Tufão “Hato”: Três mortos não são de nacionalidade portuguesa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s três pessoas que morreram hoje em Macau, na sequência da passagem do tufão Hato, não são cidadãos portugueses, disse à Lusa o cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Vítor Sereno.

“De acordo com as autoridades de segurança de Macau, nenhum dos três mortos confirmados e dos dois desaparecidos é cidadão português”, afirmou o diplomata, acrescentando ter já comunicado a informação ao secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro.

Fonte dos Serviços de Polícia Unitários disse à agência Lusa que um homem, de 62 anos, residente em Macau, morreu quando “caiu de um prédio”, um outro, de 45 anos, turista da China, foi “atropelado por um camião”, e um terceiro, de 30 anos, trabalhador não residente no território, “estava na rua e não resistiu ao vento forte e bateu contra uma parede”.

Na zona de Fai Chi Kei, no norte da cidade, duas pessoas foram dadas como desaparecidas.

A passagem do tufão Hato obrigou os Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau a emitirem, pela primeira vez desde 1999, o sinal 10, o máximo numa escala formada pelos sinais 1, 3, 8, 9 e 10.

Até às 15:30, o Centro de Proteção Civil (COPC) tinha registado 168 incidentes, incluindo 38 casos de quedas de fios de antenas e árvores, 35 de anúncios, toldos e janelas e seis de andaimes.

A fronteira das Portas do Cerco, em Macau, foi reaberta pelas 15:30, após ter estado fechada durante duas horas e meia devido à aproximação do tufão Hato, informou o COPC.

A fronteira terrestre mais movimentada de Macau é a única das três reaberta: a de Flor de Lótus e a do Parque Industrial Transfronteiriço permanecem fechadas desde as 13:00.

As ligações marítimas e aéreas continuam suspensas. Cerca de 100 voos previstos para hoje foram cancelados ou adiados e os Serviços do Aeroporto Internacional de Macau deverão manter-se suspensos até às 19:00.

As autoridades deram ainda conta de que um barco se afundou no Porto Interior.

Fonte da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água (DSAMA) disse à agência Lusa que o barco de pesca, que se encontrava atracado no porto, “agora está submerso”. Duas pessoas foram resgatadas da água e transportadas para o hospital.

23 Ago 2017

Angola/Eleições | Sem José Eduardo dos Santos, coligações são quase certas

Desde 1979 que José Eduardo dos Santos tem estado à frente do país e, pela primeira vez, não é candidato nas eleições que decorrem amanhã. O futuro político de Angola está em aberto e a formação de uma coligação governativa é uma possibilidade

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o anúncio da retirada da vida política do líder histórico do país, e após vários momentos de especulação, José Eduardo dos Santos anunciou, em Fevereiro deste ano, a quem passaria a pasta. A encabeçar a lista do Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) está João Lourenço.

Na corrida às eleições gerais de Angola, estão também o cabeça de lista e presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola

(UNITA), Isaías Samakuva, enquanto Abel Chivukuvuku é o candidato pela Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE). O Partido de Renovação Social (PRS),  a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e Aliança Patriótica Nacional (APN) também constam do boletim de voto.

As sondagens ainda são dúbias, mas apontam para possibilidade de um MPLA vitorioso, no entanto sem maioria para constituir governo. Uma coligação pode ser a solução para um governo estável e os partidos da oposição já vincam o assunto.

A CASA-CE é um partido recente que conseguiu, nas eleições de 2012, arrecadar seis por cento dos votos na sua estreia em processos eleitorais. Dos dados disponíveis, e apesar de nenhum ser tido como certo, tudo indica que o CASA-CE possa vir a ganhar terreno. Dos eleitores constam jovens, maioritariamente urbanos e que não se contentam com os dois grandes da vida política de Angola: o MPLA e a UNITA.

O cabeça-de-lista da CASA-CE, Abel Chivukuvuku, já mostrou a sua convicção de que o partido que lidera vai formar governo, não excluindo uma “coligação à angolana” com a UNITA ou com o MPLA.

“Já anunciámos, no ano passado, que a CASA-CE tem probabilidades de ser Governo. Se não for Governo, no mínimo vai ser parte do Governo”, afirmou Abel Chivukuvuku, confrontado pelos jornalistas com a disponibilidade já demonstrada pelo presidente e candidato da UNITA, Isaías Samakuva, para um entendimento pós-eleitoral.

“Por Angola, pela mudança, temos que pôr todas as portas abertas”, admitiu Chivukuvuku, classificando esse hipotético entendimento como uma “gerigonça angolana”.

De bem com qualquer um

A possibilidade de entendimento pós-eleitoral com o partido no poder em Angola desde 1975 também não é totalmente colocada de parte por Abel Chivukuvuku. No entanto, ressalva: “com este MPLA não, tinha de ser um MPLA diferente”.

Por sua vez, o cabeça de lista do MPLA, João Lourenço, tem vindo a repetir os apelos ao voto e à conquista de uma maioria qualificada nestas eleições, afirmando que aquele partido é o único que pode garantir a estabilidade no país.

Isaías Samakuva,  presidente da UNITA, disse na quinta-feira à agência Lusa acreditar ser possível replicar em Angola uma solução governativa semelhante à “geringonça” em Portugal, que junta o Partido Socialista, Partido Comunista Português e Bloco de Esquerda.

O cabeça de lista da UNITA às eleições gerais de Angola admitiu uma coligação pós-eleitoral com os partidos da oposição, nomeadamente a CASA-CE, “se as condições e as circunstâncias” o exigirem.

“Desde que as condições, as circunstâncias no momento nos forcem a isso, não hesitaremos”, disse Isaías Samakuva.

“Se chegarmos à posição de Portugal – na qual os partidos da esquerda juntos foram capazes de formar uma maioria – nós poderemos fazê-lo. O essencial é afastar o MPLA”, completou.

O MPLA, representado por João Lourenço, apela à maioria e contou, no último dia de campanha, com a presença de José Eduardo dos Santos.

De acordo com a leitura de alguns analistas, a escolha de João Lourenço foi um passo para a criação de alguma assertividade dentro do partido.

“É um compromisso aceitável, uma ponte de transição para a geração dos mais novos. Comparado com muitos dos possíveis aspirantes a Presidente, não é exibicionista e construiu uma carreira de prudência”, diz o director do Programa para África do “think tank Chatham House”, Alex Vines, ao jornal Público.

Europa de fora

A União Europeia (UE) não vai enviar nenhuma missão de observadores às eleições gerais angolanas, tal como aconteceu no acto eleitoral de 2012, por falta de acordo com o Governo, confirmaram à Lusa fontes ligadas ao processo. De acordo com uma fonte comunitária, a UE deverá enviar uma pequena missão de peritos para estar presente em Angola durante o processo eleitoral, sem lugar a relatório oficial ou a declarações políticas.

O convite de José Eduardo dos Santos para a UE enviar uma missão de observação eleitoral chegou a Bruxelas no dia 27 de Junho, pelo que não houve tempo para preparar a deslocação de uma equipa de observadores, “uma vez que os aspectos logísticos devem ser tratados muito antes das eleições através de um memorando de entendimento”, segundo a fonte comunitária.

Bruxelas ofereceu-se no âmbito da “excelente parceria com Angola”, para enviar uma missão de peritos eleitorais, “para estar presente durante todo o processo eleitoral”.

Ao contrário do que acontece com a missão de observação, uma missão com peritos não contempla qualquer declaração política final nem sequer um relatório oficial para divulgação.

Recentemente o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Georges Chikoti, disse que o Governo angolano não aceitaria acordos específicos com as organizações convidadas a observar as eleições gerais.

O chefe da diplomacia angolana comentava o pedido da UE para a assinatura de um memorando de entendimento prévio para observar as eleições angolanas, pretensão que foi recusada.

“O convite é aberto. Mas não queremos quaisquer acordos específicos com cada uma destas organizações. Quem quiser vir, vem e quem não quiser, pode não vir, mas o certo é que o convite é aberto”, disse Georges Chikoti.

A UE foi uma das entidades convidadas pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), indicadas pelo Presidente da República, para observar as eleições gerais angolanas, tal como a União Africana, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ou a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

22 Ago 2017

Seac Pai Van | Nova estação de tratamento de águas no final de 2019

Vai custar cerca de mil milhões de patacas. É a nova estação de tratamento de águas situada em Seac Pai Van. A infra-estrutura pretende equilibrar a distribuição de água no território e está prevista a sua conclusão no final de 2019

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau vai dispor de mais uma estação de tratamento de água. Localizada em Seac Pai Van, a planta da infra-estrutura foi ontem oficialmente apresentada numa cerimónia para o efeito. A ideia é que a estação esteja pronta no final de 2019. No entanto, e de acordo com a responsável da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água (DSAMA), Susana Wong, ainda há “alguns obstáculos a ser superados” para que a obra possa ter início.

A decisão de ter uma estação de tratamento de água na zona de Seac Pai Van tem que ver com o colmatar das necessidades crescentes na Taipa. Para Susana Wong, a Taipa e o Cotai já são espaços com muito comércio e indústria hoteleira e, como tal, tem que existir um planeamento de distribuição e tratamento de águas para aquela área. Por isso, afirma, “procurámos um espaço para fazer uma estação com uma escala apropriada às dimensões das necessidades”, disse a responsável ao HM, após a sessão de apresentação do projecto.

“Não pode ser muito grande mas tem de ser suficiente. Temos uma pequena estação em Coloane mas não chega para o crescimento desta zona”, justifica.

Por outro lado, o abastecimento de água do território tem sido concentrado essencialmente na península, o que, para a responsável, “não é saudável para o bom desenvolvimento da região”.

“O rápido crescimento económico na última década, especialmente nas duas ilhas, onde se verificou o maior número de consumo de água, impulsionou uma demanda cada vez maior”, sublinha Susana Wong.

De acordo com a DSAMA, está previsto um crescimento anual médio no consumo de água de  dois a quatro por cento.

Muito para fazer

A planta está feita, o local está escolhido e já há até calendário para o final das obras. No entanto, o investimento, de cerca de mil milhões de patacas, tem de ultrapassar alguns obstáculos para que se comece a materializar. A responsável está optimista e acredita que a construção esteja concluída, tal como esperado, no final de 2019.

De acordo com a Susana Wong, a ideia é promover no território “um serviço de abastecimento de água seguro, estável e de qualidade”, até porque estes são factores essenciais ao desenvolvimento de Macau “como destino turístico internacional”.

A infra-estrutura tem uma área de 17 mil metros quadrados e constitui “uma instalação de tratamento de água ecológica e de alto nível”. A nova estação terá uma capacidade diária de abastecimento de 130 mil metros cúbicos de água.

A Macao Waters tinha apontado para um aumento da taxa de serviço de 6,2 por cento, mas o Governo baixou a fasquia para os 5,9 por cento. A razão apontou a directora da Macao Water, Kuan Sio Peng, tem que ver com o facto de o Executivo considerar que é prioritária a optimização dos procedimentos deste serviço. “O Governo acha que devemos optimizar os procedimentos e actos internos primeiro, sendo que, claro, podemos sempre fazer melhor”, disse Kuan Sio Peng.

Paralelamente continua em acção o plano de poupança deste recurso. “Uma das nossas principais preocupações é a poupança de água e estamos neste momento com a implementação de um plano neste sentido. A acção tem vindo a ser posta em prática de forma gradual e a ideia é que quem mais consome mais paga”, referiu Susana Wong.

Terminal pouco acabado

À margem da cerimónia de ontem, Susana Wong fez um pequeno balanço do funcionamento do novo Terminal Marítimo da Taipa. Depois de muitos anos à espera para entrar em funcionamento, a estrutura ainda apresenta algumas deficiências e tem sido alvo de queixas por parte da população.

A grande dimensão do terminal e o tempo que leva a percorrer tem estado no centro das reclamações. Susana Wong considera que estas queixas não têm fundamento visto que “o tempo que se demora a chegar da entrada do terminal à sala de embarque é muito pouco”, disse.

Por outro lado, afirmou, têm sido feitas melhorias nas instalações, nomeadamente no que respeita à sinalização. “Por ser um local grande tivemos de aumentar o tamanho das placas de informação”, comentou. “No início as indicações eram muito pequeninas e insuficientes”, justificou Susana Wong ao HM.

A utilização do espaço também está a ser alvo de análise pela DSAMA. Quanto à demora para se passar pelos serviços de emigração, associada a postos fechados, Susana Wong avança que vão ser feitas obras de aperfeiçoamento do serviço de modo a ter mais postos abertos na altura das chegadas dos turistas.

A DSAMA está ainda a tentar promover o novo terminal da Taipa enquanto centro de negócios para captar investimento para o local. Em causa estão vários serviços ligados à hotelaria e comércio. “Queremos que as empresas instalem os seus negócios no terminal”.

22 Ago 2017

Ensino inclusivo | Ella Lei pede mais professores com formação

Apesar de em Macau haver 38 instituições de ensino que incorporam nas suas classes alunos com necessidades especiais, há falta de professores especializados na área. Ella Lei interpelou o Governo a dar resposta a esta lacuna do sistema de ensino

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]egundo o plano de financiamento do ensino inclusivo para o ano lectivo de 2016/2017, a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) disponibilizou apoios em termos financeiros, técnicos e de formação às escolas particulares que acolhem alunos com necessidades especiais. Apesar desta medida por parte do Governo, Ella Lei entende que a educação inclusiva em Macau deixa muito a desejar, o que a motivou a elaborar uma interpelação escrita.

De momento, existem no território um total de 38 escolas particulares e públicas que implementaram a educação inclusiva. Porém, a qualidade dos serviços prestados deixa de lado o apoio técnico específico com este tipo de alunos precisa.

Ella Lei diz ter recebido várias solicitações de pessoal docente destas escolas que apontam dificuldades na execução prática do ensino inclusivo. Estas queixas motivaram a interpelação ao Governo onde a deputada pede medidas que colmatem a falta de professores nesta área.

Contrato difícil

Na interpelação escrita refere-se que, apesar de o Governo proporcionar apoios para incentivar as escolas a contratar os professores necessários, devido à insuficiência deste tipo de quadros técnicos no território as escolas enfrentam dificuldades de contratação.

De forma a combater esta carência, a responsabilidade de adequar as aulas para os alunos com necessidades especiais passa a ser assumida pelo pessoal docente original, o que aumenta o volume do trabalho do corpo docente.

Ainda assim, Ella Lei diz também que apesar do Governo ter convidado profissionais da educação especial a dar formação nas escolas de Macau, no final, como os convidados não permanecem quadros docentes, o problema na educação inclusiva continuam sem solução.

Para além da questão da falta de recursos técnicos, a deputada revela que os alunos inclusivos ainda necessitam de tratamentos adicionais por parte de terapeutas de forma a resolver os problemas quotidianos e no estudo. Além disso, Ella Lei lamenta que faltem apoios aos alunos com necessidades especiais.

Nesse sentido, a deputada sugere que o Governo contrate directamente para os quadros das escolas, ou através de instituições sociais, professores com as valências técnicas que permitam oferecer um ensino inclusivo no sistema educativo de Macau.

No âmbito da falta de terapeutas, Ella Lei quer que as autoridades avancem com medidas que resolvam o problema, nomeadamente através do incentivo às instituições locais de ensino superior na abertura de cursos de licenciatura para formar terapeutas em Macau.

22 Ago 2017

Efeméride | Nova edição de “Clepsidra” assinala nascimento de Pessanha

Uma nova edição da tradução de “Clepsidra” para chinês, da autoria de Yao Jingming, exposições de pintura e fotografia e conferências no edifício do antigo tribunal vão marcar as comemorações dos 150 anos do nascimento de Camilo Pessanha, já a partir do dia 31

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s 150 anos do nascimento do poeta português Camilo Pessanha começam a assinalar-se a 31 de Agosto, em Macau, com uma nova edição da obra “Clepsidra”, em forma de missal, anunciou o jornalista Carlos Morais José.

“Achamos que é a edição que o Camilo Pessanha gostaria de ver”, acrescentou ainda o mentor destas iniciativas.

Este lançamento, que vai decorrer no Consulado-Geral de Portugal em Macau, marca o arranque das comemorações dos 150 anos do nascimento do poeta, que viveu entre 1894 e 1926, na cidade onde morreu.

É “uma data que não podia passar sem uma manifestação cultural que trouxesse o poeta, um símbolo da cidade de Macau e uma das figuras mais importantes que aqui viveu, à memória das pessoas”, sublinhou o responsável pela iniciativa e director do jornal Hoje Macau.

Ao longo de uma semana, de 1 a 7 de Setembro, desta feita no edifício do antigo tribunal, Pessanha vai ser lembrado através de um conjunto de exposições de artes plásticas e de fotografia, conferências, inauguração de arte pública e lançamento de vários livros, disse.

No dia 1 de Setembro, “inicia-se oficialmente” a semana dedicada a Camilo Pessanha com a inauguração de duas exposições: uma de artes plásticas, com o título “Pessanha, a última fronteira”, com a participação de vários artistas de Macau com obras “inspiradas no poeta”. A outra exposição, “Cleptocronos”, é de fotografia de António Falcão, que já residiu em Macau e que vive actualmente em Portugal.

