Navios-escola de Portugal e Espanha repetem viagem de circum-navegação de Magalhães

[dropcap]P[/dropcap]ortugal e Espanha apresentaram ontem o programa de acções conjuntas para comemorar os 500 anos da primeira volta ao mundo, da qual faz parte uma viagem de circum-navegação pelos navios-escola “Sagres” (português) e “Juan Sebastián Elcano” (espanhol).

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, e a vice-primeira-ministra espanhola, Carmen Calvo, fizeram ontem em Madrid uma primeira apresentação das comemorações da viagem “comandada” pelo português Fernão da Magalhães e “finalizada” pelo espanhol Juan Sebastián Elcano entre 1519 e 1522.

“A expedição foi organizada e financiada pelo Reino de Espanha e concebida e proposta por um navegador português, Fernão de Magalhães”, explicou Santos Silva.

O responsável português sublinhou que cada país terá de “interpretar e valorizar a viagem à sua maneira”, sem fazer qualquer referência à polémica inicial, já ultrapassada, quando a imprensa de direita espanhola acusou Portugal de estar a promover uma candidatura unilateral, junto da UNESCO, da viagem de circum-navegação do globo a património da humanidade.

“Esta expedição poderia ser considerada como o primeiro grande feito de globalização do nosso planeta”, consideram os Governos português e espanhol numa declaração publicada.

A viagem de circum-navegação da rota de Magalhães-Elcano, a empreender entre 2020 e 2021 pelos navios-escola dos dois países é uma das acções previstas no programa que também inclui a candidatura da viagem a Património Mundial da Humanidade “promovida conjuntamente por Portugal e Espanha, juntamente com os demais países da Rota”.

Para o ministro dos Negócios Estrangeiros, “talvez a actividade que marque mais plenamente o significado desta associação entre” os dois países ibéricos seja a conferência internacional “Oceanos, Conhecimento e Globalização” que terá lugar em Portugal e Espanha no primeiro trimestre de 2021.

“A ideia é simplesmente aproveitar-se da circum-navegação como fonte de inspiração para pensar, hoje, o futuro dos oceanos e o futuro da globalização”, considerou Santos Silva, acrescentando que se pode e deve “interpretar Magalhães e Elcano como ponto de partida para pensar a regularização da globalização e o aproveitamento cooperativo e sustentável dos recursos comuns da Humanidade”.

Uma exposição itinerante organizada pelos Ministérios da Cultura dos dois países, a co-produção de uma série televisiva, a elaboração de um estudo sobre a “Projecção mundial do espanhol e do português” e a apresentação de uma Declaração dos Ministros da Cultura da União Europeia sobre o significado da circum-navegação são outras acções apresentadas.

As embaixadas de Portugal e de Espanha também vão coordenar a organização de actividades conjuntas nos países da Rota de Magalhães-Elcano: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Filipinas, Brunei, Indonésia, Timor-Leste, Moçambique, África do Sul e Cabo Verde.

A participação de Portugal como país convidado na Feira do Livro de Sevilha de 2019 – 23 de Maio a 2 de Junho – subordinada ao tema “Lendo vou, viajando venho” também faz parte das comemorações.

“A nossa ambição é que o mundo entenda que há 500 anos um conjunto de homens valentes” fez esta viagem, disse a vice-primeira-ministra espanhola, Carmen Calvo, que também fez referência ao programa do país para as comemorações com “193 actividades”.

O programa de acções conjuntas do V centenário da viagem de circum-navegação complementa os programas nacionais que já foram apresentados por Portugal e por Espanha.

Nas actividades espanholas destaque para palestras na Sociedade Geográfica de Lisboa, um colóquio sobre literatura de viagens e vários concertos, em Lisboa e na Universidade de Coimbra.

A companhia aérea nacional espanhola Iberia também irá baptizar com o nome de Juan Sebastián o próximo avião A350 que receber, mantendo ele essa designação até 2022.

Pelo lado de Portugal está previsto, entre outras acções, a construção de uma réplica das naus que constituíram a esquadra de Fernão de Magalhães, a reedições de livros e cartas náuticas, mapas, como o Planisfério de Cantino (1502), conferências científicas e seminários temáticos.
Augusto Santos Silva e Carmen Calvo vão repetir a apresentação das comemorações conjuntas esta tarde em Lisboa.

2 Abr 2019

Congresso internacional dedicado ao português em Novembro

[dropcap]P[/dropcap]rofessores e investigadores de todo o mundo vão reunir-se em Macau, em Novembro, para um congresso internacional dedicado à língua portuguesa, disse ontem à Lusa o director do Instituto Português do Oriente (IPOR).

“Podemos esperar um grande encontro de lusitanistas, de nível mundial, não só dos países lusófonos, como de outras regiões”, afirmou Joaquim Ramos, sublinhando a “dimensão global” do evento.

O congresso “Macau e a língua portuguesa: Novas pontes a Oriente”, organizado em conjunto pelo IPOR e pelo Instituto Politécnico de Macau (IPM), vai realizar-se entre 27 e 29 de Novembro, num ano de várias celebrações. “Estamos a organizar isto em colaboração com Instituto Politécnico de Macau, onde vamos incluir também as celebrações dos 30 anos do IPOR, portanto acho que fazia sentido incluir aqui uma dimensão mais científica”, indicou.

Neste sentido, o congresso vai “reunir professores, investigadores, editores e pessoas ligadas à cultura”, para partilharem as suas pesquisas sobre temas relativos à língua portuguesa, disse Joaquim Ramos, sem adiantar nomes.

2 Abr 2019

Palestra | Ana Cristina Alves fala sobre noções ocidentais face à língua chinesa

[dropcap]A[/dropcap] Fundação Rui Cunha (FRC) organiza, em parceria com a Universidade de Macau (UM) a oficina “Diálogo Intercultural – Caracteres Chineses e Noções Ocidentais”, protagonizada por Ana Cristina Alves, docente da UM. A oficina de duas horas e meia será dividida em duas partes, a primeira para a apresentação teórica dos temas e conceitos propostos para discussão, a segunda reservada ao diálogo com os participantes.

O objectivo desta iniciativa consiste em “pensar algumas características fundamentais dos pensamentos grego e chinês comparativamente”, bem como descobrir “quais os preconceitos e más interpretações relativos ao ‘Mesmo’ e ao ‘Outro’”. Serão também abordados temas como as filosofias contemporâneas e o diálogo útil entre culturas: Dào (道), Rén (仁) Xīn (心) nas filosofias chinesa e ocidental, sendo que será feita uma leitura filosófica dos pictogramas chineses.

Ana Cristina Alves é doutorada em Filosofia da História, Cultura e Religião, tendo obtido o grau na sequência da defesa duma dissertação sobre estudos de género: a Mulher na China (2007), na qual analisa os princípios Yin/Feminino e Yang/Masculino na tradição cultural chinesa do Clássico das Mutações (《易经》) à actualidade.

Tem ainda vários trabalhos publicados, entre os quais se destacam: na área de Filosofia, A Sabedoria Chinesa (2005), na de literatura infantil em coautoria com Celina Veiga de Oliveira, Oito Cartas de Macau (1998); em cultura e tradução em coautoria com Wang Suoying, Contos da Terra do Dragão (2000) e Mitos e Lendas da Terra do Dragão (2009); nos estudos de tradução, Culturas em Diálogo: A Tradução Chinês-Português (2016); e na área linguística, dicionário de Chinês-Português/ Português-Chinês.

As sessões vão decorrer até quinta-feira, entre as 19h e 21h30, na sala E21-1046 da UM. Apenas a sessão de hoje irá decorrer na FRC e tem entrada livre.

2 Abr 2019

Cartaz do Hush!! 2019 com quase 40 bandas e DJs

Os nomes das bandas e DJs que compõem o cartaz do Hush!! 2019 estão aí. Durante os dias 28 e 30 de Abril e 1 de Maio, a Praia de Hac Sa será o epicentro da celebração da música ao vivo, num evento com uma tradição em Macau de mais de uma década. No cartaz despontam bandas internacionais e locais como Youngr e Concrete/Lotus

 

[dropcap]O[/dropcap]s dias de areia preta nos pés e sons melodiosos com vista para o mar estão no horizonte próximo. Ao longo dos dias 28 e 30 de Abril e 1 de Maio, a Praia de Hac Sa terá três palcos montados, por onde vão passar quase quatro dezenas de bandas e DJs.

O primeiro dia de concertos tem como destaque incontornável o britânico Youngr, uma estrela em ascensão no panorama da pop electrónica. Ainda a caminho de uma audiência mais alargada, o músico baseado em Manchester deu-se a conhecer em 2016 com uma versão de “Sweet Disposition” de Temper Trap. Em duas semanas, a cover rebentou a internet e conseguiu 15 milhões de visualizações, exposição que catapultou o jovem britânico para a ribalta. Desde então, Youngr, ou Dario Darnell fora dos palcos, lançou o seu primeiro single “Out Of My System”, que conseguiu até hoje mais de 11 milhões de streams no Spotify.

Estava pavimentada a estrada para o álbum de estreia, “This Is Not An Album”, lançado no ano passado e que levou o britânico em tour pela Ásia, América e Europa. É de salientar que Youngr tem a música no sangue, uma vez que o seu pai é Kid Creole, uma lenda viva do funk e disco que mistura influências caribenhas e convida a dançar desde 1980. Youngr sobe ao palco Hot Wave no dia 28 ao final da tarde.

No mesmo dia e no mesmo palco, antes da performance de Youngr, os fãs da soul mais relaxada não vão, por certo, querer perder o concerto de Phum Viphurit, um músico tailandês de 22 anos que cresceu na Nova Zelândia. Com um forte pendor romântico, Phum Viphurit tem uma sonoridade acústica, algures entre o indie folk e o funk que promete arrebatar corações no areal de Hac Sa.

O dia seguinte

O segundo dia do Hush!! 2019 será marcado só por um concerto: Jun Kung & the Latin Connection featuring Steve Thornton.

Jun Kung é um produtor e músico local, com carreira em Hong Kong onde é conhecido como um dos mais icónicos e influentes bateristas da actualidade. Os melómanos podem esperar um concerto ritmado, abrilhantado com a participação especial do percursionista Steve Thornton, oriundo de Brooklyn em Nova Iorque. O norte-americano tem no seu currículo trabalhos com lendas como Miles Davis, Sadao Watanbe, Herbie Hancock, Mongo Santamaria, McCoy Tyner, Tracy Chapman, Mariah Carey e Michael Jackson.

