Tânia dos Santos Sexanálise VozesAo léu [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] finais de Agosto fica a saudade de um Verão de aroma costeiro-rural ou a frustração de quem não pôde ficar de papo para o ar. Sofrendo de uma ou de outra, neste hemisfério norte é impossível não ficar indiferente à quantidade de pele em exposição, seja na praia ou no calor urbano, as indumentárias são as que favorecem o pessoal. Ainda para mais Verão rima com tesão. Há qualquer coisa no ar, nas peles bronzeadas que já passaram pelos pólens da primavera, manchas de sal e o cheiro a protector solar que suscita toda uma outra percepção do corpo e eventualmente, do sexo. Há uma liberdade hippie que se apodera dos mamilos mais tímidos e das pernas de todos os feitios. O entendimento do corpo nu, que é tendencialmente sexual, da exposição e do voyeurismo se alimenta nesta estação tão sexy. Contudo, estes nichos de libertação corporal são raramente a norma, porque da exposição à afronta não vai muito. Disto sabem as mulheres que viajam um pouquinho (ou muito). O corpo da mulher, de beleza mais do que reconhecida, transporta a política que a pele à mostra exige, até às formas que as sustêm. Ninguém fica indiferente às ditaduras do corpo e às culturas (paranóias) individuais e colectivas de ideais inatingíveis. Que seja um rabo gigantesco ou umas pernas palito, pele moreníssima ou de brancura leitosa, mamas grandes ou para quem prefira pequenas. A diversidade que deveria ser tomada como um parque de diversões – a descoberta do corpo novo! – tem o peso e a preocupação das normas de beleza em vigor. Experimentem passar uns três minutos (mais do que isso é tortura) a olhar para as capas de revistas ditas ‘femininas’ que tentam auxiliar as mulheres por esse mundo fora na sua prática de identidade de género. Do ridículo ao castrador se sentem as sugestões que perpetuam pura estupidez que muita revolta provoca. ‘O que os homens gostam’. Puff. Com os homens, as inseguranças são outras. Queria encontrar paranóias anedóticas das inseguranças do corpo, mas com pouco sucesso. Parece que a preocupação se deita na performance sexual e no medo de ficar nu só com meias. Não acho absolutamente terrível tal imagem mental, mas para os que se preocupam: é tirar as meias assim que se tirar as calças. Garantias de não ficar preso no ‘sock gap’. Mas no Verão talvez não seja tão problemático, talvez usem chinelos e sandálias mais regularmente. Sabemos também que os homens são percebidos como mais visuais que as mulheres, ou seja, dependem mais do estímulo visual para pô-lo para cima e as mulheres menos, para ficarem molhadas. A evolução explica o fenómeno pela necessidade das mulheres copularem, não com genes bonitos, mas com os indivíduos mais capazes de assegurar a protecção no complicado processo que é criar filhos (no tempo em que o sexo era só para isso). Os homens, por seu lado, na futilidade evolutiva, procuram meninas de carga genética invejável, para ter a certeza que a linhagem continua. Se hoje isto faz sentido, deixo ao vosso critério. Mas que não é fácil viver com o fantasma da futilidade e superficialidade quando se quer ter uma relação sexual saudável, não é. A praia para estes lados ocidentais, de uma forma terapêutica, corta com qualquer pudor que os corpos que menos se assemelham a cartazes publicitários possam ter. Há um orgulho especial entre homens e mulheres de todas as idades, na celulite, no peito mais ou menos caído, numas barrigas mais ou menos cheias de cerveja. De uma beleza natural, de um desenvolvimento natural, torna-se num alívio saber que HÁ diferenças, lindas de morrer. Todo o orgulho transportado neste veículo potenciador de orgasmos influencia toda a e qualquer actividade sexual. Porque o sexo precisa de uma entrega total, da sensualidade feminina ao vigor masculino, pela sua dinâmica e comunicação. Nesta minha reflexão semanal, onde todos e todas exibiam tudo o que de melhor tinham, pensei no sexo, no seu corpo, e nas suas limitações físicas, mas que de pouca realidade são encaradas. Pensa-se no pénis e no clitóris – sim, partes extremamente importantes – mas que se possa estender para todo e qualquer pormenor do corpo, com mais ou menos interesse. Pés, pulsos, joelhos, cocuruto, de homens e mulheres. Pensem nos vossos corpos como templos eternos de prazer onde esse órgão enorme, a pele, se aproveita de toda e qualquer carícia que haja para oferecer. Sim, os homens têm um tecido adiposo mais grosso e talvez não se arrepiem tanto como as mulheres o fazem. Mas também gostam de festinhas. Festinhas, lambidelas, apalpões. Com os nervos da performance do casal igualmente, pessoas atacam única e exclusivamente as zonas erógenas nesse momento tão crucial pré-coito – os preliminares. Não totalmente errado, mas aborrecido. Aproveitem o calor e desfrutem (quiçá com umas rapidinhas ou lentinhas ao ar livre). Mais preliminares em breve.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesHackers contra Ashley [dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ecentemente, ou mais exactamente no dia 20 de Agosto, o periódico “South China Morning Post” de Hong Kong publicou uma peça relativa ao website “Ashley Madison”, propriedade da companhia “Avid Life Media”. De acordo com a “wikipedia”, este site tornou-se famoso pois “Ashley Madison, apesar de sedeado no Canadá, fornece um serviço online de procura de parceiros sexuais em todo o mundo, assim como a possibilidade de promoção individual através desta rede social, mas destinado a pessoas que estão ou casadas ou que se encontram envolvidas numa relação séria. O slogan utilizado pela empresa chega mesmo a recomendar ‘A vida é curta, desfrute de uma infidelidade’. Até Julho de 2015, o site registava mais de 37 milhões de utilizadores, apesar de na Ásia, só se encontrar disponível para residentes de Hong Kong, Israel, Japão, Filipinas, Taiwan, Coreia do Sul e Índia. Além disso, a “wikipedia” acrescenta ainda que “no dia 15 de Julho de 2015, o site foi atacado por uma equipa de hackers, ou piratas cibernéticos, que se auto-denomina ‘The Impact Team’. Estes indivíduos afirmaram ter roubado a informação pessoal dos utilizadores deste site, e ameaçaram divulgar esta informação, onde se pode encontrar o nome verdadeiro dos utilizadores, caso o site não fosse imediatamente encerrado. Devido à política do site de não apagar a informação pessoal dos utilizadores, incluindo o nome verdadeiro, moradas, detalhes bancários e historial de busca, muitos dos utilizadores recearam vir a ser humilhados em público. No dia 22 de Julho, e conforme havia sido anunciado, os primeiros nomes de utilizadores foram divulgado, ficando prometido divulgar o resto da informação no dia 18 de Agosto.” O que fica por esclarecer é, o que levou este grupo a atacar o site “Ashley Madison”? A resposta pode talvez ser obtida através da análise de posts colocados em “menclub.hk”, que se julgam ser da autoria do mesmo colectivo. Aqui podia-se ler “a Avid Life Media (ALM) não cumpriu a promessa de encerrar tanto o Ashley Madison como o ‘Established Men’ (outro site do género que se especializa em ajudar jovens mulheres a encontrar homens já estabelecidos na vida). Já explicamos o fraude, a mentira e a estupidez da ALM e de todos os seus membros. Agora todos vão poder saber quem estes são na realidade.” Será possível que algum dos vossos contactos íntimos esteja incluído neste grupo? Não nos podemos esquecer que este site é fraudulento, pois milhares dos seus perfis de mulheres são fictícios. De acordo com processos legais contra si erguidos, podemos concluir que de 90% a 95% dos seus utilizadores são do sexo masculino. O mais provável é que quem tiver se inscrito neste site julgava tratar-se da maior base de dados a nível mundial destinada a facilitar o adultério, porém tal situação não deve sequer ter sido alguma vez realidade. Os comentários dos hackers acrescentavam ainda “você está aqui inscrito? Foi a ALM que vos deixou mal e que vos enganou. Levem-nos a tribunal e peçam uma compensação financeira. Depois sigam com as vossas vidas. Que esta experiência vos sirva de lição. Agora podem se sentir envergonhados, mas hão de superar este obstáculo.” Devido à recusa em encerrar o “Ashley Madison”, um total de 9.7 GB de dados pessoais de clientes foram tornados públicos. Só de Hong Kong registaram-se no site 10 mil clientes individuais, tendo alguns destes fornecido o seu email profissional para contacto. E, através destes endereços electrónicos, podemos depreender que muitos trabalham na função pública e no departamento de educação, encontrando-se inclusive entre estes um repórter de uma das maiores cadeias televisivas do território. Este ataque informático originou muitos comentários por parte dos cibernautas locais, tendo muitos deles optado por gozar com a situação. Um dizia, por exemplo, “que o caso Ashley Madison é uma excelente forma de me relembrar para usar o nome do meu sogro sempre que me inscrevo num site através da internet”. Outro notava que “hoje, os advogados de divórcio, os floristas e os proprietários de joalharias devem ter ganho a lotaria”, visto serem estas as opções normalmente disponíveis para aqueles que são acusados de adultério. Ou “se receberem flores hoje mas esta data não coincidir nem com a sua data de nascimento nem com a data em que conheceram o seu amante, é melhor telefonarem para os vossos advogados”. E, se uns admitiam a impossibilidade de traírem as suas mulheres com “eu não preciso do site da Ashley Madison, pois já disponho do Netflix” (um site de filmes), outros afirmavam talvez já ter ouvido falar do site, “este Ashley Madison é um sítio para descobrir nomes de bebés, certo? No mínimo, era isso que a minha mulher dizia quando estava grávida com a minha filha Tinder” (outro site para conhecer pessoas) ou “temos que contratar os tipos da Ashley Madison para nos ajudar a encontrar ISIS”. Mas não vamos nos deixar levar apenas pelo cómico da situação, pois o caso “Ashley Madison” merece algumas sérias considerações.[quote_box_left]Esperamos no mínimo que o caso “Ashley Madison” nos ajude a compreender que, caso alguém seja apanhado a trair o seu marido ou mulher, a sua vida será certamente prejudicada e não enriquecida, como promovia o site com o seu já famoso slogan[/quote_box_left] Primeiro, não nos podemos esquecer que o “Ashley Madison” serve de plataforma para que pessoas casadas possam trair os seus conjugues. Como os conceitos de lei e de moralidade variam de região para região, o negócio deste site pode porventura estar a quebrar a lei em alguns destes locais, ou no mínimo a lei moral. Em Hong Kong, por exemplo, o Governo concedeu uma licença de operação ao “Ashley Madison” em 2013, mas em Singapura, a Media Development Authority anunciou em 2014 não autorizar este serviço na cidade-estado, tendo em conta que o mesmo promovia o adultério e ia contra os valores familiares tradicionais. As consequências de quebrar a lei são diferentes daquelas a que estão sujeitas os que quebram os ideais morais. Aqueles que quebrarem a lei estão sujeitos a sentenças obrigatórias como penalidade, podendo mesmo vir a enfrentar tempo de prisão, mas a violação dos ideais morais acarreta apenas a crítica da população, podendo nestes casos os arguidos ser obrigados a contrair o divórcio, por exemplo. Em segundo lugar, os responsáveis por este ataque cibernético violaram com certeza a lei criminal ou no mínimo as leis que regem o ciberespaço, pois acederam aos dados pessoais dos utilizadores. Ao mesmo tempo, violaram o direito à privacidade destes utilizadores, pois os seus dados pessoais foram feitos acessíveis a toda a população. Mas podemos sempre defender que estes hackers pretendiam combater este apelo à infidelidade como forma de evitar o divórcio de muitos casais e assim manter essas famílias intactas, certo? Nesse caso, será que tinham razão ao decidir atacar este site? Em terceiro lugar, como os hackers tornaram público o número imenso de perfis de mulheres que eram fictícios, será que estes devem ser acusados de ter quebrado a lei ou então aplaudidos por defender os interesses do consumidor? Tendo em conta todas estas considerações, o que acham então os nossos leitores? Este ataque foi benéfico para a sociedade ou, pelo contrário, foi meramente um acto de vandalismo que deve ser punido de acordo com a lei? Esperamos no mínimo que o caso “Ashley Madison” nos ajude a compreender que, caso alguém seja apanhado a trair o seu marido ou mulher, a sua vida será certamente prejudicada e não enriquecida, como promovia o site com o seu já famoso slogan.
Rui Flores VozesISIS e a falência do modelo das liberdades e prosperidade [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]final, o que é o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS, na sigla inglesa)? Como é que se explica que, em pleno Século XXI, uma organização terrorista que se transformou numa entidade política que administra um território com acesso a recursos estratégicos como o petróleo, recorra a práticas tão violentas como a decapitação? Que apelo é que tem esta entidade que leva alguns milhares de pessoas a deixarem a sua vida pequeno-burguesa nos subúrbios de Paris e de Londres, para ir combater ao lado dos insurgentes? Dito de outra forma, em que estado se encontra a sociedade “ocidental” para que alguns de nós deixem tudo para trás – família, irmãos, pais, nalguns casos, mulheres e maridos – para se juntarem a um grupo de criminosos? Antes de analisar as condições que permitiram o florescimento do Estado Islâmico, duas notas sobre a forma como a chamada “comunidade internacional” tem lidado com esta ameaça. O ISIS continua a controlar um vasto território entre a Síria e o Iraque devido, em parte, à incapacidade dos serviços de informação em avaliarem com rigor a ameaça que poderia constituir para as potências mundiais um movimento que se construiu no terror, na brutalidade exibicionista, sobretudo em relação às mulheres e a minorias étnicas e religiosas, e que procura na internacionalização a sua principal fonte de crescimento. As posições públicas do presidente norte-americano sobre o ISIS são um bom exemplo de como os principais líderes ocidentais não conseguiram identificar atempadamente o que se estava a passar no Médio Oriente, nem o “caldo de cultura” que permitiria à organização crescer. No mesmo mês em que o ISIS conquistou a cidade de Faluja, no Iraque, em Janeiro do ano passado, Obama minimizou o movimento comparando-o a uma equipa de basquetebol júnior do campeonato universitário norte-americano. Após ter afirmado que a melhor estratégia para combater organizações terroristas não seria a invasão de países terceiros e de ter autorizado a formação de movimentos rebeldes moderados na Síria, Obama acabou, mais tarde, por dar luz verde a ataques aéreos a alvos estratégicos do ISIS. Pelo meio, quatro americanos foram mortos pelo Estado Islâmico. Enquanto a administração norte-americana ziguezagueava sobre a resposta a dar, o ISIS foi consolidando posições e tornou-se numa plataforma de acolhimento de ocidentais, em parte devido a uma poderosa máquina propagandística que divulga eficazmente na internet os seus apelos e ideias. O investigador indiano Pankaj Mishra, autor, entre outros, do livro “From the Ruins of Empire: The Revolt Against the West and the Remaking of Asia” (2013), vê na capacidade do Estado Islâmico em atrair ocidentais uma nova expressão da falência do modelo ocidental de organização político-económica. Nas páginas do britânico The Guardian, Mishra escreveu recentemente um ensaio em que detalha que o ISIS explora para a sua vantagem o facto de muitos de nós vermos o mundo a preto e branco. Um aproveitamento que muitos fizeram no passado e muitos outros fazem no presente: basta ver e ouvir políticos em campanha eleitoral. Um mundo de uma aflitiva pobreza narrativa, que se resume a nós e eles. A nós contra eles. Esse mundo mostra que a perspectiva da prosperidade e da liberdade para todos – uma ambição das democracias liberais ocidentais, construção que os Estados Unidos da América e a Europa ousaram exportar para a Ásia e África, assente num conjunto de liberdades e numa organização económica capitalista – não passa de uma promessa inalcançável. De certa forma, é a própria construção europeia que está afectada. Afinal, a União tem sido construída na premissa da paz e da prosperidade. O que é facto é que as diferenças socioeconómicas são profundas, não apenas entre os diversos Estados, mas sobretudo no interior dos Estados. E a integração das minorias não tem sido totalmente eficaz.[quote_box_right]A promessa de paz e prosperidade associada às democracias liberais parece já não convencer todos. A prosperidade tem tido os seus revezes. E a disparidade de rendimentos e das condições sociais não tem diminuído, sobretudo após anos de crise económico-financeira[/quote_box_right] Cada vez mais pessoas sentem que existe uma enorme diferença entre as promessas de liberdade e prosperidade e a incapacidade das estruturas político-administrativas, de que fazem parte, em as concretizar. Como se um certo modelo se tivesse esgotado. A promessa de paz e prosperidade associada às democracias liberais parece já não convencer todos. A prosperidade tem tido os seus revezes. E a disparidade de rendimentos e das condições sociais não tem diminuído, sobretudo após anos de crise económico-financeira. O que leva muitos de nós a pensarem “O que faço eu aqui?”, e a terem dúvidas sobre a capacidade de subirem a escada social. Este é, em traços muito gerais, o universo de recrutamento do Estado Islâmico. A sua capacidade de recrutamento é considerável no mundo árabe, naturalmente. Segundo as estimativas conhecidas, no seu todo, 17 mil pessoas – sobretudo jovens –, oriundas de 90 países, terão viajado para a Síria e Iraque para combater. Da Tunísia, onde a Primavera Árabe começou (e que ambicionava a construção de um novo Estado, mais igualitário, mais justo, mais tolerante), terá partido o maior contingente. Um recente inquérito online do canal árabe da Al-Jazeera recolheu 81 por cento de votos favoráveis sobre a relevância da acção do Estado Islâmico. Essa capacidade de recrutamento é menor no mundo ocidental, mas segundo alguns cálculos, 3400 pessoas deixaram as liberdades e a prosperidade do Ocidente para se voluntariarem no Estado Islâmico. Embora estes números indiciem uma certa crise de um modelo incapaz de enquadrar e motivar todos, há um quadro de valores morais que subsiste e que ainda é a referência para a grande maioria. Até quando persistirá?
