Ronald Lou, líder do grupo New Power of Melco Crown: “Trabalhadores têm menos coragem de sair à rua”

Trabalha há mais de dez anos no sector Jogo e passou por várias operadoras. Ronald Lou lança críticas a várias operadoras, nomeadamente no que aos salários diz respeito, e diz ainda que a não proibição total de tabaco nos casinos pode continuar a gerar conflitos entre jogadores e funcionários

Está a trabalhar como supervisor de mesas de jogo e é director de um novo grupo de funcionários, o “New Power of Melco Crown”. Por que decidiu criar esta organização?
Em muitas operadoras de Jogo já existem “sindicatos”, mas a Melco Crown ainda não tinha. Espero, com isto, ajudar os meus colegas a organizar um grupo para que seja uma ponte de comunicação entre a empresa e os funcionários. O grupo começou a ser pensado há meio ano e estamos agora no processo de oficializar a organização.

Até ao momento, quanto membros é que o grupo tem?  Como é que os funcionários vêem esta organização?
Tem mais de cem membros e existe uma grande fatia de funcionários que não têm vontade em participar no grupo, uma vez que a operadora tem 12 mil funcionários. Lamento que o grupo não seja ainda tão conhecido, mas há mais pessoas que nos conhecem e que querem ser membros.

Já começaram a tomar acções?
No final do mês passado entregámos uma carta ao departamento de recursos humanos da operadora, queixando-nos da questão da posição para estagiários denominada “high dealer” nos casinos.

Essa posição fica entre croupiers e supervisor de mesas e existem cerca de mil funcionários nessa posição, que não foram promovidos como a empresa prometeu, certo? Como está essa situação?
A empresa respondeu-nos, mas de forma muito oficial, e não mostrou uma resolução muito concreta. Vários high dealer já foram promovidos, mas a operadora mantém a sua forma de gestão e é difícil conseguirmos o que pedimos. Se houver vontade de fazer mais queixas sobre este assunto da parte dos funcionários, vamos continuar a agir.

Já existem diversas associações de funcionários do Jogo, tais como a Forefront of the Macau Gaming e a Associação de Empregados das Empresas de Jogo de Macau da Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM).  Qual é a posição que vão tomar? Existe por exemplo a possibilidade de participarem em manifestações?
Vamos tentar que o objectivo seja servir as classes de trabalhadores mais baixas e tentar ao máximo ajudar os funcionários dos casinos. Não excluímos também integrar ou realizar manifestações, mas depende da situação. Sabemos que o ambiente económico não está tão bom como há dois anos e, na altura, os trabalhadores tinham mais coragem em sair à rua. Agora, têm receio, porque pensam mais em manter o emprego e já não é fácil fazer protestos. Temporariamente. Vamos observar a situação calmamente.

Tem uma relação próxima com o grupo Forefront of the Macau Gaming e a Associação dos Direitos dos Funcionários de Jogo, liderada por Cloee Chao?
Temos muitas oportunidades de cooperação, porque temos o mesmo objectivo: trabalhar em prol dos funcionários de Jogo. ronald lou melco

Há quanto tempo trabalha nesta área?
Trabalho na área de Jogo já há mais de dez anos. Comecei por trabalhar como croupier no casino Lisboa, mudei uma vez para o do Galaxy e desde há oito anos até ao momento que trabalho como supervisor de mesas na Melco Crown. Posso dizer que passei por várias eras do sector do Jogo: desde ainda não ser permitido licenças, até à abertura do mercado, passando pela crise económica em 2008, até hoje. Tenho observado a mudança dos casinos. Portanto, penso fazer alguma coisa em prol deste sector, contribuindo para a indústria e para os funcionários.

Está agora na Melco Crown, passou por outras operadoras, como avalia a situação da sua operadora, comparando com outras?
Cada operadora tem as suas características. Por exemplo, o bónus de Verão – muitas operadoras oferecem um bónus equivalente ao salário mensal aos funcionários, o que faz com que os trabalhadores possam ter 14 meses de remuneração por ano. No entanto, a Melco Crown é muito especial, criou um plano denominado “Ovo de Ouro” e a empresa não oferece nenhum bónus de Verão até 2017, ano em que os funcionários podem receber os bónus de três anos de uma só vez. Na realidade, é uma medida para manter os funcionários, porque depois de 2017 não vão abrir mais empreendimentos de Jogo e, na altura, os recursos humanos vão ser estáveis e não haverá grandes mudanças. Além disso,  a Melco fala sempre em determinadas percentagens de promoção de funcionários, mas de facto isto são palavras vazias, porque não consegue fazê-lo. Sobretudo quando há grandes saídas de funcionários. Portanto, o meu sentimento de pertença à empresa não é assim tão grande, nem o de outros colegas, como é do meu conhecimento.

