Regime de Garantias | Apresentado livro de Sou Ka Hou

Eric Sautedé defende, como tantos outros, a importância da nova obra de Sou Ka Hou, onde o activista e presidente da Novo Macau descreve a cronologia da lei que levou milhares às ruas de Macau

[dropcap style=’circle’]“[/dropcap]Guardar na memória para não esquecer, continuar a avançar para não retrocedermos. Retire-se a cara falsa dos poderosos e devolva-se a justiça e tranquilidade a esta pequena cidade.” É assim a introdução do livro “Retirem a Proposta – Lembram-se?”, sobre o Regime de Garantias e da autoria de Sou Ka Hou, ontem lançado.
Com prefácio de Eric Sautedé, a nova obra do activista e presidente da Associação Novo Macau foi dada a conhecer ontem, no Centro Diocesano de Educação, Estudo e Desenvolvimento e Sou Ka Hou frisou que a obra não foi feita apenas por ele, mas contou com o apoio de cerca de 40 pessoas. Foram mais de 20 os participantes no lançamento, com Bill Chou, ex-professor de Ciência Política da Universidade de Macau (UM), a ser convidado para falar da obra.
Bill Chou considera que existem poucas obras em Macau que registem movimentos sociais do território, muito menos em casos em que o poder político não sai beneficiado. Para o professor, o lançamento da obra é “importante”, pelo simples facto de que este retrata a maior manifestação desde a transferência de soberania.
Ao analisar o livro, é possível perceber que são várias as participações de figuras do meio politico, como são o activista de Hong Kong Joshua Wong, o professor de Assistência Social do Instituto Politécnico de Macau (IPM), Leong Kai Yin, o comentador político Eric Sautedé e o ex-deputado Paul Chan Wai Chi.

Nova era

Sautedé fala num novo estilo de governação que foi implementado desde esta manifestação: mais transparente, inclusivo das diferentes posições e muito mais atento aos objectivos a atingir sem atrasos. “Claramente, Chui Sai On percebeu – provavelmente sob tutela das altas autoridades – que o contrato social para o seu segundo mandato exigia transformações substanciais para preencher os requisitos”, começa por indicar o professor de Ciência Política.  
Sautedé compara ainda as manifestações contra o regime que iria beneficiar os altos cargos com apoios financeiros antes, durante e após o exercer de funções ao Maio de 1968.
“Para um francês, Maio, mais do que a Primavera, tem um forte significado político. A referência é, claro, o Maio de 68, um período de mudança social com massivas demonstrações – centenas de milhares de manifestações – e protestos generalizados – milhares de protestantes – que paralisaram a França por um período de dois meses”, começa por relembrar Sautedé. “Para mim, as demonstrações massivas que ocorreram a 25 e 27 de Maio de 2014 estão ligadas de muitas formas ao Maio de 68, apesar de muitos poderem dizer que são de alguma forma diferentes em termos de magnitude e dimensão das contestações. Não há dúvidas de que 20 mil pessoas nas ruas de Macau no dia 25 (e outras sete mil nos dois dias seguintes, à frente da AL) é realmente notável. Na história de Macau é certamente o maior protesto desde a transferência de soberania e o maior encontro social desde as demonstrações de Junho de 1989, quando mais de cem mil pessoas estiveram nas ruas durante o massacre de Tiananmen.”
Para o académico, além das diferenças geracionais e educacionais, o movimento “espontâneo” chamou a atenção para outra discrepância, que Sautedé diz ser “mais profunda e política”. A “proclamada capacidade do Governo de resolver os maiores problemas da RAEM e os objectivos de governação científica e o encolhimento dos serviços públicos, apesar da nova riqueza do Governo, a discrepância entre a professada governação clara e a forma de corrupção moral, em que iríamos ver os governantes a pagarem-se a eles próprios, com a cumplicidade dos deputados pró-Governo, com quantidades desproporcionais de dinheiro – milhões – enquanto que a maioria dos residentes são pagos com uma parte ridícula do seu salário quando deixam os seus empregos com um término sem justa causa”, frisa.
O livro conta ainda com as perspectivas de académicos sobre o futuro do Regime de Garantias, sendo eles Eilo Yu, professor da Administração e Função Pública da Universidade de Macau, e o antigo director da Escola Estrela do Mar, Choi Chi U.
 

Pela memória

A história de que mil exemplares do livro foram confiscados pelas autoridades chinesas depois de ter sido encomendada a encadernação dos livros no continente foi acrescentada no início do livro, a fim de, como revela Sou Ka Hou, de alertar os leitores de que a manifestação não pode ser um tema sensível, “mas uma memória colectiva dos residentes de Macau”.
Como o HM avançou na semana passada, a obra ganhou o apoio de várias editoras para o lançamento. Uma delas, de acordo com Sou, é a Kato Kung Publishing Limited, uma editora de livros de turismo em Hong Kong. “Existem pessoas da cidade vizinha que repararam na confiscação dos exemplares e quiseram ajudar na publicação”, sublinha o autor.
Sou Ka Hou afirmou, contudo, ao HM que ainda não há uma lista confirmada de livrarias onde se vende a obra, tanto no território como em Hong Kong e Taiwan.
Desde a entrega do Governo à Assembleia Legislativa até a proposta ser retirada, são diversas as fases do Regime de Garantias que entram no livro, em conjunto com artigos de comentadores locais e de Hong Kong retirados de meios de comunicação, entrevistas feitas a participantes do protesto, incluindo funcionários públicos, junkets, reformados, estudantes, o dono da restaurante que ofereceu comidas gratuitas durante o encontro em frente à AL e outros.
  

6 Jul 2015

Pátio do Espinho | Governo sem plano definido para o espaço

As Obras Públicas e o Instituto Cultural têm estado a trabalhar em conjunto para a manutenção e preservação do Pátio do Espinho, mas até ao momento ainda não foi desenvolvido qualquer plano pormenor para um dos últimos bairros muralhados de Macau

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m dia depois da publicação da reportagem do HM sobre as vidas que habitam no velho Pátio do Espinho, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) confirmou que, até ao momento, ainda não há qualquer plano definido para o bairro, situado atrás das Ruínas de São Paulo.
“O Pátio do Espinho é uma parte importante que integra a zona das Ruínas de S. Paulo, cujo desenvolvimento mereceu sempre a atenção da DSSOPT, através de diálogo e coordenação com os serviços intervenientes, designadamente o Instituto Cultural (IC)”, começa por indicar o organismo em resposta ao HM. “Embora neste momento estes Serviços não disponham ainda de algum projecto de plano pormenor definitivo para esta zona”, concluiu ainda a DSSOPT, via email.
Ao HM, o IC falou também da importância histórica do local, explicando que “irá concentrar-se continuamente sobre a situação da zona referida, protegendo activamente e sustentadamente os preciosos recursos culturais de Macau”. Para o organismo liderado por Guilherme Ung Vai Meng, o Pátio do Espinho é uma parte importante daquela zona, que está integrada na zona de protecção. “O Pátio, além de estar na zona próxima às Ruínas de São Paulo – Ruínas do Colégio de S.Paulo, constitui um espaço histórico e distintivo”, frisou ao HM.

Da complexidade

Ao jornal Ou Mun, e citado pelo Jornal Tribuna de Macau, Ung Vai Meng já tinha chamado a atenção, em Fevereiro deste ano, para as dificuldades de preservação do Pátio do Espinho, falando da existência de “problemas” e “complexidades”, uma vez que existem cerca de 210 casas e estruturas ilegais, sendo que em muitos casos o Governo desconhece o paradeiro dos proprietários.
O HM testemunhou mesmo a existência de muitas casas vazias com correio abandonado na porta. Ung Vai Meng garantiu que essas questões terão de ser resolvidas “através da cooperação entre os diferentes departamentos do Governo”, bem como através do diálogo com moradores.
Em Fevereiro, Ung Vai Meng lembrou ainda que foi iniciado há cerca de quatro anos um plano de preservação para o local que não foi posto de parte, mas que só terá novos desenvolvimentos quando se resolverem as questões de propriedade.

6 Jul 2015

CAM | Mulheres mais independentes, mas mais vítimas também

A nova base de dados da Comissão para os Assuntos das Mulheres revela que as mulheres de Macau trabalham mais fora de casa e criam mais negócios, mas também mostram que houve mais casos de violência doméstica, mais de violação e mais de tráfico humano

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á mais mulheres a trabalhar fora de casa, que criam negócios e que até têm um salário mais elevado. Também acontecem mais divórcios e menos casamentos. Mas também é verdade que ocorreram mais casos de violência contra o sexo feminino.
As conclusões são reveladas através da nova base de dados existente no website da Comissão para os Assuntos das Mulheres (CAM), que reúne dados de 20 serviços públicos de Macau, divididos em oito categorias e que pretendem mostrar a situação global da população feminina no território.
A categoria “Mulher e Violência” mostra que vários casos de violência aumentaram entre 2013 e 2014. Só a violência doméstica teve um aumento de 19,26%, enquanto que os casos de violação aumentaram 37,5%. Os casos de tráfico humano registaram a maior subida, com 52%, enquanto que o assédio sexual infantil aumentou 40%. mulheres
Apesar dos dados sobre violência não serem animadores, na área da economia os números mostram precisamente o oposto, dando a imagem de que a mulher de Macau está mais independente. Na categoria “Mulher, economia e segurança social”, pode ver-se que o índice de desemprego feminino baixou 20% no primeiro trimestre do ano, enquanto que a mediana do rendimento mensal aumentou mais de 10%.
As mulheres de Macau também criaram mais negócios, tendo-se registado um aumento de 11,03%. Por oposição, o número de mulheres que fez formação profissional baixou 47,99% o ano passado.
Os dados são animadores também quanto ao índice de suicídios no feminino, que baixou 16,33%. Enquanto que os casamentos diminuíram 6,3%, os divórcios aumentaram 11,6% no primeiro trimestre do ano e também em 2014. Em Março deste ano, os casos de guarda paternal que deram entrada no Juízo de Famílias e de Menores, no Tribunal Judicial de Base (TJB), aumentaram 20,43%, por comparação a Fevereiro.
O site dá ainda conta que o número de mulheres que passaram o prazo legal de permanência em Macau aumentou 40,98% em 2014. Os dados cingem-se a percentagens, sendo que não há detalhes do número de casos, e não estão, ainda, disponíveis em Português.
No website, a CAM afirma que vai continuar a fornecer mais dados e informações sobre a influência das mudanças sociais na vida das mulheres, por forma a disponibilizar materiais de referência a investigadores e serviços públicos. A CAM compromete-se a colaborar com o Governo na elaboração de políticas viradas para as mulheres, bem como serviços de apoio.

3 Jul 2015

BIR | Consulta sobre mudança de género agrada a activistas

A sociedade vai dar a sua opinião sobre a possibilidade de alteração de género nos documentos oficiais. Apesar de ser uma meta difícil, activistas e juristas consideram que este momento político deve ser usado para informar a população sobre o tema

[dropcap style=’circle’]“[/dropcap]Claro que concordo com a consulta pública”, começa por afirmar Anthony Lam, presidente da Associação Arco-Íris, quando questionado sobre a consulta pública que deverá ser levada a cabo para a possibilidade de mudança de género nos documentos de identificação. O activista admite que “mesmo não sabendo o que surgirá da consulta é sempre bom existir uma oportunidade para a sociedade debater este assunto”.
Em causa está a possibilidade de os transexuais terem o direito de alterar o género nos seus documentos de identificação, depois de fazerem as operações de mudança de sexo. Recorde-se que há pelo menos dois casos conhecidos de pessoas que se submeteram à cirurgia de mudança de sexo e que não podem alterar os dados nos documentos de Macau devido às lacunas da lei.
Jason Chao, activista e membro da mesma Associação, considera “óptimo” que o tema vá a consulta pública, algo “bastante positivo para a Bella [um dos casos mencionados] e para quem defende os seus direitos”, disse ao HM. Questionado sobre a aceitação da matéria pela população, Chao mostrou-se confiante de que os residentes mais novos vão concordar com a possibilidade de mudança de género nos documentos de identificação. “Com os jovens estou bem confiante, mas não tanto com os mais velhos”, disse.
Quanto ao que as pessoas dizem, Jason Chao sublinha que “tudo depende da forma como se explica às pessoas do que se trata”, considerando que uma auscultação social é importante para esclarecer a população sobre um assunto que não parece estar assim tão democratizado.
Para Anthony Lam, a vontade é que a consulta pública seja um caso de sucesso e de aceitação por parte da população, mas sendo a primeira vez que este assunto é trazido para discussão pública torna-se um pouco mais difícil atingir o objectivo. Independentemente do resultado, sublinhou, “a consulta é uma oportunidade para informar a população sobre o assunto”. “Esta é a oportunidade que se pretendia, dar a conhecer à população os direitos dos seres humanos”, rematou.

A lei como ela é

Esta é uma questão marcada pela “mania de dar ideia de uma democracia que não existe”, defendeu o advogado Pedro Leal, sublinhando que “fazem-se consultas públicas por tudo e por nada”. Na opinião do jurista, este é um tema sobre o qual até os próprios profissionais da área de Direito têm dúvidas.
“Tenho muitas dúvidas e nem sei bem como deveria tomar uma decisão e eu sou jurista, tenho alguma formação, portanto penso que a sociedade de Macau não está preparada para dar uma opinião sobre um assunto destes”, argumenta.
Sem formação e preparação, o resultado é claro: opiniões pessoais, do ponto de vista moral e cultural sobre questões jurídicas, que é o que se “pretende com esta consulta”.
“É necessário que a própria sociedade admita culturalmente que se possa fazer essa mudança de sexo. Isto tem consequências a nível moral, ético…. há muita coisa em jogo, e está muito relacionado com a cultura”, começa por esclarecer Miguel de Senna Fernandes, também advogado. Mostrando-se a favor da autorização de mudança de género nos documentos oficiais, Miguel de Senna Fernandes, considera que é de direito e dever de qualquer pessoa ver “este desejo de alteração realizado”.
Quanto aos resultados, o advogado considera que a consulta pública está directamente relacionado com a sensibilidade da população. “Macau continua a ser uma sociedade muito conservadora, portanto há muita coisa que não vai passar porque choca a comunidade. Não há mal nisto, é uma característica desta sociedade”, argumenta, frisando que duvida que “Macau esteja preparado para assumir esta alteração”. Ainda assim é, no seu ponto de vista, “importante que se faça esta consulta pública”.

3 Jul 2015

Pátio do Espinho | Residentes divididos face a reconstrução, mas felizes com o local

No Pátio do Espinho, o tempo parece que não passou pelas paredes de lata de que são feitas algumas das frágeis habitações. Muitos moradores até gostariam de ter uma casa melhor, mas recusam-se a abandonar o espaço que sempre conheceram. Quem tem um pedaço de terra, nem quer ouvir falar da possível intervenção do Governo. Outros até concordariam

Patio espinho[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]as ruas do Pátio do Espinho, há latas e arames a montar casas que parecem de faz de conta, mas que têm gente dentro. Umas têm idosos, outras têm famílias inteiras: a matriarca, o filho que veio da China depois de décadas de ausência e a mulher grávida. Outras têm filipinas que descansam num ambiente mais acolhedor depois de limparem as casas de outros. Lavam os tachos conforme podem no meio da rua, com parcas condições de higiene, e vivem o calor infernal sem ar condicionado. Uns compraram a casa há décadas, outros pagam rendas muito baixas.

Três da tarde, um sol abrasador. Ao descer as escadas do Pátio do Espinho damos de caras com Chio Kit. Tem 80 anos e mora ali desde os 16. É vizinho de mais 18 pessoas, só na sua rua, e fala com o HM enquanto a sua vizinha ouve um programa de música chinesa em alto e bom som.

“Na altura não tínhamos dinheiro e só conseguíamos construir uma casa assim, com latas. Vivo aqui com a minha mulher, antes trabalhava numa pastelaria, a fazer bolos”, recorda.

Chio Kit conta, sentado numa das raras sombras que por ali existem, que se reformou há 19 anos. Hoje vive com uma magra reforma, mas que dá para viver, já que não paga renda. A filha há muito que se mudou para outras paragens, trabalhando actualmente na Função Pública.

Chio Kit mora no Pátio do Espinho há tanto tempo que ainda se lembra da época em que ficava escuro mais depressa. Os candeeiros com iluminação pública só chegaram depois do chamado “Motim 1,2,3”, em 1966. “Depois disso passámos a ter melhores condições aqui na rua, as pessoas começaram a viver melhor”, recorda.

Chio Kit mostra-se conformado com o cantinho que construiu. Tem uma casa de banho, sala e cozinha, que já só partilha com a mulher. “Não queria sair daqui e também não consigo arranjar dinheiro para outra casa, estou habituado. Já pus um ar condicionado, uma ventoinha e estou melhor”, refere.

Um passeio pelo Pátio do Espinho, localizado atrás das famosas Ruínas de São Paulo, permite compreender um espaço cheio de história e, sobretudo, desigual. Há casas renovadas com gaiolas nas janelas e casas degradadas de tijolos e arames. Há entulho por todos os lados, ao lado de passeios improvisados com cimento.

