Unitygate | Portugal, Macau e Taiwan unidos numa dança sem barreiras

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]segunda criação sino-lusa da Amalgama e da Unitygate tem data marcada para os próximos dias 25 e 26 Março pelas 20h00, no pequeno auditório do Centro Cultural de Macau. “Reflections” é um trabalho conjunto da “reconhecida” coreógrafa portuguesa Alexandra Battaglia e da directora artística local Stella Ho, que irão liderar os bailarinos de Portugal e Macau num caminho de cultura e lembrança. “Ambas têm mostrado um empenho especial no que abrange as trocas culturais entre Portugal e Macau sendo que, através deste projecto, pretendem representar as mesmas no seu trajecto já longo e assíduo, se bem que também muito diverso”, indica a organização.
Na mira de uma terceira perspectiva foi ainda convidada a jovem coreógrafa de Taiwan Peng Hsiao-yin com a sua companhia Dancecology, cuja participação se insere numa terceira visão da situação actual de Macau, dando ênfase às fronteiras da dança numa mescla de três espaços físicos.
Segundo a organização, o espectáculo terá o intuito de “depurar a beleza e a tristeza do destino através da linguagem física numa reinterpretação das emoções e da memória e no ‘abraço’ que se estabelece entre os lugares que as preconizam”.
Mais ainda, diz a organização, “é também a representação da purificação espiritual através da dança num reconhecimento interno de nós através do reflexo nos outros, inter-relacionados ou não. Esta viagem usa simbolicamente o movimento e o som para convidar todos a entrar pelo mar adentro, mar portador de memórias, o mar que une e separa.”
Os bilhetes para o espectáculo já se encontram à venda e custam 120 patacas.

22 Mar 2016

Angelo R. Lacuesta, escritor: “A história dos filipinos está cheia de drama”

O escritor que começou por ser poeta revela uma predisposição para o conto e diz-se incapaz de escrever sobre o amor quando diariamente as pessoas do seu país enfrentam dificuldades económicas. Angelo R. Lacuesta esteve em Macau a convite do Festival literário Rota das Letras, naquela que foi a primeira vez que se falou da literatura filipina. Lacuesta diz estar muito ligado à política do seu país, esperando mudanças na luta contra a pobreza e corrupção

[dropcap]E[/dropcap]sta é a primeira vez que este Festival Literário aborda a literatura filipina. Como se sente a participar neste evento?
Sinto-me muito sortudo por estar aqui, por ser o primeiro escritor a representar a literatura filipina. Vim com a minha mulher, que é poetisa (Mookie Katigbak-Lacuesta). É um festival impressionante, sempre ouvi falar de Macau como uma cidade de turismo, mas nunca pensei que pudesse ser uma cidade de encontro de literatura. Nas Filipinas também somos oriundos de várias culturas, americana e espanhola, e então existem algumas semelhanças com Macau. Aqui não existe apenas a cultura portuguesa mas há uma ligação com outras culturas asiáticas e é isso que considero ser especial e único.

Disse uma vez numa entrevista: “Sempre tive uma preferência por contos”. Que histórias pode transmitir num conto que não o pode fazer num romance?
Adoro contos. Na verdade comecei como poeta, mas penso que os contos conseguem transmitir melhor as nossas histórias. Penso que é a melhor forma de contar a nossa própria história. O conto, comparando com o romance, é mais relevante, pode ler-se em menos de uma hora, carrega momentos enigmáticos e mistério. Um romance pode fazer muitas outras coisas, mas há algo de especial no conto.

Como foi passar da poesia para o conto? Isto porque são géneros diferentes, mas podem ser semelhantes ao mesmo tempo.
Sim. O que mais gosto no conto é que pode conter uma ideia poética, uma imagem. Contudo, a transição da escrita de poemas para os contos é muito difícil. Há muita dor envolvida. Sempre que tentei escrever um poema, acabei por escrever um conto, porque um poema não pode conter o drama de uma situação específica naquele momento. A história dos filipinos, por exemplo. Está cheia de drama, de realidade. É algo que a poesia não consegue expressar.

Falando dos problemas económicos e sociais do seu país. É importante expressá-los na escrita?
Absolutamente. É sempre dever de um artista reflectir sobre a sociedade onde está inserido e penso que posso falar sobre os problemas que a nossa sociedade enfrenta actualmente. Muitas pessoas não podem falar por elas próprias, não têm capacidade de escrever por elas próprias. Temos uma enorme diferença entre ricos e pobres e os pobres não conseguem expressar-se. Então conseguimos compreendê-los melhor quando escrevemos sobre eles. E expomos as falhas da nossa sociedade. Não posso escrever sobre amor quando estas histórias dramáticas estão a acontecer à frente dos meus olhos. Torna-se quase uma missão escrever sobre isso.

Essa diferença entre ricos e pobres faz com que muitos filipinos não tenham acesso à educação. Como é a relação da sociedade com a literatura?
Um último sucesso da literatura a nível nacional deve ser algo que toda a gente consiga ler e compreender. Para mim o mais efectivo na literatura é o sentimento. Quando escrevo, faço-o em Inglês, mas quando escrevo um guião para um filme, faço-o em Tagalog, para que todos o possam compreender e ver. E essa é a missão da literatura, para que todos percebam e criem as suas próprias batalhas contra as injustiças e desigualdade social. Se fizermos uma história para os pobres, para os filipinos que trabalham muito e não têm tempo para ler livros, nem dinheiro para os comprar… não vou dizer que escrevo por eles, mas escrevo para eles e é uma honra ser lido por eles.

Como descreve o mercado literário nas Filipinas? Necessita de ser desenvolvido, de ter mais escritores?
Absolutamente. A literatura está sempre em constrangimento consigo própria e com a sociedade desde sempre, especialmente num país como as Filipinas e numa sociedade como a nossa. Há um constrangimento para as pessoas que querem apenas escrever. Eu tenho um trabalho, tenho uma agência de publicidade, não consigo ser apenas escritor. Tenho de o fazer, apesar de me dar liberdade para escrever. É um paradoxo, porque se me tornar apenas escritor, fico pobre e perco essa liberdade. Vivemos num mundo digital, se pusermos fotografias no Facebook, as pessoas pensam que ganho dinheiro só por ir a festivais literários e não apreciam tanto a nossa escrita. Mas os meios digitais, e os filmes, são muito importantes, tal como a música. São canais para a literatura.

As Filipinas são um dos países mais perigosos para os jornalistas. A censura é ainda algo visível?
Tenho o maior respeito pelos jornalistas, que têm tido um trabalho mais difícil. Há muitos jornalistas assassinados nas Filipinas, mas isso é devido à política local. Não é uma questão de censura, quase não temos censura no nosso país.

Está tudo relacionado com o crime ?
É o crime, se alguém disser algo errado quase que existe a liberdade para matar essa pessoa. Esse é um grande problema porque o resto da sociedade parece não se preocupar, não são jornalistas, e há esse constrangimento na nossa sociedade para deitar a verdade cá para fora e ir contra a corrupção, conspirações, os políticos locais. Mas a luta deve continuar e, por cada morte, pode ser que a sociedade comece a despertar para esse problema.

As próximas eleições presidenciais poderão mudar algo?
Sim e não. Começo por dizer que estou muito ligado à política. Não irá mudar nada, porque, em primeiro lugar, o que precisamos de alterar é a estrutura da sociedade, a diferença entre ricos e pobres, a nossa ideia de capitalismo.

E talvez a ideia que as pessoas ainda têm em relação à corrupção.
Sim. Para mim a ditadura é uma forma de corrupção, mas com o capitalismo é muito fácil ser-se corrupto. O nosso sistema político está preso à ideia de que é preciso ser-se rico para se ser presidente do país. Tivemos uma ditadura durante 30 anos, que abafou os media, torturou jornalistas e pessoas comuns. Hoje podemos dizer o que queremos no Facebook e fazemos queixas e temos a certeza de que os militares não vão bater à nossa porta. Não, o sistema político não vai mudar e ainda há o problema dos muitos ricos que estão a ganhar mais dinheiro e dos pobres que estão cada vez mais pobres. Mas penso que graças às redes sociais, à literatura e ao cinema, as pessoas estão a ficar mais conscientes dessa diferença social e de como podem mudar as coisas. A questão é os filipinos que estão a viver fora do país, como aqui e em Hong Kong: eles são uma das chaves para a mudança. Penso que as coisas vão melhorar. Também sou muito paciente. Levou aos países europeus 300 anos para terem uma democracia absoluta, então nós podemos esperar mais cem anos.

Falando das comunidades filipinas em Macau e Hong Kong, há muitos casos de violação de direitos humanos. O Governo filipino deveria fazer algo em relação a estes casos?
Sim. Acredito que o sucesso para a nossa sociedade e economia seria o facto de toda a gente poder ter um emprego e não ter que sofrer. Não é uma questão de sofrerem com os seus patrões, para ser honesto, conheço muitas pessoas que trabalham no estrangeiro e que são muito bem tratadas. E todos sabemos que se regressarem ao seu país vão fazer menos dinheiro e essa é outra forma de abuso. É responsabilidade do Governo filipino garantir que todos os trabalhadores no exterior vivem e trabalham em boas condições. O facto das pessoas terem de sair para trabalhar é um sinal de fraqueza da nossa sociedade, mas isso também acontece a uma escala global.

Disse-me que não escreve sobre o amor, que escreve sobre questões do seu país. Qual o conto da sua autoria que melhor descreve as Filipinas?
As minhas histórias mais afectivas são sobre os filipinos que estão no estrangeiro. E não são apenas sobre empregadas domésticas, são também sobre os filipinos que vivem na América, por exemplo. Temos uma relação muito difícil com a América, um país que nos ocupou, e o mundo sabe disso. Tenho uma história sobre um filipino que vai para a América, participar numa conferência, e procura uma pintura que quer muito ver, de Edward Hopper. Uma pintura muito americana, sobre a solidão. Então todas as noites esse filipino pensa em ir ver a pintura, até que um dia apanha um autocarro. Mas não percebe que a pintura não é o que ele quer ver. Isso diz muito sobre nós: sabemos onde queremos ir mas nunca sabemos o que queremos fazer.

Os filipinos têm uma relação muito forte com a religião. Porquê?
Cresci num ambiente católico, mas não me considero um católico praticante. Mas é algo raro. Enquanto escritores de repente tornamo-nos humanistas, mais existencialistas. Os filipinos esperam sempre que algo aconteça, depois da ditadura de [Ferdinando] Marcos e, neste momento, quando atravessamos uma difícil situação social. A riqueza nas Filipinas está numa fase de progresso, mas para muitos continua a ser difícil apanhar um autocarro para o trabalho, leva duas horas. Então é fácil ligarmo-nos a Deus. Mas o facto de sermos religiosos faz com que muitas vezes não saibamos quebrar com os problemas da nossa sociedade. Se sofrermos, estamos a fazer bem, vamos para o céu. Eu prefiro dizer: “não vou sofrer mais, prefiro viver no céu aqui”. Se as pessoas são religiosas, não há problema, mas deviam começar a compreender-se melhor.

22 Mar 2016

Armazém do Boi | Festival Internacional de Artes Performativas de regresso

Vai ter lugar nos próximos dias 26 e 27 de Março mais uma edição do Festival Internacional de Artes Performativas de Macau, no Armazém do Boi, com a apresentação de obras vindas da Suíça

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Armazém do Boi organiza mais uma edição do Festival Internacional de Artes Performativas de Macau (MIPAF), sendo também, mais uma vez, o palco de um conjunto de espectáculos que, este ano, contam com a apresentação do trabalho de uma série de artistas contemporâneos suíços. Estes trazem o Espectro dos Sentidos – “Spectrum of SENSES – Swiss Window in Asia Performance Showcase”, numa colaboração com o Swiss Arts Council e curadoria de Stéphane Noël.
Segundo o site da organização, estas encenações representam o cruzamento entre as artes visuais e performativas, em que seis grupos e artistas interpretam trabalhos situados entre a poesia e a política, o movimento e a estaticidade, percorrendo territórios que, apesar de conhecidos, são ainda espaços inexplorados.
Segundo Ann Hoi, co-curadora local deste projecto que falou ao jornal Ponto Final, será objectivo deste espaço “cultivar e reforçar o local como uma plataforma legítima para o intercâmbio de artistas internacionais das artes performativas”. Hoi considera ainda que o Armazém do Boi é o espaço indicado para a apresentação de trabalhos experimentais em coerência com o próprio espaço, uma vez que “é uma forma de arte que se apresenta como o mecanismo perfeito, para catalisar a tensão em torno da independência artística”.
As hostes este ano têm entrada livre e abrem sábado, 26 de Março, às 16h00 com a apresentação de “Vernissage” pela 2B Company. Às 15h00 é a vez de Alexandra Bachzetsis apresentar “Gold” e às 18h00 “Bain brisé” é interpretado por Yann Marussich.
Domingo contará com “The Triumph of Fame” por Marie-Caroline Hominal, com apresentações de 15 minutos entre as 12h00 e as 15h30. Às 17h00 é a vez de “THIS IS A GALA”, performance levada a cabo por Martin Schick, sendo que às 18h00 sobe ao palco “Más Distinguidas” com La Ribot. A edição termina com “Duchesses” por Marie-Caroline Hominal & François Chaignaud às 19h30.
O MIPAF apresenta-se como um dos maiores eventos anuais acolhidos pelo Armazém do Boi, trazendo a Macau artistas de reconhecimento internacional de modo a promover trocas criativas. Esta edição conta ainda com o apoio do Instituto Cultural e da Fundação Macau.

22 Mar 2016

“Macau na construção de uma herança” é tema de palestra no Instituto Ricci

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]erá lugar no próximo dia 29 de Março, às 18h30, a palestra “A construção de uma herança: cultura, agência local e a cidade” no instituto Ricci de Macau. Presidida por  Stephan Rothlin S.J., director do instituto, e proferida por Sheyla Schuvartz Zandonai, investigadora do Departamento de Sociologia da Universidade de Macau e investigadora associada no Laboratoire Architecture Anthropologie (LAA), École Nationale Supérieure d’Architecture de Paris La Villette (França) desde 2014.
A oradora é ainda conhecida pelos seus trabalhos na área do estudo das relações entre a transformação urbana e as políticas económicas do jogo e do turismo, bem com da emergência de práticas e discursos do lugar, herança e pertença em Macau.
Esta apresentação tem subjacente a economia de Macau, que terá passado de um estado “arrastado” para um crescimento galopante com a entrada do século 21 e da liberalização do jogo. As forças de mercado aliadas à indústria  do jogo vão não só aumentar o rendimento e o emprego, como também promover a ascensão do custo de vida e do turismo de massas, num movimento de transformação tanto espacial como da moldura e dinâmica social, indica a organização.
“Nesta transformação a posição dos moradores de Macau terá passado do entusiasmo inicial para o cepticismo e inquietação, ao mesmo tempo a que se assiste ao seu envolvimento em movimentos de descontentamento e contestação, ou mesmo de oposição ao poder dominante do jogo sobre a economia e sociedade de Macau”, pode ler-se.
A palestra incide em como a herança e o património se tornaram um ponto importante enquanto agentes populares rumo à criação de uma outra imagem e experiência de Macau, mais distante do jogo e mais próxima da percepção e entendimento das pessoas acerca da sua cidade. Sob uma perspectiva etnográfica, esta palestra descreve e analisa algumas destas reacções promotoras de uma nova visão e uma nova construção de património por parte dos moradores da RAEM.
A palestra será realizada em Inglês e tem entrada livre, sendo que está condicionada à reserva prévia de lugares.

22 Mar 2016

Rota das Letras anuncia vencedores de Concurso de Contos

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]omens sombrios, diospiros que ainda são verdes e o dia em que Macau mudou de soberania estão no pódio da quarta edição do Concurso de Contos do Rota das Letras. Os vencedores deste ano são Zhong Younghua, de Macau, Darío Bravo, do Brasil e a australiana Jane Camens, nas categorias de Chinês, Português e Inglês. Os vencedores receberam um prémio monetário no valor de dez mil patacas cada e têm os seus trabalhos traduzidos e publicados no livro de contos “Quarto Crescente”, onde constam também textos de autores presentes na edição de 2015 e que foi lançado este fim-de-semana.

Brilho no café

Zhong Younghua conta a história de Mr. Blackrose, homem taciturno de origem chinesa frequentador assíduo de um café em Macau, que transporta consigo uma rosa negra e vários segredos sombrios. A escolha desta história pela aclamada autora chinesa Wang Anyi, é explicada pela mesma: “Escolhi Mr. Blackrose de entre os quatro finalistas por a narrativa possuir um certo nível de talento e estilo, uma história completa, uma estrutura lógica e uma prosa fluida. O espaço ficcional do café cria o ambiente perfeito para o desenrolar da história, sugerindo a transformação romântica de um destino intolerável. Assim, uma existência limitada é finalmente capaz de se abrir, brilhando, ao perseguir valores clássicos”.

