Livro | Ivo Carneiro de Sousa lança “História de Timor-Leste” na próxima segunda-feira

[dropcap style=’circle’] I [/dropcap] vo Carneiro de Sousa lança na próxima segunda-feira “History of East-Timor”, esperando contribuir para que a história e a antropologia de Timor-Leste não caiam no esquecimento e despertar o interesse de jovens investigadores.

Seis de mais de 30 artigos que escreveu sobre Timor-Leste desde 1983 foram o ponto de partida para o livro que o investigador Ivo Carneiro de Sousa espera que ajude a compreender, de uma perspectiva antropológica, a história do pequeno país asiático. O lançamento tem lugar na próxima segunda-feira, pelas 18h30, no Clube Militar.

Embora, ao longo dos anos, tenha recebido pedidos, incluindo de um ministro da Educação timorense, para compilar alguns dos artigos que foi escrevendo sobre a terra à qual tem relações familiares, a “oportunidade” para finalmente o fazer – como descreve – só surgiu em Fevereiro do ano passado, quando foi submetido a uma operação e, ainda no hospital, começou a dar forma a “History of East-Timor” (“História de Timor-Leste”).

“A ideia foi compilar, reorganizar, reescrever os textos que permitissem compreender, de uma perspectiva antropológica a história de Timor-Leste”, explica o autor que tentou “perceber as estruturas sociais, culturais, a dispersão etnográfica e como tudo isso é tão importante hoje em dia na construção de um país independente”.

A obra não ficou, porém, reduzida a uma colectânea, dado que Ivo Carneiro de Sousa acabou por introduzir conteúdos novos, sobre os quais nunca havia escrito, e mergulhar em nova pesquisa, adicionando fontes novas. O autor destaca nomeadamente as leituras sobre as campanhas arqueológicas feitas pelos australianos em Timor: “Eu não fazia ideia que tinham recuado a presença humana de Timor de 30 mil para 42 mil anos, o que é uma descoberta científica muito importante, porque significa que são essas populações que depois vão ser os aborígenes da Austrália”.

Na feitura do livro, uma das “grandes preocupações” foi sobretudo “perceber aquilo que se designa como a história pré-colonial anterior à extensão da administração portuguesa em Timor. Isto é, as estruturas sociais e políticas”, salienta Ivo Carneiro de Sousa, apontando que o objectivo foi “trabalhar a memória e perceber como é que ela se actualiza hoje em dia”. Assim, o livro, com o subtítulo “entre mitos, reinos da memória, Macau e os desafios da antropologia cultural”, tem um corte não tanto cronológico, mas antes mais temático.

As relações com Macau

Macau também “entra” na História de Timor-Leste. “Quis mostrar a ligação muito estreita que existia, que não era apenas a económica, mas também os aspectos relacionados com o próprio conhecimento cultural e etnográfico que se faz a partir de Macau”, sublinha.

É que “além do comércio de sândalo desconhece-se significativamente que parte importante da escravatura que vinha para Macau era timorense, sobretudo feminina”, observa. “Macau era um mercado importante de venda regional de escravatura”, realça Ivo Carneiro de Sousa, contextualizando: “Filipe II proibiu a escravatura nas Filipinas e não era possível escravizar as populações locais, pelo que o que acabou por acontecer é que Macau se torna numa plataforma de venda de escravos para as Filipinas e para outros locais”.

Depois, no século XVIII, embora “seja proibida a escravatura nas colónias portuguesas de África, “continua a fazer-se em Timor e através de Macau”, salienta o investigador, dando conta da presença no território de descendentes de chineses casados com antigas escravas timorenses. Em paralelo, há “uma comunidade chinesa-timorense, fruto da emigração de chineses de Macau para Timor que também continua a existir”.

Ivo Carneiro de Sousa também procurou perceber quem em Macau estudou e se interessou por Timor-Leste, recuperando designadamente Wenceslau de Moraes (1854-1929), Bento da França (1859-1906) ou Jaime do Inso (1880-1967) que passaram por Macau e por Timor. Este último reveste-se de particular importância na perspectiva do investigador. “Ele esteve na chamada guerra de Manufahi, que é a guerra colonial de Timor e escreveu ‘Timor-1912’ que é um livro importante, mas muito menos conhecido que as célebres ‘Visões da China’ que escreveu em Macau”.

Com “History of East-Timor”, Ivo Carneiro de Sousa espera contribuir para que a história e a antropologia de Timor-Leste não caia no esquecimento e despertar ao mesmo tempo o interesse de jovens investigadores. “É para que possam existir alunos de mestrado e doutoramento que se interessem por investigar Timor que não é propriamente fácil”, afirmou, referindo-se ao facto de “existir muito pouca informação documental, porque parte dos arquivos desapareceram durante a ocupação indonésia e a invasão japonesa”.

O livro tem a chancela da Este-Oeste Instituto de Estudos Avançados, criada em 2012. A apresentação da obra, na próxima segunda-feira, vai ser feita em português, inglês e chinês.

15 Jun 2018

Hotel | Morpheus inaugurado hoje

O hotel Morpheus, do grupo hoteleiro e operador de jogo Melco International, desenhado pela arquitecta Zaha Hadid, é hoje inaugurado em Macau. O hotel, quase sem colunas e suportado por um exoesqueleto que envolve o edifício, custou perto de mil milhões de euros e está situado na ‘strip’ de casinos do Cotai, entre as ilhas da Taipa e de Coloane.
“Zaha Hadid e eu iniciámos conversações sobre o Morpheus em 2009 e partilhámos a mesma visão: criar uma nova maneira de expressar a vida contemporânea”, disse o director executivo da Melco, Lawrence Ho, filho do magnata do jogo de Macau Stanley Ho, quando foi anunciada, em Maio, a data da abertura do Morpheus. O hotel desenhado pela britânica de origem iraquiana, que morreu a 31 de março de 2016, vai ter mais de 770 quatros, incluído suites e vilas, avançou o grupo.
Alain Ducasse, ‘chef’ de renome internacional, com mais de 20 restaurantes espalhados pelo mundo, dos quais três receberam três estrelas Michelin, no Mónaco, Paris e Londres, vai abrir dois restaurantes no Morpheus, um dos quais o seu primeiro restaurante asiático, o Voyages.
As vigas de metal e cimento curvilíneas, assinatura de Hadid, conhecida como a ‘Rainha das Curvas’, cobrem a estrutura de vidro, criando um efeito de rede. No centro do paralelepípedo há três buracos, aquilo a que os arquitectos chamam a zona “free form”, que não obedece a nenhuma forma geométrica. “Inspirado em objectos de jade, a sua forma complexa desafia a física de uma forma sem precedentes”, de acordo com um comunicado do grupo.
A inauguração do Morpheus marca também a abertura da terceira fase do conjunto denominado City of Dreams, que pretende promover o turismo, encorajar a diversificação económica na Ásia e apoiar os objectivos de desenvolvimento a longo prazo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), indicou a mesma nota. A Melco Internacional está presente na China, Filipinas, Rússia, Macau e garantiu a primeira e única concessão para um casino em Chipre.

15 Jun 2018

Pintura | Austin Sou estreia-se a solo na Galeria da Fundação Rui Cunha

[dropcap style=’circle’] F [/dropcap] luid Gestures (“Gestos fluidos”, numa tradução livre) marca a estreia a solo do jovem artista Austin Sou. A exposição individual de pintura, inaugurada na quarta-feira, encontra-se patente na Galeria da Fundação Rui Cunha até ao próximo dia 23.
Nascido e criado em Macau, Austin Sou é um jovem artista que aspira a deixar a sua marca no mundo da arte. Com o seu trabalho abstracto, que vai buscar inspiração à dança e ao ioga, Austin Sou procura estabelecer uma conexão entre a natureza e a liberdade.
A vontade de ser artista surgiu quando percebeu que ao estar em contacto – tanto consigo próprio como com aqueles que o rodeiam –, permitia-lhe superar as barreiras da timidez e outras reservas sociais, realça a Fundação Rui Cunha num comunicado enviado às redacções.
A exposição individual de pintura, que pode ser vista como “uma janela para o trabalho de uma nova geração de artistas locais”, reúne um total de 11 obras. A curadoria ficou a cargo do professor e também artista Cai Guo Jie.
“A obra e o processo criativo de Austin [Sou] foca-se muito na arte perdida de conceber os seus próprios pigmentos”, afirmou Cai Guo Jie, para quem o que torna o trabalho de Austin Sou “tão único” é o facto de “ele gostar de accionar as características materiais dos pigmentos e de dominar a abertura da cor e emoção”.
“Os diferentes pigmentos são inseridos num recipiente, criando bolsas de cor”, fazendo com que “ele não esteja apenas a conceber um único trabalho, mas a dar um novo sentido de cor. O resultado é uma sensação de completude, uma conexão com a natureza e o círculo da vida”, acrescentou o curador.

15 Jun 2018

Mundial da Rússia tem início hoje, mas para os coleccionadores de cromos o ambiente já está no ar há algumas semanas

Tradição de verão. Com as grandes competições de selecções chega também a febre da colecção dos cromos. Macau não escapa ao fenómeno e são vários os pais e jovens que se dedicam à compra e troca de autocolantes

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Campeonato Mundial de Futebol começa esta noite, às 23h, com a partida entre a anfitriã Rússia diante da Arábia Saudita. Contudo para os amantes dos cromos locais o torneio já começou há algumas semanas e até já há quem tenha conseguido reunir todos os 682 autocolantes.

Esta é uma febre mundial que não passa ao lado de Macau e, muitas vezes, os filhos são o pretexto para que os pais recordem os seus tempos de infância e voltem a coleccionar os autocolantes mágicos.

“Já não fazia a colecção desde 1990 ou 1994, já não me recordo bem. Ainda era numa altura em que os cromos não tinham cola, éramos nós que tínhamos de arranjar. Agora voltei a fazer devido ao meu filho, considerei que era uma boa altura para ele fazer”, afirmou Rui Barbosa, empresário e comentador, ao HM. “Ele tem cinco anos e é a primeira experiência. Talvez seja um pouco novo, mas não faz mal porque eu também tenho prazer em fazer a colecção”, confessa.

Uma experiência semelhante é partilhada por Diana Massada, presidente da Casa do Futebol Clube do Porto em Macau.

“É a primeira vez que estou a fazer colecções do Mundial. Mas quando era jovem fiz várias colecções, com diferentes tópicos e sempre gostei. Desta vez estou a fazer com o meu filho de quatro anos e meio. Ele ainda é novo, acha piada a abrir as carteiras com os cromos, faz as equipas, reconhece os repetidos, mas a colagem deixa para mim”, conta a presidente da Casa do FC Porto.

À caixa é melhor

Com a caderneta a ser constituída por 682 autocolantes e as carteiras a trazerem cinco cromos, cada, fazer a colecção toda exige pelo menos a compra de 137 carteiras, isto no caso de não haver qualquer repetido. É por isso que as pessoas envolvidas na colecção acabam por comprar mais de duas caixas. O preço pelas 50 carteiras das caixas varia entre as 360 e as 450 patacas, dependendo do local de venda.

“Em Macau são raras as pessoas que não compram pelo menos uma caixa de carteiras logo no início. Acho que pelo menos entre os mais velhos não se limitam a comprar 10 ou 20 carteiras. Isso só acontece mais à frente, quando também já estão na fase de trocas”, explica José Reis, director comercial.

Contudo, nas primeiras semanas em que surgem à venda as cadernetas, nem sempre é fácil encontrá-las, porque esgotam depressa. Com o passar do tempo, como as pessoas começam a trocar mais do que comprar, a procura torna-se mais fácil.

“Temos notado um grande entusiasmo, aliás os cromos mal chegam e esgotam-se. Creio que já tivemos de fazer encomendas de novos cromos pelo menos três vezes”, apontou Cláudia Falcão, vice-administradora da Livraria Portuguesa, ao HM.

Também Pedro Lopes, trabalhador na área da informática e marketing, menciona casos de ruptura de stock de cadernetas e casos em que as pessoas precisam de fazer encomendas: “Eu comecei com a compra de duas caixas de cadernetas e tive facilidade na compra dos cromos. Mas sei que tem havido ruptura do stock rapidamente”, afirmou.

Os casos de lojas e bancas de vendas de jornais que precisam de pedir mais cromos ao distribuidor em Hong Kong repetem-se um pouco por toda a cidade. Mesmo assim, o HM não conseguiu encontrar casos de especulação com os autocolantes mágicos.

