“Um País, Dois Sistemas” | De Macau todos a favor

Por Macau as reacções ao discurso de Xi Jinping que abordou a política “Um País, Dois Sistemas” vieram de vários sectores. Dos operários aos jovens passando por deputados e pela Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, a ideia é constante. A política beneficia o território e cabe aos residentes unirem-se para que seja bem-sucedida

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] discurso do presidente Xi Jinping reflecte o futuro da política “um país, dois sistemas em Macau”, disse o deputado Ho Ion Sang ao Jornal do Cidadão. Porque, para ele, é preciso não esquecer a ligação, tanto do território como de Hong Kong, à pátria.

Na prática, o sucesso desta política é, para o deputado, visível. Prova disso é o reconhecimento internacional. “Nos 20 anos da transferência de administração de Hong Kong e nos 18 anos de Macau, a implementação de “um país, dois sistemas, tem tido resultados reconhecidos pelo mundo”, sublinha Ho Ion Sang.

No entanto, para que a política continue a dar frutos é necessário que a população se mantenha unida. “Os conflitos e os problemas são inevitáveis com o desenvolvimento local e, como tal, para que a política tenha continuidade, é fundamental a união dos residentes”, diz.

Já o membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, Ho Teng Iat considera que o discurso de Xi em Hong Kong serve de orientação para Macau. Tal como Ho Ion Sang, Ho Teng Iat acha que o desenvolvimento é fonte de conflitos. No entanto, vai mais longe: “é inevitável o confronto com a implementação da política “um país, dois sistemas”. A solução vai no sentido da união, aponta ao jornal Ou Mun.

Boas relações

As vantagens inerentes ao segundo sistema, dentro da política “um país, dois sistemas”, são o destaque de Leng Tiexun, coordenador do Centro de Estudos de “um país, dois sistemas” do Instituto Politécnico de Macau. Para o académico, em declarações ao jornal Ou Mun, “o sucesso da implementação desta política depende ainda da existência de um país e do aproveitamento das vantagens do segundo sistema”. O segredo para o sucesso, aponta está nas boas relações entre pátria e regiões administrativas especiais.

Leng Tiexun não deixa de sublinhar que é fundamental “insistir no princípio de um país, quando a sua soberania estiver em causa”. A referência teve como mote os recentes casos de Hong Kong em que há quem apele à independência.

“Dentro desta política não devem ser utilizados os regimes das regiões administrativas especiais para contrariar o regime do país. Estes não são actos de amor à pátria”, remata.

Operários e moradores

Já os Operários consideram que o discurso de Xi deve servir de incentivo aos residentes de Macau, sendo que, sublinha a vice-presidente da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) Fong Ka Fai, “é necessário ter Hong Kong como referência e, acima de tudo, é ter em atenção o bem-estar da população”. Fong Ka Fai aproveita a ocasião para apelar a mais apoios aos jovens no sentido de “incentivar os mais novos a partilhar e implementar as estratégias nacionais”.

Os Kaifong, através da presidente Ng Siu Lai, não têm dúvidas, “Hong Kong e Macau tiveram um desenvolvimento significativo após a transferência de administração o que significa o sucesso da implementação da política em causa”, diz à mesma fonte.

Ainda assim, Ng Siu Lai considera necessário fazer um balanço dos últimos anos de modo a poder planear melhor o futuro. “Esta é uma política que traz consigo vários desafios, mas com a colaboração de todos esta é a política que permitirá resolver os problemas do território. Em causa afirma, estão as dificuldades na habitação, nos transportes e na renovação urbana.

Os mais novos

A directora da Associação Geral de Estudantes Chong Wa, Lei Siu Chou e Chao Veng Hou, responsável pela Associação Nova Juventude Chinesa consideram que “Um País, Dois Sistemas”, são uma fonte de oportunidades para os jovens de Macau. “A sociedade deve continuar com esta prática, e deve aproveitar as oportunidades que traz, diz Lei enquanto alerta para “eventuais perigos que possam aparecer, sobretudo de foro económico e político, sendo que a população não deve cegar com as vantagens desta política”.

Já Chao afirma que “esta não é só uma direcção no desenvolvimento futuro de Macau, também dá directrizes ao planeamento da vida profissional dos jovens locais.

3 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Quase 200 mil pessoas residem em fracções subdivididas

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]em menos de sete metros quadrados o espaço a que Wong chama de casa. Localizado num prédio do bairro mais pobre de Hong Kong, reflecte as condições miseráveis em que milhares sobrevivem num dos territórios mais ricos da Ásia.

Wong, de 55 anos, subiu as escadas sem perder o fôlego, habituada que está à rotina de viver num quinto andar sem elevador de um prédio antigo de Sham Shui Po. À boa maneira chinesa, deixa o calçado à porta do minúsculo espaço pelo qual paga 3200 dólares de Hong Kong por mês.

O beliche ocupa boa parte dos aproximadamente 6,5 metros quadrados da fracção subdividida onde mora. A parte inferior serve para dormir, a superior para guardar os poucos pertences: volumosos sacos pretos quase tapam os lençóis sobre os quais pousam ainda utensílios do dia-a-dia, produtos de higiene ou um rádio.

Ao lado do beliche encontra-se um frigorífico, com um microondas por cima, defronte para um móvel de gavetas de plástico onde está uma televisão. Por cima, funciona quase ininterruptamente uma ventoinha fixa na parede que ajuda a suportar o calor. Existe uma pequena janela, mas nunca se abre, porque lá fora há “apenas lixo”, diz Wong à Agência Lusa.

Do outro lado, a casa de banho e a cozinha formam uma ‘divisão’, ainda que sem porta, onde cabe uma pessoa. A sanita encontra-se ao lado da bancada e o lava-loiça e o lavatório são uma e a mesma coisa, expondo “problemas de higiene” que Wong reconhece, sem ter como os solucionar.

Wong, que é empregada de limpeza, cozinha quase sempre, embora “não seja fácil”, “porque o espaço é muito pequeno”.

Diz ser rara a vez em que vai buscar ‘tapau’, optando por regressar a casa nas duas horas que tem de almoço. A refeição é feita sobre uma pequena mesa, sentada numa cadeira, ambas desdobráveis, que quando abertas tomam todo o espaço livre entre o beliche e a parede.

Já do tecto brotam peças de roupa penduradas em cruzetas engatadas em pregos, depois de terem sido lavadas à mão numa bacia colocada sobre a tampa da sanita, custando “dores de costas” à simpática Wong.

O único dia de descanso usa-o principalmente para duas coisas: dormir e ir à rua fazer compras. Também vai uma vez por semana à igreja pentecostal à qual pertence, como denuncia um autocolante na porta.

O contrato da chamada unidade subdividida – cujo modelo pode ser adquirido numa papelaria – expira em Fevereiro do próximo ano. Pese embora as condições, Wong não deseja mudar, não só pelo “pesado fardo financeiro” que será pagar um depósito e renda extra, mas porque sabe à partida da dificuldade de encontrar um lugar melhor, compatível com as suas possibilidades.

Wong tem um rendimento mensal de 8900 dólares de Hong Kong, pelo que praticamente metade vai para as despesas relacionadas com a habitação, incluindo água e electricidade.

A morar há quatro anos em Sham Shui Po, só conhece fracções subdivididas desde então. A anterior, onde foi surpreendida com um despejo, era maior, mas igualmente degradada, descreve.

Um elevador faria a “grande diferença” para Wong que se queixa também do “barulho frequente de obras” e “da chatice” de morar no espaço que fica logo à entrada do apartamento subdividido – que tem mais três espaços idênticos – porque, às vezes, os vizinhos acordam-na.

Habitação social não chega

A vida de Wong – chinesa nascida na Indonésia que se mudou para Hong Kong em 1989 e casou, no ano seguinte, com um residente da então colónia britânica – nem sempre esteve confinada a um cubículo.

A separação levou-a a deixar a habitação pública em Ma On Shan, nos Novos Territórios, onde residia com o marido e três filhos, hoje com idades entre 20 e 28 anos, com os quais não mantém contacto. “Nunca me ajudaram, nunca me deram um único dólar”, lamenta.

O seu sonho é voltar a viver numa habitação pública. Contudo, a lista de candidatos é extensa e a espera longa. Além disso, para formalizar o pedido tem de primeiro oficializar o divórcio, um processo em curso graças à ajuda legal que a Society for Community Organization arranjou, explica Gordon Chick, assistente social que a acompanha e que serve como intérprete-tradutor.

Wong foi referenciada pela organização não-governamental há aproximadamente um ano, altura em que foi despejada da anterior fracção subdividida e a ajudaram a arranjar dinheiro para suportar os custos inerentes à mudança. Já Wong destaca antes, com especial carinho, quando lhe consertaram a televisão que se avariara.

Não obstante as duras condições, as suas expectativas são “muito simples”, à imagem e semelhança da sua vida: “Manter o emprego e ter saúde”.

Pelo menos 200 mil pessoas vivem em habitações inadequadas em Hong Kong, em fracções subdivididas de variadas formas, em cubículos ou gaiolas, muitas com condições precárias que constituem um “insulto à dignidade humana”, na descrição da ONU.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Entrevista | Larry So, académico: “Há muitas pessoas a falar dos velhos tempos”

Larry So não é saudosista, embora agradeça a educação que teve. Nascido e criado em Hong Kong, o académico conta que a geração a que pertence se sente desiludida com duas décadas que podiam ter sido muito melhores. As expectativas eram grandes e os sucessivos Governos da RAEHK não deram conta do recado. O analista explica ainda porque é que os que nasceram depois também não se conformam

Em termos gerais, estes 20 anos de Hong Kong enquanto região administrativa especial da China vão ao encontro do que estava à espera?

De uma forma geral, sim. Mas também há muitos aspectos que não correspondem às expectativas. Sou da área dos serviços sociais. Eu e os meus amigos desta área estávamos à espera de que houvesse uma melhoria significativa neste aspecto. Hong Kong era uma colónia britânica e, com esse estatuto, não se esperava que houvesse um grande investimento, pelo que havia a esperança de um desenvolvimento dos serviços sociais. Claro que houve algumas melhorias, mas ficaram aquém das expectativas. Tínhamos, na altura, entre 40 a 50 anos e pensávamos que poderíamos ter uma reforma, por exemplo. Mas em Hong Kong, à semelhança de Macau, o sistema de previdência é terrível. 

Estamos a falar de um centro financeiro internacional, mas também de uma cidade onde existem muitas pessoas em situação de pobreza extrema – e os números aumentam nos últimos anos. Estas duas décadas não serviram para se trabalhar para a igualdade social.

Os ricos ficaram mais ricos e os pobres passaram a ter cada vez menos, como aliás demonstra o Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade. Este coeficiente aumentou quase um ponto desde 1997. É uma medida objectiva.

Qual é a explicação para este fenómeno?

Quando Hong Kong voltou para a China, a política prioritária da região administrativa especial foi a manutenção da estabilidade económica. Partiu-se da ideia de que se houvesse mais dinheiro no topo, chegaria a todos e que a população sairia beneficiada. Mas parece que houve uma concentração excessiva das políticas na dimensão económica: tentou-se arranjar terras para que houvesse mais construção, mas não se investiu em habitação pública. Deram mais terrenos aos magnatas, que puderam aumentar os seus investimentos. Este tipo de política funcionou em certa medida, mas foi um erro pensar-se que o dinheiro iria chegar às pessoas comuns. Se olharmos para os níveis de qualidade de vida e os problemas políticos com que Hong Kong se depara, chegamos à conclusão de que a aposta na economia só beneficiou uma pequena parte da população.

Podemos falar em falhanço no que toca à qualidade de vida dos residentes de Hong Kong? A cidade é muitas vezes retratada como o local onde milhares de pessoas vivem em cubículos.

No tempo em que Hong Kong era uma colónia britânica, a habitação pública tinha muita importância em termos de apoio social. A Administração construiu apartamentos que disponibilizava a preços baixos. Metade da população vivia em habitação pública. Neste momento, temos pouco mais de 40 por cento da população a residir neste tipo de habitação. É um tipo de apoio muito importante porque um terço dos rendimentos das famílias é gasto nas rendas. É muito complicado. A Administração britânica lançou, na altura, medidas que considero muito boas, porque permitiram combater a pobreza. Mas este tipo de políticas não beneficia os magnatas ou os investidores do sector imobiliário, porque quantas mais fracções públicas houver, menos gente irá comprar no mercado privado. Neste momento, falta habitação pública e o preço do imobiliário continua a aumentar. De cada vez que se pensa que não pode subir mais, há um novo pico. Neste momento, o pé quadrado custa em média 20 mil dólares de Hong Kong.

O primeiro Chefe do Executivo de Hong Kong, Tung Chee-hwa, não foi propriamente popular.

O Governo Central tinha de escolher alguém em quem pudesse confiar. Essa pessoa tinha de ter uma ligação a Pequim e à Administração britânica. Não digo que fosse a única escolha mas, nessa altura, era a melhor. 

Eram anos complicados, que foram pouco tempo depois dificultados pela tentativa falhada de legislar o Artigo 23.o da Lei Básica. E aí começámos a ver milhares de pessoas nas ruas.

Sim, isso foi um problema. Tung Chee-hwa forçou essa questão demasiado depressa, subestimando o facto de, ao contrário dele, nem toda a gente estar satisfeita com o regresso à China. Muitas pessoas da classe média e da classe baixa-média não pensam dessa forma. Na altura, não teve sorte, na medida em que a situação económica também não era uma vantagem. Tentou disponibilizar mais habitação pública, mas a resistência dos promotores do mercado imobiliário foi tão forte que se viraram para o Governo Central. Foram directamente a Pequim e o Governo Central, que tinha de arranjar um equilíbrio, decidiu que não ia haver habitação pública. Os magnatas opuseram-se.

Tung Chee-hwa estava de mãos atadas?

Ambas as mãos, não foi apenas uma. Uma delas com a questão das condições de vida da população e a outra com os magnatas a dizerem ‘não’.

Portanto, não teve suficiente força política.

Não, na altura não teve. Se nos lembrarmos dessa altura, a economia não era uma vantagem.

Tinha rebentado a crise financeira asiática de 1997.

Sim. A economia num estado complicado, ele a tentar levar por diante o projecto de habitação pública e os magnatas a dizerem que não. Tentou desviar as atenções com o Artigo 23.o, e foi o que se viu.

E ainda houve o surto de pneumonia atípica, em 2002 e 2003. Morreram quase 300 pessoas em Hong Kong.

Foi outra coisa terrível. Diria que Hong Kong enquanto região administrativa especial não teve um bom início. Havia muitas pessoas que esperavam uma série de coisas positivas depois do retorno à China, mas toda esta situação não ajudou.

Depois Donald Tsang assumiu o poder. Há analistas que consideram que foi o único Chefe do Executivo capaz de congregar diferentes sectores e interesses. Foram anos de alguma acalmia.

Teve sorte logo no início, em termos políticos e no contexto económico. Teve pelo menos dois ou três anos de estabilidade. Era muito diferente de todos os outros. Era um funcionário público, um burocrata. O modo britânico de treinar os funcionários da Administração fazia com que as pessoas não estivessem sempre nos mesmos cargos. Tinham determinadas funções durante um par de anos e depois mudavam de departamento. 

Donald Tsang beneficiou dessa formação.

Sem dúvida alguma. Toda esta geração de funcionários públicos passou por esta experiência e Donald Tsang tinha a vantagem de perceber de finanças.

C.Y. Leung, que deixa agora o cargo, foi bastante menos popular. Teve um mandato com dias muito difíceis, com o movimento Occupy. Mais recentemente, surgiu uma nova palavra na política de Hong Kong: independência. Há estudos que apontam para um reforço do sentimento de pertença a Hong Kong, por oposição à China, nos últimos anos. Confirma esta ideia?

