantos ministros teve nos governos que chefiou que foram uns mal educados, arrogantes e incompetentes? O seu livro é um chorrilho de disparates a querer ensinar tudo aquilo que não praticou e é por essa razão que os cidadãos que normalmente votavam no PSD estão virados para o IL, Chega e alguns mais realistas pensam em votar no PS.

A política portuguesa está inacreditavelmente perturbadora porque se o PCP está a perder votos por apoiar a Rússia no conflito com a Ucrânia, no Bloco de Esquerda Mariana Mortágua não está a fazer melhor do que foi a coordenação de Catarina Martins. Infelizmente, o populismo e a demagogia do Chega com os gritos patéticos de André Ventura que, na realidade, manda cá para fora umas verdades que o povo gosta de ouvir, está efectivamente a aumentar a sua base de apoio e, imaginem só, que num bairro social da margem sul do Tejo, toda a gente afirma que votará no Chega por ser o único partido que defende os pobres. Não, não dá para entender como em 50 anos da chamada democracia o espectro político mudou tanto, particularmente com o surrealismo gerado no PSD que não consegue levar um balde de água ao seu moinho.

25 Set 2023

Sensate Focus de Masters e Jonhson

Quando nos anos 50 chegaram à conclusão de que a ciência sabia mais sobre parir bebés do que fazê-los, um ginecologista norte-americano, William Masters, com o auxílio da sua assistente de investigação, Virginia Johnson, decidiram desbravar terrenos nunca explorados. A experiência do sexo e do clímax não estavam analisadas, quantificadas ou teorizadas e eles trataram de resolver a questão.

Numa fase em que o sexo não saía das quatro paredes do quarto, estes investigadores propuseram a vários voluntários que trouxessem o sexo para o laboratório. Centenas de mulheres e homens foram convidados a atingir o clímax sob o olhar atento dos cientistas, monitorizado por máquinas que descreviam experiências fisiológicas. Alguns deles masturbaram-se, outros envolveram-se com voluntários anónimos à frente dos cientistas. Com a acumulação dos dados foi possível desenhar padrões de reconhecimento que facilitavam a compreensão generalizada da experiência sexual – desenvolveram o modelo de resposta sexual “normal” com 4 fases. Claro, que a amostra utilizada mostrou limitações. Numa tentativa de randomização, os investigadores vieram-se somente com homens e mulheres brancos, de classe média, com uma única coisa em comum: motivados para participar neste estudo altamente controverso. Insólito foi também quando os investigadores começaram a participar no estudo como sujeitos, envolvendo-se com o propósito de gerar mais dados e insight.

A sua investigação resultou em imensos artigos e dois livros que se revelaram populares. Apesar de terem sido criticados ao longo do tempo, eles desenvolveram uma forma de terapia sexual que era mais simples e rápida do que a terapia psicanalítica da altura. A terapia que desenvolveram chamava-se “sensate focus”. Os seus pressupostos entendiam que o sexo é uma condição natural que não pode ser forçada. Apesar do foco excessivo na fisiologia do sexo destes investigadores, uma perspectiva que ignorava quase por completo fatores psicológicos e sociais na resposta sexual, os exercícios sugeridos não deixam de ser relevantes até aos dias de hoje. Isto porque a investigação tem-se aproximado de novo ao foco nas sensações, e na sua importância para uma sexualidade plena e satisfatória. Os exercícios tentam desconstruir o excessivo foco na relação pénis-vagina na relação heterossexual, e tentam promover a comunicação. Com criatividade estes exercícios podem ser adaptados a todas as orientações e constelações amorosas com o intuito de promover a presença e consciência.

O método tem 5 partes. O primeiro o passo envolve o toque não genital, de modo que as pessoas envolvidas possam, à vez, explorar formas de toque e focarem-se nelas. Um oferece o toque, e o outro recebe, e depois trocam de posições. A ideia é que se dispam da expectativa sexual e desfrutem. No segundo passo, ainda à vez, os genitais já são estimulados e outras zonas erógenas, sempre ignorar a expectativa do sexo. Por exemplo, se o pénis estiver erecto, não fazer nada em relação a isso. No terceiro passo, sugere-se que se utilize óleos, ou lubrificantes, de preferência com base de água, se se utilizarem produtos de látex e borracha, para estimular outro tipo de experiências sensoriais. A ideia é que se continue ainda a dança onde primeiro recebe um e depois o outro. Sem receios, e sem pressão para compensar. No quarto passo, a estimulação sensorial já é mútua e no quinto passo, a exploração permanece sensual, em vez de sexual, isto é, incentiva-se o toque dos genitais, com interesse e curiosidade, ao roçar ou acarinhar, antes de explorar a penetração.

Esta forma terapêutica foi desenvolvida para tratar disfunções sexuais, e.g., disfunção eréctil ou vaginismo. Contudo, a complexidade destas condições não permite que esta técnica seja uma salvação certeira. Mas tem várias vantagens ao seu favor – explora a sensualidade e a presença para contrapor pressão, expectativa ou o nervosismo – e pode ser utilizada e apropriada por qualquer um que queira abrir espaços de consciência na sua vida sexual.

O trabalho destes investigadores foi romanceado na série televisiva Masters ofSex, que apesar de interessante, não explora em profundidade o legado teórico dos investigadores, nem as suas controvérsias. Ainda assim, contextualiza a dificuldade cultural em discutir estas questões que agora já são mais do domínio comum, e tratadas com mais leveza e importância.

20 Set 2023

O mercado da noite I

Recentemente, alguns órgãos de comunicação de Macau salientaram que se poderia promover o mercado da noite na cidade para estimular a economia e atrair turistas.

O mercado nocturno não é novidade em Hong Kong e em Macau. A área de bares de Macau Dynasty é uma zona típica do mercado da noite.