Internet facilita trocas

Além da compra, uma das partes que mais entusiasma os coleccionadores é a troca. No entanto, há diferenças significativas em comparação com o que acontecia na infância de muitos dos coleccionadores. Uma das principais é a existência da internet e a possibilidade que oferece para as trocas com pessoas desconhecidas. Desta forma, surgem grupos online, principalmente entre a comunidade chinesa, para a troca dos autocolantes em que as pessoas indicam os cromos que têm repetidos e os que procuram. Depois de encontrado o cromo desejado, as pessoas combinam encontrar-se um pouco por toda a cidade.

“Tenho trocado cromos com amigos, amigos dos meus filhos e mesmo em grupos do facebook, utilizados por ambas comunidades, portuguesa e chinesa. Os chineses também gostam muito de coleccionar, até fiquei surpreendido com o número de pessoas que está a fazer a colecção”, admitiu Pedro Lopes, ao HM.

Por sua vez, Tin U, proprietário de uma loja de camisolas de futebol, não faz troca de cromos. Mas optou por criar uma plataforma nas redes sociais para os clientes. “Nós oferecemos um espaço porque os nossos clientes gostam de fazer a colecção. Mas também há vários grupos online. Eu pessoalmente não participo, só mesmo por sentir que há clientes que se interessam muito pelos cromos”.

Contudo a troca tradicional cara-a-cara entre amigos e conhecidos não é substituída. Diana Massada revela que na festa de aniversário de um dos amigos do filho, que foram os pais que terminaram a fazer as trocas.

“Este fim-de-semana a troca aconteceu no aniversário de uma das crianças, de amigos comuns. Foi uma situação diferente, enquanto as crianças brincavam no aniversário, estavam os pais com as carteiras e com os cromos a fazer as trocas”, contou em tom animado.

Aplicação móvel

Outra das grandes diferenças é a existência de aplicações móveis, em que os coleccionadores inserem o número dos cromo que possuem e o número dos repetidos. Depois a aplicação faz as contas e indica aos coleccionadores os que estão em falta. Além disso, permite que se liguem a outros coleccionadores com a aplicação e possam saber quais os amigos que têm os cromos que lhes interessam trocar.

“Comecei a utilizar a aplicação este ano quase desde o início. Em comparação com a colecção do Campeonato Europeu de 2016 poupou-me muito tempo. Metemos o número de cromos, os repetidos e não se perde tempo”, começou por explicar Pedro Lopes. “Antes disso tinha de fazer um tabela, fazer as contas por mim e isso demorava muito mais tempo”, disse.

Também Rui Barbosa admite que a aplicação tem muitas vantagens e uma delas é gastar menos tempo nas contas. Mesmo assim, os cromos fazem com que frequentemente acabe por dormir mais tarde, uma vez que é depois do dia que tem tempo para se focar na colecção.

“Há noites que em vez de dormir às 23h ou 23h30, me deito mais tarde, mais próximo da meia-noite, meia-noite e meia, porque fico a trocar mensagens para a troca”, afirmou. “A aplicação facilita-nos a vida, mas também é diferente do que acontecia na infância, quando olhava para os cromos todos com muita atenção e conhecia-os melhor. Assim, também devido à aplicação, tenho os cromos todos virados para baixo, sei quem são os jogadores, mas só olho mais para os números. Perde-se um pouco a magia. Só quando for colar os cromos é que vou ter mesmo aquela atenção, mas nessa altura já só vou ter um cromo de cada”, explicou.

Entre as pessoas ouvidas pelo HM, ainda ninguém tinha concluído a colecção. No entanto, Pedro Lopes revelou que quatro amigos já tinham conseguido todos os cromos. O coleccionador, que está a cerca de 5 cromos de finalizar toda a caderneta, considerou que a tarefa tem sido mais fácil do que em 2016, quando fez a colecção do Europeu, que Portugal ganhou.

14 Jun 2018

Exposição | “Vertical reclamation of individual spaces” é inaugurada amanhã

Depois de uma passagem por Macau em Dezembro, Ana Aragão regressa para a apresentação da exposição “Vertical reclamation of individual spaces”, a partir de amanhã, na Casa Garden. Fazem parte desta mostra desenhos inéditos que a artista produziu inspirada nas particularidades estéticas do território

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]na Aragão esteve pela primeira vez em Macau no passado mês de Dezembro. Em entrevista ao HM, deixou a promessa de voltar com obras inspiradas no território. E é com esses e outros trabalhos que é inaugurada amanhã “Vertical reclamation of individual spaces”.

A mostra conta com a curadoria de João Ó, sendo que “esta ideia surgiu imediatamente após a exposição da Ana Aragão no Taipa Village  no ano passado”, começa por dizer o curador ao HM.

Nos seis meses que separam estas duas exposições a artista foi, com o que levou de Macau, produzir uma nova série de obras que agora apresenta. “É uma exposição compreensiva do seu trabalho”, refere João Ó. Para o efeito, “Vertical reclamation of individual spaces” está divida em quatro partes distintas.

O primeiro momento expositivo está ainda a ser criado e faz parte de uma residência artística que a também arquitecta está a fazer no território. “Vai ser um mapa chamado “Mapa psicogeográfico” e que reflecte o itinerário imaginário dela em Macau”, apontou João Ó.

A artista está, durante este processo, a experienciar a cidade e, ao mesmo tempo, a cartografar os objectos que considera mais interessantes dentro do que vai vendo. “Estamos a falar de um itinerário ultra-subjectivo e não de um mapa turístico de Macau”, esclareceu o curador.

A segunda fase da exposição é o momento que lhe dá o nome “Vertical reclamation of individual spaces”. Aqui é apresentado ao público um conjunto de desenhos inéditos feitos em Portugal e inspirados em Macau. Estes desenhos são, ao mesmo tempo, fictícios e baseados na realidade, isto porque a artista foi buscar objectos e contextos presentes na arquitectura da cidade.

Estas particularidades, revelou João Ó, têm a ver com a construção informal da cidade onde se integra a presença das gaiolas, “as formações inesperadas que vemos nos arranha-céus ou na habitação social”, apontou.

São estes os elementos que serviram de inspiração à artista e a partir dos quais Ana Aragão desenvolveu edifícios “sempre verticais, mas gerados por informalidades, constituindo objectos completamente orgânicos”, sublinhou.

Construção única

A originalidade das construções locais que é retratada neste segundo momento expositivo destaca-se na medida em que trata um tipo de arquitectura que não se vê na Europa. “Na Europa é tudo muito mais regulamentado e as pessoas respeitam a arquitectura”, disse.

No entanto, e por cá, o “desrespeito” não deixa de ter o seu interesse e transmite, paradoxalmente, “a forma autoral que as pessoas têm na manutenção da estética de um edifício”. João Ó explicou que, por um lado, as pessoas não respeitam a arquitectura original mas, por outro lado, estão a conquistar o espaço individual. “A Ana enveredou pelo lado asiático para explorar este universo da conquista”, referiu.

Ao terceiro momento da exposição, o curador chama de retrospectiva em que foram seleccionados vários trabalhos da artista feitos no âmbito do design gráfico mas recorrendo a uma diversidade de suportes. “Estamos habituados a ver designers gráficos a aplicar o seu génio em papel e sempre de uma forma bidimensional, neste caso, sem deixar de ser bidimensional, os suportes utilizados são diferentes são utilizados, por exemplo tapetes, cerâmica, rótulos de vinho ou posters”, explicou João Ó.

O curador destaca ainda o sentido crítico que Ana Aragão imprime em qualquer trabalho que faça. “Ela não faz uma ilustração só porque é bonito. Há uma intervenção e uma intenção muito forte quando ela ilustra o mundo imaginário dela sobre um caso em particular”, disse.

Há ainda outro objecto que retrata esta parte da exposição, que não vai estar patente, mas vai ser representado numa fotografia e que o curador faz questão de referir pela sua importância. “É uma instalação de vidro feita em várias camadas em que a indústria de caixilharia convidou a Ana para ilustrar os desenhos em vários panos de vidro fazendo uma tridimensionalidade quase como um cenário”, explicou. A peça não vai estar presente mas “através da fotografia também de grande dimensão é possível transmitir o que é esperado desta obra”, apontou.

Este terceiro momento é ainda composto pela apresentação de várias serigrafias acerca dos trabalhos que integram a exposição e que vão estar à venda.

Arquitectura de papel

Por último, numa quarta parte da mostra, é projectado um vídeo que contem excertos de entrevistas dadas por Ana Aragão. “É uma forma de apresentar o que ela faz e a sua educação”, disse o curador. Neste momento final estão incluídos mais dois vídeos com entrevistas a dois arquitectos, ex-professores da artista que falam sobre “Vertical reclamation of individual spaces” na sua perspectiva académica. Os arquitectos abordam a questão da arquitectura de papel produzida para cidades visionárias. “O conceito refere-se às cidades que, apesar de não poderem ser efectivamente construídas, reflectem um avanço no imaginário e uma possibilidade de que num futuro, seja distópico ou utópico, sejam possíveis de acontecer”, explicou.

Para João Ó, a vertente mais intelectual e académica de interpretar o trabalho actual de Ana Aragão situa-se precisamente neste último momento até porque “nem toda a arquitectura tem de ser construída”. “Há duas vertentes a considerar: uma que diz que para se ser arquitecto os conhecimentos têm de ser aplicados em construções e outra que diz que não é bem assim, e que é preciso desenhar e conceber mundos porque a submissão ao exequível seria demasiado limitada”, rematou.

13 Jun 2018

InspirARTE | Espectáculos extra de “O Caminho Para Casa”

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m resposta à grande procura de bilhetes, o Centro Cultural de Macau (CCM) vai apresentar três espectáculos adicionais de “O Caminho Para Casa”. Vinda da Dinamarca, esta produção para crianças sobe ao palco do CCM em finais de Julho e os bilhetes para os espectáculos extra já estão disponíveis.

“O Caminho Para Casa” é uma “aventura visual sem palavras encenada através de marionetas e música e que explora a imaginação sem limites de uma criança”, refere o comunicado oficial.

Inspirada no conto ilustrado de Oliver Jeffers, a peça “reconta a história de um rapaz que um dia voa tão alto e tão longe, que o seu avião a hélice acaba por poisar na lua já avariado”, lê-se no mesmo comunicado. É aí que conhece um marciano que se encontra na mesma situação. “O Caminho Para Casa” é uma encenação da companhia dinamarquesa Theatre Refleksion que está de regresso ao território após uma passagem pelo CCM em 2014 com a produção “Música Celeste”. Esta peça é uma produção incluída no programa InspirARTE no Verão.

12 Jun 2018

Exposição “Stillness in motion” é inaugurada no próximo dia 28 na Creative Macau

“Stillness in motion” é a exposição de fotografia de Agostinho Guilherme Fernandes que vai ser inaugurada no próximo dia 28 na galeria da Creative Macau. Com este trabalho o autor, mais conhecido por Nico Fernandes, quer ultrapassar a linguagem estática da captura fotográfica tradicional e transmitir movimento e tridimensionalidade a cada obra

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] ideia para ““Stillness in motion” partiu da observação do Tai Chi, uma prática que mais parece uma coreografia e em que o movimento é o caminho para a quietude. “Quando observamos o Tai Chi percebemos que é através daqueles movimentos lentos, associados ao Kung Fu, que os praticantes procuram um equilíbrio, um estado de calma”, começou por dizer Nico Fernandes ao HM.

O resultado são 28 imagens de coreografias de vários tipos de danças em que a questão do movimento dos bailarinos está sempre presente. As longas exposições utilizadas pelo fotógrafo, muitas vezes associadas ao movimento da própria câmara são algumas das técnicas que escolheu para mostrar o que via.

No entanto, o resultado fica longe daquilo que que chama de “fotografia tradicional”, em que a imagem é estática, nítida e objectiva. “Penso que a fotografia em Macau ainda é muito vista sob uma perspectiva tradicional em que a introdução de técnicas que vão além da imagem estática do momento não são apreciadas”, conta o fotógrafo. Ciente da crítica, Nico Fernandes insiste na sua concepção de imagens. Para o fotógrafo amador é com elas que consegue contar as suas histórias, não a história que aparece manifesta mas aquela que tem dentro de si e que pode ser interpretada e mesmo recriada por quem as vê. “As minhas imagens são muitas vezes pensadas num universo mais surrealista em que mostro o que se passa dentro de mim e ao mesmo tempo deixo liberdade ao público para dar a sua história a cada fotografia”, explica.