No último dia do Hush!! 2019, destaque para os locais Concrete/Lotus, o projecto constituído por Kelsey Wilhelm e Joana de Freitas que explora a melódica progressão entre sonoridades acústicas e electrónica.

Ainda dentro das bandas locais, destaque para o concerto de João Gomes e Banda, no palco Hot Wave, às 13h15. Sensivelmente à mesma hora, mas no palco Summer Chill, actuam os 80 & Tal.
Ainda no capítulo das bandas de Macau, destaque para os Evade, que sobem ao palco Hot Wave, no dia 28 de Abril, ao final da tarde. O grupo de música electrónica, lançou o seu EP de estreia, “Evade EP”, há dez anos atrás. Em 2012 saiu para os escaparates Destroy & Dream”, lançado pela editora de Singapura Kitchen Label.

Também no primeiro dia, destaque para outra banda local, os Pyjamars, que actuam às 14h45 convidando à dança com as suas sonoridades situadas algures entre o Disco Funk, Acid Jazz e a música electrónica. Os Pyjamars, banda cujo nome alude à propensão para as improvisações em elaboradas jams com influências espaciais, venceram a sexta edição da Competição de Rock Clássico de Macau e o Concurso de Música Original e Jovem, entre outras distinções regionais.

Finalmente, impossível não referir as SCANDAL, banda japonesa que fecha o palco principal do Hush!! 2019. O grupo feminino, oriundo de Osaka, foi formado em 2006 e fez parte de várias bandas sonoras de séries de animação como “Bleach” e “Fullmetal Alchemist: Brotherhood”. Com um imaginário profundamente influenciado pela anime, as SCANDAL têm rockado palcos do mundo inteiro e contam com sete álbuns na discografia.

2 Abr 2019

Armazém do Boi recebe “Saline Baths”, uma mostra de Shi Samben

[dropcap]N[/dropcap]o próximo dia 10 de Abril é inaugurada uma nova exposição no espaço Armazém do Boi, situado na Rua do Volong. A mostra individual de Shi Samben, um artista oriundo da China continental, intitula-se “Saline Baths” e está relacionada com as reacções que os seres humanos geram no próprio artista.

“Quando examino de perto a natureza humana, apenas sinto desapontamento. Mas quando olho à volta do caleidoscópio do comportamento humano, o mundo torna-se novamente interessante”, referiu, citado por um comunicado.

Na sua obra, Shi Samben olha para as salinas não só como um lugar onde se produz o sal mas também como uma “solução que mantém a função das células do nosso corpo”. Na sua visão, as salinas são algo “suave, gentil e aborrecido”, sendo que o artista se transforma ele próprio numa salina, que “observa e destila o caleidoscópio da natureza humana”. Por sua vez, o conceito de “banho” surge relacionado com a intimidade que necessitamos de preservar quando estamos rodeados de estranhos.

“Os conceitos de estar em privacidade e em público estão interligados e são calculados, tal como quando o artista produz o seu trabalho pessoal”, adianta o mesmo comunicado.

Shi Samben estará a realizar uma residência artística no Armazém do Boi até 26 de Maio. Esta iniciativa relaciona-se com um projecto de vídeos de animação realizado no passado, quando o artista tentou relacionar pensamentos intimistas e ambíguos com formas visuais, revelando “um dilema entre considerações filosóficas comuns e a vida normal das pessoas”.

1 Abr 2019

Art Basel | Brasil é o único país lusófono representado na feira de arte em Hong Kong

Decorre este fim-de-semana a maior feira de arte contemporânea da Ásia. A edição da Art Basel de Hong Kong vai mostrar as obras de quatro galerias do Brasil, sem esquecer “Wave” de Ai Weiwei e de uma instalação ‘lunar’ assinada por Laurie Anderson e Hsin-Chien Huang

 

[dropcap]M[/dropcap]ilhares de artistas e centenas de galerias internacionais, incluindo do Brasil, voltam a reunir-se este fim de semana em Hong Kong para mais uma edição da Art Basel, a maior feira de arte contemporânea na Ásia. O certame assume-se como o ‘centro’ do panorama artístico do continente e uma “plataforma de luxo” para artistas e galerias de renome.

Entre 29 e 31 de Março, a sétima edição da Art Basel Hong Kong (ABHK) apresenta ao público trabalhos expostos por 242 galerias, entre as quais 21 estreantes, provenientes de 36 países e territórios.

Do espaço lusófono, o Brasil é o único país representado, através de quatro galerias com presença em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Em Hong Kong pela terceira vez, a galeria Bergamin & Gomide tem “expectativas bastante positivas em relação a esta edição da feira”, disse à Lusa Bárbara Tavares, da equipa de Exposições e Projectos Especiais. “Acreditamos que a Art Basel Hong Kong é uma óptima oportunidade para apresentarmos o programa da Bergamin & Gomide ao mercado asiático”, sublinhou.

A galeria paulista traz a este lado do mundo “uma selecção dos mais importantes artistas brasileiros do período pós-Guerra”, criando “um rico diálogo entre as obras exibidas”. “Nesta edição apresentamos uma cuidadosa selecção de trabalhos do período pós-Guerra, de um total de 12 artistas, dentre eles Mira Schendel, Cildo Meireles, Rivane Neuenschwander, Jac Leirner e Amadeo Luciano Lorenzato”, disse Tavares.

A Bergamin & Gomide já é uma presença assídua em Miami, desde 2014, e Basileia, desde 2016. Além da galeria paulista, viajam para Hong Kong as galerias Mendes Wood DM, Fortes D’Aloia & Gabriel (com escritório em Lisboa) e a Nara Roesler.

Outro dos destaques da edição deste ano da Art Basel de Hong Kong é a presença da obra “Wave”, de Ai Weiwei, datada de 2015, trazida para a região vizinha por uma das mais importantes galerias de arte do mundo, a Lisson Gallery.

A escultura, que mostra uma onda feita de porcelana, foi feita em parceria com artesãos de Jingdezhen, o mais importante centro de produção de porcelana da China. A imagem da onda é inspirada na pintura em madeira “Under de Wave off Kanagawa (The Great Wave)”, de Katsushika Hokusai, artista japonês que viveu entre os anos de 1769 e 1849.

A presença de Laurie

Em 2013, a Art Basel alargou a oferta ao mercado asiático, na sequência dos eventos anuais em Basileia (Suíça) e Miami (EUA), o que colocou Hong Kong no circuito e levou a uma expansão da faceta de centro internacional de arte da antiga colónia britânica.

Apesar de chamar “várias galerias ocidentais”, com destaque para as de Nova Iorque, Paris e Berlim, a Art Basel de Hong Kong reforçou nesta edição “o compromisso contínuo de mostrar a arte excepcional da Ásia e da Ásia-Pacífico”, de acordo com a página oficial do evento. Como tal, mais de metade das galerias participantes têm espaços de exposição nesta região.

“Mais uma vez, Hong Kong estará representado na feira com 25 galerias. Ao mesmo tempo, galerias da Austrália, da Índia, da Japão, da Coreia do Sul, da China continental e de Taiwan continuam a ter forte presença”, indicou a organização. Pintura, escultura, desenhos, instalações, fotografia, vídeo e obras digitais são algumas das expressões artísticas patentes nesta edição, a maior desde 2013.

“To the Moon”, uma colaboração entre a artista norte-americana Laurie Anderson e o artista de Taiwan Hsin-Chien Huang, é um dos destaques desta edição, que se apresenta como uma “instalação imersiva” e permite aos visitantes “voarem pela superfície da Lua e perderem-se no seu terreno montanhoso”, segundo um comunicado da VIVE Arts. O trabalho de 15 minutos comemora o 50.º aniversário da missão Apollo 11, que levou os primeiros homens a pisar solo lunar, e é produzido pelo HTC VIVE Arts, parceiro oficial da Art Basel na área da realidade virtual. No ano passado, 80 mil pessoas visitaram a feira, de acordo com dados oficiais.

29 Mar 2019

Investigador português analisou revistas literárias de Macau do início do século XX

[dropcap]D[/dropcap]uarte Drummond Braga, investigador, apresentou esta quinta-feira em Lisboa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), um trabalho intitulado “Revistas literárias de Macau do início do século XX”.

Ao HM, o investigador falou de um trabalho que surge no seguimento de pesquisas já realizadas sobre as revistas literárias em língua portuguesa publicadas em Goa. Duarte Drummond Braga optou por analisar três publicações da primeira década do século XX, nomeadamente a Revista Oriente, dirigida pelo bispo José da Costa Nunes, a Revista Macau, dirigida por Humberto Avelar, e o Boletim Eclesiástico, uma publicação da Diocese de Macau.

“Queria saber como estas revistas se comportavam em termos de produção literária ou de crónicas e como desenvolviam essa parte mais cultural. Já havia um trabalho desenvolvido pelo Daniel Pires sobre os jornais do século XIX, que são bastante políticos, e parece-me que esta dimensão literária tarda em aparecer, só surge mais nos anos 60 ou 70 do século XIX”, contou.

Nas bancas existiam “revistas mais culturais, políticas mas também literárias, com várias rubricas”. “No caso da Revista Macau, esta tinha uma posição mais anarquizante, à esquerda, enquanto que outras têm uma posição mais conservadora. Há diferentes posicionamentos políticos”, adiantou o académico.

A Revista Oriente era uma publicação “cultural católica e não tanto um órgão da Igreja, como era o caso do Boletim Eclesiástico”, sendo “notória” a diferença de conteúdos face ao que era escrito na Revista Macau.

Esta era “mais próxima de uma esquerda republicana, com questões ideologicamente diferentes da Revista Oriente, que por vezes tinha uma posição um pouco mais conservadora, mas não necessariamente”. “Talvez em confronto com a outra ela pareça um pouco mais conservadora”, frisou.

O facto de não dominar a língua chinesa fez com que Duarte Drummond Braga se tenha debruçado apenas sobre estas publicações. Mas havia outras, não apenas escritas em português e chinês.

A questão dos pseudónimos

Questionado sobre a ligação que estas revistas tinham com a imprensa da época, Duarte Drummond Braga garantiu que ainda lhe falta desenvolver mais investigação nessa área. “Havia jornais católicos que já se publicavam, como A Voz do Crente, que é do século XIX, e havia também jornais católicos do mesmo período.”

Duarte Drummond Braga denota também as dificuldades em investigar o jornalismo de Macau dos primórdios do século XX, pelo facto da maioria dos artigos publicados não serem assinados. Daí que não possa garantir se as revistas literárias da primeira década mostraram ou não novos autores macaenses.

