Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteUSJ | Plataforma “Português à Vista” visa fomentar compreensão oral da língua A Universidade de São José apresenta na segunda-feira o projecto “Português à Vista”, uma plataforma de conteúdos audiovisuais, com cerca de 100 vídeos e muitos exercícios para que os alunos possam desenvolver melhor uma das capacidades mais difíceis para quem aprende um idioma estrangeiro: a compreensão oral. A plataforma pode também ser usada por professores de português língua estrangeira das várias instituições de ensino no território Chama-se “Português à Vista” e é o mais recente projecto audiovisual a pensar nos alunos e professores que trabalham com o ensino da língua portuguesa não materna. Lançado já na próxima segunda-feira, 30, e desenvolvido pelo Departamento de Línguas e Cultura da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade de São José (USJ), este é um projecto que pretende fomentar a compreensão oral do aluno, mas sobretudo a sua autonomia na aprendizagem da língua. “Português à Vista” conta com financiamento do Fundo do Ensino Superior e poderá ser usado por qualquer aluno e docente de língua portuguesa em Macau, ainda que tenha funcionalidades específicas para professores e estudantes da USJ. À frente desta iniciativa, está o professor João Paulo Pereira, que há dois anos trabalha no projecto. A ideia surgiu “na sequência da experiência no ensino como professor de português como língua estrangeira, e da necessidade de termos mais materiais audiovisuais para trabalhar aquela que é uma das competências mais difíceis para quem aprende português, que é a compreensão de textos orais”, contou ao HM. Com cerca de uma centena de vídeos, que incluem documentários, notícias ou curta-metragens, entre outro tipo de conteúdos legendados, “Português à Vista” inclui também um conjunto diverso de exercícios. “Esta é uma plataforma criada de raiz para que os alunos possam trabalhar esta competência da compreensão oral, mas também aquelas que estão associadas às novas formas de comunicação, como é o caso do vídeo digital ou literacia visual”, contou o docente. João Paulo Pereira destacou ainda o facto de serem conteúdos reais transmitidos no dia-a-dia “e que são necessários para um contexto de aprendizagem do português como língua segunda”. Os exercícios associados a estes conteúdos apresentam ainda uma abordagem diferente, pois pretende-se que o estudante “reflicta sobre as estratégias que utiliza para a compreensão dos textos orais”. Tratam-se de “actividades meta-cognitivas, como questionários de auto-reflexão, por exemplo” e que são diferenciadoras face ao que existe actualmente em Macau em termos de materiais auto-didácticos. “Há também um diagrama de ansiedade, em que o aluno manifesta o grau de ansiedade que sentiu ao fazer cada sequência da actividade. Há um algoritmo que faz a análise do desempenho do aluno tendo em conta os resultados que obteve nos exercícios e que tem também em conta esta parte cognitiva. Nesse sentido, é uma proposta inovadora e que tira partido das funcionalidades da tecnologia”, acrescentou João Paulo Pereira. Projecto inovador João Paulo Pereira não tem dúvidas de que estamos perante “um projecto novo e diferente” que acrescenta uma diversidade de materiais didácticos e permite “trabalhar também outras competências”. A legendagem dos conteúdos revela-se fundamental, tendo em conta que no território, apesar de existir um canal de rádio e televisão em português, os conteúdos programáticos e noticiosos não estão legendados. “Tal facilita a compreensão a esses apoios textuais e visuais. Isso é também muito necessário, porque apesar de existirem muitos recursos audiovisuais em Macau, como o canal português da TDM, os alunos acabam por não recorrer a esses meios porque não compreendem o que ouvem, e desistem. Em grande parte, porque os vídeos não são legendados e não existe este apoio didáctico. É uma proposta que não existia em Macau.” Acima de tudo, pretende-se promover “a autonomia do aluno na sua aprendizagem, porque esta abordagem meta cognitiva potencia isso, faz com que o aluno pense nas estratégias que deve usar para desenvolver a sua própria aprendizagem”. Uma outra das funcionalidades da plataforma “Português à Vista” permite que os estudantes “criem os seus próprios exercícios”. “É o chamado auto-exercício, e para isso o aluno só precisa de ter a transcrição da letra de uma canção, por exemplo, e a plataforma gera automaticamente um exercício para trabalhar a compreensão oral”, frisou o docente. Agarrados ao livro Questionado sobre a capacidade dos alunos de português como língua não materna de procurarem conteúdos fora da sala de aula e da alçada do professor, João Paulo Pereira concluiu que há ainda uma grande necessidade de recorrer ao livro. “No universo da USJ, e no âmbito deste projecto, foi feito um grupo de foco com turmas da licenciatura de estudos de tradução português-chinês, do primeiro ao quarto ano, e nesse âmbito percebemos que os alunos ainda estão muito dependentes das orientações do professor e daquilo que ele lhes propõe em termos de materiais. Há ainda muito a ideia de que o manual é o principal instrumento didáctico, e os materiais audiovisuais não são ainda muito utilizados por parte dos alunos de forma autónoma. Neste sentido, esta plataforma pretende ir ao encontro dessas dificuldades.” Nesta fase foram testados os materiais disponíveis na plataforma, tendo sido feitas entrevistas aos professores, que também experimentaram a funcionalidade dos conteúdos. Acima de tudo, “Português à Vista” poderá ser utilizado por todas as instituições de ensino do território. “Qualquer aluno de português e professor pode aceder aos conteúdos da plataforma. Algumas funcionalidades estão reservadas aos alunos e docentes da USJ, como é o caso da criação de turmas. A plataforma pode ser usada em Macau por qualquer aluno e professor, e este pode criar os seus exercícios. Pode ser utilizada numa lógica de sala de aula ou como complemento às aprendizagens”, rematou João Paulo Pereira. O lançamento de “Português à Vista” será feito no campus da USJ e conta ainda com a presença de Carlos Sena Caires, director da Faculdade de Artes e Humanidades da USJ. Docente e investigador João Paulo Pereira é professor da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade de São José. Detém um mestrado em Ensino do Português como Língua Segunda e Estrangeira, pela Universidade Nova de Lisboa, e encontra-se a fazer o doutoramento em Didática das Línguas – Multilinguismo e Educação para a Cidadania Global. É investigador no CHAM – Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Além de Macau, conta com uma vasta experiência profissional em vários países da Europa e de África, tendo leccionado em instituições de ensino superior e não superior. Tem centrado a sua investigação nas áreas da Aquisição de Língua Segunda, do Desenvolvimento de Materiais Didáticos e dos Estudos Interculturais. Tem vários artigos científicos publicados nestas áreas, assim como materiais didáticos para o ensino do Português como Língua Estrangeira (manual Dar à Língua, IPOR, 2017). Na área do desenvolvimento de materiais didáticos digitais, participou, como revisor científico, nos projectos “Escola Virtual”, da Porto Editora, e “Português mais perto”, da Porto Editora/ Instituto Camões. É ainda autor de um repositório de recursos digitais para alunos e professores de PL2/PLE, intitulado “ARELP – Árvore de Recursos da Língua Portuguesa”. Também se tem dedicado à formação de professores, contando com acções em Macau e em países da Ásia-Pacífico, como o Vietname e a Austrália.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteRelatório | Em dois anos, o número de multimilionários cresceu quase 30% Termina hoje o Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça. O mediático evento ficou marcado pela publicação de um relatório da Oxfam International, que dá conta do aumento substancial do número de multimilionários desde o início da pandemia. Em 24 meses, as maiores fortunas do mundo cresceram tanto como nos últimos 23 anos, com destaque para os enormes lucros da indústria farmacêutica Desde o início da pandemia, em 2020, que os mais ricos do mundo não se reuniam presencialmente em Davos, na Suíça, onde habitualmente acontece o Fórum Económico Mundial. O evento que chega hoje ao fim ficou marcado pela divulgação, na terça-feira, de um relatório da Oxfam International, que dá conta da crescente desigualdade económica e do fosso que se escavou entre ricos e pobres. A covid-19 transformou-se numa oportunidade de negócio para quem tem mais posses, gerando 62 novos multimilionários no sector alimentar, por exemplo. Intitulado “Lucrando com a dor”, o relatório elaborado pela organização não-governamental (ONG) conclui que as maiores fortunas do mundo cresceram tanto em 24 meses de pandemia como nos últimos 23 anos, sendo que cinco empresas petrolíferas lucraram 2.600 dólares por segundo desde Março de 2020. Em contraste, mais 263 milhões de pessoas correm o risco de descer abaixo do limiar da pobreza este ano, tendo em conta o enorme aumento dos preços. Tal equivale a um milhão de novos pobres a cada 33 horas, num cenário que não é mais do que “um reverso de décadas de progresso”. Para produzir o relatório, a Oxfam baseou-se na lista anual dos mais ricos da Forbes, publicada a 18 de Março de 2020, que contemplava a existência de 2.095 multimilionários, número que subiu para 2.668 a 11 de Março deste ano, ou seja, um aumento de 27,35 por cento de fortunas. A Oxfam também analisou e comparou dados do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Crédit Suisse e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). A palavra de ordem da Oxfam é, por isso, o aumento da carga fiscal dos mais ricos, para canalizar capital para medidas económicas que reduzam a desigualdade. “A riqueza dos bilionários expandiu-se durante a pandemia da covid-19, uma vez que as empresas do sector alimentar, farmacêutico, energia e tecnologia aumentaram os lucros. Entretanto, milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam uma crise com o aumento do custo de vida e os efeitos contínuos da pandemia; o custo de bens essenciais, incluindo alimentação e energia, sofreram aumentos consideráveis.” A Oxfam diz mesmo que a desigualdade, “que já era extrema antes da covid-19, atingiu novos níveis”. Desta forma, “há uma necessidade urgente de os Governos implementarem políticas progressivas de cobrança de impostos que podem ser usadas para reduzir desigualdades”. “Em todo o mundo, de Nova Iorque a Nova Deli, as pessoas comuns estão a sofrer. Os preços estão a aumentar – da farinha, do óleo para cozinhar, do combustível, da electricidade. As pessoas em todo o mundo estão a ser forçadas a cortar nos gastos e a enfrentar o frio nas suas casas. São forçadas a abdicar de cuidados médicos para terem comida na mesa. Os pais são forçados a escolher que filho pode estudar”, lê-se no relatório. A divulgação do documento enquanto decorre o Fórum Económico Mundial, em Davos, não é por acaso. A linguagem usada pela ONG é, acima de tudo, de ironia perante as crescentes desigualdades. “Os bilionários vão reunir-se em Davos, presencialmente pela primeira vez em dois anos, e têm muito para celebrar. Durante a pandemia da covid-19, a acumulação de riqueza atingiu níveis sem precedentes. A pandemia – que trouxe tristeza e perturbação à maior parte da humanidade – tem sido um dos melhores períodos da história para a classe dos bilionários.” O aumento do custo de vida tornou-se, segundo a Oxfam, uma das grandes consequências da pandemia. “Temos visto governos e a comunidade global a falhar na prevenção do maior aumento da pobreza dos últimos 20 anos. Esta falha pode ser descrita como catastrófica: mais de 20 milhões de pessoas morreram devido à pandemia e, em todo o mundo, cada dimensão da desigualdade tem crescido de forma excepcional.” Sectores mais lucrativos Não surpreendem, portanto, os dados revelados pela ONG. Precisamente os sectores mais essenciais à população foram os que registaram maiores crescimentos de fortunas. Prova disso é o facto de as maiores empresas e fortunas feitas no sector da alimentação e energia terem apurado cerca de mil milhões de dólares a cada dois dias, para totais superiores a 453 mil milhões de dólares. A fortuna dos dez mais ricos do mundo é hoje superior à riqueza somada de 3.100 milhões de pessoas, que perfazem 40 por cento da população mundial. Os 20 mais ricos acumulam mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) somados dos 46 países da África Subsariana, precisamente uma das regiões mundiais que mais sofre de pobreza extrema. A culpa, para os responsáveis da Oxfam, é de “décadas de políticas neoliberais que levaram serviços públicos para o sector privado”, encorajando “a concentração massiva de poder corporativo e não pagamento de impostos a uma larga escala”. “Estas políticas levaram activamente à erosão dos direitos dos trabalhadores e redução de impostos das grandes empresas e dos mais ricos. Também abriram campo ao aumento da exploração além do que o planeta pode suportar”, pode ler-se. No que à desigualdade diz respeito, destaque ainda para a questão do género, uma vez que as mulheres foram as que mais sofreram nestes últimos anos. “Durante a pandemia, as mulheres foram desproporcionalmente afastadas de empregos, especialmente durante períodos de confinamento e distanciamento social, que afectaram a força laboral feminina nos sectores dos serviços, como é o caso do turismo e hotelaria.” A Oxfam dá conta que às mulheres cabe hoje o trabalho de lutarem para poderem alimentar as famílias. “Em 2020, as mulheres foram, em média, retiradas da força de trabalho mais 1.4 vezes em relação aos homens, fazendo três vezes mais horas de trabalho não pago na área dos cuidados.” Além disso, no ano passado, havia menos 13 milhões de mulheres empregadas comparando com 2019, enquanto que o emprego dos homens atingiu os níveis pré-pandemia, aponta o documento. As grandes “dinastias” Quais foram, então, as principais empresas a lucrar com a pandemia? A Oxfam fala das “grandes dinastias”, sobretudo no sector alimentar, como é o caso da norte-americana Cargill, que controla mais de 70 por cento do mercado mundial de produtos agrícolas e que é detida, em 87 por cento, pela 11ª família mais rica do mundo. Como exemplo, em 2021 a empresa obteve receitas na ordem dos cinco biliões de dólares, um resultado que fez história no seio da empresa. “Recentemente, quatro membros da família Cargill juntaram-se à lista dos 500 mais ricos do mundo”, aponta o relatório. Há também referência à cadeia de supermercados Walmart, também norte-americana, tida como um dos grandes empregadores privados do país. A família Walton detém cerca de metade das acções da Walmart e uma riqueza avaliada em 238 mil milhões de dólares. Por sua vez, o sector farmacêutico não fica de fora, tendo surgido, desde Março de 2020, 40 novos multimilionários nesta área. O boom foi sustendo por “monopólios de vacinas, tratamentos, testes e equipamento de protecção pessoal”, sendo que a maior parte destas fortunas pessoais vieram de financiamentos públicos no contexto da covid-19. “Os gigantes farmacêuticos estão a fazer mil dólares a cada segundo em lucros só com as vacinas e estão a cobrar aos governos 24 vezes mais do que o custo normal da produção de uma vacina”, descreve a Oxfam. Por sua vez, “as empresas do sector farmacêutico têm fugido às responsabilidades quanto ao pagamento de impostos, recorrendo a paraísos fiscais”. No relatório constam nomes de empresas como a Moderna, que teve margens de lucro de 70 por cento com a vacina contra a covid-19, e a Pfizer, que no ano passado pagou dividendos aos accionistas na ordem dos 8.7 mil milhões de dólares. A Oxfam acusa esta farmacêutica de “usar tácticas sujas para aumentar os lucros, incluindo desinformação sobre a Universidade de Oxford e a vacina da AstraZeneca, a insistência em cláusulas contratuais que podem ser usadas para silenciar críticas ou o controlo de datas de entrega”.
Pedro Arede Grande Plano MancheteTransportes | Inspiração de fora para apostar em carris e deslocações a pé O Planeamento Geral do Trânsito e Transportes de Macau até 2030 inspira-se em Hong Kong, Chongqing e Singapura para criar uma rede assente em caminhos de ferro e vias pedonais que dê primazia aos transportes públicos. O Governo quer ouvir a opinião do público sobre ligação da Barra às Portas do Cerco O documento de consulta do Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2021-2030), revelado ontem, é inspirado em soluções implementadas em cidades como Chongqing, Hong Kong e Singapura e pretende desenvolver uma rede de caminhos de ferro e vias pedonais para incentivar “deslocações ecológicas” e “controlar” a aquisição de veículos particulares. Nesse sentido, o plano prevê a construção de passagens pedonais e passagens superiores para peões, no total de 10 quilómetros, a conclusão das ligações entre a Taipa e a Estação da Barra e a Linha de Seac Pai Van do Metro Ligeiro e ainda a construção de um teleférico entre o Centro de Ciência e Zona A dos novos aterros. “Temos observado as áreas urbanas de Hong Kong, Singapura e Chongqing e aprendido como estas diferentes cidades estão a desenvolver a sua rede de transportes por carril, facilitar a deslocação pedonal e promover a sua ligação com a rede de autocarros. Queremos incentivar as deslocações ecológicas e controlar a aquisição de veículos particulares”, começou por dizer Sio Iat Pang, chefe de divisão de planeamento de tráfego da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT). Segundo o plano, dado que em Macau se prevê a manutenção da situação de “escassez de terrenos” e “elevada densidade populacional”, no futuro, é necessário prosseguir com a “primazia dos transportes públicos” e o “controlo do número de veículos”. O objectivo, pode ler-se no documento, passa por incentivar “as deslocações ecológicas” e reforçar “a coordenação e o planeamento da rede rodoviária terrestre, a rede de transporte por carril e a rede pedonal. Por seu turno, Lam Hin Sam, director da DSAT partilhou que “a maioria” dos membros do Conselho Consultivo do Trânsito concordou com a “direcção” do plano de transportes até 2030, sugerindo, contudo, a introdução de melhorias nos transportes nas fronteiras e mais utilização dos transportes públicos. “Por dia, prevemos que 400 mil pessoas passem as fronteiras e, por isso, temos de melhorar a situação dos transportes nas fronteiras”, apontou Lam Hin Sam. Pouca terra, pouca terra Questionado sobre a possibilidade de alargar a Linha Oeste do Metro Ligeiro, da Barra às Portas do Cerco, Lam Hin Sam reiterou que a extensão é apenas “um conceito” e que o documento de consulta servirá para auscultar a população sobre a matéria. Isto, tendo em conta que, a acontecer, a obra irá implicar intervenções e “engarrafamentos” numa zona da cidade que alberga cerca de 250 mil habitantes. No entanto, o responsável considera que o alargamento da Linha Oeste pode “poupar muito tempo e ser conveniente” a quem quer ir directamente das Portas do Cerco até à Barra e à zona dos Ocean Gardens. “Ainda não temos informação [sobre o alargamento da Linha Oeste]. Estamos ainda a falar de um conceito e, através desta consulta pública, queremos recolher opiniões. Se houver obras na zona, todo o Oeste de Macau vai sofrer com engarrafamentos. Queremos auscultar o público sobre se devemos avançar com a construção desta linha (…) porque moram 250 mil habitantes nesta zona e a obra pode contribuir para que mais passageiros utilizem o Metro Ligeiro”, referiu o responsável. Segundo estudos preliminares citados no plano, a acontecer, a ligação da Barra às Portas do Cerco irá aumentar a faixa ferroviária do Metro Ligeiro em seis quilómetros e servir um fluxo estimado de 105 mil passageiros por dia, correspondendo a um aumento de 77 por cento e a um fluxo diário total de 242 mil passageiros. Chamariz turístico Sobre a construção do teleférico entre o Centro de Ciência e a Zona A dos Novos Aterros, intenção anunciada na segunda-feira, o director da DSAT revelou que o projecto é bem visto pelos membros do conselho ligados ao turístico e que terá a dupla função de apoiar, por um lado, o transporte de residentes entre a Zona A e o NAPE e, por outro, atrair visitantes a esta zona da cidade. “Os membros do sector turístico estão de acordo com o projecto do teleférico. Queremos apoiar o transporte entre a Zona A e o NAPE, possibilitando depois deslocações pedonais verdes até à Torre de Macau e à Barra”, começou por dizer Lam Hin Sam. “Esperamos que o teleférico possa trazer mais turistas (…) dia e noite, contribuindo para que os visitantes não se concentrem apenas no Cotai e nas Ruínas de São Paulo”, acrescentou. Lam Hin Sam disse ainda que se trata de um projecto “muito diferente” do teleférico da Guia, pois terá capacidade para transportar mais de seis mil pessoas por hora, através de vagões com capacidade para cerca de 50 pessoas. A consulta pública sobre Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2021-2030) começou ontem e decorre até 22 de Julho. Quarta ponte até 2026 Questionado sobre a quarta ponte entre a península de Macau à Taipa através da Zona A dos novos aterros, o director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), Lam Hin Sam revelou que o projecto deverá estar concluído, no máximo, daqui a três ou quatro anos. O responsável revelou ainda que, até ao final de 2022, serão inaugurados cinco parques de estacionamento, com capacidade total para dois mil veículos. Rede pedonal | Passagem da Guia terá 470 metros. Cotai na mira O Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2021-2030) prevê que o acesso pedonal do Monte da Guia tenha 470 metros de comprimento, fazendo a ligação entre a Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues e a Avenida de Sidónio Pais. Segundo o plano, a obra irá reduzir o desvio “em cerca de 500 metros”. Está ainda prevista uma ligação entre o Jardim da Montanha Russa e o Parque Urbano da Areia Preta, “beneficiando, de forma directa, uma população de cerca de 99 mil pessoas”, incluindo as zonas da Areia Preta e Mong-Há e permitindo reduzir 5 minutos ao tempo de circulação. Quanto ao Cotai, será construída uma rede pedonal para ligar postos fronteiriços, os pontos turísticos, os casinos e os hotéis “com vista a proporcionar ao público um sistema de circulação pedonal conveniente, confortável e agradável”. 