Manifestação contida

Durante a “semana dourada”, no 1.º de Maio (Dia do Trabalhador), o centro da cidade de Macau estava inundado por uma multidão, no entanto, o ambiente era contraditório e as pequenas e médias empresas (PMEs) continuam a lutar pela sobrevivência. No primeiro trimestre de 2025 a taxa de desemprego global (1,9 por cento) e a taxa de desemprego dos residentes (2,5 por cento) aumentaram 0,2 pontos percentuais, face aos indicadores do quarto trimestre de 2024.

Estes números indicam que o mercado de trabalho de Macau está a sofrer o impacto da recessão económica e o influxo de trabalhadores estrangeiros. As numerosas lojas que fecharam em áreas residenciais reflectem claramente a desolação económica. Embora o “Grande Prémio para o Consumo nas Zonas Comunitárias 2025” pareça funcionar como um acelerador temporário, não ataca a raiz do problema.

Existe descontentamento social em relação à administração do Governo da RAEM, no entanto, no 1.º de Maio, exceptuando a situação de um cidadão que foi levado pela Polícia para ser investigado no Ministério Público por ter protestado sem avisar a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), não se registaram manifestações nem protestos. À medida que as queixas do público se acumulam, a atmosfera social tornou-se visivelmente mais silenciosa. E isso será bom ou mau?

A comunicação social revelou que o grupo “Poder do Povo” tinha notificado o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) da sua intenção de organizar uma manifestação de protesto no 1.º de Maio, de acordo com as disposições da lei do “Direito de Reunião e de Manifestação”. Os agentes da polícia “expressaram a sua preocupação repetidamente, promovendo diversas reuniões com membros do grupo para analisarem a situação e tomarem as medidas necessárias” bem como para “os avisar das várias possibilidades perante “situações incontroláveis” que os levariam a ter de assumir a “responsabilidade solidária” ou, caso contrário, arriscarem-se a violar a “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado da RAEM”. Finalmente, os dois principais membros do “Poder do Povo” sentiram o peso da pressão invisível e relutantemente optaram por apresentar uma carta onde expunham os seus pontos de vista à DSAL.

Um artigo de outro jornal elogiava o CPSP pela forma com que lidou com este caso. Afirmava que o CPSP tinha aperfeiçoado significativamente a sua capacidade para desactivar “o protesto planeado para o 1.º de Maio”, e acreditava que o CPSP, que supervisiona protestos e manifestações de acordo com a lei, tinha adoptado uma abordagem de “apresentação de prós e contras” para neutralizar um protesto inflamado de forma branda, eliminando possíveis perturbações sociais que daí adviessem. Por um lado, o CPSP respeitou totalmente os direitos dos residentes a protestarem e a manifestarem-se e não rejeitou explicitamente a notificação apresentada pelo grupo “Poder do Povo”. Por outro lado, o CPSP usou a persuasão para convencer o grupo a cancelar o “protesto do 1.º de Maio”.

Algumas pessoas tornam-se condescendentes e pensam que a cidade fica mais pacífica sem protestos nem manifestações, e este pensamento é o que mais me preocupa.

Alguém com um mínimo de bom senso compreenderá que a acumulação de descontentamento social não é uma força motivadora, mas sim uma força destrutiva. A promulgação da lei do “Direito de Reunião e de Manifestação” destinou-se a salvaguardar a liberdade dos residentes para se manifestarem e protestarem, como garantido pela Lei Básica de Macau, e não para os proibirem.

Antigamente, o Governo da RAEM comunicava efectivamente com os organizadores de protestos e de manifestações e coordenava muito bem estes eventos. Infelizmente, nos últimos anos, as autoridades têm estado muito nervosas ou então guiadas pelas suas próprias prioridades; e muitas vezes empolgam os assuntos e remetem-nos apressadamente para o nível da segurança nacional. Se uma ligeira tosse está condenada a causar um vírus altamente contagioso e fatal, desperdiça-se muita mão de obra e muitos recursos e sufoca-se a vitalidade da sociedade!

Uma floresta sem qualquer som é aterrorizadora e um rio silencioso está cheio de presságios assassinos. Uma sociedade não pode sobreviver sem algum ruído.

9 Mai 2025

A Grande América (II)

(Continuação)

“What is great about America? Slavery, Hiroshima, Nagasaki, Indian Removal, segregation, Vietnam War, Watergate.” – Anthony Galli

O que conta para o império americano é a Europa Ocidental, “a mãe da América”, ou seja, França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Espanha, Portugal e a Escandinávia como abertura para o Árctico e barreira anti-russa (anti-chinesa). Sem esquecer que os menos interessados em proteger a Europa de Leste são os euro-ocidentais. Questão de perguntar aos dinamarqueses, alemães e holandeses se concordam em dar aos polacos e lituanos um peso decisório igual ao seu. Por que razão um Espanhol lutaria contra Moscovo se um estónio decidisse organizar uma revolução colorida na Rússia? Segundo Maitra, o Mediterrâneo continua a ser central para os americanos, mas não o Mar Negro. O nosso Oceano Médio é o ponto fraco da Europa. O perigo não vem do leste, mas do sul. Não se vêm tanques russos na Bélgica. Mas vê-se um número crescente de crises no Mediterrâneo, provocadas pela decomposição de Estados, como a Líbia, por causa dos franceses e dos britânicos. É por isso que a França é um dos países ocidentais fundamentais para a segurança comum. No entanto, nunca percebi porque é que em certas questões, como a defesa total da Ucrânia, a França e a Polónia podem ter posições de falcão. É querer ser mais católico do que o Papa? Ao longo dos séculos, a França foi o bastião do realismo. O que é que aconteceu? A essa pergunta surge a resposta número três que se poderia intitular de revelação, responsabilidade e oportunidade que é o triângulo da nossa segurança.

Revelação no sentido apocalíptico acima referido. Trump deixa cair o véu da hipocrisia acordada entre americanos e europeus. Os primeiros fingiam garantir-nos uma protecção ilimitada e nós fingíamos acreditar neles. De tal forma que muitos de nós acreditámos. De facto, funcionou muito bem. Agradecidos, regozijamo-nos. Mas é agora claro que a superpotência não defende todos os aliados até ao limite, alguns a troco de nada, e certamente nenhum de graça. Onde o preço, mais do que monetário, é humano e militar. É uma questão de inverter o postulado de Norstad. Ou seja, ter homens e armas em número e qualidade decentes para que, em caso de guerra, não cairmos num campo de batalha dispensável, bombardeado por amigos e inimigos nucleares. Como teria acontecido se a Guerra Fria tivesse aquecido, o que foi por pouco. Responsabilidade. Se pensarmos que podemos enclausurar-nos num canto do planeta, gozando dos nossos privilégios, a história de onde emergimos vai bater-nos à porta. Vai saquear os nossos apartamentos. Caoslândia avança. Aproxima-se da Europa Mediterrânica pelo Sul e pelo Leste, com as suas torrentes de cólera e de frustração, com a disponibilidade para a violência de povos jovens e sofredores, educados para ver nos europeus de hoje os netos dos seus antigos senhores.

O parâmetro decisivo da nossa condição geopolítica é a soma dos factores demográficos e biológicos. A Europa do Sul é a região com o maior número médio de pessoas idosas no mundo, compreendendo actualmente 21por cento da população, com mais de 65 anos. Prevê-se que atinja 30 por cento em 2050 e a Europa diminui a sua população entre 2022 e 2050 em -7 por cento ou seja em declínio galopante até 2080 em comparação com os pelo menos dois mil milhões de pessoas espalhados entre a África boreal e o Levante. A nossa idade média deverá ser superior a 50 anos, contra os cerca de 25 anos dos que nos vão bater à porta. Não é com tanques que se evita esta crise. Militarmente, precisaremos de instrumentos de controlo e interdição navais, aéreos, cibernéticos e espaciais, a par de uma componente terrestre (jovem) credível. Acima de tudo, teremos de desenvolver uma política corajosa de coexistência e cooperação com os povos e regimes do Médio Oriente, do Norte de África à Península Arábica. Regiões onde ainda gozamos de uma boa reputação. No entanto, estamos a dissipá-la como uma pensão vitalícia, quando ela deve ser reconquistada e alargada todos os dias.

O plano Mattei de investimentos em África de 5,5 mil milhões de euros é uma gota no oceano. É urgente resolver os antigos diferendos com a margem norte do Mediterrâneo, a começar pela França. O hábito de tropeçarem uns nos outros no pré carré do qual a França é obrigada a evacuar prepara o terreno para o fracasso mútuo. Quanto aos americanos, não pedem mais do que os apoiar, desde que se ponham as botas no chão, se necessário. Oportunidade. A OTAN não é ATAN, com um “a” de aliança. Um lema em si mesmo indigesto para Washington, porque aludiria a uma igualdade impossível entre líder e seguidores. Estamos em dívida para com o apocalítico Donald Rumsfeld por ter revelado, na véspera da agressão ao Iraque, a figura da OTAN e de qualquer outra organização militar liderada pelos Estados Unidos ou por qualquer outro líder.

A missão faz a coligação e não o contrário. E é o líder que define a missão. O dogma viveu ameaçado pelos nossos decisores na síndrome do abandono. Estamos tão habituados a considerarmo-nos passivos, a confiar no “Número Um” como em “Nossa Senhora”, que ignoramos o estímulo que o aviso contém. No esquema transaccional dos alinhamentos tácticos que desenham o caos actual, poderíamos transformar a necessidade de confiar em nós próprios em primeiro lugar. Não nos reduzirmos a patéticos cavaleiros solitários. Ainda assim, alguns actos de pirataria suave ajudariam, considerando o quão querido é para os anglo-saxões o desporto de manter alguém honesto e o quão pouco eles nos consideram capazes de proteger os nossos interesses. No mínimo, surpreendê-los-íamos. Nenhuma relação se mantém se cada um considerar a fidelidade dogmática do seu parceiro como um dado adquirido. Um certo grau de infidelidade, ou seja, de iniciativa, ajudaria a cimentar a relação bilateral com os Estados Unidos. O pior acordo possível, sem dúvida alguma.

8 Mai 2025

A Inteligência Artificial sobre o sexo em Macau

Fiz a experiência de perguntar à plataforma de inteligência artificial mais popular que temas sobre sexo, sexualidade e género fariam sentido discutir em Macau. A resposta trouxe três propostas que, embora não muito surpreendentes, achei interessantes. Claro que a plataforma usou alguma liberdade criativa e intelectual — que eu não lhe pedi — para inventar fontes, citações e pontos de vista. Basicamente, foi buscar o que já se sabe sobre Taiwan e Hong Kong, sobre a abertura crescente a temas LGBTQI+, e tentou fazer paralelismos com Macau. Mencionou o Arco-Íris de Macau/澳門彩虹/Rainbow of Macau como a associação mais ativa na defesa dos direitos LGBTQI+ no território, e até inventou entrevistas ao seu fundador, com citações fictícias.

A primeira proposta que a inteligência artificial sugeriu é sobre os jovens de Macau e a sua abertura a identidades de género não-binárias e plurais, como forma de navegar entre identidades culturais ocidentais e orientais, e acompanhar mudanças geracionais. No mundo inteiro temos visto um movimento de emancipação nesta área, com muitos jovens a discutirem estas questões abertamente. Se em alguns países as instituições e as políticas acompanham estas mudanças (e noutros até recuam), em Macau o fosso pode ser maior, tendo em conta a sua situação geográfica. Fui procurar estudos que aprofundassem o assunto e encontrei um que inquiriu jovens de Macau entre os 18 e os 25 anos. Os autores analisaram de que forma a adesão ao policulturalismo, a ideia de que as culturas estão interligadas e se influenciam mutuamente, se associa a níveis mais baixos de preconceito sexual, incluindo atitudes negativas em relação a pessoas LGBTQ+. O estudo sugere que a diversidade cultural de Macau, e a crença de que as culturas se misturam, pode criar uma predisposição para aceitar também a diversidade sexual. Mas diria que ainda é preciso explorar mais sobre estas questões, ouvindo testemunhos reais sobre as experiências dos jovens que vivem em Macau.

A segunda proposta — que eu já referi por aqui vezes sem conta — tem a ver com a falta de uma educação sexual acessível, inclusiva e focada em promover mais conhecimento e prazer, em Macau e no mundo. Se ainda há uns meses dei o exemplo de Hong Kong, onde se sugeria jogar badminton como forma de gerir a abstinência sexual, diria que Macau não está muito mais aberto a falar de sexo do que isso. Esta falta de discussão cria uma série de complicações que, pela ausência de dados na região, nem sabemos bem qual a verdadeira dimensão do problema. A ausência de uma educação sexual abrangente e inclusiva aumenta o risco de violência sexual, discriminação e propagação de infeções sexualmente transmissíveis.

A terceira proposta surpreendeu-me, porque é um tema em que raramente penso: o crescimento do turismo LGBTQIA+ na Ásia e a oportunidade que Macau tem de apostar neste nicho. Sendo a indústria hoteleira o pilar da economia de Macau, faria sentido abraçar esta oportunidade, como já fizeram a Tailândia e Taiwan, criando espaços LGBTQIA+, ou com eventos específicos, como as celebrações do mês do Pride. De acordo com alguns dados produzidos on-line, este tipo de turismo é rentável e está em crescimento.

A inteligência artificial até tem ideias interessantes, embora algo genéricas. Mas confesso que me agradou perceber que o algoritmo está afinado para defender os direitos de minorias sexuais e tem um discurso inclusivo. Torna-se perigosa, no entanto, quando começa a inventar dados e informação só para que o argumento soe bem. Ainda assim, em geral, pode ser uma ferramenta útil para discutir estas questões sem julgamento. Como a própria plataforma diz, tem o potencial de “combater mitos, difundir conceitos éticos e incluir perspetivas de grupos marginalizados, democratizando o acesso a uma educação sexual mais completa e positiva.” Nesta sugestão de criação de conteúdos, parecia alinhada com esses valores.

Se algum dia vai substituir o trabalho de pessoas como eu, que escrevem sobre estes temas, ou o trabalho de educadores sexuais… talvez ainda seja cedo para tirar conclusões. As pessoas sensíveis e pensantes ainda têm muito a contribuir.

7 Mai 2025

Dia de São Valentim na República Checa

Em Macau, muitas pessoas sabem que o 1.º de Maio é o Dia do Trabalhador e é um feriado oficial. O mesmo se passa na China continental, marcando o 1.º de Maio o início de um longo feriado. No entanto, poucos sabem que na República Checa o 1º de Maio é o “Dia de São Valentim”.

No Dia de São Valentim, os amantes checos seguem a tradição e beijam-se sob as cerejeiras, entoando cânticos ao amor. E o beijo porquê?

De acordo com o folclore checo, se uma rapariga não for beijada sob uma cerejeira no Dia de São Valentim, irá “murchar” no próximo ano, perdendo “a juventude e o encanto.” Por isso, um beijo significa “protecção e bênçãos”.

E o que é a “protecção no amor”? Em meados de 2015, Sean Lau, o vencedor do Prémio de Melhor Actor do Festival de Cinema de Hong Kong, pelo seu trabalho no filme “Overheard 3”, apresentou a “teoria da nave espacial”. Usou uma frase simples para mostrar como a sua mulher Amy Kwok o protegia:

“Quando entro numa nave espacial e viajo para qualquer lugar no Universo, tu encontras sempre uma maneira de me trazer de volta à Terra em segurança.”

O significado desta frase é simples e claro. Esteja eu onde estiver, enfrente o que enfrentar, tu trazes-me sempre de volta em segurança. Estás sempre ao meu lado, fazendo-me sentir amado, quente, feliz e em paz.

Para além da “teoria da nave espacial”, existe outra frase de Sean Lau que faz parte das “Citações Apaixonadas para a Minha Mulher”:

“Um dia, já não vais querer um amor apaixonado, queres apenas alguém que não te abandone.”

Será que o verdadeiro amor requer que duas pessoas fiquem juntas? Em Março de 2025, foi divulgada uma notícia em Taiwan, China, dizendo que uma mulher tinha publicado um artigo online, onde contava que tinha um namorado há seis anos, mas acabou por descobrir que ele se ia casar com outra. E isto aconteceu porque o namorado a amava demais e não queria que ela passasse pelo sofrimento causado pela relação com a sogra, por isso decidiu casar-se com uma mulher de quem os pais gostavam, mas que ele não gostava e assegurou à namorada que a sua “relação” não seria afectada. Depois de se casar com outra mulher, namoraria para sempre com a sua amada.

