Pátio do Espinho | Um museu ao ar livre que acolheu católicos japoneses em fuga

Esther Chan, vice-presidente da Associação de História Oral de Macau, deu ontem uma palestra sobre a história do Pátio do Espinho, situado atrás das Ruínas de São Paulo. A zona tem cerca de dez mil metros quadrados de área e uma história que se relaciona com a fuga de católicos do Japão e a antiga Igreja de São Paulo. Esther Chan participou na recolha de testemunhos orais de moradores do bairro

 

Quem caminhar pelas ruas nas traseiras das Ruínas de São Paulo descobre, escondido atrás de umas pequenas muralhas, um pequeno bairro composto, na sua maioria, por habitações precárias. Este pequeno lugar perdido no tempo chama-se Pátio do Espinho e tem sido alvo do trabalho de pesquisa desenvolvido por Esther Chan, vice-presidente da Associação da História Oral de Macau.

A responsável deu ontem uma palestra, em língua chinesa, intitulada “Memórias de 70 Anos – Pessoas e Acontecimentos no Pátio do Espinho”, tendo ainda protagonizado uma visita guiada ao local. A iniciativa, promovida pela Fundação Macau, visou “aprofundar o conhecimento do público sobre a cultura das aldeias muradas e os pátios de Macau”.

Conversámos com Esther Chan a fim de perceber as origens deste bairro que está situado na zona tampão do Centro Histórico de Macau, protegido pela Lei do Património Cultural. O bairro constitui “a maior e última aldeia murada de Macau, cobrindo uma área de cerca de 10 mil metros quadrados”, estando dividido na zona alta e baixa pela Rua D. Belchior Carneiro, com “diversos estilos arquitectónicos, distintas características históricas e elementos espaciais”.

Em termos históricos, o Pátio do Espinho tem “ligações estreitas com o Colégio de São Paulo”, a primeira universidade ocidental em Macau criada pelos jesuítas e que funcionou junto à Igreja de São Paulo, também conhecida por Igreja da Madre de Deus. Este complexo educacional e religioso, com estreitas ligações aos primórdios da presença portuguesa em Macau, remonta ao ano de 1565.

Esther Chan destaca que “durante a dinastia Ming na China, o Japão era governado por Toyotomi Hideyoshi, que ordenou uma perseguição em larga escala aos católicos no Japão”. Foi aí que se deu a fuga para Macau e o estabelecimento na zona onde hoje se situa o Pátio do Espinho. A responsável destaca que “o velho muro agora situado na zona norte do Pátio do Espinho é parte do Colégio de São Paulo”.

Mas de onde vem o nome pelo qual ficou conhecido este bairro? Segundo Esther Chan, que se baseia em obras já editadas em chinês, a designação terá sido dada pelas plantações de batatas feitas pelos japoneses no local.

Contudo, tendo em conta o nome em chinês e o significado dos caracteres, a vice-presidente da associação considera que o nome “Pátio do Espinho” pode remeter para outra explicação, com eventuais ligações à fuga dos católicos.

“Em primeiro lugar, o caracter chinês “茨” significa colmo; em japonês, “茨” significa espinho ou dificuldade; e ‘Thorn’ também significa ‘espinho’ em português. Tendo em conta as experiências difíceis dos japoneses católicos vividas na altura, penso que “茨林”, que significa ‘Floresta de Espinhos’, faria mais sentido ser descrita como uma situação de um ‘lugar onde se juntaram para sofrer em conjunto'”, explica.

Um lugar de gerações

Saídos os japoneses, foi a vez do Pátio do Espinho se tornar na casa de muitos membros da comunidade chinesa. Primeiro, com os refugiados no contexto da II Guerra Mundial, e depois na fase da chegada dos trabalhadores não-residentes. “No seu pico, o Pátio do Espinho teve cerca de dois mil moradores”, adiantou Esther Chan, que explica que os próprios materiais de construção são um reflexo da passagem do tempo.

“Embora as estruturas habitacionais do Pátio do Espinho não tenham muita qualidade, apresentam alguma estética ligada à cultura popular. Podemos também perceber a passagem de diferentes épocas graças aos vários materiais de construção. Por exemplo, os primeiros edifícios da aldeia eram maioritariamente feitos de tijolo, mas depois, durante a necessidade urgente de habitação, apareceram muitas casas de lata.”

Com a estabilidade económica dos moradores, começaram a surgir pequenos “edifícios de betão armado”. “A mistura perfeita de edifícios antigos e novos na aldeia forma uma paisagem única em Macau”, reflectindo a história do Pátio do Espinho que acompanhou “múltiplas gerações dos residentes de Macau”.

Para a vice-presidente da associação que dinamiza a história de Macau, “quando entramos no Pátio do Espinho parece que regressamos aos anos 80, em que o tempo está parado num lugar”. “Apesar do pátio estar situado no ponto turístico mais movimentado de Macau, tal não perturba a sua tranquilidade. A anterior geração de moradores saiu gradualmente do Pátio do Espinho, mas os antigos residentes ainda guardam boas recordações deste sítio e, frequentemente, regressam à sua casa para se reunirem”, adiantou.

Uma questão de protecção

As estórias dos antigos moradores do Pátio do Espinho foram recolhidas pela Associação da História Oral de Macau, culminando com mais de 600 entrevistas divulgadas em várias publicações. Em 2021, a associação lançou um novo projecto de história oral sobre o lugar, registando as histórias de vida de 20 antigos moradores em 14 artigos. O resultado foi a publicação, em 2022, do livro “A História Oral do Pátio do Espinho”. Este trabalho, escrito em chinês, contou com a participação de Esther Chan.

Questionada sobre a necessidade de preservação do património cultural inerente ao lugar, Esther Chan recorda que, nos últimos anos, os próprios moradores “têm protegido de forma activa a aldeia murada com acções de limpeza e restauro, preservando muitos objectos e relíquias preciosas”.

Além disso, “os residentes do Pátio do Espinho também promovem este lugar de forma activa, na esperança de ali criar uma excelente comunidade cultural”. “Nos últimos dois anos testemunhei pessoalmente os esforços dos residentes, lançando várias actividades como a organização de festas do Festival do Bolo Lunar, workshops sobre ecologia, a realização de mercados de fim-de-semana ou convites a deputados para visitarem o local. Por isso, o Pátio do Espinho é como um museu comunitário que apresenta exposições históricas, em que os moradores mais velhos funcionam como docentes. Como residentes de Macau não podemos ignorar a existência deste lugar precioso”, referiu ainda a responsável, sem esquecer a importância do Templo de Na Tcha como um lugar adorado pelos que ainda ali vivem e por visitantes.

Em Fevereiro do ano passado a necessidade de recuperação do Pátio do Espinho levou o deputado Ngan Iek Hang a interpelar o Governo sobre a matéria. O legislador recordou “a recente cerimónia de reabertura do poço antigo do Pátio do Espinho”, que também terá sido construído por católicos japoneses refugiados.

Segundo Ngan Iek Hang, no Pátio do Espinho viveu a população chinesa “nos finais da dinastia Qing e período republicano”. “As árvores, casas e becos do Pátio albergam memórias da vida dos chineses de Macau, testemunhando a prosperidade e a decadência histórica de Macau, sendo, portanto, o seu valor histórico e cultural extremamente rico”, indicou o deputado da União Geral das Associações dos Moradores de Macau.

O Instituto Cultural tem-se mostrado atento à preservação do bairro, tendo por exemplo realizado, há quatro anos, obras de restauro do muro de taipa na área do Pátio do Espinho.

Além de colaborar com a Associação de História Oral de Macau, Esther Chan é autora do livro “I am Designing my Life”, e é formada em comunicação cultural e de artes visuais, bem como línguas estrangeiras.

11 Nov 2024

EUA | Com Trump na Casa Branca, China espera reconciliação

O receio de uma nova guerra comercial existe, mas Xi Jinping espera a reconciliação com os Estados Unidos durante o novo mandato de Donald Trump. O presidente chinês deseja “uma relação sino-americana estável”, com benefícios para os dois países

 

Donald Trump está de regresso à Casa Branca para um segundo mandato como presidente dos Estados Unidos da América (EUA), o que coloca diversas questões sobre o futuro, a começar pelo relacionamento com outra grande potência, a China. Recorde-se que no primeiro mandato de Trump, os dois países protagonizaram uma guerra comercial.

Porém, para já, as palavras de Pequim são de felicitações e esperança de um bom relacionamento nos próximos quatro anos. Ontem, o presidente Xi Jinping felicitou Donald Trump pela vitória nas eleições presidenciais norte-americanas, apelando ao entendimento entre os dois países, após anos de tensões bilaterais, informou a imprensa oficial.

“A história demonstra que a China e os Estados Unidos beneficiam com a cooperação e perdem com a confrontação”, disse Xi Jinping ao presidente eleito dos EUA, citado pela televisão estatal chinesa CCTV. “Uma relação sino-americana estável, saudável e duradoura está em conformidade com os interesses comuns dos dois países e com as expectativas da comunidade internacional”, sublinhou Xi. Estes foram os primeiros comentários do presidente chinês desde a vitória do candidato republicano.

Donald Trump e a rival democrata Kamala Harris prometeram durante a campanha conter a ascensão da China. O magnata republicano prometeu impor taxas de 60 por cento sobre todos os produtos chineses que entram nos EUA.

No entanto, Xi Jinping espera que os dois países “defendam os princípios do respeito mútuo, da coexistência pacífica e da cooperação vantajosa para todos”. Washington e Pequim devem “reforçar o diálogo e a comunicação, gerir adequadamente as suas diferenças, desenvolver uma cooperação mutuamente benéfica e encontrar forma correcta de a China e os Estados Unidos se entenderem nesta nova Era, para benefício de ambos os países e do mundo”, acrescentou.

Xi Jinping e Donald Trump já se encontraram quatro vezes e o presidente eleito dos EUA gabou-se recentemente da sua “relação muito forte” com o líder chinês. Mas a vitória de Donald Trump abre um período de incerteza para as relações económicas sino-americanas, que foram fortemente abaladas durante o primeiro mandato do presidente eleito (2017-2021), quando este desencadeou uma guerra comercial e tecnológica contra Pequim.

A China está a braços com uma recuperação pós-covid difícil, sobrecarregada por fracos níveis de consumo interno e uma grave crise imobiliária, com muitos promotores endividados e preços a cair a pique nos últimos anos. Os principais líderes da Assembleia Popular Nacional (APN), o órgão máximo legislativo da China, estão reunidos esta semana em Pequim, para elaborar um plano de relançamento económico. Muitos analistas acreditam que a vitória de Donald Trump poderá levar os dirigentes chineses a reforçar este programa de medidas, nomeadamente para compensar futuras taxas aduaneiras prometidas pelo republicano.

Uma questão de respeito

Outra reacção do Governo chinês também surgiu na quarta-feira, através de Mao Ning, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. “Respeitamos a decisão do povo americano e felicitamos Trump pela sua eleição como presidente”, reagiu o ministério, num curto comunicado.

Um dia antes da vitória do candidato republicano sobre a democrata Kamala Harris, Pequim reafirmou a sua posição de respeito pelo processo eleitoral norte-americano, que considera “um assunto interno” dos EUA. “A nossa política em relação aos Estados Unidos é coerente. Defendemos a gestão das nossas relações com base nos nossos interesses comuns e na cooperação mutuamente benéfica”, sublinhou Mao Ning.

Alguns especialistas sublinharam que o regresso de Trump ao poder pode levar a dimensão do pacote de estímulo fiscal que está a ser negociado pelos legisladores chineses esta semana, no contexto da reunião da APN, até 20 por cento maior do que estava previsto.

Chee Meng Tan, professor de economia empresarial no ‘campus’ da Universidade de Nottingham na Malásia e especialista em política externa chinesa, disse à agência Lusa que apesar de Trump ser mais susceptível de impor um custo económico à China, a postura isolacionista do republicano favorece Pequim a nível geopolítico, particularmente na questão de Taiwan.

Trump acusa Taipé de “roubar” a indústria de semicondutores dos EUA e defende que o território deve pagar a Washington pela sua defesa. A ilha é a principal fonte de fricção entre China e EUA.

Renminbi desvaloriza

Amizades à parte, o que é certo é que a moeda chinesa, o renminbi, caiu ontem para o valor mais baixo desde o início de Agosto face ao dólar norte-americano. O forte movimento da taxa de câmbio não se deve tanto à fraqueza do renminbi, mas à forte subida do dólar, que reflecte os efeitos de uma segunda presidência de Trump, que prometeu baixar os impostos e subir as taxas sobre as importações.

A taxa de câmbio ‘offshore’, que reflecte as transações nos mercados internacionais como Hong Kong, era de 7,1980 yuan por um dólar, às 10h30 locais. A moeda chinesa perdeu cerca de 1,5 por cento do seu valor face à moeda norte-americana desde a manhã de quarta-feira, quando começaram a ser conhecidos os primeiros resultados das eleições. Trata-se também de uma descida de 3,17 por cento em relação ao seu último pico, que foi atingido depois de Pequim anunciar um pacote de estímulos económicos, no final de Setembro. É também a primeira vez que o renminbi desceu abaixo das sete unidades face ao dólar, pela primeira vez desde Maio de 2023.

A taxa de câmbio ‘onshore’, que reflecte as transações nos mercados domésticos, acumulou uma queda de 1,07 por cento desde a manhã de quarta-feira, e de 2,34 por cento face ao seu pico mais recente, que remonta igualmente ao final de Setembro. Nessa altura, estava a ser negociada a cerca de 7,1782 por dólar.

O Banco Popular da China (banco central) reduziu ontem em 0,93 por cento, para 7,1659 yuan por dólar, a taxa de câmbio oficial que fixa todos os dias e que é fundamental para a cotação da taxa ‘onshore’, que só pode oscilar num intervalo máximo de 2 por cento.

Uma das possíveis manobras de Pequim, no caso de Trump agravar as taxas sobre produtos chineses, é precisamente permitir a desvalorização do renminbi, o que tornaria mais atractiva as importações chinesas com moedas mais fortes.

As reacções asiáticas

Na Ásia as reacções à vitória de Trump têm-se sucedido. No caso do Japão, o primeiro-ministro confirmou que teve ontem uma conversa telefónica com o vencedor das eleições norte-americanas e que os dois concordaram reunir-se “o mais rápido possível” e fortalecer a aliança. Durante a conversa de cinco minutos, o líder japonês, Shigeru Ishiba, disse que os dois vão combinar encontrar-se o mais rápido possível. Donald Trump, por sua vez, disse esperar falar com Ishiba “cara a cara”.

Além disso, concordaram continuar a discutir activamente o reforço da aliança entre o Japão e os EUA “de muitos pontos de vista”, porque esta não abrange apenas aspectos económicos, referiu Ishiba.

O porta-voz do Governo japonês, Yoshimasa Hayashi, sublinhou que a aliança é “a base da diplomacia e da segurança do Japão”, referindo-se à política externa japonesa e à aliança militar em vigor desde 1960, que permite a presença de bases militares norte-americanas em solo japonês, além do compromisso de defesa mútua.

“Continuaremos a nossa cooperação em vários domínios e como parceiros globais com um papel fundamental na manutenção de uma ordem internacional livre e aberta, reforçando simultaneamente a capacidade de dissuasão da nossa aliança”, afirmou Hayashi.

Ishiba, que tomou posse a 1 de Outubro, descreveu o líder republicano como amigável, no final da conversa. “Desejámos um ao outro o melhor para o nosso trabalho”, notou Ishiba aos meios de comunicação social.

A conversa telefónica aconteceu depois de, na quarta-feira, Ishiba ter felicitado Trump pela boa prestação nas eleições contra a democrata Kamala Harris. “Os meus sinceros parabéns a Donald Trump. Estou realmente ansioso para trabalhar em estreita colaboração consigo para fortalecer ainda mais a aliança Japão-EUA e promover um Indo-Pacífico livre e aberto”, disse o primeiro-ministro japonês na rede social X.

O regresso de Trump à Casa Branca pode significar que o líder republicano volte a exigir que o Japão aumente as contribuições por acolher bases norte-americanas.

Destaque ainda para a reacção da Coreia do Sul, com o presidente, Yoon Suk-yeol, a felicitar Trump. “Sob a sua forte liderança, o futuro da aliança entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos da América será melhor,”, reagiu Yoon nas redes sociais, segundo a agência francesa AFP. “Aguardo com expectativa a continuação da nossa estreita cooperação no futuro”, acrescentou.

Em ruptura com o antecessor Moon Jae-in, Yoon adoptou uma linha mais dura com a Coreia do Norte, que possui armas nucleares, ao mesmo tempo que melhorou os laços com Washington, um dos aliados de Seul em matéria de segurança.

No seu primeiro mandato, Trump encontrou-se com o presidente norte-coreano três vezes, começando com uma cimeira histórica em Singapura, em Junho de 2018, mas sem fazer grandes progressos nos esforços para desnuclearizar a Coreia do Norte.

Desde o fracasso de uma segunda cimeira em Hanói, em 2019, Pyongyang abandonou a diplomacia e redobrou os esforços para desenvolver o arsenal militar, rejeitando as propostas de diálogo de Washington. Trump também se encontrou com Kim na fronteira entre as duas Coreias, no final de Junho de 2019, e deu 20 passos em território da Coreia do Norte.

Do lado da Índia, outra grande potência mundial e um protagonista económico a ter em conta, as felicitações chegaram logo no dia da eleição americana. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, felicitou Donald Trump pela “vitória histórica” nas eleições.

“Estou ansioso por renovar a nossa colaboração para reforçar ainda mais a (…) parceria global e estratégica” entre a Índia e os Estados Unidos, declarou Modi nas redes sociais, segundo a agência francesa AFP. “Vamos trabalhar juntos para melhorar a condição dos nossos povos e promover a paz, a estabilidade e a prosperidade no mundo”, acrescentou o chefe do governo ultranacionalista hindu.

Ucrânia | Nato quer discutir com Trump ligações a países

O secretário-geral da NATO anunciou ontem querer discutir com o Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, o reforço de laços da Rússia com a Coreia do Norte, o Irão e a China contra a Ucrânia. “Estou ansioso por me sentar com o Presidente Trump e ver como vamos fazer enfrentar conjuntamente esta ameaça”, disse Mark Rutte à chegada à cimeira da Comunidade Política Europeia, que reúne cerca de 40 líderes em Budapeste para debater “as crises” europeias, num contexto de mudanças políticas nos Estados Unidos.

“Agora que os [militares] norte-coreanos estão destacados na Rússia, vemos que cada vez mais a Coreia do Norte, o Irão, a China e, claro, a Rússia estão a colaborar e a trabalhar em conjunto contra a Ucrânia”, acrescentou.

Rutte manifestou preocupação pelo facto de a Rússia ter recorrido ao apoio da Coreia do Norte em troca de fornecer tecnologia a esse país, o que, na sua opinião, “ameaça o futuro” tanto da Europa como dos Estados Unidos e dos países do Indo-Pacífico. “Estes são novos desenvolvimentos realmente perigosos e temos de falar sobre eles hoje”, reiterou. O responsável da NATO alertou ainda que, “muito em breve, os próprios Estados Unidos também estarão sob a ameaça destes últimos avanços tecnológicos graças ao facto de a Rússia ter dado os seus mais recentes conhecimentos e tecnologia à Coreia do Norte”.

8 Nov 2024

EUA | Trump regressa à Casa Branca. China espera relação pacífica

Donald Trump ganhou ontem as eleições presidências norte-americanas. O magnata nova-iorquino vai regressar à Casa Branca depois de derrotar Kamala Harris nos principais estados-chave, naquela que apelidou como uma “vitória política nunca antes vista”. A China reagiu ao desejar um relacionamento pacífico entre as duas potências

 

Donald Trump prometeu curar os Estados Unidos da América (EUA), mas não revelou o tratamento. Este foi um dos destaques do discurso de vitória do candidato republicano, que irá regressar à Casa Branca, numa altura em que a vitória estava praticamente garantida com 267 delegados do Colégio Eleitoral, ou seja, 51,2 por cento. Num país onde o Presidente é eleito por sufrágio indirecto, o Colégio Eleitoral é constituído por 538 delegados que representam os 50 estados norte-americanos. Para um candidato se singrar vencedor, precisa de 270 votos.

À hora em que Trump fez o discurso da vitória, já tinha ganho estados decisivos, como a Pensilvânia, Geórgia ou Carolina do Norte, sempre uns passos à frente da democrata Kamala Harris. A Geórgia, estado composto por uma grande população afro-americana, deu a vitória a Trump, atribuindo-lhe mais 16 votos.

Nestas presidenciais destacaram-se os resultados em mais cinco estados-chave, os chamados “swing states”, pelo facto de a vitória costumar oscilar entre o partido republicano ou democrata. Neste ciclo eleitoral, estes estados foram o Arizona, Wisconsin, Pensilvânia, Michigan e Nevada.

“É uma vitória política nunca antes vista no nosso país”, afirmou o magnata nova-iorquino a milhares dos seus apoiantes reunidos no Centro de Convenções de Palm Beach, no estado da Florida, depois de ter acompanhado a noite eleitoral no seu ‘resort’ em Mar-a-Lago.

Falando junto da mulher, Melania Trump, do candidato a vice-Presidente, J.D. Vance, e do presidente da Câmara dos Representantes, o candidato republicano disse que, com esta vitória, irá “ajudar o país a curar-se”.

Por seu lado, J.D. Vance referiu que “sob a liderança do Presidente Trump nunca vamos parar de lutar por vocês”. “Acho que acabamos de testemunhar o maior regresso político da história dos EUA. Depois do maior retorno político da história americana, lideraremos o maior retorno económico da história americana — sob a liderança de Donald Trump”, sublinhou o vice-presidente.

Trump prometeu que os próximos anos irão constituir “a era de ouro para a América”, referindo-se ao período de campanha eleitoral como “o maior movimento político de todos os tempos”.

O Presidente eleito não acrescentou muitos detalhes às promessas políticas feitas durante a campanha, declarando apenas que o país “precisa muito de ajuda”, garantindo que vai “consertar tudo”.

A desilusão dos democratas

A festa fez-se também pelos republicanos junto à Trump Tower, em Nova Iorque. Ainda a contagem dos votos nos ‘swing states’ ia a meio e já três dezenas de eleitores republicanos enchiam o passeio em frente à Trump Tower, cantando vitória antecipada nas presidenciais norte-americanas.

“Tentaram matá-lo, mas não conseguiram. Porque ele é o escolhido. Nós somos o povo e nós escolhemos Donald Trump. O ‘Estado profundo’ [Deep State em inglês] tem de acabar”, gritava uma mulher enquanto erguia uma bandeira com o ‘slogan’ de campanha do republicano: ‘Make America Great Again’.

A polícia estava presente no local e várias grades de protecção foram montadas ao redor do recinto. À Lusa, um eleitor exaltado dizia que Donald Trump tem de “começar a deportação em massa dos imigrantes ilegais o mais rápido possível”. “Fechem a fronteira, isto tem de acabar. Isto não é terra de ninguém”, disse o homem, que se identificou à Lusa como Sergey, misturando palavras em inglês com espanhol.

“Vou sempre apoiar Donald Trump, porque ele tem sido atacado pela imprensa de esquerda. Ele é um ‘outsider’ que tem desafiado o sistema, os democratas, o Congresso e até os próprios republicanos. Todos esses são falsos e ele é verdadeiro. Por isso é que gosto dele”, acrescentou.

A alguns metros de distância, no Rockefeller Center, onde foram montadas telas gigantes para transmitir a contagem dos votos, o ambiente era completamente oposto, com eleitores democratas desiludidos com a prestação da vice-Presidente, Kamala Harris.

Numa noite de vento forte em Nova Iorque, foram muitos os nova-iorquinos que começaram a desmobilizar assim que Donald Trump começou a conquistar vários estados consecutivamente. No público, vários democratas rezavam e outros levavam as mãos à cabeça de cada vez que Trump conquistava mais votos do colégio eleitoral. Em contrapartida, cada vez que Kamala Harris conseguia subir na contagem, ouviam-se aplausos.

Em Nova Iorque, sem surpresas, foi Kamala Harris quem venceu as eleições presidenciais. No entanto, a nível nacional, Donald Trump acabou a noite a declarar vitória.

China espera pacifismo

Talvez ainda com memórias dos anos da guerra comercial sino-americana, a China foi um dos primeiros países a reagir à vitória de Donald Trump, com uma mensagem de esperança sobre uma relação pacífica entre as duas potências. “Continuaremos a abordar e a gerir as relações entre a China e os Estados Unidos com base nos princípios do respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação mutuamente benéfica”, disse a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros, Mao Ning, em conferência de imprensa.