As tentativas para arranjar o que é velho já foram muitas. Chio Kit lembra-se bem do primeiro encontro entre Governo e proprietários, há 19 anos. “Chegou-se a falar que o Governo e um consultor queriam reconstruir isto, mas tinha de pagar 160 mil patacas para comprar uma casa pública na Areia Preta e não tinha dinheiro. O Governo apresentou-me um papel para assinar se concordava ou não [com a renovação], e eu não concordei. Mas gostava que estas casas fossem reconstruídas.”

Fong Pak, desempregado, oriundo da China, vive uns metros abaixo da casa de Chio Kit e lembra-se da segunda tentativa de reconstrução. “Aí há quatro ou cinco anos vi no jornal que o Governo queria recuperar isto, mas na altura os preços das casas eram mais baixos. O Governo chegou a discutir com os donos das casas com melhores condições, mas estes tinham de ser indemnizados. Só que depois os preços das casas aumentaram e o Governo já não quis indemnizar e a conversa deve ter ficado por ali.”

Se os arrendatários e mais velhos até gostavam de ter melhores condições nas suas habitações, quem é proprietário prefere ficar no conforto que já conseguiu. É o caso de Dixon, trabalhador na área da informática, e a mãe, a senhora Wu.

“Se o Governo apresentar um plano de renovação não vou concordar, porque nós somos os donos do terreno. Nunca aceitaremos a proposta e queremos que fique tudo como está”, aponta Dixon. “Nunca ouvi o Governo dizer que tem um plano de renovação, mas se tiver não vou concordar, porque os edifícios novos, se forem reconstruídos, não devem ficar maiores ou melhores que este. Como está, está bom”, disse a senhora Wu.

A balada dos filhos maiores

Fong Pak nunca teve uma casinha só sua. Aquela onde vive com a mulher, de cor verde, está degradada e só tem janelas baixas com arames, cheia de sacos velhos. O ar condicionado não existe, as ligações de luz e água foram feitas através de um vizinho. Paga mil patacas de renda.

Chio Kit é morador do Pátio do Espinho
Chio Kit é morador do Pátio do Espinho

“Vivo aqui há mais de dez anos e tenho problemas de saúde, então estou aqui para descansar”, conta Fong Pak, enquanto arranja umas fichas eléctricas para depois vender. Está desempregado há cerca de um ano e ganha um subsídio de deficiência por ter problemas de saúde nas costas e numa perna. Mas garante que não é suficiente. Antes disso trabalhou na construção civil e foi talhante no mercado. Ainda foi segurança em prédios, mas já não conseguia trabalhar. A mulher lava pratos num restaurante e traz para casa o único sustento.

“Moramos num T1, com uma sala e um quarto pequeno. No Verão fica muito calor e não consigo montar o ar condicionado, porque o ar sai todo por esta janela”, conta.

Fong Pak é um dos muitos que pedem o regresso dos chamados filhos maiores. Os seus estão quase a obter autorização. Daqui a um ou dois anos poderão morar com ele naquele cubículo ou numa habitação social, caso o seu processo fique concluído.

Choi I, mais velha do que Fong Pak, pode-se considerar com mais sorte: o filho há muito que veio da China e com ele trouxe a nora grávida. Falam com o HM à hora de jantar enquanto põem legumes cozidos numa mesa na rua. Ouve-se a água a correr lá dentro e só vemos escuro. Convidam-nos a sentar na sala de jantar improvisada.

“Vivo aqui há mais de 20 anos, mas desde 1993 que sou dona da casa, porque o dono decidiu vender. Tenho BIR, mas os meus filhos nasceram na China e só agora é que eles conseguiram vir para Macau. Esta é a minha nora”, conta, sorridente.

Choi I lavou casas e arranjou os jardins públicos do território. Já tem reforma e o filho trabalha como croupier, mas não encaram a curto prazo uma saída do Pátio do

[quote_box_left]“Não queria sair daqui e também não consigo arranjar dinheiro para outra casa, estou habituado. Já pus um ar condicionado, uma ventoinha e estou melhor” – Chio Kit, morador[/quote_box_left]

“Gosto de viver aqui, mas não tenho ar condicionado e está sempre muito quente lá dentro. O Governo não me deixou reconstruir a casa. Mas prefiro que seja o Governo a recuperar o terreno e que me ofereça outra habitação, para ter uma casa melhor. Tenho um filho em Macau que prefere viver melhor, porque aqui não tem condições. A minha nora está aqui, mas se os meus outros filhos vierem da China para Macau, então não vou ter espaço para eles”, conta a idosa.

Choi I não tem dúvidas. “Gostava que o bairro fosse renovado, porque já tenho mais de 60 anos e quando os meus filhos me vêm visitar, não há espaço para que fiquem mais dias.” O filho pára de lavar a loiça e diz-nos: “Acho que vai ser sempre difícil renovar tudo, porque há muitas pessoas que não querem. É melhor ser o Governo a decidir.”

A chegada dos não residentes

Além dos nascidos em Macau e daqueles que vieram da China há largas décadas, o Pátio do Espinho começou a ser habitado nos últimos anos por não residentes que ali encontram a possibilidade de pagar pouco de renda. Se olharmos pelas janelas e portas meio abertas, é comum verem-se beliches amontoados que servem de quartos.

Choi I tem, numa casa logo ali ao lado, vizinhas filipinas que vivem num espaço que consideram como casa. Iva fala com o HM no final do dia de trabalho e convida-nos a entrar no seu espacinho. Divide a casa com amigas há cinco anos e juntas pagam três mil patacas. Não há ar condicionado, as divisões amontoam-se, cheias de pertences, mas ao menos Iva tem um quarto só para si.

“Mudei-me para aqui porque sempre vivi fora das casas dos meus patrões. Trabalho como empregada doméstica e como eles não têm casa para mim, então encontrei esta casa, que é barata. Quando cheguei só pagávamos 1200 patacas”, recorda a não-residente, moradora em Macau desde 1990.

Apesar de viver paredes meias com latas e portões velhos, Iva não se queixa e acha-se até uma privilegiada em relação às condições de vida das suas conterrâneas.

“Esta casa é melhor do que outras casas onde as filipinas vivem, porque essas normalmente só têm três quatros. Aqui é melhor, mas quando fica calor, fica mesmo calor, porque não temos ar condicionado, e quando é frio, é mesmo frio. Mas ao menos tenho privacidade aqui.”

Também ali no Pátio do Espinho tudo o resto é diferente: não há barulho, não há bares, não há turistas, não há luzes dos casinos. As ruas são de terra batida e não há sequer sinais de criminalidade. Às sete horas é tempo de recolher para muitos. As portas estão abertas e a convivência entre vizinhos acontece, como se de uma aldeia se tratasse.

“Ela (Choi I, vizinha da frente) é minha amiga. Aqui é tudo mais calmo. Há muitos lugares em que as pessoas bebem e falam alto durante a noite e aqui não, é tudo muito mais tranquilo. Então é melhor viver aqui. É um sítio seguro e muitas vezes nem abrimos a porta, porque está muito calor”, conta Iva.

Iva não quer opinar sobre o que poderá acontecer ao Pátio do Espinho no futuro, caso o Governo intervenha. “Normalmente aqui não falamos sobre isso. Se a casa fosse minha talvez apoiasse a renovação, porque quando há tempestades as casas não são muito fortes, talvez as condições fossem melhores…Vemos que muitas das casas apenas têm três pessoas e muitas delas já não têm ninguém, porque os mais velhos morreram e os filhos vivem noutros sítios, ou em Hong Kong. Por exemplo, aquele meu vizinho, só vem aqui de vez em quando. Mas penso que muitos gostavam de ter casas melhores”, conta, apontando o dedo para a direita. unnamed-13

“Não sei quem iria beneficiar das novas casas aqui. Talvez as pessoas prefiram as casas como estão, talvez o Governo quando renovar faça prédios maiores…não sei. Eu prefiro viver desta maneira em vez de estar naqueles prédios altos, com muitas pessoas”, acrescenta Iva.

No Pátio do Espinho as infra-estruturas permanecem de parca qualidade, os bons saneamentos só existem para alguns e muitas casas já estão vazias, cheias de cartas e contas que nunca serão pagas. É comum ver-se espaços cheios de ervas daninhas que permanecem por limpar. Em Junho deste ano, os Serviços de Saúde (SS) deixaram mesmo um aviso de que existe perigo de ratos por aquelas bandas. Mas, logo ali ao lado, apenas a senhora Wu se queixa da falta de acção do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Mas é o único queixume: todos parecem viver felizes num espaço de memórias e, sobretudo, de convivências.


IC promete “concentrar-se” sobre o espaço

No início do ano Ung Vai Meng, presidente do Instituto Cultural (IC), disse ao Ou Mun que o Pátio do Espinho é um sítio com interesse histórico e que deve ser alvo de protecção. Seis meses depois, não há detalhes novos sobre uma possível intervenção. Ao HM, o organismo referiu que “irá concentrar-se continuamente sobre a situação da zona referida, protegendo activamente e sustentadamente os preciosos recursos culturais de Macau”, uma vez que o Pátio do Espinho “é uma parte importante daquela zona, o qual está integrado na zona de protecção, sendo abrangido pela Lei de Salvaguarda do Património Cultural”. “O Pátio, além de estar na zona próxima às Ruínas de São Paulo – Ruínas do Colégio de S. Paulo, constitui um espaço histórico e distintivo”.

O IC garante que o grupo interdepartamental “procede ao estudo e planeamento sobre o núcleo do Centro Histórico de Macau e posiciona o mesmo como zona de preservação histórica e cultural, no sentido da sua protecção e revitalização, de modo a expandir a área turística da zona das Ruínas de São Paulo e a optimizar a atmosfera cultural da mesma”. Francisco Vizeu Pinheiro, arquitecto, pede maior transparência no processo. “Deve-se contar com a participação da comunidade em relação a uma intervenção. No Governo tem de haver arte de negociação e não uma espécie de imposição de ditadura, como infelizmente acontece muitas vezes. O diálogo é sempre possível”, disse ao HM o arquitecto, que considera existir “falta de transparência”, pois “não se sabe qual é o critério de intervenção, se é uma decisão subjectiva, caso a caso”.

O HM tentou ainda contactar a DSSOPT no sentido de perceber mais detalhes sobre os terrenos e possíveis negociações, mas até ao fecho desta reportagem não foi possível obter um esclarecimento.

3 Jul 2015

Intangibilidade

[dropcap style=’circle’]I[/dropcap]ntangível é palavra imaterial, como todas as palavras, floração de ideias e memórias.
Neste vestíbulo do século XXI, as ideias devem presidir ao bem comum, assentes em bases culturais que denotem discernimento, sentido de pertença e de futuro, nutridas pelo alimento do passado comum.
Um adolescente, que participou na consulta sobre o destino a dar ao edifício do velho Hotel Estoril, terá dito que se a memória era colectiva, essa não era a dele. Isto é, exclui-se do colectivo. Pensará, porventura, que isto de colectivo é um valor dividido por gerações. Não tem culpa de viver na ignorância e na inocência. A inocência perdoa-se. A ignorância, a verdadeira ignorância, afirmação repetida até à exaustão, é não saber que não se sabe. E isso é uma omissão legada.
Não será, assim, um processo isolado, antes como que uma epidemia que provém de um tempo para além do tempo do adolescente e que se tem vindo a agravar com a tangibilidade do vil metal, e que tantos julgam poder substituir-se ao conhecimento. O dinheiro não tilinta, tange, e nesse tanger incrusta-se em camadas de ignorância, porque o imaterial deixou de interessar em sociedades eminentemente materialistas.
Se transformar o já transformado espaço do Tap Seac num centro de actividades culturais se afigura uma boa ideia, as concentrações só são desejáveis se contrabalançadas com outros pólos.
Neste campo da tangível intangibilidade, povoada de memórias, que nem a todos, pelos vistos -independentemente da idade – interessa, ocorrem-me à memória dois edifícios emblemáticos: o Hotel Central e o Grand Hotel, ambos numa das principais artérias da cidade, que une o caminho do antigo Porto Exterior ao Porto Interior.
Este percurso tem vindo a ser delapidado, começando pela Tabacaria Filipina e pelo Restaurante Long Kei, cujos exteriores por sob as arcadas foram simplesmente destruídos, quero crer que por crasso mau gosto, falta de entendimento histórico e cultural do que é património quotidiano, e continuando pelo velho e desaparecido Soi Cheong, de quem Manuel da Silva Mendes era amigo e frequentador. Em seu lugar, aços polidos, vidros, carnes secas, pastéis, sapatarias, tudo naqueles ajoujados brilhos de novo-rico, equívoco dos equívocos.
O Hotel Central é charme em potência. Não sei a quem pertence hoje, mas o estado a que chegou é de tal modo decadente que constitui um gritante cartaz do abandono. Embora pintado, a quem (não) servirá um hotel de interiores Art Deco que noutras épocas foi o centro da vida diurna e nocturna de Macau, quando era propriedade da Tai Hing de Kou Ho Neng e Fu Lou Iong? Abandono que partilha com o esventrado Grand Hotel, por onde passaram estrelas como William Holden.
Possivelmente, à noite, bailes fantásticos com orquestras de metais, figuras de ópera chinesa esvoaçando sobre os ecos de pregões das iguarias do iam chá, enquanto os anúncios do Fan Tan e as cestas a descer do piso superior com as apostas, entremeadas de gritinhos de damas acompanhantes de jogadores mais prósperos, percorrerão fantasmagoricamente esses espaços vagos, tão vagos quanto estava o edifício do antigo Tribunal, aguardando resgate total e retorno aos seus tempos áureos.
Poderá parecer redundante falar sobre esta matéria, mas perante a ganância pelo metro quadrado, não basta apenas prevenir. É preciso valorizar, dar-lhes uso intensivo para que não perpassem décadas de olvido antes que se olhe para estes testemunhos.
A Memória, essa, não se secciona. Mas, infelizmente, já vamos com várias décadas de atraso em relação ao que deveria ter sido feito. Faz porém falta uma lei mais estruturada sobre a preservação de interiores. Não são apenas as fachadas e montras dos edifícios que têm importância. É preciso que indoutos se não imiscuam naquilo que pertence a todos.
Como exemplo, refiro, na cidade do Porto, o antigo Café Imperial, na principal praça da cidade, hoje transformado num Mc Donald’s. Se a notícia é banal, o que merece referência é a preservação do seu interior e fachada, onde apenas foi permitido colocar o nome da cadeia de fast food.
Impõe-se, para o que resta do Património desta cidade, um grande rigor, tão grande quanto a intolerância para o tabagismo. Afigura-se imperativo que se autonomize o Património para aliviar a carga, já pesadíssima, atribuída ao Instituto Cultural de Macau. Trata-se de uma questão de eficiência que requer, como em todas as áreas, a presença de especialistas para cada ramo, com a mesma abordagem que as Universidades têm pelo mundo fora. Que venham os melhores, não importa de onde. O que interessa é que se definam princípios mais restritivos, porque o sentido do colectivo começa com a preservação do tangível para o sustento da intangibilidade.

3 Jul 2015

Empresa diz ajudar alunos a entrar no Ensino Superior. GAES rejeita

É o negócio perfeito: uma empresa ajudaria alunos a entrar no ensino superior, mesmo que não tenham notas para tal. O GAES diz que não é possível
Uma empresa que presta apoio a quem quer sair da China, seja para trabalhar ou para estudar, publicou um anúncio no jornal Ou Mun onde diz que pode ajudar os alunos do interior da China que queiram entrar nas universidades locais.
A empresa diz que não só disponibiliza apoio no processo de candidatura a quem não tiver boas notas nos exames do ensino secundário na China, como assegura que os alunos podem ainda ter acesso a “cinco mil patacas de desconto nas propinas quando mostrarem o anúncio da empresa”.
O caso foi divulgado pela publicação Macau Concelears, onde os pais de um aluno da China apontaram que a empresa referiu ser possível que “os alunos frequentem cursos do ensino superior em Macau através da empresa, mesmo que as notas no exame de Inglês não correspondam aos critérios das instituições”. A empresa terá ainda dito aos pais que tem “vários anos de experiência” com o apoio a candidaturas ao ensino superior, tendo dado a entender a existência de uma ligação “de forma passiva” com a Universidade de Macau (UM).
À Macau Concelears, o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) garantiu que não fez qualquer aprovação para o trabalho desta empresa, sendo que a UM referiu que “o site oficial é a única forma de entregar as candidaturas”.
O GAES disse ainda que as seis instituições do ensino superior “nunca autorizaram qualquer empresa local ou estrangeira a fazerem a inscrição de alunos”. O organismo apela ainda a que os alunos do interior da China “tenham atenção” às intenções de frequentar as universidades locais e que “não acreditem facilmente no anúncio” da empresa.

Flora Fong
flora.fong@hojemacau.com.mo

3 Jul 2015

Ó tu que fumas

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] coisa é assim: vens a Macau e tens tudo o que não há lá na terra. Para começar, hotéis com alcatifas fofas às flores e tectos a imitar a Europa e os dias sempre azuis. Depois, tens mesas de jogo que nunca mais acabam, ainda por cima agora mais aliviadas de gente. É com facilidade que podes torrar as poupanças de uma vida, as poupanças da família e ainda os trocos contados dos vizinhos, que pacoviamente acreditaram no teu faro apurado para o jogo.