Wang Anyi referiu ainda que “a vida em Macau raramente surge representada na literatura, pelo que o valor destes textos reside no facto de abrirem esse caminho”.

Retrato de mestre

Na categoria de Língua Portuguesa, o prémio foi atribuído ao brasileiro Darío Bravo. O conto “Diospiro Verde” relata a história de um homem que lida com o passado e a perda de alguém que amou. O escritor e académico Carlos André considera que este trabalho “surpreende pela riqueza do retrato humano, pelo primor do desenho, pela mestria da palavra, pela força da imaginação” e por tudo isso estar contido num texto curto. “O conto é assim mesmo: breve. E, quando nele cabe tanto, como é o caso de ‘Diospiro Verde’, ser breve é ser tudo”.

Um dia e duas noites

A australiana Jane Camens, que é simultaneamente uma das convidadas da edição deste ano, venceu na categoria de língua inglesa com o conto “Depois da Meia-Noite”, uma história que se desenrola no dia da transferência de soberania de Macau para a China, em Dezembro de 1999.

Yan Ge, membro do júri e autora chinesa, refere que “guiado pela história, o leitor testemunha um dia e duas noites nas vidas de pessoas da época: os correspondentes internacionais, os portugueses, os chineses e os macaenses. A narrativa é perspicaz e genuína, lírica e pungente. Mostra uma imagem abrangente desta grande despedida, bem como uma jornada pessoal de amor e perda. A complexidade e ambiguidade da humanidade nunca devem ser esquecidas, especialmente num momento de transição.”

Esta quarta edição do concurso de contos foi a mais concorrida de sempre, tendo a organização recebido mais de cem trabalhos. O regulamento e prazos para o 5º Concurso de Contos será brevemente anunciado pela organização.

21 Mar 2016

Património de Macau por outras lentes

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]ai ter lugar na próxima quarta-feira, pelas 18h30, no edifício do Antigo Tribunal a inauguração da exposição “O Lugar onde o Património Mundial Brilha – Exposição Fotográfica do Centro Histórico de Macau”, do fotógrafo local Chan Hin Io. Na mostra estarão patentes imagens que pretendem revelar a beleza e a vitalidade do património cultural de Macau, bem como o charme desta pequena cidade”, sob diferentes perspectivas, numa co-organização do Instituto Cultural (IC) e da Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau.
As obras desta exposição incluem fotografias tiradas a elevada altitude e a longa distância, de diferentes ângulos e a diferentes horas do dia, de modo a que o público possa experimentar as diferentes perspectivas de Chan Hin Io sobre o Centro Histórico, bem como a ter a percepção do trajecto do autor.
De acordo com a organização, Chan Hin Io é já uma referência no panorama nacional e um reconhecido fotógrafo em Macau que, nos últimos anos, se tem dedicado à captura dos costumes da terra e das suas paisagens urbanas, o que lhe tem valido várias premiações no mundo da fotografia. Entre as suas obras destaca-se “Bairros de Macau: Fotografia Documental, Memórias dos Ofícios, Negócios Tradicionais de Macau” e “Vida em Macau 2012” .
Acompanha ainda o evento, o lançamento do livro de nome homónimo, numa edição autografada pelo autor. A exposição estará patente de 24 de Março a 16 de Abril, no horário compreendido entre as 10h00 e as 20h00 e tem entrada livre.

21 Mar 2016

Vhils, artista urbano: “O graffiti é um cancro visual”

É um dos mais internacionais artistas urbanos de Portugal e, desde há uns meses para cá, tem andado ocupado na produção de uma exposição encomendada pela Fundação de Arte Contemporânea de Hong Kong. Alexandre Farto – ou Vhils – é conhecido, entre outras coisas, por criar imagens com explosivos. A sua grande intenção é questionar o status quo. Vai intervir em Kowloon e Hong Kong, onde apresenta agora a exposição “Debris”

Em meados dos anos 90 entrevistei uma das primeiras crews portuguesas de graffiti que me dizia que a melhor forma de pintar sem ter problemas com a polícia era fazê-lo de dia. Que mudou entretanto?
De certa forma ainda se pode pintar durante o dia, e há quem o faça, tudo depende do local e da ousadia de quem o faz. No entanto, é certo que a forma como o graffiti é visto, seja em Portugal ou noutros cantos do mundo, mudou muito desde então. Enquanto na altura era ainda uma prática meio desconhecida, que tinha tido pouco impacto junto da sociedade, a popularização do fenómeno e a saturação visual do espaço público que daí resultou veio aumentar a hostilidade com que é hoje encarado. Por um lado, é natural que assim o seja, pois é uma prática polémica e transgressora por natureza que joga com a reapropriação do espaço visual da cidade sem olhar a terceiros. Por outro, está na origem de uma nova vaga de criação artística que tem transformado o mundo.

Em que medida sente que o seu trabalho é uma acção de intervenção?

A reflexão que tenho desenvolvido com o meu trabalho visa questionar sobretudo os pontos negativos presentes no modelo de desenvolvimento vigente, o modo como as transformações das últimas décadas têm afectado a identidade, quer das pessoas e comunidades, quer dos espaços que estas habitam. Este novo paradigma global tem trazido benefícios – temos estreitado o contacto e a interacção entre os povos do mundo. Mas, ao mesmo tempo, tem imposto uma crescente uniformização que tem erodido aquilo que nos distinguia e nos tornava únicos. Tem sido igualmente responsável por uma profunda descaracterização dos espaços que habitamos, das nossas cidades. Esta homogeneização tem afectado culturas diferentes de forma semelhante, afectando a identidade de todas. Interessa-me explorar esta fricção, este choque entre o global e o local, ao mesmo tempo que me interessa contactar com culturas de várias latitudes de modo a entender o processo e ajudar a divulgar algumas das suas consequências para com estas pessoas e comunidades.

Agora é conhecido como um dos grandes artistas desta área. Mas teve alguma fase em que pintava às escondidas? Se sim, quer contar algum episódio ou descrever essa fase?
Sim, pintei graffiti ilegal às escondidas durante anos. Vivia obcecado com a pintura de comboios, faltava à escola, saía de casa à noite às escondidas, deixava de almoçar para guardar dinheiro para comprar tinta. Passava literalmente horas a estudar os movimentos de entrada e saída de comboios nos locais onde eram guardados. Apontava tudo num caderno, era um trabalho sério e rigoroso que me permitia controlar o tráfego, os pontos de fuga, os locais onde se podia pintar sem problemas evitando os seguranças, pessoal ferroviário ou a polícia. Quando comecei a transitar para um tipo de trabalho mais figurativo com base no stencil e fui deixando o graffiti mais vandalístico de parte, continuei a pintar na rua às escondidas, mas era uma coisa muito mais suave. Mesmo quando já expunha em galerias e era convidado para eventos institucionais, continuava a pintar às escondidas. Mas hoje em dia tenho outra vida e poucas oportunidades para o fazer.

Que é que a sua arte traz de novo ao mundo?
Não sei se traz algo de novo ao mundo, mas gosto de pensar que poderá contribuir de uma forma ou outra para uma reflexão sobre alguns aspectos inerentes às sociedades urbanas contemporâneas e ao modelo de desenvolvimento globalizante que lhes dá forma. De uma forma geral, o trabalho procura reflectir sobre questões de identidade, sobre o modo como indivíduos e comunidades são hoje afectados pelas forças e estímulos presentes num meio que, à escala global, impõe padrões e condutas cada vez mais uniformes. Gosto de levantar questões, de chamar a atenção para determinados assuntos que considero importantes, mas não tenho a pretensão de oferecer respostas e soluções.

Se não fosse artista era o quê?

Não sei.

Veio para Hong Kong recentemente. Porquê essa decisão?

A decisão veio na sequência de um convite para trabalhar com a Fundação de Arte Contemporânea de Hong Kong (HOCA), numa exposição individual que irá abrir no próximo dia 21 de Março (no Cais 4). Há algum tempo que tinha uma inclinação para assentar aqui durante alguns meses e desenvolver trabalho e esta exposição veio justificar esta deslocação.

Hong Kong não é uma cidade pródiga em manifestações de intervenção urbana ao nível pictórico. Praticamente nem são vistos tags. Como tem sido a sua relação com a cidade, com os artistas, com as autoridades?
Tem sido muito boa com todos, mas o trabalho que tenho desenvolvido tem sido com base na sua maioria por comissões em contextos institucionais. Apesar de ter pouca presença de arte no espaço público, é uma cidade muito interessante em vários outros aspectos. Tem marcado muito a minha percepção do espaço urbano e o meu trabalho.

Porquê a escolha da RAEHK e não de Macau?
Pelo motivo que apontei acima. Tudo partiu do convite da HOCA para expor individualmente em Hong Kong. Teria todo o gosto em fazer o mesmo em Macau.

Tem planos para fazer algum tipo de intervenção por cá?
Planos e vontade tenho, tenho andado a sondar várias hipóteses mas ainda não se concretizaram. Gostava muito de o conseguir, vamos ver.

Quais são os seus projectos actuais e futuros? Tem algum grande objectivo por concretizar?
Objectivos tenho imensos. Alguns tenho conseguido concretizar, mas uma vez resolvidos dão lugar a outros por resolver. É isso que me faz andar em frente e querer fazer mais e melhor. Neste momento estou muito ocupado com a produção para esta exposição que abre dia 21 no Cais 4 em Hong Kong Central. Tem por título “Debris” e é a maior e talvez mais ambiciosa que já realizei. Apesar de ter vários outros projectos em diferentes fases de desenvolvimento, de momento toda a energia e recursos estão concentrados neste.

Como surgiu a ideia de utilizar explosivos na sua arte? E, já agora, quantas paredes foram abaixo até descobrir a carga certa?
Em termos materiais, o uso de explosivos pode ser visto como uma progressão natural da técnica de esculpir paredes e outras superfícies. Em 2010 andava à procura de um processo que fosse ainda mais destrutivo que me permitisse desenvolver uma reflexão sobre o modo como a crise económica que eclodiu em 2008 conseguiu fazer implodir aquilo que tínhamos como seguro nas sociedades prósperas (e sobretudo na Europa), dos valores éticos e sociais às instituições que nos regulam, trazendo à superfície todos os antagonismos e conflitos que pensávamos estarem enterrados há décadas. O conceito surgiu-me como resposta intuitiva a esta ideia de implosão, expressando o facto de que em alturas de crise económica e social basta uma pequena fagulha para trazer à superfície todas as camadas que pensávamos estarem soterradas sob o verniz da civilização. O processo de desenvolvimento da técnica foi interessante, mas muito exigente. Tinha uma ideia que queria pôr em prática, mas nem sabia se seria possível. Pedi ajuda a uma equipa de especialistas em pirotecnia, que também não tinha ideia se iria resultar porque ninguém tinha pensado em usar cargas explosivas desta forma. Para desenvolver o primeiro projecto em 2010 levámos cerca de oito meses para afinar o processo e chegar às cargas certas. No final conseguimos, mas foi o resultado de muitas tentativas e muitos erros. Não deitámos nenhuma parede abaixo, mas danificamos algumas…

Como descreve a estética do vandalismo? Como é que o vandalismo pode ser estético se não for fruto de uma propositada manipulação artística? Ou será apenas uma forma bombástica de descrever um processo, uma expressão de marketing?
Sim, tem tudo a ver com manipulação intencional, mas não é uma expressão de marketing vazio. O conceito de vandalismo estético devo-o ao graffiti. Vem da ideia de que o graffiti é essencialmente uma prática destrutiva, vandalística, sem qualidades ou intenções estéticas. Eu gosto de subverter esta ideia ao trazer para um meio mais institucional muitas das técnicas e processos destrutivos que são empregues no graffiti para marcar e desfigurar superfícies no meio urbano. Uso-os para criar com uma intenção fundamentalmente estética e artística. Ao recorrer a este conceito e prática de criação através da destruição procuro subverter quer o conceito de vandalismo, quer o conceito daquilo que é artisticamente válido. O processo é muito importante no meu trabalho, mais até do que o resultado final, é aí que se concentram as ideias e os conceitos que exploro. Podemos talvez ver este uso de processos destrutivos como uma espécie de manifesto de princípios.

Bansky. Que ideia tem dele como artista? Será que é mesmo apenas uma pessoa?

A sua obra, atitude e os conceitos que explora tiveram um grande impacto em mim quando comecei a explorar a técnica do stencil, por volta de 2003/2004. É um artista inteligente e criativo, que tanto sabe explorar o espaço público como manipular a opinião pública e os media e se tem mantido fiel aos seus princípios. Continuo a admirá-lo pelo que fez e ainda faz. Já trabalhei em alguns projectos com ele, alguns dos quais tiveram um impacto enorme. O contacto é sempre feito através da equipa que trabalha com ele. Há de facto uma pessoa por trás do trabalho, mas este é desenvolvido em equipa, uma vez que ele não dá a cara.

Em que medida é que o secretismo de Bansky e do das velhas crews de graffiti faz sentido nos dias de hoje?
Continua a fazer todo o sentido se as intervenções que se fazem são ilegais. Nesse sentido é natural que se queira preservar o anonimato.

Tags. Que ideia tem sobre eles?
O graffiti é essencialmente um cancro visual gerado por aquilo que o meio urbano oferece, tanto em termos materiais como imateriais. Pode ser visto como algo belo ou hediondo, mas é um fenómeno gerado pelo meio onde existe. Neste sentido pode ser visto como reflexo, ou até uma síntese, daquilo que existe de melhor e de pior nas sociedades urbanas contemporâneas. Analisado de forma neutra, um tag bem executado pode ser visto como um belo e interessante exercício de expressão caligráfica, mas para a maioria das pessoas é algo nefasto que exprime uma ideia de descontrolo. Para mim, quando bem executado, pode valer mais do que um graffiti elaborado, mas é uma apreciação individual. Também entendo o constrangimento que provocam.

Os três melhores murais/pinturas urbanas para si e porquê?

É cada vez mais difícil fazer uma escolha destas, pois hoje em dia há muitos artistas a produzir trabalhos excelentes em todos os cantos do mundo. Não querendo ser demasiado parcial prefiro realçar o excelente trabalho que vários artistas têm feito em Lisboa com o programa de arte pública da Galeria Underdogs.

Um artista urbano que mereça destaque e porquê?
O português AkaCorleone (Pedro Campiche), porque nos últimos anos tem vindo a demonstrar um amadurecimento notável no desenvolvimento do seu trabalho, tanto em peças de galeria como peças murais que pinta no espaço público. Tem desenvolvido uma linguagem visual própria, coerente e facilmente identificável, e tem ganho presença no estrangeiro. É um nome a seguir. No mesmo lote, e pelos mesmos motivos, podia ainda destacar o português Miguel Januário (±MaisMenos±).

Música. Que relação tem com a sua arte e com a sua vida?
Com a arte em si a ligação não é directa, mas quando trabalho estou sempre a ouvir música, é uma companhia constante e importante. Além disso é a melhor forma de bloquear o ruído do martelo perfurador.

Será que a cultura de pintura urbana passou de contra-cultura a uma coisa comportada, quiçá posh e mainstream? Se assim é que espaço fica para a contra-cultura?
É uma questão interessante, mas difícil de responder porque o desenvolvimento do fenómeno tem sido multiforme. A sua crescente popularização e aceitação têm feito com que parte tenha sido absorvida pela cultura dominante, mas há ainda uma outra parte que se mantém selvagem e indomada. O que vemos na galeria, no museu ou a ser aproveitado pelo mercado e pelas marcas é arte produzida por artistas ligados a esse meio das intervenções ilegais no espaço público, mas já deixou de ser arte selvagem de rua. Esta continua a viver na rua e para a rua e tudo indica que continua de boa saúde. Se há pureza tem de ser encontrada aí, naquilo que é feito de forma gratuita e é efémero por natureza.

18 Mar 2016

Holi Festival vai transformar a areia de Hac Sá num arco-íris

No próximo dia 20 de Março, das 14h00h às 17h00 a praia da Hac Sá vai transformar-se num misto de cor, devido a mais uma comemoração do Holi Festival. Apesar da sua origem indiana, dadas as características históricas, culturais, sociais e performativas que o integram, o Holi tem vindo a ser realizado cada vez em mais regiões pelo mundo fora e Macau não é excepção.
Foi Victor Kumar, indiano radicado em Macau, quem arregaçou as mangas para por Hac Sá a festejar uma das mais importantes celebrações indianas. De origens difusas, existem duas versões relativas à génese deste que é um dos cinco principais festivais indianos: alguns acreditam que a origem do Holi é Krishna, que enquanto pequeno e travesso se divertia em atirar água colorida às leiteiras que passavam, a outra abordagem, e talvez a mais divulgada e unânime, é referente à comemoração da vitória do bem sobre o mal personificada na morte de Holika na fogueira.
Reza a lenda que, em tempos, o Hiranyakashipu, rei-demónio dominado pelo egoísmo e sede de veneração, seria por todos bajulado à excepção do seu filho Prahlad, que se manteve devoto de Vishnu. De modo a aniquilar Prahlad, a irmã do rei, Holika, pensando que era imune ao fogo, desafiou o sobrinho para entrarem os dois numa fogueira – contudo, parece que quem morreu carbonizada foi a tia e Prahlab terá saído imune das chamas. Esta victória sobre Holika terá também dado nome ao festival.
Estão em ambas as versões implícitas duas das principais características do Holi: por um lado a fogueira – que ainda hoje abre as festividades e cujas cinzas, se crê, são portadoras de boa sorte – e, por outro, as cores que alegram e são mote de toda a celebração enquanto portadoras de virtudes e agoiros de bom futuro.