Consegue falar das condições de outras operadoras ?
Por exemplo, a Wynn tem sucesso nas regalias dadas aos funcionários, portanto o número de perda de mão-de-obra é o menor. Como eles têm bónus de Verão todos anos, os 13 meses da remuneração ficam escritos em todos os contratos de trabalho, além de que, como já foi anunciado, vão ser distribuídas mil quotas em acções para os trabalhadores. A operadora do Lisboa [SJM] e da Galaxy são mais práticas: por exemplo, os funcionários conseguem subir de posição depois de um ano de estágio, algo que pode demorar três a cinco anos na Melco Crown. Mas não foi criada nenhuma posição instável como a de high dealer.

As receitas de Jogo caíram para menos de 20 mil milhões de patacas. A Galaxy foi a primeira empresa que anunciou que não iria aumentar os salários do pessoal superior da administração e até o Governo precisou de tomar medidas de austeridades. Acha que as operadoras de Jogo estão a sentir pressões?
Para dizer francamente, é verdade que existe pressão. Mas temos de ver que antigamente era muito fácil ganhar grandes quantias de dinheiro, basta olhar para o director-executivo da Galaxy Macau, Francis Liu, que conseguiu subir na lista de pessoas mais ricas. Agora, as operadoras estão apenas a ganhar menos, mas já estão a tomar estas medidas, por quê? Será que está a perder dinheiro? Não. Acho que só querem criar uma imagem de fachada para os trabalhadores, a dizer que as empresas não estão boas e inclusive os cargos superiores vão ter os salários congelados. Isto para que se crie um ambiente que justifique o despedimento dos funcionários. Isso não é verdade e, mesmo que se sofra pressões, não se deve fazer isso.

Mas existem outras opiniões de que se a remuneração dos funcionários de Jogo diminuir, estes também não se podem queixar porque têm ganho um salário alto, comparado com outros sectores…
Não se pode dizer isso. O nível de remuneração dos funcionários de Jogo, por exemplo o dos croupiers nunca aumentou. Há 20 anos, os croupiers ganhavam 20 mil patacas por mês, enquanto nos outros trabalhos só se ganhavam duas a três mil. Actualmente, eles continuam a ganhar 20 mil. Se se fizer as contas à inflação e ao desenvolvimento económico, o salário deveria chegar às 50 mil patacas. De certa maneira, os salários dos funcionários do Jogo estão a ser cortados. O que se mostra de que se ganha muito bem é aparência. Outra coisa é que os outros sectores não trabalham por turnos, não têm de ouvir todos os dias jogadores a entrar em conflito com eles quando perdem dinheiro, não fumam passivamente por causa de clientes. Acham que o dinheiro é ganho por nós sem esforços? Alguém já disse que o salário ganho não chega para as despesas médicas com as doenças, olhe que pode ser verdade.

Quais são as doenças mais comuns que os funcionários de Jogo apanham?
Por exemplo no sistema respiratório, como a rinite alérgica, devido ao ar poluído por tabaco onde trabalhamos durante um longo tempo dentro dos casinos, sem apanhar sol. É horrível. Bem como no estômago, não temos refeições a horas regulares. Insónias… Vi também muitas vezes supervisores a desmaiar quando trabalham.

Concorda então com a medida de proibição total de tabaco nos casinos? 
Concordo absolutamente, mas não posso dizer que todos concordam. Mas pelo menos os da linha frente concordam. Posso contar uma experiência minha: há dez anos, quando trabalhava como croupier, a distância entre mim e o jogador era muito pouca e o jogador estava a fumar e a soprar o fumo de propósito para a minha cara. Mas o supervisor não me permitiu virar a cara, senão poderia levar um raspanete do cliente. Onde está a justiça e o respeito? Ninguém consegue aceitar ser ofendido deste jeito.  
 