3 milhões em movimento O Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau foi pensado para responder às necessidades de trânsito de 791 mil pessoas em 2030, estimando-se que o volume total médio de deslocações em Macau atinja nessa altura cerca de 3,02 milhões por dia. Detalhando, segundo as projecções de evolução da população de Macau, efectuadas em conjugação com o Plano Director (2020-2040), o modelo de transporte terrestre de Macau deverá servir diariamente 2,43 milhões de deslocações de residentes e 590 mil deslocações de visitantes. Veículos sem quotas O director da DSAT assegurou ontem que, até 2030, o Governo não planeia estabelecer quotas para controlar o número de veículos particulares a circular em Macau. Segundo o responsável, a necessidade não se impõe dado que, quer a taxa de aquisição de veículos como de construção de estradas é “baixa”. “Se virmos a situação económica de Macau no futuro, o número de veículos vai manter-se baixo. Claro que se a situação económica melhorar, o número de veículos vai aumentar. No entanto, nos próximos 10 anos a taxa anual de crescimento de estradas deve manter-se em 1,0 por cento e (…) por isso não vamos controlar os veículos em circulação”, explicou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteAnálise | Académico estuda percurso histórico do Partido Comunista da China Luís Cunha analisou o percurso do partido centenário com “uma notável capacidade adaptativa” aos novos tempos, no artigo intitulado “A Resiliência do Partido Comunista da China”. O académico encara o slogan “socialismo com características chinesas” como uma via para o fortalecimento do partido, cuja legitimidade para governar continua inquestionável Com cem anos de existência, o Partido Comunista da China (PCC) parece ter resistido a todos os contratempos da diplomacia mundial, nomeadamente à queda da União Soviética, mas não só. A “resiliência” do PCC é tema do último artigo do académico Luís Cunha, publicado na revista Janus Observare, da Universidade Autónoma de Lisboa. O autor é investigador integrado no Instituto do Oriente e do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Luís Cunha traça uma análise do percurso histórico de um partido que soube manter o poder ao longo da história e que readapta com novas fórmulas políticas e ideologias. “Ao longo de um século, o PCC foi capaz de superar, com maior ou menor grau de sucesso, todas as suas crises e contradições internas, transformando-se no maior e mais poderoso Partido Comunista do mundo”, começa por afirmar Luís Cunha. Graças ao PCC, houve uma “inigualável projecção de poder na história da China, graças a uma gestão competente da agenda geoestratégica e geoeconómica”. O país é hoje “um laboratório político sem paralelo”, governado por um “omnipresente Partido-Estado”. Luís Cunha cita Richard MacGregor, que no livro “The Party” [O Partido], considera a sobrevivência do PCC “um milagre político”. “Se tivermos em conta que a sua inspiração fundacional, o Partido Comunista da União Soviética (PCUS), foi extinto há três décadas, a asserção mostra-se válida. Há, no entanto, outras importantes variáveis em jogo. No monolítico sistema político chinês nada se perde e tudo se transforma, por obra e engenho de um Partido capaz de notável capacidade adaptativa”, escreve Luís Cunha. Cem anos depois da fundação, o PCC revela “um modelo singular de desenvolvimento político e social”, sendo que o “excepcionalismo chinês” se baseia numa “forte visão nacionalista” e é veiculado através de uma “nova era transformacional”. Em termos gerais, o PCC “soube superar as inúmeras adversidades ao longo da sua história e surge agora, no primeiro quartel do século XXI, aparentemente fortalecido no domínio do seu desígnio ideológico de desenvolvimento para a China”. Para Luís Cunha, o partido assume hoje “abertamente, um projecto autónomo”, diferente “dos modelos enraizados nas propostas das democracias liberais do Ocidente”. Luís Cunha traça também um olhar sobre os Livros Brancos publicados ao longo dos anos sobre as mais diversas áreas de actuação política, económica, social e diplomática. Todos fazem referência “à originalidade do caminho escolhido pelo PCC para o desenvolvimento da China”, além de darem ênfase “ao acervo civilizacional do país e à recusa em alinhar [o país] no modelo da democracia liberal do Ocidente”. Uma forma de revisionismo? Quanto ao secretário-geral do PCC, é visto como o “núcleo central” do comité central do partido, que tem como ideologia de base “o pensamento de Xi Jinping”, nomeadamente no que diz respeito ao conceito de “socialismo com características chinesas na nova era”. Luís Cunha denota que este conceito, introduzido por Xi Jinping, aponta a uma via de fortalecimento partidário. “É de notar que o PCC colocou especial ênfase no delicado processo de selecção e recrutamento para os seus quadros, transformando-se desse modo numa organização política elitista”, acrescentou o autor do artigo. O conceito é também “um tipo de revisionismo com características chinesas”. “Assumindo-se como um partido genuíno e pragmático, intimamente ligado às aspirações populares, o PCC repudia reiteradamente aquilo que considera ser o ‘caos da democracia ao estilo ocidental’, oferecendo em contrapartida uma ‘democracia que funciona’ baseada em inovações teóricas.” São elas “a adaptação do marxismo à realidade chinesa” além das teorias desenvolvidas por Deng Xiaoping, a ideia da “tripla representatividade” de Jiang Zemin ou ainda a “teoria científica do desenvolvimento”, de Hu Jintao. Desta forma, a ideia do “sonho chinês”, também preconizada por Xi Jinping, propõe, segundo Luís Cunha, “um processo inclusivo e harmonioso para o desenvolvimento e afirmação da China, mas também uma ordem multipolar”. Está, portanto, em causa “um processo de renovação ideológica e política, com recurso ao reabilitado confucionismo e ao tradicionalismo cultural, mesclado com o incontornável marxismo em versão sínica”. Persiste “uma lógica leninista”, em que o PCC assume para si a autoridade em consonância com o Estado e o Exército Popular de Libertação. Uma “certa democratização” No ano passado, o Conselho de Estado lançou o Livro Branco “A Democracia que Funciona”, e que recorda que existem na China oito partidos políticos que obedecem ao PCC. Esta democratização apontada pelos líderes chineses não representa uma mudança de mentalidades, denota Luís Cunha. “Na realidade, a abertura parcial do PCC a processos de cariz democrático não deve ser lida como uma liberalização ideológica, mas antes como uma tentativa de refinar e melhorar os seus métodos funcionais e orgânicos.” Actualmente, o PCC defende “um modelo alternativo de globalização”, tendo em conta a necessidade de ultrapassar “o esgotamento do modelo económico adoptado desde a abertura da China ao mundo em 1978”. Segundo o autor, persiste a ideia de “destino partilhado para a humanidade” e a aposta num modelo multilateral pacífico com todos os povos. “Embora o PCC não admita abertamente que o ‘modelo chinês’ é exportável, considera que ‘a experiência e prática do PCC podem oferecer boas referências a outros’”, lembrou Luís Cunha. O académico destaca ainda declarações de Xi Jinping, que no 95º aniversário do partido disse que “o que está em causa não é tanto o ‘modelo chinês’, mas antes a ‘solução chinesa’”. Já no discurso do 19º Congresso do PCC, o Presidente chinês “ficou muito perto de promover um modelo chinês de relações internacionais, ao referir que o caminho trilhado pela China ‘oferece uma nova opção para os outros países e nações que querem acelerar o seu desenvolvimento, ao mesmo tempo que preservam a sua independência’”. Uma contradição Como partido que ao longo da sua história foi ultrapassando problemas e contradições, Luís Cunha aponta aquela que será “a principal”: o facto de a China ainda não ter atingido o comunismo quando o PCC chegou aos cem anos de existência. “Esta aparente contradição é abertamente admitida na Constituição do Partido, quando refere que ‘o objectivo máximo do PCC é a realização do comunismo’ e que ‘o ideal mais importante do comunismo perseguido pelos comunistas chineses só poderá ser realizado quando a sociedade socialista estiver totalmente desenvolvida e altamente avançada’”. Desta forma, Luís Cunha destaca que este é “um objectivo que poderá ser parcialmente alcançado em 2049, aquando da celebração dos 100 anos da implantação da República Popular da China” e quando termina o estatuto especial da RAEM. “No léxico do PCC, esse marco do duplo centenário, assinalará o ‘rejuvenescimento da nação chinesa’” mas, na verdade, denota o autor, “a quimera comunista não será facilmente alcançável”. E aqui a história da segunda metade do século XX pode explicar a questão, dada a queda da URSS e do próprio PCUS. “Alguns académicos sustentam mesmo que os soviéticos nunca chegaram a implantar o comunismo, uma vez que os dirigentes partidários da URSS teriam optado pelo capitalismo de Estado”, frisou Luís Cunha. Sobre a figura de Xi Jinping, o autor entende ser um “líder transformacional, só comparável a Mao e Deng, líderes carismáticos”, estando “imbuído de uma infabilidade histórica quanto à missão de transformar a China na mais poderosa das nações”. Características de “um líder forte, com um projecto político bem definido”, tendo traçado as “linhas vermelhas” em 2013 com um memorando interno do PCC que “elencou as principais ameaças existenciais do Partido, incluindo a democracia constitucional de matriz ocidental e o neoliberalismo”. O poder com Xi Para Luís Cunha, desde 2014, com Xi Jinping no poder, que o país passou a mostrar “todo o seu poder e assertividade”, uma vez que a narrativa oficial veiculada pelo actual Presidente “eliminou definitivamente a estratégia discreta para a afirmação externa da China recomendada por Deng Xiaoping”. Desta forma, a “China poderá ascender à condição de maior potência económica mundial num futuro não muito distante”, com foco no reforço do poder militar. “O PCC não venceu a utopia, mas ultrapassou-a”, descreve Luís Cunha, que acredita que, nos últimos cem anos, o partido “aprendeu a (sobre) viver com inúmeros paradoxos e contradições”, tendo-se transformado “numa máquina centrifugadora híbrida, capaz de absorver, regenerar e devolver à sociedade as diferentes abordagens políticas e económicas”. O PCC mantém a sua legitimidade com a aposta no nacionalismo e numa “comunidade política imaginada”, sendo que a legitimidade é transposta para o plano internacional com os projectos de “uma faixa, uma rota”. É, portanto, a proposta chinesa “para uma nova ordem centrada no desenvolvimento, com claras implicações geopolíticas e geoeconómicas”. Em jeito de conclusão, Luís Cunha considera que a legitimidade do PCC não estará ameaçada nos próximos tempos, “tendo em conta os indicadores disponíveis que indicam que o PCC desfruta de um elevado grau de popularidade, ao mesmo tempo que a elite partidária mantém a necessária coesão”. Estes são “factores cruciais para a perpetuação da necessária legitimidade”, pelo que “a sede do poder estratégico no sistema político chinês – o PCC – não estará ameaçada num futuro próximo”. “É inegável que o PCC conseguiu alcançar um dos principais objectivos que presidiu à sua fundação: a transformação da China num país forte e independente. O PCC conduziu a China a um patamar nunca alcançado na sua longa história”, remata o autor do artigo.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCovid-19 | Portugueses sem BIR autorizados a entrar em Macau. Comunidade enaltece medida A partir de sexta-feira, portugueses sem BIR que viajem de Portugal, Interior da China e Hong Kong, estão autorizados a entrar em Macau, cumprindo as exigências que vinculam os residentes, como a obrigação de quarentena. A medida permite reencontros familiares e a continuidade de projectos académicos e profissionais suspensos pelas medidas de restrição da pandemia. Figuras da comunidade portuguesa em Macau ficaram agradadas com a medida Marisa Gaspar pode, finalmente, avançar com o pós-doutoramento que estava suspenso devido à impossibilidade de entrar em Macau. A antropóloga e estudiosa das áreas da gastronomia, património e turismo locais, que não tem estatuto de residente da RAEM, foi apanhada de surpresa pela notícia de que a partir da próxima sexta-feira pode regressar ao território. “Não estava mesmo à espera desta decisão, e não sei quando poderei fazer a viagem porque tenho cá muitos compromissos. Provavelmente, irei no final do ano”, contou ao HM. Académica ligada ao Instituto Superior de Economia e Gestão, Marisa Gaspar tem a decorrer, desde 2017, um projecto de pós-doutoramento que se debruça “sobre o facto de Macau ser cidade criativa da UNESCO na área da gastronomia”. “Tinha um território interdito e um objecto de estudo que desapareceu (o turismo). Poderia virar-me para a delegação da Direcção dos Serviços de Turismo em Lisboa, mas, entretanto, fechou portas abruptamente no ano passado. Fiquei, de facto, sem contexto de pesquisa”, acrescentou. Na sexta-feira, o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus anunciou que, a partir da próxima sexta-feira, 27 de Maio, os portugueses que não tenham BIR e que “não tenham estado em locais fora do interior da China, Macau, Hong Kong ou Portugal” nos últimos 21 dias podem entrar em Macau “sem autorização prévia das autoridades de saúde”. As autoridades afirmam ainda que tiveram em conta “as necessidades dos residentes ou entidades da RAEM”, razões pelas quais decidiram “dispensar, a título excepcional, o cumprimento da medida por parte de determinado grupo de pessoas”, uma vez que “o intercâmbio entre pessoas de Macau e Portugal é necessário”. Além disso, o centro de contingência concluiu que em Portugal “a situação epidémica é considerada moderada”. Ainda assim, para entrar em Macau é preciso cumprir “requisitos de entrada e apresentação de documentos exigidos pelas autoridades sanitárias”. Mantém-se, a obrigatoriedade quarentena de 14 dias num dos hotéis designados para o efeito. Assim sendo, os portugueses abrangidos pela medida têm de apresentar passaporte português válido, certificado de resultado negativo no teste à covid-19, certificado de vacinação, “confirmação de reserva emitido pelo hotel de observação médica”. Em relação aos documentos que comprovem que nos 21 dias anteriores à entrada em Macau o declarante não esteve em locais fora de Portugal, Interior da China e Hong Kong existem duas opções: Pedir um atestado às entidades autárquicas de Portugal ou assinar uma declaração, sob compromisso de honra para o mesmo efeito. Importa referir que caso se venha a constatar que as informações não corresponde à verdade, o declarante pode ser acusado de prestação de declarações falsas. Na contagem dos 21 dias, é permitido a soma do tempo nos três territórios, ou seja, antes de entrar em Macau, a cidadão português pode passar sete dias em Portugal, outros sete no Interior da China e outros sete em Hong Kong. Alma do negócio Bernardo Mendia, secretário-geral da Câmara de Comércio Luso-Chinesa, também ficou agradado com a novidade, destacando que muitos negócios, assim como as actividades da própria câmara de comércio, terem agora maior margem de manobra para acontecer. “Acho esta medida espectacular, é uma óptima notícia. Estas restrições [afectam sempre], mas temos agora de olhar para a frente. Há projectos da Câmara de Comércio que ganham novos contornos com esta medida e, sobretudo, vamos poder organizar visitas, finalmente. O próximo passo seria o alargamento desta medida aos países de língua oficial portuguesa.” Bernardo Mendia também pondera visitar Macau o mais brevemente possível, falando do lado humano que a restrição de entrada implicava. “Uma notícia destas é óptima sobretudo para casos particulares de famílias. Penso que todos devem ficar bastante satisfeitos e aproveitar.” No entanto, o responsável aponta a possibilidade de faltarem quartos de hotel em Macau para quarentena. “Deveria ser seguido o modelo de Hong Kong em que existe uma lista grande de hotéis aprovados pelas autoridades para cumprir quarentena e os visitantes podem seleccionar o hotel que querem mediante os preços.” “Temos de olhar para isto de forma positiva e sem dúvida que a economia de Macau vai beneficiar com esta abertura e com as próximas que se realizarem. Isto era esperado por toda a gente há muito tempo. Devemos aproveitar para ir a Macau”, frisou Bernardo Mendia. Amélia António também sublinhou o lado humano da permissão de entrada no território a portugueses sem BIR. “O peso económico das pessoas que viajam de Portugal não é notório, mas são notórios aspectos culturais, sociais, com as famílias que estão com problemas há muito tempo. Existem imensos aspectos positivos e a parte económica até terá eventualmente menos peso. Esta possibilidade ajuda a serenar um pouco o estado de espírito dos residentes de Macau que não conseguem que as famílias venham cá”, descreveu ao HM a presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM). A também advogada descreve casos, já conhecidos, de “crianças que nasceram e que nunca viram os pais” ou “problemas sociais e familiares que se vinham arrastando ao longo destes anos”. A entrada de cidadãos portugueses, “pode trazer mais estabilidade psicológica aos residentes”, frisou. Amélia António pede até o alargamento da permissão de entradas no território, pois “chegámos a um ponto em que é necessário que aconteçam coisas, não apenas em relação aos portugueses, mas em termos gerais”. “A economia começa a estar cada vez mais estrangulada”, descreve Amélia António, que fala também das dificuldades na área cultural com a organização de eventos com pessoas de fora e na renovação de quadros na Escola de Artes e Ofícios da CPM. “Do ponto de vista cultural, é muito importante para fazer coisas, porque estamos aqui há três anos sem poder fazer nada de especial. Temos formadores a saírem e não os conseguimos substituir, por exemplo. Isso diminui a capacidade de realização e de intervenção na comunidade.” À TDM – Rádio Macau, o cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong Paulo Cunha Alves também destacou os efeitos positivos desta decisão. “São óptimas notícias do ponto de vista humanitário. Este programa de restrições de entrada na RAEM para cidadãos portugueses não-residentes constitui uma excelente notícia para todos nós e congratulo a medida anunciada, que vem contribuir para o alívio das dificuldades há muito sentidas por muitos residentes que nos últimos dois anos e meio têm experimentado a dor da distância de familiares e amigos e também a dor da distância. Vamos ver, na prática, como é que a medida se traduzirá, em dados concretos.” Ganhos para a EPM José Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus, economista, administrador e da Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM), refere que a medida era desejada há muito tempo e que os seus efeitos não se vão sentir apenas na economia, mas no sector cultural e educativo. Sobretudo para a EPM, que há algum tempo se depara com dificuldades na contratação de professores. “Sobretudo com a questão da EPM, que emprega professores portugueses. Obviamente que esta é uma excelente notícia, porque já não temos esse problema das autorizações prévia. Sem dúvida que ficámos mais aliviados”, acrescentou. “Esta medida facilita muito as coisas, porque já se pode pensar que um casal não precisa de ficar separado. Também as empresas que recorrem a quadros estrangeiros podem contratar pessoal sem problemas. Sem dúvida que em termos gerais é uma medida com um bom impacto económico.” José Sales Marques entende que a própria comunidade portuguesa pode ser animada por uma nova dinâmica. “Há quem esteja a pensar sair de Macau devido ao afastamento familiar. Talvez agora mudem de ideias”, aponta.
Hoje Macau Grande Plano MancheteTimor-Leste | Protocolo e muitos VIP dominam cerimónias do 20.º aniversário Celebram-se hoje 20 anos da restauração da independência do Estado timorense. Dili vestiu-se de gala para receber as várias delegações diplomáticas que acorreram à capital de Timor-Leste, com destaque para a presença de Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente português encontrou-se com Xanana Gusmão e visitou o Cemitério de Santa Cruz, palco do massacre que despertou a comunidade internacional para as atrocidades cometidas pelo regime indonésio Fotografia de António Cotrim, Lusa A presença de delegações de dezenas de países e das principais individualidades do Estado timorense domina as celebrações do 20.º aniversário da restauração da independência, nos próximos dois dias, com uma extensa agenda. As comemorações, que coincidem também com a investidura do novo Presidente, José Ramos-Horta, envolvem uma complexa máquina protocolar, com inúmeros eventos oficiais, reuniões bilaterais e multilaterais e visitas. Os momentos mais importantes da investidura decorrem no recinto de Tasi Tolu, exactamente no mesmo local em que decorreram, em 20 de Maio de 2002, as cerimónias que assinalaram o nascimento do 192.º país do mundo. As cerimónias oficiais do 20.º aniversário da restauração da independência começaram na quarta-feira, com uma missa, antes de um jantar de “despedida e reconhecimento” aos funcionários públicos e contratados da Presidência, com vários portugueses condecorados pelo Presidente cessante, Francisco Guterres Lú-Olo. Na manhã de ontem foi inaugurado um memorial do 1.º Governo Constitucional no Palácio Nobre de Lahana. A agenda do Presidente terminou ontem com um banquete oferecido aos convidados que participaram na investidura do seu sucessor José Ramos-Horta e nas celebrações dos 20 anos da independência, que decorreu ao final do dia no recinto de Tasi Tolu. As celebrações contam com a presença do Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, que chegou hoje a Dili às 06h (hora de Macau). Ontem, também chegou a comitiva do governador-geral australiano, David Hurley, entre representantes de outros países. As cerimónias dos 20 anos da restauração da independência, por outro lado, começaram hoje às 08h30, na zona à frente do Palácio Presidencial, estando prevista, à tarde, uma sessão plenária no Parlamento Nacional que comemora o aniversário e onde participa, entre outros, Marcelo Rebelo de Sousa. Corrupio diplomático Desde o início da semana que Díli tem sentido uma azáfama que já não se via há vários anos, com delegações de diversos países e equipas avançadas das principais individualidades, incluindo o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, já no país. Ontem, realizaram-se já vários encontros, tanto com responsáveis timorenses como entre delegações diplomáticas de vários países acreditadas em Timor-Leste, uma fatia das quais oriundas de Jacarta, de onde acompanham o país. Mas um dos momentos mais simbólicos, foi o encontro entre o líder histórico timorense Xanana Gusmão e o Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, abraçaram-se efusivamente, trocando beijos no rosto, no início de um encontro entre ambos em Díli. Xanana Gusmão deslocou-se ao hotel onde Marcelo Rebelo de Sousa está alojado para um encontro fora da agenda prevista em que entregou ao chefe de Estado português um tais timorense, o pano tradicional oferecido a convidados especiais e reconhecido como património imaterial pela UNESCO. “Um tais especial para um amigo especial”, disse Xanana Gusmão, pedindo que o pano fosse pendurado “na sala principal” do Presidente português. “De um amigo muito especial. Especialíssimo”, respondeu Marcelo Rebelo de Sousa. Depois, já sentados, Marcelo Rebelo de Sousa quis ‘entrevistar’ o líder timorense, questionando Xanana Gusmão sobre os 20 anos desde a restauração da independência de Timor-Leste e qual era a sua memória mais forte. “A memória mais forte foi termos conseguido ultrapassar as cicatrizes da guerra. Depois do 20 de Maio, o estigma da guerra vivia ainda no espírito e no comportamento dos timorenses. Entrámos num ciclo de crises que criou quase 150 mil deslocados internos no jardim aqui ao lado”, disse, referindo-se aos confrontos e tensão política de 2006. “Uma crise que dividiu os timorenses, com violência, queimaram casas, a matar-se e até membros das forças armadas mataram membros da polícia”, explicou Xanana Gusmão. O líder histórico timorense disse que “depois de dois anos” foi possível resolver a crise levando o país “a adoptar o mote de adeus conflito, bem-vindo desenvolvimento”. “E aí é que se conseguiu uma unidade de pensamento, sobretudo em termos de que é necessário paz para o desenvolvimento”, afirmou. Meridiano de sangue O Presidente da República português visitou ontem o cemitério de Santa Cruz, em Díli, palco do massacre de 12 de Novembro de 1991, recordando que as imagens desse trágico acontecimento foram uma “faísca” no despertar das consciências internacionais. “De repente, certo tipo de realidades, são uma espécie de faísca que despertam as consciências em Portugal e no mundo. O que se passou foi espantoso. Aquele povo que tinha a nossa solidariedade, mas estava muito isolado ao nível de grandes potências mundiais, acordou as opiniões públicas, povos de todo o mundo e os responsáveis desses povos”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa. Acompanhado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, e pela vice-presidente da Assembleia da República portuguesa Edite Estrela, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de atravessar praticamente todo o cemitério para visitar a campa de Sebastião Gomes. O jovem, de 18 anos, foi morto num ataque à igreja de Motael em Outubro de 1991, tendo sido num cortejo fúnebre em sua honra que milhares de jovens se concentraram em Santa Cruz, acabando por ser baleados por militares indonésios. Mais de 200 pessoas morreram nesse dia e nos seguintes e a grande maioria dos corpos nunca foi recuperada, com Santa Cruz a tornar-se um dos principais símbolos da violência da ocupação indonésia que durou quase um quarto de século. “Quando aqui chegamos (…) temos uma emoção muito forte porque é ver o local onde tudo se passou e imaginamos como se terá passado e em condições dramáticas”, disse. Um momento, considerou, em que se funde “religião, identidade nacional, espírito de independência e liberdade” na “procura de um cemitério para se fazer o último refúgio contra os invasores”. “Todos os portugueses que tenham mais de 50 anos, porque isto se passou há mais de 31 anos, têm memória do que aqui se passou e nos chegou no dia seguinte. Para fugir, um punhado de timorenses teve que se refugiar num cemitério, no fim do fim do cemitério. O último e desesperado grito de defesa”, afirmou. “Percebe-se bem o que foi a luta timorense para chegar ao que chegou contra todos os argumentos, toda a geopolítica, da localização geográfica, de estar em condições de isolamento no mundo. Apesar disso tudo resistiu, resistiu e venceu”, afirmou. Importante testemunho O chefe de Estado português referiu-se à importância das imagens, recolhidas pelo jornalista Max Stahl, considerando que sem elas o processo até à independência poderia ter sido mais demorado ainda. “Com o que sabemos hoje do povo timorense sabemos que chegaria sempre à independência, mas quanto tempo mais não demoraria. Mesmo assim foram mais oito anos até ao referendo, 11 até à independência”, disse. “O que não seria necessário de resistência, mortes, sacrifícios, prisões de dominação sobre uma cultura e identidade nacional muito forte”, sublinhou. Um dos momentos mais fortes das imagens de Stahl, pelo menos para Portugal, foi o facto de sobreviventes se terem juntado na pequena capela do cemitério, começando a rezar em português, língua que se tornou da resistência. “Lembro-me perfeitamente. É uma mistura muito identitária, fortíssima, identitária e de história, de cultura, de tradição nacional e de componente religiosa e naturalmente depois de afirmação em língua portuguesa uma maneira de rejeitar a língua do invasor, a imposição cultural do invasor”, considerou. Marcelo Rebelo de Sousa destacou o “respeito, admiração, a coragem” do povo de Timor-Leste, referindo que o apoio dado por Portugal durante a ocupação indonésia, e desde então, pode ter servido como alguma “redenção” de alguns aspectos que “não correram bem no processo de descolonização”. “Uma espécie de redenção, ao menos parcial, do nosso país e do nosso povo quando, compreendendo os erros cometidos, alinha ao lado do povo timorense, sem uma dúvida, sem uma hesitação, se bate pela causa timorense, talvez a única causa que teve o apoio de 100 por cento dos portugueses em tantos anos de democracia”, considerou. Em particular, disse, ajudando a convencer a comunidade internacional a agir, para que a Indonésia renunciasse a “violentar o povo timorense”. “Aquilo que se fez nesse período, nesses 25 anos, no período de transição para a independência e depois no apoio a seguir, explica talvez porque é que o povo timorense tem uma relação tão doce, tão fraternal e apesar de tudo grata em relação em Portugal”, afirmou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCovid-19 | Epidemiologista português questiona uso de medicina tradicional chinesa O Plano de Emergência para resposta a um surto comunitário de covid-19 inclui tratamentos com medicina tradicional chinesa. No entanto, Manuel Carmo Gomes, epidemiologista, diz “desconhecer qualquer evidência científica” no uso deste tipo de medicina “na mitigação da carga de sintomas, severidade da doença e morte”, podendo, ainda assim, ter “alguma eficácia no controlo dos sintomas”. Medicamentos incluídos no plano também não estão comprovados cientificamente. Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Chinesa aprova o tratamento, desde que seja “seguro e eficaz” O Governo decidiu incluir a medicina tradicional chinesa (MTC) como uma das formas de tratamento em casos específicos de covid-19. Tal medida consta no Plano de resposta de emergência para a situação epidémica da covid-19 em grande escala do Governo da RAEM, divulgado em Abril. No entanto, o epidemiologista português Manuel Carmo Gomes, um dos nomes mais reconhecidos na luta contra a pandemia em Portugal, coloca reservas quanto à verdadeira eficácia da MTC. “Desconheço qualquer evidência científica publicada que dê suporte às vantagens da MTC na mitigação da carga de morbilidade (sintomas, severidade da doença e morte) causada pelo vírus SARS-CoV-2. Por outras palavras, nunca vi resultados publicados de ensaios clínicos que comprovem as vantagens destas práticas contra a covid-19”, adiantou ao HM. Manuel Carmo Gomes admite “saber pouco” sobre a MTC, e até admite “que esta tenha alguma eficácia no controlo dos sintomas, por conseguir reduzir o processo inflamatório associado à infecção”. Desta forma, “isso poderá tornar a doença mais tolerável para o paciente”. “Mesmo que a MTC reduza os sintomas, espera-se que o paciente tenha a capacidade de transmitir a doença a outras pessoas. Contudo, se a MTC reduzir a frequência de tosse, espirros e emissão de aerossol por parte do infectado, isso poderá traduzir-se numa menor probabilidade deste emitir partículas infecciosas por aerosol, as quais poderiam ser inaladas por outras pessoas”, explicou. Ainda assim, o epidemiologista duvida de que a MTC “tenha qualquer intervenção no processo de virémia (ou seja, a replicação do vírus, a entrada na circulação e chegada a orgãos internos)”. “Na verdade, desconheço qualquer evidência de acção anti-viral por parte da MTC no caso específico do SARS-CoV-2. No que respeita ao papel da MTC no controlo da transmissão entre indivíduos, faço notar que vários estudos publicados desde 2020 não encontraram diferenças entre a carga viral presente no trato respiratório superior de pessoas infectadas assintomáticas comparativamente com as pessoas sintomáticas”, frisou o responsável, que é também professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O Plano de Emergência apresentado pelo Governo da RAEM conclui que “a MTC contribui significativamente para o controlo dos sintomas do novo coronavírus, reduz a incidência das pessoas de contacto próximo, a taxa de recaída, a taxa de ocorrência de casos com sintomas moderados e graves e a taxa de mortalidade”. Caso ocorra “um aumento contínuo de casos confirmados, recomenda-se que o Estado envie médicos de medicina tradicional chinesa para dar orientações e apoiar o tratamento”, lê-se ainda. O Plano de Emergência anunciado pelo Executivo inclui também um “programa de intervenção pela MTC para as pessoas de contacto próximo com casos infectados que se encontram em observação médica nos lares, a fim de efectuar o pré-tratamento”. Além disso, os Serviços de Saúde de Macau (SSM) “planeiam disponibilizar, nos hotéis, serviços de consulta por telefone ou por videoconferência e de MTC”. Junto da comunidade científica, que sempre tem questionado a eficácia da MTC, e não apenas no tratamento da covid-19, o HM procurou também obter um comentário da parte da Ordem dos Médicos portuguesa, mas até ao fecho desta edição não foi obtida resposta. Jorge Sales Marques, médico que chefiou o serviço de pediatria do Centro Hospitalar Conde de São Januário durante vários anos, e que foi um dos rostos da luta contra a covid-19 em Macau, recusou prestar declarações por já não se encontrar no território. A defesa do tratamento Do lado da comunidade da MTC, faz-se a defesa do uso da MTC para travar a covid-19. Ao HM, António Moreira, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Chinesa (SPMC), assegura que tem acompanhado os tratamentos feitos na China. “A SPMC tem acompanhado, desde o início da covid-19, em Wuhan, a situação associada à epidemia provocada pelo SARS-COV-2. A China tem sido ao longo da sua história sujeita a diversos surtos epidémicos e tem lidado com eles com recurso à MTC, nomeadamente nas suas componentes do uso de matéria médica, (vulgo fitoterapia), e do Qi Gong. Com a covid-19 não foi diferente”, apontou. António Moreira aponta que, “logo no início da pandemia, e mesmo na vigência dos hospitais de campanha, a SPMC seguiu atentamente as medidas preventivas e profiláticas propostas pelas equipas responsáveis, nomeadamente as chefiadas pelo professor Zhang Boli, da Universidade de Tianjin”. Foi também feito um acompanhamento “das recomendações do Hospital Universitário de Zhenjiang, assim como de diversas conferências que assistimos com clínicos chineses, e naturalmente o acompanhamento das publicações internacionais da especialidade”. Durante a primeira vaga da pandemia, em 2020, a SPMC mostrou-se disponível para, em Portugal, “implementar procedimentos clínicos com base na MTC, nomeadamente em residências de idosos” de forma voluntária. No entanto, as autoridades portuguesas nunca responderam a essa proposta apresentada pela SPMC. Relativamente ao caso de Macau, esta entidade “vê com bons olhos que todos os procedimentos que sejam seguros e eficazes possam e devam ser usados a favor da manutenção, melhoria e recuperação da saúde das populações, nomeadamente no combate às doenças provocadas por agentes víricos e para a qual a resposta da medicina ocidental tem revelado enormes limitações”. António Moreira considera que “os preconceitos culturais, políticos ou económicos não devem impedir de o mundo, de modo global, aproveitar o melhor de cada sociedade”. Medicamentos funcionam? O Plano anunciado pelo Governo especifica os medicamentos de MTC que serão usados em caso de surto comunitário. Nos casos em que “o teste de ácido nucleico seja positivo e não haja sintomas, o Governo vai consultar o ‘Protocolo de Diagnóstico e Terapêutica para a Pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus (9ª edição experimental)’”, sendo considerado o uso dos medicamentos “Huoxiang Zhengqi Jiaonang” e “Lianhua Qingwen Jiaonang”. Poderão ainda ser usados “medicamentos tradicionais chineses em líquido de acordo com a condição física do doente”. Por sua vez, nos casos confirmados em clínica, “cabe a medicina ocidental a gestão geral, e a medicina tradicional chinesa coopera para o tratamento, a fim de melhorar a eficácia clínica”. Tanto Manuel Carmo Gomes como António Moreira não comentaram especificamente a validade científica destes medicamentos. Mas notícias divulgadas na imprensa internacional falam da pouca ou nenhuma evidência científica desta terapêutica. O jornal Financial Times noticiava, em Abril, a Autoridade de Segurança Alimentar e do Medicamento dos EUA [US Food and Drug Administration], bem como as autoridades de saúde de Singapura e da Austrália questionaram a eficácia do “Lianhua Qingwen” no combate ao novo coronavírus. A entidade norte-americana concluiu mesmo que a capacidade deste medicamento em prevenir ou tratar a covid-19 “não era suportada por dados científicos competentes e confiáveis”, enquanto que as autoridades de Singapura afirmaram, em Novembro do ano passado, que não existia “evidência científica” sobre a eficácia deste medicamento agora incluído no Plano do Governo de Macau. A empresa que produz estas cápsulas desde 2003, a farmacêutica Shijiazhuang Yiling, do bilionário chinês Wu Yiling, registou grandes margens de lucro a partir do momento em que o “Lianhua Qingwen” passou a constar no protocolo de saúde oficial, decretado pelas autoridades de Pequim, para o tratamento da covid-19, em Março de 2020. O uso deste medicamento também tem sido promovido em Hong Kong. Numa notícia de Fevereiro deste ano, o portal ABC News dava conta que esta terapêutica avançava nos tratamentos contra a covid-19 na Austrália apesar de ter sido banido pelas autoridades de saúde. A entidade Therapeutic Goods Administration não aprovou este medicamento por conter Ephedra, uma substância que “pode coloca grandes riscos aos pacientes, incluindo toxicidade cardíaca, danos oculares irreversíveis e uma severa diminuição dos açúcares no sangue”, disse um porta-voz desta entidade ao ABC News. Este portal apresentou o exemplo de Sharon Li, uma chinesa a residir no país, que, em Janeiro, encomendou este medicamento através do Taobao após ter testado positivo para a covid-19, embora estes se encontrem à venda em alguns supermercados asiáticos em Melbourne. “Ouvi dizer que as cápsulas Lianhua Qingwen funcionavam no tratamento contra a covid-19. Os meus sintomas eram ligeiros, semelhantes a uma constipação ou gripe. Costumava tomar este medicamento quando estava com gripe na China, então comprei-o”, admitiu Sharon Li. Segundo o portal Macau News Agency, há cerca de um mês um porta-voz dos SSM assegurou que este medicamento é seguro e pode ser administrado em doentes com as condições de saúde indicadas. “Vamos considerar o estado de saúde do paciente. Temos médicos de MTC que podem emitir relatórios sobre se os doentes têm condições para receber esta medicação. É segura, mas há pessoas com uma determinada condição de saúde que não a podem tomar”, referi Lei Wai Seng, director clínico no hospital público e membro do Centro de Coordenação e de Contingência do novo tipo de coronavírus. Esta terapêutica foi doada pela Administração Estatal para a MTC às autoridades de Macau e Hong Kong, sendo aplicada como medicação preventiva. Apelo à vacinação Manuel Carmo Gomes não deixou de fazer um apelo à vacinação. “O esquema vacinal actualizado (ou seja, o esquema primário mais um reforço) é altamente eficaz contra a doença grave e o óbito, embora seja menos eficaz a proteger contra a variante Ómicron. Todas as comunidades, incluindo a macaense, devem aproveitar o tempo disponível antes do ressurgimento epidémico para reforçar urgentemente a vacinação da população, em especial as idades acima de 65 anos”. Ao HM, o especialista considerou ainda “alarmantes” as notícias oriundas de Hong Kong, há cerca de um mês, quando “as coberturas vacinais dos idosos com esquema completo não ultrapassavam 66 por cento”. Este “é um valor demasiado baixo para estas idades e faço votos de que a situação em Macau seja melhor”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteMês de Portugal | 10 de Junho celebrado com música, arte e palavras Cinco exposições, sessões de leitura, concertos, cinema. Estes são os elementos culturais presentes no programa deste ano da iniciativa “Junho, Mês de Portugal”, que celebra o 10 de Junho – Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas. O cartaz acontece a partir do dia 31 de Maio em espaços como a Casa Garden, a Fundação Rui Cunha ou o Café Oriente, no IPOR Em tempo de pandemia e com restrições de viagem ainda em vigor, o cartaz do evento “Junho, Mês de Portugal” volta a fazer-se com o que de melhor a chamada “prata da casa”, ou seja, artistas e músicos locais, pode oferecer. O programa que celebra o 10 de Junho – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas foi ontem apresentado no auditório do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong e apresenta um leque variado de eventos culturais, que decorrem entre os dias 31 de Maio e 4 de setembro. Nomes da comunidade portuguesa como António Mil-Homens, Marieta da Costa ou Cristina Vinhas, entre outros, irão mostrar os seus trabalhos, num total de cinco exposições colectivas e individuais que estão programadas. Uma delas irá revelar trabalhos de artistas portugueses bem conhecidos como é o caso do surrealista Cruzeiro Seixas, Manuel Cargaleiro e Graça Morais, entre outros. Estão ainda programados eventos como uma mostra de vinhos e queijos portugueses no Sofitel – Ponte 16, sessões de cinema e leitura e um concerto, no dia 10 de Junho, de tributo ao músico português Rui Veloso, protagonizado pelos músicos da Casa de Portugal em Macau (CPM), como Tomás Ramos de Deus, Paulo Pereira ou Luís Bento, entre outros. Este espectáculo acontece na Casa Garden às 20h. Não faltarão, como é habitual, o tradicional hastear da bandeira portuguesa nos jardins do Consulado na manhã do dia 10 de Junho e o percurso até à Gruta de Camões, sem esquecer a recepção oficial na Residência Consular. Ao HM, Amélia António pediu, acima de tudo, a participação de todos, sobretudo da comunidade portuguesa, para que esta mostre que está viva num contexto social diferente em Macau. “Em termos do número de eventos este 10 de Junho não será muito diferente face aos anos anteriores. Mas o tipo de evento tem vindo a mudar de ano para ano e isso pode-se contrariar com a adesão das pessoas.” A presidente da CPM lamenta que a actividade e a participação nos eventos que celebram a portugalidade tenham vindo a sofrer uma redução. O cartaz foi também sofrendo alterações e há ainda eventos que carecem de confirmação. “Chegámos a Maio sem saber o que poderíamos fazer este ano do ponto de vista económico e das pessoas. É impossível planear. A dois dias de começar o evento temos de inventar tudo, e cada vez com mais limitações. Não podemos dar o mesmo contributo que demos ao longo dos anos. Esta é a realidade.” Amélia António adiantou ainda que há o risco de o cenário se transformar naquele que o território viveu no pós-1999, quando muitos portugueses, embalados pela transferência de soberania, deixaram Macau. “[Se a comunidade não participar] entramos numa situação semelhante à que passamos a seguir a 1999, quando parecia que os portugueses tinham desaparecido, pois todos se remetiam ao seu cantinho e à sua sombra. Esquecem-se que só temos peso e pressão enquanto formos uma comunidade que mantém as suas tradições, cultura e língua e que afirma isso. Isso só acontece com uma presença forte das pessoas, se não vamos perdendo força colectiva. Todos têm de perceber que, se perdermos essa força, não somos nada individualmente”, adiantou. A presidente da CPM não deixou de notar que “dentro das limitações tentamos fazer o melhor possível”. “É preciso esse respirar colectivo que dê força e ânimo. O que fazemos em Macau é para Macau e para todos os habitantes, sejam eles de que nacionalidade forem. Essa tem sido a nossa postura ao longo dos anos”, frisou. Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, também deixou notar que, neste programa, “foram incluídas as actividades possíveis tendo em conta este contexto internacional de pandemia e as restrições de viagens que a situação actual nos obriga a respeitar.”. “Estou certo que este programa será bem sucedido”, frisou, referindo que é ainda mais importante, em contexto de pandemia, “continuar a celebrar Portugal”. “Acho muito difícil prever o que vai acontecer no próximo ano. Todas as previsões que temos feito saem falhadas. Temos sempre a esperança que no ano seguinte as coisas voltem à normalidade mas não temos a bola de cristal para saber quando é que as coisas voltarão ao que eram em 2019. Mas nós, comissão organizadora, vamos continuar empenhados em tentar aproveitar ao máximo a ‘prata da casa’ e com os meios que temos à nossa disposição celebrar sempre Portugal.” Artes plurais “Metropolis” é o nome do evento que dá o pontapé de saída a este programa. Esta exposição de pintura de António Mil-Homens, fotógrafo que vai deixar o território, estará patente até ao dia 11 de Junho na Fundação Rui Cunha (FRC) e apresenta “um olhar de longe, essencialmente de cima, sobre as nossas cidades e ambientes”. “Em tempo de virar mais uma página da história da minha vida, esta exposição acontece mais de 26 anos após a primeira vinda para Macau e encerra uma permanência de cerca de 15 anos. Não a vejo como um adeus. Antes como um até sempre, em que a lógica dessa mesma constância se inverte. Reitero o meu convite para que guardem, se do exposto gostarem, mais estas peças que o território e as circunstâncias me inspiraram. Lançarão mais uma pedra na construção dos projectos futuros”, descreve o artista. Entre os dias 1 de Junho e 3 de Julho acontece a exposição “Arquitectarte”, organizada pela Associação Cultural 10 Marias, e que é protagonizada por Marieta da Costa, arquitecta e designer de interiores. A artista nasceu em Lisboa e viveu 13 anos em Londres, onde se licenciou. Reside há 11 anos em Macau onde, em 2015, iniciou um projecto com crianças dos quatro aos seis anos, no jardim de infância D. José da Costa Nunes, onde desenvolve actividades na área das artes plásticas e arquitectura para crianças, e são exploradas a imaginação, a visão sustentável e a arte de executar em geral. A Casa Garden acolhe, entre os dias 25 de Junho e 31 de Julho, a mostra “Desenhar Macau – Desenho, Pintura, Gravura e Monotipias”, de Catarina Cottinelli. Esta exposição “resulta de uma prática diária na vida de Catarina Cottinelli como forma de observar e reconhecer o mundo envolvente”, lê-se na nota de imprensa. O território tem sido, para a artista, “uma grande fonte de inspiração pela sua arquitectura e ambientes muito próprios e também pelas pessoas e encontros felizes que Macau lhe proporcionou”. Ainda na Casa Garden, mas a 17 de Junho, acontece um Serão Literário, um “encontro de ‘palavra dita’ em que serão lidos, ditos e teatralizados textos de autores representativos de várias literaturas em língua portuguesa por oradores convidados”. Este Serão terá acompanhamento musical. Ainda sobre o ciclo de exposições, dia 7 de Junho é inaugurada a mostra “Mudança”, com trabalhos de joalharia de Cristina Vinhas. A 9 de Junho a Galeria AMAGAO recebe a exposição “Lusografia”, que pode ser visitada até ao dia 4 de Setembro. Neste espaço será possível ver 70 obras de serigrafia, gravura e artes gráficas de artistas portugueses como Alexandre Baptista, Alexandre Marreiros, Cruzeiro Seixas, Espiga Pinto, Júlio Pomar, Graça Morais, Isabel Rasquinho, Manuel Cargaleiro, Vhils ou Júlio Resende, entre outros. Conforme denota o comunicado do evento, “Portugal tem uma longa tradição na gravura, serigrafia e artes gráficas afins”. “A produção de múltiplos de alta qualidade de uma obra de arte torna-a acessível a um público mais amplo. Além do seu valor estético individual, estas obras tornam-se objectos de colecção. Muitos artistas portugueses famosos produziram abundantemente [estas peças], utilizando variadas técnicas de impressão”, acrescenta-se. Cinema e companhia No fim-de-semana de 11 e 12 de Junho é a vez do cinema, com a apresentação, no auditório da Casa Garden, das curtas-metragens do New York Portuguese Short Film Festival e Festival de Cinema da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Esta é uma organização da Fundação Oriente e Art Institute. “Organizado pela primeira vez em Junho de 2011, o New York Film Festival foi o primeiro de curtas-metragens portuguesas nos EUA. O festival mostra o trabalho da nova geração de jovens realizadores portugueses. Ao organizar o festival, anualmente, em vários países, o Art Institute pretende ampliar e conquistar novos públicos para o cinema português, em todo o mundo. Serão ainda mostradas as curtas metragens dos realizadores seleccionados para o Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa”, descreve o programa. A gastronomia portuguesa não fica de fora das comemorações do 10 de Junho. No dia 12 decorre, no restaurante Mesa, no Hotel Karl Lagerfeld, o evento “Dia de Portugal”. Por valores entre 188 e 688 patacas será possível realizar “uma viagem gastronómica pelas várias regiões de Portugal, degustar produtos únicos portugueses como a famosa ginjinha em copos de chocolate e desfrutar de música portuguesa ao vivo”. Por sua vez, no dia 2 de Junho, será organizada uma noite de vinhos e queijos portugueses no terraço do hotel Sofitel, uma organização do Banco Nacional Ultramarino e grupo Vino Veritas. A 16 de Junho acontece, no Café Oriente, do Instituto Português do Oriente (IPOR), a mostra “Se podes olhar vê, se podes ver repara”, que celebra o centenário do nascimento de José Saramago, escritor português, com trabalhos dos alunos de nível C1 do Curso Geral de Português como Língua Estrangeira, a partir das suas leituras do livro “O Ensaio sobre a Cegueira”. A 3 de Junho, também no Café Oriente, decorre a apresentação do livro “Uma Casa com Asas”, de Andreia Martins, e que conta com ilustrações de Catarina Vieira. No mesmo dia, às 16h, haverá uma sessão de narração de histórias em parceria com a Associação Sílaba. Nos dias 3, 4 e 5 de Junho decorre também, no auditório da Casa Garden, um espectáculo de performance sensorial para bebés intitulado “Onde a terra se acaba e o mar começa”, com a artista Diana Coelho. No dia 9 de Junho, às 19h30, no auditório do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, decorre o evento “Falar Macau, Falar Português”, com a entrega dos prémios de um concurso de escrita organizado pelo IPOR. Serão ainda exibidos os vídeos “O Centro Histórico de Macau”, realizado por Margarida Guerreiro e Rita Cheong, “Unidos pela Língua”, de Vinne Szeto e Ignacio Marcovecchio e “Macau, a minha casa é cheia de amor” de Renee Wong.