Juntos pelo bem maior

O Holi é actualmente, e acima de tudo, um festejar colectivo do bem, da chegada da Primavera e das colheitas que se avizinham, através da cor e da demonstração de amor universal. Curiosamente este é um dos raros momentos em que, na Índia, as pessoas se juntam para além das castas, origens, credos e preconceitos, fazendo do mesmo um grande espaço de encontro.
Segundo a organização, este ano, o número de inscrições já superou as participações do ano passado. Victor Kumar afirma ainda, sob o mote, “acrescenta cor à tua vida”, que o “Holi Festival Macau” para além da recriação dos rituais que estão na sua origem, vai ter ainda muita dança, uma performance especial com características Bollywoodescas coreografadas pelo próprio e uma panóplia de actividades e jogos, em que os vencedores terão direito a prémios. E como nada disto se faz de barriga vazia, a acompanhar as festividades estão comes e bebes adequados à festa.
Não esquecer o dresscode – tudo de branco (top e calça), para que se possa colorir com mais facilidade e participar activamente, “bem como receber as respectivas bênção”.
A entrada está sujeita a registo prévio através do telefone 6393 2002 e custa 150 patacas. A organização admite ainda a possibilidade de alteração de data caso as condições meteorológicas não possibilitem a sua execução.

18 Mar 2016

Wu Ming-yi, escritor: “Mais importante que o sucesso é a felicidade”

Wu Ming-yi, considera que o lado mais maravilhoso da escrita é poder fazê-lo contra qualquer tipo de pressão existente. Nascido em Taiwan, e convidado do Festival Literário Rota das Letras, Wu Ming-yi debruça-se sobre a necessidade de cuidar do ambiente e fala ainda de como a felicidade é mais importante que o dinheiro

[dropcap]F[/dropcap]alar sobre escrita com Wu Ming-yi é falar em desafios. Sempre que escreve e tenciona publicar alguma coisa, o escritor de Taiwan admite que tem de pensar sempre “se poderá ter algum problema”, ainda que também nos confesse que, na Ilha Formosa, onde nasceu, as coisas não são tão más quanto no continente.

“Os escritores taiwaneses preocupam-se sobretudo com o problema da impressão e em ter leitores. Quando publicamos no estrangeiro queremos ser lidos. Já o Governo chinês dá atenção a muitas coisas e o desaparecimento dos livreiros de Hong Kong trouxe um grande alerta para o público. Queremos sempre que haja liberdade para cada publicação e, enquanto escritores, acreditamos que os leitores são inteligentes e que os maus livros vão ser eliminados com o tempo, pela história. Mas a verdade é que, quando era jovem, também não podia ler certos livros, ainda que os lesse com os meus colegas às escondidas. Os políticos nem sempre conhecem bem a humanidade e isso é um limite”, confessa ao HM.

Wu Ming-Yi gostava de ver a literatura da ilha mais traduzida, de modo a fazer chegar a “cultura muito própria” de Taiwan ao Ocidente, que considera que vê Taiwan como a vê a China. “As pessoas que vivem em Taiwan sabem que não se trata apenas de política, a cultura é muito diferente”, assegura-nos.

O também ambientalista fala-nos da sua ilha, que caracteriza como um território pequeno, com pouco mais de 20 milhões de pessoas e onde “a cultura e a arte têm vindo a desaparecer graças à destruição do ambiente”.

A protecção ambiental, diz-nos, sempre foi “um lado importante” da sua vida e muito popular na juventude de Wu Ming-yi. “Nasci em 1971, a pior fase para a poluição, e acabou por ser natural que temas como a ecologia e a protecção do ambiente fossem abordados nas minhas obras”, diz-nos, admitindo que também enquanto dá aulas, já que é professor, aborda estes temas.

“Dou uma aula onde se criticam as políticas ecológicas e onde todas as semanas discuto os assuntos relacionados com a protecção ambiental com os meus alunos. Soube do caso da construção de um edifício no Alto de Coloane e dou esse exemplo em relação ao que acontece em Taiwan, onde temos grandes cidades, mas onde não podemos ignorar as pessoas que querem manter um estilo de vida simples ligado ao campo. Espero que sejam os residentes a tomar uma decisão e não o Governo”, atira ainda.

Recordar é viver

Não é a primeira vez que está em Macau, porque já cá tinha vindo com a mulher e também para dar aulas. Do tempo que já passou, relembra o território como a “vila piscatória e tranquila” que era, ao invés da cidade barulhenta e moderna em que se tornou. Mas Wu Ming-yi assegura que é possível promover “uma convivência e equilíbrios entre a protecção ambiental e o desenvolvimento” urbano. Também a natureza luxuriante de Taiwan está ameaçada pela poluição e vícios da vida moderna, como diz o escritor, à semelhança da população aborígene e da identidade taiwanesa, temas que marcam, aliás, as páginas de “The Man with the Compound Eyes”, o único livro traduzido para Inglês de Wu Ming-Yi e o quarto que publicou. Inspirado no bucolismo dos antigos poetas chineses, o livro recupera um movimento literário taiwanês dos anos 1980, quando o desenvolvimento industrial despertou uma forte consciência ambiental na ilha.

Em Macau para a sessão deste ano do Festival Literário Rota das Letras, Wu Ming-yi falou com estudantes locais, que se mostraram até curiosos sobre a cultura da Formosa. Mas não é só isto que parece preocupar os nossos estudantes.

“Os jovens de Macau e Hong Kong sentem-se ansiosos em relação ao sistema político ou ao ambiente, os modelos de pensamento nestas regiões são semelhantes. Mas, os pais deveriam encorajar os filhos que querem ser outras coisas, como ser pintores ou artistas de rua. Devem encorajar os seus filhos a encontrar o modelo certo para a sua vida, porque a educação chinesa não é assim. Os pais preocupam-se se os filhos vão ou não ganhar dinheiro. Eu digo sempre aos meus alunos que, mais importante do que ter sucesso, é termos felicidade.”

Ainda que tenha pisado pela quarta vez a RAEM, esta foi a primeira vez que veio como escritor, um trabalho que Wu Ming-yi – cujo escritor preferido é Anton Tchekhov – tem de coadunar diariamente com o papel de professor universitário. “Parte do meu dia é passado a escrever e quero sempre ter sempre tempo livre para escrever, mas tenho um horário muito cheio, sobretudo com o trabalho da universidade. Só posso escrever as minhas obras nas férias ou feriados”, diz-nos.

18 Mar 2016

Ernesto Dabó, músico, escritor e activista: “Qualquer indivíduo é um produto cultural”

Podia ser o Mohamed Dabó, mas para que pudesse ir à escola teve que mudar de nome. Hoje é Ernesto Dabó, convidado do Roteiro Literário, o músico, escritor, jurista, activista cultural e político que deu a conhecer ao Hoje Macau a vida que fez com que faça o que faz

[dropcap]A[/dropcap]s histórias têm um início… a cultura na sua vida, como aconteceu?
Começou em casa. Os meus pais motivaram-me desde muito cedo para o estudo e então começamos todos em casa a relacionarmo-nos com os livros, com outras esferas da cultura e aí por diante. No meu caso particular, desde muito cedo senti que tinha um gosto especial por estas áreas e em determinado momento já estava a fazer música e depois a escrever e assim por diante.

Uma educação motivada para o conhecimento numa família Muçulmana que o pôs a estudar na Missão Católica. Como é que isto aconteceu?

Nasci em Bolama, e o meu pai era um indivíduo que tinha a sua visão da vida, tinhas os seus conceitos e o regime colonial não oferecia muitas escolhas, nomeadamente as estruturas escolares. As mais abertas eram as chamadas missões católicas que davam instrução primária. Mas para ser matriculado nessas escolas, para ser aluno tínhamos que praticar a religião cristã: estudar a catequese, ir às missas e inclusivamente o meu nome Ernesto é uma imposição colonial. Naquele tempo, para ser matriculado tínhamos que ter um nome cristão. O que também aconteceu no meu caso. Quando me fui matricular mostrámos o meu nome e disseram que não era possível, quando chegámos a casa o meu pai pegou no nome Ernesto e disse “o importante é que ele vá para a escola”. Houve ainda a particularidade do meu pai nunca ter pressionado ninguém para a sua fé. Admitiu que nós praticássemos a religião que entendêssemos. E o meu caso foi esse, conheci a religião cristã, evolui na mesma até que cheguei a uma altura em que disse “agora não pratico nada”. Agora penso que há qualquer coisa que gere este universo e respeito muito isso, mas o essencial é praticar tudo aquilo que é a recomendação positiva de qualquer religião. Faço questão de fazer da vida um acto de partilha. Enquanto conseguir isso estou seguro que estou bem .

Também é conhecido pela sua actividade politicamente interventiva, e em plena época colonial, dirigida à independência. Quando a determinada altura foi para Portugal, já tinha esta consciência? Como é que esta problemática ganhou forma?
Quando fui para Portugal ainda não tinha esta consciência, era ainda muito novo, com 13 ou 14 anos. Ela nasce também com a minha família. Na altura estava em Portugal com um irmão meu e ele já percebia o que se estava a passar no país. O meu pai também mais uma vez, foi alguém que estava ligado em Bolama, a essa corrente de pessoas que já estavam a perceber que a libertação nacional era um projecto que tinha que ir para a frente. Associando estas questões comecei a observar o que se passava, a aprender e a ler, e como gostava muito de ler fui aprofundando as coisas. Depois também tive a sorte de ter bons amigos, com quem cresci e que alguns, da classe média portuguesa, eram também gente com uma cultura muito diferente e que me deram muitas dicas no sentido de perceber o que se passava. E depois também era fácil entender que eu era diferente. Sou negro, estou numa sociedade portuguesa, branca, que na altura, por sinal, não era assim tão culta e desenvolvida e juntando o meu carácter e a minha curiosidade em saber o que se estava a passar e porque fui forjando a minha consciência política até ter percebido, “ah, afinal é isto e não tem nada de mal, afinal a prova está aqui e agora compreendemos que afinal estávamos todos no mesmo barco”. Era o fascismo a fazer estragos em Portugal e era o colonialismo a fazer estragos na Guiné e eram combatentes pela democracia em Portugal e combatentes lá também. Gostei imenso de ter vivido este período.

Ainda antes do 25 de Abril, e já com essa consciência política, ingressou no exército, na Armada Portuguesa. Como foi para si estar na “trincheira do inimigo”?
Sim, foi das coisas mais giras que me aconteceram na vida. Fui recrutado, porque na altura era mesmo assim, mas ( vou-lhe revelar aqui algo que nunca revelei) eu já tinha relações com as estruturas que funcionavam da luta pela libertação. E quando entro para a Marinha, vou, e acontece uma coisa milagrosa – ainda há dias tivemos um almoço em Lisboa para celebrar os 45 anos desse encontro – um capelão da unidade resolveu criar um conjunto musical e como vinha com alguma experiência da Escola Agrícola onde tinha estado, convidaram-me para participar no projecto e participei. Aquilo ganha dimensão e o capelão propôs aos comandos da altura da Marinha para que esse conjunto, chamado “Os Náuticos”, começasse a animar no Ultramar, que fizesse uma digressão . Estava no conjunto como vocalista do grupo e lá no fundo disse “ isto vem mesmo a calhar, vou dar tudo por isto e vou fazer uma tropa de música e assim ninguém me põe a fazer guerra contra mim mesmo. E isso foi no fundo o que fiz, mas essa passagem pela vida militar foi ainda uma escola de vida muito importante para mim.

Em que sentido?
No sentido, por exemplo, humano! Estamos num período de guerra e as amizades que ganhei nesse período ainda hoje são as maiores amizades que tenho. Depois do ponto de vista da minha consciencialização, essa digressão em que estivemos na Guiné, Cabo Verde, Angola e Moçambique, foi aí que, finalmente, conclui esse processo “de tomada de consciência”. No contacto com a realidade. Estava fora da Guiné deste garoto e foi um choque brutal, extramamente interessante. Os meus amigos e os meus colegas da tropa que conhecia bem e que tínhamos confidências, também estavam contra a guerra mas não podiam fazer nada. E chego à Guiné e a guerra está a fazer mal às pessoas que não a querem . Foi um drama humano que não sei explicar. Vivi isto de forma dramática, fechava-me no quarto a pensar “mas, caramba, pessoas amigas aqui, ninguém tem nada contra mim enquanto pessoa e depois vês pessoas que o que têm para fazer é matar”. É das coisas mais absurdas que eu já vi na vida e que me marcou profundamente.
Um outro aspecto é que a vida militar permitiu-me amadurecer como homem. Saber que eu devo contar comigo em primeiro lugar. Não tem pai, nem mãe nem irmão, é a tropa. Mas no fundo posso dizer que não me arrependo de nada nessa trajectória porque me valorizou muito. Aliás, em toda a minha vida tenho tido dificuldades e problemas , mas graças a esta escola de vida também tenho sabido saber sair e saber entrar. E tive a sorte de não confundir nada. De separar as águas, por isso é que mantenho as amizades que tenho, que são fraternas.

Em 74 regressa à Guiné, e paralelamente inaugura o mercado musical Guineense com os Djorson e o disco “folclore da Guiné….
Antes de regressar, ainda em Lisboa, com uns amigos em Lisboa criámos esse grupo, ainda na tropa. E gosto de criar, não consigo estar sem criar, e naquela altura disse “temos que ter um disco, Angola tem, Moçambique também, todos têm, nós também vamos ter que ter um disco. Então peguei no projecto, ensaiámos, gravámos e fui ter com o meu mais velho Rui Mingas que já tinha uma carteira de relações, era uma figura respeitada e tinha vários contactos. Ele disse que ia ver o que podia fazer, ligou ao Victor Mamede que foi o produtor do nosso disco e gravámos um single com duas canções e foi o primeiro disco da discografia da Guiné.

Cobiana Djazz, mais que um agrupamento musical, um projecto multifacetado…
Iniciou-se como um agrupamento musical, mas para mim extravasou essa condição, aliás até estou a preparar um ensaio acerca disso que se chamará “ O movimento Cobiana Djazz”. Desencadeou uma série de consequências na nossa vida cultural, quebrou uma série de tabus, o primeiro é que não se cantava em crioulo coisas modernas, uns até diziam que o crioulo não era uma boa língua para cantar e nós começámos a cantar em criolo o que motivou com este projecto a criação de poemas em crioulo e letras para músicas . Os espaços nobres de dança em Bissau alargaram para as periferias, e mais, começou a ser um instrumento de divulgação de várias ideias e influenciou várias coisas da vida da sociedade guineense e pela primeira vez uma cultura urbana estava a ganhar espaço. Passado pouco tempo as canções da Guiné Bissau já estavam a circular pelo mundo fora, transformando-se em mais um veículo da luta que estava a decorrer. Estravazou os limites de uma simples orquestra e tornou-se um movimento cultural.

Da sua relação entre as experiências que foi tendo e o que faz…

Qualquer individuo é um produto cultural, por isso se quiser fazer arte, se quiser produzir cultura, não há outra reserva, a reserva que tem é aquele que temos em nós.

O seu último trabalho escrito “PAIGC: Da Maioria Qualificada à Crise Qualificada” é um um livro político de um homem da política e das artes que (re)olha para o seu país. Como é que o vê, bem como à cultura e à sua importância, nos dias que correm?
As nossas crises têm como fundo a alienação, uma crise cultural. No dia em que a nossa elite política começar a reflectir na cultura nacional e com a realidade nacional, tenho a impressão que vai ser mais humilde e mais responsável. Porque às vezes estão com cargos políticos mas a reflectir como se fossem administradores coloniais, e isso choca.

“Podem tirar o homem da favela mas não podem tirar a favela do homem”, é isto que sente, mas no que respeita a esse pensamento colonial?
É isso! O elemento de dominação mais importante é cultural, faz a pessoa negar-se a si mesma e subjugar-se ao outro, e segui-lo sem saber que tem o seu próprio caminho. E a luta de libertação é um facto de cultura porque rompe com isto e porque permite seguir por ti e para ti.