Os clientes provenientes da China, comparado com o número antes à queda das receitas, são cada vez menos?
O que observei é que caíram, mas pouco, tanto nas zonas comuns, como nas zonas VIP. Os casinos de Macau ainda dependem muito dos jogadores da China, senão, não ganharíamos nada. 

A renovação das licenças de concessão de Jogo vai ser revista este ano. Viu algumas medidas feitas pelas operadoras de Jogo propositadamente para isso?
Até ao momento não reparei nisso na Melco Crown, aliás ficou por cumprir a questão da promoção dos funcionários, como prometido. Para mim, é muito fácil: fazer o que o slogan da Melco Crown diz: “um facto conquista milhares de palavras”. O que se deve fazer é cumprir as promessas. 

7 Set 2015

Isabel Lopes: “Acredito que a nossa língua, por si só, já está internacionalizada”

Isabel Lopes chegou ao Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa e vê no ensino do português em Macau um desafio imperdível. Confirma haver diferenças na aprendizagem da língua por chineses no mundo, sublinhando que há mais motivação na China do que na RAEM. O Acordo Ortográfico, defende, não é “o desastre”, mas também tem defeitos

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]omo é que surgiu a oportunidade de vir para Macau integrar o Centro e dar formação de Português como língua estrangeira?
Convidaram-me para integrar a equipa do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa e aceitei imediatamente, por várias razões. Era, desde logo um desafio irrecusável por ser relevante e importante em termos profissionais. Há muito que estou ligado ao ensino do português como língua não-materna e linguista e tudo isto era um novo desafio, vivenciar um momento histórico, que é o que está a acontecer nesta altura na China, esta procura pelo português.

Em que medida considera essa procura importante, tanto para Macau como para Portugal?
A procura do português na China tem, naturalmente, uma razão funcional e instrumental de mercado, mas não vejo nisso um mal. Obviamente que tem consequências, quando levado a um extremo, mas o conhecimento de uma língua transforma-a a si própria numa expressão de cultura. Como linguista, entendo que a língua não se ensina na sua estrutura apenas, mas também enquanto cultura. Quem fala disto, fala de literatura e de tudo o resto que é expressão.

Mas na China, a questão da cultura fica um pouco aquém, já que não é possível experienciá-la…
Depois de conhecer uma série de instituições de ensino superior na China, de dar formação a professores de português [chineses] que estão na China, tenho vindo a destruir essa ideia, sobretudo porque eles querem também saber questões relacionadas com cultura e vivência do dia-a-dia, não só dos portugueses, mas também dos angolanos e dos brasileiros. Gostam e pedem que falemos de questões relacionadas com a literatura desses países lusófonos. A ideia que se passa não é tão certa como se pensa. Há uma procura pelo português que realmente acontece por razões meramente instrumentais e económicas, mas – e a história prova-o – ao aprender uma língua, nasce muitas vezes a motivação para saber e entender a cultura que lhe está associada. Os professores da China estão, neste momento, também a procurar esses conhecimentos.

Porque é que acha que isto acontece?
Pessoalmente, porque muitos dos professores tiveram uma formação em Portugal e neles há a vontade de conhecer outras culturas lusófonas e isso é nítido. Estivemos recentemente em Xangai e os professores de lá solicitaram-nos informações sobre o que se passa no Brasil, em Angola, até mesmo em termos linguísticos… É muito interessante ver como é que eles bebem essa informação.

Também foi professora de português como língua não-materna na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Quais são as grandes diferenças entre ensinar alunos com as mesmas características, em dois locais distintos?
É muito diferente e essa é uma das reflexões que mais tenho feito. De facto, ensinar português como língua estrangeira em Portugal cria-nos desafios muito diferentes daqueles que cria ensinar o mesmo aqui e na China, onde também há diferenças. Um aprendente de língua materna chinesa que esteja em Portugal está em contexto de imersão, o que não acontece com os alunos da China continental e no primeiro caso, há um ambiente e uma necessidade que não se verifica estando em Xangai ou Pequim, onde o contexto se resume ao tempo da sala de aula.