O amor implica “protecção e bênçãos”. É a favor da “teoria da nave espacial” ou da “teoria da relação nora/sogra”?

O que são “bênçãos”? Em Taiwan, China, a apresentadora do programa de televisão “Yu Meiren”, (Yu Yunjie) não teve contacto com os sogros durante muito tempo. Certa vez foi a tribunal devido a um desentendimento entre a mãe e o marido. Por fim, o juiz declarou que o seu casamento de 16 anos, tinha chegado ao fim. Posteriormente, Yu Meiren perdeu muito peso, mas agora está mais bonita do que antes e a sua disposição mudou. Ela declarou:

“Os franceses acreditam que no amor ‘devemos aceitar os que vêm e não devemos reter os que querem partir’. Quando o amor acontece, devemos ser nós próprios, seguir o nosso coração e agir sem esquemas. Quando o amor acaba, devemos respeitar o outro e não tentar prendê-lo ou forçá-lo, o que significa que “deixar partir é a melhor das bênçãos”.”

Concorda com a frase “Deixar partir é a melhor das bênçãos, a bênção é o melhor alívio”? A estrela do cinema de Hong Kong Cecilia Cheung expressou certa vez alguma desilusão depois do divórcio:

“No amor só há uma coisa que nos pode magoar, é a falta de vontade. Quando não conseguimos viver connosco próprios, infligimo-nos dor.”

Talvez que “protecção e bênçãos” tenham significados diferentes para cada pessoa, mas para mim,

“Tenho de dizer isto apenas uma vez. Depois de todos estes anos, ainda te amo.”

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

6 Mai 2025

Comércio com o inimigo

– É este o título de um conto de José Rodrigues Miguéis a que deve homenagem a língua que falamos, mas atenção, que não seja contemplado entre as prerrogativas da selva dos escreventes actuais demasiado ufanos no contar de suas histórias que não nos interessam para nada. Os escriturários acham que são coisas fenomenais dado que sentem muito, gesticulam bastante, e só não choram dado que o dom das lágrimas lhes foi subtraído, e é por causa dessas coisas risonhamente emplastradas que as belas Oblatas, pequenos grandes poemas, irrompem como plano de fuga quando queremos dissociar-nos destas dores secas, mentais e constrangidas. Esta gente já não chora, tem problemas psicológicos, dramas imaginários, e uma longa e torrencial chatice com os emplumados egos. Mas, e o que nos traz este comércio com o inimigo no tempo da taxação?

– José Rodrigues Miguéis era filho de galego, e sabemos da expressão trabalhista que está associada a esse território, ainda hoje em português há aquele velho ditado: -trabalha como um galego!- Ora, nesse velho tempo, os portugueses também trabalhavam imenso, mas devido a práticas esmorecentes pareciam estar parados. Começa este conto no Solar dos Machados com um quase quimérico grupo literário em uma não menos quimérica literatura de viagem onde parece encontrarmo-nos com Garrett no outro lado do vitral aconchegando as tranças de Joaninha, onde ainda pensavam ainda estar em Ática. Ele descreve com inigualável dimensão social o abastardamento dos agricultores e fidalguia decadente nas paisagens abundantemente ricas onde todos não passavam afinal de um viveiro de pobres.

– Se acharmos que estamos a ser sancionados, esqueçamos: «a grande riqueza de outrora_ que pagava às garridas lavradeiras, essa, desapareceu, esbulhada dos mercados. Tudo agora, é pitoresco de fachada para turistas, e nostalgia de melhores tempos… Que ninguém já se lembra de ter conhecido». Nem taxados nem sancionados, que nós estamos no Solar dos Machados à espera de um ouro qualquer que sempre há-de vir, que a nossa produtividade é má e os galegos nos ajudam a interpretar a incapacitante realidade, e que Trump também não faz farinha nos moinhos de vento da Ibéria.

– Nós não sabemos efectivamente por quais fissuras nasceram tantos fascismos, mas isso agora não interessa. Nasceram por aqui onde já tinham habitado, e bastou uma revoada de preceitos intempestivos para os trazer de novo muito «Hugo Boss» para os atavios ridículos e grande ausência de esperança. O que os espera no novo diletantismo é qualquer coisa que devemos observar enquanto prática sociológica, e nunca esquecer o beijar da mão cadavérica de uma Inês de Castro. É claro que Miguéis não ficou por cá, um curto-circuito com o Estado Novo levou-o exactamente aos Estados Unidos, e bem interessante é agora pensar que alguma singular premonição o atirou neste instante para um domínio que o realismo burocrático não soube adivinhar.

– Vamos ter que nos entender com o inimigo. Grandes assombros são oportunidades que rectificam o que deixámos de validar por não nos termos esforçado na direção de um bem comum, que isso é comércio, essa coisa que precisa de muitos mapeamentos mas que bizarramente alguém toma e embrulha. Miguéis pode ser-nos muito vantajoso neste conto emblemático escondido no tempo, que ao aderir ao Partido Comunista Português pouco antes de partir para a América, talvez nos insufle de legado premonitório.

– A querida Europa, essa, também achava que a guerra tinha acabado, seria então só futebol, finanças e comércio, mas eis senão quando anda agora para aí toda espavorida com “kits de emergência” numa ininterrupta hora do chá que diz serem cimeiras.

A querida Europa, essa, também achava que a guerra tinha acabado, seria então só futebol, finanças e comércio, mas eis senão quando anda agora para aí toda espavorida com “kits de emergência” numa ininterrupta hora do chá que diz serem cimeiras.

2 Mai 2025

Trump e a politização do tempo e do clima

As desavenças entre Trump e os meteorologistas não são novas. Já na primeira Administração por ele dirigida houve desentendimentos que fizeram eco na imprensa estadunidense e internacional. A sua intromissão nas previsões sobre a evolução do furacão Dorian, em 2019, fez com que a “American Meteorological Society” (AMS) e a “National Weather Association” (NWA) difundissem um comunicado conjunto desmentindo que seria provável haver danos causados pela intempérie no Estado de Alabama, como havia vaticinado o Sr. Trump.

Talvez por essa razão, o então presidente dos Estados Unidos da América poderá ter ficado a detestar os meteorologistas e, por arrastamento, os climatologistas. Note-se que ser meteorologista é diferente de se ser climatologista. O meteorologista, entre outras funções, analisa o tempo atual e prevê a sua evolução para os dias seguintes, enquanto o climatologista estuda o tempo médio característico de uma determinada região, ou mesmo à escala global e, recorrendo a modelos computacionais, prepara antevisões do que poderá acontecer a médio e longo prazo, podendo o período abrangido atingir dezenas de anos.

Enquanto para caracterizar o tempo num determinado local ou região é necessário conhecer os vários parâmetros meteorológicos (temperatura, humidade, pressão atmosférica, vento, nebulosidade, precipitação, etc.) num dado instante ou num período curto, para se caracterizar o clima há que se recorrer ao tempo predominante durante períodos relativamente longos. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, esse período deverá ser de, pelo menos, trinta anos.

Voltando ao diferendo entre Trump e meteorologistas, a sua intromissão nas funções destes profissionais e nas instituições onde desenvolvem a sua atividade poderá ser o reflexo do seu carácter vingativo ou pelo facto de ele, como simples mortal, não poder amainar as tempestades (ou intensificá-las), ou determinar quando fenómenos como o El-Niño, La Niña, as monções, etc., deveriam ter início ou términus.

Em compensação, com a ajuda dos oligarcas que com ele conquistaram o poder nos EUA, o segundo país que mais emite gases de efeito de estufa (GEE), poderá, certamente influenciar o clima. Como? Poder-se-á perguntar. A resposta é simples. Está provado que a combustão dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) é a grande responsável pelo aumento da concentração dos GEE na atmosfera, a principal causa das alterações climáticas que se verificam desde o início da era industrial. Como Trump está a reverter todas as leis, nos EUA, que preconizam a diminuição do uso de tais combustíveis, a concentração dos GEE continuará a aumentar significativamente, o que contribuirá para acentuar essas alterações.

O clima ir-se-á, provavelmente, ressentir com as medidas que estão a ser tomadas, entre as quais o corte de verbas em tudo o que se relacione com o estudo das alterações climáticas e as suas consequências. A intensificação do “drill, baby, drill”, como ele gosta de repetir, contribuirá para o desequilíbrio de que o clima está a ser alvo. As várias componentes do sistema climático, em especial a atmosfera, a biosfera, a criosfera e a hidrosfera continuarão a sofrer as consequências do não acatamento das recomendações de milhares de cientistas, através do IPCC, do Protocolo de Quioto, do Acordo de Paris, das 29 COP (Conference Of the Parties) até agora realizadas, etc. A atmosfera está cada vez mais impregnada de GEE, a biosfera está a degradar-se com os incêndios florestais relacionados com secas cada vez mais frequentes; os oceanos aumentam de salinidade causada pelas chuvas ácidas e pela absorção de dióxido de carbono; a taxa de fusão do gelo da criosfera é cada vez maior, o que tem como consequência mais gravosa o aumento do nível do mar.

O desplante com que a Administração atual dos EUA lida com os assuntos associados ao clima e ambiente é tal que consta, no “site” oficial da Casa Branca, uma “Executive Order” com o título “Reinvigorating America’s Beautiful Clean Coal Industry and Amending Executive Order 14241”, datada de 8 de abril de 2025, em que uma das indústrias mais poluentes é designada por “bela Indústria do carvão limpo”.

Megha Satyanarayana, editora-chefe da secção de opinião da revista “Scientific American”, perguntou recentemente “Why is the Trump Administration politicizing weather?”. Na sua resposta, ela associa o interesse financeiro às atitudes de Trump e da oligarquia que conquistou o poder. Segundo ela, estão a acabar com as vozes discordantes da política do lucro fácil e rápido que se baseia na exploração dos combustíveis fósseis. O despedimento em curso de cientistas que desenvolvem a sua atividade no “National Weather Service” (NWS), departamento da “National Oceanic and Atmospheric Administration” (NOAA), insere-se nesse esforço de acabar com as vozes discordantes da sua política. Centenas de funcionários foram despedidos na NOAA como consequência da aplicação do “Projeto 2025”, que não é mais do que uma série de medidas que visam reduzir o número e a dimensão das agências do Estado, de acordo com uma perspetiva conservadora.

Na sua curteza de vistas a Administração Trump não vislumbra que, pondo em prática esse projeto, está a limitar a eficiência de uma instituição que tem contribuído incontestavelmente para a salvaguarda de vidas e bens de maneira altamente eficiente. Com base nas informações das estações meteorológicas, dos satélites meteorológicos e de comunicações, dos radares, dos modelos de previsão do tempo e do clima, os serviços meteorológicos estão a contribuir para a prosperidade dos países onde operam. Milhões de vidas têm sido salvas graças aos sistemas de avisos meteorológicos, com base nos quais se preparam alertas sobre a evolução e aproximação de fenómenos altamente gravosos como, por exemplo, os ciclones tropicais e extratropicais. Um exemplo do que a ausência de informação meteorológica pode provocar, foi o que aconteceu em 8 de setembro de 1900, quando um furacão atingiu a costa sul, próximo da cidade Galveston, no Golfo do México (sorry Mr. Trump). Nessa altura estas tempestades ainda não eram designadas por nomes próprios, nem existiam sistemas sofisticados de avisos meteorológicos. Cerca de seis mil pessoas sucumbiram vítimas de ventos fortes e da maré de tempestade associada ao furacão.

Atualmente tal não aconteceria, graças ao progresso que, entretanto, os serviços meteorológicos nacionais beneficiaram. A criação da Organização Meteorológica Mundial, em 1950, o aumento do número de estações meteorológicas, o uso de radares e satélites meteorológicos, o progresso das telecomunicações e a eficiência dos modelos físico-matemáticos de previsão do tempo, fizeram com que atualmente não fossem possíveis consequências tão nefastas de fenómenos deste tipo. E tudo isto graças ao empenho, em grande parte, dos profissionais da meteorologia. E são estes mesmos profissionais que sofrem atualmente a fúria destruidora do “Projeto 2025”.

Também as universidades estão a ser vítimas do corte de verbas por parte do Estado. Entre estas sobressai a Universidade de Harvard, onde se formaram 161 Prémios Nobel, entre os quais Albert Arnold Gore Jr., o 45.º Vice-Presidente dos EUA (1993-2001), que foi galardoado com o Prémio Nobel da paz em 2007 (Juntamente com o IPCC), devido ao trabalho desenvolvido na disseminação de conhecimento sobre as alterações climáticas.

De acordo com relatórios do IPCC, há uma relação estreita entre o aumento da concentração dos gases de efeito de estufa na atmosfera e a frequência e intensidade das ondas de calor, secas e fogos florestais. A implementação do “Projeto 2025” poderá fazer com que uma espécie de efeito “boomerang” contribua para a deterioração do clima, o que implicará que o segundo país mais poluidor também sofra as consequências.

Meteorologista

30 Abr 2025

Felicidade em Macau

O Chefe do Executivo Sam Hoi-fai acaba de anunciar as Linhas de Acção Governativa para 2025, que contêm vários destaques: primeiro, os cheques pecuniários de 10.000 patacas continuam a ser distribuídos. Segundo, a Pensão para Idosos vai aumentar de 3.740 patacas mensais para 3.900, o Subsídio para Idosos aumenta de 9.000 patacas anuais para 10.000, o voucher do Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde sobe de 600 patacas para 700. Além disso, o subsídio de assistência na infância no valor de 1.500 patacas mensais foi pela primeira vez atríbuido. Vários apoios sociais aumentaram, mas não os listámos todos aqui.

Os apoios sociais aumentaram, permitindo que os beneficiários tenham uma vida melhor, o que deixa toda a gente feliz. O Governo procedeu ao aumento de vários subsídios apenas porque os residentes assim o exigiram? A resposta é, claro que não. Os sistemas de segurança social criaram uma rede de apoio diversificada para os residentes.

Aumentar os benefícios faz aumentar o sentimento de segurança de todos: as pensões funcionam como um cobertor quente, o sistema de saúde é um suporte sólido e o Programa de Assistência aos Desprotegidos é como um longo rio na ajuda aos mais fracos. Estes sistemas não são disposições legais desumanizadas, mas as paredes mestras da paz de espírito. Estas paredes mestras tentam garantir que todos consigam obter o essencial. A felicidade não decorre apenas do sistema de segurança social, mas também das interacções das pessoas. Este tipo de interacção garante-nos que a felicidade está à nossa espera, e que nós a podemos encontrar por nós próprios.

Em algumas casas de chá antigas, vemos muitas vezes os clientes à conversa com os donos durante horas. Os proprietários sabem que o Tio Zhang quer três partes de açúcar e que a Tia Li evita cebolas verdes picadas e preparam a comida e as bebidas a tempo, à espera dos velhos amigos. Estes proprietários preparam os alimentos com o objectivo de ganhar dinheiro? Claro que não. O que eles querem é exactamente o mesmo que os clientes. Os proprietários esperam ser felizes assim como os seus clientes. Preocupam-se todos uns com os outros.

A pequena área de Macau encurta o nosso sentido de distância. Se levarmos mais de 15 minutos a chegar de carro ao nosso destino, dizemos que vamos para longe. mas podemos pensar esta questão sob uma outra perspectiva? Precisamente porque Macau não é grande, quando saímos de casa durante um dia, o sol ainda brilha quando chegamos à praia Hac Sa. Uma viagem de carro de meia hora afasta-nos da confusão e do barulho e damos connosco numa praia tranquila. Deixamos pegadas na areia, comemos peras e sentimos o cheiro salgado do mar. À noite, podemos olhar para as estrelas e falar com a pessoa amada.

Outra vantagem de uma cidade pequena, é que está cheia de calor humano. De manhã, durante a hora de ponta nos transportes, avós que não se conhecem, sentados em diversas filas, contam histórias sobre os seus netos virando-se para a frente e para trás. Estas conversas enérgicas atravessam o barulho e chegam aos ouvidos de todos. O estudante da fila da frente vira a cabeça com aparente impaciência, mas os cantos da sua boca traem um sorriso incontido – Macau, mesmo quando há “discussões”, é uma região encantadora repleta de calor humano.