17 Mar 2016

Cinema | DST leva produtores locais à Filmart e apresenta Festival Internacional

Vem aí o maior festival de cinema, tudo indica, já organizado em Macau e, aproveitando a maré, o Governo levou pela primeira vez uma dúzia de produtores locais ao Hong Kong Filmart. Uma plataforma entre o Ocidente e a Ásia Oriental, o festival e levar os produtores locais a mercados de alto impacto, com Busan e Cannes no horizonte, é do que fala a DST

O já anunciado Festival Internacional de Cinema de Macau teve esta segunda-feira, pela primeira vez, um contacto entre os principais responsáveis executivos e a imprensa. No cocktail organizado pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST), num hotel contíguo ao Hong Kong Filmart, estiveram presentes o director do Festival, Marco Mueller, a própria directora da DST, Helena de Senna Fernandes, Johnny To, conhecido realizador de Hong Kong e padrinho do evento, e produtores locais, entre vários outros convidados do sector de Macau e Hong Kong.
Depois de uma visita ao pavilhão de Macau, onde estiveram, até hoje, os doze produtores locais, Helena de Senna Fernandes falou aos jornalistas explicando que a “HK Filmart é um evento estabelecido, com 20 anos”. Por isso, e por ser de fácil acesso, recaiu nesta feira a primeira aposta do Governo neste tipo de iniciativas.
Senna Fernandes adiantou ainda que a aposta “enquadra-se na estratégia do Governo de impulsionar as indústrias criativas”, adicionando ainda que a ideia da DST é “estimular o contacto entre os produtores locais e as companhias de fora de Macau”.
Questionada se essa não seria uma actividade mais apropriada para o Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau, ou outra entidade dos Serviços de Economia, a directora da DST foi dizendo que “esta é uma acção conjunta entre a DST e o Instituto Cultural (IC)” e admite que, no futuro, possam existir mais parceiros governamentais no projecto.
Será, então, o cinema encarado como um elemento de turismo para Macau? A esta questão, Helena de Senna Fernandes começou por dizer que “não”, emendando rapidamente para um “não só”, explicando: “o cinema de Macau é sempre visto como uma indústria criativa e como é estratégia Governo apoiar o sector, e o Turismo é o Governo, estamos a dar o nosso contributo”.
O pavilhão de Macau foi decorado sob um tema baseado em fotografia, numa linha gráfica reminiscente de tempos passados e algo acanhado para as 12 empresas, o que levou mesmo a organização a retirar um dos objectos da decoração – um cilindro na forma de um rolo de película para Reflex, onde se exibiam os filmes dos produtores. Algo que não feriu a visualização dessas películas, uma vez que existia outro ecrã e, assim, foi dado mais espaço.

Distribuição e Comissão de Cinema

Os produtores locais presentes na Filmart estavam, de uma forma geral, agradados com a iniciativa e pretendem a continuação deste tipo de apoio governamental. Todavia, alguns sugerem aperfeiçoamentos e falam de outro tipo de necessidades.
Para Denise Lau, da Novart, que já no ano anterior tinha apresentado na Filmart um directório de produtores locais e locações (em colaboração com a Associação CUT e o apoio do IC), há falta de “apoios ao nível da distribuição, pois as empresas locais mesmo que produzam uma série, ou outro produto de televisão, não têm forma de escoar”. Campbell McLean, da Aomen.tv, que aproveitou a feira para introduzir um documentário sobre George Chinnery, estava satisfeito com a oportunidade de “estar presente em tão importante feira sem custos de instalação”, como explicou ao HM. O responsável considera ainda que, “no futuro, este tipo de eventos precisa de mais preparação para nos apresentarmos condignamente” – os produtores tiveram cerca de um mês para se prepararem.
“Deveria existir um esquema de financiamento para deslocações a este tipo de eventos para que os produtores escolham os mercados mais indicados para os seus produtos”, ressalvou.
Em termos do papel do Governo, Campbell entende que “Macau deveria ter a sua própria Comissão de Cinema”, que define como “uma entidade focada no financiamento de produções locais e na prestação de serviços de locações e programas de incentivo para equipas estrangeiras filmarem em Macau”. Um facto que o produtor aponta como crucial para o desenvolvimento das capacidades locais.
O mercado local, para McLean, “está mais maduro do que há dez anos” quando se começou. “Há mais pessoas com habilitações, mas precisa-se de mais oportunidades para financiamento”. Uma solução seria a produção local pelo que Campbell refere que, neste âmbito, “a TDM está a perder uma grande oportunidade”.

Palco intercontinental para a sétima arte
Marco Mueller confiante com Macau como hub de cinema

A grande curiosidade da conferência de imprensa que teve lugar esta semana em Hong Kong, onde estiveram uma dúzia de realizadores locais, residia no primeiro contacto com Marco Mueller, o futuro director do Festival de Cinema de Macau.
Futuro, porque tudo ainda está em processo de organização como esclareceu a directora da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), Helena de Senna Fernandes, no discurso de abertura.
“Não tenho muito para dizer sobre o festival porque ainda estamos a montar a estrutura”, revelou, adiantando que Mueller “foi o escolhido para gerir o festival”, o que também vem confirmar a presença forte do Turismo na organização do evento apesar de, oficialmente, ser uma iniciativa de uma associação local, a Macau Films & Television Productions and Culture.
Marco Mueller começou o seu discurso demonstrando confiança “na visão de transformar Macau num hub mundial para a produção de filmes”, ressalvando a importância que a Ásia Oriental tem dado a este sector. O futuro director do Festival de Macau considera ainda o evento como “um ponto focal para dar mais visibilidade aos filmes da Ásia Oriental e do resto do mundo”, numa acção que também visa “incrementar a distribuição e o intercâmbio entre cineastas e produtores”.
A escolha das datas não é feita ao acaso (29 e 30 de Outubro) pois surge, explica Mueller, “no período dos grandes lançamentos”, pelo que o responsável espera ver Macau transformada numa plataforma. “Há necessidade de um hub destes”, diz.
Uma combinação entre competição e galas com especial ênfase para o género asiático que o experiente director de festivais espera venha a ser “uma porta para o mercado Chinês”.
Johnny To, apresentado como o primeiro embaixador do evento, foi, disse Mueller, o grande responsável pela sua visão de Macau por há muitos anos ter feito as apresentações. Num discurso muito breve, To apelou aos cineastas para apoiarem e trabalharem juntos. A madrinha do festival será, também de Hong Kong, a realizadora Ann Hui.

Macau ou Macao?

Corria o cocktail quando um dos empregados de mesa se acerca da nossa reportagem. Pergunta-nos: “este evento não é de Macau?” Respondemos que sim. Homem um pouco para lá da meia-idade, figura típica de Hong Kong, pelos traços, ou pelo jeito, ou pelo sotaque, continuava confuso: “mas Macau não é escrito com ‘U’?”, reinquiria. Explicámos que era a versão inglesa do termo, mas o senhor não ficou mais esclarecido. Continuámos argumentando que, talvez, porque o Turismo fala normalmente para estrangeiros, terá resolvido adoptar essa versão. Riu-se, encolheu os ombros e lá foi abanando a cabeça para mais uma ronda por entre os convivas.

17 Mar 2016

Hong Kong |”Balada de um batráquio” no festival de cinema

O filme de Leonor Teles “Balada de um batráquio” compete este mês na secção de curtas-metragens do Festival Internacional de Cinema de Hong Kong, depois de em Fevereiro ter sido premiado em Berlim.
O filme expõe comportamentos xenófobos em relação a membros da etnia cigana em Portugal, abordando a prática de colocar sapos de cerâmica em lojas, cafés e restaurantes para afastar os ciganos, que têm várias superstições ligadas ao animal.
A curta-metragem venceu a 20 de Fevereiro o Urso de Ouro da competição de curtas-metragens do Festival Internacional de Cinema de Berlim.
Segundo Leonor Teles, que tem raízes ciganas por parte do pai, o filme “não apresenta só uma problemática mas tenta, de certa forma, combatê-la”, uma vez que a própria realizadora sentiu a “urgência” de destruir vários desses sapos em frente à câmara.
O filme de Leonor Teles volta a uma competição internacional já este mês, no festival de cinema de Hong Kong, que arranca na segunda-feira e que integra na programação outros nomes portugueses.
Do programa geral do Festival Internacional de Cinema de Hong Kong deste ano fazem parte “Visita ou memórias e confissões”, de Manoel de Oliveira, a trilogia “As Mil e uma noites”, de Miguel Gomes, e “Cartas da Guerra”, de Ivo Ferreira, que integrou a competição oficial do Festival de Berlim deste ano.
Integram ainda o cartaz de Hong Kong os documentários “Os Olhos de André”, premiado no festival de cinema Indie Lisboa, do realizador António Borges Correia, e “Eldorado XXI”, uma co-produção luso-francesa, realizada por Salomé Lamas.
Todos eles terão duas exibições em Hong Kong dentro da programação do festival, que dura 15 dias.
O cartaz junta mais de 240 filmes de um universo de 66 países e territórios, num alinhamento que a organização do festival define como sendo “o mais eclético de sempre”, contando com 63 estreias mundiais, internacionais e/ou asiáticas.
Fundado em 1976, o HKIFF (na sigla em inglês) é o mais antigo festival de cinema da Ásia e um dos mais reputados.

17 Mar 2016

Rota das Letras | Daniel Pires fala hoje sobre o poeta Bocage

Daniel Pires estará hoje a falar sobre o poeta português na sessão “Lembrando Bocage”, do Festival Rota das Letras. O autor confirma a reedição da obra completa este ano

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Festival Literário Rota das Letras cumpre hoje o seu objectivo de homenagear, a par de Camilo Pessanha, outro poeta português que esteve em Macau: Bocage. Em “Lembrando Bocage”, Daniel Pires, que dirige desde 1999 o Centro de Estudos Bocageanos em Portugal, será um dos oradores.

Ao HM, Daniel Pires falou da curta presença de Bocage no território e das poucas palavras que este escreveu sobre Macau.

“Era oficial da Marinha e foi colocado em Goa, depois em Damão e a seguir desertou e veio parar a Cantão. Em Cantão encontrou um negociante que o trouxe para Macau. E de Macau seguiu para Portugal, por volta de 1790. Cá era muito pouco conhecido, ainda não tinha publicado nenhum livro, daí ter passado despercebido. Mesmo assim escreveu alguma coisa, especialmente uma ode e um elogio às pessoas que o protegeram aqui, porque estava numa situação irregular. E escreveu também um soneto, esse sim talvez mais importante.”

Nesse soneto, “há uma caricatura” de Macau. “Nesta altura Macau estava em profunda decadência e não está muito longe da verdade aquilo que ele disse. Mas ele era uma pessoa extremamente crítica e teve consciência de aquela sociedade estava profunda decadência”.

Daniel Pires garante que a curta passagem por Macau não teve qualquer influência na poesia que Bocage viria a escrever. “Esteve aqui meses, veio para aqui apenas para esperar por um navio que o levasse de regresso ao reino. Não é mais do que isso. Bocage é um grandíssimo poeta, esteve pouco tempo cá mas o suficiente para escrever bem sobre Macau. Passou por dificuldades aqui, encontrou pessoas que o protegeram. Mas não há nada escrito nem documentos oficiais que digam que ele esteve cá. Era um jovem dos seus 24 anos e não deixou rasto nos arquivos”, disse o autor de uma tese de doutoramento sobre o poeta.

Do erotismo

Daniel Pires lançou em Setembro do ano passado a biografia ilustrada de Bocage, e este ano, numa altura em que se comemoram os 250 anos do nascimento do poeta, prepara uma reedição da obra completa em sete volumes, com a publicação da Imprensa Nacional.

O autor, apaixonado por Bocage desde que foi viver para a sua terra natal, Setúbal, considera que há ainda um grande desconhecimento dos leitores sobre a génese da poesia de Bocage e sobre o homem que foi. “Fala-se de Bocage em lugares comuns, sobre o facto de ter sido boémio e associaram Bocage à pornografia, o que não é verdade. Pode e deve ser associado ao erotismo, completamente diferente, mas alguns editores aproveitaram-se para vender livros, publicaram composições pornográficas e por baixo escreveram Bocage. Ele não publicou nenhum poema pornográfico. Depois também se associa Bocage às anedotas. Ele era uma pessoa irónica, mas daí até assinar as anedotas que correm por aí… ele tinha uma extrema sensibilidade e nunca poderia ter assinado esse tipo de anedotas”, rematou.

16 Mar 2016

HK | Eléctrico já circula com pinturas do português Vhils

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m eléctrico intervencionado pelo português Alexandre Farto, que assina como Vhils, começou esta semana a circular nas ruas de Hong Kong, no âmbito da primeira exposição individual do artista na região vizinha. A exposição “Derbis” é inaugurada apenas no dia 21, no Cais 4, mas já é possível apreciar-se a arte de Vhils a circular em Hong Kong, onde o artista português também realizou intervenções em paredes e onde está há a convite da HOCA – Hong Kong Contemporary Art.

Em “Derbis”, que levou “meses de preparação”, Vhils apresenta uma “multidisciplinaridade de trabalhos”, de acordo com informação disponível no site oficial do artista.

Com esta exposição, pretende-se “encorajar os visitantes a explorarem a cidade e reflectirem na natureza do ambiente urbano pela lente do artista”.

Nos trabalhos apresentados, Vhils desconstrói imagens com recurso a várias técnicas, como perfuração, colagens de cartazes, caixas de néon e escultura.

FOTO: José Pando Lucas
FOTO: José Pando Lucas

Alexandre Farto, de 29 anos, captou a atenção a escavar muros com retratos, um trabalho que tem sido reconhecido a nível nacional e internacional e que já o levou a vários cantos do mundo.

A técnica que notabilizou Vhils consiste em criar imagens, em paredes ou murais, através da remoção de camadas de materiais de construção, criando uma imagem em negativo. Além das paredes, já aplicou a mesma técnica em madeira, metal e papel, nomeadamente em cartazes que se vão acumulando nos muros das cidades.

Em Julho de 2014, Alexandre Farto inaugurou a sua primeira grande exposição numa instituição nacional, o Museu da Electricidade, em Lisboa. “Dissecação/Dissection” atraiu mais de 65 mil visitantes em três meses.

Esse ano ficaria também marcado, na carreira do artista português, pela colaboração com a banda irlandesa U2, para quem criou um vídeo incluído no projecto visual “Films of Innocence”, que foi editado em Dezembro de 2014, e é um complemento do álbum “Songs of Innocence”.

No ano passado, o trabalho de Vhils chegou ao espaço. Em Setembro, uma obra do artista esteve na Estação Espacial Internacional (EEI), no âmbito do filme “O sentido da vida”, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.

Foi a primeira vez que um artista português colaborou com a Estação Espacial Internacional, com uma instalação artística que esteve colocada na cúpula da EEI e que retrata o astronauta dinamarquês Andreas Mogensen.

Apesar de trabalhar e expor em todo o mundo, e até fora dele, Alexandre Farto não se esquece de Portugal. Em 2015, criou, entre outros, o rosto de Amália Rodrigues, em calçada portuguesa, em Alfama, Lisboa.

16 Mar 2016

Casa Garden | Exposição “Colour Exchange” até 10 de Abril

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão seis os artistas locais que assinam a exposição “Colour Exchange”, que inaugurou ontem na Casa Garden. Patente até 10 de Abril, são muitas as peças expostas com diferentes traços, próprios de cada autor.
Do grupo de artistas, faz parte Mak Kuong Weng, nascido em Cantão e a viver em Macau. Mak conta no currículo com vários prémios atribuídos, tais como o prémio de pintor de excelência, em Pequim, o prémio da melhor criação de pintura ocidental, em 2011, o prémio especial de melhor criação e melhor criação de pintura tradicional chinesa, em 2015, entre muitos outros. O pintor conta já com cinco participações em livros onde as suas obras são mencionadas.
Leong Yuk Fei é outro pintor que participa na exposição. Em 1979 a sua obra “Descanso Curto” foi escolhida para ser apresentada na exposição das Obras de Belas Artes, na comemoração dos 30 anos da Fundação da República Popular da China. Depois de uma pausa entre 1986 a 2010, para se dedicar à área comercial, o artista retoma a pintura.

Pintura de Mak Kong Weng
Pintura de Mak Kong Weng

O pintor Eugénio Novikoff Sales, nascido em Macau e criado entre Moçambique e Portugal, transpõe as experiências que presenciou no mundo para a sua obra. Na China é conhecido como “artista de características euro/luso/asiáticas” devido “ao seu estilo único de pintura” na qual mistura os três mundos.

A cor do mérito

Lei Wai Wa também se junta ao grupo. Entre óleos e guaches, a arte de Lei tem percorrido o mundo. Foi-lhe atribuído o título honorífico “Artista com Grande Mérito e Virtude”, em 2015.
O “Eremita do Monte Huangyang”, ou seja William Chiu Vai Fu, marca também presença na mostra. Começou a estudar desenho, pintura a óleo, caligrafia e ornamentação de pintura no Instituto de Arte Teórica, em 1975, mas mais tarde dedicou-se à aguarela e à pintura a óleo no Instituto de Arte Chi Wa Tang. As suas obras fazem parte de colecções públicas e privadas do Museu de Arte de Macau, da Fundação Macau, do Centro UNESCO de Macau, da Universidade de Macau, entre outras.
Licenciado em Belas Artes pela Universidade de Xangai, Lam Kin Ian encerra a lista de expositores. Com presença em várias exposições em Macau, o trabalho deste artista local é já bem conhecido pela população.
A mostra tem entrada livre.