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesPara um conceito de “internacional” [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m navegação inconsequente no Facebook deparei-me com o seguinte artigo, que mereceu milhares de likes e resmas de comentários: “Benefits of Being Bilingual”. E a minha primeira reacção foi: mas, o quê, então ainda existem pessoas que não falam mais do que uma língua?.. Não me entenda mal, caríssimo leitor, não se trata de arrogância da minha parte. É claro que essas pessoas ainda existem, sobretudo as que pertencem a uma geração mais antiga. E não há nada de errado aqui, pese embora a minha avó ter 90 anos e ser bilingue. O que me levou a ter aquela reacção foi o facto de (1) o artigo ser escrito por uma jovem universitária, (2) o visível e assumido entusiasmo e show-off pelo facto de ser bilingue, como se fosse algo do outro mundo, e (3) a autora do artigo ser norte-americana. Uma das experiências mais ricas da minha vida foi o meu 4º ano da faculdade que foi em Nápoles, em conjunto com cinco colegas do Porto, ao abrigo de uma bolsa do programa Erasmus da União Europeia. Foi um ano de (alguma) absorção académica e (muito) convívio com colegas universitários dos vários cantos da Europa. E, naturalmente, também com colegas locais, já que a nossa língua veicular era o italiano. Muitas são as histórias desses tempos que, infelizmente, não podem ser aqui contadas. Não obstante, o que merece a pena ser aqui contado é que nós, portugueses em Nápoles, ganhámos rapidamente a fama de ser os que mais línguas estrangeiras falavam. E junto de toda a gente: na faculdade, junto dos professores e dos alunos; na noite, junto da comunidade dos bolseiros Erasmus onde se contavam espanhóis, alemães, austríacos e gregos, entre outros. Por incrível que possa parecer, na faculdade os professores e alunos com quem tivemos contacto dominavam apenas uma língua: o italiano. Pelo que, quando vieram a saber que nós, portugueses, falávamos também inglês e algum francês – tendo-lhes até explicado que em Portugal era normalíssimo, já que no nosso sistema de ensino são duas as línguas estrangeiras – ficaram pasmados pois, em conjunto com o italiano, isto fazia de nós trilingues (e quadrilingue no meu caso, com o chinês). Mas será que isso acontece pelo facto de nós, portugueses, termos mais inclinação para línguas? Não. Fundamentalmente, existem aqui, para mim, dois factores que devem ser analisados. Em primeiro lugar, há que perceber que Portugal é um país pequeno, com uma população de 10 milhões de habitantes. O nosso mercado doméstico tem pouco peso, pelo que em muitos aspectos consumimos e dependemos do que vem de fora. Na faculdade, por exemplo, habituei-me a estudar com livros em francês, espanhol ou inglês, pois era vulgar não existir versão em português das obras dos grandes mestres. Aliás, que me lembre, os poucos livros em português que tive na faculdade eram na verdade traduções de português do Brasil. Este sim, um país com um grande mercado. Em segundo lugar, talvez pelo facto de sermos originários de um pequeno país, somos humildes e temos um comportamento que se calhar os outros povos nem sempre têm: raramente adoptamos a atitude do “és tu que tens de me compreender”, pois funcionamos ao contrário, “sou eu que tenho de te compreender”. Ora, que língua fala o português quando está em Espanha? Fala portunhol, certo? E o espanhol em Portugal, tem a mesma atitude? Não, não tem. Pelo que, em Nápoles, éramos seis portugueses em Itália e procurámos falar italiano desde o início e sem complexos. Muito improvisámos no começo, tipo portunhol, já que nenhum de nós tinha tido aulas de italiano, ao contrário dos alemães ou espanhóis, enfim, mais bem preparados e organizados que nós. Mas isso nunca nos impediu de avançarmos sem medos, não fossemos nós, portugueses, os campeões no campo da improvisação. Estou-me a lembrar de um amigo meu que disse uma vez “quarta-fieri” no lugar de “mercoledí”. Foi uma risota total. Há também a história de andarmos na faculdade à procura do “gabineti di relazioni internazionali” e, seguindo as informações de um funcionário que nos indicou o caminho, fomos parar a umas casas de banho. Ora, em italiano correcto o que procurávamos era o “ufizzio dei rapporti internazionali”. Pois “gabinetto” em italiano significa casa de banho… Demos as nossas cabeçadas, é verdade. Mas em pouco tempo tornámo-nos verdadeiramente fluentes em italiano e perfeitamente integrados no meio. Não sei se o Mourinho passou pelo mesmo. O que sei é que duas semanas após a sua chegada a Itália como treinador do Inter, surpreendeu tudo e todos quando se expressou fluentemente em italiano na sua primeira conferência de imprensa. Em contrapartida, Fabio Capello, na qualidade de treinador da selecção nacional inglesa de futebol, sempre se demonstrou incapaz de se expressar em inglês nas conferências de imprensa, explicando caricatamente aos jornalistas ingleses as suas opções e tácticas futebolísticas em italiano, dando origem a um cenário hilariante no mínimo. Coitadinho. Há que compreender que, em Itália, tudo funciona em italiano. Um dia, os meus amigos italianos convidaram-me a ir ao cinema para assistir a um filme chamado “Il Miglio Verde”. Pensava que se tratava de uma produção local. Qual quê. Era na verdade o “The Green Mile”, um filme americano. E foi tudo dobrado: pela primeira vez na minha vida vi Tom Hanks a falar italiano. Incrível. Posteriormente, foi-me explicado que em Itália a dobragem é em si uma arte reconhecida e a voz em italiano de determinada estrela de Hollywood é sempre interpretada pelo mesmo artista. E esse artista é, em seu pleno direito, uma estrela em Itália – porque é a voz “oficial” daquela estrela de Hollywood. Ou seja, se fosse assistir ao “Foresta Gump”, iria ouvir a mesma voz em italiano da boca do Tom Hanks. Surreal, não? A verdade é que é assim em muitas partes do mundo. Ouvi histórias semelhantes dos meus amigos espanhóis. Aliás, todos nós já ouvimos falar do “Juanito Andante” nos bares espanhóis e dos grupos musicais “Las Pedras Rolantes” ou “Las Chicas Piri-piri”, certo? (*) No entanto, como nós, portugueses, temos a sorte de vir de um pequeno país com pouca importância no palco internacional, e dada também a humildade acima explicada, habituámo-nos a não poder contar com a nossa língua para muita coisa. Pelo que falamos também as línguas dos outros. (**) Porque muitos desses outros estão habituados a ter um comportamento diferente que se define por uma certa arrogância na imposição da sua língua como critério universal a seguir. Tornam-se então extremamente redutores e, em particular, no que concerne aos ilustres de língua materna inglesa, tendem a camuflar a coisa toda com um conceito de “internacional” globalmente estabelecido o qual, para mim e até certo ponto, não passa de uma grande treta. Não há dúvidas de que o inglês é a língua comum mais vulgar quando indivíduos de línguas maternas diferentes têm de interagir entre si. Contudo, estou farto de pessoas que me vêm dizer que no passado recente Macau se transformou numa cidade “internacional”. E depois há também as escolas “internacionais”. Ora, esse conceito de “internacional”, quer me parecer, prende-se unicamente com o uso da língua inglesa e nada mais. Por essa razão, para esses ilustres monoglotas, Hong Kong e Singapura são cidades “internacionais”. Assim, para provocar, vou até ignorar o facto de Hong Kong e Singapura serem praças financeiras internacionais e deixar aqui escrito que muitos consideram essas cidades “internacionais” pelo simples e superficial facto de o inglês ser uma língua comum nesses territórios, do domínio de todos. Pelo que, o gwailou que não fala outra língua senão o inglês, integra-se bem nessas cidades que, por conseguinte, são por ele classificadas como “internacionais”. Em contrapartida, como em Macau nem todos falam inglês – e mais, alguns nativos até falam uma língua estranha que se chama português e que ninguém consegue mesmo entender para que serve – essa cidade já não é “internacional”. Talvez daí, por isso, todo o fogo-de-artifício da autora do “Benefits of Being Bilingual”. Pois no universo fechado e simultaneamente “internacional” da autora, falar mais do que uma língua é algo de transcendental e motivo de celebração flamejante no Facebook. Caríssimo leitor, seja justo e diga-me aqui, entre nós, em português e com sinceridade: afinal, no meio disto tudo, quem é que é o verdadeiro “internacional”? Vou lançar um foguete. Sorrindo Sempre Em tempos dediquei um artigo às caricatas e absurdas situações que tenho de enfrentar pelo facto de o meu nome não bater certo com a minha cara. A saga continua, mas agora trata-se do meu filho que, com apenas 4 anos, já atura o que o papá atura. Interacção entre um funcionário de um hotel na cidade “internacional” de Hong Kong, o meu filho e eu: – Hello little boy! What’s your name? – Diogo. – Diego? – No! Diogo! – Should be Diego, right? – Well, Diego is Spanish and Diogo is Portuguese. (devolvi simpaticamente) – Oh, I see… And what made you give him a Portuguese name? (com ar de engraçadinho e sorriso cínico) – Because we are fu**ing portuguese. (dito em segredo, a 32 cm do ilustre e com os olhos nos olhos) Sorrindo sempre. (*) The Rolling Stones e Spice Girls. (**) No entanto, o português em Macau não fala chinês. Por motivos particulares que vou deixar para outro artigo.
Isabel Castro VozesAs meninas más vêm de fora [dropcap= ‘circle’]E[/dropcap]u gostava de ter uma revista, daquelas que as pessoas lêem e guardam até deixarem de ter espaço em casa. Também gostava de ter um jornal. Uma revista e um jornal. E uma rádio, que sem rádio não vivo. Gostava de ter estas coisas que são o meio em que trabalho porque gosto de projectos, de ver os projectos a assumirem contornos, a ganharem conteúdo, a tornarem-se mais do que projectos. Mas eu não tenho nem uma revista, nem um jornal, nem uma rádio. Acontece assim. O patronato não é para todos, é só mesmo para alguns, e estas coisas dos projectos têm muito que se lhe diga, a começar pelo capital. Os jornais e as revistas precisam de gente que os faça, as pessoas que fazem os jornais e as revistas precisam de salário para viver, e isto de ser empresário não é para todos. Apesar de, em Macau, os requisitos serem outros. As regras do jogo aqui são diferentes. Acho imensa piada ao discurso de quem, tendo um negócio aberto, luta contra os direitos mais básicos dos trabalhadores por causa do impacto que essas pequenas regalias terão na folha de Excel no final do ano. Têm a tenda aberta, mas são contra uma licença de maternidade digna desse nome e opõe-se à criação de uma licença de paternidade. Fazem um chinfrim de cada vez que se fala na revisão da lei das relações de trabalho – pior, mandam os seus na Assembleia Legislativa dizer em voz alta que é preciso mudar a legislação, para que o patronato seja verdadeiramente protegido. Não que as preocupações do patronato me passem ao lado, apesar da minha falta de vocação para mandar: é inegável que as empresas de pequena e média dimensões têm sofrido com os aumentos das rendas, com o aumento dos custos, com o aumento de quase tudo o que faz mal ao bolso de quem tem a porta aberta. Quem anda à chuva corre sempre o risco de se molhar. Tenho uma notícia: a vida também ficou mais cara para quem trabalha por conta de outrem. E tenho ainda outra notícia: há quem queira muito ter o seu negócio e não o possa fazer. Eu não tenho a minha revista. Nem o meu jornal. Nem a minha rádio. Escrevo e falo nos dos outros. É uma chatice? Não. É a vida. Em Macau existe uma certa mania da perseguição aos trabalhadores, vinda de alguns sectores que não consigo classificar – até porque existe, cada vez mais, uma certa promiscuidade social a alguns níveis. Esta mania da perseguição aplica-se aos trabalhadores locais, em questões como aquelas que já aqui escrevi, e também – ou sobretudo – aos trabalhadores que chegam de fora. Esta semana, os jornais contaram-nos que a União dos Empregadores Domésticos de Macau – cuja existência desconhecia e cujo trabalho continuo a desconhecer – vai fazer uma manifestação contra as empregadas domésticas. Na origem deste invulgar protesto está um caso complicado: um bebé de dois meses terá sido maltratado por uma empregada doméstica que, à data em que este artigo é publicado, é inocente. O julgamento ainda não aconteceu. Os patrões das empregadas domésticas vão, portanto, sair à rua para se manifestarem contra as pessoas a quem deram trabalho. Seria mais ou menos a mesma coisa que eu sair para a rua a gritar contra a redacção da minha hipotética revista. Pelo que me foi dado a conhecer, esta união de gente preocupada com as pessoas que mete em casa considera que deve haver legislação especial para as empregadas domésticas. E uma lista negra das meninas más. São a favor de uma diminuição dos direitos, algo que não consigo sequer imaginar: como toda a gente sabe, os direitos das empregadas domésticas são quase nenhuns e os que existem são frequentemente violados. Há histórias de empregadas internas a dormir com cães. Há histórias de empregadas domésticas que são obrigadas a devolver parte do salário que lhes é depositado, a forma esperta que os patrões encontraram de contornarem a obrigatoriedade do depósito bancário. Há histórias de empregadas domésticas que não descansam as horas suficientes que constam da lei. E há outras histórias, piores ainda. Às empregadas domésticas nem sequer é dado o direito de mudarem de patrão se estiverem descontentes. Se saírem à rua contra os patrões, podem começar a fazer as malas e a preparar o passaporte, se estiverem na posse dele. A história do bebé maltratado é trágica, como todas as histórias de maus-tratos, principalmente aos mais indefesos. Levam-nos sempre ao umbilical pensamento de que podíamos ser nós as vítimas da situação. Mas sobre esta história ainda há muito para perceber e não compete a ninguém que não a um colectivo de juízes julgar quem tem de ser julgado. Quem não quer correr riscos ou sabe que não os pode correr, não corre. A gente unida contra as empregadas domésticas tem bom remédio: recambia quem contratou e dedica-se a esfregar sanitas, lavar-estender-e-passar a roupa a ferro, fazer as camas, aspirar, lavar a frota automóvel da família, fazer o almoço e o jantar, ir buscar as crianças à escola, dar banho às crianças e ao cão, ir passear o cão, ir passear as crianças, aturar a birra das oito da manhã do mais novo, tão queridinho e tão chatinho, aturar a birra das oito da noite do mais velho, tão bonitinho e tão parvinho, pôr as crianças a dormir e lavar a louça do jantar, que esta noite houve convidados e é tudo a quadruplicar. A vida é assim: até para se ser patrão é preciso ter jeito. Pena que os desta terra nem mandar saibam que, para se mandar com resultados, é preciso saber, antes de mais, o que significa o respeito.
Arnaldo Gonçalves VozesO imbróglio de Calais [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]egundo relata o diário ‘Le Figaro’ os ministros do Interior da França, Bernard Cazeneuve e da Inglaterra, Theresa May, deverão assinar esta semana um novo acordo de cooperação bilateral visando responder à crise humanitária no porto de Calais, decorrente do afluxo de centenas de migrantes africanos que procuram chegar à Grã-Bretanha. Nos termos do acordo, revelado nas suas linhas gerais, visa-se conjugar esforços na ‘luta contra as redes criminosas de passadores, traficantes de pessoas e emigração clandestina’. O acordo prevê o reforço do dispositivo humanitário existente no local (centro de acolhimento Jules-Ferry) em articulação com autarcas locais e associações humanitárias. O centro providencia socorro de primeira necessidade aos migrantes que intentam chegar a solo britânico por ferry ou através do túnel do Canal da Mancha. Neste momento, centenas de migrantes vivem no centro de acolhimento que lhes oferece duche e uma refeição diário apesar das difíceis condições de acolhimento. Um reforço do contingente policial e das vedações no cais de embarque foi já feito mas os peritos duvidam que as medidas tomadas resolvam o problema que apresenta uma dupla dimensão: humanitária e de segurança. A Europa não tem logrado encontrar uma resposta conjunta e sustentável para a onda de emigrantes no seu litoral os quais em Julho passado atingiam as 107 000 pessoas (o triplo de há um ano) segundo a agência europeia Frontex. Talvez em nenhum outro ponto se acentue o fracasso das políticas comuns como na política de justiça e assuntos internos. Aquilo que ficou chamado como o terceiro pilar da União Económica e Monetária do Tratado de Maastricht. Ela previa a concertação de esforços comuns no capítulo do terrorismo, da imigração clandestina, da política de asilo, do tráfico de drogas, da delinquência internacional, das alfândegas e da cooperação judicial. Vinte anos depois de ter sido equacionada os resultados são confrangedores. As razões para esta implosão são várias. Desde logo o irrealismo da política; segundo, a falta de liderança numa vertente essencial à segurança interna e externa da União Europeia; terceiro, a questão da identidade europeia. Irrealismo da política porque os conceptores do modelo de cooperação reforçada imaginaram que com a dotação dos Fundos Estruturais e a canalização de substanciais ajudas humanitárias aos países donde prov(inham)(êm) esses emigrantes o problema ficaria solucionado na origem. Como? Criando-se postos de trabalhos e programas de assistência aos grupos sociais que buscam emigrar a qualquer custo. No período de 2000 a 2005, cerca de 440 000 pessoas emigraram de África para solo europeu. Em 2007, a BBC noticiava que segundo dados fornecidos da Organização Internacional de Migrações cerca de 4.6 milhões de emigrantes africanos viviam na Europa. Segundo o Instituto para a Política de Migração, um think-tank baseado em Washington, esse número deveria ser, pelo contrário, de 7 a 8 milhões de pessoas. Em 2014, a operação de protecção das costas marítimas europeias chamada ‘Operação Triton procurou, sem sucesso, impedir a chegada de vagas de emigrantes à ilha de Lampedusa, ilha italiana situada entre a Europa e África. No ano transacto cerca de 170 000 pessoas aportaram a Itália por via marítima, sendo originárias da Líbia, da Síria, do Corno de África e da África Ocidental. O balanço da política europeia de emigração é calamitoso. Não só os postos de trabalho nos países africanos não foram criados como os fundos de assistência desapareceram nos interstícios das agências governamentais e das cliques que governam esses países africanos. Por outro lado as redes criminosas de passadores de migrantes cresceram, em exponencial, interligando-se a organizações criminosas que operam em solo europeu como a Comorra italiana, a Mafia Corsa, os gangs do Magrebe francês e os ‘French Black’, este último gang formado por imigrantes da África subsaariana e das Caraíbas que controlam o tráfico de haxixe e cocaína em Paris. A questão do controlo da emigração e do acolhimento de refugiados foi sempre uma questão da exclusiva soberania nacional. As autoridades nacionais nunca largaram mão do poder de abrirem ou restringirem o acesso aos estrangeiros, consoante as necessidades de mão-de-obra não especializada, das empresas. Países de forte emigração de África como a França, a Espanha ou a Itália, habitualmente favoráveis à emigração, viram-se a braços com crises humanitárias quando os novos emigrantes preferiram organizar-se em guettos do que integrarem-se nos bairros, ao lado das comunidades metropolitanas. E se atitudes de xenofobia ou racismo podem explicar, em parte, os fenómenos de marginalização, não pode ser menosprezada uma opção calculada pela marginalidade e pelos grupos criminosos que operam em grandes cidades europeias. Naturalmente há a questão humanitária e todos nós somos sensíveis às imagens que nos chegam pelas televisões, de barcos afundados com centenas de pessoas amontoadas, entre as quais mulheres e crianças, bem pelos que por fortuna conseguem sobreviver. Mas a Europa não tem capacidade para receber todos os que querem chegar às suas costas e viver nas suas sociedades. O problema é multifacetado. É um problema de segurança; é um problema de solidariedade para quem padece; mas é também um problema da Europa que queremos nos tornar. Multiracial, seguramente, mas em que todos tenham o seu papel e sintam que estão na pátria que ajudam todos dias a construir. Foi esse o segredo da integração de outras vagas de emigração em séculos passados. Precisamos por isso de gente com outro discernimento a solucionar estes problemas. A Comissão Barroso nunca teve gente, nesta área, com perfil adequado. Franco Fratinni e Jacques Barrot foram opções de circunstância, empurrados pela política interna dos seus países. As iniciativas do Presidente do actual Conselho Europeu, Donald Tusk, em matéria de uma Agenda Europeia de Migração, dão sinais interessantes para um maior entrosamento comum neste domínio.