Espera frutífera

O fotógrafo começou a interessar-se pela imagem “há muito”, mas a fotografia era um hobby “demasiado caro”. “Era preciso ter as máquinas, rolos e pagar a revelação”, diz. Foi esperando por tempos melhores, e com o aparecimento da fotografia digital que viu a possibilidade de começar a dedicar-se a esta arte muito mais próxima.

Há cerca de dez anos comprou a sua primeira câmara e começou a interagir em fóruns da especialidade para aprender. O segredo, para se conseguir chegar ao que se pretende, considera, é a humildade. “Colocava lá as minhas imagem e recebia as críticas. Tinha mesmo quem dissesse que as fotografias não prestavam”, aponta, mas o que interessa “é colocar o ego de lado, perceber porque é que não são boas e aprender a fazer melhor”.

Os anos passaram e sempre fiel à intenção e dar às suas fotografias um lado mais onírico, Nico Fernandes desenvolveu as técnicas que precisava para isso. Ao seu lado teve um professor, Yung Siu Sun, que favorável à exploração das possibilidades de uma imagem nunca desencorajou Nico Fernandes a desistir de quebrar as regras clássicas da fotografia. “Acabei por conhecer o fotógrafo Yung Siu Sun que sempre me apoio naquilo que queria fazer”, refere.

Não sendo visto como o “fiel fotógrafo” em Macau, os trabalhos que tem feito já lhe valeram o reconhecimento internacional, nomeadamente da Royal Academy de Londres, sendo que “nunca se faz uma imagem para se entrar numa competição”. disse. “A imagem é sempre um processo pessoal, feito para o próprio, depois, se gostarmos e acharmos que vale a pena, podemos concorrer com ela”, remata.

12 Jun 2018

Joana Vasconcelos inaugura no dia 29 exposição no Guggenheim de Bilbao

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma máscara criada com espelhos sobrepostos, que representa uma metáfora das várias facetas humanas, vai ser ‘estrela’ da exposição “I’m your mirror”, que a artista Joana Vasconcelos inaugura a 29 de Junho, no Museu Guggenheim Bilbao, em Espanha.

A criadora, conhecida por produzir obras de grandes dimensões usando objectos do quotidiano, criou um vídeo sobre a montagem desta peça que está a ser exibido na rede social facebook, antecipando um pouco do que vai mostrar em Bilbao.

“Esta é a peça principal da exposição, entre algumas novas que vou mostrar, e está associada ao luxo e ao consumismo”, diz a artista no vídeo, acrescentando que a obra tem um duplo sentido: que ao tirar a máscara pretende mostrar uma parte muito importante do seu corpo de trabalho.

A exposição de Joana Vasconcelos no Museu Guggenheim Bilbao vai incluir 14 peças novas, entre as quais um anel solitário, com três toneladas, feito com jantes de carros e copos de cristal.

Mas a máscara veneziana, que dá título à exposição, “vai permitir, ao longo dos anos, criar novos ambientes e perspetivas, quando for exposta noutros lugares”.

“Mostra a dimensão doméstica, portuguesa e internacional da minha obra”, explica a artista, no vídeo, apresentando fases da montagem, que envolve espelhos sobrepostos, como escamas.

Alavanca para o futuro

“I’m your mirror” pretende funcionar “como um ‘pivot’ para o futuro, mas que também resume o passado” do trabalho da artista, que se destacou, em 2012, por se tornar na primeira mulher e criadora mais jovem a expor algumas das suas obras no Palácio de Versalhes, em Paris.

Em Fevereiro último, numa apresentação da exposição aos jornalistas, avançou que a mostra reunirá 35 obras, 14 das quais novas, incluindo aquela máscara veneziana, feita com 231 molduras de duplo espelho e que tem um peso aproximado de 2,5 toneladas.

A máscara e o anel solitário são duas das obras que ficarão expostas no exterior do museu, tal como o “Pop Galo”, um gigantesco Galo de Barcelos em azulejo e luzes LED, que iniciou no final de 2016 em Lisboa uma itinerância por várias cidades do mundo, entre as quais Pequim.

No átrio do Guggenheim Bilbao, o espaço central do museu, ficará uma obra feita de propósito para o local, da série “Valquírias”, com 30 metros de altura, 36 de largura e 45 de profundidade, que entra pelos cantos e ângulos que Frank Gehry (arquiteto que projetou o museu) desenhou para o Guggenheim.

Ao Guggenheim, Joana Vasconcelos irá também levar algumas das suas peças mais icónicas como “A Noiva”, um candelabro feito com tampões, ou “Marilyn”, um par de sapatos de salto alto feito com panelas, e outras peças das séries “Urinóis”, “Pinturas em crochet” e “Bordalos”.

A obra mais antiga que estará em exposição data de 1997, ano em que o Museu Guggenheim Bilbao abriu ao público.

Homenagem a uma canção

O título da exposição “é também uma homenagem a Nico [voz da canção ‘I’ll be your mirror’ dos Velvet Underground]”. No título da canção, o verbo é usado no futuro (“serei o teu espelho”), mas, no da exposição, está no presente (“sou o teu espelho”), porque a mostra “espelha o presente, não o futuro” e o trabalho da artista “é um reflexo do mundo que a rodeia”, explicou, na altura, a organização.

Esta exposição insere-se na “linha de pensamento curatória do Museu Guggenheim Bilbao, iniciada há quatro anos, de grandes exposições de mulheres artistas”, referiu Petra Joos, uma das comissárias da mostra, quando foi apresentada, em Lisboa.

“I’m your mirror” é a primeira exposição individual de um artista português no Museu Guggenheim Bilbao.

A artista tem uma equipa de cerca de 60 pessoas a trabalhar na produção da mostra, que está preparada para uma itinerância, estando Petra Joos a trabalhar com Serralves e Roterdão para o acolhimento da mostra.

A artista, de 46 anos, representou oficialmente Portugal na Bienal de Arte de Veneza em 2013, num projeto comissariado por Miguel Amado, que levou um cacilheiro transformado em obra de arte ao recinto principal da mostra internacional contemporânea.

O cacilheiro “Trafaria Praia”, que chegou a circular no Tejo para visitas turísticas, é propriedade da Douro Azul e encontra-se à venda desde o final do ano passado.

12 Jun 2018

Anthony Bourdain | Há seis anos, o chef norte-americano provou minchi

Foi com o programa “Sem reservas”, da CNN, que o chef, escritor e apresentador de televisão norte-americano Anthony Bourdain esteve em Macau, em 2011. Comeu caril de quiabos com camarão na cantina da APOMAC e jantou minchi na casa de Cecília Jorge, além de ter experimentado as iguarias chinesas em tascas de rua no Patane. Bourdain cometeu suicídio aos 61 anos em França esta sexta-feira

 

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]espretensioso, um conversador nato, um amante de boa e variada comida mas, sobretudo, de conversas sobre a cultura e os hábitos das pessoas. Assim era Anthony Bourdain, chef de cozinha, e escritor e apresentador de programas de gastronomia. O apresentador da CNN cometeu suicídio esta sexta-feira em França depois de ter atravessado um longo período de depressão e consumo de drogas duras.

Em 2011 Bourdain esteve em Macau a gravar um dos episódios do programa da CNN intitulado “Sem Reservas”, que contou com a presença de vários membros da comunidade macaense, tal como Cecília Jorge, que preparou um minchi na sua casa. Anthony Bourdain encontrou-se ainda com o falecido padre Lancelote Rodrigues no Clube Militar, que posteriormente o levou a almoçar na cantina da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC).

Francisco Manhão, presidente da APOMAC, recordou ao HM o momento em que o apresentador experimentou o prato macaense caril de quiabos com camarão, por sugestão do padre Lancelote Rodrigues, que adorava essa comida.

“Sei que adorou a nossa comida e falamos um bocado sobre a comida macaense e portuguesa também, sobre o que costumamos preparar na cantina da APOMAC”, contou Manhão, que ficou “surpreendido” com a visita de uma personalidade mundial. “Tanto Cecília Jorge como o padre Lancelote Rodrigues acharam que era um bom lugar para ele ficar a conhecer a gastronomia macaense.”

O presidente da APOMAC recorda “uma pessoa alegre e divertida”. Também Jorge Fão, outro dirigente da APOMAC, se lembra dessa visita inesperada, apesar de não ter estado presente nesse almoço.

“Tudo aconteceu no dia de aniversário de um colega meu. Quando ele estava a almoçar apareceu o Anthony Bourdain acompanhado pelo padre Lancelote Rodrigues. Foi o padre que o levou à APOMAC.”

Apesar do privilégio de contar com a presença do apresentador, os dirigentes da APOMAC nunca quiseram usar isso para promoverem o espaço de refeições, que, apesar de receber gente de fora, tem como principal objectivo servir almoços aos associados já idosos.

“A APOMAC nunca quis fazer publicidade, não gostamos muito de nos aproveitar disso. A APOMAC é sempre uma cantina que serve os idosos e os associados, é essa a nossa intenção original. Mas não podemos objectar a entrada de pessoas muito célebres. Isto é bom para a comida macaense, porque acontece a publicidade através de pessoas célebres, porque está em causa o nosso património.”

“Era frontal, inteligente”

Cecília Jorge, macaense e autora de inúmeros livros sobre a gastronomia já distinguida pela UNESCO, lembra que o seu encontro com o famoso apresentador foi fruto de um acaso, pois Bourdain nunca foi muito conhecido nesta zona do mundo.

“Foi uma situação um bocado maluca. Eu e o meu filho João trabalhávamos no jornal Macau Daily Times, e nós não tínhamos quase tempo livre para acompanhar pessoas. Não sabíamos quem ele era, porque em Macau não tínhamos acesso ao programa. O que aconteceu é que o editor da CNN em Hong Kong me pediu ajuda para ser consultora no programa, para que desse esse contexto sobre a gastronomia macaense.”

Cecília Jorge e o filho, João Jorge Magalhães, artista e designer, acabaram por ser guias gastronómicos de Bourdain, mostrando-lhe o que de melhor tem a comida macaense e chinesa. Além da cantina da APOMAC, o apresentador passou pelo restaurante Fernando, em Coloane, e por várias tascas de rua na zona da Ribeira do Patane.

“O João, como conhece esse sítios todos acabou por ir. No fim insistiram numa coisa que eu tinha dito desde o inicio que não participava, que cozinhasse na minha casa e servir uma refeição. Eu tinha dito desde o inicio que a minha cozinha era uma vergonha porque em Macau é tipicamente chinesa e não dava para fazer muita coisa, é pequena.”

A verdade é que Cecília Jorge acabou por confeccionar uma das centenas de opções que existem do minchi. E destaca as diversas dificuldades que a equipa de filmagens teve de enfrentar para conseguir fazer o programa em Macau.

“Eles insistiram comigo porque tinham tudo programado e a dada altura as pessoas começaram a desistir. Ele [o editor da CNN em Hong Kong] pediu-me então para lhe ir safando o programa, para não ser um flop. Acabamos por ajudar a fazer um programa que foi sendo adaptado constantemente. Só quem sabe a falta de condições daquela equipa para filmar… julgo que passaram dias sem conseguir comer sequer. E penso que mesmo assim fizeram um programa interessante.”

A autora do livro “Os Sabores das Nossas Memórias – A Comida e a Etnicidade Macaense”, entre outros, assume ter aceite o desafio apenas porque gostou do formato do programa de Bourdain, que era conhecido por experimentar todo o tipo de comida, desde a mais gourmet aos pratos de rua, servidos em tascas.

“O formato do programa agradou-me desde o inicio e percebi que seria uma boa maneira de abordar a gastronomia macaense e Macau, no fundo. Aceitei por causa disso, sem saber quem ele era e qual seria a dimensão e o impacto.”

Além disso, Bourdain “era frontal, inteligente, culto, vivido. Não era vedeta”, acrescenta a autora. “A abordagem que ele fez da comida foi interessante. Foram-se conseguindo mais pessoas para dar o cunho local sobre a maneira de se viver em Macau. Tive dois a três dias com ele e era uma pessoa extremamente interessante como ser humano.”

Mesmo quando almoçou na APOMAC, o apresentador da CNN destacou-se pela conversa e pela abertura em conhecer um novo tipo de gastronomia.

“Ele não experimentou muita coisa. Ele gostava de conhecer pessoas e a cultura, através da gastronomia ele queria saber como é que os povos vivem. Serviu mais em termos de conversa sobre questões culturais ligadas à comida do que propriamente para provar este ou aquele prato.”