16 Mar 2016

Xi Wa, poeta e autora de “After Heaven is Shangai”

Xi Wa nasceu no Tibete e agora reside em Pequim. Chegou a Macau para mostrar não só os seus poemas, mas também os seus sentimentos. A escritora admite a solidão, mas acredita que cada um tem um destino diferente. Actualmente, confessa, há muitos chineses que se estão a dedicar pura e simplesmente à poesia

[dropcap]É[/dropcap] a sua primeira vez em Macau? Que impressões sobre esta cidade?
Sim, é a primeira vez. Gosto muito deste sítio, visitei o Cotai e percebi porque é que as pessoas do interior da China gostam desta cidade. O modelo de consumo é diferente, já não se importam tanto com dinheiro, mas apreciam o ambiente confortável e a sua beleza. Depois visitei também o Museu de Macau, que é bastante rico. Pareceu-me que os trabalhadores protegem bem os pormenores do museu, com um espírito profissional. Macau traz-me uma impressão muito boa, é pequeno mas é moderno e tranquilo, pode-se observar a civilização, a raiz da cultura e a história de Macau através de pequenos detalhes à vista de todos.

No domingo passado, fez uma leitura de poemas no edifício do Antigo Tribunal. Quais os poemas que escolheu para a audiência de Macau? E as suas mensagens?
Li dois poemas meus, chamados Shi Tang e Sonambulismo. Quando os escolhi, não pensei em trazer quaisquer sentimentos especiais a Macau. Na verdade, não sou boa a ler poemas e estes dois são os que domino melhor. E também os que gosto mais.

Já teve tempo para apreciar o ambiente literário de Macau?
Até agora ainda não contactei com muitos escritores do Rota das Letras. Mas gosto e respeito muito o poeta Yao Feng (Yao Jingmin), que é muito famoso. Escreve muitos poemas clássicos, explora muito a poesia. Parece-me que é muito considerável e elegante, causa-me muito boa impressão.

O que já aprendeu com ele?
Leio sempre os poemas dele, mas penso que não consigo aprender a escrever como ele. É único e respeito-o muito.

Como é que cria as suas obras no dia-a-dia?
Consigo ser séria no meu trabalho, mas também sou séria na minha vida, concentro-me e dedico-me completamente a cada assunto que tenho pontualmente. Durante o processo de escrita, escrevo os meus sentimentos, desde as sensações físicas até às mentais. Digo a verdade, com seriedade. Amores, dores… transfiro todos os sentimentos para a poesia.

Portanto, escreve o que sente?
Cada poeta escreve de forma diferente. Não sou uma pessoa que nunca pára de escrever. Mesmo que sinta algo que me impressiona muito, não escrevo logo, mas guardo no meu coração e relembro muitas vezes até ao momento indispensável, em que a minha mente está cheia, e escrevo. Mas esses sentimentos têm de passar sempre pelo filtro do meu espírito e coração, porque se eles desaparecerem alguns dias depois de terem aparecido não acho que valha a pena escrevê-los. O que conta, o que me importa, é o tempo que ficam guardados em mim, no meu coração.

É escritora a full-time?
Trabalho também para uma revista e sou organizadora de eventos de pinturas tradicionais chinesas, escrevo também comentários sobre as pinturas. Um dos pintores convidados para o Rota das Letras, Ouyang Shijian, foi sugerido por mim. É muito jovem e pouco conhecido na China continental e o facto de conseguir ter a oportunidade de mostrar as suas obras em Macau faz-me sentir muito comovida.

Como avalia o actual ambiente da escrita na China continental?
Sou uma pessoa que não contacta muito com o exterior, mantenho uma distância com outros poetas. Sou uma pessoa que vive com a solidão e acho que não tenho capacidade para comentar [a vida dos outros]. Ou comento, mas não mudo. Faço o que faço, digo a verdade e o que posso estar a sentir, mas também comento o que considero que pode melhorar. Apesar de ser uma pessoa fechada, sei que existe no interior da China um bom número de pessoas que luta pelos seus poemas, que não fazem outras coisas excepto escrever poesia, com muita insistência e exigindo muito deles próprios.

Mas acha que as novas gerações lêem muito a literatura do seu país?
Nem todos os jovens lêem. Apenas uma pequena parte que tenha gosto, sensibilidade ou talento para a língua [chinesa]. O facto é que muitos jovens não se interessam por poemas e também não é preciso obrigá-los a interessarem-se, porque eu acredito muito no destino: cada um tem o seu gosto e talento para desenvolver: ou filmes, ou pinturas, ou tecnologia.

A Xi Wa começou a escrever desde a infância?
Eu gosto de poesia desde a infância, mas comecei por escrever romances quando tinha 20 e tal anos. Vários anos depois, pensei ser poeta porque senti que o meu interesse essencial era a poesia. Comecei a vida de poeta desde 2006 e até agora.

Já está a preparar novas obras?
Neste momento não, porque a criação surge subitamente. Não planeio trabalhos fixos para mim. Mas onde vivo, o que experimento, o que compreendo é sobre o que escrevo. Penso que, quanto mais experiência tenho, mais consigo expressar os poemas que sinto estarem mais ligados ao meu coração e sinto que estou mais sincera [a escrever].

15 Mar 2016

Cristina Branco, fadista : “O Fado só pode ser cantado na Língua Portuguesa”

Esteve em Macau para um concerto onde mostrou o Fado bem português, ao lado de Mário Laginha. Convidada do Rota das Letras, Cristina Branco fala do percurso marcante da literatura na sua vida, de ser mulher e do sentimento único de ser fadista

De estudante de Comunicação Social à música e, mais concretamente, ao Fado. Como é que este caminho aconteceu?

Foi tudo muito rápido. De facto, era estudante de Comunicação Social e em determinado momento comecei a interessar-me pelo Fado. Pela música já era muito interessada, já ouvia imenso Zeca Afonso, Chico Buarque, os brasileiros… muito jazz, muito blues. Gostava muito de cantar, mas para mim, claro. Estava tudo lá, apesar de nunca ter imaginado ser cantora na minha vida. A determinada altura surge um convite para ir ouvir uma noite de fados, fui porque na altura estava a descobrir, não o Fado, mas a voz da Amália Rodrigues, porque o meu avô me tinha dado um disco [dela] pelo qual me apaixonei. E fui pela curiosidade de ouvir o som das guitarras ao vivo. Alguém perguntou se podia cantar. Eu cantei e fiquei completamente rendida àquela magia. De facto, sempre que o fado acontece e há aquela empatia com o público, há qualquer coisa ali. Ainda no outro dia, alguém em França me disse isso: há um misticismo que se passa naquela relação dos instrumentos com a voz, da voz com o público, há uma empatia muito grande. Há coisas que não se explicam e foi assim que comecei. Na verdade, todo o meu trabalho de fim de curso foi sempre à volta da música, com o ritmo, com a interpretação…

Está aqui no âmbito do Rota das Letras, mas também na sua carreira a literatura está muito presente.
Sempre gostei muito de literatura, gosto muito de literatura portuguesa, gosto muito escrever e acima de tudo gosto da Língua Portuguesa. Tenho a certeza de que de cada vez que se pega num poema em Língua Portuguesa, um poema de um autor que seja menos conhecido, só pelo facto de ser cantado passa para um público muito mais vasto. Pessoas que se calhar não conhecem determinado autor passam a conhecer, pelo simples facto de alguém o cantar. Porque a música é mais imediata, porque há pessoas que não lêem mas ouvem música. Há uma série de condicionantes para que isso aconteça, portanto a literatura entra por aí e por um gosto especial. Na minha casa sempre houve muitos livros, portanto também faz parte da minha educação.

cristina branco Criou personagens para o álbum “Alegria”. Como é que surgiu esta ideia, normalmente também tão associada à literatura?
A intenção não era que fosse um disco exclusivamente virado para a literatura mas no fundo são todos um bocadinho, porque vou sempre pedir [letras] a autores. Os meus discos têm uma vertente muito literária porque eu peço-as a muitos escritores portugueses. No caso do “Alegria” foi talvez mais específico, porque é uma leitura feita por mim antes dos autores. Construi as personagens, fui eu que lhes fiz o BI, disse o que é que elas faziam, como é que se chamavam, de onde vinham e para onde iam, quais eram os sonhos e as angústias e depois dei cada uma aos seus autores e pedi-lhes que escrevessem um poema à volta daquela pessoa. No fundo era criar quase um livro sonoro.

A sua carreira é recheada de colaborações. Como é que funciona este processo?
É por empatia acho. E isso acontece quando se gosta muito de determinado autor. As coisas têm que acontecer de forma espontânea e, no caso do Mário [Laginha], uma vez que vamos estar com ele, também foi assim. Trabalhamos na mesma companhia, com a mesma gente, e as coisas acabaram por acontecer naturalmente. A primeira vez que o Mário colaborou comigo foi com “Margarida” que o Camané também gravou e cantou. Na verdade o tema foi feito para o Camané, mas fui eu a primeira pessoa que o gravou. Perguntei se o Mário gostava de fazer uma música para mim e ele disse ‘olha porque é que não tentas o ‘Margarida’?’ Por acaso, não tenho certeza se foi assim que começou, mas depois fomos fazendo mais coisas. O Mário entra nos meus discos com várias composições. Acontece sempre por acaso, não é uma coisa premeditada. Não acredito na premeditação.


O Fado só pode ser cantado na Língua Portuguesa?
O Fado só pode ser cantado na Língua Portuguesa porque é Português.
Só se canta em Português porque é uma língua que surge naquele país e é a música certa para se cantar naquela língua. Ao cantarmos noutra língua estaremos a descaracterizar aquilo que é o Fado e, se é suposto termos algo que é nosso, o Fado será certamente uma dessas coisas. Não é que não haja uma tentativa de apropriação, antes pelo contrário, até acho que é um privilégio ver que pessoas de outras culturas cantam o Fado. Mas tenho a certeza que essas pessoas vão cantar o Fado na Língua Portuguesa e não nas suas. Porque isso não seria Fado. Não que também não cante noutras línguas, ou o faça com a guitarra portuguesa, mas interpretar uma música noutra língua com guitarra portuguesa é uma música noutra língua interpretada com guitarra portuguesa. Fado, Fado é em Português.
A Cristina tem uma carreira internacional. Como é que acha que os ouvintes que não entendem a Língua Portuguesa percepcionam o fado?

As pessoas não percebem Português e acontecem várias coisas nesse processo. Existem pessoas que desconhecem a Língua Portuguesa e de repente se apaixonam e querem saber mais só porque ouviram Fado, outras já conhecem a língua e descobrem o Fado pelo gosto que têm pela língua. Existem várias formas de chegar a uma convergência, que é o Fado.

Cantar no Oriente é muito diferente do Ocidente?

Cantar não, porque estamos a fazer o que sabemos fazer. Mas é diferente. Aqui há uma delicadeza qualquer que não se explica, é tudo muito diferente. Repare neste facto: temos que enviar rigorosamente o nosso repertório para que seja traduzido ao mínimo detalhe, o que impossibilita que possamos fazer alterações ao programa. Isso condiciona tudo, muda tudo. E depois a forma como as pessoas ouvem e o respeito imenso por aquilo que estamos a fazer. Ao deixar cair a última nota, às vezes não sabem muito bem como é que é, onde reagir, como é que fazemos. Batemos palmas agora, ou batemos palmas depois? Nota-se uma certa tensão que é positiva. Acho que há um carinho especial neste género de público quando ouve a nossa música.

Vem aí um novo álbum, “Menina”. Qual a expectativa?

Acho que é grande. Acho que o último disco é sempre o mais maduro, pelo menos do meu ponto de vista. Não consigo fazer um disco sem que tenha algo para dizer. Nunca aparece um disco que seja só uma imposição editorial. É mesmo porque tem que ser e, normalmente, são discos que marcam períodos importantes da minha vida. A minha história. O “Menina” é um disco que fala de mulheres. O disco fala de uma mulher que ao chegar a determinada idade, e de ter passado por vários estágios na sua vida, consegue concluir que está de bem com o que aconteceu. “Menina” é também “meninas”, “menina” é várias mulheres também em Português, é a “menina” solteira, é a “menina” prostituta. Na verdade, chamamos a tudo “menina”.

Este disco pode ser um auto-retrato, portanto.

Acho que é uma homenagem à condição feminina, sendo eu profundamente feminista.

Feminista, mulher, mãe, cantora. Como é a gestão desta vida de mulher?

É muita coisa. O meu marido costuma dizer que eu consigo abrir e fechar janelas com muita facilidade. A verdade é que quando entro em casa, entro em modo mãe, só e exclusivamente mãe. Não só por mim, mas também por imposição dos meus filhos. Não há cantora, não há artista. Tenho que ser exclusivamente aquilo que eles querem e gosto de o ser. Não gosto de misturar as tintas, mas na verdade, umas coisas entram nas outras necessariamente. A minha atitude enquanto cantora muda a partir do momento em que sou mãe. As coisas acabam por se misturar, é inevitável.

Neste estar em Macau, sente alguma identificação?
Há sempre qualquer coisa, porque a partir do momento em que vamos andando pela rua e há palavras que surgem em Português, há qualquer coisa que desperta de repente e pensamos: como é que é possível? A dada altura da história de um país, termos entrado em meia dúzia de cascas de noz e chegado a sítios tão longe… isso impressiona nesse sentido. Depois acho que somos sobejamente diferentes para percebermos que estamos a fazer com que haja uma afirmação da Língua Portuguesa e da cultura portuguesa num território que já se afastou de nós. E afastou-se tanto que a língua já só reside apenas em monumentos. O que acho que talvez seja menos correcto é que a língua não seja mais falada, não se ouça mais pela rua, ou que não existam mais referências à Língua Portuguesa. Passou também a ser um monumento.

15 Mar 2016

Adam Johnson, autor de “The Orphan Master’s Son” e vencedor de um Pullitzer

Venceu em 2012 o Pullitzer para Ficção com uma obra sobre a Coreia do Norte. A mistura de ficção com realidade é algo a que Adam Johnson se entrega de corpo e alma, num caminho onde as emoções e o ser humano são a sua maior inspiração. Em Macau pela primeira vez para o Rota das Letras, só “viu casinos” e a Universidade de Macau, da qual “gostou muito”

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]enceu um Pullitzer para Ficção em 2012, com o livro “Orphan Master’s Son”. Alguma vez pensou conseguir este prémio?
Entre os milhares de livros publicados nos EUA, apenas um é escolhido e seríamos uns tontos em pensar ganhar algo como um Pullitzer. Escrevi este livro ao longo de muitos anos e nunca conheci ninguém que estivesse a escrever ficção sobre a Coreia do Norte… todas as pessoas com quem falava sobre o livro olhavam para mim como se fosse maluco, mas eu sentia-me profundamente apaixonado pelo livro. Contudo, só queria que fosse publicado e esperar que, talvez, as pessoas ficassem tão ‘infectadas’ e curiosas face ao livro quanto eu.

adam johsonFoi arriscado e difícil escrever um livro de ficção sobre a Coreia do Norte?
É um lugar sobre o qual sabemos muito, mas não podemos provar nada. Mas acho que é mais desafiante para jornalistas escrever sobre a Coreia do Norte, porque eles ouvem os rumores e as histórias, mas não conseguem confirmar nada. Nada pode ser verificado, mesmo que milhares de pessoas tenham saído da Coreia do Norte. Essas pessoas contam a sua história e, como um novelista, essas histórias, esses pesadelos, esses mitos e rumores são valiosos para mim. Mas um jornalista não pode usá-los, por isso acho que, neste caso, a ficção consegue preencher um vazio que a ‘não-ficção’ não pode.


Esteve no país seis dias, além de ter feito investigações aprofundadas. A realidade lá é mesmo como as pessoas descrevem?

Tive lá, sim, mas numa viagem muito controlada. Estava já a meio do livro e o que queria mesmo saber eram coisas que poderia ganhar com a minha visita lá: eram as ruas pavimentadas com asfalto ou pedra? Qual era o cheiro nas ruas? Que sapatos é que as pessoas usavam? Havia cortinas nas janelas ou cortinas que isolavam as casas do mundo como eu tinha lido? Perguntei onde é que estavam as caixas de correio, as estações de bombeiros… Como é que tudo funcionava. Mas o único sítio no mundo onde não se pode falar com um norte-coreano é na Coreia do Norte – é ilegal para um cidadão falar com um estrangeiro. Então soube que só iria aprender a verdade sobre o que estava à superfície naquele lugar, o que estava à vista. Mas também houve coisas que só fiquei a saber porque fui lá.