Leocardo VozesSilly Season (Stuffing Sausages) [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m Macau teimamos em não ter uma “silly season”, e por mais forte que o sol bata nas cabeças que não estejam “protected with umbrellas” (ora aqui está um produto imune às crises e que vende todo o ano: “umbrellas”!), não dá para ficar mais “silly” do que o habitual – pode-se mesmo dizer que nem uma “silly season” digna desse nome Macau consegue produzir, mantendo-se o ano inteiro numa constante “silliness”. Em matéria de “stuffing sausages” para fechar a edição da imprensa, é “the same thing the whole year”, e “what’s the big deal” se o que não for dito hoje pode sair na edição de amanhã? Não há nada de muito importante que aconteça agora em “London town, for example” que não se fique logo a saber cinco minutos depois “in the freaking Papua New Guinea”, portanto “who cares, whatever”. Tempos houve em que para se ficar a saber de um golo numa partida de futebol “in real time” era necessário sintonizar um aparelho que captava hondas hertzianas, das quais era necessário encontrar uma que estivesse dar o relato, enquanto agora basta “checking the livescore.com”. Digam lá se não é “fudging awesome”, mesmo tendo em conta que a mensagem é muito mais personalizada quando transmitida pelo saudoso Jorge Perestrelo? O problema é que aqui não se “vai a banhos”, ou seja, os mesmos tipos que aparecem na televisão em Novembro ou em Abril são os mesmos de agora, em pleno Agosto. “Nothing changes, same crap”. Reparem no “timing” da notícia de que o Governo enviou para o CCAC aquele famigerado processo da permuta de terrenos, onde se suspeita terem sido cometidas ilegalidades: no início do mês de Agosto! O Ocidente fala da corrupção na Ásia e no resto do mundo “with a mouth full” porque não têm que andar a vasculhar no fertilizante natural que é a corrupção com um calor destes, “God damn it”! A corrupção, o tráfico humano, a pirataria “and such” combate-se “as seen on TV”, com “gloves and detective hats”, e gabardines, tudo muito “Sherlock Holmes meets James Bond meets the FBI and sh*t”. Queria ver o que diria a Scotland Yard ou a Interpol se tivessem passar “the whole damn day” debaixo deste calor e humidade, secando depois debaixo do artificial frio polar dos “air-conditioners”. Ia ser ser “hilarious”. Como se não houvesse “better things to talk about”, falou-se durante o último mês de “what the do” com o edifício do antigo Hotel Estoril – “a real pain in the butt”, desculpem-me a sinceridade. Suspeito que o tal edifício, que fora atirado “to the dogs” e andou tantos anos “completely forgotten” pertenceu em tempos à SJM, e agora está na posse do Governo, “I couldn’t care less”, mas pela conversa parece que pertence a toda a gente, tantas são as cabeças que debitam as sentenças. “In the end” acredito que vai prevalecer a máxima “money talks and bullsh*t walks”, mas no entretanto não tenho visto ninguém falar da autoria do tal painel que alguns querem ver deitado fora, qual “dirty diaper” (no programa de rádio do canal chinês das manhãs dedicada à peixeirada houve quem tivesse sugerido que a imagem no painel é “pornográfica”, “imagine that”). É possível que tenha sido eu “who was distracted”, e não escutei “a living soul” referir que o autor da peça é Oseo Acconci – “enough said”. Não é bem a mesma coisa que um Picasso, “but”… “Last but not least”, a polémica que envolveu os Serviços de Saúde da RAEM, que rejeitaram a candidatura de uma médica natural de Macau e “made in Coimbra”, que tivemos conhecimento “in first hand” através deste mesmo “newspaper”. Só posso dizer que o enredo é um tanto ou quanto confuso, mais com contornos de “pissing contest” do que outra coisa, mas “nonetheless” não pude deixar de ficar apreensivo com a facilidade com que se “cry wolf” – falo do factor da “descriminação” com base na origem da candidata, que foi a primeira lebre solta antes que se soubesse mais “about the story”. Pessoalmente não tenho muita razão de queixa, e já me habituei a ser olhado como um “alien”, “here and there”, mas não excluo na totalidade a possibilidade de isto acontecer pontualmente. “But seriously, people”, isto nunca seria feito de forma tão descarada, tão “in your face”. Até porque para essa tarefa requer-se alguma imaginação, “something special”, e aqui já sabemos o que a casa gasta: nem uma “silly season” das pequeninas, nem que fosse só para sentirmos saudades “of being normal”. E assim concluo: “I’ll be damned!”.
Fernando Eloy VozesStomachus Nostrum [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]arece-me pacífico afirmar que a situação dos refugiados que diariamente escapam do Norte de África em direcção à Europa é insustentável. Também me parece tranquilo dizer que a Europa, e o mundo em geral, não estão a fazer ou conceber nada verdadeiramente relevante para que a situação melhore. Parece-me ainda que a determinada altura até os mais liberais na Europa vão também começar a alinhar com os radicais que pretendem construir muros ou organizar deportações maciças como o idiota do Trump a quem podemos juntar Viktor Orbán e Netanyahu. Parece-me igualmente claro que as pessoas apenas fogem do Norte de África porque ou têm o país em guerra, ou são perseguidas ou vivem na mais abjecta das misérias sem oportunidades de trabalho. Normalmente as pessoas só abandonam os seus países em situações extremas ou por turismo, e as migrações à procura de melhores condições de vida são absolutamente vulgares, até naturais. Qual a solução então? Apesar de tudo, a experiência Europeia e o próprio bom senso, dizem-nos que integrar é melhor que ostracizar, miscigenar é melhor do que ‘racializar’. [quote_box_left]No fundo, em qualquer parte do mundo, em qualquer civilização ou cultura, queremos todos o mesmo: paz, comida, ar puro, tempo para estar com a família e os amigos e um futuro agradável para os nossos filhos[/quote_box_left] Volto um pouco atrás no tempo para recordar um conversa que tive em Hanoi há uns anos: num bar falava com um fulano que se apresentou como “meio vietnamita, meio francês” – Estava de volta ao Vietname depois de muitos anos em Marselha. Eventualmente, a conversa descambou para a comida e mais precisamente para o molho de tomate, vindo eu a descobrir que a filosofia do lado marselhês dele para o molho de tomate em muito pouco diferia da minha. Este detalhe fez-me pensar mais tarde na minha condição de imigrado e na minha própria identidade. À distância, especialmente vivendo numa civilização diferente da nossa como é a Chinesa, as diferenças que sentimos na Europa (até entre nós e os espanhóis) esbatem-se ao ponto de descobrirmos muito mais afinidades culturais com um sueco do que com um coreano. Então, depois de viver na China ficou muito mais fácil de me definir como um Europeu porque há, de facto, uma história conjunta e uma partilha cultural que se revela nos livros, na música, nos hábitos… Mas eu quis ser mais preciso na minha identificação cultural e foi aí que entrou o estômago e a conversa com o marselhês vietnamita porque quando mudamos de civilização, ou mesmo de cultura, os nosso hábitos alimentares são os mais difíceis de alterar, especialmente o pequeno almoço, segundo afirmam alguns especialistas, e isso pode fazer um mundo de diferença na nossa percepção de bem estar e na capacidade de integração. Por experiência própria, todos nós que vivemos longe da nossa cultura de origem sabemos o que isso é. Em Macau, para os portugueses, quase não se nota nos dias de hoje, mas se vivermos em Zhuhai, Pequim ou Tóquio a coisa fica diferente. Um dia visitei o Toni quando ele treinava na China e pensei que diabo havia de lhe levar de lembrança. Estando ele Shenyang resolvi-me por bacalhau e vinho. Foi uma festa para ele e para o Carlos Azenha, contou-me mais tarde. Assim, nesta procura da identidade quando o estômago entrou em cena rapidamente percebi que sou Europeu, sim, mas Europeu do Sul porque os meus hábitos alimentares definem-me mas do que uma língua, mais do que a cor da pele, mais do que quase tudo porque estão intimamente ligados com a minha experiência como ser vivo. Assim, a minha identidade define-se no Mediterrâneo e os hábitos alimentares foram o que me levaram lá. Senão, caro leitor, mesmo que como eu, se adapte bem a um regime alimentar diferente, quanto tempo consegue passar sem um bom tinto, umas azeitonas, queijo, pão, fumados, azeite, um sumo de laranja e, claro está tomate? Não muito sem sentir umas ânsias, não é? Mas a verdade é que não estamos sozinhos nisto. Acontece o mesmo aos espanhóis, aos franceses, aos gregos, aos croatas, aos turcos… Tenho andado a perguntar-lhes sim, sempre que encontro alguém dessas bandas. Esta semana conheci um libanês e quis saber como era para ele, e é a mesmíssima coisa – choramos todos pelo mesmo. Foi então que me surgiu a ideia para resolver o problema dos refugiados do norte de África: integrar. Não na comunidade Europeia mas num comunidade mediterrânica. Razão tinham os Césares quando estabeleceram o Mare Nostrum apesar dos pressupostos serem errados pois a questão era de poder imperialista e não de convivência cultural, mas ainda foram 600 anos… o problema foi precisamente o facto de os romanos não estarem interessados na diversidade dos povos mas sim na sua dissolução no império e isso não funciona, porque uma união forte só o é se respeitarmos e apreciarmos a diversidade como factor de desenvolvimento e renegarmos a uniformidade porque não nos abre caminhos novos. Chamemos então a esta ideia Stomachus Nostrum. Usemo-la como tema de trabalho, como leitmotiv se assim pretender, e imaginemos uma União Mediterrânica entre os países do Sul da Europa e os Países do Norte de África. Os países da Europa mantêm-se na UE mas, numa primeira fase, os países do Norte de África não. Será uma espécie de zona tampão, ou melhor, uma antecâmara de descompressão, uma fase preparatória, mais tarde permitiria a integração dos Países do norte de África na UE mas, no imediato, criava-se uma zona de livre circulação à volta do Mediterrâneo e, claro está, a UE e o resto do mundo desenvolvido e não apenas os países do sul da Europa teriam de colaborar no processo de desenvolvimento dos Países do Norte de África. Evidentemente, para que este processo seja possível, aqueles países terão de cessar no imediato todas as hostilidades, resolver questões fundamentais como a instituição de Estados laicos de Direito, liberdade religiosa, igualdade entre sexos, eleições livres… etc. porque nós mediterrânicos temos mais em comum do que a separar-nos e não é só a comida que nos une… É um processo difícil porque existem hábitos arreigado difíceis de mudar mas se as perspectivas de futuro forem boas tudo muda. No fundo, em qualquer parte do mundo, em qualquer civilização ou cultura, queremos todos o mesmo: paz, comida, ar puro, tempo para estar com a família e os amigos e um futuro agradável para os nossos filhos. É óbvio que não existem soluções perfeitas e esta terá os seus problemas mas parece-me ser o caminho, assim haja coragem politica para sensibilizar os povos e reunir os meios para o fazer. MUSICA DA SEMANA: Anouar Brahem – “Astrakan Café”
Sérgio de Almeida Correia VozesO preço da inércia [dropcap style=’circle’]M[/dropcap]uitas têm sido as vozes que em Macau se têm lamentado do constante e inexplicável aumento de preços em relação a bens e produtos de consumo corrente, sejam bebidas engarrafadas ou alimentos, pacotes de sumos, vegetais, legumes, queijo, iogurtes, carne ou peixe, sendo indiferente que estejamos a falar de supermercados, mercados, restaurantes ou de bares e cafés. Há quem explique esse aumento de preços com a pressão especulativa do imobiliário, argumentando que a carestia excessiva reflecte os altos valores das rendas. Esta poderá ser uma parte da verdade. Todavia, não a esgota, nem serve de justificação para que o mesmo produto, e tanto podem ser iogurtes como queijos, sumos de frutas ou conservas, de uma semana para a outra sofra um aumento de 20, 30 ou 40% no mesmo estabelecimento. O alto valor que os cidadãos estão a pagar por produtos de supermercado, de pastelaria e café e refeições de má qualidade nos restaurantes, torna-se mais incompreensível quando se tem a possibilidade de comparar aquilo que é oferecido em Macau com o mesmo tipo de produtos e serviços em cidades cuja qualidade de vida é idêntica ou superior, mas em que a carga fiscal é muitíssimo mais alta. Se em relação a Portugal é possível justificar as diferenças de preços com o empobrecimento verificado nos últimos cinco anos, devido às exigências da troika e à acção do seu governo, o que introduziu um factor de distorção das habituais regras do mercado, já no que respeita a outros países essas diferenças são absurdas. Para melhor se perceber do que falo tomemos alguns exemplos. Estamos em pleno Agosto, há muita gente de férias e a viajar. Na semana que findou, depois de uma breve passagem por Tóquio, estive em Shimizu, município de Shizuoka, onde fiz várias refeições nos restaurantes locais. O preço por refeição – almoço ou jantar – variou entre 1300 (almoço) e 3714 ienes (jantar), ou seja, entre MOP 84,00 e MOP 239,00. Pegando no segundo caso, que foi a refeição mais cara, esse valor diz respeito a uma steakhouse, serviu para pagar uma imperial, um bife de vaca (prime US beef filet), com cerca de duzentos gramas, acompanhado de batatas fritas, dois copos de vinho tinto de razoável qualidade e um leite-creme. O valor pago por esta refeição não chegava em Macau para comer apenas um bife, mesmo de qualidade inferior, numa das cantinas da praxe. Prova disso está no facto de depois de regressar ter almoçado num conhecido restaurante português da Taipa, dos económicos, e por um almoço para duas pessoas, composto por uma salada de polvo, dois nairos grelhados, um jarro pequeno de sangria, um pudim e dois cafés ter sido cobrada a quantia de MOP 694,00, em linha com os preços praticados em estabelecimentos similares de Coloane ou Macau. Um bife da vazia custa em regra mais de MOP 200,00, ainda sem taxas, e se for de lombo, quando há, cerca de MOP 300,00 ou mais. Em Shimizu, um jantar com uma entrada de duas espetadas pequenas de espargos verdes e bacon, um prato principal composto por duas espetadas de camarões, lulas e vieiras, uma dose de batatas fritas e duas cervejas, num restaurante médio recomendado no meu hotel, custou 2440 ienes. Quer dizer, esta refeição ficou por menos de MOP $ 160,00. Numa cervejaria da Taipa, só uma cerveja de pressão custa cerca de MOP 50,00, a que haverá que acrescentar as taxas respectivas. A mesma cerveja no Japão custou 518 ienes, isto é, MOP 33,00! Uma garrafa de vinho que em Portugal custa menos de 5 euros, custa cá num supermercado MOP 150, e num restaurante mais de MOP 250. Não é o transporte ou o seguro que a encarecem. Um café expresso em Narita fica em 200 ienes, qualquer coisa como MOP 12,80. A mesma bebida num café da cidade custa facilmente mais do que isso. Há dois meses, no Aeroporto de Barajas, em Madrid, paguei menos de MOP 80,00 por um hambúrguer grelhado (que não era de pacote) com batatas fritas e salada. Falo de aeroportos onde em regra os preços são mais altos do que no exterior. Não vou incomodar os leitores com mais números e exemplos (os preços praticados nos mercados locais em relação ao peixe, ao marisco ou até um a simples ramo de salsa, bem como nalguns estabelecimentos de congelados quanto à carne importada ou em supermercados em relação a vinhos ordinários ou enchidos portugueses são obscenos). Estes chegam para demonstrar como os preços praticados em Macau estão claramente acima do que seria aceitável. E já não vou ao ponto de comparar a qualidade da confecção de muitos restaurantes de Portugal ou do Japão com os congéneres locais que praticam o mesmo nível de preços. E há, ainda, mais uma agravante nisto tudo: a qualidade e simpatia do serviço prestado em Macau estão a anos-luz do que se pratica noutros locais de veraneio da Ásia. Aqui é vulgar ser necessário pedir – não me refiro a restaurantes de hotéis de 5 estrelas – para se trocarem pratos e talheres, como se fosse normal que depois de se petiscar uma entrada de camarões fritos ou um prato de peixe os mesmos talheres devessem depois ser directamente depositados em cima da mesa ou da toalha para a seguir se comer a carne de porco à alentejana… Numa cidade que tem uma escola superior de turismo, que aposta nesta indústria como uma bandeira e cujos governantes fazem juras de preocupação com a qualidade de vida dos residentes e a oferta turística, é inaceitável que se pratiquem preços como os que estão a ser seguidos e que não haja fiscalização eficaz em relação àquilo que se oferece. É inaceitável que num estabelecimento de hambúrgueres com pretensões modernistas, na zona do NAPE, os clientes se quiserem limpar a boca tenham de pedir e pagar à parte um simples guardanapo de papel, como se o normal fosse uma pessoa usar a toalha da mesa ou a manga do casaco. Sei que há quem esteja milionário com o desvario que por aí vai, tirando partindo da ausência de fiscalização, da inércia, do conúbio entre os poderes fácticos que impõem as suas regras à revelia e na ausência de leis adequadas. Desconheço as razões para o descontrolo dos preços em mercados, supermercados e restaurantes, embora saiba que nada justifica uma tão grande inacção por parte de quem tem a obrigação de zelar pela qualidade de vida dos residentes e pela oferta turística. O preço que os cidadãos de Macau pagam hoje pela inércia de alguns responsáveis é demasiado elevado para que essa atitude continue a passar despercebida. Viver numa cidade com qualidade de vida, com um bom nível de oferta e uma procura adequada, com preços fiscalizados e serviços aceitáveis, não pode ser um luxo numa cidade como Macau que pretende que a aposta num turismo diferenciado seja para valer. Convenhamos que só labregos e pacóvios sem termo de comparação estão dispostos a pagar muito para serem mal servidos. E se por acaso os que aparecem não o são, e por aqui passam uma vez, depois não regressam. Cidades de dimensão similar, sem casinos, com receitas públicas infinitamente inferiores às de Macau e cargas fiscais mais pesadas, conseguem fazer muito melhor. Porquê? Seria bom que quem governa pensasse nisto. E que os cidadãos se tornassem mais exigentes para com aqueles que lhes prestam maus serviços. Dos seus governantes e deputados aos restaurantes, dos cafés aos supermercados. Isto sem esquecer a péssima limpeza das ruas e a oferecida em muitos edifícios – cheiro a urina dos cães junto aos acessos, elevadores sujos, patamares imundos, condutas de lixo a tresandar, baldes com esfregonas desfeitas mergulhadas em águas sujas e sem detergentes, etc. – pelas empresas de condomínios, cujos miseráveis serviços são na maioria dos casos realizados sem prestação de contas e sem correspondência nos altos preços cobrados aos condóminos. O preço pago pela inércia e a falta de exigência de quem o paga está a ser demasiado elevado. Com o arrefecimento das receitas do jogo, a curto prazo, os danos infligidos à RAEM podem tornar-se irreversíveis.