No mesmo dia vai ser lançada a versão em chinês da “Clepsidra”, numa tradução de Yao Feng e edição do Instituto Cultural de Macau.

“Vamos ter mais de 20 participantes, 11 de fora e os restantes locais, nesta semana de iniciativas sobre Pessanha”, adiantou Carlos Morais José, sobre o programa que vai decorrer ao longo da semana.

“A maior parte dos participantes são escritores conhecidos em Portugal e em Moçambique, como António Cabrita, que vêm cá falar de Pessanha e das suas obras”, afirmou.

A ideia de associar a comemoração dos 150 anos do nascimento de Camilo Pessanha à passagem de mais um aniversário do Hoje Macau surgiu por se tratar de um “bom pretexto” para reunir escritores portugueses que publicam no jornal.

“A personalidade de Camilo Pessanha ultrapassa o seu espectro literário, também há o lado de cidadão. Nesse sentido o panorama cultural de Macau tem mais do que a obrigação de celebrar a figura mais ilustre da comunidade portuguesa de sempre em Macau”, disse ainda Carlos Morais José.

Motivar os mais novos

Um dos objectivos desta iniciativa é “motivar as novas gerações a produzir”, considerou Carlos Morais José, explicando ter decidido avançar com a organização desta semana “por não ter visto nenhum evento preparado pelas autoridades competentes”.

A 7 de Setembro, dia em que Pessanha nasceu, vai realizar-se “uma romagem ao cemitério, seguido de um almoço com a família do poeta” na Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC). A sessão de encerramento das celebrações vai estar a cargo de Luís Sá Cunha, com uma intervenção sobre “Por que é Camilo Pessanha o poeta de Macau”, disse.

Um jantar de gala no antigo hotel Bela Vista, actual residência do cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, em que a “ementa será idêntica a que comia Pessanha no início do século XX” encerra a semana.

Além das exposições, conferências e recitais de poesia em mandarim, cantonense e português, Carlos Morais José adiantou que vão ser lançados cinco livros: “Abril” de Amélia Vieira, “O exorcismo” de José Drummond, “Returning home dirty with the light” de Rui Cascais, “Karadeniz – Entrevista com um assassino” de Paulo José Miranda e “Morri” de António Falcão.

Colaboração com a TDM

Durante a semana vão também ser inauguradas três esculturas públicas da autoria de Carlos Marreiros, no Leal Senado, no Jardim Marginal e no Albergue SCM (Santa Casa da Misericórdia), acrescentou o director do jornal Hoje Macau.

Carlos Morais José destacou também a colaboração com a Teledifusão de Macau (TDM), na transmissão de poemas em vídeo e áudio.

Em data a anunciar, vai ainda ser inaugurada uma exposição histórica “Macau no tempo de Camilo Pessanha” (1867-1926), sobre o “ambiente físico, intelectual e político” em que viveu o poeta, disse o responsável, sobre o programa que marca os 150 anos do nascimento do poeta português e que contou com o apoio da Casa de Portugal em Macau, da Confraria da Gastronomia Macaense e da Associação para a Instrução dos Macaenses (APIM), entre outros.

Considerado o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, Camilo Pessanha nasceu em Coimbra a 1 de Setembro de 1867 e morreu em Macau a 1 de Março de 1926.

22 Ago 2017

Hong Kong | Prisão de activistas gera novo protesto e criticas de ONG

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] prisão dos activistas Joshua Wong, Nathan Law e Alex Chow levou ontem cerca de dez mil pessoas às ruas de Hong Kong. Em Macau, Larry So diz que a pena foi demasiado pesada e que bastava uma condenação a trabalho comunitário. Scott Chiang, líder da Associação Novo Macau, defende que os activistas não podem perder a esperança.

Os olhos do mundo estão de novo postos em Hong Kong após o Tribunal de Recurso da região vizinha ter condenado os activistas Joshua Wong (20 anos) a seis meses de prisão, Nathan Law (24 anos) a oito meses, e Alex Chow (26 anos) a sete meses.

A condenação surgiu na sequência do pedido de agravamento das sentenças pelo Governo, já depois de, no ano passado, os activistas, ligados ao partido Demosisto, terem sido condenados a trabalho comunitário. Um painel de três juízes decidiu na quinta-feira agravar as sentenças conforme pedido de recurso pelo secretário para a Justiça, Rimsky Yuen.

A decisão substitui as sentenças decretadas o ano passado, de 80 e 120 horas de serviço comunitário, para Joshua Wong e Nathan Law, e pena suspensa de três semanas de prisão para o ex-dirigente da federação de estudantes Alex Chow.

Os juízes disseram que era preciso dissuadir outros manifestantes de tais actos e condenaram à prisão os três jovens, depois de deduções de um mês nas sentenças de Wong e Law por serviço comunitário já cumprido.

Entretanto, os três activistas vão recorrer da sentença, disse um líder estudantil dos protestos de 2014.

As acusações de pressão política e tentativa de silenciamento dos movimentos pró-democracia na região vizinha surgiram de imediato. Ontem, segundo o órgão de media Hong Kong Free Press, cerca de dez mil pessoas terão estado na zona de Wanchai a protestar na intitulada “Marcha contra a Perseguição Política”.

Segundo a reportagem em directo, transmitida nas redes sociais, membros do partido pró-democracia People Power lembraram que os três activistas presos têm menos de 30 anos e que, por isso, podem continuar a luta pela democracia quando saírem da prisão. “É o seu futuro”, disse um dos membros do partido.

Raymond Chan Chi-chen, deputado do Conselho Legislativo (LegCo) pelo People Power, defendeu ao mesmo órgão de comunicação que a decisão do tribunal não passa de uma perseguição política e que os grupos que lutam por um sistema político mais democrático “sofrem pressões neste momento”. Raymond Chan Chi-chen teceu ainda duras criticas ao posicionamento do secretário Rimsky Yuen em todo o processo.

Pena excessiva

Em Macau também se fala de uma tentativa de silenciamento e diminuição do poder que os movimentos pró-democracia têm obtido nos últimos anos. Ao HM, Larry So, politólogo, considerou que a pena decidida pelo tribunal foi “demasiado pesada”.

“Seria suficiente aplicar-lhes uma pena de trabalho comunitário e não uma pena de prisão. É uma decisão com uma maior orientação política do que propriamente legal. Desse ponto de vista, penso que há uma tentativa de suprimir os jovens de virem à rua e protestarem contra o Governo”, apontou.

Na visão do ex-docente do Instituto Politécnico de Macau, a decisão do Tribunal de Recurso “não é uma boa medida e é uma tentativa de silenciamento”. “É uma pena que o tribunal de Hong Kong tenha sentenciado estes jovens a penas de prisão”, acrescentou.

No protesto de ontem em Wanchai questionou-se a continuação do trabalho do partido Demosisto, agora que os seus principais líderes estão atrás das grades.

Para Larry So, pode de facto haver um retrocesso nos movimentos pró-democracia. “A curto prazo podemos sentir um efeito nesse sentido (uma redução dos protestos nas ruas), porque é um sinal claro junto da comunidade e uma tentativa de travar um pouco os jovens. É uma decisão que diz ‘Não tomem decisões radicais e não vão para a rua, pois podem ser presos’.”

Em Macau, cujos movimentos pró-democracia têm registado uma expressão diminuta, haverá, segundo Larry So, poucas consequências destas prisões.

“Macau ainda não atingiu essa fase em que os jovens assumem posições mais radicais. O território vive uma melhor situação económica. Não vejo acontecimentos destes no futuro de Macau, e penso que Macau deve olhar para Hong Kong e aprender algumas lições com o que tem acontecido nos últimos tempos”, disse o politólogo.

Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau (ANM), pede, sobretudo, que não se perca a esperança.

“O que esperamos é que Joshua Wong e outros activistas não percam a esperança de lutar pelo seu destino”, disse ao HM.

“Estas prisões vão trazer dois tipos de consequências. De certeza que vão afastar algumas pessoas e fazer com que se dê um passo atrás nestes movimentos. Diria que esta decisão do tribunal vai dividir um pouco a sociedade de Hong Kong”, acrescentou o presidente da ANM.

Projectos adiados

Tanto as condenações a penas de prisão efectivas como a de outros 13 activistas no início da semana passada, por um caso anterior ao movimento ‘Occupy’, aumentaram os receios de que o sistema judiciário independente de Hong Kong esteja sob ameaça por o Governo da cidade apoiado por Pequim alegadamente estar a usar os tribunais para reprimir a oposição e restringir a sua capacidade de protesto.

Antes do julgamento, o Departamento de Justiça de Hong Kong disse que não havia “absolutamente nenhuma base para inferir qualquer motivo político” da sua parte em relação ao caso.

No ano passado, Nathan Law, então com 23 anos, tornou-se o mais novo deputado a ser eleito em Hong Kong, mas, tal como outros cinco eleitos pela população, viria meses mais tarde a ser desqualificado por usar o seu juramento para protestar contra Pequim.

Joshua Wong, de 20 anos, também falou de seu desejo de se candidatar, mas não pôde fazê-lo por não ter a idade mínima de 21 anos.

Alex Chow, que na sexta-feira faz 27 anos, pretende fazer um doutoramento no estrangeiro, mas a sentença veio atrasar os seus planos.

ONG criticam decisão do tribunal

[dropcap style≠’circle’]G[/dropcap]rupos de direitos humanos e políticos norte-americanos já condenaram as penas de prisão efectiva aplicadas pelo Tribunal de Recurso de Hong Kong.

A Amnistia Internacional disse que a busca “incansável” pelo Governo de penas de prisão para Joshua Wong, Nathan Law e Alex Chow foi um “ataque vingativo” à liberdade de expressão e reunião pacífica.

“O verdadeiro perigo para os direitos de liberdade de expressão e reunião pacífica em Hong Kong é a continuada perseguição pelas autoridades de proeminentes activistas democratas. As acusações destinadas a dissuadir a participação em protestos pacíficos devem ser paradas”, disse a directora da Amnistia Internacional em Hong Kong Mabel Wu, citada pela Rádio e Televisão Pública de Hong Kong.

A directora da organização Human Rights Watch para a China, Sophie Richardson, reagiu através da rede social Twitter.

“A democracia em Hong Kong, que se posiciona como centro legal, de negócios e de liberdade de expressão foi gravemente prejudicada pelas sentenças de hoje”, escreveu.

O académico da Universidade de Hong Kong Eric Cheung, que estava no tribunal em apoio aos jovens presos disse que estava triste que os três jovens fossem colocados atrás das grades e destacou a sua dedicação e “grande potencial”.

“O que eles fizeram (…) foi realmente por preocupação com Hong Kong”, disse Cheung.

Censura americana

Nos Estados Unidos, o senador Marco Rubio, que lidera uma comissão no Congresso sobre a China, também criticou as sentenças: “As acusações políticas e as novas sentenças destes jovens são uma vergonha e mais uma prova de que a estimada autonomia de Hong Kong está precipitadamente em erosão”.

Rubio disse que as políticas dos EUA devem reflectir a realidade de que Pequim está a tentar esmagar a nova geração do movimento pró-democracia de Hong Kong e a minar o princípio “Um país, dois sistemas”, que entrou em vigor em 1997, com a passagem da soberania de Hong Kong da Grã-Bretanha para a China.Pequim prometeu deixar a cidade manter a sua ampla autonomia e direitos civis, como liberdade de expressão e manifestação, desconhecidos no interior da China.

O congressista Chris Smith acrescentou que Hong Kong pode arriscar perder o seu estatuto especial perante as leis dos Estados Unidos se Pequim recusar seguir as promessas feitas na Declaração Conjunta sino-britânica.

21 Ago 2017

Eleições | CCAC recebeu 101 queixas desde Abril

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Comissariado contra a Corrupção de Macau (CCAC) recebeu desde Abril um total de 101 queixas relacionadas com as eleições de Setembro à Assembleia Legislativa, disse o comissário André Cheong no fim-de-semana

“Até este momento recebemos 67 queixas (…) através da linha conjunta com a Comissão Eleitoral e 34 por via própria. No total são 101. A maior parte está relacionada com suspeita de corrupção eleitoral”, disse aos jornalistas, à margem de uma iniciativa do CCAC para promover “eleições limpas”.

André Cheong não avançou detalhes sobre os progressos das investigações, quantas foram concluídas e se houve queixas que deram origem à entrega de processos ao Ministério Público para fazer acusação.

Aprovada em 2016, a nova lei eleitoral impõe maiores restrições à propaganda eleitoral.

Em Macau, muitas listas têm ‘organizações amigas’ que promovem todo o tipo de actividades e de presentes, desde banquetes a viagens à China.

A lei não proíbe as associações apoiantes de listas candidatas de organizarem banquetes ou de oferecerem refeições gratuitas ou vales de compras em supermercados aos seus sócios, nem proíbe que uma sociedade organize viagens ao interior da China, recorda André Cheong.

“O que a lei proíbe é fornecer esses interesses e ao mesmo tempo fazer propaganda eleitoral. Por exemplo, há banquetes gratuitos em que há propaganda. Antes de 2 de Setembro [data do início da campanha eleitoral], se houver propaganda antecipada vai ser qualificada como acto ilegal”, acrescenta.

O comissário revelou que desde Abril até à data os fiscais do CCAC realizaram “mais de 2000 acções de vigilância”, das quais mais de 1500 a actividades que incluíam banquetes ou refeições gratuitas, tendo também fiscalizado outro tipo de iniciativas, como a oferta de viagens.

Comer e passear

“Verificámos que existem essas actividades, mas em muito poucas ocorreram acções de propaganda de actos eleitorais. Segundo os colegas que já trabalharam em várias eleições, essa é uma diferença em relação ao passado”, diz.

“Não fiz a comparação se as viagens ou banquetes são mais ou menos, mas nesses mais de 2000 actos verificámos poucos casos de indícios de fornecimento de interesses e, ao mesmo tempo, de propaganda eleitoral”, afirma.

Nas últimas eleições para a Assembleia Legislativa, há quatro anos, o CCAC diz ter recebido 213 queixas e denúncias relacionadas com as eleições legislativas, das quais 46 foram registadas no dia da votação (15 de Setembro de 2013).

A Assembleia Legislativa é composta por 33 deputados, 14 eleitos por sufrágio universal e 12 por sufrágio indirecto (através de associações), além de sete posteriormente nomeados pelo chefe do Executivo.

As eleições estão marcadas para 17 de Setembro.

Região | Cooperação domina encontro entre líderes de Hong Kong e Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] cooperação bilateral no desenvolvimento de tecnologia inovadora, indústrias criativas e medicina tradicional chinesa dominaram o encontro do chefe do Executivo de Macau, Chui Sai On, com a homóloga de Hong Kong, Carrie Lam.

Na primeira visita a Macau depois de ter assumido a chefia do Executivo de Hong Kong, a 1 de Julho passado, Carrie Lam destacou o empenho do seu Governo no desenvolvimento dos sectores de tecnologia inovadora e indústrias criativas, bem como a “enorme vontade” de conhecer “o desenvolvimento da indústria da medicina tradicional chinesa” em Macau, de acordo com um comunicado oficial divulgado na sexta-feira à noite.

Os dois responsáveis lembraram a “boa cooperação” entre as duas Regiões Administrativas Especiais chinesas e a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, a construção da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e a entrada em funcionamento, prevista no final do ano, da ponte Hong Kong – Zhuhai – Macau na criação de novas oportunidades de desenvolvimento.

Chui Sai On defendeu que “os dois territórios podem impulsionar a cooperação em vários domínios, incluindo na tecnologia inovadora, na indústria criativa e na formação dos jovens, estando ainda disponível para trocar experiências com Hong Kong sobre o desenvolvimento da indústria da medicina tradicional chinesa”, indicou a mesma nota.

Depois do encontro e antes de regressar a Hong Kong no final do dia, Carrie Lam visitou o espaço 10 Fantasia – Associação promotora de indústrias criativas, no bairro de São Lázaro, na cidade. A governante de Hong Kong não prestou declarações aos jornalistas.

Primeira mulher a chefiar o Governo de Hong Kong , Carrie Lam foi eleita a 26 de Março passado por um colégio eleitoral de 1.194 membros, em representação de vários sectores de actividade da antiga colónia britânica.

Eleições | Listas de delegados a entregar até dia 28

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]rrancou no sábado, com duração até à próxima segunda-feira, dia 28, o prazo para a entrega das listas de delegados das candidaturas às eleições legislativas deste ano. Segundo um comunicado da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), cada candidatura tem o direito de designar um delegado efectivo e outro substituto para cada assembleia de voto. Cabe ao mandatário da candidatura entregar a lista de delegados ao director dos Serviços de Administração e Função Pública. A CAEAL determina que “os delegados designados pelas candidaturas para as diversas assembleias de voto são obrigados a votar nas assembleias de voto para as quais foram designados”.