“Não posso garantir que não haja colaboradores macaenses, até porque no jornalismo desta época há muito a questão do pseudónimo e das iniciais, e isso torna bastante complicada a investigação com o jornalismo desta época. Mas parece-me que a produção literária de macaenses é uma coisa que aparece mais tarde”, frisou.

O tema da palestra de ontem, inserida no Seminário Permanente de Estudos sobre Macau, ciclo de conferências da FCSH-UNL, poderá um dia dar origem a um livro. “Havendo interesse de alguma instituição em apoiar esse tipo de obra, porque não?”, questionou Duarte Drummond Braga.

Esta não é a primeira vez que o académico se debruça sobre os escritos do Oriente. Duarte Drummond Braga estudou a relação entre Goa e Macau na literatura portuguesa ao abrigo de uma bolsa de pós-doutoramento da Universidade de São Paulo, o projecto “Pensando Goa (Fapesp)”. Além disso, é autor da obra “As Índias espirituais. Fernando Pessoa e o Orientalismo português”.

29 Mar 2019

Ballet Nacional da China apresenta-se no Porto e em Lisboa

[dropcap]O[/dropcap] Ballet Nacional da China apresentou-se ontem no Porto, e sábado e domingo, em Lisboa, com três peças do seu repertório, no ano em que comemora 60 anos, anunciou a Companhia Nacional de Bailado.

A apresentação dos espectáculos está integrada nas comemorações do 40.º aniversário das relações diplomáticas entre Portugal e a China, do 20.º aniversário da transferência da administração de Macau para a China, e do Festival de Cultura Chinesa em Portugal.

O Ballet Nacional da China apresenta-se em Portugal com três peças do seu repertório: o segundo ato de “Giselle”, uma obra do Romantismo, “The Yellow River”, de Chen Zemei, bailado que combina a dança clássica e a dança chinesa, com música inspirada na Yellow River Cantata, composta durante a Segunda Guerra Mundial, pelo músico chinês Xian Xinghai, e “Carmen,” do coreógrafo francês Roland Petit.

Paralelamente, está prevista a extensão do intercâmbio cultural entre os dois países, com a apresentação da Companhia Nacional de Bailado nos dias 11 e 12 de Junho, em Pequim, com o espectáculo “Quinze Bailarinos e Tempo Incerto”, com direcção, cenários e figurinos de João Penalva e coreografia de Rui Lopes Graça.

O Ballet Nacional da China foi fundado em Dezembro de 1959, e o seu repertório inclui ainda “O Lago dos Cisnes”, “Dom Quixote”, “Onegin”, “A Pequena Sereia”, “La Bayadère” e “Cinderella”, assim como criações originais como “The Red Detachment of Women”, “The New Year Sacrifice”, e “The Yellow River”.

A companhia, dirigida pela bailarina e ensaiadora Feng Ying, tem um repertório de mais de duzentas peças.

28 Mar 2019

IPOR | Bru (Margarida) Junça conta estórias portuguesas em Abril

[dropcap]E[/dropcap]stá de regresso a iniciativa do Instituto Português do Oriente (IPOR) intitulada “Ler, Escrever, Contar”. Este ano o evento é protagonizado pela autora Bru (Margarida) Junça, que estará em Macau entre os dias 1 a 5 de Abril para contar estórias em língua portuguesa.

A autora é natural da cidade de Évora e vai estar presente em cinco sessões de leitura, que vão decorrer na Escola Portuguesa de Macau, Jardim de Infância D. José da Costa Nunes, Escola Primária Luso-Chinesa da Flora, Escola Luso-Chinesa da Taipa e Escola Oficial Zheng Guanying. Um total de 500 crianças irão participar nesta iniciativa, que inclui ainda várias sessões com formandos dos cursos do IPOR e duas sessões públicas no dia 5 de Abril, a decorrer na Livraria Portuguesa, destinadas a crianças e adultos.

O IPOR considera que “as acções de narração de contos com contadores portugueses têm mostrado ser uma boa metodologia para desenvolver o contacto com a língua portuguesa, nomeadamente através de estímulos à imaginação dos ouvintes que, não raras as vezes, são também participantes activos”.

28 Mar 2019

Liu Xia e Tsai Hai-Ru no Museu de Arte Contemporânea de Taipé

Na próxima segunda-feira é inaugurada em Taipé “Atemschaukel”, uma exposição conjunta de Liu Xia e Tsai Hai-Ru, ambas oriundas de famílias marcadas pelo drama das prisões políticas. A mostra abre a janela para um mundo de desolação e medo através da poesia, fotografia e pintura

 

[dropcap]T[/dropcap]aipé recebe uma mostra de arte que em nada vai agradar a Pequim, sem surpresas. Na próxima segunda-feira, 30 de Março, é inaugurada a exposição “Atemschaukel”, que reúne trabalhos de Liu Xia e Tsai Hai-Ru, e que estará em exibição até 26 de Maio no Museu de Arte Contemporânea de Taipé.

A mostra é composta por fotografias a preto e branco e aguarelas, salpicadas com poesia, que procuram transmitir as angústias de duas mulheres que viveram dramas familiares resultantes de dissidência e perseguição política.

“Atemschaukel” reúne poemas e 26 fotografias a preto e branco de Liu Xia, viúva do dissidente chinês, Liu Xiaobo laureado com o Prémio Nobel da Paz em 2010, assim como dois trabalhos inéditos de Tsai Hai-Ru, cujo bisavô, avô e pai foram todos prisioneiros políticos durante décadas na sequência do activismo pró-democracia.

A mostra tenta levar ao público um vislumbre do mundo das artistas, marcado pela desolação, incerteza, medo e impotência que resultaram da perseguição política dos seus familiares.

De acordo com a organização, a mistura de poemas e arte gráfica nos trabalhos de Liu são “de partir o coração”. Quanto à contribuição de Tsai Hai-Ru, destaque para o quadro “Floating”, que representa uma figura nua ladeada por um poema com o título “A Jail Beyond the Prison Walls: Untold Stories by Female Family Members Of White Terror Victims”. A artista oriunda de Taiwan participa ainda com uma instalação intitulada “Flower of Life”, composta por uma espécie de planta de era conhecida pela sua resiliência e por florescer no escuro.

Dor e arte

O título da exposição, “Atemschaukel”, que traduzido à letra quer dizer respiração pendular, foi inspirado num romance de Herta Müller, vencedora do Prémio Nobel da Literatura em 2009. O livro retrata nas experiências da minoria romena/germânica nos campos soviéticos de trabalhos forçados. O título descreve a precisa noção da respiração e de sobrevivência que ganha uma dimensão maior durante clausura.

Os trabalhos de Liu Xia e Tsai Hai-Ru enquadram-se neste panorama emocional e estético, salpicados por momentos de raiva, histeria e impotência.

28 Mar 2019

Manel Cruz quis reencontrar o fulgor da composição e descobriu uma “Vida Nova” em álbum

[dropcap]A[/dropcap] procura da sensação de “pica” de criar músicas guiou Manel Cruz até ao primeiro disco em nome próprio, “Vida Nova”, um “álbum de canções” que reflecte temas como criatividade e simplicidade, disse, em entrevista à Lusa.

Apesar de estar “habituado à pressão”, de que também chegou a “fugir”, apesar de ir mostrando ‘singles’ ao longo dos últimos meses, as questões logísticas de “planeamento do lançamento e dos concertos” levaram a alguns adiamentos do novo álbum, num “ajuste” que teve sempre em mente “o disco ficar o melhor possível”.

Com data de lançamento marcada para 5 de Abril, pela Turbina, “Vida Nova” surge, também, da “grande motivação para voltar a fazer alguma coisa” que lhe passou pelo “’manager’ e amigo Pedro Nascimento”.

A isso juntou-se, na produção, Manuel dos Reis, que gravou o disco no Estúdio do Pátio, antes de os dois o misturarem no estúdio Sá da Bandeira, mas também Nico Tricot, que, com Eduardo Silva e António Serginho, tratou dos arranjos do disco.

Com um título “banal”, mas nem por isso menos intencional, o álbum está carregado “de um sentimento de que está tudo a começar”, afirmou.

“Há sempre uma ideia associada à idade e ao envelhecimento, de apodrecimento, mas no fundo também todos esperamos que os frutos estejam maduros para os comer. (…) Nesse sentido, foi muito importante conseguir sentir que ainda estou aqui. Que tenho coisas para dizer, coisas para dar, e vontade de brincar, acima de tudo. O título é também uma declaração de intenções, porque não tem mal sermos simples”, disse à Lusa.

Ao nível instrumental, o longa duração tem um grande uso do ‘ukulele’, antes de outros músicos, e outros instrumentos, pontuarem as várias canções, numa “auto-proposta” que se prende com um interesse em “redescobrir a paixão e o encanto”, para permitir maior liberdade na descoberta.

Também a ordem das faixas, uma “feliz coincidência”, permite contar uma “narrativa que, de alguma maneira, ilustra todo o processo”.

“Foi quase como sorte, penso eu que foi sorte. A primeira música [‘Como um bom filho do vento’], por exemplo, foi a primeira que me aliciou no processo”, contou.

Por seu lado, as letras trazem desta vez “uma mensagem mais evidente e se calhar mais simplista”, com uma “aproximação à vida e ao processo” pessoal do músico, como em “Beija-flor”, uma faixa “que fala da inspiração e da naturalidade, ou não, desse processo, com o paralelo a um animal que vai à flor sem questionar nada”.

“Encaro este disco de forma mais clássica, de ser um disco de canções, sem o lado experimentalista na raiz, mas mais na forma como se fazem as coisas. Ser mais ou menos poético depende da maneira como vês as coisas. (…) Também eu estou agora a interpretar as razões pelas quais fiz como fiz. Estava tão dentro do processos que nem estava a pensar sobre isso”, comentou.

Apesar do título, a “Vida Nova” não é um renegar do que está para trás nem “a felicidade”, mas antes “o passado, presente e futuro tudo junto”, tendo “mais a ver com a paz do que propriamente sentimentos épicos de felicidade e ambição”, aproveitando antes “o tempo para a frente, que à partida será menos” do que já passou para o músico de 43 anos.

Se a “diversão” é muito “a realização artística” que pretende atingir, a nova vida é, então, “o ânimo de voltar à carga e enfrentar tudo isso, mais do que pensar no passado como mau e que agora é que vai ser”.