E as pessoas, vivem mesmo assustadas? Não contactam? Vestem-se todas da mesma maneira?
Sim. Eles têm uma variação de uniforme, mas nada com marcas. As únicas mensagens permitidas são as mensagens políticas [do líder da Coreia do Norte], nunca seria permitido qualquer tipo de slogan numa t-shirt ou mesmo uma marca. Não pude falar com ninguém… se ao menos tivesse podido falar com uma mulher, ir a casa dela, beber chá com ela e ver como vivia, todas as minhas perguntas teriam tido resposta. Mas não foi o caso. Sou uma pessoa grande, tenho 1.90m – mas, durante todo o tempo que andei nas ruas de Pyongyang tinha ‘minders’ [pessoas a controlar] comigo e eles tinham uns pins especiais no casaco, que avisavam toda a gente que estas pessoas não eram para ser incomodadas. Descíamos a rua e as multidões dispersavam.

Exactamente o oposto do que pretendia…
Exacto. Americanos grandes não passam lá todos os dias… mas uma coisa que reparei é que, mesmo assim, as pessoas não pareciam olhar para mim e desviar o olhar. Elas simplesmente não olhavam. Evitavam, como se tivessem sentido a sua curiosidade, afastando-a [depois]. Apanhei alguns a olhar para o meu reflexo nos espelhos e nas janelas – estavam curiosos, mas de alguma forma digeriram a censura do Governo, acho. Mas não posso ter a certeza, porque só se sabe quando se fala com as pessoas.

Começou a carreira literária com “Emporium”, uma colecção de curtas. Qual a principal diferença entre escrever histórias curtas e escrever um livro? Mistura sempre ficção com realidade nas suas obras?
Não é isso que a vida é? Uma mistura de ficção e realidade? Se ao menos pudéssemos distingui-las… (risos) Na nossa vida, escolhemos sempre histórias para contar aos outros. Não organizamos a grande confusão de experiências [a que estamos sujeitos] em capítulos estruturados e moldados da nossa vida? Para responder à questão: há um certo prazer em escrever histórias curtas, porque podemos ser um ditador e controlar todos os aspectos da história, aperfeiçoar cada bocadinho como se fosse uma jóia, para conseguir o efeito que queremos. Um romance é algo desorganizado, cheio de compromissos… o enredo quer uma coisa, as personagens querem outra. [A personagem] quer continuar de uma determinada forma, depois há as emoções que tenho que dar a uma cena… De certa forma, um romance é um acto político, perante o qual temos de fazer compromissos entre todos os seus pedaços estruturais. Não há “perfeição” num romance.

Deixa-o fluir, então?
Sim. Mas um romance pode dar muito trabalho.

As pessoas falam muito em inspiração para conseguir escrever um livro. Sendo escritor a full-time, acredita na inspiração ou tem de se obrigar a escrever?
Ao longo dos anos, aprendi a confiar nas minhas obsessões e reparei que começo a ouvir uma certa música e passo a vida a ouvi-la, ou leio determinadas coisas ou vejo vídeos no YouTube e não páro, como se fosse uma loucura. Foi assim com a Coreia do Norte: tornei-me curioso e, durante um ano, só lia coisas sobre o país, lia, lia, lia. Ou vou ao eBay à noite e dou por mim a comprar imensas coisas… sei que parece tonto, mas a verdade é que, se pegar nessas coisas pelas quais sou obcecado e as puser numa narrativa, isso vai retirar de mim o que quer que seja que está a fazer-me focar nisso. Qualquer que seja a emoção conectada a essa obsessão. E, na maioria das vezes, é um mistério o que me faz ficar maluco com algo, até que o ponha numa narrativa. Não sei se alguma vez penso “oh, hoje deveria começar a escrever uma história”, acho que é mais quando fico enamorado por algo que sei que a minha mente está [focada na escrita].

Mas há diferentes escritores.
Sim, acho que há. Vejo imensos escritores curiosos com um tópico que não tem nada a ver com eles próprios e que fazem muita pesquisa e martelam até ter o livro cá fora. E vejo muitos escritores que são mais pessoais e escrevem sobre emoções que conhecem e assuntos seus. Os primeiros conseguem escrever um livro por ano, porque não é sobre eles. Os outros, e estes são os que eu gosto, põem o seu coração no trabalho. Tem de se esperar até que as coisas surjam, não podemos controlar quando vem de dentro. São “vítimas” dessas emoções.

Então, o Adam é um escritor pessoal?
Comecei assim e estou a tentar fundir as duas formas de escrita, porque eu até gosto de fazer pesquisa. Comecei como jornalista, mas depois vi a luz (risos). Se tudo correr bem, também vai ver a luz. O jornalismo tem o seu lugar e é importante, mas o dia vai chegar… (risos)

Mas o jornalismo ajudou-o a escrever sobre a realidade? Alguma vez exerceu?
Não, licenciei-me em Jornalismo e escrevi para jornais, mas sabia que não era um grande jornalista. Lembro-me do meu professor de Jornalismo me dizer, às vezes, “tu inventaste esta citação não foi?”. Eu admitia que sim, mas que ninguém tinha dito a verdade e que a minha posição era dizer a verdade (risos). E isto era um debate que tínhamos ao longo dos anos: eu dizia que o meu dever era mostrar a verdade, ele dizia o meu dever era dar os factos e deixar o leitor decidir qual era a verdade. Também inventava detalhes… bem, estava já a escrever ficção. E a verdade é que nunca me importei se algo é factual ou não, desde que ressoe com a verdade da experiência humana. Para mim, algo que é verdadeiro é algo que é válido para todas as culturas, para todas as pessoas, em todas as épocas. Algo que todos nós já tenhamos experienciado. Por isso é que um poema de Li Po ou uma urna grega ainda nos emocionam. Porque eles viajaram através do tempo e dos lugares, além do que é essencial. E todos nós passamos por alguma coisa na vida. E é isso que é a literatura… esses momentos.

É essa a mensagem, se é que há uma, que quer passar com os seus livros? Quer que as pessoas vejam essa humanidade?
Diria que escrevo para descobrir. Nunca sei onde é que a história vai parar, ou o que vai acontecer. Há algumas coisas pelas quais são obcecado, como agora, o mais recente, é o Jiu-Jitsu brasileiro, e coloco isso na minha história, porque é algo que a minha família pratica e eu quero descobrir mais sobre isso. Mas, se souber o que a história vai ser, torna-se aborrecido. Sinto-me mais como um professor a dar uma palestra. Uma das grandes alegrias no mundo é conhecer outros seres humanos. Alguém que é um mistério e que, ao longo do tempo, faz-nos construir uma relação. A confiança ganha-se. As vulnerabilidades começam a aparecer, as pessoas começam a revelar camadas mais profundas e, aí, deparamo-nos com uma sensação de que conhecemos realmente a pessoa. E a razão por que isto acontece é porque não sabemos o que a outra pessoa está a pensar, nunca conseguimos saber o que está na cabeça de outra pessoa. E não é isso que a literatura faz? Dar-nos a perspectiva de outros? Mesmo que seja uma ilusão. Se soubermos tudo sobre o outro, não há nada para descobrir: e é isso que quero transmitir com as minhas personagens.

Fiquei a saber que é obsessivo com a linguagem que utiliza nos livros e que a aperfeiçoa até estar satisfeito…
Não é com a sua? Com o que se pode fazer com as palavras?

Há trabalhos seus que nunca viram a luz do dia porque nunca gostou de como ficaram? Quanto tempo demora a limar essas arestas?
Todos escrevem de forma diferente. A minha mulher [escritora], escreve um pouco daquele capítulo, daquela cena… eu gosto de aperfeiçoar uma frase, se ela é [oca] não gosto dela, tem que ser sólida. E isso é o que traz alegria quando lê o seu escritor favorito: conseguimos sentir quando um autor passou meia hora a aperfeiçoar uma frase, a encontrar a expressão certa para esta incerteza que é a vida. E às vezes lemos uma passagem inteira e sabemos que levou dias a ser escrita. Foi reescrita vinte, cem vezes. Essa é uma das minhas grandes alegrias ao ler: sentir que alguém exprimiu algo perfeitamente. Isso é uma das coisas que quero dar e receber.

Está na China agora, esteve na Coreia do Norte… regimes fechados no que à liberdade de escrita diz respeito. Alguma vez pensou não ter a liberdade de escrever/publicar o que quisesse?

Tomo a liberdade como garantida. Mesmo. Vivo num reino onde todos se expressam completamente à vontade – às vezes demasiado livremente. Tenho um compromisso com a universidade, o que significa que nada do que escrevo me pode custar o meu trabalho [lá] e já levo isso muito a sério. Mas venho aqui e leio nos jornais casos como o dos livreiros [de HK], que arriscaram a sua liberdade para vender livros para que as pessoas possam ter a oportunidade de os ler e eu não sabia disso. É lamentável. É difícil de acreditar que isso ainda exista no mundo.

Ensina Escrita Criativa na Universidade de Stanford e foi considerado “o professor mais influente e imaginativo” da universidade pela revista Playboy. O que pretende ensinar aos seus estudantes, aos novos escritores?
Alguém tinha de ser (risos). Evangelicamente, tendo em mente o poder da ficção sinto o dever de usar esse poder para dar significado às nossas vidas. O que é bom na escrita é que todos podem fazê-lo, todos temos essa capacidade, somos todos ‘experts’ em humanidade, de certa forma, ou pelo menos em nós próprios e não há barreiras na escrita: só precisamos da nossa criatividade, ao contrário de um filme que custa dinheiro. Claro, vai haver muitas coisas mal escritas por aí, mas todos os que entram neste reino conseguem melhorar até a sua história falar com outra pessoa.

“Fortune Smiles” e “George Orwell Was a Friend Of Mine” foram as umas últimas obras, lançadas em 2015. Para quando um trabalho novo? Macau pode servir de influência?
Estou a escrever um grande romance agora, não sei o que vai ser, não sei se vai falhar. É o que dá não sabermos o que estamos a fazer (risos). Seria interessante [pensar que Macau poderia inspirar-me]. O livro que estou a escrever agora veio de uma visita através de um festival literário como este [Rota das Letras] e, quando fui embora, comecei a ficar obcecado por coisas que tinha visto nessa visita e, por isso, nunca se sabe. Acho que vou primeiro ler obras de autores de Macau a falarem sobre este lugar, antes de começar a escrever algo sobre Macau.

14 Mar 2016

Gil Mac, músico, designer e performer, apresenta “Oráculo”

Está em Macau para o Rota das Letras e traz consigo um projecto inovador e único, que o vai levar numa viagem irrepetível e muito pessoal. Gil Mac apresenta “Oráculo” de sexta-feira a domingo no antigo tribunal, mas não sem antes revelar o seu lado de músico, artista e investigador da vida de Camilo Pessanha – uma “obsessão” que nasceu aqui

[dropcap]D[/dropcap]esigner, músico, encenador, performer… Por onde é que começamos exactamente, qual o pontapé de saída de Gil Mac no mundo das Artes?
Sempre no mundo da música e como designer gráfico. Desde pequeno que comecei com bandas e, depois, fui estudar Design Gráfico. Mas mantive sempre essa relação entre música e design. Fui fazendo isso tudo até que entrei no CITAC [Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra] há uns dez anos e intensifiquei muito a performance e é nisso que tenho trabalhado, na área de teatro. Sou um artista que trabalha nessas três áreas e vou mudando e faço-o em projectos individuais ou para a minha associação, para a qual trabalho muito, a DEMO. E para outras companhias.

A sua orientação, especialmente ao nível do projecto musical Lucifer’s Ensemble, é um pouco ligada ao oculto, ao misticismo. Porquê esse interesse?
Sim, sim. Não sei, nasceu ao mesmo tempo que estava no CITAC e estávamos a fazer um espectáculo chamado ‘Divodignos’, que era uma sociedade secreta em Coimbra e, essa investigação, fez com que tentássemos perceber os mistérios – porque aquilo passava-se no princípio do Séc. XIX – e, a partir daí comecei a desenvolver mais conhecimento e a estar ligado com o oculto, com esta curiosidade.

Isso atrai o público?
Acho que há muita gente ligada [ao oculto] e que tem essa curiosidade, outros têm algum receio. Como, para mim, esse esoterismo não é algo astérico, mas sim vontade do conhecimento. De certa forma, a procura do desconhecido, de alguma coisa que não é palpável. Esse mergulho é interessante, especialmente numa fase criativa. Mas, adicionalmente é a procura do conhecimento e, de alguma forma, o estar vivo e partilhar momentos com pessoas. Mas, por outro lado, as pessoas têm algum receio dessa experiência, da relação com algo não palpável, relacionam com o burlão, com o folclore de magia negra, algo que cria um afastamento. Mas não tenho tido muito esse problema. Acho que o público vem, de alguma forma, preparado.

Aqui vai apresentar o “Oráculo”, uma “performance interactiva”, com Tarot e com Camilo Pessanha. O que é o “Oráculo”?
Primeiro, é uma espécie de obsessão que nasceu quando vim a Macau para um projecto chamado CODE, que ia fazer em Hong Kong e a Babel (organização) propôs que fizesse cá. Há muito pouco tempo que percebi que tinha, realmente, esta ligação ao oculto. Mas começou por uma obsessão com Camilo Pessanha, quando voltei a Macau em 2014. Comecei a investigar e vi Camilo Pessanha ligado a Macau. Na Fundação Oriente fiz um curso de Xilogravura da China e, em Lisboa, fiquei nos ‘calabouços’ a estudar Pessanha e a China. Como sou designer gráfico, e estou muito mais ligado à imagem, fiz uma compilação da minha investigação em postais para apresentar numa primeira actividade onde ia fazer num projecto chamado INSCRIÇÃO, que foi no Porto, sobre o universo de Camilo Pessanha. Nos postais mostrava a vida [do poeta]. A viagem era interessante, ainda que longa, mas ao fazê-lo percebi que poderia criar um conteúdo aleatório – duas ou três imagens poderiam relacionar-se com as várias histórias dentro desta história. Comecei a fazer investigação sobre o Tarot e converti os grandes arcanos [22 cartas maiores no Tarot], são os grandes arquétipos, como se fossem os trunfos, que contam a história do Louco. Basicamente é a história dele, que tem o seu próprio caminho. Isto é como se fosse a viagem de Pessanha, que, em representação aqui será o Louco, o primeiro. Depois temos o universo dele, ligado a cada uma dessas cartas.

Nessa viagem vamos ter Fernando Pessoa, Orpheu…
Vamos passar pelos Poetas Malditos, a geração de Orpheu, Baudelaire, que será o Mago…

Esta sessão será para uma a duas pessoas. Porquê?
Sim, porque tem a ver com a relação do Tarot e de proximidade. Essas duas pessoas terão de ser próximas, íntimas e ter, de alguma forma, alguma relação porque o Tarot é eficaz quando se responde a uma pergunta – uma vontade, uma inquietação, um desejo. Depois passaremos para a fase de o que Camilo Pessanha teria para dizer à pessoa (risos). image

Nos diversos projectos de que faz parte, como o DEMO, há uma interligação de diversas artes – desde a encenação à música, ao grafismo. No meio artístico é necessário existir essa interligação?
A multidisciplinaridade, para nós, é um ‘statement’. No DEMO, as siglas são “Dispositivo”, “Experimental”, “Multidisciplinar” e “Orgânico”. Por causa disso mesmo, uma tentativa de direcção artística onde se criam objectos artísticos e onde o grupo é multidisciplinar, de várias áreas.

No Lucifer’s Ensemble vocês têm também esse cruzamento, os vossos concertos são também uma performance.
Lucifer’s Ensemble é também uma tentativa de multidisciplinaridade. Criar não uma peça de teatro musical, mas sim fazer um concerto performático. Já tínhamos trabalho partindo da influência da música com o projecto PRESENÇA. Com este, o formato é mais aproximado de um concerto, mas com grande performatividade.

É mais fácil que as pessoas entendam o que se está a passar em palco com essa performance além da música?
Lucifer’s Ensemble trabalha numa tentativa de transcendência, em nada há interactividade. O público é voyeurista. Há uma divisão completa entre um espaço e outro, as pessoas estão a ver uma cerimónia, estão em comunhão nessa cerimónia, mas há, de alguma forma, uma separação porque estamos a tentar trabalhar sobre essa relação de transcendência. Há esse ritual iniciático que desenvolvemos a partir de uma nova interpretação, uma nova forma de trabalhar essa performatividade a partir do ritual. E depois tens os vários momentos, as várias músicas, onde se podem ir vendo as transformações. Mas há sempre o cuidado de adaptação ao espaço onde vamos fazer o concerto e aos ambientes. Tem sido um trabalho muito interessante. Não ensaiamos como uma banda normal, criamos em blocos de residência, que vão fazer com que haja composição e se trabalhe nesse espaço [do concerto], onde temos sempre um artista convidado. Trabalhamos sempre com um artista [novo] para nova música e trabalhamos no espaço para [nos adaptarmos a ele]. E vamos iniciar agora o primeiro Clube do Oculto, que é uma tentativa de arranjar projectos convidados para essa cerimónia, para esse espectáculo, onde ocupamos sempre um espaço diferente. Não tem regularidade nenhuma, é espontâneo.