21 Ago 2017

Governo Central | Mais estudos à quarta ponte que liga Macau à Taipa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]

Questões de segurança justificaram a decisão do Governo Central em não autorizar a construção da quarta ponte. Não foi citada qualquer razão relacionada com a Ponte em Y. Um especialista ouvido pelo HM entende que o plano inicial de construção deve sofrer apenas ligeiras alterações.

Antes de se começar a falar na quinta travessia, o Governo Central travou a construção da quarta ponte entre Macau e a Taipa. De acordo com declarações à TDM – Rádio Macau do coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-Estruturas (DGI), Chao Vai Man, o chumbo de Pequim ficou a dever-se a razões de segurança. Em questão está a futura localização da ponte que atravessa uma via navegável de alta velocidade.

Entretanto, o Executivo avançou com a adjudicação dos serviços de fiscalização, gestão do projecto e preços para a obra, que vai custar mais de 188 milhões de patacas. O contrato foi para a empresa Ove Arup & Partners Hong Kong Limited.

Addy Chan, vice-presidente da Associação dos Engenheiros de Macau, considera todo este processo normal. “Todas as construções ribeirinhas e de beira-mar precisam da aprovação do Governo Central, porque são obras que afectam a direcção e velocidade das águas”, comenta.

Como tal, admite não ter ficado surpreendido. Para o engenheiro é necessário também avaliar o impacto deste tipo de obras nas cidades vizinhas.

Crescei e multiplicai-vos

Apesar do projecto estar próximo da zona onde chega a Ponte Hong Kong – Zhuhai – Macau, nem o coordenador do DGI, nem Addy Chan acham que possa haver qualquer incompatibilidade entre ambas as construções.

“Não me parece que haja relação, pois essa ponte está praticamente em fase de conclusão”, explica o engenheiro.

As decisões do Governo Central devem ter em consideração construções futuras, além de se aferir quais os impactos ambientais num sentido global na área envolvente. Nesse sentido, “a Ponte em Y já afecta um pouco”, considera o especialista. Há que ter em consideração que do lado continental, há mais um projecto de grande envergadura a ligar Shenzhen a Zhongshan.

Em relação ao trabalho que falta, Addy Chan não entende que seja “uma coisa assim tão complicada, sendo de esperar que os estudos finais não demorem muito a serem realizados”.

No que diz respeito ao projecto final da quarta ponte que liga Macau à Taipa, o vice-presidente da Associação dos Engenheiros de Macau diz que “não deve sofrer alterações drásticas de design, não deverá ser algo completamente novo”.

Gastos dos visitantes de Macau fora dos casinos sobem 17,5 por cento

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s gastos dos visitantes de Macau, fora dos casinos, aumentaram 17,5 por cento no segundo trimestre deste ano, em relação ao período homólogo de 2016, indicam dados oficiais sexta-feira divulgados.

De acordo com os Serviços de Estatística e Censos (DSEC), a despesa total dos visitantes efetuada fora dos casinos ascendeu a 13,75 mil milhões de patacas, traduzindo uma subida de 2,2 por cento relativamente aos primeiros três meses do ano.

A despesa ‘per capita’ dos visitantes situou-se em 1787 patacas, reflectindo em linha com o comportamento global uma subida de 11,7 por cento em termos anuais homólogos e de 4,6 por cento em termos trimestrais.

A maior despesa per capita foi efetuada pelos visitantes da China, o maior mercado emissor de Macau, que ascendeu a 2162 patacas entre Abril e Junho, mais 16,8 por cento face a igual período do ano passado.

A despesa ‘per capita’ dos visitantes provenientes da Malásia aumentou 8,2 por cento, em termos anuais, ao passo que a dos visitantes de Singapura, de Hong Kong e de Taiwan diminuiu 3,9 por cento, 8,2 por cento e 6,9 por cento, respectivamente, de acordo com a DSEC.

Em baixa esteve também a despesa ‘per capita’ dos visitantes da Austrália (menos 21,7 por cento) e a dos procedentes dos Estados Unidos (menos 0,6 por cento) e Reino Unido (menos 4,4 por cento).

Às compras

Segundo a DSEC, os visitantes gastaram essencialmente em compras (43 por cento), alojamento (25,6 por cento) e alimentação (23,1 por cento).

A despesa ‘per capita’ em compras atingiu 768 patacas (81,1 euros), mais 10,7 por cento em termos anuais, destacando-se no ‘cabaz’ os alimentos/doces (229 patacas), cosméticos/perfumes (191 patacas), produtos em que os gastos aumentaram 17,8 por cento e 18,6 por cento, respectivamente.

Os resultados do inquérito às despesas dos visitantes indicaram ainda que o principal motivo da vinda a Macau foi para passar férias (49,7 por cento do total), mas que foram os que vieram participar em convenções/exposições que gastaram mais, com uma despesa ‘per capita’ de 3304 patacas, apesar de representarem só 0,7 por cento dos visitantes.

De acordo com os mesmos dados, 17,6 por cento utilizaram o território apenas como ponto de passagem, enquanto 8,4 por cento dos inquiridos foram atraídos pelas compras e 8 por cento pelo jogo.

Visitar familiares e amigos e tratar de negócios e assuntos profissionais foram outras das motivações dos que escolheram deslocar-se a Macau entre Abril e Junho.

No segundo trimestre do ano, Macau recebeu 7,69 milhões de visitantes, um aumento de 5,3 por cento em termos anuais homólogos, segundo dados oficiais divulgados anteriormente.

No ano passado, a despesa total, excluindo o jogo, dos visitantes, atingiu 52,66 mil milhões de patacas, aumentando 3 por cento face a 2015, ano em que os gastos dos visitantes de Macau caíram pela primeira vez desde 2010, ou seja, desde que existe registo.

O visitante refere-se a qualquer pessoa que tenha viajado para Macau por um período inferior a um ano, um termo que se divide em turista (aquele que passa pelo menos uma noite) e excursionista (aquele que não pernoita).

21 Ago 2017

Hong Wai, artista plástica: “Trago a mulher contemporânea em tinta-da-china”

Foi para Paris para fazer um mestrado em arte e não voltou. A artista local Hong Wai usa as técnicas mais tradicionais chinesas para representar a beleza da mulher emancipada e os seus trabalhos andam um pouco por todo o mundo

[dropcap]C[/dropcap]omo é que apareceu a criação artística?
Sempre gostei de desenhar. Do que me lembro, já desenhava muito quando andava no infantário. No ensino primário passava os meus tempos livres a pintar e os meus colegas começaram a pedir-me alguns trabalhos. Queriam que lhes pintasse os cães, que desenhasse bonecas. Mas as aulas de desenho não me atraiam, eram muito monótonas. Aos 14 anos experimentei ter uma aula de pintura tradicional chinesa e gostei muito. Neste tipo de pintura é preciso conjugar vários factores. Há a incerteza da tinta no papel e os próprios gestos que se fazem com o pincel demonstram a energia e as emoções do artista durante o processo de criação. É uma pintura muito especial. Também tive uma excelente orientação dada pelo professor Ieong Deang Sang. Foi quem me ensinou os princípios da pintura chinesa: a relação entre a tinta e a água, entre o espaço cheio e vazio, entre a parte da luz e da escuridão no desenho. São princípios também filosóficos e que têm que ver com o Livro das Mutações. Fui aprendendo e tive a minha primeira exposição individual em Macau, aos 17 anos. Fui a artista mais nova no território a ter uma exposição individual o que significou muito para mim e acabou por me levar a ganhar confiança no meu talento. Acabei por mudar de opção académica de biologia para arte. Saí do território depois do liceu quando fui para a Universidade Nacional de Taiwan e acabei por seguir os estudos com o mestrado em arte em Paris onde vivo até agora. No início da minha carreira tive algumas pequenas exposições. Em 2013 criei a série “Secret de Boudoir” que foi uma alavanca para o reconhecimento do meu trabalho e foram muitas as galerias interessadas. Foi com esta cooperação com as galerias que acabei por participar em várias feiras de arte internacionais como a “Arte Stage Singapore”, a “Art Taipei” e a “Art Central Hong Kong”. Os meus trabalhos têm também passado por Nova Iorque e por Miami. Depois de “Secret de Boudoir” criei “Feminine Landscape” e “Lumière Nocturne – La Foret”. Neste momento coopero também com várias galerias em Miami, Taiwan, Macao, Paris e posso dizer que sou artista a tempo inteiro.

Estudou arte tradicional e caligrafia. O seu trabalho é conhecido pela mistura que faz destas áreas com o que se pode chamar de arte contemporânea. O que é que vai buscar a cada género?
Na minha abordagem artística, o uso e a interpretação da tinta-da-china é uma jornada diária. Procuro criar novas fronteiras usando técnicas tradicionais antes reservadas aos letrados, à classe intelectual oficial (cuja teoria deriva da dinastia Song), com a minha forma pessoal, feminina e misteriosa. Através do uso de tinta e papel chineses, e de imagens que sugerem fortemente o mundo feminino, questiono o poder masculino. Tradicionalmente, a tinta-da-china era um campo exclusivamente de homens. Foi a classe letrada chinesa que decidiu os temas da pintura com montanhas, rios e paisagens, como representação filosófica da harmonia entre a natureza e o homem. Através da arte, pretendiam ilustrar o país imperial. Estas obras-primas da paisagem pertencem à Colecção Oficial de Arte da China Imperial das Cinco Dinastias e vai até os tempos modernos. Eu, em vez de representar a virtude através da arte ou da moda tradicional chinesa, prefiro expressar e ilustrar a feminilidade com imagens contemporâneas e não convencionais. As minhas paisagens com montanhas e rios transformam-se em lingerie entrelaçada. A ode ao céu e à terra torna-se uma ode ao “yin” sensual, oculto e incontornável.

É tratada pela crítica como a “Fille Mysterieuse” que dá sentido, de alguma forma, ao Taoismo.
Na minha última criação “Feminine Landscapes” o corpo feminino é tratado como se fosse uma paisagem com as suas diferentes camadas. A crítica de arte Myriam Dao classificou este trabalho como “de mulher misteriosa” em que o Taoismo ganha uma forma contemporânea. Penso que Myriam Dao integrou o Taoismo no meu trabalho por causa das imagens femininas desta filosofia. A figura da deusa é uma das personagens principais em muitas histórias taoistas. A diferença mais óbvia entre um deus e uma figura comum está na imortalidade. Os deuses conseguem sempre manter a vida e a juventude. A beleza e juventude são, nos contos taoistas, a grande tentação. Tal como eu, os contos taoistas gastam muita tinta na descrição da beleza imortal das deusas.

É conhecida pela sua abordagem feminista. Como é que a descreve?
A minha perspectiva feminista está próxima do “Lipstick” no século XX.
O chamado feminismo do batom é uma variedade de feminismo de terceira geração que procura abraçar conceitos tradicionais de feminilidade, incluindo o poder sexual das mulheres. Ao contrário das primeiras campanhas feministas que se concentraram nos direitos fundamentais das mulheres, e que começaram pela exigência do direito ao voto, o feminismo do batom procura perceber se as mulheres podem ser feministas sem ignorar ou negar a sua feminilidade, nomeadamente no que respeita à sexualidade. Durante a segunda geração de feminismo, as activistas concentraram-se unicamente na igualdade jurídica e social das mulheres e recusaram-se a “abraçar” a sua sexualidade. Algumas mulheres abominavam a ideia da sua feminilidade e muitas vezes assumiam características físicas masculinas. Queriam distanciar-se da imagem da mulher tida como normal e acabaram por criar uma série de estereótipos associados à imagem do que seria uma feminista. O feminismo do batom, por outro lado, dá importância os conceitos de feminilidade, sexualidade feminina emitida pelo corpo de uma mulher e à necessidade de assumir o sexo. O feminismo do batom também procura recuperar algumas palavras depreciativas e transformá-las em ferramentas de poder feminino. É o caso da palavra “vagabunda” no movimento “SlutWalk”. Esta é uma ideia que se desenvolveu como resposta às ideologias mais radicais do feminismo de segunda geração que deram relevo à “feminista feia” ou “feminista anti-sexo”. No fundo esta terceira geração de feminismo veio adoptar o que a segunda tinha condenado.

O que é que as mulheres escondem, que a Hong Wai revela?
Tradicionalmente, a pintura com tinta da China era apenas reservado aos homens, como já disse. O que tento fazer é “dobrar” esta ideologia masculina neste tipo de pintura. Quero trazer a imagem estereotipada para uma nova fronteira, a mais feminina e escondida. Por exemplo, na pintura tradicional chinesa, “Maids of honour”, está representada a virtude. No meu trabalho “Secret de Boudoir”, não desenho sequer as mulheres não pretendo descrever as virtudes de uma mulher (que de si transporta já para a prestação de um serviço, normalmente a homens), o que faço é um retorno à própria mulher, à sua vida privada, aos seus bens. Faço isso com todo o detalhe, tanto na lingerie, como nos saltos altos, nos perfumes, etc. Trago a mulher contemporânea em tinta-da-china, uma técnica confinada durante séculos aos homens.

Considera-se provocadora?
Sim, e por isso que que o meu trabalho é divertido e tem significado.

O que acha da arte feita em Macau?
Temos bons artistas em Macau que têm de trabalhar muito para viverem das suas criações. Muitos deles estudaram na China Continental e trazem consigo muita energia e surpresa.

Na sua opinião, o que poderia ser feito em Macau para promover mais os artistas locais?
Os artistas precisam de duas coisas: um lugar para trabalhar onde possam criar e que seja acessível e estável e de galerias e colecionadores que promovam e vendam o trabalho feito. Para promover mais os artistas locais, primeiro há que ajudar os criadores a terem um local de trabalho em que não se tenham de preocupar com o aumento das rendas. Em França, por exemplo, há uma lei que protege o inquilino e o aluguer só pode aumentar até cinco por cento por ano durante o contrato. Depois há que promover mais galerias profissionais que tenham as suas redes de coleccionadores que comprem arte local.

Considera que o mundo ocidental está cada vez mais interessado no que é feito no oriente? Porquê?
Sim, sinto o mundo ocidental cada vez mais interessado em arte oriental e o contrário também acontece. Esta era, a da globalização, gera a interdependência das actividades económicas e culturais do mundo. O extremo oriente já não é tão longe, o mundo ocidental quer entender cada vez mais o que lá se passa e a melhor maneira é através da sua arte e cultura.

21 Ago 2017

Coreia do Norte | Sul reafirma a vontade de paz. Estados Unidos tentam acabar com exportações

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]eul não quer a guerra, reiterou ontem o Presidente da Coreia do Sul, que garante que tudo fará para que as ameaças entre Pyongyang e Washington não aterrem no seu país. Os Estados Unidos lançaram outra batalha, ao procurarem o isolamento económico total do regime de Kim Jong-un. Num momento de aparente acalmia, a questão reside em saber o que vem a seguir

Não vai haver guerra na Península Coreana, afirmou ontem o Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-In, apesar da grande tensão em torno de Pyongyang e do programa de mísseis que tem vindo a testar nos últimos meses, cada vez com maior intensidade.

“Todos os sul-coreanos trabalharam arduamente para reconstruir o país das ruínas deixadas pela Guerra da Coreia”, afirmou Moon Jae-In numa conferência de imprensa que assinalou os primeiros 100 dias no cargo. “Vou evitar a guerra a todo o custo”, prometeu. “Por isso, quero que todos os sul-coreanos acreditem, com confiança, que não haverá guerra.”

O Presidente da Coreia do Sul revelou que está a colocar a possibilidade de destacar um enviado especial para Pyongyang.

Na terça-feira passada, durante um discurso transmitido pela televisão, Moon Jae-In tinha já dito que não haverá acção militar na Península da Coreia sem o consentimento de Seul, garantindo que o Governo do Sul irá fazer tudo para evitar um conflito armado.

A tensão na península tem aumentado nos últimos meses, sendo que estas semanas foram particularmente difíceis, com a Coreia do Norte e os Estados Unidos a ameaçarem-se mutuamente com intenções militares. Pyongyang tem dado sinais de que não pretende desistir do desenvolvimento do programa nuclear, estando aparentemente a trabalhar em armamento com capacidade para atingir os Estados Unidos.

Na semana passada, a Coreia do Norte avisou que estava a preparar um plano para um ataque a Guam. Uns dias depois, na terça-feira, o regime de Kim Jon-un disse ter mudado de ideias, com Pyongyang a explicar que vai “observar” os Estados Unidos antes de avançar com a ofensiva. Já o Governo de Guam garantiu que se mantém alerta relativamente a um possível ataque norte-coreano com mísseis.

Recorde-se que o anúncio do ataque a Guam surgiu depois de Donald Trump ter prometido atingir a Coreia do Norte com “fogo e fúria” se o país não reduzisse o tom das ameaças.

Cortar com os aliados

Na Coreia do Sul, país que teria uma situação muito complicada para resolver com um eventual conflito armado, os líderes políticos tentam desdramatizar um cenário com contornos difíceis; noutro ponto do planeta, os Estados Unidos procuraram isolar, ainda mais, a Coreia do Norte.