João Luz Grande Plano MancheteCovid-19 | À medida que o nível de emergência é aliviado, Xangai reabre gradualmente Xangai começou esta semana a transitar aos poucos da resposta de emergência aos surtos de covid-19 que afectaram a cidade para uma fase de “controlo normalizado” da propagação da doença. Enquanto o comércio reabre portas gradualmente, as autoridades apontam a regresso à normalidade para o início de Junho. Até lá, escolas, transportes e negócios regressam ao activo de forma progressiva Aos poucos, a normalidade regressa a Xangai. Esta foi a principal mensagem deixada pela número dois das autoridades municipais, Zong Ming, numa conferência de imprensa convocada para divulgar a entrada da cidade num novo capítulo da luta contra a pandemia. Depois de mais de um mês e meio de confinamentos e paralisia, foi ontem anunciado que dos 16 distritos de Xangai, 15 conseguiram eliminar novas cadeias de transmissão do novo tipo de coronavírus fora das áreas de quarentena. De acordo com o China Daily, o número de pessoas que vive nas “áreas de gestão fechada” desceu para perto de um milhão, contabilidade realçada por Zong Ming e que levou a responsável a afirmar taxativamente que “pandemia foi efectivamente controlada”. Para já, a cidade vai transitar gradualmente da situação de resposta de emergência para aquilo a que as autoridades referem como uma fase de “controlo normalizado” da propagação da pandemia. O alívio das restrições terá um primeiro impacto ao nível do comércio. Assim sendo, centros comerciais, armazéns e outlets, supermercados, lojas de conveniência, farmácias e serviços de restauração retomaram actividade com portas abertas “de forma gradual e ordenada”, descreve o China Daily. A vice-presidente do município frisou que desde ontem Xangai irá promover o reinício faseado dos negócios comerciais e mercados. Apesar da novidade, a reabertura do grande centro financeiro chinês irá respeitar rigorosos princípios para evitar o retorno da subida de infecções. Como tal, as reaberturas serão “ordenadas, com fluxo limitado de consumidores, controlo eficaz e gestão classificada”, enquanto se implementam medidas de prevenção e controlo pandémicos, afirmaram os responsáveis do Governo municipal. Não descurando detalhes, todos os locais de venda a retalho serão obrigados a reservar canais de entrada e saída de pessoas, a limitar o fluxo de clientes e a fornecer serviços para fazer encomendas online, mas também entregas presencialmente. O consumo dentro dos estabelecimentos será limitado. Também os restaurantes e cabeleireiros irão retomar actividade progressivamente. Numa primeira fase, os estabelecimentos de venda de comidas e bebidas vão passar a aceitar encomendas também presencialmente, mantendo-se, para já, apenas a entrega de produtos takeaway. Já os cabeleireiro terão de respeitar um limite do número de clientes. “Acreditamos que à medida que a situação epidémica melhora, a retoma dos negócios e mercados dará passos maiores e serão reabertos mais pontos de venda comerciais”, perspectivou ontem Chen Tong, outro responsável do Governo municipal citado pelo China Daily. Multiplicação de balcões O número de lojas e estabelecimentos comerciais que operam na cidade subiu do ponto mais baixo de 1.400 durante todo o encerramento da cidade para 10.625 registados ontem, com 5 milhões de entregas a serem concluídas diariamente. Gu Jun, director da Comissão de Comércio de Xangai, disse que quase 1.200, ou três quartos, do total de pontos de venda dos 12 grandes supermercados da cidade reabriram. Ao todo, 183 estão a funcionar offline e os restantes recebem encomendas online. Mais de 2.200, ou um terço, das principais cadeias de lojas de conveniência da cidade retomaram também a actividade. Destes, mais de 670 abriram ontem portas ao público. Por outro lado, as autoridades afirmaram que quase dois terços das mais importantes empresas estrangeiras retomaram operações. Estas empresas estão elencadas numa lista que as categoriza segundo a importância estratégica que desempenham, com 142 companhias à cabeça de sectores tão diversos como comércio de mercadorias, comércio de serviços, sedes de empresas de capitais estrangeiros e serviços portuários. Na segunda linha de prioridade, o director da Comissão do Comércio de Xangai, Gu Jun, revelou estarem 562 empresas que antecipam também o recomeço de actividade. “Estamos também a estabelecer um mecanismo de diálogo regular com os consulados e associações empresariais estrangeiras em Xangai para reforçar a interpretação das políticas, de modo a procurar compreender, apoiar e estabilizar as expectativas do seu desenvolvimento”, afirmou ontem Gu Jun. Ir de A para B Quanto a datas, a reabertura de Xangai irá respeitar determinados períodos-chave. A primeira fase, que começou ontem e irá prolongar-se até sábado, tem como prioridades continuar a reduzir o número de novas infecções, prevenir recaídas e diminuir o número de pessoas circunscritas às áreas de gestão fechada. Se a situação de melhoria não sofrer qualquer revés, a segunda da reabertura decorrerá entre 22 e 31 de Maio. A partir de 1 de Junho, “os residentes localizados em zonas com restrições serão autorizados a abandonar as suas comunidades de uma forma ordenada, mas a mobilidade será limitada. Toda a cidade manterá um baixo nível de actividades sociais na primeira fase”, revelou ontem Zong Ming. A reposição da normalidade irá sentir-se em todos os aspectos da vida da cidade. As aulas nas escolas serão retomadas de forma faseada, começando com turmas do 9º, 11º e 12º ano do ensino secundário, disse a autoridade da cidade. Um dos sinais de mudança verificou-se ontem, com o retorno da circulação de táxis e carros particulares nas estradas das regiões suburbanas, incluindo nos distritos de Jinshan e Fengxian, bem como algumas áreas de baixo risco em Pudong. As autoridades estão também a planear aumentar gradualmente o número de comboios que partem e chegam a Xangai. Os voos domésticos com destino à cidade também serão retomados nas próximas semanas. O retorno do funcionamento dos transportes públicos, como autocarros e metro, está marcado para o próximo domingo. Os utentes dos transportes, ou pessoas que acedam a serviços públicos devem apresentar um relatório de teste de ácido nucleico negativo feito nas últimas 48 horas. Primavera para esquecer As notícias sobre a reabertura da cidade surgem numa altura em que o número de casos de infecções de covid-19 em Xaigai tem vindo a diminuir, com 1.369 novos casos positivos anunciados ontem, contra mais de 25 mil no final do mês passado. Segundo as autoridades locais, todos os casos positivos foram encontrados em pessoas que se encontravam em quarentena e ou confinamento. No sábado passado, Xangai contabilizava 286 doentes em estado grave e 67 em estado crítico. Além disso, as autoridades da cidade reportaram três mortes resultados da infecção do novo tipo de coronavírus. As vítimas mortais tinham uma idade média de 75 anos e todos sofriam alegadamente de doenças graves subjacentes, factor que contribuiu para as suas mortes. Um surto de covid-19 levou as autoridades chinesas a impor, no final de Março, um confinamento da cidade, com cerca de 25 milhões de habitantes. Nos canais noticiosos e redes sociais foram sendo divulgados casos de moradores que ficaram sem acesso a comida e necessidades diárias, face ao encerramento de supermercados e farmácias, e dezenas de milhares de pessoas foram colocadas em centros de quarentena. O Governo chinês continua a implementar uma estratégia de ‘tolerância zero’ à doença, que inclui o isolamento dos casos positivos e o bloqueio de cidades. O Presidente Xi Jinping defendeu, no início de Maio, que as duras medidas antiepidémicas impostas em Xangai “vão resistir ao teste do tempo” e prometeu combater qualquer tentativa de “distorcer, questionar e desafiar” a política de ‘zero covid’. Com agências
João Santos Filipe Grande Plano MancheteJogo | Governo recua na proposta para acabar com casinos-satélite Depois das críticas do sector do jogo e de deputados, o Executivo voltou atrás e vai permitir que os casinos-satélite operem em imóveis que não são propriedade de concessionárias. A medida pode salvar milhares de empregos que dependem directa e indirectamente dos casinos-satélite Ao contrário do inicialmente proposto, os casinos-satélite não vão ser forçados a encerrar, caso não vendam os imóveis onde estão localizados às concessionárias de jogo. A medida proposta pelo Executivo era vista como a “machadada final” nos casinos satélite, colocando em perigo milhares de empregos. Depois de múltiplas críticas vindas da indústria, deputados e representantes de trabalhadores, o Executivo de Ho Iat Seng acabou por recuar. A alteração à proposta do Governo foi apresentada na sexta-feira aos deputados da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, onde o diploma está a ser analisado na especialidade. “O Governo decidiu permitir que estes casinos continuem a explorar as suas actividades de jogo. É a maior diferença na nova versão da lei [apresentada à Assembleia Legislativa]”, começou por explicar Chan Chak Mo, deputado que preside à comissão, citado pela TDM. “Antes [para continuarem a operar estes casinos] a propriedade do imóvel tinha de pertencer à concessionária, findo o prazo de três anos que era definido para a transição, pela versão anterior da lei. Agora já não, só é necessário que seja o Governo a decidir se autoriza que estas empresas continuem a operar [mesmo sem que o imóvel seja propriedade da concessionária]”, foi acrescentado. Os casinos-satélite funcionam num modelo em que empresas independentes celebram contratos com concessionários para poderem gerir espaços de jogo nos seus imóveis. Em troca das mesas e dos empregados dos casinos, que estão contratualmente ligados às concessionárias, as empresas responsáveis pelos casinos-satélite pagam contrapartidas às concessionárias. A proposta acabou por apanhar as empresas do sector de surpresa, não só por surgir numa altura de crise, mas também devido à possibilidade de as concessionárias não estarem interessadas nos imóveis dos casinos satélites. Como tal, profissionais do sector e analistas apontaram que mais de metade dos actuais 18 casinos-satélite podiam seguir o exemplo do Emperor Casino, que vai encerrar a 26 de Junho deste ano. Incentivos fiscais Na nova versão da futura lei do jogo foi também introduzido um sistema de benefícios fiscais para as concessionárias que sejam capazes de atrair jogadores vindos do estrangeiro, de forma a terminar com a excessiva dependência no Interior. Segundo a proposta, os impostos totais sobre o jogo podem sofrer um corte de quase cinco por cento para as concessionárias. Actualmente, o imposto sobre as receitas brutas do jogo é de 35 por cento, no entanto, as concessionárias têm de pagar mais cinco por cento, num montante que é destinado para subsídios e outras contribuições sociais. Como o Governo pretende diversificar a proveniência de turistas, está disponível a cortar a contribuição de cinco por cento, num valor que não está ainda definido, para que as concessionárias tragam mais jogadores do estrangeiro. “Nós, ultimamente, focámo-nos muito no mercado do Interior. Com as alterações às leis penais no Interior, se calhar, agora é mais difícil atrair clientes. Por isso, como contributo para encorajar as concessionárias a trazerem mais, por exemplo, 1.000 clientes da Tailândia ou 500 da Coreia do Sul ou Malásia, o Governo pode dispensar as concessionárias de pagar essas contribuições sociais”, justificou Chan Chak Mo. Contudo, os moldes dos benefícios ainda não estão decididos: “Depende, porque o Chefe do Executivo antes de tomar decisões sobre isenção de contribuições tem de ouvir, primeiro, a Comissão de Jogos,”, foi acrescentado. Na reunião de sexta-feira, Chan Chak Mo adiantou a data de 10 de Junho como limite para terminar a discussão na especialidade. As actuais concessões terminam a 26 de Junho, mas todas as operadoras fizeram pedidos para prorrogar o prazo até ao final do ano. A lei tem ainda de ser aprovada na especialidade pelo Plenário até 15 de Agosto, antes que o hemiciclo entre no período de férias de Verão, que se prolonga até Outubro. Junkets pedem flexibilidade Segundo Kwok Chi Chung, presidente da Associação de Promotores de Jogo, a nova lei deve sofrer alterações adicionais e permitir maior flexibilidade às operações dos junkets. “Pode o Governo dar mais margem de manobra aos promotores de jogo para poderem sobreviver?”, perguntou Kwok, em declarações à TDM. Em causa está a cláusula que obriga a que cada junket só possa ter acordo com uma concessionária para a operação das salas de jogo VIP. Para os promotores, a medida é demasiado prejudicial e a lei deveria permitir acordos com, pelo menos, duas ou três concessionárias. “Os clientes dos promotores nem sempre podem jogar no mesmo casino. Será que as autoridades vão acabar com a medida que obriga a que uma promotora só possa ter contrato com uma concessão? Será que, por exemplo, podem ter contratos com duas ou três?”, questionou. Melinda Chan aliviada Para Melinda Chan, o recuo do Governo foi um “alívio”. “Na minha opinião, o que está em causa neste artigo representa um alívio para o sector. Fica resolvido por agora”, reagiu em declarações à TDM a ex-deputada e CEO da Macau Legend, empresa que detém casinos-satélite no território. Contudo, a responsável da empresa proprietária do Hotel e Casino Macau Legend acredita que é necessário trabalhar melhor a redacção da lei. “Os artigos da nova versão da lei têm de ser mais directos. Por exemplo, será que a taxa de gestão que neste momento é cobrada pelas marcas internacionais dos hotéis é legal com a nova lei? […] Tem de estar tudo mais claro”, acrescentou. FAOM | Benefícios fiscais preocupam Ella Lei A deputada Ella Lei, ligada à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), está preocupada com o mecanismo de isenção ou redução de impostos para incentizar as concessionárias a atrair mais clientes do estrangeiro. Após ter sido divulgada a proposta do Governo, a legisladora colocou a possibilidade de a medida afectar o nível de apoio que actualmente é prestado à população e principalmente aos mais velhos. Para Ella Lei, é fundamental garantir que a medida não vai afectar o dinheiro que é injectado no Fundo de Pensões. Neste capítulo, a deputada considera que o Governo deve fazer constar na legislação que parte das receitas do jogo tem de ir directamente para o sistema de segurança social de Macau e para o Fundo de Pensões. Por outro lado, a deputada considera necessárias mais explicações sobre o sistema de benefícios fiscais, e a forma como vai ser aplicado. Apesar da proposta, o mecanismo de isenção fiscal só vai ser definido mais tarde pelo Chefe do Executivo. Contudo, de acordo com a opinião da legisladora, é preciso equacionar muito bem se o benefício vai contribuir para que a margem descontada da obrigação de pagar 5 por cento é compensada pelo aumento potencial de jogadores estrangeiros.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteA história de Mário Póvoa, o português preso por navegar em águas chinesas Em 1965 Mário Póvoa vivia em Coloane e, juntamente com um grupo de chineses, partiu numa embarcação em busca do cadáver do colega, Fat Chun, que havia morrido afogado. Apanhados pelas autoridades por estarem em águas territoriais chinesas, foram interrogados e doutrinados sobre Mao Tse-tung e Chiang Kai-chek. Acabariam por regressar a Macau no dia seguinte. A PIDE, em Portugal, teve conhecimento do caso A morte de Fat Chun por afogamento, aos 39 anos de idade, em Macau, no dia 23 de Junho de 1965, provocou um episódio marcante na vida do português Mário Póvoa, então residente em Coloane e natural da freguesia de Noselos, concelho de Moncorvo, em Portugal. Foi no dia seguinte que o português partiu numa embarcação, juntamente com familiares de Fat Chun e mais trabalhadores chineses, em busca do corpo deste homem. No entanto, saídos de Coloane, acabariam por chegar a águas territoriais chinesas e detidos pelas autoridades na ilha de Ma Liu Ho, hoje conhecida como a ilha de Hengqin. Depois de prestadas declarações, voltaram ao território, à época administrado pelos portugueses. O caso foi reportado ao então Ministério do Ultramar e à PIDE-DGS [Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção-geral de Segurança] pelo Governador de Macau em funções, o tenente coronel António Lopes dos Santos. O documento que descreve esta aventura, consultado pelo HM, está hoje guardado no arquivo diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa. Coube a um responsável da Polícia de Segurança Pública (PSP) interrogar, a 27 de Junho, Mário Póvoa sobre o que de facto tinha acontecido. O português, que trabalhava como capataz da brigada da “MEAU”, casado, à época com 36 anos de idade e residente na granja da “MEAU”, explicou tudo ao responsável da PSP. A viagem começou no dia seguinte à morte de Fat Chun, portanto a 24 de Junho, pelas 16h15. Mário Póvoa embarcou com mais 14 chineses com o objectivo de “procurar um cadáver no mar de Má-Lou Hó”. Fat Chun estava desaparecido desde o dia 23 e esta era já a terceira tentativa para a localização do corpo. O português fez-se então acompanhar por Va Fong, Cheoc Keong, Leong Peng, Vong Leong, Leong In, Sun Chong Seng, Ho Kuang e Chau Kang, “todos operários do Fomento”, bem como de Kong Kao, “peixeiro” e Lai Iong Seng, “operário da obra de ligação”. No mesmo barco seguiam “Ieong Lou, Lai Sio Ieng, Lai Sio Hoi e Chan Iong Cheng, respectivamente, mulher, filhos e prima do afogado”. Às 16h foi avistada a embarcação das autoridades chinesas, descrita como um “barco tipo carga (barco esse de todos conhecido como sendo quem fiscaliza, por parte da China, o estreito entre Coloane e a ilha de Má Liu Ho)”. À PSP de Macau, Mário Póvoa explicou que, “como se encontravam dentro das águas chinesas, rumaram rumo às nossas águas [de regresso a Macau], sendo já dentro destas detidos pelo citado barco”. As autoridades chinesas, no momento da detenção, “lançaram uma amarra à sampana (proa a proa)”, tendo conduzido os tripulantes à “ilha de Má Liu Ho onde chegaram pelas 17h”. “O barco que os deteve é do tipo de barcos que transportam carga entre as ilhas e Macau, tendo uma metralhadora, e nele viajavam três indivíduos fardados”, descreve o documento. Alimentados e doutrinados Chegados a território chinês para serem interrogados sobre os motivos pelos quais entraram em águas estrangeiras, Mário Póvoa e os colegas da tripulação deram as devidas explicações e nunca foram maltratados, bem pelo contrário. Não só receberam os alimentos que pediram como foi-lhes entregue o tabaco da marca preferida. “Desde o momento do desembarque foi-lhes dito pelas autoridades locais que estivessem descansados, pois nada de mal lhes aconteceria. Cerca das 20h foi-lhes servido de jantar em conformidade com aquilo que cada um pediu, tendo ao declarante [Mário Póvoa] sido servido ovos e uma cerveja depois de instado para que comesse algo, dado não querer comida chinesa.” Ouvidos “três chineses” entre as 21h30 e a 1h, Mário Póvoa deitou-se por volta das 22h, “sendo-lhes dadas esteiras e cobertas, lamentando as autoridades chinesas não os poderem acomodar melhor”, conforme o relato do português à PSP. No dia 25, logo às 10h, seria retomado o interrogatório até ao meio dia. As autoridades chinesas pretendiam saber o que fazia este grupo de pessoas nas suas águas e porque tinham fugido. O tratamento condigno dado aos detidos manteve-se. À hora de almoço “foi-lhes servida carne enlatada, tendo de novo as autoridades insistido com o declarante [Mário Póvoa] se pretendia qualquer coisa especial para a alimentação”. Nesse momento, o português “pediu tabaco para todos, tendo-lhe sido dados dez maços de tabaco consoante a marca que cada um pediu”. Mas o interrogatório não se ficaria por aqui. As autoridades chinesas decidiram dar ainda uma aula sobre os acontecimentos políticos e sociais que então se viviam, nomeadamente sobre “a miséria do povo no tempo de Chiang Kai-chek” as “dificuldades no começo do regime de Mao Tse-tung”, a “actual igualdade entre cidadãos chineses” e a “não existência de miséria na China”. Mário Póvoa e os seus companheiros ouviram também explicações sobre a “capacidade industrial com a construção de barragens”, tendo sido “citado, por exemplo, uma construção recente” na ilha de Ma Liu Ho. Não faltaram ainda informações sobre a “produção de aviões, bombas teleguiadas e armamento eficaz que está a ser utilizado no Vietname”, país que, à época, vivia uma guerra civil. Interrogatório nocturno Mário Póvoa só seria ouvido às 20h, tendo sido questionado sobre “se ele reconhecia ou não que errara em ir para as águas chinesas”. O português acabaria por afirmar que “fez isso inconscientemente e que foi à procura do cadáver de um homem que com ele trabalhou seis anos”. Assinada uma declaração em como tinham sido devolvidos todos os bens dos detidos, estes regressaram na mesma embarcação à ilha de Coloane, tendo partido às 21h e chegado às 21h20. “À partida foram ajudados pelas autoridades a porem o barco na água, tendo estes, até ao último momento, instado com todos se pretendiam algo de comer antes de embarcarem”, lê-se ainda. Aquando da detenção, não foram utilizadas armas e existiu sempre “liberdade de movimentos”. Com estas informações em cima da mesa, as autoridades portugueses em Lisboa não conseguiram concluir se, de facto, Mário Póvoa e os restantes tripulantes tinham violado o espaço marítimo chinês. “Dada a proximidade da ilha chinesa de Má Liu Ho no local da ocorrência, e a imprecisa definição de fronteira, é difícil afirmar-se, não obstante a constante informação atrás transcrita, que a embarcação tenha penetrado nas águas territoriais chinesas e que foi detida já nas águas territoriais portuguesas”, lê-se numa nota adicional. O rebentar do 1,2,3 Para João Guedes, jornalista e autor de vários livros sobre a história de Macau, este episódio “ilustra bem o adensar do clima de desconfiança política e militar da China em relação a Macau”, e que haveria de “explodir” com os episódios do 1,2,3, em 1966. “O facto de Macau não possuir então águas territoriais agudizava a situação. Além disso, os chineses sabiam que em Macau se encontrava em actividade uma rede terrorista que efectuava operações contra alvos no Interior da China, tendo afundado nesse ano, ou no ano anterior, um navio de guerra de grande envergadura que se encontrava ancorado no porto da cidade de Kong Mun, não longe de Macau.” Segundo João Guedes, o general Kot Siu Wong era o espião chefe dos nacionalistas do partido Kuomitang em Macau e acabaria por desertar para a China, “levando consigo toda a informação sobre a rede de espionagem que comandava”. O responsável afirma mesmo que “esta acção [de Kot Siu Wong] terá contribuído para o eclodir dos tumultos de 1966”. Moisés da Silva Fernandes, investigador da história de Macau da Universidade de Lisboa, dá conta que, entre 1950 e 1960 “havia, com uma certa regularidade, estes confrontos transfronteiriços, porque não havia entendimento entre a China continental e a administração portuguesa” quanto à definição das águas territoriais. João Guedes relata mesmo as histórias que ouviu da boca do “senhor Bilro”, que depois de trabalhar como guarda da PSP em Coloane era porteiro da TDM. À época, era a unidade militar do “senhor Bilro” a responsável por acender o farolim da navegação que se encontrava a meio do canal entre Coloane e a ilha da Montanha. “A embarcação com que cumpria essa missão diária era blindada, porque se o não fosse não a poderiam levar a efeito. Isto porque a maior parte das vezes as tropas chinesas postadas na costa do lado oposto abriam fogo contra ela, obrigando os tripulantes a abrigar-se atrás das chapas de aço da protecção para para não serem atingidos.” Segundo João Guedes, “o senhor Bilro dizia que os militares chineses não tinham intenção de matar ninguém (pelo menos nunca o fizeram) mas o tiroteio servia para advertir as autoridades de Macau que o farol só era aceso todos os dias graças à boa vontade da China”. O caso Salgado Dos casos mais célebres de detenções de embarcações, conta-se a do capitão Álvaro Salgado. Moisés da Silva Fernandes recorda que este foi capturado no dia 22 de Março de 1952 quando velejava entre a península de Macau e a ilha da Taipa, tendo ficado em cativeiro na China durante 31 meses. Álvaro Salgado só seria libertado a 19 de Dezembro de 1954. “Antes de ser preso, exercia na repartição de Informações do Quartel-General da guarnição militar”, descreve o historiador. João Guedes conta ainda que Álvaro Salgado tinha sido comandante da PSP em Macau e foi preso quando praticava vela desportiva. O vento tê-lo-á levado para as águas chinesas. “Este oficial acabaria por ser acusado de espionagem, tendo estado quatro anos preso em Cantão, depois de ter sido passeado pelas ruas juntamente com outros suspeitos de serem agentes estrangeiros presos com cordas e com cartazes a enumerar os seus alegados crimes contra o povo”, remata João Guedes.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteJohn Lee eleito Chefe do Executivo de Hong Kong John Lee foi eleito, no domingo, Chefe do Executivo de Hong Kong com 1.416 votos do comité eleitoral, tendo sido registada uma participação eleitoral de 97,7 por cento. O Chefe do Executivo eleito é visto como o rosto de um “novo capítulo” de um mesmo livro, focado nas questões da segurança nacional e da estabilidade sócio-económica da região vizinha O único candidato a Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, foi no domingo confirmado no cargo, ao obter 1.416 votos, anunciou a comissão dos assuntos eleitorais. O candidato Lee Ka-chiu, John, “obteve 1.416 votos”, sendo eleito Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, indicaram as autoridades eleitorais, num comunicado publicado no ‘site’ das eleições. “Agradeço o vosso apoio à eleição do Chefe do Executivo”, disse Lee, de 64 anos, num breve discurso proferido depois de anunciados os resultados, noticiou o jornal local South China Morning Post. No período de votação, entre as 9h e as 11h30, 1.428 membros da comissão depositaram o seu voto, o que representa uma taxa de participação de 97,7 por cento, de acordo com um comunicado das autoridades locais. A comissão eleitoral é composta por 1.463 membros, na maioria pró-Pequim. Cerca de sete mil polícias foram destacados para evitar qualquer incidente durante a votação, indicou a imprensa local. Ainda assim, a Liga dos Sociais-Democratas, um dos últimos grupos pró-democracia na região, organizou uma manifestação de três pessoas, antes da abertura das assembleias de voto, para exigir “o sufrágio universal, agora”. “Sabemos que esta acção não terá qualquer efeito, mas não queremos que Hong Kong fique completamente silenciosa”, declarou a manifestante Vanessa Chan, perante dezenas de agentes policiais. Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, a seguir à vitória, John Lee adiantou aos media que o seu Governo “estará determinado em confrontar os problemas enraizados que Hong Kong enfrentou durante muitos anos, ter passos decisivos e adoptar acções eficientes e efectivas para resolvê-los”. “Espero que possamos começar um novo capítulo juntos, construir uma Hong Kong que cuida, que é aberta, vibrante, e que está cheia de esperança, oportunidades e harmonia”, adiantou. Apesar de o manifesto eleitoral apontar sobretudo para uma política de continuidade em relação a Carrie Lam (2017-2022), Lee avisou: “Será uma nova sinfonia, e eu serei o ‘maestro’”. Da herança Secretário para a Segurança no Executivo da Chefe do Executivo cessante, Carrie Lam, Lee supervisionou as operações policiais para pôr fim aos protestos anti-governamentais que abalaram a cidade em 2019. John Lee herda uma cidade e terceira praça financeira mundial praticamente isolada do mundo devido às medidas restritivas de controlo da covid-19. Sob o slogan “Iniciar em conjunto um novo capítulo para Hong Kong, Lee prometeu um Governo “orientado para resultados”, mas o programa de 44 páginas, publicado na semana passada, apresentou poucas medidas concretas. Na campanha eleitoral, Lee comprometeu-se a promulgar legislação local para proteger o território das ameaças à segurança nacional, aumentar a oferta de habitação no mercado imobiliário mais caro do mundo, melhorar a competitividade da cidade e estabelecer uma base firme para o desenvolvimento de Hong Kong. Em 1 de Julho, data que marca a transferência de soberania de Hong Kong do Reino Unido para a China, John Lee vai substituir Carrie Lam, de 65 anos, que decidiu não se candidatar a um novo mandato de cinco anos. Reforma a caminho Ontem, numa conferência de imprensa, Carrie Lam declarou que o sistema político baseado no conceito dos “patriotas a administrar Hong Kong” ficou totalmente implementado com a eleição de John Lee. Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, Carrie Lam reuniu com John Lee para discutirem a reestruturação governativa, as medidas para travar o surto pandémico e as actividades que vão celebrar os 25 anos da transferência de soberania de Hong Kong para a China. A Chefe do Executivo ainda em funções acredita que esta reforma vai permitir a continuação da prosperidade de Hong Kong. “Eu e a minha Administração vamos continuar a lutar contra esta pandemia da covid-19 a fim de permitir que a população de Hong Kong regresse a uma vida normal o mais cedo possível e também garantir uma base forte para a retoma das viagens [sem quarentena] para o continente.” John Lee comentou ainda os planos do Governo para a reestruturação de alguns organismos públicos, nomeadamente a separação das direcções de serviços de transportes e habitação. “A actual proposta já teve em conta vários factores e as sugestões são detalhadas. Trocámos opiniões sobre alguns elementos da proposta. Deverei reflectir sobre essas visões com os colegas da Chefe do Executivo em detalhe [o mais cedo possível]”, frisou. Uma das primeiras acções que John Lee fará após a sua eleição será a visita às quatro representações de Pequim em Hong Kong, incluindo o Gabinete de Ligação e o Gabinete para a Salvaguarda da Segurança Nacional. Ontem, além de reunir com Carrie Lam, John Lee reuniu também com o Chefe da Justiça e o Presidente do Conselho Legislativo. Novo capítulo, mesmo livro Contactado pelo HM, Jorge Tavares da Silva, académico da Universidade de Aveiro e analista de assuntos políticos chineses, considera que a eleição de John Lee “vem refrescar o ambiente política em Hong Kong, ainda que seja um homem pertencente à estrutura política anterior, após o desgaste da governação de Carrie Lam”. O facto de John Lee estar no poder constitui “um sinal à população de que há uma nova gestão no território, revelando uma vontade de mudança e um sinal atenuador para os ímpetos reivindicativos locais”. Além disso, John Lee “tem no seu discurso uma vontade explicita de resolver um dos maiores problemas da geração mais nova, a crise de habitação”. Há também “a perpetuação de um clima de segurança apertado no território, área de onde transita John Lee”. “Não deixa de ser um sinal para que a indisciplina será fortemente condicionada. Em suma, em simultâneo, uma vontade de dar uma nova resposta à população de Hong Kong sem sair das suas linhas mestras. Como diz o slogan do seu programa ‘iniciando um novo capítulo para Hong Kong Juntos’. Uma viragem de página no mesmo livro”, apontou o académico. Relativamente ao programa eleitoral apresentado pelo Chefe do Executivo eleito, Jorge Tavares da Silva entende que revela “algumas linhas orientadores do que poderá ser o seu mandato”, existindo “uma vontade de proteger Hong Kong enquanto importante centro financeiro internacional, abalado pelas sublevações e pela pandemia da covid-19”. Está em causa “uma plataforma muito relevante para a saúde financeira da República Popular da China”, além de que a habitação é hoje “um dos pontos vulneráveis na gestão urbana de Hong Kong”. A eleição de John Lee significa ainda “uma garantia para Pequim e um sinal a Washington, pela não aceitação de ingerências externas nos assuntos locais, tendo em conta que Lee foi vice-chefe da polícia, sancionado pelos americanos”. Também ao HM, o analista político Sonny Lo defendeu que um dos grandes focos de John Lee para o mandato como Chefe do Executivo passa pela regulamentação do artigo 23 da Lei Básica e a lei de cibersegurança, procurando também lidar “com as origens sócio-económicas dos protestos de 2019 ao melhorar a mobilidade jovem, o patriotismo dos jovens e a habitação”. John Lee deverá também trabalhar mais em prol de uma maior “competitividade em Hong Kong e numa melhoria da capacidade governativa”. Sobre a questão da segurança nacional, Sonny Lo pensa que Pequim espera sobretudo que haja estabilidade em Hong Kong, a nível social e económico, ao mesmo tempo que se regulamenta o artigo 23 da Lei Básica e se promove “a incorporação económica e social na Grande Baía”. A nível económico, Sonny Lo acredita que Hong Kong “vai gradualmente abrir as portas para o mundo, enquanto que as restrições fronteiriças com o continente e Macau serão relaxadas, é uma questão de tempo”. “A recuperação está a caminho”, defendeu. E Macau? Sonny Lo não tem dúvidas de que, caso Hong Kong avance para a regulamentação do artigo 23, Macau irá seguir-lhe os passos através do “aperfeiçoamento e do reforço da lei de segurança nacional”, ocorrendo “uma convergência na segurança nacional das duas regiões”. Jorge Tavares da Silva recorda que, embora a realidade política em Macau seja “amplamente diferente” de Hong Kong, esta eleição “não deixa de mostrar as preocupações do Governo em manter na região da Grande Baía um clima de paz que leve ao desenvolvimento regional”. Além disso, aponta o académico, “o 20.