Tânia dos Santos SexanáliseAnaltecendo [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]creditem ou não quando pensei no nome ‘Sexanálise’ para uma rubrica sobre sexo, tinha em mente o trocadilho freudiano para clarificar que o meu objectivo era o de dissecar ao tutano alguns aspectos da sexualidade humana. A reacção alheia era, no entanto, a surpresa e a jocosa expressão de quem tivesse visto em luzes neon as palavras SEXO ANAL. Sexanálise, sexo anal. Estou agora bastante ciente da semelhança. O momento chegou para todo um artigo sobre o tema. Sexo anal, uma prática de todo não exclusiva a casais homossexuais, é um tema surpreendentemente complexo. Chamar-lhe-ia polémico se não fosse a forma politizada do vocábulo que de uma forma exagerada nos leva à violência do que é ser enrabado social, política e sexualmente. Fico-me pelo enranbanço sexual-literário de quem se debruça (debruçar – linda escolha de palavra) pelo tema. Vi-me obrigada a falar sobre a referida actividade quando num romance do Jorge Amado há uma referência a sexo ‘por trás’. Uma aula de literatura numa Universidade chinesa levou a toda uma conversa que em muitas semelhanças teve com uma aula de educação sexual. ‘Há vários tipos de sexo’… etc, etc. Que não haja surpresa que, no romance, sexo anal era usado como o método de preservação de uma muito afamada ditadura da virgindade. Prática ainda comum para as que temem o coito pré-conjugal ou para quem prefere jogar pelo seguro, gravidez-wise. Para outros, o olho do cu é de uma santidade imaculada. Nas minhas informais observações, o mundo tendencialmente divide-se entre um puritanismo exagerado ou uma instrumentalidade do acto, ou seja, ou és essencialmente contra ou és a favor porque convém, pelas razões supracitadas. Existe, contudo, toda uma terceira categoria que nas formas sociais se dá menos a mostrar. Sexo anal, como parte de uma sexualidade normal e prazerosa por todos os envolvidos, é mais difícil de encontrar. Aliás, é daquelas perguntas clássicas naqueles jogos parvos de objectivo a humilhação ou vanglória, tipo verdade ou consequência. ‘Gostas de levar no cu?’ Acho que conseguem sentir o peso das palavras a ecoar no universo do embaraço. Culpo o desenvolvimento semântico e morfológico da sodomia de toda a apreensão acerca do ânus. Em geral, há toda uma reacção visceral quando se pensa no corpo humano, qualquer parte que seja. O sexo ajudou a amenizar toda a feiura do corpo para algo digno de ser louvável e venerado, se mudou a nossa representação da nossa parte de trás, talvez não. James Joyce nas suas cartas de amor a Nora, de uma grande natureza erótica, até que é bem gráfico e honesto nas suas fantasias anais: ‘glorying in the very stink and sweat that rises from your arse’. Nem me atrevo a traduzir para português, só para não perder a sua genialidade. Mas isto do sexo anal anda a tornar-se cada vez mais mainstream, e graças às novas vozes de uma geração de um empoderamento sexual feminino, há dicas e discussões que se vêm à tona. Para quem tiver curiosidade, a Beatriz Gosta, o novo fenómeno no youtube, no seu último sketch da primeira temporada faz um ABC esclarecedor ao sexo anal, para todos os interessados em desenvolver a prática, bem informados. Até porque branqueamento anal já é uma preocupação em certos círculos, normalmente pornográficos, mas que demonstra toda uma nova consciência pela parte traseira que vai para além de umas bochechas jeitosas. A temática torna-se ameaçadora, até, se falarmos de sexo anal em homens heterossexuais. Para além de uns comentários parvos, o sexo anal não é falado de todo. Obviamente que mulheres não estão fisicamente preparadas para tal actividade, mas damos todos graças pela existência de sex shops e brinquedos que possam satisfazer qualquer fantasia. Os homens que poderiam achar alguma graça a tal ideia são muito poucos, sem surpresa. E agora perdoem-me porque vou me perder em raciocínios mais abstractos. Gosto de reflectir sobre simbolismos de todo o tipo de práticas e não consigo abstrair me do facto que a perseverança da virgindade anal heterossexual tenha mais do que se lhe diga. Para uma mente inocente como a minha que se prende pela tão pratica essência das coisas, anatomicamente falando, homens deveriam estar mais do que satisfeitos com uma proposta assim. Mas não estão. Rejeitam e repudiam. O porquê seria muito interessante de perceber. A resposta mais simples seria de uma inerente homofobia ou a descoberta de uma escondida homo-simpatia. Ou será um medo de perda de controlo que relações heterossexuais normalmente preconizam? Medo porque julgar-se-á frágil e indefeso. Numa posição de vulnerabilidade nunca antes vista ou sentida. Senhores, talvez uns exercícios de disrupção e contestação psicossocial façam bem à humanidade. Analtecendo o que o sexo tem de melhor.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInglês, uma linguagem de facto em Macau [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]oje proponho aos nossos leitores analisar um artigo divulgado pelo “Macau Daily Times” no dia 6 de Julho do corrente ano, intitulado “A de facto official language” e onde era discutida a utilização da língua inglesa em Macau. De acordo com a mesma fonte, “dados divulgados pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, mostram que 1.5% da população local indica o inglês como a sua linguagem habitual nos Censos de 2006, enquanto que em 2011 esse número cresceu para 2.3%”. Entretanto, “o Gabinete de Comunicação Social revelou que o Governo tem vindo a publicar uma grande parte do seu Relatório das Linhas de Acção Governativa em inglês desde 2000. Mais do que isso, e para além da informação disponível em chinês e em português, as autoridades emitem também comunicados em inglês quando o assunto for apropriado, mas especialmente no que toca às Linhas de Acção Governativa, saúde pública ou outros assuntos que possam ser interessantes para os meios de comunicação social do estrangeiro”. Além disso, o artigo discutiu ainda a situação verificada em Hong Kong, avançando que o Governo da RAEHK usou menos o inglês do que o chinês nas suas comunicações com o público e a comunicação social. Ainda para mais, os dirigentes públicos usam sempre o chinês quando falam para a população. Mas, no caso de Leung Chun-ying, e desde Maio de 2014, o Chefe do Executivo utilizou o chinês em 61 discursos públicos, enquanto que o inglês foi apenas utilizado em 28 ocasiões do género. “De facto” é uma expressão em latim, significando isso mesmo, de facto. Assim, uma língua oficial é diferente do que uma língua considerada “de facto”. De acordo com as leis locais, uma “linguagem oficial” é aquela que deve ser utilizada pelo Governo nas suas comunicações com os residentes. As linguagens oficiais a ser utilizadas em Macau e em Hong Kong são estipuladas pelas Leis Básicas de cada uma destas Regiões Especiais. A Lei Básica de Hong Kong indica tanto o inglês como o chinês como as línguas oficias da RAEHK, enquanto que o artigo 9 da Lei Básica de Macau aponta ora o português ora o chinês como as duas linguagens oficiais da RAEM, não fazendo contudo nenhuma referência ao uso do inglês para esta função. Mas, mesmo apesar de a Lei Básica de Macau não lhe fazer nenhuma referência, nenhum de nós pode negar o uso do inglês nas nossas vidas quotidianas, sendo este idioma de particular utilidade para o contacto feito entre os advogados do território e os seus clientes. Tendo em conta que muitas empresas estrangeiras se encontram a operar na RAEM, de entre as quais se destacam os casinos, operadoras de seguro e mesmo bancos que aqui estabeleceram uma das suas sucursais, e que as suas chefias são preenchidas por americanos, europeus ou australianos, na sua maior parte, assim se percebe melhor esta necessidade, visto que os mesmos não dominam nem o português nem o chinês. Faz assim sentido pedir que um qualquer contrato seja redigido em inglês, para melhor proteger os seus interesses pessoais. Mas há que considerar um problema em particular. Um contrato tem sempre de ser aceite e rectificado (assinado) por pelos menos duas partes, que vamos aqui identificar como X e Y. Se X insistir em ter o contrato em inglês, e Y concordar, não existe aqui nenhuma disputa. Porém, se X e Y optarem em vez disso por redigir o contrato em chinês, e a seguir este documento necessitar de ser traduzido para inglês, então aí é que começam a surgir problemas, devido a eventuais discrepâncias entre as duas linguagens. Como é que se lida então com possíveis diferenças entre os dois contratos, um em inglês e outro em chinês, e qual dos dois é que prevalece sobre o outro? Voltando outra vez ao artigo 9 da Lei Básica de Macau, e se X constituir o Governo de Macau, então X tem nesse caso o privilégio, pois o artigo 9 da Lei Básica de Macau obriga o Governo da RAEM a usar apenas o português e o chinês nas suas comunicações. Neste caso, o contrato em inglês existe apenas numa natureza suplementar. Esta discussão fica limitada a contratos em que X é assumido como sendo o Governo de Macau e Y como um estrangeiro. Mas como será a situação se tanto X como Y forem residentes locais? Poderiam estes pedir aos seus advogados para redigirem o contrato em inglês? Para responder a esta questão, temos primeiro de tecer duas considerações. Primeiro, pode o inglês ser usado para redigir um contrato? E, em segundo lugar, pode um advogado usar o inglês para preparar um contrato? O artigo 9 da Lei Básica de Macau apenas restringe o Governo de Macau a usar o chinês e o português nas suas comunicações. Já no que diz respeito aos seus residentes, nenhuma restrição do género existe. Assim sendo, não é ilegal o pedido de utilização do inglês nos respectivos contratos. Mas, em relação à nossa segunda consideração, se desejarmos ver o nosso advogado a redigir um contrato em inglês, existe nesse caso o pré-requisito que esse advogado seja fluente em inglês. Em Macau, os residentes locais estudam este idioma desde a escola primária, e nalguns casos desde o ensino infantil, ou pré-escolar. Mas quando os mesmos se inscrevem no ensino superior para um bacharelato em direito, este curso só pode ser completado em língua chinesa ou portuguesa, não sendo o inglês uma opção. Compreende-se assim que a maior parte dos termos legais são mais facilmente expressos ou em português ou em chinês, e não em inglês. Assim sendo, torna-se mais difícil preparar um contrato em inglês do que em português ou em chinês, e por esta razão é que os advogados preferem utilizar uma das duas línguas oficias na preparação deste tipo de documentos. Com o constante aumento no número de estrangeiros a residir em Macau, cresce também a necessidade de utilizar esta língua, por isso a importância deste idioma aumenta de dia para dia na RAEM. A constante procura do inglês para a formulação de contratos faz com que este tenha cada vez mais importância em documentos legais. Em casos de disputa envolvendo um contrato em inglês, apenas o tribunal tem poder para resolver a questão, por isso, e nestas situações, o inglês acaba por ser útil para advogados e juízes, assim como para a área legal em geral. No futuro, se quisermos que o inglês venha a ser reconhecido como uma língua oficial, teríamos de considerar rever o artigo 9 da Lei Básica de Macau, e passar a fornecer no mínimo uma parte do ensino do direito neste mesmo idioma.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA neutralidade climática [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s mudanças climáticas não são um fenómeno de moda, mas algo real, palpável e destruidor que tem vindo a moldar em sentido negativo a face do planeta, deteriorando as condições de vida dos ecossistemas, incluindo o humano. O ser humano é não só o maior sofredor, mas também o mais perigoso predador do meio ambiente, pelo que a sua actividade é uma das causas maiores das mudanças climáticas. Os maiores registos de aumento de temperatura nos oceanos ocorreram no Paquistão e Índia, vitimando um milhar de pessoas, nos primeiros meses de 2015. A “Verdade Inconveniente” de Al Gore, chegou às telas dos cinemas, em 2000, com um prognóstico para muitos fatalistas, que pensavam que apenas se tratava de uma propaganda política para cativar os abraça árvores. As perguntas mais aberrantes foram formuladas, como que tipo de aquecimento global seria, ou se tratava de uma invenção dos meios de comunicação social. Algo poderia ter sido verdade, mas o prognóstico de Al Gore não estava tão errado, porque o estamos a viver. O último relatório da ONU sobre o clima afirma que catorze dos quinze anos mais quentes do planeta ocorreram depois de 2000. As marés épicas, que arrasam as orlas costeiras, os tufões, furacões ou ciclones que geram ventos circulares que podem atingir velocidades de 300 km/h, as chuvas diluvianas que provocam cheias incontroláveis, são indubitavelmente parte das mudanças climáticas. A verdade destas tristes histórias é de que tudo está ligado, principalmente no oceano, onde se geram as grandes mudanças. As alterações que os oceanos estão a viver e tal como as correntes, a temperatura da água e a quantidade de oxigénio, podem criar profundas transformações que por sua vez resultam nos fenómenos que nos assolam diariamente e os que virão no decurso do século. Os ursos polares correm sério risco causado pelos degelos no Árctico. O dióxido de carbono que é gerado pela humanidade nas indústrias e grandes cidades, também chega aos oceanos, provocando o aumento da temperatura, os degelos dos pólos e a acidificação da água que afecta principalmente os recifes de coral e toda a corrente trófica. As mudanças climáticas estão a intensificar-se em 2015, e a comunidade internacional apenas se desdobra em reuniões, onde as promessas sobram e as acções para minorar o fenómeno escasseiam, podendo ser cada vez piores, cabendo ao ser humano encontrar um ponto de retorno. Qual a diferença entre as mudanças climáticas e o aquecimento global? O planeta está a aquecer e a evidência é clara. O mundo vive mudanças climáticas únicas, termo utilizado com frequência para explicar os danos causados ao ambiente. Os termos de mudanças climáticas e aquecimento global, são usados geralmente, como sinónimos, mas a realidade é diferente. As mudanças climáticas são quaisquer alterações significativas nas medidas de clima que durem por um período de tempo prolongado. As mudanças climáticas incluem modificações expressivas na temperatura, precipitação, padrões de vento, entre outros efeitos, que ocorrem durante várias décadas. As mudanças climáticas não devem ser confundidas com o aquecimento global, pois este último refere-se ao aumento recente e contínuo na temperatura média global próxima da superfície terrestre. O aquecimento global é causado geralmente por aumentos nas concentrações de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera. Assim, o aquecimento global está a provocar mudanças nos padrões climáticos. O aquecimento global em si é apenas um aspecto das mudanças climáticas. O planeta está a aquecer e a sua temperatura média subiu mais de 7ºC no século passado. Os cientistas prevêem que a temperatura média continuará a aumentar entre 1.2 º e 6.5ºC este século. Ainda que aparentemente seja uma subida de poucos graus, estas pequenas mudanças na temperatura implicam modificações perigosas no clima. As chuvas, em muitos locais aumentaram e ocasionaram inundações, enquanto em outras regiões, pelo contrário, produziram-se secas. As ondas de calor são mais frequentes, causando mais vítimas mortais, bem como incêndios florestais. As mudanças climáticas trarão mais secas, inundações e incêndios. Os oceanos estão a aquecer e a acidificarem-se, enquanto os glaciares e os pólos estão a derreter-se, e por consequência, os níveis do mar estão a subir, sendo de temer que as cidades costeiras sejam as mais afectadas nos próximos anos. A acidificação dos mares acelera o aquecimento global. As mudanças climáticas, também produzem efeitos em termos económicos, pois criam prejuízos nas colheitas e põe em risco a produção alimentar, e o aumento de desastres naturais cria impacto no Produto Interno Bruto (PIB) dos países. O Banco Mundial calcula que os prejuízos causados por desastres naturais atingem cerca de quatro mil milhões de dólares desde 1980. As causas das mudanças climáticas são diversas, sendo naturais e humanas; podendo provocar um desequilíbrio na temperatura do planeta; apresentando-se como mudanças no efeito de estufa, através de variações na energia solar que chega ao planeta; modificações na reflectividade da atmosfera e superfície terrestre. As mudanças climáticas anteriores à Revolução Industrial do século XVIII eram causadas por causas naturais. Os cientistas, no entanto, crêem que o aquecimento que se produziu no século XX e contínua no século XXI se deve à actividade humana. As actividades industriais no século passado traduziram-se numa descarga de grandes quantidades de dióxido de carbono e outros GEEa na atmosfera. A maioria destes GEE, provêm da indústria energética. A desflorestação e outros processos industriais, e inclusive, algumas práticas agrícolas, também emitem GEE. O efeito de estufa é a causa pela qual o planeta aquece. Os GEE formam, uma espécie de capa ao redor do planeta que o mantém quente. Este processo é natural e necessário à vida. A acumulação de excesso de GEE pode mudar o clima e tornar-se prejudicial para os ecossistemas e saúde dos seres humanos. A ONU na década de 1990 criou a “Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (CQNUAC) ”, que procura reforçar a consciência pública sobre os problemas relacionados com este fenómeno. O “Protocolo de Kioto”, assinado em 1997, estabeleceu medidas para lutar contra as mudanças climáticas. Têm-se realizado nos últimos anos várias “Conferências das Partes” ou “Cimeiras do Clima”, sendo a última, a “Conferência sobre o Clima (COP20) ”, que decorreu entre 1 e 14 de Dezembro de 2014, em Lima, com a denominação de “Apelo de Lima para a Acção Climática”, e que tentou delinear as bases de um novo acordo vinculativo para que os países limitem a emissão dos GEE. O acordo vinculativo deverá ser assinado durante a realização da “COP21”, entre 30 de Novembro e 11 de Dezembro de 2015, em Paris, devendo entrar em vigor, em 2020. A data (2025 ou 2030) em relação à qual deverão ser cumpridas as primeiras metas por parte dos países desenvolvidos continua à espera de um consenso, assim como, outras matérias constantes do novo “Acordo de Paris”, bem outros os períodos de cumprimento (5 ou 10 anos). Os países que fazem parte do “Protocolo de Quioto” necessitam para que o mesmo entre em vigor, de ratificar a “Alteração de Doha”, referente às novas metas para 2020, que é o segundo período de compromisso do “Protocolo”. A Rússia, Ucrânia e a Bielorrússia entravaram um esclarecimento das regras da “Alteração de Doha”, levando a que tecnicamente os objectivos de Quioto não possam ainda entrar em vigor. A União Europeia e outros países com metas de emissões estabelecidas terão de as ratificar até à “COP21” e referentes ao período para 2020, mesmo que as normas venham a ser clarificadas até à data da assinatura do “Acordo de Paris”. Até à realização da “COP21” realizou-se a “Reunião de Genebra”, a 8 de Fevereiro de 2015, para preparar o texto do acordo que substituirá o “Protocolo de Quioto”, a partir de 2020, e que tem como principais objectivos, limitar o aumento da temperatura mundial a +2°C por comparação com a era pré-industrial, o que de contrário, é previsível alterações climáticas que terão graves consequências nos ecossistemas, nas sociedades e economias, em especial nas regiões mais pobres. O Secretário-Geral das Nações Unidas promoveu um “Evento de Alto Nível” em Nova Iorque, a 29 de Junho de 2015, com o fim de conseguir dinamizar os países para encontrarem consensos das divergências que ainda existem e viabilizem o “Acordo de Paris”.