Mike Pence, vice-presidente norte-americano, pediu esta semana ao Brasil, ao México e a outros países da América Latina que acabem de vez com os laços diplomáticos e económicos com Pyongyang, recordando as ameaças que foram feitas nas últimas semanas por Kim Jong-un.

“Pedimos veementemente ao Chile, ao Brasil, ao México e ao Peru que cortem todos os laços com a Coreia do Norte”, declarou Pence, numa conferência de imprensa em que esteve acompanhado pela Presidente chilena, Michelle Bachelet. O vice-presidente dos Estados Unidos pediu ao Chile que reclassifique produtos exportados para a Coreia do Norte, de modo a que passem a ser abrangidos pelas sanções impostas ao regime.

A pretensão de Mike Pence não será, por agora, atendida. O chefe da diplomacia chilena disse, mais tarde, respeitar o pedido dos Estados Unidos, mas acrescentou que não existem intenções de mudar o modo como o país lida com Pyongyang. “São já relações distantes porque aplicamos com rigor todas as sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas” contra a Coreia do Norte, declarou Heraldo Munoz.

Em 2015, o regime de Kim Jong-un importou vinho chileno no valor de 65 milhões de dólares. Já o México vendeu petróleo avaliado em 45 milhões e o Peru exportou 22 milhões de dólares em cobre.

A Presidente Michelle Bachelet faz parte dos líderes que acham que a diplomacia é a chave para resolver o problema, tendo defendido que é necessário um esforço adicional de todas as partes envolvidas para garantir a desnuclearização da Península Coreana.

Em açambarcamento?

Os esforços de Mike Pence para isolar Pyongyang surgem numa altura em que se acredita que a Coreia do Norte tem estado a preparar-se para resistir à progressiva perda de parceiros económicos. Números avançados esta semana pelo South China Morning Post demonstram que a importação de bens alimentares da China aumentou drasticamente no último ano, um sinal de que Pequim será mesmo o último aliado do regime.

Dados oficiais da alfândega chinesa apontam para um aumento das exportações em quase 30 produtos. A quantidade de milho enviada para a Coreia do Norte aumentou 32 vezes, ultrapassando as 12.700 toneladas, sendo o bem alimentar mais procurado. Seguem-se as bananas e a farinha.

As bebidas alcoólicas mais do que quadruplicaram, chegando aos 9,5 milhões de litros. Entre os alimentos mais importados pelo país estão ainda o chocolate, o pão e os biscoitos. As estatísticas sobre o arroz exportado pela China no ano passado não estão ainda completas, mas a Coreia do Norte recebeu, no segundo trimestre deste ano, mais de 11 milhões de toneladas de arroz, bastante mais do que os 3,5 milhões que importou no mesmo período do ano passado.

Os recentes lançamentos de mísseis levados a cabo por Kim Jong-un levaram a comunidade internacional a aumentar as sanções ao regime, mas os bens alimentares não fazem parte do pacote de sanções, na esperança de que seja possível manter um padrão de vida mínimo para os cidadãos de um país onde a fome é a realidade da maioria. No entanto, a Coreia do Norte viu serem impostos limites nas exportações. Na passada segunda-feira, a China deixou de comprar marisco ao vizinho, acabando assim com uma fonte de rendimento que, no ano passado, deu a Pyongyang 190 milhões de dólares norte-americanos.

Especialistas analisam dificuldades bélicas de Pyongyang

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] a grande incógnita do momento para os observadores da Coreia do Norte e especialistas em armamento. Existe a convicção de que Pyongyang está efectivamente a preparar armamento nuclear capaz de atingir os Estados Unidos. A retórica de Kim Jong-un tem sido acompanhada por testes a mísseis balísticos que demonstram capacidades militares norte-coreanas que surpreenderam muitos analistas.

Constatado que está o facto de que existe uma ameaça que vai além da propaganda, tenta-se perceber a verdadeira dimensão do poder bélico do regime. Presume-me que os norte-coreanos estão a tentar produzir um dispositivo nuclear com uma dimensão suficientemente pequena e com pouco peso para que possa ser utilizado num míssil, sem prejuízo do seu alcance.

Os especialistas contactados pela Agência Reuters acreditam que, para atingir este objectivo, o regime terá de fazer pelo menos mais um teste nuclear – o sexto – e levar a cabo mais testes com mísseis de longo alcance. No mês passado, a Coreia do Norte testou dois mísseis balísticos intercontinentais (ICBM, na sigla inglesa) com uma carga explosiva mais leve do que qualquer ogiva nuclear que conseguirá produzir neste momento, indicam os analistas.

Uma forma de conseguir fazer uma ogiva mais leve é apostar no hidrogénio, explicam ainda os peritos, recordando que Pyongyang alega ter conseguido testar um engenho do género. O feito está por provar, recorda o director do Programa de Informação Nuclear da Federação Americana de Cientistas, Hans Kristensen. “Fazer algo deste tipo implicará mais testes nucleares”, diz. “A vantagem de uma ogiva termonuclear é que tem maior poder destrutivo com menor peso.”

Choi Jin-wook, especialista sul-coreano, também acredita que será necessário um sexto teste nuclear para que seja possível desenvolver um ICBM com capacidades nucleares. “A ogiva terá de ser pequena e leve, mas a Coreia do Norte não parece ter a tecnologia necessária”, afirma.

Apesar de prometer que tudo fará para a manutenção da paz na península, a Coreia do Sul avisou que a colocação, pelo Norte, de uma ogiva nuclear num ICBM será “pisar uma linha vermelha”. Os Estados Unidos foram mais gráficos na ameaça que fizeram a um eventual ataque do regime de Kim Jong-un.

Sem movimentações

Tratando-se de um regime muito isolado do qual pouco se sabe, as respostas à pergunta “o que vem a seguir” são, por norma, pouco mais do que hipóteses. Ainda assim, poder-se-á dizer que o tempo que Kim Jong-un procura agora ganhar, depois da violência verbal da semana passada com Washington, estará relacionado com a necessidade de não antagonizar totalmente a China. As últimas sanções das Nações Unidas também não terão deixado Pyongyang com desejos de mais punições.

Fonte do exército norte-americano, que pediu à Reuters para não ser identificada, contou que costuma ser observada, com alguma regularidade, actividade em Punggye-ri, o local dos testes nucleares da Coreia do Norte. Mas há já mais de um mês que não se registam movimentos e não há sinais da iminência de um teste.

Além de ter de fazer uma bomba de hidrogénio em miniatura, alguns peritos indicam que os cientistas de Kim Jong-un precisam ainda de desenvolver tecnologia que proteja a ogiva do imenso calor e pressão à reentrada na atmosfera, depois de um lançamento intercontinental.

A Coreia do Sul acredita que os vizinhos do Norte precisam, pelo menos, de mais um ou dois anos para obterem este tipo de tecnologia. Especialistas dos Estados Unidos subscrevem este prazo.

20 Ago 2017

Ho Chio Meng | Novo Macau acusada de ser financiada com fundos ilegais

Um alegado membro da Novo Macau acusa os principais dirigentes da associação de serem financiados por dinheiros de origem ilegal de uma empresa envolvida no caso Ho Chio Meng. Scott Chiang nega a acusação e diz que a verdade virá ao de cima na sequência da investigação. O Ministério Público já tem conhecimento do caso

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois do jogo de cadeiras no leme da direcção da Associação Novo Macau, e com as eleições à porta, surge um caso com contornos que extravasam as simples divergências políticas e que podem manchar a reputação dos pró-democratas.

No cerne deste caso está Fong Ka Leong, presidente da Associação dos Assuntos Jurídicos e Sociais, que também se identificou como sendo membro da Novo Macau. Tudo começou com as declarações do chefe de Fong Ka Leong enquanto testemunhou em tribunal no julgamento do ex-procurador Ho Chio Meng. Segundo Fong Ka Leong, o seu patrão, também alegadamente membro da Nova Macau, pagou várias despesas a dirigentes da associação com fundos apurados de forma ilegal, circunstância que o motivou a apresentar ontem queixa no Ministério Público. O denunciante vai mais longe e acusa a recepção destes dinheiros como um caso de corrupção.

De acordo com Fong Ka Leong, a um dos membros foi oferecido um trabalho a tempo inteiro, e foram-lhe subsidiados bilhetes de avião e alojamento para viagens ao exterior. Outros dois membros da associação receberam apoios financeiros para pagar passagens aéreas para Taiwan, assim como alojamento e alimentação.

Em declarações ao HM, Fong Ka Leong disse que o objectivo do seu chefe era controlar a lista de membros da Novo Macau.

Além disso, o objectivo seria separar os membros da associação de quem gostava dos restantes. “A Novo Macau tem menos de 50 associados. Os membros foram classificados de acordo com quem ele gostava e quem ele considerava como inimigo”, explicou Fong Ka Leong, que acrescenta que existe a possibilidade de os membros do referido grupo terem recebido verbas de origem ilegal.

Quem é quem

A pessoa que alegadamente terá financiado membros da Novo Macau é responsável por uma empresa de produtos electrónicos que prestou serviços ao Ministério Público. A pessoa em questão foi testemunha no processo conexo ao de Ho Chio Meng, no Tribunal Judicial de Base. Na sequência desta inquirição, Fong Ka Leong acusa igualmente o chefe de declarações falsas ou perjúrio.

Em reacção a esta polémica, Scott Chiang, presidente da Novo Macau, escusou-se a tecer grandes comentários em relação à acusação feita. No entanto, em declarações ao HM, considerou haver falta de pormenores na queixa e que o denunciante deveria apresentar informações mais precisas. Scott Chiang acredita que a investigação trará a verdade ao de cima.

20 Ago 2017

Casa de Portugal | Instituição promove um festival de Verão

Uma festa de Verão para todos é a sugestão da Casa de Portugal para este fim-de-semana. Música, dança, jogos e presentes são alguns dos condimentos para amanhã e domingo na zona das Casas Museu da Taipa. “Na Rota do Verão” é uma iniciativa para estar mais perto da comunidade

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s rubricas são muitas e para todos os gostos. A proposta é da Casa de Portugal em Macau (CPM) que leva à zona das Casas Museu da Taipa o festival “Na Rota do Verão”. O programa foi feito a pensar em todas as idades e a ideia é ter dois dias “com coisas giras”, disse ao HM a presidente da CPM, Amélia António.

Os mais pequenos têm música especialmente feita para eles. Tomás Ramos de Deus, Miguel Andrade e Paulo Pereira são os intérpretes de serviço que prometem tocar alguns dos êxitos mais conhecidos dos miúdos. O tema “Let it Go”  da banda sonora do filme “Frozen” e o “Cavalinho”, que integra o disco “Castelos no Ar”, são apenas duas das canções que constam do repertório.

De acordo com Diana Soeiro, membro da organização, trata-se de “músicas infantis de temas emblemáticos da Disney em português e em inglês, e de desenhos animados internacionalmente conhecidos, transversais a todas as idades e nacionalidades”. Para ajudar não irá faltar um animador vestido de panda, completa.

Os mais velhos não são esquecidos e, dentro dos espectáculos musicais, há três espaços disponíveis em diferentes tempos, até porque cada horário apela a uma sonoridade específica.

“Ritmos da Tarde” é a rubrica que traz “a sonoridade marcada por ritmos alegres que caracterizam o Verão”, aponta Diana Soeiro. A organização dá exemplos de temas que se conjugam com o ambiente pretendido e que passarão com certeza na rota. Clássicos de Bob Marley, como “No Woman No Cry”, ou de Stevie Wonder não vão ser esquecidos.

Jazz da casa

A CPM destaca ainda a estreia do projecto de jazz local que, no repertório, traz temas de música portuguesa com arranjos originais de Miguel Andrade. São os Jazzés que vão interpretar temas de Sara Tavares e John Legend, entre outros.

Mas o dia acaba de noite e, para esse momento, está guardada a “Serenata ao Luar”. O objectivo, diz a organização, é “recriar um ambiente intimista com recurso a cubos de luzes em que a sonoridade é marcada por sons tranquilos”. Vozes, guitarras, saxofone e clarinete vão ser os sons ouvidos e “a originalidade deste concerto prende-se com o facto de os músicos apresentarem temas com novos arranjos feitos pelo Miguel Andrade, guitarrista do projecto”.

Entretanto, e para diversificar o programa, a dança vai ter lugar com “Aerodance”. O evento consta de música dançável e a ajuda de um instrutor que convida o público a participar em diversas coreografias.

Jogos tradicionais vão também animar as tardes num regresso ao passado que passa pelo jogo do elástico, da macaca, saltar à corda e jogar ao pião.

Um apontamento de interactividade é feito com o Riquexó. Trata-se de uma marioneta interactiva construída e manipulada por Sérgio Rolo que vai acompanhando o público ao longo de toda a festa.

De acordo com Amélia António, “Na Rota do Verão” é uma actividade esporádica que se inclui entre as várias iniciativas que a instituição tem, em cooperação com os Serviços de Turismo.

O evento vai ser feito na zona das Casas Museu da Taipa que, aponta a responsável, “é um lugar onde as pessoas gostam de ir”.

A importância deste e de outros eventos do género é evidente para Amélia António. “É uma maneira de chegarmos a um público maior e de levarmos a nossa presença um bocadinho mais longe.” Caso contrário, considera, “a Casa de Portugal fica muito confinada àquilo que é feito apenas com os associados”.

“Queremos mostrar um trabalho útil para a comunidade e para Macau, para a diversidade que o território apresenta”, remata a responsável.

20 Ago 2017

Hong Kong | Condenados a prisão líderes dos protestos de 2014

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]rês líderes estudantis, incluindo Joshua Wong, rosto dos protestos pró-democracia em Hong Kong em 2014, foram ontem condenados a penas de até oito meses de prisão, após o governo ganhar o recurso que pedia penas de prisão efectivas.

Joshua Wong (20 anos) foi condenado a seis meses de prisão, Nathan Law (24 anos) a oito meses de prisão, e Alex Chow (26 anos) a sete meses.

“Podem prender os nossos corpos, mas não as nossas mentes! Queremos democracia em Hong Kong. E não vamos desistir”, escreveu Joshua Wong na sua conta da rede social Twitter, ao conhecer a sentença.

Ao serem condenados a penas de prisão por mais de três meses, os três activistas são impedidos por lei de concorrer ao cargo de deputado por um período de cinco anos, o que na prática os impede de participarem já nas eleições parciais para preencher os lugares vagos deixados após a desqualificação de seis deputados (incluindo Nathan Law).

As penas de prisão decretadas ontem substituem as 80 e 120 horas de serviço comunitário a que Joshua Wong e Nathan Law foram condenados no ano passado, entretanto já cumpridas, assim como a pena suspensa de três semanas de cadeia para o antigo dirigente da federação de estudantes Alex Chow.

Os três activistas tinham sido condenados por crimes como “reunião ilegal”, por invadirem uma área no exterior da sede do governo, conhecida como Civic Square (Praça Cívica) no final de Setembro de 2014.

Esta acção esteve na origem dos protestos em defesa do sufrágio universal para a eleição do chefe do Executivo da cidade, conhecidos como “Revolução dos Guarda-Chuvas” ou “Occupy Central”.

O caso parecia encerrado, mas no início do mês os procuradores pediram ao Tribunal de Recurso a revisão das sentenças dos três activistas, instando os juízes a aplicarem penas de prisão como medida dissuasora para futuros manifestantes.

Outras penas

A sentença de ontem foi conhecida depois de, no início da semana, outros 13 activistas terem visto agravadas as respectivas sentenças, transformadas em penas de prisão efectivas, entre oito e 13 meses, por uma tentativa de entrada forçada no Conselho Legislativo (LegCo).

Este incidente ocorreu em Junho de 2014, meses antes das grandes manifestações pró-democracia.

Os 13 activistas envolveram-se num protesto por causa de um controverso plano de desenvolvimento nos Novos Territórios em Hong Kong, numa altura em que o respectivo financiamento estava a ser discutido pelos deputados.

Na quarta-feira, o deputado pró-democracia Eddie Chu acusou o governo de Hong Kong de “perseguição política” ao pedir recurso dos casos.

Chu disse à Rádio e Televisão Pública de Hong Kong (RTHK) que o governo está a aumentar a repressão contra os dissidentes “com penas de prisão longas de forma a evitarem futuras acções pelos cidadãos de Hong Kong”.

Nathan Law publicou na noite de quarta-feira um comentário no Instagram a avisar os seus seguidores de que esse poderia ser “o último durante algum tempo”.

O mais jovem deputado de Hong Kong, eleito em Setembro do ano passado com apenas 23 anos, foi desqualificado em Julho, juntamente com outros três pró-democratas depois de o tribunal ter declarado inválidos os seus juramentos no parlamento. Outros dois jovens deputados tinham sido desqualificados em Novembro.

Os casos têm sido denunciados como uma tentativa para expulsar os deputados da oposição democraticamente eleitos.

A Human Rights Watch (HRW), sediada nos Estados Unidos, disse na quarta-feira que houve “um aumento das acusações politicamente motivadas contra os líderes pró-democracia de Hong Kong”, desde o final dos protestos de 2014.