11 Jun 2018

Cultura | Festival de artes sino-lusófono a partir de dia 30

[dropcap style=’circle’] M [/dropcap] acau vai acolher, a partir do próximo dia 30, o primeiro “Festival de Artes e Cultura entre a China e os países de língua portuguesa”. Os bilhetes vão ser colocados à venda no fim-de-semana.

Cinema, música e dança figuram entre as propostas da primeira edição do “Encontro em Macau – Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. A iniciativa, organizada pelo Instituto Cultural (IC), vai decorrer entre 30 de Junho e 13 de Julho.

O Festival de Cinema entre a China e os Países de Língua Portuguesa conta com 24 filmes, dividindos em três categorias: “Filmes em Chinês”, “Filmes em Português” e “Imagens, Macau”. “Wrath of Silence” (“Ira de Silêncio”), o filme mais recente do realizador chinês, Xin Yukun, abre o festival que vai fechar com uma “dobradinha” do cineasta português Manoel de Oliveira, falecido em 2015. Os filmes escolhidos foram “Aniki Bóbó” (a sua primeira longa-metragem) e “Douro, Faina Fluvial” (o seu primeiro documentário curto).

O cartaz inclui três películas contemporâneas da China, nove filmados recentemente em países de língua portuguesa, como Portugal, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Guiné-Bissau, bem como na África do Sul, e outros tantos (em chinês e em português) que foram gravados em Macau entre 1923 e 2015.

As exibição dos filmes vai ser complementada com seminários pós-projecção e palestras, indicou o IC, num comunicado enviado ontem.

Música e dança

Já a 6 de Julho, pelas 20h, realiza-se o Serão de Espectáculos entre a China e os países de língua portuguesa. O Grupo de Artes Performativas de Gansu é um dos que vai subir ao palco do grande auditório do Centro Cultural, dando a conhecer os costumes do povo do noroeste da China, através de música e dança com elementos do seu património cultural intangível, realça o IC.

No que diz respeito aos grupos musicais e de dança dos oito países de língua portuguesa que também vão actuar no serão, o destaque vai para o agrupamento musical português Galandum Galundaina que irá apresentar melodias antigas.

Os bilhetes para o Festival de Cinema vão ser colocados à venda na Cinemateca Paixão a partir de amanhã, custando 60 patacas. Os ingressos para o Serão de Espectáculos vão ficar disponíveis na bilheteira online de Macau a partir de domingo, ao preço de 50 patacas.

8 Jun 2018

10 de Junho | Exposição inaugura hoje no Clube Militar

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]bre hoje portas uma exposição no Clube Militar inserida no programa de actividades de celebração do 10 de Junho – Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas.

Os artistas portugueses convidados para integrar esta mostra são Pedro Proença, Maria João Franco e Madalena Pequito, que têm “estilos diferentes e bem vincados”, sendo que esta diferença é marcada de forma evidente, quer pelos temas, quer pelas paletas utilizadas”.

A mostra é organizada pela Associação de Promoção de Actividades Culturais de Macau (APCM) e, segundo os mentores, a escolha dos artistas foi feita com base num “risco calculado”. “Fazemo-lo na convicção de que a existência de jovens talentosos que apostam e colocam o seu futuro numa carreira artística é um desafio que, a consolidar-se, requer o confronto mais ou menos permanente das obras com um público alargado. Sem esse confronto põe-se em risco a fecundidade e continuidade da produção artística. Os consagrados de hoje dificilmente deixariam sucessores e todos ficaríamos mais pobres por isso.”

Se Pedro Proença e Maria João Franco são “artistas consagrados, com currículos largos”, que se apresentam em Macau com “um conjunto de obras que possuem uma clara unidade temática”, houve, por outro lado, a aposta “numa jovem artista”: Madalena Pequito que é ainda “uma promessa”. No meio das diferenças, “esperamos ter encontrado aquele equilíbrio entre harmonia e contraste que possa desafiar os sentidos dos que nos visitam, e premiar a sua passagem por este espaço”, aponta a APCM.

6 Jun 2018

São João | Arraial regressa para festejar Macau e o Dia da Cidade

Com a Associação dos Macaenses a tradição ainda é o que era e o Arraial de São João volta a realizar-se entre 23 e 24 de Junho. Uma festividade para celebrar a cidade e o seu patrono

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] dia 24 de Junho aproxima-se a passos largos e com ele regressa o arraial de São João, no Bairro de São Lázaro. Este ano, a festa vai decorrer entre 23 e 24 de Junho e o grande desejo da organização é que não chova. Contudo, se tal acontecer, haverá festa rija na mesma.

“Esperamos que o bom tempo nos ajude. Parece que vamos ter tufões, mas vamos continuar a fazer a nossa festa, como temos feito até aqui, faça sol ou chuva”, afirmou Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses, ao HM.

A música volta a estar a cargo de Sebastião Antunes, tal como aconteceu no ano passado, e a organização do evento revela a vontade de continar a contar com cerca de 30 barracas, à imagem do que aconteceu na edição transacta do evento.

“Vamos continuar com Sebastião Antunes porque achámos que foi uma mais-valia e considerámos que as pessoas gostariam que ele voltasse. Ele foi excepcional no ano passado e voltamos a contar com ele”, justificou Miguel de Senna Fernandes.

“O formato vai ser o mesmo do ano passado, mas esperamos ter mais participação. No ano passado tivemos cerca de 30 barracas e este ano queremos contar com mais barracas. Mas é uma expectativa que não podemos dizer que se vai concretizar, até porque não temos limites mínimos ou máximos”, explicou.

As barracas voltam a ser gratuitas mas há duas condições: as pessoas têm de garantir que ocupam os espaços durante os dois dias do arraial e que fazem a decoração do espaços. “Temos como objectivo criar um melhor ambiente de festa”, frisou o presidente da Associação dos Macaenses.

A decoração vai ser mesmo uma das apostas da organização este ano, embora as surpresas fiquem apenas para o dia do arraial: “Este ano apostámos mais na decoração da rua e substituímos muita coisa. Não vou revelar o que vamos fazer, vai ser o elemento surpresa para quem passar pelo arraial”, apontou.

Apostar na tradição

Esta é a 12.ª edição pós-1999 do evento que celebra o Dia de Macau, tal como era definido durante a administração portuguesa, assim como o São João. Este dia celebra a vitória da cidade na guerra de defesa contra os holandês, em 1622.

“É a 12.ª edição. São 12 anos a tenta reactivar uma tradição que tinha terminado após 1999. Se nos recordarmos até essa data celebrava-se sempre o 24 de Junho, que era o dia da cidade. E também é o dia de São João, que vem muito a propósito. É uma data com um significado muito especial para Macau”, considerou o também advogado.

“As pessoas já se acostumaram à ideia que existe este evento. Após o 10 de Junho, as pessoas sabem que há o São João. Só o facto disto ficar na cabeça das pessoas é uma vitória, é um passo em frente na recuperação das tradições”, justificou.

A festa volta a contar com o apoio da Direcção de Serviços de Turismo e tem um orçamento entre as 400 e 500 mil patacas.

Ao contrário do que aconteceu na edição do ano passado, a organização não foi informada sobre a possibilidade de ter de mudar as festividades para a Rua do Volong ou de ter de pagar o valor dos parquímetros que não poderão ser utilizados na altura. Contudo, Miguel de Senna Fernandes admite que os organizadores tão sempre à espera de “surpresas de última hora”.

6 Jun 2018

Fotografia | Gonçalo Lobo Pinheiro leva a Lisboa retratos de Macau

[dropcap style≠’circle’]L[/dropcap]isboa vai acolher, em Julho, a exposição “Macau 5.0” do fotojornalista português Gonçalo Lobo Pinheiro, um retrato “social e antropológico” a preto e branco do território oriental entre 2010 e 2015.

“O projecto Macau 5.0 não se reduz a uma exposição, aliás, partiu sobretudo do livro [com o mesmo título], do qual seleccionei 50 fotografias para esta exposição”, explicou à Lusa o fotojornalista lisboeta radicado em Macau. O livro, que reúne 300 imagens, foi publicado em Setembro de 2015 mas “nunca chegou em massa a Portugal, nunca teve muitos exemplares à venda”. Naquele mês, Gonçalo seleccionou 50 fotografias e apresentou-as no Consulado-geral de Portugal em Macau. “Desde essa data que penso em levar o projecto a Portugal, um país de interesse para Macau”, explicou.

No espaço Ler Devagar, na LX Factory, Gonçalo Lobo Pinheiro viu a oportunidade ideal “de fazer dois em um”, já que aquela livraria lisboeta também acolhe exposições. “Foi o mote para fechar com eles, pois podiam ter logo o livro para venda”, disse.

“Trata-se de um álbum, um apanhado social e antropológico de Macau entre 2010 e 2015”. Gonçalo lembrou alguns locais que foram entretanto demolidos, reconstruídos, mas sobretudo os que se mantêm intactos. “É um retrato bastante actual”, considerou.

Gonçalo Lobo Pinheiro encontra-se agora “a preparar a viagem” para estar presente na inauguração da exposição e no lançamento do livro. A exposição inédita vai estar patente até 29 de Julho.

Nascido em Lisboa, em 1979, Gonçalo Lobo Pinheiro colaborou com vários órgãos de comunicação social e é actualmente coordenador fotográfico da Revista Macau, do Gabinete de Comunicação Social do Governo.

6 Jun 2018

Poeta Nuno Júdice recebe prémio literário Guerra Junqueiro

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] poeta Nuno Júdice mostrou-se “agradecido” com a atribuição do prémio literário Guerra Junqueiro, instituído pelo Freixo Festival Internacional de Literatura (FFIL), que decorre em Freixo de Espada à Cinta, no distrito de Bragança, que terminou no domingo.

Em entrevista à agência Lusa, Nuno Júdice disse, no âmbito do FFLL, que está muito grato, ao ter sido agraciado com o prémio Guerra Junqueiro, numa altura em que o poeta transmontano estava a ser ignorado por “uma certa elite do período, pós-25 de Abril”.

“Na minha juventude fiquei muito marcado pela leitura dos livros de Guerra Junqueiro que havia em casa dos meus pais. Junqueiro foi um poeta que me marcou bastante pela forma como fala do mundo, da sociedade ou da religião. O ter agora um prémio com o nome de Guerra Junqueiro, é ir ao encontro dessa minha admiração pela sua obra”, vincou Nuno Júdice.

O poeta, ensaísta, ficcionista e professor universitário, autor de “A matéria do poema”, afirma que é muito importante ir ao encontro de escritores que estão ligados a cidades, vilas ou regiões, que por vezes estão muito esquecidas e afastadas dos grandes centros. É muito importante que sejam valorizados nos seus locais de origem.

“Julgo que é talvez a melhor forma, hoje, de valorizar esses espaços, sobretudo quando estamos a falar de um grande escritor como Guerra Junqueiro”, enfatizou.

O Freixo Festival Internacional de Literatura (FFIL) vai decorrer de hoje a domingo, em Freixo de Espada à Cinta, sobe o mote “As Pontes Ibéricas e Lusófonas”.

O poeta Nuno Júdice soma perto de quase quatro dezenas de livros de poesia, como, entre outros, “Geometria variável”, “As coisas mais simples”, “O Breve Sentimento do Eterno”, “Guia de Conceitos Básicos”, “Fórmulas de uma luz inexplicável”, “Navegação de Acaso” e “O Fruto da Gramática”. Em 2017 publicou “O Mito da Europa”.

Em obras de ficção, conta com perto de uma dezena e meia de títulos, de “Última Palavra: ‘Sim'” e “Plâncton”, publicados na viragem dos anos de 1970 para a década de 1980, aos mais recentes “A Ideia do Amor e Outros contos”, “A Implosão”, marcado pela crise económica e financeira dos últimos anos, e “A Conspiração Cellamare”, editado em 2016.

“Desde que vivemos em democracia, os escritores portugueses são presença habitual em certames literários de importância internacional, em países como França ou Alemanha e, depois, a coroar estes êxitos, a atribuição do Prémio Nobel da literatura a José Saramago”, observou.

O escritor tem a convicção de que hoje a literatura portuguesa é das mais conhecidas no mundo, onde há um número significativo de romancistas e poetas traduzidos em praticamente em todas as línguas.

Nuno Júdice nasceu na Mexilhoeira Grande, no Algarve, é professor tendo-se doutorado na Universidade Nova de Lisboa, em 1989.