Sim, isso é um dado adquirido. O movimento Occupy não teve na origem qualquer vontade independentista – as pessoas pediam o sufrágio universal. Era este o pedido da maioria dos jovens. Mas o Governo Central apoiou o pulso forte de C.Y. Leung, o método que ele utiliza. De facto, ele hostilizou os jovens.

Quando olhamos para o Occupy e outras manifestações que têm acontecido em Hong Kong, deparamo-nos com líderes que, se já eram nascidos em 1997, eram ainda demasiado novos para perceberem onde estavam. Compreende-se que pessoas de gerações anteriores possam estabelecer paralelismos com os tempos da colónia britânica, mas estes jovens não podem fazê-lo. De onde vem toda esta vontade de oposição? Como é que se explica que não queiram fazer parte da China?

Não estavam em Hong Kong antes de 1997, mas ouviram muito e leram muito acerca do passado. Percebem o espírito antigo de Hong Kong, em que muitas pessoas vinham das classes baixas, lutavam por vidas melhores, entreajudavam-se e conseguiam um nível de vida melhor. As gerações mais novas não viveram isto, mas sabem do que estão a falar. Por outro lado, nas escolas secundárias e universidades leccionam professores que, em 1997, tinham 20 ou 30 anos. São pessoas que nutrem certos sentimentos em relação aos tempos da colónia britânica, sobretudo quando comparam C.Y. Leung com a Administração britânica. Alguns deles dizem: ‘Nos velhos tempos, pelo menos o Governo iria ouvir-vos. Não vos iria dar tudo, mas vinha, sentava-se e falava com vocês. Talvez vos desse um bocadinho do que querem. C.Y. Leung, com o pulso forte que tem, não vos dá nada’.

O passado continua demasiado presente em Hong Kong?

Diria que sim, há muitas pessoas que voltaram a falar dos velhos tempos. E os velhos tempos não significam necessariamente que a Administração britânica era boa. Mas o modo e a qualidade de vida, em termos comparativos, eram muito melhores. Em termos económicos, no que toca à performance do Governo, encontramos diferenças antes e depois de 1997.

As pessoas sentem-se traídas, na medida em que havia expectativas no retorno à pátria que saíram defraudadas?

Na minha geração, sim. As pessoas que nasceram depois de 1997 não tiveram essa experiência, mas comparam estes três Chefes do Executivo e encontram diferenças. Dos três, C.Y. Leung foi o pior. Em termos económicos, estes últimos cinco anos foram melhores do que a recta final de Tung Chee-hwa. Mas não é a economia que interessa. É o modo como o Governo lida com as pessoas e, sobretudo, a forma como defende as políticas que implementa. C.Y. Leung não defende as suas políticas; limita-se a dizer que são as soluções possíveis e que o que está a fazer é o melhor. Há muitas coisas que foi dizendo que levam as pessoas a perguntar ‘mas o que é que ele está a dizer?’.

Falando agora do futuro. Carrie Lam toma posse amanhã. Quando foi eleita, vários analistas consideraram que se trata de mais do mesmo.

Sim. Carrie Lam tem uma carreira como funcionária pública, o que é uma vantagem em relação a C.Y. Leung, porque conhece a Administração. Mas isto não significa que esteja numa posição tão vantajosa como a que Donald Tsang teve, porque ele não se rodeou do mesmo tipo de pessoas. Todos sabemos que Carrie Lam fez muitas promessas ao regime para poder estar no poder. Tem de pagar todos os favores. Uma das formas passa pela nomeação de pessoas para a sua equipa. A maioria delas não corresponde às preferências da população. 

Não podemos esperar, então, melhorias no ambiente social e político de Hong Kong.

Não. É algo que posso afirmar com certeza. Ela poderá não ter o mesmo pulso forte de C.Y. Leung, pode ser ligeiramente mais diplomática, mas não acredito que consiga dialogar com as diferentes forças políticas. Teremos mais ou menos o mesmo tipo de situação.

Tem saudades da Hong Kong anterior à transferência?

Não exactamente porque, quando era jovem, era uma espécie de anti-colonialista. Mas posso dizer que valorizo muito a educação que Hong Kong me deu.

 

Patten, lágrimas, entusiasmo

Partiu para o Canadá, passou uns anos nos Estados Unidos, mas antes de embarcar garantiu que, a 1 de Julho de 1997, estaria em Hong Kong. A promessa, feita ao seu grupo de amigos, foi cumprida. No momento em que nascia a primeira das duas regiões administrativas especiais da China, Larry So estava em Hong Kong, a assistir às cerimónias pela televisão, em casa de um amigo. “Chovia muito”, recorda.

“Estávamos todos muito entusiasmados. Chris Patten [o ultimo Governador de Hong Kong] estava emocionado, com lágrimas nos olhos”, conta. Foi uma imagem que o marcou. Assim como “ver a polícia a mudar os distintivos, substituir a coroa pelo logótipo da região administrativa especial”.

Foi uma noite em que se falou muito. O futuro era uma incerteza. “Havia muita especulação. Entre os meus amigos, alguns tinham passaporte do Canadá e do Reino Unido. Todos decidiram ficar por algum tempo, para ver o que ia acontecer”, explica Larry So. O que aconteceu não correspondeu às expectativas da generalidade.

Nascido e criado em Hong Kong, o académico da área dos Serviços Sociais acabou por partir mais uma vez, em 2002, mas para um destino mais próximo: Macau. É por cá que tem estado desde então, sempre atento ao outro lado do Delta.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Aumentam pedidos de passaportes britânicos

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á cada vez mais residentes de Hong Kong a tentarem assegurar passaportes estrangeiros como garantia para o futuro, conta a Reuters. São pessoas que temem o aumento dos conflitos sociais ou uma rápida erosão das liberdades.

A agência combinou dados oficiais, informações de fontes diplomáticas e testemunhos de vários residentes para fazer aquilo que diz ser “o retrato de uma ansiedade crescente em relação ao futuro”. Sobretudo entre a nova geração, a influência cada vez maior de Pequim é encarada como uma sombra.

A procura de passaportes estrangeiros cresceu a partir do momento em que a sociedade se fragmentou, na sequência do movimento Occupy de 2014. O facto de haver quem peça a independência – uma linha vermelha que o Governo Central não deixa pisar – contribuiu para o aumento dos receios, assim como o episódio do desaparecimento de vários editores e livreiros de Hong Kong.

“Em 2047, acaba o período da transição e não sabemos o que irá acontecer. Estou a preparar-me para o pior”, conta Dennis Ngan, um jovem de 25 anos. À semelhança de vários amigos, vai renovar o seu BN(O) – o passaporte britânico especial dado aos permanentes residentes antes de 1997. No ano passado, foram emitidos mais de 37.500 documentos deste género, um aumento de 44 por cento em relação a 2015 e o número mais elevado da última década.

O BN(O) não dá direito à residência no Reino Unido, mas os seus titulares podem permanecer seis meses e têm garantida protecção consular britânica. As autoridades do Reino Unido não forneceram à Reuters dados sobre os passaportes emitidos este ano, nem o número de pessoas que pediram a cidadania. No entanto, fontes diplomáticas da agência garantiram que houve “uma corrida aos pedidos de cidadania”, um fenómeno que justificam com as preocupações sobre o futuro do território.

Outras possibilidades

Há quem prefira olhar para o Canadá: o número de residentes de Hong Kong com passaporte do país cresceu substancialmente entre 2005 e 2015. Também Taiwan é visto como uma possível saída. Só no ano passado, 1086 pessoas de Hong Kong passaram a ser residentes da ilha, o valor mais elevado da última década.

Em 2015, o número de cidadãos da RAEHK que pediu residência permanente na Coreia do Sul foi sete vezes superior ao registado em 2007. Os vistos concedidos pelos Estados Unidos aumentaram 22 por cento de 2015 para 2016.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Primeira geração pós-97 não se identifica com a China

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceu no ano da transferência de soberania. Chau Ho-oi tem hoje 20 anos e houve uma altura em que sentia um orgulho imenso em pertencer a um território que faz parte da Grande China. Em entrevista à Reuters, a jovem recorda um desses momentos: os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, em que a selecção nacional conquistou 48 medalhas de ouro, mais do que qualquer outro país. Chan tinha 11 anos.

“Achava que a China era óptima. Se me perguntassem, na altura, se me sentia chinesa, dizia imediatamente que sim”, conta. Nove anos depois, a forma como lida com o país modificou-se. E não é a única: a primeira geração pós-transferência está, cada vez mais, a virar as costas ao Continente.

De acordo com um estudo da Universidade de Hong Kong publicado na semana passada, apenas 3,12 por cento dos 120 jovens entrevistados consideram ser “chineses”. Os inquiridos têm entre 18 e 29 anos. Há duas décadas, quando o estudo começou a ser feito, 31 por cento diziam ter um sentimento de pertença à China.

A Reuters conversou com dez jovens nascidos em 1997. Todos eles, incluindo um migrante da China Continental a viver na antiga colónia britânica, afirmaram que se identificam como “Hong Kongers”. E acrescentaram que a lealdade que sentem é para com a cidade.

Para esta forma de estar contribuíram em muito vários acontecimentos percepcionados pelos residentes como manobras de Pequim para controlar o território. Em 2012, o então adolescente de 15 anos Joshua Wong arrastou milhares de pessoas para as ruas em protesto contra um novo currículo nacional obrigatório, entendido como uma “lavagem cerebral” aos estudantes, que tinha como objectivo promover o patriotismo. O currículo acabou por ser engavetado.

Dois anos depois, aconteceu o movimento “Occupy”, mais uma vez com Joshua Wong ao leme. Foram 79 dias de protestos nas ruas numa tentativa – falhada – de pressionar Pequim a autorizar o sufrágio directo universal para a eleição do Chefe do Executivo.

O desaparecimento de vários editores de Hong Kong e os esforços de Pequim para que dois jovens deputados eleitos, ambos pró-independentistas, fossem afastados do Conselho Legislativo também abalaram a confiança no princípio “Um país, dois sistemas”.

O medo invisível

Vinte anos depois da transferência de soberania, as perspectivas não são animadoras. A estudante Candy Lau tem receio de que a vida em Hong Kong seja cada vez mais controlada. A jovem teme que “a vigilância massiva da China Continental” chegue a Hong Kong, que deixará de ser “uma cidade segura”. “É um medo invisível”, diz.

Há cada vez mais jovens a lutarem pela autonomia do território e, nos últimos anos, surgiu uma palavra nova no léxico político local: a independência, ideia que é, obviamente, afastada por Pequim com veemência.

No mês passado, o número três da hierarquia chinesa, Zhang Dejiang, responsável pelos assuntos de Hong Kong, vincou que é necessário “reforçar a educação nacional junto da juventude de Hong Kong e desenvolver conceitos correctos acerca do país desde tenra idade”, para que a população mais nova possa “amar a pátria”.

Carrie Lam, que toma amanhã posse como Chefe do Executivo, não perdeu tempo: em declarações à Agência Xinhua, prometeu que vai cultivar o conceito “Eu sou chinês” desde as creches.

A agência oficial chinesa deu conta da participação de 120 mil jovens de Hong Kong em programas de intercâmbio com o Continente, no âmbito do 20.o aniversário da transferência. Para os entrevistados da Reuters, estes esforços podem ser contraproducentes.

“Como é que o Governo não percebe que quanto mais obriga as pessoas de Hong Kong a amar a China, mais força dá à oposição?”, pergunta o jovem Jojo Wong.

A importância da cultura

Até mesmo os estudantes mais moderados, que dizem não ter qualquer posicionamento político – como é o caso de Felix Wu –, preferem identificar-se primeiro como sendo “Hong Kongers” e só depois fazem referência ao facto de serem da etnia Han.

“A China é um mercado muito grande e Hong Kong tem necessidade de se integrar neste mercado”, afirma Wu. “Mas politicamente prometeram que nada iria mudar durante 50 anos. Acho que estão a faltar um pouco à palavra.”

Ludovic Chan, um estudante de Gestão que quer ser funcionário público, também diz ser um “Hong Konger”, mas não vê como é que o seu sentimento de pertença conflitua com o facto de ser chinês. “As duas culturas diferentes podem coexistir. Não deviam estar sempre a dizer que Hong Kong e a China têm de estar integrados. Mas os dois lados deviam tentar um entendimento mútuo.”

Há estudantes do Continente a viverem na antiga colónia britânica que olham para a questão de uma forma mais optimista. “Vinte anos são apenas o início”, lança Yoshi Yue, a viver na RAEHK há três anos. “Irão lentamente desenvolver um sentimento de pertença. Vem da cultura, não da política.”

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Aproximação à China com impacto no modo de vida

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] historiador Jason Wordie considera que as maiores mudanças dos últimos 20 anos em Hong Kong estão relacionadas com o aumento de turistas e residentes da China continental.

O fluxo de gente vinda do outro lado da fronteira teve um efeito quase transversal: o comércio passou a estar subordinado aos seus interesses, alterando a fisionomia de grandes partes da cidade, e o excesso de gente em quase todos os espaços públicos gerou uma tensão que explica, pelo menos em parte, a contestação política actual.

“Há 150 mil pessoas por dia a vir da China. Desde a transferência, mais de um milhão passou a residir em Hong Kong”, salienta o britânico, a viver na cidade há três décadas.

Dados oficiais indicam que dos 7,3 milhões de habitantes de Hong Kong 2,2 milhões nasceram na China Continental, em Macau ou em Taiwan. Em 2016, mais de 56 milhões de turistas visitaram a cidade, a maioria da China.

“Há 20 anos não havia o fluxo de turismo da China. Em algumas zonas vemos que o comércio mudou. Locais onde originalmente as pessoas comuns viviam, tornaram-se áreas de comércio para os ‘mainlanders’. Sítios que costumavam ser cafés, bancas de jornais, agora vendem cosméticos ou produtos de leite ou alguma coisa que os chineses querem”, aponta.

Isto veio alterar o ambiente de vastas partes da cidade, onde “é preciso andar muito para se encontrar uma papelaria”. Segundo Wordie, há um sentimento de que a cidade foi, de alguma forma, sequestrada.

O historiador lembra um protesto numa zona pacata, Yuen Long, que considerou compreensível, perante o cenário de fim-de-semana, em que “as pessoas comuns não conseguem atravessar a rua porque toda aquela gente está lá, com malas de viagem, a comprar coisas”. O mesmo se passa na piscina pública, onde grupos turísticos terminam as visitas, e subitamente “estão lá mais 300 pessoas”.

“Os residentes sentem: Esta é a minha cidade, é o meu dia de folga e não consigo entrar num café, ir ao cinema”, explica.

Wordie destaca que o volume chama a atenção para a origem, que noutra situação não seria problemática. “As pessoas sentem-se pressionadas. Além disso, os que vêm de fora têm um nível cultural diferente e há choques. Quando subitamente são 18h e o metro está a abarrotar, há pessoas a empurrar… Isso enfatiza a diferença. Quando as pessoas são fisicamente confrontadas com outras faz com que digam: Nós não somos como eles”, comenta.

O número de visitantes da China começou a aumentar em 2003, depois de serem lançadas medidas para facilitar a entrada, após um surto de pneumonia atípica. No entanto, foi a partir de 2008 que “os números aceleraram muito” e isso deu “um grande empurrão à situação política”, de grande contestação.

A presença dos chamados ‘mainlanders’ aliou-se se a outros factores que fazem com que hoje Hong Kong seja “mais como a China”. “Ouve-se mais mandarim, o Governo parece-se mais com o da China, é mais burocrático”, exemplifica.

O valor do antigo

No topo das cidades mais caras do mundo, Hong Kong esticou as pernas nas últimas duas décadas: tem um novo aeroporto, os aterros permitiram-lhe crescer, tem novas pontes, mais linhas de metro, mais construção em altura. Mas este ímpeto de modernização gerou a vontade de proteger as primeiras vítimas do desenvolvimento desenfreado, os edifícios.