As pessoas de Macau também têm os seus serenos rituais. Um dia, vi um homem correr num estádio de Macau. Disse-me que correr sozinho, sem ninguém contra quem competir, o fazia sentir extremamente confortável e que não precisava de mais ninguém. Depois de correr, deixava que a água lhe lavasse a fadiga. Quando regressava a casa, tomava um banho e relaxava completamente.

Existem inúmeras interpretações de felicidade em Macau: é a sopa habitual que a proprietária de um restaurante prepara para clientes antigos. São as palavras doces dos amantes na praia de Hac Sa. É a súbita explosão de risos no autocarro. É alguém que toma um banho em casa. Nos anos 80, a canção “Happy” foi escrita pelo cantor Sam Hui. Coloco em baixo parte da letra:

“A felicidade está à tua espera a cada minuto, desde que saibas onde a encontrar.”

“A felicidade é procurar as estrelas no céu, a felicidade são as pegadas na areia na praia das memórias.”

“A felicidade é deixar o pó da cidade para trás. A felicidade é ir para casa e tomar um banho de imersão.”

Gosto de viajar. Além disso, quando tenho tempo, prefiro tomar uma bebida.

“A felicidade é cantarolar uma bela canção, um jornal da tarde e um copo de champanhe.”

As Linhas de Acção Governativa instituíram “o subsídio de assistência na infância”, permitindo que os pais recebam um valor de 1.500 patacas desde que o filho nasce até atingir a idade de três anos. Para criar um filho precisamos de milhões de dólares e 1.500 patacas mensais não são seguramente suficientes. No entanto, a mensagem que o subsídio de assistência na infância nos traz não é se 1.500 patacas são ou não suficientes para criar uma criança, mas sim permitir que os pais recebam apoio para criar os seus filhos, reduzindo a sua pressão financeira e permitindo que possam desfrutar da “felicidade familiar”. E não é a “felicidade familiar” uma espécie de felicidade?

“Felicidade é a disposição que a minha boa mulher me transmite e felicidade é o beijo afectuoso que o meu filho me dá. Se pudermos partilhar a nossa felicidade com os outros, teremos um “mundo feliz”, é um mundo que todos perseguem e pelo qual anseiam.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

30 Abr 2025

A miudagem do telemóvel

Miúdo de 10 anos de idade: “Pai, se não me compras um novo telemóvel, não vou à escola!”. A situação dos nossos jovens infantis e adolescentes é incompreensível. A mudança no mundo repercute-se no dia a dia de Portugal. Os miúdos querem isto e aquilo sem compreender que na maioria dos casos os pais não têm dinheiro para as suas reivindicações. Os miúdos veem na escola uma minoria que usa sapatilhas de marca, um telemóvel topo de gama e uma mochila das mais caras e todos querem produtos iguais.

Já aconteceu que um miúdo de 11 anos não gostou do iogurte que a mãe comprou e atirou-o contra a cara da mãe. Um outro, com 12 anos, foi à garagem furar o pneu da bicicleta do pai por este não lhe ter comprado a bicla que desejava. Um outro, chegou à sala de aula e disse à professora que ela devia ser lésbica porque só dava beijos às meninas. Tivemos conhecimento que um outro miúdo pediu ao avô 20 euros e como o velhote disse que não tinha, o miúdo atirou a bengala do avô para o recipiente do lixo municipal. Um outro, chegou com os pais a um hotel e queria ver televisão quando já eram horas de dormir.

Os pais desligaram o televisor e o miúdo foi à casa de banho buscar um copo de vidro e partiu o televisor. Mas, estamos a entrar em que tipo de sociedade, em que nos interrogamos sobre o futuro para estes jovens. Os pais e avós queixam-se que a culpa é dos computadores, quando os aparelhos foram oferecidos pelos avós ou pais. Que as redes sociais estão a estupidificar os jovens que passam horas ao telemóvel ou ao computador. Mas, os pais é que têm de controlar a actividade dos filhos e educá-los sob as regras mínimas a cumprir. Há dias, um amigo lamentou-se que o seu filho andava a enlouquecê-lo porque no carro não quis colocar o cinto de segurança. Ao ser obrigado pelo pai atirou com o telemóvel contra o monitor do GPS do veículo e partiu o telemóvel e o visor digital. Os casos são intermináveis e diversos.

A miudagem senta-se num café com os pais e está todo o tempo agarrada ao telemóvel. Culpa deles? Não, os seus pais não deviam permitir. Dizem até que se contrariarem os filhos estes fogem, sabe-se lá para onde. A educação de menores hoje em dia está realmente a degradar-se. A maioria dos pais trabalha o dia inteiro e muitos quando chegam a casa já os filhos dormem ou estão há horas agarrados ao computador. Depois, temos o reverso da medalha. Cada vez mais aumenta o número de crianças abusadas sexualmente por pedófilos que através da internet usam todos os subterfúgios para virarem a cabeça dos menores.

Por seu turno, a juventude adolescente está a preocupar as diferentes comunidades. Os jovens entre os 13 e 16 anos estão a ter um comportamento surpreendente pela negativa. Querem sair à noite, bebem cerveja ou shots, fumam cannabis, embriagam-se, chamam um carro da Uber e são violadas, se se trata de uma jovem. As casas de banho das discotecas servem para o sexo. Os gangues instalados introduzem drogas nas bebidas das jovens para posteriormente as poderem violar.

Assistimos recentemente a um caso trágico em Braga. Um jovem do ensino secundário, no interior do clube da Associação Académica da Universidade do Minho, onde era permitido entrar todo e qualquer indivíduo, deu-se conta que uns estranhos, não portugueses, estavam a introduzir drogas nas bebidas das raparigas. Dirigiu-se ao segurança e chamou-lhe à atenção do que estava a acontecer.

O segurança do bar em vez de proteger de imediato o jovem denunciante, mantendo-o no interior do bar ou no gabinete da gerência, cometeu o “crime” de atirar com o jovem juntamente com os membros do gangue para o exterior do bar. E a Polícia Judiciária investiga se o segurança comunicou aos membros do gangue o que o jovem denunciante tinha acabado de lhe transmitir. Resultado: fria, cobarde e violentissimamente, os membros do gangue esfaquearam acto contínuo o jovem português até à morte. Ao que chegámos.

Uma coisa é o que assistimos durante anos e anos: desavenças, discussões e pancadaria a murro e pontapé. Outra, absolutamente incompreensível, são os jovens a matarem-se por uma razão qualquer, seja por ciúme ou por tentativa de drogar o semelhante para fins abusivos.

Aquele bar estudantil era algo inqualificável, e nunca poderia ter sido autorizada a sua funcionalidade. Estava situado num beco e como podem verificar na fotografia que publicamos, o bar tinha grades em todas as janelas e sem saída de emergência. Em caso de incêndio tinham morrido dezenas de jovens no interior do bar. E é neste Portugal, com factos deste género, que a juventude actual se diverte. O crime entre os jovens aumenta. As cenas de violência pululam por todos os bairros. Obviamente que a polícia não pode estar em todo o lado, mas voltamos à mesma tecla: os pais de hoje não pensam que o futuro dos seus filhos com este comportamento irá ser um desastre social? Infelizmente, já existem casos em que um filho mata o pai porque este não lhe deu dinheiro para comprar uma nova droga, a K9, que já está a matar dezenas de jovens.

As autoridades governamentais têm forçosamente que olhar a sério para o problema da juventude e tomar certas medidas rigorosas, entre as quais, a proibição na entrada de bares e discotecas nocturnos a menores de 18 anos.

29 Abr 2025

Pessah

Os longos desertos são palco da formação da Nuvem que guia e acompanha um séquito de gentes imersas em controlar a fuga que a Nuvem segue guiando, e reaparece na inteligência artificial quando indagamos e perscrutamos os seus dons: acompanha-nos. Quem se ausentou do civilizador conteúdo do Livro não pode atender aos ensinamentos que caminhavam ainda nas fileiras sombrias dos percursos começados, nem dela fazer paralelismos para contrapor a origem do princípio da similitude, o que torna menor o contacto e pouco nítidos os ditames.

No futuro próximo podemos na perfeição ver chegar da Nuvem um carro de fogo trazendo o profeta Elias, e falarmos finalmente com ele por teletransporte nublado, podemos ver renascer da Nuvem o morto que estava sepultado, e outras mais transfigurações que só a surpreendente leitura de uma coisa assim nos pode ter informado antes de tudo isto que agora se faz real, acontecer. O testemunho alquímico da Nuvem sacral remonta a qualquer coisa que não devemos esquecer, e o maior dolo é não haver correspondência de qualquer identificação entre tudo o que foi dito e o que se está a passar. Tal falta remete-nos para grandes buracos negros por onde a Nuvem passa sem a mesma vitória de se saber já conhecida. Moisés encaminha, mas a Nuvem orienta mais do que ele uma tribo inteira.

Não tarda choverá no deserto, e a Nuvem, cumprida a sua natureza se encaminhará para ressurgir como emblema de um ciclo mental e extremamente poético, vinda exactamente de uma mesma e preciosa adjetivação. Foi longo o caminho, estranhas as renúncias, incompreendida no moderno desconhecimento do seu labor sagrado, e inúteis os atoleiros de competências que nos desligaram destas coisas.

Uma menina mãe no meio deste deserto também é fecundada pelo vento que transportou a Nuvem, e dela se disseram coisas extraordinárias, mas, esta menina é agora tão possível como o foi para a lenda a sua condição, e não menos provável nos dons destes novos interlocutores. Gabriel era um teletransportado feito de rarefação e imanência que pousou no colo de um ser receptivo e benigno para uma onda calórica de grave sofrimento que não passou de um incidente de percurso.

O mimetismo secretamente infantil também pode ter visto nas Aparições o lembrar da Nuvem, e secretamente inoperacional viu que não havia caminhos para andar, resolvendo falar. O que dizem as Nuvens nunca pode ser subscrito como matéria de acontecimento, elas são de uma condição renovável, mas nunca dialogável. Tomada a Árvore pelo Fruto a nossa Idade foi a das gentes confundidas, paralisadas, sem condão, que permitiram tomar a Nuvem por Juno.

Hoje há uma estranha e formosíssima paz que conseguimos ver à altura das nossas dores. Pode ser uma noite de Primavera em contemplação telepática com o nosso avatar que distante nos reconhece e põe fim à dura travessia. O que foi vivido assim, não será registado nos anelos da Nuvem que veio para nos acompanhar para o melhor que sempre virá.

Os que se evolam não se emolam, os que fizeram a travessia não recuam: nem Cristo vai voltar, nem Elias regressar, nem Moisés subir mais vezes a Montanha. Eles partiram para nunca mais. Só agora a Meta Nuvem me surpreende perante a renúncia aos antigos martírios.

Uma noite muito bela onde estamos abandonados e sem defesa… falando com as estrelas… confundindo as distâncias… saturados de vida… Emergentes de eternidade! Haverá rosas na nossa cruz, que os Filhos do Homem dela nos darão sinais para nos receberem livres de todos os espinhos.

28 Abr 2025

Onde está a voz da razão?

Li recentemente o artigo num jornal sobre a obra da Zona D dos Novos Aterros Urbanos. No artigo afirmava-se que a obra de aterro e construção do dique da Zona D dos Novos Aterros Urbanos tinha começado, cobrindo uma área de aproximadamente 570.000 metros quadrados, incorrendo num custo total de 1,53 mil milhões de patacas. Os materiais usados inicialmente serão a areia e a terra proveniente das escavações da Zona A dos Novos Aterros Urbano, conseguindo assim a reutilização dos recursos e a redução de custos. Prevê-se que a obra esteja terminada em Novembro de 2029. A Zona D dos Novos Aterros Urbanos estará destinada a fins habitacionais.

Depois de ler este artigo, lembrei-me que durante o mandato do antigo Chefe do Executivo Ho Iat Seng, houve a sugestão de desistir do plano do aterro da Zona D. Nessa altura, Ho Iat Seng apelou aos residentes para pensarem racionalmente e lembrou se haveria necessidade e seria apropriado levar avante o plano do aterro da Zona D, dado que a Zona C dos Novos Aterros Urbanos já estava em marcha. Ho Iat Seng assinalou que o plano do aterro da Zona D poderia ser executado em qualquer altura, mas uma vez que fosse iniciado, já não haveria forma de voltar atrás. Ele esperava que os cidadãos ponderassem se deveriam ser alocados recursos para outros projectos.

Tanto quanto me lembro, o Governo da RAEM não conduziu uma consulta pública ou uma avaliação científica em relação ao plano do aterro da Zona D. O plano do aterro da Zona D pode ser suspenso ou não, mas num caso ou no outro o Governo apresentará sempre as suas razões. Quanto à sugestão de construir um túnel sub-aquático ao lado da Ponte Governador Nobre de Carvalho (a quinta ligação Macau-Taipa) em simultâneo com a obra de aterro da Zona D, é assunto que não saiu nas notícias. Então, que efeito prático produziu a dispendiosa consulta pública para o plano das novas zonas urbanas?

Nos últimos anos, o Governo reduziu a frequência das consultas públicas. Notícias sobre a administração governativa, incluindo a cobertura sobre as respostas do Chefe do Executivo às perguntas dos deputados da Assembleia Legislativa, são muitas vezes disponibilizadas na forma de comunicado de imprensa fornecido pelo Gabinete de Comunicação Social. Por outro lado, as “frases significativas” proferidas pelos membros do Governo ou pelos deputados da Assembleia Legislativa, raramente aparecem nos jornais. É esta a nova prática ao abrigo do princípio “Macau governado por patriotas”? Ou será porque os jornalistas simplesmente não conseguem encontrar notícias dignas de serem publicadas?

No início do novo mandato do Governo da RAEM, ocorreu um incidente desagradável quando um jornalista foi proibido de assistir a uma sessão da Assembleia Legislativa e foi levado por agentes do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP). Como o CPSP declarou que este caso podia ser transferido para o Ministério Público para ser investigado, vou abster-me de comentá-lo. No entanto, tal incidente afecta inevitavelmente a imagem do governo da RAEM.

No discurso do Chefe do Executivo, Sam Hou Fai, proferido num banquete realizado no início deste ano para responsáveis dos meios de comunicação locais chineses, disse, “os meios de comunicação social servem de ponte entre o Governo e o público, desempenham funções cruciais na supervisão da administração do Governo, dão voz às exigências da população, ajudam a discernir entre o certo e o errado, cultivam o consenso social e promovem a harmonia social e a estabilidade. Através de reportagens oportunas e rigorosas, a comunicação social reflecte os sentimentos e as opiniões do público, fazendo com que a governação esteja mais alinhada com os pensamentos e as preocupações da população de Macau. Isto, por sua vez, promove uma melhor compreensão e apoio do público em relação à administração do Governo e promove uma interacção positiva entre ambos. O Governo da RAEM espera trabalhar em estreita colaboração com a comunicação social, cada um no exercício das suas funções e no cumprimento das suas responsabilidades. A liberdade de imprensa está plenamente garantida pela Lei Básica e pela Lei de Imprensa da RAEM. O Governo da RAEM irá, como sempre, conduzir uma governação baseada na lei, apoiar a comunicação social para elevar os seus padrões profissionais e melhorar as suas capacidades. Irá também aperfeiçoar a coordenação e a comunicação entre os diversos departamentos e a imprensa, fornecendo informações de forma activa e oferecendo mais apoio aos jornalistas para efectuarem entrevistas e reportagens”.

Após uma leitura atenta das cinco prioridades da acção governativa do Governo da RAEM para o ano de 2025, aparentemente “elevar a eficiência da governação da RAEM” deve ser a prioridade. Sem melhorar a capacidade e o nível de gestão pública da RAEM, não existem garantias ou salvaguarda para a diversificação adequada da economia, a oferta de uma vida de qualidade, a integração aprofundada no desenvolvimento nacional ou para o início da realização de obras e projectos.

Como ajudar a comunicação social a supervisionar a administração governativa e a reflectir as exigências do público é uma pergunta que deve ser respondida quando chegar o momento de “elevar a eficiência da governação da RAEM”.