O poeta português tem somado distinções, do Prémio de Poesia Pablo Neruda, por “O Mecanismo Romântico da Fragmentação”, ao Prémio Pen Club, por “Lira de Líquen”.

Recebeu o prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, por “Meditação sobre Ruínas”. Foi igualmente distinguido com o Prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus, por “As Regras da Perspectiva”, com o Prémio Bordalo da Casa da Imprensa, por “Todos os Séculos”, o Prémio Literário António Gedeão, da Federação Nacional dos Professores, por “A Convergência dos Ventos”, e com o Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários, por “Rimas e Contas”.

O Prémio Ibero-americano Rainha Sofia de Espanha foi-lhe atribuído, em 2013, em reconhecimento pela sua carreira, assim como os prémios Fundação Inês de Castro – Tributo de Consagração, Argana da Maison de la Poésie, de Marrocos (2014), Poetas del Mundo Latino Victor Sandoval (2014) e Juan Crisostomo Doria a las Humanidades, da Universidad Autónoma del Estado de Hidalgo (2017), ambos do México.

No ano passado Nuno Júdice venceu igualmente o Prémio Internacional Camaiore 2017 de Itália. Está traduzido em Espanha, Itália, Reino Unido e França, entre outros países.

4 Jun 2018

António Duarte Mil-Homens, fotógrafo:  “Não tenho tempo para envelhecer”

António Duarte Mil-Homens comemora 70 anos no ano que vem, os mesmos que a República Popular da China. O fotógrafo quer fazer uma exposição que celebre a efeméride, à qual se junta o vigésimo aniversário da RAEM. Ao HM, Mil-Homens falou da início de carreira e das dificuldades numa área cada vez mais acessível a qualquer um

[dropcap]T[/dropcap]eve a sua primeira câmara no dia 25 de Abril de 1974. O que é que aconteceu?
Tinha o bichinho da fotografia desde miúdo. O meu pai era fotógrafo amador e durante muitos anos, em que vivíamos numa casa em que existia um quarto interior, o meu pai transformou aquele espaço numa câmara escura onde eu era admitido sob uma condição: só saía de lá quando ele terminasse e não mexia em nada. Ao mesmo tempo era uma espécie de tortura porque assistia, ali, àquela magia da revelação e não podia experimentar. Mas a semente foi ficando. O meu pai também não abria mão das máquinas dele e eu não tinha direito a pegar em nenhuma. Por volta dos meus 16, 17 anos, costumava pedir uma máquina fotográfica a um amigo. Entretanto casei, fui parar a Angola ainda em plena guerra colonial convencido de que lá conseguiria comprar uma máquina para mim por serem substancialmente mais baratas. Não existia o chamado imposto de luxo sobre este tipo e produtos – que na altura era de 60 por cento. Também é verdade que ninguém precisava de uma câmara para comer com batatas, ou seja, era um luxo. Mas o certo é que nem em Angola consegui ter uma. Depois de regressar a Lisboa, em Julho de 73, escolhi uma máquina numa loja de material fotográfico em segunda mão e fiz um acordo com o senhor. Paguei metade do custo que na totalidade era de 6500 escudos e acordámos um dia, quando pudesse pagar o resto, a fosse levantar. Combinámos para o dia 25 de Abril. Acordei com as notícias, ainda fui trabalhar e a determinada altura mandaram todos embora para casa. Fui a correr à loja e por pouco não a conseguia apanhar aberta. Lá consegui trazer a máquina, cheguei a casa, peguei em dois rolos e fui fotografar para a rua. Consegui fazer fotografias que são históricas.

Mas só as apresentou muito tempo depois em Macau. 
Embora tenha publicado duas destas imagens num jornal regional, na altura, só as expus, conjuntamente com as do primeiro de Maio em Liberdade, aqui em Macau. precisamente em 2014, 40 anos depois.

Porquê um intervalo de tanto tempo?
Isso é complicado e tem que ver com a minha postura relativamente a pedir patrocínios e subsídios. A esmagadora maioria das exposições que fiz até hoje foram a expensas próprias. De qualquer forma, parece-me que tendo sido no quadragésimo aniversário daquele dia, foi uma boa data para o fazer.

Era funcionário público. Como é que passou a ter a fotografia como profissão?
Começaram a aparecer amigos que perceberam que tinha herdado o princípio do meu pai, ou seja, o rigor naquilo que fazia em termos fotográficos. Então começaram-me a pedir algumas encomendas. Em 81 resolvi, para estabelecer contactos com mais gente ligada a esta área, inscrever-me num curso na Associação Portuguesa de Arte Fotográfica onde mais tarde vim a fazer o curso profissional. Fiz a minha primeira participação numa colectiva de fotografia integrada neste curso. Isto é um pouco como aquela história da bola de neve que depois de começar a rolar pela encosta vai arrastando mais neve e crescendo. Em 84 recebo um desafio que implicava uma mudança radical na minha vida, para ir fazer fotografia de publicidade. Pedi a minha primeira licença da função pública e fiz a minha opção. Abracei a fotografia por inteiro, até hoje. Depois, com 17 anos trabalhei como fotógrafo na faculdade de agronomia, onde tinha o meu estúdio e também fazia a minha fotografia.

Como é que foi a sua passagem do analógico para o digital?
Acho piada ao facto de hoje em dia, haver gente aí no mercado de arte fotográfica que faz abrir bocas de espanto por estar a usar máquinas analógicas e de grande formato. Foram as minhas ferramentas durante 20 anos. Aquilo que se faz agora com muito espanto, era aquilo que tinha que fazer sistematicamente. Fui forçado a aderir ao digital. Em termos de fotografia de publicidade fui obrigado autenticamente. Embora o digital, de início, fosse em termos de qualidade incipiente, comparando com aquilo que era possível com o analógico. Lembro-me, por exemplo, que estive em Macau para fazer a cobertura da transferência de administração e na cerimónia estava ao meu lado um fotógrafo de Hong Kong com uma Nikon D1 que era assim o supra-sumo da fotografia digital e tinha uma resolução de dois megapixéis. Mas o digital permitia o imediatismo. Quando acabou a cerimónia, ficaram nas bancadas uma meia dúzia de fotógrafos japoneses que tinham a mesma máquina e que traziam o seu portátil e antenas parabólicas. Portanto, de imediato, transmitiram para o Japão fotografias que tinham tirado minutos antes. E esta possibilidade é muito importante. Os clientes também começaram a achar piada à possibilidade de ver logo a imagem. Fui forçado a avançar para o registo digital. Depois comprei o meu primeiro Mac em 2000, comecei a investir moderadamente e a tentar perceber o que é que o digital ia dar.

Como veio para Macau?
Por questões de coração. Por paixão, se calhar mais por loucura. Vim para Macau sempre pela mesma razão. A primeira vez foi em 1996. Cheguei a 2 de Fevereiro. Vinha para ficar. Trazia entre bagagem e carga aérea mais de 300 quilos. Na altura, trazia todo o meu material de grande e médio formato, 35mm, tripés, iluminação, etc. Mas a situação era tão complicada do ponto de vista emocional que regressei Portugal ao fim de cinco meses e meio. Este regresso deu-me a possibilidade de partilhar com a minha mãe os últimos meses da vida dela. Falo nisto porque acredito que nada acontece por acaso. Pela mesma razão, mas desta vez arranjei um “argumento” ou uma almofada financeira. Estive cá um mês e meio na altura da transferência de administração. Vim fazer a cobertura para a Revista Macau, na altura sob a direcção do Rogério Beltrão Coelho. Vinha também fazer fotografias para um projecto que também já estava em marcha: o livro do José Pedro Castanheira, “Macau, os cem últimos dias do Império”. Só volto a Macau em Outubro de 2006, pela mesma razão – a pancada era muito grande – e para ver como é estavam as coisas por aqui. Em 2007, passo cá três períodos de um mês até chegar em Novembro desse ano para ficar, e cá continuo, não sei muito bem até quando.

Como é que e ser fotógrafo em Macau?
Já foi melhor. Já foi bastante mais fácil e bem mais lucrativo. Neste momento, é muito complicado, principalmente quando se é freelancer. É uma angústia permanente sem se saber muito bem como vai ser o mês seguinte. Há também uma concorrência cada vez maior, que o digital veio agravar exponencialmente. Hoje em dia é extremamente fácil uma pessoa que goste de fotografia, comprar a  sua primeira máquina, umas objectivas e um flash e começar a fazer trabalho na área, especialmente se oferecer, linearmente ou quase, esse trabalho. Infelizmente, pelo facilitismo do digital, os próprios clientes e responsáveis dos órgãos de comunicação social, acham que agora toda a gente faz fotografia, até com telemóvel, e o fotógrafo passou a ser dispensável.

Teve um projecto para um espaço multicultural no seu estúdio. O que foi feito dessa ideia?
Não me renovaram o contrato de arrendamento. Fiz obras e um ano depois de ter tudo pronto, disseram-me que  não podia ali continuar. Neste momento, vou partilhar um espaço com mais duas pessoas da área da moda e que pode entrar em funcionamento ainda esta semana. Além de ser concebido para o meu trabalho, pode estar disponível para quem precisar de o usar para fotografia de estúdio com a opção de ser com ou sem equipamento.

Também gosta de poesia. 
Desde muito cedo que escrevo poesia. Os meus primeiros poemas, dignos talvez desse nome, datam dos meus 14 anos. Gosto de escrever, permite-me achar que tenho um domínio razoável da minha língua materna. A poesia surge como uma forma mais fácil de síntese daquilo que me vai na alma. Quando escrevo poesia, as palavras saem de uma vez e já saem na sua forma final. O meu livro “Vida ou morte – de uma esperança anunciada” é o único livro que tenho publicado, e dada a minha aversão a pedir patrocínios, até porque odeio o dinheiro, só o peço pelo meu trabalho. E, entretanto, tenho sete livros feitos em casa prontos a serem editados e que incluem fotografia, sendo que um deles tem como título “Poemografia de Macau “ e já está traduzido em chinês e em inglês.  Também na fotografia tenho três projectos que têm que avançar de Setembro até ao final do ano que vem, e ainda não sei como. O primeiro projecto, já está aprovado e é uma exposição a ser apresentada no Casino Lisboa, em Portugal. O segundo é um projecto que está parado à seis anos e tem como título “Bicicletas de Macau”. Tem o prefácio escrito pelo José Luís Sales Marques. Tenho outro em que levei a estúdio para fotografar 188 pessoas que andam de mota em Macau. Mais uma vez acho que nada acontece por acaso. Para o próximo celebra-se o quadragésimo quinto aniversário da compra da minha primeira máquina fotográfica, são os meus 45 anos de fotografia. Para o ano também será o meu septuagésimo aniversário e também o da República Popular da China, que é oito dias mais velha do que eu. É ainda o vigésimo ano da RAEM. Quero fazer uma exposição que tenha em vista todos todas esta efemérides.

Quais são as suas referências na poesia e na fotografia?
Na poesia são muitos: O Ary dos Santos, a Sophia de Mello Breyner, a Natália Correia ou o David Mourão Ferreira. Na fotografia, e indiscutivelmente, o Henry Cartier Bresson. Num estilo completamente diferente, o Ansel Adams, e claro o Sebastião Salgado, mas há muitos mais.

Vai fazer 70 anos de idade. Qual é o elixir da juventude?
Costumo dizer muito na brincadeira: não tenho tempo para envelhecer. Cuido-me na medida do possível. Fumei o meu último cigarro no dia 28 de Abril de 75. Um ano e quatro dias depois da revolução. Foi a minha revolução pessoal. Penso que deixar de fumar é quase metade do segredo. Tenho também cuidado com a alimentação. Depois recuso escadas rolantes e subo escadas a pé, por exemplo. Faço o exercício que o dia-a-dia me possibilita e recuso ginásios. Se tenho o meu ginásio particular, é a mochila com 10 ou 20 quilos que tenho de carregar para um trabalho fotográfico, se tenho cinco andares para subir em minha casa porque é que vou levantar ferro?

4 Jun 2018

Dois desenhos raros do Tintim vão ser leiloados hoje

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esenhos originais do livro de banda desenhada das Aventuras de Tintim “Carvão no Porão” vão ser leiloados hoje, nos Estados Unidos, numa sessão que deverá chegar às centenas de milhares de dólares.