Considera que a aprendizagem em Macau ou na China é mais difícil do que em Portugal?
A minha experiência diz-me que há, por parte dos alunos, uma atitude diferente perante a língua estando na China ou em Portugal. Não tenho uma resposta final para a pergunta, porque estou cá há pouco tempo e tenho a experiência de Portugal, que era, confesso, cheia de estereótipos. Em Coimbra tive muitos alunos estrangeiros, nomeadamente chineses e revelavam-se diferentes, sobretudo por interagirem mais entre eles e não tanto com outros alunos. Aquele contexto de imersão que eu achava total, afinal não o era, mas sim parcial. A grande diferença é o contexto de imersão, mas a motivação que tenho visto nos alunos que aprendem no continente é notável. É incrível como é que alunos que estão fora do contexto de imersão, conseguem uma proficiência em português absolutamente extraordinária. 21815P2T1

Que papel desempenha a motivação no contexto da aprendizagem?
A motivação é fundamental na aprendizagem das línguas e há uma tradição de estudar na cultura chinesa, pelo que [estes alunos] conseguem saber a estrutura da língua portuguesa na ponta da língua. Acredito até que estes alunos [da China] conseguem atingir níveis mais satisfatórios até do que os que estudam em Macau. A ideia de arranjar um emprego está muito vincada na China e o curso de português em algumas universidades chinesas é mesmo considerado um “Curso de Ouro” por ser o passaporte para um “emprego de Ouro”.

Macau tem vantagens enquanto local de estudo face a cidades da China, por ser um local que junta as culturas portuguesa e chinesa?
Aqui temos um ambiente em que a televisão e os jornais são em português e a língua forma ícones e anda nas ruas, como o património edificado. Isto facilita uma apreensão mais global da língua e da cultura, mas o facto do Português não ser [no ensino secundário] uma língua obrigatória faz alguma diferença.

Há quem defenda que o português pode vir a ser internacionalizado como é o inglês ou como já foi o francês. Concorda?
Acredito que a nossa língua, por si só, já está internacionalizada, com 250 milhões de pessoas a falarem-na no mundo. Tem um capital histórico e simbólico associado em todos os continentes e tem vindo a promover um factor curioso: a China e quem trabalha com a língua portuguesa está a contribuir para essa internacionalização, até em termos do português em termos língua de Ciência. Num dos fóruns em que estivemos recentemente a qualidade das comunicações foi muito elevada e foram feitas em português e versavam sobre isso, por professores chineses de português. O que ali aconteceu foi a internacionalização da língua portuguesa enquanto língua de ciência.

Passou então de um patamar do quotidiano para a Academia…
Exactamente. Acho que a língua portuguesa vai ganhar muito com esta geração de professores chineses que falam em chinês, investigam e desenvolvem teses sobre o português. No nosso portal Ponto de Encontro, organizei uma bibliografia à medida que as coisas vão nascendo e crescendo. Neste momento, temos compiladas 201 referências bibliográficas, grande parte sendo estudos de professores chineses.

Considera que a longo prazo, o português poderá vir a ser uma das principais línguas da Ciência?
Acredito que tem essa capacidade, mas naturalmente o inglês tem, no seio da comunidade científica, tem muito mais expressão. É importante é perceber que também já se faz Ciência e investigação em português.

Chegou há pouco mais de um ano. Que diferenças nota entre o ambiente do Ensino de Portugal e de Macau?
Acredito que Macau está no bom caminho para se assumir – e talvez seja uma ideia arrojada – como terceira economia no sector do ensino superior. Ou seja, pode tornar-se, se o caminho que está a ser trilhado der efeitos, numa região de Educação de excelência. A própria Universidade de Macau e a sua dimensão permitem-no, o IPM tem tido um trabalho extraordinário no domínio da língua portuguesa, sem esquecer a abertura do novo curso de Relações Comerciais entre a China e os Países Lusófonos… O presidente do Centro [Lei Heong Iok] vaticinava em 1984, ainda como técnico superior da DSEJ, aquilo que está a acontecer, dizendo que o Português era preciso. Foi quase como uma profecia. Há é necessidade de criar uma estrutura para acolher esta procura do português, mas também de outras áreas. Diria é que o Português é uma marca de Macau, que pode permitir criar a tal plataforma que se quer. Existem aqui todas as condições para transformar Macau num centro de Ensino Superior de excelência. Julgo que a criação dessa plataforma tem mesmo pernas para andar, até porque de acordo com dados do GAES, há um aumento de 5% na procura de cursos em instituições de ensino superior locais. Isto mostra que é preciso investir no ensino em Macau, até porque faz sentido para a China.