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesMacau ao estilo grego [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]té ao presente momento, o novo Governo da RAEM tem vindo a desempenhar as suas funções há já mais de oito meses. Porém, mais e mais defeitos têm vindo a ser identificados, devido a “deficiência genética ou mesmo fraco acompanhamento médico após o parto”. Visto tratar-se de uma administração que não necessita de prestar contas a ninguém, as políticas por si formuladas continuam, tal como no passado, a dar prioridade ao sector empresarial, ao mesmo tempo que inundam a sociedade com um populismo desmedido, especialmente impulsionado por certos políticos da chamada oposição democrática. Tendo tudo isto em consideração, pode-se então afirmar que, até agora, o Governo “tem colhido aquilo que semeou”. Devido ao fracasso das tentativas de transformação estrutural da economia depois da transferência de poderes, os dirigentes da RAEM têm-se encontrado na necessidade de depender das receitas provenientes da liberalização da indústria do jogo, assim como da política de vistos individuais para visitantes oriundos do continente. Aliado a isto, o enorme crescimento da economia chinesa derivado por uma série de reformas domésticas tem ajudado a indústria do jogo de Macau a cimentar a sua posição como um dos mais conhecidos destinos a nível mundial para entusiastas dos jogos de fortuna e azar. Ao mesmo tempo, o território tem-se tornado num dos principais centros para transferências de capital e nem sempre dirigido a indivíduos de renome. Todo este dinheiro, proveniente da China, mas de origem duvidosa, tem dinamizado a economia local, reflectindo-se principalmente no mercado imobiliário, que tem gozado de um crescimento espectacular. Mesmo estando cientes da aberração constituída pela nossa estrutura económica, que carece de uma lógica funcional, o Governo não tem permanecido vigilante nem tão pouco tomado precauções para tudo isto, optando em vez disso por se orgulhar dos lucros fáceis até agora conseguidos. Entretanto, e não obstante todos os sectores da administração terem vindo a registar cada vez mais despesas ou, por assim dizer, necessitarem de orçamentos cada vez mais avultados, vários mega-projectos estruturais têm sido iniciados um após o outro, apesar de cada um deles conseguir sempre ultrapassar as projecções orçamentais, assim como a esperada data de conclusão das obras. Cria-se assim a impressão de que alguns funcionários públicos não são responsáveis pelas suas próprias acções, acabando assim estes por desperdiçar o dinheiro dos contribuintes, além de outros recursos comunitários. Na superfície, Macau está em alta, embriagado pelas receitas do jogo, mas sempre dependente da boa fortuna dos vários casinos que operam na região especial. Mas se viermos a encontrar uma situação em que as receitas obtidas através do imposto cobrado sobre o jogo, como poderia então a RAEM sobreviver nesse cenário? Após a transição de soberania, o número de funcionários públicos empregados pela RAEM cresceu significativamente, tendo estes gozado igualmente de sucessivos aumentos salariais derivados das crescentes reservas financeiras oriundas do imposto sobre o jogo. Mas, com o passar do tempo, a administração viu-se forçada a realizar ajustes nos contratos estabelecidos com estes funcionários. Assim, primeiro procederam a mudanças no “Regime das Carreiras dos Dirigentes e Chefias dos Serviços Públicos”, passando de seguida a analisar todos os funcionários públicos, agrupados nas respectivas diferentes categorias a que pertencem. Há dois anos atrás, o salário dos titulares de cargos políticos foi reajustado, enquanto que os benefícios e os salários dos funcionários públicos foram recebendo aumentos anuais e tudo isto acabou por se materializar numa enorme despesa para os cofres públicos. Mas até com o grande público os nossos governantes têm sido generosos, atribuindo a todos os residentes uma ajuda pecuniária anual, assim como implementando uma série de subsídios e revendo em baixa os impostos taxados sobre a população. Isto faz com que os cidadãos esqueçam os seus problemas, no mínimo uma vez ao ano quando os cheques pecuniários são distribuídos pela população, e contribui para uma falsa ilusão de prosperidade eterna. Mas, na realidade, o Governo pouco ou nada faz para melhorar a situação e toda a conversa sobre a diversificação da economia não passa de nada mais do que conversa. As preocupações imediatas dos nossos dirigentes recaem invariavelmente sobre o mercado imobiliário, onde muitos funcionários públicos e os seus amigos, ou abastados homens de negócios, esperam receber lucros avultados como consequência dos seus investimentos nesta área. Porém, a grande maioria da população não beneficia da mesma maneira e, na verdade, acaba mesmo por ser prejudicada pelas rendas elevadas assim como os preços exorbitantes das casas. Esta falta de visão e procura de lucros imediatos acaba mesmo por se reflectir por toda a sociedade, pois as acções indevidas dos nossos governantes acabaram por imprimir na população uma atitude que espera “receber da vindima sem sequer semear”, chegando estes a exigir sempre mais e mais subsídios e outras regalias da parte do Governo. Mesmo quando estes subsídios são colocados à disposição, verifica-se então uma corrida louca para a obtenção de um lugar na lista de candidatos. O interesse pessoal e o egoísmo reinam em Macau, chegando mesmo a fazer hoje em dia parte dos atributos dos residentes locais. Quando as receitas do jogo sofrerem uma descida acentuada, vamos certamente encontrar ressentimento por parte da população local, que através das suas lamentações vai acabar por obrigar o Governo a apresentar uma série de medidas de contenção de custos, em virtude de não haver nenhuma outra solução. No caso da Grécia, o seu Governo implementou um bom sistema de segurança social de modo a garantir o voto dos seus apoiantes, mas esta situação criou um défice estatal que só pode ser remediado através da obtenção de empréstimos da União Europeia. Ao mesmo tempo, os políticos gregos realizaram um referendo para enganar os eleitores e exercer pressão sobre os outros estados da comunidade europeia. Mas mesmo assim os seus líderes foram obrigados a implementar uma série de medidas de modo a reduzir as despesas do Estado, o que constitui na verdade um pré-requisito para a obtenção do crédito europeu. O que fariam então os nossos governantes se a RAEM se encontrasse igualmente numa situação de falta de reservas financeiras? A maior parte dos visitantes que se dirigem aos casinos locais são oriundos da China continental, enquanto que os jogadores que frequentam os “quartos VIP” são, na maior parte, abastados homens de negócios do mesmo país. Estes usam todo o tipo de medidas para ganhar dinheiro no seu país de origem, acabando depois por investir as suas poupanças através do território de Macau. Se porventura a China não estivesse a viver a maior campanha anti-corrupção da sua história ou se não tivessem sido implementadas sérias medidas para impedir a transacção de capitais através dos cartões da China UnionPay, ou ainda se a conjectura mundial não tivesse mudado quando Xi Jinping assumiu o poder, acreditamos os cofres da RAEM ainda poderiam estar cheios de receitas obtidas através do imposto sobre o jogo. Porém, a China sentiu a necessidade de combater a corrupção de forma a garantir a sobrevivência do Partido Comunista assim como do próprio estado. Conseguiriam então estes homens de negócios, mas também bons patriotas que amam Macau, mudar as políticas implementadas pelo Governo Central? Pela conquista do dinheiro, existem aqueles que contemplariam até perturbar a segurança nacional ou a saúde dos funcionários da indústria do jogo e até o futuro desenvolvimento da RAEM. Se pesquisarmos o paradeiro dos descendentes desses mesmos indivíduos, quantos deles estarão ainda a residir em Macau? De forma a garantir o seu futuro, Macau tem de evitar embarcar pelo caminho seguido pela Grécia. E, durante este período de redireccionamento, uma pequena minoria de pessoas com interesses investidos poderia sem dúvida vir a sofrer, assim como poderiam ficar tristes aqueles habituados “a colher sem sequer semear”. Mas se a população do território não se livrar do vício que a prende a este ambiente económico, que mais se assemelha a uma droga, não poderão deter a clareza intelectual necessária para poder virar uma nova página. Apesar de a Grécia ser um país conhecido pela sua mitologia, nenhum dos seus cidadãos actuais pode viver uma vida relaxada como aquela gozada pelos deuses gregos, nem tão pouco o podem Macau e as suas gentes.
Isabel Castro VozesO final feliz [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão conheço a senhora de lado algum, mas esta é daquelas histórias em que se acredita à primeira leitura: uma médica licenciada pela Universidade de Coimbra, com nota de 19,6 valores, a especialização feita e vários anos de serviço teve essa ideia peregrina de querer trabalhar em Macau. Chumbou nos testes dos Serviços de Saúde, foi-lhe impossibilitado o recurso, avançou para tribunal. A médica é de cá – macaense, com Bilhete de Identidade de Residente. Não conheço a senhora de lado algum, mas acredito que esteja a dizer a verdade. Basta ver que os Serviços de Saúde, a quem foi dada a oportunidade do contraditório, nem sequer se deram ao trabalho de tentar desmentir os factos narrados por este jornal. O caso desta médica que teve a pretensão de voltar para a sua terra – uma terra onde, por sinal, os médicos escasseiam e as qualidades de alguns são questionáveis – dá que pensar. Desde logo, na forma de contratação, nos métodos que são aplicados nos exames, na constituição dos júris, no desrespeito pela língua portuguesa (diz a médica que lhe foi impossibilitada essa opção dada pela lei). Mas obriga também a reflectir sobre aspectos sociais e sobre questões políticas. Os aspectos sociais: andamos aqui todos a fingir, há já muitos anos, que isto é só harmonia. Macau foi aquele exemplo de transição perfeita, não há nada mais bonito do que a alegre convivência entre portugueses e chineses, os macaenses são filhos da terra e tratados como tal, a terra é muito deles, eles que são o resultado em forma de gente destas combinações harmoniosas de séculos. Macau não é assim, não há terra no mundo em que diferentes etnias, culturas e línguas coexistam harmoniosamente, sem um choque de vez em quando. Deixemo-nos de falsos pruridos: é óbvio que há sectores e pessoas que ainda não digeriram o passado. E porque ainda não digeriram o passado, paga o neto por aquilo que o avô poderá ter feito – mesmo que o avô nunca tenha cá estado. Não sei se foi este o caso. Mas não é segredo para ninguém que há dentro do hospital quem, tendo poder para tomar decisões, não queira médicos portugueses por cá. Não é só no hospital que isso acontece. Chamem-lhe trauma pós-colonialista. Eu chamo-lhe estupidez. [quote_box_left]Não é segredo para ninguém que há dentro do hospital quem, tendo poder para tomar decisões, não queira médicos portugueses por cá. Não é só no hospital que isso acontece. Chamem-lhe trauma pós-colonialista. Eu chamo-lhe estupidez[/quote_box_left] As questões políticas: numa terra em que, em termos gerais, os directores dos serviços públicos valem o que valem, numa terra onde o trabalho depende em muito da capacidade e empenho pessoal dos secretários, é cada vez mais evidente que a divisão do trabalho está mal feita. Há secretários a menos para o muito que ficou por fazer nos últimos 15 anos de Macau. Há secretários com pastas a mais, sobretudo porque todas elas são complicadas de gerir. É o caso de Alexis Tam, que fez da saúde a sua prioridade, mas que continua a ler nos jornais aquilo que, acredito, não gostaria que estivesse a acontecer. Quem frequenta com alguma assiduidade os centros de saúde e o hospital público de Macau tem consciência de que é ambicioso o prazo de um ano que o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura definiu para que se vejam melhorias significativas nos Serviços de Saúde. À excepção da substituição do director do hospital e dos esforços para o reforço do pessoal, dos concursos de recrutamento de que se vai tendo conhecimento, nada se sabe de alterações internas que nos levem a acreditar que o modelo de gestão será revisto. Já passaram mais de oito meses desde que Alexis Tam apontou o dedo ao que vai mal na esfera de Lei Chin Ion. Depois temos o Chefe do Executivo que, quando questionado esta semana acerca dos progressos na reforma da saúde por um dos deputados que ele próprio escolheu, não foi capaz de ir além de umas ideias gerais sobre isto da saúde, das leis sobre a saúde e do financiamento das não lucrativas instituições privadas de saúde. Voltamos ao mesmo: num momento em que o líder do Governo passa cada vez mais por entre os pingos da chuva, são os secretários que se molham. Se fossem mais, a água não era tanta. E talvez se pudesse recuperar, de forma mais rápida e menos custosa, os anos que andámos todos a perder. Não sendo assim, sobra trabalho: Alexis Tam prometeu tentar encontrar um final feliz para a história da médica macaense. Ficamos à espera de boas novas.
Leocardo VozesTudo mal, obrigado [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]que dizemos a um indivíduo que conhecemos mal, mais ou menos, ou não nos interessa conhecer melhor? “Olá, Tudo bem?” ou simplesmente “Tudo bem?”. O tipo responde-nos “Tudo”, ou “Sim”, ou se tiver um bocadinho de modos retribui com um “Tudo bem, e tu?” – certo? Não, errado! Tudo bem não; tudo mal! Confesso que já fui viciado em “tudo bens” mas deixei o hábito. Quando vejo alguém que conheço mal, aceno com as mãos ou com a cabeça, e se ele passar à minha frente digo-lhe “olá”. Se for um amigo mais próximo detenho-me e troco dois dedos de conversa, que podem começar como “Então como vai isso?”, mas nunca “tudo bem”. Este “tudo bem” é um momo, uma falsidade, um engodo. Devia ser considerado falta de etiqueta perguntar “tudo bem?”. Mais do que isso, devia ser considerado um insulto: “olha lá pá, esse ‘tudo bem’ foi p’ra mim, é?”. Este “tudo bem?” é uma farsa, uma desonestidade. Um tipo que conhecemos mal passa por nós com passo apressado, atira com um “tudo bem?” e nós dizemos “sim”, porque: 1) é má educação não dizer nada e 2) o tipo vai embora e não chateia mais. Ele diz “tudo bem?”, e não nos pergunta se está mesmo tudo bem: o gajo está-se nas tintas, e quer é levar com o “sim” da praxe para depois ir à sua vida. E nós cumprimos este ritual patético à letra, damos-lhe o “sim” que ele pediu, e acaba ali, pronto, não se fala mais nisso. Até ao próximo “tudo bem?”, pelo menos. É que mesmo que esteja tudo mal, porque devíamos de partilhar o nosso problema com alguém que nem conhecemos? [quote_box_left]O “tudo bem?” anda por aí todos os dias, na boca de gente de todos os quadrantes, profissões, idades, géneros, raças, religião ou orientação sexual. A única vacina para nos protegermos eficazmente deste “tudo bem?” vindo da parte de alguém que mal conhecemos e nem sequer nos lembramos do nome é um seco “o que é que tu tens a ver com isso?”[/quote_box_left] Há um tipo de “tudo bem?” que esconde segundas e terceiras intenções, que leva água no bico, especialmente se nos acontece um azar qualquer de que todos ficam a ter conhecimento (isto é frequente entre a comunidade portuguesa em Macau). Nesse caso arriscamos-nos a encontrar um dos “tudobembâdos” que se mete à nossa frente, olhas bem abertos e pescoço inclinado para a esquerda, como se para ver se estivemos a chorar, e pergunta “tudo bem?”. Se estamos com paciência, podemos falar do problema com ele: “olha, como já sabes…”, e se não merece mais que desprezo dizemos “sim, tudo”, fim de conversa. Aí é possível que o mala insista: “tudo, mesmo, de certeza?”. Aí dá vontade de responder “epá se já sabes porque é que perguntas?”, mas se não nos apetece mesmo andar ali a dar satisfações podemos optar por um “sim, tudo, com licença que estou com pressa”. Mas partilhemos ou não a angústia, nunca ficamos bem vistos no fim; se falamos, o tipo vai dizer aos outros melgas iguais a ele: “epá encontrei o coiso e tal, coitado está arrasado, com o coração nas mãos”. Se os evitamos, dizem “olha vi o coiso e está mesmo em baixo, e nem quer quer tocar no assunto, coitadinho”. É ser preso por ter cão e ser preso por não ter. Mas o que esperar da reacção destes toureiros a cavalo que espetam bandarilhas do “tudo bem” à traição? E se em vez se “tudo” ou “sim”, optamos por uma resposta alternativa? Para melhor entender as probabilidades, elaborei uma tabela: Se respondemos categoricamente “não”, ou “nem por isso”, pode-se esperar o seguinte: 1) O tipo fica genuinamente interessado no nosso caso e até pergunta “então porquê?”. Se lhe explicamos o problema, ele: 1a) Ajuda-nos, porque a solução está ao seu alcance, ou indica-nos alguém que o possa fazer, o que não é o mesmo mas é melhor que nada. 1b) Lamenta não poder ajudar, pois o problema é demasiado pessoal, ou do foro íntimo. 1c) Lamenta não poder ajudar mas se calhar até podia dar uma mãozinha, só que não está para chatear – isto acontece normalmente com problemas de dinheiro. 1d) Responde “a sério?” ao que se segue um “paciência”/”boa sorte”/”as melhoras”. O filho da mãe… 1e) Responde “epá olha, é a vida”, depois olha para o relógio e diz “estou com pressa, depois a gente fala”. Despedimos-nos do cínico com um “’tá bem, ‘té logo”, e ficamos a desejar que seja atropelado assim que atravessar a rua. 1f) Diz “Ai é? Ah, ah, ah”. Esses são apenas parvinhos. Se a resposta é “mais ou menos”, ou “assim-assim”, estamos a seduzi-lo, a chamá-lo para a cama da lamentação, com a alma húmida e ardente de desejo pela sua curiosidade. Reacções possíveis: 2) Ele é um daqueles tipos porreiraços que pensa que é amigo de toda a gente e está sempre disposto a dar uma mãozinha, mas no fim deixa tudo na mesma ou pior, e cujos conselhos incluem: 2a) “Ai é? Olha cuidado com isso, que eu tinha uma tia que apanhou essa merda e já foi desta para melhor” 2b) “Ouve lá, já tive esse problema, e sabes o que foi que eu fiz?” – ao que se segue um rol de palermices e dicas inúteis. 2c) “Água. Bebe muita água”. 2d) “Os meus pêsames pá. Ouve…ganda cena. Fogo, pá”, enquanto nos abraça e nos dá violentas palmadas nas costas, fingindo estar em prantos pela morte da nossa tia ou sogra. 3) Os que se estão nas tintas para nós: 3a) O filósofo: “Só mais ou menos? Do jeito que isto está, podia ser pior” 3b) O polícia: “Vê lá, vê lá. Juizinho…” 3c) A avózinha: “Agasalha-te bem e não fumes tanto. Em alguns casos em que a vítima do “tudo bem?” alheio tem uma reacção ainda mais parva, retorquindo com inanidades do tipo “faz-se o que se pode”, “vai-se andando” ou “com altos e baixos”. Estas respostas que não são carne nem peixe podem levar com um indiferente “ah…”, ou “pois”, e o autor do “tudo bem?” acaba saindo por cima. O “tudo bem?” anda por aí todos os dias, na boca de gente de todos os quadrantes, profissões, idades, géneros, raças, religião o orientação sexual. A única vacina para nos protegermos eficazmente deste “tudo bem?” vindo da parte de alguém que mal conhecemos e nem sequer nos lembramos do nome é um seco “o que é que tu tens a ver com isso?”. Mas é preciso ter tomates. Para um sacana, sacana e meio.