Várias das músicas do disco, como “Ainda não acabei” ou “Cães e Ossos”, passaram já pelos vários concertos que Manel Cruz foi dando, e essa presença “influencia, porque a vida é também um palco”.

“Tu és sempre actor de uma ideia de ti próprio, de um todo, quer sejas um actor convicto ou a fugir disso. O palco é um momento em que tens hipótese de representar de facto. (…) O palco é, depois, uma forma bruta e imediata de te colocar face à questão do poder, por exemplo. É um objecto muito delicado. As pessoas querem que estejas ali, são elas que querem, tu não questionas porque é que estás lá”, reflectiu.

“Vida Nova” é, assim, um “disco mais convencional face ao panorama”, mais “clássico numa certa perspectiva, em que o experimentalismo e a vontade de procurar alguma coisa nova tem mais a ver com determinados pormenores e aspectos”, e por isso o disco “poder-se-á dizer normal”.

“Num momento em que há tanta coisa, do mais simples ao mais sofisticado e revolucionário, continua a haver espaço para um disco de canções, e agradou-me essa ideia de fazer isso, só”, disse à Lusa.

Enquadrado no plano é a reorganização da vida “para ter mais espaço de liberdade”, assumindo os concertos “como forma de subsistir”, mas “com prazer”, e poder ter mais tempo para criar mas também “beber finos ao fim da tarde, estar com os filhos e os amigos”.

27 Mar 2019

Dois restaurantes de Macau entre os 50 melhores da Ásia

[dropcap]A[/dropcap] lista dos 50 melhores restaurantes da Ásia de 2019 inclui dois de Macau (Jade Dragon e Wing Lei Palace), ambos localizados em unidades hoteleiras, mais um do que na edição anterior. O ‘ranking’ foi desvendado ontem à noite em Macau que acolheu o evento do famoso galardão de restauração pelo segundo ano consecutivo.

O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, foi um dos convidados de honra do evento que coroou Odette, em Singapura, a cargo do chefe Julien Royer, como o Melhor Restaurante da Ásia em 2019.

A lista dos 50 Melhores Restaurantes da Ásia é a versão regional da famosa lista dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo, publicada pela William Reed Business Media desde 2002. A lista dos 50 Melhores Restaurantes de Ásia é votada por um comité de mais de 300 membros, que inclui especialistas de restauração, como escritores de comida, chefes, donos de restaurantes e gastrónomos de toda a região asiática. Os membros decidem a lista dos seus restaurantes favoritos em função das suas experiências gastronómicas nos últimos 18 meses.

Desde o lançamento da versão regional asiática dos 50 Melhores Restaurantes em 2013, Macau teve um restaurante na lista nos primeiros quatro anos (Robuchon au Dôme), ao qual se juntaram mais dois na lista de 2017 (Robuchon au Dôme, Jade Dragon e The Tasting Room), com um restaurante (Jade Dragon) a figurar na lista de 2018. Na edição 2019, o Jade Dragon, situado no City of Dreams, ficou na 27.ª posição, enquanto o Wing Lei Palace, no Wynn, se quedou pelo 36.º posto.

27 Mar 2019

FAM | Metade do programa da 30ª edição com produções locais

Foi ontem apresentado o programa completo da 30ª edição do Festival de Artes de Macau, que decorre este ano entre 3 de Maio e 2 de Junho e conta com um orçamento reforçado em dois milhões de patacas face ao ano passado. De um total de 22 espectáculos, metade são de Macau, com destaque para a nova produção falada em patuá, “Tirâ Pai na Putau (Tirar o Pai da Forca)”

 

[dropcap]V[/dropcap]em aí mais uma edição do Festival de Artes de Macau (FAM), que este ano comemora 30 anos de existência. O programa completo foi ontem apresentado e conta com um extenso leque de produções de Macau, onde se inclui mais uma peça do Grupo de Teatro Dóci Papiaçám di Macau.

Entre os dias 18 e 19 de Maio o público poderá assistir ao espectáculo “Tirâ Pai na Putau (Tirar o Pai da Forca)”, uma peça encenada e escrita por Miguel de Senna Fernandes.

A história gira à volta de Emília, que viaja para Macau para trabalhar como terapeuta ocupacional no Departamento de Psiquiatria do recém-inaugurado Hospital do Cotai. Ela sempre quis trabalhar em Macau, para assim concretizar o sonho de reencontrar o seu pai biológico, com quem perdeu o contacto. Por um acaso, Emília descobre que um dos pacientes da ala psiquiátrica do hospital é o seu pai. Agora, nada detém Emília, que tudo fará para o proteger, nem mesmo os planos urdidos pela sua mulher.

Aos jornalistas, Miguel de Senna Fernandes disse que a peça é composta de “histórias muito simples”, mas sempre cheias de críticas em relação à actualidade do território, mais especificamente ao projecto do novo hospital que irá nascer no Cotai.

“É mais uma rábula que tem como pano de fundo algo que faz parte da curiosidade de toda a gente, neste caso a história do novo hospital. É a segunda vez que abordamos esta questão, mas desta vez ainda com mais premência porque toda a gente fala do hospital do Cotai e nada se vê.

Já nos falaram deste hospital vezes sem conta, mas é claro que ninguém vai explorar as razões de nada acontecer. É uma questão recorrente e vamos falar dele à boa maneira da comédia.”

Teatro em destaque

Além do teatro falado em patuá, o cartaz do 30º FAM dá grande destaque às produções levadas a cabo por companhias teatrais de Macau. Entre os dias 3 e 8 de Maio a companhia “Cai Fora” apresenta “A Viagem de Curry Bone 2019”, cuja história se baseia num guia turístico com o mesmo nome. Este compila as experiências de Curry Bone na Terra dos Anões, que também tem uma aplicação para telemóvel. O percurso pode ser feito por todos.

Com “Pronto-a-Vestir”, a Associação de Desenvolvimento Comunitário Artistry of Wind Box apresenta, no espaço Armazém do Boi, uma história sobre o passado da indústria têxtil em Macau. “Este espectáculo, em formato de teatro documentário, apresenta o quotidiano das costureiras e explora a vida e a cidade de hoje através da memória desta geração”, descreve o IC.

Por sua vez, o grupo de dança Four Dimension Spatial apresenta, a 18 de Maio, o espectáculo “Mau Tan, Kat Cheong”, no edifício do antigo tribunal. Trata-se de uma história sobre os imigrantes ilegais que chegaram a Macau nos anos 80, quando esta era considerada a “terra dos sonhos”. Estas pessoas acabaram por ficar a residir em bairros como a Areia Preta ou o Iao Hon, e foi nesta zona que o grupo visitou e entrevistou pessoas na vizinhança dos edifícios Mau Tan e Kat Cheong para compreender a migração em Macau e reflectir sobre as transformações sociais nos últimos 30 anos.

“Caleidoscópio”, da Associação de Representação Teatral Hiu Koc, apresenta-se ao público no Centro Cultural de Macau entre os dias 1 e 2 de Junho e revela-se como algo “diferente do teatro narrativo”, apresentando “momentos de vida interligados no palco através de música, luz, espaço e ritmos respiratórios dos actores”.

“Wonderland”, da Associação de Dança Ieng Chi x Concept Pulse Studio, é mais uma das onze produções locais que acontece entre os dias 4 e 5 de Junho. “WonderLand” é o resultado da incubação de Rosas Artificiais. O trabalho original foi lançado no Festival BOK, em 2017, e continuou a sua experimentação como dança-teatro e instalação no Festival Fringe Cidade de Macau, em 2018.

A 30ª edição do FAM conta ainda com quatro espectáculos destinados a um público mais novo, além de produções internacionais, onde se inclui uma peça de teatro da companhia teatral portuguesa O Eléctrico.

O orçamento do FAM é de 22 milhões de patacas, um valor superior face a 2018 em dois milhões de patacas. O IC justifica o aumento com a inflação e aumento dos custos associados às produções.

27 Mar 2019

Instituto Cultural apresentou edição bilingue de “Contos Seleccionados de Eça de Queirós”

[dropcap]F[/dropcap]oi apresentado esta semana uma nova edição literária a cargo do Instituto Cultural (IC). Trata-se de “Contos Seleccionados de Eça de Queirós”, um livro que faz parte da “Colecção de Literatura Chinesa e Portuguesa” e cuja tradução esteve a cargo de Han Lili, directora da Escola Superior de Línguas e Tradução do Instituto Politécnico de Macau (IPM).

De acordo com um comunicado oficial do IC, “através da edição de uma série de livros originais sobre literatura de Macau ou relacionada com o tema, de escritores chineses e portugueses, a ‘Colecção de Literatura Chinesa e Portuguesa’ pretende que os autores e os leitores ultrapassem as barreiras linguísticas, reconhecendo um outro mundo literário nas obras traduzidas para as línguas chinesa e portuguesa ou qualquer outra língua”. 

O livro traduzido por Han Lili inclui os contos Um Poeta Lírico, No Moinho, A Aia, O Suave Milagre, Singularidades de uma Rapariga Loura e O Tesouro, bem como uma colecção de artigos publicados em 1893 numa coluna do jornal brasileiro Gazeta de Notícias, intitulada “Chineses e Japoneses”. O conto Singularidades de uma Rapariga Loura foi adaptado para cinema em 2009 pelo grande realizador português Manoel de Oliveira.

Eça de Queirós, falecido em 1900, é considerado um dos mais importantes escritores portugueses e é conhecido pela sua prosa realista. Além da publicação de romances, Eça de Queirós também foi jornalista em várias publicações, incluindo o Diário de Notícias. As suas principais obras incluem romances como O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio e Os Maias, as quais traçam um retrato da vida real em Portugal, desvendando os crimes e os vícios da sociedade portuguesa de então. Estas obras foram traduzidas para o chinês na década de 1990.

O livro “Contos Seleccionados de Eça de Queirós” tem um custo de 100 patacas e encontra-se à venda no Centro de Informações ao Público, na Plaza Cultural de Macau, no Elite Bookstore, na Livraria Portuguesa, no Pin-to Livros, no Arquivo de Macau e no Centro Ecuménico Kum Iam.

26 Mar 2019

FRC | Carlos Frota apresenta terceiro livro de poesia

[dropcap]É[/dropcap]já esta quinta-feira, dia 28, que Carlos Frota, professor na Universidade de São José (USJ) e ex-diplomata, lança o seu terceiro livro de poesia.