Considera que há recursos humanos suficientes?
Penso que estão a ser adquiridos, com a vinda de vários professores e as formações. Aqui no Centro temos vários professores doutorados e, ao contratar pessoas de fora, está a fazer-se um investimento. É um caminho de crescimento que não se faz, claro, sem dores de crescimento, mas faz efectivamente parte da estratégia do Governo local e da China. Haverá coisas a melhorar, mas há uma vontade assumida de evoluir.

Que coisas podem melhorar?
O caminho está a ser seguido essencialmente para o ensino superior, mas se formos para o ensino secundário, é diferente. O ensino superior é um reflexo do secundário e os alunos que chegam ao ensino superior para aprender português sem terem tido bases antes, vêm, naturalmente, com um défice.

Faria sentido estender o ensino do português para o secundário?
Essa é uma questão para os dirigentes porque é mais política. Nós, enquanto professores e especialistas, podemos dizer que se houvesse escolarização em português, os alunos teriam muito mais facilidade em fazer um curso de ensino superior.

Tem formação e experiência em Linguística. Como é que vê a questão do Acordo Ortográfico e a sua expressão na aprendizagem do português?
Essa é uma questão quente. Tenho um livro publicado sobre isso, que não toma uma posição, mas explica as mudanças que aconteceu no Português Europeu. Confesso que não consigo ver o Acordo como “o desastre” de Vasco Graça Moura, mas também não sou uma pessoa que ache que tudo nele faz sentido. Tenho uma visão de linguista nesta questão: ninguém conseguiria hoje ler Camões nem Eça de Queirós nas suas versões originais. A língua é um organismo vivo e evolui na medida em que é usada, portanto há momentos em que é preciso não uniformizar, mas sim “pôr ordem na casa”. A evolução da língua mostra-nos que não é “um desastre” e sei que é uma questão polémica, mas gosto de dizer aos meus alunos, principalmente na China, que o Acordo trouxe benefícios. Ainda não conseguimos é ter abertura suficiente para os vermos, porque temos uma relação afectiva com a língua. Esta passa pelo lema de que “a língua que eu aprendi é que é boa”. Tudo o que venha perturbar esta relação é, de alguma forma, ferir a susceptibilidade. Há muita falsa informação, até porque muitas vezes surge, nos meios de comunicação portugueses, “facto” sem C, quando este não cai. Em todo o caso, acho que o Acordo tem várias virtualidades. Há quem diga que é uma questão política ou económica… Para mim é uma questão em que vale a pena pensar de forma desapaixonada. Caso contrário, caímos em extremos.

Em 2049, Macau passa a ser oficialmente parte da China, pelo que estamos ainda num período de transição. Acredita que nessa altura o português pode desaparecer?
Não, porque tem sido dito tanto pelo Governo Central como pelo local, que o português é uma condição complementar e essencial para Macau se assumir como plataforma. Se assim o é agora, vai continuar a ser daqui a uns anos. Há razões para acreditar, tendo em conta o investimento que tem sido feito, que a aposta no Português é para continuar e não acredito que este Centro, cuja ambição é crescer, não tenha uma missão para continuar a cumprir.

21 Ago 2015

“Macau deu o poder da indústria aos junkets e ao resto do sector VIP”

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o seu livro “Chopsticks and Gambling”, refere que o Jogo e o vício são vistos negativamente na cultura chinesa, mas que os números revelam ser os chineses quem mais joga. Como é que esta disparidade acontece?
Tem mais que ver com a história da população, em termos de dinastias. Vemos que em cada uma delas, há uma série de medidas e políticas para banir o jogo, mas continua a existir, naturalmente. Aqueles que são normalmente acusados de jogar são, afinal, oficiais de Estado e membros do Governo. Penso que os chineses não vêem o jogo como uma doença ou um vício, como os ocidentais. Os chineses entendem é quem joga como sendo uma má pessoa. No mundo ocidental, os apostadores são vistos como psicologicamente doentes e na China, quem não consegue controlar os impulsos, é visto como sendo uma má pessoa. Julgo que esse é um problema grave, em termos da ajuda e do apoio que estas pessoas poderiam ter. É muito complicado fazer com que as pessoas viciadas em jogo peçam ajuda e dêem a cara.