Ambas desenhados à mão pelo artista belga Hergé em 1957, estas ilustrações, uma a lápis (35,2 x 50 cm) e a outra a tinta china (30,7 x 47,7 centímetros), poderão render entre 720.000 e 960.000 dólares (entre 618.000 e 825.000 euros), de acordo com a casa de leilões Heritage Auctions, que as colocou à venda em Dallas, no Texas.

A empresa de leilões vai transmitir o evento em direto, a partir da sua sede holandesa, perto de Utrecht (centro).

Os dois esboços representam a página 58 das aventuras do famoso repórter da poupa loura, no 19.º álbum do Hergé, publicado em 1958.

No início desta prancha, dividida em doze vinhetas, vê-se o Tintim, o Capitão Haddock, o seu fiel companheiro Milou e o piloto estónio Piotr Szut com uma pala preta no olho, a olhar para o mar.

Sob os seus pés, nas profundezas do oceano, um mergulhador tenta prender uma mina ao navio, antes de ser atingido por uma âncora, que o deixa incosncente

Estas pranchas “são excelentes exemplos da técnica de desenho da linha clara”, o estilo gráfico rigoroso em que se destacou Hergé, salientou o especialista belga em banda desenhada Eric Verhoest.

“Mas não são só os desenhos, é a forma como ele fazia avançar a história. Hergé era um mestre nisso”, disse Verhoest à AFP.

É raro os desenhos originais de Hergé serem colocados no mercado, porque o artista não os ofereceu, senão ocasionalmente, como presentes, a amigos próximos, segundo a Heritagem Auctions.

A prancha à venda no sábado tinha sido oferecida pelo belga a um “amigo escandinavo” na década de 1970 que, em seguida, a vendeu a um comprador “numa região germanófona da Europa”, disse Verhoest.

No início deste mês, uma aguarela rara de 1939 do álbum “O Ceptro de Ottokar” foi vendida por mais de 600.000 euros na Christie’s, em Paris.

Tintin é uma estrela incontestada dos leilões. Um desenho em tinta da china para as capas dos álbuns do publicados de 1937 a 1958 foi vendido por 2,65 milhões de euros pela casa de leilões Artcurial em 2014. Um recorde mundial.

2 Jun 2018

Poesia, amor e liberdade na abertura do Centro Português de Surrealismo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Centro Português de Surrealismo, em Vila Nova de Famalicão, Portugal, abriu portas para uma “atitude de poesia, de amor e de liberdade”, patente numa exposição que reúne mais de 100 obras de autores nacionais, ligados àquele movimento artístico.

A nova casa do surrealismo em Portugal representa o “culminar de um longo caminho de mais de 20 anos” percorrido pela Fundação Cupertino de Miranda (FCM), que alberga aquela nova valência cultural, inaugurada com a exposição “O Surrealismo na Coleção Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian”, uma mostra da herança surrealista portuguesa, que reúne 25 autores e 59 obras.

Pela nova sala, 400 metros quadrados resultantes do “diálogo” entre o arquiteto do edifício original da FCM, João Castelo Branco, e o arquiteto João Mendes, vão estar acessíveis trabalhos de nomes como Mário Cesariny, João Moniz Pereira, Jorge Vieira ou José Francisco, pertencentes à coleção da Gulbenkian, mas também a visão do surrealismo de 23 autores, como António Dacosta, António Paulo Tomaz e Artur do Cruzeiro Seixas, com obras integradas na colação da própria FCM.

“São os principais nomes que fizeram parte do momento [surrealista em Portugal], é vasto, é sem dúvida um momento muito especial”, explicou à Lusa o diretor artístico da FCM, António Gonçalves.

Segundo o responsável, as obras em exposição “são conhecidas, existem”, mas o novo centro dá a possibilidade de as “reunir, catalogar e editar”, e ainda a “possibilidade de rever alguns autores e obras”.

António Gonçalves, salientando “não ser fácil” definir o Surrealismo, explicou que se trata de um “movimento que teve o seu início no plano internacional, em Paris, com André Breton à cabeça, nos anos [19]20”.

“Em Portugal não tem início nesse período, as primeiras exposições acontecem nos anos 40, em 49. Mas isto não quer dizer que não estivessem já nos anos 30 alguns autores a avançar com o surrealismo português, era já uma prática”, apontou.

Explicada a contextualização temporal, afinal em que se define o Surrealismo, questiona-se: “O surrealismo, propriamente, eu diria que é uma atitude de poesia, de amor e de liberdade que muitos deles [os autores] anunciaram, desde liberdade de expressão, humana e de criação, para se poder fazer uma diferença em relação a muita da violência que se estava assistir naquilo que foi uma primeira e uma segunda guerra”, respondeu André Gonçalves.

A abertura do Centro Português de Surrealismo é um marco na história da FCM: “É o culminar de um longo caminho de mais de 20 anos que se iniciou com a doação da coleção de João Meireles e de Cruzeiro Seixas, momento a partir do qual o surrealismo passou a ser uma prioridade essencial na programação da fundação, na investigação e na própria edição”, explicou o presidente da instituição, Pedro Álvares Ribeiro.

A FCM, “nos últimos, adquiriu mais de mil obras de arte”, explanou. “Hoje a coleção tem mais de três mil obras de 300 artistas, e é a maior coleção surrealista em Portugal”.

“Com a inauguração passamos a ter esta sala magnífica de 400 metros quadrados [que teve um custo de um milhão de euros] e a ter condições únicas para exposição da coleção”, concluiu.

A nova valência cultural vai marcar a história da FCM, mas também da terra onde se instalou, com o presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão a realçar que o Centro Português de Surrealismo vai permitir ao concelho “condições para ombrear com outras galerias à escala global”, sendo prova de que a “marca industrial muito reconhecida” a Famalicão “não é inibidora de outra ações”.

“Felizmente, esta centralidade famalicense na área da cultura permite sairmos um pouco daquele que é o hábito das grandes cidades, Porto e Lisboa, que ficam com quase tudo o que é oferta cultural neste domínio”, explicou o autarca.

Paulo Cunha garantiu ainda que a autarquia irá apoiar a FCM: “Será um apoio de 300 mil euros, em quatro anos, para dar condições de tempo, para que o projeto se solidifique, para introduzir previsibilidade ao projeto”, referiu.

O autarca deu ainda a entender que autarquia pretende ir mais longe na sua relação com o surrealismo.

“Não escondemos a ambição de a partir deste projeto criar um roteiro internacional do surrealismo, para que possamos ser visitados”, revelou.

O Centro Português de Surrealismo foi inaugurado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

1 Jun 2018

Amor Electro editam novo álbum, intitulado “#4”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s Amor Electro têm um novo álbum, “#4”, feito de um compromisso entre compor um disco eclético e aceitar a lógica do mercado, que privilegia o formato canção, como explicaram à agência Lusa.

“Vivemos numa fase em que o mercado funciona à base de música a música. Nós encarámos este disco como um aglomerado de músicas, obviamente com conceito, mas é um disco um bocadinho mais eclético, no sentido em que conseguimos abranger vários estilos”, afirmou Tiago Dias, um dos músicos do quinteto rock e autor da maioria das canções.

“#4”, que surge cinco anos depois de “(R)Evolução”, apresenta onze temas originais, mas há pelo menos três canções que o grupo já divulgou há bastante tempo, como por exemplo “Juntos somos mais fortes”, lançado em 2016 quando Portugal participou no europeu de futebol, “Procura por mim” e “Sei”.

A estes, o grupo junta ainda “O nosso amor é uma canção”, com letra co-escrita por Fernando Tordo e Marisa Liz, vocalista do grupo, “De candeias às avessas”, uma letra de Jorge Cruz (Diabo na Cruz) e uma versão de “Canção de embalar”, de José Afonso.

Formados em 2010, os Amor Electro lançam agora o terceiro álbum, embora o título faça pensar que é o quarto.

A cantora explica: “O terceiro geralmente é um disco de consagração. Achámos que não estávamos preparados para isso. (…) O terceiro disco é aquele ‘vai ou racha’. Não temos medo disso, mas vemos este disco como um quarto e depois daqui a um tempo havemos de lançar o terceiro”.

“Eu sei que pela ordem numérica matemática, a seguir ao dois vem o três, mas neste caso não se aplica a matemática, mas sim a filosofia”, sublinhou Tiago Dias.

Com o novo álbum, o grupo fecha uma janela de cinco anos dedicados aos dois discos anteriores, feitos sobretudo em digressão. Abre-se agora uma nova etapa de concertos, a começar no dia 07 de junho no Village Underground, em Lisboa, onde o grupo apresentará o novo álbum na íntegra.

A banda já actuou em Macau em 2015, num concerto promovido pela Casa de Portugal em Macau.

1 Jun 2018

Primeiro teatro municipal para crianças e jovens abre em Lisboa

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro teatro da Câmara de Lisboa exclusivamente direcionado para crianças e jovens, o LU.CA – Teatro Luís de Camões, abriu em Lisboa no Dia Mundial da Criança com um programa de festas de três dias.

Um programa à medida de uma “festa popular em grande” e intensa, como referiu a vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa, numa visita guiada à imprensa juntamente com a atual diretora artística do teatro, Susana Menezes.

O LU.CA localiza-se na antiga sede do Belém Clube, na Calçada da Ajuda, em Belém, onde no século XVIII (1737) foi a Casa da Ópera do Rei D. João V, e é a partir de agora a sala de espetáculos municipal vocacionada para o público infantojuvenil, que era assegurada pelo Teatro Municipal Maria Matos, cuja gestão a autarquia decidiu entregar a privados.

Do programa de abertura, a decorrer das 15:00 às 20:00 até domingo, constam um concerto pela Orquestra Juvenil Metropolitana com As Fábulas de La Fontaine e outras atividades como uma seleção de Livros Espetaculares relacionados com as fábulas, um ateliê intitulado “Fotografismos” e uma visita aos camarotes com binóculos como no tempo de D. João V.

Tudo em pequena escala, o novo espaço conta, nomeadamente, com uma plateia amovível de 81 lugares, 23 camarotes incluindo o real, apoio técnico e camarins.

Com uma programação destinada a crianças dos três aos 16 anos, o LU.CA tem um orçamento anual na ordem dos 300 mil euros, quase o triplo dos cerca de cem mil euros de que Susana Menezes dispunha para programar no Maria Matos, como disse a diretora artística à imprensa.

Nas obras de reabilitação, iniciadas em 2016 segundo um projeto dos arquitetos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, a Câmara de Lisboa despendeu 1,2 milhões de euros.

1 Jun 2018

Mísia, cantora: “O fado não é triste, é profundo”

Pode ser quase vista como a fadista punk portuguesa. Mísia começou a ter sucesso no estrangeiro antes da chegada do reconhecimento português. Canta o fado porque canta a vida e marca o seu percurso com genuinidade. Ao HM, a intérprete, como prefere ser referida, falou do presente póstumo que deu a Amália e do seu fado imperfeito

 

Definiu-se como sendo a “anarquista do fado”. O que quer isto dizer?

Foi uma resposta que dei a uma entrevista. Há sempre esta procura da sucessora da Amália, da nova rainha do fado, como se isso fosse possível. O caminho que a Amália fez foi o caminho que foi dela e há sempre esta tendência a chamar-me a mim e a outras pessoas de novas rainhas do fado. Uma vez respondi: não sou a nova rainha do fado e se fosse alguma coisa seria a anarquista do fado. A partir daí esta é uma frase que me persegue, não me incomoda, mas persegue.

Porquê anarquista?

Começa logo por eu não ser monárquica e porque fiz as coisas à minha maneira, sempre com muito respeito, mas fiz o meu caminho individual. Não segui regras. Isto é uma atitude. Mas, sobretudo, porque estou em contraposição àquela coisa da monarquia. Por outro lado, a meu ver, só há uma rainha, e é a Amália.

O fado para si não é triste nem alegre. O que é?

É a vida com tudo o que tem lá dentro. Actualmente, há uma corrente ou uma tendência que deixa as pessoas muito aflitas. Parece que sentem que têm de esclarecer se o meu fado é triste ou é alegre. Como se isto fosse obrigatório. O fado não é nem uma coisa nem outra, o fado é destino com tudo o que isso tem lá dentro. Não é uma descoberta da pólvora cantar fados alegres e voltamos à Amália que já cantava a Mariquinhas, etc. Mas agora parece que há uma preocupação que o fado não seja triste, o que é uma coisa impossível também. O fado não é triste, é profundo. Tem a profundidade dos sentimentos maiores da alma humana, sobretudo porque fala da vida e da morte, pelos menos os fados que gosto de ouvir e que gosto de cantar.