O mercado da noite tem uma longa história. Surgiu nos anos 80 em Hong Kong. Nessa altura, estava situado em Tai Da Tei, Sheung Wan. Actualmente, Temple Street é uma zona cheia de vida com restaurantes, bares, barraquinhas de adivinhos, actuações de diversos artistas e lojas. Lan Kwai Fong é uma famosa zona de bares e de lazer.

Macau poderá estimular a economia e atrair turistas promovendo o mercado da noite? Na verdade, estimular a economia e atrair turistas são duas questões diferentes. Estimular a economia significa fazer crescer a economia local. A economia local assenta no consumo e no entretenimento. Em circunstâncias normais, a procura de bens de consumo é estável e não flutua significativamente num curto período de tempo. Se queremos melhorar a economia, temos de começar pelos aspectos culturais e de entretenimento locais.

Para trazer turistas, é natural que nos tenhamos de focar nas atracções turísticas. O que é que os turistas procuram? Quando chegam a Macau, querem saborear a culinária local e conhecer a cultura da cidade. Procuram infalivelmente souvenirs para poderem recordar futuramente os bons tempos que aqui passaram. Se necessário, passam em Macau algumas noites.

Recentemente, em Bruxelas abriu o centro “Beer World” que tem como objectivo atrair turistas e os amantes de cerveja. A perfumada e suave cerveja belga é adorada pelos locais e os turistas também a podem apreciar. Vemos muitas vezes que os bares fazem descontos das 17.00 às 19.00, período que é conhecido como happy hour, para que as pessoas possam descontrair depois do trabalho. Além disso, os bares estão normalmente abertos até às 4.00 da madrugada. Podemos constatar que as pessoas bebem principalmente à noite, o que vai ao encontro dos horários dos estabelecimentos nocturnos.

Depois de combinar estes factores, percebemos que para os estabelecimentos nocturnos serem lucrativos têm de funcionar um pouco como os bares, de forma a atraírem locais e turistas e ajudarem ao crescimento da economia. A noite é sem dúvida a altura ideal para as pessoas procurarem diversão. Podem beber, ver fogo de artificio e observar fenómenos no céu nocturno.

Mas os elementos que referimos anteriormente não são suficientes. Sem pensamento inovador, os comerciantes não podem lançar produtos novos e vão ter dificuldade em reter a clientela. Nos bares, as pessoas consomem principalmente bebidas alcoólicas, a venda de bebidas não alcoólicas é bastante inferior. No entanto, alguns bares estão a promover visitas guiadas para apresentarem cocktails não alcoólicos e assim atraírem clientes menos tradicionais. Este método é semelhante `ao do Restaurante de “hot pot” que mencionámos nesta coluna há algumas semanas. No mundo dos negócios, os empresários precisam de correr riscos e de tentar várias abordagens. Correr riscos e experimentar novos métodos leva os empresários a desenvolverem de forma continuada os seus produtos. Se a pesquisa e o desenvolvimento forem bem-sucedidos, podem vir a lucrar. Se a pesquisa e o desenvolvimento falharem, podem ir à falência. Por isso, se a aposta em bebidas não alcoólicas nos bares tiver sucesso, passarão a ser também um dos produtos mais vendidos. Se estes empresários vingarem, os bares farão mais dinheiro e o mercado nocturno e a economia vão continuar a recuperar.

Na próxima semana, vamos continuar a nossa análise do mercado nocturno. Vamos focar-nos na importância deste sector para atrair turistas e fazer crescer o consumo local.

19 Set 2023

O aborto da saúde

Os serviços de Saúde em Portugal vão de mal a pior. Os portugueses sofrem a sério com a falta de apoio ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) há muitos anos. Penso mesmo, que durante os 50 anos desta etapa democrática que não existiu nenhum governo que se preocupasse a sério com a saúde dos portugueses. Tivemos o grande António Arnaut que fundou o SNS e que em boa hora evitou que já tivessem morrido milhares de portugueses sem assistência hospitalar. Nos tempos de hoje a Saúde está quase um caos. Os médicos fazem greve protestando contra as faltas de condições de trabalho e devido ao salário insuficiente, apesar de termos de salientar que uma grande maioria deles trabalha de manhã no SNS, à tarde no seu consultório ou num hospital privado e desloca-se de Porsche ou Mercedes. Os enfermeiros aguentam há anos por um aumentozinho no salário minimamente digno e como nada acontece emigram, especialmente para Inglaterra onde lhes proporcionam tudo e um salário chorudo. Há hospitais que até parecem não ter gestores e quanto a compras de materiais nem é bom referir porque a corrupção impera de norte a sul. Os pacientes são como o mexilhão, são os que se lixam. Bem, vocês não acreditam: às três horas da madrugada já há pessoas de todas as idades, em fila, à porta de um qualquer Centro de Saúde, para conseguirem uma senha para consulta. Consulta? Há dias tive a necessidade de limpar os ouvidos porque já não ouvia praticamente nada. Fui ao Centro de Saúde da minha área de residência e fui atendido por uma médica atenciosa e já com alguns anos de experiência. Ela viu através de um aparelho próprio, o que se passava e confirmou que necessitava urgentemente de uma lavagem aos ouvidos. E acrescentou: “Caro senhor, eu posso marcar uma consulta para um otorrinolaringologista no hospital, mas a consulta irá demorar aí uns três ou quatro meses. O melhor, se puder, é ir a um otorrinolaringologista privado porque o senhor está muito mal de audição”. E assim tive de fazer, optar por um privado gastando uma quantia que bem me custou.

Em certos hospitais os doentes chegam de ambulância, ficam nos corredores nas macas das ambulâncias, o hospital não tem macas suficientes e as ambulâncias ficam horas e horas a aguardar que libertem as suas macas. E durante essas horas quantos pacientes teriam tido necessidade dessas ambulâncias que ficam engarrafam nos hospitais? A este propósito de macas nos corredores, recordo-vos que há dias o país ficou chocado com um doente com 92 anos de idade que esteve seis horas na maca no corredor de um hospital e veio a falecer por falta de atendimento.