Rui Flores VozesO legado africano de Obama [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]recente visita do Presidente norte-americano a África, a última de um Barack Obama na reta final do segundo mandato, foi aproveitada por muitos analistas para avaliar o legado de Barack Obama para com o continente onde tem as raízes paternas. Os balanços são mais ou menos positivos consoante as filiações políticas dos autores. Mas embora Obama não tenha feito tanto pelo continente como os seus antecessores, parece estar a ser vítima das expectativas exageradas que foram criadas pela sua eleição. Quando Barack Obama foi eleito em 2008, eu estava então a trabalhar em África para a Organização das Nações Unidas (ONU). Assisti nesse dia a uma alegria infindável quer da população do país onde me encontrava em missão – o Chade, na fronteira entre o Sahel e a África negra, constituído na sua vasta maioria por uma população de fé muçulmana – quer dos colegas das Nações Unidas de origem africana. Foi como se de repente todo um novo mundo se abrisse aos nossos olhos, tudo porque o povo norte-americano, através do seu voto, havia escolhido o primeiro Presidente negro da sua história. No país mais poderoso do mundo. O “yes, we can!” era muito mais do que um slogan de campanha. Era toda uma política, de igualdade, de respeito pelas minorias, de afirmação do ser humano, que se tornava possível. Isso não era pouco. Perpassava a sensação de que tudo era agora possível, de que o mundo se iria tornar um lugar mais justo, mais integrado, menos desigual. E era por isso que muitos dos meus colegas africanos (mesmo aqueles que estavam em posições de chefia e que, por trabalharem para uma organização que tinha como princípios orientadores a igualdade entre géneros e a diversidade geográfica, foram sentindo ao longo dos anos menos a discriminação do que outros) se abraçavam e sorriam como se de uma ocasião única se tratasse. [quote_box_left]Obama é uma vítima das expectativas elevadas que foram criadas com a sua eleição. Mas como qualquer político bem sabe, a arte da governação passa pela gestão das expectativas[/quote_box_left] Muitos deles imprimiram nesse dia imagens de um sorridente Obama, disponíveis na internet, e colocaram-nas na parede em frente às suas secretárias. Outros tinham-no feito muito antes, quando o candidato democrata começara a corrida para a Casa Branca. Nesse dia, no dia em que é eleito, Obama conquista muitos daqueles que nunca quiseram acreditar para não se desiludirem. E este é o primeiro legado – o principal, talvez – que Obama deixa aos africanos. Tudo é possível. É possível acabar com os estigmas, com os fatalismos. É possível cortar as raízes do subdesenvolvimento. Dos atavismos. Por ter feito as pessoas acreditarem, Obama deu-lhes um capital maior do que o resultado das suas políticas para com o continente africano. Um capital que o Comité Nobel Norueguês reconheceu com a atribuição do Nobel da Paz. O prémio, atribuído logo em 2009, no início do seu primeiro mandato, foi-lhe concedido pelos seus esforços para fortalecer a diplomacia internacional e “a cooperação entre povos”. Mas também foi para salientar as diferenças entre a prática política do seu antecessor no cargo, que avançou para o Iraque, na sequência dos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, sem mandato do Conselho de Segurança da ONU. Obama transformou-se, entretanto, no campeão dos ataques por drones, tendo sido contabilizados, oficialmente, até ao início deste ano, mais de 450 em países com os quais os Estados Unidos não estão em guerra, como o Iémen, o Paquistão e a Somália. Nove vezes mais do que os ataques autorizados por Bush e que mataram perto de 2500 pessoas, entre as quais 314 civis. É sobretudo “contra” George W. Bush que as comparações em matéria de política externa têm de ser feitas. Os especialistas em política externa lembram que o presidente republicano pôs em prática a Millennium Challenge Corporation, destinada a erradicar pobreza, apostando nas práticas de boa governação, e aprovou o Plano de Emergência para o Combate à SIDA. E que as iniciativas de Obama, como o Power Africa, uma parceria com os governos africanos que pretende alargar a plataforma de recrutamento de pessoas para as posições de chefia na África subsaariana, e a Young African Leaders Initiative, que tem como objectivo formar a próxima geração de empreendedores, educadores, activistas e inovadores, estão muito aquém do impacto dos programas desenvolvidos por W. Bush. No continente africano, Obama continua a dar prioridade à segurança sobre o respeito pelos direitos humanos ou às parcerias económicas. O comando militar americano no continente (Africom) está consolidado, mas falta uma presença visível norte-americana em termos de parcerias comerciais. Os chineses estão em África. Os indianos estão em África. Mas falta uma presença considerável de investimento Made in USA, reforçando uma certa frustração de líderes de opinião que esperavam que essa presença contribuísse para um reforço dos direitos humanos e para uma consolidação do Estado de Direito. Um pouco à imagem da declaração feita por Obama em Addis Abeba, no final da visita ao continente, em que afirmou que os presidentes não podem perpetuar-se no poder e que nada vai libertar mais o potencial económico de África do que eliminar o cancro da corrupção. O discurso não acompanha a prática, que uma presença norte-americana reforçada poderia forçar. De certa forma, Obama é uma vítima das expectativas elevadas que foram criadas com a sua eleição. Mas como qualquer político bem sabe, a arte da governação passa pela gestão das expectativas. E no caso das expectativas criadas por Obama, como o fecho imediato da Prisão de Guantánamo na ilha de Cuba, que permanece ainda hoje operacional, o Presidente não conseguiu concretizar o que se propusera fazer.
Carlos Morais José A outra face VozesAs raparigas salgadas [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]á se sabia que o grande problema do século XXI, para além dos fundamentalismos e do tédio causado pelo Jogos Olímpicos de Inverno, ia ser a água. Pois é. Precioso líquido, fonte de vida e de muitas outras coisas (como o útil gelo, por exemplo), bem diferente do asqueroso petróleo por quem tantos matam e outros tantos morrem, a água não vai ser a mesma ao longo deste titubeante século. Seja por causa do aquecimento global, devido ao envenenamento dos rios ou ao excesso de xixi sobrepopulacional, a verdade é que todos prevêem graves problemas com a água nos próximos tempos. Também neste aspecto Macau exige estar na vanguarda e os problemas que vão afectar o mundo de forma global já se sentem aqui neste território à beira do Rio das Pérolas plantado. Ora toma! Somos os primeiros, à frente da Etiópia, de Myanmar, dos países árabes, do próprio Turquemenistão. Enquanto estes sóbrios países continuam a desfrutar de água potável, a RAEM não está com meias medidas e avança decidida na senda do futuro: aqui a água não se pode mesmo beber. Não se pode beber, não se pode cozinhar, não se pode escovar os dentes, tomar banho, lavar a roupa. E tudo porque a água tem excesso de sal! Porque razão uma terra com excesso de dinheiro nos cofres, decididamente voltada para o turismo, proporciona aos seus habitantes este profético mergulho no futuro? Fará parte de uma estratégia publicitária dos Serviços de Turismo? “Venha a Macau e experimente o que vai ser o mundo daqui a 50 anos”. Será isto? Talvez. Será uma táctica política à la Maria Antonieta? “Não têm água? Mas porque não bebem vinho?” Será? Talvez. Bom… a verdade é que enquanto o dinheiro não chega para os brioches a malta vai andando por aí… mas mais salgadinha que é um mimo dos antigos. É claro que para resolver a situação era preciso tomar uma decisão e disso anda o governo farto. Um senhor propôs na rádio que se usasse água do mar nas descargas. Ora aí está uma ideia de génio. Nas descargas e nas piscinas públicas. O único problema é que o mar está tão distante que se torna fisicamente impossível. Distante, pergunta o surpreendido leitor. Sim, distante, porque esta gentil costa é sobretudo banhada pelos dejectos químicos e orgânicos da malta ali de Guangdong que, como se sabe, não prima pela escassez nem pela contenção. Logo, solução impossível. [quote_box_left]Ora a partir de agora toda a população vai andar com excesso de sal, o que certamente contribuirá para fazer subir Macau nas estatísticas regionais, quiçá mundiais, de frequência sexual[/quote_box_left] O melhor mesmo é aguentar. Já que a nossa querida Macao Water e o nosso devotado governo se limitam a tomar banho num mar de despreocupação e indiferença, o que pode a populaça fazer? Aguentar, pois claro, pacientemente aguentar. Aguentar que a máquina de lavar se decomponha, aguentar o preço da água mineral. Aguentar que a paciência é como o respeitinho: muito bonita. E não haja dúvida que o povo de Macau tem uma infinda paciência. No Iraque já tinham explodido duas mesquitas, na Rússia haveria manifestações nas estepes, nos Estados Unidos turbas enfurecidas a partir tudo e a roubar. Na China discutia-se o assunto no ciberespaço, em Portugal nas tabernas. E seria imprevisível o resultado. Mas aqui não. Gosto a sal em tudo quanto toca em água e está a andar. A malta tem calma, a malta tem pachorra, a malta continua alegremente a pagar o mesmo preço por um produto que não atinge sequer os mínimos admissíveis em contexto civilizado. Esta bovina paciência tem talvez uma razão linguístico-cultural. Passo a explicar. Ora como sabe quem sabe cantonense, rapariga salgada (ham-mui) quer dizer que estamos perante uma moçoila muito dada às coisas da sensualidade, pois deveriam considerar os chineses antigos que existia uma relação entre o excesso de sal e a vontade de praticar sexo, isto é aqueles actos que para alguns estão relacionados com a reprodução da espécie e para outros com outras coisas mais relacionadas com o Kamasutra. Ainda hoje, por Macau, quem é o varonil rapazola, digno das suas viris patentes, que não foi rotulado de ham-sap lou por uma simpática mas negacionista chinesa de cantónia fala? Se é o caso do amável leitor é melhor não o confessar a ninguém, por vergonha de não exibir suficientemente os seus másculos desejos (curiosamente, os portugueses que chegam agora a Macau em nada desmerecem aos seus antecessores pré-transição: mal descem do jet-foil, logo abrem a braguilha e a carteira). Ora a partir de agora toda a população vai andar com excesso de sal, o que certamente contribuirá para fazer subir Macau nas estatísticas regionais, quiçá mundiais de frequência sexual. Ele é um vê-se-te-avias e ainda por cima… salgado. Portanto, ainda se queixam? Não se queixem. O pastel de bacalhau também é salgadote e não é por isso que deixa de ser levado a numerosas bocas, um pouco por todo o mundo. Verdade, verdadinha, é que isto até quem nem é mau para todos. Que o digam os importadores e revendedores de água mineral: nunca o negócio andou assim tão de vento em popa. Isto sim, isto é que é fartar vilanagem. Por mim, acho bem, que eu cá acho tudo bem. Só o gelo, só o gelo me preocupa. Mas como o uísque também é falsificado, que importância tem mais pedra ou menos pedra de sal? Também em sal se transformou a mulher de Lot por ter ousado olhar para trás, quando da fuga de Sodoma. E Macau tem agora as raparigas mais salgadinhas do mundo! Sal, sexo, gajame, Sodoma… Caramba! Isto está mesmo tudo relacionado!
Fernando Eloy VozesRisco [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á um velho ditado, que todos conhecemos mas nem todos praticamos. O nosso bom amigo, “Quem não arrisca não petisca.” – ele é válido para (quase) tudo. É provavelmente, das melhores expressões da nossa gente. Pela alta energia que emana, pelo impulso para o desconhecido, pela capacidade de acreditar, por ser o empurrão que falta em horas de indecisão. “Quem não arrisca não petisca” faz-nos acender uma pequena luz cá dentro que, com jeitinho, conseguimos transformar num clarão de lucidez e emoção. “Quem não arrisca não petisca” é o conselho que o amigo nos dá por nos crer ver singrar, por não nos quer ver infelizes. “Quem não arrisca não petisca,” é o que a mãe nos diz quando aprendemos a andar de bicicleta. “Quem não arrisca, não petisca está connosco quando precisamos de nos rir com a vida. “Quem não arrisca não petisca”, terá sido o que passou pela cabeça do Gama quando se fez ao mar, pela do Carlos Manuel quando acabou com a Alemanha à bomba, terá também passado pela cabeça do Bogart quando beijou Bacall pela primeira vez, e pela de muitos de nós que fizemos o mesmo, ou parecido, e vivemos um amor à conta disso. Terá surgido na cabeça de muitos que um dia decidiram arriscar para conquistarem o petisco. “Quem não arrisca não petisca”, ou seu equivalente em italiano, também terá passado pela cabeça de Romeu, que acabou como se sabe, até de Ícaro muito provavelmente. Mas essa é a essência do risco. Pode correr mal. Pode ser um amor impossível, um sonho difícil de atingir, mas também pode correr bem e se arriscarmos vamos sempre saber que tentámos. Podemos calcular o risco mas não podemos viver sem ele. Vêm-me estes riscos ao papel a propósito de uma história ouvida há dias e passada num outro dia num desses departamentos do governo. Ao que consta, terá saído uma ordem de serviço a pedir ao designer gráfico que não deixasse tanto espaço em branco nos posters pois isso poderia ser considerado desperdício de papel… não podia ser real! Mas foi. Lembra-me então a história quão penalizado pode ser arriscar em Macau. Neste caso, para não arriscar, o funcionário em jogada brilhante de antecipação prefere jogar pelo seguro e sugerir a poupança de papel no design gráfico nem que para isso tenha de espezinhar a criatividade no processo, mesmo qualquer tímida assomo futuro desse vício. Tendo esta história acontecido num departamento onde a criatividade deveria ser moeda corrente, tamanho descalabro cambial proporciona péssimos sinais. Sinais de um “burrocracia” instituída, sinais de que o risco continua a não ser praticado mas visto como demónio a evitar. Em Macau não se arrisca porque o erro é insuportável, vai-se a face e as roupinhas. Mas o erro não é insuportável, o erro tem de ser “descriminalizado”, pois sem erro não há criatividade. Especialmente, numa terra onde o governo surge como um dos principais agentes da economia e do desenvolvimento social e educativo locais, deve ser ele o primeiro a perder o medo de arriscar, de aceitar propostas inovadoras, de estimular as suas próprias chefias a perderem o medo de arriscar. O erro é inalienável da inovação. Jogar todos pelo seguro contraria a evolução e sem evolução não há petisco. Fogo Ainda alguém liga aos fogos em Portugal? Isto, é claro, se não morar na zona, por outra questão directamente relacionada, ou não tiver família ou amigos ligados a um dos 25.000 fogos florestais que Portugal regista em média por ano. Pergunto isto porque à semelhança de outros casos, a repetição excessiva promove a entrada do fenómeno nas nossas paisagens visual e auditiva default como mais um ruído entre muitos outros. A nossa atenção diminui porque é sempre o mesmo. Pessoalmente, desde que me lembro de ver notícias, e já vão uns bons anos, há sempre notícias de fogos florestais em Portugal. Aposto inclusive, que se a RTP fosse aos arquivos e colocasse imagens de 2002 para ilustrar as noticias de incêndios deste ano, apenas o locutor desactualizado nos faria alertar da troca pois o resto seria igual. Milhares de hectares ardidos, casas em perigo, fogo-posto, reacendimentos, bombeiros vitimados, florestas por limpar. Todos os anos, sem falha, repetem-se as entrevistas e as situações e nada muda. Ou melhor, algo muda e logo o que não devia: cada vez arde mais, isso sim, isso muda. Segundo a Pordata, os resultados são estes: nos últimos 10 anos arderam 1,6 milhões de hectares de floresta e mato; desde 1980 até hoje foram quase 4 milhões! Na década de 80 arderam 735,000 hectares, na de 90 foram pouco mais de 1 milhão, nos anos 2000, 1,5 milhões e, até 2013, mais meio milhão de hectares. Este ano já arderam 31.000… Ou seja, quanto mais tecnologia, acessos, suposto esclarecimento e métodos de combate existem mais mata arde. Traduzido para euros, o jornal i anunciava em 2013 “segundo dados do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), as perdas ambientais e materiais resultantes dos incêndios na floresta atingiram 2,224 milhões de euros entre 2002 e 2012.” E este montante correspondia (apenas) à destruição de 1,5 milhões de hectares de floresta. O que se poderia fazer em termos de inovação para pesquisa e prevenção, para descobrir formas inovadoras e prevenir e atacar incêndios florestais com, seja, 10% desse orçamento? A verdade é que nestes últimos 30 anos, as políticas de todos os governos, sem excepção, para a protecção da floresta portuguesa são um rotundo falhanço. Perante tanta inépcia, tanto discurso vão, pela simples incapacidade de se criar uma task force multidisciplinar que analise a fundo o fenómeno e proponha soluções inovadoras, só custa mesmo a acreditar ainda existir haver floresta para queimar em Portugal. MUSICA DA SEMANA Asian Dub Foundation – “In Another Life” (…) “Children with no eyes, push the …up the hills Not blinded by the light, but by another’s will Possession’s at the rage, breathe life into every day The world has a different way, at the bottom of the food chain And if you’re looking at your life from only way you are You only see the ground, will you ever see the stars” (…) Destaque O erro é inalienável da inovação. Jogar todos pelo seguro contraria a evolução e sem evolução não há petisco.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesGrafismos [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão sou do tempo em que as descobertas sexuais envolvessem uma VHS roubada do irmão mais velho onde um conjunto de jovens se deliciava (se assustava) com cenas de sexo. As sortudas minorias assim consideradas em outras décadas, de minoria têm agora muito pouco. A pornografia é agora de fácil acesso – leia-se – de muito fácil acesso. Até a minha avó, na sua santa inocência, se depara com a sexualidade gráfica que a internet acidentalmente oferece quando vai cuscar as redes sociais de família afastada (avós modernas). Há uns 5 anos atrás vivi em Budapeste, para quem não sabe, a capital da pornografia europeia. Nunca a razão principal para a minha visita, salienta-se, mas a vivência era obrigatóriamente feita com sex shops a cada esquina e a ocasional proposta para fazer de figurante em filmes adultos. Escusado será dizer que poucos foram aqueles que recusaram a oportunidade de experiênciar a indústria. Ver pornografia ao vivo ao mesmo tempo que davam a cara ao comum mortal a encher a multidão que o enredo obrigava, sei lá, num autocarro? Só os loucos o recusariam. Até porque interacções menores eram bem possíveis, com alguma sorte havia permissão para dar uma ou outra palmadinha na actriz. Degradante ou não, a verdade é que a pornografia veio para ficar. O que se sabe sobre esta exposição fácil e por vezes excessiva é espectacularmente reduzida. Para todos os estudos realizados sobre os efeitos da pornografia houve dificuldades em criar um grupo de controlo, ou seja, um grupo de pessoas que não use pornografia de todo (só assim saberemos que o efeito se deve à variável estudada ou não). Mas não há ninguém. Se há homens que nunca sequer uma cena de pornografia viu, acusem-se porque ciência precisa de vocês. A tendência para julgar de tarado o ser humano que perde umas horas da sua vida com pornografia, já é, felizmente, considerada um exagero. Estes vídeos XXX até que contribuem positivamente para umas coisas (negativamente para outras, não se esqueçam). Fazem parte de uma sexualidade saudável e até divertida, sozinho ou acompanhado. Diz a cultura popular que as mulheres passam-se quando descobrem que os seus parceiros se divertem a olhar para os gemidos de meninas especialmente mamalhudas. Haja sensatez que entenda que pornografia é um auxílio, uma ferramenta, e não um fim em si mesmo. Porque vejamos, a pornografia assemelha-se ao sexo tal como contos de fada assemelham-se ao amor. Não têm nada que ver com a realidade. Parece impossível acreditar, mas há quem se firmemente convença de que sexo é tudo aquilo que a indústria perpetua. Mulheres obcecadas por pénis gigantes, violência a roçar o kinky, uns estalos para aqui e umas palmadas para lá. Orgasmos muito fáceis de atingir (maior parte das vezes por trás), penetrações duplas (muitas!), mulheres bissexuais (todas!), e muita falta de pêlos púbicos. Todas estas filmagens são normalmente feitas por homens e para homens e por isso, se há falta de um público feminino a isso se deve, nada contra a pornografia em si. [quote_box_left]Haja sensatez que entenda que pornografia é um auxílio, uma ferramenta, e não um fim em si mesmo. Porque vejamos, a pornografia assemelha-se ao sexo tal como contos de fada assemelham-se ao amor. Não têm nada que ver com a realidade[/quote_box_left] Se existe vício, existe. Uma sexualidade essencialmente pornográfica vem do conforto da masturbação e de um computador sempre à mão. Acho que estamos todos de acordo que o coito com um ser humano é muitíssimo melhor que uma mão, ou um vibrador, ao som de gemidos exagerados. Só que sexo corre mal, mais regularmente do que gostaríamos. A pornografia? Sempre pronta, perfeita e airosa. De corpos para todos os gostos e fantasias ainda mais diversificadas. Trata-se de preguiça e da possibilidade de fo*** à grande (em todos os sentidos da palavra) que num cocktail hormonal fabuloso cria o vício de consequências sexualmente perturbadoras, entre elas, a impotência. Cruel, não é? Uma dedicação tão profunda ao sexo que resulta na impossibilidade do mesmo. Há quem tenha feito estudos neurológicos na tentativa de entender estes caminhos do prazer e do desprazer, porque toda esta exposição leva à indiferença, não só para sexo, mas para tudo. Da sociologia da pornografia, não me vou estender sobre a falta de uma perspectiva femininista na prática pornográfica, acho que a maioria da população está ciente do retrato que é perpetuado à mulher e ao seu papel na relação sexual. Sei de muitas histórias de homens que só atingem o clímax nas posições mais impessoais, na cara de uma mulher ou não ejaculam de todo. Mas quem fala de retratos femininos, fala de outros exemplos. O mais interessante que ouvi recentemente é o de um estudante de direito Americano-Asiático que se apercebeu como os homens asiáticos estão mal representados no mundo da pornografia. Tanto quanto sei, pôs o seu curso em pausa e agora dedica-se ao Asianschlong.com onde procura outros asiáticos que queiram seguir uma carreira na pornografia e desenvolver uma nova tendência. Acima de tudo, a pornografia tem que ser consumida… com moderação.