Mas porque é que é na população chinesa que a percentagem de viciados é maior?
Esta é a pergunta decisiva: é muito complicado de explicar, mas na perspectiva da própria indústria percebemos que o vício afecta mais os chineses porque são quem mais joga. Não se sabe ainda é porque é que são quem mais joga… Pode ter causas biológicas ou de etnia, por ser uma questão cultural ou causa de forças exteriores. Talvez uma combinação das três. E é uma coisa que não é de agora, tem vindo a acontecer há séculos. Xangai tinha uma série de casinos que acabaram por desaparecer, embora haja uma faixa suburbana de jogo ilegal muito forte. Nas minhas pesquisas, concluí que a cultura chinesa que vem a Macau tem propensão para ver o jogo como uma forma de investimento. Assim, não vêem o facto de perderem como um “perda” em si, mas sim como uma actividade que terá retorno: “Jogo para ter uma taxa de 20% ou 30% de retorno”. Antes do ‘crash’ da bolsa [de Xangai], claro, o negócio do imobiliário estava a crescer exponencialmente e as pessoas procuram dinheiro extra para ficar mais ricas e subir na escada social. Os casinos são, tal como o imobiliário ou as acções em bolsa, um investimento. Acredito que esta perspectiva faz mais sentido nos dias de hoje do que dizer apenas que é “um aspecto cultural”. O factor cultural entra em termos da forma como se joga, como é o exemplo das superstições que ganham vida entre as quatro paredes dos casinos.

Que tipo de superstições existem?
Uma série delas, mas é muito comum os chineses usaram lingerie vermelha ou banharem-se em água com flores e extractos de plantas antes de irem para as mesas, para trazer sorte. A superstição tem que ver com o reforço e atracção da sorte. O Feng Shui também desempenha um papel importante e as pessoas muitas vezes estão logo à espera de encontrar “emboscadas” de Feng Shui nos casinos. Normalmente também não se entra pelas portas principais… São tudo questões de sorte e azar. O número quatro também está presente nas mesas. Existe o número quatro nos baralhos, mas não existem quatro elementos de uma mesma coisa, sejam cartas, copos ou fichas.

Como disse, há séculos que os chineses jogam e os governos têm vindo a banir o Jogo sucessivamente ao longo de várias dinastias. Acredita que isto possa vir a acontecer um dia em Macau?
Dizer “banir” é um pouco drástico. Tem havido várias medidas de controlo do jogo, como são as punições para oficiais do Governo que joguem. Antigamente, não havia capacidade para regular esta actividade, mas em Macau há. Na China, acredito é que a legislação vigente não está em consonância com o seu reforço. As pessoas podem não admitir, mas existem, de facto, casinos ilegais na China. Nos últimos dez anos, temos andado a crescer a um ritmo demasiado rápido.

[quote_box_right]“Os casinos são, tal como o imobiliário ou as acções em bolsa, um investimento. Acredito que esta perspectiva faz mais sentido nos dias de hoje do que dizer apenas que é um aspecto cultural”[/quote_box_right]

Em que sentido, exactamente?
Quando o Jogo se começou a expandir, em 2002/2003, a ideia era transformar Macau numa cidade diversificada e internacionalizada, mas a verdade é que isso foi uma coisa que só começou a acontecer muito mais tarde. O Governo tem apostado muito no desenvolvimento do mercado VIP e não no mercado de massas, mas esse é que está fortemente associado ao entretenimento, como acontece em Las Vegas. Até nisso creio que se tomaram escolhas não tão acertadas e o sector VIP tornou-se num mercado tão vasto, que só se associa à camada social mais endinheirada. Isto significa que Macau deu o poder desta indústria aos junkets e ao resto do sector VIP. Isto não é algo necessariamente negativo, mas implica termos menos poder que está agora nas mãos de terceiros. Nem os promotores de junkets têm controlo sobre quem vem cá jogar e tudo isto traz consequências para a indústria.