º Congresso do Partido Comunista Chinês vai-se aproximando, sendo importante manter um ambiente político estável nos próximos meses”. Bilhete de identidade Ex-secretário para a Segurança e número dois do Governo de Carrie Lam, John Lee foi o grande responsável pela implementação da nova Lei de Segurança Nacional no território, além de ter actuado para travar a acção dos protestos em 2019. Apesar do resultado, o único candidato à liderança de Hong Kong já prometeu a introdução de novas infrações que reforcem a legislação sobre a segurança nacional. Aquando das eleições no final de 2021 para o parlamento local, dominado por deputados “patriotas”, Lee deixou um apelo à população, para ajudar as autoridades na missão de impedir que “os desordeiros, as forças estrangeiras e as forças destrutivas prevaleçam”. Aos jornalistas detidos, classificou-os de “elementos malignos (…) que abusaram das suas posições (…) como funcionários dos ‘media’”. Ex-inspector e comissário adjunto da Polícia, assumiu a pasta da Segurança no Executivo de Carrie Lam em 2017 e avançou com a proposta da polémica Lei da Extradição, que espoletou os protestos em 2019, que levaram milhões de pessoas às ruas durante nove meses. Em Junho de 2021, acabou por ser promovido a secretário principal governamental. John Lee integra uma lista de altos responsáveis de Hong Kong alvo de sanções norte-americanas, impostas em Agosto de 2020. Felicitações de Ho Iat Seng O Chefe do Executivo de Macau disse esperar que as duas regiões administrativas especiais chinesas “possam avançar unidas”, numa mensagem de felicitações enviada a John Lee pela eleição como líder de Hong Kong. Ho Iat Seng defendeu também que os territórios possam “avançar unidos e cooperar com firmeza através da participação na construção de uma Grande Baía Guangdong, Hong Kong, Macau de topo de gama, e na integração da conjuntura do desenvolvimento nacional para concretizar da melhor forma os respectivos desenvolvimentos, criando uma vida melhor para a população, elaborando em conjunto um novo capítulo da grandiosa causa de ‘um país, dois sistemas’, disse, de acordo com um comunicado oficial. O Chefe do Executivo de Macau sublinhou ainda “a mesma origem” cultural das duas regiões, bem como as “relações estreitas na economia, comércio, com resultados eficazes no intercâmbio e cooperação”. Com Lusa Preocupação do G7 Os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países do G7 expressaram ontem a sua “grande preocupação” com a nomeação do novo líder de Hong Kong, John Lee. O grupo das nações industrializadas, ao qual pertencem Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Japão e Alemanha, classificou a eleição de Lee como um “ataque contínuo contra o pluralismo político e as liberdades fundamentais”. Os responsáveis do G7 instaram a China a agir de acordo com a declaração sino-britânica e o restante das suas obrigações legais. “Pedimos fortemente ao novo Chefe do Executivo que respeite os direitos protegidos e as liberdades ancorados na Constituição de Hong Kong e cuide para que a justiça defenda o Estado de Direito”, referiram os responsáveis.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteViolência doméstica | O efeito da pandemia no aumento do número de casos No espaço de um ano Macau registou mais 43 casos de violência doméstica. Cecília Ho e Melody Lu, académicas e membros da Coligação Anti-violência Doméstica, alertam para o facto de o fecho das fronteiras e a crise económica serem duas das grandes causas para o aumento dos casos. Ambas acreditam que a violência poderá continuar a acentuar-se se as restrições pandémicas se mantiverem Com Nunu Wu O relatório que traça o panorama da violência doméstica no território, divulgado esta quinta-feira pelo Instituto de Acção Social (IAS), revela um aumento do número de casos, situação largamente influenciada pelos efeitos da pandemia. Entre 2020 e 2021 houve mais 43 casos de violência doméstica, sendo que, se olharmos para a tendência dos últimos cinco anos, vemos que a média mensal de casos, de 6,8, voltou a aproximar-se a valores de 2017, quando ocorriam cerca de oito casos de violência doméstica por mês. O maior número é de 2016, ano em que a nova lei da violência doméstica entrou em vigor, quando se registava uma média de 10,3 casos por mês. De frisar que, em 2020, tinha-se atingido a média de casos mais baixa, com 3,2 por cento. A violência contra mulheres casadas continua a representar a maior fatia, 45,7 por cento, tendo sido registados, em 2021, 37 casos. Por oposição, foi registado apenas um caso de violência doméstica contra um homem casado. Relativamente à violência conjugal, 81,6 por cento das situações implica violência física. Em todas as situações de violência, seja contra crianças, idosos ou pessoas incapazes, as vítimas do sexo feminino estão sempre em maioria, 74,4 por cento, sendo que as vítimas masculinas são apenas 25,6 por cento. No que diz respeito à violência perpetrada contra crianças, ocorreram 30 casos, uma fatia de 37,1 por cento. Neste caso, a maioria das situações, 56,7 por cento, registou violência física. O relatório traça ainda um quadro geral do tipo de agressor e dos motivos que o levam a agredir a vítima. Em 55,6 por cento dos casos ocorrem “distúrbios ou descontrolo das emoções”, sendo que, em segundo lugar, surge, com 25,9 por cento, o factor “concordância com o uso de violência”. O alcoolismo aparece em terceiro lugar como razão da violência, com 17,3 por cento. Quanto à origem dos casos, a maioria, 34,6 por cento, ocorre na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, na zona norte da península de Macau. Sobre o perfil profissional do agressor, 34,6 por cento não tem rendimentos, enquanto que 35,9 por cento está “inactivo”. Sobre o nível de ensino, 27,2 por cento tem apenas o ensino secundário completo. No quadro geral, os cenários que levam a situações de violência física prendem-se, em 45,7 por cento dos casos, com “dificuldades ou obstáculos de comunicação no casal” e, em 27,2 por cento, em situações de adultério ou suspeitas do mesmo. Seguem-se, em terceiro lugar, com 18,5 por cento, “obstáculos na comunicação entre pais e filhos”. Desde 2016, que a violência doméstica é um crime público, o que significa que qualquer pessoa fora do contexto familiar pode fazer queixa junto das autoridades se observar uma situação de violência. Segundo o relatório do IAS, as queixas por parte de vizinhos, amigos ou familiares da vítima representam ainda uma baixa fatia, 3,7 por cento, tendo em conta que a grande parte dos casos conhecidos, 29,6 por cento, veio do Corpo de Polícia e Segurança Pública. A Polícia Judiciária lidou com 4,9 por cento dos casos, enquanto que os organismos públicos trataram de 13,6 por cento das situações. De frisar que, em 26 por cento dos casos, foram as próprias vítimas a pedir ajuda. Futuro sombrio Melody Lu, socióloga e membro da Coligação Anti-violência Doméstica, aponta como a grande causa para este aumento do número de casos a crise económica que o território atravessa. “A investigação revela que a quebra na economia, o desemprego e o isolamento são os factores mais importantes para o aumento da violência doméstica”, contou ao HM. “Mais do que continuar o trabalho da educação pública [sobre este tema] e aperfeiçoar a lei de violência doméstica, penso que é mais importante olharmos para as condições estruturais, como a recuperação da economia e a saúde mental da população. É necessário estudar os casos existentes a fim de identificar os padrões e as causas [para a violência]. Neste momento não temos acesso a essa informação”, frisou. A socióloga da Universidade de Macau não tem dúvidas de que a continuação das medidas restritivas impostas pelas autoridades para lidar com a pandemia vai levar a um aumento do número de casos. “Poderemos ver um enorme aumento porque, nos últimos dois anos, as pessoas tiveram de aguentar momentos de maior dificuldade na esperança de que terminassem em breve. Quando não vislumbramos um fim, a depressão torna-se mais séria. Uma maior taxa de desemprego pode tornar-se algo permanente no futuro”, frisou. Cecília Ho, também membro da Coligação Anti-violência doméstica e académica na área do serviço social da Universidade Politécnica de Macau, acredita num potencial aumento de casos. “A pandemia tem um enorme impacto nos casos de violência doméstica, especialmente devido ao fecho de fronteiras, pois as pessoas têm falta de liberdade nas viagens para o continente. Antes, muitas famílias preferiam ficar no continente ou viajar entre Macau e Zhuhai devido ao menor custo de vida [do outro lado da fronteira]. Mas agora não o podem fazer e estão forçados a viver numa pequena área. Esperam-se mais conflitos e tensões”, defendeu ao HM. Para Cecília Ho, parece que o IAS “não analisou o impacto da violência doméstica através de uma base com mais educação pública, como a promoção de meios de comunicação não violentos entre membros da mesma família”. “A pandemia aumenta, de forma indirecta, a demissão de trabalhadores e mais pessoas enfrentam, de repente, dificuldades financeiras, o que traz uma maior tensão e discussões entre as famílias. Acredito que o número de casos de violência doméstica vai continuar a aumentar e que haja mais casos de violência física, dada a permanência de um temperamento depressivo e stressado até que haja uma recuperação económica.” Atenção aos pequenos Olhando para os dados do relatório, Cecília Ho destaca o facto de uma boa percentagem dos casos partir de denúncias das próprias vítimas, bem como de queixas de pessoas fora da família. Tal significa que “a consciência do público em torno da violência doméstica, e a busca de ajuda, tem vindo a aumentar”. Desta forma, o IAS deveria “depositar mais esforços na promoção, criando mais serviços de aconselhamento jurídico ou centros de acolhimento, a fim de encorajar a que mais casos de violência sejam reportados”. Quanto aos casos de violência contra crianças, Cecília Ho defende que não devem ser subestimados. “É urgente um acompanhamento em termos de aconselhamento a fim de combater a violência doméstica inter-geracional e o abuso psicológico.” Além de ainda existir uma percepção errada na sociedade local de que a violência doméstica apenas diz respeito aos casos de violência física, Cecília Ho alerta para a forma como as autoridades e agentes jurídicos continuam a lidar com estes casos. “Por norma os advogados estagiários são muito inexperientes a lidar com estes processos. A maior parte das vítimas não está informada e não tem conhecimentos jurídicos suficientes para tomar decisões e para se defender em tribunal. É urgente melhorar o sistema de ajuda jurídica”, adiantou. Quanto aos casos que chegam a tribunal, e que geram uma acusação efectiva do agressor, serão ainda poucos. “Não temos estatísticas, mas acreditamos que a maior parte dos casos são acompanhados não tratando a violência doméstica como crime público, mas aplicando o artigo 137 do Código Penal [ofensa simples à integridade física], que é um crime semi-público.” Desta forma, a maior urgência não recai na revisão da lei, mas sim “na revisão detalhada do sistema de ajuda [à vítima] e no sistema de investigação e recolha de provas por parte das autoridades policiais”. Estas alterações podem “acabar com o ciclo de violência doméstica se os agressores lidarem com as consequências”, apontou Cecília Ho. O HM falou ainda com a deputada Wong Kit Cheng que frisou também um maior aumento de pedidos de ajuda por parte das vítimas. “Tendo em conta os factores que levam a casos de violência, o IAS deve intervir e tratar os casos. Tendo em conta que as questões conjugais representam o maior factor, podemos recorrer à arbitragem e reforçar a intervenção dos assistentes sociais e serviços de aconselhamento familiar, sem esquecer uma maior educação parental.” Também ligada à direcção da Associação Geral das Mulheres, Wong Kit Cheng acredita que, acima de tudo, é importante a divulgação destes dados por parte do IAS, pois só assim “saberemos as razões da violência e poderemos elaborar mais medidas de acompanhamento”. “Os dados não revelam os casos confirmados de violência doméstica e quais os que não terminam com uma condenação, por isso é elevada a possibilidade de reincidência. É importante fazer um trabalho de prevenção”, rematou a deputada.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteHistória | Quando a PIDE quis saber mais sobre Pedro José Lobo No início dos anos 60, ecoavam em Timor-Leste movimentos políticos de luta pela independência. A possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli” e as eventuais ligações de familiares de Pedro José Lobo levaram a PIDE-DGS a pedir, a Macau e a Timor, informações sobre esta importante figura da comunidade macaense Pedro José Lobo, figura de destaque entre a comunidade de Macau, funcionário público e poderoso homem de negócios, nascido em 1892 em Timor, chegou a ser investigado pela PIDE-DGS (Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção Geral de Segurança), que funcionou em Portugal durante o período do Estado Novo. Documentos arquivados na Torre do Tombo, em Lisboa, consultados pelo HM, provam que esta polícia política quis saber mais sobre a ligação de familiares de Pedro José Lobo à possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli”, em 1961, um movimento nunca confirmado oficialmente. Em causa, estava o facto de uma das filhas de Pedro José Lobo ser casada com Constâncio Lemos de Araújo, residente em Macau e filho de Francisco de Araújo, deportado de Timor para Macau. Este teria sido “um dos cabecilhas” de um motim ligado a movimentos independentistas de Timor. Portugal, ao ter conhecimento de algumas notícias divulgadas sobre este movimento independentista, que teria levado à formação de um novo “governo de 12 ministros, presidido por A. Mao Klao”, pedia ao subdelegado da PIDE-DGS em Timor e à Polícia de Segurança Pública (PSP) de Macau detalhes sobre a vida de Pedro José Lobo. A 28 de Junho de 1963, saía do Gabinete de Negócios Políticos, ligado ao Ministério do Ultramar, uma carta com esse pedido. Em causa, estava uma notícia “fornecida de Djakarta pela Agência France Presse e publicada em diversos jornais” quando à proclamação, em “Batugade, no Timor Português, a ‘República Unida de Timor-Díli’”, que já teria pedido “o reconhecimento das outras nações”. De Timor não chegaram informações concretas “quanto à veracidade da notícia”, não havendo “nada de concreto quanto à existência de quaisquer indícios que a justificassem”. Apesar de a agência noticiosa “Antara” não ter dado “publicidade a tal notícia”, além de que na Indonésia “apenas os jornais comunistas a ela se referiram”, as autoridades portuguesas chamavam a atenção para o facto de o “Confidential Foreign Report”, em Abril de 1963, referir-se ao “ambiente em Timor” e estabelecer “a conexão com as prisões feitas em 1961 naquela província. A mesma publicação dava conta de que “um dos cabeças de motim, chamado Araújo, ao passar por Macau, enviara uma mensagem a um seu familiar, pessoa proeminente da província, o dr. Pedro Lobo”. A notícia da proclamação da “República Unida de Timor-Díli” tinha, para a PIDE-DGS, um “carácter nebuloso”, relacionado com “o fraco acolhimento que encontrou na Indonésia, acrescido do facto de o indigitado ‘presidente’ [A. Mao Klao] ter um nome que pode denunciar uma origem de mestiço, de chinês e de Malaio”. No entanto, dava-se atenção à “conexão estabelecida pelo ‘Confidential Foreign Report’, designadamente as relações que o Dr. Pedro Lobo mantém com Timor, quer por razões familiares, quer por interesses económicos”. Não eram esquecidas “as actividades de ordem económica por este senhor desenvolvidas em Macau e da possível interferência que ele possa ter, tanto na Agência France Presse como no jornal South China Morning Post, de Hong Kong, o primeiro a referir a notícia”. Lobo inocente A resposta ao pedido da PIDE-DGS veio confirmar que Pedro José Lobo nada tinha a ver com esta questão política. “O Francisco Araújo vive em Macau, em casa de seu filho, Constâncio Lemos de Araújo, levando pelo menos, aparentemente, uma vida calma, aparecendo raramente em público”. Além disso, descreviam as autoridades locais, “a sua conduta, na vida privada, não tem suscitado quaisquer suspeitas”. “Também não consta que mantenha quaisquer ligações políticas com o dr. Pedro José Lobo. Desconhece-se qualquer ligação do dr. Pedro José Lobo com as notícias emanadas através da ‘Agência France Press’ ou publicadas no jornal South China Morning Post, de Hong Kong. Foi tudo o que se conseguiu apurar acerca do assunto tratado no ofício de vossa excelência”, lê-se no documento. Confirmava-se, assim, que “as relações [de Pedro José Lobo] com o timorense Francisco de Araújo, ou Francisco Maria Xavier de Jesus Araújo, provêm, especialmente, do facto de uma das filhas do Dr. Pedro Lobo ser casada com um filho do Araújo, Constâncio Lemos de Araújo”. Além disso, “Francisco de Araújo, antes da sua deportação de Timor, administrava a já referida ‘Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos’”, uma das muitas empresas do universo de negócios de Pedro José Lobo. No entanto, as informações enviadas à PIDE-DGS não ignoravam a história pessoal de uma figura carismática de Macau. “A origem e meios utilizados para conseguir aquela fortuna são de origem bastante duvidosa, especialmente durante e após a segunda guerra mundial.” A resposta enviada à PIDE-DGS dava ainda conta de que Pedro José Lobo havia sido “durante muitos anos chefe dos Serviços de Economia e Estatística Geral da província de Macau”, tendo “sido aposentado por ter atingido o limite de idade”. À data, Pedro José Lobo tinha “cerca de 71 anos de idade” e era presidente do Leal Senado da Comarca de Macau. “É condecorado pelo Governo português, ocupando posição de destaque no meio social de Macau, não só pela sua elevada fortuna, como também pela influência que as suas actividades comerciais exercem sobre a vida económica daquela província. Entre outras, destacam-se as seguintes organizações comerciais nas quais possui largos interesses”. No documento constavam empresas como a Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, a Companhia de Ouro “Wong On” de Macau, a Macau Air Transport, a “P.J. Lobo” em Macau e Hong Kong e a já referida Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos, em Timor, administrada pela “Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho lda”, de Díli. Grande confiança Célia Reis, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e com extenso trabalho publicado sobre a história de Macau, disse ao HM que a posição da PIDE-DGS “parece estar ligada às ramificações que este acontecimento [proclamação da República Unida de Timor-Díli] pudesse ter em Portugal”. “Daí a chegada a Pedro José Lobo, não pela posição que ocupava em Macau, mas pelas possíveis implicações que pudesse ter” neste episódio. A investigadora acrescenta que, no caso deste movimento político, “terá sido proclamada a independência da República de Timor em Abril de 1961, [tendo estado] ligado a um grupo radical islâmico que existia em Jacarta, na Indonésia”. A actuação da PIDE-DGS fazia-se sentir também nas colónias, mas, nestes casos, era coordenada com o Ministério do Ultramar. Segundo Célia Reis, a política do Estado Novo “estava muito bem relacionada com todos os organismos oficiais, e quando solicitava informações, o natural é que esses organismos respondessem porque estavam todos ligados à mesma estrutura”. “Podia não ter uma célula local, mas havia informação de outras fontes, como policiais, que contribuíam com relatórios ou mesmo com algumas suspeitas que houvesse”, frisou. Célia Reis confessou que já tentou investigar as razões pelas quais Francisco de Araújo foi deportado de Timor para Macau, mas ainda não encontrou dados elucidativos nos documentos que pesquisou. “A PIDE fazia sempre questão de analisar as várias ligações e havia a suspeita de que algumas informações tivessem sido transmitidas a Pedro José Lobo por esses familiares”, adiantou Célia Reis. Grande parte da fortuna de Pedro José Lobo terá sido obtida através do comércio do ouro que se fazia em Macau por altura da II Guerra Mundial, pois ele continuava a ser director da Inspecção dos Serviços Económicos, o que “permitia que as licenças de importação passassem por ele”. À época, Portugal não tinha assinado os Acordos de Bretton-Woods, que promoviam uma regulação do comércio mundial e dos valores do ouro. Tal levava a que esta matéria-prima fosse vendida a preços mais baixos pelos países assinantes dos Acordos face aos que eram praticados em Macau. “[Pedro José Lobo] não agia sozinho, mas com ligação a pessoas ricas que beneficiaram desse comércio do ouro”, frisou a investigadora. Muito antes de este comércio ser muito importante para a economia local, já Pedro José Lobo ocupava um lugar de destaque na regulação pública do comércio do ópio. “A verdade é que Pedro José Lobo estava à frente desses serviços por causa da grande confiança que o Governador tinha nele. Ainda não era uma pessoa tão conhecida pela sua relevância económica, mas foi nomeado e passa a ter uma grande projecção porque, estando ligado a essa organização, acaba por ter um processo colocado pelo antigo monopolista do ópio”, recordou Célia Reis.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteJuventude | Novo livro branco reitera compromisso com “valores socialistas” Pequim acaba de lançar mais um livro branco sobre a juventude, onde se salienta a importância de os jovens chineses se focarem “nos valores socialistas”. O documento oficial aponta ainda que os hábitos de consumo mudaram nos últimos anos e que existem agora mais oportunidades de carreira graças ao desenvolvimento e prosperidade do país. O relatório dá ainda conta de uma crescente participação política dos mais novos O Partido Comunista Chinês (PCC) tinha, em Junho do ano passado, cerca de 24 milhões de membros com menos de 35 anos, sendo que 25 por cento tinha uma plena participação no partido. E foi a pensar nos jovens e no caminho que estes devem traçar no país nos próximos tempos que Pequim decidiu lançar, na última semana, um novo livro branco sobre a juventude chinesa. Trata-se de um documento oficial do Governo Central que traça metas e balanços sobre as vidas dos jovens na China actual e do futuro. O documento, divulgado na íntegra pela agência Xinhua, começa por afirmar que os jovens devem, acima de tudo, ter um “compromisso no foco dos valores socialistas”. “A orientação do valor da juventude vai decidir os valores de toda a sociedade. Os jovens chineses aprendem valores morais de heróis e de personalidades modelo dos nossos tempos. Eles promovem, de forma pró-activa, os valores socialistas, como a prosperidade, a democracia, o civismo, a harmonia, a liberdade, a igualdade, a justiça”, pode ler-se. Aos jovens chineses pede-se ainda “confiança no caminho chinês”, pois, “através da comparação com o passado e com o resto do mundo, e de uma observação social, a juventude chinesa consegue compreender a importância da liderança do Partido, os méritos do sistema social e o reforço das pessoas”. O livro branco cita mesmo um inquérito realizado aos jovens, em 2020, que revela que a maioria dos inquiridos “apoia incondicionalmente o socialismo com características chinesas, e tem plena confiança sobre o rejuvenescimento da nação chinesa”. O mesmo documento dá conta de uma crescente participação política dos mais jovens nos últimos anos, tendo em conta que “um grande número” participou “como deputados nos congressos do povo ou como membros da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) em todos os níveis”. “Através destas organizações eles cumpriram os seus deveres e participaram na deliberação e administração dos assuntos de Estado”. Em 2019, aponta o relatório branco, “os jovens participaram, em 10,9 por cento, ao nível dos congressos do povo e em 13,7 por cento a nível dos comités da CCPPC”. Desta forma, “os jovens são participantes activos nas eleições democráticas, no processo de tomada de decisões, na gestão e supervisão, fazendo sugestões para a maior parte das questões relacionadas com o desenvolvimento económico e social, e no exercício dos seus direitos democráticos”. Muito antes de expor os valores que devem definir o caminho da juventude chinesa para os próximos anos, o relatório branco vai buscar referências históricas para afirmar que, sem o PCC “o movimento da juventude chinesa teria atingido muito pouco”. “Numa nova era, a juventude chinesa abraça oportunidades preciosas para realizar as suas ambições e revelar os seus talentos, uma vez que devem ter a importante responsabilidade de construir um grande país socialista moderno e realizar o Sonho Chinês do rejuvenescimento nacional”, pode ler-se. Uma questão de talentos Para Pequim, o milagre económico chinês dos últimos anos deu aos jovens a oportunidade para estes aproveitarem melhor as oportunidades de carreira, além de que os seus hábitos de consumo mudaram profundamente em relação à geração dos seus pais. No que diz respeito aos talentos, o livro branco dá conta de que “a nação chinesa atingiu uma profunda transformação ao obter uma maior independência e ao tornar-se mais próspera com um forte crescimento”. O período actual traz “prosperidade e esperança”. “Vivendo nos melhores tempos da história da China, a actual geração de jovens desfruta de um ambiente propício para o seu desenvolvimento, com espaço para crescer e com grandes oportunidades para terem uma boa carreira”, lê-se ainda. Quanto aos hábitos de consumo, os jovens estão a apostar em produtos cada vez mais adaptados às suas necessidades individuais. “Eles estão a mudar de um padrão de compra de produtos básicos para comprar coisas que permitem desfrutar da vida, de ter apenas roupas para vestir, para hábitos de vestir mais elegantes, de ter comida para comer para comer melhor em prol de uma melhor saúde.” Sobre o uso da Internet e ciberespaço, o livro branco dá conta que a juventude chinesa recorre a este mundo virtual “para ter acesso à informação, partilhar ideias, fazer amigos e compras”. “Uma vez que se tornam cada vez mais como grandes produtores de informação, e sendo consumidores de serviços e promotores de tecnologias relacionadas com o ciberespaço, os jovens são uma profunda influência nas tendências da Internet.” Desta forma, acrescenta-se, “os jovens estão a espalhar energia positiva e a moldar novas tendências sociais, num esforço para garantir um ciberespaço mais limpo”. Educação para todos Para as autoridades chinesas, os jovens têm, no país, “um acesso à educação igual para todos”, tendo em conta as prioridades definidas pelo Governo Central e as oportunidades educacionais de elevada qualidade oferecidas. “Em 2021 o cumprimento da escolaridade obrigatória atingiu uma taxa de 95,4 por cento, com a taxa da educação no ensino secundário a chegar aos 57,8 por cento, com um total de 44,3 milhões de estudantes no ensino superior. Há cada vez mais jovens que atingiram este caminho importante em prol do sucesso e da excelência”, é referido no documento. Pequim afirma que tem vindo a desenvolver, nos últimos anos, um sistema de ajuda financeira aos estudantes, desde o ensino infantil ao superior. Em 2020, foram dados subsídios no valor total de 240 mil milhões de yuan, tendo sido dada assistência a cerca de 150 milhões de estudantes. Uma das tendências mais visíveis nos últimos anos, e que está directamente relacionada com o aumento do nível de vida e na construção de uma nova classe média, prende-se com o facto de cada vez mais jovens estudarem no estrangeiro. O livro branco dá conta que “estudar no estrangeiro é a forma mais importante para que os jovens chineses aprendam sobre o mundo”. Em 1978, a China enviou 800 alunos para estudarem no estrangeiro, mas esse número chegou aos 700 mil em 2019. “Nas últimas quatro décadas, o número total de chineses a estudar no estrangeiro ultrapassou os 6,5 milhões, tendo regressado 580 mil em 2019, contra 248 em 1978”. O conhecimento da juventude chinesa sobre o mundo faz-se também através de “viagens, programas de visita, passeios de negócios e cooperação a nível laboral”. Lado diplomático Apesar de este ser um documento oficial sobre a juventude chinesa, faz também referência ao crescimento do “círculo de amigos” com o qual a China “consegue comunicar e cooperar”. “A juventude chinesa encara cada oportunidade para contar as histórias da China e participa numa governança global dos assuntos da juventude”, sempre numa visão de cooperação e de ganhos mútuos.” Desta forma, ao abrigo da Parceria Global da Juventude Chinesa, o país estabeleceu programas de intercâmbio e cooperação com mais de 100 organizações internacionais, agências governamentais da juventude ou partidos políticos. Os jovens chineses participam em diversos programas de intercâmbio com países e regiões “como a Rússia, EUA, Europa, Índia e Japão” em áreas como a educação, ciência, cultura, artes e desporto. “A juventude chinesa tornou-se mais activa na adesão às organizações internacionais, na participação em conferências internacionais e numa governança global. Como resultado, os jovens abraçaram, de forma bem sucedida, a imagem internacional da juventude chinesa”, remata o documento.