“As pessoas estão cada vez mais a perder a confiança na neutralidade do sistema de justiça de Hong Kong”, disse a diretora da HRW, Sophie Richardson, em comunicado, citado pela CNN.

20 Ago 2017

Gertina van Schalkwyk, docente de psicologia: “Crianças de Macau sofrem uma grande pressão”

Tem dedicado a carreira académica a estudar culturas e gerações. Gertina van Schalkwyk estuda especialmente as crianças e famílias em contextos diversos. Macau tem particularidades associadas ao jogo que em nada ajudam o bom desenvolvimento infantil e apresenta, neste momento, uma das taxas mais preocupantes de incidência de depressão e ansiedade

Está muito envolvida com a investigação que diz respeito a crianças de terceira cultura. Porquê o interesse por esta área?

O interesse apareceu quando acompanhei uma doutoranda que estava interessada em estudar as crianças de terceira cultura. Foi um tema que me fascinou pela natureza do estilo de vida destas crianças. Há também características particulares dos pais que podem ser inseridas naquilo a que chamamos de terceira cultura. Quando falamos destas crianças, estamos a falar de um grupo de pessoas que não estão enraizadas em nenhum lugar devido à grande mobilidade dos pais, que se deslocam muito frequentemente entre países, normalmente em trabalho e à procura de melhores situações económicas. Ora, se os pais mudam, os filhos também vão com eles. Por vezes os pais ficam cinco ou seis anos num sítio, outras vezes mudam-se com mais frequência, podendo mesmo acontecer em períodos de seis meses. Com isto, as crianças estão sempre a mudar de escola. Em cada mudança estão também a aprender novos padrões de comportamento, novos valores culturais. Estas pessoas acabam por se tornar naquilo a que chamamos nómadas globais. Quando se nasce num país e se está no mesmo lugar durante grande parte da vida, há um sentimento de segurança no que toca à pertença a um lugar. Mas quando falamos de um estilo de vida de grande mobilidade, os lugares mudam com muita frequência, o que pode trazer alguns benefícios. São pessoas que se tornam muito internacionais, com conhecimento acerca de diferentes culturas e capazes de falar várias línguas. Desenvolvem uma capacidade de liderança muito forte e normalmente fazem parte de classes sociais altas e com educação superior.

Mas há um mas, certo?

Sim, há. E é por isso que estas crianças são, por norma, pessoas que têm muita dificuldade em ter compromissos. Quando se trata de fazer uma amizade, de construir alguma proximidade, é necessário ter tempo para conhecer pessoas e para manter uma relação de modo a criar uma familiaridade que é parte do desenvolvimento de uma relação a longo termo e de uma amizade profunda. Se se anda sempre a mudar de lugar, estas amizades perdem-se. Podemos, hoje em dia, dizer que podem ser mantidas através da comunicação virtual, mas há uma diferença entre estar com uma pessoa no Skype e estar pessoalmente. Há também uma falha no que respeita a perspectivas ideológicas claras dentro da sua identidade e sistema de valores porque estão inundadas de coisas diferentes. Por vezes, sentem que estão perdidas numa mistura de valores aos quais são expostas. Uma das alunas com quem falámos ao longo da investigação mudou de licenciatura três ou quatro vezes e desistiu de todas. Não conseguia sequer comprometer-se com um programa académico. Outros participantes neste estudo mostravam ter muita dificuldade em ter uma relação de afecto. Tinham medo da rejeição ou que uma partida acontecesse. Todos estes factores são problemáticos para as crianças e os adolescentes. Alguns pais que se mudam com muita frequência nem chegam a criar uma casa que se pareça a um lar. O sítio onde moram não passa de um espaço cheio de malas de viagem. Um lar é sempre um espaço capaz de dar a uma criança algum sentimento de pertença e permanência que, desta forma, não existe. Em suma, estamos a falar de futuros líderes internacionais, mas com muitas dificuldades pessoais.

Foto: Sofia Margarida Mota

Como é que esta situação se reflecte em Macau?

Antes de falarmos de Macau, há que fazer alguns esclarecimentos. Não podemos confundir as crianças de terceira cultura com os filhos de imigrantes. Os imigrantes vão, muitas vezes, trabalhar para o estrangeiro mas não levam as famílias ou, se o fazem, acabam por se inserir num grupo cultural minoritário, mas definido. Existe ainda o grupo dos filhos de militares e de diplomatas. Os pais são colocados no estrangeiro, por um período de tempo, e são colocados numa comunidade de pares onde podem manter uma relação pessoal com indivíduos também do seu próprio país. As crianças de terceira cultura não têm esta ligação a uma cultura mãe do seu próprio país. Elas só são de um país porque têm de ter um passaporte. Por vezes têm ainda família naquilo a que se poderia chamar de país de origem, mas quando vão a esse sítio sentem-se perdidas. Têm uma espécie de choque cultural inverso. Já experimentaram muita coisa e quando regressam têm dificuldades em se encaixar. Aqui em Macau, temos um grupo de pessoas associado às indústrias do território que atraem estrangeiros. O jogo é um bom exemplo disso. As pessoas chegam muitas vezes em regime de contrato de curta duração e trazem as famílias. Os filhos andam na Escola Internacional ou em escolas em que o ensino seja dado em inglês e em que o currículo siga as normas internacionais. Estas escolas internacionais também acolhem locais, mas as pessoas tendem a agrupar-se dentro das culturas que conhecem. O resultado é que os estrangeiros acabam por estar muito isolados e separados do resto.

Falou da indústria do jogo e do seu impacto nas crianças. Tem também sido uma área de estudo que tem vindo a desenvolver. De que modo é que este sector afecta as crianças e a vida familiar local?

A indústria do jogo emprega um número muito elevado de trabalhadores em que muitos são imigrantes e estão em diferentes níveis. Temos por exemplo os quadros seniores que ficam por períodos de tempo mais longos com a família. Dentro deste contexto encontramos crianças de terceira cultura, filhos de imigrantes e filhos de locais. O impacto nestas populações é muito diverso e depende em que parte da hierarquia se trabalha. A minha maior preocupação tem que ver com os pais que trabalham nos níveis mais baixos da hierarquia. São pessoas que trabalham por turnos e, nesta indústria, os turnos são alterados com muita rapidez. Isto significa que as famílias têm menos tempo para os filhos desde que eles nascem, quando precisam de forma vital de ter os cuidados básicos por parte dos pais. Com os turnos inerentes ao jogo é muito difícil para os pais terem uma interacção regular com os seus filhos. Isto também faz com que os pais não consigam que as suas crianças possam participar em actividades extracurriculares. Podemos dizer que a mesma situação se passa em outras áreas profissionais, como na enfermagem, por exemplo. Mas há diferenças. No caso da enfermagem ou mesmo no trabalho fabril os turnos não mudam com a mesma frequência que no jogo. Claro que é assim por uma razão justificável, mas o impacto que isto tem na família é enorme. Por exemplo, um enfermeiro que trabalhe de noite por um ano, tem o dia, ou uma parte dele, de uma forma consistente para interagir com a família. Por outro lado, na situação de Macau, as escolas têm também muita dificuldade em envolver os pais no processo educativo, o que é fundamental para o seu desenvolvimento.

Estas crianças apresentam características particulares?

É difícil dizer mas, da minha observação, são crianças que, quando chegam a casa, vão para uma casa vazia. Desde pequenas que têm a chave e quando chegam têm de fazer as suas refeições porque os pais estão a trabalhar. Acabam por ser independentes muito cedo, mas acabam também por ter dificuldades em criar relações, nomeadamente com adultos. Como regressam, por sistema, a uma casa vazia, não têm grande supervisão dos pais durante o crescimento e numa fase em que estão a desenvolver um modelo do que é certo e do que é errado. O que vemos é que, e em particular na adolescência, são jovens que saem muito à noite e andam muito nas ruas porque preferem isso a ter de estar em casa sozinhos. Isto faz com que seja mais fácil a esta população envolver-se, por exemplo, em gangs para sentirem que fazem parte de alguma coisa. Todos os seres humanos precisam de ter ligações. Somos seres sociais e é disso que somos feitos. O estar sozinho e isolado é uma situação problemática para qualquer um, até nas culturas individualistas. Precisamos de sentir algum tipo de ligação com outras pessoas. Para ter isso, estas pessoas acabam por estar mais expostas a comportamentos problemáticos, até mesmo associados ao consumo de drogas e ao de álcool porque não têm uma referência. Os pais estão ausentes. Um estudo feito por um colega meu do departamento de Sociologia concluiu que os pais não sabem, na maioria das vezes, onde andam os filhos. A próxima característica, se pudermos falar assim, é que se tratam de crianças e adolescentes que não dormem o suficiente, o que acaba por ter influência na sua saúde. Não há ninguém para ditar normas, que são fundamentais. Estas crianças não dormem o suficiente para que sejam saudáveis quer ao nível físico, quer na prevenção de problemas mentais como a depressão e a ansiedade. Isso leva a um outro estudo de um outro colega meu em que, em todas as faixas etárias, Macau apresenta uma taxa de depressão e de ansiedade das mais altas que se conhecem. Isto é preocupante. Para mim, a falta de sono e de apoio e acompanhamento parental possivelmente são factores que contribuem muito para os sentimentos de solidão. Há, em Macau, situações em que as crianças são mandadas para o Continente para serem criadas pelos avós. Quando chegam à idade escolar, regressam para ficar com os pais, o que significa que vão ter de formar novos laços e perdem a sua referência primária que é a dos avós. Mais uma vez, estamos com a presença de um sentimento de perda e de incerteza no que respeita às relações primárias. São muitos os factores a contribuírem para um mesmo sentimento e para uma maior prevalência de depressão e ansiedade no território.

Trata-se de uma situação preocupante. O que é que se pode fazer?

É muito preocupante. Por outro lado, e devido a questões culturais, as pessoas são ainda muito relutantes a procurar ajuda, o que faz com que se desenvolvam alguns problemas mentais que se podem manifestar fisicamente. É uma faca de dois gumes: as pessoas evitam ir procurar ajuda e os serviços também não disponibilizam a ajuda necessária neste aspecto. Há muito a fazer em Macau no que respeita ao acompanhamento psicoterapêutico. Há alguns assistentes sociais mas estamos a falar de psicoterapia em que está envolvida a saúde mental. Precisamos de mais serviços e de desenvolver uma cultura em que seja normal procurar estes serviços.

Tem feito pesquisas na área do suicídio que apontam o stress interpessoal como uma das razões por detrás deste fenómeno, nomeadamente com os alunos da Universidade de Macau. O que é que se passa?

O estudo que fiz mostra que o que está por detrás de uma atitude suicida; em Macau, é muitas vezes o sentimento de inutilidade e desmerecimento. As pessoas pensam que não são merecedoras de ter uma relação com os outros e, mais uma vez, é uma ideia relacionada com a infância em que os pais não estão presentes, o que faz com que as pessoas tenham dificuldades em desenvolver relações e amizades. Sentem-se isoladas e sem valor. Outro aspecto é que as crianças em Macau sofrem de uma pressão muito grande no que respeita ao desempenho escolar. Se não conseguirem ter bons resultados são repreendidas e culpabilizadas por não estarem a fazer um esforço suficiente. A cultura local vê o desempenho relacionado com a quantidade de esforço que é posto em determinada actividade, sendo que, noutros países, o desempenho tem que ver com as características e apetências das próprias pessoas. São coisas diferentes. Mas os pais continuam a fazer pressão e, se as crianças não atingem os resultados, sentem-se incompetentes e desmerecedoras. Na adolescência, as pessoas começam com padrões comparativos e a achar que não são boas o suficiente e que nunca serão. É quando aparece o suicídio como saída. Há ainda quem use as tentativas de suicídio como uma forma de chamar a atenção. Não querem realmente morrer mas querem é ter alguma atenção que não tiveram. O suicídio é uma forma de lidar com todo este stress. Mais uma vez, e porque não existe apoio psicológico suficiente e há o preconceito sobre quem procura ajuda, estas pessoas acabam por não ter apoio profissional a tempo. Mas o mais preocupante para mim foi o que constatei aqui na Universidade. Aconselhamos as pessoas para que, se perceberem que alguém à sua volta está a pensar em suicídio, tentem apoiar de forma a evitar o pior. O estudo mostrou que os estudantes locais pensam que quem tem ideias suicidas é estúpido e que tem de tratar sozinho do assunto. Não dão a mão para ajudar e dizer “quero manter-te vivo”. É o valor da vida que não tem muita importância e isso é preocupante.

17 Ago 2017

Obras Públicas | AL sugere que DSAT conceda licenças e aprecie pedidos

A comissão da Assembleia Legislativa que acompanhou as obras nas estradas sugere que o secretário para Transportes e Obras Públicas coordene o grupo interdepartamental de gestão dos trabalhos. Além disso, aconselha que passe a ser a DSAT a conceder licenças e a apreciar pedidos para a execução dos trabalhos

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Assembleia Legislativa divulgou ontem o relatório sobre os trabalhos realizados as vias públicas elaborado pela Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração Pública. Os deputados, que já tinham criticado a falta de coordenação dos vários departamentos, pegaram em experiências prévias à transferência para sugerir alterações à forma como se intervém no espaço público.

O relatório da comissão presidida por Chan Meng Kam, depois de ilustrar a presente confusão institucional no tratamento de obras, lembrou a actuação do antigo Leal Senado como um exemplo de uniformidade de responsabilização, coordenação e concertação. Isto apesar de ressalvar que, actualmente, o número de obras é muito maior do que nos dias do Leal Senado. No ano passado, “o número de obras viárias atingiu 2553”, ocupando um total de 112.059 metros.

Prevendo a criação de órgãos municipais sem poder político, os deputados mostraram dúvidas quanto à capacidade do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) para “dar continuidade aos trabalhos de apreciação dos pedidos e de concessão licenças”, lê-se no relatório. Para tal papel, a comissão sugere a transferência de competências para a alçada da Direcção dos Serviços para os Assuntos do Tráfego (DSAT).

Ruído necessário

Ainda no campo da multitude de órgãos envolvidos nas obras públicas, os deputados sugerem que o grupo interdepartamental que reúne os vários organismos envolvidos em obras de escavação seja dirigido pelo secretário para os Transportes e Obras Públicas. Pretende-se com esta alteração “elevar o estatuto do grupo de coordenação” de forma a tornar os trabalhos mais eficientes.

Por outro lado, a comissão entende que se devem estabelecer critérios claros para distinguir obras urgentes e não urgentes, para que os trabalhos ocorram sem adiamentos desnecessários.

O acesso por parte da população à informação dos locais onde decorrem obras privadas de escavação, assim como dados que permitam ao público participar na fiscalização das mesmas é outra das sugestões elencadas no relatório. Para tal, os deputados entendem que os anúncios devem ser publicados na Internet.

No plano da fiscalização, nas reuniões com a comissão o Governo queixou-se da falta de recursos humanos. Apesar do grande aumento de obras nas vias de Macau, o número de inspectores passou apenas de seis para dez, sendo que foram instaurados processos disciplinares a dois deles.

Os deputados entenderam ainda que o regime sancionatório que vigora sobre o planeamento e coordenação das obras de escavação não tem carácter dissuasor. Porém, se por um lado os membros da comissão pretendem o agravamento das sanções, o Governo entende que estas aumentaram, em algumas situações, seis vezes, punindo construtores ou empreiteiros que adiem obras.

Por outro lado, tanto o sector da construção, como o Executivo entendem que a Lei do Ruído prejudica o andamento das obras e traz prejuízos de trânsito aos residentes. Com vista à alteração do referido preceito legal, a comissão entende que “é necessário dar um passo em frente para clarificar e confirmar o conceito de ruído perturbador, com vista a delimitar o âmbito de autorização para a realização de obras aos fins-de-semana e feriados”.

Estas foram as sugestões feitas pelos deputados para resolver os problemas relativos às obras de escavações nas vias de Macau, que “parecem flores a desabrochar por todo o lado”, como se lê no relatório.

17 Ago 2017

AL | Chan Meng Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei fazem balanço

Foi bom, mas podia ter sido melhor. A chamada bancada de Fujian passou ontem em revista o trabalho feito durante a legislatura que agora chegou ao fim. Chan Meng Kam, de partida do hemiciclo, apresentou números sobre 12 anos como deputado

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá de saída, uma vez que não se recandidata nas eleições de 17 de Setembro, mas não foi embora sem deixar sugestões sobre o que pode ser feito em termos legislativos. Chan Meng Kam e os outros deputados da sua equipa – Si Ka Lon e Song Pek Kei – chamaram ontem a imprensa para um balanço sobre a legislatura. Para o líder político da comunidade de Fujian, foi também uma revisão do trabalho feito nos últimos 12 anos.

Ao longo de mais de quatro mil dias na Assembleia Legislativa (AL), contabilizou Chan Meng Kam, fez mais de 110 interpelações, cerca de 400 intervenções no período de antes da ordem do dia, e propôs três debates. Na condição de deputado, recebeu quase 40 mil solicitações por parte dos residentes.