O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, é médico, está atento e conhece os problemas da saúde, mas dá a ideia de andar de mãos atadas. O seu colega das Finanças deve ter-lhe dito que não poderá contar com o dinheiro necessário. Mesmo assim, já aumentou o salário dos médicos substancialmente e de outro pessoal paramédico. O principal de tudo é necessariamente a miséria de salários que aqueles milhares de profissionais de saúde recebem e a falta de hospitais. O novo hospital de Lisboa está prometido há anos e nunca avança.

Na semana passada tivemos um caso muito grave e que não podemos deixar de vos apresentar quase como um crime de lesa pátria. Eu sei que há portugueses que são contra a interrupção voluntária da gravidez e outros a favor. O certo, é que a lei portuguesa permite que as mulheres façam o aborto e nos centros hospitalares do país. Ora, aconteceu o inimaginável. E gravíssimo. Veio a público que vários casos em que o acesso das mulheres à realização de uma interrupção voluntária da gravidez (IVG) estava a ser dificultado em vários hospitais do SNS. O acesso ao aborto não está à mesma distância para todas as mulheres em Portugal e, em 15 anos, estagnou. Um em cada três hospitais públicos não tem consulta de IVG, ou seja, 13 em cada 45 hospitais do SNS, que não a disponibilizam. O Bloco de Esquerda vai pedir uma auditoria aos hospitais para apurar as causas e os responsáveis nos casos das mulheres que se viram impedidas de levar a cabo interrupções voluntárias da gravidez. O partido quer também que a linha SNS24 passe a acompanhar as mulheres em todo o circuito, para a realização do aborto. Outros partidos políticos já se manifestaram pela presença do ministro da Saúde na Assembleia da República. No entanto, Manuel Pizarro já admitiu a existência de “casos pontuais”. Seja como for, existem hospitais que praticamente se negam a assistir um aborto e, assim, os seus responsáveis deviam ser condenados no foro judicial. Com factos destes, de uma coisa não temos dúvidas, um grande aborto é a Saúde.

18 Set 2023

Só no rescaldo a verdade é revelada

As chuvas torrenciais que ocorrem “uma vez em 500 anos” puseram a nu uma série de problemas antigos. Para simplificar, usemos a famosa citação de Warren Buffett, o magnata de negócios americano “afinal de contas, só quando as águas recuam é que percebemos quem foi nadar nu.”

Num Verão há muitos anos, viajei até ao sul de Taiwan com a minha família e ficámos num hotel na parte antiga da cidade de Hengchun. Nesse Verão, a cidade foi atingida por dois tufões pouco depois da nossa chegada. Todas as pessoas que estavam hospedadas no hotel partiram, menos eu e a minha família que assistimos sozinhos a uma forte tempestade nocturna. No dia seguinte, a tempestade tinha passado. Para não perdermos o voo de regresso a Macau, que partia do Aeroporto Internacional Kaohsiung, apanhámos um táxi que o hotel providenciou e partimos em direcção a Kaohsiung sob uma forte chuvada. O movimento rápido dos limpa pára-brisas fez com que o motorista se sentisse sonolento, pelo que teve de esfregar as narinas com uma pomada estimulante para se manter acordado.

O pior de tudo era o estado da estrada, cheia de buracos, danificada e coberta de detritos. A única coisa que o motorista podia fazer era desabafar comigo, que estava sentado ao seu lado, e olhar com atenção para a estrada à sua frente, “Isto não teria acontecido nas estradas construídas pelos antigos Governos municipais” dizia-me. “Hoje em dia, com este novo Governo, a qualidade das obras rodoviárias deixa muito a desejar o que resultou da alternância dos partidos no poder”. Dirigido a mim, um estrangeiro, o comentário do motorista não devia ter qualquer intenção política. Embora eu não pudesse confirmar a veracidade dos seus comentários, pude verificar o péssimo estado das estradas. A “construção defeituosa” é resultado de negligência ou deriva da corrupção?

Hong Kong foi recentemente atingido pelo Tufão Saola e afectado pelas chuvas torrenciais do Tufão Haikui, que trouxe consigo a tal chuvada que só acontece “uma vez em 500 anos”, provocando enormes inundações e deslizamentos de terra. O deslizamento que ocorreu na Península Redhill, uma zona de habitações de luxo, situada no sul do distrito da Ilha de Hong Kong, trouxe a lume o problema da construção não licenciada e da demolição de parte dos muros de contenção das águas dessas casas. Nunca ninguém prestou atenção às obras não licenciadas que se fizeram nestas casas que valem dezenas de milhões de dólares de Hong Kong.A Península Redhillnão é uma zona privada imune à lei. Agora, que as águas da chuva recuaram, o que está mal deve ser corrigido com acções imediatas.

No domingo, 3 de Setembro, apanhei o autocarro 26 da Península de Macau para regressar à Taipa. A Ponte de Sai Van, que geralmente não tem engarrafamentos nos fins de semana, estava cheia de carros. Veio a perceber-se que estavam trabalhadores a tapar os buracos do pavimento da ponte e, portanto, das duas faixas, apenas uma estava a funcionar. A decisão da Direcção dos Serviços de Obras Públicas de reparar os buracos das três pontes Macau implicou uma acção rápida. Afinal de contas, os buracos na estrada provocam percalços aos carros e representam um perigo sério para os motociclistas e podem provocar acidentes fatais.