Quando começou a cantar, o fado não tinha o público que tem hoje. Como é que foi o seu início de carreiro e como vê agora o reconhecimento e aceitação deste género?

Comecei a falar com editoras depois do 25 de Abril, numa altura em que o fado sofria um estigma e tinha duas dificuldades: não era comercial, não vendia e culturalmente também estava ferido de morte. Era uma altura em que não era nada aconselhável cantar fado. Aliás, as pessoas dizem-me muito “tu assim vestida com essa imagem, porque é que não cantas pop ou outra coisa?”. Eu respondia que não, que queria fazer um fado como eu o sentia, com novos poetas, com pessoas que não são do universo do fado. Foi difícil e oscilei durante muitos anos entre um grande êxito no estrangeiro e a falência no meu país porque as pessoas não estavam abertas a esta proposta. Hoje em dia isso não acontece. Mas também de acordo com os críticos do fado, agora é um género mais consensual. As pessoas são jovens, cantam mas não vão ao núcleo mexer nos poemas. É menos arriscado do que o fado que eu e o Paulo Bragança fazíamos que era uma coisa muito mais subversiva.

Como explica esta adesão de público?

Acho que veio de fora para dentro. Não é nossa culpa, dos intérpretes, nem nosso mérito. Fui a primeira, depois da Amália, a ir cantar aos sítios onde ela tinha estado desde a Roménia, à Polónia ou à Turquia. Começaram-se a editar discos e a aparecer a moda dos ciclos de músicas do mundo que calhou também ao fado. Acho ainda que o tempo põe as coisas no seu lugar e que os portugueses perderem a vergonha de gostar de fado. Também é cantado, hoje, de uma maneira mais acessível relativamente à altura em se usavam as letras cantadas no tempo da Amália. Hoje, esta moda do fado tem coisas boas e coisas más. Coisas boas porque atrai uma grande visibilidade para este género de música, porque é fácil gravar e porque há vários tipos de fadistas. Por outro lado, também há o perigo da banalização e do esvaziamento das letras e do significado.

Canta poemas do Lobo Antunes, do José Saramago, do Vinícios de Morais e de muitos outros. Como é que escolhe as letras para as suas canções?

A maioria das letras que canto de poetas vivos – acho que só o António Lobo Antunes é que não o fez – são poemas escritos directamente para o meu trabalho e para a minha voz. É um ponto de honra. Não é só porque escrevem para o meu trabalho mas, dada a situação de desprestígio do fado quando comecei a cantar, achei que trazer estes poetas era uma forma de provar que o fado era importante. O José Saramago escreveu um poema para mim, a Lídia Jorge, a Amélia Correia etc. Andei muitos anos a bater a muitas portas a dizer “Olá sou a Mísia e não sou só uma franja e uma mini saia”. Acho que não descobri nenhuma pólvora e a única coisa que fiz foi fazer as coisas de uma maneira pessoal, muito genuína e diferente. 

Como é que descobriu que o fado era para si?

A minha mãe era bailarina e a minha avó fazia espectáculos burlescos em Barcelona nos anos 30. Tudo indicaria que eu iria fazer alguma coisa interpretativa e o fado era a minha música do quotidiano na minha infância no Porto. Eu não sou tão de fora como às vezes possa aparentar. Durante três ou quatro anos, passei muitas noites nas casas de fado do Porto a cantar como amadora. Aos 16 anos comecei frequentar a Taberna São Jorge, e ia aprender e ouvir. Na Taberna São Jorge actuava a Beatriz da Conceição, que para mim é uma deusa. Não sou tão “outsider” como se possa pensar.

O que é que o fado lhe dizia?

Não gosto de todos os fados, e naquela altura era muito critica. Aproximei-me através dos fados mais filosóficos e depois comecei a gostar mais de fados populares, com letras mais simples e mais descritivas. Lembro-me que a primeira vez que cantei fado, nenhum dos guitarristas sabia a canção que queria cantar. Começou logo ali a diferença. Mesmo em relação à Amália, quase toda esta nova geração a quem chamam de filhas de Amália, começa por gravar coisas desta artista, vestidas como ela, com as saias rodadas e tal. Eu fiz ao contrário. Fiz um disco que se chama “Para Amália” aos 25 anos de carreira, depois de ter feito o meu trabalho. Parecia-me como se estivesse a usar uma coisa que não era minha. Sou muito territorial. Por isso foi mesmo uma prenda para Amália, mas já depois de ter feito o meu caminho, com os meus colegas e com os meus músicos.

Como foi fazer esse disco?

Foi muito interessante porque não estava a fazer um disco para mim, só com as coisas que gosto da Amália. A Amália é um diamante com várias faces, podemos mesmo falar das Amálias. Aliás, era esse o nome que inicialmente queria dar ao disco. Foi muito interessante porque fiz, não só repertório amaliano como achei que era bonita a ideia de oferecer inéditos à Amália e, desta forma, oferecer uma coisa a uma pessoa que já morreu. É um disco duplo em que uma parte é só com piano porque a Amália ensaiava muitas vezes ao som de piano e só depois passava para as guitarras. Portanto, há esse piscar de olhos à maneira de ensaiar. É um disco feito com muito respeito. Foi muito difícil escolher o repertório e até costumo dizer que canto a “F word” – folclore, que é uma coisa que gosto imenso de ouvir, mas que nunca pensei vir a cantar.

Tem uma canção com o Iggy Pop. O que ouve além do fado?

Não ouço muito fado. Ouço muito música clássica porque a minha mãe era bailarina. O Iggy Pop tinha feito um disco em francês, o “Aprés”. Foi por causa disso que o convidei para fazer aquele tema, “La Chanson d´Hélène”, que faz parte da banda sonora do filme “Les choses de la vie” ne Claude Sautet. A versão original era cantada por Michel Piccoli e Romy Schneider. É um tema mais triste do que o fado mais triste. É uma letra incrivelmente triste. Quando pedi ao Iggy Pop para me acompanhar pensei que o não era garantido e resolvi pedir na mesma. Ele estava a gravar um disco, mandei-lhe a versão original e gravei a versão com a minha voz. No dia seguinte respondeu-me que aceitava.

Esteve aqui para ser acompanhada pela Orquestra de Macau e por instrumentos chineses.

Já estava habituada a tocar com orquestras. Mas aqui tive que ter alguns cuidados. Os instrumentos são diferentes e eu vinha cheia de curiosidade e ilusão, e não estou nada defraudada. Escolhi um repertório especial que pensei adaptar-se a estes instrumentos. Escolhi fados que têm melodias muito bonitas e que podem brilhar com este tipo de acompanhamento.

Também faz teatro pontualmente.

Sim. Não sou actriz, e mesmo no fado não sou uma cantora. Sou uma voz intérprete, não sou uma voz performance. Aliás, eu cuido pouco a voz. A voz é um instrumento e não é a minha finalidade ser uma boa fadista. A minha finalidade é falar da vida e o fado é um instrumento cultural que utilizo para o fazer, para falar do que é a fragilidade de viver. Sempre fui uma voz personagem. Às vezes sei que vou dizer uma frase e que se a mudasse podia sair mais perfeita, mas ela sai como a vida e é isso que interessa. Se sai a voz raspada, olha que bonito que saiu. Os meus músicos brincam muito comigo porque estou sempre a dizer “não me digam que isto é bonito” e eles respondem que saiu muito mal que não é nada bonito. O fado não tem de ser bonito, não tem de ser perfeito, tem de ter força tem de ter uma ligação à vida que é o que me interessa.

1 Jun 2018

Pedro Moutinho, fadista | “Existe liberdade quando canto”

[dropcapstyle=’circle’] P [/dropcap] edro Moutinho, irmão de Camané e de Hélder Moutinho, dá hoje o concerto que encerra o Festival de Artes de Macau deste ano. Amante do Rock, é a cantar o fado que se sente livre. Ao HM, o intérprete falou da nova geração de fadistas e da sua opção por uma vertente mais tradicional

Como é que o gosto do seu pai pelo fado influenciou a sua carreira?
O meu pai era muito ligado ao fado. O avô dele, o José Júlio, já cantava no bairro da Madragoa. Como o meu pai gostava de cantar e de música, em miúdo ia muito às casas de fado com ele. Íamos todos os fins-de-semana. A primeira vez que cantei foi com oito anos. Na altura, havia poetas que escreviam letras para crianças, para não ser uma canção tão pesada. Lembro-me de ter chegado a ouvir miúdos a cantarem letras que incluíam “Ela deixou-me” e este tipo de coisas. Os meus pais não me deixavam cantar isso. Essa minha infância a acompanhar o meu pai acabou por ser uma escola. Acabei por ouvir, desde miúdo, os melhores intérpretes de fado tanto ao vivo como em disco.

Como é que depois optou por ter o fado como carreira, numa altura em que este género não era tão popular como é agora?
O fado esteve sempre presente. Sempre ouvi outros tipos de música, mas este era aquele bichinho. Quando dei por mim já pedia ao meu pai para me levar às casas onde eu gostava mais dos músicos. O fado estava sempre presente. Era aquela coisa de que gostava e que gosto.

O que sente quando canta?
Existe liberdade quando canto. Não consigo explicar. O fado é uma coisa muito relacionada com o sentir. Depois há a união com o público. Há o sentir que estou a ser ouvido e que as pessoas estão comigo. Acaba por ser uma coisa que pertence àquele momento. Cantar poemas e canções que gosto, é muito bom.

Como é que escolhe as letras que canta?
Sou muito esquisito. O poema às vezes pode ser lindíssimo, mas se tem lá uma palavra que não gosto, já não o canto. Depois a escolha é feita por identificação, em que há qualquer coisa de mim que está naquele poema. Tenho também tido muita sorte com as pessoas que escrevem para mim, que são os melhores, e isso é fantástico.

Considera-se parte desta nova geração do fado?
Uma parte sim, uma parte não. Venho mais de trás. A minha geração ainda é mais dos anos de 1990. O fado começou a ganhar mais popularidade, na minha opinião, depois da morte da Amália Rodrigues. A partir daí começaram a aparecer muito mais jovens a cantar, alguns que vieram de fora deste género e outros que já cantavam. A Amália foi a primeira no que respeita à internacionalização do fado, depois foi a Mísia. Elas abriram a porta para eu estar aqui hoje. Só mais tarde é que apareceu a Mariza, a Ana Moura ou a Carminho. Eu faço parte ali de uma geração intermédia.

De qualquer forma começou numa altura em que o fado não era tão popular. Foi difícil o início de carreira?
Nada é fácil. O fácil é uma ilusão. Sempre tive que trabalhar muito para conseguir as coisas e continuo a ter de o fazer. No início comecei pelo percurso da casas de fado. Comecei a cantar profissionalmente lá para os lados de Cascais. Havia uma casa que era o Forte de D. Rodrigo que abriu nos anos 70 e fechou nos final dos anos 90. Tinha por volta de 16/17 anos, e o gerente do forte vivia ao lado da casa dos meus pais e começou-me a convidar para ir lá fazer os fins-de semana já a ganhar um cachet por noite. Depois da tropa vim para Lisboa. Um dia fui até ao Bairro Alto, pedi para cantar no Luso e, de repente, pediram-me o número de telefone e começaram-me a chamar. Na altura, era o mais novinho. Os meus colegas eram tudo pessoas dos 50 anos para cima tirando uma colega minha. Havia muito poucos jovens a cantar. A seguir, na viragem do século, começaram aparecer os nomes desta nova geração. Havia uma coisa que achava piada: na altura, a crítica jornalística referia muito que se andava à procura da nova Amália. Mas qual nova Amália? Foi também quando o meu irmão Camané fez um concerto fantástico no Centro Cultural e houve mesmo um crítico que referiu que parecia que a tal nova Amália era um homem.

Vem tocar acompanhado pela orquestra de Macau. Como é que está a ser esta experiência de ser acompanhado por instrumentos orientais?
Está a ser das melhores experiências da minha vida. Os arranjos estão fantásticos. Estava com alguma expectativa positiva. Mandámos as músicas, a Orquestra de Macau tratou de tudo. Chegámos para o ensaio, tocámos duas vezes cada tema e pronto. Estava tudo óptimo. São instrumentos diferentes, mas estamos a falar de música. O fado, e o meu que é mais tradicional, é um tipo de canção melodiosa e estes instrumentos são também instrumentos muito melodiosos. Fica tudo muito bonito quando se juntam. Com esta experiência com orquestra de Macau estou cheio de vontade de voltar a cantar com eles. O fado tem guitarra, viola e baixo e tem uma melodia simples e bonita. Quando chega uma orquestra com aquele encher dos instrumentos todos, fica incrível. E o maestro é fantástico.