Há um momento que o deputado guarda como sendo uma vitória: na primeira sessão de perguntas e respostas com o Chefe do Executivo na AL, Chan Meng Kam falou da questão dos filhos maiores de residentes oriundos da China Continental. Hoje, o problema da reunião familiar está praticamente resolvido.

Ao longo das três legislaturas em que esteve na AL, contribuiu para a discussão de 165 diplomas. O deputado destacou que várias destas leis contribuíram para o avanço da sociedade: a lei da habitação económica, a Lei de Terras e o regime de previdência central não obrigatório foram exemplos dados.

No entanto, nem tudo satisfez Chan Meng Kam. “O regime de sorteio, medida definida na lei da habitação económica, faz com que haja candidatos que só estão ‘a ver corrida’”, disse. “A lei do planeamento urbanístico é de 2013 mas, além de ainda não haver um planeamento geral, há uma série de regulamentos complementares que não entraram em vigor”, lamentou igualmente.

O que faltou

Já Si Ka Lon analisou a legislatura que agora chegou ao fim, quatro anos que serviram para apreciar 52 leis. O deputado gostava que se tivesse feito mais e destaca a lei de bases dos direitos e garantias dos idosos como um dos diplomas em que gostaria de ter trabalhado.

De resto, fez 55 intervenções no período de antes da ordem do dia, e assinou 205 interpelações escritas e 17 orais. Além disso, esteve na origem de duas propostas de debate. Habitação, trânsito, serviços médicos, educação e despesas do Governo foram algumas das questões que abordou.

Em relação aos serviços sociais, a equipa de Si Ka Lon atendeu um total de 19.469 casos: 13.850 consultas de cidadãos e 5619 situações que precisaram de ser acompanhadas.

Numa análise às necessidades actuais do território, o deputado defende que é preciso afastar os funcionários públicos que não reúnem os requisitos necessários e garantir que os cidadãos recebem os frutos da indústria de jogo, ajudando na aquisição da primeira casa através da criação de um fundo de partilha.

Song Pek Kei fez referência aos casos que geraram polémica nos últimos anos, como a escolha do local para o edifício de tratamento de doenças transmissíveis, as irregularidades na contratação de funcionários públicos e a futura Biblioteca Central, assuntos que abordou enquanto deputada.

Congratulando-se com o trabalho feito em prol do bem-estar social, como o aumento de instalações comunitárias na zona de Seac Pai Van e o combate ao alojamento ilegal, matéria que precisa de ser melhorada, Song Pek Kei lamentou que não tivesse sido aprovada a medida que permitiria ao Chefe do Executivo limitar o aumento das rendas.

17 Ago 2017

Vivian Tam, académica: “Macau é a cidade mais brilhante do mundo”

Vivemos numa cidade amplamente iluminada, criando um efeito que impressiona quem visita Macau. Porém, o brilho acarreta problemas para os quais existe pouca sensibilidade social e institucional. Vivian Tam, académica da Universidade de São José, está a medir o grau de luminosidade do território. Ainda com resultados preliminares, o estudo indica que Macau é a cidade mais luminosa do mundo, ultrapassando o brilho do céu natural 233 vezes

Qual foi o método usado para fazer este estudo e que conclusões retirou?

Montámos três estações em Macau para monitorizar o brilho do céu nocturno. A primeira estação situa-se na península de Macau, outra na Taipa e uma última em Coloane. Porém, o nosso projecto tem apenas quatro meses de análise no terreno. De forma a termos um resultado conclusivo precisamos de ter um ano inteiro de registo, que englobe todas as estações para termos dados que sejam mais precisos. Mas, neste momento, descobrimos que na área da península de Macau, devido à densidade populacional, o valor do brilho do céu nocturno é enorme. O standard de medição de escuridão da International Dark Sky Association é 21.6 mag/arcsec2, na área de Macau registámos 233 vezes mais brilho do que o céu natural. A medição para toda Macau anda à volta de 15 a 17 mag/arcsec2, mas para a península de Macau é de 15.5, o que significa que é 270 vezes mais brilhante do que o standard internacional. [Quanto menor o valor, maior luminosidade é registada].

Como está Macau em termos comparativos com outras metrópoles mundiais?

Na minha tese fiz a comparação apenas entre Macau e Hong Kong. Descobrimos que Macau é um pouco mais brilhante que a região vizinha. Mas, lá está, ainda estamos numa fase preliminar e precisamos de analisar um ano inteiro, portanto, os dados ainda não são definitivos. Antes de publicarmos o artigo com as conclusões da investigação precisamos de ter mais dados. Um período tão curto de tempo não é representativo. Durante as diferentes estações do ano registamos várias tendências, há vários aspectos que podem afectar o valor do brilho do céu nocturno. Factores tão distintos como, por exemplo, a temperatura, a nebulosidade e o ciclo lunar. Durante Março, a própria época da chuva também tem um efeito nas medições de brilho.

Em termos de comparação com outras cidades mundiais, o que se pode concluir para já?

Neste momento, podemos dizer que Macau é a cidade mais brilhante do mundo, mas precisamos de continuar a nossa investigação.

Quais as consequências deste excesso de luminosidade?

A economia de Macau é baseada nos sectores do turismo e do jogo. Portanto, é natural que tenha esta necessidade de montar a sua decoração com luz, é algo muito atractivo e bonito. Mas podemos concluir que Macau faz, sistematicamente, um uso impróprio de luz, durante largos períodos de tempo, o que também afecta a brilho do céu nocturno da cidade. Em relação ao impactos nos ecossistemas afecta bastante os animais nocturnos. Por exemplo, as tartarugas marinhas enfrentam problemas comportamentais e de reprodução devido ao excesso de luz.

E qual o impacto deste tipo de poluição nas pessoas?

No que diz respeito aos efeitos em humanos, a exposição a excesso de luminosidade pode resultar no decréscimo real da qualidade de vida. Os impactos podem sentir-se com dores de cabeça, doenças de sono e há um estudo que liga a exposição excessiva ao brilho ao cancro da mama. Isto acontece porque a poluição luminosa afecta o metabolismo e a segregação da melatonina, uma hormona que afecta o metabolismo e o sistema circadiano. Pode também ser disruptivo para o ciclo de sono, principalmente para pessoas que morem perto de grandes focos luminosos, uma vez que, mesmo com cortinas nas janelas, a luz entra no quarto. A luz não desejada que invade a propriedade das pessoas afecta o seu ciclo metabólico e qualidade de vida. Há vários aspectos da poluição luminosa, que não se limitam a estar num ambiente com muita exposição.

Qual o impacto no consumo energético deste excesso de luminosidade?

Não fiz nenhum estudo em termos de poupança energética, mas essa é uma matéria que quero tratar no futuro. Para já, fizemos apenas a medição da poluição luminosa em Macau em comparação com Hong Kong, e o impacto nas pessoas e nos ecossistemas. De qualquer forma, há espécies que já estão em risco por outros motivos e este é mais um factor que agrava a situação em termos ecológicos. Acho que devemos ter todos estes aspectos em consideração se queremos deixar um mundo melhor para as próximas gerações e proteger o céu nocturno e os ecossistemas.

Qual é a sensação de estar numa zona muito iluminada como, por exemplo, o Cotai?

Quando passo no Cotai acho que a decoração é um aspecto bonito, uma forma de atrair mais turistas, mas torna-se um bocado chato para mim. É demasiado brilhante, dá-me dores de cabeça e sinto que quase não consigo abrir os olhos. Normalmente, só passo lá de carro. Neste aspecto, gostava mais dos velhos tempos de Macau, mas sei que a cidade tem de continuar a desenvolver-se para atrair mais gente, para fazer a nossa economia crescer. Por isso, quem cresceu em Macau, como eu, teve de se habituar. Mas acho que o céu nocturno natural é muito mais bonito do que toda esta luz artificial. Se pudéssemos proporcionar também um pouco de céu natural isso poderia ser um chamariz de turistas.

Como se resolve esta situação?

Resolver este problema imediatamente é algo que seria muito complicado, nada exequível, mas podemos tentar encontrar soluções para mitigar os efeitos do excesso de brilho. Num primeiro passo, acho que podemos educar a população e tornar as pessoas despertas para o problema, porque só existe alarme em relação aos perigos da poluição atmosférica, da poluição sonora e pouco mais. A poluição luminosa é sempre ignorada neste contexto e as pessoas não imaginam a importância dos vários impactos que este tipo de poluição acarreta. Gostava de aumentar a atenção pública para este problema. Na minha opinião, em Macau, nas áreas residenciais, a iluminação pública pode ser mais bem utilizada em termos de tempo em que estão acesas, podem ser usados protectores que sejam mais eficazes a difundir a luz para proteger o brilho do céu nocturno e iluminar apenas a área pretendida.

Quais os passos para combater este tipo de poluição ao nível das instituições?

Temos de encontrar formas de mitigar a poluição luminosa. O Governo deveria estabelecer regulações que controlem os focos de luminosidade. Em Taiwan e noutros países, foram postas em acção regulamentos para proteger do excesso de luminosidade com resultados interessantes. Acho que até os próprios casinos vão ouvir esta mensagem, porque em cada empresa há uma grande vontade em mostrar responsabilidade social, é nisto que acredito. Penso que o sector do jogo conseguirá melhorar a sua imagem com medidas deste género, portanto, acho que nos vão ajudar. Sabemos que, em termos de poluição atmosférica, uma parcela considerável vem da China. O mesmo acontece com a poluição luminosa, especialmente na zona de Coloane. A China está mesmo ali ao lado, separada por um fino leito de água, esse é um dos factores externos que afectou as nossas medições. O resort que abriu emite muita luminosidade e chega cá alguma. Isto numa fase em que ainda estão em desenvolvimento.

16 Ago 2017

AL | Aplausos, despedidas e desejos no fim da V Legislatura

Chegou ontem ao fim a V Legislatura da Assembleia Legislativa. Ho Iat Seng recordou que vários deputados com experiência deixam o hemiciclo. Na despedida, Leonel Alves defendeu a necessidade de olhar de novo para o Código do Processo Penal

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] último debate da vida de alguns deputados aconteceu ontem e não faltou sequer a fotografia de família com os membros do hemiciclo que, depois das eleições de Setembro, será certamente diferente. Houve, inclusivamente, alguns aplausos.

Depois da discussão sobre o processo de atribuição de casas do Governo, terminou oficialmente a V Legislatura da Assembleia Legislativa (AL), tendo Ho Iat Seng, o seu presidente, lembrado que nomes como o de Chan Meng Kam, Leonel Alves ou Cheang Chi Keong vão deixar a Assembleia.

“Muitos deputados, com muita experiência, declararam que não vão continuar. Tenho de reconhecer o seu mérito e agradecer os seus esforços. Houve aqui várias decisões e diferentes opiniões dos deputados, o que mostra que houve um amadurecimento e que estamos mais habituados a discutir tendo em conta o assunto e não a pessoa em si”, apontou.

Raimundo do Rosário, secretário para os Transportes e Obras Públicas que chegou a ser deputado, deixou algumas palavras de despedida e até recordou o passado.

“Estar sentado desse lado é mais fácil do que estar sentado aqui”, começou por dizer. “Respeito muito esta AL e todas as vezes que recebi um convite vim sempre. Espero que os deputados tenham notado as melhorias. O problema das derrapagens orçamentais já não é das Obras Públicas e o metro ligeiro deixou de ser uma questão grave. É difícil porque temos de agir de acordo com a lei, mas muitas vezes os deputados pedem mais rapidez”, acrescentou.

Melhorar o CPP

Leonel Alves, que sai da AL ao fim de 33 anos, falou da necessidade de olhar de novo para o Código do Processo Penal (CPP), que foi revisto em 2013. “É uma boa oportunidade para nos sentarmos e olharmos para o CPP, ver o que pode ser melhorado em termos de protecção do arguido e colher as experiências vividas nos juízos de instrução criminal e no Comissariado contra a Corrupção. Acho que há muita matéria para ponderar e melhorar”, disse ontem à margem do debate.

O deputado considerou que “Macau deve melhorar e caminhar para reforçar os direitos e liberdades dos cidadãos”, sem esquecer que, nos últimos 18 anos, muita coisa foi feita.

Tendo dado o exemplo da lei da protecção dos dados pessoais, Leonel Alves lembrou que o hemiciclo “conseguiu produzir algo de importante para a sociedade”, sendo que o deputado teve “um modesto contributo”.

Implementar a lei sindical é, para Leonel Alves, algo urgente por ser um direito constante na Lei Básica. Contudo, ainda há muitos passos a dar.  “Como se viu nas últimas sessões de debate sobre a lei do arrendamento, há questões fracturantes, porque ainda existe esta clivagem acentuada, infelizmente, de convicções. Espero que, com novos deputados, algum passo qualitativo se verifique para que Macau não fique tão retrógrada.”

Tendo assumido que desejava sair da AL há quatro anos, Leonel Alves lembrou que a sua saída representa o fim de mais um falante de português no hemiciclo. “É uma perda, obviamente. Espero que, no quadro existente, possa haver, em termos numéricos, mais do que um deputado falante de português”, afirmou.

Mais jovens precisam-se

Questionado sobre a sua saída, Chan Meng Kam foi evasivo com os jornalistas, mas não deixou de defender que mais jovens devem entrar na AL, para que possam concluir o trabalho que já foi iniciado pelos actuais deputados.

O líder da comunidade de Fujian em Macau agradeceu o apoio que obteve nos últimos 12 anos, tendo prometido continuar a servir a sociedade. Chan Meng Kam considerou ainda que o número de deputados eleitos pela via directa é ainda baixo.

Além de deputado, Chan Meng Kam ocupava o cargo de presidente da Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração Pública. Também Cheang Chi Keong presidia à 3.ª Comissão Permanente da AL.

Chumbo “lamentável”

No intervalo do debate de ontem, Cheang Chi Keong frisou que o trabalho enquanto presidente de uma comissão permanente foi duro. Na sua visão, o aumento do volume de trabalho e os conflitos existentes nas várias reuniões da comissão estiveram relacionados com as exigências da sociedade, que têm vindo a aumentar.

Pela 3.ª Comissão Permanente da AL passaram diplomas como a lei da salvaguarda do património ou a lei do arrendamento, votada na semana passada. Na visão do deputado, caso este diploma tivesse sido apreciado no ano passado os problemas teriam sido menores.

Cheang Chi Keong classificou ainda como “lamentável” o facto de não terem sido aprovados todos os artigos da lei do arrendamento, considerando necessária a criação de um coeficiente para o aumento das rendas.

16 Ago 2017

Ho Chio Meng | Processo conexo com seis condenações e três absolvições

Está concluído o julgamento em primeira instância dos arguidos do processo conexo ao do antigo procurador. O colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou seis pessoas e absolveu três, entre elas António Lai, que foi chefe de gabinete de Ho Chio Meng. A mulher do ex-líder do Ministério Público foi para casa com pena suspensa

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]eis dos nove arguidos no processo conexo ao do antigo procurador da RAEM foram ontem condenados por crimes como participação em organização criminosa, participação económica em negócio, branqueamento de capitais, burla e riqueza injustificada. Outros três foram absolvidos.

O Tribunal Judicial de Base (TJB) deu como provado que alguns dos arguidos cometeram mais de mil crimes envolvendo a adjudicação de contratos de aquisição de bens e serviços do Ministério Público a empresas de fachada, e que alguns dos crimes foram cometidos de forma continuada, em associação criminosa com o antigo procurador Ho Chio Meng, já condenado no mês passado a 21 anos de prisão.

Quatro dos arguidos foram condenados a mais de dez anos de prisão efectiva em cúmulo jurídico pela prática, em co-autoria e na forma consumada, dos crimes de participação em organização criminosa, participação económica em negócio, branqueamento de capitais agravado e burla qualificada de valor consideravelmente elevado. Foram eles os empresários Wong Kuok Wai (14 anos) e Mak Im Tai (12 anos), o cunhado de Ho Chio Meng Lei Kuan Pun (12 anos) e o irmão mais velho do antigo procurador Ho Chio Shun (13 anos).

Embora considerados culpados de 49 crimes de branqueamento de capitais agravado, Wong Kuok, Mak Im Tai, Lei Kuan Pun e Ho Chio Shun foram absolvidos de outros sete crimes da mesma tipologia.

Um total de 31 crimes de participação económica em negócio pelos quais estavam acusados Ho Chio Shun e Lei Kuan Pun prescreveu.

O presidente do colectivo de juízes, Lam Peng Fai, disse que ficou provado que Ho Chio Sun, o irmão mais velho do antigo procurador, era responsável pela gestão geral da associação criminosa e que o cunhado Lei Kwan Pun era responsável pela contabilidade e elaboração de cotações para o Ministério Público.

Durante mais de dez anos, as empresas em causa destinavam-se apenas a ganhar as adjudicações do gabinete do procurador, sem outras actividades conhecidas.