A obra, intitulada “A culpa é das estrelas” será apresentada na Fundação Rui Cunha e terá a presença de José Rocha Dinis, administrador do Jornal Tribuna de Macau, José Manuel Simões, também docente na USJ, e de Fernando Sales Lopes, historiador.

A sessão irá também incluir uma leitura de alguns poemas por parte de Fernando Sales Lopes. Carlos Frota foi o primeiro cônsul-geral de Portugal na RAEM, além de ter sido embaixador português na Coreia do Sul e na Indonésia. A primeira vez que se embrenhou no mundo da poesia foi em 1998, quando lançou, no Clube Militar, a obra “O Chão das Raízes”.

26 Mar 2019

Arquitectura | Manuel Graça Dias morreu aos 66 anos

Após luta contra um cancro no pâncreas, o arquitecto Manuel Graça Dias faleceu ontem no Hospital da Cuf, em Lisboa. Macau foi a cidade que o viu nascer para a arquitectura, enquanto colaborador de Manuel Vicente. Parte uma figura incontornável na forma como se pensam as cidades, um homem do seu tempo e um comunicador nato

Com agência Lusa

 

[dropcap]N[/dropcap]o dia em que fazia 66 anos, Manuel Graça Dias faleceu depois de uma luta inglória contra o cancro. O arquitecto que começou a carreira em Macau, ao lado de Manuel Vicente, deixou no território uma marca indelével, não só profissionalmente, mas também como pessoa.

“Era uma figura muito interessante por ser tão profundamente pós-moderno e representar uma contemporaneidade na maneira de perceber e de estar na vida e isso reflectia-se muito na sua arquitectura”, recorda o colega de profissão Rui Leão.

A ideia de um homem que marcou gerações é partilhada pelo também arquitecto Carlos Marreiros. “O Manuel Graça Dias era um arquitecto muito completo. A par do gosto pelo projecto, desenho e obra, ele teorizava muito, levantava questões, experimentava e dava uma dimensão muito criativa”, comenta.

Manuel Graça Dias nasceu em Lisboa, e licenciou-se em arquitectura em 1977 pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, iniciando-se, profissionalmente, no ano seguinte, como colaborador do arquitecto Manuel Vicente, em Macau.

Foi assistente da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (1985-1996) e professor auxiliar da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1997-2015), onde se doutorou com a tese “Depois da cidade viária” (2009). Era actualmente professor associado da mesma faculdade e professor catedrático convidado do Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa, desde 1998, que também dirigiu, entre 2000 e 2004.

Grande comunicador

Criou, em 1990, em Lisboa, onde vivia e trabalhava, o ateliê Contemporânea, com Egas José Vieira. Manuel Graça Dias e Egas José Vieira propuseram uma abordagem aberta ao edifício do Teatro Luís de Camões, inaugurado em 1880 e que a Câmara de Lisboa reabriu, renovado, no dia 1 de Junho do ano passado, com a designação de LU.CA, especialmente direccionado para a programação infanto-juvenil.

A casa que recuperou em 1979, no bairro lisboeta da Graça, com António Marques Miguel, recebeu a Menção Honrosa Valmor/1983.

Obteve, ainda, o 1.º lugar no concurso para o Pavilhão de Portugal na Expo’92 em Sevilha, no sul de Espanha, bem como o 1.º lugar no concurso para a construção da nova sede da Ordem dos Arquitectos, nos antigos Banhos de S. Paulo, ambos com Egas José Vieira.

Foi também autor de artigos de crítica e divulgação de arquitectura em jornais e revistas da especialidade e, segundo a Universidade do Porto, era “solicitado para um vasto número de conferências, quer em Portugal quer no estrangeiro”. Graça Dias foi ainda autor do programa quinzenal “Ver Artes/Arquitectura” na RTP2 entre 1992 e 1996 e colaborador da rádio TSF e do semanário Expresso na área da crítica de arquitectura (2001/2006).

Esta valência de comunicador é destacada por Carlos Marreiros, que entende que o legado de Manuel Graça Dias ultrapassa o lado profissional. “Além da formação de muitos arquitectos portugueses enquanto professor universitário, tinha uma dimensão de educador. Escrevia para o grande público e partilhava ideias com uma audiência mais vasta”, elucida.

Obra por cá

Enquanto colaborador de Manuel Vicente, Manuel Graça Dias participou em projectos residenciais locais marcantes como as Torres da Barra e o Edifício 1980. Além de projectos arquitectónicos, assinou com Helena Rezende e Manuel Vicente o livro “Macau Glória – A Glória do Vulgar / The Glory of Trivia”, editado pelo Instituto Cultural em 1991. “É um grande contributo a nível de documentação e do desenho, é um trabalho muito importante que ele deixa para Macau”, comenta Rui Leão.

Na sua bibliografia consta ainda “Vida Moderna” (1992), “Ao volante pela cidade: 10 entrevistas de arquitectura” (1999), “O homem que gostava de cidades” (2001), “Arte, arquitectura e Cidade: A propósito de ‘Lisboa Monumental’ de Fialho de Almeida” (2011), e “Aldeia da Estrela: Sociologia e arquitectura ao serviço de uma população”, com Rodrigo Rosa e Egas José Vieira, (2015), entre outros.

Manuel Graça Dias foi também director do Jornal Arquitectos entre 2009 e 2012, assumiu a direcção da Ordem dos Arquitectos de 2000 a 2004 e, entre outras funções, foi comissário da representação portuguesa à VIII Bienal de Arquitectura de São Paulo (2009); com Ana Vaz Milheiro, da exposição “Sul África/Brasil”, para a Trienal de Lisboa/2010, tendo sido ainda Presidente da Secção Portuguesa da Association Internacional des Critiques d’Art, SP/AICA (2008-2012).

Enquanto pessoa, tinha “grande presença de espírito, um sentido de humor incrível que conseguia criar alegria no colectivo, era muito provocador e comunicativo”, revela Rui Leão acrescentando que Graça Dias era uma figura dotada de um entusiasmo contagiante.

Manuel Graça Dias tem trabalhos construídos em Almada, Braga, Chaves, Guimarães, Lisboa, Porto, Vila Real, Madrid, Sevilha e Frankfurt, e foi co-autor do “Estudo de Reconversão Urbana do Estaleiro da Lisnave”, em Cacilhas, no concelho de Almada.

O Teatro Municipal de Almada (Teatro Azul, 1998-2005), que projectou com Egas José Vieira e Gonçalo Afonso Dias, foi nomeado para o Prémio Secil/2007, para o Prémio Mies van der Rohe/2007 e para o Prémio Aga Khan, 2008/2010. Manuel Graça Dias e Egas José Vieira ganharam o Prémio AICA/Ministério da Cultura de Arquitectura, de 1999, pelo conjunto da sua obra construída.

Em 2006, foi agraciado, pelo então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, com a Ordem do Infante D. Henrique (grau comendador).

26 Mar 2019

Casa de Portugal em Macau leva jovens a várias cidades portuguesas

[dropcap]A[/dropcap]Casa de Portugal em Macau vai levar 28 jovens a várias cidades portuguesas para “proporcionar um contacto mais próximo dos estudantes de português das escolas locais com a língua e a cultura portuguesas”, disse à Lusa fonte da associação.

O programa da terceira edição do Curso de Verão da Casa de Portugal, que se realiza entre 11 e 31 de Julho, vai ser “dividido entre aulas de português e actividades culturais e recreativas”, para os alunos, que são maioritariamente chineses, mas que conta também com jovens portugueses, explicou a associação.

Para a Casa de Portugal, este tipo de programas reforça a presença da língua e da cultura portuguesas em Macau, “uma vez que o curso é sobretudo procurado por alunos cuja língua materna não é o português”. “Notamos que existe essa vontade de investirem num maior conhecimento da língua”, sublinhou.

25 Mar 2019

Violinista Carlos Damas destaca “grande interesse” da China pela música clássica

[dropcap]O[/dropcap]violinista português Carlos Damas destacou o “grande interesse” do público chinês pela música clássica ocidental, após uma digressão com o pianista Artur Pizarro e o violoncelista Bruno Borralhinho, que incluiu Pequim e Xangai.

“É uma área que está em perfeita evolução na China”, descreveu o violinista à agência Lusa.
Nascido em 1973, em Coimbra, Carlos Damas já tocou “várias vezes” no país asiático, mas esta semana foi acompanhado por Pizarro e Borralhinho, em dois espectáculos organizados pela embaixada portuguesa em Pequim, e inseridos no ano de Portugal na China.

O trio tocou um reportório composto por obras dos compositores Franz Schubert, Felix Mendelsshon e Pyotr Tchaikovsky.

“Há um grande interesse na China pela música clássica e o mercado está a crescer imenso: há orquestras a surgir como cogumelos e conservatórios e escolas por todo o lado, com excelentes condições”, notou Damas.

O violinista português, que já viveu em Macau, lembrou ainda que é comum as famílias chinesas porem os filhos a aprender um instrumento ocidental. “É uma questão social”, disse.

Questionado sobre a alegada falta de criatividade dos músicos chineses, Carlos Damas concordou que, “no geral, são bastante mais técnicos do que musicais”, mas “é óbvio que há também alguns músicos com enorme criatividade e musicalidade”. “Há de tudo na China: é um país enorme”, realçou.

Outros eventos culturais vão realizar-se ao longo deste ano, incluindo festivais de cinema, literatura, teatro ou música, em paralelo com o ano da China em Portugal, num programa pensado pelos dois governos.

“A cultura é um instrumento fundamental para aproximar os povos, dialogar e criar emoções conjuntas”, sublinhou o embaixador português em Pequim, José Augusto Duarte.

“Este será um ano que reforçará em muito a visibilidade do grande talento dos portugueses junto da opinião publica chinesa”, afirmou.

25 Mar 2019

“Arte Macau” arranca com duas exposições a 12 de Abril

[dropcap]É[/dropcap]já em Abril que serão inauguradas duas exposições incluídas na iniciativa “Arte Macau”, e que terão o Renascimento em Itália, a implantação da República Popular da China e a transferência de soberania de Macau como pano de fundo.

A exposição “Desenhos da Renascença Italiana do British Museum” estará patente entre 12 de Abril e 30 de Junho e irá apresentar 52 desenhos originais de 42 mestres da Renascença italiana, como Mantegna, Correggio, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Titian, Raphael e Rosso Fiorentino, e explora a importância do desenho no processo criativo dos artistas entre 1470 e 1580.