Se te sobrarem umas patacas e se o álcool etílico que te venderam numa embalagem com nome estrangeiro o permitirem, ainda podes terminar a noite bem acompanhado por uma jovem que vende o corpo a preço fixo. Não interessa se a miúda se quer vender ou se foi vendida, porque o problema não é teu e tu ages de acordo com a lei, embora a desconheças. Macau é jogo, luxo, a limusina que te foi buscar para fingires que és rico, o copo cheio, a garrafa vazia, as fichas perdidas, o sexo, o prazer todo num pacote turístico do melhor que há, e que se lixe o património, talvez amanhã passes por lá se não estiver muito calor.

O pior vem depois do prazer: corpos desnudados e contas feitas e tu nem sequer podes acender um cigarro. Aquele cigarro do depois. Quem nunca fumou não te entende e nesta terra de prazeres ilimitados parece que ninguém te percebe. O hotel não tem varanda, para evitar desgraças, e lá vestes tu as calças de há bocado, não te dás ao trabalho de apertar bem a camisa e sais em chinelos, não há uma sala de fumadores em lado algum e vais para a rua, com o que te resta de cabelo desalinhado do sexo todo. Macau é uma terra que quase não existe, onde tudo se compra, tudo se vende, acabaste de dizer adeus à miúda com quem não vais dormir, a polícia estava ali ao lado, mas está tudo bem. Macau é uma terra de vícios, onde tudo é permitido – menos fumar um cigarro.

Macau nunca foi outra coisa que não uma terra estranha, mas há alturas em que é mais. Contra a opinião das operadoras do jogo – que registaram no mês passado os piores resultados desde 2010 –, o Governo insiste e leva por diante uma fundamentalista proposta de revisão da lei do tabaco. Não interessa se as salas dos casinos são destinadas exclusivamente a quem fuma, sem mesas de jogo nem trabalhadores. A liberdade, mesmo pequena e confinada a um espaço fechado com uns cinzeiros sujos no meio, não interessa. Nada interessa nada. É assim e pronto. É assim porque alguém se lembrou que o tabaco faz muito mal.

Pena que ninguém se tenha lembrado de que há muitas outras coisas que também fazem mal, do género o que se come por aí, as condições em que a comida é confeccionada, o que vem dentro de uma garrafa de whisky, o que sai dos tubos de escape das carcaças podres que circulam na cidade. O que interessa é a guerra ao tabaco e pronto, não interessa quando nem onde. Ninguém se lembrou, por exemplo, que sujeitar um doente à privação de nicotina não é do mais aconselhável que há. Antigamente, no tempo em que a liberdade era outra coisa, fumava-se numa zona ao ar livre no hospital. Quem partia uma perna e fumava era poupado ao esforço de trepar paredes por causa daquela vontade de acender um cigarrinho. Não tenho conhecimento de que alguém tenha morrido de cancro por causa do fumo que o doente do lado expirou no terraço do primeiro andar.

Agora a coisa é diferente: não se fuma no perímetro do hospital, nem se fuma nas ruas em redor. Macau é uma cidade saudável e não cede a pressões internas ou externas, cumpre à risca as directrizes da Organização Mundial de Saúde, que ninguém tenha dúvidas de que assim é, mais limpinho do que isto não há. Eles andam por aí a salvar vidas e a gente é que não os compreende, acha-os intolerantes, tem outras prioridades. Eu tenho: preferia que os Serviços de Saúde poupassem nos incansáveis fiscais antitabaco e investissem, só para dar um exemplo, no tratamento dos doentes com hepatite C que não podem ser medicados com os métodos convencionais. Estão à espera há meses, a ver se fintam a morte. Macau tão à frente e Macau tão atrás.

Não tenho nada contra os Serviços de Saúde. Conheço gente que trabalha sob a alçada destes serviços que é muito boa gente; da gente com quem não troquei mais de uma dúzia de frases não posso falar. Não tenho nada contra, apesar de já ter tido más experiências pessoais, algo em que serei acompanhada por sensivelmente 75 por cento das pessoas que me lêem. Não tenho nada contra, apesar de os Serviços de Saúde mentirem aos jornalistas, mentindo à população. Mas eu não tenho nada contra. Eu só não gosto de fundamentalismos.

[quote_box_right]Preferia que os Serviços de Saúde poupassem nos incansáveis fiscais antitabaco e investissem, só para dar um exemplo, no tratamento dos doentes com hepatite C que não podem ser medicados com os métodos convencionais. Estão à espera há meses, a ver se fintam a morte. Macau tão à frente e Macau tão atrás[/quote_box_right]

[dropcap style=’circle’]2.[/dropcap] Esta semana fiquei a saber que há gente maltratada no Consulado Geral de Portugal e não me espanta: todos nós já nos sentimos ligeiramente enxovalhados em serviços com atendimento ao público. E quem atende ao público já se sentiu insultado por aqueles que tem de receber. Faz parte. Não é sequer uma característica das cidades multiculturais – quando vivia em Portugal detestava ir às Finanças porque saía de lá com um atestado de estupidez fiscal afixado na testa.

Mas o conselheiro das Comunidades Portuguesas José Pereira Coutinho tem uma visão diferente do assunto e toca a denunciá-la em praça pública. Faz ele muito bem, que está aqui para defender os pobres e os aflitos. A denúncia foi feita não nos elitistas e politizados jornais locais, mas sim na livre e nada politizada imprensa de Portugal. Escolheu um jornal que eu desconhecia (e de cujo nome não recordo neste momento), o que foi pena, porque nas páginas do Expresso, do Público ou do Diário de Notícias teria outra (merecida) projecção. Não obstante, graças à generosidade da imprensa local, chegaram-nos os ecos da actividade crítica de Pereira Coutinho ao consulado, profissão que agora desempenha em simultâneo com mais algumas.

Nestes oito anos em que ocupa o cargo de conselheiro das Comunidades Portuguesas, desconheço que Pereira Coutinho tenha apresentado um conjunto de propostas para a melhoria do funcionamento da representação diplomática portuguesa. Também desconheço que se tenha empenhado activa e publicamente na defesa dos portugueses – expatriados – com dificuldades na obtenção e na renovação da autorização de residência. São portugueses que supostamente representa e que simpatizam – muitos deles talvez conjuguem agora no passado este tão nobre sentimento – com a veia ocidental sindicalista do também deputado.

Podia dar mais exemplos de todos os lusitanos problemas com os quais o conselheiro não se preocupou durante estes anos, mas não me apetece. O monólogo segue dentro de momentos num lusitano jornal, que os jogos políticos deste género não se fazem de olhos nos olhos.

3 Jul 2015

Violência Doméstica | Processo legislativo atrasado e sem fim à vista

É uma lei que deve – aos olhos de intervenientes – ser vista como prioridade do Governo, mas na prática não é isso que está a acontecer. Deveria estar pronta para entrar na especialidade em Maio, mas o Governo ainda estará a analisar opiniões. Deputados da Comissão que analisa o diploma na especialidade não sabem de nada e aguardam pelo Governo

[dropcap style=’circle’]J[/dropcap]á foi aprovada na generalidade, mas o Governo ainda não tem novidades sobre a apresentação da nova versão da Lei de Prevenção e Correcção da Violência Doméstica. Apesar de ter sido anunciado que o diploma final iria ser apresentado em Maio deste ano, tendo sido a última reunião da Comissão da Assembleia Legislativa que analisa o diploma na especialidade em Fevereiro. Até agora, nada se sabe e o Executivo continua mudo sobre o assunto quando, como defendem intervenientes na matéria, deveria ter sido dada prioridade à lei.
Depois dos encontros que terminaram em Agosto do ano passado entre a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça (DSAJ), em conjunto com o Instituto de Acção Social (IAS) e responsáveis da Associação Geral das Mulheres de Macau e das suas instituições de serviços sociais subordinadas, a Assembleia Legislativa (AL) aprovou a lei na generalidade, em Janeiro deste ano.
Juliana Devoy, directora do Centro Bom Pastor – que lida com casos de vítimas deste tipo de violência – , esteve também presente num destes encontros, assim como os responsáveis pelo Centro de Protecção de Crianças da Associação de Luta Contra os Maus Tratos às Crianças de Macau, da Associação Novo Macau e do Grupo de Cooperação Relativo à Família. Foram mais de 28 as associações que reuniram com o Governo.
“Esta lei é tão, mas tão precisa”, começa por defender a irmã Devoy, que explica que, quase um ano depois desde a aprovação inicial, o Governo continua a pensar e a analisar as opiniões. “Pelo que soube, o Governo achou que outros assuntos seriam mais prioritários”, afirmou, admitindo que quem trabalha com casos de violência doméstica diariamente percebe melhor essa necessidade.

Comissão à espera

“Ainda estamos à espera da resposta do Governo”, informou a deputada Melinda Chan, membro da 1.ª Comissão da AL. Na última reunião, contou, foram recebidas várias opiniões que foram posteriormente entregues ao Governo. “Agora estamos à espera que o Governo se encontre com a Comissão”, explicou, admitindo que não sabe quando é que isso vai acontecer. Questionada sobre a importância deste assunto, a deputada frisa que a violência doméstica é um assunto prioritário e que casos como o mais recente de uma filha que agrediu a mãe incapacitada “não podem acontecer”.
Au Kam San deputado também membro do Comissão competente pela análise da lei, confirmou a necessidade de esperar pela resposta do Governo. “Entendo a dificuldade que o Governo sente no trabalho legislativo que lhe compete e o tempo que demora, porque existem muitas dificuldades no que diz respeito ao entendimento de todas as autoridades envolvidas, tais como a Polícia Judiciária, a Polícia de Segurança Pública e o Ministério Público”, argumentou. A questão mais polémica, diz, é o ponto de definição de crime público, pois existem vários tipos de violência e isso tem de ser levado em conta pelo Governo. “A lei está a dividir dois tipos de violência doméstica, entre grave ou não grave, e isto é muito difícil de definir na área judicial”, remata, adiantando que “é natural” que não haja previsão para o fim do trabalho legislativo.
“O IAS garantiu que consegue definir o tipo de violência sempre que surgir um caso e eu pergunto-me: então sempre que existir um caso terá que ser levado ao IAS para analisar? Não acho correcto”, exemplifica o deputado, frisando que tudo deve estar bem definido pela proposta de lei.
Recorde-se que a Comissão em causa, presidida pela deputada Kwan Tsui Hang, já apresentou o seu ponto de vista ao Governo, em que defende que a classificação de violência doméstica deverá passar pela frequência em que acontece. “Estamos à espera da resposta do Governo, não sabemos quando é que isso irá acontecer”, clarificou Au Kam San.
A última reunião da Comissão, no início de Fevereiro, focou-se entre a definição de agressões leves e não leves.

“Esta lei é tão, mas tão precisa. (…) Pelo que soube, o Governo achou que outros assuntos seriam mais prioritários”
Juliana Devoy, directora do Centro Bom Pastor

2 Jul 2015

Mudança de género no BIR vai a consulta pública por ser assunto “delicado”

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Direcção dos Serviços da Reforma Jurídica e do Direito Internacional (DSRJDI) quer levar a consulta pública a   possibilidade de mudança de género nos documentos de identificação. De acordo com um comunicado enviado ontem pelo organismo, a decisão deve-se ao facto do tema ter de ser tratado de forma delicada. 
“Os Conselheiros [do Conselho Consultivo] apontaram que os países e regiões adjacentes e vários países europeus em que se aplica o direito matrimonial mais conservador optaram actualmente por uma solução relativamente mais aberta face a esta questão, sendo aceite em muitos países o pedido de alteração de sexo”, começa por apontar o comunicado, que acrescenta que, apesar de já se ir “aceitando a alteração do sexo como uma tendência de desenvolvimento social, ainda se entende indispensável ponderar várias questões que incluem as que [dizem respeito] aos valores fundamentais da sociedade, às disposições civis e às relações matrimoniais e familiares.”
Por isso, avança ainda a DSRJDI, se entende necessário “uma atitude prudente” para se fazer a revisão dos regimes jurídicos. 
Estudar e ouvir opiniões “através de consultas públicas” são outros dos passos obrigatórios para o organismo antes de qualquer mudança à lei. 
“É preciso entender as opiniões comuns da sociedade sobre esta questão”, ultima a DSRJDI.
As questões foram abordadas numa sessão plenária do Conselho Consultivo da Reforma Jurídica, que teve lugar há dois dias. 

Histórias reais

Recorde-se que há pelo menos dois casos conhecidos de pessoas que fizeram mudança de sexo e que não podem alterar os dados nos documentos de Macau devido as lacunas na lei. Num dos casos, da jovem Avery, nem sequer é possível a marcação de consultas de saúde na área da ginecologia, pelo que a jovem está a tomar hormonas sozinha. 
Na sessão plenária foi ainda discutida a revisão do Regime Jurídico dos Notários Privados e o limite máximo da pena para a Lei da Protecção dos Animais. 
 ” Foi considerado por muitos conselheiros que não seria apropriado prever penas demasiadamente pesadas e que as mesmas deveriam ser previstas em harmonia com todo o ordenamento jurídico penal vigente”, escreve a DSRJDI. 

2 Jul 2015

A escandalosa política grega da Europa

* Por Jurgen Habermas

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]resultado das eleições na Grécia exprime a escolha de uma nação onde uma grande maioria da população se colocou numa posição defensiva face à miséria social, tão humilhante como esmagadora, provocada por uma política de austeridade, imposta ao país a partir do exterior. A votação propriamente dita não permite nenhum subterfúgio: a população rejeitou a continuação de uma política cujo falhanço sofreu brutalmente, na sua própria carne. Com a força desta legitimação democrática, o governo grego tentou provocar uma mudança de política na zona euro. Ao fazê-lo, entrou em choque com os representantes de dezoito outros governos que justificam recusas referindo-se, friamente, ao seu próprio mandato democrático.
Lembramo-nos dos primeiros encontros em que noviços arrogantes, levados pela exaltação do triunfo, se entregavam a um torneio ridículo com pessoas bem instaladas, que reagiam umas vezes com gestos paternalistas de um bom tio e outras com uma espécie de desdém rotineiro: cada uma das partes gabava-se de desfrutar do poder conferido pelo seu respectivo «povo» e repetia o refrão como papagaios. Foi ao descobrir até que ponto a reflexão que então faziam, e que se baseava no quadro do Estado-nação, era involuntariamente cómica, que toda a opinião pública europeia percebeu o que realmente fazia falta: uma perspectiva que permitisse a constituição de uma vontade política comum dos cidadãos, capaz de colocar no centro da Europa marcos políticos com consequências reais. Mas o véu que escondia esse deficit institucional ainda não foi realmente rasgado.
A eleição grega introduziu grãos de areia na engrenagem de Bruxelas: foram os próprios cidadãos que decidiram a necessidade urgente de propor uma política europeia alternativa. Mas é verdade que, noutras paragens, os representantes dos governos tomam decisões entre eles, segundo métodos tecnocráticos, e evitam infligir às suas opiniões públicas nacionais temas que possam inquietá-las.
Se as negociações para um compromisso falharem em Bruxelas, será certamente sobretudo porque os dois lados não atribuem a esterilidade dos debates ao vício na construção dos procedimentos e das instituições, mas sim ao mau comportamento do parceiro. Não há dúvida de que a questão de fundo é a obstinação com que se agarra uma política de austeridade, que é cada vez mais criticada nos meios científicos internacionais e que teve consequências bárbaras na Grécia, onde se concretizou num fracasso óbvio.
No conflito de base, o facto de uma das partes querer provocar uma mudança desta política, enquanto a outra se recusa obstinadamente a envolver-se em qualquer espécie de negociação política, revela, no entanto, uma assimetria mais profunda. Há que compreender o que esta recusa tem de chocante, e mesmo de escandaloso. O compromisso não falha por causa de alguns milhares de milhões a mais ou a menos, nem mesmo por uma ou outra cláusula de um caderno de encargos, mas unicamente por uma reivindicação: os gregos pedem que seja permitido à sua economia e a uma população explorada por elites corruptas que tenham um novo começo, apagando uma parte do passivo – ou tomando uma medida equivalente como, por exemplo, uma moratória da dívida cuja duração dependesse do crescimento. Em vez disso, os credores continuam a exigir o reconhecimento de uma montanha de dívidas, que a economia grega nunca poderá pagar.
Note-se que ninguém contesta que uma supressão parcial da dívida é inevitável, a curto ou a longo prazo. Os credores continuam, portanto, com pleno conhecimento dos factos, a exigir o reconhecimento formal de um passivo cujo peso é, na prática, impossível de carregar. Até há pouco tempo, persistiam mesmo em defender a exigência, literalmente fantasmagórica, de um excedente primário de mais de 4%. É verdade que este passou para o nível de 1%, mas continua irrealista. Até agora, foi impossível chegar a um acordo – do qual depende o destino da União Europeia – porque os credores exigem que se mantenha uma ficção.
Claro que os «países credores» têm motivos políticos para se agarrarem a esta ficção que permite, no curto prazo, que se adie uma decisão desagradável. Por exemplo, temem um efeito dominó em outros «países devedores» e Angela Merkel não está segura da sua própria maioria no Bísesundestag. Mas quando se conduz uma má política, é-se obrigado a revê-la, de uma forma ou de outra, se se percebe que ela é contra-produtiva.
Por outro lado, não se pode atirar com toda a culpa da um falhanço para cima de uma das duas partes. Não posso dizer se o processo táctico do governo grego se baseia numa estratégia reflectida, nem ajuizar sobre aquilo que, nesta atitude, tem origem em constrangimentos políticos, inexperiência ou incompetência do pessoal encarregado dos assuntos. Não tenho informação suficiente sobre as práticas habituais ou sobre as estruturas sociais que se opõem às reformas possíveis.
O que é óbvio, seja como for, é que os Wittelsbach não construíram um Estado que funcione. Mas estas circunstâncias difíceis não podem no entanto explicar por que motivo o governo grego complica tanto a tarefa dos que tentam, mesmo sendo seus apoiantes, discernir uma linha no seu comportamento errático. Não se vê nenhuma tentativa racional de formar alianças; é caso para perguntar se os nacionalistas de esquerda não se apegam a uma representação um tanto etnocêntrica da solidariedade, se só permanecem na zona euro por razões que relevam do simples bom senso – ou se a sua perspectiva excede, apesar de tudo, o âmbito do Estado-nação.
A exigência para uma corte parcial das dívidas, que constitui a base contínua das suas negociações, não é suficiente para que a outra parte tenha pelo menos confiança para acreditar que o novo governo não é como os anteriores e que agirá com mais energia e de forma mais responsável do que os governos clientelistas que substituiu.