João Santos Filipe Grande Plano MancheteCriptomoeda | Frederico Rosário absolvido dos crimes de burla Apesar de ter de indemnizar cerca de 29 vítimas, numa quantia que pode chegar a 12 milhões de patacas, o filho de Rita Santos não vai ter de cumprir pena de prisão. Sobre a indemnização, a defesa ainda vai ponderar apresentar recurso Frederico Rosário, filho da Conselheira das Comunidades Portuguesas, Rita Santos, foi absolvido da prática de 47 crimes de burla de que era acusado pelo Ministério Público, no âmbito de um esquema de investimento em criptomoeda, que terá gerado perdas de 21 milhões de patacas. A decisão foi conhecida na sexta-feira, no Tribunal Judicial de Base, numa sessão em que o arguido voltou a estar ausente. Apesar de inocente do procedimento criminal, Frederico do Rosário vai ter de indemnizar 29 das vítimas. O desfecho foi encarado para advogado do filho de Rita Santos, Luís Almeida Pinto, como uma vitória, porque mais do que conseguir que o cliente fosse considerado inocente, o importante era que ficasse provado que não tinha cometido os crimes. “Decorre inequivocamente da sentença que Frederico Rosário não praticou qualquer crime. O tribunal foi claro nisso. Muitas vezes os arguidos são absolvidos na dúvida, […] porque há um princípio no direito, in dubio pro reo, que deve levar o tribunal a absolvê-los sempre que houver dúvidas”, começou por argumento o advogado. “Neste caso, Federico Rosário foi considerado não culpado, ou seja, que não era responsável pelos crimes de burla. Isto significa para Federico Rosário e para a família, que o tribunal de Macau lavou a sua honra”, acrescentou. “O tribunal com este acórdão decidiu que ele teve comportamentos negligentes, mas nunca e jamais que cometeu um crime, ou crimes de burla” completou. Por outro lado, o advogado destacou também que Frederico Rosário não pode ser visto como um criminoso ou delinquente, ao contrário do que pretendia o Ministério Público. “Perante a comunidade de Macau, Frederico Rosário jamais pode ser apontado como um criminoso ou delinquente, conforme havia sido na acusação do Ministério Público”, realçou. Sem dolo A condenação por crime de burla implica que se prove que os arguidos tiveram intenção de cometer o crime. E para o tribunal, foi esse aspecto que distinguiu o arguido Frederico Rosário do outro, Dennis Lau, condenado a uma pena efectiva de prisão de 10 anos. Segundo o acórdão lido pela juíza Cheong Weng Tong, Frederico do Rosário não teve intenção de fazer com que as vítimas perdessem o dinheiro, quando conseguiu que enviassem os seus investimentos para o outro arguido. “O segundo arguido [Frederico Rosário] teve uma conduta negligente, que não constitui crime”, afirmou Cheong, na leitura do acórdão. “Foi absolvido de todos os crimes, mas em relação a uma das acusações houve desistência, pelo que o crime foi extinto e não houve absolvição”, acrescentou. Por outro lado, o tribunal deu como provado que Dennis Lau, desde o início, teve como objectivo usar Frederico do Rosário para amealhar uma grande quantia de dinheiro. “O Tribunal tem a opinião de que o primeiro arguido agiu de acordo com o factos de que foi acusado e que são todos dados como provados. Tinha a intenção de enganar a vítimas e fê-lo através do segundo arguido”, concluiu. Banco vazio Como Dennis Lau está em Hong Kong, não deve cumprir a pena em Macau. Apesar disso, foi condenado a 10 anos de pena de prisão por cinco crimes de burla simples, 24 de burla de valor elevado e 16 crimes de burla de valor consideravelmente elevado. “A pena é de prisão para atingir os objectivos de penalização, a ilicitude é elevada, os ofendidos tiveram prejuízos e o dolo foi muito elevado, até na forma como recorreu a formas de investimento mais modernas, o que fez com que as pessoas aderissem aos seus planos. Também não indemnizou qualquer dos ofendidos”, destacou a juíza, face a um banco que esteve sempre vazio, no que diz respeito a Dennis Lau, ao longo de quase um ano de julgamento. Nas considerações sobre a pena aplicada ao criador das empresas Forgetech e Genesis, Cheong Weng Tong sublinhou igualmente que foram tidas em conta as “consequências muito graves” do esquema criado. Assumir responsabilidades Se a nível criminal Frederico Rosário não tem de enfrentar consequências, o mesmo não acontece ao nível dos pedidos de indemnização civil. O tribunal entendeu que o filho de Rita Santos vai ter de indemnizar 29 vítimas por ter responsabilidade solidária, a par de Dennis Lau, em factos ilícitos assim como culpa nas perdas geradas. “O tribunal é da opinião que [Frederico Rosário] agiu com negligência e que também não cumpriu o dever de prudência. Nessas circunstâncias, o tribunal considera que deve indemnizar os ofendidos porque está mais do que provado que teve responsabilidade pela entrega dos montantes”, foi considerado pelo tribunal. No entanto, a juíza Cheong Weng Tong não revelou o montante que vai ter de ser pago a cada vítima, limitou-se a ler o nome dos burlados que terão de ser indemnizados. Segundo as estimativas da defesa, o valor total deve ser inferior a 12 milhões de patacas. Contudo, Luís Almeida Pinto não afastou a possibilidade de recurso. “O Frederico Rosário não ficou com um avo do dinheiro das vítimas. Não deixa de ser estranho que seja condenado solidariamente a pagar indemnizações a 29 das vítimas, quando o tribunal reconhece inequivocamente que o dinheiro dos ofendidos foi apropriado pelo arguido de Hong Kong”, afirmou o advogado. “É matéria que vamos estudar e eventualmente recorrer”, sublinhou. Críticas a Rosário Apesar da vitória a nível criminal, a postura de Frederico Rosário foi alvo de críticas pela juíza, por não ter verificado se os planos de investimento eram viáveis, nem percebido como iriam funcionar as empresas Genesis e Forgetech, utilizadas na burla. “O segundo arguido apresentou todos estes planos de investimento, mas não foi prudente, não se inteirou sobre as empresas nem sobre programas que apresentou. Praticou os actos, para que os familiares, amigos e ele mesmo obtivessem comissões. […] Levou a que os ofendidos acreditassem nele, no seu poder de fiscalização sobre os investimentos e causou prejuízos”, afirmou a juíza. As críticas estenderam-se às apresentações feitas na sede da Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau e às alegações de Frederico Rosário que desconhecia a situação. “O segundo arguido compareceu em tribunal e negou prática dos factos. Referiu que foi enganado, e que todos os actos foram praticados pelo primeiro arguido, sem ter conhecimento. O tribunal considera que o arguido estava mais a par da situação do que disse”, atirou Cheong. “Quando investiu na companhia sabia que estava a participar nos planos de minerização e pretendia que mais pessoas participassem nos planos para ter uma recompensa para si e para os familiares”, destacou. Para indicar que Frederico Rosário percebia os planos de investimentos e que não se limitava a dedicar a atenção à parte do jogo electrónico, pelo menos na primeira sessão, a juíza recordou a conduta da mãe. “Na primeira sessão de apresentação [na ATFPM] o arguido podia não estar tão a par da situação como o primeiro arguido […] mas não tinha tão poucos conhecimentos como quis deixar parecer”, afirmou a juíza. “Na altura, a sua mãe entregou 200 mil patacas em numerário. Se a sua mãe não tivesse conhecimento do plano, será que teria imediatamente esta quantia consigo?”, questionou. “A experiência faz-nos acreditar que os planos já tinham sido apresentados, que havia pessoas que estavam a par e que estavam preparadas para fazer logo as transferências ou entregar o dinheiro”, justificou. Em baixo A leitura da sentença era para ter decorrido no mês passado, mas foi adiada. Na altura, Frederico Rosário também não compareceu na sessão, e Luís Almeida Pinto, advogado de defesa, afirmou ter sido informado que tal se deveu a um excesso de comprimidos. “Da outra vez ficou em casa com medicamentos. Está muito em baixo, penso que pode ter cedido um pouco a esta pressão”, contou o advogado à juíza. “Sei que da última vez tomou medicamentos e foi necessário fazer um tratamento. É uma coisa de grande pressão e é natural que em determinada altura as pessoas quebrem”, detalhou, momentos depois, já fora da sala da audiência. Práticas medievais À saída do tribunal, Luís Almeida Pinto criticou o procedimento da Polícia Judiciária que frequentemente enfia um capuz preto nos arguidos, para que sejam fotografados pela comunicação social, antes de serem levados para o Ministério Público. “Falei no procedimento de aparecer na televisão com um capuz enfiado na cabeça. É um procedimento de Idade Média da nossa Polícia Judiciária e que é reprovável”, criticou. “Desde esse momento até ao presente, podem imaginar a pressão que o Frederico Rosário sofreu no dia-a-dia, estando aqui, vivendo na comunidade, enfrentando os olhares das pessoas, lutando para fazer a prova da sua inocência. Podem calcular a carga emocional”, acrescentou. Rita Santos em lágrimas Foi com o filho absolvido e com a juíza fora da sala de audiência, que Rita Santos, Conselheira das Comunidades Portuguesas, se desfez em lágrimas, entre abraços ao pai do filho, Frederico Rosário, familiares presentes e à equipa de advogados. A também presidente da mesa da Assembleia Geral da ATFPM esteve sempre ao lado do filho em todo o julgamento e não faltou a qualquer sessão. No final, teve uma descarga de adrenalina.
Pedro Arede Grande Plano MancheteEspaço | Cientista da MUST determina tamanho do maior cometa alguma vez avistado O cientista do Laboratório Estatal de Referência das Ciências Lunares e Planetárias, Hui Man-To, é o autor principal de um paper que confirma as dimensões daquele que é o maior cometa alguma vez avistado. Segundo a observação feita através do Telescópio Espacial Hubble (NASA), o núcleo do cometa “C/2014 UN271” (Bernardinelli-Bernstein) tem 128 km de diâmetro e pode dar pistas sobre a formação do Sistema Solar O professor do Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias da Universidade Ciência e Tecnologia de Macau (MUST), Hui Man-To contribuiu decisivamente para confirmar a dimensão daquele que é o maior cometa alguma vez avistado por astrónomos. Os resultados da observação do cometa “C/2014 UN271”, também denominado “Bernardinelli-Bernstein” em função dos cientistas que o descobriram, foram obtidos através de uma observação efectuada com recurso ao Telescópio Espacial Hubble (NASA) e registados num paper publicado no “Astrophysical Journal Letters”, do qual Hui Man-To é o principal autor. De acordo com os resultados da observação feita no início de Janeiro deste ano, o diâmetro estimado do núcleo gelado do cometa “Bernardinelli-Bernstein” será de aproximadamente 128 quilómetros, ou seja, cerca de 50 vezes maior que a maioria dos cometas analisados até aos dias de hoje. Além disso, os dados recolhidos apontam para o facto de a massa do corpo celestial pesar cerca de 500 triliões de toneladas, um registo também ele inédito, tendo em conta que é 100 mil vezes superior à massa registada normalmente em cometas que circulam mais perto do Sol. Isto, tendo em conta que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” encontra-se actualmente nos “limites” do Sistema Solar e, por isso, a uma distância considerável do Sol e a deslocar-se a uma velocidade de cerca de 35 mil quilómetros por hora. “Este é um objecto verdadeiramente espantoso, dado o quão activo é, estando ainda tão longe do Sol”, começou por partilhar Hui Man-To com o portal oficial da NASA dedicado ao Telescópio Espacial Hubble. “Calculámos que o cometa pudesse ser bastante grande, mas precisávamos de dados mais precisos para obter essa confirmação”, acrescentou. Cálculos galácticos Por esse motivo, o cientista da MUST decidiu utilizar o telescópio Hubble para registar cinco imagens do cometa “Bernardinelli-Bernstein”, que foram depois processadas através de um modelo informático criado pela sua equipa. A estratégia permitiu “descriminar” o núcleo do cometa, da poeira e da luminosidade envolvente que inevitavelmente, e a juntar à longa distância a que o cometa se encontra do telescópio, constavam das imagens originais captadas, provocando ruído. Contactado pelo HM, Hui Man-To revelou que o maior desafio de todo o processo passou por obter a aprovação para executar o plano de observação no Telescópio Espacial Hubble. “É um processo altamente competitivo. Em média, um astrónomo tem de tentar mais de cinco vezes até ver o seu programa aprovado (…) mas felizmente conseguimos a aprovação necessária em tempo útil. Sem a qualidade de observação emprestada pelo Telescópio Espacial Hubble não seríamos capazes de fazer nada”, partilhou. Hui Man-To acredita que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” seja originário da chamada “Nuvem de Oort”, região gelada e sombria localizada nos limites do Sistema Solar, encontrando-se em rota de aproximação ao Sol e à Terra, de acordo com a sua órbita elíptica, que terá uma duração total de cerca de três milhões de anos. Apesar de se estar a aproximar, o mais perto que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” estará do Sol, será em 2031, altura em que deverá passar perto de Saturno. Além disso, o estudo e a compreensão do cometa, proveniente de uma região tão distante como a “Nuvem de Oort”, reveste-se de elevada importância, dado conter na sua estrutura amostras, matéria e elementos em estado de congelação que remontam à formação inicial do Sistema Solar, ou seja, com uma idade equivalente a quatro biliões de anos. Sobre o cometa propriamente dito, o professor da MUST destaca que este está numa fase “estável”, a perder massa de forma “prolongada” e que a sua actividade está a ser potenciada pela “sublimação” (passagem do estado sólido ao estado gasoso). “A actividade do cometa está numa fase estável, o que significa que o núcleo está a perder massa de uma forma prolongada, e não impulsiva. Isto é um indicador de que a sua actividade está a ser potenciada pela sublimação. No entanto, a esta distância do Sol (cerca de 18 vezes a distância entre o Sol e a Terra), a sua temperatura de equilíbrio (-210 Celsius) é demasiado baixa para que o gelo da água passe pela sublimação, devendo ser supervolátil como o monóxido de carbono ou o dióxido de carbono”, explicou. Trabalho de equipa Quanto ao sucesso dos resultados alcançados, Hui Man-To não tem dúvida que tal pode ser atribuído ao “esforço de toda a equipa”, a começar pelo contributo do norte-americano David Jewitt, astrónomo de renome da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) responsável por descobrir o “Cinturão de Kuiper” em 1992, que levaria à “despromoção” de Plutão enquanto planeta em 2006. Outro elemento fundamental na manobra que levaria a que se fizesse luz sobre o cometa “Bernardinelli-Bernstein”, acrescenta, foi o professor da MUST Liang-Liang Yu, cuja reconhecida capacidade de cálculo foi fundamental para se chegar à dimensão final do núcleo do cometa. Questionado sobre o momento em que descobriu estar perante a confirmação histórica, Hui Man-To disse que, na altura, estava “bastante calmo”, embora a urgência de publicar os resultados alcançados fosse grande. “Na verdade, estava bastante calmo. A minha maior preocupação a partir daí, era conseguir concluir o paper e submetê-lo o mais rapidamente possível. Não queríamos ser ultrapassados por outras equipas. Lembro-me de estar relativamente contente quando consegui extrair o ‘sinal’ do núcleo dos restantes elementos do cometa”, apontou Sobre a importância de Macau estar associada à descoberta, Hui Man-To sublinhou que o Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias da MUST deve aproveitar todas as oportunidades para se assumir como referência na área, a nível internacional. “[A publicação deste paper] ajudou certamente a promover a ciência que é feita em Macau um pouco por todo o mundo. A impressão que a maioria das pessoas tem sobre Macau é que é um território ligado ao jogo e ao turismo, onde a ciência não tem lugar, mas isto não é de todo verdade. O Laboratório de Referência Estatal necessita de participar em projectos internacionais sempre que surjam oportunidades no futuro”, referiu. Quanto ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na MUST, Hui Man-To vê com bons olhos o envolvimento do Laboratório de Referência Estatal em diferentes projectos e admite estar empolgado com o conhecimento que vai ser produzido a propósito do futuro satélite de exploração científica de Macau.