A guerra comercial entre os dois países remonta aos anos do primeiro mandato de Trump na Casa Branca, entre 2017 e 2021. Nesta campanha eleitoral, o candidato ameaçou intensificar esse conflito comercial.

Porém, em declarações à RTP, António Noronha, presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa, não demonstrou sinais de alarmismo. “Teremos uma relação mais diplomática, uma relação, se calhar, com maior abertura, mas não teremos, com certeza, uma política comercial muito diferente da que temos tido.”

O responsável disse não estar “muito preocupado com a forma como Donald Trump anuncia” por comparação com “o conteúdo das políticas”, que “não serão tão agressivas como as [prometidas] por Kamala Harris, mas serão, sobretudo, políticas proteccionistas”.

“Naturalmente, ‘Europe Last’, e estou convencido que toda esta guerra comercial vai-se manter e vamos ter um sistema proteccionista, onde os EUA vão-se querer proteger daquela contradição que existe em que todos os factores de produção da China são tão distorcidos e subvencionados”, acrescentou.

Volta ao mundo

A Ucrânia foi também um dos primeiros países a dar os parabéns à segunda vitória de Trump. Na rede social X, Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, congratulou Donald Trump por uma “impressionante” “vitória” eleitoral. Zelensky sublinhou que aprecia o “compromisso de Trump com a abordagem ‘paz pela força'” para assuntos globais e que o princípio poderia “aproximar a paz justa na Ucrânia”. “Estou esperançoso que colocaremos isso em acção juntos. Estamos ansiosos por uma era de Estados Unidos da América fortes sob a liderança decisiva do presidente Trump”, disse.

Também o Reino Unido reagiu, com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, a felicitar Trump por aquilo que disser ser uma “vitória eleitoral histórica”. “Estou ansioso por trabalhar consigo nos próximos anos”, disse o primeiro-ministro, acrescentando: “Como aliados mais próximos, estamos lado a lado na defesa dos nossos valores comuns de liberdade, democracia e empreendedorismo”.

“Do crescimento e da segurança à inovação e à tecnologia, sei que a relação especial entre o Reino Unido e os EUA continuará a prosperar em ambos os lados do Atlântico nos próximos anos”.

Também Mark Rutte, secretário-geral da NATO, deu os parabéns a Donald Trump, e defendeu que “a sua liderança será novamente a chave para manter a Aliança forte”. Na rede social X, Rutte sublinhou que está “ansioso para trabalhar com Trump novamente para promover a paz por meio da força por meio da NATO”.

Viktor Orbán e Netanyahu foram os primeiros líderes mundiais a felicitar Trump, com o primeiro-ministro húngaro a declarar que a vitória republicana foi “o maior regresso na história dos EUA”. “Parabéns ao Presidente Donald Trump na sua grande vitória. Uma vitória bastante necessária para o mundo”, declarou Viktor Orbán.

No caso de Benjamin Netanyahu, a mensagem foi também destinada a Melania Trump, agora de novo primeira-dama. “Queridos Donald e Melania Trump, parabéns neste grande regresso na história! O vosso histórico regresso à Casa Branca possibilita um novo começo para a América e um poderoso novo compromisso para a grande aliança entre Israel e a América. Esta é uma enorme vitória!”

Portugal também deu os parabéns a Trump. Numa mensagem publicada no site da Presidência da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa “felicita o Presidente eleito Donald Trump, desejando-lhe felicidades no novo mandato, na afirmação da relação transatlântica, da democracia e os direitos humanos, a construção da paz e do progresso sustentáveis”.

Na mesma nota, Marcelo recorda que “Portugal foi o primeiro país neutral a reconhecer a independência dos Estados Unidos da América, a importância da comunidade portuguesa neste país, bem como a colaboração durante o seu primeiro mandato, nomeadamente a reunião na Casa Branca em 2018 e durante a pandemia”.

Também Luís Montenegro, primeiro-ministro, destacou esta vitória, recorrendo à rede social X. “Parabéns, Presidente Donald Trump. Estou empenhado em trabalharmos em colaboração estreita, no espírito da longa e sólida relação entre Portugal e os Estados Unidos, a nível bilateral, da NATO e multilateral.”

7 Nov 2024

China | Crédite Agricole destaca dificuldades na transição económica

Analistas do Crédite Agricole Economic Research defendem que a economia chinesa está em “transição”, com maior foco na procura interna e no desenvolvimento dos sectores dos serviços. Mas o caminho que a China tem pela frente implica a superação das crises de crescimento e confiança, e a resolução dos problemas do sector imobiliário

 

 

Na mesma altura em que a Assembleia Popular Nacional (APN) reúne em Pequim para discutir novas medidas de estímulo à economia, como a descida das taxas de juro e levantamento de restrições à compra de casa, a unidade de pesquisa económica do grupo Crédite Agricole acaba de emitir uma análise sobre a economia chinesa e actual crise do sector imobiliário.

Respondendo à questão “Será que a crise do sector imobiliário vai enterrar os sonhos de prosperidade da China?”, a analista Sophie Wieviorka, do Crédite Agricole Economic Research, considera, com base na publicação periódica do grupo divulgada na quinta-feira, que “o modelo chinês está em transição”. Partindo do modelo de crescimento “baseado na produção industrial com mão de obra intensiva e na atracção de tecnologia estrangeira”, a China estará a passar para modelo assente na inovação. Trata-se de um modelo que busca o impulso “da procura interna e desenvolvimento de serviços, mas não é uma tarefa fácil”.

Para a analista do Crédite Agricole, “o que torna a transição ainda mais complicada é o facto de coincidir com uma crise de crescimento e de confiança”, pois, no passado, houve “excessos” na economia chinesa, nomeadamente “uma bolha de sobreinvestimento – nomeadamente no sector imobiliário – em vias de se esvaziar”.

Neste sentido, depois de um “forte ajuste dos volumes de transacções e novas construções”, verifica-se uma quebra de preços no sector imobiliário, lê-se no documento de análise periódica, que denota a existência de uma “espiral deflacionista” com “impacto negativo nas famílias, que em média tem 70 por cento do seu património investido no sector imobiliário”.

Neste sentido, a analista entende que as autoridades chinesas estão, nesta fase, a tentar “restabelecer a confiança na economia, incentivando os cidadãos a comprar imóveis em vez de poupar e pagar dívidas”.

Porém, o caminho para sair da crise do imobiliário, marcada pela queda da Evergrande, deverá ser “longo e penoso”, denota a analista, pois há que ter em conta “o processo de absorção do stock de imóveis construídos e não construídos, anos de construção excessiva e de excessos especulativos”.

Num cenário pós-covid-19, em que a economia chinesa sofreu, tal como o resto do mundo, é preciso “tranquilizar as famílias afectadas pela crise da covid-19 e pelo mercado de trabalho pouco dinâmico, nomeadamente para os jovens.

Algumas das medidas já anunciadas pelas autoridades pretendem, segundo a mesma análise, apoiar o sector imobiliário, nomeadamente “um novo fundo que permite às cidades comprar directamente as casas devolutas, proporcionar injecções de liquidez para apoiar os promotores e os bancos e reduzir as taxas de juro das actuais e novas hipotecas para restaurar algum poder de compra para as famílias”.

As dívidas locais

Ainda no que à crise do imobiliário diz respeito, Sophie Wieviorka recorda que em Julho deste ano, quando se realizou na capital chinesa a 3ª sessão plenária do 20º Comité Central do Partido Comunista Chinês, “não foram anunciadas quaisquer reformas de relevo”, mas a analista destaca uma: o facto de o IVA, imposto sobre o consumo, passar a ser cobrado directamente pelas províncias e autarquias, o que reflecte “duas mudanças estruturais” na economia.

Uma é a “redução substancial dos recursos próprios das autarquias locais” que procuravam obter lucros com a venda de terrenos. Assim, verifica-se “o fim de um modelo de tributação baseado na promoção imobiliária”, bem como uma “descentralização da política fiscal, com o Governo Central a comprometer-se a ser mais transparente e generoso com as províncias chinesas, que suportaram a maior parte do custo do investimento nas últimas duas décadas e que têm uma dívida enorme”.

Porém, a analista do Crédite Agricole recorda que “a carga fiscal é relativamente baixa na China e as reformas que estão a ser discutidas há anos, como, por exemplo, a introdução de um imposto sobre o património, ainda não avançaram”.

As reuniões da APN decorrem até sexta-feira, mas, para já, sabe-se que o Comité Permanente da APN analisou na segunda-feira um projecto de lei do Conselho de Estado (Executivo) que visa permitir o aumento dos limites de endividamento dos governos locais, para “substituir as dívidas ocultas existentes”.

“Os legisladores analisaram um projecto de lei do Conselho de Estado sobre o aumento dos limites de endividamento das administrações locais, para substituir as dívidas ocultas existentes”, afirmou a agência noticiosa oficial Xinhua, em comunicado, sem dar mais pormenores.

Um dos problemas económicos que o país enfrenta é a “dívida oculta” das administrações locais e regionais, que observadores estimam ultrapassar o equivalente a 9 biliões de dólares.

A polémica reforma

Sophie Wieviorka destaca também outra medida saída das sessões partidárias de Julho: a segunda reforma do sistema de pensões, pois o país enfrenta o envelhecimento da população.

Assim, a China “decidiu aumentar a idade legal de reforma”, mas apenas no próximo ano e de forma faseada durante 15 anos, para “evitar descontentamento social”. Assim, a reforma para as mulheres passa dos 60 para os 63 anos, enquanto nos homens vai dos 55 para os 58 anos. Para as mulheres com trabalhos manuais, a reforma deixa de acontecer aos 50 para ser uma realidade aos 55.

Para a analista, esta “reforma impopular” reflecte a política do filho único que vigorou durante anos na China, em que se verificou uma “gestão desastrosa da população”. O que se passou nos últimos anos é que as famílias procuraram poupar para a reforma, limitando o consumo. Isso “é o contrário do objectivo de passar para um regime de crescimento mais auto-sustentado”.

Proteccionismo preocupa

Se o “ambiente [económico] interno é pouco animador”, no estrangeiro a China depara-se com a “ameaça emergente do proteccionismo, nomeadamente dos Estados Unidos da América, Canadá ou União Europeia (UE), de que são exemplo o aumento das tarifas de importação de carros eléctricos chineses e restantes matérias-primas como aço ou alumínio.

Para o Crédite Agricole, “a China continua a depender, nesta fase, do comércio externo para apoiar a sua produção industrial”. “Aí reside o problema: quanto mais a economia chinesa abranda, menos produção interna o país absorve e mais precisa do resto do mundo como mercado de exportação para os seus excedentes de produção. Mas os parceiros e rivais comerciais já não estão dispostos a trocar empregos por produtos baratos. Presa nesta situação de círculo vicioso, a China não tem outra opção senão reformar radicalmente a sua economia, estando a lutar para o fazer”, pode ler-se na publicação.

Importa referir que na segunda-feira a China recorreu da decisão final da UE junto da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a aplicação de tarifas compensatórias sobre os veículos eléctricos chineses. Segundo a Xinhua, a China “opõe-se firmemente às medidas finais da UE de impor elevadas tarifas aos carros eléctricos chineses, apesar do grande número de objecções levantadas por ambas as partes, incluindo os Estados-membros da UE, a indústria e o público”.

6 Nov 2024

Medalhas de mérito | Governo entrega distinções no final do mês

Leonel Alves, ex-deputado e advogado, e Miguel de Senna Fernandes, advogado e dramaturgo dos Dóci Papiaçám di Macau são os membros da comunidade macaense distinguidos este ano com medalhas de mérito. Destaque ainda para a nova distinção que será entregue à Santa Casa da Misericórdia de Macau

 

Prestes a deixar o Governo, Ho Iat Seng escolheu os novos medalhados de mérito da RAEM, numa lista divulgada ontem. Destaca-se, desde logo, o reconhecimento do trabalho feito por duas personalidades da comunidade macaense, o antigo deputado e advogado Leonel Alves, que obteve a Medalha de Honra Lótus de Ouro. Porém, esta não representa uma estreia de Alves no quadro de medalhados, pois em 2001 recebeu a Medalha de Mérito Profissional e em 2019 a Medalha de Lótus de Prata.

Formado em Direito pela Universidade de Lisboa, onde deu aulas, Leonel Alves tem feito uma longa e bem-sucedida carreira em advocacia, dedicando-se, ao longo de 40 anos, “a diversas actividades de interesse público”, destaca o Executivo numa nota justificativa sobre a medalha atribuída.

Leonel Alves desenvolveu ainda um intenso trabalho político, nomeadamente na qualidade de membro da Comissão Preparatória da RAEM ou como vice-presidente do Conselho Consultivo da Lei Básica. Além de ter sido deputado durante mais de três décadas, Leonel Alves é membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) desde 2005 e membro do Conselho Executivo da RAEM.

Destaque ainda para o seu contributo na produção de diversas leis em vigor, tal como o projecto de criação do Comissariado Contra a Corrupção e a revisão da Lei de Terras. Foi co-proponente do projecto de lei de alteração da lei sobre arrendamento, do projecto de alteração da lei sobre acesso à Justiça, “permitindo, de forma inovadora, que qualquer pessoa em Macau tenha direito à assistência jurídica de advogado em qualquer processo”.

O Governo destaca também a sua ligação a entidades associativas, tal como a presidência da assembleia-geral da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau (SCMM), ou ainda o facto de ter sido membro fundador do movimento associativo macaense denominado “Macau Sempre”.

No caso de Miguel de Senna Fernandes, também advogado, a obtenção da medalha de mérito deve-se sobretudo ao seu trabalho na preservação da cultura macaense, por ser um “transmissor de manifestações do Património Cultural Imaterial Nacional”, tendo promovido “acções de salvaguarda” durante mais de 30 anos.

“Actualmente, está em curso o processo da recomendação da sua candidatura ao sexto Lote de Transmissores Representativos das Manifestações do Património Cultural Imaterial Nacional. É também compositor, arranjador e produtor musical, produzindo trabalhos desta área para o seu Grupo de Teatro”, lê-se ainda.

Ao HM, Miguel de Senna Fernandes diz-se “honrado” com a distinção, por se tratar “de um reconhecimento de um trabalho desenvolvido há vários anos”. “É sempre bom quando se desenvolve um certo tipo de trabalho e ele é reconhecido. Tenho pessoas ao meu lado, o grupo de teatro, e agradeço ao apoio dos Dóci também, e comungo esta medalha com eles. A minha actividade foca-se no teatro e área sociocomunitária e agradeço também à Associação dos Macaenses”, acrescentou.

Uma super irmandade

A SCMM obteve a Medalha de Honra de Lótus de Ouro, a mais elevada. A história da instituição remonta aos primórdios de Macau e ao estabelecimento dos portugueses no território. Para o Governo, a atribuição da mais alta medalha de mérito justifica-se pelo facto de ser uma “venerável instituição de caridade local com uma longa história, que presta uma vasta gama de serviços de assistência, amplamente reconhecidos, e que abrangem lar de idosos, creche e Centro de Reabilitação de Cegos”.

Trata-se de “uma instituição sem fins lucrativos dedicada à promoção da coexistência harmoniosa das comunidades chinesa e portuguesa e à transmissão da cultura e dos valores católicos da comunidade portuguesa de Macau”. A SCMM celebra este ano 455 anos de existência, continuando “a ter uma influência expressiva nas áreas de serviços sociais e de intercâmbio cultural”, com destaque para o Núcleo Museológico da Santa Casa.

Recorde-se que a SCMM foi galardoada pela RAEM com a Medalha de Mérito Altruístico em 2002. O Governo considera ainda que os serviços prestados pela entidade “são reconhecidos por todos os sectores sociais”, sendo “essenciais para a promoção do desenvolvimento harmonioso e estável da sociedade, e em particular, na consolidação da relação amigável entre a China e Portugal”.

Outra instituição pública ligada à saúde distinguida com uma medalha foi o Centro Hospitalar Conde de S. Januário dos Serviços de Saúde (CHSCJ), fundado em 1874. O Governo destaca a actual oferta em termos de cuidados de saúde, com mais de 1.000 camas hospitalares, 29 especialidades e 24 subespecialidades médicas, “oferecendo serviços abrangentes de consulta externa, emergência e internamento”. “Ao longo destes 150 anos, o CHSCJ tem dado grandes contributos para a protecção da saúde e da segurança dos residentes”, é ainda destacado.

Entre os galardoados deste ano, destaque também para a Associação de Hotéis de Macau, que recentemente foi presidida por Luís Herédia. Ao HM, Luís Herédia afirmou que a distinção traduz o desempenho da associação no “apoio determinante ao sector, mantendo uma qualidade elevada do padrão de serviços”.

“Os hotéis são uma parte do ciclo da experiência de cada turista, sendo crucial o acolhimento com segurança e conforto e ainda que haja uma qualidade alargada e diversificada da oferta de serviços e de produtos. Em conjunto, a associação oferece garantias dessa oferta aos vários mercados e segmentos”, acrescentou ainda Luís Herédia.

Lam, Pio e amigos

A Comissão de Designação de Medalhas e Títulos Honorífico decidiu atribuir a medalha Lótus de Ouro de Honra a Peter Lam Kam Seng, membro do Conselho Executivo, da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo e presidente do conselho de administração da Macau Renovação Urbana SA.

Para o Governo, Peter Lam destaca-se por ter “participado, ao longo destes anos, activamente nos assuntos públicos e sociais”, tendo “promovido o desenvolvimento educativo e económico em prol do bem-estar da população”. Salienta-se o trabalho de planeamento e concepção de novas zonas residenciais no bairro do Iao Hon e “o apoio à constituição de uma comissão de condomínio para o início da reconstrução do bairro”. É também referido o trabalho no projecto do Novo Bairro de Macau em Hengqin. Peter Lam também não é um estreante nesta distinção, tendo sido galardoado pela RAEM com a Medalha de Mérito Industrial e Comercial e a Medalha de Honra Lótus de Prata, em 2001 e 2009, respectivamente.

Frederico Ma Chi Ngai obteve a Medalha de Mérito Profissional. Frederico Ma é doutorado em Economia pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, pertence ao 14º Comité Nacional da CCPPC, e é membro do Conselho Executivo e da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo.

É referido pelas autoridades que “desde 2000 tem participado activamente nos assuntos sociais com funções nas várias associações principais, incluindo as de juventude”. “Tem-se esforçado para promover o desenvolvimento tecnológico de Macau e estimular a conjugação da investigação com a divulgação científica, para auxiliar na construção de Macau como cidade central do centro internacional de inovação tecnológica da Grande Baía”.

Frederico Ma recebeu, em 2011, a Medalha de Mérito Industrial e Comercial em 2011.

O deputado Iau Teng Pio obteve a Medalha de Mérito Educativo pelo trabalho enquanto sub-director da Faculdade de Direito da Universidade de Macau. Iau Teng Pio tem feito também um destacado trabalho político ao ser membro do 14º Comité Nacional da CCPPC, membro do Conselho Executivo e da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo.

O deputado “tem estado profundamente empenhado no campo da educação há mais de 20 anos, ensinando principalmente Direito do Processo Penal, Direito Penal, Direito do Processo Civil e Direito do Processo Administrativo. É autor de várias obras jurídicas e artigos académicos. Foi docente em várias instituições no Interior da China, sendo repetidamente convidado para ministrar formação dos talentos sobre o Estado de Direito e abordar temas como o regime jurídico de Macau e o mecanismo de resolução de litígios comerciais de Macau”, é referido no comunicado divulgado ontem pelo Gabinete de Comunicação Social.

Para as autoridades, “os seus esforços não só melhoraram a qualidade do ensino jurídico, mas também promoveram a formação de talentos bilingues locais, contribuindo, por isso, para o desenvolvimento do ensino jurídico em Macau”.

As medalhas deste ano destacam também figuras e entidades do sector empresarial, nomeadamente Chan Chak Mo, deputado e presidente da Future Bright Holding, a quem foi atribuída a Medalha de Honra Lótus de Ouro; a Associação Industrial de Macau, com a Medalha de Honra Lótus de Prata, a par do Banco Luso Industrial.

No sector dos transportes foi dada uma medalha à Sociedade de Transportes Colectivos de Macau, S.A., concessionária de serviço público de autocarros e que pertence ao grupo da Nam Kwong desde 2010. A empresa “foi estruturada a partir da antiga Companhia de Transporte de Passageiros entre Macau e as Ilhas, que prestou aos residentes o serviço público de autocarro desde 1974”. Nos últimos anos, a TCM “tem feito inovações na renovação de veículos, através da introdução de novas tecnologias e de instalações sem barreiras”, além do esforço “na redução da emissão de gases poluentes”.

As medalhas são atribuídas “a individualidades e entidades que se notabilizaram por feitos pessoais, contributos para a sociedade ou serviços prestados à RAEM”, estando a cerimónia da sua atribuição agendada para 29 de Novembro, às 16h, no Grande Auditório do Centro Cultural de Macau.

Todos os medalhados

Lótus de Ouro

Irmandade da Santa Casa da Misericórdia

Centro Hospitalar Conde de São Januário dos Serviços de Saúde

Leonel Alberto Alves

Lam Kam Seng

Chan Chak Mo

Lótus de Prata

Associação Industrial de Macau

Banco Luso Internacional, S.A.

Medalha de Mérito Profissional

Kong Chio Fai

Ma Chi Ngai

Ieong Tou Hong

Zhang Zongzhen

Chao Weng Hou

Medalha de Mérito Industrial e Comercial

Sociedade de Transportes Colectivos de Macau, S.A.

Laboratórios Ashford, Lda

Boardware Sistema de Informação Limitada

Medalha de Mérito Turístico

Associação de Hotéis de Macau

Medalha de Mérito Educativo

Escola Secundária Pui Ching

Escola Tong Sin Tong

Iau Teng Pio

Mak Pui In

Medalha de Mérito Cultural

Henrique Miguel Rodrigues de Senna Fernandes

Medalha de Mérito Altruístico

Kong Su Kan

Lee Chong Cheng

Chan Ka Leong

Medalha de Mérito Desportivo

Associação de Atletismo de Macau

Medalha de Dedicação

Choi Sio Un

Medalha de Serviços Comunitários

Hoi Choi Han

Título Honorífico de Valor

Equipa de Astronomia da Escola Pui Tou

Xu Ziheng

Leong Pok Hei

Ung Man Kit

Wong Tsan Ying

5 Nov 2024

Direito | Três grandes códigos entraram em vigor há 25 anos

A meses da transferência de administração de Macau, entraram em vigor três grandes códigos legais de matriz portuguesa: o Código Civil, o Código Comercial e o Código de Processo Civil. António Silva, jurista da antiga secretária Florinda Chan, realça a importância da “aprovação e manutenção em vigor” da legislação

 

A aprovação de um quadro legislativo bilingue de matriz portuguesa, antes da implementação da Região Administrativa Especial de Macau, foi um processo que implicou anos e trabalho e luta. Foi há 25 anos que o território passou a dispor de três códigos essenciais ao ordenamento jurídico local: Código Civil (CC), Código do Processo Civil (CPC) e Código Comercial.

Para António Silva, que trabalhou em Macau durante vários anos como jurista, nomeadamente ao lado da antiga secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, a aprovação destes códigos foi “um marco histórico importante para a RAEM”, que se alargou com a sua “aplicação estável durante 25 anos”. Na visão do jurista, tal significa “que na sua elaboração houve o cuidado técnico de adaptar a fonte romano-germânica de matriz portuguesa dos mesmos, à realidade económica e social de Macau”.

Por estes dias, a Universidade de Macau (UM) tem promovido uma conferência sobre esta efeméride jurídica. Trata-se da 14ª Conferência Internacional “Estudos sobre o Código Civil, o Código Comercial e o Código de Processo Civil – Celebrando o 25.º Aniversário da RAEM”, organizada pelo Centro de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito da UM.

Um dos oradores foi Jorge Godinho, especialista em Direito do Jogo, que na rede social Linkedin comentou a data tão especial para o Direito de Macau. “Completa-se em Dezembro um quarto de século sobre a transferência de soberania de Macau. Passaram já 25 anos sobre a publicação do Código Civil, do Código Comercial e do Código de Processo Civil de Macau, todos de 1999. Códigos estes que, em muitos aspectos, consagraram soluções modernas e inovadoras, que merecem ser estudadas e divulgadas.”

Quem também participou na conferência foi a jurista e autora Paula Correia, que viveu em Macau durante mais de duas décadas. Ao HM, defendeu que “o CC é filho do CC português e neto do CC alemão”, pois o código implementado em Macau “segue a estrutura do CC alemão de princípios do século XX, que influenciou a maior parte dos códigos que se fizeram posteriormente, por ser muito inovador e bem-estruturado”.