Mistura tóxica

Alexis Tsipras e o Syriza podiam ter desenvolvido o programa de reformas de um governo de esquerda e «ridicularizar» e os seus parceiros de negociações em Bruxelas e em Berlim. Amartya Sen comparou as políticas de austeridade impostas pelo governo alemão a um medicamento que contivesse uma mistura tóxica de antibióticos e de veneno para matar ratos. O governo de esquerda teria tido perfeitamente a possibilidade, na linha do que entendia o Prémio Nobel de Economia, de proceder a uma decomposição keynesiana da mistura de Merkel e de rejeitar sistematicamente todas as exigências neoliberais; mas, ao mesmo tempo, devia ter tornado credível a intenção de lançar a modernização de um Estado e de uma economia (de que tanto precisam), de procurar uma melhor distribuição dos custos, de combater a corrupção e a fraude fiscal, etc.
Em vez disso, ele limitou-se a um papel de moralizador – um blame game. Dadas as circunstâncias, isto permitiu que o governo alemão afastasse, de uma penada, com a robustez da Nova Alemanha, a queixa justificada da Grécia sobre o comportamento mais inteligente, mas indigno, que o governo de Kohl teve no início dos anos 90.
O fraco exercício do governo grego não altera o escândalo: os homens políticos de Bruxelas e de Berlim recusam assumir o papel de homens políticos quando se reúnem com os seus colegas atenienses. Têm certamente boa aparência, mas, quando falam, fazem-no unicamente na sua função económica, como credores. Faz sentido que se transformem assim em zombies: é preciso dar ao processo tardio de insolvência de um Estado a aparência de um processo apolítico, susceptível de se tornar objecto de um procedimento de direito privado nos tribunais. Uma vez conseguido este objectivo, é muito mais fácil negar uma co-responsabilidade política. A nossa imprensa diverte-se porque se rebaptizou a «troika» – trata-se, efectivamente, de uma espécie de truque de mágico. Mas o que ele exprime é o desejo legítimo de ver surgir a cara de políticos atrás das máscaras de financeiros. Porque este papel é o único no qual eles podem ter de prestar contas por um falhanço que se traduziu numa grande quantidade de existências estragadas, miséria social e desespero.

Intransigência



Para levar por diante as suas duvidosas operações de socorro, Angela Merkel, meteu o Fundo Monetário Internacional no barco. Este organismo tem competência para tratar do mau funcionamento do sistema financeiro internacional. Como terapeuta, garante a estabilidade e age portanto em função do interesse geral dos investidores, em especial dos investidores institucionais. Como membros da «troika», as instituições europeias alinharam com esse actor, a tal ponto que os políticos, na medida em que actuam nessa função, podem refugiar-se no papel de agentes que operam no estrito respeito das regras e a quem não é possível pedir contas.
Esta dissolução da política na conformidade com os mercados pode talvez explicar a insolência com a qual os representantes do governo alemão, que são pessoas de elevada moralidade, negam a co-responsabilidade política nas consequências sociais devastadoras que no entanto aceitaram como líderes de opinião no Conselho Europeu, quando impuseram o programa neoliberal para as economias.
O escândalo dos escândalos é a intransigência com a qual o governo alemão assume o seu papel de líder. A Alemanha deve o impulso que lhe permitiu ter a ascensão económica de que se alimenta ainda hoje à generosidade das nações de credores que, aquando do acordo de Londres, em 1954, eliminaram com um simples traço cerca de metade das suas dívidas.
Mas o essencial não é o embaraço moral, mas sim o testemunho político: as elites políticas da Europa já não têm o direito de se esconder atrás dos seus eleitores e de fugirem a alternativas perante as quais nos coloca uma comunidade monetária politicamente inacabada. São os cidadãos, não os banqueiros, que devem ter a última palavra sobre questões que dizem respeito ao destino europeu.
A sonolência pós-democrática da opinião pública deve-se também ao facto de a imprensa se ter inclinado para um jornalismo de «enquadramento», que avança de mão dada com a classe política e se preocupa com o bem-estar dos seus clientes.

2 Jul 2015

Vistos | Governo recua e chineses em trânsito podem ficar até sete dias. Ella Lei critica secretismo

O Governo recuou: afinal os portadores de passaporte chinês podem ficar por cá sete dias em trânsito. Uma medida implementada precisamente para contrariar uma tendência ilegal, mas que agora é retirada sem sequer se darem detalhes, como critica Ella Lei

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]final os portadores de passaporte chinês em trânsito no território voltam a ter autorização para ficar sete dias em Macau, uma medida que causa dúvidas à deputada Ella Lei. O anúncio é feito pela Polícia de Segurança Pública (PSP), que ontem emitiu um comunicado onde justifica com as estratégias de cooperação o retrocesso na medida de restrição a cinco dias, implementada o ano passado.
A deputada Ella Lei diz não perceber o recuo do Executivo e, mais ainda, defende que, da mesma forma que foi anunciado em conferência de imprensa a diminuição do tempo de permanência, deveria ter sido mais detalhada a informação nova. Para a deputada, não foram nem explicados os motivos, nem considerada a segurança. Ao HM, Lei criticou o facto do comunicado “não explicar bem as motivações do alargamento de dias” e por este considerar apenas o ponto de vista económico. fronteiras portas cerco
“No âmbito da segurança, porque é que a PSP decidiu voltar a autorizar sete dias de estadia aos portadores de passaporte chinês em trânsito no território? Só foi dito que é pelo desenvolvimento da diversificação da economia. Para implementar a medida de cinco dias, a PSP apresentou opiniões citando dados de que a situação de abuso da estadia tinha aumentado”, diz Ella Lei.
A deputada recordou que em 2013, entre os 2,6 milhões de visitantes com passaportes da China, existiam 80% de visitantes que não se dirigiram verdadeiramente a outros países quando entraram supostamente em trânsito no território.
“No ano passado, pela análise da pasta da Segurança, existia uma tendência de aumento dos que aproveitavam a lacuna da lei, fugindo aos procedimentos normais de pedidos de vistos turísticos e foi por isso que a PSP decidiu apertar a estadia. Isso provou que a PSP implementou a medida de acordo com o ponto de vista da segurança, com objectivo de impedir a situação de abuso. Este ano, a PSP apontou também que o número de estadias fora de prazo diminuiu e que uma das razões era precisamente a medida de diminuição para cinco dias”, frisa a deputada. “Como é que o Governo pode voltar à situação original de repente e deixar saber só através de comunicado, sem explicar bem?”

[quote_box_left]“Como é que o Governo pode voltar à situação original de repente e deixar saber só através de comunicado, sem explicar bem?” – Ella Lei, deputada[/quote_box_left]

Pela economia

Para a PSP, as razões de novo alargamento na estadia são explicadas devido à cooperação com o continente. “No intuito de coordenar a estratégia ‘Uma Faixa e Uma Rota’, que a China está a implementar (…) a PSP procedeu, no dia 1 de Julho de 2015, ao ajustamento das regras de trânsito dos turistas portadores do passaporte da China”, começa por indicar a nota da PSP.
Assim, ao invés de poderem ficar apenas cinco dias em trânsito, os titulares do passaporte chinês podem ficar por um período de sete dias em trânsito, se não tiverem entrado em Macau nos 30 dias anteriores à chegada, em vez de 60 dias.
Já se os turistas não cumprirem as regras de trânsito – não voarem para outro país ou ficarem em excesso de tempo aqui – só pode ser-lhes concedido um período de permanência de dois dias na sua segunda entrada em Macau.
Recorde-se que uma das justificações para a diminuição deste período a partir de Julho de 2014 foi a de que muitos cidadãos chineses vinham para o território alegadamente em trânsito, mas acabavam por ficar por cá para jogar nos casinos.

2 Jul 2015

GIT | Parte do metro na Taipa concluída este ano. Governo não sabe se vai para tribunal sobre parque

Na tomada de posse do coordenador do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes, foi garantido que até Dezembro a principal estrutura do metro ligeiro na Taipa fica concluída. Seis meses depois, o caso do parque de materiais e oficinas continua sem solução e poderá não avançar para tribunal

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão pequenos sinais de fumo para um projecto cheio de atrasos. Até finais deste ano a principal estrutura do metro ligeiro na Taipa deverá ficar concluída, garantiu ontem o novo coordenador do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (GIT), Ho Cheong Kei.
“A nossa previsão é que este ano a estrutura principal da linha da Taipa possa ficar concluída, porque a qualidade das peças do metro não passou no exame e isso atrasou o progresso. Já nos atrasámos mais de seis meses em relação a outros segmentos, sendo que alguns aspectos podem ser melhorados através do investimento em mais recursos humanos”, explicou o coordenador à margem da cerimónia de tomada de posse do cargo. Ho Cheong Kei confirmou ainda que já já foram adjudicados “nove mil milhões de patacas para a linha da Taipa”.
Raimundo do Rosário, Secretário para as Obras Públicas e Transportes, referiu aos jornalistas que a atenção do Executivo está agora virada para o segmento da Taipa, não existindo ainda um calendário para a ligação com a península de Macau.
“Como o Secretário disse, em primeiro lugar é preciso investir todos os recursos na linha da Taipa, para a estender até à península, e estamos a fazer o trabalho do projecto. Prevemos no quarto trimestre concluir os trabalhos desse projecto. É certo que temos dificuldades na rede de construção da Barra e já fizemos alguns trabalhos preparatórios”, adiantou ainda o coordenador do GIT.
No seu discurso, Ho Cheong Kei prometeu liderar uma equipa “para continuar a superar as dificuldades, executar bem os trabalhos de construção do metro e aumentar a eficácia”.

Parque de materiais sem solução

Para se avançar com o metro, tanto na Taipa como em Macau, é necessário primeiro resolver a cessação do contrato com o empreiteiro responsável pelo parque de materiais e oficinas, peça fundamental de todo o projecto. Em seis meses, ainda não foi tomada nenhuma decisão.
“Não está resolvido ainda, mas também não se vai avançar para tribunal. Os dois advogados continuam a discutir e estamos à espera. Se me pergunta, prefiro que não se avance para tribunal”, disse Raimundo do Rosário.
Já Ho Cheong Kei prefere manter essa possibilidade em aberto. “Acredito que se não conseguirmos chegar a um consenso poderemos recorrer à via judicial para resolver este problema. É preciso concluir primeiro o parque de materiais e oficinas para que o metro ligeiro entre em funcionamento”, concluiu.

“Traçado elevado marginal” ganha mais votos

Está concluída a terceira fase de consulta pública sobre o segmento norte do metro ligeiro. Com três propostas em análise, Ho Cheong Kei referiu que “o traçado na marginal ganha um maior apoio da população”. “Estamos à espera de uma análise final dos resultados e vamos divulgar em breve ao público”.

Macau “com excesso de departamentos públicos”

Raimundo do Rosário garantiu que a segunda fase de reestruturação dos serviços da sua tutela terá lugar em 2016, tendo referido que Macau tem excesso de departamentos públicos. “Temos duas hipóteses: ou criamos mais serviços de menor dimensão ou reduzimos os serviços. A reestruturação orgânica não é uma tarefa fácil e temos primeiro de resolver a questão dos recursos humanos, serviços e depois temos de ter em consideração os procedimentos”, referiu.

2 Jul 2015

Tabaco | Revisão para proibição total preparada. Deputados a favor

A proposta de revisão do fumo está concluída. Menos locais para fumar, menos publicidade, multas mais pesadas e até a proibição de venda do cigarro electrónico. O Governo insiste na proibição total do tabaco em prol, diz, da saúde. Deputados mostram-se convencidos por esta nova proposta de lei apesar de alguns, afirmam, precisarem de pensar

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Conselho Executivo já concluiu a discussão da proposta de revisão do Regime de Prevenção e Controlo do Tabagismo e, tal como tem vindo a defender Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, a proibição total de fumo é mesmo a meta do Governo. Deputados contactados pelo HM mostram-se convencidos com a nova proposta e, ainda que alguns digam que precisam de pensar, o voto a favor parece dominar entre os outros.
“Actualmente, a execução da lei é satisfatória, a aplicação das medidas de controlo do tabagismo é eficaz, sendo evidentes as melhorias nos estabelecimentos públicos fechados, o que de um modo geral possibilita obter o reconhecimento por parte do público. No entanto, naquilo que é relativo a algumas matérias, nomeadamente, gestão dos cigarros electrónicos, áreas de proibição de fumar, publicidade, promoção de produtos do tabaco e multas devido a infracções, a sociedade ainda espera que o Governo possa limitar ainda mais”, começou por defender Leong Heng Teng, porta-voz do Conselho Executivo, que apresentou ontem a revisão.
A nova proposta propõe a alteração de quatro principais pontos. O primeiro refere-se ao cigarro electrónico. O Governo quer proibir este meio alternativo ao cigarro comum em locais destinados a utilização colectiva, assim como proibir a sua venda, apesar de não incluir a importação.
“Neste momento não estamos a limitar, seja para consumo próprio ou não, a importação de cigarros electrónicos. Apenas limitamos a venda. Mas não se pode também consumir o cigarro electrónico nos locais determinados. A Organização Mundial de Saúde (OMS) já confirmou que o cigarro electrónico não serve para a abstenção do fumo – contém nicotina entre outros produtos maléficos. Pode fazer mal à saúde do próprio fumador e o fumo em segunda mão também afecta a saúde dos outros”, esclareceu o director dos Serviços de Saúde, Lei Chin Ion.
O segundo ponto refere-se ao locais onde será proibido fumar. Sem grandes novidades o Governo propõe o abolição total nos casinos, incluindo salas VIP que no ano passado foram preparadas para o efeito e a as próprias salas de fumo, criadas também no ano passado.
“Ao longo dos últimos três anos temos vindo a trabalhar e a ouvir muitas opiniões sobre esta matéria. Agora a excepção vai ser retirada: nos casinos a proibição de fumo é total. Para já é nossa intenção promover a proibição total do fumo”, rematou Leong Heng Teng.

Inclinados para o sim

“Claro que vou votar a favor”, reagiu José Pereira Coutinho quando questionado sobre qual a sua posição sobre a proibição total do fumo. “Porquê discriminar entre casinos, saunas, clubes nocturnos, e outros? Porque é que se diferencia os casinos? Não são todos iguais nos termos da Lei Básica, nos termos do princípio de igualdade que deve existir? Se proíbem nas salas, nas discotecas, porque é que os casinos têm que ser excepção? Eu concordo”, argumentou ao HM.
Para o número dois de Pereira Coutinho, Leong Veng Chai, o voto também é claro: será a favor da nova proposta. Já Chan Meng Kam não quis mostrar a sua posição de voto, pois considera que é necessário ouvir mais opiniões da sociedade. Defendendo o mesmo ponto de vista, o deputado Si Ka Lon concorda que é necessário avaliar o conteúdo da proposta do Governo, que deve ter em conta “diversos aspectos, tais como a economia do território, receitas do Jogo e os recursos humanos das operadores”.
“Reparei que existem mais de dez mil trabalhadores das operadoras de Jogo e cerca de oito mil em grupos para as salas VIP. A queda das receitas já influenciou a sua empregabilidade, temos que pensar se a revisão deste regime vem prejudicar estes trabalhadores”, argumentou.
O número três de Chan Meng Kam considera ainda que o Executivo deve apresentar dados científicos sobre se esta proposta pode vir, ou não, a influenciar a economia do território. “Só assim é que a população ganha confiança na proposta do Governo”, diz. Gabriel Tong subscreve a opinião de Si Ka Lon.
Au Kam San e Chan Iek Lap estão decididos: vão votar a favor, sublinhando que é uma ideia que há muito têm defendido. O mesmo para as deputadas da Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM), Kwan Tsui Hang e Ella Lei, que reafirmaram ao HM a sua posição a favor da proibição total de tabaco.
“Do ponto de vista da saúde dos funcionários do Jogo, a proibição completa de tabaco é o passo mais importante a tomar. Como não foi logo implementada, considero que os funcionários já se sacrificaram muito pelos casinos, por estes não terem sido logo obrigados a proibir o fumo”, argumentou Ella Lei. “Nenhuma sala de fumo tem a capacidade de retirar o fumo do interior do espaço. Só a proibição total permitirá a protecção da saúdes dos funcionários, espero que esta proposta seja apoiada pela sociedade”, acrescentou Kwan Tsui Hang.
Sem adiantar a sua decisão de voto, a deputada Wong Kit Cheng disse apenas que não se mostra “contra a proposta” e espera que Macau se torne mais saudável. “O que se pretende é um ambiente de trabalho totalmente sem tabaco, assim não influencia a saúde física e mental dos trabalhadores”, remata.