Falando da qualidade das estradas de Macau; este ano, no início de Janeiro, o pavimento da via do terminal de autocarros no primeiro piso da cave do Centro Modal de Transportes da Barra ficou danificado em menos de 2 ou 3 meses depois da abertura ao público do Centro. Subsequentemente, a Direcção dos Serviços de Obras Públicas verificou que a estrutura da via não se encontrava danificada e, de acordo com a avaliação preliminar, estimou-se que o problema se devia à falta de resistência do revestimento do pavimento e à sua insuficiente capacidade de adesão, pelo que a quebra e as fendas verificadas no pavimento eram resultantes do peso dos autocarros e da força de atrito. Depois do Instituto para os Assuntos Municipais ter passado a pavimentar as vias de acesso com asfalto de alta viscosidade, as condições da via do terminal de autocarros melhoraram significativamente. Toda a gente sabe que mais vale prevenir do que remediar, mas o remédio só veio depois do recuo das águas.

Foi por um puro golpe de sorte que Macau escapou ao impacto do Tufão Saola e às chuvadas do Tufão Haikui. O aparecimento dos buracos nas pontes mostra que ainda há espaço para melhorar o sistema de supervisão dos trabalhos rodoviários do Governo da RAEM. O Chefe do Executivo de Macau já deu instruções para fazer face às várias obras nas estradas, que vão ser feitas num curto período de tempo. Considero que os requisitos e normas aplicáveis aos trabalhos de pavimentação de estradas devem ser reforçados bem com a sua supervisão, para melhorar a qualidade destas intervenções.

Quando a maré sobe, não podemos simplesmente vestir os calções de banho e ir para a praia como se nada tivesse acontecido.

17 Set 2023

Manobras publicitárias

A semana passada falámos sobre café. Curiosamente, esta semana também vamos falar. Recentemente, apareceu um anúncio ao McDonald’s muito polémico. Chamou a atenção de toda a cidade depois de ter sido publicado no Facebook, nas aplicações para telemóveis e nos jornais. O anúncio tinha apenas uma frase – “McDonald’s Coffee will Retire” (O café do MacDonald’s vai de férias). O refresco de café, o café premium e o café premium em grão vão estar temporariamente indisponíveis a partir da 18.00h do dia 4 de Setembro. Os internautas comentaram de imediato o anúncio e fizeram afirmações como “O pequeno-almoço custa mais de 40 dólares de Hong Kong (HKD) e não inclui café”, “Sem café, o McDonald’s deixa de ter graça”, “Uma cadeia de restaurantes de fast food não tem café, porquê?”, “Não há café? Não tomamos mais o pequeno-almoço no McDonald’s”, “É indispensável começar o dia com um café”.

Inesperadamente, o McDonald’s deixou de vender café, o que, na verdade, fez com que os internautas pesquisassem o fornecedor de café do McDonald’s de Hong Kong e verificassem o valor das suas acções. Aparentemente o anúncio do McDonald’s’ promoveu indirectamente o fornecedor.

O cancelamento da venda de café fez com que os internautas se lembrassem de alguns pratos da ementa do McDonald’s que também foram cancelados, como a Chicken Heart Star Soup e a Alphabet Soup, que faziam parte do menu desde 1989. Estas sopas eram servidas em copos térmicos, sendo por isso refeições muito quentes, óptimas para o Inverno! Desde 1975 que o McDonald’s servia batidos de morango e de baunilha. Embora o batido de baunilha tenha acabado em 2009, voltou a ser servido por algum tempo em 2019. Um internauta afirmou, “As sopas e os batidos transportam muitas pessoas para a sua infância. Afinal de contas o McDonald’s está connosco há muitos anos e faz parte do crescimento de todos nós”; quem disse isto tem toda a razão.

Claro que alguns internautas especularam sobre o verdadeiro motivo do anúncio. Talvez o McDonald’s queira lançar uma nova gama com preços mais altos do que a actual, etc.

Algumas horas mais tarde, a verdade veio ao de cima. O McDonald’s anunciou que o seu novo café vai ser o McCafé. Doze horas depois de interromper a venda de café, o McDonald’s comprou novas máquinas, substituiu o café em grão e começou a dar formação aos funcionários para aprenderem a servir o novo café.

O anúncio do McDonald’s atraiu as atenções. Primeiro anunciam a interrupção da venda de café e poucas horas depois anunciam que vão vender um novo café. Numa era em que toda a informação circula rapidamente, bastam algumas horas para levantar questões e especulações e despertar memórias entre os internautas. A frase “McDonald’s Coffee will retire” é muito instigadora. Porque é que o McDonald’s iria promover um produto que vai ser retirado? Este anúncio é muito diferente dos que o McDonald’s costumava fazer, como “The General Burger is Back” (O General Burger está de volta). Comparando os dois é fácil perceber a mensagem que o McDonald’s tenta passar sobre os novos produtos.

A função mais importante da publicidade é promover novos produtos e atrair a atenção dos clientes. O último anúncio do McDonald’s não tem som, nem actores e foi, portanto, de baixo custo. Inclui apenas uma frase, muito simples, directa, fácil de entender e que pode facilmente provocar polémica, e por isso é muito eficaz. Depois deste anúncio, deve haver muito poucas pessoas que não saibam que o novo café do McDonald’s é o McCafé.

Anteriormente, falámos sobre os residentes de Macau que se dirigem para o Norte para fazer compras e sobre as lojas da cidade que perdem clientes. Se uma loja quiser conservar a clientela, tem de introduzir novos produtos. O comércio tem de ter novos produtos e serviços para atrair os clientes e levá-los a consumir. Quando as lojas de Macau disponibilizarem novos produtos e serviços, devem também anunciá-los de forma simples, directa e de baixo custo e usar essa publicidade como uma ferramenta promocional que chegue a todos os habitantes da cidade. Só assim podem atrair clientes que venham a fazer as suas compras em Macau. A publicidade ao novo café do McDonald’s é um exemplo acabado do que foi dito, os novos produtos e serviços devem ser divulgados através de anúncios engenhosos para serem bem-sucedidos.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

11 Set 2023

O Conselho do mundo

O Conselho de Estado é o órgão de consulta do Presidente da República. Já se realizaram em 50 anos de democracia dezenas de reuniões com os mais diferentes conselheiros. Na semana passada decorreu mais uma reunião do Conselho de Estado. Tratou-se da segunda parte de uma outra que tinha sido convocada em Julho e que terminou apressadamente porque o primeiro-ministro tinha de apanhar o avião para ir ver o futebol na Nova Zelândia, como se isso fosse um problema importante do país.