“Há uma lojinha em processo de ser preservada, tem 130 anos, uma arquitectura interessante, é uma sobrevivente, mas ouvindo alguns dos activistas até parece que é o Coliseu de Roma”, ironiza o autor de três livros sobre a história de Hong Kong, admitindo que esse tipo de movimentação “é sinal que as pessoas sentem que tudo está a mudar e têm de se agarrar a algo”.

“As pessoas precisam de alguns edifícios velhos”, que carregam a memória e a identidade do espaço.

Há 114 edifícios protegidos em Hong Kong (considerados monumentos) e outros mil classificados como tendo algum valor histórico. No entanto, nem todos os imóveis com valor estão nas mãos do Governo e os elevadíssimos preços fazem com que não seja viável a aquisição dos que estão na mão de privados.

“O promotor imobiliário vai dizer ‘Isto não é histórico, é só velho e posso ganhar dez mil milhões de dólares [de Hong Kong] com ele’”, aponta Wordie.

O historiador, que organiza passeios históricos pela cidade orientados para residentes, entende que entre 2003 e 2014 “gerou-se uma verdadeira consciencialização em Hong Kong sobre questões de património, ambientais, de igualdade, por melhores políticas sociais”.

“As pessoas sentiam-se com poder”, principalmente depois de meio milhão de ter saído à rua, para rejeitar a adopção da legislação sobre o Artigo 23.o – e ter conseguido. “Nos últimos cinco anos isso acabou.”

“As pessoas olham em volta e dizem: ‘Qual é o objectivo? Não está a funcionar, ninguém está a ouvir, estou a perder tempo’. Muitos juntaram as peças e perceberam que vai tudo dar à política”, afirma.

2 Jul 2017

Ponte em Y | Preocupações de Hong Kong não são partilhadas por Macau

A ligação entre Hong Kong-Zhuhai-Macau está quase completa, criando receios na outra região de administração especial, em particular entre os movimentos pró-democratas. Por cá, a questão é vista mais da perspectiva económica

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] assunto não é novo, mas tem muitos contornos políticos, principalmente em Hong Kong. À medida que a construção da maior ponte do mundo chega ao fim, os receios trazidos pela inevitável integração lançam gasolina na fogueira das relações já tensas entre o território e Pequim.

Com a celebração dos 20 anos da transferência de soberania de Hong Kong, e a visita de Xi Jinping ao território, as velhas preocupações do Governo colonial britânico são hoje evocadas pelas forças pró-democratas da região, que temem que o projecto da ponte ponha em causa a política “Um país, dois sistemas”.

“Dentro de 10 a 15 anos, quando estas infra-estruturas estiverem concluídas, Hong Kong será visto apenas como parte da China devido à ausência de uma fronteira clara.” As palavras são de Kwok Ka-ki, deputado pró-democrata de Hong Kong, em declarações à agência Reuters. O tribuno alarga a sua desconfiança também à ligação ferroviária com o Interior da China.

Por cá, Au Kam San considera que “a ponte não causa uma grande influência em Macau”. “Não penso que as fronteiras entre as três regiões fiquem menos visíveis”, declara. O deputado à Assembleia Legislativa (AL) não considera que a infra-estrutura coloque em causa a política “Um país, dois sistemas”.

O pró-democrata local recorda que a ponte da Baía de Shenzhen, que causou muitos protestos do outro lado do Delta, pode levantar problemas mais complicados em termos políticos. Com o arranque desse transporte público prevê-se que polícias do Interior da China possam exercer acções de fiscalização junto dos passageiros oriundos de Shenzhen em território de Hong Kong. Uma questão diferente, que foi considerada na outra região de administração especial como o aperto de controlo de Pequim.

Em Macau, Au Kam San entende que, como já existe a Ponte Flor de Lótus, com ligação à ilha de Hengqin, que não prejudicou o princípio “Um país, dois sistemas”, acrescentando que não será a nova ponte a causar erosão à política estatuída nas declarações conjuntas.

Margens históricas

A ponte é um projecto que tem sido discutido há décadas. Em 1983, o histórico empresário de Hong Kong Gordon Wu lançou a ideia para a construção da infra-estrutura. Esta seria a resposta rodoviária ao crescendo de trocas comerciais entre a antiga colónia britânica e a cidade de Shenzhen, bem antes da transferência de soberania.

Albano Martins entende os receios de integração por parte de um sector de Hong Kong mais activo politicamente, “porque os sistemas são, de facto, muito diferentes”. Porém, o economista entende que “a China irá cumprir com o acordo firmado na assinatura da Declaração Conjunta e terá de manter o segundo sistema a funcionar até se esgotarem os 50 anos”. O analista vê com naturalidade os desejos de aceleração nas forças mais agressivamente pró-Pequim, a fim que a integração se faça progressivamente.

Por exemplo, os casos de políticos pró-democratas a serem barrados nas fronteiras de Macau e Hong Kong são, na óptica de Albano Martins, “uma violação ao segundo sistema”. Ou seja, uma aproximação à forma como se faz política no Interior da China. Porém, o economista não considera que a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau possa, por si só, ser tão preponderante do ponto de vista da integração política.

O membro do Partido Comunista Chinês e director da Autoridade da Ponte, Wei Dongqing, encara o projecto como uma forma de ligação para promover a unidade, tanto física, como mental. “É uma ligação psicológica, ainda assim estamos confiantes num futuro com um mercado único, um povo único. Esse é o sonho”, disse o alto funcionário à Reuters.

É precisamente este sonho que é visto como um pesadelo para os pró-democratas de Hong Kong que encaram a construção como uma aproximação do território à China comunista.

Travessia financeira

“Acho que facilitará, em muito, o fluxo de mercadorias e serviços entre os três sítios que já têm uma enorme tendência de integração económica”, comenta Wang Jianwei, académico da Universidade de Macau, especialista em política externa chinesa.

O professor da Faculdade de Ciências Sociais olha para a situação como uma questão de inevitabilidade económica. “Macau e Hong Kong não podem passar ao lado da possibilidade de se conectarem com uma região e mercado maiores”, comenta. Wang Jianwei vê a integração como uma hipótese de desenvolvimento económico com grande potencial para a criação de emprego. Ficar de fora do projecto de construção que está em curso seria uma decisão com consequências maiores do que o preço político a pagar. Porém, o académico não acha que “o Governo Central veja a construção da ponte como uma forma de se imiscuir politicamente em Hong Kong e Macau”.

Por outro lado, Albano Martins considera que houve uma ilusão criada pela forma como a China se abriu economicamente. “Com a aproximação ao segundo sistema do ponto de vista da adesão à economia de mercado, houve quem ficasse com a ideia de que o primeiro sistema poderia ser absorvido pelo segundo”, comenta. Porém, essa situação é contrária à “própria dinâmica de manutenção do sistema de partido único”.

O economista entende as preocupações da população de Hong Kong, sobretudo das famílias que “viveram os dramas do êxodo de Xangai depois da conquista do poder pelo Partido Comunista Chinês”. Albano Martins acrescenta ainda que este será um problema que terá sempre de ser enfrentado pelos descendentes de uma “elite empreendedora de Xangai, que ajudou muito à criação do tecido económico de Hong Kong e que tem um trauma com a aproximação de Pequim”.

Reverso da moeda

No meio de tanta celeuma, o facto é que o controlo fronteiriço se mantém. Além disso, há uma realidade que parece estar a escapar aos activistas pró-democratas de Hong Kong: a ponte também vai para Zhuhai. “A aproximação entre as três cidades incrementa as comunicações e os transportes, mas também a compreensão entre as três regiões”, projecta Wang Jianwei. O professor da Universidade de Macau espera que a ponte encoraje ainda mais o incremento do turismo do Continente nas regiões administrativas especiais.

Wang Jianwei vê a infra-estrutura como a forma de implementar o ciclo de vida de um dia, em que “uma pessoa possa viver em Zhuhai, trabalhar em Hong Kong e regressar no mesmo dia”.

O académico espera ainda que a ponte contribua para “reduzir as suspeitas e mau ambiente entre as pessoas”. Como Macau e Hong Kong têm um estilo de vida e cultura diferentes do Interior da China, isso também será um “desafio para os ‘mainlanders’ que serão sujeitos a um espírito mais liberal”.

O facto é que, economicamente, ambas as regiões administrativas especiais dependem da China, a segunda maior economia mundial, como seria inevitável. Nesse aspecto, Albano Martins explica que “o cerco económico está feito”. A restante integração política é a grande questão, ainda envolta em grandes dúvidas, uma vez que os três territórios têm jurisdições e culturas políticas bem distintas. O economista não duvida de que “a integração não se vai fazer sem alguns danos colaterais para as populações”. O grau desses danos está por apurar, assim como a direcção das influências culturais num sentido bilateral. Para que o futuro se clarifique “é preciso ver o que acontece com a renovação de gerações”.

Um dos desafios é saber como a liberdade de expressão será tratada, feita a total integração política, assim como o respeito pelos direitos humanos. Mas também do lado de Pequim, até que ponto as novas gerações, com maior fluidez de movimentos e possibilidades económicas, irão encarar e construir o futuro da China.

29 Jun 2017

Tráfico humano | Macau leva mais um chumbo dos Estados Unidos

O relatório sobre tráfico humano do departamento de Estado norte-americano coloca Macau no nível dois de vigilância. Tal significa que o território continua a não cumprir os requisitos mínimos. Houve campanhas de sensibilização e foram feitos investimentos, mas faltam condenações

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau continua a ter vítimas de tráfico humano, que vivem em pensões e casas de massagens, têm os seus passaportes confiscados e que estão sob vigilância apertada dos seus traficantes. As autoridades continuam a não condenar ninguém pelo crime de tráfico humano, o que leva o departamento de Estado norte-americano a considerar que Macau está no nível dois de vigilância.

“O Governo de Macau não preenche os requisitos mínimos para a eliminação do tráfico humano”, lê-se no relatório ontem divulgado, que faz referência aos poucos casos de investigação e à inexistência de números sobre os verdadeiros culpados.

“Não houve condenações em 2015 e o Governo identificou apenas seis vítimas de tráfico. Após ter investigado os três casos de suspeita de trabalhos forçados, o Governo concluiu que não eram vítimas de tráfico.” Ainda assim, os números continuaram “em queda em relação aos 38 casos detectados em 2013”. Das seis vítimas, “quatro eram menores, cinco da China e uma da América do Sul”.

Apesar disso, o relatório dá conta das patacas que têm sido investidas não só na protecção de vítimas, como no processo de investigação. “O Governo estabeleceu um mecanismo de comunicação com os hotéis para que estes reportem potenciais situações de tráfico directamente à polícia. Foram investidos 3,2 milhões de patacas para a prevenção”, sendo que a Polícia Judiciária “implementou um grupo de trabalho dentro da divisão de crime organizado”.

No caso da protecção das vítimas, o Instituto de Acção Social (IAS) gastou 1,5 milhões de patacas na atribuição de alojamento e outras medidas, sempre em parceria com associações locais.

Presas e forçadas

Sem registos da existência de vítimas masculinas de tráfico humano, o relatório descreve aquilo que se passa em Macau, cujos culpados as autoridades não conseguem identificar e prender.

É referido que o território continua a ser um destino ou um ponto de passagem para muitas mulheres vindas da China. Não são apenas chinesas, mas também africanas, russas ou sul-americanas.

São “mulheres e crianças destinadas ao tráfico sexual e trabalhos forçados”. “As vítimas do tráfico humano vêm da China, muitas oriundas do interior da China e viajam para Guangdong à procura de melhores oportunidades de emprego”, lê-se no documento.

Em Macau, conhecem uma espécie de inferno. “Muitas das vítimas respondem a falsos anúncios de trabalho, incluindo em casinos, mas à chegada ao território são forçadas a prostituírem-se.”

“Os traficantes deixam muitas vezes as vítimas confinadas às casas de massagens e pensões ilegais, onde estão monitorizadas e onde são tratadas com violência. São forçadas a trabalhar longas horas e têm os seus documentos de identificação confiscados”, aponta o relatório.

Muitos casos têm uma forte ligação ao mundo do jogo. “Há relatos de crianças que estão sujeitas ao tráfico em ligação com o jogo e com a indústria de entretenimento em Macau.”

Há ainda casos que podem não ser sinónimo de prostituição. “Alguns junkets que trazem homens e mulheres estrangeiros para Macau, para renovarem os seus vistos de trabalho para outros países, acabam por restringir os movimentos destes trabalhadores, mantendo os seus passaportes e com condições que indicam servidão para pagamento de uma dívida ou trabalhos forçados.”


Salário mínimo é necessário

Uma das recomendações que o relatório do Departamento de Estado norte-americano faz é a criação de um salário mínimo universal que inclua os trabalhadores não residentes. O Executivo deve “instituir um salário mínimo para trabalhadores domésticos estrangeiros”, além de “aumentar os esforços na investigação, captura e condenação dos traficantes”. O relatório defende ainda que as autoridades devem continuar “a melhorar os métodos de identificação de potenciais vítimas, sobretudo entre os grupos da população mais vulneráveis, como trabalhadores migrantes e crianças exploradas sexualmente para fins comerciais”.

Os desafios e as dificuldades

Apesar de não haver condenações, o relatório considera que existem vários desafios no combate ao tráfico humano. “A existência da pequena população de Macau, por comparação com o facto de receber 30 milhões de visitantes por ano, leva a constrangimentos na capacidade de reforço da acção legislativa e judicial. Tal continua a representar grandes desafios na resolução dos crimes de tráfico.” Além disso, “foi referida a existência de dificuldades para fazer com que as vítimas colaborem com as investigações”.

Governo nega tudo

À semelhança dos anos anteriores, o Executivo voltou a negar todas as conclusões deste relatório, afirmando que as estatísticas demonstram “uma diminuição constante” de casos, o que “demonstra o efeito positivo dos referidos trabalhos realizados”. Para o Governo, “o relatório dos EUA continua a ignorar os factos objectivos da situação de Macau”, fazendo “uma má interpretação e retirando “conclusões não verdadeiras, bem como alegações infundadas”. “Perante a constatação de tanta injustiça, as autoridades de segurança não aceitam o relatório e opõem-lhe a sua forte indignação”, lê-se. O Executivo afirma que têm vindo a ser realizadas investigações criminais “eficazes” com a parceria dos órgãos judiciais.

29 Jun 2017

Viagens a Taiwan | Ordem para controlo dos professores veio do Governo

Na Universidade Macau, também os funcionários têm de participar eventuais idas a Taiwan. E, tal como os docentes, apresentar um relatório na vinda. A ordem para estas medidas, que estão a pôr muitos a duvidar do segundo sistema, veio do Governo da RAEM.

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s professores e os funcionários da Universidade de Macau (UM) que se queiram deslocar, em viagem particular, a Taiwan são obrigados a participar e justificar o facto à direcção da UM.

Mas as novas regras não se ficam por aqui: no regresso, os responsáveis pela escola esperam do “atrevido” viajante a apresentação de um relatório que detalhe as suas actividades na ilha. Com quem falou e sobre o quê, que livrarias frequentou e que livros leu, com quem jantou e porquê, eventualmente, o que petiscou.

Contudo, estas regras não foram inventadas pela reitoria da UM, nem por nenhum conselho da universidade ou sequer numa eventual reunião “patriótica” de professores. O Hoje Macau sabe que se tratou de uma imposição do Governo da RAEM ao estabelecimento de ensino público, de uma ordem cuja origem está num departamento governamental.

Resta agora saber se a ordem partiu directamente de Chui Sai On, do seu gabinete, de mais alto via Chefe do Executivo, ou se alguma Secretaria do Governo de Macau está preocupada com eventuais actividades subversivas dos professores da UM ao ponto de lhes querer controlar a vida privada, no caso de entenderem deslocar-se a Taiwan.

Isto não é o segundo sistema

O caso está a provocar uma forte celeuma entre os professores. “Quando se metem na vida privada de cada um, incluindo pessoas que não desenvolvem qualquer acção política, então isto já não é o segundo sistema. Há algo de muito errado nisto tudo”, disse um docente ao HM, que pediu o anonimato.