Não à promoção

A publicidade e promoção ao tabaco estão também contempladas nesta propostas de revisão. “A proposta determina que o marcador de preços e o quadro de preços de produtos de tabaco só possam ser colocados nos locais de venda, ou seja, não podem estar visíveis fora dos locais da sua venda, nem o marcador de preços e o quadro de preços podem ser vistos através do mostruário”, explica Leong Heng Teng. Assim, será proibida qualquer exposição ou visibilidade dos produtos nos pontos de venda.
Como último principal ponto, o Governo quer aumentar o valor das multas a pagar em caso de infracção. A proposta defende que o valor da multas deve aumentar de 400 patacas mínimo para 1500 patacas e define um tecto máximo de 200 mil patacas, sendo que anteriormente era de cem mil patacas. “Quem fume em locais onde exista a proibição de fumar será sancionado com uma multa no valor de 1500 patacas”, informou, adiantando que para a venda de produtos de tabaco a menores está prevista uma multa de 20 mil patacas.

1 Jul 2015

GDI | Novo coordenador toma posse com promessa de resoluções rápidas

O novo coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas tomou ontem posse e promete resolver a falta de fornecimento para os novos aterros dentro de meses, por forma a evitar mais atrasos na Zona A. Entretanto, Raimundo do Rosário queixa-se de falta de demasiado trabalho no GDI, mas afirma restruturações nas Obras Públicas

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]epois do Governo ter avançado mais alguns dados sobre os novos aterros, eis que Chau Vai Man, coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI), confirmou ontem que a falta de fornecimento de areia deverá ser um problema resolvido dentro de poucos meses.
“Contamos resolver o problema da falta de areia dentro de um ou dois meses e queremos que o atraso não seja muito grande”, disse Chau Vai Man aos jornalistas, à margem da cerimónia de tomada de posse como coordenador do GDI.
O atraso de que fala o responsável revela-se sobretudo na Zona A, a qual deverá servir de residência a 160 mil pessoas. “A Zona A tem esse problema, e já temos 60% do trabalho executado, sendo que o aterro já está ao nível da superfície do mar. Vamos alterar o plano com o empreiteiro, quanto ao ritmo e forma de execução”, apontou.
Chau Vai Man garantiu que as areias serão fornecidas pela região de Zhuhai, estando já a ser estabelecidas as devidas comunicações. “Estamos a estabelecer a comunicação com a China e quando dominarmos a situação do fornecimento iremos informar o público. O fornecimento de areia pela China é totalmente um problema da China e não de Macau”, disse o responsável do GDI, frisando que já têm preparado um plano de actuação imediata.

Acção imediata

“Uma vez que há um atraso, teremos um plano imediato de recuperação, mas tudo vai depender do fornecimento de areia. Teremos um horário de trabalho extraordinário no aterro para recuperarmos. Nos últimos três meses começámos a analisar o problema da falta de areia e logo começámos a cooperar com a China”, referiu Chau Vai Man.
Recorde-se que esta segunda-feira foi apresentado o plano director dos novos aterros aos membros do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU), sendo que a Zona A terá maior foco na habitação, com 32 mil fogos. Li Canfeng, director dos Serviços de Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), referiu que a aposta do Executivo será na construção de “bairros mais pequenos”, por forma a reduzir o impacto da elevada densidade populacional. À margem da cerimónia de tomada de posse, Raimundo do Rosário, Secretário da tutela, voltou a não apresentar um calendário para a conclusão da Zona A.

Poucas mãos para tanto trabalho

No seu discurso, Raimundo do Rosário, Secretário das Obras Públicas e Transportes, falou do excesso de projectos sob tutela do GDI. “O gabinete é responsável por mais de 40 obras de grande, média e pequena dimensão, sendo que esta estrutura com cerca de 80 pessoas não tem capacidade para assumir este volume de trabalho. Apesar dos constrangimentos operacionais com que se depara, ao nível de recursos humanos, o GDI não tem poupado esforços e tem excedido a sua capacidade para responder às exigências de uma cidade em constante crescimento.” Sobre o novo coordenador, Raimundo do Rosário disse “estar certo de que terá capacidade para manter e desenvolver o capital humano de que dispõe e que saberá cumprir a missão que lhe é confiável”. Chau Vai Man prometeu “melhorar os trabalhos vigentes mediante um mecanismo eficiente para as obras públicas, na qualidade das obras e fiscalização dos prazos”.

Obras Públicas com menos três serviços até Dezembro

À margem da tomada de posse do novo coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI), Raimundo do Rosário, Secretário, confirmou que a área das Obras Públicas e Transportes vai ficar com menos três departamentos até final do ano, por forma a responder a uma promessa feita no âmbito das Linhas de Acção Governativa (LAG).
“No GDI não vai acontecer nada este ano. O primeiro passo para a reestruturação dos serviços é que a Comissão para a Segurança dos Combustíveis e Conselho de Ciência e Tecnologia vão sair desta tutela. Quanto à Direcção dos Serviços de Regulação de Telecomunicações (DSRT), vai voltar novamente para os Correios. No fim deste ano esta tutela, em vez de ter 15 serviços, terá 12”, explicou o Secretário aos jornalistas.
Em Maio, à margem de uma cerimónia pública, Raimundo do Rosário garantiu que queria acabar com “três a quatro departamentos”, sendo que sete serviços deverão sofrer alterações. A Comissão dos Combustíveis e o Conselho de Ciência e Tecnologia são os primeiros a mudar.

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Toi San poderá ir para tribunal

O GDI rescindiu contrato com o empreiteiro do projecto de habitação pública em Toi San em Maio, mas o processo continua sem conclusão. Chau Vai Man referiu que não põe de lado a hipótese do caso ir parar a tribunal. “Estamos a tentar resolver a resolução do contrato de uma forma pacífica e ainda não temos uma solução. Estamos a analisar informações de várias situações e propostas do Secretário. Se não for possível encontrar uma resolução comum o caso será levado para tribunal”, confirmou o coordenador do GDI.

1 Jul 2015

Hotel Estoril | Fachada ainda preocupa. Sugestões deixadas de lado

A fachada do espaço ainda continua a dividir opiniões, com uns a dizerem que se deveria preservar a ideia inicial do design e outros a sugerir que é altura de mudar. Paul Pun pede que sejam jovens a fazer o novo desenho

[dropcap styl=’circle’]O[/dropcap]Governo tem várias ideias para o projecto de reconversão do antigo Hotel Estoril, querendo criar espaços para jovens, residentes em geral e turistas. Uma apresentação destinada a dirigentes escolares e das associações educativas, ontem, revelou, contudo, que ainda há preocupação face à manutenção da fachada original do edifício e à utilização prática do espaço.
A fachada do antigo espaço continua a ser o ponto mais em foco nas sessões de apresentação do projecto do Governo. Como existem diferentes opiniões em relação a manter ou não a fachada do Hotel Estoril,  Lai Ieng Kit, Chefe do Gabinete do Secretário para os assuntos Sociais e Cultura, defende que o Governo tem uma atitude aberta sobre o assunto.
Paul Pun apontou que, uma vez que o local vai ser para jovens, deveria haver a oportunidade do design da fachada ser feito por jovens, substituindo-se o actual desenho. Por outro lado, o antigo deputado, Paul Chan Wai Chi, também professor do Colégio Yuet Wah, questionou se o IC conhece de forma suficiente a história, o significado e a característica do desenho da fachada para sequer considerar alterá-la.
“Macau sendo uma cidade mundial de turismo e lazer, bem como com património cultural, deveria saber o valor da existência [daquela fachada]. A sua particularidade, raridade e qual o sentido da arte será que não faz com que valha a pena manter a fachada?”, questionou.
Na resposta, o vice-director do IC explicou que o desenho da fachada do antigo hotel já foi criado desde 1964 pelo arquitecto italiano Osco Acconci – designer também de várias capelas e casas do território. Chan Peng Fai explicou que o ano da criação do desenho foi importante para o desenvolvimento do sector do Jogo em Macau.
“O Hotel Estoril foi o primeiro que introduziu elementos de Jogo moderno e ocidental em Macau, testemunhou a história de Macau. Na nossa análise do desenho, a mulher nua e copos de vinho querem mostrar liberdade por que se lutou na altura, enquanto o peixe e o barco expressam a península de Macau, dando as boas-vindas a clientes dos quatro cantos do mundo, que procuram a felicidade no hotel”, disse. 
Chan frisou que o desenho “é uma obra de arte que tem a sua particularidade”. Contudo, mesmo que Paul Chan Wai Chi tenha mostrado que seria melhor mantê-la no caso de existirem precisamente esses conteúdos, o subdirector do IC não mostrou qualquer posição face à manutenção da fachada.
Já Paul Pun mostra-se preocupado com a fachada. Considera que “mantém a sensação de ser um local misterioso”, onde a luz não é suficiente nem adequada para jovens. O director geral da Cáritas disse ainda que o design tem de ter em conta a nova utilização do edifício.
“Muitas vezes os trabalhos de designer podem influenciar totalmente a situação de utilização, fazendo com que o espaço tenha uma boa aparência mas não seja prático”, referiu.  

Sugestões sim, mas não todas

O Chefe do Gabinete do Secretário para os assuntos Sociais e Cultura, Lai Ieng Kit, admitiu que, com o limite da altura do prédio, a área de utilização vai ser também restringida. Por isso mesmo, o responsável espera que o actual parque de estacionamento possa ser alterado para ser subterrâneo, a fim de que possam ser aplicados mais espaços de utilização.
Paul Pun, deixou sugestões que não foram, contudo, acatadas pelos representantes do Governo. Além de ter defendido que a participação do Conservatório de Macau possa ser maior, mas pediu também que fosse criada uma pousada para que jovens artistas estrangeiros pudessem trocar experiências com os locais. Contudo, o Chefe do Gabinete do Secretário para os assuntos Sociais e Cultura respondeu que até ao momento “não é considerável criar uma pousada para artistas estrangeiros devido ao limite de espaço” e que a preferência é criar um centro de actividades para os jovens.
Paul Pun pediu ainda que a piscina do hotel pudesse ser utilizada apenas por jovens. O Governo não acolhe a proposta, porque “a piscina do Hotel Estoril é muito utilizada pela população, sobretudo por idosos”.
Naquela que foi a segunda sessão de esclarecimento do projecto, o subdirector do Instituto de Desporto (ID), Pun Weng Kun, a director dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), Leong Lai, e o vice-director do Instituto Cultural (IC), Chan Peng Fai, estiveram presentes.

1 Jul 2015

CPU | Rui Leão critica projecto de escola de 51 metros em Toi San

É um bem necessário mas terá de ser pensado: uma escola em Toi San com mais de 51 metros inquieta os membros do CPU

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]criação de uma escola com mais de 50 metros no Bairro de Toi San foi ontem o projecto que esteve mais em foco na mais recente reunião do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU). O arquitecto e membro do grupo, Rui Leão, defendeu que o projecto de 51 metros – previsto para ocupar um quarteirão em Toi San – deveria ser alterado para “assegurar a qualidade institucional”. O mesmo responsável critica ainda a forma de se “resolver as coisas” no território, afirmando que se “perde muitas vezes a perspectiva” ao querer que os problemas sejam resolvidos rapidamente.
O projecto esteve ontem pela primeira vez em discussão e vários foram os membros que, de acordo com declarações de Rui Leão ao HM, sugeriram que o Índice de Ocupação de Solo (IOS) fosse amplamente reduzido. Em termos técnicos, este é o volume de área que pode ser ocupado por um edifício, excluindo zonas ao ar livre. O problema está, segundo o mesmo profissional, no regulamento interno da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), que dita as normas para a construção de escolas. “No caso de escolas com tantos pisos, tem que haver uma regulamentação mais específica”, advertiu.
O projecto prevê a ocupação de uma enorme escola que ocupa “imenso espaço”, de acordo com Rui Leão. Esta será localizada junto à Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Na reunião compareceu um técnico da DSEJ, que veio apresentar o projecto referido. “O IOS não deveria ser tão elevado, de forma a que no rés-do-chão houvesse um espaço de recreio e o regulamento deveria ser revisto para obrigar à existência a uma percentagem mínima de área descoberta para a realização de actividades desportivas e outra para recreio”, avançou o responsável. rui leão
Rui Leão sublinhou ainda a necessidade de serem criadas, ao longo de todo o edifício, áreas repartidas de lazer para as crianças, de forma a que os alunos dos pisos mais altos não precisem de descer mais de um piso para o intervalo. Outro dos reparos feito ao projecto está relacionado com as barreiras arquitectónicas. É que fora a construção de um elevador, os diferentes espaços da escola, como são auditórios, ginásio e as salas de aulas, deveriam estar interligados com rampas. “Os espaços de grande utilização deveriam ser acessíveis por rampa a partir do rés-do-chão, porque ter um ginásio ou um auditório no 10º andar de uma escola é um bocado complicado”, lembra o arquitecto.
Além disso, o membro do CPU sugere que o índice de estacionamento seja maior do que o previsto, justificando a organização de eventos e actividades públicas naquele espaço, que frequentemente atraem centenas de pessoas.
Entre as várias intervenções, Leão sublinha várias que se insurgiram em prol de um menor IOS e de mais espaços verdes e de lazer para as crianças. “A escola é onde as crianças passam a maior parte da vida infantil e se não têm espaços onde possam correr e saltar, acabam por se transformar em pessoas menos saudáveis e talvez até menos preparadas para a vida”, acrescentou o responsável.

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Aterros | Membros do CPU preocupados com nova proposta

Vários membros do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU) criticaram a nova proposta para os novos aterros, argumentando que este não é melhor que o antigo. O colectivo também se mostrou preocupado com o facto da densidade populacional da Zona A ser demasiado alta. Paul Tse, que também integra o Conselho e é director da Associação de Construtores Civis e Empresas de Fomento Predial de Macau, mostrou-se confiante no acrescento de mais elementos comerciais na Zona A. “[a falta de centro comerciais] pode fazer com que aquela zona se transforme numa ‘Cidade da Tristeza’”, disse.
 

1 Jul 2015

Saúde | Sugerida criação de “oficial de comunicação” entre médicos e pacientes

Agnes Lam considera necessário ter um “oficial de comunicação” para ajudar na relação entre médicos e pacientes. A sugestão sai de uma mesa redonda focada na saúde, onde outros presentes alinharam pela mesma ideia. Presente na discussão, Chui Sai Peng disse concordar com a necessidade de que a Comissão de Perícia tenha especialistas de fora, algo que não agrada a todos

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]gnes Lam defende a criação de um novo cargo no sector da saúde: o de um “oficial de comunicação” entre médicos e pacientes e é disso que o serviço de saúde local precisa.
“Este funcionaria como uma espécie de psicólogo para facilitar a comunicação entre médico e paciente, nomeadamente que ajudasse a esclarecer dúvidas do paciente sem precisar de passar novamente pelo médico”, explicou a académica e ex-candidata a deputada ao HM, após um debate que teve lugar no passado domingo e que foi organizado pela Associação Energia Cívica, da qual faz parte Lam.
Na mesa redonda, houve ainda quem sugerisse que este oficial deveria vir do ramo da Medicina, de forma a não só ajudar o paciente com questões frequentes, mas também técnicas, como “a quantidade de gotas para os olhos que um paciente tem que tomar ou como resolver a alergia provocada pelo medicamento receitado durante a consulta”, esclareceu.
Agnes Lam sugeriu que fossem contratados mais psicólogos ou assistentes desta área para criar um contacto mais estreito com os doentes. É que, de acordo com a académica da Universidade de Macau (UM), um dos problemas correntes nos serviços locais tem que ver com a falta de comunicação e contacto entre médicos e doentes. A nomenclatura de “oficial de comunicação” existe em Hong Kong e outros locais.
Para a mesa redonda foram ainda convidados o médico local Chu Ge Jin e a deputada e enfermeira Wong Kit Cheng. A deputada mostrou-se mais preocupada em melhorar a qualidade e credibilidade do centro de mediação de conflitos actualmente existentes, fazendo com os processos judiciais não se arrastem por muito tempo. Já o médico refere, no entanto, que a lei “não vai poder resolver todos os problemas”, considerando importante investir na melhoria das relações entre médicos e doentes.
“Esta não é uma relação meramente de serviços, mas sim entre tutor e paciente”, argumentou, numa ideia que vai ao encontro daquela expressa por Agnes Lam.
Para a académica, “os médicos não estão a dar a informação suficiente aos doentes”, mas também é preciso “aliviar a pressão” que estes profissionais sentem, voltando a defender a criação do cargo de oficial de comunicação. Este lidaria, durante o período pós-consulta e em tratamento, com os pacientes, de forma a esclarecê-los de quaisquer dúvidas relacionadas com os medicamentos, os métodos de tratamento, entre outras.