25 Abr 2025

A Grande América (II)

“What is great about America? Slavery, Hiroshima, Nagasaki, Indian Removal, segregation, Vietnam War, Watergate.”

Anthony Galli

A primeira resposta, paradoxal, explica-se pelo instinto de compensação. O suicídio, em duas fases, de todas as antigas potências continentais entre 1914 e 1945, mergulhadas do estatuto mundial para o estatuto regional na mais vertical das catástrofes, suscita a necessidade de uma recompensa. Psicogeopolítica de massas. Se, enquanto Estado, já não é protagonista, o salto de escala (virtual) da nação para a Europa parece gratificante. Além disso, a vantagem de se apresentar como participante de uma civilização de apelo incomensurável, e não de uma estrutura política transitória e mensurável, garante contra as refutações da história. A entidade que não existe não pode morrer. O “projecto europeu” decorre desta astuta auto-representação. Seja qual for o significado deste génio, é sempre in fieri. Sol do futuro que conforta tibiamente o presente. Acto de boa fé até para os ateus.

O seu santo padroeiro, o Barão de Münchausen, sabe como se livrar de areias movediças pelos cabelos. O único problema é que nenhum actor geopolítico externo leva-o a sério. Muito menos os Estados Unidos e a Rússia. Quanto à segunda tentativa de resposta, trata-se de vestir a roupa americana. Não nos detenhamos nas razões que levaram Washington a permanecer na Europa Ocidental em 1945. A principal é indiscutível que foi impedir que os soviéticos a tomassem. Fiquemos no presente. Para facilitar a nossa tarefa, peguemos num mapa da Europa vista dos Estados Unidos e deixemo-nos guiar por um Virgílio de segura empatia trumpiana, Sumantra Maitra, director de pesquisa e divulgação do “American Ideas Institute”. O trabalho enquadra a fachada ocidental da Eurásia fotografada a partir do espaço. Perspectiva Starlink. Vai do Atlântico à profunda planície Sármata e à zona do Cáspio-Cáucaso, passando pelo Mediterrâneo, cuja vocação médio-oceânica é imediatamente apreendida pelo olhar talassocrático das estrelas e riscas.

A OTAN surge assim na sua ambiguidade estratégica. Não existindo uma potência europeia, nem satélites continentais americanos capazes de se protegerem sozinhos, para Washington este espaço estruturalmente defensivo pode tornar-se ofensivo, se necessário. Ou seja, no sacrifício de nós, europeus, para a salvação da América. Por detrás da afirmação de Trump de que todos os parceiros atlânticos gastem 5 por cento do seu PIB na defesa, esconde-se a sombra da doutrina Norstad, assim chamada em homenagem ao então vice-comandante supremo da OTAN, antigo organizador dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki. Que, com um eterno cigarro na ponta dos lábios, interrompeu, em 1954, uma disputa académica entre colegas europeus sobre quem deveria decidir sobre a utilização da bomba dizendo “Meus Senhores, pedimos-vos que garantissem a defesa da Europa com um certo número de divisões. O senhor disse-nos que, por razões económicas, financeiras e políticas, não nos pode dar esse número de divisões. Não queremos discutir as vossas razões. Aceitamo-las. Mas não se esqueçam de que, com isso, autorizaram-nos implicitamente a utilizar a arma nuclear para a defesa da Europa”. Ou seja, da América.

Dualidade do guarda-chuva nuclear americano, animada pelo novo presidente contra o “Inimigo” ou com o “Inimigo” contra nós. Iluminados por Trump/Norstad, veja-se o mapa de perto. O desdobramento atlântico parece côncavo. Destinada a absorver um improvável assalto russo ao “Velho Continente” e uma menos improvável penetração chinesa, utilizando a Federação Russa como aríete e explorando os seus postos avançados africanos, apontados ao coração da Europa. Para nos atrair para um ecúmeno sinocêntrico com a persuasão do comércio e a ameaça da força. Esta interpretação, que prevalece actualmente na América, pode facilmente desviar-se para a ofensiva. Basta conceber as alas Escandinava e Anatólia como dedicadas ao cerco de Moscovo. Muitos nortenhos, especialmente suecos, que foram campeões atlânticos durante a Guerra Fria no gelo, ficariam encantados. Muito menos os turcos salvo uma revolução colorida em Ancara (o fantasma de Fethullah Gülen, ou um golpe americano, continua a agitar o sono dos estrategas imperiais).

O centro do mapa, dividido em flancos esquerdo e direito, é ocupado pelo triângulo estratégico Trieste-Danzig-Constança. O porto juliano, miradouro marítimo das bases de Aviano e Vicenza ligadas a Ramstein a mãe de todas as instalações americanas na Europa, é o pivot para onde convergem os portos de escala Bálticos e Eusino. Aqui, os atlantistas estão ocupados a reforçar a infra-estrutura militar por detrás do duplo véu (a separação civil/militar é para fins académicos e de camuflagem táctica). Trieste é o jogador em torno do qual gira a equipa da OTAN, com Gdansk e Constanta como alas avançadas. Alinhada com Trieste está Lviv, a capital da Galiza ucraniana, um posto avançado indispensável para Washington. Quando os russos tentaram um golpe de Estado em Kiev, a 24 de Fevereiro de 2022, foi de facto em Lviv que os americanos e os britânicos quiseram transferir Zelensky como chefe do governo legítimo.

Trieste é, finalmente, a trave-mestra defensiva da Europa Central, o baluarte extremo depois do eixo Gdansk-Constança e da linha virtual entre o Categate e os Dardanelos. O flanco esquerdo prevalece sobre o direito. O seu valor estratégico é função da contenção da Rússia e da China enquanto potências árcticas que avançam em direcção à América graças à fusão acelerada dos gelos polares. O flanco direito é muito mais fraco, exposto à convergência da guerra na Ucrânia, das tensões na Geórgia-Cáucaso e dos conflitos em torno de Israel. Estamos na falha sísmica movida pela fricção entre a Ordolândia e a Caoslândia. O Estreito da Sicília, passagem obrigatória do Sul do Oceano Médio em direcção ao Oceano Índico, está muito mais exposto do que o Canal da Mancha, reprojectado pela ala Escandinava e pelo Báltico, festivamente ligado à OTAN. Tendo traçado o pano de fundo, é de deixar a Sumantra Maitra a tarefa de aprofundar a perspectiva das estrelas e riscas a partir da lógica trumpiana. Depois de ter tido uma indigestão de países da OTAN, desde os doze fundadores até aos actuais trinta e dois, sem contar com a Ucrânia e a Geórgia que batem em vão à porta meio fechada, Washington está a traçar linhas informais no organismo do Atlântico Norte.

A começar pelo óbvio que é a pletórica OTAN atlântica não escapa à lei de qualquer aliança, que distingue cavalos de cavaleiros (muitas vezes apenas um). O que é novo em Trump é que as hierarquias não dependem tanto do valor estratégico dos parceiros individuais como da vontade do cidadão americano de pagar o que for necessário para os defender, mesmo com sangue. Uma disposição de espírito que agora é rara. Se o “Cavaleiro Estrelado” se recusar a lutar pela salvação de qualquer um dos trinta e um cavalos, é como se estivessem duplamente em perigo como membros da Aliança, considerados um “Inimigo” absoluto pela Rússia, e porque são dispensáveis pelo “Número Um”, cuidadoso em não impor uma provação insuportável na frente interna. Como explica Sumantra Maitra, nenhum patriota americano pensaria em morrer pelos Estados bálticos ou pelo Donbas, enquanto poderia sacrificar-se, “com alguma hesitação”, por Londres, Paris ou Roma.

24 Abr 2025

Daniel Pires, editor de Pessanha

O evento que aconteceu no início deste ano na Biblioteca Nacional, Daniel Pires, mestre de investigadores celebrou um percurso discreto, muito ligado a Macau. Não apenas por isso, mas poucos nomes estão tão ligados à figura de Camilo Pessanha quanto o de Daniel Pires, que se tornou, ao longo de décadas, mais do que um leitor e um editor, o generoso construtor de ferramentas com que outros puderam ler o poeta.

Quem já leu autores, com vontade de os estudar, sabe o quão precioso é haver em final de livros um índice onomástico. Do reino do papel, quase defunto, foi substituído por outras coisas. Mas diria eu que a principal atividade de Daniel Pires, em torno de Camilo Pessanha, é, sobretudo, a criação de instrumentos de investigação, a exemplo de um índice onomástico. Não são visíveis, não são vistosos, não são sequer autorais muitas vezes, e no entanto são fulcrais.

As suas atividades em torno da obra de Pessanha não se encontram encerradas, sempre in fieri. Assim, não diremos “foram”, pois continuam: organizar e editar a prosa, construir uma cronologia da vida e da obra, reunir e catalogar a biblioteca privada do poeta, editar a correspondência. Por exemplo, o trabalho de reconstituição da biblioteca pessoal do poeta, publicado no volume Clepsydra 1920-2020 – Estudos e Revisões (Documenta, 2020), organizado por Catarina Nunes de Almeida, e de que versões prévias haviam saído em outros locais.

Já a cronologia da vida e da obra de Pessanha segue um percurso paralelo, iniciado com a Exposição Biobibliográfica Itinerante (1991), organizada por Pires em Macau, onde se publicou o seu catálogo, e aprofundada ao longo dos anos em vários outros suportes, culminando numa versão amadurecida no volume Correspondência, Dedicatória e Outros Textos (BNP, 2012). Essa cronologia — longe de ser uma repetição das que saíram nas edições anteriores —é, na verdade, uma versão cada vez mais alentada.

O retrato do poeta que, graças a Daniel Pires, se afastou da figura abúlica com que a crítica tantas vezes nos deixou. Hoje sabemos, com documentos na mão, que Pessanha participou ativamente na vida cívica de Macau, envolveu-se em comissões, foi professor, juiz, tradutor, membro da Sociedade de Geografia (sócio nº 4421, como descobriu o próprio Pires), e manteve uma rede de relações profissionais e políticas que fazem dele um agente do seu tempo. A correspondência editada em 2012 revela, com clareza, o patriotismo republicano e laico de quem denunciou o desinteresse do Estado português por Macau e procurou melhorar o funcionamento do sistema judiciário e pedagógico local. Importa também notar o valor das dedicatórias do poeta, cuidadosamente reunidas por Pires nesse mesmo volume. Num autor de escrita tão contida, essas breves ofertas manuscritas de livro são documentos que ampliam a espessura da obra, revelando muito das redes pessoais e intelectuais de Pessanha.

A intervenção de Daniel Pires no domínio editorial inclui ainda a coletânea Homenagem a Camilo Pessanha (1991), organizada com o Instituto Português do Oriente e o Instituto Cultural de Macau, e sobretudo Camilo Pessanha, Prosador e Tradutor (1993), também publicado no território, onde pela primeira vez se reúne de forma sistemática a prosa e as traduções do poeta. Esta edição permanece, ainda hoje, a recolha de referência da prosa de Pessanha — uma obra que merecia ter conhecido edição em Portugal, o que, inexplicavelmente, nunca aconteceu. Apenas os textos sobre a China foram republicados pela Vega, também em 1993, numa edição intitulada “segunda”, embora a primeira tenha saído em 1944, pela Agência Geral das Colónias, e da responsabilidade de outro organizador.

Mesmo a Clepsydra, território sensível e disputado por tantos editores, não lhe escapou. Veja-se a sua proposta de edição, publicada pela Livros Horizonte em 2007 com belas ilustrações de Rui Campos Matos. O ouro da Clepsydra foi sempre o mais cobiçado. Mas Daniel Pires mostrou-nos que também na prata da prosa e no bronze dos textos aparentemente secundários como cartas e documentação árida se esconde ouro de não menor fulgor.

23 Abr 2025

Esclarecimento

A propósito da polémica lançada a respeito dos painéis alusivos à história da aviação em Macau e do seu desaparecimento, e porque me encontro atualmente em Macau procurei saber in loco o que se passava.

No entanto foi-me negada autorização para aceder ao “lado ar” do Aeroporto Internacional de Macau [AIM], embora tenha sido autora de alguns projetos de remodelação interior, designadamente para o corredor estéril em 2013, onde incorporei painéis alusivos à história da aviação em Macau, com base no livro “Aviação em Macau – Um século de Aventuras” de Luís Andrade de Sá (1990).

Nos finais de 2024 ao ter percorrido o corredor estéril, após uma chegada a Macau, verifiquei que as paredes laterais do mesmo não incluíam o design que na altura havia concebido, alusivo à história da aviação em Macau e com valor cultural, o que me deixou apreensiva e tive ocasião de explicitar essa minha insatisfação no decorrer de uma conferencia online, ocorrida no Centro Científico e Cultural de Macau por ocasião das Conferências da Primavera 2025.

A situação foi igualmente relatada num artigo de Andreia Silva no jornal Hoje Macau de 20 de março 2025, sob o título “Aviação I Maria José de Freitas lamenta retirada de painéis do aeroporto”.

Um dos leitores do jornal fez um comentário mencionando que os painéis alusivos à história da aviação em Macau ainda estavam expostos nas paredes do corredor estéril, admitindo que eu pudesse ter chegado pela nova extensão do corredor, onde de facto não existem painéis com o aludido desenho.

Após confirmação com os serviços da CAM soube que foi isso mesmo que aconteceu, ou seja, a extensão do corredor estéril praticamente duplicou nos anos recentes, a parte inicial do corredor ainda contém os painéis, sendo que a parte nova não inclui desenho algum.

Foi o que pude confirmar. Senti algum consolo, mas no decorrer da investigação que fiz soube mais ainda: está em curso uma remodelação no aeroporto que vai englobar todo o corredor estéril e os desenhos que projetei em 2013 e que tinham a ver com uma parte significativa, e pouco divulgada, da história da aviação em Macau, serão retirados de forma progressiva e substituídos por outros, alusivos a temas generalistas, talvez incluindo o skyline da cidade, ou outras imagens mais banais.

Por tudo isto valido a minha afirmação inicial: lamento que sejam retirados os painéis do aeroporto e eliminadas as imagens relativas à história da cidade e, no caso vertente, à história da aviação em Macau, cujo protagonismo foi evidente nos anos 20 do século passado, como dizia a historiadora Cátia Reis na comunicação que apresentou no Centro Científico e Cultural de Macau, em 2025.

Se havia lugar para que esta narrativa tivesse visibilidade era ali naquele longo percurso denominado “corredor estéril” que passaria a ser um inovador “corredor histórico e cultural”!

Maria José de Freitas

Arquiteta, PhD

Presidente ICOMOS-ISCSBH

21 Abr 2025

Felicidade em Hong Kong

As Nações Unidas designaram o dia 20 de Março como “Dia Internacional da Felicidade”. O Relatório Mundial de Felicidade em 2025, publicado pelo ONU é também lançado nesse dia.

Na elaboração do relatório são considerados vários critérios para calcular o nível de felicidade de uma sociedade, como apoio social, PBI per capita, saúde, liberdade, generosidade, integridade, emoções positivas, emoções negativas, doações e capacidade de ajudar desconhecidos.

O relatório actual usou dados recolhidos entre 2022 e 2024. Foi apurado que a Finlândia encabeça a lista dos 147 países e regiões do mundo, pela oitava vez consecutiva, seguida pela Dinamarca, Islândia, Suécia, Holanda, Costa Rica e Noruega. O Reino Unido ocupa o 23.º lugar, os Estados Unidos o 24.º e o Afeganistão surge em último lugar. Na Ásia, Taiwan, China, ocupa o 27.º lugar do nível de felicidade mundial, Singapura o 34.º, o Vietname o 46.º, a Tailândia ocupa o 49.º lugar, o Japão o 55.º, a Coreia do Sul o 58.º, e a China continental o 68.º.

A classificação de Hong Kong caiu pelo quarto ano consecutivo, ocupando agora o 88.º lugar. No primeiro relatório publicado em 2012, Hong Kong estava em 67.º lugar. Desde então, tem-se situado entre 71.º e 78.º. No entanto, desde 2021, a sua posição caiu abaixo do 77.º lugar, o que representa um mínimo histórico.

O relatório reflecte a situação geral e baseia-se nos resultados de dados estatísticos. É difícil explicar muito detalhadamente porque é que as pessoas se sentem felizes ou infelizes. Hoje, vamos tentar explorar as razões para a quebra continuada do nível de felicidade das gentes de Hong Kong a partir de uma nova perspectiva.