Desta vez, realizou-se a segunda parte da reunião de Julho, mas vale a pena lembrar que em Julho o Conselho de Estado tinha sido convocado devido aos graves problemas na TAP, e desta vez o Presidente da República teria de continuar a ouvir os conselheiros sobre a TAP, especialmente quando certamente já tinham conhecimento de mais um possível rombo na carteira dos portugueses. Acontece que a ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, deu oficialmente entrada com um processo em tribunal contra a TAP pedindo 5,9 milhões de euros de indemnização. Pouca coisa, que os erros dos governantes e a absurda demissão da antiga presidente executiva da empresa aérea devia ter levado os conselheiros a manifestar ao Presidente da República que Portugal não pode continuar a ser governado com o esbanjamento do nosso dinheiro em indemnizações constantes por dá cá aquela palha.

Inacreditavelmente a comunicação social resumiu a reunião numa análise da situação do país e da situação internacional. Totalmente errado. As nossas fontes informativas são credíveis e disseram-nos ao longo dos tempos que nas reuniões do Conselho de Estado sempre existiram perguntas do Presidente da República, debate entre conselheiros, críticas aos Governos e ao Parlamento e intervenções duras dos primeiros-ministros. Incluindo recentemente, o actual primeiro-ministro António Costa, respondeu a alguns conselheiros críticos da sua governação.

No Conselho de Estado temos as mais diversas personalidades dos mais diferentes quadrantes políticos, nomeadamente Manuel Alegre, Carlos César, Santos Silva, Lídia Jorge (PS); Cavaco Silva, Marques Mendes, Leonor Beleza (PSD) e independentes como António Ramalho Eanes. Neste particular, o povo não entende lá muito bem porque Marcelo Rebelo de Sousa não convidou ninguém do PCP e do BE, mas enfim é o que temos. Quanto a esta última reunião do Conselho de Estado muito se teria passado e com um ambiente tenso e uma coincidência. Comecemos pela coincidência: pela primeira vez sentaram-se lado a lado Lídia Jorge e Cavaco Silva, ambos de Boliqueime, Algarve, com residências perto um do outro e que nem se podem ver. Não sei mesmo se dirigem alguma palavra um ao outro.

Quanto à reunião propriamente dita, Miguel Cadilhe é um crítico acérrimo da governação e tece duras críticas a António Costa pela forma de governar há oito anos sem o país avançar em áreas como a Economia, Saúde e Educação. Marques Mendes é outro dos críticos que indica os erros ou as lacunas do Governo. Carlos César defende a sua dama Açores, por vezes, mesmo contra as posições da maioria absoluta do seu partido. O general Ramalho Eanes já chamou à atenção para o grave problema que se passa nas Forças Armadas, onde cada vez há menos jovens que queiram ingressar nas fileiras militares por as condições não serem apelativas.

Cavaco Silva, sem razão alguma, critica o Governo quando ele próprio fez muito pior. Manuel Alegre é bem conhecido de todos nós e sabemos que nunca na vida ficou calado, antes pelo contrário. O Presidente da República ouve e tira as suas conclusões e quando no exterior se encontra com os jornalistas diz algo sem nexo e salienta que nunca se pronuncia sobre o que se passa nas reuniões do Conselho de Estado.

Bem, desta vez, podia, já que foi confrontado por um jornalista, se na reunião falaram da TAP e da “bomba” dos 5,9 milhões que o Estado (todos nós) terá de pagar à senhora francesa que dirigiu a TAP e que não brinca em serviço. Mas, o mais surpreendente haveria de estar para vir. Qual não foi o espanto do Presidente Marcelo e de os conselheiros quando António Costa não contestou qualquer crítica e nem respondeu a uma sequer pergunta. Simplesmente mudo, durante toda a reunião.

Obviamente que a oposição veio logo aproveitar-se da situação e afirmar que António Costa anda “amuado”. Isto, porque o país vive momentos de crise institucional. Já não bastou a pandemia e a guerra na Ucrânia e agora ainda temos um Presidente da República que andou anos a apaparicar tudo a António Costa e que a caminho do fim do mandato, só porque António Costa não demitiu o ministro João Galamba, passa o tempo a dificultar e a vetar as decisões governamentais. É natural que António Costa se sinta “amuado”, mas disfarça bem. Diz que nada se passa com o Chefe de Estado, que está tudo no melhor dos mundos e continua a andar pelo país já em campanha eleitoral para as eleições europeias do próximo ano. Para nós, resumimos tudo isto a um termo: país adiado.

11 Set 2023

Clímax

[ponto ou grau máximo, estado final da evolução de uma formação vegetal ou de uma outra comunidade biológica em determinado meio. Momento de maior intensidade na acção que vai acelerar o desfecho. Gradação crescente. Origem etimológica do latim; Escala.]

Por tudo isto, e passe a grande esfera da sazonalidade dos órgãos reprodutores, nós estamos metidos num enorme Clímax! Atingimos o ponto «G» o não retorno naquilo que diz respeito às alterações climáticas, onde, e por insistentes exercícios do descaso, fomos firmando com imensa soberba e alienação o estertor dos nossos dias, mas haverá sempre um momento em que olhamos a globalidade e não nos deixamos circundar por “fogos” brandos e olhamos o momento da Terra: e há de facto um alarme gigantesco que percorre a nossa humanidade enquanto todo. Tentar auscultar a grande transformação pode ser tarefa inútil diante de muitos que da vida têm escassos anos para viver com a verdade quimérica que foi ter vivido ainda no melhor dos mundos. O que se passa, ultrapassa, trespassa, qualquer “fogo-fátuo” da cada vez mais inútil acção política, capacidade humana, e poderemos afirmar que estamos perto de mais uma etapa de aniquilação.