O esquema de lucros assentava em preços a pagar pelos serviços acima dos valores de mercado, sendo as transacções feitas “pela equipa composta por cinco pessoas” através de “cheques ou de levantamentos em caixas ATM” para, no final, “depositarem os montantes nas contas de Ho Chio Shun ou de Ho Chio Meng”. “Os quatro arguidos, com Ho Chio Meng, tinham uma boa distribuição de tarefas (…) Conseguiram então transferir receitas ilegais através das contas bancárias”, disse o juiz.

Mulher com pena suspensa

Entre os nove arguidos foram absolvidos António Lai Kin Ian, o ex-chefe de gabinete do antigo procurador Ho Chio Meng, e o ex-assessor do Ministério Público Chan Ka Fai, tal como Alex Lam Hou In, antigo funcionário das empresas detidas por Wong e Mak.

O tribunal entendeu que Ho Chio Meng se aproveitou dos princípios de confidencialidade, e que os funcionários do Ministério Público acreditaram no antigo procurador e nas suas decisões, elaborando propostas conforme as práticas instaladas, mas desconhecendo ilegalidades. O juiz afirmou ainda que, “como procurador, Ho Chio Meng não protegeu os bens do Ministério Público”.

Wang Xiandi, a mulher que o tribunal disse ter sido provado ter “uma relação estreita” com o antigo procurador e que auferia rendimentos e regalias do Ministério Público sem nunca ter prestado serviço efectivo ao gabinete do procurador, foi condenada a seis anos de prisão pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de quatro crimes de burla de valor considerado elevado e de um crime de burla de valor elevado.

Já Chao Sio Fu, a mulher de Ho Chio Meng, foi condenada a dois anos de prisão com pena suspensa por três anos e seis meses por dois crimes de inexactidão dos elementos da declaração de rendimentos e por um crime de riqueza injustificada.

Apenas dois dos arguidos marcaram presença na leitura da sentença – os empresários Wong Kuok Wai e Mak Im Tai, também eles os únicos em prisão preventiva.

O tribunal disse que dois dos arguidos invocaram motivo de doença para não comparecer, incluindo a mulher de Ho Chio Meng, e que não foi possível contactar outro arguido. Quatro arguidos – Ho Chiu Shun, Lei Kuan Pun, Lam Hou Un e Wang Xiandi – estão em parte incerta. Os advogados de defesa também não estiveram presentes na leitura da sentença, tendo enviado representantes.

Condenações

Wong Kuok Wai, empresário – 14 anos de prisão

Ho Chio Shun, irmão de Ho Chio Meng – 13 anos de prisão

Mak Im Tai, empresário – 12 anos de prisão

Lei Kuan Pun, cunhado de Ho Chio Meng – 12 anos de prisão

Wang Xiandi, mulher próxima de Ho Chio Meng – 6 anos de prisão

Chao Sio Fu, mulher de Ho Chio Meng – 2 dois anos de prisão (com pena suspensa por 3 anos e 6 meses)

Absolvições

António Lai Kin Ian, ex-chefe de gabinete de Ho Chio Meng

Chan Ka Fai, ex-assessor do Ministério Público

Alex Lam Hou In, antigo funcionário de Wong Kuok Wai e Mak Im Tai

16 Ago 2017

Análise | Relações sino-japonesas em mudança?

Um passo tímido à frente, dois atrás. É assim que a China e o Japão lidam um com o outro há já várias décadas. Mas há observadores internacionais que olham para movimentos recentes com esperança de que o relacionamento melhore. Quem está mais perto não acredita numa súbita mudança. O passado continua por resolver e a sociedade civil não ajuda

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]uang Youliang tinha 90 anos e morreu no sábado passado. Levou com ela um pedaço amargo de história: aos 15 anos, foi violada por soldados japoneses. Viveu os dois anos seguintes num bordel, como escrava sexual da tropa nipónica. Muitos anos depois, processou o Governo de Tóquio pelo que lhe aconteceu.

Histórias como a de Huang Youliang fazem parte de um passado conjunto entre a China e o Japão que continua demasiado presente: a invasão japonesa continua a marcar as relações entre os dois países, tanto na perspectiva oficial, como em termos sociais.

A juntar a um azedo passado que teima em não ser ultrapassado, Pequim e Tóquio têm diferendos frequentes em relação à soberania de certas zonas marítimas, com as ilhas Diaoyu (ou Senkaku, dependendo da perspectiva) a serem motivo de acusações pouco simpáticas entre ambas as partes.

No final da semana passada, o chefe da força aérea chinesa veio a público defender manobras levadas a cabo no Mar do Japão, alegando que as águas não pertencem a Tóquio, depois de um relatório da Defesa japonesa ter destacado o aumento da actividade militar da China naquela zona. O Governo de Shinzo Abe teme que a acção da força aérea dos vizinhos seja um esforço para aumentar a influência militar numa zona controlada por Tóquio, a sul de Taiwan.

Não obstante a tensão que se sente sempre que as palavras China e Japão se escrevem na mesma frase, há quem note melhorias nas relações entre os números dois e três da economia mundial. Recentemente, a Foreign Affairs chamava a atenção para uma mudança no panorama do noroeste da Ásia, para constatar algumas alterações no modo como Pequim e Tóquio se têm estado a relacionar.

A China tem estado a avançar, rapidamente, com a modernização do seu poderio militar e a ser cada vez mais assertiva nas reivindicações que faz acerca da soberania nos mares do Este e do Sul da China. A relação dos Estados Unidos com os aliados na região passou a ser uma incógnita, apesar das promessas de Donald Trump em relação à defesa das nações amigas num eventual ataque norte-coreano. E a Coreia do Norte torna-se, de semana para semana, uma ameaça cada vez mais real, com o regime a testar armamento que muitos acharam que só existia na imaginação de Kim Jong-un.

Neste contexto, acredita a revista norte-americana, a China e o Japão terão de avaliar cautelosamente a relação que têm mantido. Não existe confiança entre os dois Estados – e é pouco provável que, nas próximas décadas, esta noção seja uma realidade –, mas nos últimos meses foram dados alguns passos para a estabilização de um diálogo que, grande parte das vezes, não existe. Os analistas da Foreign Affairs acreditam que Pequim e Tóquio chegaram à calculista conclusão de que o padrão de relacionamento que têm mantido nas últimas décadas lhes custa demasiado e acrescenta uma segurança desnecessária à região.

Sem ilusões

Martin Chung, académico que tem as relações sino-japonesas como uma das áreas de investigação, não se ilude com os recentes sinais que podem levar a uma aparente aproximação das duas potências asiáticas. “Existe a impressão de que há uma mudança, especialmente com o aperto de mãos entre Xi Jinping e Shinzo Abe, no G20, em Hamburgo”, nota, referindo-se à reunião do início do mês passado. “Parece que, para se preparar o caminho para um bom entendimento, é necessário demonstrar muito boas intenções”, ironiza.

Quem lê as notícias e vê as fotografias poderá tentar encontrar sinais de alguma vontade de entendimento, apesar do ar pouco feliz de ambos os líderes. Mas a realidade é diferente, avisa o professor da Universidade Baptista de Hong Kong.

“O Japão está a reforçar o seu arsenal de defesa”, exemplifica Chung. A região está cada vez mais dotada de poder militar. “Parece que é dado um passo em frente mas, no dia seguinte, há uma ou outra manobra que parece apontar para a degradação das relações.” O facto não é novo: “Temos visto isto há já alguns anos.”

O pouco efusivo aperto de mão de Hamburgo não será o sinal mais forte de uma eventual aproximação. Tóquio está a tentar retomar os encontros de alto nível com Pequim. As reuniões entre os líderes dos dois países têm sido raras nos últimos anos devido à tal história por sarar e à competição geopolítica. Só em 2014 é que o primeiro-ministro japonês e o Presidente chinês tiveram um encontro oficial. Tinham ambos tomado posse há já dois anos.

Em Maio último, à margem do Fórum “Uma Faixa, uma Rota” realizado em Pequim, um emissário de Shinzo Abe entregou uma carta em que foi demonstrado o interesse na realização de uma reunião bilateral, a acontecer ainda este ano. No mês seguinte, o primeiro-ministro japonês deu conta da intenção da realização de um encontro trilateral com a China e a Coreia do Sul. Finalmente, a 8 de Julho, Shinzo Abe e Xi Jinping estiveram a falar, à margem da cimeira do G20. A troca de ideias não resultou em nada que seja mensurável, mas tratou-se do primeiro encontro em quase um ano e poderá permitir que outras reuniões se realizem nos próximos tempos.

Num nível mais baixo da hierarquia, foram retomadas em Junho as conversações sobre assuntos marítimos, depois de meio ano de suspensão. A China e o Japão concordaram em adoptar mecanismos de gestão de crises que permitam evitar que acidentes no mar se transformem em conflitos armados. Este entendimento tem importância sobretudo em relação às Diaoyu.

“De um ponto de vista estratégico, ninguém quer começar um conflito”, afirma Martin Chung. “Estas reuniões são úteis porque permitem a afirmação da soberania, sem se chegar a um confronto militar real”, prossegue o analista, afastando, porém, “sinais de optimismo”. “Estes encontros servem apenas para que ambas as partes brinquem com o fogo de forma mais segura. Mas continuam a brincar com o fogo.”

As disputas territoriais são “uma ameaça útil para os dois regimes” e, sublinha o investigador, “mais uma razão para a alteração da Constituição do Japão”. Os defensores da revisão do Artigo 9.o do diploma fundamental nipónico – que prevê a não intervenção do país em cenários de guerra – vão buscar às aspirações chinesas motivos adicionais de argumentação pela causa que abraçam.

Da inevitabilidade

Ao nível económico, o Japão depara-se com uma realidade pouco auspiciosa para os seus planos: a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, através da qual a China pretende ganhar ainda maior afirmação, numa estratégia que vai além dos puros negócios. Tóquio teve, em tempos, planos semelhantes, que pecaram pela timidez.

Em Junho, Shinzo Abe deu uma cautelosa bênção ao projecto de Pequim, mas há preocupações que são difíceis de ultrapassar: as autoridades nipónicas estão apreensivas com o facto de não haver detalhes sobre o modo como a China pretende pôr em prática os investimentos e como serão estruturados os empréstimos chineses que financiarão muitas das infra-estruturas a construir no contexto desta política de expansão.

As implicações geopolíticas de “Uma Faixa, Uma Rota” têm um efeito directo na importância regional do Japão, que foi perdendo predominância na última década, com antigos aliados a aproximarem-se de Pequim, em troca de ajuda financeira.

Como contra factos, não há argumentos, o Governo de Shinzo Abe terá mais a ganhar com uma aproximação a Xi Jinping do que com uma política de distanciamento, acredita a Foreign Affairs. O Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas (AIIB, na sigla inglesa) terá funcionado como uma lição: quase todas as nações na região se juntaram ao projecto liderado pela China, assim como muitos dos países desenvolvidos. Recentemente, o Banco Asiático de Desenvolvimento, uma instituição dominada por Tóquio, começou a trabalhar em alguns projectos com o AIIB.

Juntos na desgraça?

Numa perspectiva económica, parece haver alguma vontade de uma aposta no pragmatismo por parte do Japão. Mas “esta nova Guerra Fria” que se vive entre a China e o Japão também tem vantagens para os decisores políticos, explica Martin Chung.

“Os detentores do poder beneficiam desse antagonismo”, vinca o analista. Do lado nipónico, o facto de a relação ser tremida é favorável a uma eventual mudança da Constituição, uma das metas do primeiro-ministro Shinzo Abe. “Quanto maior for a percepção, junto da opinião pública japonesa, de que a ameaça chinesa é real, maiores são as possibilidades de alteração à Constituição”, diz.

Também para o lado de Pequim este “antagonismo pode ser um trunfo”, acrescenta o investigador. “Depende da altura.” E vem aí, pelo Outono, um momento decisivo para a reafirmação da liderança de Xi Jinping, com um encontro do Partido Comunista Chinês muito importante para a definição do que vai ser o futuro político do país.

O professor da Universidade Baptista de Hong Kong tem estudado o envolvimento da sociedade civil chinesa e japonesa no âmbito deste desentendimento de décadas. Martin Chung acredita que a chave para a resolução deste tipo de problemas está no modo como os cidadãos gerem as suas expectativas e anseios.

“As iniciativas da sociedade civil japonesa demonstram uma grande vontade de proteger o Artigo 9.o da Constituição japonesa, mas há cidadãos preocupados com o poder crescente do Exército Popular de Libertação, e não se pode fechar os olhos a isso”, alerta. “Do lado da sociedade civil chinesa, não existe uma oposição à militarização crescente da região”, continua Martin Chung. “Os democratas de Hong Kong criticam o regime comunista por não haver avanços em termos de democracia, mas não estão contra o aumento do orçamento do exército ou a crescente militarização.” Em Macau, diz o académico natural do território, a questão passa igualmente ao lado da opinião pública.

A grande preocupação regional do momento passou a ser, nos últimos tempos, a Coreia do Norte. À China não convém um quintal nuclear sem rédeas, como não agrada a ninguém na região – e no resto do planeta – um regime descontrolado e incontrolável. Mas Pequim e Tóquio têm modos muito diferentes de lidar com Pyongyang, como se tem visto nas últimas semanas.

No entanto, “quanto maior é a ameaça da Coreia do Norte, maior é a oportunidade de os países envolvidos trabalharem juntos” e “a China tem estado a distanciar-se” de Pyongyang, comenta Martin Chung. “Poderá estar, de alguma forma, a preparar o caminho para uma aliança com os inimigos tradicionais”, admite o académico. Sempre com a distância regulamentar.

15 Ago 2017

AL | Zheng Anting e Gabriel Tong justificam abstenção na lei das rendas

O plenário de discussão e votação na especialidade da lei de rendas foi quente, com muitos deputados a mostrarem argumentos diametralmente opostos. No centro ficaram os deputados Zheng Anting e Gabriel Fong que se abstiveram, apesar de serem proponentes do projecto de lei

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á passava das 22h30 de quinta-feira quando o presidente da Assembleia Legislativa (AL) deu por encerrado o plenário que votou a lei das rendas. Entre as propostas avançadas pelo grupo de nove deputados proponentes, caiu por terra a aprovação do mecanismo que estabelecia o coeficiente de actualizações das rendas por intervenção do Chefe do Executivo. Apesar de a medida ser de carácter excepcional, aplicável apenas em situações de extrema inflação das rendas, a proposta não mereceu a confiança da maioria dos deputados.

Ontem, à entrada para o plenário de debate pedido por Mak Soi Kun, o seu colega Zheng Anting explicou as razões que o levaram a abster-se na votação do artigo que versava sobre o mecanismo de controlo do aumento das rendas. Importa recordar que Zheng Anting foi um dos proponentes do projecto de lei. O deputado justificou-se com as opiniões que recolheu de cidadãos que apontaram no sentido de haver algum mistério na aplicação da medida, uma vez que pode envolver casinos, lugares de estacionamento ou zonas com muita população. No fundo, Zheng Anting duvidou da operacionalidade do dito mecanismo, assim como da necessidade de se estabelecerem tectos de aumentos de rendas.

Também Gabriel Tong votou no mesmo sentido, isto apesar de ser igualmente um dos proponentes do projecto de lei. O deputado explicou a sua posição com a falta de aplicação da norma.

Como a votação final do artigo que estabelecia o coeficiente de actualização de rendas teve 15 votos a favor, dez contra e cinco abstenções, o voto de Gabriel Tong e Zheng Anting determinaram o chumbo da medida.

Notários ineficazes

Gabriel Tong explicou à entrada para o plenário da AL que a sua abstenção se deveu ao facto do coeficiente de actualização não se aplicar a contratos antigos. No que toca aos novos contratos, o deputado entende que, nesses casos, as rendas são definidas entre o arrendatário e o senhorio, motivo que acrescentou à falta de eficácia que viu na norma.

O tribuno, nomeado por Chui Sai On, negou que tenha chegado a esta decisão por solicitação do Chefe do Executivo, considerando normal a sua posição, uma vez que, ao longo dos últimos dois anos, o projecto de lei em questão foi alvo de muitas alterações de conteúdo.

Apesar do chumbo deste artigo, Gabriel Tong considera que os outros artigos que foram aprovados dão maior protecção aos inquilinos.

Um desses artigos aprovados foi a necessidade de registo do contrato de arrendamento por parte de notário, uma norma que também mereceu a abstenção de Zheng Anting. O deputado vinha mostrando relutância devido aos problemas que diz terem ficado patentes nas reuniões da comissão de análise do projecto de lei.

O tribuno entende que a medida em nada contribuiria para combater os casos dos arrendatários pouco escrupulosos. Zheng Anting acha que a medida não tornaria mais célere a resolução dos casos de arrendamentos abusivos.

Mais uma vez, o deputado argumentou pela falta de operacionalidade da lei, um problema que, diz, deve merecer maiores considerações por parte dos legisladores de forma a evitar problemas na sociedade. Como tal, Zheng Anting recordou o exemplo da Lei de Terras.