[quote_box_left]”Se formos contratar um médico de uma cidade pequena dos EUA que não esteja habituado a lidar com um sistema que receba tanta gente como o nosso, talvez não saiba lidar com isso”[/quote_box_left]

O que é crime?

Em cima da mesa estiveram ainda questões relacionadas com a criminalização do erro médico, com os presentes a relembrarem casos como erros em situações de falhas técnicas ou de material.
“Discutimos o conteúdo da futura Lei do Erro Médico e as formas como esta pode ajudar à real protecção dos pacientes de Macau, assegurando também a protecção dos médicos”, começou Agnes Lam por dizer ao HM. “Uma falha destas seria muito complicada, se pegarmos num exemplo como o de não ter equipamentos suficientes para fazer o diagnóstico do paciente”.
Neste caso, explicou, um dos médicos presentes na iniciativa sugeriu que um eventual erro de diagnóstico por falta de equipamento deveria ser considerado como uma “falha técnica” e, por isso mesmo, não criminalizado. “Estes casos deviam ser remetidos para a Comissão de Perícia, que resolveria a questão, mas também devia haver uma formação para que os profissionais soubessem que equipamentos precisam e para onde devem reencaminhar os pacientes”, esclareceu a responsável.

Problemas acrescidos

Entre os presentes, estava o deputado José Chui Sai Peng, que disse concordar com a necessidade de haver especialistas de fora na Comissão que avalia o erro médico, a ser estabelecida pelo regime actualmente em discussão e sugerida recentemente pelos deputados. No entanto, outros intervenientes argumentaram que é “preciso ter cuidado” aquando da contratação de especialistas do exterior, correndo-se o risco destes não estarem a par da realidade de Macau.
“Se formos contratar um médico de uma cidade pequena dos EUA que não esteja habituado a lidar com um sistema que receba tanta gente como o nosso, talvez não saiba lidar com isso”, ilustrou a docente da UM.
De acordo com notícia publicado no Jornal do Cidadão, o advogado Hong Weng Kuan mostrou-se preocupado com a integração dos médicos estrangeiros na Comissão de Perícia do erro médico, receando que esta solução possa implicar um desperdício do erário público. Hong considera que esta pode ser constituída por especialistas locais e só mais tarde, caso uma das partes suspeite do resultado do relatório final da Comissão, se deve pedir ajuda a pessoal de fora.

30 Jun 2015

Mulher inocentada pelo TJB sujeita a detenção por mais de 48 horas e a pena de prisão preventiva

Uma residente de Macau foi abordada pela PJ à entrada do território, acusada de um crime que diz não ter cometido. A mulher terá estado mais de 72 horas trancada numa sala sem comunicar com o exterior e sem saber o que se passava e a pagar a alimentação. Levada ao MP, o juiz decidiu pela prisão preventiva. Seis meses de cadeia depois, em condições “pouco humanas”, a mulher foi afinal declarada inocente pelo TJB

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]um dia que parecia normal, Kim Lu foi abordada pela Política Judiciária (PJ) na fronteira do Terminal Marítimo do Porto Exterior, vinda de Hong Kong. A razão: era suspeita num caso de fraude. A mulher acabou presa mais tempo do que o que a lei permite: primeiro pela PJ, depois na cadeia de Macau.
Kim (nome fictício), de 50 anos, foi proprietária de um imóvel que foi vendido em 2012. Uma denúncia feita por um professor amigo da suspeita, levou a que a que a PJ detivesse a mulher – residente em Macau – pelo desaparecimento de um abastada quantia.
Mas, as informações sobre os motivos de detenção surgiram apenas três dias depois. “Quando me abordaram na fronteira disseram-me que eu tinha que ir com eles (PJ) e não me respondiam às perguntas, nem me deixaram ligar a ninguém. Tiraram-me a carteira e só me diziam ‘é melhor confessar o que fez’”, começou por contar ao HM a residente de Macau.
Sem perceber o que se passava efectivamente, Kim terá sido transportada para as instalações da PJ, onde permaneceu durante 72 horas até ser ouvida pelo Ministério Público (MP). Recorde-se que, segundo o Código do Processo Penal, os suspeitos só podem estar até 48 horas detidos até serem apresentados ao MP.
“Foi horrível, deixaram-me numa sala com uma campainha. Eu tocava sempre e perguntava o que se passava, pedia para chamar alguém e ninguém me dava respostas. Só me disseram que era por causa do imóvel e que estava a ser acusada de fraude, para eu dizer a verdade”, relatou.
Em sua posse tinha algum dinheiro, que um agente da PJ lhe deu quando lhe apreenderam os bens pessoais. E esse foi necessário até enquanto detida. “Foi com aquele dinheiro que comprava comida e papel. Eu tocava à campainha e eles metiam comida por uma janela e pediam-me dinheiro”, afirmou ao HM.

[quote_box_left]“Quando me abordaram na fronteira disseram-me que eu tinha que ir com eles (PJ) e não me respondiam às perguntas, nem me deixaram ligar a ninguém. Tiraram-me a carteira e só me diziam ‘é melhor confessar o que fez’”[/quote_box_left]

Desespero a bater à porta

Ao final de três “longos” dias, Kim pôde fazer o seu primeiro telefonema. “Liguei à minha família a contar o que estava a acontecer e a dizer que precisava de um advogado”, relembra. Nesse dia, a suspeita foi apresentada ao MP “bastante desesperada” mas sempre certa da sua inocência.
“Estava muito nervosa, não conseguia dizer nada, só dizia que estava inocente”, diz. O juiz de instrução criminal decidiu pela prisão preventiva até julgamento.
“Não percebo a justiça de Macau, o que o [Governo] quer é mostrar que não há crime em Macau e metem culpados e inocentes na prisão, isto está errado. Há pessoas inocentes na prisão”, argumenta.
A associação que está a tratar de ajudar Kim Lu, e que à semelhança da mulher prefere manter o anonimato, explicou que esta é apenas “a ponta do iceberg de uma situação muito delicada”. A associação pretende que Kim Lu seja indemnizada pelos transtornos, mas mais que isso “é preciso que Kim consiga um trabalho e volte a ter uma vida normal”. Kim

Um cenário do inferno

Segundo o que relata Kim, foram seis meses de prisão preventiva, meio ano em situações que a mulher caracteriza como “pouco humanas”. “As coisas funcionam de forma estranha dentro da prisão, era recém presidiária e enquanto estava à espera de julgamento fiquei numa cela com pelo menos outras 18 mulheres. Nós [as novas] tínhamos que ir distribuir a comida a todos os andares da prisão, era um trabalho de força. As presidiárias que estão ali há mais tempo são amigas das guardas e têm privilégios que nós não tínhamos”, partilha.
As visitas do advogado não eram animadoras. “A minha família contratou um advogado português que durante as visitas me disse que talvez fosse melhor eu assumir, mesmo não tendo culpa porque podia ser mais fácil para mim”, conta, frisando que nunca o aceitou fazer. “Onde estão os direitos das pessoas? Era culpada de quê? De não ter feito nada? De ter ficado calada em frente ao juiz do MP?”, relembra.
Apresentada ao Tribunal Judicial de Base, o juiz não teve dúvidas: Kim Lu estava inocente. “Foi um alívio”, frisa.
Ainda que esta tenha sido uma situação que parece ter terminado bem, a mulher garante que não é a única a sofrer este tipo de injustiças.
“Esta é apenas a minha história, há muitas histórias destas, muitas. O Governo só quer enganar as pessoas, mostrar que Macau não tem crime. As coisas não podem ser assim, não se pode prender as pessoas sem investigação. O meu caso só foi investigado depois de eu estar meses presa. Não é justo, não é justo”, defende.
A associação confirma ao HM que o caso vai seguir para os tribunais e espera que este seja o primeiro de vários casos que diz encobertos a ser tornado público. “A decisão dos juízes de aplicarem a prisão preventiva por tudo e por nada não faz sentido. Existem outras medidas, fianças, apresentação periódica, por exemplo, em vez desta. A prisão de Macau está lotada e inocentes podem estar à espera atrás das grades”, argumenta um dos responsáveis do grupo.
Contactada pelo HM, a PJ afirmou que “as autoridades seguem o Código de Processo Penal e os suspeitos são apresentados ao MP em 48 horas” em todos os casos. Sobre este em especifico, as autoridades não prestaram qualquer declaração alegando não terem dados suficientes.

30 Jun 2015

Função Pública | Apenas 50 serviços fazem avaliação de desempenho

O Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia da Função Pública prevê uma avaliação de desempenho não obrigatória. Os SAFP confirmam que apenas 50 serviços o fazem. Dirigentes associativos pedem maior abrangência, transparência e melhorias visíveis

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) confirmaram ao HM que actualmente só o pessoal de chefia de 50 departamentos públicos “é sujeito à apreciação do desempenho”, do total de todos os mais de cem departamentos existentes na Função Pública do território. A avaliação do desempenho não é obrigatória e é feita anualmente, constando no Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia. Só em 2013 foi publicado o modelo base de elaboração do respectivo relatório de avaliação, “através do qual é apreciada, segundo indicadores diversificados, a capacidade do pessoal de direcção”.
Contactado pelo HM, Lei Kong Wong, secretário-geral da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Origem Chinesa, considera que os números apresentados pelos SAFP “não são grandes” se for feita uma comparação com todos os serviços existentes na Função Pública.
Para Lei Kong Wong, esta é ainda uma “política piloto”, tratando-se de “uma boa medida”.
“Segundo os regulamentos e restantes leis da Função Pública, apenas com o nível médio [de avaliação] se pode fazer a execução de medidas, sendo que a avaliação serve unicamente para se verificar o esforço feito no trabalho, a pontualidade ou a atitude de boa educação face aos superiores. Contudo, os técnicos de primeira classe, os chefes de departamento ou os directores de serviços é que apresentam trabalhos decisivos para o Governo e por isso é que existe a necessidade de apreciação do seu desempenho todos os anos”, disse o responsável ao HM.

Falta de critério

Lei Kong Wong referiu ainda que “deveria ser criado um critério de apreciação para os responsáveis das direcções”, estabelecendo-se uma diferenciação em relação a outras categorias de trabalhadores. Para o secretário-geral da Associação, os Secretários não fizeram uma apreciação do desempenho do pessoal das direcções, “quando os seus trabalhos são os que mais coordenação têm com o Governo”.
Já o director da Associação dos Técnicos da Administração Pública de Macau, Kun Sai Hoi, considera que este mecanismo de avaliação “devia ser mais abrangente e completo”. O responsável considera que a avaliação deveria estar ligada a um sistema de prémios e às possíveis novas nomeações, por forma a coadunar a avaliação com as necessidades da Função Pública. “Espero que o nível de transparência possa ser mais elevado, para que o público também possa fazer a supervisão do pessoal”, disse ao HM.
José Pereira Coutinho, deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública (ATFP), diz não dar atenção ao sistema de avaliações. “Quer façam avaliação ou não, muitos dos serviços públicos pecam pela disponibilização de serviços com fraca qualidade, a começar pelo respeito das línguas oficiais. Depois há falta de informação disponível sobre questões pertinentes. Portanto quer a avaliação seja boa ou má, o resultado da avaliação não se vê.”
Para o deputado, a preocupação deveria centrar-se no estatuto e regulamento dos titulares dos principais cargos. “Se não houver cumprimento desse estatuto, para quê retirar responsabilidade dos seus inferiores? É injusto”, concluiu Coutinho.

30 Jun 2015

A cidade feliz

“É conhecida como a Las Vegas da Ásia mas, para os visitantes não-jogadores, Macau é tudo menos isso. Apesar de fazer mais dinheiro do que a cidade-pecado do Nevada, Macau não tem nem a vibração electrizante das festas da Meca do jogo do deserto nem o glamour dos tempos passados que os Casinos à beira mar, estilo Mónaco, exibiam.” Tiffany Ap CNN. 26 Jun 2015

[dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uando Deng Xiao Ping elaborou o princípio de “Um país, dois sistemas,” provavelmente uma das criações políticas mais brilhantes do séc. XX, estaria, com certeza, longe de imaginar que Macau conseguiria ir mais à frente e inventar um terceiro sistema: um sistema caracterizado pela ignorância, pela falta de visão e pela cupidez. Um sistema cujo único objectivo, contrariamente ao de progresso preconizado pelo velho estadista, tem sido o da destruição sistemática de uma cidade, de uma forma de vida ou, como Esopo escrevia, desenhado para matar a galinha dos ovos de ouro. Um sistema responsável pela dissolução de uma cidade histórica num pastiche cada vez mais incaracterístico e, de arrasto, por comprometer seriamente o seu próprio futuro como entidade cultural e pela ruína da qualidade de vida dos seus cidadãos, porque o dinheiro, como é de ver, não é sinonimo de qualidade.

Antes Macau queixava-se que ninguém queria saber da terra e que a imprensa internacional não se interessava por nada que aqui se passasse. Mas o terceiro sistema conseguiu resolver o problema. A questão agora é que quando Macau é referenciado na imprensa internacional muitas das vezes não é pelas melhores razões: ou é pela falha no sistema de protecção às crianças, pela incrível incapacidade de regular a violência doméstica, pela incapacidade de gerir e conservar património cultural ou mesmo para ser ridicularizado pelas suas opções estratégicas de turismo como acontece neste artigo da CNN sob o título “Macau 2.0: Gambling mecca’s shiny, crazy, new attractions”e do qual extraí o texto de abertura. Um artigo que termina de forma algo irónica com uma citação do Secretário Alexis Tam que terá dito: “Vamos transformar Macau numa cidade feliz.” Caro secretário, custa-me dizer isto porque estava quase convencido que finalmente tínhamos um governante capaz de arrumar a casa, mas a única felicidade que essa declaração me provoca é uma vontade enorme de rir. Mas um rir triste, um rir de quem não quer chorar pois Macau era uma cidade feliz antes do terceiro sistema ter sido implementado. Macau tinha espírito, as pessoas gostavam de cá viver, de cá voltar e existia sempre na ideia do mundo a imagem de uma cidade sem igual, meio mediterrânica, meio chinesa. Agora é um estaleiro permanente sem um qualquer sentido que se vislumbre. A cidade feliz que agora se anuncia não é uma cidade, é um parque de diversões, caro secretário.

[quote_box_left]”A vaca sagrada. Ou o governo faz ou ninguém faz. Em qualquer outro país, especialmente naqueles mais virados para o turismo, organizações privadas podem utilizar o espaço público (mediante regras, naturalmente) para organizar eventos e intervenções como, por exemplo ainda agora o escorrega de água em Vila Nova de Gaia, concertos.. o que for. Em Macau não. Em Macau não vale a pena ter ideias. Em Macau não vale a pena propor. Em Macau é governo, governo, governo e nada mais do que governo. Cansa.”[/quote_box_left]

Conforme é enunciado no artigo da CNN não há qualquer interesse específico em visitar Macau nos dias que corre. Hotéis faiscantes, Torres Eiffeis de pacotilha e quejandos há (ou pode haver) em qualquer lado. O que não há é uma terra como Macau já foi. Macau vai perdendo a sua autenticidade a um ritmo diário. Ao ritmo de mais uma construção sem sentido, ao ritmo do abandono da cidade pelos próprios locais pois é cada vez mais frequente ouvir os naturais da terra, chineses ou macaenses, ou outros, dizerem que já não aguentam mais, que mais vale irem passar o resto dos seus dias para Phuket, regressarem a Portugal ou irem para qualquer outro lado. E isso não faz uma cidade feliz. Isso não faz sequer uma cidade. E se não se pretender debandar para muito longe, Zhuhai é cada vez mais uma opção. Uma cidade bem planeada, com obras de vulto assinadas por arquitectos de renome internacional e que aos poucos vai envergonhando a outrora orgulhosa cidade de Macau.
Senão analisemos sucintamente a “cidade feliz” em meia dúzia de áreas vitais:

Património Cultural e afins

Como dizia o arquitecto Vizeu Pinheiro há dias, “qualquer dia só restam as igrejas” ou parafraseando o também arquitecto André Ritchie vivemos de fachada. O largo do Leal Senado parece uma feira cheia de reclamos, em qualquer lugar do mundo (até na China) um lugar classificado não se compadece com isso. Que faz Macau? Empurra com a barriga. Depois entramos no património. Que há lá dentro? Nada. A Casa do Mandarim ou a mansão Lou Lim Ioc, por exemplo, são apenas conchas vazias. Todavia, se tivermos a ousadia de propor filmar lá dentro ou organizar um evento não nos autorizam a tocar em nenhuma das relíquias (leia-se flores de plástico e prateleiras de alumínio). Em Portugal, que neste caso podia muito bem servir de exemplo, no auge do movimento rave, as maiores, com milhares de pessoas a dançarem, foram organizadas dentro de castelos (património mundial) como o Castelo de Santa Maria da Feira ou o de Montemor-o-Velho por entidades privadas. Em Macau, perdoem-me a expressão, nem um peido se pode dar junto do património. As Casas do Lilau são outro exemplo de inépcia. É só fachada. Mesmo.