Eva Bogut, uma celebridade russa da internet com mais de 230.000 seguidores, trabalha em Hong Kong, onde vive desde a segunda metade de 2023. Quando chegou à cidade, manifestou o seu amor a Hong Kong na sua rede social e declarou que desejava ardentemente tornar-se uma Hongkonger. Mas no passado dia 11 de Março, reverteu estas declarações e decidiu despedir-se e regressar a Moscovo.

Eva declarou ao Telegram que existiam quatro problemas em Hong Kong que a levaram a tomar a decisão de sair da cidade. Primeiro, o custo de vida é muito elevado. Deu como exemplo o preço de vários produtos: duas pizzas vulgares, atingem os 7.000 rublos (cerca 648 dólares de Hong Kong); um pão com melhor textura e que não cheire a plástico custa cerca de 800 rublos (à volta de 74 HKD); um maço de cigarros chega aos 1.300 rublos (cerca de 120 HKD) e a renda de uma casa com 26 metros quadrados atinge os 2.000 USD (cerca de 15.549 HKD). Estes custos são excessivamente altos e demonstram como é caro viver em Hong Kong, que aparece em segundo lugar como a cidade mais dispendiosa do mundo depois de Nova Iorque.

Em segundo lugar, é difícil encontrar um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Eva afirma que as pessoas de Hong Kong são viciadas no trabalho. Geralmente, a hora de almoço não é contabilizada como horário laboral. Só existem 14 feriados públicos por ano e o tempo de descanso é bastante limitado. Embora em Hong Kong o salário médio seja alto, não sobra tempo para fazer o que se gosta e os rendimentos altos perdem o seu propósito.

A situação de Eva assemelha-se à dos entregadores de comida que abordámos no artigo anterior “Limites do Trabalho”. as pessoas escolhem aquela função porque lhes dá uma noção exacta de quando o trabalho começa e de quando acaba. Depois de despirem os uniformes, ficam de novo imediatamente livres. A visão de Eva e dos entregadores de comida reflecte os pensamentos de algumas pessoas de Hong Kong.

Em terceiro lugar, Eva acredita que o sistema de saúde de Hong Kong é mundialmente famoso, com um elevado número de serviços de urgência e de cuidados intensivos, mas fica muito caro tratar certas doenças e os médicos fazem apenas diagnósticos rápidos e geralmente não prescrevem análises e exames detalhados.

Por último, embora as pessoas de Hong Kong sejam muito educadas, são também muito indiferentes, e muitos são introvertidos, imersos no universo do telemóvel. Nesta comunidade muito fechada, todos trabalham imenso e têm relutância em sair e conviver com os amigos, por isso enviar mensagens e usar o telemóvel tornou-se o principal meio de comunicação. Por tudo isto Eva acredita que Hong Kong é uma “terra de zombies”.

Os dados estatísticos do relatório e a partida de Eva, serão a razão que justifica o sentimento de infelicidade das pessoas de Hong Kong? Não sabemos. Se o nível de felicidade dos habitantes de Hong Kong continuar a cair, será um fenómeno a que ninguém quer assistir. A sociedade da cidade deve adoptar políticas pragmáticas para reduzir o custo de vida, melhorar a inclusão cultural e ainda conquistar o apoio de celebridades da internet para promover o desenvolvimento económico e melhorar as condições de vida.

A saída de Eva de Hong Kong representa a perda de uma embaixadora da cidade. À medida que estrangeiros talentosos forem gradualmente saindo, o estatuto de Hong Kong como “metrópole internacional” irá inevitavelmente ser posto em causa. Actualmente, Hong Kong depara-se com o problema do que deve fazer de futuro para reter todas as “Evas”.

No futuro, Hong Kong não precisará de olhar para o relatório. Desde que consiga reter todas as “Evas” e conquistar as suas recomendações, significará que os níveis de felicidade terão aumentado. Nessa altura, Hong Kong saberá que é feliz.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau

21 Abr 2025

A Grande América (I)

“There is a Providence that protects idiots, drunkards, children and the United States of America.”
Otto von Bismarck

 

A América em “Primeiro Lugar” tem a ver com o despertar do orgulho de um povo conhecido por ser um farol de humanidade, hoje inclinado à auto-piedade ou à vingança. Fragmentado em dezenas de afiliações mentais e sociais entrincheiradas em perímetros repelentes. Cada um com o seu “poder”.

Estranhos uns aos outros. O excepcionalismo de Trump é territorial. A América como lar. Espaço preservado por Deus para o benefício do patriota cristão branco. A ideia não é suficiente para o que resta dela. Alvo da “Grande América” proprietária do semicontinente americano. Protegida por direitos e tarifas. Fortaleza impenetrável.

Daí a guarnição da imensidão árctica, ameaçada pela penetração chinesa que avança coberta pela Rússia ao longo da rota setentrional, o curto trajecto entre o Extremo Oriente e a América, em breve emancipado dos gelos impeditivos.
Washington quer alargar a sua soberania ao Canadá, a ser comprado, e à Gronelândia, a ser tomada pela força se a Dinamarca resistir. Finalmente, uma fronteira de defesa para os Estados Unidos imperial, entre o Árctico e o Rio Grande/Bravo.

Além disso, o exclave do Panamá a curta distância entre os dois oceanos, para protecção contra intrusos. Núcleo com recursos suficientes para dominar os rivais, desde que não sucumba à tentação de os eliminar ou, pior, de os converter. Pax Americana que Trump, monomaníaco de acordos, pretende estabelecer um após outro. Arma em cima da mesa.

Nada de novo sob o sol. Grande parte do território federal foi adquirido através de acordos com o Estado cedente, por vezes recompensado com gratificações em dinheiro, muitas vezes persuadido pela força ou pela ameaça.
Transacções imobiliárias. A cessão da Louisiana de Napoleão aos Estados Unidos destaca-se de todas as outras. Mais de dois milhões de quilómetros quadrados, incluindo a estratégica bacia do Mississipi, que teria feito da França a superpotência mundial.

Comprada por quinze milhões de dólares em 1803, o equivalente a quatrocentos e vinte milhões actualmente. Nem sequer um décimo do valor médio de um clube da NBA (4,6 mil milhões). A falta de continuidade territorial na “Grande América” segundo Trump. Entre a selva desgrenhada de Darién, a barreira entre o Panamá e a Colômbia, onde o asfalto da estrada pan-americana que liga o Alasca à Argentina dá lugar, ao longo de cento e cinco quilómetros, a trilhos intransitáveis percorridos por migrantes a caminho do El Dorado e o Rio Grande/Bravo estão os Estados da América Central e o gigante mexicano.

Na lógica da fortaleza, pareceria natural secar este pântano infectado, para o descrever no jargão trumpiano. Pelo menos, tomar o México. Mas não. A razão é que os cento e trinta milhões de mexicanos violam o cânone racial americano.

Os hispânicos de credo e tom católico, misturados com os remanescentes ameríndios, se adicionados aos quarenta milhões de companheiros anteriormente entrincheirados nos Estados Unidos, formariam um bloco inassimilável pelas “Vespas” em declínio. As fronteiras da “Grande América” são estabelecidas primeiro pela raça, depois pelos imperativos estratégicos. Sem uma demografia homogénea suficiente não há nação e sem uma nação dominante não há império. A raça desenhou o país, decreta Daniel Immerwahr, historiador da “Grande América”. O perfil megamericano é ocultado pelo mapa do logótipo que reduz os Estados Unidos ao continente. Dissimulação.

A América é geopoliticamente correcta, portanto falsa, útil para difundir a imagem de uma república continental, sem o Alasca, o Havai ou a infinidade de territórios oceânicos que pontilham o império em negação.

Um império que não se pode revelar a si próprio, porque os seus cidadãos não têm o tique imperialista criado pelo antigo senhor britânico, herdado nessas antigas colónias apenas por uma combativa minoria político-militar inspirada por visionários febris. A “Grande América” é um império disfarçado de nação. Dá prioridade à coesão dos seus habitantes, decidida pela raça, no sentido cultural do termo. Confirmando que Trump tem um fraquinho por Platão, descobre-se na “República” (IV, 423b-c) o preceito socrático que modula a sua verve expansionista que é “Aumentar o Estado até que possa, à medida que cresce, permanecer uno”.

Daí o Canadá, como país de brancos suficientemente anglo-saxónicos, embora com manchas de francófonos e católicos. A Gronelândia também, porque está meio vazia (uns insignificantes cinquenta e sete mil seres humanos, na sua maioria nativos interessados no estatuto e no dólar) mas é rica em recursos naturais, bases e instalações militares incluindo túneis subterrâneos construídos desde que Roosevelt tratou a maior ilha do mundo como propriedade nacional durante a II Guerra Mundial para evitar que caísse nas mãos de Hitler.

O México não o faz. Excluído por ser um portador de indesejáveis. A ser mantido sob controlo através da ameaça de expedições punitivas à caça de imigrantes ilegais. Justificado pela intenção de atingir os cartéis de droga que traficam fentanil e outros opiáceos sintéticos cujos precursores químicos vêm da China segundo afirma Trump para todos os Estados, por isso, considerados “organizações terroristas” por Trump.

Como corolário, o México é um Estado que encobre os terroristas. Justificados pela doutrina Bush, proclamada após o 11 de Setembro, os militares americanos que patrulham a frente Rio Grande/Bravo estão habilitados a efectuar rusgas antiterroristas num México pouco soberano. Finalmente, o subtexto racial da expansão evoca a “Anglosfera”, uma apresentação geopolítica rap de fascínio antigo que os círculos trumpistas cantam império exterior da “Grande América”.

Uma confederação entre os Estados Unidos com o Canadá, a Groenlândia e o Panamá anexados, o Reino Unido, a Austrália e a Nova Zelândia. Um branco deslumbrante, quase totalitário. Uma família unida pela língua, pela história e pela familiaridade. Fundada na confiança mútua. Já estruturada como uma burocracia intergovernamental em termos de inteligência e muito mais. Uma conclusão pouco gratificante para nós, europeus.

Esta América de combate está interessada em nós como ferramentas, não como parceiros. Trump quer uma América americana, não uma América ocidental. Num sentido geopolítico e cultural. A Europa está fora do radar. Somos responsáveis por esta desvalorização. A Europa está fora de contacto com a história. Pior ainda, não quer conhecê-la. Tapa os olhos e os ouvidos para se iludir de que existe. De que vale a pena. Mas, à margem do mundo moderno, dominada e dividida durante cinco séculos pelos seus impérios, continua a sonhar consigo própria como a dona da humanidade. Paradigma supremo. Ilha sofisticada do “Bem” no arquipélago caótico e bélico do “Mal”.

O Homo europaeus nunca admitirá, como Carl Schmitt que “Sou um vencido. Duas guerras mundiais perdidas, duas”. A inércia da glória, um dia conquistada nos campos de batalha, transcende a pretensão de ser um modelo universal. Tendo renunciado à profissão das armas, a nossa pretensa grandeza reside em irradiar a ordem da paz, de que nos damos o exemplo. Com desprezo pelo ridículo.

Como o cavaleiro de Orlando Enamorado escrito por Matteo Boiardo e publicado em 1495, afirmando que “não se apercebeu do golpe, mas continuou a combater, e estava morto (…) e fez morrer de riso os que o viram”. Ou talvez nós, europeus, estejamos a viver uma dessas experiências de quase-morte sobre as quais os neurocientistas se debruçam. Auras de serenidade descritas por aqueles que saem do coma e recordam a vida depois da morte, luz no túnel da inconsciência. Milagres de um tempo suspenso que comprime as dificuldades de uma vida em momentos de êxtase. Praticamos, sem dúvida, a eliminação bem sucedida da realidade.

O psicanalista e psico-historiador, Franco Fornari em “ The Psychoanalysis of War” consciente de que são os códigos afectivos que movem a história, estudou o sono da Europa há quase meio século para determinar que sonhos continha.

Descobriu os pesadelos. Rimos se através da síndrome da insensibilidade emocional da mesma forma que um camponês que trabalha com as mãos desenvolve calos na pele, também a pessoa que recebe continuamente informações desagradáveis é induzida a desenvolver calos no cérebro. Trata-se de uma forma de defesa. A síndrome dos calos emocionais desenvolveu-se paralelamente à expansão dos meios de informação e comunicação de massas. Diagnóstico tópico. Para não ver o caos dentro de nós e à nossa volta, somos tentados a abandonar o excesso de “informação” que inunda o nosso psiquismo. Com o risco de uma alienação emocional que nos protege dos factos.

E, portanto, do dever de os interpretar. A história cai na prescrição. E com ela a nossa responsabilidade. Somos como Neo no Matrix, chamados a escolher entre a pílula azul e a pílula vermelha.

A pílula azul, sedativo, permite-lhe convencer-se de que as más experiências que viveu são alucinações, para se adaptar à pseudo-realidade da Matrix. A vermelha fá-lo regressar à terrível realidade. Ao contrário de Neo (Keanu Reeves), que escolhe lidar com o seu mundo do próximo século tal como ele é no filme e talvez venha a ser na realidade, humanos em guerra contra a inteligência artificial que se virou contra ele, o europeu das últimas três gerações prefere a pílula azul que o prende à ficção matricial.

Será que a azul é a cor da Europa virtual? A graciosa União Europeia (UE), que, não por abreviatura, baptizamos de “Europa”. Com todos os valores, o peso histórico, a pretensão pedagógica que o “Continente” se atribuiu. Se a Europa, em vez de ser um mito, fosse um actor geopolítico, o trauma de Trump deveria trazer-nos de volta à realidade. Fora da tagarelice do “projecto europeu” de que ninguém conhece o texto, a irrupção da terrível simplificação deveria recordar-nos o lema do ex-boxeador americano Mike Tyson de que “Todos têm um plano até levarem um murro na boca”. No nosso caso, o risco é não levarmos esse murro salutar porque para Trump nem mais nem menos nós existimos.

Tal como teme Zelensky, o mundo poderia “continuar sem a Europa”. Não porque será cancelada. Porque não há, nem nunca houve, um sujeito da Europa, como atesta a leitura de qualquer atlas histórico (será também por isso que já quase não se publica nenhum?). O arranhão de Richard von Metternich como “expressão geográfica” aplicar-se-ia melhor à Europa. Aqueles que, como Napoleão e Hitler, estiveram mais perto de ocupar todo o espaço, que um curioso cânone francês quer estender do Atlântico aos Urais, consideraram-no, de facto, o tema do seu tema. Expansão do seu próprio Estado.

Foi preciso um império inventado na América por europeus em fuga para englobar no seu arco hegemónico a quase totalidade da geografia do continente. Quanto ao império russo, estamos na “Frente Asiática”. Cauda peninsular da “Grande Mãe”. A UE vê Trump como o diabo. Porque, uma vez removida a máscara do internacionalismo liberal, a América revela a face pouco apresentável da ficção comunitarista. Subverte as suas premissas, expõe as suas traições e os seus limites macroscópicos.

A falta de legitimidade democrática, impossível sem um povo europeu; a tentativa (mal sucedida) de abrir as fronteiras internas sem assegurar as externas; a exigência de que os novos membros da Europa Central e Oriental, expressão de nacionalismos exasperados pela longa subjugação a impérios hostis, se adaptem às “normas da UE” que esses mesmos etnicismos gostariam de liquidar. Paradoxo extremo, reivindicar a “soberania” europeia sem um soberano. Os sujeitos da UE continuam a ser os seus fundadores; os Estados. Cada um com o seu próprio estilo, empenhado em utilizar os recursos comunitários para os seus próprios fins. Por isso, falar de “defesa europeia” sem um Estado europeu, pertencente ao império americano na sua versão militar (OTAN), não faz sentido. Ignoramos que na origem do “projecto europeu” está a América, interessada em estruturar a sua vanguarda na Eurásia. E que nós, europeus, não só aceitámos como quisemos o “Pacto Atlântico”, cada um em seu benefício. De tantas aporias, o nascimento do “bom monstro de Bruxelas”.