Um dos pontos que defende é ter a arte como intervenção urbana. De que forma?
Venho da música e essa será sempre uma alternativa e a [minha] arte também está muito ligada à ‘street art’. Logo no princípio da DEMO, num projecto que fizemos em Varsóvia e se chamava Russian Roulette, tínhamos essa intervenção – um telemóvel com uma aplicação que tinha um ‘revólver’ e uma única ‘bala’ e se jogava com uma webcam em directo na net. Durante seis semanas havia seis performances diferentes e, ao sexto dia, tínhamos uma performance ligada a temas da sociedade e ao tema de ‘um estranho num lugar estranho’ – houve um dos dias que um colega nossa [o artista] recebeu ‘a bala’ e o tema seria os média. A pergunta que tínhamos de responder era como é que um cidadão tem voz no espaço público, como consegue atingir os média. Fizemos isto cá no Fringe, em 2014, onde andávamos na rua a perguntar às pessoas o que tinham para dizer sobre [diversos temas], em espaço público. Mas também trabalhamos muito numa relação de propaganda, que tem a ver com posters de grande dimensão. É conseguir fazer algo que está na franja da ilegalidade e da ‘street art’, onde, de alguma forma, não estamos a ferir o património, mas comunicamos no espaço público.

Estiveram no Fringe cá em 2014. Sentiram participação do público nesse projecto? O público chinês é tido como um público tímido, que não expressa o que sente sobre o que vê. Sentiram isso?
Sim, são públicos difíceis de atingir. É difícil de explicar, acho que há essa inibição no princípio, e claro que há a questão da língua que deixa as pessoas mais nervosas, mas depois há esta tentativa de as pessoas continuarem a falar e cria-se mais proximidade e há, parece-me, vontade de que se exprimam. Não consigo responder a essa pergunta porque é quase uma relação sociológica e com as artes e a própria cidade.

Não consegue avaliar o ambiente cultural de Macau?
[Comparado] com onde venho, com a Europa, parece-me escasso. Mas não sei, acho que Macau é fascinante pela fusão de culturas e eu teria, pela minha natureza, tentado forçar mais os limites e a relação dessa mescla. Por acaso, no projecto que fizemos [no Fringe] foi muito fixe, porque fizemos workshops no Armazém do Boi e encontrámos uma população jovem chinesa politicamente envolvida e isso deu-me uma esperança muito grande. Ao mesmo tempo estava a acontecer o Occupy [em Hong Kong] e isso era muito próximo ao trabalho que estávamos a fazer cá, da relação com o espaço público. Mas é difícil responder a essa pergunta, é uma realidade diferente e complexa. Mas fascinante.

Há mais projectos na calha aqui para Macau? Dizia que gostava de trazer cá o Lucifer’s Ensemble.
Com certeza, queremos que o Lucifer’s Ensemble vá a todo o lado. Agora, neste momento estou envolvido com o projecto INSCRIÇÃO, com esta obsessão de Camilo Pessanha, que fez com que ele chegasse ao Orpheu. Trabalhamos muito já sobre o Futurismo e vamos continuar, até chegamos ao Portugal Futurista e criámos um espectáculo chamado Hidra e Orpheu, que era o que era para vir cá. Mas não tivemos apoios, não conseguimos as viagens e o Festival [Rota das Letras] também não conseguia suportar as viagens desse grupo [Hidra]. Mas estamos com muita vontade, e o Festival também, de o trazer para o ano. É muito interessante, seriam dois grupos sempre em movimento, com várias performances, aqui [no tribunal] ou na rua. Vamos conversar para planear. Em relação ao Lucifer’s, gostaria muito, mas como está ligado mais à arte sonora e à tecnologia estou a pensar propor ao This is my City. Gosto muito do Armazém do Boi também, acho incrível. Vontade de estar aqui tenho.

Camilo Pessanha é, como já disse, uma obsessão. Já visitou a campa aqui? E sente essa presença de Pessanha em Macau?
Já visitei e, simbolicamente, desta vez, viajei para cá no dia da morte dele (risos). Quando me perguntam o que procuro em Camilo Pessanha costumo responder, de forma intuitiva, o fantasma. Sinto-o, por vezes, nas ruas escuras da parte velha chinesa, que é o local que me agrada mais em Macau. É difícil porque quando estudamos [a vida dele] começamos a imaginar uma época e é muito difícil abstrairmo-nos do Macau onde vivemos agora. Conseguimos ter alguns enquadramentos onde imaginamos a vivência dele, mas é uma relação com a história, uma imagem a preto e branco (risos). Há algum saudosismo que não é de um Macau como este de agora.

11 Mar 2016

Daniel Pires lança Dicionário Cronológico da Imprensa Periódica de Macau

[dropcap]O[/dropcap] investigador português Daniel Pires apresenta, no dia 15, o “Dicionário Cronológico da Imprensa Periódica de Macau do Século XIX (1822-1900)”, um trabalho iniciado há 26 anos e que se debruça sobre uma “fundamental fonte histórica”. Cerca de 80 periódicos – a maioria em Português, mas também alguns em Inglês – foram publicados ao longo do século XIX em Macau, abrindo uma janela para a “sociedade, economia, política, educação” da época, considera Pires, que participa no Rota das Letras.

Estes jornais eram importantes pela informação comercial que disponibilizavam numa cidade cuja principal função era ser um entreposto comercial. “As pessoas precisavam de saber que vinha aí a seda, quanto custava o metro, tinham de saber os câmbios, as datas de chegada e partida dos barcos”, explicou à Lusa.

Eram também jornais marcadamente políticos – divididos entre os da oposição e do Governo – apesar da forte censura.
“Mesmo quando não havia censura em Portugal, a censura aqui existia. Era uma cidade pequena, não tinha Taipa e Coloane, era a foz do Rio das Pérolas e acabou. Imagine-se o que era em termos de lutas, conflitos de interesses.”

Os conflitos “resolviam-se com uma repressão forte”, que tinha a censura como aspecto fundamental mas também outros: “As pessoas que não obedeciam eram espancadas, enviadas para o degredo, Timor”. Esse foi o destino de alguns “jornalistas de grandíssimo valor e grandíssima coragem” que “fizeram frente ao poder discricionário”, como foi o caso do médico Francisco da Silva Magalhães, director do Gazeta de Macau.

“Era um idealista, queria participar na construção da sociedade e era crítico – ser crítico nesta altura pagava-se caro, foram dois anos de castigo no degredo em Timor”, disse, lembrando um homem “muitíssimo inovador a vários níveis”.

Ser jornalista em Macau no século XIX “não era fácil” e a pressão surgia de todos os lados. “Havia formas de dissuadir. Dizia-se ‘És director do jornal, cuidado com o que escreves ou o teu filho pode não ter emprego’”, exemplificou Pires.

Passado marcado

Entre os temas mais recorrentes nos periódicos da época, o investigador salientou, além do comércio, a relação entre portugueses e chineses – “uma relação difícil” –, a luta entre o Leal Senado [câmara] e o governador, a Guerra do Ópio e o tráfico de cules, emigrantes chineses que vinham para Macau e eram depois enviados para trabalhar na América Latina, “eram contratados, com mentiras à mistura, na China”.

“Em Macau era-lhes dado um passaporte português, tornavam-se cidadãos portugueses sem saberem contar até três, e depois eram levados para o Peru e para Cuba, onde eram exploradíssimos. A primeira coisa que lhes faziam era retirar o passaporte”, contou.

Para o investigador, que viveu três anos em Macau e publicou obras relacionadas com Camilo Pessanha, Wenceslau de Moraes e Bocage, “os jornais são absolutamente fundamentais como fonte histórica, talvez até sejam a principal fonte”.

“Pode ter havido uma censura tal que as pessoas estivessem amordaçadas e houve muitos momentos em que estiveram, mas ali está tudo o que foi possível publicar”, conclui.

O “Dicionário Cronológico da Imprensa Periódica de Macau do Século XIX (1822-1900)”, editado pelo Instituto Cultural de Macau, é lançado no dia 15 pelas 18h30, na Academia Jao Tsung-I.

11 Mar 2016

Exposição “Amor Moldado”, de Xue Yihan, inaugurada no Albergue SCM

O primeiro contacto de Yao Feng com o trabalho artístico de Xue Yihan aconteceu por culpa do acaso. Um dia Yao Feng, pseudónimo de Yao Jingming, académico da Universidade de Macau (UM), foi convidado para jantar em casa de um dos filhos de Xue Yihan, artista e um antigo soldado do exército chinês, já falecido. Foi então que Yao Feng se deparou com diversas gravuras sobre Macau expostas na parede da sala.
“Este artista já morreu em 2008 e, no ano passado, os filhos convidaram-me para jantar na sua casa em Zhuhai. Durante o jantar reparei nos quadros na parede e fiquei impressionado. Eram quadros de gravura mas todos sobre Macau, sobre o palácio do Governador ou as Portas do Cerco. Falei com eles e fiquei com a ideia de fazer uma exposição em Macau”, contou Yao Feng ao HM.
O contacto do artista com Macau só aconteceu depois de se ter reformado e mudado de armas e bagagens para Zhuhai. “Foi aí que teve a oportunidade de visitar Macau e ficou impressionado. Acabou por vir cá muitas vezes e, durante dois anos, fez muitos trabalhos com um amigo (Zhang Zhenqi), também artista, todos eles feitos antes do período de transferência de soberania.” Os filhos de Xue Yihan acabaram por doar 12 obras do pai ao Governo de Macau.
Na nota que escreveu sobre a exposição, Yao Feng destacou o facto de Xue Yihan ter retratado os lugares históricos de Macau através da gravura, num trabalho cheio de detalhes. “Para fazer estas obras, Xue Yihan percorreu as ruas e ruelas de Macau e acabou por seleccionar cuidadosamente os pontos históricos e culturais mais representativos para os temas da sua gravura, os quais ganharam uma excelente expressão através da sua técnica hábil de gravura e da sua alma acesa na paixão por esta terra. Sendo um artista experiente em arte de gravura, Xue Yihan sabia bem como interiorizar primeiramente a paisagem física e depois mostrá-la aos olhos do público, pelas cores e linhas cuidadosamente concebidas.”

Testemunho de mestre

Para Yao Feng, as obras que serão vistas na exposição do Albergue SCM “são feitas com linhas complexas mas precisas, cores abundantes mas harmoniosas, o que serve para provar que Xue Yihan era um mestre em arte de gravura. Como as obras de gravura de Xue Yihan foram concluídas num importante momento histórico de Macau, já constituem uma preciosa testemunha artística deste momento”.
Nascido em 1937, Xue Yihan foi membro da Associação dos Artistas da China e da Associação de Gravadores da China, bem como da Associação dos Artistas de Guangdong. Foi no período em que prestou serviço militar na marinha chinesa que retratou a vida dos militares no Mar do Sul da China. Depois de se ter mudado para Zhuhai aquando da sua reforma, Xue Yihan acabou por criar o Centro de Intercâmbio Cultural e Artístico, tendo chegado a expor o seu trabalho em países como a Austrália, Canadá, Estados Unidos e ainda em diversas cidades chinesas.
A exposição estará patente até ao dia 22 de Abril, podendo ser visitada todos os dias entre as 12h00 e 20h00 – às segundas-feiras apenas estará aberta entre as 15h00 e 20h00. A entrada é livre.

11 Mar 2016

Chen Xiwo, escritor: “Uma revolução política (na China) não pode ser evitada”

Polémico e irreverente, Chen Xiwo já viu obras suas proibidas na China, mas ainda assim não desiste de escrever sobre o sexo e o desejo. Convidado do Rota das Letras, Chen Xiwo acredita que o seu país vai acabar por sofrer uma inevitável revolução política

[dropcap]E[/dropcap]sta quarta-feira ao final da tarde Chen Xiwo sentou-se na sala do edifício do antigo tribunal e contou perante uma plateia cheia o seu embate com as autoridades chinesas que confiscaram e baniram dois dos seus livros. A conversa, no âmbito do Festival Literário Rota das Letras, foi sobre “The Book of Sins”, um dos livros banidos no continente, mas também incidiu sobre “I love my mum”, outra obra polémica e banida, pelo seu forte teor sexual.

À margem da sessão, o autor confessou ao HM que as autoridades do seu país não poderão evitar o descontentamento crescente da população. “Nos anos 80 o Governo tentou mudar a situação que vivíamos na altura, mas apenas fizeram uma revolução económica e não política. Mas uma revolução política não pode ser evitada. Acredito que num futuro próximo a China vai ter uma revolução contra o sistema político. As palavras dos cidadãos chineses não importam, apenas as palavras dos oficiais do Governo.”

Questionado sobre o lado imoral que a cidade do Jogo pode ter, sobretudo por ser algo muito amado pelos chineses, Chen Xiwo considerou que a moralidade, sendo muito abordada na China, não se verifica na prática.

“A moralidade na China é sempre algo contestado. É algo que sempre vimos retratado nos livros e na história chinesa, mas que nunca vemos mostrado na realidade. As pessoas não jogam apenas em Macau mas também jogam em diversas partes da China. Do que sei é que a maior parte das pessoas da China que vêm a Macau jogar são oficiais do Governo”, referiu.

Estranha literatura

Chen Xiwo vive actualmente na China onde é professor universitário, com um doutoramento em Literatura Comparada e Mundial. Os livros que mandou imprimir em Taiwan acabaram por ser confiscados pelas autoridades. “Apenas me disseram: não brinque connosco, não seja tão agressivo. Não argumente connosco porque esta é a nossa maneira de fazer as coisas. Fiquei furioso e perguntei em que lei se baseavam para banir o meu livro. Disseram-me que era pornográfico e obsceno”, contou Chen Xiwo na sessão do Festival.

Referindo que o teor sexual já faz parte do quotidiano dos chineses, o autor confessou ainda que “banir o sexo tem tudo a ver com política”. “Ser erótico e sexual é algo legítimo”, apontou. Ainda assim, Chen Xiwo garantiu ao HM que nunca vai deixar de escrever sobre esta temática.

“Uma mudança de tema é para mim impossível, porque a temática do sexo vai surgir no próximo livro. Mas ainda tenho de analisar que liberdade é que o meu editor me vai dar para publicar o meu próximo livro, por isso ainda estou a ponderar essa parte. Acho que a literatura é sempre sobre como podemos provocar o senso comum. O que é normal e aceite para mim não funciona, tenho sempre de fazer algo diferente”, disse Chen Xiwo na sessão do Festival, assumindo que nem todos compreendem as palavras que escreve.

“O meu trabalho é raro na literatura chinesa e não acho que tenha muitos fãs ou leitores que gostem dos meus livros, porque tenho uma escrita agressiva.”

Ainda assim, Chen Xiwo referiu que nunca pensou sair da China, apesar de já ter estudado no Japão. “Alguns amigos sugeriram que devia sair do país, mas penso que um escritor tem que estar na sua terra natal. Um escritor é como um político, mesmo que esteja na prisão tem de ficar no seu próprio país.”

No meio de um debate sobre censura na literatura, houve ainda umas palavras sobre política. “No Ocidente há democracia, por exemplo nos Estados Unidos escolhem o seu próprio presidente, mas na China somos impotentes”, rematou o autor.

11 Mar 2016

Luiz Ruffato, escritor e colunista no El País : “Os intelectuais brasileiros são muito covardes”

Numa pausa entre livros, Luiz Ruffato fala-nos do mundo, da política brasileira, da literatura elitista e da falta de partilha de letras entre Portugal e o Brasil. Para o autor, os intelectuais devem assumir posições sociais e no seu caso não se importa de não ser reconhecido como escritor quando o chamam para discutir ideias

Portugal e Brasil estão mais ligados no mundo da literatura por partilharem a mesma língua?
Tenho uma visão muito pessimista da relação entre o Brasil e Portugal, porque é uma relação muito difícil, por ser o único caso em que o colonizado assumiu uma proporção política e económica maior que o colonizador. Isto acabou por provocar um sentimento negativo entre estes dois países. Não existe no Brasil esta relação que Macau tem para com Portugal. A maioria dos brasileiros não tem qualquer relação com Portugal. Existe um certo desprezo. Mas por outro lado existe também um Portugal que tem uma ideia muito má do Brasil. Num determinado momento chegaram muitos brasileiros a Portugal que acabaram por deixar uma imagem de prostituição e de pessoas irresponsáveis.