O caso foi levantado numa entrevista concedida no domingo ao canal em inglês da TDM pelo professor Hao Zhidong, que o HM seguiu na sua edição de segunda-feira. Ontem o jornal Ponto Final falava com o professor Rui Martins, da direcção da UM, que garantia por ali existir total liberdade para investigar. Quanto às viagens a Taiwan, Rui Martins delegou a resposta no Gabinete de Comunicação da UM.

Na impossibilidade de chegar directamente à fala com o referido gabinete, o HM enviou o habitual email ao estabelecimento de ensino, não obtendo resposta até ao fecho desta edição.

29 Jun 2017

Palácio Sommer | Liu Chak Wan tinha sido mandatado pela Fundação Macau

Liu Chak Wan foi incumbido pela Fundação Macau para acompanhar a compra do Palácio Sommer em Portugal. O empresário adquiriu o imóvel, em nome próprio, que depois foi revendido à entidade que o tinha mandatado. A instituição de Wu Zhiliang não vê qualquer problema, mas gastou mais sete milhões

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s esclarecimentos da Fundação Macau (FM) surgem um dia depois de se ter ficado a saber, pela Rádio Macau, que a entidade comprou um palácio em Portugal a Liu Chak Wan, membro do conselho de curadores da instituição. A aquisição foi feita no início de 2015, mas o negócio ficou no segredo dos deuses. Até agora.

Em comunicado, a entidade liderada por Wu Zhilliang tenta afastar um eventual conflito de interesses, apesar de explicar que Liu Chak Wan foi mandatado para os investimentos que a FM decidiu fazer em Lisboa. A instituição dá a entender que não houve qualquer irregularidade no processo.

De acordo com as explicações da fundação, o conselho de curadores decidiu criar um grupo consultivo de investimento, estrutura formalmente aprovada em 2014. No mesmo ano, em Março, a FM pediu à Delegação Económica e Comercial da RAEM em Lisboa um parecer sobre projectos de investimento imobiliário. A instituição pretendia “aproveitar a crise imobiliária que se verificava na altura no mercado português (…) e aproveitar o imóvel a adquirir para instalar a delegação, atribuindo-lhe instalações condignas”.

Foi a Delegação Económica e Comercial que propôs o Palácio Sommer. Depois de ter visto dois imóveis, entendeu que era “o mais adequado para ser a nova sede da delegação”. Localizado no centro de Lisboa, trata-se de um complexo de património cultural composto por três andares (e mais dois pisos subterrâneos) e um jardim independente, com uma área de 2634 metros quadrados, descreve a Fundação Macau.

Antes ele que outros

Uns meses depois, em Julho, o grupo consultivo de investimento da FM discutiu a proposta da delegação de Lisboa, tendo resolvido mandatar Liu Chak Wan – membro desse grupo – para acompanhar o projecto. O empresário tratou do assunto rapidamente: pegou no livro de cheques e afastou a concorrência.

“Como surgiram na altura outros potenciais compradores, o Sr. Liu resolveu comprar em Outubro de 2014, em nome próprio, o referido imóvel por um valor de 6,3 milhões de euros (que equivalia a 64,946.839 patacas à taxa cambial do dia da transacção), tendo informado o grupo [consultivo de investimento] em 9 de Outubro de 2014 da dita aquisição”, explica a FM.

Exactamente no mesmo dia em que Liu Chak Wan contou que tinha comprado o Palácio Sommer, o grupo consultivo de investimento discutiu a viabilidade da aquisição do imóvel por parte da Fundação Macau. Por essa altura, o empresário tinha alegado impedimento para participar no debate. A FM “entendeu que seria um bom investimento, salvaguardando, no entanto, a obtenção prévia de alguns pareceres técnicos, tais como uma avaliação rigorosa do imóvel e dos encargos fiscais, a fim de garantir os interesses da fundação”.

De acordo com a FM, “o grupo propôs ao Conselho de Curadores que o Sr. Liu transferisse o imóvel para a fundação pelo valor original da transacção, caso o Conselho de Curadores entendesse viável esse investimento da fundação”.

Mais sete milhões

Em Dezembro de 2014, a FM recebeu o relatório do estudo de avaliação elaborado por “uma outra agência imobiliária portuguesa”, que avaliava o imóvel em 9018.060 euros (equivalente a 88,933.402 patacas). Nessa data, recebeu também o parecer jurídico sobre a tributação.

A proposta do grupo consultivo de investimentos para a aquisição foi aprovada pelo Conselho de Curadores em Janeiro de 2015. Cumpridas as formalidades legais, o imóvel passou para as mãos da FM em Setembro do mesmo ano.

Apesar de ter adquirido o palácio pelo mesmo preço que tinha custado a Liu Chak Wan, a Fundação Macau ainda teve de desembolsar quase mais sete milhões de patacas. A entidade justifica o valor com “impostos, despesas com investigação, despesas com avaliação de imóvel, taxas de registo, honorários, custos de remessa bancária e custos com segurança, água e electricidade”. Feitas as contas, o valor total do investimento foi de 71,896.688 patacas.

Dois anos depois, a Fundação Macau “está a proceder a estudos com vista à remodelação do imóvel”. O Palácio Sommers será disponibilizado à Delegação da RAEM em Lisboa. Fica por explicar a razão pela qual a compra não foi tornada pública.

29 Jun 2017

Morse Lei, empresário e investigador: “Produzimos mais de mil toneladas de lixo por dia”

Com uma vida profissional dedicada à gestão de resíduos, Morse Lei está prestes a defender uma tese de mestrado assente numa mudança de paradigma. O aluno do Instituto de Ciências do Ambiente da Universidade de São José quer minimizar o papel dos aterros e das incineradoras. Em vez disso, propõe a transformação do lixo orgânico em energia limpa

[dropcap]Q[/dropcap]uais as principais conclusões do seu trabalho de tese de mestrado?
Fiz uma análise de peso ao lixo de Macau. Em Março deste ano analisei os resíduos oriundos de casas particulares e áreas comerciais. Separámos os vários tipos de lixo que vão parar aos contentores: madeira, papel, vidro, metal, latas de alumínio, plástico, tecidos e resíduos de comida. No final pesámos tudo. Foi algo que deu muito trabalho até chegarmos aos números. Em 2012, fez-se uma análise semelhante e a porção de desperdício alimentar era 49 por cento nas áreas comerciais, como casinos, hotéis e restaurantes. Usei o mesmo sistema e comparei com esses valores. Em Março deste ano, o desperdício alimentar em áreas comerciais era de 51 por cento do lixo produzido. Em áreas residenciais era de 48 por cento. Chegámos a estes números a partir de uma amostra de 6,2 toneladas. É normal que casinos, restaurantes e hotéis tenham maior percentagem de desperdício alimentar. Para se ter uma ideia, em Macau produzimos mais de mil toneladas de lixo por dia, desse número total mais de 500 toneladas são desperdício orgânico resultante da alimentação. Eu produzo, você produz, todos produzimos. Como não estamos numa cidade com muita indústria, esta é a grande parcela de desperdício. Para que este estudo tivesse resultados fidedignos tive de ter em conta diversos factores, como, por exemplo, a temperatura do dia em que analisámos a amostra, os níveis de humidade e os valores de precipitação. Estas variáveis são importantes porque alteram o peso do lixo.

O que acontece a este lixo?
A recuperação de desperdício em Macau é de um valor inferior a 0,2 por cento. Pegamos no lixo que produzimos e metemo-lo em aterros e nas incineradoras. Um dos parâmetros de análise que fiz foi uma comparação entre o total de desperdício incinerado em 2005 e 2015. Em 2005, os centros de incineração queimaram cerca de 278 mil toneladas. Em 2015 o total foi 509 mil toneladas, isto representa um aumento significativo de cerca de 82 por cento. Por aqui incinera-se tudo, excepto o desperdício resultante da construção, porque algum desse material não se consegue queimar. Tudo o que colectamos e que possa ser queimado vai para aí, incluindo o desperdício alimentar. Algum deste desperdício alimentar vai para um pequeno centro de compostagem, mas é uma percentagem mínima. Se olharmos para os números oficiais, por este centro passam duas toneladas diariamente. De acordo com a informação oficial lançada pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, no ano passado, em Macau o lixo alimentar era de mais de 40 por cento.

Durante o mestrado recolheu exemplos do exterior. Quais as ilações retiradas dessas viagens?
Fiz uma visita a Portugal, à cidade do Porto, onde visitei sete centrais municipais de compostagem, incineração, digestão anaeróbia e aterros. Foi uma experiência muito boa, ter a oportunidade para sair de Macau e regressar com sabedoria que possa ser aplicada aqui. Estudei o princípio europeu e português do poluidor-pagador e as capacidades pedagógicas deste princípio. Também fui a Hong Kong onde visitei uma central que vai separar desperdício orgânico, com uma capacidade para lidar com 200 toneladas por dia. O que eles vão fazer é gerar energia, reciclar toda a matéria orgânica e transformá-la em biogás, converter em electricidade, ou em gás para uso doméstico.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Qual a alternativa que propõe ao modelo actual de gestão de resíduos?
O meu estudo procurou encontrar um guia para a validação estratégica dos compostos orgânicos para Macau. Primeiro, temos de ter em conta que vivemos um problema de falta de recursos de terras. Precisamos encontrar um pedaço de terreno para instalar uma central de separação de lixos mecânica. Este é o primeiro passo para que o desperdício seja recuperado. Actualmente, temos uma economia linear de recuperação, quando produzimos desperdício alguém o recolhe e coloca-o no aterro ou na incineradora. Queremos fazer mais do que isto. Para tal, há que olhar para fora e aprender com Portugal, com Hong Kong e o resto do mundo. Podemos escolher todo o lixo orgânico, separá-lo, tanto o lixo produzido comercialmente, como o residencial, e ter uma estratégia para tratá-lo. Precisamos de um plano, ao nível governamental, para compostagem e digestão anaeróbia, assim como para a produção de biogás. Temos de saber o que o Governo quer fazer, sei que estão a elaborar um estudo sobre biogás. Mas há que enfrentar o inevitável, que esta é a tendência, temos de desenvolver um modelo de gestão sustentável de lixos. Esse modelo deve ser circular e transformar o desperdício em energia limpa, com menos impacto para o ambiente. A electricidade produzida pode fornecer a rede pública e alimentar a central de produção energética para a tornar auto-sustentável. Outra possibilidade que devemos aproveitar é pegar na compostagem digerida e transformá-la em fertilizante.

Qual a percentagem de energia que pode entrar na rede pública através deste processo?
Essa é a questão. Podemos tentar saber, aliás, esse será o meu próximo estudo. Quero estudar o consumo energético, a produção e quanta energia pode ser gerada a partir de 200 toneladas diárias de biomassa e chegar a um modelo económico que nos beneficie, que seja compensatório. Acho que este plano é exequível, também temos de calcular quanto calor pode gerar, o investimento de energia e de trabalho necessários até chegar ao output, à rentabilidade.

Sente que há abertura das autoridades para implementar esta política?
Sim. Aliás, o Governo tem uma empresa de consultoria a trabalhar nesta matéria. Mas a consultoria é uma coisa separada da concretização, sabem o que há a fazer mas não sabem como implementar, não conhecem as limitações do território, nem da cultura de Macau. Este é um desafio para o qual toda a sociedade tem de juntar esforços e conhecer os seus respectivos papéis. Acho que este modelo circular pode beneficiar muito Macau. Testemunhei as mudanças na cidade, o crescimento do turismo para mais de 30 milhões de visitantes anuais. Desde 2003, a cidade mudou drasticamente. O boom económico também trouxe alguns problemas, como a habitação, por exemplo. Neste sentido a sustentabilidade de Macau depende muito da gestão de lixos.

Em termos de acções concretas, o que se pode fazer?
Temos de ter prioridades, uma hierarquia de gestão de lixos. O primeiro patamar é a prevenção, ou seja, minimizar o desperdício. Reutilização, reciclagem, recuperação e, por último, o descarte, que é a solução menos preferível. Hoje em dia, quem compra um iPhone faz parte do sistema linear económico, que obriga o consumidor a comprar o novo telefone. Em termos industriais, a Apple produz para algo que vai substituir algo que vai para o lixo. Isto é o oposto de sustentabilidade. Em Macau, que é uma microeconomia, temos de minimizar o uso de aterros e incineração. Sabemos que o Governo se prepara para construir uma nova incineradora até 2021. Mas se continuarmos a apostar nestas técnicas onde vamos parar? O que acontece se a população e os turistas aumentarem? Precisamos de outro modelo, precisamos de uma estratégia para reduzir o lixo orgânico, isso é o mais importante.

Até onde este problema pode chegar?
Como sabemos, a população mundial não pára de crescer e essa inevitabilidade traz três grandes problemas. O primeiro é o acesso à água, o segundo é a falta de proteínas na alimentação e o terceiro é o lixo. As pessoas nunca pensam no lixo. Hoje em dia, a maioria das cidades, mesmo na China, estão rodeadas por lixo. As pessoas vivem em cima de lixo. Todo este desperdício polui rios e oceanos, afecta a biodiversidade e destrói habitats. Temos de empregar mais tempo e devoção a tratar do lixo, é um tema importantíssimo.

28 Jun 2017

“Uma Faixa, Uma Rota” | As visões dos locais sobre a política

É uma política nacional e tem de ser acolhida por Macau, um território que vive do jogo e que não tem mais indústrias para desenvolver. Fomos ouvir o que os visitantes da exposição fotográfica “Uma Faixa, Uma Rota” têm a dizer sobre o plano que a China quer dar ao mundo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] imagem de Lao a ler um livro sobre dez figuras históricas que se destacaram na guerra sino-japonesa, na praça do Tap Seac, está carregada de simbolismo. Bem perto, ali ao lado, está patente uma exposição de fotografias sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota”.

É como se fosse o passado do país a misturar-se com o presente, sem esquecer o futuro espelhado mesmo ali, mas que ainda não conhecemos.

O que a política “Uma Faixa, Uma Rota” poderá trazer para Macau é ainda uma espécie de utopia, e Lao não está, de facto, muito confiante. “Macau só depende do jogo, não há muitas indústrias e não é claro o que poderemos ganhar com isto no futuro”, apontou ao HM.

Sobre a acção do Executivo, apresenta algumas críticas. “O Governo tem muito dinheiro, gastou muito no projecto do metro ligeiro, mas ainda não vimos muitos resultados. Mais valia fazer investimentos no estrangeiro”, frisou.

Na exposição que o Governo decidiu instalar em vários pontos do território, mostram-se os principais objectivos que Pequim tem para os países que integram a chamada Rota da Seda. Em português e chinês, fala-se na cooperação com Fujian e Guangdong, no desenvolvimento da medicina tradicional chinesa, na plataforma com o mundo lusófono.

Para Yang, reformado, todas estas ideias fazem sentido e devem ser acolhidas. “Trata-se de uma política nacional e temos de a apoiar, porque vai trazer benefícios”, defendeu.

Yang não diz quais são, mas assume: “Se Macau ficar sem o apoio da China, não é nada”.

Centenas de visitantes

Disponível para visita do público desde o passado sábado, a exposição no Tap Seac tem atraído centenas de visitantes. No primeiro dia passaram pela praça 200 pessoas, ontem à tarde já tinham sido feitas 122 visitas. Uns passam de fugida, outros ficam a ler com mais atenção.

Topee Au decidiu passar por lá quando saiu do centro de saúde localizado ali ao lado. “Não sei o que o Governo de Macau vai fazer para desenvolver esta política, porque o Governo só dá dinheiro”, frisou.

“Penso que esta política da China vai permitir aumentar as receitas dos casinos por causa do maior fluxo de pessoas. Isso é bom mas, ao mesmo tempo, também é mau, porque para mim as apostas são uma coisa que não se deve fazer”, reiterou.

Propaganda ou informação?