Pouca doutrina

Questionada sobre o panorama geral da aplicação destes códigos, Paula Correia entende que 25 anos é pouco tempo para que surjam estudos académicos suficientes para equacionar revisões e um estudo profundo em torno desta legislação.

“Não basta termos uma lei bem feita. O importante é que esta seja bem aplicada, e para que isso aconteça temos de ter uma boa doutrina, o que demora a acontecer, e uma boa jurisprudência. A doutrina vem dos professores de Direito, os que escrevem e publicam, e isso demora anos, pelo que 25 anos é pouco tempo. Em Macau já vai existindo alguma doutrina, mas é ainda insuficiente”, declarou.

A mesma situação verifica-se ao nível da jurisprudência, nas decisões que são tomadas nos tribunais. “As coisas estão interligadas, e é de facto muito importante esse trabalho da doutrina na aplicação do bom Direito. Será que podemos perguntar se as decisões judiciais tomadas ultimamente são melhor fundamentadas? Com certeza que sim, mas há ainda muito caminho a percorrer, porque o Direito é assim mesmo, evoluí.”

Paula Correia deu o exemplo da “urgência” de eliminar, no Direito da Família, “o regime de bens supletivo, que não faz sentido nenhum”, por ser “um absurdo”.

Na prática, este regime determina que quando as pessoas estão casadas é como se estivessem em regime de separação de bens, mas quando se divorciam “o parceiro que enriqueceu menos tem um crédito na participação sobre o outro, e esse tem de o compensar”.

Segundo a jurista, muitos casais desconheciam esta questão na hora de casar, mas agora “fazem logo uma definição do regime em que casam, fazendo a convenção no sentido da compensação de bens, mas também no regime da comunhão de bens”.

A tendência é, neste momento, “irem pela compensação de bens, mas os chineses, por fazerem tantos negócios, preferem o regime de separação de bens”. No caso da China, os casais “preferem mais o regime da comunhão”, disse.

Revisões ponderadas

No que diz respeito às revisões dos Códigos em vigor, António Silva aconselha o caminho de prudência. “Um Código é, por definição, uma compilação coerente e exaustiva de um determinado ramo do Direito. Logo é elaborado para perdurar no tempo, devendo as alterações ser reduzidas ao mínimo indispensável para neles consagrar novas realidades económicas e sociais, sem, contudo, colocar em risco a sua unidade sistemática ou princípios estruturantes. Por isso, defendo que as alterações devem ser sempre bem ponderadas e inseridas, quando efectuadas, de forma coerente e em harmonia com o código no seu conjunto.”

A implementação dos três códigos é fruto da Declaração Conjunta assinada entre Portugal e a China em 1987, que determinou as bases do que viria a ser a RAEM em matéria jurídica, política, económica e social. A sua manutenção relaciona-se com a existência de uma Lei Básica e com a continuação de um certo modo de vida em Macau, defendeu o mesmo jurista.

“A Lei Básica da RAEM consagra o princípio da manutenção do modo de vida previamente existente no território até 2049. Estes códigos consagram, portanto, esse modo de vida e de relacionamento entre os residentes, na defesa dos direitos civis e da tramitação judicial dos processos judiciais onde sejam dirimidos conflitos de interesses e, bem assim, das relações comerciais.”

Desta forma, “a manutenção destes códigos em vigor, basicamente inalterados, prova o cumprimento por parte da República Popular da China, da Declaração Conjunta Luso-chinesa sobre a Questão de Macau, o que solidifica as relações entre Portugal e a China e aproxima as legislações dos países lusófonos, facilitando as relações económicas”, rematou António Silva.

O CPC foi implementado pelo decreto-lei de 8 de Outubro de 1999, e segundo o preâmbulo publicado em Boletim Oficial (BO), tal representou “um esforço de harmonização do Direito adjectivo, não apenas com o Direito substantivo resultante das reformas recentemente operadas em Macau, mas também com os compromissos assumidos na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, com os princípios orientadores da organização judiciária e do processo civil constantes da Lei Básica da RAEM”.

Escreveu-se ainda que se teve “consciência dos riscos decorrentes da feitura de um novo código nesta fase de transição e, por isso, procurou manter-se a sistematização do CPC actualmente em vigor e o modo essencial de regulação dos seus processos. Portanto, poucas alterações sofreu”, lê-se ainda.

No caso do CC, escreveu-se no preâmbulo, em 1999, que o CC português de 1996 foi “uma das traves mestrados do edifício legislativo do território, pelo que não podia ficar imune a este processo de adaptação legislativa” no contexto da Declaração Conjunta.

Optou-se, ao invés de “rupturas com o Direito vigente”, por uma “visão realisticamente comedida da intervenção legislativa a realizar nesta área tão sensível, por onde passa a regulamentação das facetas mais decisivas da vida de todos nós”. “O presente diploma procura, desde logo, criar um Código adaptado ao enquadramento político-institucional que conforma Macau, no hoje e no período posterior a 1999”, lia-se ainda.

No caso do Código Comercial, a reforma era ainda maior. “Com este diploma, opera-se uma reforma de fundo na legislação de Macau. Mais de cem anos de vigência leva o Código Comercial de 1888, factor que só por si basta para justificar a sua desactualização face à evolução sofrida pela economia do território e à necessidade de dotar os empresários e as empresas de um enquadramento legal adequado”.

O Código Comercial de finais do século XIX havia sido elaborado, segundo o preâmbulo do decreto-lei publicado em BO, “em plena revolução industrial”, assentando à época “numa concepção individualista e liberal”. Desta forma, o Código Comercial de 1999 “não pode deixar de reflectir a rica e variada experiência de mais de um século, caracterizada por uma profunda revolução tecnológica e informática”. “Reconhecendo-se o contributo insubstituível da iniciativa económica privada para o progresso, num contexto de concorrência no mercado, tem de se atender às exigências irrecusáveis de justiça social”, refere-se ainda.

1 Nov 2024

Economia | Fundador do TikTok no topo da lista dos mais ricos da China

Num espaço de meses, a pessoa mais rica da China passou a ser o fundador do TikTok, Zhang Yiming, destronando o líder da empresa de vendas online Temu. Zhang Yiming sobe ao lugar cimeiro do ranking da revista Hurun pela primeira vez, com uma fortuna de mais de 350 mil milhões de yuan

 

É, provavelmente, uma das redes sociais mais utilizadas em todo o mundo, sobretudo por adolescentes que imitam cada vídeo de dança com amigos ou no intervalo das aulas. O TikTok, criado dentro da empresa ByteDance, por Zhang Yiming, trouxe a fortuna ao empresário chinês que é agora tido como o mais rico da China.

Zhang Yiming, ascendeu pela primeira vez a pessoa mais rica da China, segundo uma lista de bilionários de 2024 publicada ontem. Os dados foram divulgados pela unidade de investigação da revista Hurun, sediada em Xangai e considerada a “Forbes chinesa”.

A fortuna do fundador do TikTok ultrapassou os 350 mil milhões de yuan, o que faz dele o primeiro bilionário nascido na década de 1980 a chegar ao topo da lista, depois de ter subido quatro lugares, em relação à classificação de 2023.

A Hurun observou que a riqueza do empresário aumentou 105 mil milhões de yuan em relação ao ano anterior, um aumento de 43 por cento, impulsionado pelo sucesso global das suas plataformas digitais, especialmente o TikTok.

Zhang, que fundou a ByteDance em 2012, transformou o sector do entretenimento e das redes sociais tanto na China como a nível internacional. Rupert Hoogewerf, director e chefe de pesquisa do Hurun Report, comentou o crescimento da fortuna de Zhang Yiming nos últimos anos.

Este “é o novo 18º ‘Número Um’ na China em apenas 26 anos”. “Os EUA, em comparação, têm apenas quatro ‘Número Um’: Bill Gates, Warren Buffett, Jeff Bezos e Elon Musk. Este facto indica-nos que existe algum dinamismo na economia chinesa. 2024 tem sido, até à data, um ano especial, com três ‘Número Um’: Zhong Shanshan no início do ano, Huang Zheng da Pinduoduo a meio do ano e agora Zhang Yiming”.

Com 41 anos, o fundador do TikTok é “o primeiro número um da China nascido na década de 1980”. “A nova geração de empresários na China é muito mais internacional do que os seus antecessores. Zhang Yiming, 41 anos, tornou-se global com o TikTok, Colin Huang, 44 anos, com a aplicação de compras Temu, Chris Xu, 41 anos, com a aplicação de moda rápida Shein e Cai Haoyu, 37 anos, com a plataforma de jogos em linha Mihoyo”, disse ainda o responsável.

Subida de Li Ka-shing

O relatório da Hurun revelou que, apesar do crescimento da ByteDance, a lista geral reflecte um cenário económico mais desafiante: apenas 1.094 pessoas ultrapassaram os 5 mil milhões de yuan em riqueza pessoal, uma queda de 12 por cento, em relação a 2023. A riqueza total dos empresários incluídos nesta lista diminuiu 10 por cento para 21 biliões de yuan.

O “rei da água engarrafada”, Zhong Shanshan, com uma fortuna de 340 mil milhões de yuan, cedeu o primeiro degrau do pódio dos milionários chineses, depois de quatro anos no topo da lista. Em terceiro lugar está Ma Huateng, fundador da empresa de videojogos e redes Tencent, com 315 mil milhões de yuan, após um aumento de 13 por cento da sua riqueza.

Huang Zheng, fundador da Pinduoduo, o gigante chinês do comércio electrónico e operador da Temu, caiu para o quarto lugar, com 245 mil milhões de yuan, afectado por uma diminuição de 9 por cento do seu património.

Entre os novos nomes, destaca-se a família do magnata do imobiliário Li Ka-shing, que entrou pela primeira vez no top 10 com 175 mil milhões de yuan. Li Ka-shing, empresário de Hong Kong, tem actualmente 96 anos e, juntamente com o seu filho mais velho, Victor Li Kuoi, “viu o seu património cair 5 por cento em relação ao ano passado”, descreve a Hurun.

Lei Jun, fundador da tecnológica Xiaomi, aumentou a sua fortuna em 38 por cento, atingindo 130 mil milhões de yuan. O ranking da Hurun revela ainda que a média de idade dos mais ricos do país é de 61 anos, mais dois anos do que no ranking do ano passado.

Os ricos no sul

Por cidades, Pequim, Xangai e Shenzhen têm o maior número de pessoas na lista dos mais abastados, com 115, 112 e 108, respectivamente. Pela primeira vez, desde 2013, Xangai ultrapassou Shenzhen, tendo-se tornado, segundo a Hurun, “na cidade com maior concentração de empresários”, logo a seguir à capital chinesa. Pequim, apesar de estar no topo da lista, distancia-se “com a margem mais pequena desde que há registos”. Já Taipé, em Taiwan, subiu para o sexto lugar.

Segundo a Hurun, muitos destes milionários e bilionários vivem em Macau, Hong Kong e Taiwan, num total de 153, mais 11 do que no ano passado, representando 14 por cento do total da lista. Segundo a revista, “97 residem em Taiwan, mais 15 do que no ano passado, e 56 em Hong Kong, menos 4 do que no ano passado”. Por sua vez, “30 vivem no estrangeiro, com destaque para os Estados Unidos da América (EUA) e Singapura”. A Cidade-Estado subiu seis lugares para a 14ª cidade mais popular para se viver, segundo o mesmo ranking.

Destaque ainda para a ligeira subida percentual dos delegados da Assembleia Popular Nacional (APN) e Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) na lista dos mais ricos, de 6,5 por cento em 2023 para 7 por cento este ano. Trata-se de 39 delegados à CCPPC, menos três, e 36 delegados à APN, menos 3.

Os riscos do imobiliário

Segundo Rupert Hoogewerf, este foi o ano em que se “registou o número mais baixo de caras novas dos últimos 20 anos, com apenas 54 caras novas a entrar na lista” dos mais ricos. As razões prendem-se “com uma economia lenta” no país, em termos do crescimento, sendo que “a maioria das caras novas deste ano veio de Taiwan, que tem desfrutado de um mercado bolsista relativamente forte, sustentado pela indústria de semicondutores.”

Também este ano tem sido “bom para os smartphones, uma vez que as marcas chinesas conquistaram uma forte quota do mercado global, e para os semicondutores, graças ao boom da inteligência artificial”, é descrito pelo responsável. A prova disso é que figuras como Lei Jun, da Xiaomi, e Terry Guo, da Hon Hai, “acrescentaram 5 mil milhões de dólares à sua riqueza”. Além disso, “outros grandes fornecedores de telemóveis que tiveram um bom ano foram Wang Laichun, da Luxshare Precision; Zhou Qunfei, da Lens e Jiang Bing, da Goer. Os empresários do sector farmacêutico Zhong Huijuan, da Hansoh, e Zhu Yi, da Biokin, tiveram ambos um bom ano”.

Destaca-se ainda o posicionamento das energias renováveis na economia chinesa, que trouxe desafios à manutenção das fortunas individuais de empresários do sector. “Os fabricantes de painéis solares ou baterias de lítio tiveram um ano desafiador tendo em conta uma competição mais intensa, o que levou a um excesso”, além de que surgiu “a ameaça das tarifas, o que aumentou as incertezas”.

Segundo Rupert Hoogewerf, “os fabricantes de painéis solares viram sua riqueza cair até 80 por cento em relação ao pico atingido em 2021, enquanto os fabricantes de baterias e EV [estações de carregamento de veículos eléctricos] caíram pela metade e um quarto, respectivamente”.

O sector do imobiliário na China também trouxe dissabores aos mais ricos, nomeadamente a Wang Jianlin, do grupo Wanda; Wu Yajun, da LongFor; e Li Hua, da Excellence, sediada em Shenzhen, terem ficado “em baixa”. Por sua vez, “antigos bilionários, como Jiang Zhaobai, da Pengxin; e Huang Wei, da Xinhu, saíram da lista”.

Saúde em baixa

Terminada a pandemia, os empresários ligados ao sector da saúde e das vacinas também viram a fortuna diminuir. A Hurun destaca o caso do fabricante de vacinas Jiang Rensheng, da Zhifei, sediada em Chongqing, cuja fortuna caiu mais de 40 por cento para 5,7 mil milhões de dólares, “à medida que o mercado [na fase] pós-covid se realinhava”. Jiang Rensheng “já perdeu 16 mil milhões de dólares desde o ponto mais alto, em 2021”, é referido.

Por sua vez, os oftalmologistas Chen Bang, da Aier, com sede em Changsha, e Su Qingcan, da Huaxia Eye, com sede em Xiamen, caíram 40 e 60 por cento em termos de riqueza.

Li Ge, da empresa de CRO Wuxi PharmaTech, e Wang Jian, da empresa de diagnóstico de doenças genéticas BGI, sediada em Shenzhen, caíram 28 e 40 por cento, para 4,6 e 2 mil milhões de dólares, respectivamente. Segundo a Hurun, tal deve-se ao facto de “os preços das suas acções terem continuado a sofrer a pressão de estar na lista negra do Governo dos EUA”.

O lugar da tecnologia

Segundo a Hurun, há uma nova vaga de ricos ligados às novas tecnologias, em contraste com o posicionamento dos empresários do ramo imobiliário. “Metade dos empresários que figuram na lista deste ano não constavam da lista há apenas cinco anos, sendo que oito em cada 10 não estavam sequer presentes na lista há 10 anos. A velha guarda, representada pelos promotores imobiliários, deu lugar a uma nova geração [ligada à] tecnologia, novas energias, especialmente smartphones, comércio electrónico, sobretudo o comércio electrónico transfronteiriço, e ainda produtos de consumo”, é descrito.

A revista salienta que “a história dos indivíduos que figuram na ‘Hurun China Rich List’ contam a história da economia chinesa”, com casos paradigmáticos como o de Robin Zeng, fabricante de baterias de lítio CATL, que “nem sequer figurava na lista há dez anos, tal como Li Zhenguo, do fabricante de painéis solares Longi”. No caso dos smartphones, “Lei Jun, da Xiaomi, triplicou a sua dimensão [de mercado] em dez anos, enquanto Wang Laichun, da Luxshare Precision, aumentou sete vezes”.

Ainda no mercado dos telemóveis inteligentes, “a sua ascensão ajudou Pony Ma, da Tencent, e Ding Lei, da NetEase, a somar 30 mil milhões de dólares [na fortuna] cada um, enquanto o número um deste ano, Zhang Yiming e Wang Xing, da aplicação de entregas Meituan, não constavam da lista há dez anos”.

A lista da Hurun dá ainda um pequeno destaque à riqueza detida por mulheres. Estas representam 23,5 por cento de todos os ricos, percentagem semelhante à de 2023, sendo que “70 por cento são autodidactas”. “Kelly Zong Fuli, de 42 anos, ultrapassou Kwong Siu-ching e tornou-se, pela primeira vez, a mulher mais rica da China”, é referido. Com Lusa

30 Out 2024

Turismo | Macau quer expansão e diversificação, com foco em Portugal

Macau recebe, em Dezembro do próximo ano, o 50º congresso da Associação das Agências de Viagens e Turismo de Portugal. Os laços entre a associação e o Governo de Macau são antigos, mas agora a prioridade da RAEM passa por atrair mais turistas estrangeiros, incluindo portugueses

 

A directora dos Serviços de Turismo (DST) defendeu a expansão e diversificação dos turistas em Macau, sendo que os portugueses parecem ser os mais valorizados. Além disso, Helena de Senna Fernandes destacou que a realização, em Macau, do congresso dos agentes de viagens de Portugal, em 2025, cria oportunidades para que esses objectivos sejam atingidos.

“Pensamos que estão reunidas as condições para prepararmos mais um excelente congresso da APAVT em Macau, que permita actualizar os operadores turísticos portugueses sobre o novo dinamismo em curso no nosso destino”, disse Helena de Senna Fernandes em Huelva, Espanha, onde terminou no sábado o 49.º Congresso APAVT. Por sua vez, o 50.º Congresso das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) vai voltar a Macau de 2 a 4 de Dezembro de 2025, pela sexta vez.

“Desde a última edição que acolhemos em 2017, há muitas novidades. Macau foi designada Cidade Criativa de Gastronomia pela UNESCO, várias zonas históricas estão a ser revitalizadas e transformadas em atracções de turismo comunitário, abriram novos complexos turísticos e hotéis e há sobretudo uma forte aposta no reforço das ofertas de ‘turismo+convenções e exposições’, ‘turismo+cultura, ‘turismo+gastronomia’, ‘turismo+eventos’, entre outros, a par com um aumento das possibilidades de turismo multi-destinos na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, disse.

A responsável disse que a retoma turística de Macau, depois da pandemia, “prossegue a bom ritmo”, tendo a região recebido quase 26 milhões de visitantes até Setembro, aproximadamente 86 por cento dos valores de 2019.

“Além da recuperação dos números, o nosso foco está na expansão e diversificação das fontes de visitantes, sobretudo internacionais. Portugal permanece entre os mercados que mais valorizamos, pelas relações de amizade históricas que nos unem, e pelo posicionamento de desenvolvimento assumido por Macau como ‘um centro, uma plataforma’, ou seja, um centro mundial de turismo e lazer, e uma plataforma de serviços para a cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa”, explicou.

Uma forte parceria

A directora da DST lembrou que a parceria com a APAVT, desde o final da pandemia, permitiu realizar iniciativas, sobretudo com operadores turísticos, “para retomar o dinamismo dos fluxos de visitantes entre Portugal e Macau”, mas abordar também o mercado espanhol, e restante europeu.

Já o presidente da APAVT, Pedro Costa Ferreira, enumerou, a este propósito, o apoio que têm dado a Macau na presença destes na Fitur – uma das maiores feiras de Turismo que se realiza em Madrid -, depois de em 2023 terem levado ali “um significativo grupo de empresários espanhóis”, bem como pela marcação, para 2025, de duas reuniões anuais da confederação europeia das agências de viagens (ECTAA – European Travel Agents’ and Tour Operators’ Associations), que elegerá Macau como o ‘destino preferido”.

“No ano em que, com setenta e cinco anos de idade, realizamos o nosso quinquagésimo congresso, decidimos fazê-lo numa cidade que não é só uma cidade, é também um destino turístico fabuloso, com uma equipa que não representa apenas um destino turístico, é também um grupo de amigos próximos (…)”, afirmou Pedro Costa Ferreira, prometendo que da parte da APAVT “vai ser o melhor congresso de sempre”.

Em 1 de Dezembro de 2023, no 48.º Congresso da APAVT no Porto, a associação anunciou que Macau tinha sido escolhido como o destino preferido internacional para 2024.

A escolha do ‘destino preferido’ é um projecto anual da APAVT que tem como objectivo contribuir para dinamizar os fluxos turísticos para um determinado destino, através de um trabalho com a associação e os seus associados, sobretudo ao nível da promoção turística.

Antes, em 30 de Junho de 2023, a directora dos Serviços de Turismo de Macau disse esperar que “quase mil representantes” da indústria do turismo viajem de Portugal para o congresso da APAVT em Macau, enquanto Pedro Costa Ferreira previu, “no mínimo 750, 800 pessoas”.

Numa entrevista ao HM concedida em Maio, Pedro Costa Ferreira falou das oportunidades que Macau constitui não só pelo legado histórico que possui com Portugal, mas também pelas próprias características do território.

“Mais do que termos algo específico a desenvolver, o congresso é o final de uma etapa importante no nosso relacionamento, tendo em conta que vamos desenvolver também outras etapas. Temos feito um trabalho metódico e plurianual com Macau. Julgo que Macau pode ser considerado, juntamente com a Madeira, o local que tem o melhor relacionamento e trabalho feito com as agências de viagens em Portugal. 2025 será certamente o ano de ouro para Macau no seio da APAVT. Teremos certamente uma presença multifacetada e dinâmica no MIT [Macau International Travel (Industry) Expo, ou Exposição Internacional de Viagens (Indústria) de Macau]. Tudo o que é liderança turística europeia vamos levar a Macau em 2025. Depois tudo culminará com o congresso, onde passaremos a uma nova agenda e acções”, descreveu.

Menos constrangimentos

Pedro Costa Ferreira sugeriu ainda, no mesmo evento, que sejam criadas pelas autoridades portuguesas soluções estruturantes para as regiões de turismo, de forma a resolver constrangimentos que enfrentam e prejudicam a promoção turística.

“Para a APAVT foi um reencontro com os congressos fora de Portugal, depois de, em clima de pandemia, termos decidido realizar sucessivamente os nossos congressos em Portugal, defendendo e estimulando o turismo interno”, começou por referir.

Este ano, entre os 750 congressistas da reunião magna das agências de viagens e turismo, que serve para debater e reflectir anualmente o sector, esteve o secretário de Estado – pela primeira vez com estas funções -, e no encerramento também marcou presença o ministro da Economia, Pedro Reis. “Turismo interno, senhor secretário de Estado, que tem de continuar a ser defendido e estimulado, através de parcerias público-privadas, envolvendo naturalmente o Turismo de Portugal, mas sempre recorrendo também às regiões de turismo”, defendeu.

Tarefa que considera que não está a ser de fácil execução para estas entidades. “Ano após ano, parece-nos que, cada vez mais, estas manifestam dificuldades em apoiar e participar em eventos como o que acabámos de realizar, quer por falta de condições financeiras, quer, sobretudo, pela carga burocrática que enfrentam, e que manifestamente as afasta da sua natureza, a promoção das respectivas regiões”, explicou Pedro Costa Ferreira.

“Estamos certos, dr. Pedro Machado, que conhece esta realidade melhor do que ninguém, e que está naturalmente empenhado em contribuir para soluções estruturantes, que ajudem a resolver estes constrangimentos, que tanto prejudicam o turismo nacional”, disse o presidente da APAVT. Pedro Machado foi presidente da ARPT – Agência Regional de Promoção Turística Externa do Centro de Portugal e presidente da Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal.

Evocando a defesa que todos os agentes do turismo fizeram da necessidade de mais cooperação entre Portugal e Espanha e da conclusão de que os dois países ibéricos são cooperantes e não concorrentes no que à captação de turistas fora da Europa diz respeito, e com bons exemplos de alianças entre a Andaluzia e o Algarve, Pedro Costa Ferreira insistiu em dar condições às regiões de turismo. “Até porque, com tantos exemplos de cooperação transfronteiriça, e com tantas oportunidades de atracção conjunta da procura, por parte de Portugal e Espanha, mal seria que, por falta de recursos, não conseguíssemos acompanhar, nesta importante tarefa, os nossos amigos espanhóis”, reforçou.