Este ano assinala-se o 500.º aniversário da morte de Leonardo da Vinci e a exposição inaugura em Abril que coincide com o aniversário do nascimento do grande mestre renascentista (15 de Abril de 1452). Além disso, e pela primeira vez em Macau, a exposição proporcionará uma experiência táctil aos espectadores com deficiências visuais através da impressão 3D e tecnologia relevante, promovendo uma experiência cultural universal.

A política chinesa merece destaque com a exposição “Beleza na Nova Era”, que marca não só os 70 anos da RPC como os 20 anos do regresso de Macau à China.

Esta mostra estará patente entre os dias 4 de Maio e 28 de Julho, tendo sido seleccionadas cerca de 90 obras a partir do acervo do Museu Nacional de Arte da China. Será mostrado o trabalho de mestres modernos e contemporâneos como Qi Baishi, Zhang Daqian, Xu Beihong, Liu Haisu, Lin Fengmian, Fu Baoshi e Li Keran, entre outros, permitindo uma visão abrangente do desenvolvimento da arte chinesa nos últimos cem anos.

Evento transversal

A iniciativa “Arte Macau” irá decorrer durante cinco meses, entre Junho e Outubro, e conta com a participação de operadoras de estâncias turísticas, hotéis integrados e consulados estrangeiros que são convidados a acolher exposições de arte simultaneamente.

O objectivo deste evento, afirma o Instituto Cultural, é “criar uma atmosfera cultural por toda a cidade e transformá-la numa galeria de arte, espalhando um irresistível ambiente artístico em todos os seus cantos”. O principal local de exposições será o Museu de Arte de Macau, podendo decorrer eventos noutros locais.

“Arte Macau” também pretende levar ao público “concertos de grande escala” protagonizados pela Orquestra de Macau e pela Orquestra Chinesa de Macau, além de estar prevista a realização da Exposição de Artes Visuais das Instituições do Ensino Superior de Macau, do Festival Juvenil Internacional de Música, do Festival Juvenil Internacional de Dança e o Festival Juvenil Internacional de Teatro.

O objectivo destas iniciativas é o de “tornar a cidade numa plataforma de intercâmbio cultural e artístico de nível mundial e de partilhar com longo e memorável Verão artístico com todos os residentes e turistas”.

25 Mar 2019

FAM | Dança e teatro protagonizam primeiros espectáculos da 30ª edição

A trigésima edição do Festival de Artes de Macau acontece entre os dias 3 de Maio e 2 de Junho e já há alguns nomes em cartaz. De Portugal chega o Teatro do Eléctrico com a peça Karl Valentin Kabarett, enquanto que de Pequim a comédia ganha forma com o espectáculo O Sr. Ma e o Filho, da BJAMC Drama

 

[dropcap]N[/dropcap]o ano em que o Festival de Artes de Macau (FAM) celebra 30 anos de existência, o Instituto Cultural (IC) decidiu criar um cartaz que homenageia os clássicos. Com o tema “um tributo aos clássicos”, o programa pretende mostrar ao público um “leque de espectáculos de diferentes estilos e programa do Festival Extra e convidando o público a apreciar os clássicos”.

Os primeiros nomes já são conhecidos e trazem dança contemporânea e teatro. Vertikal é o espectáculo de dança que marca a abertura do FAM no dia 3 de Maio. Trata-se de uma co-produção de Mourad Merzouki, um conceituado coreógrafo francês, e da CCN Créteil & Val-de-Marne / Cie Käfig, considerada “uma das principais companhias de dança hip-hop de renome mundial”.

De acordo com o IC, podemos esperar uma performance em que “dez dançarinos deslizam no ar por cordas, libertando-se dos limites da gravidade para criar elementos coreográficos e produzir sequências de hip-hop únicas e contemporâneas”. O público poderá ver o espectáculo também no dia 4 de Maio, no grande auditório do Centro Cultural de Macau (CCM).

No dia 12 de Maio é apresentado Rain, um espectáculo de dança que resulta da colaboração entre o músico contemporâneo Steve Reich, a coreógrafa belga Anne Teresa De Keersmaeker e a sua companhia de dança Rosas.

Anne Teresa, considerada pioneira no mundo da dança, traz Rain novamente a palco 18 anos depois, mostrando ao público uma dança pura e música minimalista. “Impelidos pelos tons pulsantes de Steve Reich, nove bailarinos percorrem o palco com agilidade, dançando variações infinitas de liberdade física e precisão geométrica, com uma leveza de tirar o fôlego”, descreve o IC.

Rain é também composto por “figuras matemáticas, a repetição sustentada, a ocupação geométrica do espaço, a arte da variação contínua”. “Tudo o que gradualmente se tornou a assinatura da coreógrafa, é levado ao extremo em Rain”, acrescenta o IC.

Senta-te e ri

Além da dança estão também agendadas duas peças de teatro. Uma delas irá evocar aquele que foi considerado o “Charlie Chaplin da Alemanha”, Karl Valentin, e será levada a cena pela companhia portuguesa Teatro do Eléctrico. Karl Valentin Kabarett acontece a 24 de Maio no grande auditório do CCM e “cruza várias peças curtas por ele escritas com canções populares alemãs do início do século XX, cantadas ao vivo em alemão por 11 actores e um cantor lírico, acompanhados por uma orquestra de dez músicos”. Karl Valentin Kabarett revela o “constante complexo de inferioridade” das personagens de Karl Valentin e está carregado de ironia, música, dança e teatro. A encenação desta peça está a cargo de Ricardo Neves-Neves, também fundador do Teatro do Eléctrico.

De Pequim chega também outra comédia, intitulada “O Sr. Ma e o Filho”, da companhia BJAMC. Trata-se de uma adaptação do romance de Lao She para comemorar o 120º aniversário do seu nascimento, e é uma peça que revela o intercâmbio entre a cultura chinesa e a cultura ocidental, imbuída dos reflexos da sagacidade de Pequim e do humor inglês.

A história acontece à volta do Sr. Ma, que sonha um dia vir a ser mandarim. Devido à morte do seu irmão, o Sr. Ma vai para Londres com o seu filho para assumir a gerência de uma loja de antiguidades por ele deixada, tornando-se num modesto comerciante. Pai e filho ficam hospedados em casa da Sra. Wedderburn. Com o passar do tempo, vai-se desenrolando uma história de amor satírica e agridoce. O “Sr. Ma e o Filho” é apresentado nos dias 25 e 26 de Maio no grande auditório do CCM.

O cartaz provisório do FAM encerra com o espectáculo de ópera cantonense “A Alma de Macau”, que celebra o décimo aniversário da ópera cantonense inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Esta produção de ópera cantonense foi adaptada pelo dramaturgo Li Xinhua a partir de uma peça original de um autor de Macau e contará com a interpretação de actores de Macau e da Trupe de Ópera Cantonense de Foshan, dando vida à épica história de Macau.

25 Mar 2019

Rota das Letras | Rolling Puppets apresentam “Droga” de Lu Xun

“Droga” de Lu Xun está em cena hoje, amanhã e domingo, nas oficinas navais nº2, pelas mãos da companhia Rolling Puppets. O espectáculo fecha mais uma edição do festival literário Rota das Letras e insere-se nas comemorações dos 100 anos do movimento do 4 de Maio que revolucionou a escrita no continente colocando as palavras ao alcance de todos

[dropcap]”[/dropcap]A verdadeira acção não acontece quando se tem esperança de que se consiga alguma coisa com ela, a verdadeira acção acontece quando já não se espera”. Estas são as palavras de Tan Tan La, co-fundadora, com Kevin Chio, da companhia de teatro Rolling Puppets, para descrever o espírito de Lu Xun, autor de “Droga”, a peça que vai subir ao palco das oficinas navais, nº2, hoje, amanhã e domingo. Esta interpretação do trabalho de Lu Xun é também o mote para mais uma apresentação do espectáculo no território.

A ideia de pegar neste texto, “Droga”, que pode ainda ser traduzido por “Medicamento” da autoria de um dos escritores emblemáticos do Movimento literário do 4 de Maio, surgiu em 2013. Nesta altura os responsáveis da Rolling Puppets, assistiam em Macau àquilo que consideraram “um verdadeiro início de movimentação social”. “Vivia-se uma época de alguma esperança social”, conta Tan Tan. A responsável recorda a saída à rua dos moradores do edifício Sin Fong, reclamando contra as más condições em que viviam. A eles juntaram-se residentes, e tudo parecia apontar para “uma luta colectiva por direitos sociais”.

No entanto, esta “reivindicação”, foi de pouca duração. “Vimos a ocupação das ruas por parte de manifestantes, mas foi durante muito pouco tempo, nem chegou a uma noite, mas isso aconteceu”, recorda com satisfação. No entanto, de repente, “houve distribuição de dinheiro e deixou de ser necessário pedir que se fizesse justiça”, lamenta. “Quando começámos a ver as pessoas a saírem à rua, a pedir justiça, pensámos que finalmente estavam a acordar mas acabámos por perceber que afinal voltaram a adormecer muito rapidamente”, acrescenta a responsável.

Foi também nessa altura, que os artistas encontraram um texto de Lu Xun que falava de solidão, em que o autor classificava o ser revolucionário como sendo uma espécie de viver solitário. “Ele, como revolucionário falava de como se sentia sozinho no seio da sociedade”. A partir daqui, pegar num texto de Lu Xun tornou-se imperativo para Ten Ten La e Kevin Chio.

Por outro lado, trazer Lu Xun a cena pareceria ser também uma missão. Se os seus textos eram o reflexo de uma sociedade de há 100 anos, actualmente continuam a espelhar as necessidades de mudança. “Somos artistas e achamos que devemos ecoar alguma coisa no que fazemos que faça as pessoas pensar”, aponta Kevin Chio, “e este texto vai nesse sentido”, acrescenta.

Questão necessária

“Queremos que este espectáculo interrogue as pessoas acerca do que querem nesta vida confortável que aparentemente têm. Será que possuem alguma coisa que queiram proteger? Será que se sentem vivos?”, questiona Ten Ten. Mais, “será que a população agora é assim tão diferente daquela para quem escrevia Lu Xun, há exactamente 100 anos?”

O autor, famoso por ter revolucionado a forma de escrita na China, tornando-a acessível a todos e libertando-a das elites, “falava acerca das pessoas que o rodeavam, de como o olhavam, como viam este medicamento, esta droga. O sangue contaminado que representava o sangue de uma revolução, levantava a interrogação se se trata de um veneno ou de uma cura”, diz Ten Ten La.