Apesar de a exposição não estar disponível em inglês, o australiano Stephen Anderson tem uma opinião formada sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota”. Sobre a exposição, não sabe dizer se é informativa ou se é apenas mais uma forma de propaganda.

“Tem prós e contras mas, no fim de contas, isto serve para informar as pessoas. Será importante ter uma sociedade trilingue em Macau, e é bom que as pessoas aprendam um pouco sobre esta política”, defendeu.

Stephen Anderson afirmou ainda que as gerações mais jovens vão acabar por retirar mais benefícios da política que a China quer desenvolver.

“Esta política tem um enorme potencial. Para Hong Kong será bom sobretudo para desenvolver o sector financeiro, para criar uma base mais sólida. Quanto a Macau, se olharmos em termos históricos, sempre houve uma ligação ao mundo lusófono, com países como Angola e o Brasil”, lembrou.

Ainda sobre os benefícios que a política “Uma Faixa, Uma Rota” poderá trazer para o território, Stephen aponta para os sectores do turismo e de tudo o que não esteja directamente relacionado com as mesas de apostas. “Pequim tem demonstrado uma atitude muito positiva em relação a esta política”, frisou.

Além da Praça do Tap Seac, a exposição estará patente até ao dia 30 de Julho em locais tão diversos como o Leal Senado, a zona de lazer do Edifício Lok Yeung Fa Yuen (Rua do General Ivens Ferraz), o jardim junto ao mercado do Iao Hon ou o espaço aberto ao lado do Parque do Jardim da Cidade das Flores (perto da Rua de Coimbra).

Segundo um comunicado oficial, o objectivo desta mostra de 80 fotografias é “dar a conhecer melhor, através de imagens, a todos os sectores da sociedade, a importância e significado da participação e contributo de Macau na iniciativa nacional da ‘Faixa e Rota’”.

28 Jun 2017

Novos aterros | Zona A concluída até final do ano

O Governo foi ontem à Assembleia Legislativa dar explicações sobre a construção dos novos aterros. A zona A ficará concluída até ao fim deste ano e a habitação pública na zona norte do aterro já está a ser pensada. As ligações à zona A também serão concluídas em breve
A Zona A dos novos aterros

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s trabalhos de construção e planeamento dos novos aterros estão a decorrer a bom ritmo. Foi esta a ideia deixada ontem após a reunião que o Executivo teve com a Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Terras e Concessões Públicas da Assembleia Legislativa.

A zona A dos novos aterros deverá estar concluída até ao final deste ano, com alguns projectos paralelos, como a ponte de ligação com a península e a ligação com a ilha artificial, a ficarem prontos entre Setembro e Dezembro.

Segundo referiu o deputado Ho Ion Sang, que preside à comissão, o Governo já está a pensar no planeamento das habitações públicas da zona norte do aterro A.

“Vai ser criada na zona A uma zona subterrânea de esgotos e canalizações. Só em 2019 é que será elaborado o plano director de Macau e o Governo vai, antes disso, realizar gradualmente as obras de habitação, sendo que os projectos ainda têm de passar pelo Conselho do Planeamento Urbanístico”, disse o deputado.

As obras do aterro A, que tem uma dimensão de 138 hectares, vão ficar concluídas “em paralelo com a abertura ao trânsito da nova ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau”, adiantou ainda Ho Ion Sang.

Questionado sobre os problemas ocorridos com o fornecimento de areia, Raimundo do Rosário, secretário para os Transportes e Obras Públicas, garantiu que já está tudo resolvido.

O aterro da zona A terá um total de 32 mil habitações, sendo 28 mil delas públicas e as restantes destinadas ao mercado privado. O Governo não adiantou mais informações sobre a possibilidades de os restantes aterros virem a ter habitação privada.

Faltam estudos

Perto da zona A ficará ainda a quarta ligação entre a península e as ilhas da Taipa e Coloane, que também estará situada junto ao aterro E1. Sobre este projecto, Ho Ion Sang adiantou que o Executivo “ainda está a efectuar estudos ecológicos e que só depois é que pode activar os planos”.

Apesar de ainda não haver certezas sobre se a quinta travessia entre Macau e as ilhas será feita através de um túnel ou de uma ponte, as Obras Públicas também já começaram a estudar este assunto. Segundo explicou o presidente da comissão, a quinta travessia deverá ficar localizada junto à ponte Governador Nobre de Carvalho, perto dos aterros D e B, onde estará localizada a zona destinada aos edifícios da Administração e dos tribunais.


Edifícios da zona B vão respeitar regras da UNESCO

Os novos aterros

Raimundo do Rosário não soube precisar a altura que os edifícios administrativos e judiciais vão ter mas, diz Ho Ion Sang, os projectos vão estar de acordo com as directrizes da UNESCO. “O Governo não disse qual será a altura dos edifícios do campus judiciário, mas penso que as exigências da UNESCO vão ser mantidas e que os prédios não vão ser muito altos.” O aterro B vai ficar localizado junto ao casino MGM e os trabalhos de planeamento já estão a decorrer. “Estamos em reuniões com os utilizadores dessa área e esperamos este ano retomar esses projectos”, disse Raimundo do Rosário.

Os outros aterros

Segundo Raimundo do Rosário, os restantes aterros também deverão ver a sua construção concluída no próximo ano. A zona C termina este ano, enquanto a zona D deverá estar concluída em 2018. Já a zona E, localizada junto à Ponte da Amizade, também fica concluída este ano. Aqui vai nascer um posto de manutenção de helicópteros e algumas zonas para a instalação de postos policiais.

E depois da Barra?

A construção do metro ligeiro na península continua a ser uma incógnita e, para já, só há novidades sobre o acesso até à zona da Barra. O deputado Ho Ion Sang avançou a informação de que o concurso público para a construção da estação nessa zona será iniciado este ano, sendo que a ligação será feita através da Ponte Sai Van. “O Governo está a fazer tudo de acordo com o que já tinha revelado e vai rever os itinerários. Tudo depende dos prazos das propostas apresentadas e dos valores, e só depois é que o Governo consegue ter um calendário”, explicou.

28 Jun 2017

Fundação Macau comprou palácio em Lisboa a Liu Chak Wan, um dos seus curadores

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Fundação Macau (FM) comprou o Palácio Sommer, em Lisboa, a Liu Chak Wan, membro do conselho de curadores da instituição. A notícia foi avançada ontem pela Rádio Macau. De acordo com a emissora, o negócio, no valor de 70 milhões de patacas, foi proposto pelo próprio Liu Chak Wan à FM e terá sido concretizado no início de 2016. Porém, nunca foi anunciado.

O Palácio Sommer, que ocupa uma área de 2634 metros quadrados no centro de Lisboa, no Campo Mártires da Pátria, foi adquirido pelo empresário de Macau com a intenção de converter o edifício do início do século XX num hotel de charme. Depois de desistir do projecto, Liu Chak Wan propôs a venda à FM. “Uma venda sem obter mais-valias”, disseram à rádio fontes conhecedoras do negócio, que teve de receber o aval dos curadores da FM.

O conselho de curadores é presidido pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On, e tem entre outras competências aprovar a concessão de apoios financeiros de valor superior a 500 mil patacas.

O preço pago a Liu Chak Wan, 70 milhões de patacas, está dentro dos valores que uma agência imobiliária, a Engel & Völkers, pedia pelo Palácio Sommer em 2013. Fonte da empresa do ramo imobiliário confirmou à emissora que o imóvel foi vendido por essa altura.

Nova casa da delegação?

O Palácio Sommer, com 18 divisões, foi projectado por um arquitecto italiano para residência da família Sommer, tendo servido de cenário ao filme “A Casa dos Espíritos”, realizado por Bille August, em 1993, com Meryl Streep e Jeremy Irons.

A Rádio Macau explica que existe um plano de reabilitação, uma vez que o imóvel precisa de obras de restauro. A FM ainda não aprovou esse plano, o que poderá acontecer nos próximos meses.

Um dos cenários prováveis é que o Governo decida transferir para o Palácio Sommer a Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa, actualmente a funcionar na Avenida 5 de Outubro, em instalações consideradas reduzidas para a actividade da representação do território na capital portuguesa, nomeadamente ao nível cultural.

A Rádio Macau procurou esclarecimentos junto da FM, mas não obteve resposta.

28 Jun 2017

João Guedes, jornalista e investigador: “A memória perde-se muito rapidamente”

Quando chegou a Macau, a cidade era feita de segredos, um passado irresistível para João Guedes. Apaixonado por história desde cedo, porque ela apareceu no quintal da casa de infância, o jornalista é o responsável por uma palestra marcada para o próximo sábado, que marca os 12 anos da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau. O autor do único livro em português sobre as seitas no território promete outras obras para breve. Para que o passado não desapareça no vai e vem de pessoas

[dropcap]S[/dropcap]ão quase 40 anos de Macau. Veio viver para cá em 1980, num contexto bastante diferente. Como é que foi a chegada?
Cheguei num momento muito interessante da história de Macau, o momento em que a imprensa se começava a profissionalizar. Havia, na altura, dois jornais: a Gazeta Macaense, com um senhor que se dedicava muito ao seu jornal, o Leonel Borralho, mas não era um jornalista profissional; o outro era O Clarim, da Igreja Católica, que tinha também belíssimos colaboradores. Por outro lado, tínhamos uma rádio com um profissional, o Alberto Alecrim, mas que vivia sozinho na sua rádio. Era o director e era o resto. Tinha colaboradores que, normalmente, vinham em comissão de serviço para Macau. Gostavam de falar na rádio, de fazer programas, de pôr discos. Era assim. Cheguei no momento em que se estava a pensar fazer a televisão em Macau. A rádio deu um salto qualitativo muito importante e, por arrastamento, os jornais.

“Quando nos interessamos pelos becos e pelos sítios que não conhecemos, começamos a gostar, mesmo que os becos sejam feios e a realidade seja, muitas vezes, pouco agradável”

Foi uma altura em que vieram para Macau vários jornalistas profissionais.
Vim eu, a Judite de Sousa, que hoje está na TVI, o José Alberto de Sousa da RTP, que faleceu há uns anos, o Fernando Maia Cerqueira, da RTP também, o Afonso Rato, que era o chefe da equipa, o Rodrigues Alves, um dos fundadores de O Jornal, que é hoje a revista Visão, e o Gonçalo César de Sá. A Rádio Macau transformou-se, de um momento para o outro, de uma emissora oficial que dava os comunicados do Governo e que punha música numa rádio normal, com noticiários de hora a hora, o que era uma coisa espantosa, nunca se tinha feito isso em Macau. Eu fui o crucificado, porque fui encarregado de ler os intercalares, fui literalmente lançado aos bichos. Tudo isto era para a criação da televisão, mas a rádio ainda ficou bastante tempo a ser dona das ondas hertzianas, porque o projecto da televisão demorou bastante tempo a ser concretizado. Houve percalços políticos, alterações de Governo. Os governadores em Macau costumavam ter um prazo de validade médio de mais ou menos dois anos. Com a mudança de Governador, não era só o ajudante de campo que mudava também – toda a Administração ia embora para Portugal e vinha um novo Governador com os chefes de repartição. Quando o PSD estava no poder, o PS vinha para cá exilado. Quando era o PS no poder, o PSD vinha exilado para cá. Finalmente, em 1984, ficaram reunidas todos as condições para a televisão poder avançar. E avançou com um projecto muito profissional a todos os níveis – técnico, da qualidade dos jornalistas, da qualidade da informação que se fazia. Foi um abanão muito grande no “status quo” de então em Macau.

Foi nessa altura que se verificou uma transformação na imprensa.
A Gazeta Macaense deixou de deter o monopólio das notícias da imprensa e surgiram dois jornais novos: a Tribuna de Macau e o Jornal de Macau. A Tribuna de Macau, sob a batuta de José Rocha Dinis, e o Jornal de Macau com João Fernandes, que acabou por ir embora. Deu-se então a fusão entre os dois. Ambos os jornais trouxeram equipas de redactores também profissionais. Por aqui se pode ver a profundíssima alteração que ocorreu na década de 1980 no jornalismo em Macau.

De lá para cá, houve outros momentos de grandes alterações na comunicação social local. Como é que olha para o jornalismo de língua portuguesa que hoje se faz em Macau? Há muitos profissionais que vieram depois da transferência de administração, para um território que já não pertencia a Portugal e às suas extensões.
Foi outra alteração tão profunda como a que acabei de referir, ou talvez ainda mais profunda. Vivi numa colónia portuguesa. Por muito que se diga que não era colónia, porque o poder económico esteve sempre na mão dos chineses, o espírito era esse. Quem mandava era Portugal. Surgiu 1999 e deu-se uma alteração do panorama que teve que ver principalmente com um factor: antigamente, a comunicação social ignorava o mundo chinês, os mais de 90 por cento da população, tratava das notícias e das análises sobre o que se passava com a comunidade ocidental que aqui vivia, com a comunidade portuguesa, que nunca ultrapassou as 10 mil pessoas. De repente, começou a tornar-se importante ouvir o deputado chinês na Assembleia Legislativa. Antes, quem ouvia os deputados chineses eram os repórteres chineses, não éramos nós que os íamos ouvir, porque quem contava politicamente eram os deputados portugueses. Aqui está uma alteração completamente radical. Hoje, Ng Kuok Cheong, Mak Soi Kun e todos esses nomes estão presentes nos diários. Isto representa a tal alteração estatutária de Macau que, de repente, passou a ser um local de emigração. O que vejo hoje é que as pessoas que vieram depois estão aqui como emigrantes. Às vezes custa-me perceber essa nova forma de estar em Macau, porque não me sinto emigrante e até posso ser considerado passadista. Mas leva-me muitas vezes a considerar a minha função de jornalista e a ter em conta a imagem do meu país. Hoje, o jornalista que está aqui, não precisa de ter isso em conta: tem em conta as regras da profissão e já lhe chega.

O facto de não se sentir emigrante faz com que encare o exercício da cidadania de outra forma?
Sim, talvez, porque gosto de Macau. Gosto de Macau por duas razões: primeiro, porque estou cá há muito tempo; e depois porque gosto muito de história, sempre gostei de saber o que se passava, e quando nos interessamos pelos becos e pelos sítios que não conhecemos, começamos a gostar, mesmo que os becos sejam feios e a realidade seja, muitas vezes, pouco agradável. É uma forma de estar bastante diferente da de um emigrante que está aqui, com toda a honestidade, a fazer o seu trabalho, mas que não tem quaisquer obrigações morais para com o sítio onde está.

Como é que surge o interesse por história?
Vem de longe. Nasce porque sou de uma aldeia do Alto Douro, muito pequenina, que hoje só já tem 22 habitantes. Lá no alto da aldeia há um monte que é um crasto antigo, romano. No meu quintal, encontravam-se muitas coisas que vinham com as enxurradas. Lembro-me que tinha uma colecção de moedas com vários sestércios romanos. Encontrei um anel árabe, várias coisas. E isso despertou-me o interesse. Andavam por ali arqueólogos da Universidade de Coimbra, que era na altura a única universidade que fazia esses estudos.