28 Out 2024

Análise | Empresas chinesas buscam mercados emergentes para contornar sanções

A economista Fernanda Ilhéu defende, no recém-publicado Anuário da Economia Portuguesa 2024, que as empresas chinesas “estão a entrar numa nova fase de expansão global” com aposta em mercados emergentes do chamado “Sul Global”, para contornar “atitudes proteccionistas do Ocidente”

 

A economia chinesa é um dos destaques do mais recente Anuário da Economia Portuguesa, relativo a este ano, pela mão da economista Fernanda Ilhéu, que assina o artigo “Modelo Económico da China e Nova Fase de Globalização”.

A economista, ex-residente em Macau, defende que as empresas do país procuram cada vez mais novos mercados para expandirem e fugirem a novos constrangimentos comerciais.

“As empresas chinesas estão a entrar numa nova fase da sua expansão global utilizando a sua tecnologia e marcas, desenvolvendo, sobretudo no Sul Global, as suas cadeias de valor com vista a vendas nesses mercados, mas também em mercados desenvolvidos, evitando assim as tarifas alfandegárias aplicadas a alguns produtos feitos na China”, pode ler-se.

Entende-se por Sul Global o conjunto de países ligados à ideia de Terceiro Mundo ou, até, com economias em desenvolvimento.

Fernanda Ilhéu menciona também o actual cenário de abrandamento económico chinês, em linha com as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) tornadas públicas esta quarta-feira.

“O abrandamento do crescimento da procura no mercado interno chinês, e a feroz concorrência ali existente, tem levado as empresas chinesas a disputar os mercados das multinacionais americanas, europeias, japonesas, e não apenas nos países desenvolvidos, mas também em muitos países do Sul Global, onde a sua entrada está a ser facilitada pelos esforços diplomáticos do Governo chinês junto dos países com investimentos BRI”, ou seja, na Belt and Road Initiative, ou Faixa e Rota.

A autora destaca os exemplos de empresas chinesas nesta situação, citados na edição da The Economist de Agosto deste ano. Temos, assim, “a empresa Transsion, que produz mais de metade dos smartphones comprados pelos africanos, e a Mindray, que é a fornecedora líder de sistemas de monitoramento de pacientes na América Latina”.

A marca de retalho Shein vende, sobretudo, para “os consumidores brasileiros e mexicanos”, enquanto os “veículos eléctricos chineses com relevo para [as marcas] SAIC e BYD e as turbinas eólicas estão a expandir-se no mundo em desenvolvimento”. Segundo a The Economist, entre 2016 e 2023 “as vendas das empresas chinesas ao Sul Global quadruplicaram, atingindo 800 biliões de dólares e excederam as realizadas no mundo desenvolvido”, referiu a economista.

Recorde-se que as mais recentes previsões do FMI apontam para um possível agravamento da situação do mercado imobiliário na China, tendo reduzido as expectativas de crescimento para aquela que é considerada a segunda maior economia do mundo.

No relatório World Economic Outlook, o FMI reduziu a previsão de crescimento da China para este ano para 4,8 por cento, menos 0,2 por cento do que na projecção difundida em Julho. Em 2025, o crescimento deverá situar-se em 4,5 por cento, indicou a instituição, sublinhando também que a contracção do sector imobiliário chinês acima do esperado é um dos muitos riscos negativos para as perspectivas económicas globais.

“As condições para o mercado imobiliário podem piorar, com novas correções de preços no meio de uma contracção das vendas e do investimento”, lê-se no relatório.

Globalização é o caminho

Para Fernanda Ilhéu, as respostas para o sector empresarial chinês passam cada vez mais pelas oportunidades que a globalização pode fornecer, tendo em conta que “as atitudes proteccionistas do Ocidente têm levado a China a reforçar a sua presença no mundo emergente”.

Um dos exemplos mais notórios tem sido o braço de ferro entre países europeus e a China nas aquisições da rede 5G, ou ainda as tentativas de impor limites à exportação de carros eléctricos chineses com a aplicação de sanções provisórias.

Em Outubro do ano passado, a Comissão Europeia começou uma investigação que concluiu que a China beneficiaria de subsídios desleais na produção destes veículos, o que estaria “a ameaçar os produtores destes veículos na União Europeia”, lê-se no comunicado da instituição europeia no passado dia 4 de julho, no qual anunciava as novas medidas.

Foram, assim, aplicados os chamados “direitos de compensação” que, na prática, são impostos adicionais a marcas como a BYD, Geely e SAIC, respectivamente, de 14,4, 19,9 e 37,6 por cento. Os restantes produtores de veículos chineses elétricos a bateria estão sujeitos a uma tributação de 20,8 por cento e “outras empresas que não cooperem” estão sujeitas à mesma percentagem da SAIC.

Assim, segundo o artigo publicado no Anuário da Economia Portuguesa, “a entrada [da China nos mercados emergentes] faz-se cada vez mais através das cadeias de abastecimento globalizadas chinesas, por investimento directo estrangeiro green field que, de acordo com a fDi Markets, triplicou em 2023 alcançando o valor de 162,7 biliões de dólares”.

“A última vez que, nos últimos dez anos, a China tinha ultrapassado os 100 biliões de dólares de investimento no exterior tinha sido em 2016”, acrescenta-se.

O que virá?

Fernanda Ilhéu destaca que a China é “um país de classe média alta, de acordo com os critérios do Banco Mundial”, tendo a “pobreza absoluta sido erradicada em 2020”, embora “17,2 por cento da população chinesa ainda viva com menos de 6,85 dólares por dia (em termos de 2017 Paridade de Poder de Compra)”.

Porém, o cenário é hoje de abrandamento, sobretudo depois da covid-19. “As previsões são que, em 2024, o crescimento da economia chinesa desça para 4,5 por cento porque as vendas a retalho e a produção industrial estão a desacelerar, e o investimento em activos fixos a recuar.”

Fernanda Ilhéu destaca que “apesar das medidas que têm sido tomadas para evitar uma distribuição do rendimento muito desigual, elas permanecem entre o rendimento urbano e rural e entre as províncias”. Desta forma, “a procura interna permanece lenta, assim como a confiança nos negócios, muito afectada pela descida do valor do imobiliário na sequência da falência de grandes empresas do sector como o gigantesco colapso do Grupo Evergrande”.

Tratou-se de uma “falência de 340 biliões de dólares com efeitos sinérgicos em todo o tecido empresarial na China, nos investidores e nos consumidores”, destaca a economista, que aponta ainda outras explicações para este cenário de abrandamento.

“O fraco crescimento da economia reflecte também uma demografia adversa, pouco aumento de produtividade e o aumento de restrições a um modelo de investimento suportado pela divida, que é enorme, embora tenha vindo a diminuir”.

Assim, as autoridades chinesas já assumiram, segundo a economista, “a necessidade de introduzir políticas que relancem e reequilibrem a economia chinesa com elevadas repercussões na economia mundial”. Tratou-se de algo que gerou “enormes expectativas, interna e externamente, para a reunião do Terceiro Plenário do Comité́ Central do Partido Comunista da China, que se reuniu em Pequim, nos dias 15 a 18 de Julho de 2024”.

Assim, o grande objectivo do 14º Plano Quinquenal, pensado para os anos de 2021 a 2025, é, segundo Fernanda Ilhéu, “a passagem do crescimento de alta-velocidade para alta-qualidade”, existindo o objectivo de “modernizar o sector industrial, melhorar a ciência e tecnologia, impulsionar o rendimento das famílias e o consumo e expandir a classe média”.

Pretende-se ainda “revigorar as zonas rurais, coordenar o desenvolvimento regional e os programas de urbanização”, apresentar “soluções económicas avançadas, subir e integrar as cadeias de fornecimento completas com a ajuda de empresas estrangeiras” e garantir uma “maior abertura de mercado para atrair investimento directo estrangeiro”.

Em termos gerais, as autoridades de Pequim pretendem construir “um mercado interno unificado sem barreiras entre províncias que facilite o desenvolvimento de várias entidades do mercado”, bem como uma “interacção entre as políticas” da iniciativa Faixa e Rota.

No Plenário de Julho ficou também confirmado, para Fernanda Ilhéu, que “as autoridades [chinesas] estão a tomar medidas para reduzir as despesas familiares aumentando o seu rendimento disponível, melhorar a segurança social, mas também medidas para aumentar a criação de emprego de alto valor acrescentado, uma vez que o desemprego maior é nos jovens que têm elevados níveis de educação”.

Em termos dos governos das províncias, o Plenário de Julho tentou trazer novas medidas para “reduzir a sua vulnerabilidade financeira, como reformas que rebalançam as responsabilidades orçamentais e as receitas entre os governos locais e o central”. Desta forma, descreve Fernanda Ilhéu, “fortalece-se a autonomia financeira local e a melhoria da gestão da dívida”.

Até 2035 pode-se esperar o alcance de uma “modernização socialista” do país, descreve o artigo, graças a cenários de “autossuficiência económica e tecnológica, inovação e produtividade, uma transição ecológica e igualdade”. A prioridade é a “segurança nacional e o fortalecimento das relações entre o partido, a sociedade e a economia”, remata a análise de Fernanda Ilhéu, que também preside à Associação Amigos da Nova Rota da Seda.

24 Out 2024

BRICS | Encontro de Xi e Putin enviou “sinal positivo”, diz imprensa

A cimeira que reúne o grupo de economias emergentes termina hoje, com a imprensa chinesa a considerar que o diálogo entre os Presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin trouxe ao mundo um “sinal positivo”. Putin sugeriu que a mediação do conflito com a Ucrânia seja levada a cabo pela China, o Brasil e a Índia

 

Foi esta terça-feira que Xi Jinping, Presidente chinês, e Vladimir Putin, líder da Rússia, se encontraram em Kazan, cidade russa onde decorre mais uma cimeira dos BRICS, grupo de economias emergentes de que são fundadores não apenas a China e Rússia, mas também o Brasil e a Índia.

A cimeira dos BRICS chega hoje ao fim e espera-se que mais países possam entrar para o grupo. Porém, o foco desta reunião foi mesmo o encontro entre Xi Jinping e Putin, descrito ontem pela imprensa chinesa como um “sinal positivo” enviado ao mundo.

No encontro, Xi Jinping defendeu a “amizade inabalável” da China com a Rússia “apesar da situação internacional turbulenta”, e descreveu o bloco de economias emergentes BRICS como uma plataforma que vai contribuir para o advento de “uma ordem multipolar estruturada” e de uma “globalização económica acessível a todos”.

De acordo com Xi, o terceiro encontro com Vladimir Putin, este ano, acrescenta “um novo capítulo à amizade entre a China e a Rússia”, que “permanecerá inalterada”. “Xi e Putin já se encontraram mais de 40 vezes, estabelecendo uma forte relação de trabalho e uma profunda amizade pessoal. Os dois líderes mantêm uma comunicação aberta sobre questões estratégicas e são um exemplo de como devem ser as interações entre as grandes potências”, referiu o jornal oficial chinês Global Times, em editorial.

A publicação sublinhou que o encontro, que demonstrou a “confiança estratégica” entre a China e a Rússia, enviou “um sinal positivo” ao mundo porque indica que a relação é “independente e livre de interferências externas”.

“Alguns órgãos de imprensa ocidentais aumentaram a hostilidade em relação à Rússia nesta cimeira. Estão também a tentar desacreditar a cooperação entre a China e a Rússia com alegados confrontos entre blocos”, lê-se no editorial.

O jornal defendeu que os laços sino-russos “desempenham efectivamente um papel positivo em várias plataformas multilaterais, como o grupo BRICS, e isso é um facto inegável. Também promoveram conjuntamente a expansão da Organização de Cooperação de Xangai, reforçando a unidade dos países em desenvolvimento e do Sul Global”, pode ler-se.

Ainda segundo a publicação, a China e a Rússia têm “muitos parceiros” e os países do Sul Global estão a “avançar juntos” com “infinitas possibilidades de cooperação”.

Putin propôs a China, o Brasil e a Índia como possíveis mediadores em futuras negociações de paz com a Ucrânia, por oposição aos Estados Unidos, que, para Moscovo, estão interessados em prolongar o conflito.

Desde o início da guerra na Ucrânia, a China tem mantido uma posição ambígua, na qual tem apelado para o respeito da “integridade territorial de todos os países”, incluindo a Ucrânia, e à atenção às “preocupações legítimas de todos” os Estados, numa referência à Rússia.

Amizade sem fim

No encontro de terça-feira, Putin deixou claro a Xi que pretende “reforçar” ainda mais os laços com Pequim. “A Rússia e a China tencionam reforçar a sua cooperação para garantir a estabilidade”, afirmou o governante russo, acrescentando que as relações entre os dois Estados são “um exemplo” para todos os países, uma vez que são mutuamente benéficas e não respondem a conjunturas.

Xi Jinping elogiou, por seu lado, o seu homólogo russo pela solidez dos laços bilaterais num contexto internacional “caótico”. “O mundo está a passar por mudanças profundas, sem precedentes desde há um século. A situação internacional é caótica (…). Mas estou firmemente convencido de que a profunda amizade que uniu a China e a Rússia de geração em geração não mudará”, afirmou.

Xi agradeceu a Putin o convite para visitar Kazan, capital da república russa do Tartaristão, e recordou que este é o terceiro encontro entre os dois líderes este ano.

“Seguimos o caminho certo para construir relações entre grandes potências com base nos princípios do não-alinhamento, da não-confrontação e da não-destruição de países terceiros”, afirmou o líder chinês, que sublinhou ainda que o grupo BRICS é uma das plataformas mais importantes para a promoção de uma nova ordem mundial multipolar.

Adesões fechadas?

O grupo BRICS, inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia e China, passou depois a ter a África do Sul como Estado-membro, sendo que, este ano, se concretizou adesão de outros membros: Irão, Egipto, Etiópia e Emirados Árabes Unidos.

Porém, esta terça-feira, Moscovo afastou a possibilidade de virem a aderir mais países, alegando diferentes pontos de vista dos países-membros do grupo.

“A questão do alargamento não aparece [na agenda do encontro]. Existem diferentes pontos de vista”, disse o porta-voz do Kremlin (presidência russa), Dmitri Peskov, em declarações à imprensa local.

A Arábia Saudita e a Argentina deveriam ter aderido este ano ao grupo, mas a primeira nunca confirmou a sua decisão e a segunda retirou a sua candidatura à última hora.

Dado o grande interesse de vários países em participar nas actividades do grupo – cerca de 30 -, o Kremlin explicou que, neste momento, não aceitará mais países-membros e apenas Estados associados. Países como a Turquia, o Azerbaijão ou Cuba demonstraram oficialmente interesse em aderir, embora outros como a Venezuela, a Nicarágua, a Tailândia e a Malásia também tenham manifestado o desejo de entrar para o grupo.

O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, garantiu na semana passada que iria defender o equilíbrio de todas as regiões do mundo numa futura expansão dos BRICS. Segundo a imprensa, entre os critérios para aderir aos BRICS estão as relações amistosas com os actuais membros, não apoiar sanções económicas aplicadas sem autorização da ONU e defender a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O grupo BRICS, fundado informalmente em 2006 e que realizou a sua primeira cimeira em 2009, inclui países que representam cerca de um terço da economia mundial e mais de 40 por cento da população global.

O bloco procura tornar-se um poderoso contrapeso ao Ocidente na política e eventos comerciais mundiais, que são de particular interesse para Moscovo e Teerão, que enfrentam sanções europeias e norte-americanas.

Os analistas sublinharam que nesta cimeira, o Presidente russo, Vladimir Putin, tenta mostrar ao mundo que a Rússia não está tão isolada como o Ocidente tem afirmado, ao mesmo tempo que abre caminho para a formação de uma nova frente global que pretende desafiar a hegemonia dos Estados Unidos.

O amigo sul-africano

Na terça-feira, o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, classificou a Rússia de “aliado” e “amigo precioso” do seu país, antes de uma reunião bilateral com o homólogo russo, Vladimir Putin. “Continuamos a considerar a Rússia como um aliado querido, um amigo precioso”, noticiaram os jornalistas da France-Presse (AFP) que acompanharam o início do encontro.

Ramaphosa disse estar “muito satisfeito” por estar na Rússia para discutir “questões geopolíticas” com os outros membros da aliança BRICS, mas também temas como o “comércio, as alterações climáticas, a paz e a segurança”.

Vladimir Putin dirigiu-se a Ramaphosa afirmando que as relações entre a Rússia e a África do Sul “baseiam-se nos princípios de uma parceria estratégica abrangente, da igualdade e do respeito mútuo”. “O diálogo está a desenvolver-se”, afirmou Putin, acrescentando que o comércio bilateral aumentou 3 por cento entre Janeiro e Agosto deste ano. “E, claro, a Rússia atribui especial importância ao reforço das relações com os países do continente africano”, acrescentou.

Sancionado pelo Ocidente desde o lançamento da ofensiva militar na Ucrânia, em 2022, o Kremlin pode ainda contar com o apoio, ou neutralidade, de muitos Estados africanos.

O Presidente russo referiu ainda que espera pela presença do chefe da diplomacia sul-africana na cidade russa de Sochi, localizada na costa do Mar Negro, em 9 e 10 de Novembro, para uma reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros no âmbito da parceria “Rússia-África”.

Guterres e Putin

O secretário-geral da ONU, António Guterres, chegou ontem a Kazan para participar na 16.ª cimeira dos BRICS e reunir-se com o Presidente russo, Vladimir Putin. O encontro com o líder do Kremlin, que decorre hoje, é “uma das principais razões para a sua presença”, disse o porta-voz adjunto do secretário-geral, Farhan Haq. Esta é a primeira vez que Guterres e Putin se encontram desde Abril de 2022, dois meses após o início da campanha militar russa na Ucrânia.

Haq assumiu que Guterres vai sublinhar a Putin “a sua posição bem conhecida sobre a guerra na Ucrânia e as condições para uma paz justa baseada na carta fundadora da ONU e nas resoluções”, referindo-se à integridade territorial e soberania da Ucrânia. O porta-voz sublinhou que os países BRICS “representam quase metade da humanidade” e que, por isso, a cimeira “é de grande importância para o trabalho da ONU com os países membros” daquela organização.

24 Out 2024

História | Estudo indica que portugueses na Ásia tratavam escravos como família

Em “Escravatura, família e infância na diáspora portuguesa do sudeste asiático, séculos XVI e XVII”, Isabel dos Guimarães Sá refere que muitos comerciantes portugueses na Ásia, incluindo Macau, tinham escravos que eram encarados quase como família. A historiadora conta também situações em que escravos herdavam bens e verbas dos donos

 

Num tempo em que a escravatura era permitida e normalizada, os portugueses que viviam e faziam comércio na Ásia, incluindo Macau e China, mantinham os seus escravos que, segundo um estudo recente, eram considerados parte do núcleo familiar e até recebiam algumas contrapartidas após a morte dos donos.

Esta é uma das conclusões do artigo “Escravatura, família e infância na diáspora portuguesa do sudeste asiático, séculos XVI e XVII”, da autoria da historiadora Isabel dos Guimarães Sá, e que foi publicado na última edição da revista académica Ler História.

O trabalho baseia-se em testamentos e documentação das Misericórdias do Porto e Macau, que permitem perceber quem eram estes portugueses comerciantes e endinheirados, que bens deixaram depois da morte e quais os “significados que os chefes de família portugueses atribuíam aos seus escravos, entre eles crianças e jovens”.

Desta forma, grande parte dos testamentos dos séculos XVI e XVII que falam de escravos a trabalhar em territórios portugueses na Ásia referem “escravas domésticas”, situando-as “nas famílias dos seus proprietários, nas quais há uma presença significativa de crianças ou adolescentes escravizados”.

Segundo o estudo, “enquanto chefes de família, os proprietários de escravos revelaram um sentido de responsabilidade para com os seus dependentes, sobretudo as mulheres escravas, beneficiando-as com legados, muitas vezes destinados a facilitar os seus casamentos, ao mesmo tempo que lhes concediam a liberdade, restringindo assim a condição de escravos a um período circunscrito à sua vida”.

Assim, revela-se a existência de conceitos familiares que vão muito além dos laços de sangue, o que leva a autora a concluir que “estas pessoas de origem portuguesa consideravam os escravos como parte do seu agregado familiar, em comunidades onde predominava o comércio marítimo, caracterizado por longas ausências a bordo dos navios”.

Era um tempo em que ter escravos “era um dos sinais de estatuto de que dispunham”, “embora o sentido de responsabilidade dos testadores os levasse a assegurar o seu futuro após a sua morte, fazendo distinções de género”. Neste caso, “as raparigas constituíam a maioria dos jovens escravizados pelos portugueses, certamente devido à liberdade sexual dos homens que Boxer [Charles Boxer, historiador britânico] observou há muito tempo”.

A salvação matrimonial

É indicado no estudo que, para estas escravas, “o casamento parecia uma perspectiva provável após a morte dos seus senhores, cabendo a estes ajudá-las através de legados, formulados como bolsas de casamento geralmente concedidas em dinheiro”.

No caso dos rapazes escravos também havia acordos, “embora as somas fossem mais reduzidas e não houvesse a preocupação de lhes proporcionar um futuro casamento, uma vez que eram considerados capazes de ganhar a vida”.

Isabel dos Guimarães Sá destaca, porém, que existia “uma diversidade de situações e atitudes”, pois “alguns portugueses manifestaram a intenção de criar meninos e meninas como seus filhos, com o afecto que lhes era devido”. Já outros “estavam dispostos a negar a paternidade aos filhos das suas escravas, para não lhes concederem direitos sucessórios”. Desta forma, “a família surge como uma unidade cujas fronteiras, fluidas e flexíveis”, cabendo “ao chefe de família definir como detentor exclusivo dessa capacidade”.

O estudo deixa, porém, uma ressalva: “os testamentos não podem ilustrar nem as condições de vida destas pessoas escravizadas nem a sua agência”, transmitindo “uma imagem benigna das preocupações dos seus proprietários para com elas, num momento em que os testadores estavam a tratar da sua vida depois da morte e a ajustar contas com Deus”.

Meninas dominavam

Como era então a vida destes comerciantes e dos seus dependentes? O estudo explica que “a maior parte das actividades lucrativas dos portugueses na Ásia relacionava-se com o comércio marítimo, exigindo longas temporadas no mar”, sendo que os mercadores tinham “bases de apoio em terra, como Goa, Cochim, Malaca e Macau”, deixando “a família e escravos nessas cidades”, embora também tivessem parte dela a bordo.

No caso dos escravizados, “primavam pela variedade de origens geográficas e étnicas”. “Por serem crianças, adolescentes e jovens, muitos deles eram fruto de ligações entre portugueses e cativas”, acrescenta-se.

Nestas rotas de comércio, os portugueses “foram os primeiros europeus a entrar no comércio de escravos no Oceano Índico, fornecendo escravos africanos da África Oriental até Macau”, sendo posteriormente copiados por outros países europeus.

Em termos de escravatura, refere-se que os historiadores são consensuais ao referir que “a maioria dos escravos comercializados na Ásia era do sexo feminino, nomeadamente raparigas e mulheres jovens adquiridas pela sua atractividade sexual, e também crianças”, sendo que estas “eram escravizadas no mundo do Oceano Índico pelos mesmos meios que noutras regiões do globo”, nomeadamente “raptos, ataques de escravos ou venda por membros da família”.

É certo que os portugueses se “adaptaram às formas de escravatura já existentes”, sendo que, na China, “a venda de crianças só era considerada tráfico de escravos se fossem vendidas por alguém que não fosse o seu tutor legal”.

Havia, assim, uma ligação entre a propriedade portuguesa de mulheres escravas e a “ideologia confucionista, segundo a qual as mulheres eram mais ou menos consideradas propriedade dos homens”.

Ainda nesta época, “os escravos não desempenhavam um papel económico importante na China, e a forma dominante de escravatura era a escravatura doméstica: prisioneiros políticos, cativos de guerra, vítimas de rapto e aqueles que se vendiam a si próprios ou aos seus parentes para pagar dívidas”.

O estudo aponta também que “uma das formas como os portugueses afectaram o equilíbrio existente na Ásia foi precisamente através da dinamização do tráfico humano”. Porém, em Macau, “houve várias tentativas infrutíferas dos mandarins chineses, que governavam de facto a cidade, para proibir a escravização de chineses e japoneses”.

O caso Francisco Fernandes

São inúmeros os exemplos de testamentos referidos no artigo, mas destacamos o de Francisco Fernandes, de Macau, cujo testamento datado do ano 1635 declarava o seguinte: “Comprei uma rapariga por nome Luísa, de vinte dias de idade, não com intenção de cativeiro, mas com amor de uma filha que tenho criado com o mesmo amor”, tendo-a “livre para sempre”.