Mas o sector VIP tem tido grandes quedas nas receitas nos últimos meses…

Sim e tudo devido à campanha anti-corrupção do Governo Central, que está a ganhar cada vez mais força. A pergunta que devíamos fazer é porque é que as receitas descem com uma campanha deste género? Por que afectam Macau? Quem são, então, as pessoas que têm vindo a entrar em Macau nos últimos anos e que agora não vêm?

Qual será a solução para colmatar a falta de jogadores?
Não creio que devamos olhar para trás e querer que seja igual. Acho é que temos que tornar a indústria mais transparente e limpa e fazer com que o Jogo seja visto como um entretenimento. É importante começar a atrair pessoas que pretendam vir cá e sentar-se às mesas para se divertirem, mesmo que apostem menos dinheiro do que aqueles que antes vinham jogar para as salas VIP. Transformar a indústria numa coisa sustentável e que não esteja relacionado com branqueamento de capitais ou com oficiais de Estado.

Diz-se que a queda das receitas está muito relacionada com o receio que muitas pessoas agora têm de vir até Macau…
Sim, claramente. No entanto, também acredito que o sector VIP deve estar sempre presente em Macau, porque faz parte. A actividade do Jogo é um dos elementos que distingue esta cidade de outras semelhantes e creio que sem ele, Macau não sobreviveria. Temos uma série de actividades não relacionadas com o Jogo, mas é esta actividade que realmente faz com que as pessoas cá venham. Esta pode é ser vista como algo divertido, feliz e saudável. Não tem que ser algo negativo.

Considera que a proibição total de fumo nos casinos tem ajudado à queda das receitas?
Julgo que a proibição total pode vir a ter efeitos negativos no mercado VIP, sim. No entanto, depois de estar numa série de sítios onde é proibido fumar nos casinos, apercebi-me que nos primeiros dois anos após a implementação da lei as receitas têm quedas entre os 10% e os 20% e isto é drástico para as operadoras. Mas com o tempo, vemos que a população que frequenta estes locais começa a alterar-se e passa a ser maioritariamente constituída por aquelas pessoas que nunca jogavam por não gostarem do cheiro a tabaco e do ambiente e agora o fazem por ser livre de fumo. Mas respondendo à pergunta: acho que o que realmente está a afectar a queda é a campanha do Governo Central e não esta proibição.

Mas a solução não seria integrar as salas de fumo, como já se fez no ano passado?
Essa é uma questão que deixo para a própria indústria responder. Só ela pode dizer, de uma perspectiva de negócio, se isto resulta ou não. No entanto, acho que neste momento, com a queda, faz bastante mais sentido permitir que todos beneficiem dos casinos, fumadores e não fumadores.

[quote_box_left]“[É importante] transformar a indústria numa coisa sustentável e que não esteja relacionado com branqueamento de capitais ou com oficiais de Estado”[/quote_box_left]

Como é que vê a abertura dos novos casinos e hotéis?
Estamos a falar de coisas diferentes, porque se trata de empreendimentos com uma componente muito mais forte de entretenimento e elementos não jogo do que casinos e mesas propriamente ditas. O que é uma coisa boa, algo que se tem andado a tentar fazer desde 2002.

Acha que vai funcionar?
Ainda não se sabe, porque estão muitas coisas por abrir. No entanto, acredito que há mercado suficiente, feito de pessoas como nós, que estão dispostas a gastar umas cem ou 200 patacas no casino para se divertirem. Numa perspectiva exterior, é preciso diminuir as nossas expectativas. Sempre fomos a cidade do Jogo, mas passaremos a ser uma cidade onde o Jogo é uma das suas componentes.

Acredita que Macau algum dia vai ser uma cidade internacional?
Sim e é por isso que cá estou. Acho que não tem que ser só Jogo ou só qualquer outra coisa. A verdade é que o Jogo nunca vai desaparecer, nem deve. Tem é que se gerir esta indústria de forma inteligente, para a tornar transparente e fazer com que apostar não seja mais visto como uma actividade negativa. Acho que é preciso dar às pessoas várias razões para virem a Macau.

O que considera que vale a pena em Macau, da perspectiva do turista?
As pessoas acreditam que existe uma série de coisas interessantes aqui, desde locais protegidos pela UNESCO, prédios preservados do tempo do Governo português e uma componente tipo Las Vegas, com resorts com piscinas e, em breve, a roda gigante do Studio City. Macau é Las Vegas com quatro mil anos de história.

