Arquitectura | Manuel Graça Dias morreu aos 66 anos

Após luta contra um cancro no pâncreas, o arquitecto Manuel Graça Dias faleceu ontem no Hospital da Cuf, em Lisboa. Macau foi a cidade que o viu nascer para a arquitectura, enquanto colaborador de Manuel Vicente. Parte uma figura incontornável na forma como se pensam as cidades, um homem do seu tempo e um comunicador nato

Com agência Lusa

 

[dropcap]N[/dropcap]o dia em que fazia 66 anos, Manuel Graça Dias faleceu depois de uma luta inglória contra o cancro. O arquitecto que começou a carreira em Macau, ao lado de Manuel Vicente, deixou no território uma marca indelével, não só profissionalmente, mas também como pessoa.

“Era uma figura muito interessante por ser tão profundamente pós-moderno e representar uma contemporaneidade na maneira de perceber e de estar na vida e isso reflectia-se muito na sua arquitectura”, recorda o colega de profissão Rui Leão.

A ideia de um homem que marcou gerações é partilhada pelo também arquitecto Carlos Marreiros. “O Manuel Graça Dias era um arquitecto muito completo. A par do gosto pelo projecto, desenho e obra, ele teorizava muito, levantava questões, experimentava e dava uma dimensão muito criativa”, comenta.

Manuel Graça Dias nasceu em Lisboa, e licenciou-se em arquitectura em 1977 pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, iniciando-se, profissionalmente, no ano seguinte, como colaborador do arquitecto Manuel Vicente, em Macau.

Foi assistente da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (1985-1996) e professor auxiliar da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1997-2015), onde se doutorou com a tese “Depois da cidade viária” (2009). Era actualmente professor associado da mesma faculdade e professor catedrático convidado do Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa, desde 1998, que também dirigiu, entre 2000 e 2004.

Grande comunicador

Criou, em 1990, em Lisboa, onde vivia e trabalhava, o ateliê Contemporânea, com Egas José Vieira. Manuel Graça Dias e Egas José Vieira propuseram uma abordagem aberta ao edifício do Teatro Luís de Camões, inaugurado em 1880 e que a Câmara de Lisboa reabriu, renovado, no dia 1 de Junho do ano passado, com a designação de LU.CA, especialmente direccionado para a programação infanto-juvenil.

A casa que recuperou em 1979, no bairro lisboeta da Graça, com António Marques Miguel, recebeu a Menção Honrosa Valmor/1983.

Obteve, ainda, o 1.º lugar no concurso para o Pavilhão de Portugal na Expo’92 em Sevilha, no sul de Espanha, bem como o 1.º lugar no concurso para a construção da nova sede da Ordem dos Arquitectos, nos antigos Banhos de S. Paulo, ambos com Egas José Vieira.

Foi também autor de artigos de crítica e divulgação de arquitectura em jornais e revistas da especialidade e, segundo a Universidade do Porto, era “solicitado para um vasto número de conferências, quer em Portugal quer no estrangeiro”. Graça Dias foi ainda autor do programa quinzenal “Ver Artes/Arquitectura” na RTP2 entre 1992 e 1996 e colaborador da rádio TSF e do semanário Expresso na área da crítica de arquitectura (2001/2006).

Esta valência de comunicador é destacada por Carlos Marreiros, que entende que o legado de Manuel Graça Dias ultrapassa o lado profissional. “Além da formação de muitos arquitectos portugueses enquanto professor universitário, tinha uma dimensão de educador. Escrevia para o grande público e partilhava ideias com uma audiência mais vasta”, elucida.

Obra por cá

Enquanto colaborador de Manuel Vicente, Manuel Graça Dias participou em projectos residenciais locais marcantes como as Torres da Barra e o Edifício 1980. Além de projectos arquitectónicos, assinou com Helena Rezende e Manuel Vicente o livro “Macau Glória – A Glória do Vulgar / The Glory of Trivia”, editado pelo Instituto Cultural em 1991. “É um grande contributo a nível de documentação e do desenho, é um trabalho muito importante que ele deixa para Macau”, comenta Rui Leão.

Na sua bibliografia consta ainda “Vida Moderna” (1992), “Ao volante pela cidade: 10 entrevistas de arquitectura” (1999), “O homem que gostava de cidades” (2001), “Arte, arquitectura e Cidade: A propósito de ‘Lisboa Monumental’ de Fialho de Almeida” (2011), e “Aldeia da Estrela: Sociologia e arquitectura ao serviço de uma população”, com Rodrigo Rosa e Egas José Vieira, (2015), entre outros.

Manuel Graça Dias foi também director do Jornal Arquitectos entre 2009 e 2012, assumiu a direcção da Ordem dos Arquitectos de 2000 a 2004 e, entre outras funções, foi comissário da representação portuguesa à VIII Bienal de Arquitectura de São Paulo (2009); com Ana Vaz Milheiro, da exposição “Sul África/Brasil”, para a Trienal de Lisboa/2010, tendo sido ainda Presidente da Secção Portuguesa da Association Internacional des Critiques d’Art, SP/AICA (2008-2012).

Enquanto pessoa, tinha “grande presença de espírito, um sentido de humor incrível que conseguia criar alegria no colectivo, era muito provocador e comunicativo”, revela Rui Leão acrescentando que Graça Dias era uma figura dotada de um entusiasmo contagiante.

Manuel Graça Dias tem trabalhos construídos em Almada, Braga, Chaves, Guimarães, Lisboa, Porto, Vila Real, Madrid, Sevilha e Frankfurt, e foi co-autor do “Estudo de Reconversão Urbana do Estaleiro da Lisnave”, em Cacilhas, no concelho de Almada.

O Teatro Municipal de Almada (Teatro Azul, 1998-2005), que projectou com Egas José Vieira e Gonçalo Afonso Dias, foi nomeado para o Prémio Secil/2007, para o Prémio Mies van der Rohe/2007 e para o Prémio Aga Khan, 2008/2010. Manuel Graça Dias e Egas José Vieira ganharam o Prémio AICA/Ministério da Cultura de Arquitectura, de 1999, pelo conjunto da sua obra construída.

Em 2006, foi agraciado, pelo então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, com a Ordem do Infante D. Henrique (grau comendador).

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