Saúde

É preciso dizer alguma coisa sobre isto?

Trânsito

Quando é que há tomates, repito, tomates para se fechar a Almeida Ribeiro ao trânsito, a Rua da Felicidade ou a rua do Campo? Macau é assim tão grande que não se possa andar a pé? Alguém já reparou como a presença massiva dos carros e seus ares condicionados contribuem, em muito, para o aumento de temperatura da cidade, já para não falar da poluição? Porque não se criam circuitos pedonais? E se a preocupação é mesmo a saúde a julgar pela draconiana lei do fumo, porque ninguém se preocupa em tirar carros da rua?! Porque é que os ciclomotores de 50cc (altamente poluentes) ainda são permitidos?! Porque não se abrem as ruas à bicicletas? Porque não existem autocarros amigos do ambiente? Porquê, porquê?…

Diversificação económica

Desenhada para os mesmos fazerem mais do mesmo.

Indústrias culturais

Gadgets, lembranças e sucedâneos e nenhuma visão politica sobre o assunto. Concursos de filmes disparatados lançados pelo IC e pouco mais.

Arquitectura

Para além das obras públicas, Macau podia preocupar-se com a arquitectura dos prédios de habitação que vão surgindo. Mas não, apenas saem caixotes atrás de caixotes ao nível do pior que se faz na China. Já alguém se deu ao trabalho de olhar para as novas urbanizações em Zhuhai? Não deixam de ser prédios com muitos andares mas nas zonas nobres, como Gongbei, não são propriamente caixotes…

Ordenamento urbano

Tapumes de zinco ferrugentos e mal amanhados, autocarros amontoados em zonas nobres (quando podia, por exemplo ter sido planeado um espaço na Ilha da Montanha). Obras por todo o lado… Já alguém reparou como se delimitam as zonas de obras em HK? Porque é que Macau continua a ser terceiro mundista até nisto? Porque não se aproveitam os painéis para propor aos artistas da cidade que os decorem? Porque não se arranja uma solução para os pinos de trânsito na Av. da Amizade? Porque é que é tudo sempre uma grande salganhada? Dá algum prazer andar pela cidade?…

Fumo e drogas leves

Faz algum sentido o finca-pé do governo? Faz algum sentido chamar a Macau a cidade do lazer e uma pessoa ser multada à chegada ao aeroporto (por causa da pala)? Faz algum sentido vir a uma terra para descontrair e não poder fumar numa discoteca ou num bar? Falam do Japão?… Alguém tem a lata de falar no Japão quando por lá quase todos os restaurantes têm zonas de fumo, quando se pode fumar nos bares e discotecas, quando todas as estações de comboios e outros locais públicos têm salas de fumo? Casinos onde se joga e não se pode fumar sem ter de se parar de jogar? Mas isto cabe na cabeça de alguém? Não cabe porque não pode caber. É mais um tiro no pé a grande especialidade do governo de Macau. Fala-se até que vão aumentar os impostos (outra vez) sobre o tabaco. Para quê?! Acham mesmo que as pessoas vão deixar de fumar? Ou vão começar a contrabandear tabaco e a comprá-lo em Zhuhai? Se se preocupam tanto com a saúde, sabendo como o tabaco é feito na China, isso não preocupa? Aumentar taxas é sempre a solução mais fácil, é sempre a solução utilizada quando não se sabe o que fazer.
Em relação às drogas leves, quando o mundo inteiro despenaliza Macau agrava as sentenças? Nem no mundo das leis segue o seu legado? Que diabo…

Espaço Público

A vaca sagrada. Ou o governo faz ou ninguém faz. Em qualquer outro país, especialmente naqueles mais virados para o turismo, organizações privadas podem utilizar o espaço público (mediante regras, naturalmente) para organizar eventos e intervenções como, por exemplo ainda agora o escorrega de água em Vila Nova de Gaia, concertos.. o que for. Em Macau não. Em Macau não vale a pena ter ideias. Em Macau não vale a pena propor. Em Macau é governo, governo, governo e nada mais do que governo. Cansa.

Organização Administrativa

Toda a gente sabe que um dos problemas graves de funcionamento do governo é a rivalidade entre departamentos. Falta de comunicação, bloqueios, “o meu departamento é melhor que o teu” o que piora quando se tratam de departamentos de secretários deferentes. Pergunta: de que está o governo às espera para construir um espaço onde consiga albergar o governo todo? Porque diabo ainda temos serviços aqui e servicinhos ali? Não seria melhor? Não facilitaria a comunicação? Não aproximaria os sectores? Não libertaria imóveis, que poderiam ser úteis para outras coisas? Não contribuiria para aliviar a pressão no imobiliário?

Com todas estas tromboses, como é possível Macau imaginar sequer poder atrair turistas que não os campónios da China? Porque os turistas de elite (o jargão do momento) nem da China nem de lado nenhuma para aqui vêm. Alguém com o mínimo de gosto quererá vir passar o seu precioso tempo de férias a um lugar que não é nem carne nem peixe e em permanente estado de sítio? Não será melhor ir para Singapura, por exemplo? O terceiro sistema, este sistema macaíno da imbecilidade por mais que batam no peito e façam, juras de amor à pátria, em tudo contraria o velho Deng ao mandar para fora da China os visitantes que aqui poderiam deixar as suas divisas e mesmo ao dinamitar a política de hoje do governo Chinês que pretende Macau como a plataforma de contacto para os países de língua portuguesa. Ao matarem o espírito da cidade também isso matam. Com todo o dinheiro que Macau fez nestes últimos anos tinha a obrigação de ter sido capaz de criar uma cidade sem paralelo, uma verdadeira cidade feliz. Mas não. Agora os poderes entreolham-se e pensam como sair do buraco que cavaram. Não ajudam nem a pátria nem os que cá estão.

Fiquei cansado. Não me apetece dizer mais nada. São muitas as perguntas sem resposta. A estupidez cansa.

MÚSICA DA SEMANA

“Requiem for a Dream” de Clint Mansell interpretado pelo Kronos Quartet.
Tenha uma boa semana caro leitor. Se for possível.

30 Jun 2015

Kuok Cheong U, director do Centro Hospitalar Conde de São Januário

Kuok Cheong U, o novo director do hospital público, mostra-se confiante na melhoria dos serviços médicos. Mais trabalho de equipa, uma academia de formação médica, escoamento de pacientes mais eficaz e serviços com horários prolongados são alguns dos pontos que defende. Para ele, a RAEM tem de contar com os seus recursos e não esperar por “milagres”, vindos de Pequim ou de Portugal

[dropcap]O[/dropcap] cirurgião Rui Furtado afirmou que no atendimento no serviço de urgências só existem médicos não diferenciados, ou seja, sem especialidade, algo que, na sua opinião, põe em causa o diagnóstico. Isto é verdade?
Temos médicos especialistas em serviço nas urgências, sempre tivemos. Comecei a trabalhar neste hospital em 1992, comecei como médico especialista em Macau em 1986 e antes disso trabalhava no Kiang Wu, portanto conheço os dois sistemas hospitalares muito bem. No início, o médico especialista de serviço, incluindo todas as especialidades e não só o serviço de urgência, trabalhava segundo o sistema de médico por chamada, ou seja, podia não estar no hospital mas se fosse necessário era contactado e tinha que se apresentar no serviço. Com isto, o que acontecia é que os médicos de clínica geral estavam no serviço, nessa altura, falo dos anos 90. Mas depois disso percebeu-se a tendência mundial de melhorar o sistema de saúde incluindo o serviço de urgência e começámos a estabelecer médicos especialistas neste serviço. Temos seis médicos especialistas no serviço de urgência que cumprem o seu serviço em turnos de 24 horas, durante todo o ano. Temos um plano de escalas, um relatório do trabalho dos médicos… Portanto, temos sim médicos especialistas competentes no nosso serviço de urgência.

Foi ainda dito que o serviço de urgência tem vindo a aumentar o número de camas…
É preciso esclarecer que o aumento de camas não é do serviço de urgência mas sim das salas de observação em que os doentes estão, como o nome indica, em observação até ser determinado o seu problema. É aí que se percebe o que é que o doente precisa, se é necessário um tratamento urgente ou se passa para a especialidade. Neste período de tempo precisamos de camas para ter os doentes. Nas salas de observação, no início, nos anos 90, tínhamos cerca de dez camas, mas depois com o desenvolvimento económico de Macau e o aumento da densidade populacional, precisávamos de melhorar a nossa capacidade de recepção de doentes. Portanto fomos aumentando consoante a necessidade, passo a passo, de dez camas, para 20, 30 até às cem.

Mas este aumento entope o serviço, porque a especialidade não tem a mesma capacidade para receber.
Concordo com o que o dr. Furtado disse: o número de camas é excessivo. Temos que considerar como contornar a situação não só para expandir mas como controlar, e como, claro, usar os recursos da melhor forma. Isto é o que eu vou fazer e estou confiante que o consigo fazer. É um facto a incapacidade que temos de momento em fazer circular os pacientes. Este é o problema. O que estou a tentar é resolvê-lo, como tentar diminuir o tempo em que os pacientes estão na sala de observação. Isto é algo que temos que fazer, melhorar a comunicação entre as especialidades e a emergência. Temos que nos reconectar. Quero resolver esta questão nos próximos três meses.

Portanto o problema do número de camas insuficiente, em todas as especialidades, mantém-se?
Sim, mantém-se. Estamos a tentar resolvê-lo de várias formas. Uma delas é tentar organizar e equilibrar as salas de observação. Estamos também a tentar aproveitar alguns espaços desaproveitados do hospital mas, claro, é preciso ter em conta os recursos humanos existentes. Portanto, temos muito trabalho pela frente.

Assumiu o cargo há pouco tempo. Quais as medidas prioritárias a tomar?
Neste momento ainda estamos na fase de planeamento. Disse-lhe que estou confiante, porque há de facto uma excelente comunicação entre mim, como director do hospital, o director dos Serviços de Saúde e o Gabinete do Secretário. Neste momento todos sabemos que a economia de Macau não está numa fase muito estável e, por isso, temos que considerar [a execução do plano] de forma mais cuidadosa. Temos vários planos, mas um plano é um plano. Sabemos também que as pessoas estão muito atentas a este assunto e queremos ir ao encontro das preocupações da população.

kuok cheong u

Mas, no imediato, o que pretende fazer?
Por exemplo, anunciámos que vamos alargar o horário do alguns departamentos. Porquê? Porque queremos ganhar tempo perante o cenário da lista de espera para a especialidade. Esta lista é um pouco longa e achamos que conseguimos resolver isso tendo um horário mais alargado. Este é o ponto um. Sempre tendo em conta que aumentar o horário não pode implicar aumentar a carga de trabalho dos recursos humanos, não só médicos, mas também dos enfermeiros e auxiliares. Temos que ter muito cuidado. Por isso é que vamos tentar em quatro departamentos primeiro, como um teste.

Quais os departamentos?
Cardiologia, Ortopedia, Fisioterapia e Radiologia. A lista de espera de Ortopedia é muito grande, é de mais de cem dias. Claro que comparado com outras cidades, como Hong Kong, não é assim tão longa, mas em Macau é de facto grande. Vamos tentar aproveitar e organizar o horário, administrando-o da melhor forma possível. Na minha opinião temos espaço para crescer, para melhorar. Nas áreas de Cardiologia e Radiologia estou bastante familiarizado e sei que conseguimos diminuir o tempo de espera. Estes quatro departamentos são os meus alvos de teste para me responder às perguntas: como conseguimos diminuir e se efectivamente conseguimos da forma adequada e sem aumentar a pressão nos recursos humanos. Pretende-se criar turnos rotativos, o que significa que vamos manter o pessoal, toda a equipa, médicos e enfermeiros, 24 horas por semana. Assim consigo não aumentar a pressão nos recursos e ao mesmo tempo melhorar a performance dos profissionais.

E o segundo ponto?
Queremos também tomar esta medida, não só pelas listas de espera, mas também pelo novo Hospital das Ilhas. Não sou engenheiro, não estou dentro da construção, mas o meu trabalho é preparar uma equipa profissional para trabalhar lá.

Como é que o vai fazer?
Se não tivermos tempo, se não tivermos espaço não consigo preparar uma equipa local. Não podemos esperar ajuda de Pequim ou de Portugal porque eles têm os seus trabalhos, os seus problemas. Temos que nos preparar a nós mesmos. Portanto, se conseguir prolongar a hora de trabalho em todos os departamentos significa que terei mais um período de tempo para os novos trabalhadores, usando as mesmas instalações para fazerem o seu trabalho. Se eles conseguirem fazer um turno, terei uma segunda equipa preparada. E quando o hospital estiver pronto terei uma equipa para enviar para lá.

Quando é que acha que o novo hospital estará pronto?
Não sou eu que lhe posso dar essa resposta porque não sou engenheiro. Mas o meu trabalho é preparar os profissionais e isso já está a ser feito. Mas claro, antes de me empenhar a 100% nisto, tenho que fazer alguns testes. Tenho que perceber qual a resposta da população. Por exemplo, um paciente tem uma dor, ele irá preferir ir ao hospital depois das 18 horas ou espera até ao dia seguinte? Tenho que perceber o comportamento da sociedade, tenho ainda que ouvir os médicos, colaboradores, enfermeiros, auxiliares e as suas opiniões. Eles também têm famílias. É um trabalho de equipa, temos que trabalhar como tal e assumir que aqui se trabalha assim.

Discute-se a acreditação dos médicos. O director sempre defendeu a avaliação dos mesmos. Quem faz esta avaliação? O próprio hospital?
Até agora, desde que vim para este hospital, passei por um período bem difícil de treino – faz parte -, de estágios e exames. Compreendo a lei e a regulação de forma clara e concordo com ela. Todos os médicos neste hospital, incluindo eu próprio, estamos conforme a lei. A avaliação é feita por especialistas de fora e locais que trabalham em equipa.

[quote_box_left]”Estamos a tentar incluir médicos com excelentes qualidades, independente da sua nacionalidade, da sua língua. Estamos a tentar tornar o sistema internacional. Desde que assumi funções, todas as comunicações, reuniões e decisões são feitas em inglês e é assim que deve continuar”[/quote_box_left]

E sobre a acreditação do hospital atribuída por uma empresa australiana. Foi comprada conforme acusam?
Tenho uma resposta da empresa, sobre um artigo que saiu no vosso jornal sobre este assunto que diz, passo a citar, “a organização pode comprar o serviço de acreditação, mas nunca o resultado final”, palavras de Christine Dennis, CEO da Australian Council on Healthcare Standards (ACHS), a empresa responsável pela acreditação. Acho que isto é uma afirmação muito importante. Por exemplo, podemos comprar um Ferrari mas nunca compraremos um campeonato. Certo?

As alterações propostas pela empresa serviram apenas para conseguir a acreditação ou ainda estão a ser respeitadas? O hospital foi acusado de as ter esquecido logo depois de conseguir a acreditação. É verdade?
Não creio. Aqui trabalha-se em equipa e num sentido geral trata-se de uma atmosfera muito boa, embora haja casos em que algumas boas pessoas não são assim tão bons colegas de equipa. Alguns deles, quer [o hospital] tenha ou não acreditação podem não dar o seu melhor e nós temos que estar de olho neles, para garantir o trabalho certo. Por isso é que existe um director, para garantir que as coisas funcionam e são cumpridas. Se não estiverem a funcionar correctamente é necessário marcar uma reunião para resolver o problema. Esse encontro vai-nos dizer se estamos a dar um bom apoio e se estamos a seguir os conselhos da [empresa de] acreditação. Porém sei que alguns departamentos não têm recursos humanos suficientes, nem espaço suficiente para trabalhar. Mas estamos a tentar fazer uma reforma nesse sentido…é para isso que aqui estou.

A quantidade de dinheiro público, em fundos do Governo, que é entregue ao hospital privado Kiang Wu, é bastante volumosa. Esse dinheiro não deveria ser empregue nas instalações públicas? Aqui neste hospital?
Essa é uma questão que deve ser feita ao director dos Serviços de Saúde. A minha opinião é que existe um orçamento limitado. Por exemplo, no caso do hospital, este edifício não pode aumentar, por ser localizado numa zona em que é preciso manter o tamanho actual. O facto de não poder crescer vai implicar a compra de serviços ao exterior. Sabemos que Macau é uma terra pequena e que a densidade populacional está a crescer cada vez mais, tornando-se uma das maiores do mundo. Este é um serviço de saúde, estabelecido nos anos 80, e é preciso perceber como é que pode ir ao encontro deste aumento da população. Uma das soluções é abrir outro hospital, já o estamos a fazer. Mas antes disso é preciso alargar o horário do funcionamento dos serviços. Segundo ponto, comprar serviços. A questão que deve ser considerada é quanto é preciso pagar por isso.