Arnaldo Gonçalves VozesGeometria Eleitoral [dropcap style=’circle’]1[/dropcap]. As nossas democracias liberais assentam em três ou quatro regras simples. A eleição através do voto directo ou universal dos representantes do povo, com assento numa assembleia parlamentar que é a expressão das alternativas políticas. Um mandato curto do governo liderado pelo partido vencedor na pugna eleitoral ou legitimado por um acordo de partidos que funciona, no parlamento, como bancada de apoio ao governo. Um árbitro, monarca ou presidente da república, que dá posse ao governo com base nos resultados eleitorais, fiscaliza a sua acção política, demite o primeiro-ministro em certas circunstâncias ou aceita a sua resignação. Um poder judicio-constitucional que fiscaliza as consequências jurídicas da actuação dos governantes, a constitucionalidade das leis – aferida à priori, ou a posteriori – a pedido do presidente da república ou por iniciativa de um partido ou grupo de partidos. O sistema funciona em regra, bem e permite ajustamentos ao mandato dos governantes. Dilatando o termo do governo a que a maioria dos eleitores dá nota positiva, dando a um novo partido a oportunidade de governar ou abreviando o mandato quando a coligação que sustenta o governo se dissolve, ou o chefe do partido maioritário se demite. Em regra, os eleitores não acolhem soluções de ruptura salvo quando a crise económica ou a perda de credibilidade dos políticos urge uma mudança radical de protagonistas. Na última década se olharmos para as eleições parlamentares, nas principais democracias do continente europeu, os eleitorados têm preferido soluções de estabilidade, forçando os partidos melhor posicionados a entenderem-se e a coalizarem-se à saída das eleições. Assim aconteceu nos seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Polónia e Portugal. A única excepção é a Grã-Bretanha que viu renovar-se a confiança no partido conservador por razões parcialmente atribuíveis ao fracasso da liderança trabalhista. 2. Ao contrário do que gostariam os líderes do Partido Social-Democrata e do Partido Socialista o eleitorado português deverá preferir, nas eleições de 4 de Outubro, uma de duas soluções: a manutenção da maioria PSD-PP mas com margem menos expressiva; a vitória do PS, com maioria relativa. Em qualquer destas situações, o cenário resultante não é, de forma alguma, do agrado do Presidente Cavaco Silva, porque o forçará a um papel mediador que ele manifestamente não quer assumir. As razões, sucintamente, têm a ver com o seu perfil conservador, o seu trajecto em responsabilidades governativas, a história do seu relacionamento com Mário Soares e a avaliação política que faz de Passos Coelho e António Costa. Na percepção desta abulia presidencial para encontrar uma solução que não seja ditada pelos resultados eleitorais, os dois partidos-charneira do arco de governação arriscam pouco. Isso constata-se em dois elementos precisos: os programas eleitorais da Plataforma Mais Futuro para Portugal e do Partido Socialista; a formação das listas para deputados. Um olhar atento aos programas eleitorais de PSD-PP e PS revela que as duas forças políticas não estão assim tão distantes nas apostas e nos objectivos eleitorais como a verbosidade do discurso político deixa transparecer. Ao acirrarem divergências de ‘fundo’, os dois campos deixam margem de manobra para uma negociação pós-eleitoral que muitos crêem inevitável. Dê-se uma olhadela, por exemplo, às medidas que os dois contendores propõem para a reforma da segurança social, para o plafonamento das pensões, para a taxa social única, para a devolução da redução remuneratória dos salários dos funcionários públicos, para a redução da taxa do IRS e a reforma do IRC, para o Sistema Nacional de Saúde e para a política europeia. São sobretudo diferenças de estilo, discrepâncias de metodologia, disparidades na aferição dos impactos de medidas dirigidas a diminuir as restrições impostas pelo Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal. Do lado da Plataforma Mais Futuro, quer-se dar um sinal aos eleitores que é possível agora, relaxando as políticas de restrição orçamental e redução salarial e de benefícios sociais, recuperar a qualidade de vida dos portugueses perdida nos últimos quatro anos. Do lado do PS, vinca-se que o país está na mesma situação que em 2010, que o governo se tem mostrado incompetente para aliviar as políticas duras impostas pela Troika, que o programa da coligação é um emaranhado de medidas sem consequências de monta ou irrealistas. [quote_box_left]Um olhar atento aos programas eleitorais de PSD-PP e PS revela que as duas forças políticas não estão assim tão distantes nas apostas e nos objectivos eleitorais como a verbosidade do discurso político deixa transparecer[/quote_box_left] Também na formação das listas prevalece o mesmo calculismo. Da parte de Passos Coelho, fazer eleger para a Assembleia o bloco duro que o tem apoiado no governo e no Parlamento. Bloco formado por nomes como Moreira da Silva (Braga), Manuel Frexes (C. Branco), José Cesário (Fora da Europa), Teresa Morais (Leiria), Aguiar Branco (Porto), Teresa Leal Coelho (Santarém), Maria Luís Albuquerque (Setúbal), Carlos Amorim (V. Castelo) e Luis Ramos (Vila Real). Ao mesmo tempo, manter o isolamento da oposição interna liderada por Manuela Ferreira Leite e Pacheco Pereira (com António Capucho já fora do partido). Do lado de António Costa, construir um bloco homogéneo de apoio ao líder no parlamento formado por antigos socratistas: Carlos César (Açores), Capoulas Santos (Évora), Ferro Rodrigues (Lisboa), João Galamba (Lisboa), Isabel Santos (Porto), Vieira da Silva (Santarém) ou Eduardo Cabrita (Setúbal). Grupo a que se adicionou quadros que poderão ser designados pela ala ‘costista’ do PS: Pedro Nunes dos Santos (Aveiro), Helena Freitas (Coimbra), José Apolinário (Faro), Margarida Marques (Leiria), Alexandre Quintanilha (Porto) ou Ana Catarina Mendes (Setúbal). Um último objectivo passa por dividir a minoria ‘segurista’, repescando para a lista Manuel Vilaverde Cabral (Braga), Eurico Brilhante (C. Branco) e Alberto Martins (Porto). 3. Não é antecipável, assim, uma alternativa significativa ao quadro exposto. A menos que na campanha eleitoral surja algum episódio associado ao historial político e profissional dos dois líderes que provoque um motim nas escolhas dos eleitores. Passos Coelho parte para esta sua segunda campanha numa situação relativamente confortável. Em termos do desempenho do governo e do comportamento da economia os números são-lhe favoráveis. Segundo dados extraídos da Pordata, o PIB (a riqueza nacional) cresceu de forma sustentada entre 2010 e 2014 com uma variação de mais 3 por cento. O PIB per capita (a riqueza anual disponível para cada português) cresceu 1.24% no mesmo período, cifrando-se agora em 16 600 euros. O número de beneficiários do subsídio de desemprego caiu, entre 2011 e 2014, colocando-se em Dezembro passado em 304 000 pessoas. A dívida pública que cresceu 21% entre 2005 e 2009 e 24.3% entre 2009 e 2011 (anos de governos de Sócrates) cresceu 21% do PIB entre 2011 e 2014, o que é uma significativa recuperação quanto ao período imediatamente anterior. Menos simpáticos os dados das despesas do Estado, do consumo público e da carga fiscal. As primeiras não se reduziram tanto quanto Passos Coelho prometeu na sua campanha de 2011. Passaram de 48. 6 mil milhões de euros em 2011 para 48.4 mil milhões de euros em 2014. O consumo público passou de 19.4% do PIB em 2010 para 18.6% em 2014, o que representou uma queda de 4.12%. Finalmente, a leitura da carga fiscal em rácio do PIB revela um agravamento entre 2010 e 2014 (30.2% no primeiro ano e 34.4% no segundo) com um pequeno ganho entre Dezembro de 2013 e 2014. Nada mal para quem governou sob programa de assistência financeira do FMI e das instituições europeias. Também as sondagens têm confirmado o veredicto não totalmente desfavorável às pretensões de Passos Coelho e à estratégia que escolheu para passar uma mensagem central de prudência da acção do governo e da necessidade de um segundo mandato para ‘arrumar a casa’. Iremos saber adiante se essa estratégia foi avisada pela prudência ou fracassou por ausência de ambição. O que parece para já possível dizer é que existe um país retratado nas redes sociais e nos espaços de comentários nas televisões e nos jornais que pressagia o apocalipse. Existe um outro que se manifesta nas sondagens que prefere a estabilidade e a continuidade de políticas reformadoras ao aventureirismo das rupturas.
David Chan Macau Visto de Hong KongGorjeta graciosa [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e, porventura, o nosso leitor ganhar nas mesas de jogo, ou se algum vosso conhecido decidir atribuir-lhe mil patacas como prenda de aniversário, esse montante seria considerado como afortunado ou um símbolo de boa sorte. Ainda mais se tivermos em conta o facto de essa remuneração monetária não ser fruto de trabalho árduo, como seria normalmente de esperar. Quantos dos nossos leitores é que já foram premiados desta forma? Qualquer um de nós se pode considerar sortudo se tiver dinheiro suficiente para concretizar os seus sonhos pessoais. E você, considera-se uma pessoa dotada de boa sorte? Sobre este tema, o site “redalertpolitics.com” publicou uma notícia no dia 21 de Julho sobre Brendan Motill, um jovem natural de Illinois, nos EUA, que se encontrava a servir à mesa no “Smokey Barbecue” de Frankfort, no mesmo estado americano. De acordo com a peça, Brendan recebeu uma gorjeta de 1000 dólares americanos, após passar 10 minutos à conversa com um cliente deste restaurante. Para além do dinheiro, o mesmo deixou ainda uma nota a Brendan, onde se podia ler a mensagem seguinte. Brendan, Obrigado pelo teu serviço atencioso! Considero-te um “garçon” impecável, por isso deixo-te aqui esta gorjeta. Apesar de não saber o que pretendes da vida, espero que este dinheiro te ajude a concretizar os teus sonhos. Por vezes, a realidade em que vivemos pode ser demasiado negativa, mas tenho a esperança de vir a viver num mundo em que todos sejam mais cordiais para com os outros. É para esse fim que pratico actos de solidariedade com pessoas desconhecidas, de modo a motivar outros a fazer o mesmo! Que a vida te dê tudo o que desejas, meu irmão. [quote_box_left]Qualquer um de nós se pode considerar sortudo se tiver dinheiro suficiente para concretizar os seus sonhos pessoais. E você, considera-se uma pessoa dotada de boa sorte?[/quote_box_left] Devido à notoriedade que o caso ganhou, Brendan chegou mesmo a ser entrevistado pelo canal televisivo ABC7. Questionado sobre a sua reacção a esta nota, o mesmo salientou que “fiquei de boca aberta, em choque, sem conseguir me mexer nem fazer nada”. Apesar de ter tentado agradecer ao cliente misterioso, Brendan não o conseguiu mais encontrar, pois este saiu mal acabou de pagar a conta, deixando Brendan sem saber o que fazer. Na mesma entrevista, o mesmo adiantou ter ficado “muito emocionado com tudo isto, e precisei de uns momentos para me recompor e acalmar as emoções”. Brendan reside em Tinley Park, onde acabou o ensino secundário na Tinley Park High School. Assim, pretende que estes 1000 dólares americanos venham a ser investidos no curso de contabilidade que pretende completar numa universidade local. “Este dinheiro vai me ajudar muito a concretizar esse sonho”, rematou o mesmo. Esta quantia seria equivalente a 7.800 dólares de Hong Kong, ou na moeda local, a 8.034 patacas. Qualquer um de nós pode apenas sonhar em receber tal montante em compensação por uma conversa inócua de 10 minutos com um estranho qualquer. Ou será que os nossos leitores não concordam comigo? O Brendan tem apenas 19 anos de idade, por isso ainda tem a vida toda pela frente. Mas como irá o mesmo gastar esta quantia? Será que vai acabar por o usar para as propinas da universidade, como tenciona, ou optar em vez por o doar a alguém, num acto de caridade semelhante aquele que recebeu? Ou talvez venha a gastá-lo com a sua família? Só Brendan é que pode responder a estas questões, mas se o mesmo decidir usar o dinheiro em prol da sua sociedade, todos nós temos o dever de o ajudar. Não há dúvida que Brendan aparenta ser uma pessoa dotada de boa sorte, algo que apenas os deuses podem atribuir. Um ser humano pode apenas pedir aos deuses que lhe atribuam boa sorte, mas só os mesmos é que detêm o poder de decidir quanto cada um de nós é digno de receber. Não vale a pena tentar negociar este facto, é uma verdade imutável que tem apenas de ser aceite. Este caso trouxe-me à memória uma canção em cantonense intitulada “I am lucky”, cantada por Deanie Ip. Reproduzo aqui parte da letra desta canção. “Acredito com firmeza poder agarrar a sorte com as mãos, Ela ajuda-me a voar mais alto, Quero que vocês sejam felizes comigo, Sinto-me tão excitada, Como tenho sempre vindo a dizer, Hoje o meu sorriso é doce”. Assim como nesta canção, acredito que Brendan deseja que todos “possam partilhar da sua felicidade”. Não podemos aqui deixar de focar também a nossa atenção no cliente misterioso que deixou a gorjeta no primeiro lugar. Será que o mesmo é alguém conhecido por todos ou talvez um magnata com muito dinheiro? Apesar de não podermos responder a estas questões, temos a certeza de ser uma boa pessoa, visto ter sido tão generoso com a sua gorjeta e atencioso com a nota em que deseja que Brendan venha a concretizar todos os seus sonhos. Quantos de nós seríamos capazes de tamanha generosidade para com um desconhecido qualquer? Na sua mensagem, o mesmo afirma fazer estes actos de modo a inspirar outros a fazer o mesmo, e assim vir a mudar a sociedade em que vivemos. Não sabemos igualmente se isto é verdade, mas tomando o caso de Brendan como referência, não é impossível acreditar que assim o seja. Além disto, o cliente abastado ainda tem mais um desejo, que é de poder viver numa sociedade mais tranquila, em que as pessoas se interessam umas pelas outras. Aliás, este desejo tem vindo a ser exprimido por muitos, de modo a que todos possam viver unidos pela paz. As nossas leis não podem pedir a ninguém para agir da mesma maneira, como também nos podem ajudar na concretização dos nossos sonhos pessoais (excepto talvez para aqueles que pretendam seguir uma carreira ligada ao direito). Pois, ao invés da sorte, as leis não existem apenas para nos fazerem felizes. O caso de Brendan é extremamente raro nos dias de hoje. Mas, dependendo da sorte de cada um, além também da vontade divina, qualquer um de nós pode um dia vir a conhecer o seu próprio “cliente misterioso”. Na verdade, este cliente acaba por trazer boa sorte não apenas a Brendan, mas também a toda a população, pois esta caso ajuda-nos a voltar a acreditar na bondade de cada um de nós. Deste modo, contribui então para fazer com que as nossas sociedades se tornem mais pacíficas e maravilhosas. Vamos então concluir este texto com o desejo de que todas as pessoas deste mundo tenham a mesma boa sorte do que Brendan, e ainda que existam por aí mais “clientes misteriosos” com a boa intenção de mudar o mundo para melhor. * Conselheiro Jurídico da Associação de Promoção de Jazz de Macau
Isabel Castro VozesXô daqui para fora [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]lguém que sabe muito mais disto do que alguma vez eu poderei saber escreveu, já lá vão alguns anos, que a Macau do futuro seria a cidade dos ricos. Na altura, as rendas ainda eram comportáveis e as contas do supermercado também. Mas o autor desta previsão – homem de estudos, viajado e com rasgo suficiente para antecipar problemas –, encontrava na aparente inércia governativa uma ideia para o futuro de Macau: mais cedo ou mais tarde, ia ser a cidade dos ricos, com os pobres e os remediados a viverem na periferia. Estava certo. É isso que está a acontecer. Conheço algumas pessoas que, não sendo pobres, deixaram de viver com conforto para passarem a integrar o grupo de quem se desenrasca até ao fim do mês com muita ginástica financeira. As rendas dispararam, aos 30 ou aos 40 anos são poucos aqueles que, sem família, estão na disposição de regressarem ao estilo de vida universitário, e Zhuhai foi a opção. Casas mais baratas, casas melhores, uns trocos que sobram ao final do mês. Alguns sabiam ao que iam; outros foram às apalpadelas. Macau começa, assim, a ser cada vez mais a cidade dos ricos. O comércio destinado às pessoas vulgares deu lugar às lojas de quem compra diamantes ao pequeno-almoço. Há prédios que caem de velhos no centro da cidade, mas isso faz parte do charme da terra. O contraste garante-se com os aviões de quatro rodas que circulam, de forma abundante e barulhenta, pelas ruas da terra. [quote_box_left]Lao Pun Lap – cujos méritos desconheço, seja na investigação, na produção de pensamento ou na política – aponta para 2025 como se estivéssemos às portas de 2049. Há alturas em que parece que sim. Mas 2049 ainda não está aí[/quote_box_left] Há já alguns anos que Macau começou a expulsar, de forma mais ou menos velada, quem não é de cá. Quanto as condições de vida dos sítios que não são nossos pioram, a tendência é fazermos as malas e voltarmos para os sítios que são nossos, o que faz todo o sentido: antes ser pobre entre os vizinhos que nos conhecem do que entre uma multidão que nos trata com transparência. A forma mais ou menos velada de expulsão deu lugar, nos últimos anos, a um discurso mais assumido, mais corajoso e também mais indecente: infelizmente, não cabem numa mão aqueles que, sem noção da floresta, insistem que é no corte das plantas mais frágeis que se encontra a solução para os problemas do território. São as que não têm raízes, dizem eles, que não percebem nada nem das árvores, nem dos homens. Na semana passada, num discurso que jamais deveria ter acontecido, o coordenador do Gabinete de Estudo das Políticas do Governo veio defender que é preciso começar a mandar quem não é de cá para o outro lado da fronteira. A principal ideia que se retira deste estudo prolongado e profundíssimo sobre a demografia de Macau é esta: xô daqui para fora, vens cá trabalhar mas vais dormir para outro sítio, que é preciso espaço para o resto. O resto são 750 mil pessoas em 2025. O coordenador ainda avisa que é preciso começar a pensar de forma inter-regional. Quem é de cá – está provado com outros estudos e outros números – sente de maneira diferente. Lao Pun Lap – cujos méritos desconheço, seja na investigação, na produção de pensamento ou na política – aponta para 2025 como se estivéssemos às portas de 2049. Há alturas em que parece que sim, parece que 2049 já chegou, que não existe grande diferença entre o Chimelong dos peixes grandes e as Ruínas de São Paulo dos turistas ricos disfarçados por chinelos. Mas 2049 ainda não está aí. Apesar de todos os esforços de integração regional, há quem não queira que 2049 aconteça já amanhã, neste sábado quente de Agosto. Os principais visados pela política de dispensa do think-tank de Chui Sai On são os não residentes, os mais frágeis, mas quem sai pior no meio de tudo isto são os de cá. Quem tem os seus mortos aqui enterrados e não conhece outra vida que não a de Macau não terá um futuro sossegado nesta terra que é cada vez mais dos ricos. A não ser que seja rico. A não ser que o Governo emende a mão e decida, por exemplo, pôr a pensar no futuro da cidade quem percebe das coisas das árvores e dos homens. P.S. – À consideração de quem manda: que se aproveite a mudança dos preços dos parquímetros para exigir à empresa concessionária dos ditos cujos a emissão de recibo. Eu, cliente regular e cumpridora, agradecia que a lei de Macau fosse respeitada. Dá-me jeito ter recibos do dinheiro que gasto em estacionamento, apesar de serem só uns trocos. Mas, sobretudo, chateia-me esta ilegalidade multiplicada pelas ruas de Macau. E chateia-me ainda mais que o Governo não exija à empresa a quem entregou a concessão que seja cumprida a lei. Está no Código Civil. É o Artigo 776o.