Mas, como fazermos? É claro que todas as forças se conjugaram em termos de evolução para que nos fosse permitido firmar a nossa soberania crescente em meio hostil, e sem dúvida que fomos essa espécie vencedora, combativa e intrépida que evoluiu com características quase milagrosas. Tivemos a Terra, tivemos os recursos e transformámo-los, tivemos tudo o que procurávamos por tentativas constantes da vontade, e isso é maravilhoso. Fomos verdadeiros Filhos de Deus, e só agora compreendemos que para que haja de nós memória há que inventar rápido o Filho do Homem. O nosso tempo esgota-se e a noção de humano fenece. Não tenhamos dúvida que este estertor nos há-de mais além levar à desaparição por baixo do sol e não creio que seja num futuro longínquo. Estamos no transbordo de um cataclismo.

O que nos resta fazer é ainda uma grande jornada de incentivo e ajuste pois sabemos que as guerras nos deram grandes planos de como vislumbrar o futuro, e uns com os outros, cingimos as técnicas da reconstrução e adiantámo-nos face ao adversário (e vice-versa) como se a nossa humanidade fosse um inteligente jogo de xadrez, mas o que estamos a viver é outra coisa que ainda não chegou aos códigos desfeitos dos jogadores. Nós estamos sem excepção, todos ameaçados. A Terra nunca nos contou o seu segredo, e nós guardamos poucos em nossas lides existenciais, e o mais trágico é que não sabemos nada dessa origem, e assim, no grande vácuo que nos separa, fomos construindo realidades paralelas que nada servirão neste arrebatamento.

«Valeu a pena a travessia»? Valeu sim! José Mário Branco. Quero dizer que sim, que estou com ele, que foi assim (poderíamos, no entanto, neste caso ter impedido muita coisa) pois nada existe que apague agora desta retina que escreve estas simples linhas, a velocidade a que se foge por uma estrada ao lado de outra onde parece já não haver ter retorno. E fugimos para onde? Muitas dúvidas nos assolam neste tempo transfigurado. É preciso naves e neves, e saber como sair daqui, deixando a quem, em substituição de nós, consiga testemunhar um gigantesco erro universal, que nos mundos vindouros pode ser tido por grande maravilha. A Terra não nos segredou o seu segredo, mas todos a questionámos. Todos, todos, todos.

8 Set 2023

Lula versus Lula

Realizou-se em Belém, no Brasil, em agosto do corrente ano, a quarta cimeira da Organização do Tratado de Cooperação Amazónica (OTCA), em que participaram os Chefes de Estado dos oito países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) em cujos territórios se localiza cerca de 99% da maior floresta tropical. Esta organização foi criada em 1995, mas realizaram-se apenas três cimeiras (1989, 1992 e 2009), antes desta, o que parece denotar pouco interesse pelo papel que deveria desempenhar, ou seja, contribuir para a preservação da Amazónia.

Como resultado desta cimeira foi redigido um documento com 113 pontos, dos quais sobressaem o compromisso de lançar a Aliança Amazónica de Combate à Desflorestação, a criação de mecanismos financeiros para o apoio do desenvolvimento sustentável da floresta e da cooperação no combate aos atentados ambientais de que é frequentemente vítima. Entre estes atentados, além da desflorestação, contam-se a mineração clandestina e a consequente poluição dos cursos de água, o que tem graves consequências para as populações indígenas e biodiversidade.

Partindo do princípio de que a preservação da Amazónia é imprescindível para a sustentabilidade do nosso planeta, também consta da Declaração a necessidade de exortar os países desenvolvidos a cumprirem os compromissos de disponibilizar e mobilizar recursos, incluindo cem mil milhões de dólares americanos por ano para financiamento dos países em desenvolvimento na sua luta contra as alterações climáticas.

Outro dos pontos da Declaração refere-se à criação do Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazónia, que terá como finalidade “promover a troca de conhecimentos e o debate aprofundado sobre estudos, metodologias, monitorização e alternativas para reduzir a desflorestação, impulsionar o desenvolvimento sustentável e evitar que o desequilíbrio ambiental na Amazónia se aproxime de um ponto de não retorno”.

Sem dúvida que a eleição de Lula foi uma vitória para os que zelam pela natureza, mas, passados alguns meses, o amor à Amazónia parece ter deixado de ser tão exacerbado, ou então as pressões são de tal maneira fortes que o Presidente do Brasil parece estar a perder o vigor com que defendia as energias limpas. Apesar de concordar com os que defendem a preservação da floresta amazónica, Lula da Silva deixa transparecer um certo desconforto quando defende o estudo para uma possível exploração petrolífera perto da costa do Estado de Amapá, não muito longe do estuário do rio Amazonas.

Seguindo o mau exemplo da Guiana, que tem faturado largos milhões de dólares com a exploração petrolífera ao largo da sua costa atlântica, a inclinação de Lula em permitir esta exploração tem levantado protestos da população de Marajó, ilha no estuário do rio Amazonas. Os derrames e fugas de petróleo que ocorrem com alguma frequência em explorações deste tipo podem degradar o ambiente aquático, prejudicando a biodiversidade e as comunidades pesqueiras. Poderão também afetar os mangais, ecossistemas sensíveis, imprescindíveis para o equilíbrio ambiental nas zonas de transição entre a costa e o mar nas regiões tropicais e subtropicais.