Entrando em algumas especialidades, como a Obstetrícia e Ginecologia. Não foi feito a mais de 500 mulheres o primeiro ultra-som fetal. Como é que se justifica esta ausência de comunicação entre médico e paciente?
Há diferentes níveis deste ultra-som fetal, nós fazemo-lo em três níveis: nos primeiros três meses, nos três meses do meio e nos últimos três meses. Não fazer o primeiro não traz qualquer problema. Normalmente não é necessário. À excepção de alguns casos em que algo possa correr mal, um sangramento, por exemplo. Segundo sei, não há obrigatoriedade no exame nos primeiros três meses. Podemos pensar assim: os seres humanos nem sempre tiveram ao seu dispor máquinas de ultra-som e continuámos a crescer na mesma. O ultra-som é algo que os médicos podem usar como um acrescento, não precisamos do ultra-som para manter a gravidez estável. Se a grávida se sentir bem e estiver tudo bem, o primeiro exame pode não ser feito, não há necessidade. Já no segundo período da gravidez podemos utilizar este exame para perceber o estado do feto, se é normal ou se poderá ter um problema grave no futuro. Na fase final nem sempre é preciso. A segunda fase é a mais importante, porque, no caso de ser preciso fazer uma intervenção, é mais fácil nesta altura do que mais tarde. Futuramente, com o desenvolvimento da medicina, talvez nem seja necessário o ultra-som.

Estavam de saída alguns médicos desta especialidade. Já foram substituídos?
Sim, neste momento temos 16 obstetras e ginecologistas a trabalhar neste hospital. Nos últimos dois anos saíram seis e foram recrutados cinco.

Falando de uma maternidade mais humanizada… Está disponível neste hospital a epidoral para as mulheres em trabalho de parto? Passa por elas a decisão de receber a anestesia ou não?
Sim, claro que temos, mas a opção de administrar passa pelo ginecologista ou obstetra em questão. Claro que a opinião da mãe e da família é tida em conta, mas trata-se de uma decisão médica.

kuok cheong u

Os cursos pré-natais, disponíveis neste hospital, são dirigidos apenas em cantonês. Num sistema de saúde que se quer internacional, como é que isto acontece?
Desconhecia e garanto que vou resolver a questão. Daqui a três meses volte a perguntar-me isso. (risos)

Ainda no idioma, porque é que o hospital não está no seu todo equipado pelo menos com as duas línguas? Há corredores e especialidades só na língua chinesa.
Quero estabelecer uma melhor comunicação com as pessoas e isso já está a acontecer, como por exemplo, na entrada do hospital coloquei informações de uma exposição em três línguas: Chinês, Português e Inglês. Essa é uma aposta minha. Não sei falar em Português, mas quero muito alcançar este objectivo de pelo menos duas línguas.

Pretende colocar profissionais portugueses e chineses a liderar equipas? Faz questão que haja essa permanência das duas línguas?
Estamos a tentar incluir médicos com excelentes qualidades, independente da sua nacionalidade, da sua língua. Estamos a tentar tornar o sistema internacional. Desde que assumi funções, todas as comunicações, reuniões e decisões são feitas em inglês e é assim que deve continuar.

Chegou um caso ao HM de uma paciente que não conseguiu fazer o tratamento na especialidade de Nefrologia e teve que ir para o privado fazer. Há falta de equipamento?
De facto, temos máquinas, mas é certo que não são suficientes, por isso é que temos que comprar o serviço ao hospital Kiang Wu, embora seja bastante caro. Queremos expandir os nossos serviços de hemodiálise para que os pacientes possam de forma autónoma fazer o seu tratamento. Isto não é algo novo em Macau, é uma tendência mundial. A necessidade de passar quatro ou cinco horas de dois em dois dias num hospital para tratamento é algo que temos que combater, proporcionando ao paciente outras formas de fazer a hemodiálise. Estamos a tentar perceber se há uma área em que isto possa ser feito.

Num sistema de saúde perfeito, o público não terá que comprar ao privado. Concorda?
Não ignoro os serviços privados, eles fazem parte de Macau, são um recurso da população. Serviços e médicos, privados ou não, pertencem a Macau. Por isso, acho que devemos trabalhar em equipa.

Concorda com a vontade de ser criada uma Faculdade de Medicina?
Não. Acho que há um mal entendido entre academia, escola e universidade. Alexis Tam disse que vamos ter uma academia médica em Macau e isso eu apoio e dedicar-me-ei a 100% nesse projecto. Macau é um terra pequena e talvez faça sentido no futuro ter uma Faculdade de Medicina, mas não agora. Não temos recursos, não temos as condições para levar este projecto para a frente. A não ser que cresçamos a nível de volume e que, efectivamente, haja essa necessidade.

Mas concorda com a academia médica?
Sim, acho que é preciso uma academia que dê formação contínua aos profissionais já existentes. Precisamos de um organismo de acreditação profissional e essa academia vai convidar especialistas de fora, seja dos EUA ou de outro lado. Vamos tentar convidá-los para gerir esta academia e os programas de formação deverão ser acreditados a nível internacional. Estamos sempre a querer que em Macau o sistema de saúde seja acreditado internacionalmente, por isso, julgo que este é o caminho a seguir. Por exemplo, a lei de Macau não é a lei de Hong Kong mas de qualquer forma, e mesmo que eu não queira lá trabalhar, quero que o meu estatuto profissional seja reconhecido em Hong Kong.

Quando é que esta academia estará pronta?
Este é um grande trabalho, um grande projecto, que não espero que aconteça em três meses, mas sim, em dois, três ou quatro anos.

Concorda com a Lei do Erro Médico?
No meu ponto de vista, não é uma prioridade. Nem todos os países têm esta lei, por exemplo, Hong Kong não tem, porque está contemplado no Código Civil. Não deve ser uma prioridade, mas temos espaço para a discutir, temos espaços para a perceber. Está aberto para discussão mas não é prioritário.

Em caso de saída de Lei Chin Ion, poderá aceitar assumir o cargo como director dos SS?
Ainda é cedo para falar sobre isso, ainda agora me sentei nesta cadeira e tenho muito trabalho pela frente. Como disse há muita coisa para fazer, quero muito fazer o meu trabalho bem e sei que o vou fazer.

“Os próximos cinco anos serão a era mais brilhante da saúde”, defendeu Alexis Tam. Quer comentar?
É preciso uma correcção na interpretação dessa expressão. Antes de aceitar este cargo, trabalhei no gabinete portanto percebo perfeitamente o que o Secretário quer dizer com essa expressão. O que é o brilhante? O brilhante refere-se à construção. Há muitos planos de construção, tanto eu como o Secretário sabíamos isso, portanto, serão anos brilhantes no que respeita à construção. Agora posso dizer-lhe que faremos o nosso melhor para acompanhar esta tendência de evolução, esta construção. Não somos engenheiros, mas como é que vamos equilibrar o crescimento com a construção? Com os nossos planos para melhorar os serviços, não só no hospital mas também nos Serviços de Saúde. Estou confiante nesta era brilhante que agora começa.

29 Jun 2015

Menores | Christophe Bernasconi, secretário-geral da Conferência de Haia, critica RAEM

Macau precisa de estar mais atento e preparado para resolver questões ligadas à protecção das crianças. Ainda não foi desta que o território ratificou a Convenção de Haia de 1996 que regula assuntos como a responsabilidade parental e medidas de protecção dos menores. Enquanto isso as falhas vão continuar a existir, ainda que possam ser corrigidas

[dropcap type=”2″]”S[/dropcap]im, existe uma falha no sistema de protecção de crianças” em Macau. Assim defende Christophe Bernasconi, secretário-geral da Conferência de Haia do Direito Internacional Privado. Com a não ratificação da Convenção de 1996, que regula a cooperação entre países e regiões sobre a responsabilidade parental e das medidas de protecção das crianças, Macau pode não conseguir resolver vários problemas relativos aos menores, como por exemplo quais as autoridades competentes para tomar decisões, qual a lei a aplicar nos diversos casos que possam surgir ou ainda como reconhecer e impor uma estratégia de protecção – particularmente as mais urgentes.

“Macau não tem este conjunto de regras que são capazes de encontrar e definir soluções”, argumenta Bernasconi, que esteve no território para participar no seminário “Rumo à felicidade infantil através das Convenções de Haia relativas ao Rapto de Crianças e à Protecção das Crianças”, que aconteceu na quinta e sexta-feira na RAEM.

Sublinhando a importância de se ratificar a Convenção de 1996, o secretário-geral explicou ao HM que situações como a possibilidade das crianças passarem as fronteiras sem autorização dos pais podem continuar a acontecer devido a esta falha, tal como o HM já tinha noticiado anteriormente.

“Apesar de Macau ter ferramentas, como a Convenção de 1980, que permitem a protecção de crianças, há de facto uma falha que se pode sentir, por exemplo, na possibilidade de as crianças passaram as fronteiras sem autorização dos pais. Esta falha, pode ser rematada pela ratificação da Convenção de 1996, que disponibiliza uma estrutura sólida de regras que poderiam ser aplicadas em situações transfronteiriças”, disse.

Questionado sobre o facto da fronteira ser com a China, país fora da conferência, Christophe Bernasconi clarificou que a Convenção pode apenas servir de guia. “[As regras] não se aplicariam necessariamente entre a fronteira da China e Macau, mas poderiam ser tomadas como fonte de inspiração para um tipo de acordo entre a China continental e o território. Sabemos que as convenções têm servido como modelo para acordos entre regiões. A possibilidade existe”, rematou.

Pequenos passos

É de lembrar que Macau e Hong Kong assinaram a Convenção de 1980 que regula os aspectos civis de rapto internacional de crianças e apesar de ainda não pertencer ao grupo de países e regiões que ratificaram a Convenção de 1996, foi o território que acolheu o seminário. Num resumo, o secretário-geral afirma que o “que aconteceu foi extremamente significante”, pois “mais de 130 participantes, representando 23 países e regiões partilharam as diferenças e experiências entre si”.

“Este seminário foi muito importante para que os países que assinaram estas convenções possam dar o seu testemunho e exemplo aos países e regiões que ainda não assinaram mas mostram vontade de o fazer”, argumentou, caracterizando o saldo final como “muito positivo”. “Os participantes gostaram e querem mais, Macau foi um óptimo anfitrião”, rematou.

Recorde-se que na cerimónia de inauguração do seminário, a Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, argumentou que o momento representava uma oportunidade “valiosa para que os peritos na área jurídica do Governo da RAEM possam aprender com as boas práticas e experiências de outros países e regiões”.

A China continua a ser uma peça mistério, mantendo-se afastada mas assumindo-se atenta. “O país está atento ao problema das crianças e famílias que cruzam fronteiras”, defendeu Lu Zhenhua, representante do ministério dos Negócios Estrangeiros da China em Macau, citado pelo jornal Ponto Final. “Queremos aprender como proteger melhor os direitos das crianças e esta é uma excelente oportunidade”, rematou.

Para Christophe Bernasconi os pontos são claros: a Ásia deve estar mais atenta e activa. “Os casos das crianças refugiadas, fugitivas, vítimas de exploração económica e sexual e as sequestradas exigem que os países enfrentem as suas responsabilidades e implementem medidas práticas para o seu combate”, defendeu.

A Conferência de Haia de Direito Internacional Privado surgiu em 1893 e dedica-se à protecção internacional das crianças e das famílias, às leis de comércio e finança internacional e à cooperação internacional em litígios. Dela fazem parte 79 membros de 67 países que já assinaram ou ratificaram as suas convenções.

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Direitos Humanos | Macau com capacidade limitada face ao Governo, diz relatório

O Departamento de Estado norte-americano refere a “limitada capacidade” dos cidadãos de Macau para mudarem os respectivos governos como um dos problemas dos direitos humanos nas regiões chinesas, no relatório anual divulgado na quinta-feira.

O Departamento de Estado dos EUA refere que em 2014 “foram reportados limites à capacidade da população de mudar o seu governo”. Chui Sai On, recorde-se, foi eleito a 31 de Agosto para um segundo e último mandato como Chefe do Executivo, por um colégio eleitoral composto pela primeira vez por 400 membros, mais cem do que em 2009.

O relatório norte-americano observa igualmente “constrangimentos à liberdade de imprensa e liberdade académica e falhas na implementação total da legislação no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores” em Macau. Em 2014, “o tráfico humano continuou a ser um problema, apesar das autoridades estarem a aumentar a capacidade” para combater estes casos, acrescenta o documento.

Os EUA mantêm ainda preocupações relativamente à Lei de Defesa da Segurança do Estado aprovada em 2009, de acordo com o artigo 23.º da Lei Básica, de que esta possa limitar ou comprometer várias liberdades civis, apesar de ao longo dos anos a mesma legislação nunca ter sido utilizada para acusar ninguém.

Por outro lado, o Departamento de Estado norte-americano destaca que “o Governo de Macau deu passos para processar e punir dirigentes que cometeram abusos”.

O Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau já respondeu ao relatório, dizendo que não lhe compete interferir nos assuntos do território e até que “os EUA distorceram factos”.

29 Jun 2015

Animais | Maior manifestação de sempre pede prisão para maus tratos

Depois dos recentes maus tratos a animais e das diminuições nas penalidades na lei que os vai proteger, milhares de pessoas saíram ontem à rua para pedir ao Governo que volte atrás

animais manifestação

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi a segunda este ano e a oitava desde 2008, mas a manifestação de ontem da Associação de Protecção aos Animais Abandonados de Macau (AAPAM) apresentou-se como a maior de sempre. Milhares de pessoas juntaram-se para pedir mais celeridade na aprovação da Lei de Protecção dos Animais, mas também para solicitar a manutenção de algumas penalidades que o Governo foi retirando da lei, por vezes a pedido de deputados.

Num protesto que começou na Tap Seac, e debaixo de altas temperaturas, os manifestantes marcharam até à Assembleia Legislativa, onde se discute actualmente na especialidade o diploma.

Ao longo do caminho, a AAPAM recolheu assinaturas de apoio de residentes. A Associação estima que o número de participantes tenha sido de mais de três mil pessoas – algumas com os seus animais -, sendo este o maior registo de participantes em manifestações anteriores em prol dos animais. A PSP estima que tenham sido 1500 participantes.

Seja qual for o número real, os milhares de pessoas que marcharam ontem pedem o mesmo: que a pena mínima de prisão de três anos para quem maltratar animais se mantenha, que a execução da lei possa ser feita pela Polícia de Segurança Pública e que não se baixem as multas anteriormente estipuladas.
A vice-presidente da Associação, Josephine Lau, afirmou ao HM que, caso a pena mínima de prisão diminua para um ano ou multa,não haverá efeito dissuasório suficiente. Ao mesmo tempo, a organizadora diz ainda esperar que não seja o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) a executar a lei, mas a PSP, para que a protecção aos animais seja mais eficaz.

Recorde-se que o Governo acedeu ao pedido dos deputados em baixar as penas para maus tratos e para abandono, por estas serem “muito elevadas”. Por sua vez, o Governo decidiu cancelar a obrigatoriedade de esterilização obrigatória de cães em lotes de construção e em espaços para carros ou materiais abandonados, algo com que os deputados discordam. E que faz Josephine Lau mostrar-se desiludida.

“As fontes de cães abandonados são principalmente estes espaços. Quando não se faz a esterilização, os cães têm crias, muitas vezes ao longo de anos. Acredito que, se a esterilização desses cães for obrigatória, o número [de cães abandonados] poderá diminuir metade, pelo menos.”

A vice-presidente da AAPAM disse ainda que encontrou obstáculos na realização desta manifestação. “Os residentes referiram que os cartazes desta manifestação foram retirados depois de colocados uma noite em espaços públicos, enquanto outros cartazes ao lado não foram eliminados.”

Anónimos e não só

animais manifestação

Entre os manifestantes, encontrámos Denis Chan, que saiu à rua pela primeira vez com duas acompanhantes: a namorada e a gata. Ao HM, o jovem referiu que depois de ter lido sobre os vários casos recentes de animais que foram atirados de edifícios altos e que a lei que está a ser discutida na AL vai ver diminuídas as penalidades, decidiu que era hora de protestar, por nada disto ser aceitável.

“Animais não são seres humanos, mas quando são mortos por pessoas, a penalidade não deve ser apenas um ano de prisão, porque isso pode passar a mensagem de que matar animais não é algo grave”, disse, esperando que se mantenha a pena mínima de três anos de prisão.

A manifestação contou ainda com caras conhecidas, tais como os deputados José Pereira Coutinho, Au Kam San, Rita Santos, o presidente da Associação Novo Macau, Sou Ka Hou, o líder do grupo Forefront of the Macao Gaming, Ieong Man Teng, entre outros.

Depois da entrega à carta à AL, o presidente da AAPAM, Yoko Choi, acrescentou ainda que discordava da mais recente sugestão do Governo em relação à oferta de descontos nas multas para infractores que paguem dentro de dez dias. O Executivo justificou que queria, com isto, incentivar ao pagamento das multas.

Já Choi considera que mal tratar ou matar animais não deve ser penalizado da mesma forma de uma multa de trânsito – sistema em que se baseou o Governo. O presidente da APAAM acha está uma ideia “ridícula” e defende que “os animais são também vida”.

29 Jun 2015