Além do fado, que música ouve?
Nasci nos anos 70 por isso apanhei os 80 e os 90. Sempre ouvi rock. Led Zeppelin Metallica, Pixies, consumia tudo. Por influência dos meus irmãos, também ouvia muita música brasileira: Chico, Caetano, Betânia, Elis, João Gilberto. Gosto de jazz. Gosto também de Frank Sinatra e de Tony Bennett. Não aprecio muito música electrónica. Sou capaz de ir para o Lux e estar uma noite a divertir-me, mas não é o tipo de som que ouço em casa. Às vezes passam-se semanas que não ouço fados também.

Já esteve em Macau. Como é que sente o público cá?
O público português é sempre diferente. O que reparei no público de Macau, na última vez que cá estive, foi o facto de estar sempre com muita atenção, mas mais tímidos. Também se nota que é um público que gosta muito do espectáculo, principalmente no final em que assinamos os discos. Há uma situação engraçada de um senhor chinês de Hong Kong, que é meu fã, e que veio ver o concerto. No final estava a assinar os discos e ele aparece com os meus discos todos inclusivamente o primeiro e o segundo que nem eu tenho e que já não há nas lojas. Nem gosto do meu primeiro disco. O primeiro trabalho é para cometer erros. Há pessoas que têm logo sorte e corre bem mas não foi o meu caso. Se calhar é um problema meu. Tenho dificuldade em me ouvir.

Já está a trabalhar num novo disco?
Vou começar a gravar um trabalho novo este ano. Vou seguir a minha linha tradicional com algumas coisas novas. Estou a abrir um bocadinho o leque a compositores fora do fado. Estou à espera de receber músicas. Esta é aquela fase mais deprimente. Um disco é sempre um processo muito ansioso em que há muitas incertezas. Sou muito picuinhas e preocupo-me muito quando se calhar não me devia preocupar tanto. Levo isto muito a sério e se calhar às vezes podia ser um bocadinho mais leve. Até estar tudo feito não consigo relaxar.

31 Mai 2018

CCM | InspirARTE regressa no Verão com 300 eventos

O InspirARTE está de regresso a Macau com uma série de propostas que visam incutir o gosto pelas artes de palco em miúdos e graúdos

 

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o Verão à porta chega mais um InspirARTE, um conjunto de actividades destinadas a incentivar a criatividade de crianças e famílias durante as férias. O programa, que decorre nos meses de Julho e Agosto, inclui 38 oficinas intensivas distribuídas por aproximadamente 300 sessões.

A próxima edição do InspirARTE, iniciativa organizada pelo Centro Cultural, vai contar com a orientação de artistas experientes oriundos de latitudes diversas, como Espanha e Escócia, que vão juntar-se a profissionais de Macau e Hong Kong “na missão de partilhar a sua arte através de jogos e desafios criativos”, indica o Instituto Cultural (IC) em comunicado.

Os workshops para crianças incluem desde sessões acrobáticas, aos segredos dos palhaços, passando pela inspiração musical e pelo mundo dos adereços teatrais, sendo que os mais pequenos terão ainda oportunidade de participar em pequenas apresentações. Já as actividades pensadas para a família vão das abordagens teatrais, às marionetas até à dança, com pais e filhos a terem ainda possibilidade de entrarem numa aventura mais técnica por via do workshop de efeitos sonoros e música guiados pelos profissionais do espectáculo “Beatles para Bebés”.

Para os mais crescidos

Os adolescentes também não ficam de fora do programa que inclui nomeadamente um workshop sobre música no teatro. O público juvenil também é incentivado a explorar expressões artísticas, tais como técnicas de percussão vocal, uma demonstração de beatbox, ou incursões pela expressão corporal, salienta o IC na mesma nota de imprensa.

O InspirARTE apresenta ainda workshops a pensar naqueles que pretendem desenvolver habilidades específicas, os quais cobrem, por exemplo, a iluminação de palco. O programa reserva ainda espaço para o público sénior, com os participantes a serem desafiados a reinventarem-se enquanto exploram as suas capacidades dramáticas ou vocais.

O InspirARTE no Verão é um evento cultural regular que, ao longo dos últimos anos, tem trazido uma perspectiva aprofundada a um número crescente de amantes das artes de palco. Os interessados em participar podem pré-inscrever-se online a partir de hoje e até domingo, sendo que o período de inscrição propriamente dito decorre até ao próximo dia 24 de Junho.

30 Mai 2018

Obra completa de Maria Judite de Carvalho publicada nos 20 anos da sua morte

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]inte anos após a sua morte, Maria Judite de Carvalho, a escritora do silêncio e da solidão, dona de uma escrita “acutilante e atenta ao pormenor quotidiano”, vai ter a sua obra completa, e quase desconhecida, publicada na íntegra.

O primeiro volume, que inclui as suas primeiras coletâneas de contos – “Tanta Gente, Mariana” (1959) e “As Palavras Poupadas” (1961), esta última vencedora do Prémio Camilo Castelo Branco -, chegou hoje às livrarias.

A aposta na obra desta autora é da Almedina, que, através da chancela Minotauro, se prepara para lançar, até ao final do próximo ano, seis volumes que incluem a obra completa de Maria Judite de Carvalho (1921-1998), considerada pela crítica uma das escritoras mais proeminentes da literatura nacional do século XX, não obstante ser pouco conhecida do público em geral.

Apelidada por Agustina Bessa-Luís como “flor discreta da nossa literatura”, Maria Judite de Carvalho, também jornalista, dedicou trinta anos da sua vida à carreira literária, durante a qual publicou 13 livros, privilegiando as novelas, as crónicas e os contos, e escreveu sobre a solidão, histórias sombrias da vida quotidiana que observava.

A editora apercebeu-se de que a escritora “já estava na sombra há demasiado tempo”, e aproveitou o facto de alguns contos terem surgido nos manuais do ensino secundário, embora a maioria continue fora do mercado e das livrarias há muito tempo.

“Decidimos que seria a altura ideal, 20 anos após a sua morte, para fazer renascer a sua obra, e para apresentá-la a esta nova geração de leitores, que começa a ler Maria Judite de Carvalho na escola e que nas livrarias não iria ter acesso a toda a sua escrita em vida, portanto estamos a querer juntar toda a sua obra em seis volumes”, disse à Lusa Sara Lutas, editora da Almedina.

A editora entrou em contacto com Isabel Fraga, filha de Maria Judite de Carvalho e do também escritor Urbano Tavares Rodrigues, que lhe apresentou toda a obra da mãe.

Dona de uma personalidade “recatada” e “zelosa da sua privacidade”, Maria Judite de Carvalho nunca gostou de se expor, e “a obra dela sempre falou por si mesma”, explica Sara Lutas, que decidiu, por isso, respeitar essa vontade e não dar grande destaque à figura da escritora, que é apresentada na badana dos livros “de forma discreta e bastante lírica”.

A obra vai ser publicada cronologicamente, e a autora vai “envelhecendo” nas fotografias escolhidas e nos retratos que ilustram as capas e os separadores dos livros, revelando outra faceta da escritora: o desenho e a pintura.

“As capas, em vez de ter em grande plano a autora, são quadros dela, que também pintava, e decidimos dar uma roupagem diferente às obras dela através de uma Maria de Judite de Carvalho pintora”, explica Sara Lutas.

O próprio marido de Maria Judite de Carvalho conhecia o seu jeito para o desenho, antes de descobrir o seu talento para a escrita, o que aconteceu quando ela lhe leu “Tanta Gente Mariana”.

Inês Fraga, neta da autora, recorda que Urbano Tavares Rodrigues “era um leitor extremamente generoso, hiperbólico no elogio e que amava profundamente a literatura”, e que foi graças à leitura dele que Maria Judite de Carvalho publicou, porque “ele disse ‘este livro é maravilhoso, tu tens que publicar isto, isto é genial’”.

Este episódio reflete aquilo que foi a personalidade da própria Maria Judite de Carvalho, “uma pessoa e autora quase etérea”.

“Era fácil, numa era em que cada vez mais a escrita está ligada à promoção da imagem do indivíduo – para além do que escreve, do indivíduo que escreve -, que com uma personagem tão etérea, a própria obra se começasse a desmaterializar, e creio que foi por isso, embora tenha sido profundamente reconhecida no seu tempo, que não chegou ao grande publico”, afirma.

A projeção de Urbano Tavares Rodrigues e o recato a que se remetia Maria Judite de Carvalho têm levado a que se julgue que a autora teria sido sempre colocada na sombra do marido, o que a família nega.

Não só foi sempre o seu primeiro leitor – a filha era a segunda –, como foi “o grande promotor da obra dela”, e embora possa ter ficado conhecida como “a mulher do Urbano”, isso “não influiu na projeção que teria ou não”, porque a verdade é que Maria Judite de Carvalho “foi educada para a discrição”, conta a neta.

Maria Judite de Carvalho foi educada por três tias, numa “atmosfera escura e sombria”, como descreveu certa vez Urbano Tavares Rodrigues.

Essas tias eram “mulheres muito sensatas e antiquadas”, e quando Maria Judite de Carvalho ponderou ir para Belas Artes, a ideia foi afastada, porque “uma mulher séria não ia para Belas Artes, ia para Letras”, afirma Inês Fraga, explicando que o gosto e a prática do desenho e da pintura ficaram sempre, mas como um prazer e um passatempo, já que sempre os desvalorizou em termos de qualidade.

No entanto, estes desenhos que fazia, em circunstâncias tão banais como a conversar ou a falar ao telefone, refletiam o seu universo interior que era o mesmo que projetou na escrita, o universo feminino, povoado por mulheres “muito diferentes e muito iguais nessa diferença”.

“As mulheres nos quadros são uma outra abordagem às personagens femininas e à sua imobilidade. Portanto, na literatura, as mulheres da minha avó, da Maria Judite de Carvalho, surgem fechadas naqueles retângulos que são as janelas que as protegem do exterior, nas suas casas, nessas redomas, nos seus pequenos castelos, que são as suas casas, e aqui aparecem também pautadas pela imobilidade, estáticas, dentro daqueles retângulos que são as molduras dos quadros ou até a própria folha de papel”.

A editora Sara Lutas especifica, por sua vez, que as temáticas tratadas, “a forma como as suas personagens pensam e agem na vida teriam sempre esta postura de reclusão e de silêncio”.

A escrita é “acutilante”, “muito atenta à sua realidade, que permanece”, e “convoca imenso o leitor, porque só nos diz até um determinado ponto, o outro tem de ser o leitor a desvendar”, descreve Inês Fraga.

Outras singularidades da escrita de Maria Judite de Carvalho são a atenção ao pormenor do quotidiano e “as personagens, para as quais se calhar não olharíamos duas vezes, não só personagens femininas, mas personagens urbanas, as mais diversas, desde o homem que trabalha na loja, ao que abre a porta de um hotel”.

29 Mai 2018

Instituto Cultural | Executivo promove divulgação do património intangível

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s próximos dias 9 e 10 de Junho vão ser assinalados com um programa de divulgação do património intangível de Macau. “Dia do Património Cultural e Natural da China” é a iniciativa promovida pelo Instituto Cultural (IC) que vai ter lugar na Casa do Mandarim e no Largo do Lilau, com o objectivo de “promover um ambiente propício à salvaguarda do património, bem como de elevar o conhecimento do público sobre os itens do património cultural intangível local”, refere o comunicado oficial.

De acordo com a organização, o evento apresenta um leque variado de actividades, incluindo cabines de jogos, exposições, palestras temáticas, workshops e actuações apresentadas por diversas organizações. No cartaz do evento destaca-se a Ópera Cantonense, Dança do Dragão Embriagado, Naamyam Cantonense (canções narrativas), música ritual taoista, entre outros.

Serão ainda organizadas palestras, sendo que a organização destaca a conversa “Panorama do Património Cultural Intangível de Macau”, a cargo do professor associado do Centro de Estudos das Culturas Sino-Ocidentais do Instituto Politécnico de Macau, Lam Fat Iam. “Crenças e Costumes de Na Tcha”, é o momento que vai contar com a participação de Chiang Kun Kuong e Ip Tat. O bambu também vai ser abordado com o workshop “Arte dos Andaimes de Bambu”.

29 Mai 2018