O mesmo testamento descreve que deixou também “uma rapariga por nome Isabel, de casta japonesa, para ser libertada e receber quinhentos cruzados para ajudar no seu casamento”. No entanto, “no caso de a dita moça morrer antes de casar, metade da dita prata será entregue à Misericórdia para casamento de órfãos, e outra parte a Isabel Vieira, sua patrona”, a quem pediu “que a trate como até agora tem feito”. “Peço à dita moça que seja obediente a sua senhora e que me confie a Deus”, é acrescentado no testamento de Francisco Fernandes.

23 Out 2024

Comércio | Estudo prevê que plataformas chinesas liderem compras de Natal

Um estudo prevê que uma em cada cinco prendas seja comprada numa plataforma de comércio online chinesa, como a Temu, Shein, AliExpress e TikTok. A investigação da consultora Salesforce realça também a influência global da IA no consumo e do efeito da perda do poder de compra dos consumidores no comércio global

 

Se dúvidas houvesse sobre a presença online cada vez maior das plataformas de comércio chinesas, estas voltam a desvanecer-se com o mais recente estudo da consultora Salesforce, o Salesforce Shopping Index de 2024. As previsões apontam para que uma em cada cinco prendas compradas para o Natal será efectuada em plataformas de comércio online chinesas, como a Temu, Shein, AliExpress e TikTok, que ocupam uma fatia de 21 por cento de vendas, na previsão da Salesforce.

Segundo a consultora, a previsão “reflecte o recente crescimento destas plataformas”, pois “mais de um terço, 35 por cento, dos compradores afirmam que estão a comprar mais nas aplicações nos últimos três meses em comparação com o mesmo período em 2023”.

O estudo dá conta de que “a aplicação a observar mais de perto” nas semanas prévias à época natalícia, quando todos correm a comprar os presentes para os mais próximos, “pode ser o TikTok”, pois “desde a última pesquisa, em Abril de 2024, houve um aumento de 24 por cento no número de consumidores que relatam ter feito uma compra através da aplicação”.

Num mercado que vinha sendo dominado pela Shein, marca de roupa que vende em todo o mundo, ou pela AliExpress, a Temu tem ganho destaque. É difícil pesquisar na Internet sem que nos deparemos com publicidade à plataforma, além de que o seu fundador é o homem mais rico da China, o que demonstra o sucesso do negócio. Colin Huang, com uma fortuna de mais de 50 mil milhões de dólares, conseguiu ultrapassar o anterior homem mais rico do mundo, Zhong Shanshan, dono da Nongfu Spring, empresa de água engarrafada.

Apesar do sucesso, as marcas Temu e Shein têm estado envoltas em algumas polémicas. No caso da Temu, o caso mais recente prende-se com a exigência da Comissão Europeia relativa a informações pormenorizadas sobre a alegada venda de produtos ilegais, as quais tinham de ser enviadas até ontem. Após a análise da informação requerida, a comissão poderá abrir um processo de infracção.

Já a Shein tem sido acusada de copiar o design de roupas, nomeadamente por marcas como a H&M, Ralph Lauren ou Adidas. Mas o mais recente caso, divulgado em Agosto, prende-se com o processo que a própria Shein está a iniciar contra a Temu. A primeira acusa a segunda de roubar designs de roupa e vários segredos industriais, bem como de montar uma “trama” para se infiltrar no mercado dos Estados Unidos da América (EUA), vendendo produtos a preços tão baixos que a própria Temu estaria a perder dinheiro em cada transacção.

Desafios e descontos

Para chegar a estes dados, a Salesforce avaliou os números de mais de 1,5 mil milhões de consumidores em sites de retalho agregados à Salesforce em mais de 64 países. Só nos EUA, a consultora ou os dados de 29 dos principais 30 retalhistas online para estimar aos comportamentos de consumo e as maiores tendências nos mercados.

Para a Salesforce, o período de compras para o Natal deverá arrancar já no dia 1 de Novembro e terminar a 31 de Dezembro. Apesar do crescimento significativo da presença de empresas chinesas no mercado, a verdade é que o índice de compras prevê um “crescimento modesto das vendas”, uma continuação do cenário do ano passado.

“Com 47 por cento dos compradores a dizer que vão comprar a mesma quantidade que no ano passado, e com 40 por cento a comprar menos, o crescimento das vendas nas férias deve ser mais brando do que em 2023, que aumentou três por cento em termos anuais para 1,17 mil milhões de dólares”, pode ler-se.

Para este ano, estima-se que as vendas globais cresçam ligeiramente menos, 2 por cento, nos últimos dois meses do ano, totalizado 1,19 mil milhões de dólares americanos.

Claro que a época de saldos ou descontos especiais poderá ainda potenciar mais as compras. A Salesforce “prevê que as taxas de desconto a nível global aumentem brevemente em Outubro, atingindo um desconto médio de 28 por cento durante a ‘Cyber Week'”, a chamada “segunda-feira cibernética” destinada a compras após o Dia de Acção de Graças, nos EUA, e que decorre a 2 de Dezembro. O índice de compras prevê que só nos EUA a taxa de desconto pode atingir, em média, até 30 por cento.

A consultora destaca a competição como a palavra de ordem para as semanas que antecedem o Natal. “Os retalhistas devem enfrentar uma época de compras mais curta e mais competitiva com descontos”, sendo que os desafios passam pelo facto de “competirem por consumidores com menos poder de compra do que nos anos anteriores”. Neste ponto, a Salesforce salienta para que dois terços dos consumidores de todo o mundo dizem que os preços vão influenciar bastante as decisões na hora de fazer compras este ano. Assim, “à medida que os consumidores procuram as melhores ofertas, os retalhistas podem utilizar descontos fortes e estratégicos para atrair e converter os compradores”, sugere a Salesforce.

O poder da IA

Outro ponto importante deste estudo é o papel que a inteligência artificial (IA) terá no processo de compras, um avanço tecnológico que pode ser aproveitado pelos comerciantes e empresas para terem um melhor posicionamento no mercado.

Segundo a Salesforce, “os retalhistas também podem utilizar a IA para aumentar o número de funcionários, a eficiência operacional, criar relações mais profundas com os clientes e aumentar as margens”, graças à personalização de recomendações de produtos e promoções.

“Esta época será competitiva, intensa e, sem dúvida, centrada nas estratégias de preços e descontos. Nunca foi tão importante aproveitar a tecnologia como a IA e confiar nos dados do cliente para obter orientação e informações internas sobre campanhas de marketing, especialmente o calendário promocional de férias, que mantém clientes fiéis a comprar mais e a comprar desse retalhista”, afirmou Caila Schwartz, directora de Estratégia e Insights do Consumidor da Salesforce.

As previsões mostram que 18 por cento das encomendas globais, durante a época natalícia que se avizinha, sejam influenciadas por uma combinação de IA “predictiva e generativa”, equivalendo a 201 mil milhões de dólares americanos em vendas online.

Além disso, mais de metade dos compradores inquiridos, 53 por cento, afirmam ter interesse em “utilizar a IA generativa como inspiração para comprar o presente perfeito”, enquanto outros preferem comparar preços e definir orçamentos na época de Natal.

Sendo uma empresa virada para o chamado “software on demand”, as informações da Salesforce têm por base sistemas de armazenamento de dados em nuvem como o Commerce Cloud, Marketing Cloud e Service Cloud, resultando em dados agregados de comércio online de 12 mercados principais, onde se inclui a região da Ásia-Pacífico, Japão, países nórdicos, EUA e outros países europeus, nomeadamente Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal ou Países Baixos, bem como a Austrália e Nova Zelândia.

22 Out 2024

Médio Oriente | Um ano após ataque do Hamas, risco de guerra total

Um ano após o ataque do Hamas a Israel, a 7 de Outubro de 2023, o Médio Oriente poderá estar à beira da guerra total, que, defendem analistas, pode ser evitada se os principais actores mundiais assim o entendam.

Em declarações à agência Lusa, Ian Lesser, responsável pela delegação de Bruxelas do German Marshall Fund, desdramatizou a ideia de inevitabilidade que a situação se agrave ou se espalhe para além do Líbano, sublinhando tratar-se de “um desenvolvimento transformador”.

“Temos assistido a uma série de desenvolvimentos transformadores ao longo do último ano. E poderá ter outros efeitos políticos mais alargados na região. Alguns negativos, obviamente, mas também alguns potencialmente positivos a longo prazo. Mas não há dúvida de que estamos num mundo ligeiramente diferente do que estávamos há um ano e não creio que seja inevitável que isto resulte num confronto directo à escala entre Israel e o Irão, por exemplo. Penso que ainda há uma boa dose de cautela em relação a isso”, sustentou.

Para Lesser, é “uma possibilidade remota alguma forma de regresso a um processo de paz”, o que exigiria uma mudança política dentro de Israel. “E penso que não há perspectivas a curto prazo para isso”.

“O que vimos no último ano apenas sublinha o facto de que os países colocam a soberania e a segurança em primeiro lugar. Temos visto muitos exemplos disso. Basta pensarmos nos Estados Unidos depois do 11 de Setembro [de 2001]. É muito fácil que as estratégias se tornem desproporcionadas e ganhem uma dinâmica própria. E é este o dilema que se está a colocar hoje em dia, embora não creia que o que está a acontecer entre Israel e os seus vizinhos esteja a redefinir o sistema internacional”, explicou.

Lesser sublinhou que os Estados Unidos têm interesse em trabalhar com Israel para ultrapassar as actuais crises, tendo em vista uma região mais estável e, idealmente, reiniciar um processo com os palestinianos. “Esse continuará a ser o derradeiro prémio diplomático para os Estados Unidos”.

Esse processo com os palestinianos, prosseguiu, “tem sido evitado por sucessivas administrações” da Casa Branca, mas “talvez, desta vez, as condições produzam efectivamente um acordo, idealmente com a solução com dois Estados”.

“Não é impossível, porque estes acontecimentos foram tão desastrosos e cataclísmicos que abalaram realmente a ordem regional. E se as políticas se alinharem da forma correcta, em Israel, mas também no seio da comunidade palestiniana, talvez seja possível fazer alguma coisa. E penso que qualquer administração norte-americana vai querer encorajar isso”, concluiu Lesser.

O International Crisis Group (ICG) lembra que os sucessivos ataques e consequentes represálias de Israel, Hezbollah e Hamas, além dos Huthis (Iémen), têm levantado várias questões quanto ao futuro de um conflito, em que já se questiona uma intervenção com armas nucleares.

A lógica americana

Num artigo de análise publicado na quinta-feira, o ICG refere que o Presidente norte-americano, Joe Biden, que tem tentado mediar um cessar-fogo, já defendeu que as represálias israelitas devem excluir o ataque às instalações nucleares do Irão, mas adverte para outros golpes importantes contra Teerão que podem também provocar uma escalada descontrolada.

“Apesar dos ataques de Israel ao Hezbollah, o aliado mais importante do Irão, a administração começou a unir-se em torno da opinião de que uma guerra total era cada vez mais improvável, com alguns funcionários a questionarem-se se o Irão responderia energicamente aos seus reveses. Perante este cenário, vários responsáveis norte-americanos parecem sentir-se cada vez mais atraídos pela lógica militar de Israel, tendo um deles afirmado que a campanha de Israel no Líbano poderia ser uma oportunidade geracional para refazer a região”, defende o ICG.

“Vozes proeminentes em Israel e os seus apoiantes nos Estados Unidos consideram que o momento é propício para esta última opção, encorajando Israel a atacar, a jugular, eliminando o programa nuclear iraniano ou mesmo derrubando o seu regime. Estas pessoas estão a exortar Washington a remover os grilhões que acreditam ter impedido Israel de exercer a sua vantagem no último ano”, advertiu o “think tank”.

Segundo o ICG, embora as observações de Biden sobre a proporcionalidade e a inaceitabilidade de um ataque às instalações nucleares do Irão sugiram que a Casa Branca não está disposta a ir tão longe, “continua a haver motivos de preocupação” e um deles é que “uma administração norte-americana impressionada com a proficiência táctica israelita, limitada pela política interna e nervosa com as eleições presidenciais que se aproximam no início de Novembro, dê luz verde a uma resposta israelita maciça”.

“A escalada seria, no entanto, um erro e aqueles que apelam a mais não compreendem o ataque iraniano de 1 de Outubro: Teerão não quer uma guerra nem é cego ao perigo que enfrenta. Teve de compreender o risco que estava a correr quando disparou contra Israel”, alerta a ICG.

“Seja o que for que um Irão ameaçado e encurralado possa fazer em resposta a um ataque de grandes proporções, não pode igualar o poderio militar dos EUA e de Israel, mas é quase certo que causaria uma destruição considerável e provocaria uma nova escalada”, prossegue.

7 Out 2024

RAEM, 25 anos | Heitor Romana revela planos para evacuar portugueses

Heitor Romana foi durante nove anos assessor do Governador Rocha Vieira. Numa palestra no Centro Científico e Cultural de Macau recordou os tempos da transição e a preparação de planos para evacuar portugueses em caso de turbulência política na China e na região

 

Antes da assinatura da Declaração Conjunta, em 1987, Heitor Barras Romana, professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, foi para Macau a trabalhar numa unidade definidora de estratégias em matéria de segurança para o território, ainda durante o Governo de Carlos Melancia.

Nessa fase chegaram a ser preparados planos para a retirada dos nacionais portugueses a residir em Macau caso se verificasse, na China e na região, um cenário de turbulência política. A confissão foi feita no âmbito da conferência “Contributos para uma análise estratégica do processo de transição de Macau”, proferida no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), no passado dia 19 de Setembro, nas semanais “Conversas Sábias”.

As autoridades portuguesas pretendiam “sair a bem” do território e chegaram a ser elaborados “planos de contingência em relação a cenários em que se tivesse de retirar os portugueses de Macau”. Incluíam-se, assim, os portugueses e seus descendentes bem como os detentores de nacionalidade portuguesa cujo local de nascimento tivesse sido Macau até 1981.

Tal iria ocorrer face a “um cenário de convulsão interna na China, em que se alterasse a ordem de equilíbrios e relações diplomáticas com Portugal”.

“Era essa a perspectiva que se tinha e que não tinha nada de estratégico, mas situacional. Era essa a abordagem que se fazia de Macau. Ainda estava bem presente a memória do ‘1,2,3’, e se houvesse uma convulsão regional teriam de se antecipar cenários, de forma a retirar em segurança os portugueses que estivessem no território”, descreveu.

Segundo Heitor Romana, estava em causa os últimos acontecimentos políticos na China, com o episódio de Tiananmen, em 1989, e a queda da URSS. “As atenções estavam viradas para aquilo que veio a acontecer em 1989, com o desmembramento da URSS e todo o sistema. Do ponto de vista geopolítico, a China não entrava no jogo das preocupações que Portugal tinha obrigação de acompanhar em determinados sectores. No essencial, Macau não era tido no jogo dos interesses geoestratégicos de Portugal, mas havia a vontade de uma boa resolução quando tivesse de ocorrer a saída de Portugal de Macau e o fim da sua administração.”

A China vinha, desde 1978, vivendo o período de Reforma e Abertura, mas pensava-se que “o desmembramento da URSS poderia contaminar a realidade do sistema político e ideológico da China”. “Essa era uma das teses defendida não apenas em Portugal, mas por parte de analistas americanos e ingleses. Pensava-se que o fim da URSS iria contaminar o regime político chinês e levar à queda da República Popular da China”, lembrou, algo que não aconteceu, como a história veio a mostrar.

O trabalho de análise em matéria de segurança do académico foi realizado quando tinha cerca de 30 anos, e foi por iniciativa de Carlos Melancia que se criou a “unidade de análise geoestratégica sobre Macau e China que também envolvia a ‘questão de Macau’, e já era uma questão política e diplomática”. Nesse sentido, frisou, “era importante perceber o que podia acontecer na China que pudesse afectar ou acelerar a saída [dos portugueses de Macau]”.

“O trauma” do Império

Heitor Romana recordou também que o desejo de “sair bem” de Macau, por parte das autoridades portuguesas, acarretava consigo o fantasma da descolonização em 1975, no rescaldo da Guerra Colonial.

“Veio-se a perceber mais tarde, no quadro das relações bilaterais, e mais alargado ao multilateralismo e política internacional no seu todo, que ‘sair bem’ tinha como pano de fundo o trauma da descolonização, em relação à forma apressada como Portugal tinha saído dos territórios ultramarinos em 1975”, apontou. O responsável descreveu “o medo” que existia em relação “àquilo que ainda faltava ‘descolonizar’, nomeadamente Macau”, sem esquecer os episódios da perda da Índia portuguesa, em 1961, ou de Timor.

“Havia na memória colectiva a ideia de que a saída de Portugal dos seus territórios não tinha corrido bem por variadas razões. A percepção era de que, em Macau, não havia razões para que corresse bem. A visão era muito pessimista.”

Em 1989, após os acontecimentos de Tiananmen, Carlos Melancia vai a Pequim reunir com as autoridades chinesas, tendo sido “o primeiro representante de um país europeu a ir a Pequim depois desse episódio”.

Segundo o académico, nos anos 90 a China vivia “um processo de ajustamento político e ideológico que teve repercussões não no processo de transição [de Macau], mas sim na natureza desse processo”, pois no seio do partido havia uma “luta surda entre sectores mais reformistas e ortodoxos”.

O conceito “Um País, Dois Sistemas” tinha sido recentemente anunciado a pensar em Taiwan, e o primeiro-ministro chinês que assinou a Declaração Conjunta, Zhao Ziyang, acabou por “cair em desgraça três anos mais tarde”, pois, na visão de Heitor Romana, tinha sido secretário-geral do partido em Cantão e era “visto com desconfiança”. Isto porque “historicamente Cantão tinha tido relações privilegiadas com ocidentais, diga-se Portugal e Reino Unido, e essa relação próxima, comercial, política e de miscigenação gerava dúvidas quanto à lealdade desses dirigentes face aos princípios basilares do partido. O problema de Zhao Ziyang residia nesse facto”, afirmou.

Melancia queixa-se

Ainda relativamente ao período de governação de Carlos Melancia, falecido em Outubro de 2022, Heitor Romana lembrou uma reunião em que este lhe disse existirem “forças” que o queriam prejudicar.

“Carlos Melancia disse-me que havia [essas] forças, mas não vou dizer nomes. Fiquei espantado com a franqueza dele, pois disse-me que o problema que tinha não era com a China, mas sim com Portugal e com aqueles que colaboravam consigo no gabinete.”

Heitor Romana considera que a transição de Macau estava então envolvida numa teia difícil de jogos e tramas políticos. “Aí percebi que Portugal e os portugueses, Macau e a sua governação, estavam envolvidos numa trama muito complicada que poderia levar a resultados muito negativos para os interesses estratégicos de Portugal, incluindo as relações bilaterais e interesses da salvaguarda daquilo que, mais tarde, veio a ser identificado como a identidade de Macau e a sua singularidade.”

Rocha Vieira, o último

Entre 1990 e 1999 Heitor Romana foi assessor de Rocha Vieira, homem escolhido para ser “o último Governador de Macau” no sentido de assegurar a estabilidade necessária ao território. “Mário Soares [à época Presidente da República] tinha uma preocupação muito grande de que o próximo Governador fosse o último e que garantisse estabilidade. Já não era só a questão de irmos embora a bem, mas havia o possível efeito sistémico dos problemas gerados à volta de Macau”, e que se centravam em “jogos político-partidários que estavam muito acesos”. Havia, no fundo “questões ideológicas que também envolviam o aspecto político-partidário, pois o Governo [em Portugal, liderado por Cavaco Silva] era diferente da matriz ideológica do Presidente da República”, estando criadas “todas as condições para que não corresse bem” a transição de Macau.

Vasco Rocha Vieira chegou a Macau numa fase de “vulnerabilidade e fragilidade política”, tendo gerado “uma enorme expectativa” para que “pudesse pôr ordem no território”. O novo Governador acabou por assumir, segundo o orador, “uma postura imune a todos esses processos, o que na altura suscitou muitas críticas, mas que foi eficaz”.

Rocha Vieira ganhou “um espaço próprio, ajudando a definir muito bem o processo de transição até 1999 e depois”. “As autoridades chinesas perceberam que ele tinha uma personalidade muito própria e não podiam deixar de ser sensíveis nessa situação de liderança. Viam no Governador de Macau esse interlocutor desejado para que o processo [de transição] corresse bem”, disse ainda.

Heitor Romana lembrou que, no processo de transição, procurou definir-se ainda a ideia de identidade própria de Macau. “Na fase final da presença portuguesa em Macau foi visível que o Governador tinha a missão da defesa e salvaguarda dos interesses de Portugal, e isso passava muito pela defesa da identidade de Macau. Era esse o elemento diferenciador, comparando com Hong Kong ou Taiwan.”

Assim, a Lei Básica de Macau foi “obrigada a incorporar, de certa forma, esta visão da especificidade de Macau”. “Há uma estratégia para Macau, de Portugal, definida pelo Governador e a sua equipa, de que era importante ter uma identidade própria. O mito refundador de Macau está presente no papel do macaense, sendo um activo estratégico histórico que vai ser o eixo daquilo que é a natureza específica de Macau”, rematou.

25 Set 2024

Clima | Sugerida criminalização de ligações ilegais de esgotos

Um relatório recentemente divulgado pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos prevê que, até final deste século, Macau irá registar um aumento da precipitação e subida do nível do mar. O arquitecto Mário Duque propõe a criminalização de ligações ilegais de esgotos para tentar minimizar o impacto

 

Segundo uma projecção apresentada recentemente pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG), com base no sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), prevê-se não só a subida de precipitação em termos globais como da altura do nível do mar, isto entre o meio e o final deste século.

Sendo assim, que respostas podem ser dadas em termos urbanísticos? O arquitecto Mário Duque tem-se debruçado sobre esta matéria em alguns artigos de opinião e, em resposta ao HM, sugere, por exemplo, a criminalização de todas as ligações ilegais de esgotos que, em época de tufões e subida do nível das águas, podem causar inúmeros estragos.

Tendo em conta que “as circunstâncias que convergem para inundações na RAEM não são possíveis resolver em absoluto, ou definitivamente, importa medidas de adaptação para que os habitantes da cidade convivam com situações de inundação, mantendo-se funcionais e sem danos”.

Assim, deve-se, no entender do arquitecto, “fiscalizar e penalizar como crimes contra o ambiente e a saúde pública todas as ligações privadas de esgotos domésticas feitas ilegalmente a redes pluviais”, devendo-se ainda “substituir todas as redes antigas de esgoto unitário”. Este tipo de esgoto, que existe no território, conjuga infra-estruturas de esgotos domésticos com pluviais, e, segundo Mário Duque, ainda funciona em muitas casas e fracções nas zonas mais baixas do território.

Chuvas fortes

Divulgado no passado dia 11 de Setembro pelos SMG, o relatório IPCC traça algumas conclusões preocupantes no que diz respeito ao futuro do território na sua relação com a água. “Estima-se que a temperatura global de Macau entre o meio e o fim do século XXI irá continuar a subir”, sendo que “os eventos climáticos de temperaturas elevadas tornar-se-ão mais frequentes”, e que “a precipitação global e a altura do nível do mar em Macau também vão sofrer alterações”.

As autoridades estimam a ocorrência de crescentes cenários de “precipitação extrema”, e que “num cenário de emissões intermediárias, a precipitação anual e a precipitação máxima diária anual em Macau, em meados do século XXI, entre os anos de 2041 e 2060, irão aumentar cerca de 8,3 e 5,8 por cento, respectivamente”, em relação aos valores médios registados entre 1995 e 2014.

Além disso, “num cenário de emissões muito elevadas, a precipitação máxima diária do ano no final do século XXI”, já para os anos de 2081 a 2100, “vai aumentar cerca de 30 por cento, reflectindo um aumento significativo da precipitação extrema”.

O mesmo estudo acrescenta que “seja qual for o cenário do século XXI, a altura do nível do mar em Macau vai aumentar”, sendo traçadas várias previsões. “Num cenário de emissões intermediárias, em meados do século XXI (2041-2060), a altura do nível do mar em Macau vai aumentar cerca de 0,31 metros em relação aos valores médios de 1995 a 2014, e no final do século XXI (2081 a 2100), está projectado um aumento de cerca de 0,64 metros”, pode ler-se. Assim, indica o relatório, “é previsível que a subida do nível do mar venha a agravar o impacto das marés astronómicas e do ‘storm surge’ em Macau”.