Hoje Macau Grande Plano MancheteChina | Fábricas temem impacto de confinamentos e de política de casos zero A maior fabricante dos telemóveis Iphone do mundo, a Foxconn, teme impactos na produção com o confinamento decretado em algumas áreas da zona económica do aeroporto de Zhengzhou. Por sua vez, a situação da pandemia em Xangai traz receios aos fabricantes de automóveis na China, que teve um crescimento económico de 4,8 por cento no primeiro trimestre, abaixo da meta traçada de 5,5 por cento O tecido industrial chinês parece começar a ressentir-se das medidas adoptadas pelas autoridades para lidar com a pandemia, nomeadamente com a implementação de confinamentos e a continuação da política de casos zero de covid-19. Estas medidas influenciam os ritmos normais de produção e, consequentemente, os ganhos económicos. A mais recente implementação do confinamento de várias áreas da zona económica do aeroporto de Zhengzhou, na província central de chinesa Henan, devido ao aumento dos casos da covid-19, é disso exemplo. A Foxconn, maior produtora mundial de iPhones, cuja fábrica se situa nesta zona, poderá ver a sua produção afectada, uma vez que o confinamento, anunciado na sexta-feira, envolve a proibição de circulação. Segundo noticiou no sábado o South China Morning Post, o pessoal da fábrica tem sido submetido a testes nos últimos dias. Até agora, nem a Foxconn, nem a Apple comentaram as consequências destas medidas, que podem comprometer a cadeia de abastecimento do gigante da tecnologia, já afectado pelo encerramento forçado de outros fornecedores localizados no leste do país, tais como Pegatron Corp, na província de Jiangsu, e Quanta Computer, em Xangai. A Foxconn já teve de encerrar as fábricas em Shenzhen, durante duas semanas, embora tenham agora reiniciado a produção. Automóveis em suspenso Entretanto, também os fabricantes de automóveis podem ser forçados a suspender a produção no país, em Maio, devido a interrupções no fornecimento de componentes, causadas pelo bloqueio de Xangai, que enfrenta um surto de covid-19. O alerta foi dado por He Xiaopeng, co-fundador e presidente da Xpeng, um dos principais fabricantes de veículos eléctricos da China, numa mensagem publicada na sua conta oficial na rede social WeChat, e citada pela imprensa local. “Se os fornecedores dentro e ao redor de Xangai não conseguirem encontrar uma maneira de retomar as operações e a produção, todas as fábricas de veículos da China podem ter de suspender a produção em maio”, previu o executivo. O CEO do grupo tecnológico Huawei, Yu Chengdong, também compartilhou as previsões pessimistas para as cadeias de fornecimento industriais, devido ao confinamento de Xangai. Embora destacando o impacto para o sector automóvel, acrescentou que todas as indústrias de tecnologia cuja cadeia de fornecimento passa por Xangai vão ser afectadas, o que geraria perdas económicas “muito altas”, segundo o portal de notícias Sohu. A “Gigafactory” em Xangai da fabricante norte-americana de veículos eléctricos Tesla, que representa cerca de metade dos automóveis produzidos pela empresa a nível mundial, tem as suas operações suspensas desde 28 de Março. O primeiro trimestre “foi excepcionalmente difícil devido a interrupções na cadeia de fornecimento e à política de ‘zero covid’ da China”, explicou o CEO da Tesla, Elon Musk, no início deste mês, através da sua conta oficial no Twitter. Este domingo, a agência estatal chinesa Xinhua noticiou que um dos maiores produtores de computadores portáteis do mundo, o Quanta Group, regressou à produção na fábrica situada em Xangai “com um restrito conjunto de medidas de prevenção e uma gestão aproximada [da situação] a decorrer”. Cerca de dois mil trabalhadores desta fábrica regressaram aos seus postos de trabalho na sexta-feira, sendo que seis mil deverão voltar ao trabalho até sexta-feira, disse Walter Lee, vice-presidente associado do grupo para a área da produção. Estes trabalhadores realizaram uma quarentena de 14 dias e efectuaram testes de despistagem à covid-19 com resultado negativo. De frisar que o Quanta Group é um dos grandes produtores dos computadores portáteis da Apple, além de ser um dos principais fabricantes dos computadores de bordo e unidades de controlo da Tesla, na China. Walter Lee adiantou que, apesar do impacto da covid-19, o grupo obteve um aumento de 15 por cento no valor de produção no primeiro trimestre. A empresa está ainda confiante de que pode crescer mais este ano, acrescenta a mesma notícia. Segundo o canal de rádio e televisão de Hong Kong RTHK, a cidade de Xangai registou este domingo um total de 21.582 casos assintomáticos, um aumento de 3.238 casos assintomáticos em relação a sábado. Por sua vez, a China reportou no sábado um total de 26.016 novos casos locais, sendo que 3.504 casos são assintomáticos. Governo promete ajuda Na sexta-feira, as autoridades chinesas prometeram ajudar empresas e indústrias de sectores chave da economia que lidam com os impactos do confinamento em Xangai. O Ministério da Indústria e Informação Tecnológica da China promete trabalhar, segundo a Reuters, com 666 empresas que produzem semi-condutores, automóveis e medicamentos para que possam regressar à produção normal, foi anunciado em comunicado. Relativamente ao transporte de mercadorias, foi também anunciado na sexta-feira a criação de um passe nacional que permita veículos movimentarem-se entre zonas de alto risco sem atrasos, perante a apresentação de testes à covid-19 negativos, com uma validade de 48 horas, e uma temperatura corporal normal. Um estudo apresentado no passado dia 7, pela Gavekal Dragonomics, conclui que 87 das 100 maiores cidades chinesas com muita produção interna impuseram medidas de confinamento. Também a Air China reportou perdas de 70 por cento de tráfego aéreo em Março, por comparação a igual período de 2021. Os preços do imobiliário registaram, em Março, uma estagnação, pela segunda vez consecutiva, em 70 grandes cidades chinesas, pois as medidas anti-covid-19 reduzem a confiança dos consumidores. Apesar dos sinais de alerta enviados pelos sectores económicos, o presidente chinês, Xi Jinping, não parece disposto a apostar numa política alternativa para lidar com a pandemia. Na última quinta-feira, o dirigente máximo do país defendeu que a China deve manter a política de tolerância zero à covid-19, sinalizando a manutenção das rígidas medidas anti-pandemia no país, apesar dos crescentes custos económicos e sociais. “Devemos persistir e colocar as pessoas acima de tudo, as vidas acima de tudo (…) Devemos aderir à precisão científica”, disse Xi Jinping, durante uma visita à ilha de Hainan, no extremo sul do país, segundo a imprensa estatal. “A actual pandemia global ainda é muito grave e não podemos relaxar o trabalho de prevenção e controlo. Só com persistência sairemos vencedores”, afirmou. Crescimento abaixo Entretanto foi anunciado um crescimento da economia chinesa de 4,8 por cento no primeiro trimestre, abaixo da meta estipulada por Pequim para este ano, de 5,5 por cento. O crescimento acelerou, em relação ao ritmo de 4 por cento atingido no trimestre anterior, quando o Governo chinês restringiu o acesso ao crédito pelo vasto sector imobiliário do país. Os gastos nos sectores retalho e manufactureiro, e o investimento em fábricas, imóveis e outros activos fixos, aumentaram. “A recuperação da economia nacional foi sustentada e a gestão da economia foi geralmente estável”, apontou Fu Linghui, porta-voz do Gabinete Nacional de Estatísticas (GNE) chinês, em comunicado. Contudo, as vendas a retalho, um indicador dos gastos do consumidor, caíram 3,5 por cento, em Março, – a primeira contração desde Julho de 2020 – à medida que as autoridades endureceram as medidas antipandemia, visando combater o surto mais grave no país em mais de dois anos. A meta de crescimento de 5,5 por cento anunciada para este ano é a menor em três décadas. Fu Linghui apontou para os “surtos frequentes” de covid-19 na China e um “ambiente internacional cada vez mais grave e complexo”. “Com o ambiente doméstico e internacional a tornar-se cada vez mais complicado e incerto, o desenvolvimento económico enfrenta dificuldades e desafios significativos”, apontou. Os dados dos primeiros três meses do ano não expressam o impacto do bloqueio de Xangai. Analistas do grupo japonês de serviços financeiros Nomura estimaram, na semana passada, que 45 cidades, que correspondem a 40 por cento do PIB (Produto Interno Bruto) da China, estavam sob medidas de confinamento, completas ou parciais, e acrescentaram que o país estava em “risco de entrar em recessão”. A produção industrial, que foi um grande impulsionador da recuperação inicial da China da pandemia, em 2020, aumentou 5 por cento em Março, em relação ao mesmo mês do ano anterior. O investimento em activos fixos aumentou 9,3 por cento, nos primeiros três meses de 2022, em termos homólogos. Nas últimas semanas, o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, alertou repetidamente sobre os riscos económicos. Também o Presidente chinês, Xi Jinping, apontou, em Março, para a necessidade de minimizar o impacto económico das políticas anti-pandemia, apesar de ter defendido, na última quinta-feira, a aposta na continuação da política de zero casos covid-19 no país. Para além de Xangai, também as cidades de Jilin e Changchun, importantes centros industriais do nordeste da China, encontram-se sob confinamento total há mais de um mês. A.S.S.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCovid-19 | Estudo defende orientações mais claras da OMS sobre restrições Fernando Dias Simões, docente da Universidade Chinesa de Hong Kong, defende que a Organização Mundial de Saúde deveria fornecer orientações mais claras e precisas face às restrições de viagem adoptadas pelos países em tempos de pandemia. O autor adianta que, como as recomendações emitidas pela OMS não são vinculativas, os membros nem sempre implementaram medidas com base em critérios científicos Em Abril de 2020, em plena pandemia, 90 por cento da população mundial vivia em países que haviam aplicado restrições de viagem. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 194 países adoptaram estas restrições, enquanto que 143 fecharam as suas fronteiras. Até que ponto estas medidas, impeditivas de uma total liberdade de movimentos, violaram normas do Direito Internacional, nomeadamente o Regulamento Sanitário Internacional e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, na vertente de direitos humanos? Fernando Dias Simões, professor de Direito da Universidade Chinesa de Hong Kong, e ex-docente da Universidade de Macau, dá estas respostas num estudo, recentemente publicado no Yale Journal of Health Policy, Law and Ethics, intitulado “Covid-19 and International Freedom of Movement: A Stranded Human Right?” [Covid-19 e o Movimento Internacional de Liberdade: um Direito Humano Bloqueado?] Uma das conclusões deste estudo prende-se com a necessidade de um maior consenso, bem como de orientações mais claras da OMS face às restrições de viagem adoptadas pelos países membros. Em relação ao Regulamento Sanitário Internacional, Fernando Dias Simões defende uma revisão em prol de uma maior clareza e com base num consenso científico mais alargado. “É necessário criar indicadores que sinalizem como e quando os Estados membros devem aplicar medidas de saúde adicionais que possam interferir com a mobilidade internacional. Este não é um objectivo fácil e necessita de um consenso, tanto de médicos como de especialistas jurídicos, sobre o critério que deve ser determinado para garantir um equilíbrio razoável entre a saúde pública e a mobilidade internacional”, pode ler-se no documento. A OMS faz recomendações, não vinculativas, sobre as medidas a adoptar em tempos de pandemia, apelando a que as restrições do tráfego internacional de bens e pessoas sejam razoáveis, a fim de atingir “o nível desejado de protecção da saúde pública”. No entanto, os países membros da OMS podem ir mais além, necessitando de reportar estas medidas “com uma justificação científica para a sua adopção”, devendo “ser revistas a cada três meses”. No entanto, não há sanções caso não o façam. “A norma que impõe estas obrigações aos membros é o que se chama uma ‘norma incompleta’, pois não prevê qualquer sanção em caso de incumprimento dos deveres de reportar, de justificar, ou caso a justificação seja considerada insuficiente”, explicou Fernando Dias Simões ao HM. Em termos históricos, recorda, a OMS “tem preferido emitir recomendações em vez de impôr obrigações de forma vinculativa, com a cominação de sanções”. Desta forma, tem ocorrido “um incumprimento generalizado” dessa matéria. “A OMS, normalmente, abstém-se de questionar os membros sobre as medidas que implementam por estar ciente de que esta é uma área muito sensível em que os estados preferem exercer a sua soberania sobre o controlo de fronteiras”, frisou. Equilibrio precisa-se Além disso, o autor considera que “é vital aumentar o peso das regras em matéria de direitos humanos e os princípios do equilíbrio entre a saúde pública e a liberdade de movimentos”. Desta forma, “deve ser feita uma aproximação holística e coerente em prol de uma mobilidade internacional, o que requer um elevado nível de precisão sobre as medidas de saúde que estão de acordo com os padrões de direitos humanos”. Para Fernando Dias Simões, a pandemia “é uma recordação viva de como os Governos necessitam de adaptar-se ao Regulamento Sanitário Internacional e às regras e princípios dos direitos humanos quando concebem e implementam medidas relacionadas com emergências de saúde pública”. “É crucial o reforço da ligação entre estes dois domínios”, acrescentou, lembrando que “só o tempo dirá sobre o impacto económico e social [destas medidas] e quanto sofrimento poderia ter sido evitado, ou pelo menos mitigado, se os países não tivessem corrido para fechar as suas fronteiras”. Fernando Dias Simões recorda que, “apesar de ser um instrumento legal internacional, o Regulamento Sanitário Internacional parece ser um documento legal suave, com o cumprimento [das regras] a basear-se na persuasão”. Desta forma, este regulamento, na prática, “não tem sido assertivo o suficiente”. “Vários autores sugeriram uma atitude mais pró-activa e enfática no requerimento junto dos países membros de uma justificação para as suas medidas. Enquanto que a OMS tem o poder de ‘nomear e envergonhar’ os Estados que violam as medidas, esta ferramenta não foi utilizada. Na prática, os regulamentos são muito contidos no que diz respeito à regulação de quando e como os países podem adoptar medidas de saúde adicionais. O foco parece ser em convidar os Estados para uma cooperação multilateral, sem pôr em causa a sua soberania”, refere o estudo. O autor aponta também, ao HM, que “a OMS, em momento algum, interveio ou fez comentários em relação a membros específicos ou a certos tipos de medidas”, uma vez que “cada membro enfrenta as suas próprias circunstâncias e adopta as suas medidas de acordo com o nível de protecção da saúde pública que pretende atingir e o julgamento científico que faz da situação”. Pouca ciência O estudo assinado pelo académico dá ainda conta do facto de alguns países parecem ter tomado medidas restritivas da liberdade de movimento sem se basearem em critérios científicos. “O processo de tomada de decisões não deveria basear-se em padrões vagos e afirmações retóricas. De outra forma, é dado demasiado arbítrio aos países na elaboração das suas próprias políticas, muitas vezes baseadas em considerações que não são científicas.” Fernando Dias Simões destaca que, apesar de viajar contribuir para uma maior circulação de doenças infecciosas, a verdade é que “estudos científicos demonstraram que as restrições de viagem não têm sido efectivas, de forma significativa, na prevenção do contágio de doenças infecciosas, e na maior parte dos casos só atrasaram a chegada do vírus em alguns dias”. Neste sentido, “tais medidas falham consideravelmente na redução das transmissões se não forem combinadas com medidas preventivas de infecção e de controlo [de outra ordem]”. No período mais negro da pandemia, e tendo em conta que se sabia ainda muito pouco sobre a covid-19, “os Governos tiveram que tomar decisões urgentes com base em informação incompleta provisória, sem provas científicas maturadas”. Houve ainda alguns casos de adopção de uma “resposta nacionalista, ao não permitir a entrada de não nacionais”, sendo que houve “restrições de viagem com base na nacionalidade ou estatuto de residência”, o que discriminou e estigmatizou “certos indivíduos ou grupos” de pessoas. O estudo faz ainda o alerta para o impacto destas restrições de viagem, que podem trazer “efeitos económicos desastrosos, particularmente nos países em desenvolvimento”. No que diz respeito aos trabalhadores migrantes, “as restrições de viagem foram particularmente cruéis”, uma vez que “muitos foram despedidos dos empregos, não conseguindo sustentar-se e regressar ‘a casa’. Vários países organizaram voos de repatriamento”. Fernando Dias Simões destaca que, na óptica dos direitos humanos, “todas as pessoas têm o direito de sair livremente de qualquer país”, sendo que “ninguém pode ser arbitrariamente privado do direito de entrar no seu próprio país”. Macau não violou leis internacionais Macau, Hong Kong ou China “não violaram o direito de entrada ou o direito de saída”, até porque “não há nenhum direito humano a entrar num país estrangeiro”, aponta o docente de Direito. Sobre o envio de informações sobre as medidas adoptadas à OMS, Fernando Dias Simões diz que não há dados públicos sobre essa matéria. “Não sei se as autoridades de Pequim ou Macau reportaram estas medidas à OMS, ou que justificação científica apresentaram, e por isso não posso comentar. A verdade é que praticamente todos os membros da OMS aplicaram este tipo de medida em algum momento no seu combate contra a covid-19.” O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos vigora em Macau e em Hong Kong, sendo que a China assinou o documento em 1998, mas não o ratificou. Todos os membros da OMS, um total de 194, respondem perante o Regulamento Sanitário Internacional.
Pedro Arede Grande Plano MancheteFórum de Macau | China quer “defender a paz” e reforçar cooperação lusófona Face à instabilidade mundial, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang lembrou que a China defendeu sempre a paz mundial e sugeriu três vias para reforçar a cooperação sino-lusófona. Ho Iat Seng diz que a Plataforma está “basicamente formada” e que Macau continuará a consolidar o seu papel. Já António Costa, vê com bons olhos a revisão do funcionamento do fundo sino-lusófono e abriu as portas aos grandes mercados Com Lusa O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, lembrou ontem que a China defendeu sempre a paz mundial e apresentou três propostas para que, “face à incerteza e instabilidade mundial”, a cooperação sino-lusófona saia reforçada. “Vamos defender a paz e a estabilidade e concretizar o desenvolvimento e a prosperidade. Como convivemos numa aldeia global, só a paz e a estabilidade podem ser benéficas, ao passo que os conflitos, o caos ou a intranquilidade na vida dos povos, tem um efeito prejudicial para todos”, começou por dizer num discurso feito a partir de Pequim, por videochamada, na cerimónia de abertura da reunião extraordinária ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau). “A China sempre foi um defensor da paz mundial e está disposta a trabalhar com os países de língua portuguesa e os outros países da comunidade internacional para continuar a contribuir, de forma construtiva, para a defesa da paz, do desenvolvimento e da prosperidade comum dos países”, acrescentou. Em segundo lugar, o governante propôs a manutenção de esforços conjuntos para “vencer a pandemia” de covid-19, que há mais de dois anos tem impactado as economias internacionais. Por fim, Li Keqiang sustentou também que se deve “persistir na abertura e cooperação”, em especial no âmbito do Fórum de Macau, que inaugurou ontem o Centro de Intercâmbio da Prevenção Epidémica China – Países de Língua Portuguesa. “Com a contínua propagação da pandemia, os países não têm como se concentrar no desenvolvimento sem preocupação. A China está disposta a estreitar a cooperação com os países de língua portuguesa, nas áreas da vacinação, medicamentos e saúde e vamos estabelecer em Macau o Centro de Intercâmbio da Prevenção Epidémica China – Países de Língua Portuguesa, com vista a aprofundarmos a cooperação (…) e o aperfeiçoamento do sistema de governança da saúde global. Vamos persistir na abertura e cooperação e promover a reactivação económica”, partilhou. Oportunidade e perseverança Por seu turno, o Chefe do Execuivo Ho Iat Seng frisou que a função de Macau enquanto Plataforma sino-Lusófona “tem vindo a ser aperfeiçoada” e que esse é um desígnio que deve continuar a ser perseguido. Para já, o Chefe do Executivo considera que está “basicamente formada” uma plataforma de serviços integrados virada para a cooperação económica e comercial nas áreas da investigação científica, da medicina tradicional chinesa, da cultura, do turismo, das convenções e exposições, do comércio, das finanças e do empreendedorismo jovem. Ao falar da pandemia, Ho Iat Seng apontou que a reunião de ontem constituiu uma “oportunidade” para a China e os países de língua portuguesa cooperarem na área da saúde, tendo em vista a “promoção conjunta da recuperação económica” e a “elevação da coesão e da influência do Fórum de Macau”. Perante uma situação internacional que apelidou de “complexa e instável”, Ho Iat Seng frisou que “a tendência de desenvolvimento pacífico da humanidade é imparável” e que Macau irá continuar a consolidar o seu papel de Plataforma Sino-Lusófona. “Macau continuará a potenciar as suas vantagens singulares, a tirar pleno proveito das oportunidades de «Uma Faixa, Uma Rota» e da construção da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, a aperfeiçoar e consolidar o seu papel como Plataforma Sino-Lusófona e Plataforma de Serviços (…) e a auxiliar e impulsionar a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade, em prol do desenvolvimento e progresso comum”, disse. Porta para o mundo Através de uma mensagem gravada a propósito da reunião extraordinária, o primeiro-ministro português, António Costa defendeu o reforço da cooperação com a China e lembrou que Portugal abre a porta a grandes mercados como a União Europeia (UE), a América Latina e África, sobretudo pela sua relação com os países lusófonos. O primeiro-ministro português saudou ainda a vontade do Fórum de Macau de apoiar a tradução e edição de autores lusófonos na China, falando de uma relação que “vai além da economia e da geografia” e que contribui para divulgar o património histórico e cultural. O governante salientou as relações diplomáticas e de “amizade” entre Lisboa e Pequim, sobretudo no âmbito do Fórum de Macau e com os países lusófonos, mas defendeu que a recuperação das economias atingidas pelo impacto da pandemia de covid-19 e pela invasão russa da Ucrânia exige outros estímulos e resultados. António Costa sustentou que “a superação dos impactos socioeconómicos depende das medidas de estímulo” e da exploração de novas oportunidades, recordando que Portugal é “uma porta de entrada para a União Europeia” e para outros mercados, como a América Latina e África, até pela “proximidade com os países de língua portuguesa”. Para isso, pediu uma melhor gestão de um fundo milionário chinês destinado a financiar a cooperação sino-lusófona, “mais consequente”, nas regras e funcionamento. Um apelo reforçado pelo embaixador em Pequim, José Augusto Duarte, que solicitou no seu discurso, alterações ao nível dos “requisitos de elegibilidade” e expressou o desejo de que o fundo seja marcado por um “maior dinamismo”, de forma a assegurar o financiamento de projectos produtivos das economias locais”. Em causa, está a revisão das regras de atribuição do Fundo de Desenvolvimento e Cooperação sino-lusófono de mil milhões de dólares criado pelo Banco de Desenvolvimento da China e pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Macau. Recorde-se que, até à data, apenas foram aprovados três projectos, em Moçambique, Angola e Brasil, no valor de 35 milhões de dólares. O embaixador em Pequim, frisou ainda que, apesar de Macau ser uma “porta de entrada para o mercado chinês”, no futuro “tem de se fazer mais” do que eventos de divulgação dos produtos. A reunião de ontem foi a sexta realizada em Macau, após as edições de 2003, 2006, 2010, 2013 e 2016. Da declaração conjunta, assinada no final da reunião de ontem pelos membros do Fórum de Macau, destaque para a oficialização da adesão da Guiné Equatorial, a aposta em derrotar a pandemia, a promoção do crescimento económico e o alargamento do intercâmbio cultural. Guiné-Bissau | Chan Meng Kam deixa de ser cônsul-honorário O empresário Chan Meng Kam deixou de ser cônsul-honorário da Guiné-Bissau, de acordo com a notícia avançada pelo Canal Macau. A decisão foi comunicada no passado dia 1 de Abril à embaixada da República da Guiné-Bissau em Pequim pelo chefe do Protocolo de Estado, embaixador Luís Camará de Barros. O antigo deputado e ex-membro do Conselho Executivo era cônsul honorário da Guiné-Bissau em Macau desde Agosto de 2018. Excesso de Zelo Durante a cerimónia de abertura da Reunião Extraordinária Ministerial do Fórum de Macau, a organização não providenciou condições de trabalho ideais, como acesso à internet e lugares sentados, para as várias dezenas de jornalistas locais e do Interior da China que marcaram ontem presença na sala de reuniões do Complexo do Fórum de Macau para cobrir o evento. Confinados a uma área específica, durante a cerimónia foi possível ver vários profissionais da comunicação social a trabalhar e a tirar notas no chão do recinto, enquanto os discursos dos representantes governamentais se sucediam.