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesCompras no Tin Un ou no Carrefour Caríssimo leitor, [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]que faz um colunista quinzenal quando, no mês de Agosto e em pleno silly season, encontra-se sem inspiração nem tema para desenvolver no seu espaço do jornal? Simples: agarra num trabalho anterior já finalizado e faz as devidas adaptações… Mais precisamente, o texto anteriormente preparado para o colóquio sobre a Identidade Macaense promovido pela ADM em 2012 e que (felizmente) não chegou a ser publicado. Confissão feita, começo por dizer que me aborrece profundamente a atitude de certos ilustres que, pese embora tenham saído de Macau há já uma data de anos e nunca mais regressado, falam sobre esta cidade com afirmações firmes e em termos absolutos, sem se aperceberem que, porventura, a realidade e os critérios de avaliação do tempo deles poderá não ser aplicável ao Macau de hoje. Qualquer cidade é um organismo vivo em constante transformação. Macau não foge à regra e, como todos nós sabemos, na nossa cidade essa transformação tem-se materializado de forma bastante acelerada até. As mutações de uma cidade não têm lugar apenas a nível da paisagem urbana. Em diversas intervenções que fiz no passado, tive a oportunidade de referir que actualmente, em Macau, parecem-me mais marcantes, não as transformações da paisagem urbana, mas sim as transformações da paisagem humana – dando origem a uma nova textura social com a qual não nos identificamos necessariamente. Sabendo o que sabemos hoje, o que irá acontecer ao futuro Macau? Não tenho nenhuma bola de cristal, mas entendo que por força das políticas de integração regional a que assistimos presentemente, Macau vai ganhar uma nova escala urbana e os nossos filhos vão ter um modo de vida muito diferente do nosso. Importa referir que este fenómeno não é mais do que uma nova fase da evolução que sempre existiu ao longo da História de Macau. Recorde-se que esta cidade chegou a ser intra-muros. Mesmo para nós, há pouco tempo atrás, não era comum ir viver para a Taipa. Coloane, então, era o fim-do-mundo. Estou-me a lembrar de uma tia-avó minha, já falecida, com quem numa conversa me apercebi que já não ia a Coloane há mais de uma década. Pois o dia-a-dia e a vida social dela resumiam-se aos lugares para onde ela conseguia ir, de casa, a pé. No gozo, lembro-me de lhe dizer que o Coloane dela era ainda o do tempo dos piratas e kwai chi lou! (*) Os nossos hábitos procuram acompanhar a evolução da cidade. Mas tudo tem limites, e a nossa capacidade de adaptação estará também limitada à nossa memória do lugar. Fora do limite, subitamente não nos sentimos confortáveis – porque já não nos sentimos em casa. Em tempos, numa conversa com um conterrâneo meu, foi-me explicado como Macau, antigamente, funcionava por bairros: Toi San, São Lázaro, Lilau… Contou-me inclusivamente um pequeno episódio em que os rapazes de uma família portuguesa recém-chegada a Macau, ao atravessaram um bairro de bicicleta, foram prontamente interceptados e interrogados pela nossa malta, pois a comunidade ainda não os conhecia! Não vivi esses tempos, mas a minha mãe ainda hoje diz, com algum orgulho bairrista, que é da família Xavier da Barra. Também brinquei no meu bairro e com a malta que lá morava. Mas não, já cresci nos anos 80-90 e nunca me identifiquei como sendo da família Ritchie da Penha. (“Papá, nós somos da família Ritchie do Ocean Gardens?”) No entanto, era eu miúdo quando a Taipa ainda era longe: ia a casa de uns amigos que moravam em frente ao Jockey Clube – os poucos prédios que havia na Taipa nessa altura – e sentia-me aliviado quando conseguia apanhar o autocarro de regresso a Macau para chegar a casa a horas. Hoje moro na Taipa e, tanto por motivos de trabalho como de lazer, desloco-me diariamente entre Macau, Taipa, Coloane, Zhuhai e Henqin. Confesso que estes dois últimos ainda me fazem alguma confusão. Talvez já tenha atingido o meu limite. Calculo que um dia o meu filho irá gozar comigo se eu lhe disser que combinar um almoço em Zhongshan não faz sentido. (“Papá, o teu Zhongshan é ainda o do tempo dos kwai chi lou!”) Macau será parte de uma área metropolitana composta pelas diversas cidades da província de Guangdong, cuja fluidez de circulação de pessoas e de bens será cada vez maior e as fronteiras cada vez menos rígidas. Ou inexistentes. Os nossos filhos vão viver um Macau à escala metropolitana. Caríssimo leitor, não fique aflito: afinal quem vive em Lisboa, não vive necessariamente no Chiado. Quem vive em Paris, não vive necessariamente nos Campos Elíseos. Portanto, quem vive em Macau, não precisa de viver em Macau. Enfim, trata-se de um processo de transformação que sempre existiu e que nunca cessou, já que teve início com o crescimento da cidade, os surtos migratórios e as consequentes alterações da paisagem urbana e humana verificadas em Macau na segunda metade do século XX. Todavia, a grande diferença – e o que se calhar nos assusta – é que de repente essa transformação atingiu uma escala e uma dinâmica nunca antes sentida. Com o tempo, a barreira psicológica da fronteira com a China será – e para muitos até já foi – ultrapassada de vez e as nossas vidas irão inevitavelmente estender-se às regiões vizinhas. Não sei que impactos esse novo enquadramento poderá causar à nossa comunidade, mas seguramente a nossa presença será (ainda) mais diluída. Pelo que, uma vez mais, vou repetir aquele cliché: temos de nos fazer valer não pela nossa quantidade, mas sim pela nossa qualidade – seja ela qual for. A verdade é que actualmente há muita coisa em Macau que não faz sentido. Para além da falta de espaço e de todos os problemas daí resultantes, a falta de um horizonte distante para onde possamos dirigir o nosso olhar é algo que me parece bastante preocupante. Cuidadosamente, com moderação e sem extremismos e atropelos ao nosso sentido de identidade, temos de alterar a nossa mentalidade e aceitar essa nova realidade. Podemos continuar a fazer as nossas compras no Cheuk Chai Un e no Tin Un enquanto vamos a caminho da missa antecipada na Sé, para depois chuchumecâ um pouco no adro da igreja. Mas, simultaneamente, não podemos ignorar que em Zhuhai abriu um Carrefour com bons produtos, junto de um condomínio residencial com muito bom aspecto e uma espectacular esplanada da Starbucks mesmo à porta. Para o bem dos nossos filhos. (“Papá, o que tinhas na cabeça quando gastaste 2 milhões de patacas num parque de estacionamento na Taipa?”) Sorrindo Sempre Ah e tal… Pois, não gosto de tocar em assuntos polémicos da actualidade local, mas desta feita não vou resistir à tentação de registar alguns acontecimentos relacionados com a questão do Hotel Estoril que me fazem (sor)rir: Álvaro Siza, de quem fui aluno e merece a minha mais profunda consideração, teceu os comentários que teceu, vá-se lá saber porquê. Se fosse em Portugal ainda percebia, mas em Macau? O que se calhar Siza não sabe é que por cá não temos assim tantas obras do Modernismo europeu. Maria José de Freitas, colega que não foi simpática comigo no célebre episódio da Rua de Londres (não guardo rancor, mas também não me esqueço facilmente das coisas) dirigiu a Álvaro Siza uma carta aberta com a qual até me posso identificar. Enfim, mais ou menos. O académico Michael Turner, que participou no seminário de comemoração do 10º Aniversário do Património Mundial de Macau, ventilou que o Hotel Lisboa poderá fazer parte da lista do património cultural de Macau, ideia que qualificou como “interessante”. Ora bem. O Hotel Estoril tinha em Portugal um primo chamado Hotel Estoril-Sol, também ele uma peça de arquitectura singular, que passou pelo mesmo antes de ser demolido. Macau é de facto uma cidade de origem portuguesa. Numa sessão de recolha de opiniões sobre o Hotel Estoril, por alguma razão mereceu destaque a participação de um turista alemão que passou quatro dias em Macau e algum tempo na piscina municipal situado nas traseiras, considerando o conjunto todo muito interessante, mais do que algo em Hong Kong. Agora pergunto: (1) o que faz um turista alemão numa sessão de recolha de opiniões local e (2) porquê razão foi ele comparar com Hong Kong, que critério foi esse? Com o devido respeito, ele que vá tomar banho para Hong Kong. Um ilustre cidadão ligou para o Ou Mun Kon Cheong (**) e defendeu que a fachada do Hotel Estoril não deve ser preservada porque contém um painel artístico inadequado, com uma mulher nua. Certo. Caríssimo leitor, cinismo à parte, saiba antes o seguinte: adjacente ao Hotel Estoril situava-se a antiga Escola Luso-Chinesa Sir Robert Ho Tung, um precioso e interessantíssimo exemplo do Modernismo Português. Foi demolido há relativamente pouco tempo. Sorrindo sempre. (*) Malfeitor que rapta crianças. (**) Programa matinal da Rádio Macau chinesa.
Leocardo VozesPai,pai/Queijo, queijo Quando vejo uma criança, ela inspira-me dois sentimentos: ternura, pelo que é, e respeito pelo que virá a ser. Louis Pasteur [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]ei com um debate num fórum de uma dessas redes sociais onde o tema era “Adopção entre casais do mesmo sexo” – não era para ser debate, mas acabaria por ser uma acesa troca de argumentos, onde em muitos casos os sentimentos mais recalcados acabariam por vir ao de cima, e não faltariam os habituais remoques mais frequentes quando se fala da comunidade LGBT. Os direitos das pessoas que escolheram uma sexualidade alternativa ao núcleo familiar tradicional deram um salto considerável desde que o activista e advogado “gay” nova-iorquino Harvey Milk introduziu o conceito na esfera da política, que é onde, por e através de que tudo se decide: tinha nascido um “lobby”. Com o poder de discutir as suas exigências em termos de direitos civis em sede própria, o “lobby” LGBT viria a conquistar o direito ao casamento civil em praticamente todo o mundo livre, e vai caminhando paulatinamente no sentido de tornar “normal” a adopção de crianças, suponho que inicialmente, e durante muito tempo, não tenham pais quem olhe por ela – atenção não confundir adopção com famílias de acolhimento, que acolhem menores a título temporário. Argumento frequente e falacioso: pais a quem sejam retirados os filhos devido a abusos ou maus tratos, ou que estejam a cumprir uma pena de prisão, podem ser adoptadas por casais “gay”, e assim “arrancadas de uma família normal”, o único que os opositores à adopção “gay” aceitam como família adoptiva. Estranhamente, ou talvez nem por isso, não se vê a comunidade LGBT a bater-se por esta causa com o mesmo afinco que vimos na questão do casamento, mas aqui há outros valores que se levantam, a começar pelas próprias crianças. E isto leva-me a que diga a minha opinião sobre o assunto, uma vez que me fui dedicando a seguir a evolução do caso, e fiquei positivamente surpreendido com a paz com que decorreu esse processo, sem exibicionismo ou espalhafato, e não consta que crianças tenham sido usadas como extras em paradas “gay”. Perante isto, não me oponho, uma vez que não me diz respeito directamente, e não se prevê que surjam mais tarde, e só me afectam se eu quiser”. É verdade, e esta é a altura ideal para malhar o ferro, enquanto ainda está quente. [quote_box_left]Os homens heterossexuais são quem tem o maior problema com os homossexuais, pois estes têm uma “fraqueza”…uns pelos outros, o que causa alguma estranheza aos restantes, que nunca “provaram” daquele prato, e se calhar também não é assim tão mau como dizem: vejam como eles estão felizes?[/quote_box_left] Assim, tendo ficado ponto assente que a homossexualidade não era tão impeditiva da adopção, tratando-se aqui de uma mera relação hierárquica familiar. Não foram argumentos que chegasse para deter os opositores da ideia, que desta feita ficaram com a sempre rígida e sensaborona Igreja, e não queriam muitas misturas com a extrema-direita ou adoptar outra posição que interferisse com a angariação de votos. Aqui todos os argumentos que ouvi foram lancinantes. De uma agudeza e de uma brutalidade que só leva a que todos fiquem prejudicados, e se levante novamente o fantasma do ódio por homossexuais, conhecido por “homofobia”. Os homens heterossexuais são quem tem o maior problema com os homossexuais, pois estes têm uma “fraqueza”…uns pelos outros, o que causa alguma estranheza aos restantes, que nunca “provaram” daquele prato, e se calhar também não é assim tão mau como dizem: vejam como eles estão felizes? Agora que as crianças podem ser usadas como arma de arremesso, reiteram-se alguns conceitos ultrapassados, ou se for necessário inventam-se outros. É aqui que o meu estômago e a minha paciência se esgotam, e fica o pão por comprar. As alegações que mesmo assim foram zunindo nos meus ouvidos incluíam coisas como a ligação ao útero materno, o leitinho, e cheguei a ver uns mesmo muito patuscos, de que passo a citar dois: “as crianças ficam sem saber o que comprar no dia da mãe”, e “toda a gente sabe que as primeiras palavras de uma criança são papá e mamã” – ai que lá fica a criança muda por causa disso. O problema aqui no fundo ainda é um pouco a mentalidade antiga, que vê a sexualidade com um olhar muito “biológico” e ao mesmo tempo “mecânico”, ciente do que entra onde, e faz o quê. Torna-se imperativa a figura da mãe, ignorando-se o facto de muitas família serem monoparentais, e só as crianças para a adopção passam a merecer destaque, especialmente as que pretendem ser adoptadas por dois homens. Aqui o primativismo do falo, da imponência e tudo isso pode ter alguma coisa a ver com os receios, ou o desconforto, mas por outro lado nas meninas é mais tolerado. Quem defende a tese da obrigatoriedade da figura da mãe e se isto se desmontar recordando que as crianças para a adopção não têm pai nem mãe, passa-se ao argumento das leis da natureza. Ora na natureza não existe a figura da adopção, então para quê separar o que estava (bem) misturado. Seja como for o debate sobe sempre de tom, culminando por vezes com alguém que desabafa: “não se devem deixar as crianças com homossexuais” – bingo. Irónico fica se for um elemento da Igreja Católica a dizê-lo. E é a Igreja que fica a torcer o nariz com o casamento que terá que repartir com o registo civil, que “casa homens com homens. E baralha-se, dá-se, e acaba sempre tudo na mesma. Boas Férias a todos em geral, e em particular aos que vão agora de férias no mês de Agosto.