O documento destaca o lado universal destas mudanças, pois “à medida que o aquecimento global no século XXI se intensifica e a frequência de fenómenos meteorológicos extremos aumenta significativamente em todo o mundo, Macau vai enfrentar também problemas relacionados com as alterações climáticas, tais como temperaturas elevadas, aumento da precipitação extrema e subida do nível do mar”.

Almeida Ribeiro é exemplo

Perante estas previsões, os SMG defendem que cabe à população e sociedade adoptar uma série de medidas com base nos quatro pilares que norteiam os “Alertas antecipados para todos”, da Organização das Nações Unidas.

São eles a “consciencialização e conhecimento sobre catástrofes e riscos”, a “observação e previsão”, “a preparação e capacidade de resposta” e também a “divulgação e comunicação de informações”. Tudo para que se possa “elevar a capacidade de resposta a desastres meteorológicos e enfrentar conjuntamente os desafios globais, tais como as alterações climáticas e os desastres naturais”.

Os SMG sugerem, ainda o reforço do “intercâmbio e a cooperação com os serviços públicos e entidades privadas e promover a generalização da educação meteorológica”.

Para Mário Duque, é também importante que “a forma urbana esteja vocacionada para admitir e canalizar ar através do espaço urbano, isto ao nível em que os habitantes das cidades o usam, ou seja, o espaço público ao nível do solo”.

O arquitecto destaca o bom exemplo do planeamento da Avenida de Almeida Ribeiro. “É óbvio que a tipologia e a configuração urbana da Avenida de Almeida Ribeiro, planeada muito antes de se falar de alterações climáticas, é a solução mais adequada a muitas, senão todas, estas contingências actuais”, refere, apontando uma crítica à construção da Ponte Cais 16, onde se situa um hotel e casino. Esse empreendimento “não devia ter obstruído a abertura da avenida ao estuário”.

“Em casos de alta densidade urbana, o espaço de canal, nomeadamente as ruas, desimpedido e em direcção à periferia será sempre a configuração urbana mais favorável”, pois quando chove “as praças mais interiores funcionam como superfícies de exaustão do ar quente da cidade”.

No caso do aumento das chuvas nos próximos anos, Mário Duque refere a possibilidade de cobertura de percursos e locais de correspondência de transportes, “para conforto dos habitantes da cidade”.

Para o responsável, “o acréscimo de temperaturas urbanas será sempre equilibrado com a repercussão em acréscimo de pluviosidade, se suportado por uma forma urbana favorável”. Mas coloca-se o caso das inundações, que ocorrem com frequência em Macau e quase sempre originadas pelos tufões.

Neste contexto, “o acréscimo de inundações por redução do estuário, a elevação dos níveis de maré e o aumento de pluviosidade afigura-se uma batalha perdida, porque os desenvolvimentos de todos os factores não se atenuam entre si, antes contribuem para a mesma intensificação”.

Dados do relatório da Organização Meteorológica Mundial referidos pelos SMG apontam que o ano passado “foi o mais quente de que há registos”, pois a temperatura média global próxima da superfície terrestre foi 1,45º, superior à média do período anterior à Revolução Industrial, entre os anos de 1850 e 1900.

Neste contexto, “as principais concentrações de gases de efeito de estufa na atmosfera”, como é o caso do dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, “continuaram a aumentar”.

“Ao mesmo tempo, o aquecimento oceânico, a acidificação oceânica, a subida do nível do mar, o manto de gelo nos oceanos antárticos e os icebergues voltaram a bater recordes. O nível médio global do mar também atingiu um novo máximo histórico, na última década, desde 2014 a 2023, pois subiu mais do dobro em relação ao valor do nível médio entre 1993 e 2002”, pode ler-se.

No caso concreto de Macau, e desde a criação dos SMG, em 1952, até ao ano passado, “o aumento da temperatura média anual de Macau foi de 0,10 graus Celsius em cada 10 anos”, sendo que 2019 foi o ano mais quente, com uma temperatura média de 23,6 graus celsius. O segundo ano mais quente foi 2021, com uma temperatura média de 23,5 graus. Média semelhante foi registada no ano passado, com 23,4 graus celsius.

25 Set 2024

Efeméride | Ponte Nobre de Carvalho faz 50 anos no dia 5 de Outubro

Há 50 anos, a vida em Macau fazia-se essencialmente na península, porque não havia praticamente nada nas ilhas. A construção da Ponte Governador Nobre de Carvalho veio acelerar o desenvolvimento que se impunha, incorporando uma mitologia que inclui dragões e adivinhos

 

A primeira travessia entre Macau e a ilha da Taipa completa no próximo dia 5 de Outubro 50 anos sobre a sua inauguração. Uma obra de engenharia inovadora que perseguia o desenvolvimento económico local e com uma história que não dispensa dragões nem idas ao adivinho.

Meia hora de barco para chegar à outra margem do rio, na ilha da Taipa, e uma hora para a ilha de Coloane. Dessas travessias, Anabela Ritchie conta “aventuras do outro mundo”, como quando, em viagens da escola, a maré descia e “a galhofa era ainda maior”, com o barco parado no estuário do rio das Pérolas e o pessoal à espera que as águas subissem para ser retomada a viagem.

Na idade adulta, chegaram outras certezas. Como a de que, na ligação entre margens, a macaense alcançaria o destino sem percalços. A construção da primeira ponte terrestre entre a península de Macau e a ilha da Taipa – projecto há muito aguardado, mas adiado por falta de fundos – foi finalmente anunciada em Janeiro de 1969.

E a imprensa regional deu voz à já antiga pretensão: a Gazeta Macaense escreveu sobre a “valorização das ilhas”; o Tai Chung Pou assinalou “a construção mais importante e de maior envergadura no decorrer dos últimos 400 anos”; nas linhas do Notícias de Macau ficou registada a “decisão histórica”, que o South China Morning Post, diário de Hong Kong, classificou de “sonho favorito de Macau”.

Antes da inauguração, um grupo de jornalistas chegou a visitar, em Maio de 1974, a futura nova ponte, tendo observado, segundo relato do jornal O Clarim, “os trabalhos de pavimentação dos passeios e da colocação do primeiro poste de iluminação eléctrica”.

“Estes postes, de ferro, serão colocados na parte Norte, a uma distância de cerca de 27 metros uns dos outros, e garantem uma iluminação perfeita nas faixas de rodagem. O sr. coronel Mesquita Borges [à data chefe de gabinete de Nobre de Carvalho e presidente da Comissão de Censura à Imprensa] informou que existiam várias subcomissões para preparar os festejos da inauguração, devendo as suas propostas ser baseadas num esquema sóbrio e digno”, pode ler-se no jornal de matriz católica.

Pagava-se portagem

Nos primeiros anos de funcionamento da ponte, sensivelmente até ao início dos anos 80, pagava-se portagem, que funcionava do outro lado do rio, na Taipa Pequena. Assunto que foi discutido antes com os jornalistas e dado a conhecer à população. Também no jornal O Clarim, na edição de 25 de Agosto de 1974, surgia um texto de opinião intitulado “Regulando o problema da portagem da Ponte Macau-Taipa”. O artigo teve como base “o projecto do decreto provincial que regula o regime de pagamento de portagens pela utilização da ponte Macau-Taipa” distribuído pela comunicação social, uma “atitude de apreciar por parte do Governo que, assim, antes de aprovar o documento legal (…) pretende conhecer o que pensa a população sobre este assunto de reconhecida importância, porque todos, sem excepção, se vêem envolvidos nele”.

O artigo argumentava que se “justificava a portagem”, por se tratar “de uma obra em que se investiu uma soma elevada de capital que recebeu por empréstimo e que se torna necessário amortizar com os rendimentos da província”. “Se todos beneficiam, todos deverão contribuir para o seu pagamento, isto se fazendo nas mais diversas partes do mundo mesmo nas economicamente mais gradas”, lia-se ainda.

Porém, sugeria-se no mesmo artigo de opinião que o Executivo de Nobre de Carvalho deveria “proceder com mais moderação quanto às tarifas da portagem, tendo em mente não só o quantitativo em si, mas as possibilidades económicas do meio, ainda bastante rudimentares”. À época, pretendia-se “intensificar as comunicações entre as duas parcelas de território tantos anos desligadas”.

Esse mesmo objectivo foi mais tarde anunciado pelo próprio Governador português. A ponte iria “contribuir decisivamente para o desenvolvimento e expansão económica desta província e constituirá um alto padrão a documentar e a afirmar a política portuguesa nos territórios ultramarinos”, anunciou o então governador de Macau, Nobre de Carvalho (1910-1988), considerando a ponte indispensável para abrir “excelentes perspectivas” nos sectores do turismo e das comunicações.

As obras arrancaram no ano seguinte e, poucos meses após a Revolução de Abril, a 5 de Outubro de 1974, inaugurou-se a ligação, um dos últimos empreendimentos do Estado Novo no território, projectado pelo engenheiro português Edgar Cardoso (1913-2000).

Do lado de Macau, a ponte Governador Nobre de Carvalho encarava dois outros símbolos da cidade: o Hotel Lisboa, um dos principais casinos locais e propriedade de Stanley Ho, inaugurado em 1963, e a gigante estátua equestre do ex-Governador Ferreira do Amaral (1803-1849) a agitar um chicote em direcção a um grupo de chineses, herança do regime de Salazar que dali foi retirada ainda antes da transição para a China.

A primeira vez

Foi à beira de fazer 7 anos que Violeta Couto do Rosário cruzou o rio pela primeira vez de carro. Fê-lo no Volkswagen carocha azul do pai, onde seguiam cinco adultos e quatro crianças. À frente, diz a portuguesa natural de Macau, viajavam outros tantos no Mazda RX3 verde do senhor Moura. “Era pequenina, mas tenho um sentimento forte por esse dia”, conta.

“Mudou tudo, passámos a ter um acesso facilitado às praias, porque, de resto, nas ilhas não havia nada de especial, era tudo rural”, recorda a jurista do Instituto para os Assuntos Municipais.

De um total de 248.636 habitantes em Macau, em 1970, viviam na ilha da Taipa 5.352 pessoas e 1.871 em Coloane, de acordo com dados oficiais cedidos à Lusa. As ilhas, por sua vez, já estavam ligadas por um istmo desde 1968.

“Ninguém imagina a pasmaceira que era a Taipa”, confirma Anabela Ritchie que, por volta de 1975, se mudou para aí, quando o marido foi destacado como delegado de Saúde para as ilhas. Foram ocupar uma das cinco moradias coloniais verdes da avenida da Praia.

“A ponte veio abrir a Taipa, embora ainda, durante muito tempo, nós tenhamos continuado aquela vida pacata”, recorda a então professora, notando que, ao encurtar distâncias, a Nobre de Carvalho teve para a família um “significado especialíssimo”.

“Passar a ponte de manhã e ao fim do dia, depois do trabalho, é uma coisa que está na minha gaveta de excelentes memórias”, lembra ainda Ritchie, primeira mulher a ocupar a presidência da Assembleia Legislativa (1992-1999).

Também Carlos Ferraz, do Laboratório de Estruturas Edgar Cardoso, que chegou a acompanhar o engenheiro à região anos após a construção, para a realização de ensaios à ponte, não esquece “o monumento”, de “uma leveza extraordinária”, em grande parte pré-fabricado, “como se fosse um lego”.

Construída inicialmente com mais de três quilómetros – entretanto sofreu reduções, tendo hoje cerca de 2,5 quilómetros – a travessia tem o ponto mais elevado do tabuleiro a 35 metros acima do nível do mar, garantindo a passagem de embarcações. Na altura da construção, foi considerada a ponte contínua de betão armado pré-esforçado mais longa do mundo, de acordo com o portal da Direcção dos Serviços de Obras Públicas de Macau.

“Foi inovador nesse sentido de fazer estruturas que eram contínuas, não tinham juntas, porque as juntas dão sempre muitos problemas em termos de manutenção”, explica o engenheiro Carlos Ferraz.

A forma do dragão

Ciências à parte, a ponte, que, diz-se desde sempre, sugere a forma de um dorso de um dragão, em que a cabeça é representada pelo hotel-casino Lisboa e a cauda pelo monumento em ziguezague Conjunto Escultórico (1985) da Taipa, esteve em tempos nas mãos de um adivinho.

Carlos Ferraz lembra o episódio, quando alguém, que prefere não identificar, consultou, a certa altura, um mestre para trazer sorte àquela passagem. “Foi dito [pelo adivinho] que tem de haver uma interrupção na ponte e então passou a haver sempre um candeeiro fundido”, diz.

Hoje, a Nobre de Carvalho, conhecida também por ponte Macau-Taipa ou ponte velha, permite apenas a circulação de transportes públicos ou veículos autorizados e é a única que se pode atravessar a pé. Constrói-se agora a quarta travessia entre as duas margens, para dar resposta a uma cidade que recebe perto de 30 milhões de visitantes ao ano, pelo menos quatro vezes mais do que no final do século passado.

22 Set 2024

Estudo | Apontadas falhas históricas no acesso de macaenses ao ensino

Em “Lingu Maquista – O Patoá, ou Língua de Macau”, Manuel Fernandes Rodrigues, da Universidade de York, expõe falhas históricas da administração portuguesa de Macau a partir do século XVIII que levaram ao afastamento parcial dos macaenses do ensino e, consequentemente, a redução da difusão do patuá

 

“Lingu Maquista – O Patoá, ou Língua de Macau” é o mais recente estudo de Manuel Fernandes Rodrigues, macaense e académico ligado à Universidade de York, que acaba de ser publicado na “Daxyangguo – Revista Portuguesa de Estudos Asiáticos”, edição do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

O artigo expõe falhas, que podem ser imputadas ao período da administração portuguesa de Macau a partir de meados do século XVIII, nomeadamente no que diz respeito ao afastamento dos macaenses do sistema de ensino, o que acabou por levar à redução gradual do seu crioulo, o patuá, que hoje está praticamente em vias de extinção.

Nas conclusões do estudo, o autor aponta que “a língua materna macaense era ensinada nas escolas pelos frades a par do português e do latim”. Além disso, o patuá “era língua de comunicação, do comércio dos macaenses, chineses, asiáticos e escravos africanos e de raiz ásio-portuguesa até meados do século XX”.

Numa altura em que as ordens religiosas dos jesuítas dominavam o sistema de ensino, Manuel Fernandes Rodrigues conclui que “com a [sua] expulsão, os governantes portugueses privaram os macaenses de instrução e ensino escolar, do primário ao universitário, a partir de 1762, ou seja, por mais de um século”.

Não que os macaenses tenham ficado de braços cruzados. O estudo mostra que sempre tentaram recuperar o anterior sistema de ensino, com “insistentes pedidos de instrução e ensino escolar ao Governador, Vice-rei e Governo Central do Reino [que] nunca foram cabalmente satisfeitos nem explicadas as recusas”.

Tendo em conta esses pedidos, só em 1862 se criou “A Nova Escola Macaense” pelo então Governador de Macau, o Visconde de Cercal, criada para “assegurar a instrução dos macaenses”, mas “a solução governativa, já por si tardia, não preenchia as mais básicas necessidades de instrução requerida pelos macaenses”.

Depois, em 1870, foi ainda feita uma petição assinada por 300 macaenses dirigida a Sérgio de Sousa, à época Governador, “para a manutenção dos professores jesuítas no seminário [de S. José], que não foi atendida pelo Governo central do reino”, ou seja, em Portugal. Só depois seria criada a Escola Comercial Pedro Nolasco e a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses.

Desta forma, a proibição do ensino à comunidade, bem como “a ausência de políticas sociais e económicas da administração portuguesa causou o total descalabro e muito contribuiu para o declínio comercial da cidade que foi grandemente acelerado pela perda dos seus mais enérgicos e melhores intelectuais, professores, administradores, embaixadores e gestores”, resultando “na perda de investimento, confiança e relacionamento comercial com as regiões vizinhas”.

Segundo Manuel Fernandes Rodrigues, “as políticas económicas, de instrução e de ensino impostas pelo Governo português desnacionalizaram os macaenses, forçando-os a emigrar para procurar meios de subsistência para conseguirem sobreviver”. Apesar disso, “os macaenses souberam ultrapassar as intenções e negligências das políticas de instrução e ensino das autoridades portuguesas, mantendo-se fiéis à sua nacionalidade”, descreve.

Em termos gerais, “durante 450 anos a instrução dos macaenses passou por grandes crises causadas, inicialmente, pela expulsão das Ordens Religiosas do Reino pelo Marquês de Pombal, em 1759”, e depois com o decreto-lei do tempo do Estado Novo, em 1939, que decreta o português como língua veícular no território e, consequentemente, nas escolas.

“Esta crise duradora afectou, não só, a qualidade do ensino em geral como ostracizou a ‘Lingu Maquista’ em particular, tornando-a actualmente em uma língua com pouca expressão na população macaense em geral, apesar dos esforços de a reviver nas peças teatrais e na música religiosa e laica”, aponta o autor.

Aparecimento da Escola Comercial

Tendo em conta as dificuldades de acesso dos macaenses ao ensino, muitos deles tinham aulas em casa, sendo que “a instrução dos macaenses no ensino doméstico e particular manteve o patoá como língua vernacular das famílias macaenses até das mais distintas”. Só em 1878 se colmatou essa “privação de ensino” para os membros da comunidade, ou seja, 116 anos depois da expulsão dos religiosos e consequente fecho das escolas.

Essa foi a data do estabelecimento da Escola Comercial “Pedro Nolasco”, criada pela Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), fundada anteriormente em 1871. Manuel Fernandes Rodrigues destaca que a escola era financiada pelos macaenses, porém, aos seus estudantes “estava vedado o acesso às universidades portuguesas”, uma interdição que apenas chegou ao fim em 1952. “Esta interdição de mais de 74 anos cortou o acesso da grande maioria dos estudantes macaenses ao ensino universitário em Portugal”.

Referem-se ainda desigualdades no acesso aos cargos públicos no período da Administração portuguesa. “Os macaenses eram considerados bem qualificados para os empregos nas repartições dos respectivos governos estrangeiros em Hong Kong e Shanghai, mas estava-lhe vedado o acesso aos empregos do funcionalismo público e militar pelos governantes portugueses em Macau”.

Criados “cargos simbólicos”

Chegados aos anos 80 e à preparação para a transferência da administração portuguesa de Macau para a China, a 20 de Dezembro de 1999, não se colmataram as lacunas existentes desde tempos antigos no acesso ao ensino e empregos no Governo por parte da comunidade. Pelo contrário: para Manuel Fernandes Rodrigues, com o programa de “Localização dos Quadros” na Função Pública, criaram-se apenas “alguns lugares simbólicos [para macaenses] na Administração portuguesa, quando a decisão da transferência de soberania para a China já estava tomada”.

Quais as consequências de vários anos de afastamento dos macaenses dos principais sistemas de ensino e do acesso ao ensino superior português? Na visão do autor do estudo, o maior impacto deu-se no desaparecimento progressivo do patuá.

“O patoá, embora uma língua vernacular de fácil aprendizagem, não conseguiu resistir à falta de instrução escolar e de empregos”, sendo que, no contexto da emigração da comunidade macaense, “a política de instrução e de emprego seguidas em Hong Kong e nas concessões europeias de Shanghai permitiu a empregabilidade dos macaenses, levando à substituição do português pelo inglês”.

Em termos gerais, Manuel Fernandes Rodrigues entende “a ausência de uma política para a Instrução e Ensino, Gestão e Política Económica dos governantes portugueses levou ao desaparecimento dos melhores administradores, gestores e professores”, bem como “ao declínio económico e a aniquilação da ‘língu maquista'”, ou língua macaense, em patuá.

Quais as origens?

O patuá começou a ser falado em Macau a partir de 1553, ainda antes do estabelecimento oficial dos portugueses no território (1557), tornando-se “na linguagem vernacular até meados do século XX”. Com a entrada em vigor de um decreto-lei a 3 de Setembro de 1939, já no Estado Novo, passou a ser obrigatório usar-se o português em Macau, sendo que “o patoá passou a ser escrito como patuá, mais em linha com a ortografia portuguesa”. Até então, as famílias mais antigas referiam-se à sua língua como patoá derivado do termo “patois”, ligado ao francês.

Na relação dos macaenses com a aprendizagem, o estudo denota que “a sociedade macaense sempre entendeu a Instrução e Ensino como alicerce do desenvolvimento humano e económico”, sendo que uma das primeiras escolas católicas onde se ensinavam macaenses data de 1572, nomeadamente a “Escola de Ler e Escrever” fundada pelos padres Paulistas, nome dado pela comunidade macaense aos jesuítas. A escola destinava-se “a meninos e meninas da população lusitana, bem como aos próprios adultos de ambos os sexos”.

O Colégio de São Paulo, anexo à Igreja de São Paulo ou de Madre de Deus, foi a primeira universidade do território, fundada em 1594. Eram ministrados “cursos superiores com o grau académico de Mestre em Artes, como nas universidades estrangeiras”. Em 1758, seria fundado o Seminário de S. José “que se tornou no centro, por excelência, da Instrução e Ensino dos macaenses”, onde grande parte dos docentes eram jesuítas.

16 Set 2024

Espanha-China | Visita de Sanchéz encarada como fomentadora de “eixo de diálogo”

O primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez visitou esta semana a China, a segunda visita oficial no espaço de um ano, algo “invulgar” aos olhos do analista Xulio Ríos, especialista nas relações Espanha-China. Ao HM, o analista afirma que a visita poderá “dar uma resposta adequada ao desequilíbrio comercial bilateral”

 

 

Espanha procurou esta semana estreitar as relações com a China com a visita do seu primeiro-ministro, Pedro Sánchez. Procurando reforçar relações culturais e económicas, as mais recentes declarações de Sánchez recaíram sobre os veículos eléctricos.

Segundo a agência Lusa, Pedro Sánchez disse que a Comissão Europeia e os países membros da União Europeia (UE) devem reconsiderar a posição em relação às taxas sobre veículos eléctricos chineses.

“Precisamos todos de reconsiderar, todos juntos, não apenas os Estados-membros, mas também a Comissão, a nossa decisão. Não precisamos de uma guerra comercial, precisamos de construir pontes entre a UE e a China”, afirmou Sánchez, em Kunshan, na China, numa conferência de imprensa no final de uma viagem de vários dias ao país.

Sánchez insistiu na necessidade de “tentar encontrar uma solução, um meio termo entre a China e Comissão Europeia”. “Estamos a reconsiderar a nossa posição”, afirmou.

O primeiro-ministro espanhol considerou os veículos eléctricos chineses “francamente avançados” e disse que as grandes marcas europeias têm “muito a aprender com as tecnologias e avanços das marcas chinesas”.

Sánchez mostrou-se convencido de que será possível alcançar uma solução negociada que contribua para melhorar a relação comercial entre a China e a UE e agradeceu a “atitude construtiva” das autoridades chinesas.

Em Agosto passado, a Comissão Europeia reviu as taxas à importação de veículos elétricos chineses, justificando que os apoios estatais que recebem os fabricantes da China criam concorrência desleal.

Em resposta, a China anunciou uma investigação por concorrência desleal a produtos lácteos e à carne de porco importada dos países da União Europeia, o que afecta em especial França, Itália, Dinamarca, Países Baixos e Espanha. As exportações de carne de porco da União Europeia ascenderam a 2,5 mil milhões de euros no ano passado. Quase metade do total veio de Espanha.

Ao HM, o académico Xulio Ríos, especialista nas relações entre Espanha e China, destacou as dificuldades na relação bilateral oriundas deste conflito comercial. “Na sua segunda visita à China em pouco mais de um ano, algo invulgar, e recebido pelo Presidente Xi Jinping e pelas mais altas autoridades do país, Sánchez terá podido tomar o pulso à situação numa altura em que as relações UE-China estão numa posição difícil”.

Olhar os eléctricos

Durante esta deslocação à China, Sánchez reuniu-se com executivos das empresas chinesas de veículos eléctricos SAIC, Chery e Hunan Yuneng, visando atrair novos investimentos em Espanha num sector em que a China está na dianteira.

No arranque da visita, reuniu-se também com o Presidente Xi Jinping, num encontro em que defendeu uma “ordem comercial equitativa” e disse que Espanha quer promover relações “mais próximas, ricas e equilibradas” entre a UE e a China.

“A Espanha quer trabalhar de maneira construtiva para que as relações entre ambas as regiões sejam mais próximas, mais ricas e mais equilibradas”, disse Sánchez a Xi Jinping, em Pequim, na segunda-feira.

Para Sánchez, num contexto geopolítico e económico mundial cada vez mais complexo, a China e a UE devem trabalhar com o objectivo de superar diferenças através da negociação, com espírito de diálogo e colaboração e dentro de contextos multilaterais.