Arquitectura em permanente progresso ao estilo da “Sagrada Família” que, aliás, se anuncia concluída em 2026 uma espécie de ONU regional com características marcadamente tardo-soviéticas. Em suma, uma construção quase jurídica, sem alicerces nem alma política. Definitivamente inacabada. Portanto, estéril ou, pior ainda, explorável para os interesses de outros. Um motor do caos, tudo menos a ordem. Até ontem, o barco europeu estava a flutuar. Hoje, sob a pressão da dupla revolução geopolítica e tecnológica, a “potência suave”, acena sem bússola.

Margaret Verstager, antiga Comissária da UE, confessou: “A Europa diz-se uma superpotência reguladora. Mas podemos regular coisas que sabemos. É muito difícil regulamentar o que não se conhece”. Acrescentaríamos e que nem sequer vos pertencem. Para aqueles de nós que se sentem europeus como nacionais dos diversos 27 Estados, e não vice-versa, o advento de Trump é apocalítico no sentido original do termo, revelador.

Uma oportunidade para reflectir sobre o lugar que ocuparemos na reestruturação do império americano, se este sobreviver. E, sobretudo, sobre o papel que desempenharemos nesse esforço. Prefácio, fora da Europa, quase ninguém acredita que a conquista de territórios deva seguir regras, antes pelo contrário.

Nem que seja reservada aos Estados. Os grandes oligarcas americanos têm o poder de fogo financeiro para comprar África ou a América Latina. Desistir da retórica do ius publicum europaeum. Reentrar na constituição material da política internacional. Agora que nos descobrimos nus, para reagir temos de responder a três perguntas: porque é que estamos confusos na auto-ilusão de ser Europa; como é que os Estados Unidos nos vêem; o que é que isso significa para nós, europeus?

17 Abr 2025

Professores envergonhados

Os professores são estudo, conhecimento, cultura, dedicação e sofrimento. Não existem dois professores iguais. Uns do sexo feminino e outros do masculino. Em Portugal assistimos a professores, com filhos, a serem colocados a 300 quilómetros de casa.

A chegarem ao local de ensino e não terem as mínimas condições de habitabilidade. Os professores são o fundamental da formação dos nossos filhos. Muitos pais não compreendem que a formação dos seus descendentes tem a ver com os professores e que a educação tem de ser feita no seio familiar. Os professores devem ter sido a classe profissional que durante muitos anos foi a mais prejudicada e que mais manifestações de protesto realizou. Os seus protestos visaram a correcção da situação de milhares de professores que foram ultrapassados na carreira por colegas com menos tempo de serviço. Desde 2018, cerca de 50.000 professores não foram devidamente reposicionados, resultando na colocação de docentes com o mesmo tempo de serviço em escalões distintos, devido exclusivamente a normativos legais. Os professores sempre sublinharam que não lutavam por mais dinheiro, mas sim por justiça. Houve professores que estiveram mais de 30 anos no 10.º escalão quando já deviam ter sido colocados no sétimo escalão.

No ano passado realizou-se, em Lisboa, uma gigantesca manifestação com professores de todo o país, num encontro realizado pela Federação Nacional dos Professores (FENPROF) e o líder Mário Nogueira defendeu que era preciso criar uma carreira mais atractiva que mantivesse os que ainda estavam nas escolas e que atraísse os jovens e os que optaram por abandonar a profissão antes do tempo. Os professores através dos seus representantes têm conquistado algumas reivindicações. No entanto, as escolas continuam a ser locais de grande preocupação. Os alunos perderam o respeito pelos professores e têm havido vários casos de violência em que alunos agridem professores. Não é fácil ser-se professor nos dias de hoje.

Todavia, na semana passada toda a classe dos professores deve ter ficado muito envergonhada. E é triste saber de professores envergonhados. Porquê? Porque foi divulgado nas redes sociais que uma professora teve um comportamento ignóbil de puro racismo. A docente, de alunos muito jovens, pediu que todos os presentes na aula afirmassem o que sonhavam para a sua vida adulta. Os alunos foram respondendo o que pensavam e quando chegou a vez de um aluno com raízes africanas, a professora retorquiu: “Tu, não vale a pena falares porque os fulanos da tua cor acabam todos no álcool e na miséria…”. Fez-se um silêncio sepulcral na sala de aula e o miúdo africano levantou-se e disse: “A senhora professora está muito enganada. A senhora vai acabar na miséria muito primeiro que eu porque fique sabendo que eu era órfão e fui adoptado por uma família muito rica, os meus avós são riquíssimos e os meus pais são muito, mesmo muito ricos e eu sou o neto e o filho único que receberei várias fortunas…”.

Este caso, tem chocado muitas comunidades e muitos professores ficaram envergonhados porque é inadmissível que uma professora seja racista ao ponto de poder traumatizar um aluno para o resto da vida. O racismo existe, sempre existiu. Mas, uma professora não pode dar um exemplo tão negativo da verdadeira função de formação numa sala de aula. O racismo é combatido por quantos defendem os direitos humanos e democráticos. Em Portugal temos um partido de extrema direita com laivos de racista. Possivelmente a professora em causa é eleitora desse partido. Quase que não se acredita que uma professora rejeite a palavra de um aluno “preto” apenas porque é “preto” e lhe diga que irá acabar no álcool e na miséria como todos os “pretos”. A professora mostrou não ter o mínimo conhecimento do mundo que a rodeia ou, então, é mesmo racista radical. Temos africanos milionários, advogados, engenheiros, arquitectos, médicos, jornalistas, deputados, líderes de grandes empresas, polícias, todos excelentes e, felizmente, temos portugueses de origem africana na maioria das profissões.

Esta professora não pode continuar a envergonhar os seus colegas. A docente tem de ser alvo de um processo disciplinar que vise ser expulsa da profissão e os pais do jovem ofendido deviam mover um processo-crime contra a professora pelas vias judiciais. Tratou-se de um caso lamentável e fica a pergunta: quantos mais casos semelhantes acontecerão pelas escolas de todo o país? Uma discriminação desta natureza, tão grave, não devia ficar impune e os directores das escolas têm de ter o completo conhecimento de que tipo de docentes têm nas suas escolas para poderem terminar com factos inadmissíveis como este que vos relatámos. Ai, Portugal, Portugal…

P.S. – Em crónica anterior escrevemos sobre as ilegalidades que se processavam nas prisões portuguesas. Na semana passada, a Polícia Judiciária levou a efeito uma mega operação em várias prisões e foram detidos dois guardas prisionais e um agente da PSP, conotados com a entrada de droga e telemóveis nos presídios.

15 Abr 2025

Macau, a história bem contada

No dia 14 de Abril, o Chefe do Executivo, Sam Hou Fai, apresentará o “Relatório de Linhas de Acção Governativa para o Ano financeiro de 2025”, exactamente uma semana após a “Black Monday”, durante a qual o Index Hang Seng de Hong Kong afundou para os 13,74 por cento. O maior desafio do Chefe do Executivo é construir uma narrativa positiva sobre Macau no Relatório das Linhas de Acção Governativa, para que os cidadãos possam ter um sentimento de ganho, de felicidade e de segurança.
Contar bem uma história e fazer algo bem feito são dois conceitos distintos e de dois níveis diferentes. Por exemplo, quando um vendedor tenta que um cliente lhe compre um carro, irá dissertar sobre a superioridade da qualidade e do desempenho do veículo que, além disso, estará com um preço muito apelativo. No entanto, quando o comprador finalmente usa o carro pode vir a constatar que aquilo que o vendedor disse não passava de uma bonita história. O ditado “a prática é o único teste à verdade” continua válido.
Aprecio a honestidade do actual secretário para a Economia e Finanças, que deixou claro que as receitas do ano fiscal de 2025 podem não vir a atingir as expectativas. Depois de Macau se ter libertado da pandemia de COVID-19, a recuperação total da sua economia fica dependente dos esforços do actual Governo da RAE.
Confrontado com a actual situação de Macau, o Governo da RAE não pode usar as desculpas da complexidade e motilidade do cenário internacional e da existência de vários factores internos instáveis para se esquivar de suas responsabilidades. Afinal de contas, sob o princípio orientador “Macau governado por patriotas”, a fraca governação de Macau é um problema de quem estiver no poder. Assim, espero que no seu primeiro Relatório das Linhas de Acção Governativa, Sam Hou Fai possa realmente delinear uma forma de realizar os principais pontos propostos no seu programa político durante a campanha eleitoral, entre os quais: “trabalho, orientado para a subsistência das pessoas”, “distribuição de receitas, orientada para a subsistência das pessoas”, “desenvolvimento urbano, orientado para a subsistência das pessoas” e “salvaguarda da segurança, crucial para a subsistência das pessoas”.

Ao utilizar eficazmente as vantagens institucionais de Macau como uma plataforma de oportunidades de negócio, o Governo da RAEM pode escrever um novo capítulo na prática de “um país, dois sistemas” e transformar Macau numa cidade feliz.
A apresentação do “Relatório das Linhas de Acção Governativa para o ano financeiro de 2025” é de grande importância para Macau. Os 15ºs Jogos Nacionais da R.P. da China são também um importante evento do corrente ano, que Macau vai organizar e receber em conjunto com Guangdong e Hong Kong, mas ainda mais importante serão as Eleições para a 8.ª Assembleia Legislativa da RAEM, marcadas para 14 de Setembro próximo.
Como em 2025 existirão eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong e para a Assembleia Legislativa da RAEM, é importante que sejam bem-sucedidas, particularmente a escolha dos deputados da Assembleia Legislativa da RAEM, eleitos por sufrágio directo, para demonstrar o sucesso da concretização do conceito “um país, dois sistemas”, mediante o qual “Hong Kong é governado por gentes de Hong Kong” e “Macau é governado por gentes de Macau” e pelo princípio orientador “Hong Kong governado por patriotas” e “Macau governado por patriotas”. A história sobre as Eleições para a 8.ª Assembleia Legislativa da RAEM não só deve ser bem contada, mas também deve ser bem executada para obter a confiança do Governo Central.
Porque se recebe um concerto não significa a que o público compareça, pois isso depende de quem actua. Para a eleição dos deputados por sufrágio directo para a Assembleia Legislativa de 2025, prevejo que haja mais de 14 listas de candidaturas, considerando os esforços actualmente desenvolvidos por várias associações e a inclusão de listas das candidaturas para a eleição dos deputados por sufrágio directo à Assembleia Legislativa de 2021 que não foram eleitos. Os residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau têm o direito de eleger e de ser eleitos, nos termos da lei. Estes direitos são-lhes garantidos pela Lei Básica de Macau.

11 Abr 2025

A ordem e o caos não existem

(continuação da edição de 3 de Abril)

A América, a China e a Rússia temem pela sua existência. Nestes graus de auto consciência, só se considera vivo quem é uma grande potência. Se formos reduzidos a um nível inferior, somos tentados a cometer suicídio (Experientia docet da União Soviética). Deixamo-nos ir. Daí a “Grande Guerra” em vários teatros, quentes ou mornos, que se não forem suspensos se transformarão em “Total”. A desordem abre buracos que convidam os ambiciosos. Antigos impérios já diagnosticados como estando em desarmamento irreversível (Turquia, Japão), antigas colónias que se redescobrem como Estados civilizados (Índia/Bharat), nações humilhadas e ofendidas em ascensão devido à infracção dos seus vizinhos (por exemplo, a Polónia).

Enquanto os protagonistas de anteontem se debatem, desde da Inglaterra penúltima hegemonia ao falso casal França-Alemanha, confinados em “simul stabunt simul cadent”. As ondas do caos engolfam terras neutras ou negligenciadas reduzem as distâncias entre os “Três Grandes”, cotovelo a cotovelo nos mares da China, na Ucrânia, em breve no Árctico. A transição hegemónica flui da América para o caos. E aí permanecerá durante muito tempo. Um colosso sem rival não se dissolve de um dia para o outro, sobretudo se for capaz de arrastar o resto do mundo para o desastre. Quando chegar a sua hora, o seu último desejo será o de impedir que outros ocupem o seu trono.

A América está em luta consigo própria. Conflito épico, ao qual se aplicam os versos esotéricos de Theodor Däubler, austríaco de Trieste, que afirma que “O inimigo é a figura da nossa própria matéria/ e ele nos perseguirá, e nós a ele, até ao fim ”. Na luta pela sobrevivência, a América sabe que o seu mal interior é curado em relação ao mundo, mas só depois de restaurada a ordem natural das coisas. Nós, Europeus à frente, os outros atrás ou contra. A nova combinação vencedora de elites pós-liberais e tecno-estrelas desinibidas, híbridos anarco-autoritários, está convencida disso, reforçada pelo entusiasmo vingativo das classes médias-baixas frustradas pela globalização, pela “invasão” de alergénios não assimilados no cânone Wasp e pelo declínio do seu próprio estilo de vida. Esta estranha aliança encontrou em Donald Trump o seu exuberante campeão.

Profeta do “senso comum”. Brutal na lógica e nos gestos. Encarnação do “terrível simplificador”, o tipo ideal do demagogo violador de regras evocado com horror pelo historiador suíço Jakob Burckhardt no final do século XIX. Inspirado pela República de Platão diria que “A justiça não é senão o proveito do mais forte”. Baptiza-se a si como um “génio muito estável”. Escolhido por Deus, que desviou a bala com que o “Estado Profundo” satânico o queria liquidar. A história dirá. Entretanto, notemos que há génio nas suas acções terrivelmente simplificadas. Para levar à letra. O primeiro acto do segundo Trump, subversivo e homem da ordem, é muito cénico. Frenético. A doença da América requer curas perigosas. Um presidente de quase 80 anos, com apenas quatro anos de mandato pela frente partindo do princípio de que não vai acabar por reinterpretar a Constituição, inventando uma terceira tem de se preocupar.

Ele parte de onde pode colher recompensas imediatas que é o mito americano. A sua narrativa exalta a vontade e, por conseguinte, a certeza de voltar a ser grande. Para Trump, querer é poder. Querer é sonhar e fazer sonhar. Revelar o “Destino Manifesto 2.0” aos seus compatriotas. Nova fronteira necessária. Objectivo operacional. Ergo, o domínio do Espaço para controlar a Terra e arrebatar o público com a lenda marciana contada por Musk; supremacia reforçada na IA para governar o ciberespaço, liderar a revolução tecnológica, reinventar a indústria sobre princípios inéditos, talvez fantásticos evitando descobri-los demasiado cedo para não alienar os operários; apagar os incêndios ucranianos e do Médio Oriente e preparar as guerras do futuro cuja aurora mal podemos vislumbrar.

Possivelmente sem as combater, graças ao restabelecimento da dissuasão perdida. O alfa e o ómega desta narrativa são os anúncios rápidos através das redes sociais. As estrelas da tecnologia presidem aos capítulos do mito. São os generais que lideram as respectivas vanguardas nas frentes tecnológicas de valor estratégico. Poderes quase autónomos que Trump pretende explorar, controlar e dominar à medida que penetram informalmente nas estruturas em ruínas do Estado. Anuncia uma batalha entre tribos trumpianas por competências e poderes públicos e privados. Melhor, público-privado, dada a sobreposição de funções e responsabilidades. Jogo sem regras. Mais cedo ou mais tarde, o confronto entre Trump e Musk, o mais célebre e poderoso dos oligarcas da fronteira tecnológica, que o presidente mimou ou frustrou dia sim, dia não, parece inevitável.

Um confronto decisivo, porque sem a estrela tecnológica o sonho trumpiano transformar-se-ia num pesadelo. Trump, o revolucionário, raro mas verdadeiro em que o sucesso ou o fracasso de um indivíduo afectará o destino da nação e do mundo. A prova de quão profundo e estrutural é o colapso emocional dos americanos. A revolta de uma corte de ricos imundos, entediados pelo dinheiro e energizados pelo poder, destruiu o exausto establishment centrista. Os hologramas da administração Biden estão a desfrutar de um descanso imerecido. Enquanto as burocracias federais e dos Estados azuis se envolvem numa guerra de guerrilha partidária com o apoio da linha dura. Uma guerra civil de baixa intensidade. O magnata nova-iorquino quer cortar o nó górdio que está a estrangular a América que é a incompatibilidade entre excepcionalismo e universalismo.