Entretanto, enquanto no Brasil ainda se discute se esta exploração vai avante, num referendo levado a cabo no Equador, em 20 de agosto último, cerca de 60% dos eleitores disseram sim à interrupção da exploração petrolífera no parque nacional de Yauni, na Amazónia, região caracterizada por ser uma das mais ricas em biodiversidade. Esta decisão veio na sequência da contestação de grande parte da sociedade civil equatoriana, nomeadamente das comunidades indígenas.

Marcio Astrini, diretor do “Observatório do Clima” (organização da sociedade civil que tem como objetivo principal zelar pelas questões relacionadas com o clima e o ambiente no Brasil) manifestou a sua opinião declarando «Esperamos que o governo brasileiro siga o exemplo do Equador e… deixe o petróleo do estuário do Amazonas no subsolo».

Durante a cimeira, também Gustavo Petro, presidente da Colômbia, criticou a falta de firmeza de Lula da Silva no que se refere à exploração petrolífera na Amazónia. Segundo Petro, esta exploração poderá contribuir para que a floresta deixe de ser um sumidouro de CO2 para se tornar num emissor deste gás de efeito de estufa.

Ainda segundo o Presidente da Colômbia, deveria criar-se um tribunal ambiental cujo objetivo seria julgar os crimes contra a Amazónia, que tem sido vítima não só de desflorestação, mineração ilegal e violência contra os povos indígenas, mas também de redes de tráfico de droga.

A cimeira de Belém não teria sido possível caso Bolsonaro tivesse ganho as eleições, na medida em que o ex-presidente é um negacionista convicto das alterações climáticas, tendo mesmo recusado a realização da COP28 no Brasil, o que constituiu um grave atentado ao prestígio internacional do país, atendendo ao compromisso assumido pelo Governo anterior. Durante o seu mandato (2019-2022) acentuaram-se as ações de enfraquecimento da legislação que protegia a sustentabilidade da Amazónia, o que foi uma das causas da desflorestação recorde. Em comparação com o mesmo período antecedente (2015-2018), a desflorestação aumentou quase 150%, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazónia (Imazon), aproximadamente 35.193 quilómetros quadrados, ou seja, quase um terço da área de Portugal.

Na sequência das críticas, Lula da Silva afirmou que o Estado brasileiro tem de tomar uma decisão, mas que não pode deixar de pesquisar. Claro que a Petrogas, contrariamente ao parecer do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), é favorável a esta exploração, argumentando que seria uma maneira financiar a transição energética sustentável, o que é manifestamente um contrassenso.

Há como que uma luta entre dois Lulas, um, defensor das energias renováveis, outro, permissível à exploração petrolífera que poderá afetar o estuário do rio Amazonas. É certo que a exploração seria em pleno Atlântico, já fora da Amazónia, mas suficientemente perto para que eventuais fugas de crude possam afetar o estuário do rio, com as consequências daí resultantes para a biodiversidade. Por outro lado, a implementação de novos projetos de exploração de combustíveis fósseis é contrária ao compromisso assumido pelo Brasil aquando da ratificação do Acordo de Paris em 2016, comprometendo-se a reduzir as emissões de gases de efeito de estufa em 37% até 2025, tendo como referência as emissões de 2005, e em 43% até 2030.

Se o bom senso predominar, o Brasil desistirá da exploração, tanto mais que é autossuficiente em petróleo. Entretanto, Lula da Silva vai assobiando para o lado…

*Meteorologista

7 Set 2023

O gelo certo

A semana passada foi publicada uma notícia na China continental sobre o uso excessivo de gelo nos refrescos de café, de que resulta a perda de concentração e de sabor da bebida.

Este caso não tem muito que saber. Em alguns estabelecimentos da China continental, dois terços dos copos que contêm os refrescos estão cheios de gelo e o outro terço é preenchido pela bebida propriamente dita. Independentemente da porção, concentração, ou sabor dos refrescos, os clientes sentem-se enganados. A avaliação sobre estas bebidas é a seguinte: “têm mais cubos de gelo do que café, e não mais café do que gelo.”

Quando um cliente compra um refresco de café na loja, pode pedir que sejam colocados o número de cubos de gelo do seu agrado. No entanto, se encomendar a bebida através da plataforma online, não é possível especificar o pedido. Isto acontece porque as plataformas não têm opção para indicar o número de cubos de gelo pretendidos.

Esta questão dos cubos de gelo não é nova. Em 2016, um consumidor dos Estados Unidos processou a famosa cadeia de cafés Starbucks e pediu uma indemnização. A Starbucks anuncia que os seus refrescos têm cerca de 7dl da bebida, no entanto, o gelo ocupa parte do conteúdo, pelo que a quantidade da bebida em si é menor. Estamos perante um caso de “misrepresentation” (“deturpação”). “Misrepresentation” é um termo jurídico do direito americano, que significa, neste caso, que a publicidade à bebida não está de acordo com os factos. No anúncio é dito que a bebida tem 7 dl e na verdade não tem. Existe deturpação na venda de produtos, se houver discrepância entre o que é anunciado e o que na realidade é vendido. A criação do termo legal “misrepresentation” tem como objectivo proteger os interesses dos consumidores.

Do ponto de vista do consumidor, a reclamação parece razoável. Mas do ponto de vista dos lojistas, o caso muda de figura. Como é que se pode servir uma bebida gelada se não tiver gelo? Em segundo lugar, temos de nos perguntar qual é o padrão que estabelece a quantidade de cubos de gelo que um refresco deve ter? Suponhamos que estabelecemos um padrão segundo o qual 3 dl de gelo é demasiado e 1,5 dl é pouco. Então, devem os consumidores pedir aos lojistas que meçam a quantidade de gelo que vão juntar às bebidas? Esta exigência iria criar um aumento da carga laboral da loja, uma diminuição da eficiência e um aumento do tempo de espera para ser atendido. Além disso, assumindo que a loja aceitava esta imposição, deveremos reflectir sobre o processo de vendas online. Uma bebida que vai ser entregue, pode levar 15 minutos a chegar ao seu destino, se, antes de sair da loja, lhe for adicionado apenas 1,5 dl de gelo, o mais certo é estar todo derretido quando chega ao cliente. A bebida gelada transforma-se numa bebida tépida. Se os consumidores reclamarem por este motivo, como é que as lojas podem lidar com a situação? Nos negócios, tem de se lidar com muitas questões.