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteFórum Macau | A antevisão de uma reunião há muito esperada A reunião extraordinária ministerial do Fórum Macau vai acontecer finalmente no próximo domingo, depois de a pandemia ter atrasado um novo encontro para definir objectivos de actuação. Investigadores acreditam que vêm aí novas medidas de combate à pandemia, de fomento económico e de maior envolvimento nos projectos da Grande Baía e da Nova Rota da Seda Desde 2019 que o Fórum Macau trabalha sem novos objectivos definidos. A pandemia veio atrasar a realização da sexta conferência ministerial depois de ter sido definido um plano de acção para os anos de 2017 a 2019. Este domingo, dia 10, acontece finalmente uma reunião extraordinária ministerial (REM), exclusivamente online, e o HM procurou saber o que poderá estar em cima da mesa. Pedro Paulo dos Santos, investigador da Universidade Cidade de Macau (UCM), actualmente a trabalhar no doutoramento sobre o Fórum Macau, acredita que deverá ser apresentado “um plano mais curto do que os emitidos nas conferências anteriores”. “O título da reunião, ‘Um mundo sem pandemia, Um desenvolvimento comum’ indica que as medidas principais neste plano de acção serão na cooperação no combate à pandemia. Podemos esperar também medidas para estimular o crescimento económico entre os membros do Fórum e em reforçar Macau como a plataforma entre a China e os PLP.” No caso de Cátia Miriam Costa, investigadora e docente no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, lamenta que o encontro de domingo seja online, “o que, de facto, não facilita um diálogo mais próximo”. “O contexto internacional em que decorrerá é bastante diferente dos anteriores, dada a situação de guerra na Europa, e a tensão comercial entre os EUA e a China. Acresce a estes factores o facto de o próprio Secretariado do Fórum ter agora novos representantes nos diferentes cargos. Creio que dado este enquadramento, poderemos esperar que seja reforçado o papel económico do Fórum”, começou por dizer. A responsável frisou também que poderá ser alargado o âmbito das actividades do Fórum Macau, nomeadamente para um espectro mais cultural. “Espera-se igualmente que a China proponha aos países de língua portuguesa um maior envolvimento nos projectos da Grande Baía e da Nova Rota da Seda. A nova dinâmica, representada pelo novo Secretário-Geral, que se tem multiplicado em contactos com os representantes dos vários países de língua portuguesa aponta nesse sentido.” Segundo uma nota de imprensa, a REM de domingo “estabelecerá consensos para o desenvolvimento cada vez mais consistente do papel do mesmo enquanto mecanismo de cooperação multilateral para o desenvolvimento comum”. Será assinada uma “Declaração Conjunta” que vai reflectir “uma nova fase de trabalhos, em diversas áreas, nomeadamente, o combate à pandemia, a restauração do crescimento económico e o aperfeiçoamento do funcionamento de Macau enquanto plataforma de intercâmbio entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. A ideia é “elevar a cooperação nas áreas de economia, comércio, cultura e saúde entre o Interior da China, Macau e os Países de Língua Portuguesa, para um novo patamar”. Atraso, que efeitos? Questionada sobre o facto de este atraso poder ter condicionado, nos últimos anos, a actuação do Fórum Macau, Cátia Miriam Costa defende que houve “uma diminuição de algum entusiasmo por parte dos países de língua portuguesa que já estavam a retomar, em pleno, a sua actividade política internacional, e não havia uma previsão para este encontro”. “Esta situação pode explicar parcialmente a actividade de contacto directo com os vários estados-membros por parte do novo Secretário-Geral, de forma a reactivar uma certa proximidade a esta organização internacional que estava a perder dinâmica ao nível do contacto político. Relativamente à China, estou segura de que se manteve a trabalhar no tema e a avaliar as propostas que considerou mais adequadas para apresentar nesta Conferência Ministerial”, adiantou Cátia Miriam Costa. Pedro Paulo dos Santos acredita que as autoridades de Macau e da China têm continuado a trabalhar nos bastidores para manter o funcionamento do Fórum Macau de forma regular, bem como os serviços do foro comercial e económico que tem prestado. “O atraso no anúncio das datas deve-se apenas à situação da pandemia. A China tem, neste momento, em mãos uma crise de infecções que é, sem dúvida, a sua prioridade nesta conjuntura”, apontou. O investigador recorda que “havia grandes planos e mudanças em vista no Fórum para 2021 que infelizmente não se realizaram devido à pandemia”. No entanto, “todos os envolvidos mantiveram as suas funções e responsabilidades”, além de que, após a realização desta reunião e de “alguma normalidade pós-pandemia, iremos assistir a um Fórum mais activo e dinâmico”. Cenário internacional Desde 2019 que o mundo e a diplomacia têm sofrido várias crises de grande dimensão, primeiro com a pandemia e agora com o conflito na Ucrânia. Questionados sobre se a situação na Europa pode, de certa forma, ter impacto na realização deste encontro, ambos os analistas acreditam que os efeitos serão reduzidos. “A pandemia, em particular, tem tido um grande impacto em todas as organizações internacionais, e o Fórum Macau não é excepção. Quando temos representantes de várias nações que não podem viajar para conferências, reuniões ou eventos, obviamente que interfere com o dia a dia e com os objectivos traçados. O facto de a última conferência ter sido em 2016 obviamente que tem condicionado os trabalhos do Fórum.” Tal facto deverá também “condicionar o plano de acção que será emitido nesta reunião extraordinária”, frisou. Relativamente a outros conflitos internacionais, tal como na Ucrânia, Pedro Paulo dos Santos não acredita “que tenham um grande impacto nesta reunião ou no Fórum Macau em si”. Cátia Miriam Costa alerta para o facto de a conjuntura internacional “ser sempre muito relevante”. “O caso da existência de uma guerra na Europa e de uma competição comercial e até económica mais incisiva entre os EUA e a China não vão estar ausentes da conferência. Contudo, não me parece que o cenário de guerra seja determinante na negociação das áreas de cooperação a aprofundar. É preciso lembrar que apenas um país está mais envolvido nessa guerra, se bem que não seja de forma directa, que é Portugal”, concluiu. A 10 de Janeiro deste ano tomou posse o novo secretário-geral do secretariado permanente do Fórum Macau, Ji Xiazheng, anteriormente subdirector-geral do departamento de assuntos europeus do Ministério do Comércio da China, tendo sido responsável pelos assuntos económicos e comerciais entre a China e os Países europeus. Nos últimos meses, o diplomata tem tido diversos encontros com entidades públicas de Macau e os seus dirigentes, incluindo com Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong. Na reunião de Fevereiro, Ji Xianzheng mostrou disponibilidade para “continuar a reforçar o contacto e a cooperação com o consulado-geral, de modo a conjugar esforços no apoio à construção de Macau enquanto Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, aponta uma nota então publicada. Alguns dos objectivos traçados para o último triénio, passam por uma maior “conexão das indústrias e a cooperação da capacidade produtiva” entre a China e os países de língua portuguesa através do Fórum Macau. Segundo o último plano de acção aprovado, o Fórum Macau trabalhou no sentido de “estimular as empresas a construírem ou renovarem as zonas de cooperação económica e comercial nos referidos países, para além de promover a industrialização dos países de língua portuguesa da Ásia e África”. Para atingir este objectivo, o Fórum Macau propôs-se conceder empréstimos concessionais acima dos dois mil milhões de renminbis para os países de língua portuguesa a fim de “promover a conexão industrial e cooperação na capacidade produtiva”. Ainda em matéria de cooperação para o desenvolvimento, a China prometeu isentar os países de língua portuguesa presentes no Fórum das dívidas já vencidas provenientes de empréstimos sem juros no valor de 500 milhões de renminbis.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteLiteratura | A escrita de José Saramago vista pelos tradutores orientais A 16 de Novembro deste ano celebram-se os 100 anos do nascimento de José Saramago, o único Prémio Nobel da Literatura português. A Universidade de Macau assinala hoje a data com um webinar que junta os testemunhos de Maho Kinoshita e Wang Yuan, tradutores das palavras de Saramago para japonês e mandarim. Ao HM, recordam o momento em que se cruzaram com a escrita de Saramago e os desafios de traduzir a sua obra A primeira vez que Maho Kinoshita leu “Ensaio sobre a Cegueira”, livro de José Saramago publicado em 1996, ficou “impressionada e encantada”. Maho é a tradutora para japonês do único Prémio Nobel da Literatura português, nomeadamente do seu livro “A Viagem do Elefante”. Quando os seus olhos se debruçaram sobre o livro “Ensaio sobre a Cegueira”, que já deu origem a um filme, Maho sentiu “uma forte vontade de o traduzir”, confessou ao HM. “Nessa altura nenhum livro dele tinha sido traduzido para japonês. Ainda era jovem, nunca tinha feito nenhuma tradução, não tinha essa capacidade. Mas fiquei feliz quando vi publicada a versão japonesa em 2001”, contou ao HM. Maho Kinoshita é uma das oradoras do evento online que acontece hoje e que se intitula “Homenagem a José Saramago por ocasião do centenário do seu nascimento”. A palestra, que conta também com a participação de Wang Yuan, tradutor de Saramago para mandarim, é promovida pela Universidade de Macau, contando com os docentes Zhang Jianbo e Mário Pinharanda Nunes. Com “A Viagem do Elefante”, livro escrito quando Saramago já estava com estado de saúde frágil, Maho diz ter sentido muitas dificuldades na pele. “Uma vez que a língua japonesa tem uma gramática totalmente diferente da portuguesa, tive de recompor praticamente todas as frases longas. Tive também muita dificuldade em traduzir as inúmeras insinuações sobre a Bíblia ou a história e cultura da Europa, às quais os leitores japoneses não são familiares. Fiz várias notas de tradução para dar uma melhor explicação”, apontou. Além disso, obras como “O Evangelho segundo Jesus Cristo” e “Caim”, onde o cristianismo é peça central, são mais difíceis de compreender por parte dos japoneses, confessou a tradutora. Obras “universais” Maho Kinoshita garante que, até há dois anos, José Saramago não era verdadeiramente conhecido e amado no Japão. Mas o livro “Ensaio sobre a Cegueira”, esgotado durante anos, foi reeditado nesse ano, o que coincidiu com a pandemia, um período em que muitos ficaram em casa. E aí a versão japonesa tornou-se num best-seller. “Finalmente os leitores japoneses descobriram Saramago. O facto de terem sido traduzidos dois livros dele para japonês em 2021, ‘As Intermitências da Morte’ e ‘A Viagem do Elefante’, mostra o crescente interesse dos japoneses.” Para falar da obra do Prémio Nobel e do que ela significa para si, Maho vai buscar uma frase de Ursula Le Guin, uma escritora americana que um dia escreveu que Saramago estava “além de nós”, e que o seu trabalho “pertence ao futuro”. “Eu diria o mesmo. Os livros nunca vão estar fora do tempo, são muito universais”, frisou a tradutora. Além de Saramago, Maho já traduziu outras obras de escritores portugueses e brasileiros, como é o caso de “A Espiã”, de Paulo Coelho, ou “Galveias”, de José Luís Peixoto. Sobre este último livro, foi a própria Maho que sugeriu a sua tradução à editora. Esta foi uma obra “querida” para si, por ser a primeira sugestão sua aceite. “José Luís Peixoto usa expressões muito lindas, mas ao mesmo tempo muito peculiares. Tive muitas dificuldades na tradução. Fiquei muito feliz quando o livro recebeu o prémio de melhor tradução no Japão em 2019”, acrescentou. A mestria e o fantástico Wang Yuan também teve o primeiro contacto com José Saramago através do livro “Ensaio sobre a Cegueira” em 2007, quando ainda era aluno do primeiro ano na Universidade de Pequim. O ainda caloiro também leu “Memorial do Convento”. “Não esperava encontrar o estilo de narrativa corrida de Saramago, mas o que mais me impressionou foi a mestria dele, de como entrelaça o real com o fantástico. Os elementos maravilhosos e sobrenaturais nos seus romances pareciam tão naturais que me davam reacções emotivas. É essa a sua capacidade mágica de captar os leitores que mais me faz falta”, adiantou ao HM. Wang Yuan é o autor das traduções para chinês de “Todos os Nomes” e “A Viagem do Elefante”. “O tema da viagem é algo que me encanta sempre, e senti uma grande alegria por poder traduzir este livro”, apontou. Como se traduz um autor cuja leitura é complexa em português para mandarim? “O maior desafio é manter o estilo singular da escrita de Saramago sem tornar a leitura intolerável para os leitores chineses, que não conhecem bem o seu estilo nem o pano de fundo histórico e social [da história].” “Como os livros de Saramago se baseiam muitas vezes da situação histórica, geográfica e cultural de Portugal, é essencial fazer muitas notas de rodapé. Acredito que, quando se lê uma boa tradução, não se deve sentir como se fosse escrita na língua-mãe do leitor. Isto porque uma certa dose de estranheza com a língua e o imaginário é o que distingue uma tradução. No entanto, atingir esse efeito requer muito esforço”, frisou Wang Yuan. O tradutor acredita que os leitores chineses “se identificam mais com as obras tardias do autor, que correspondem “à sua fase de [apresentar] preocupações mais universais”. Numa altura em que se celebra o centenário sobre a morte de Saramago, Wang Yuan diz admirar o facto de o Prémio Nobel da Literatura português “nunca se ter deixado de preocupar com a humanidade”. “Ele manteve-se fiel ao que acreditava, tanto na vida como na escrita. Numa entrevista dada à ‘The Paris Review’, Saramago disse que o mais precisávamos era de dizer ‘Não’. Esta atitude inconformista garante a actualidade das suas obras”, concluiu. Teatro, imagens e letras A fim de celebrar os 100 anos do nascimento de José Saramago, a fundação com o seu nome promove nos próximos meses um extenso programa que mistura letras, teatro e outros eventos culturais que acontecem em várias cidades de Portugal, mas não só. Destaque, por exemplo, para a exposição “Escritores da Jangada de Pedra”, que decorre em Lanzarote, Espanha, e que termina no próximo dia 11. Esta é uma exposição de fotografia de Daniel Mordiznski, com imagens de José Saramago e outros autores e autoras ibéricos. Também no próximo dia 11 decorre o evento “Conferências do Nobel”, na Câmara Municipal de Lisboa, com a presença do escritor Alberto Manguel, também director do Centro de Estudos de História da Leitura. Este será um ciclo de conferências que visam “debater temas de grande relevância sintonizados com a obra de Saramago”. Nos palcos, destaque para a estreia, a 10 de Junho, da peça “Ensaio sobre a Cegueira”, com encenação de Nuno Cardoso, no Teatro Nacional de São João, no Porto. A adaptação do romance com o mesmo nome de José Saramago é uma co-produção com a companhia Teatre Nacional de Catalunya, ficando em cartaz até ao dia 19 de Junho. As actividades de celebração do centenário do nascimento de Saramago decorrem até Novembro deste ano.
Hoje Macau Grande Plano MancheteCimeira China-UE | Xi Jinping apela ao compromisso para travar a crise provocada pela guerra A 23.ª cimeira entre a China e líderes da União Europeia decorreu na sexta-feira e teve a guerra na Ucrânia como tema central. Xi Jinping apelou à sólida união com a União Europeia para “prevenir o alastramento da crise”. Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, alertou que uma ajuda à Rússia por parte da China poderá prolongar o conflito Líderes da União Europeia (UE) e a China reuniram na sexta-feira numa cimeira que teve como tema principal o conflito que decorre na Ucrânia. Segundo a agência estatal chinesa Xinhua, Xi Jinping, Presidente chinês, disse que as origens da situação na Ucrânia prendem-se com as tensões em matéria de segurança regional que têm aumentado ao longo dos anos. O Presidente chinês frisou que a China e a UE necessitam de se comprometer para manter “a situação sob controlo”, a fim de “prevenir o alastramento da crise”. Acima de tudo, o governante defendeu ser fundamental “manter o sistema, as regras e a estabilidade da economia mundial, com o objectivo de fomentar a confiança do público”. Para Xi Jinping, a China e a UE devem actuar como “duas grandes forças” a fim de manter a ordem global e lidar com as “incertezas” vividas na diplomacia mundial, com base na estabilidade das relações entre o país e a UE. Li Keqiang, primeiro-ministro chinês, declarou que “dentro das actuais circunstâncias, o diálogo e a cooperação mantêm-se as bases dominantes da relação entre a China e a UE, e os benefícios mútuos são a peça chave da cooperação”. Para o governante chinês, os dois lados devem apostar no fomento dos actuais mecanismos na resposta à covid-19, as alterações climáticas ou economia digital, além de buscarem novas áreas de cooperação. Sobre a situação na Ucrânia, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, alertou que quaisquer tentativas para contornar as sanções da UE ou ajudar a Rússia só irão manter o conflito aceso. Charles Michel salientou que “quaisquer tentativas para contornar as sanções ou fornecer ajuda à Rússia irão prolongar a guerra”, num recado a Pequim. Para o representante europeu, uma ajuda a Moscovo “irá levar a mais perdas de vidas e a um impacto económico ainda maior, o que não beneficia ninguém a longo prazo”. A UE irá estar “alerta a qualquer tentativa de ajuda à Rússia, financeira ou militarmente”, sublinhou também. “Pedimos à China para ajudar a acabar com a guerra na Ucrânia, a China não pode fazer de conta que não vê a Rússia a violar a lei internacional”, acrescentou, salientando que quaisquer passos positivos que Pequim dê no sentido de ajudar para o fim do conflito “serão bem-vindos por todos os europeus e pela comunidade global”. “Momento decisivo” A par de Charles Michel, o bloco comunitário também esteve representado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e pelo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. A presidente da Comissão Europeia avisou a China para “não interferir” nas sanções da UE à Rússia nem apoiar militarmente o regime russo na guerra na Ucrânia, numa cimeira que ocorreu num “momento decisivo”. “A cimeira não foi certamente como habitual [pois] realizou-se numa atmosfera muito sóbria e num contexto da guerra russa na Ucrânia e foi bom termos tido hoje (sexta-feira) um diálogo muito aberto e muito franco com o Presidente Xi e o primeiro-ministro Li” da China, afirmou Ursula von der Leyen. A líder do Executivo comunitário acrescentou que “ficou claro que este não é apenas um momento decisivo para o continente [europeu], mas é também um momento decisivo para a relação [da UE] com o resto do mundo”, assim como “para a ordem global baseada em regras” pois “nada ficará como era antes da guerra”. Numa altura em que a UE e os parceiros internacionais, num total de mais de 40 países, adoptaram sanções pesadas contra o regime russo, a responsável avisou: “Deixámos muito claro que a China deveria, senão apoiar, pelo menos não interferir com as nossas sanções”. “Discutimos isso e também o facto de que nenhum cidadão europeu compreenderia qualquer apoio à capacidade da Rússia para fazer a guerra e, além disso, isso levaria a um grande prejuízo para a reputação da China aqui na Europa”, alertou. Para Ursula von der Leyen, “a China, como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, tem uma responsabilidade muito especial” em acabar com as hostilidades, dada a proximidade à Rússia. “E foi isto que discutimos de uma forma muito franca e aberta. Nós, UE, estamos determinados a apoiar a ordem multilateral juntamente com os nossos parceiros internacionais”, vincou. Insistindo nos “riscos de reputação” se Pequim apoiar o regime russo, Ursula von der Leyen lembrou os laços económicos entre o bloco comunitário e o chinês, já que “todos os dias a China e a UE transacionam quase dois mil milhões de euros de bens e serviços”. “E o comércio entre a China e a Rússia é de apenas 330 milhões de euros por dia, portanto um prolongamento da guerra e as perturbações que esta traz à economia mundial não é do interesse de ninguém”, exemplificou. A ideia da UE era usar este alto encontro diplomático para cooperação entre Ocidente e Oriente com vista ao fim da guerra na Ucrânia, exortando ainda a China a não apoiar a Rússia para ultrapassar as sanções financeiras aplicadas pela UE contra o regime russo, como o congelamento de bens. EUA culpados No mesmo dia da cimeira, a diplomacia chinesa acusou Washington de instigar a guerra na Ucrânia e disse que a NATO devia ter sido dissolvida após o colapso da União Soviética. “Como culpados e principais instigadores da crise na Ucrânia, os Estados Unidos conduziram à expansão da NATO a leste, em cinco etapas, nas últimas duas décadas”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Zhao Lijian. “O número de membros da NATO aumentou de 16 para 30, e [a Aliança] expandiu-se para leste, abrangendo mais 1.000 quilómetros, para locais perto da fronteira russa, encurralando a Rússia contra um muro, passo a passo”, acrescentou. Embora a China diga que tem uma posição neutra no conflito em curso na Ucrânia, Pequim declarou uma parceria “sem limites” com Moscovo. Pequim tem mantido uma posição ambígua em relação à invasão russa da Ucrânia, já que se recusou a condená-la, mas já tentou distanciar-se da guerra iniciada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, apelando ao diálogo e ao respeito pela soberania dos outros países. Esta não foi, assim, uma cimeira dominada pelos laços económicos, como de costume, mas antes pela guerra na Ucrânia, em altura de aceso confronto armado devido à invasão russa do país no final de Fevereiro. A UE exportou para a China bens num total de 223 mil milhões de euros e importou 472 mil milhões de euros mercadorias em 2021. Os dois blocos foram ainda os maiores parceiros no comércio de mercadorias do mundo, num total de 1,9 mil milhões de euros movimentados por dia.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteEstudo | Salário e satisfação laboral determinantes na vontade de ficar ou mudar de emprego O nível salarial e a satisfação em relação ao emprego são os factores mais importantes na vontade de sair ou permanecer numa empresa, enquanto que a relação entre colegas não tem qualquer impacto. Um estudo desenvolvido por três académicos da Universidade de Macau, feito a partir de inquéritos a trabalhadores dos sectores do retalho e hotelaria no Cotai em pleno ano pandémico, conclui ser necessária uma estratégia para a retenção de trabalhadores qualificados Quais os factores que mais contribuíram para a vontade de mudar de emprego em pleno ano da pandemia por parte dos funcionários dos sectores do retalho e hotelaria em Macau? Esta foi a pergunta de partida para o estudo “O impacto da covid-19 nas intenções de rotatividade dos trabalhadores dos sectores do retalho e hotelaria”, da autoria dos académicos Glenn McCartney, Charlene Lai Chi In e José Soares de Albergaria Ferreira Pinto, da Universidade de Macau (UM). Com base em inquéritos online feitos a 301 trabalhadores dos resorts do Cotai conclui-se que “a carga de trabalho e o salário tiveram a maior influência na decisão de deixar ou ficar no sector”. Existe, por isso, “uma relação significativa entre a satisfação no trabalho e as variáveis carga de trabalho e salário, bem como o apoio por parte da empresa”. Já a relação entre colegas de trabalho, é um factor “que não tem influência” para a mudança ou permanência no trabalho. “É claro no nosso estudo de que a relação entre colegas não tem influência na satisfação laboral, [algo] revelado pela longa ausência do local de trabalho” em plena covid-19, é apontado. “Os inquiridos passaram um período prolongado de confinamento, tendo regressado recentemente ao trabalho dentro de um conjunto de regras de prevenção pandémica como o uso de máscara, a testagem à covid-19 e a apresentação do código de saúde”, aponta o estudo. Aquele que é, segundo os autores, um dos primeiros trabalhos académicos sobre a rotatividade dos trabalhadores nas áreas do retalho e hotelaria no período da pandemia foi feito entre os meses de Novembro e Dezembro de 2020, numa altura em que o sector do turismo se abria gradualmente aos turistas da China após longos meses de confinamento e de um período de encerramento dos casinos. Em relação ao perfil dos participantes, cerca de 80 por cento trabalha na indústria do retalho há, pelo menos, três anos, sendo que “a maior parte” está nesta área “há sete anos ou mais”. Cerca de metade, mantém o mesmo emprego há quatro anos ou mais. De entre 301 inquiridos, 60 por cento é do sexo feminino. A maior parte dos participantes, 73 por cento, tem entre 26 e 35 anos de idade. Em relação às habilitações académicas, 58 por cento possui apenas o ensino secundário. Os salários variam, apesar de a maioria ganhar menos de, aproximadamente, 30 mil patacas mensais. Este trabalho partiu da premissa de que, “durante o período massivo de licenças sem vencimento e desemprego, e a recente necessidade de novas contratações” era fundamental estudar a vontade dos trabalhadores em mudar de emprego ou de área. Desta forma, os investigadores formularam três hipóteses que sugeriam “o apoio da empresa, a carga de trabalho e salário e a relação entre colegas como tendo uma relação positiva com a satisfação em relação ao trabalho”. A importância de reter Mais do que compreender as intenções e percepções de uma amostra dos trabalhadores do Cotai em plena pandemia, este trabalho apresenta estratégias para que os sectores do retalho e hotelaria consigam reter os quadros qualificados e gerir melhor os recursos humanos num contexto de crise. “Com muitos dos empregados do sector do retalho em Macau a regressarem ao trabalho, este é um tempo oportuno para as chefias considerarem os fortes indicadores de que uma estratégia de recursos humanos se deve desenhar tendo em conta a satisfação laboral e as intenções de rotatividade.” Além disso, “os funcionários das lojas de retalho na strip do COTAI representam muitas marcas de luxo, sendo vital que estes profissionais talentosos e qualificados possam ficar retidos”. De entre as recomendações, é defendida a “importância da comunicação estratégica para as políticas de retenção de trabalhadores”, bem como a adopção de “acções de longo prazo em matéria de relação entre colegas, apoio da empresa e carga de trabalho e salário, a fim de construir uma maior resiliência da força laboral caso ocorra outra crise”. “Uma vez que, no nosso estudo, a satisfação laboral tem um impacto negativo nas intenções de rotatividade, deveria ser realizado um estudo abrangente em matéria de recursos humanos na área do retalho, na fase de recuperação do sector, face a questões não analisadas que podem providenciar uma grande satisfação laboral. Estas influências podem ser factores externos como um equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho, uma relação afectada pela relação entre colegas, carga de trabalho e salário e apoio da empresa”, é referido. Os autores falam também na importância de uma “estratégia de recursos humanos na área do retalho em termos de remuneração e carga de trabalho, tendo em conta factores como a organização dos turnos e as horas de trabalho, bem como os benefícios pagos aos trabalhadores e os incentivos aquando da recuperação da indústria”. Uma vez que a relação entre colegas de trabalho não é um factor determinante na busca de um novo emprego, aconselha-se o sector a “dar prioridade a programas de re-engajamento das interacções entre colegas de trabalho, a fim de implementar confiança e respeito”. Os desafios Apesar das sugestões, os autores reconhecem que “o aumento dos salários será algo desafiante tendo em conta o panorama económico e a quebra registada com a pandemia”. No período em que foram realizados os inquéritos, muitos trabalhadores ter-se-ão deparado com uma situação de desemprego, lay-off ou licença sem vencimento, além de ter sido anulada a possibilidade de serem pagos os habituais bónus salariais. Meses depois, “é plausível que, nesta fase da pandemia, muitos trabalhadores estejam a enfrentar dificuldades em pagar as despesas do dia-a-dia devido à redução dos salários”, refere o artigo. O desafio actual passa por “reter e aumentar o número de funcionários numa situação de contínua incerteza”, tendo em conta o panorama de crise económica. Os autores do estudo não deixam de fazer referência à saúde mental. “Muitos dos trabalhadores do sector do retalho passaram longos períodos de tempo isolados durante o período da pandemia. Apesar de não ser um factor investigado neste estudo, o bem-estar psicológico dos trabalhadores deveria ser considerado, mesmo que alguns estudos mostrem que este não constitui um antecedente para as intenções de rotatividade [no emprego].” Em termos gerais, “mantém-se o risco e a incerteza da covid-19, e existe a necessidade de análise de mais necessidades dos trabalhadores do sector da hotelaria e das suas intenções de deixar ou permanecer na empresa”. O documento esclarece ainda a necessidade de apostar na resposta dos empregados perante um maior número de incentivos atribuídos. “Os salários e incentivos, um facto importante na satisfação laboral, deveriam estar associados com uma resposta dos empregados, tal como o nível de vendas [por si realizadas]. A procura pelo trabalho ideal, a formação de trabalhadores, a promoção e perspectivas de carreira deveriam constituir a estratégia para a retenção de recursos humanos.” Apesar de este ser o primeiro estudo sobre as intenções de rotatividade dos trabalhadores em plena pandemia, a verdade é que esta matéria já tinha sido abordada. Os autores descrevem um estudo “feito nos casinos que conclui que a carga de trabalho é um factor para o burnout dos croupiers e, consequentemente, uma mudança de emprego”, tendo sido recomendada “uma alteração do horário de trabalho e uma clara comunicação por parte das chefias”. Relativamente a Hong Kong, outro estudo, realizado junto de empregados de hotel, conclui “que o pagamento foi o factor que mais contribuiu para a satisfação no trabalho”. “O estudo aponta que esta questão foi difícil de resolver tendo em conta o panorama económico, o congelamento de salários e os cortes salariais na indústria”, conclui-se.