“Acima de tudo, devemos procurar soluções que sejam benéficas para todas as partes, e esse é o compromisso e o desejo de Espanha”, afirmou o líder do Governo espanhol, no encontro com Xi Jinping.

Xulio Ríos acredita que esta visita pode também constituir “a chave para que a Espanha possa dar uma resposta adequada ao desequilíbrio comercial bilateral e incentivar a presença de mais empresas na China”.

Espera-se, assim, que “persista a harmonia entre ambas as partes” e que tal “se revele um capital político de grande relevância para enfrentar desafios comuns”. Além disso, tanto Espanha como a China deverão “promover o diálogo como principal mecanismo para encontrar soluções negociadas para as tensões tarifárias com a UE”.

O académico considera que é “necessário escolher um caminho e soluções consensuais que tenham em conta os interesses de ambas as partes ou um furo mais profundo do que o desejado naquela bolha que a China e a UE conseguiram construir com perseverança nos seus quase 50 anos de relações formais”, pautado por um lado construtivo “e de respeito mútuo”.

“A Espanha, claramente preocupada com os efeitos imediatos da abertura de uma dinâmica de confronto comercial com a China, vai, no entanto, além das implicações para este ou aquele sector explicitamente ameaçado por esta dinâmica negativa”, destaca o académico, lembrando que foram enfatizados alguns princípios para este relacionamento, nomeadamente “o diálogo bilateral e o enquadramento multilateral”. “Independentemente da cor do governo em funções, este é o compromisso construtivo que sempre caracterizou a posição da Espanha na relação com a China”, referiu.

Ir além das restrições

Xulio Ríos considera que, nesta polémica comercial onde os veículos eléctricos são parte da questão, devem-se “contornar as restrições às trocas para possibilitar o fortalecimento e o aprofundar as relações”.

O académico destaca outros pontos fortes que podem beneficiar o relacionamento entre os dois países. “O ambiente internacional é complexo e os compromissos de cada parte podem, por vezes, dificultar o exercício de uma autonomia que proporcione a flexibilidade necessária. Contudo, se ambas as partes assumirem o compromisso com a estabilização como a sua principal tendência, esta poderá ser efectivamente preservada.”

Xulio Ríos destaca, por exemplo, a guerra na Ucrânia e o conflito na Faixa de Gaza. “A tradição espanhola de compromisso com a paz goza de crédito na China e é, sem dúvida, uma carta de apresentação que pode facilitar o envolvimento na promoção de processos de paz em conflitos como a Ucrânia ou Gaza, que preocupam a comunidade internacional. Estas opções devem ser exploradas.”

O analista recorda que, nesta visita, Pedro Sánchez e Xi Jinping “sublinharam a importância de prestar atenção aos novos sectores económicos nas áreas da alta tecnologia ou da transição verde, da cooperação climática, da indústria transformadora, da biotecnologia ou da indústria aeroespacial, bem como à expansão da cooperação com países terceiros”.

Ficou também claro, nesta visita, “que o diálogo não deve apenas materializar-se na cimeira, mas deve permear a maior variedade possível de plataformas e actores, do empresarial ao social, do poder central ao regional. Esta densa rede está organizada como uma garantia de salvaguarda contra tensões”. Xulio Ríos dá o exemplo “do valor das respectivas culturas [chinesa e espanhola] como um suporte de contextualização”, tratando-se de um “activo de valor económico e político que não deve ser desconsiderado porque constitui um pilar firme de uma comunicação rica e profunda que pode influenciar a orientação geral dos laços bilaterais”, rematou.

Xulio Ríos é fundador do Observatório da Política Chinesa e autor de mais de uma dezena de livros sobre a China, nomeadamente “La China de Xi Jinping”, lançado em 2018.

UE | China elogia “posição racional” de Sánchez e apela ao diálogo

A China afirmou ontem que aprecia a posição “racional e objectiva” do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que apelou na quarta-feira à União Europeia para reconsiderar a imposição de taxas alfandegárias punitivas sobre veículos eléctricos chineses. “A sua posição é racional e objectiva e a China aprecia-a”, disse a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros, Mao Ning, em conferência de imprensa, comentando as observações de Sánchez durante a sua recente visita ao país asiático.

Mao Ning apelou a Bruxelas para que seja “flexível” e “sincera” e que trabalhe com Pequim para encontrar “um meio-termo”, resolvendo as fricções económicas “através do diálogo e da consulta”.

Durante a sua visita, Sánchez também sublinhou que “não há necessidade de uma guerra comercial” e defendeu a necessidade de encontrar um “meio-termo” entre a UE e a China para resolver as fricções económicas.

“Esperamos que a UE dê ouvidos a vozes racionais e objectivas e compreenda bem as vantagens complementares e a oportunidade de cooperação que existe entre a China e a Europa no domínio dos veículos eléctricos”, acrescentou Mao.

A porta-voz sublinhou que o desenvolvimento da indústria dos veículos eléctricos é do interesse tanto da Europa como da China: “As duas partes devem trabalhar em conjunto para enfrentar os desafios, o que beneficiará as empresas e os consumidores de ambas as partes. Ajudará também a China e a Europa, e mesmo o mundo, a avançar na sua transformação ecológica”.

“A China sempre se comportou com sinceridade em relação a esta questão e procurou ativamente soluções para cumprir as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) que são aceitáveis para ambas as partes. Queremos promover o desenvolvimento de laços estáveis e saudáveis nas relações comerciais entre a China e a UE”, defendeu Mao. Com Lusa

13 Set 2024

5G | Exclusão da Huawei pode custar mais de mil milhões a Portugal

A Consultora EY conclui que a exclusão da tecnológica chinesa do 5G pode levar a um aumento de 7% das tarifas médias em Portugal. A Huawei contribui, pelas contas da EY, com 718 milhões de euros por ano para a economia nacional. Uma exclusão definitiva da Huawei do 5G pode custar mais de mil milhões de euros à economia portuguesa, estima a EY numa análise publicada nesta segunda-feira

 

Num momento em que ainda decorre o processo interposto pela tecnológica chinesa contra a deliberação da Comissão de Avaliação de Segurança (CAS) segundo a qual a participação da empresa na implementação da rede mais recente seria de “alto risco”, a empresa chinesa, citando dados da consultora, escreve que “a substituição dos equipamentos Huawei na rede 5G acarretaria um custo total superior a mil milhões de euros para a economia portuguesa, incluindo 339 milhões de euros em investimentos de substituição e 193 milhões de euros em investimentos futuros”.

A contribuir para o impacto estarão ainda 282 milhões de euros associados a perdas de produtividade, 156 milhões de euros de depreciações, 24 milhões em consumo de energia e 58 milhões no custo de oportunidade, num total de 1.052 milhões de euros.

A participação da Huawei na implementação do 5G na Europa teve oposição em vários países por receios de risco para a segurança, incluindo Portugal.

O estudo, no entanto, realça os benefícios que a economia portuguesa colhe desse papel. “O ecossistema da Huawei em Portugal contribui com 718 milhões de euros por ano para a economia nacional, dos quais 197 milhões correspondem a Valor Acrescentado Bruto (VAB)”.

No capítulo laboral, a EY estima que o efeito multiplicador da Huawei é de sete vezes, “com o ecossistema Huawei a suportar 651 postos de trabalho diretos e a impactar mais de 4 mil indiretos, seja através na cadeia de valor ou induzidos pelo consumo permitido pelo rendimento das famílias”, num total de 4.767 empregos.

A análise da consultora estima ainda que a actividade da Huawei gera 143 milhões de euros em impostos.

A exclusão da Huawei pode ainda, segundo o estudo da EY, encarecer as tarifas pagas pelos consumidores. “Excluindo perdas de competitividade dado que não afetam os fluxos de caixa dos operadores de telecomunicações, banir a Huawei da rede 5G em Portugal teria um impacto no preço médio pago pelos consumidores de 7%”, calculam os autores.

O estudo aponta ainda que “a exclusão da Huawei poderia atrasar a implementação completa da rede 5G no país”, o que pode “impedir os cidadãos e empresas de tirarem pleno partido das vantagens da tecnologia 5G”.

Ministro desvaloriza

O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, disse esta segunda-feira no Now “não acreditar” que a rede de telecomunicações nacional fique mais cara ou mais lenta pela exclusão da tecnológica chinesa Huawei da rede 5G.

O responsável referiu que o governo actual herdou a avaliação de segurança do governo anterior, salientando que o grupo de trabalho formado e todos os especialistas “apontam para a necessidade de tornar o nosso sistema menos permeável a este tipo de potenciais ameaças”.

O ministro com a tutela das Telecomunicações reconhece que foi seguida a posição mais dura dos EUA, mas salienta que o “consenso” alcançado com as operadoras permite calendarizar os investimentos de forma a que as empresas tenham “uma janela temporal mais lata” e “não tenham agora que mudar tudo” em termos de equipamentos.

Mas a Europa confirma

A exclusão da Huawei e da ZTE das redes 5G aumenta os desafios no mercado europeu e vai obrigar a um maior investimento. O alerta consta de um documento da Comissão Europeia sobre o futuro das infraestruturas digitais.

Já a Espanha não segue os passos radicais dos portugueses e vai utilizar a tecnologia da Huawei para montar a sua rede de 5G a preços muito mais baixos e com tecnologia mais eficiente. Pedro Sanchez, primeiro-ministro socialista espanhol, que se encontra actualmente na China em busca de negócios, não seguiu os passos do também socialista António Costa. Mas também não seguiu para a União Europeia para se tornar Presidente do Conselho Europeu.

Comentadores afirmaram que o preço pago por Portugal com a sua atitude de rejeitar a Huawei de forma tão radical, indo mais longe do que foi aconselhado pela própria União Europeia, foi capitalizado por António Costa junto dos sectores mais pró-americanos da União Euopeia, nomeadamente a sua nova “amiga” Ursula Van Leyden, recentemente reeleita presidente da Comissão Europeia, com o surpreendente apoio de António Costa que, aparentemente, pertenceria a outra família política, já que Ursula Van Leyden faz parte do grupo dos conservadores e não dos socialistas e sociais-democratas, que é o caso de António Costa.

Portugal arrisca-se assim a partir tarde e de forma cara para a instalação do 5G em todo o seu território. Com o processo levantado perla Huawei ainda por conhecer uma decisão final, há quem espere que Portugal “caia em si” e não “prejudique o seu próprio povo, na medida em que encontrará uma solução inevitavelmente mais cara”.

Já Jorge Costa Oliveira, ex-secretário de Estado e no passado importante jurista em Macau, num texto de opinião no Diário de Notícias, refere que : “Esperemos que a preclara decisão em relação à Huawei de um obscuro órgão independente – que em momento algum piou quando era público e notório que agências dos EUA espi(av)am países aliados europeus, nem viu qualquer mácula nas obrigações das empresas americanas serem obrigadas a reportar às autoridades federais americanas muito para além do que se suspeitava – não desfaça a imagem de Portugal perante grandes investidores chineses.”

E acrescenta: “Os crânios da “cibersegurança” podem estar-se nas tintas para a atração de investimento num país carente de investimento estrangeiro, mas o governo português tem obrigação de saber melhor. Repare-se no governo espanhol que ainda não tomou posição em relação a eventuais exclusões de empresas de operar ou fornecer no setor do 5G… Provavelmente só o fará se obrigado pela Comissão Europeia… Quem não percebe a diferença não devia exercer cargos políticos de responsabilidade.”

12 Set 2024

Chefe do Executivo | Discursos iniciais de Sam Hou Fai enquanto presidente do TUI

O único candidato a Chefe do Executivo esteve à frente do Tribunal de Última Instância desde a transição. No seu primeiro discurso falou da importância do uso da língua chinesa na justiça e de ter um “sistema jurídico aperfeiçoado correspondente à realidade da região”. O HM recorda os três primeiros discursos de Sam Hou Fai entre 2000 e 2003

 

No dia em que foi oficializada a única candidatura ao cargo de Chefe do Executivo da RAEM por parte de Sam Hou Fai, recordamos os três primeiros discursos do ex-presidente do Tribunal de Última Instância (TUI) nos primeiros anos da RAEM.

Respirava-se ainda o ar da transição e os tempos na justiça eram de mudança, tendo em conta que se implementavam leis e códigos bilingues elaborados nas últimas duas décadas, ainda durante a administração portuguesa.

Sam Hou Fai, no primeiro discurso como presidente do TUI, no ano judiciário de 2000/2001, dava conta de alguns desafios existentes, nomeadamente no que diz respeito ao bilinguismo e necessidade de celeridade da própria justiça. Nesse discurso defendeu a existência, na RAEM, de “um sistema jurídico aperfeiçoado, correspondente à realidade da Região e dos seus cidadãos, aceite com simpatia pelas pessoas de todas as comunidades que é o fundamento da estabilidade e do desenvolvimento permanente da sociedade”, sendo também “a garantia básica da dignidade judiciaria e do respeito pelas decisões judiciais”.

À época, vigorava o conceito de “Administração de Macau por gente de Macau”, quando actualmente se defende que o território deve ser governado por patriotas. Sam Hou Fai apelava não só à implementação prática deste princípio como “à concretização plena de ‘Um País, Dois Sistemas'” e “o alto grau de autonomia” atribuído ao território “e de outras instituições fundamentais consagradas na Lei Básica”. Estava, assim, “criado o sistema jurídico aperfeiçoado da RAEM”.

Nesse tempo, Sam Hou Fai destacava que “a construção de um novo sistema político” trazia “necessariamente profundas influências para todos os sectores da sociedade”.

“A alteração e os desafios a enfrentar pelo sistema judicial, como uma parte importante que integra o sistema político, são igualmente muito evidentes”. Aos juízes cabia apoiar a resolução “dos diversos conflitos públicos e privados, proteger a estabilidade social e os direitos e interesses legais dos cidadãos”.

O uso do chinês

No ano judiciário de 2000/2001, Sam Hou Fai apelava ao uso crescente do chinês nos tribunais, depois de anos de domínio da língua portuguesa. “Os juízes dos tribunais de todas as instâncias e o Conselho dos Magistrados Judiciais estão perfeitamente cientes da exigência ansiosa dos cidadãos de ver a língua chinesa utilizada nos tribunais. No entanto, considerando as situações objectivas dos juízes dos tribunais de todas as instâncias, dos advogados, dos funcionários de justiça e do recurso dos intérpretes, os tribunais podem apenas alargar gradualmente a utilização da língua chinesa para assegurar o funcionamento normal da justiça e evitar a protelação do julgamento dos processos”, é descrito.

Sam Hou Fai discorreu também em algumas ideias quanto à importância da manutenção da independência dos tribunais. “Os juízes não estão sujeitos a interferência de qualquer poder nem obedecem a quaisquer ordens ou instruções. Os aplausos, críticas ou acusações dirigidos pelo público aos órgãos judiciários não devem constituir factores de consideração dos tribunais e juízes quando proferirem a sentença.”

“No entanto”, destacou, “a independência judicial e o exercício do poder de julgar pelos juízes ausente de qualquer interferência não significam que os tribunais e os juízes estão livres de qualquer restrição, nomeadamente no âmbito da gestão judiciário-administrativa. Nós não podemos recusar ou protelar o julgamento de processos e muito menos ignorar o direito fundamental cívico de os cidadãos exigirem aos tribunais resolver os seus litígios e proteger os seus direitos e interesses legais no prazo razoável e por meio de processo justo e legal.

No discurso do ano judiciário seguinte, 2001/2002, Sam Hou Fai lembrava a falta de tradutores nos tribunais. “A veemente exigência dos residentes pelo uso da língua chinesa nos tribunais perante a grave carência de tradutores qualificados nas duas línguas oficiais também agravou, em certo grau, a dificuldade dos tribunais no seu funcionamento e na elevação da sua eficiência.”

Uma das problemáticas que já se verificava era o atraso na justiça, questão que se mantém até hoje. Dizia Sam Hou Fai que tinha sido feita uma inspeção aos processos em andamento, além de que o Conselho dos Magistrados Judiciais estava “atento às situações de acumulação de processos, nomeadamente dos processos comuns de declaração cíveis no Tribunal Judicial de Base e dos processos de instrução nos Juízos de Instrução Criminal”. O recém-nomeado presidente do TUI entendia ser “necessário aumentar a celeridade na apreciação e no julgamento destes tipos de processos”.

Códigos em pouco tempo

No discurso do ano judiciário de 2001/2002 colocava-se em evidência os desafios de trabalhar com os cinco novos códigos que tinham sido elaborados a partir dos anos 80 e que agora estavam plenamente em vigor.

“Os juízes dos tribunais das diversas instâncias começaram a aplicar, em todos os aspectos, um grande número de novos códigos (…) que cobrem as mais diversas camadas da sociedade. Devido ao curto período entre a proclamação e a entrada em vigor dos novos códigos, os magistrados e funcionários judiciais tiveram de dedicar muito tempo a estudá-los e dominá-los durante o próprio trabalho profissional, pois não tiveram, de antemão, um tempo adequado para fazê-lo.”

Assim, Sam Hou Fai lembrava ser “raramente visto em outros países ou regiões do mundo que, num tempo tão curto, entrem em vigor simultaneamente tantas e tão complicadas leis, tanto substantivas como processuais, que abranjam tão amplos ramos, nomeadamente o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código Comercial, o Código de Processo Administrativo Contencioso, o Código do Registo Predial, o Código do Registo Civil, o Código do Notariado e o Regime das Custas nos Tribunais, entre outros.”

Sugestões concretas

No ano judiciário de 2002/2003, o discurso de Sam Hou Fai já apontou para sugestões mais concretas, decorridas da experiência prática da vigência do novo sistema judicial.

O agora candidato a Chefe do Executivo referia a necessidade de “ampliar o poder jurisdicional do TUI”, pois “nos três anos decorridos os processos recebidos em cada ano pelo TUI foram cerca de 20, pois a maioria absoluta dos recursos, com a decisão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), foram concluídos em julgamento de última instância de que não se pode recorrer mais”.

Assim, era “necessário rever as leis concernentes para ampliar o âmbito de admissão de casos por parte deste tribunal, de forma que, nos casos mais importantes, ou nos relativos a importantes questões jurídicas, se possa recorrer para o TUI”.

Defendia-se também a instalação de juízos especializados no Tribunal Judicial de Base “para elevar a eficácia de julgamento”, pois a então estrutura desse tribunal desfavorecia “a elevação da eficácia” do mesmo. Assim, Sam Hou Fai defendia que “era necessária a especialização das actuais seis secções de processos do Tribunal de Base”, evitando-se “a dilação de certos casos e o aparecimento de situações em que sejam proferidas decisões diferentes para casos da mesma natureza”.

Foi também apontada a necessidade de “aumentar o número de magistrados e funcionários judiciais”, pois, em três anos, verificava-se já no TSI, “uma tendência de elevação de processos não concluídos”. Importava ainda “aperfeiçoar o ordenamento jurídico e simplificar os actos processuais”. Foi também defendido o estabelecimento de um “sistema para que os órgãos judiciais possam compartilhar as informações dos serviços governamentais”.

Destaque ainda para o tipo de processos que surgiam, então, nos tribunais. No discurso do ano judiciário de 2002/2003, era referido o aumento em 237 casos de acções em processo sumário intentadas por residentes no Tribunal Judicial de Base, “tendo o índice de aumento chegado a 225 por cento”, com “a maior parte dos casos [relacionados] com pedidos de pagamento de despesas de condomínio”.

Relativamente aos delitos cometidos por menores de 16 anos, os processos de regime educativo baixaram de 273 no ano judiciário de 2000/2001 para 202 no ano judiciário de 2002/2003, “o que demonstra que a situação de transgressões de menores de idade inimputáveis conseguiu um certo melhoramento”.

Destaque também para o aumento, nesse ano, dos processos de índole laboral. “As acções declarativas laborais e de transgressão laboral recebidas pelo Tribunal de Base aumentaram 64 em comparação com o ano judiciário anterior, subindo de 114 para 178”, evidenciando “a tendência de subida dos casos de litígios laborais”.

Havia ainda uma “constante subida do número de casos em que os residentes pretendem que o tribunal reexamine as decisões administrativas feitas por directores de serviços”, reivindicando também “indemnizações do Governo”.

10 Set 2024

Hidrogénio | Analista recomenda análises de custo-benefício antes de investimento

João Graça Gomes, membro do Conselho Mundial de Energia, entende que Macau deve avaliar a aposta no hidrogénio antes de avançar para grandes investimentos que implicam gastos do erário público. Recorde-se que Raymond Tam, director dos Serviços de Protecção Ambiental, garantiu que a possibilidade está a ser estudada

 

O mundo está virado para as energias verdes como alternativa viável para reduzir os consumos de combustíveis fósseis no dia-a-dia. Macau não é excepção, e o Governo admitiu, no início do mês passado, que está a estudar a possibilidade de investir na produção de hidrogénio.

Porém, ao HM, João Graça Gomes, engenheiro e membro da direcção do “Global Future Energy Leaders” do Conselho Mundial de Energia, defende que o Executivo local deve assumir uma posição defensiva antes de avançar para investimentos de maior envergadura.

“A sugestão [do Governo] de investir em hidrogénio é vista com optimismo, considerando o potencial deste vector energético para descarbonizar a economia. No entanto, é crucial que Macau realize uma análise aprofundada do custo-benefício antes de avançar com investimentos significativos nessa área. Sendo uma região pequena, Macau enfrenta desafios consideráveis na produção de energia, o que resulta numa forte dependência de combustíveis fósseis para satisfazer a sua procura energética”, considerou.

Recorde-se que, no início do mês passado, numa sessão plenária dedicada a responder a interpelações de deputados, Raymond Tam, director dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), admitiu que a possibilidade de investir em hidrogénio está no horizonte. Já terá sido, inclusivamente, contratada uma entidade “para desenvolver os respectivos estudos”.

“Vamos tomar uma decisão depois de ter um estudo efectuado, para ver como vamos desenvolver os trabalhos de utilização da energia do hidrogénio”, disse Raymond Tam, citado pela agência Lusa. A revelação foi avançada quando o responsável respondia a uma interpelação de um deputado sobre a utilização da energia “que já está a desenvolver-se em Hong Kong”.

A região vizinha anunciou em Junho uma estratégia para a produção de energia tendo por base o hidrogénio, com o secretário para o Meio Ambiente e Ecologia a lembrar que “para enfrentar o desafio das mudanças climáticas, o mundo está empenhado em eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acelerar a transição energética”.

“A energia do hidrogénio é considerada uma energia com baixo teor de carbono e com potencial de desenvolvimento, e países de todo o mundo estão a promover activamente o desenvolvimento da indústria da energia do hidrogénio”, referiu Tse Chin-wan.

Por cá, o director da DSPA realçou que Macau “é uma cidade pequena” e para a “utilização do hidrogénio é necessário haver gasodutos”. “Sabemos que no futuro, aquando da substituição das peças das centrais de CEM [Companhia de Eletricidade de Macau], e dos geradores, vamos solicitar à respectiva empresa para ver se é possível instalar geradores para a produção de hidrogénio”, afirmou.

João Graça Gomes destaca que, tendo em conta o actual perfil da economia local, “predominantemente sustentada pelo turismo, associada ao sector do jogo, banca e construção, poder-se-á utilizar o hidrogénio para reduzir o consumo de gás natural, especialmente em aplicações de aquecimento”.

“Contudo, do ponto de vista termodinâmico, a substituição do gás natural por hidrogénio pode não ser a solução mais eficiente, pois outras fontes de energia podem oferecer melhor desempenho. Além disso, o hidrogénio é particularmente adequado para indústrias intensivas, como as de cimento e aço, que necessitam de temperaturas extremamente elevadas, onde as soluções eléctricas convencionais não são suficientes. Tais indústrias não existem em Macau”, referiu.

Pequenas importações

Citando dados do Observatório para a Complexidade Económica [OEC – The Observatory of Economic Complexity], uma plataforma online de dados “focada na geografia e dinâmica das actividades económicas”, João Graça Gomes recorda o facto de Macau importar poucas quantidades deste tipo de energia verde.

“É também relevante observar que, em 2022, Macau importou apenas 1,17 milhões de dólares em hidrogénio, o que a posicionou como o 112º maior importador mundial desse recurso. Na mesma época, o hidrogénio foi o 402º produto mais importado em Macau. Esses dados indicam que o hidrogénio não é actualmente um produto significativo na economia local, o que sugere que qualquer investimento nessa área deve ser abordado com prudência.”

Assim, o analista, e doutorando no Imperial College of London, frisou que “embora o hidrogénio tenha um grande potencial mundial, Macau deve avaliar se o seu perfil económico e energético é o mais adequado para explorar este recurso de forma eficaz”.