Isso é verdade?
Não, antes pelo contrário. O Brasil é um país super trabalhador, há muitas coisas no Brasil que seriam muito interessantes para os portugueses conhecerem. Em relação à literatura, nós conhecemos a portuguesa… mas só as pessoas que lêem. O contrário não é verdade, os portugueses não conhecem nem querem conhecer a literatura brasileira, não dão a menor importância, alegando uma certa dificuldade em perceber esta literatura. Isto é uma contradição, ou seja [se os portugueses] têm dificuldade em perceber então não estamos a falar a mesma língua. Mas se dizemos que não é a mesma língua, os portugueses ficam chateados.

É a única coisa que resta a Portugal? Daí o não apoio ao Acordo Ortográfico?
(risos) Todas as vezes que vou a Portugal perguntam-me o que acho do AO e digo: nada. Para nós isso tem zero importância. Mas eu sei, é a única coisa que vocês têm. É um problema. Gostaria que nos sentássemos e resolvêssemos os nossos problemas. Colocávamos dinheiro no Instituto Camões e ele deixava de ser português para ser lusófono. Ensinava língua brasileira, africana… cultura, literatura. Mas isto vai acontecer? Nunca. O que vai acontecer é que vamos cada vez mais distanciar-nos, o português de Portugal vai acabar por ser um mero dialecto da língua brasileira. Há um exemplo muito concreto: eu num carro com um motorista brasileiro e dois portugueses atrás. Eles a conversarem e o motorista intervém dizendo: “desculpem, vocês estão falando uma língua que eu entendo bastante, que língua é essa?”. Bem, aquilo deixou os portugueses surpreendidos e eles disseram que falavam Português. E o motorista perguntou de que país eram porque ele não sabia que em Portugal também se falava Português. Desde crianças que nós achamos que falamos Português, nós brasileiros. Por isso é que acho que daqui a uns anos isto poderá acontecer.

Acha que os seus livros são mais lidos no Brasil ou no estrangeiro?
Mais lidos não sei, devido ao elevado número de pessoas. Mas com certeza tenho mais visibilidade fora do Brasil, isso é indiscutível.

No seu livro “A História Verdadeira do Sapo Luiz”, que ganhou a 57ª edição do Prémio Jabuti de livros infantis, conta a história de um sapo que nunca se tornou príncipe, porque não precisamos de ser príncipes para termos um lugar no mundo. Faz muitas vezes referência à sua origem, mostrando-se como alguém que não é filho de intelectuais mas conseguiu entrar neste mundo da literatura. Há uma ligação? O Luiz é o sapo da fábula?
Sim, eu sou o sapo que não [se transformou] num príncipe e não é por isso que não sou feliz. (risos) Na sociedade brasileira 99,99% dos escritores são filhos de classe média alta, em geral são pessoas que tiveram em casa uma biblioteca, eram filhos de intelectuais. E isso é reproduzido na literatura, mesmo quando escrevem de pobres e bandidos. Como não sou filho de classe média, a minha biografia é diferente e isso deu-me um lugar dentro do mercado literário, do seu sistema, bastante diferenciado. Cada vez menos, é certo. Mas subjectivamente continuo a ser alguém que entrou pela porta dos fundos. luiz ruffato

Sente-se muito essa diferença?
Sim, muito. Basta olhar para o tipo de personagens que uso na minha literatura, não são comuns na literatura brasileira. O tipo de actuação que tento fazer nas colunas do El País, que é discutir política. Os intelectuais brasileiros são muito covardes, eles preferem não discutir.

Não se posicionam no mundo político…
É muito difícil encontrar alguém que se posicione de forma clara. Mesmo quando são discutidas questões mais ligadas à literatura é muito comum encontrar um escritor que diga: “o que tinha a dizer está escrito nos livros”. Isto é uma estupidez imensa. Portanto, neste sentido, sim, optei por ser sapo num sistema literário.

Os seus livros são o retrato de uma classe que não a média alta, que não os intelectuais. Nasceu por ninguém escrever sobre este grupo?
Comecei a escrever exactamente por isso, ninguém escrevia sobre as pessoas que eu conhecia. Isto incomodava-me muito, achava super estranho. Como não existia uma literatura que falasse da classe que trabalha eu decidi escrever. Não foi uma necessidade que nasceu de dentro para fora, foi ao contrário. Eu escolhi escrever sobre isto, foi sempre muito claro, muito intencional.

Mas marcou uma posição muito clara de actividade social depois do polémico discurso na Alemanha, em 2013, onde apresentou várias críticas ao Brasil…
Depois desse discurso muito professores de escolas secundárias e de lugares distantes imprimiram esse discurso e levaram para a sala de aula. Acho que bastantes pessoas que hoje me conhecem não me conhecem como escritor mas sim devido àquele discurso. Não há problema algum, não lamento que não leiam os livros. Mas sim, depois desse discurso recebi várias intervenções da sociedade e pedidos para conversar e saber das minhas ideias. Queria ser mais conhecido como escritor, claro, mas num país como o meu, que é horrível, que tem um nível de educação baixo, com problemas políticos graves, querer abrir mão deste papel, lugar e espaço é quase criminoso. Portanto fico frustrado por ser pouco lido? Claro que sim. Mas é importante que me procurem como pessoa que dá opinião? É.

Abdicava dos livros por este lado político?
Sinceramente, se pudesse actuar de uma maneira mais efectiva, não digo político institucional, abria mão dos meu livros.

Está a fazê-lo na sua coluna no jornal El País…
Sim, de alguma maneira. É algo que consome muito tempo, muito esforço e um problema sério, é que todas as vezes que escrevo alguma coisa perco leitores. (risos) É o meu papel, enfim, acho que é. Escrevo semanalmente, é uma loucura, são colunas muito polémicas. Hoje no Brasil quando criticamos o Governo somos da oposição, mas se criticamos a oposição somos do Governo. Isto é errado. O bom é termos independência, quer dizer, até podemos estar errados quanto às nossas opiniões, mas é melhor estar errado pela nossa cabeça do que estar certo de coisas que não são nossas. Prefiro estar equivocado e ter menos leitores.

Deixou o jornalismo para se dedicar exclusivamente à escrita.
Isso mesmo. E isso era muito incomum, era raro. Ainda é raro encontrar alguém no Brasil que se dedique exclusivamente à literatura. Fiz essa opção. Em alguns entrevistas cheguei a dizer que tinha orgulho que a literatura me fizesse ganhar dinheiro, que vivia disso. Isso para os intelectuais era uma vergonha, porque eles não precisam disso. Isto para mim é profissão. Tenho muito orgulho nisso, gosto muito.

Em que é que mais de 15 anos na área o ajudaram como escritor?
Não tenho dúvidas de que o jornalismo é a mais importante arma da democracia, não tenho nenhuma dúvida. Mas o meu papel no jornalismo era ridículo. Sempre fui um péssimo repórter, digo repórter, não jornalista. Sou muito tímido, morria de vergonha de fazer perguntas, e o jornalista tem de ser cara de pau e “encher o saco”, como dizemos (risos). Isso chateava-me imenso. Muito cedo, dentro do jornalismo, percebi que gostava de inventar reportagens (risos) e como isso não pode acontecer comecei por ficar dentro da redacção. E aí sim, como redactor e editor era bom, isso era. Mas ainda assim era frustrante, ao mesmo tempo via que tudo o que me interessa era exactamente aquilo que não interessava. Até que um dia decidi deixar e tentar literatura. Como escritor, o jornalismo não me deixou nada.

Como está o jornalismo no Brasil?
Há muitos anos que a entrada da internet no mundo fez com que fosse necessário discutir o formato [do jornalismo]. O grande problema, focado na imprensa, é que o número de pessoas que lê é pouco e as pessoas que lêem começaram a ficaram cada vez mais desinteressadas, porque os jornais não conseguiram resolver o problema da internet. Há um problema também na diversidade ideológica, no Brasil, nos jornais. Todos defendem interesses iguais. Por exemplo em Portugal, vamos comprar um jornal e conseguimos ver diferentes interesses. No Brasil isto é impossível. Todos os jornais são iguais. Há também uma perda na credibilidade, o leitor perdeu a confiança.

Muitas teses de mestrado e doutoramento tiveram como base os seus livros. Como vê a educação brasileira actualmente?
Tenho várias teses, em várias universidades. É interessante observar como é que de alguma maneira os meus livros foram incorporados no sistema de educação. [Mas o ensino é] horrível, é horrível. Temos um dos piores índices da avaliação internacional que é feita. O sistema educacional é um fracasso completo. A grande crítica que faço ao Governo é essa, nunca imaginei que com o PT [Partido dos Trabalhadores], eu que ajudei a formar o partido, tivéssemos estas mudanças absurdas estando no poder. Imaginei uma mudança fundamental na educação, mas não foi feita.

Porquê? Como é que se perdem os valores?
Poder. O Frei Betto, que é um frade católico meu amigo, escritor, foi do primeiro Governo de Lula durante dois ou três anos e saiu logo. Continua próximo do PT, mas não do Governo. Depois de sair escreveu um artigo que tinha esta frase que, acho eu, ser a síntese do problema do Brasil: “O PT trocou um programa de governo para um programa de poder”. É este o problema.

O seu último livro foi em 2014, teremos um novo livro este ano?
Nos último quatro anos tenho ficado mais tempo fora do Brasil do que dentro. É bom para conhecer outras coisas e partilhar trabalho, mas o lado mau é que fico sem tempo para me dedicar à escrita, agravado pela coluna semanal. Dificilmente vou conseguir terminar alguma coisa, um novo livro talvez só em 2018.

10 Mar 2016

Lolita Hu Ching-fang, autora de ‘The Third Person’: “Espero que Macau pense na sua cultura”

Participou na primeira edição do Rota das Letras e cinco anos depois volta a ser convidada para partilhar os seus pensamentos. Lolita Hu Ching-fang, escritora de Taiwan, considera que o ambiente de Macau é apropriado para criar, sendo que até a autora conseguiu escrever uma obra inspirada no território. Numa conversa sobre o processo da escrita, Lolita fala ainda sobre a identidade dos chineses fora do continente
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Lolita Hu Ching-fang, escritora de Taiwan

[dropcap]J[/dropcap]á é a segunda vez que está presente no Rota das Letras. Está a gostar de conhecer mais de Macau?
Sim, estou gradualmente a conhecer a cidade. Como vivi em Hong Kong há 11 anos, para mim Macau é a casa dos meus amigos, que visito sempre.

Como escritora como avalia o ambiente de Macau?
Hoje vejo Macau como um lugar cheio de casinos, hotéis e entretenimento, mas lembro-me do charme que Macau tinha antigamente. Era um sítio onde não era preciso muito dinheiro para se viver e bastante profícuo para o desenvolvimento criativo. Acho que é preciso encontrar um equilíbrio entre as duas realidades. Os artistas precisam sempre de parar antes de dar os próximos passos e pensar qual o significado da sociedade, qual o sentido da vida… isto depois torna-se o material para a criação. Nos bairros antigos [de Macau], existe a verdadeira natureza da cidade, que é, de facto, inspiradora para se escrever.

Costuma passear nos bairros antigos?
Sim, porque os casinos e hotéis são para um certo grupo de turistas, mas não são para as pessoas comuns, como eu. Gosto de passear nas ruas e travessas pequenas, sobretudo em Coloane, onde posso conhecer como era Macau originalmente. Aí encontrei intimidade, familiaridade e humanização.

Macau inspira-a para criar?
De facto, quando participei na primeira edição do Rota das Letras, escrevi um conto sobre Macau, que está no meu livro “Floating”, publicado em 2014. Chama-se “Spring Dream” e fala sobre uma mulher que tem um marido rico, e costuma passear em Macau antes de voltar para a China continental, mas um dia tem um encontro especial com um jovem português. A mulher já viveu muitas mudanças na China e agora é rica, mas o amor que tinha durante a juventude desapareceu, mesmo que agora ela tenha tudo. O conto pretende demonstrar que a China está sempre a querer comprar, investir, ganhar e a mulher é o símbolo da China, porque quer comprar o amor do jovem português, mas o amor não é verdadeiro. O conto fala também da bandeira nacional da China em Macau, qual é a relação entre os dois lados e como o país recupera da perda de tempos antigos. A identidade dos portugueses em Macau também é um episódio. Antigamente, o Ocidente comprava o Oriente, agora é ao contrário. Tentei usar uma história simples para expressar significados complicados.

Um dos seus livros – “A minha geração” -, publicado em 2010, fala sobre como os chineses que viajam para Hong Kong, Taiwan e interior da China mantêm ou reconfiguram  as suas identidades.  Esta questão voltou a ser polémica recentemente, depois de acontecer o caso da cantora taiwanesa Tzuyu, que levantou a bandeira de Taiwan num programa de televisão coreano, mas foi criticada por outro cantor taiwanês por ser apoiante da independência da ilha Formosa. Vários anos depois da publicação da sua obra, como agora olha para esta questão?
Esta questão tem existido porque o intercâmbio dos dois lados do estreito se alargou. Quando escrevi o livro, achei interessante porque todos falavam a língua chinesa mas sentiam-se estranhos uns aos outros. Penso que os sítios por onde uma pessoa passa tornam-se parte dela. Por exemplo, eu vivi em tantos sítios diferentes, que considero que sou de Hong Kong, de Taiwan, de Tóquio. Sou de Paris e sou de Xangai. Espero que todos estes locais façam parte de mim, porque conheço e respeito todas as partes, ainda que considere que não preciso de uma divisão tão clara.

Para Macau, Taiwan é sempre uma referência, em aspectos como o trânsito, infra-estruturas e protecção ambiental. Como vê as diferenças entre cidades como Hong Kong, Macau e Taiwan?
Considero que Taiwan tem uma coisa que Hong Kong e Macau não têm: sufrágio. É muito importante porque as opiniões da população são expressas. O povo preocupa-se com a sua terra, o seu ambiente, então pensa em melhorá-los e espera, através de eleições, escolher pessoas que ajudam a elaborar políticas [nesse sentido]. Se o Governo não representa a população, mas apenas comunica com os grupos mais ricos, então não pensa em melhorar políticas, pensa apenas em números. Em Taiwan as opiniões da população são mais fáceis de ser ouvidas, é a vantagem quando comparado com Hong Kong e Macau. É um ambiente “de pessoas”, não “de números”.

Consegue-se distinguir as vantagens de Hong Kong e Macau?
O Estado de Direito. Em Taiwan, o interesse humano é maior mas as leis são menos dedicadas. Admiro que Hong Kong não exclua os estrangeiros porque é gerido pelas leis e também pela igualdade. Em Taiwan isso é pior.

O que pretende passar para a audiência de Macau nesta edição do Rotas das Letras?
Espero que Macau pense na sua cidade, na sua cultura. Agora o sector do turismo é um dos aspectos fundamentais, a cidade recebe sempre estranhos, que entram e saem todos os dias. Qual é o significado disso? Quando se é generoso ao receber os estranhos, o que se pode preservar? Se têm uma sala em casa para receber visitantes, o que é essa sala? É preciso pensar que essa sala é a divisão principal da “casa”. Espero que a minha presença faça reflectir como as pessoas locais são importantes e, ao mesmo tempo, espero ouvir as pessoas a falar e a pensar sobre qual é a sua cultura.

Como foi partilhar sessões com o historiador José Pacheco Pereira e o escritor Chan Koonchung?
Fiquei surpreendida ao saber que José Pacheco Pereira tem a maior biblioteca privada de Portugal. Quando conversei com ele, disse-lhe que somos da cidade e que os prédios são uma coisa muito aborrecida, não conseguimos viver numa casa grande, o espaço é muito precioso. Como escritora de outra geração, tenho experiências diferentes, porque a minha geração é obrigada a ser “digital”, os livros são electrónicos, é outro modelo de leitura. Sobre Chan Koonchung, que já conheço há 20 anos, ele foi convidado por mim e temos contextos semelhantes porque nascemos em grandes cidades, preocupamo-nos com as cidades e, portanto,  escrevemos muito sobre isso.

A curto-prazo que planos tem para a sua carreira literária?
A escrita agora é a minha vida. Estou a escrever uma novela, está a meio. Além disso, vou publicar este ano uma colecção de prosa. As colunas que escrevo para os jornais chineses também vão manter-se. No final deste ano, vou mudar de Nova Iorque para Hong Kong, novamente. Portanto, ainda posso participar na próxima edição do Rota das Letras (risos).

PERFIL

Hu Ching-fang (C.F. Hu ou Lolita Hu) é ensaísta e romancista. Nascida em Taipé, viveu em Hong Kong, Xangai e Pequim, publicando livros e escrevendo artigos em Hong Kong, na China, em Taiwan e em Singapura. Os seus trabalhos exploram a temática da vida urbana nas grandes cidades, as identidades culturais num mundo globalizado, o inevitável destino de solidão do ser humano moderno. Com o livro “The Third Person” recebeu o Prémio Golden Tripod, de Taiwan, para a melhor publicação literária de 2013. A colectânea de contos “Floating” (2014) é o seu mais recente título. Reside presentemente em Nova Iorque, depois de ter vivido em Tóquio.

9 Mar 2016