Sobre o fim das corridas de cavalos em Macau

Jorge Godinho*

A indústria do jogo é rica e diversificada e, sobretudo, muito dinâmica. Alguns jogos crescem e atraem muita procura, como o bacará ou as apostas desportivas. Outras tipologias de jogo, pelo contrário, perdem terreno e vão sendo aos poucos abandonadas pelo público apostador. É o caso, olhando para a realidade de Macau, das apostas em corridas de cavalos, ou, olhando para Portugal, do totobola ou do bingo. As preferências e modas mudam, as várias gerações têm diferentes prioridades, a tecnologia evolui e potencia novos formatos de jogo. Deste modo, mudam os interesses dos jogadores; e o comportamento dos jogadores nunca é totalmente previsível.

Falamos muito dos jogos que têm grande sucesso e pouco dos que vão perdendo popularidade, procura e receita. Coloca-se aqui uma questão de fundo: quando uma tipologia de jogo começa a ter cada vez menos procura, o que deve o regulador fazer? Deve fechar ou deve tentar “salvar” a operação?

Por vezes tenta-se “salvar” uma certa tipologia de jogo moribunda através da atribuição à empresa que a explora de mais ou novas espécies de jogo, como slot machines. Nos Estados Unidos fala-se a este propósito de “racinos” (horse racing+casino), ou seja, operações de corridas de cavalos onde também existem máquinas de jogo para ajudar a financiar a operação e de a tornar sustentável.

Esta opção foi adoptada em Macau perante o falhanço financeiro das lotarias instantâneas (as chamadas “raspadinhas”), que nunca se implantaram, e existem hoje apenas de forma puramente nominal. A exploração começou em Dezembro de 1984, mas nunca teve grande sucesso. Como forma de “salvar” a operação, a concessionária respectiva foi autorizada em 1998 a operar igualmente apostas desportivas à cota. As lotarias instantâneas continuam a existir, mas têm uma receita bruta mínima, muito próxima do zero. A ligação com as apostas desportivas parece ser a única explicação para sua continuidade. Com efeito, perante a ausência de procura, o que se fez em 1998, ainda durante a administração portuguesa, foi atribuir à concessionária da exploração das lotarias instantâneas o direito de operar uma nova e completamente diferente tipologia de jogo: as apostas desportivas (que foram denominadas de “lotarias desportivas”). Esta forma de “salvar” um segmento da indústria do jogo não nos parece correcta. Desde logo porque na prática não é uma “salvação”, mas sim uma transformação.

Na verdade, o regulador acaba quase sempre por andar a correr atrás do mercado e não há muito que possa fazer. Se não existe uma procura sustentada, nomeadamente porque uma tipologia de jogo passou de moda ou perdeu o interesse do público, ou só é procurada por uma população envelhecida que joga cada vez menos, é difícil ou impossível ressuscitar uma procura que não existe.

Em Portugal, em relação ao totobola (que está moribundo e irremediavelmente ferido de morte) não se coloca a necessidade de o “salvar” visto que gravita no universo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que oferece uma vasta gama de tipologias de jogo. Nomeadamente, foi recentemente lançada pela Santa Casa uma nova lotaria transnacional denominada «EuroDreams».

Este problema ocorre hoje nos bingos em Portugal, que sucessivos Governos tentam sem sucesso “salvar” da extinção. Perante a cada vez mais reduzida procura desta tipologia de jogo, os operadores dos bingos oferecem uma solução: segundo notícias vindas a público, pretendem operar “bingo electrónico” ou mesmo apostas desportivas; passando assim, na prática, a operar tipologias de jogo muito diversas. Na nossa opinião, tal não deve acontecer.

Quando a procura não existe ou é insuficiente, e a operação de uma certa tipologia de jogo não é sustentável, só resta encarar a realidade de frente e encerrar a actividade. Assim, cabe reconhecer que a decisão do Governo de Macau, anunciada em 15 de Janeiro de 2024, de rescindir o contrato de concessão das apostas em corridas de cavalos, era a única possível.

* Professor de direito do jogo

jg.macau@gmail.com

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