15 Ago 2017

AL | Sanções a proprietários que não vistoriam prédios dividem deputados

A Assembleia Legislativa discutiu os problemas de segurança dos prédios com mais de três décadas. O plenário dividiu-se em relação à obrigatoriedade de aplicar sanções aos proprietários que não procedam a vistoria e renovações dos imóveis. Raimundo do Rosário não avançou com calendarização para rever o Regulamento Geral da Construção Urbana

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] que obriga um proprietário a renovar um prédio em risco de ruína e como evitar que se chegue a esse estado? Estas foram as questões que ficaram sem resposta clara e que serviram para trazer ao de cima as divergências entre os deputados.

Mak Soi Kun, o proponente do debate na Assembleia Legislativa (AL), entende que as vistorias devem ser obrigatórias e que se deve estabelecer um regime sancionatório para penalizar os proprietários que sejam negligentes na gestão dos seus imóveis com mais de 30 anos.

O secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, entende que a lei já estabelece a vistoria com periodicidade de cinco anos, mas o problema é que “ninguém a executa”. O Regulamento Geral da Construção Urbana prevê no seu Artigo 7.º obras de conservação, reparação e beneficiação de cinco em cinco anos. Ora, para se determinar se um prédio precisa de obras de reparação, é necessário inspeccionar os problemas do imóvel.

Raimundo do Rosário explicou ao plenário que o regime sancionatório deverá ser revisto aquando da alteração ao Regulamento Geral da Construção Urbana. O secretário revelou que não existe uma calendarização para essa revisão legislativa, porque o processo saiu fora da sua alçada.

Porém, o homem forte das Obras Públicas vê na aplicação das sanções um problema prático. “Se houver administração de condomínios é mais fácil contactar os proprietários, mas se não existir como é que aplicamos as sanções?”, questiona.

Lei sem força

Em relação a quem inspecciona, Ella Lei interrogou o Executivo se existe a necessidade de equipas para proceder à inspecção com quadros qualificados. Também o deputado Ng Kuok Cheong perguntou se seria necessário formar pessoal para efectuar as vistorias aos prédios. Nesse sentido, Raimundo do Rosário explicou que “basta um engenheiro estar registado” no Instituto da Habitação para poder participar em trabalhos de vistoria.

Ainda assim, o director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Li Canfeng, anunciou que estão a ser planeados alguns cursos e acções de formação que habilitem os engenheiros a fazer vistorias.

Quando o proprietário não cuida do seu prédio, em casos de emergência, o Governo actua se receber uma queixa. Porém, o secretário para os Transportes e Obras Públicas questiona se o Executivo tem de pagar tudo. Dirigindo-se à deputada Melinda Chan, Raimundo do Rosário perguntou se o Governo também tem de pagar por arranjos automóveis.

Nesse aspecto, Fong Chi Keong foi mais longe. “O Governo de Macau deve ser o melhor do mundo deixando os residentes muito mal habituados”, comentou. O deputado entende que os prédios degradados do bairro do Iao Hon deviam ser demolidos e que o Governo devia providenciar realojamento provisório aos residentes.

A desresponsabilização dos proprietários foi tema transversal durante o debate, chegando mesmo a ser tratado como fazendo parte da natureza de Macau. “Será que a população não sabe actuar? Só actua porque há medidas obrigatórias?”, interroga-se o deputado Chan Iek Lap.

No campo das consequências práticas, Mak Soi Kun trouxe ao plenário casos de pessoas que foram atingidas por fragmentos de paredes e todo o tipo de material que se desprende de revestimentos de prédios. Nesse sentido, o deputado contra-argumentou as analogias feitas por alguns colegas entre vistorias periódicas e check-ups médicos. “Cada um pode decidir por si quanto à sua saúde. Mas, nestes casos, pode colocar-se em risco a vida de terceiros”, comentou.

Maus exemplos

Muitos deputados trouxeram para o debate o exemplo de Hong Kong como uma referência a seguir. Ella Lei falou na obrigação legal dos proprietários em fiscalizar os prédios na região vizinha. Lam Heong Sang destacou a obrigatoriedade de inspecção a janelas, Zheng Anting falou do apoio que o Governo de Hong Kong fornece aos seus residentes neste aspecto.

Acontece que a região vizinha é um dos lugares do planeta com pior acesso à habitação, onde os residentes vivem em situações decadentes e os prédios, recorrentemente, apresentam deficiências estruturais graves. Imagens dos “apartamentos-gaiolas” têm corrido o mundo. Também no que toca a condições de habitabilidade, Hong Kong deixa muito a desejar. Apesar de tudo isto, foi anunciado na passada sexta-feira pelo Governo de Carrie Lam que o rácio de capacidade para comprar casa, que mede a proporção entre o montante gasto em hipotecas, piorou cerca de 67 por cento no segundo trimestre deste ano. Este número representa uma subida de 56 por cento em relação ao período homólogo do ano passado e dá credibilidade aos analistas que prevêem o rebentamento da bolha do mercado imobiliário de Hong Kong.

Importa recordar que a região vizinha também foi tomada como exemplo por muitos deputados como referência no que toca à legislação que regula o mercado de arrendamento.

15 Ago 2017

Habitação | Escrituras de casas indevidamente retiradas ainda por fazer

O relatório foi publicado em Maio, mas a situação ainda não está definitivamente resolvida. Os promitentes-compradores que ficaram sem uma casa económica por, entretanto, terem casado com quem já detinha uma fracção ainda não têm a escritura na mão. O Instituto de Habitação diz estar a tratar do assunto

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá para breve. O Instituto de Habitação (IH) garante que, a curto prazo, vão ser feitas as escrituras relativas às fracções que foram indevidamente retiradas a promitentes-compradores que, entre a candidatura à habitação económica e a finalização do processo, contraíram matrimónio com quem já detinha uma fracção no território.

Em Maio passado, o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) publicou um relatório em que considerou que o IH não podia reaver os apartamentos dos compradores de habitação económica que, no período que demorou a candidatura até à celebração da escritura, deixaram de reunir as condições exigidas para a atribuição de uma fracção do Governo. A situação não em causa não é a ideal, admitia o CCAC, mas tirar a chave é ilegal.

À época da divulgação das conclusões do CCAC, eram 218 os promitentes-compradores que estavam em risco de perder as fracções que ocupavam. Em 183 casos, os cônjuges dos candidatos à habitação económica possuíam habitação própria em Macau. Noutras situações, os rendimentos auferidos pelo agregado familiar deixaram de respeitar os limites impostos pelas regras para a atribuição de habitação económica. O comissariado deu assim razão às 28 queixas que recebeu – 27 apresentadas por lesados e uma do escritório da deputada Ella Lei.

Agora, três meses depois do relatório do CCAC, em resposta precisamente à deputada Ella Lei – que quis saber do andamento do processo –, o presidente do IH garante que está a seguir as sugestões avançadas no documento do comissariado liderado por André Cheong. O IH “está a apreciar os casos”. Além de já ter emitido “o termo de autorização aos candidatos qualificados”, garante que vai, a curto prazo, pedir a notários privados que dêem seguimento à celebração de escrituras.    

A processar

Na resposta a Ella Lei, o IH explica ainda que, em relação aos agregados familiares que são candidatos às 19 mil habitações económicas, já foram celebradas escrituras públicas em relação a 4335 fracções.

Arnaldo Santos refere que, neste momento, está a decorrer a fase de apreciação das qualificações dos candidatos às 19 mil habitações económicas. Até ao passado dia 14, o IH já tinha notificado 6942 agregados familiares para a apresentação de documentos necessários com vista à celebração das escrituras, sendo que neste número se incluem os 634 promitentes-compradores do Edifício Cheng I, que foram informados dos procedimentos de forma antecipada.

Por outro lado, o presidente do IH indica que já foram emitidos os termos de autorização a 5437 candidatos, com 4335 a terem então o processo já concluído.

15 Ago 2017

Entrevista | Paul Pun, secretário-geral da Cáritas Macau

O banco alimentar da Cáritas teve um aumento de dez por cento de pedidos, nos primeiros seis meses do ano. Para muitos, em Macau, depois da renda paga, pouco sobra para por na mesa. A Cáritas ajuda. Nisto e em muito mais. No seu projecto mais recente, a instituição presta o serviço “sair de casa” para quem tem dificuldades de mobilidade

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] número de pessoas que têm recorrido à ajuda do banco alimentar da Cáritas subiu cerca de dez por cento. O que é que está a acontecer para que se tenha registado este aumento?

Aparentemente estes dados podem indicar que cada vez mais pessoas têm necessidade deste serviço. Na verdade, os dados podem ser interpretados de três maneiras. Um dos aspectos a ter em conta, é a transferência de um centro para a Ilha Verde. Fizemos isso porque poupávamos 20 mil patacas de renda e podíamos aceder às pessoas daquela área. Este é um factor importante: a acessibilidade. Conseguimos chegar, talvez, a mais gente. Outro aspecto a ter em conta é o facto de já estarmos há seis anos a trabalhar. As pessoas já conhecem a existência do serviço e, como tal, é-lhes mais fácil inscreverem-se. Por último, há um aumento do número de pessoas que precisam realmente. Penso que, no passado, apesar de precisarem, não tinham noção disso mas agora já sabem que há uma ONG e já se sentem mais à vontade para procurar apoio. Estes três factores contribuíram para o aumento dos candidatos à nossa ajuda. Temos também promovido o próprio serviço mas há ainda casos escondidos.

Há ainda muita vergonha no que respeita à pobreza em Macau, e por isso, ainda permanecem muitos casos escondidos?

Se as pessoas pensarem que têm de recorrer à ajuda do Governo, acham que o processo implica muitos procedimentos e que é muito burocrático, e como tal, é menos provável que se candidatem. Isso já não acontece tanto quando se trata de uma ONG. Acredito que a pobreza é cada vez menos escondida em Macau. As pessoas começam a saber que o nosso serviço é para servir. Não é uma ajuda ou uma esmola, mas sim um serviço. Por outro lado, já começam a perceber que, com o nosso apoio, podem ter o que dar de comer aos seus filhos e que, se não se candidatarem, são os seus filhos que vão sofrer. Muitas residentes já vêm ter connosco, não no sentido de quererem ajuda para eles próprios, mas sim para poderem ajudar a geração mais nova. Trata-se de um serviço temporário. A ideia é ajudar os residentes com necessidades até que consigam ter uma melhor qualidade de vida e possam deixar de necessitar destes alimentos. Em retorno, podem sempre ajudar a sociedade da mesma forma que foram ajudados. Quando falamos em ajuda não estamos a falar em donativos. Podem fazê-lo através da atenção prestada à sua volta. Podem identificar casos semelhantes ao seu, de quem esteja a passar por dificuldades e aconselhar a candidatura ao apoio do banco alimentar. Podem falar do nosso serviço. Também encorajamos as crianças a fazer algum trabalho de voluntariado. Por exemplo, adolescentes que podem tomar conta de crianças de modo a que os pais possam ir trabalhar. Estamos a falar de pessoas com menos de 18 anos mas que já conseguem tomar conta de crianças. Há uma faixa da sociedade que, com o alto custo de vida, não se consegue sustentar com ordenado. Grande parte do que ganham vai para a renda de casa e depois o dinheiro não chega para a alimentação. O nosso banco alimentar serve também a essas pessoas que não são elegíveis para apoios do Governo, porque ganham mais do que o que é possível para se candidatarem, mas que não conseguem sobreviver com o que ganham. Claro que o ideal seria que as pessoas ganhassem decentemente e que o ordenado fosse suficiente para pagar rendas e comida, mas em Macau as rendas são altas e a comida também é cara. As pessoas têm cada vez menos dinheiro para comprar alimentos, se quiserem pagar a casa onde vivem.

Quem é que recorre ao banco alimentar?

Aqueles que não conseguem ter apoio da segurança social porque ganham de mais para o pedir. É uma faixa cinzenta da sociedade. São pessoas que trabalham na área da limpeza, essencialmente. Ganham mais de 6000 patacas e não estão qualificadas para pedir ajuda aos serviços sociais. Há também os novos emigrantes e pessoas que não têm emprego fixo. Cerca de metade dos que nos pedem apoio são idosos, que têm ajuda dos serviços sociais mas que ainda assim, precisam do nosso apoio. Temos ainda os que só podem ter trabalho a meio tempo porque têm de tomar conta das crianças.

Falou dos voluntários. A Cáritas tem um serviço alargado neste sentido. Como é que se processa? 

São pessoas que partilham o seu tempo. Por exemplo, no banco alimentar ajudam a empacotar os bens e na sua distribuição. Temos mais de 200 voluntários a fazer este serviço. No entanto, os números variam conforme a época do ano. Por vezes temos 500. O número oscila muito. Nas férias, os estudantes do Continente, que são voluntários, vão para casa. Curiosamente, em Dezembro é quando temos mais voluntários, inclusivamente funcionários públicos. É uma altura que apela à ajuda aos necessitados. As pessoas pensam: “vamos lá ajudar os pobres”. Depois no ano novo chinês não temos ninguém e quando temos são, essencialmente, idosos que estão sozinhos e que têm muito tempo livre. Temos mais 80 voluntários no atendimento telefónico e mais um grupo de cerca de 50 que só se dedicam à ajuda aos idosos. Há ainda um pequeno grupo de adolescentes que apoia outros adolescentes. Mas o nosso objectivo é conseguir ter de modo regular um total de 1000 voluntários, ou seja, uma proporção de um para um com os nossos trabalhadores contratados. Queremos também criar um programa especial dirigido aos idosos. Um programa de um para um. Muitos dos idosos que estão em lares não têm família, e estão completamente sozinhos no mundo. O nosso objectivo é que venhamos a ter um voluntário para cada idoso que precise. Esta é capaz de ser uma das áreas em que precisamos de mais gente. Temos cerca de 200 idosos sem família, entre eles há os que conseguem sentir-se bem e estão satisfeitos com a vida, mas cerca de 50 destes idosos não estão bem. É para estes que queremos arranjar companhia. Basta um bocadinho com alguém para ver as pessoas ficarem felizes. Por outro lado, há as situações de demência que não são fáceis de lidar.

Acha que Macau está preparado para lidar com essas situações?

A população não está. A demência está associada sempre a idades muito avançadas, no entanto, pessoas com 50 anos podem começar a apresentar sintomas de doenças degenerativas. Temos pessoas cada vez mais novas com demência e temos de sensibilizar a população para esta situação. Além do Governo, que deve estar pronto apara atender a estes casos, as famílias também têm saber enfrentar estes problemas. Os casos de demência estão a crescer no território e não sabemos porquê.

Falou da linha de atendimento telefónico. Que casos surgem em maior quantidade?

Cada vez temos menos pessoas a recorrer a essa linha. As linhas de apoio, mesmo as do Governo, estão cada vez mais especializadas. Há a linha específica para jogadores e para vítimas de violência doméstica, por exemplo. De Janeiro a Julho deste ano tivemos 3587 chamadas. Temos ainda serviços idênticos via internet. Tivemos 225 pedidos de ajuda por este meio que é utilizado pela população mais jovem e mais ligada à tecnologia. Usam o nosso apoio por whatsapp e weChat. No geral, as pessoas que nos procuram têm problemas relacionados com afecto, personalidade e problemas familiares. Sente-me sozinhas. Por telefone, temos mais casos de desordens de personalidade e tendência suicida. Muitas vezes são pessoas que só precisam de ser ouvidas. Os nossos voluntários da hotline são treinados essencialmente para saber ouvir. Se se tratar de casos que precisem de acompanhamento, nós encaminhamos as pessoas para os serviços especializados.

Têm um serviço novo, que traz as pessoas com limitações motoras à rua.

Sim, e é um serviço que não existe em Macau. Já comprámos os equipamentos e o serviço consiste em trazer ao exterior as pessoas com necessidades locomotoras especiais que precisam de ajuda para conseguir sair de casa. No território, há ainda milhares de prédios sem elevador É incrível ver a alegria crescente em pessoas que há anos que não iam à rua a não ser que precisassem de cuidados médicos porque teriam uma ambulância e os bombeiros para os irem buscar. Temos, por exemplo, uma utente que vive num segundo andar e está paralisada há mais de dois anos. Recentemente conseguiu sair pela primeira vez de casa. A própria cidade não está equipada para estas pessoas. Existirão cerca de 4000 prédios em Macau sem elevador. Se viverem aqui pessoas com deficiência motora, têm de estar em casa. Não podem ir conviver para a rua, não podem ir aos templos, não podem ir a biblioteca ou comer com os amigos. Se tiverem de ir às urgências, o Governo trata do serviço, caso contrário, não têm como sair de casa. Se em cada edifício existir uma pessoa com deficiência motora, temos 4000 pessoas fechadas em casa. Mas para sermos razoáveis, vamos contar com uma pessoa por cada dois edifícios. Teremos, ainda assim, 2000 pessoas que não têm como sair. Começámos a 8 de Dezembro com este projecto, data do nosso aniversário. Não quisemos fazer uma festa, quisemos lançar este serviço. Começámos com um caso no início do ano, em Março tínhamos 39, em Julho já estamos a ajudar mais de 60 pessoas.

14 Ago 2017