Complexio oppositorum como chamou Jung por conter os opostos dentro de si e inscrito pelos Pais Fundadores no código genético das estrelas e riscas, que fez dos Estados Unidos um espécime único no bestiário das potências. Tornar a América grande de novo significa optar pelo excepcionalismo em vez do universalismo. Estabelecer-se de forma insuperável no topo do mundo tal como é, e não redimi-lo como deveria ser. Se quiserem reafirmar-se como o número um, mantendo os chineses à distância, não podem consumir-se em guerras intermináveis, muitas vezes perdidas e, na melhor das hipóteses, reprimidas.

Nem transformar outras tiranias em democracias, violar tribos em nações, transmutar a miséria de outras pessoas em prosperidade à custa das suas próprias meias-vidas.

9 Abr 2025

A psicologia da atração à primeira vista

A “atração à primeira vista” é um fenómeno que fascina toda a gente. As comédias românticas retratam-na como um momento de ligação instantânea e incontrolável entre duas pessoas. Cabe-me agora desvendar as possíveis explicações por detrás deste fenómeno, recorrendo a duas grandes escolas de pensamento: a psicologia cognitiva — que desenvolve metodologias empíricas para testar hipóteses sobre o tema — e a abordagem psicodinâmica — que trabalha com bases interpretativas. Ambas as perspetivas constroem metáforas que nos ajudam a interpretar estes processos. Assim, podemos oscilar entre duas propostas: a atração à primeira vista será um produto de mecanismos inconscientes profundamente enraizados ou, pelo contrário, uma construção romântica a posteriori, baseada em processos sensoriais e cognitivos?

A psicologia cognitiva sugere que a “atração à primeira vista” pode resultar de um processamento rápido de informação sensorial e emocional. O cérebro humano está programado para reconhecer padrões e categorizar informações de forma eficiente, o que nos permite avaliar alguém em frações de segundo, com base em traços faciais, expressões ou linguagem corporal. Estudos sobre perceção social confirmam que formulamos juízos imediatos sobre os outros. Do ponto de vista biológico, este fenómeno pode estar ligado à ativação do sistema dopaminérgico, responsável pela regulação do prazer e da recompensa. Quando encontramos alguém que consideramos atraente, o cérebro liberta dopamina, desencadeando um desejo de proximidade. Além disso, investigação sobre feromonas indicam que somos inconscientemente atraídos por parceiros cujo sistema imunitário complementa o nosso, favorecendo a diversidade genética na descendência.

Por outro lado, a abordagem psicodinâmica, enraizada na psicanálise de Sigmund Freud, explica a atração à primeira vista através de mecanismos inconscientes. Segundo esta perspetiva, as experiências passadas — sobretudo as da infância — moldam os nossos padrões de atração. Quando nos sentimos instantaneamente atraídos por alguém, pode ser porque essa pessoa ativa memórias ou emoções associadas a figuras de vinculação primárias, como pais ou cuidadores. A atração não se centra no outro enquanto pessoa real, mas na forma como ele ressoa dentro da nossa estrutura inconsciente de desejo. O outro pode simbolizar algo que nos falta, algo interdito ou uma questão emocional ainda não resolvida. Esse mecanismo, conhecido como identificação projetiva, explica como podemos sentir uma forte atração por alguém que representa, de forma inconsciente, partes significativas da nossa história psíquica. Segundo esta teoria, raramente nos apaixonamos por quem a pessoa realmente é, mas sim pela maneira como projetamos nela as nossas necessidades emocionais não resolvidas. A atração é por isso um encontro de inconscientes, onde ambos projetam padrões familiares um no outro.

Claro que as crenças também moldam expectativas românticas. Se acreditamos que a atração instantânea é um sinal de destino, tendemos a atribuir-lhe significado emocional. O impacto da cultura e das normas sociais mostra como a perceção do “amor à primeira vista” pode ser influenciada por narrativas romantizadas. Por exemplo, em livros, filmes ou publicidade romantiza-se a ideia da atração à primeira vista, criando uma narrativa que leva as pessoas a idealizar e a esperar ligações emocionais intensas e imediatas. Esta expectativa cultural pode influenciar a forma como interpretamos encontros reais — se alguém vive sintonizado com ideais românticos, é mais provável que atribua significado emocional a uma atração instantânea, encarando-a como algo “destinado a acontecer” ou “predestinado”.

A psicologia cognitiva encara o fenómeno de forma mais pragmática, quase despojando-o do seu romantismo: tudo depende do nosso processamento mental e do que consideramos relevante. Já a psicanálise articula melhor o cruzamento entre fantasia e realidade, propondo que, embora a atração à primeira vista seja composta por elementos projetivos e fantasiosos, estes não estão totalmente dissociados do encontro em si. Há algo de significativo nessa dinâmica; caso contrário, as pessoas não se apaixonariam. Como diria um psicanalista, somos atraídos por quem consegue nutrir as nossas feridas psíquicas — o que, mais tarde, pode revelar-se a causa de disfunções no casal. Existe um domínio intangível que comunica subtilmente quem somos, de onde viemos e como nos podemos completar.

Em suma, enquanto a neurociência e a psicologia cognitiva destacam reações automáticas e hormonais, a psicodinâmica enfatiza o papel do inconsciente e das experiências passadas. Embora a psicologia cognitiva e a psicodinâmica possam parecer opostas – uma focando-se em processos conscientes e observáveis e a outra em mecanismos inconscientes e emocionais –, existe potencial para sobreposição, e reconhecer isso poderia tornar a explicação mais robusta. A perspetiva cognitiva sobre a atração, que enfatiza julgamentos rápidos e automáticos baseados em sinais físicos e respostas emocionais, pode ser entendida como o processamento inicial e superficial que é complementado pelos processos inconscientes.

Mas a minha proposta é outra: mostrar que a forma como olhamos para o fenómeno afecta a forma como o vivemos. Cada explicação poderá adaptar-se melhor às vivências de cada pessoa. Estará a atração à primeira vista enraizada num desejo autêntico e profundo, ou será uma ilusão alimentada pela necessidade humana de conexão e significado? A resposta talvez resida na imaginação e riqueza emocional de cada um. Em última análise, a maneira como interpretamos o fenómeno da “atração à primeira vista” pode ser profundamente influenciada pelos mecanismos cerebrais e inconscientes discutidos, mas também pelas narrativas culturais que internalizamos. Assim, a experiência será sempre uma intersecção entre o que sentimos e como aprendemos a sentir.

9 Abr 2025

Academia Internacional de Hong Kong contra a Corrupção (II)

A semana passada, debatemos a Independent Commission Against Corruption of Hong Kong” (HKICAC) (Comissão Independente de Hong Kong Contra a Corrupção) e a “Hong Kong International Academy Against Corruption” (HKIAAC) (Academia Internacional de Hong Kong Contra a Corrupção) e apresentámos sucintamente as suas origens. Hoje, iremos analisar o Comissariado de Macau contra a Corrupção, (CCAC).

Em 1975, durante a administração portuguesa de Macau, o combate à corrupção era levado a cabo pela Polícia Judiciária. Em 1992, o então Governo de Macau criou o Alto Comissariado Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa. Tendo como referência a experiência de Hong Kong, que se tinha tornado um dos locais do mundo mais impolutos, no momento de redigir a Lei Básica de Macau, foi claramente estipulado que teria de ser criado o CCAC.

O website do CCAC sublinha o trabalho empenhado que desenvolve para rever a lei e fortalecer a luta contra a corrupção. Um dos casos mais ilustrativos é o de Ao Man Long:

“A investigação do caso de corrupção a Ao Man Long teve início em 2005, quando no decorrer da investigação de um caso de corrupção com base na informação entretanto disponível, o CCAC descobriu que o então Secretário para os Transportes e Obras Públicas estava envolvido por suspeitas de abuso de poder. Terá aceitado subornos de montantes avultados oferecidos por empresários da construção civil e indicado os vencedores de concursos de adjudicação de grandes obras do Governo.”

(Em Abril de 2007, foi concluída a primeira fase do inquérito contra Ao Man Long. Descobriu-se que, no período em que exerceu funções do Secretário, o seu património atingiu um total de 800 milhões de patacas, ou seja, 57 vezes superior às remunerações do cargo. Na sua residência, foram encontrados dinheiro, títulos de valor, abalones, barbatanas de tubarão, relógios de luxo, garrafas de vinho tinto caríssimas e outros objectos. No passado dia 30 de Janeiro, o TUI condenou Ao Man Long, por 57 crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, abuso de poder e outros, à pena de prisão de 27 anos e ao pagamento de uma indemnização de 240 mil patacas ao Governo da RAEM, sendo declarados perdidos a favor do Governo todos os bens provenientes dos actos ilícitos.)

Isto mostra que o CCAC alcançou resultados extraordinários no seu trabalho de combate à corrupção.

Em 2006, foi criada em Pequim, a Associação Internacional de Autoridades Anti-Corrupção (IAACA sigla em inglês). É a primeira organização internacional anti-corrupção do mundo com agências de vários países membros. Visa promover activamente a “Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção” e reforçar a cooperação internacional entre as agências congéneres de vários países. Cao Jianming, Procurador-Geral da Procuradoria Popular Suprema da China, foi eleito Presidente da IAACA por duas vezes, a 5 de Novembro de 2010 e a 24 de Novembro de 2013. O mandato do Presidente da IAACA é de três anos. A 5 de Janeiro de 2022, o Comissário da Comissão Independente contra a Corrupção de Hong Kong, Bai Yunliu, foi eleito como novo presidente. Mais tarde, Bai Yunliu aposentou-se. A 1 de Setembro de 2023, Hu Yingming assumiu o cargo de presidente da IAACA.

A IAACA tem um “Secretariado da Federação”, criado pelo HKICAC a 6 de Janeiro de 2022 para apoiar o Comissário do HKICAC no exercício das suas funções como Presidente da IAACA. A principal responsabilidade da Secretaria da Federação é apoiar ou organizar actividades. O HKIAAC é afiliado à Divisão de Cooperação Internacional e Assuntos Institucionais do HKICAC e desempenha parte das funções do Secretariado da Federação.

O Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, acredita que, além de cooperar com o trabalho e as políticas anti-corrupção da China, o HKICAC também coopera com organizações de todo o mundo para promover conjuntamente a causa anti-corrupção a nível global. O HKICAC pode ajudar a aperfeiçoar a luta contra a corrupção em Hong Kong, promover o ambiente impoluto da região e promover a estabilidade, a integridade e o Estado de direito da sociedade de Hong Kong.

Actualmente, o HKICAC já deu formação em mais de 70 países. Em Fevereiro de 2024, o HKICAC coorganizou um “Curso Internacional Anti-corrupção sobre Investigação Financeira e Perseguição de Fugitivos e Recuperação de Activos Roubados”, com duração de nove dias, em colaboração com a “Rede Operacional de Agências de Aplicação da Lei Anti-corrupção do Escritório de Drogas e Crime” das Nações Unidas.

Em Março de 2024, o HKICAC abriu um curso profissional anti-corrupção de cinco dias para mais de 90 funcionários do “Gabinete de Combate ao Enriquecimento Ilegal” no Mali, cobrindo tópicos como técnicas de investigação, gestão da integridade e educação pública. No início de Abril de 2024, o HKICAC enviou pessoal para o Cazaquistão, na Ásia Central, para realizar cursos para quase 200 funcionários de agências locais anti-corrupção.

Em Maio de 2024, o HKICAC assinou um memorando de cooperação com a Rede Operacional de Agências de Aplicação da Lei Anti-Corrupção do Gabinete das Nações Unidas contra as Drogas e o Crime. Em Maio de 2025, auxiliou-a na redação das “Directrizes de Gestão de Risco de Corrupção Prisional”.

Um porta-voz do HKICAC assinalou: “O HKICAC valoriza a operacionalidade que combina a teoria com a prática, cumpra activamente a sua missão anti-corrupção, construa uma plataforma internacional de integridade, promova o desenvolvimento da causa anti-corrupção a nível global e contribua inequivocamente para o avanço desta em todo o mundo.”

O HKICAC forneceu várias formações anti-corrupção em muitos países e trabalhou afincadamente para combater a corrupção global. Estas conquistas foram feitas sob a liderança da China. A partir de agora, o HKICAC não só continuará a desenvolver com competência este trabalho, como a sua existência falará em prol da história da China e de Hong Kong.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

7 Abr 2025

Sondagens da treta

O que é uma sondagem? É um inquérito realizado por empresas criadas para indagar junto das pessoas algo de que se pretende ter uma ideia generalizada. Bem, generalizada nunca é possível.

Porque a maioria das sondagens políticas é uma treta. Existem os mais variados tipos de sondagens: encomendadas pelos partidos políticos, por canais de televisão e de rádio, por jornais e algumas simplesmente por grupos económicos. As sondagens políticas em Portugal têm sido um chorrilho de enganos relativamente ao resultado final em dia de eleições. Houve um ano, em que as sondagens todas realizadas junto dos inquiridos davam a vitória ao Partido Socialista e quem venceu as eleições foi o PSD. E o contrário também já aconteceu.

As sondagens que ultimamente têm sido divulgadas, em relação à próximas eleições legislativas antecipadas e marcadas para o próximo dia 18 de Maio, têm deixado a maioria da população desorientada. E porquê? Ora, porque as sondagens são uma treta. Algumas sondagens têm sido realizadas – numa população de milhões de pessoas – junto de 500, 800 ou 1000 pessoas, com a agravante de os contactos serem efectuados para números de telefones fixos.

E quem é que tem hoje em dia telefone fixo? Uns quantos velhotes e pouco mais. Ora, uma sondagem deste género, incrivelmente encomendada por uma estação de televisão, outra de rádio e um jornal diário, tem alguma credibilidade? Não tem, mas influencia o potencial eleitorado. E aqui é que está o busílis da questão. Há sondagens que apenas visam a influência mental dos eleitores.

Existem sondagens para todos os gostos. Chega mesmo a ser vergonhoso. Certas sondagens sabemos que estão pagas à nascença por certo partido político e apresentam sempre esse partido à frente. É a manipulação total. Temos tido outras sondagens que são a disparidade total.

Umas dão a vitória à coligação PSD-CDS por seis pontos à frente do Partido Socialista. Outras, apresentam a vitória do PS com três pontos percentuais sobre o PSD-CDS. Há sondagens que dão ao Chega 12,3 por cento enquanto outras fornecem um resultado aos populistas de 18,5 por cento. Obviamente que algo está errado. Até a Universidade Católica que sempre teve a maior credibilidade junto dos portugueses no que respeita a sondagens, para que desta vez não errasse, apresenta um empate técnico entre o PS e o PSD-CDS. A maioria das sondagens é manipuladora do voto futuro do eleitor.

A diferença numérica entre as diferentes empresas de sondagens, mostra bem que não bate a bota com a perdigota. Lembramo-nos perfeitamente do que aconteceu nas eleições de 2022, quando os socialistas conquistaram a maioria absoluta com todas as sondagens a darem a vitória ao PSD? O PS acabou por ter mais 5,5 por cento do que aquilo que as sondagens previam e o PSD teve menos 5,5 por cento. As sondagens foram manipuladas para assustar as pessoas e levá-las a votar de uma determinada maneira.

O PS nunca teria tido maioria absoluta, se as empresas de sondagens como a Intercampus e não só, não andassem a falar num empate técnico e num taco-a-taco entre PS e PSD, que pura e simplesmente não existia. Um erro colossal, um desfasamento clamoroso entre as sondagens e o que aconteceu na realidade, ou resulta de um festival de incompetência, ou foi uma estratégia criminosa de manipulação geral do eleitorado, leia-se uma burla colossal. No primeiro caso essas empresas de sondagens nunca mais deviam ser contratadas, no segundo teria de haver perdas de alvará.

E em ambos os casos, sugerimos que se acabe com a divulgação de sondagens tanto na pré, como em plena campanha eleitoral. Está bem à vista de todos o que se está a passar para as eleições de 18 de Maio. Algumas empresas de sondagens estão mesmo a manipular o eleitorado, inclusivamente quanto ao número de indecisos. Umas sondagens opinam que existem ainda 18 por cento de indecisos, outras dizem que os indecisos andam à volta de 3 ou 4 por cento.