E como é que esse interesse se materializou em Macau?
Pouco tempo depois de cá ter chegado, apareceu-me uma pessoa que me entregou muito discretamente um documento sobre uns acontecimentos que, dizia, tinham sido terríveis aqui em Macau: os tumultos de 1922. Foi um caso grave na história de Macau porque houve uma greve geral que durou um ano, estiveram aqui os anarquistas em força a agitar as massas, houve tiroteios, os militares saíram para a rua, houve 70 mortos e mais de 200 feridos. Deram-me esse papel por acharem que daria uma boa história. Antes, esses assuntos não eram tratados, eram praticamente segredos. Olhei para aquilo: o documento que me foi entregue não era uma carta privada. Era um Boletim Oficial de 1922 que relatava os acontecimentos. Achei piada porque, na altura, em Macau era tudo secreto. Caí que nem peixe na água, porque aí comecei a investigar tudo o que era secreto. Mais secreto ainda do que 1922 – uma data tão remota que não percebia por que tinha algum grau de secretismo –, era 1966, o chamado “1-2-3”. Esse era ainda pior, ninguém falava e muito menos publicava alguma coisa sobre isso. Tudo isto me despertou para a história de Macau, que verifiquei ser muito interessante. Macau estava cheio de história, cheio de histórias, que se desconheciam, por estes preconceitos agravados pela ditadura e pelo monopólio da inteligência do clero local. O clero constituía a intelectualidade de Macau e exercia uma censura férrea a todos os níveis. Temos um exemplo muito interessante, o do Padre Teixeira. Foi o homem que escreveu sobre tudo quanto havia para escrever, mas havia determinados temas sensíveis em que não hesitava em adulterar por completo o que se passou, para se coadunar com aquilo que ele pensava ser correcto – e ele era um salazarista, um homem da extrema-direita, com todos aqueles preconceitos muito antigos, um reaccionário. Macau, apesar de já estarmos muito para lá do 25 de Abril, continuava envolto neste ambiente de censura, embora já não existisse censura. Tudo isto me impeliu a ir vasculhar, para saber quais eram as outras histórias que não sabia e que tinha obrigação de dar a conhecer.

A partir daí começa também a investigar as seitas, numa altura em que não havia em português nada escrito sobre este tipo de organizações.
Sim, mas pior: continua a não haver. O meu interesse pelas seitas não começa aqui, mas sim quando pertencia à Polícia Judiciária, em Portugal. Por qualquer razão, tudo quanto dizia respeito a Macau acabava por vir parar à minha secretária. Tive de começar a estudar. Ainda me lembro que o primeiro processo que me caiu era de um homem da 14 Kilates, de maneira que tive de ir ver o que era a 14 Kilates. Não encontrei nada em português porque ninguém tinha escrito sobre isso, a não ser um pequeno livro que pouco ficou na história da literatura portuguesa, de um autor de viagens chamado António Maria Bordalo. Fez aquela que, estou convencido, será a primeira novela policial escrita em português. Era sobre as seitas em Macau na sequência da explosão da Fragata D. Maria II, em 1850. Era a única coisa que existia. Depois disso, escrevi o livro “Histórias do Crime e da Política em Macau – As Seitas”, e estava à espera de abrir caminho a outros interessados. Mas não, infelizmente continua a ser o único livro sobre as seitas em Macau. Ao contrário do que previ, Macau tem mais jornalistas do que tinha antes da transição. Pode ser que algum se interesse por esse tema, porque mesmo entre gente da universidade ninguém se interessou até ao momento.

O tema é demasiado sensível?
Se calhar. Ou as pessoas pensam que é demasiado sensível. Eu acho que não é. É um tema cultural, como qualquer outro. Por exemplo, Sun Yat-sen, o primeiro Presidente da República da China, era um homem das seitas e nunca omitiu esse facto na sua biografia política. As seitas oscilam entre mergulharem na criminalidade comum e depois em ciclos políticos de transformação. Por isso é que são importantes. Não é um assunto tão sensível como isso.

“Macau, apesar de já estarmos muito para lá do 25 de Abril, continuava envolto neste ambiente de censura, embora já não existisse censura”

Nos últimos anos, tem feito muito trabalho de levantamento histórico para programas da TDM. Fazem falta mais exercícios de explicação do sítio onde estamos, até pela falta da escrita da história de Macau?
O problema de Macau foi sempre a população mudar muito rapidamente, e não só a portuguesa. Se virmos as estatísticas, temos uma percentagem altíssima de pessoas que têm menos de sete anos de residência em Macau. A memória não fica preservada. Como disse, os governadores mudavam de dois em dois anos, com toda a Administração, pelo que se perdia a memória daqueles dois anos. Lembro-me de ser repórter e de chegar um Governador, anunciar que ia fazer um estudo sobre determinado assunto, e dois anos antes tinha sido feito um estudo sobre o mesmo tema. A memória perde-se muito rapidamente. Se calhar, as pessoas que agora vêm de Portugal ficarão mais de dois anos mas, de qualquer maneira, não permanecem aqui muito tempo. Quanto ao meu trabalho, porquê pequenos programas? Não pretendo fazer um compêndio da história de Macau – isso é a Universidade de Macau que deve fazer. O que pretendo é divulgá-la, da melhor forma, de maneira a que as pessoas se interessem. Quanto à feitura da história de Macau, acho que não existe uma história de Macau, de facto, mas também não sei que história se poderá fazer.

A rádio, a televisão e os jornais são efémeros. Há possibilidade de passar esses apontamentos para livro?
Sim, porque só depende da minha disponibilidade. Como estou na reforma, já tenho bastante mais tempo. Há muitos temas que são tratados de uma forma na rádio ou na televisão mas que, em livro, podem ser abordados de uma maneira mais profunda e elucidativa, e menos efémera.

Podemos então esperar mais livros de João Guedes?
Com certeza que sim.

Quase 40 anos depois de ter chegado, gosta da Macau que temos?
Gosto, gosto disto. Tem muitos problemas. Estou a ver a Ponte Sai Van e a quantidade de trânsito que tem. Depois a poluição. Há uma série de coisas terríveis e é preciso fazer pressão para que isto melhore. Mas, apesar disso, gosto muito de Macau e não sou nada saudosista dos tempos em que havia as casas baixinhas da Praia Grande. Gosto muito de ver essas gravuras, mas Macau não podia parar no tempo. Já teria desaparecido, obliterado por Hong Kong. Eu e quem achar que sim tem a obrigação de fazer os possíveis por corrigir estas coisas caóticas, torná-las melhor e transformar esta cidade para que dê gosto viver nela, sem tantas obras, sem tantos carros e outras coisas que não são boas.

27 Jun 2017

Scott Chiang barrado à entrada de Hong Kong

Em vésperas da visita de Xi Jinping a Hong Kong, Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau (ANM), foi proibido de entrar no território. Não lhe foram dadas explicações, mas o activista pró-democrata vai exigir respostas das autoridades da região vizinha

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]cott Chiang deslocava-se à antiga colónia britânica para ir a uma consulta médica de rotina, à qual vai todos os meses, mas acabou detido durante hora e meia numa sala da imigração do Terminal de Ferries em Sheung Wan. A máquina que faz o controlo automático da identificação de quem passa nos serviços de imigração não abriu. Em seguida, o activista foi abordado por um agente das autoridades de imigração que o conduziu a uma sala onde foi entrevistado.

Scott Chiang recusa caracterizar esta conversa como “um interrogatório”. Em primeiro lugar foi-lhe perguntada a razão para a visita a Hong Kong. “Contei-lhes que tinha uma consulta marcada”, recorda. O pró-democrata não tinha qualquer documento que comprovasse o carácter clínico da ida ao território vizinho, apesar de ter o medicamento que provava a sua condição médica. O líder da ANM disse não estar “obrigado a apresentar motivos para a estada em Hong Kong” e que “não era assim que as coisas funcionavam”.

Para líder ver

De acordo com Scott Chiang, o interrogatório a que foi submetido incidiu muito sobre o que iria fazer depois da consulta médica, se iria encontrar-se com alguém, se tinha ligações a associações. Foi-lhe também perguntado quanto dinheiro tinha consigo e quanto tinha em cartão.

Oficialmente, a razão pela qual lhe foi proibido entrar em Hong Kong prende-se com uma falha em preencher os requisitos de entrada. Scott Chiang perguntou que requisitos eram esses, tendo-lhe sido recusada uma resposta concreta. Porém, o activista não tem dúvidas de que foi impedido de entrar em Hong Kong devido à proximidade da visita de Xi Jinping ao território.

Aliás, quando da sua detenção, o presidente da Novo Macau recordou aos agentes que ainda era dia 26, faltando ainda três dias para a chegada do líder chinês a Hong Kong. Em seguida recebeu duas notificações, uma sobre a recusa de entrada e outra sobre a razão pela qual foi detido. O activista não recebeu qualquer cópia destes documentos, tendo-lhe sido também proibido fotografá-los. Passado uma hora e meia era recambiado de volta a Macau.

Esta foi a primeira vez que Scott Chiang passou por algo semelhante, um incidente que o fez sentir-se injustiçado e zangado. O activista explicou ainda que “Macau tem feito isto a pessoas de todo o mundo, há muitos anos, não só a dissidentes políticos, mas também a pessoas que têm o mesmo nome”, numa referência ao embaraçoso caso que envolveu uma criança barrada na fronteira.

O líder da Novo Macau considera que o Governo de Hong Kong foi demasiado sensível e espera que esta não seja uma nova política. Scott Chiang diz ter pena que as autoridades da região vizinha achem que “é assim que podem impressionar o líder chinês”, com actos que classifica, sem rodeios, como “abuso de poder”.

27 Jun 2017

EPM | Fundação não nega acção judicial para reaver dívida da Fundação Oriente 

A Fundação da Escola Portuguesa de Macau não descarta uma acção judicial caso a Fundação Oriente não pague a dívida de 21,4 milhões de patacas. O seu presidente, Roberto Carneiro, prevê que no ano lectivo de 2020/2021 as obras da EPM estejam concluídas

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m relatório de auditoria encomendado pelo Ministério da Educação em Portugal revelou que a Fundação Oriente (FO) deve 21,4 milhões de patacas à Fundação da Escola Portuguesa de Macau (FEPM), mas a dívida ainda não foi saldada.

Em declarações ao HM, à margem de um evento público, Roberto Carneiro, presidente do conselho de administração da FEPM, garante que, caso a dívida não seja paga, já está a ser preparada uma acção judicial contra a FO, presidida por Carlos Monjardino.

“Está pensada uma acção judicial, mas penso que vão chegar a acordo. Mas a acção judicial está pronta, caso não se chegue a acordo”, apontou Roberto Carneiro, que se mostrou, no entanto, optimista quanto a uma resolução pacífica do assunto. “Essa questão tem sido discutida com Carlos Monjardino e com o ministro da Educação. Não sei quando será, mas penso que será em breve”, disse.

A dívida da FO é relativa a falhas nas transferências de fundos para o funcionamento da escola desde o ano lectivo de 1999/2000, pois nem sempre a FO terá cumprido escrupulosamente a percentagem de contribuições que tinha ficado decidida. O relatório mostra que houve anos em que a FO não deu qualquer financiamento à escola, outros em que deu apenas uma parte, enquanto nalguns anos lectivos houve um financiamento por inteiro.

A auditoria realizada em Portugal faz ainda referência à má gestão por parte da FEPM, ao nível da falta de organização de documentos, da inexistência de actas do Conselho Fiscal ou do não cumprimento da realização de assembleias-gerais. Para Roberto Carneiro, está tudo regularizado. “São questões puramente burocráticas. Não está nada pendente neste momento.”

Escola pronta em 2020

Questionado sobre o projecto de renovação da EPM, o antigo ministro da Educação em Portugal garantiu que o processo está a ser analisado pelos Serviços de Educação e Juventude, bem como pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.

As obras “vão levar o tempo normal que estas coisas burocráticas levam”, frisou. “No ano lectivo de 2020/2021 teremos o novo bloco de aulas pronto. [O edifício] vai crescer em altura, vai haver uma parte do bloco novo, a cantina, um auditório novo e um pavilhão também.”

Roberto Carneiro falou ao HM à margem da apresentação do livro “Português Global 4”, um lançamento do Instituto Politécnico de Macau. O presidente da FEPM está no território para desenvolver o projecto de ensino de línguas europeias na EPM, para que a escola tenha “uma componente europeia”.

“Queremos abrir as suas portas aos alunos chineses que queiram estudar línguas europeias, como o espanhol, francês ou italiano, línguas que não sejam ensinadas aqui. São línguas que são igualmente procuradas na China, mas teremos sempre o português e o inglês.”

Daqui a cinco anos essa iniciativa deverá ser uma realidade. “Tem de ser algo negociado com a União Europeia e as autoridades de Macau, é uma coisa complicada”, concluiu.

27 Jun 2017

Tragédia em Sichuan | Deslizamento de terras faz mais de 110 desaparecidos

Depois de chuvas intensas, a aldeia de Xinmo, situada no norte da província de Sichuan, foi inundada por terra e pedras. A derrocada engoliu 62 casas particulares e um hotel, deixando mais de uma centena de pessoas desaparecidas. Até ao fecho da edição o número de mortos encontrados era de 15

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]nquanto a chuva intensa continua a provocar danos nas províncias de Hunan e Hubei, em Sichuan a calamidade acrescentou terra e pedras à forte precipitação. Na madrugada de sábado, às 05:45 da manhã, a aldeia de Xinmo, em Sichuan, foi atingida por um deslizamento de terras que cobriu a localidade de terra e pedregulhos. O local sinistrado fica a 170 quilómetros a norte de Chengdu, a capital da província e é habitado, sobretudo, por uma vasta comunidade de tibetanos e famílias da etnia Qiang.

Até ao fecho desta edição o número de vítimas mortais situava-se nos 15, com mais de 110 pessoas desaparecidas. A localidade, situada no sopé de uma montanha, faz fronteira com o Tibete. Ao local acorreram cerca de 3 mil operacionais munidos de aparelhos de detecção e equipas cinotécnicas em busca de sobreviventes debaixo dos escombros. As equipas de salvamento focam os seus esforços na área mais afectada, onde 62 casas e um hotel foram totalmente arrasados pelo poder das terras. Numa altura em que já se procediam a salvamentos, em plena luz do dia, uma segunda derrocada que fez rolar sobre a fustigada aldeia pedras de grandes dimensões. O segundo deslize dificultou as manobras de máquinas de grandes dimensões nos esforços de salvamento, além de ter perpetuado o pânico.

É de salientar que as chuvadas e consequentes deslizes de terras são frequentes nesta zona da China, sendo que desta vez a aldeia de Xinmo foi varrida por uma parcela do topo de uma montanha da província de Aba no Tibete.

Caíram sobre a população do pequeno povoado cerca de 18 milhões de metros cúbicos de terra e rocha, de acordo com informação veiculada pela agência Xinhua. A chuva de pedras abrangeu uma área de três quilómetros de diâmetro, enterrou 1,6 quilómetros de estrada e bloqueou dois quilómetros do leito de um rio.

Terra tremida

A região havia sido fustigada por um enorme terramoto a 12 de Maio de 2008, que vitimou mais de 87 mil pessoas, e que foi sentido em Macau três minutos depois de tremor original. Passados seis meses da calamidade que entrou directamente para o pódio dos terramotos mais mortíferos do século XXI, o Governo chinês anunciou o investimento de 1 bilião de renminbis, parte do programa de estímulo económico chinês, para reconstruir a zona afectada.

Ouvido pela televisão estatal chinesa, Tian Yanshan, geólogo especializado em respostas urgentes do Ministério da Terra e Recursos, afirma que as montanhas da região se encontram numa situação de instabilidade desde o forte abalo de 2008. “A razão para o deslizamento de terras é complicada. Chuva forte e uma estrutura montanhosa instável contribuíram para o desastre”, concluiu o geólogo à CCTV. O especialista acrescentou ainda à lista de possíveis explicações a intervenção humana na zona, em particular actividades ligadas à indústria da mineração.

De acordo com os serviços meteorológicos, as fortes chuvadas vão-se manter. Como tal, as províncias de Hunan, Hubei, Guizhou e Anhui continuam com alertas de emergência de forma a dar resposta a possíveis focos de inundação. Foi também lançado um alerta de deslize de terras para a cidade de Jin, em Hunan.

Neste aspecto é de salientar que nas províncias de Hunan e Hubei, no centro da China, as inundações provocadas pelas chuvas registadas nos últimos dias afectaram cerca de 466.500 pessoas e causaram pelo menos dois mortos, informou a agência noticiosa estatal Xinhua. As cheias provocaram danos patrimoniais ainda por apurar, sendo que meia centena de casas ruiu e mais de 9 mil pessoas tiveram de ser retiradas das suas moradias.