A lei que define a “misrepresentation” e a exigência que os comerciantes anunciem os seus produtos de forma a reflectir a realidade, pretendem defender os direitos dos consumidores. Mas podemos pensar sobre o assunto, um copo de refresco de café custa menos de 50 patacas. Se um consumidor processar uma loja porque a bebida tem gelo a mais ou gelo a menos, que indemnização deve receber? Apenas 50 patacas? Os processos implicam muito tempo e dinheiro. Que sentido é que faz processar alguém para se receber 50 patacas de indemnização?

Evitar conflitos é a melhor forma de lidar com este tipo de problemas. Se o software da plataforma de encomendas online não tem a opção para escolher o número de cubos de gelo pretendido, deve passar a ter. As lojas também devem indicar nos menus que o cliente pode pedir a sua bebida com mais ou menos gelo. Desde que o cliente tenha escolha, o problema está resolvido à partida. Se os clientes continuarem insatisfeitos com a questão da quantidade de gelo, pedem à loja que lhes substitua a bebida por outra mais a seu gosto. Se a loja recusar a substituição do produto, o cliente pode considerar não voltar a comprar naquela loja produtos semelhantes. Estas medidas são mais eficazes e práticas do que pedir uma indemnização e levantar um processo.

No tempo quente, um refresco pode trazer alegria e prazer aos consumidores, não insatisfação e processos jurídicos. Esperamos que todos esqueçam os sentimentos negativos e desfrutem em conjunto dos refrescos de café.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

6 Set 2023

Ser toda a gente e toda a parte

Os falantes de cantonense gostam de brincar com os sons das palavras e, por isso, como 2 (yi) é homófono de “fácil”, 22 será “fácil- fácil”, ou seja, um número positivo, benevolente, prenunciador de boa fortuna. Ora para o Hoje Macau, que neste dia 5 de Setembro de 2023 completa 22 anos, o actual estado do sítio não pode ser considerado “fácil”. Porque não o é.

Connosco estão milhares de cidadãos de Macau cujas vidas foram profundamente alteradas pela pandemia. Pessoas cuja sobrevivência não depende dos turistas, não têm a sua sobrevivência ligada ao Jogo, mas que transformam esta cidade em algo mais que um gigantesco casino. São as pessoas reais, com problemas reais e vidas realmente prejudicadas e cuja retoma parece nunca mais chegar.

É certo que o Jogo retomou os seus lucros e os respectivos impostos ajudam o Governo a encher os cofres, esvaziados em parte pela incompetência demonstrada nos investimentos. Como também é certo que isso não abrange grande parte da população. São inúmeras as vozes que exigem ao Governo mais criatividade de modo a resolver os problemas deixados por três anos de inércia. Mas parece que Ho Iat Seng, tal como o seu antecessor, tem dificuldade em ouvir os lamentos da população. Ou, então, não encontra meios de responder de forma satisfatória.

De algum modo, este Executivo está a desapontar a população que tanto acreditou nele e, sobretudo, na existência de uma real proximidade. Só que quando as dificuldades apertam vemos o Governo preocupado com o futuro quando todos gostariam que se preocupasse com o presente, porque esse é que é o real, a vida de todos os dias, na qual temos cada vez mais dificuldades de manter a qualidade prometida.

Não, não nos esquecermos da promessa de Edmond Ho de uma “sociedade de excelência”, reafirmada por Chui Sai On. Quando todos os dias vemos que as pessoas, ali do outro lado das Portas do Cerco, dão por crescimento da sua qualidade de vida, como podemos encarar facilmente a regressão de Macau? A pandemia não servirá de desculpa para tudo. Encaremos o futuro com respeito mútuo, benevolência e sabedoria.

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Neste mundo que se quer e que vai ser multipolar, o Hoje Macau tenta cumprir o seu papel. Isto é, dar a conhecer em língua portuguesa esta extraordinária civilização que aqui nos acolhe e cujo papel no planeta não pára de crescer.

Como sabem os nossos leitores, temos publicado diariamente, na nossa secção “Via do Meio”, numerosos artigos sobre cultura chinesa que, trimestralmente, são refundidos numa revista. Chegamos este mês ao nosso terceiro número, que em breve estará disponível.

Só que, entretanto, Macau transborda para Portugal e o primeiro número da “Via do Meio” vai, ainda este Setembro, ser publicada em lusas terras. Cumprimos assim o nosso desiderato de não fazer de Macau um ponto abúlico, mas sim um centro de divulgação da língua portuguesa no Oriente, um lugar de tradução de chinês para português, uma cidade onde existe, a par com um Fórum económico, uma produção cultural que aproxima a China dos países onde se fala a língua portuguesa.

Pretendemos assim desempenhar o papel indicado por Agostinho da Silva que, em palavras transmitidas por Luís Sá Cunha, terá afirmado que é tempo de os portugueses empreenderem o caminho inverso ao que percorreram nos Descobrimentos, ou seja, ao invés de trazer a cultura Ocidental para o Oriente, levar a cultura Oriental para o Ocidente, isto é, unir o que se encontra separado. Porque esse foi sempre e deve continuar a ser o nosso papel, o nosso sonho, o nosso desejo íntimo, fundado na Batalha de Ourique, desenvolvido por António Vieira, refundido por Pessoa e recuperado por quem sonhou Abril: ser toda a gente e toda a parte.

5 Set 2023