Está mais que provado que na maioria dos casos estamos perante sondagens da treta. Porque manipulam, mentem e obedecem a quem encomenda. Por outro lado, temos dirigentes partidários que se riem dos resultados de algumas sondagens. É sabido que os partidos políticos encomendam sondagens apenas para análise interna. E em certos casos, há partidos que têm sondagens bem realizadas e com um vasto número de inquiridos e sabem que a intenção do voto dos portugueses é absolutamente contrária ao que está a ser divulgado por certos canais de televisão e certos jornais.

Entretanto, o Partido Popular Monárquico, que foi afastado da AD, contestou judicialmente que o nome Aliança Democrática (AD) continuasse a figurar nos boletins de voto para 18 de Maio. E o tribunal deu-lhe razão e o PSD e o CDS foram proibidos de usar a sigla Aliança Democrática.

Mas, como em política a vilanagem é uma constante, logo os dirigentes do PSD e do CDS inventaram uma manobra, para que o Tribunal Constitucional não pudesse reprovar. E apresentaram a denominação “AD-coligação PSD-CDS”. Pronto, venceu a esperteza saloia. Acontece é que existem em Portugal muitos mais monárquicos do que votantes no CDS. Mesmo assim, o PPM já recorreu judicialmente no sentido de suportar que é ilegal manter a sigla AD.

Esta campanha eleitoral vai ser dura. Luís Montenegro será confrontado com todos os cambalachos que lhe incumbem. Pedro Nuno Santos não se salvará de ser acusado de inventar três aeroportos para Lisboa de um dia para o outro e de ter prejudicado o país com tudo o que se passou na TAP. E o André Ventura? Bem, esse está a perder eleitores em cada mês que passa e hoje diz uma coisa e amanhã outra. A credibilidade do seu Chega está a baixar paulatinamente, porque também não lhe têm faltados os casos e casinhos, tais como deputado que roubava malas, outro que é suspeito de pedofilia e tantos outros factos que têm levado potenciais eleitores para outras paragens.

7 Abr 2025

A administração Trump e a sustentabilidade do globo

O período relativamente curto desde que a administração Trump tomou o poder nos EUA já deu para ver que os próximos quatro anos serão de continuação do ataque contra o bom senso, entre outros aspetos, no que se refere à sustentabilidade do nosso planeta. Em vez de se seguirem as recomendações de várias agências especializadas da ONU, baseadas em estudos científicos, vão ocorrer mais medidas no sentido de incrementar a exploração dos combustíveis fósseis.

Trump decretou, pela segunda vez, logo no primeiro dia do seu segundo mandato, a saída do Acordo de Paris. E fê-lo provocatoriamente, perante as câmaras de televisão. Além da retirada de outras instituições da ONU, como a Organização Mundial de Saúde e o Comité dos Direitos Humanos, a sua administração está a tomar medidas no sentido de asfixiar projetos nas áreas relacionadas com o ambiente. Outros sintomas da aversão de Trump à ciência consistem no facto da tomada de medidas para que se deixe de recorrer a expressões como “alterações climáticas” e “aquecimento global”, nos documentos das agências estatais americanas que lidam com a atmosfera, os oceanos e o clima.

Também outras instituições, como a Agência de Proteção Ambiental, o Departamento do Interior e o Departamento de Energia foram notificadas no mesmo sentido. Não se trata de medidas puramente semânticas, mas de instruções bem concretas para tentar reverter a luta que se está a travar à escala global contra o uso e abuso dos combustíveis fósseis, os quais, como se sabe, são a principal causa do efeito de estufa que está na base das alterações climáticas. Este comportamento do governo da potência mais poderosa do globo, e a segunda que mais injeta gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera, configura o que deveria ser classificado como crime não só contra a humanidade, mas também contra a biodiversidade, o ambiente e a sustentabilidade do nosso planeta.

A explicação desta atitude poderá ser encontrada quando se investiga quais os principais apoiantes de Trump, entre os quais se contam não só os eleitores do mundo rural, facilmente manipuláveis através das redes sociais, mas também personalidades da alta finança e magnatas envolvidos na exploração de combustíveis fósseis.

Estes têm muito a lucrar com esta política, como o intrépido Elon Musk, um dos principais financiadores da campanha eleitoral que antecedeu a tomada do poder por uma oligarquia sedenta do lucro fácil. Ainda está na nossa memória a promessa de oferta de um milhão de dólares a alguns dos eleitores que assinaram uma petição de apoio ao candidato Donald Trump. Os favores pagam-se com favores, e eis Trump, recentemente, a fazer publicidade a automóveis Tesla.

É provável que a intensificação da exploração dos combustíveis fósseis, preconizada pela nova administração americana, ajude a contrariar temporariamente a subida do preço da energia, uma vez que a transição energética preconizada pelas mais variadas agências das Nações Unidas fica relativamente cara aos cidadãos.

Entretanto, as energias renováveis estão a tornar-se cada vez mais económicas e competitivas, o que implica, a médio e longo prazo, que os preços diminuam significativamente, atendendo a que as principais fontes de energia renováveis (radiação solar, vento, recursos hídricos, ondas e marés, biomassa, geotermismo) são inesgotáveis.

Além dos oligarcas e dos cidadãos com nível de instrução relativamente baixo, também contribuíram para esta situação os promotores da tenebrosa teoria da conspiração promovida pelo movimento QAnon1 que, através da Internet, desenvolve atividades com base em notícias falsas, as famosas “fake news”. Consta também que a Federação Russa não é alheia às manobras que levaram Trump ao poder, como aconteceu em 2016, recorrendo a ataques cibernéticos que prejudicaram a candidata Hillary Clinton.

Tudo isto se passa numa altura em que o nosso planeta caminha perigosamente para um ponto crítico em que será cada vez mais difícil reverter os danos causados às várias componentes do sistema climático: a atmosfera está cada vez mais impregnada de GEE; na hidrosfera a acidez e a poluição dos oceanos aumenta perigosamente; na biosfera as florestas são dizimadas por incêndios e por desflorestação, e a biodiversidade sofre degradação acelerada; na litosfera, o solo está parcialmente impregnado de produtos tóxicos, entre os quais metais pesados provenientes das atividades humanas, os quais são suscetíveis de serem absorvidos pelas plantas e entrarem na cadeia alimentar de animais e seres humanos; a criosfera funde parcialmente provocando perigosamente o aumento do nível médio do mar.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial e o Serviço Mundial de Monitorização dos Glaciares verificou-se, no período 2022-2024, a maior perda de massa glaciar jamais registada em três anos, antevendo-se que em muitas regiões os glaciares não conseguirão perdurar para além do século XXI.

É dececionante que um conjunto de oligarcas, que só tem em perspetiva o lucro a curto prazo, esteja a contribuir para arrastar o nosso planeta para tempos cada vez mais difíceis. A fatura a pagar será tanto mais grave quanto mais tempo essa administração, e outras semelhantes, estiverem no poder.

Em vez da recente visita provocatória do vice-presidente dos EUA à Gronelândia, talvez tivesse sido melhor ideia ter visitado a Islândia, onde se encontra uma placa no local onde existiu o glaciar “Okjökull” (também designado por “Ok”), o primeiro glaciar islandês a desaparecer devido às alterações climáticas.

Está nela escrito um texto, em islandês e inglês, com o título “Uma carta para o Futuro” que consta do seguinte: “Ok é o primeiro glaciar islandês a perder o seu estatuto de glaciar. Estima-se que, nos próximos 200 anos, todos os nossos glaciares sigam o mesmo caminho. Este monumento é para dar a conhecer que sabemos o que está a acontecer e o que é necessário ser feito. Só você sabe se nós o fizemos”.

*Meteorologista

QAnon – movimento de extrema-direita surgido na Internet em 1917, nos EUA, que recorre frequentemente a notícias falsas que fomentam a crença de que existe uma conspiração secreta à escala global fomentada por elites, políticos e figuras do meio intelectual e artístico que estariam envolvidas em atividades relacionadas com pedofilia, tráfico de crianças e rituais satânicos.

2 Abr 2025

A ordem e o caos não existem

“Chaos is the domain of ignorance, the unexplored. Order, on the other hand, is like an explored territory, it’s the hierarchy, the organisation, the environment of mastery, in which you know and understand.”

Jordan Peterson

Existem interpretações. Muitas vezes instrumentais. A minha ordem é o teu caos e vice-versa. Os conflitos entre e dentro dos grupos humanos têm a ver com a distribuição desigual da ordem e da desordem. Nunca é óptimo. O resultado é uma instabilidade permanente enquanto houver vida na Terra. O oposto também é verdadeiro pois a guerra para acabar com todas as guerras é a guerra para acabar com o mundo. E da nossa espécie. Desde que, entretanto, inspirados por Elon Musk, não nos tenhamos implantado noutros planetas.

Até meados do século XX, estas eram especulações ao serviço das idolatrias modernas que postulavam a possibilidade do impossível e refreavam a concretização do possível. Nunca definitivamente limitado. A partir de Hiroshima, sabemos que não há limite para a nossa capacidade de luta e de auto-destruição. Ao contrário das teorias que ansiavam pelo fim da história, hoje as práticas de redistribuição da ordem e do caos podem efectivamente acabar com ela. A vantagem dos outros animais sobre nós, sapientes, é que eles ousam o impossível. O que não os imuniza das nossas possíveis loucuras. Um pesadelo que pode ser alargado a toda a natureza, à qual recusamos pertencer porque afirmamos que ela nos pertence, permitindo-nos assim saqueá-la como seus autoproclamados senhores.

É suficiente, cremos, para medir a arrogância dos poderes que disputam a supremacia no seu campeonato exclusivo. Esta corrida ao “Santo Graal” pode fazer-nos descarrilar para sempre. Deve haver loucura em tanto método. Robert Ardrey, etólogo, dramaturgo e inspirador da peça, “Star Spangled”, que estreou na Broadway em 1935, fixou que “a sociedade é um grupo de seres desiguais organizados tendo em vista a unidade de necessidades”. Retiramos a dolorosa conclusão de que a sociedade dos humanos não existe por falta de objectivos comuns. Ficaríamos muito gratos a quem pudesse provar que a nossa espécie persegue os mesmos objectivos, pelo que somos todos irmãos.

Excluímos da competição a Inteligência Artificial (IA), cuja tendência para fazer batota é típica dos hiper-poderosos que tememos. Entretanto, somos chamados a interpretar. Em que ponto se situa a luta entre poderes para obter o melhor equilíbrio entre a ordem e o caos? Depende de como os competidores retratam para si o padrão ideal de tal mistura manipulável. Não há um “eu” absoluto seguro dos dois paradigmas, apenas ajustes mútuos provisórios. Dialéctica de gémeos siameses. Para que a ordem total seja igual ao caos total. Constrangimento do espelho. Os dois pólos são faces de Jano, deus romano das portas e das passagens, guardião dos limiares, do limite (substantivo e verbo). Nosso lar adoptivo.

O caos é a ordem dinâmica do mundo. Incontrolável em categorias científicas porque agitado pela história. Ordenar o caos interno é uma tarefa a que se deve dedicar qualquer sociedade que queira ser um sujeito geopolítico. Para poder competir na conquista de espaços territoriais e espirituais, contados como Estados ou contestáveis. Nenhum sujeito soberano pode aspirar a dominar tudo e todos. Nem pode estabelecer-se acima da rede de conexões que informa qualquer sistema, do corpo humano ao social. A mente suprema da autoridade absoluta é uma ficção tragicómica. O patologista/filósofo Neil Theise adverte que “O cérebro está na rede e é actuado à medida que trabalha. Não é simplesmente a mente a escrutinar o resto do corpo a partir do seu trono no crânio”. Somos uma arquitectura de órgãos com funções específicas. Nenhum funciona sozinho. Todas as interacções são locais. Cada elemento do sistema complexo interage com todos os outros elementos graças a redes tecidas de ligações locais.

Traduzido em geopolítica, ninguém pode exercer um domínio completo sobre a sua sociedade, e ainda menos sobre esse arquipélago composto de comunidades periféricas centradas no líder que quer ser um império. Um domínio que os cépticos incuráveis estendem a Deus. Se Ele existisse, teria de se limitar a si próprio para prover às suas criaturas numa expansão desenfreada, dedicada a destruir a Criação. Negaria assim a sua própria divindade. Ou exercê-la-ia numa escala reduzida. Se Deus existe, é um semideus. Parece-lhe familiar? Estamos a viver um excesso de caos produzido pela crise simultânea do “Número Um” e dos seus adversários.

2 Abr 2025

Academia Internacional de Hong Kong contra a Corrupção (I)

A 21 de Fevereiro de 2024, foi criada a “Hong Kong International Academy Against Corruption” (a HKIAAC) (Academia Internacional de Hong Kong Contra a Corrupção). Hu Yingming, director da Hong Kong’s Independent Commission Against Corruption (HKICAC) (Comissão Independente de Hong Kong Contra a Corrupção) assinalou numa entrevista que a HKICAC e a HKIAAC são instituições que podem fornecer bons relatos da China e de Hong Kong.

O HKICAC é um departamento do Governo de Hong Kong que combate a corrupção através das forças da lei e de estratégias preventivas e pedagógicas, tornando Hong Kong num dos locais mais livres de corrupção de todo o mundo. A HKICAC tem quatro departamentos, um dos quais é o “International Cooperation and Institutional Affairs Department” (Departamento Internacional dos Assuntos Institucionais e de Cooperação). A HKIAAC é afiliada ao Departamento Internacional dos Assuntos Institucionais e de Cooperação.

Porque é que Kong criou a HKICAC? O website da Academia explica o motivo:

“A corrupção era galopante no sector público. As equipas das ambulâncias exigiam gorjetas antes de ir buscar um doente. Até mesmo o pessoal auxiliar do hospital pedia gorjetas antes de dar aos pacientes alguma comida ou um copo de água. Era também necessário oferecer subornos aos funcionários certos quando alguém se candidatava a habitação, educação e outros serviços públicos. A corrupção era particularmente grave nas forças policiais. ”

O website também salienta que o que desencadeou a criação da HKICAC foi o incidente com Peter Godber:

“Em 1973, descobriu-se que Peter Godber, Superintendente da Polícia de Hong Kong, possuía uma fortuna superior a 4,3 milhões de dólares de Hong Kong, que se suspeitava ter sido obtida através de subornos. O secretário da Justiça pediu a Godber que provasse a origem da sua fortuna no prazo de uma semana. No entanto, durante esse período, Godber fugiu sem dificuldade de Hong Kong para o Reino Unido. A fuga de Godber fez explodir a indignação que já há muito o público vinha a acumular.”

Nessa altura, as exigências para “combater a corrupção e apanhar Godber” ouviam-se por toda a parte. A HKICAC foi criada a 15 de Fevereiro de 1974. Cumpriu a sua missão e conseguiu que Peter Godber comparecesse perante a justiça.

Há muitos filmes de Hong Kong que são baseados neste caso e que também mostram os pacientes a darem gorjetas aos auxiliares hospitalares a fim de poderem ter um pouco de água fervida ou uma arrastadeira. Embora os conteúdos dos filmes sejam exagerados e destinados ao entretenimento, revelam a dimensão da corrupção na sociedade de Hong Kong naquela época.

Após o incidente de Peter Godber, a HKICAC investigou muitos casos empresariais famosos, como: a fraude comercial do Carrian Group, o caso de suborno do alto funcionário do Departamento de Justiça Warwick Reid, o caso do oficial de polícia sénior Xian Jinhua, o caso do artista Nicholas Tse, o caso de suborno do famoso professor de língua chinesa Xiao Yuan, etc. Entre os sujeitos investigados podemos encontrar funcionários governamentais de topo, celebridades, executivos séniores de grupos empresariais, artistas, professores, etc. Ao resolver estes casos, a HKICAC ganhou o reconhecimento e os elogios da sociedade e conseguiu tornar Hong Kong num dos locais mais livres de corrupção de todo o mundo.

A Lei Básica de Hong Kong comtempla a manutenção da HKICAC. O artigo 57.º estipula que o HKICAC opera de forma independente e é directamente responsável perante o Chefe do Executivo, ou seja, reporta a John Lee, Chefe do Governo da região. O artigo 101.º da Lei Básica de Hong Kong estipula que o Chefe da Comissão Independente contra a Corrupção deve ser um cidadão chinês residente permanente em Hong Kong e não pode ter residência em nenhum país estrangeiro.

Na próxima semana, analisaremos a Comissão Independente de Macau contra a Corrupção.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

2 Abr 2025