Depois da deslize de terras, ocorreram a Xinmo mais de um milhar de bombeiros, pessoal de assistência médica e polícias. A logística deslocada para a remota zona do noroeste da província de Sichuan inclui um veículo com equipamento satélite e drones. O Departamento dos Assuntos Civis da Prefeitura Autónoma do Aba Tibetano e Qiang montou na zona do desastre um acampamento com 20 tendas e dois geradores eléctricos. Foram também enviados para o Xinmo cerca de 400 mantas e mudas de roupa para servir de apoio logístico aos sinistrados.

Resposta de Pequim

Os votos de solidariedade não se fizeram esperar, um pouco por todo o mundo. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, manifestou no sábado tristeza pela perda de vidas humanas e devastação causada pelo deslizamento de terras. Guterres acrescentou ainda que as Nações Unidas disponibilizam a Pequim todo o apoio que Pequim necessitar. De resto, o português deixou as condolências para o povo e Governo da República Popular da China, e “desejos de melhoras rápidas” para os feridos.

Assim que foi dada notícia da calamidade em Xinmo, o Presidente Xi Jinping, assim como o Primeiro-Ministro Li Keqiang, emitiram um comunicado compelindo as equipas de salvamento a “fazerem o máximo esforço para minimizar casualidades”. Xi Jinping acrescentou ainda que será prestado o cuidado apropriado a familiares de vitimas e a quem teve prejuízo com o desastre.

Um oficial local, Li Yuanjun, relatou ao Sichuan Daily que ao chegar à zona afectada deparou-se com um cenário de total devastação. “De toda a aldeia só consegui ver uma casa de pé, o resto está enterrado debaixo das rochas”, contou.

26 Jun 2017

Agnes Lam, candidata às eleições: “O Governo é muito bom a gastar dinheiro”

As patacas não compram tudo e é por isso que Macau se depara hoje com mais problemas do que nas últimas legislativas. Agnes Lam, investigadora e docente, volta a liderar o Observatório Cívico nas eleições de Setembro. O resultado de 2013 ajudou-a a perceber que não pode ter apenas como alvo o eleitorado da classe média, uma fatia de eleitores demasiado pequena. Defensora de mudanças no método de conversão de votos em mandatos, entende que a sua grande vantagem é conseguir analisar a sociedade em que vivemos

[dropcap]C[/dropcap]andidata-se pela terceira vez este ano. Depois do resultado de 2013, aquém do que estaria à espera, o que a leva a tentar mais uma vez?
Sinto que tenho de voltar a fazê-lo. Da última vez, apesar de sentir que trabalhei muito, tomei a decisão demasiado tarde. Não planeei muito bem. O resultado foi bom, mas claro que se esperava mais. Quando olho para trás, percebo que não tive tempo para fazer uma série de coisas que queria fazer, para falar com as pessoas. Tenho de fazer isto como julgo que deve ser feito. Da primeira vez que me candidatei, achei que devia seguir por um caminho, mas acabei por escolher uma forma que não era aquela em que acreditava. Depois das eleições, a lista fez um grande trabalho de avaliação à nossa participação. Tivemos reuniões muito duras, criticámos o que fizemos mal e também tivemos sessões muito calmas, em que olhámos para os resultados das eleições, analisámos os votos que tivemos em cada mesa, analisámos todos esses detalhes, para percebermos quais são foram as grandes diferenças entre 2009 e 2013.

E que diferenças foram essas?
A principal diferença é que conseguimos melhores resultados junto das zonas onde vota a classe média. Tivemos mais votos na Taipa, na Praia Grande, no Tap Seac. Mas tivemos uma prestação pior na zona norte, não fizemos o suficiente nesta área da cidade. Mais tarde percebemos que, mesmo que quiséssemos representar a classe média ou os eleitores com mais formação, tínhamos de fazer mais em simultâneo, porque não tivemos votos suficientes. Não há apenas uma lista que representa este tipo de pessoas, há mais a fazê-lo. Desta vez, parti do princípio de que tenho de olhar para o panorama em geral. Aquele conjunto de pessoas era demasiado pequeno.

O trabalho que fez nestes últimos quatro anos foi suficiente para que as pessoas fora do grupo da classe média tenham ficado a perceber quem é Agnes Lam?
Acho que fiz melhor. Não consigo fazer uma sondagem acerca de mim própria, mas tenho os dados da minha presença nas redes sociais e parece que a minha popularidade é maior agora do que era há quatro anos. Quanto a estarmos a fazer o suficiente para o público em geral, lidei com alguns casos, como a da menina cega, em que ajudei à recolha de fundos para que fosse operada. Tive vários casos desse género, em que ajudei minorias e pessoas que precisam de ajuda sistemática ou de apoio urgente. De alguma forma, isso talvez tenha ajudado. E espero poder ajudar mais e melhor. Mas este envolvimento terá contribuído para chegar a um público mais abrangente.

Em termos eleitorais, a competição é grande na zona norte de Macau. Em 2013 já era difícil mas, este ano, a equipa de Chan Meng Kam partiu-se em duas e há mais uma lista oriunda de Fujian. Há várias listas que se dividiram, por causa do sistema de contagem de votos. Macau deve reconsiderar a forma como os votos são convertidos em mandatos?
Sim, acho que o método que utilizamos é errado. Um cenário seria aquele que se utiliza em Hong Kong, com a representação por distritos, mas as três freguesias da zona norte representam 70 por cento dos votos. É impossível desistirmos daquela área, onde não vivem apenas as classes mais baixas – também há pessoas da classe média, estudantes universitários, professores… Não posso pensar que não tenho de trabalhar naquela zona. Tenho, isso sim, de ter uma estratégia melhor. Ainda estou a trabalhar nela. Mas chegou a altura de repensarmos todo o sistema político para as eleições por via directa. Porque é que utilizamos estas listas? No boletim de voto, o eleitor poderia votar em 14 candidatos, o número de assentos. Na China Continental está a fazer-se isto. Se optássemos por este método, dávamos aos eleitores a possibilidade de decidirem como é que a Assembleia Legislativa (AL) deveria ser constituída. Por exemplo, se eu quiser que a sociedade seja mais estável, dou dez votos a candidatos mais tradicionais, mas como também quero alguma inovação, escolho dois com essas características, e como também quero alguma oposição para contrabalançar, escolho outros dois dessa ala. Neste momento, não é possível fazer essa escolha.

No dia em que formalizou a comissão de candidatura, fez referência ao facto de hoje termos problemas diferentes daqueles que existiam em 2013. O que é que a preocupa?
O Governo é muito bom a gastar dinheiro para resolver os problemas. A maioria das questões que podiam ser resolvidas através de dinheiro está solucionada. Agora temos muitos mais problemas que o dinheiro não pode resolver. Temos tanto dinheiro, mas por que é que temos tanto trânsito? Os transportes não são bons. O mesmo acontece com a habitação: está toda a gente descontente. Quem arrenda casas tem de pagar um custo muito elevado, quem quer comprar não tem perspectivas de quando é que vai poder fazê-lo. Depois, há questões sociais emocionais. Ganhamos mais, viajamos mais – muitas pessoas vão com frequência a Taiwan, ao Japão. E quando voltam sentem-se insatisfeitas com a cidade. Por mais que o Governo Central nos elogie, as pessoas não estão contentes, temos uma carga negativa grande na sociedade. Por quê? Porque nos dão nove mil patacas? Não é sequer um Panadol. No início era uma espécie de analgésico, agora já nem sequer isso é.

Sente que a cidade piorou desde 2013?
Em termos gerais, as emoções estão em baixo. Temos mais problemas, quando devíamos ter muitas hipóteses. Temos a política “Uma Faixa, Uma Rota”, devíamos estar à espera de podermos abraçar essas novas possibilidades. Mas depois não vemos ninguém que consiga comunicar de forma clara com o público em geral. O que é que está a acontecer? Sentimos que há qualquer coisa especial, parece que há muitas oportunidades para os países lusófonos, mas quais são as verdadeiras possibilidades para as pessoas de Macau?

Há demasiados chavões e slogans na política local, em comparação com o que existe na realidade?
Sim. A propósito da Grande Baía Guandong-Hong Kong-Macau, fui a uma palestra em que nos perguntaram o que podemos nós fazer. Houve uma pessoa que sugeriu que deveria existir uma espécie de gabinete de ligação para ajudar as pessoas jovens a poderem entrar nesta grande área e encontrarem oportunidades. Fiquei a pensar sobre que oportunidades são essas e cheguei à conclusão de que não sei. Talvez consigam os investidores, os profissionais liberais que possam arranjar emprego na sua área, aqueles que estão a fazer negócios. Parece que temos um enorme potencial, mas ninguém sabe o que fazer com ele. Talvez demore algum tempo a perceber. Mas, a partir do momento em que tivermos essa política a funcionar, espero que haja ideias concretas. Não me parece que haja suficiente informação.

Vem da área da Comunicação. Tem muito trabalho de pesquisa social feito. Se for eleita, qual pode ser a grande diferença em relação a outros deputados? Em que medida pode a AL mudar se estiver lá?
Um dos aspectos tem que ver com a capacidade de ver questões que não são abordadas, estudadas ou defendidas por outras pessoas. Fomos a primeira – e única – lista a defender os direitos dos animais em 2009. Nesse ano, quando organizámos actividades na Taipa com cães e gatos, houve pessoas que gozaram connosco nas redes sociais. Diziam que a lista não ia a lado algum, que não sabíamos o que estávamos a fazer. Mas a verdade é que foi feita legislação nessa área. Vimos que havia essa necessidade, Macau estava a mudar muito. Também fomos dos poucos a defender que a violência doméstica deveria ser considerada crime público. Fomos a primeira lista a defender políticas que protejam as famílias. Percebemos essas necessidades e acho que isso se deve ao facto de ser investigadora, fui capaz de observar a sociedade como um sistema e perceber que há aspectos que não funcionam. Se for eleita, farei pressão em relação a mudanças no sistema. Também propusemos regulamentação acerca das finanças públicas. Quando o fizemos éramos os únicos e o Governo avançou agora nesse sentido.

Independentemente da sua candidatura, o que gostaria de ver acontecer no dia 17 de Setembro?
Uma mudança positiva. Tivemos uma mudança nos últimos anos, mas não foi muito positiva. Desta vez, espero que possa ser diferente. É muito importante para a AL e para Macau, para toda a estrutura e vida política, para o poder e o equilíbrio.

“O fenómeno das listas regionais irá desaparecer”

Há quem entenda que as eleições de Setembro poderão ficar fortemente marcadas pelas chamadas listas regionais. Quais são as suas expectativas?
Se olharmos para a AL como um todo – incluindo os sete deputados nomeados e os dez eleitos pela via indirecta – a fatia para estas listas regionais vai ser maior, vão conseguir mais assentos. Fujian tem três listas este ano: a equipa de Chan Meng Kam dividiu-se e há mais uma da mesma província. Que consequências terá para Macau? Haverá uma ligação maior às políticas do Continente. Se as pessoas utilizam a influência do Continente para conquistarem assentos, então precisam de devolver algo. No grupo de deputados eleitos por via directa, acredito que consigam mais um lugar.

Este fenómeno será uma tendência no futuro?
Julgo que não, porque as pessoas vão mudando. Se olharmos de uma perspectiva histórica, a comunidade de Fujian chegou a Macau sobretudo nos anos 1980, pelo que são pessoas entre os 40 e os 50 anos. A próxima geração sentir-se-á mais enraizada. Os jovens não irão votar como os pais. Este fenómeno irá desaparecer.

Na passada semana ficámos a saber que vários deputados não se recandidatam, entre eles Leonel Alves, o deputado com mais experiência na AL. Como é que vê estas saídas?
É o deputado com mais experiência e exerce o cargo com muito profissionalismo. É muito importante para a AL. Por um lado, é advogado, pelo que utiliza as leis; por outro, é deputado há muitos anos. Conhece o jogo, sabe que problemas poderão ser levantados, o que deve ser feito quando se está a desenhar uma lei. Por isso, considero que se trata de um membro da AL muito importante. Não tenho a certeza de que possamos ter outro com tantas capacidades, com tanta diplomacia, com tanto profissionalismo como ele. Olhando para todas as listas, pelos membros que conheço, não vejo ninguém com qualificações que fiquem perto das dele. Ao mesmo tempo, tem todo o direito de afastar-se. O facto de não termos mais ninguém como ele também me leva a pensar que temos de ter alguém que cresça como ele. É uma pena não contarmos com ele desta vez, mas espero que possa ajudar a AL de outra forma: como uma espécie de consultor, por exemplo, não sei se tal será possível. Seria muito importante se pudesse escrever sobre a sua experiência, se escrevesse um livro sobre todos estes anos na AL.

26 Jun 2017

Sónia Chan diz que Lei do Hino vigorará na RAEM

[dropcap style≠’circle’]“A[/dropcap] Lei da Bandeira Nacional da República Popular da China representa uma das legislações nacionais vigentes na RAEM, enquanto que a bandeira, o emblema e o hino nacional representam a dignidade do País, e caso, no futuro, a lei seja promulgada, esta deverá também ser vigente na RAEM”, disse ontem a Secretária para a Administração e Justiça, quando interrogada pela imprensa sobre a aplicação a Macau de uma lei sobre o hino nacional que, segundo a Xinhua, está a ser preparada em Pequim.

Segundo a agência noticiosa oficial, a nova lei estenderá a audição do hino a cerimónias que até agora o dispensaram. Uma proposta de Zheng Gongcheng, um membro do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular, tendo como objectivo explícito o reforço do patriotismo, determina que o hino será tocado em todas as escolas nas cerimónias de abertura do ano e de graduação. Além disso, a canção deverá ser incluída nos livros de música e ensinada aos alunos na primária.

Contudo, há quem pretenda ir ainda mais longe. Para Su Hui, outro membro do Comité Permanente, o hino, além de outras motivações patrióticas, deve ser parte fundamental da educação nos jardins de infância.

A nova lei, que ainda não foi promulgada, prevê igualmente penas, para quem “maliciosamente modificar as letras ou tocar/cantar o hino nacional de forma distorcida ou desrespeitosa”, que poderão ir até 15 dias de detenção. Sun Zhijun, também do Comité Permanente, sugeriu que em certos casos se possa responsabilizar criminalmente o prevaricador, tal como acontece no caso de ofensas à bandeira e ao escudo nacionais, reporta a Xinhua. Sobre se a lei do hino nacional obrigará a rever a Lei Básica, Sónia Chan apontou que “a revisão da Lei Básica compete à Assembleia Popular Nacional”.

Recrutamento assombrado

A Secretária comentou ainda a questão do recrutamento de pessoal, afirmando que “o Governo da RAEM não dispõe de uma via específica no recrutamento de pessoal.” Sónia Chan esclareceu que, actualmente, “não existe qualquer informação sobre o caso da estudante graduada, da China interior, que afirma ter sido recrutada por uma via específica para ingressar na função pública”.

A Secretária salientou que o serviço de tradução da sua tutela utiliza sobretudo o recrutamento local e só em situações urgentes, adopta o regime de recrutamento ao exterior. “O regime em causa já existe desde o ano 1989 e, além de ser rigorosamente fiscalizado, contesta a existência de qualquer via específica”, concluiu.

26 Jun 2017

Professor da UM afirma que liberdade académica está a diminuir

O docente da Universidade de Macau disse ao programa “Talk Show” da TDM que há sinais de que a liberdade académica está a diminuir no seio da instituição pública de ensino, ao ponto dos docentes terem de reportar sobre viagens a Taiwan

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ociólogo, com estudos virados para a sociedade e sistema político de Macau, Hao Zhidong vai deixar a Universidade de Macau (UM) este verão, por motivos de aposentação. Mas, antes disso, deixou um alerta. Numa entrevista concedida ao programa TDM Talk Show, Hao Zhidong disse que a liberdade académica está a diminuir no seio da universidade.