Apesar das diferenças trazidas pela passagem do tempo, o responsável considera que ainda assim, as pessoas, agora, não diferem muito das do início do século. “Actualmente as pessoas continuam a ser como dantes. Continuamos a tentar protegermo-nos a nós próprios sem olhar para o mundo em geral e para o que nos rodeia. É o mesmo”, acrescenta. Lu Xun descreveu o que o rodeava, Ten Ten e Chio pretendem ser o seu “espelho”.

Em dois tempos

Para adaptar o texto do “mestre”, a Rolling Puppets reescreveu o conto de modo a que seja representado “a dois tempos” em paralelo. “Quando tentámos adaptar o texto, aproveitámos para preencher as lacunas que o autor deixou, propositadamente. Para isso alternamos a representação entre situações da história original, passada naquele restaurante de Pequim, em que um pai luta pela sobrevivência do filho doente através da dádiva de sangue, com situações actuais, em que adaptamos o espaço para um restaurante chique de Macau”, explica Tan Tan. Para o efeito, os artistas utilizam “o sangue que pode ser da cura ou da morte, que pode ser medicamento ou veneno, do conto original, e também o seu contraponto com os valores da actualidade que podem ser duplamente interpretados”, remata.

22 Mar 2019

Entrevista | Pedro Lamares, actor

Pedro Lamares teve um percurso que passou por múltiplas formas de expressão artística, até que Pessoa o encaminhou para dizer poesia, o que o levou à representação. Todas estas estradas trouxeram o actor até Macau numa viagem que culmina, sábado às 21h, no palco do Teatro D. Pedro V, onde vai recriar o poema “Ode Marítima”, de Álvaro de Campos

[dropcap]E[/dropcap]stá em Macau a recitar a “Ode Marítima” de Fernando Pessoa. Como é representar este texto emblemático do Pessoa?
A Ode Marítima é aquilo a que chamamos na gíria teatral “um bife”. É um grande naco, e não é pela quantidade de texto. Aliás, eu não o faço de cor, o espectáculo é uma leitura viva e encenada. É um desafio brutal, acho que é, eventualmente, a coisa mais difícil e mais exigente que já disse. O texto pede uma entrega absoluta, não vale a pena dizer aquilo se não estiver disponível a entrar naquela espiral e encontrar a determinada altura o vórtice e alguma linha de trabalho que não seja um desatino total, que não seja só a loucura. Não há outra forma de fazer este espectáculo, sem ser com entrega total. A “Ode Marítima dá cabo de mim, é porrada emocional. Na semana antes de ter este espectáculo normalmente adoeço, fico sem voz. É uma cena psicossomática. O texto tem uma estrutura perfeita, é completamente pessoano; temos todo o delírio do Álvaro de Campos, visceral, mas tens o cérebro do Pessoa permanentemente a actuar sobre aquilo. O texto é tripartido. O primeiro bloco é a instalação, em que ele se senta no cais de pedra numa manhã de Verão e começa a observar o que vai acontecendo, mas ainda numa zona muito pacífica. A segunda parte é a subida em espiral, o delírio absoluto e depois cai a pique de um momento para o outro. O terceiro momento é todo em baixo é toda a reflexão sobre o que aconteceu ali. A primeira vez que disse a Ode, ao trabalhar o texto em casa, há nove anos, sentei-me à noite na mesa da sala com um whisky, um cinzeiro e um maço de cigarros à frente. Comecei a tentar ler o texto para dentro e aquilo é ilegível. Entra-se nas onomatopeias e é impossível, não estava mesmo a conseguir. Quando ia para aí na quarta página, voltei atrás e resolvi começar a dizer o texto em voz alta. Descomprometidamente. Liguei um cronómetro. Percebi que o texto tem exactamente 60 minutos, divididos em três blocos de 20. Sem ter o texto na cabeça, comecei a dizê-lo e entrei naquela espiral. Aliás, como ele diz no texto “o volante começou a girar dentro de mim”. Quando dei por mim, eram duas da manhã e, de repente, tudo começou a surgir com essa lógica muito evidente.

Representou Fernando Pessoa no filme “ Filme do Desassossego” de João Botelho. Como foi essa experiência?
Morri de medo no início. A minha ligação ao Pessoa vem de muito pequeno. Com treze anos comecei a ler Alberto Caeiro, quando o meu padrasto me ofereceu “O guardador de rebanhos”. Aquilo mudou tudo. Acho que foi isso que me pôs a dizer poesia, foi o dizer poesia que me pôs a estudar teatro. Aquilo condicionou o caminho da minha vida de uma forma definitiva, sem charme e sem romantismos. Fazer o Pessoa no “Filme do Desassossego” era assustador para mim. Além da força que o Pessoa tem na minha vida e, portanto, a responsabilidade natural que isso já me traria, existe todo um imaginário. Toda a gente tem um Pessoa na cabeça, qualquer português tem uma imagem do Pessoa. É um ícone. Corremos o risco de rejeição, como se se tratasse de um corpo estranho. Na altura, tive uma conversa com muito importante com o João Botelho, em que lhe falei desses medos, e ele disse-me: “Não quero fazer um documentário histórico, para isso existe a BBC. Quero fazer um filme, isto é sobre arte. Portanto, tu não vais ser o Fernando Pessoa, vais ser o Sr. Pessoa do ‘Filme do Desassossego’. Constrói”. Aquilo libertou-me completamente, mas não me tirou a responsabilidade.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Tem um espectáculo intitulado “A poesia é uma arma carregada de futuro”. É isso que acha da poesia?
Acho, absolutamente. Na arte em geral, e como escolhi a poesia como ferramenta é dessa que vou falar. Não tenho interesse na arte que não desarrume. Não tenho interesse em nenhum movimento artístico que não esteja comprometido com alguma coisa. Uma coisa que é feita só para agradar ou para ser bonita não me interessa como arte. Atenção que eu adoro o belo, sou um esteta. Adoro o belo, adoro pilotar aviões e não há nada mais belo do que estar lá em cima, no cockpit a ver o pôr do sol no Saara. É lindíssimo, mas não é arte. O meu trabalho artístico tem quase sempre um comprometimento, pelo menos com uma ideia de mundo, de pensamento, com uma ideia social que me acompanha. Estas coisas estão juntas. Portanto, o poema do Gabriel Celaya, cujo título dá nome a esse espectáculo, tem exactamente que ver com aquilo em que acredito. Ele diz: “maldigo a arte que é concebida como luxo cultural para os neutrais”.

Estamos a falar da palavra. Acha que a palavra escrita está em vias de extinção nesta era digital?
Se pensarmos em escrita, como caligrafia, tinta e coisas feitas à mão, ou livros em papel, não sei se em vias de extinção, mas em vias de entrar numa zona residual quase museológica acho que sim, dentro do romantismo. Ainda existem máquinas de escrever, e penas e canetas de tinta permanente, mas ninguém as usa. Eu tenho em casa porque sou um romântico e acho bonito, mas não as uso também. Portanto, acho que, mais cedo ou mais tarde, o objecto livro estaria mais ou menos na mesma dimensão. Eu não leio em livro electrónicos porque não me dá jeito. Gosto de sublinhar e de riscar de dobrar folhas, porque sou arcaico. Mas não tenho nada contra. Não acho que isso seja o fim da escrita. Há ameaças muito mais sérias à escrita e ao pensamento crítico que não sei se os distingo um do outro.

Quais?
A banalização e o vício do excesso de estímulo. A lógica digital que começa a trabalhar em nós uma ideia de que se não estivermos a ser permanentemente estimulados e se uma coisa não nos agarrar desde o primeiro momento com imensa informação visual sonora etc., nós desistimos dela. Isso sim, acho que é uma coisa que nos vai afastando daquilo que precisamos para ler e que nos vai pondo mais à superfície. A leitura exige de nós outro tipo de exercício mental, outro tipo de contemplação, de atenção e de paciência, de pensamento, de tempo. É muito mais fácil ver um filme do que ler um livro, e por sua vez é muito mais fácil ver uma série do que ver um filme e por sua vez é muito mais fácil ver um vídeo de cinco minutos do que acompanhar uma temporada de uma série. E por aí vamos. Por isso, depois aparecem fenómenos de escrita como uma fotografia e uma frase inspiradora, algo que não demore mais de 30 segundos a ler. Isso para mim ameaça mais a escrita do que o formato digital em si. Não sou conservador, a escrita pode mudar de forma. Mas acho que estamos num processo social que pode pôr em risco, e aí a escrita e a leitura são só a ponta do iceberg. Isso está a pôr em risco a nossa capacidade de questionamento e isso sim, pode ser gravíssimo.

Quais são os livros da sua vida?
Antes de mais tenho que falar do “Guardador de Rebanhos” do Alberto Caeiro, porque é brutal. Esse estará seguramente entre os livros da minha vida. O “Medo” do Al Berto que foi um livro que literalmente desfiz, a capa já saiu, criou bolhas. O Herberto Hélder, não é um livro, é um autor, mas também tem uma importância brutal. Portanto, se tivesse que escolher um livro diria a “Poesia Completa” porque me reensinou a dizer poesia. Ensinou-me a não trabalhar pela parte racional a não trabalhar só pelo entendimento do texto e pela sua narrativa. Com ele tive de trabalhar com outro lado de mim, com uma sensação de pele e com imagens. Estes três ao nível da poesia terão sido os mais marcantes. Ao nível do romance, coisa bastante óbvias. Marcou-me imenso ler “Os Maias”. A primeira vez que chorei a ler um livro foi a ler “Os Maias”, acabei de o ler e voltei a ler passado um ano. Outro romance que li muitos anos mais tarde e que me marcou imenso, do Sándor Márai, “As velas ardem até ao fim”, é muito duro. Tchekov também me marcou-me muito. O Oscar Wilde também me marcou muito, deixa-me desarrumado. Mas é engraçado que nunca tinha pensado nos livros da minha vida. Acho que o “Ensaio sobre a Cegueira” também seria um dos livros da minha vida. Fala daquilo que pode ser a sociedade em estado de medo ou em estado de crise.

Começou nas artes plásticas, ainda andou pelo jazz e, a determinada altura, entrou numa licenciatura em música sacra.
Chama-se adolescência. Há aquelas pessoas que na adolescência vão fumar charros ou fazer coisas que os pais não deixam. Eu não tive uma educação católica, portanto, acho que o meu gesto de rebelião aos 18 anos foi estudar música sacra. Tive lá um ano e fui-me embora para estudar teatro. A literatura não faz partes das artes está em humanidades. É uma lógica estranha, deve ter sido escrita pelo Kafka. Depois vais para as tais artes e passas anos a estudar história de arte e algumas técnicas de desenho, pintura e escultura e gravura. Mas acabei por estudar teatro, a profissão dos esquizofrénicos. Como queria ser tanta coisa ao mesmo tempo, decidi fazer algo que me pagam para ser uma coisa diferente de cada vez.