“Em última análise, Macau deve desenvolver o seu planeamento energético com base nas condições e necessidades específicas da região, evitando seguir modas e tendências globais sem uma análise criteriosa do contexto local”, acrescentou.

O caso de Hong Kong

Em Junho deste ano, as autoridades de Hong Kong lançaram o manual intitulado “A Estratégia do Desenvolvimento do Hidrogénio em Hong Kong” [The Strategy of Hydrogen Development in Hong Kong], sob a máxima da neutralidade de carbono.

“O nosso país dá grande importância ao combate às alterações climáticas, tendo estabelecido objectivos de ‘dualidade de carbono’ para a redução das emissões de carbono. As emissões de carbono em Hong Kong atingiram o pico em 2014, tendo-se verificado, actualmente, uma redução em cerca de um quarto quando comparado com esse período de pico. As nossas emissões per capita, em 2021, foram de 4.62 toneladas de dióxido de carbono, que é o quarto das emissões dos EUA e 60 por cento das emissões da União Europeia. Com base nestes dados, Hong Kong pretende reduzir a totalidade das emissões de carbono em 50 por cento antes de 2035 a partir dos níveis de 2005, a fim de atingir o objectivo da neutralidade de carbono antes de 2050”, escreveu o secretário Tse Chi-wan.

No caso da região vizinha, já foi estabelecido um grupo interdepartamental a fim de definir “as melhores práticas, regulamentos e padrões para aplicações seguras da energia com hidrogénio no contexto local”. Tem sido estudado “o desenvolvimento e caminhos da comercialização de várias tecnologias de energia de hidrogénio, promovendo-se projectos experimentais com aplicação local de energia de hidrogénio, tendo em conta o desenvolvimento de Hong Kong”, refere-se na mesma nota.

No mesmo documento é referido que a comunidade internacional classifica actualmente o hidrogénio segundo os métodos de produção e impacto ambiental que implica. Assim, “tipicamente é dividido em hidrogénio verde, azul e cinzento”, sendo que o cinzento “é produzido, maioritariamente, como um subproduto do processo de refinamento de petróleo ou pela reformação de vapor usando gás natural ou outros combustíveis fósseis como matérias-primas”.

O documento descreve que “o método de produção deste hidrogénio [cinzento] é actualmente o mais maduro e eficiente em termos de custos, mas implica emissões de carbono”. Assim, as autoridades de Hong Kong entendem que “pode ser usado para apoiar projectos experimentais, constituindo uma referência para um uso mais alargado do hidrogénio em Hong Kong no futuro”.

10 Set 2024

China | A 100 quilómetros de Pequim, nasce a mega-metrópole pensada por Xi

Fundada em 2017, a Nova Área de Xiongan é uma cidade que está a nascer a 100 quilómetros a sudoeste de Pequim, para aliviar a capital de funções não-essenciais, como departamentos do Governo, sedes de empresas estatais e centros de investigação e ensino. Com a conclusão das infra-estruturas vitais prevista para 2035, o Governo Central estima que Xiongan venha a ter 5 milhões de habitantes

 

A cerca de uma centena de quilómetros a sudoeste de Pequim está a nascer uma cidade, e um novo conceito urbano, desenhada para aliviar a capital de algumas funções não-essenciais, como departamentos do Governo, sedes de empresas estatais e centros de investigação e ensino. No coração da província de Hebei, a Nova Área de Xiongan ocupa uma zona de quase 178 quilómetros quadrados. Desde a sua fundação, em 2017, em Xiongan foram construídos quase 4.000 edifícios, 671 quilómetros de estrada, 136 quilómetros de túneis e galerias subterrâneas e cerca de 48 mil hectares de área florestal.

As autoridades prevêem, que a nova cidade situada entre os condados de Xiong, Rongcheng e Anxin, o seu nome combina elementos de Xiong e Anxin, esteja erigida até 2035 e finalizada até meio do século.

A Nova Área de Xiongan, considerada essencial para o desenvolvimento coordenado do triângulo metropolitano Pequim-Tianjin-Hebei, tem sido apresentada como um projecto de importância nacional para o próximo milénio, planeado e promovido pessoalmente pelo próprio Presidente Xi Jinping.

Além de servir de suporte à capital, a Nova Área de Xiongan é encarada pelo núcleo duro do Partido Comunista Chinês como um modelo de desenvolvimento urbano para seguir no futuro, onde a sustentabilidade, ciclo de vida de 15 minutos e a interacção entre tecnologia e ambiente são prioridades.

Verde e azul

Ainda numa fase embrionária, mas já com algumas estruturas e edifícios vitais construídos, a Nova Área de Xiongan acolhe 1.3 milhões de habitantes, que é praticamente a população dos três condados onde se situa. Além dos residentes locais, os trabalhadores que estão a construir a nova cidade são outro bloco demográfico importante, com uma força de trabalho que já chegou a cerca de 270.000 pessoas, segundo os dados apresentados por vice-director geral do gabinete de planeamento e construção de Xiongan, Wang Jinping.

A meta é agregar cinco milhões de habitantes numa cidade com baixa densidade populacional, sem os blocos de arranha-céus que costumam ocupar a vista panorâmica das cidades chinesas. Outra distinção que salta à vista, entre as inúmeras gruas que preenchem o horizonte, é a união das cores verde e azul, com o cinzento do cimento também presente na paleta que colora Xiongan. O facto de a nova cidade estar rodeada de recursos hídricos, entre o Rio Daqing e a bacia do Haihe, e vistas desafogadas sem horizontes estrangulados por arranha-céus conferem as tonalidades azuis e verdes à região. Além disso, a área Xiongan inclui também o Lago Baiyang, o maior lago de água fresca do norte da China. Com este ambiente circundante, o plano de desenvolvimento da nova área urbana tem entre os seus objectivos apoiar a restauração das zonas pantanosas e corpos de água.

A taxa de florestação da Nova Área de Xiongan é de mais de um terço (34,6 por cento), seguindo uma lógica nas novas zonas urbanas de pelo menos um quilómetro de vegetação por cada três quilómetros de construção. Além disso, outra característica muito presente na zona é a proliferação de parques recreativos.

A reabilitação do Lago Baiyang foi uma das tarefas ecológicas suscitadas pelo desenvolvimento da área. Com a melhoria da qualidade da água, as autoridades indicam que a fauna e flora locais voltaram a florescer, incluindo 260 espécies de aves e 46 espécie de peixes, incluindo algumas em vias de extinção.

A ganhar forma

Da mesma forma que Roma não foi construída num dia, Xiongan ainda tem um longo percurso pela frente.

No final do mês passado, o Governo Central levantou o véu sobre o plano de acção para os próximos três anos em matéria económica na região de Pequim-Tianjin-Hebei, especialmente na Nova Área de Xiongan. A prioridades começam na eliminação dos obstáculos que dificultam o fluxo e a afectação dos factores de produção, melhorar os serviços de comércio, investimento e assuntos governamentais e reduzir os custos das transacções institucionais na região, segundo a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma.

Além das regulamentações de mercado, também ao nível da concorrência, o China Daily salienta o objectivo de gestão do registo das empresas e de tornar os serviços governamentais mais convenientes, através da partilha de dados e integração de serviços.

No que diz respeito à Nova Área de Xiongan, as autoridades nacionais “comprometem-se em prosseguir a reforma da aprovação de projectos de investimento, abrir mais o sector financeiro da zona, apoiar instituições estrangeiras qualificadas nas suas operações em áreas como as finanças ecológicas, cuidados a idosos e gestão de activos, e a incentivar os profissionais de Pequim a trabalhar e a criar empresas em Xiongan”, indica o China Daily.

Busca de talento

Para encorajar o desenvolvimento de indústrias inovadoras, o Governo Central tem introduzido várias políticas para atrair talentos de alto nível. Além dos apoios públicos, com subsídios que vão de metade até um salário inteiro, as autoridades procuram chamar para Xiongan quadros qualificados dos sectores tecnológico, comercial, inteligência artificial, investigação científica, medicina e finanças.

Um dos polos que irá agregar estes sectores é o Parque Industrial e Cidade Inteligente da China Telecom, um projecto aprovado pelo Gabinete de Coordenação Central em 2021 que representa um investimento total de quase 2 mil milhões de yuan. Com uma área de construção de cerca de 214 mil metros quadrados, o projecto é apresentado como pioneiro, integrando um aglomerado de parques industriais. Depois de concluído, o parque terá capacidade para acomodar cerca de 6.000 trabalhadores em simultâneo. No passado mês de Maio, as primeiras empresas tecnológicas instalaram-se no parque, que passou a ser local de trabalho de cerca de 600 pessoas.

Além de polos industriais e alamedas de prédios residenciais, a Nova Área de Xiongan terá quatro universidades, três hospitais, uma mega-bibioteca e um complexo desportivo com um estádio com capacidade para 30 mil pessoas.

No total, estão em andamento 383 projectos de construção na cidade que se ergue entre rios e lagos, num investimento superior a 670 mil milhões de yuan.

Seguindo a descrição das autoridades locais, o desenvolvimento dos transportes constitui um alicerce fundamental para a Nova Área de Xiongan, “as veias” da região. Como tal, a estação ferroviária de Xiongan, inaugurada no fim de 2020, ligou a nova cidade a Pequim e Tianjin, e à rede nacional, e uma ligação de alta velocidade ao Aeroporto Internacional de Daxing em Pequim, que encolhe a viagem para 20 minutos. Por estrada, Xiongan é servida por duas vias rápidas nacionais e duas regionais.

O Hoje Macau visitou a Nova Área de Xiongan e a cidade de Xian integrado numa delegação de jornalistas de língua portuguesa e inglesa a convite do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China na RAEM.

8 Set 2024

AL | Kou Hoi In espera “tarefas árduas” e destaca leis patrióticas

No relatório do terceiro ano da VII legislatura da Assembleia Legislativa, o presidente do hemiciclo considera que o quarto ano legislativo será “repleto de tarefas árduas”. Kou Hoi In destacou a aprovação, na actual legislatura, de diplomas relacionados com a eleição do Chefe do Executivo

 

Macau está na época alta dos balanços legislativos, quando deputados apresentam, em conferências de imprensa, os resultados do trabalho desenvolvido com interpelações ao Governo e sessões de esclarecimento à população. Porém, um dos balanços mais abrangentes acaba por ser o da própria Assembleia Legislativa (AL).

O relatório relativo ao terceiro ano da VII legislatura, dos anos 2023 a 2024, contém uma mensagem do deputado que preside à AL, Kou Hoi In, que dá conta que o último ano da actual legislatura será “repleto de tarefas árduas”.

Na mesma nota, o presidente do hemiciclo assegura que os deputados “vão continuar a pautar-se pelo bem-estar da população”, além de “elevar, através da fiscalização, o nível e eficácia da governação da RAEM”.

Caberá ainda aos deputados, nos próximos meses, o trabalho de aperfeiçoamento “do sistema jurídico da AL e promover o desenvolvimento de alta qualidade dos seus trabalhos”.

Na nota final assinada por Kou Hoi In, é dado grande destaque às questões patrióticas a cumprir pelos membros do hemiciclo. Fica, assim, a promessa de que estes irão “potenciar a gloriosa tradição de amor pela pátria e por Macau, assumir rigorosamente a nova missão e as novas tarefas atribuídas a Macau na nova era e nova jornada do país”.

Estes devem ainda “desempenhar as suas funções com pleno entusiasmo político, forte sentido de missão e união e, em conjugação de esforços com o Governo, vão aperfeiçoar e aprimorar, de forma contínua, o sistema institucional da governação de Macau àuz da lei”. Tudo importa para “assegurar a implementação estável e duradoura” do princípio “um país, dois sistemas”.

No ano legislativo que agora terminou, realizaram-se 35 plenários, com uma taxa média de assiduidade por parte dos deputados de 97 por cento. Foram realizados dez plenários para responder às questões colocadas pelos deputados através das interpelações orais, enquanto 17 sessões plenárias serviram para votar e discutir propostas de lei.

No que diz respeito às três comissões permanentes, realizaram-se 140 reuniões, com uma taxa de assiduidade ligeiramente mais baixa em relação às sessões plenárias, de 95 por cento.

O que é patriótico é bom

No relatório do ano legislativo de 2022/2023 Kou Hou In denotava que vinham aí propostas de lei importantes para o território e o país, para que o poder em Macau fique sempre “nas mãos dos que amam o país e Macau”. E com a chegada do acto eleitoral para o cargo do Chefe do Executivo, a verdade é que as propostas de lei relacionadas com a eleição foram as mais importantes do terceiro ano legislativo da VII Legislatura, na óptica do presidente da AL.

No relatório é dado destaque à alteração da Lei Eleitoral para o Chefe do Executivo, aprovada a 14 de Dezembro do ano passado, que serviu para “aperfeiçoar o regime jurídico da defesa da segurança nacional e implementar plenamente o princípio “Macau governada por patriotas”. Houve também alterações à Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da RAEM, aprovadas em 11 de Abril deste ano, que vieram “aperfeiçoar o mecanismo de apreciação da qualificação dos candidatos”, bem como “melhorar e optimizar o processo de gestão eleitoral, garantindo ainda mais a imparcialidade, a justiça e a integridade das eleições”.

Importa ainda ressalvar as alterações à Lei dos juramentos por ocasião do acto de posse), aprovada em 21 de Maio deste ano, que obriga os membros da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo a prestar juramento.

Houve também mudanças na Lei de protecção do segredo de Estado, aprovadas a 14 de Dezembro do ano passado, tratando-se de uma “lei complementar na área da defesa da segurança do Estado” e que vem definir “disposições específicas sobre a definição do segredo de Estado, critérios de classificação, medidas de protecção, prazos da classificação, o procedimento de desclassificação e o regime sancionatório”. O relatório indica que fica assegurada “uma protecção adequada e rigorosa do segredo de Estado”.

Na nota final do relatório, Kou Hoi In escreveu que estas leis têm “grande significado” e trazem “implicações profundas”. Ficou, assim, consolidada “a base legal para ‘Macau governada por patriotas'”, além de ser definido “os regimes jurídicos de protecção do segredo de Estado e de controlo de armas, no sentido de construir uma barreira jurídica para a defesa da segurança nacional e a estabilidade da sociedade a longo prazo”, defendeu.

Outro diploma importante foi a implementação do Regime jurídico da Universidade de Turismo de Macau, uma evolução do anterior Instituto de Formação Turística. Tratou-se de uma revisão que veio “permitir que o desenvolvimento académico, funcionamento e gestão do pessoal [dessa universidade] tenha uma maior flexibilidade, possibilitando, assim, elevar ainda mais a sua competitividade e influência regional”.

Outra referência no relatório é a alteração à lei do salário mínimo, levando ao aumento dos valores. Assim, desde 1 de Janeiro deste ano que o salário mínimo é de 7.072 patacas mensais; 1.632 patacas por semana, para remunerações calculadas àemana; 272 patacas por dia, para remunerações calculadas ao dia; e 34 patacas por hora, para remunerações calculadas àora.

O silêncio do inocente

Como é habitual, o relatório da AL revela ainda os deputados mais faltosos e cumpridores. Chan Chak Mo voltou a demonstrar um baixo desempenho como deputado, pois não apresentou nenhuma interpelação escrita ou oral ao Governo, nem sequer fez intervenções no período de antes da ordem do dia.

Também o deputado e médico Chan Iek Lap ficou longe das posições cimeiras em matéria de desempenho, com apenas sete intervenções antes da ordem do dia e duas interpelações escritas subscritas.

Pelo contrário, os deputados José Pereira Coutinho; Lei Chan U, Lam Lon Wai, Leong Sun Iok e Ella Lei, da Federação das Associações dos Operários de Macau; ou ainda Si Ka Lon e Song Pek Kei, ligados à comunidade de Fujian, estão no grupo dos mais interventivos.

No total, até ao dia 15 de Agosto foram apresentadas ao Governo 701 interpelações escritas por 20 deputados. “Importa ainda acrescentar que, durante o período de férias legislativas da sessão legislativa anterior, isto é, entre 16 de Agosto e 15 de Outubro de 2023, foram apresentadas 110 interpelações escritas por 13 deputados”, lê-se no relatório.

Os dados revelados no balanço legislativo mostram “o cumprimento das funções de todos os deputados que trabalharam com pragmatismo e dedicação para servir a população”, sendo também um sinal do “empenho, profissionalismo e eficiência dos trabalhadores dos Serviços de Apoio àssembleia Legislativa, bem como da cooperação e dos esforços conjuntos dos órgãos Legislativo e Executivo”, é referido

De destacar que não só este ano se realizam as eleições para o cargo do Chefe do Executivo, como no próximo ano haverá eleições legislativas. A corrida eleitoral sofreu recentemente uma reviravolta, pois Ho Iat Seng, o tão esperado candidato a um segundo mandato, anunciou que não iria concorrer por questões de saúde. Actualmente é Sam Hou Fai, o ex-presidente do Tribunal de Última Instância, quem melhor se posiciona na corrida eleitoral.

6 Set 2024

Fukushima | Macau mantém proibição de produtos importados do Japão

O Japão pediu recentemente a Hong Kong para levantar a proibição de importação de produtos alimentares de dez zonas do país no seguimento das descargas de águas residuais nucleares da central de Fukushima. O pedido foi rejeitado e Macau segue pelo mesmo caminho. Em sete meses de análises a amostras alimentares, o Instituto para os Assuntos Municipais não registou anomalias

 

Em Macau permanece o medo do impacto na saúde pública com a importação de alimentos oriundos de algumas zonas do Japão devido a descargas de águas residuais da central nuclear de Fukushima. Em meados do último mês, as autoridades japonesas pediram a Hong Kong para pôr um ponto final às restrições de importação de produtos, mas a RAEHK manteve a decisão.

O mesmo caminho segue Macau. Numa resposta enviada ao HM pelo Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), lê-se que vai continuar a ser proibido importar determinados alimentos do Japão por se acreditar que há risco para a saúde pública, apesar de as autoridades japonesas manterem a tese de que é seguro para o mar e a terra as descargas das águas de Fukushima.

“Em resposta à decisão unilateral do Japão de proceder à descarga contínua de águas residuais nucleares no mar a partir de 24 de Agosto de 2023, o Governo da RAEM, no mesmo dia, proibiu a importação de produtos alimentares frescos e vivos ou produtos de origem animal, dos locais com risco mais elevado, nomeadamente Fukushima e dez outras prefeituras costeiras. A fim de garantir a segurança alimentar de Macau, essa medida ainda permanece em vigor”, pode ler-se.

Nas análises efectuadas nos primeiros sete meses de 2024, não foram detectados problemas nos produtos importados do Japão das restantes prefeituras. “O IAM tem vindo a reforçar a monitorização de substâncias radioactivas nos produtos alimentares importados do Japão, tendo recolhido, aquando da sua importação e da venda a retalho, de 1 de Janeiro a 31 de Julho de 2024, 55 mil amostras alimentares para testes através de aparelhos de medição de radiação e 1.200 amostras para testes de radionuclídeos, nas quais não se detectou nenhuma anomalia”, é referido.

No passado dia 19 de Agosto, as autoridades de Hong Kong rejeitaram um pedido do Japão para levantar as restrições à importação de produtos alimentares de dez prefeituras japonesas. Segundo a agência Lusa, foi emitido nessa altura um comunicado por parte das autoridades da região vizinha no contexto de uma visita a Hong Kong do ministro da Agricultura, Silvicultura e Pescas do Japão, Tetsushi Sakamoto. O responsável nipónico pediu o fim das medidas implementadas em Agosto de 2023.

Na altura, Hong Kong impôs “medidas de controlo da importação” de produtos japoneses, incluindo pescado, marisco, algas e sal, de dez regiões do norte e centro da ilha de Honshu, incluindo de Fukushima e da capital, Tóquio.

Numa reunião com Sakamoto, o secretário para a Administração interino de Hong Kong, Cheuk Wing-hing, expressou preocupação sobre “as repercussões sem precedentes” da descarga de águas residuais radioativas tratadas e diluídas da central de Fukushima Daiichi.

Em Agosto foram lançadas para o oceano parte dos cerca de 1,33 milhões de toneladas de água, proveniente de chuva, água subterrânea ou injecções necessárias para arrefecer os núcleos dos reactores nucleares de Fukushima.
“Não existem garantias por parte das autoridades japonesas de que o seu sistema de purificação e diluição possa funcionar de forma contínua e eficaz a longo prazo”, defendeu Cheuk Wing-hing.
Apesar de ter sido aprovado pela Agência Internacional de Energia Atómica, o plano de descarga das águas de Fukushima levantou preocupações nos países vizinhos, provocando protestos de rua na Coreia do Sul.

Tanto o Governo como a sociedade de Hong Kong “estão muito preocupados com a salvaguarda da segurança alimentar e da saúde pública (…) e devem adoptar uma abordagem prudente e exercer um controlo rigoroso”, disse o governante de Hong Kong.

Desde o início das descargas que as autoridades da região chinesa têm testado os níveis de radiação em amostras de alimentos importados de outras províncias do Japão, sem qualquer resultado anormal, tal como acontece em Macau.

Ainda assim, Cheuk disse a Sakamoto que o Governo de Hong Kong irá “acompanhar de perto a evolução das descargas e manter as medidas correspondentes sob revisão”.
A libertação das águas residuais começou quase 12 anos e meio após a fusão nuclear de Março de 2011, causada por um forte terramoto e tsunami.
Tanto o Governo japonês como o operador da central, a Tokyo Electric Power Company Holdings, alertaram que a água tinha de ser removida para evitar fugas acidentais dos tanques de armazenagem.

Restaurantes em quebra

Apesar dos dados oficiais não apontarem, para já, quaisquer riscos no consumo, a verdade é que os restaurantes japoneses têm registado quebras de negócio nos últimos meses.

Logo em Setembro de 2023, um mês depois da descarga das águas o volume de negócios dos restaurantes japoneses e coreanos diminuiu 27,9 por cento em Setembro, face ao mesmo mês de 2022, segundo dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC).

Em Outubro verificou-se uma quebra no volume de negócios dos restaurantes japoneses de 24,9 por cento em termos anuais, sendo que essa quebra também se verificou nos restaurantes de comida coreana. Em Maio deste ano, o volume de negócios dos restaurantes japoneses e coreanos baixaram 18,1, também de acordo com a DSEC.

Novos diálogos

A questão Fukushima tem estado em cima da mesa desde que as águas foram libertadas no mar. Em Abril desde ano, segundo a agência Lusa, peritos do Japão e da China realizaram o primeiro diálogo público entre os dois países, na cidade chinesa de Dalian, para discutir o impacto da controversa libertação de água tratada da central nuclear de Fukushima.

O desastre nuclear da central japonesa de Fukushima Daiichi, desencadeado pelo devastador terramoto e tsunami de Março de 2011, representa o mais grave acidente nuclear do século XXI até à data.

Segundo a agência noticiosa oficial japonesa Kiodo, a representação japonesa contou com a presença de funcionários dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Economia, do Comércio e da Indústria, bem como de delegados do operador da central, a TEPCO, e da Autoridade Reguladora Nuclear do Japão, que “trocaram pontos de vista” com peritos de agências de investigação chinesas.

Já no passado mês de Março, peritos da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) se deslocaram ao Japão para fazer uma avaliação do impacto da descarga das águas nas pescas e agricultura, garantindo não existir problemas de segurança alimentar.

O director-geral da AIEA, Rafael Grossi, observou as águas residuais radioactivas a serem misturadas com quantidades massivas de água do mar e examinou a estação onde se processa esta operação. “Ao supervisionar esta operação e fornecendo informação sobre a mesma, asseguramos, como afirmámos desde o início, que a AIEA estará presente até que a última gota seja dispersa de forma segura no oceano”, disse Grossi num vídeo publicado na rede social X (antigo Twitter). “A segurança nuclear está em primeiro lugar. A AIEA está aqui e vamos acompanhar de forma contínua esta operação”, acrescentou.

Mais recente, no passado dia 9 de Agosto, a AIEA emitiu uma nota sobre uma fuga de água detectada numa das unidades da central nuclear de Fukushima, envolvendo, segundo uma nota desta entidade, “cerca de 25 toneladas de água da sala das bombas do sistema de arrefecimento do combustível irradiado e da sala do permutador de calor”.

Esta água escoou “para um dreno no chão ligado ao poço de recolha de água localizado numa sala do primeiro andar da cave”, porém, não foi detectada “qualquer fuga que se tenha propagado a outras divisões”. A AIEA salientou também que “este acontecimento não está relacionado com a descarga de água tratada”, não tendo esta sido informada “de qualquer violação das normas de proteção contra as radiações”.

4 Set 2024