“Penso que a liberdade académica está a diminuir, tendo em conta alguns indicadores, como o despedimento ou a não continuação do contrato de Bill Chou”, apontou o docente, que fez a sua formação académica em Tianjin, Xangai e Nova Iorque.

O académico revelou que tem sido exigido aos membros da faculdade informações caso realizem viagens a Taiwan. “Há outros indicadores ou indicações que desencorajam a realização de debates políticos controversos ou discussões no campus da universidade. Uma das indicações mais recentes é o pedido que é feito aos membros da faculdade sobre o facto de terem conhecido pessoas de Taiwan ou se vão visitar Taiwan, o que vão lá fazer e com quem se vão encontrar. Temos de reportar tudo isso para algo que não é oficial ou para um trabalho de pesquisa ou investigação. E a questão é: “por quê”?”, questionou na entrevista.

Hao Zhidong falou ainda do caso de Michael Hsiao, um académico de Taiwan que chegou a desenvolver um projecto em conjunto com outros investigadores de Macau e de Hong Kong. Michael Hsiao é ainda autor de um livro que analisa a classe média dos três territórios.

Segundo Hao Zhidong, Michael Hsiao será próximo da corrente política da actual presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, líder do Partido Democrático Progressista, que defende a independência da Ilha Formosa. “Foi negada a sua entrada em Macau no aeroporto. Isso não faz qualquer sentido. O projecto a que estava ligado teve apoio do Governo de Hong Kong e contou com a participação de académicos de Macau, Taiwan e Hong Kong”, lembrou.

Para Hao Zhidong, “existe [na UM] um ambiente de conformismo em vez de um ambiente que incita ao debate de questões políticas e de ideias, que é o que uma universidade deveria ser. Não é esse o caso”, frisou.

Um velho lápis azul

Esta não é a primeira vez que a UM se vê confrontada com acusações desta natureza. Ao canal inglês da TDM, a universidade não deu explicações, nem respondeu às questões do HM até ao fecho da edição. Contudo, o HM sabe que há várias vozes que falam de um ambiente académico onde o diálogo e o espírito crítico não são bem-vindos.

Bill Chou, actualmente a dar aulas em Hong Kong, recorda que, no tempo em que esteve na UM, não eram exigidas informações sobre idas a Taiwan, mas havia outro tipo de restrições.

“Uma vez a direcção da faculdade obrigou-me a cancelar um convidado de Xinjiang, por se tratar de um tema sensível. Depois de fazer críticas ao Governo de Macau nas minhas aulas, fui alertado para ter uma postura mais equilibrada”, adiantou.

O docente na área da ciência política recorda que nem sequer conseguiu levar Jason Chao para dar uma palestra na universidade, numa altura em que o activista ainda pertencia à Associação Novo Macau.

“Fui alertado para não participar em organizações políticas, tal como o activismo social, e que não deveria convidar Jason Chao para uma palestra no campus, devido ao seu posicionamento político”, referiu.

26 Jun 2017

Caso EDP | Relações China-Portugal não sofrem influências de casos de corrupção

Prudência parece ser a palavra de ordem do lado da China perante o caso EDP, onde a China Three Gorges é a accionista maioritária. Analistas garantem que o alegado caso de corrupção não vai afectar as relações entre China e Portugal, nem mesmo outros processos semelhantes, como é o caso do que está relacionado com os vistos dourados. Os chineses preferem mesmo esperar para ver

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s suspeitas de corrupção que envolvem os patrões da Electricidade de Portugal (EDP), António Mexia e Manso Neto, já constituídos arguidos, é o mais recente escândalo de corrupção em Portugal. Contudo, não é o único que se imiscui as relações económicas que a China e Portugal têm mantido nos últimos anos.

Na EDP, a empresa estatal China Three Gorges é hoje a accionista maioritária, tendo pago, em 2011, 2,7 mil milhões de euros ao Estado português por 21,35 por cento do capital da empresa ligada ao sector energético.

Convém ainda lembrar o processo que decorre em tribunal relacionado com a política de captura de investimento dos vistos dourados. Dados relativos ao mês de Maio mostram que a atribuição dos chamados Vistos Gold caiu para metade, sendo que a excessiva burocracia é também culpada por esses números.

Há ainda as acusações de corrupção de um milionário chinês exilado nos Estados Unidos, de nome Guo Wengi, que atingem o grupo HNA, accionista da companhia área portuguesa TAP através do consórcio Atlantic Gateway e da companhia brasileira Azul. Até onde irão as consequências destes casos para as relações dos dois países?

Referindo-se ao caso EDP, Y Ping Chow, presidente da Liga dos Chineses em Portugal, garante que não se avizinha, para já, um impacto negativo. “A comunidade chinesa não tem opinião sobre esta matéria, a opinião dos portugueses sobre este assunto é mais negativa. Os portugueses pensam que as empresas chinesas estão a roubar o seu lugar, mas nunca pensaram que a EDP, com a entrada das acções chinesas, obtivesse muitos benefícios”, disse ao HM.

Para Y Ping Chow, “as relações entre os dois Governos não estão afectadas, e o Governo português reconhece que não foram prejudicados com a entrada do capital chinês”.

Prudência a quanto obrigas

A China já reagiu ao caso EDP, mostrando uma postura atenta e, ao mesmo tempo, prudente. Num comunicado enviado à Agência Lusa, não se revelam sinais de quebra de relações e defende-se, sobretudo, a importância da colaboração com as autoridades portuguesas no processo de investigação.

“A China Three Gorges Europa apoia todas as partes envolvidas a colaborarem inteiramente com os procedimentos da investigação”, pode ler-se. Além disso, a empresa diz continuar a acreditar que as autoridades portuguesas “continuarão a manter um quadro regulamentar estável para o sector energético”. A China Three Gorges afirma ainda esperar que “todas as partes se comprometam com o conteúdo de todos os acordos válidos, incluindo os Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual”.

Estes custos dizem respeito aos apoios que o Estado português atribui para a produção de electricidade e energia, as chamadas “rendas”. Segundo a edição do semanário Expresso da semana passada, o Estado poderá cobrar 500 milhões de euros em rendas que foram indevidamente recebidas pela empresa, relativas a um período superior a dez anos.

Na visão do académico Arnaldo Gonçalves, a China tem revelado, acima de tudo, uma postura prudente. “A posição da China perante estas coisas, como é habitual na diplomacia chinesa, é uma posição de enorme prudência, ver exactamente o que se passa.”

O especialista em relações internacionais lembra que ainda é cedo para avaliar potenciais consequências negativas. “A situação está a evoluir e numa direcção que ainda não percebemos muito bem para onde é que ela vai. São várias circunstâncias que estão a ocorrer ao mesmo tempo. As relações, para já, são boas. O clima é amistoso, quer do lado de Portugal, quer do lado da China.”

Wang Jianwei, especialista em política externa chinesa e docente da Universidade de Macau, considera que podem existir algumas mudanças nesta relação bilateral, ainda que seja cedo para traçar um cenário.

“Não temos ainda muitos detalhes sobre o caso e a natureza do crime, das pessoas que estarão envolvidas. Se o caso envolver políticos chineses ou empresas estatais, terá eventualmente algum impacto nas relações entre os dois países, sobretudo se os dois Governos tiverem diferentes visões sobre as pessoas envolvidas e a natureza do caso”, defendeu.

A curto prazo, tanto o caso EDP, como outros semelhantes “não terão um grande impacto nos investimentos portugueses que são feitos na China e nos investimentos chineses que estão a ser feitos em Portugal”. “O caso pode ser controverso para os dois lados, pois podem existir duas visões diferentes sobre esse assunto”, frisou ainda Wang Jianwei.

Corrupção no mundo lusófono

Arnaldo Gonçalves prefere olhar para fora de Portugal: afinal de contas, os casos de corrupção têm ocorrido com frequência nos países com quem a China tem relações económicas.

“Se pensarmos nas relações da China com África, países onde, ciclicamente, se falam em casos de corrupção, a China tem sempre uma posição de grande prudência e contenção no uso das palavras. E colocam-se na mesma posição em relação a Portugal. Fazem a declaração que qualquer parceiro fará, de colaboração com a justiça.”

“Os problemas da corrupção são mundiais e transversais”, acrescenta o académico, lembrando que, ao nível interno, a China tem a sua própria campanha anti-corrupção.

“Temos visto nos últimos meses casos de nepotismo, de favorecimento, de pessoas ligadas a figuras do Partido e do Politburo. Quase todas as semanas vemos notícias de alguém que é suspeito ou acusado. A China tem esse problema dentro de portas e tenta actuar com muita prudência.”

Casos como o da EDP ou Vistos Gold não preocupam o analista. “A China espera que as coisas se clarifiquem. Não há nenhuma quebra de confiança e nem faria sentido. O problema da corrupção é genérico e atravessa todos os continentes. Angola, que é um regime socialista também, onde há problemas de corrupção gravíssimos”, lembrou.

O comunicado enviado pela China Three Gorges à Lusa aconteceu duas semanas depois de Mexia, presidente da EDP, e João Manso Neto, presidente da EDP Renováveis, terem sido constituídos arguidos, no âmbito de um inquérito a eventuais crimes de corrupção activa e passiva e participação económica em negócios na área da energia.

Já foram constituídos mais cinco arguidos, incluindo antigos assessores do Ministério da Economia no tempo em que Manuel Pinho assumia a tutela, bem como ex-administradores da EDP e responsáveis da Rede Energéticas Nacionais.

 

Alertas directos | “Contra qualquer forma de corrupção”

No comunicado enviado à Lusa, a China Three Gorges deixa ainda bem claro que é “contra qualquer forma de corrupção”, esperando que os arguidos disponibilizem um “acesso ilimitado à informação”, para que todo o processo de investigação decorra sobre os “princípios da abertura, transparência e objectividade”.

A empresa estatal chinesa afirma ser “contra qualquer forma de corrupção e práticas de negócio impróprias”, tendo adiantado que “vai continuar a promover a colaboração estratégica e industrial com a empresa [EDP], o desenvolvimento da economia portuguesa e o rigoroso cumprimento das leis e regulamentos da República de Portugal”.

Quatro dias depois das buscas à sede da EDP, o presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, Eduardo Catroga, garantiu que os accionistas manifestaram “a sua solidariedade com a gestão da EDP”, na sequência do processo de investigação.

Eduardo Catroga lembrou que “aquilo que foi comprado não pode ser espoliado”, realçando que nenhum Governo “quer um litígio jurídico com accionistas que compraram uma empresa com as receitas que integram este litígio”, referindo eventuais alterações aos apoios à produção de energia.

23 Jun 2017

Operários | Não é certa eleição de segundo deputado, diz Larry So

Ella Lei é candidata à Assembleia Legislativa pelo sufrágio directo e diz que isso parte de uma “decisão pessoal”. O analista político Larry So acredita que será difícil aos Operários a eleição de um número dois, pelo facto de estar a apostar nas gerações mais jovens e menos conhecidas do eleitorado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] participação das listas com ligações à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) sofreu uma reviravolta este ano. Ella Lei, que em 2013 foi pela primeira vez eleita deputada pelo sufrágio indirecto, é este ano candidata por sufrágio directo. Kwan Tsui Hang e Lam Heong Sang estão de saída, depois de décadas a assumir posições políticas.

Ao HM, Ella Lei disse apenas que a decisão de concorrer a um assento pelo sufrágio directo foi pessoal. “Não tem que ver com mais nenhuma razão. A equipa tem os seus mecanismos e requisitos. Tendo em conta os últimos quatro anos, quero candidatar-me pelo sufrágio directo. Já tinha uma ideia nesse sentido e acho que preciso de assumir essa posição.”

Aposta jovem

Para o analista político Larry So, o nome de Ella Lei é a prova de que a FAOM está a apostar nas novas gerações para o seu percurso político. Contudo, poderá não estar garantida a eleição de um número dois.

“Se conseguem eleger um segundo deputado? Vamos ver como é que a estratégia vai correr. Diria que a FAOM está a lutar muito para pôr as gerações mais jovens à frente. Não diria que vão ter menos votos, mas enfrentam um risco.”

Larry So acredita mesmo que a lista com ligação aos Operários pode perder parte do seu eleitorado mais tradicional. “Há jovens a concorrer, mas os eleitores mais tradicionais podem desistir deles. Um lugar está garantido, mas vão ter mais dificuldades a eleger um número dois.”

Ainda assim, dificilmente estes eleitores irão virar-se para outros candidatos, como, por exemplo, as listas do universo Chan Meng Kam.

“Têm eleitorados diferentes. Chan Meng Kam concorre pelos clãs, e não pelos trabalhadores. Não vejo Chan Meng Kam a roubar votos aos Operários, mas estes podem ter alguns problemas neste ponto.”

A primeira vez

Há muito que Ella Lei assume uma posição de destaque no trabalho que é desenvolvido pela FAOM, apesar de ser uma deputada eleita pela via indirecta. É uma voz interventiva nos plenários, tendo inclusivamente feito um pedido de debate, além das muitas interpelações que apresenta.

O analista político Larry So denota isso mesmo. “Mesmo que seja uma deputada eleita pela via indirecta, o seu desempenho e comportamento é melhor do que muitos dos deputados eleitos pela via directa. Nesse caso diria que ela está preparada para as eleições.”

“Na corrida às eleições pelo sufrágio directo todos têm a sua primeira vez. Não me surpreendo, mas penso que ela está bem preparada”, acrescentou Larry So.

23 Jun 2017

Media | Negócio entre KNJ e Global Media adiado

O diário Correio da Manhã escreve que o negócio da compra de 30 por cento da Global Media por parte da KNJ só deverá concretizar-se em Setembro, quando estava prometido para Março deste ano. Paulo Rego não comenta

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ecorria a conferência ministerial do Fórum Macau, em Outubro do ano passado, quando foi selado o pré-acordo da compra de 30 por cento da Global Media por parte da empresa local KNJ Investment, liderada pelo empresário Kevin Ho, sobrinho de Edmund Ho. O advogado Daniel Proença de Carvalho, presidente do conselho de administração da Global Media, esteve em Macau, fazendo-se acompanhar pelo jornalista Paulo Rego, mediador das negociações.

Meses depois o negócio continua por fechar. Segundo o diário português Correio da Manhã (CM), o acordo deverá ser selado apenas em Setembro, quando fora anunciado para Março deste ano.

“Contudo, sabe o CM, o negócio, a concretizar-se, não deverá acontecer antes de Setembro. De referir que recentemente uma comitiva da KNJ esteve em Portugal, tendo visitado as instalações do grupo de media em Lisboa e no Porto”, escreve o jornal.

Contactado pelo HM, Paulo Rego não quis comentar esta notícia. O HM tentou ainda contactar Daniel Proença de Carvalho via e-mail, mas até ao fecho desta edição não obtivemos qualquer reacção.

As reacções

Em declarações à Agência Lusa, em Setembro do ano passado, Kevin Ho considerou que o grupo Global Media, que detém títulos como o Diário de Notícias, a TSF e O Jogo, terá “grande potencial após uma reestruturação”.

“A KNJ Investment Limited expressou interesse inicial no grupo Global Media”, disse Kevin King Lun Ho, esclarecendo que a KNJ se trata de “uma empresa de investimento e não se limita ao negócio do imobiliário”.

De acordo com o registo comercial, a KNJ, fundada em 2012, dedica-se ao investimento imobiliário, médico e de saúde, bem como à restauração. “Se um negócio for fechado, a empresa pretende expandir para diferentes áreas”, acrescentou.

O negócio tem gerado algumas reacções em Portugal. Num artigo de opinião publicado no jornal Público, o colunista João Miguel Tavares questionou “que negócio, afinal, foi este?”, num artigo intitulado “A Global Media e o nosso homem em Macau”.

“Perplexidade 5: As movimentações accionistas via Macau não espantam apenas pela estranha empresa KNJ, que supostamente investe ‘na área do imobiliário, saúde e restauração’ (entradas no Google sobre a KNJ Investment antes de 2016: zero)”, escreveu Tavares.

23 Jun 2017