Acabou de chegar a Macau. O que gostaria de levar daqui?
Na verdade, gostava de ter três experiências: sentir a cidade na sua memória histórica e no confronto entre passado e presente, sem saudosismos bacocos. Gostava de ver o que restou e como as pessoas vivem; tenho alguma curiosidade de ver a parte dos casinos, uma curiosidade exótica. Quero ver aquelas luzes e sentir-me num filme americano dos anos 90. Depois gostava muito de dar um salto ao continente. Passar a fronteira e ir à China de verdade.

22 Mar 2019

Entrevista | Hirondina Joshua, poetisa

Hirondina Joshua está em Macau a convite do festival literário Rota das Letras e no próximo sábado integra o painel “Pode ainda a Poesia revolucionar uma vida?”. A poetisa moçambicana começou a ler livros de filosofia aos 12 anos, e é na linguagem que considera estar o poder criativo do autor

[dropcap]C[/dropcap]omeçou a ler livros de filosofia aos 12 anos. Como é que isso aconteceu? 
Foi um acidente. O meu pai tem uma biblioteca com muitos livros e muitos eram de filosofia. Tínhamos os nossos livros infantis, eu e os meus irmãos, mas fiquei cansada deles e queria ler uma coisa diferente. Queria saber o que o meu pai lia. Acabei por achar muito interessante.

 O que é que absorvia dessas leituras, na altura?
Fascinava-me o facto daqueles livros me darem uma outra forma de ver as coisas. Coisas que nunca tinha sentido  que não sabia o que eram. Era uma descoberta. Falavam da vida, eu não sabia o que era a vida, não pensava nisso. Era uma coisa estranha para uma criança. As crianças não pensam nestas coisas. As crianças vão fluindo e são contaminadas pelos adultos. As crianças perguntam sobre sensações e vão vivendo isso despreocupadamente. Quem pergunta o que é a vida não está despreocupado.

Como apareceu a escrita? 
A escrita apareceu como uma experimentação. Eu via as pessoas, os autores que lia, e pensava que escreviam o que escreviam porque tiravam isso de algum lugar só deles. Depois pensava que se calhar também tinha um lugar assim e queria saber que lugar era esse em mim. Queria descobrir aquele lugar privado, queria encontrar o meu lugar para tirar os textos.

Encontrou?
Não. Não encontrei e acho interessante que não tenha encontrado. Ainda estou à procura desse lugar.

FOTO: Sofia Margarida Mota

O que é que a inspira para escrever?
As pessoas, o que me rodeia, a vida, a tragédia. Não quero dizer que na vida seja tudo muito mau, mas infelizmente também não é muito bom. Inspiro-me na vida e em particular na criança que acho que ainda sou. Na inocência.

Porquê a opção pela escrita de poesia?
Não sei. É natural. Não sei responder.

Escreveu os “Ângulos da casa”. Como foi o processo para chegar a este livro?
Publiquei o livro quando tinha 29 anos e a maior parte dos textos foram escritos antes disso. “Ângulos da casa” foi uma associação desses textos com sete poemas que dão efectivamente o título ao livro, Nunca tinha tido a intenção de publicar. Só escrevia. Não pensei nos textos como um livro. Foi um processo diferente daquele por que estou a passar no livro que estou a escrever agora. Agora penso no que faço como um livro

E em que é que está a trabalhar actualmente?
É mais uma experiência. É diferente do outro em termos de sensibilidade.

Gosta especialmente de escrever recorrendo a uma linguagem mais surrealista e simbolista. Porquê?
Sim. Gosto muito. Neste meu último trabalho estou a explorar muito mais o simbolismo por exemplo. Acho que todas as coisas já foram ditas, já foram vistas, já foram escritas. Qual é a graça da literatura se já conhecemos todas as histórias? Nos poemas é a mesma coisa. Não há novidade. A única novidade que pode existir na literatura é a linguagem. Acho que o simbolismo e o surrealismo, principalmente estas duas linguagens, trazem a vida à literatura. Se já está tudo escrito o que me levaria a escrever? É por isso que exploro a linguagem. A linguagem é uma coisa tão particular que pode prender qualquer pessoa. Se a linguagem fosse plana a literatura não tinha graça. A criatividade está na linguagem.

Veio de Moçambique para Macau. O que pode levar daqui?
É uma cidade fascinante. As pessoas são diferentes das de Moçambique, mas descobri uma coisa: o Homem é igual em todo o lado. Há pessoas simpáticas e antipáticas, boas e más, com qualidades e defeitos em todo o lado. É verdade que o povo de Moçambique e este são muito diferentes. Mas é interessante descobrir as pessoas. É interessante perceber como as culturas moldam os povos.

Como vê a literatura africana e especialmente a do seu país, Moçambique? 
Prefiro falar de Moçambique e da nova geração. Gosto muito do que os meus colegas estão a fazer incluindo as mulheres. Ficámos muito tempo escondidas e agora há muita mulheres a dinamizar a literatura. Em Moçambique há agora muitos movimentos literários. A cidade não fica parada como antes. Agora temos festivais, eventos e feiras. Os mais novos não estão à espera que os mais velhos avancem com iniciativas. Acho que a minha geração é muito forte e estou feliz por isso.

21 Mar 2019

Entrevista | Gisela Casimiro, poetisa

Natural da Guiné Bissau e a viver em Lisboa, a convidada do festival literário Rota das Letras, Gisela Casimiro vai fazer parte do painel de sábado dedicado ao tema “Pode ainda a Poesia revolucionar uma vida?” O seu livro “Erosão”, lançado em Novembro do ano passado, reúne um conjunto de poemas que falam da desconstrução

[dropcap]C[/dropcap]omo apareceu a poesia na sua vida?
Apareceu na adolescência. Leio desde criança mas ler poesia em particular, só comecei mesmo na adolescência, altura em que a descobri. Passei demasiado tempo sozinha na biblioteca a ler tudo o que podia. Lia sobretudo Sophia de Mello Breyner e Octávio Paz, entre outros. Mas, na altura, lia tudo. O plano era ler tanto quanto possível porque sabia que isso me ajudaria a escrever melhor, mas também porque gosto de contar histórias e também gosto que me contem histórias. Lembro-me de quando li o meu primeiro livro sozinha, era um livro de histórias dos irmãos Grimm. Entretanto, também fui muito influenciada por contos persas. A poesia foi talvez uma maturidade que tenha surgido. A poesia já não pressupõe ficção. Escrevi prosa durante muito anos, altura em que escrevia ficção. Depois deixei de o fazer.

Como é que foi o processo de criação de “Erosão”?
Antes de ser “Erosão”, tinha outros conjuntos de poemas. Erosão neste caso é quase como um livro do meio na cronologia poética. Tenho um primeiro volume do qual tirei algumas coisas que estão no “Erosão” e depois tenho outro que já é pós este livro mas que ainda não está publicado. Portanto ali – no livro – houve uma mistura de duas vozes diferentes, de momentos diferentes. Mas é um livro que tal como o próprio nome indica tece um processo muito longo de construção ou de destruição.

Porquê de destruição?
O “Erosão” fala das coisas que nos destroem enquanto seres humanos, mas também da destruição de preconceitos, de ideias. O desaparecer do sofrimento, o desaparecer da ilusão e o aparecer da minha forma mais real, mais verdadeira. Um filtro digamos assim.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Também escreve prosa. Que diferenças nota entre estes dois géneros?
Não vejo muita diferença porque penso que a minha prosa também tem o seu quê de poético. A diferença que vejo é que quando escrevo poesia é como estar ao espelho e quando escrevo prosa é como estar a uma janela. Tem sempre que ver com pessoas, mas a poesia permite-me ser um pouco mais egocêntrica. Quando se escreve prosa tem que ver com histórias dos outros. Não é que não tenha que ver comigo também, mas é diferente, Sinto que estou a contar mais as histórias dos outros e não propriamente a minha.

Nasceu na Guiné Bissau. O que traz das suas origens para o que escreve? 
Das minhas raízes não sei se já trago alguma coisa para a minha escrita. Não é uma escrita que seja conotada como sendo africana ou europeia. Eu conto histórias, e conto histórias que podem ser entendidas por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Para mim a linguagem também é simples mesmo quando falo de coisas complexas. São coisas complexas, mas são coisas que todos nós partilhamos enquanto pessoas e que não importa de onde viemos. Aquilo que abordo são coisas do quotidiano com que todos nós lidamos. Claro que quando regressar a África, certamente que me tocará profundamente e isso irá reflectir-se naquilo que escrevo. Não estamos num mundo estanque e as pessoas que têm acesso ao que escrevo, identificam-se com elas. Aliás, isso é o que me interessa, chegar a uma coisa mais universal mas sem esquecer a individualidade de cada um. Gosto muito da Chimamanda, uma autora nigeriana que escreve ficção mas em que sabemos que existem ali muitas situações que acontecem na realidade.  O “Americana” foi um livro que me marcou imenso porque senti que era o livro que tinha sido escrito para mim. No entanto é sobre uma nigeriana, e eu nasci na Guiné, e ela é uma nigeriana que emigra e vai para os Estados Unidos e o namorado vai para Inglaterra e eu não tive nenhuma dessas experiências. Quando fui para Portugal, era muito pequenina e foi uma decisão dos meus pais e não minha. Mas isso não me impede de me rever naquele livro. É isso que espero que aconteça quando as pessoas lerem a minha poesia.

Como está a ser a sua estadia em Macau?
Está a ser curiosa. Há alguns meses que escrevo crónicas para aqui e tinha curiosidade em estar neste lugar onde já estava presente sem ser de forma física. Estava curiosa por encontrar as pessoas. Ainda tenho que explorar muito mais e descobrir. Quem vem de Lisboa nota logo quando uma terra é muito plana (risos). Mas notamos logo as primeiras coisas que nos são familiares. Quando vinha no ferry de Hong Kong para cá estava a fazer piadas em que mencionava que estava num cacilheiro, depois vi a ponte e lembrei-me da ponte Vasco da Gama . Isto acontece em mais situações. Acho engraçado fazer primeiro estas comparações e depois começar a descobrir as coisas que são de cada lugar.

21 Mar 2019