Quanto tempo vai demorar até chegarmos a essa internacionalização?
Não é possível fazê-lo de um dia para o outro. Não podemos é esperar que a indústria do Jogo, embora seja forte, continue a crescer tanto como nos últimos anos durante 20, 30 ou 50 mais. Temos que parar e desacelerar este crescimento para desenvolver.
Não acredita então que é possível virmos a ter uma crise financeira em Macau?
Enquanto residente, não consigo sequer imaginar uma crise aqui, até porque os casinos continuam cheios de gente a jogar e nas lojas. A única coisa que falta são jogadores e isso não afecta directamente o resto das pessoas, como os residentes e os turistas.

O Governo mencionou já várias vezes que poderão ser precisas medidas de austeridade.
Não creio que sejam necessárias, se deixarmos o mercado seguir o seu curso. Quando tivemos aqueles cinco a sete anos de crescimento exacerbado, ninguém nunca disse que era preciso um plano de contingência, mas acho que sim. A certo ponto, cerca de 40% ou 50% é demais e as pessoas deviam ter reclamado. Houve uma série de coisas que não se desenvolveram porque tudo andou demasiado rápido. É preciso resolver os problemas de tráfego, dos transportes e as questões laborais antes de voltar a impulsionar as receitas. Na altura em que o mercado começou a crescer, as indústrias sentiram que precisavam de se adaptar e restaurantes, hotéis de luxo e mesas novas cresciam em todos os cantos, mas outros aspectos da vida social continuam por resolver. Havia dinheiro para dar a vender e era fácil e hoje em dia talvez não seja tanto e é onde a inteligência é precisa.

Quanto à polémica de construir casinos em bairros comunitários ou zonas de periferia. Qual é a sua opinião?
O Louis XIII é um caso à parte, porque se trata de um complexo para as “grandes baleias”. O perigo são os espaços de lazer como o Mocha. Num sentido geral, não julgo que seja boa ideia ter casinos nem sítios com slot machines junto destas zonas porque atraem pessoas que recebem pouco mensalmente, como pensões. As leis e fiscalização têm que ser boas.

A revisão dos contratos de concessão está aí à porta. O que acha que vai mudar?

Sinceramente não sei, porque é uma questão política, que me ultrapassa. Pessoalmente, acho que nada vai mudar.

Poderá entrar uma nova operadora no sistema? David Chow considera que sim…
Acho que não vai ser bom se isso acontecer, se será boa ideia injectar mais competição no mercado. Acho que devia ficar como está. Também não estou a ver o Governo a tirar alguém da corrida. É preciso é reinventarmos a indústria, estar sempre a inovar e atrair pessoas, como Las Vegas tem feito há tantos anos.

O Governo tem, de facto, falado muito na reinvenção e diversificação. Será possível fazer isto somente com mão-de-obra local?
Não posso falar pelo Governo, mas acredito que os estrangeiros [profissionalmente] trazem para Macau conhecimentos que os residentes, certamente, não têm. Quando se quer inovar nesta cidade, não se pode contar com os residentes ou mesmo com quem cá vive, mas não é residente. Continuamos a precisar de sangue novo.

Mas isso não será tirar oportunidades para os locais?
Temos estado a fazê-lo durante estes anos todos, mas é preciso trazer quem lhes mostre que o caminho é para cima, que se saiba gerir a sério. No fundo, é preciso mostrar aos residentes que existe mais para além daquilo que vêem. A mão-de-obra local é muito reduzida e na altura de expandir o mercado do entretenimento, vai ser preciso ter quem saiba do assunto. O conhecimento é essencial e o ideal seria formar o nosso próprio pessoal, mas isso leva tempo. Há pouco talento numa população de 600 mil pessoas e, em termos globais, os mais talentosos, não o são assim tanto.

7 Ago 2015

Entrevista | Mané Crestejo, músico, regressa a Macau 20 anos depois

Vencedor da Academia de Estrelas da TVI em 2002 e com honras de abrir um noticiário devido à sua vitória, Mané Crestejo está de volta à terra que o viu nascer 20 anos depois. Ao HM, o músico – que ainda esteve numa final do Chuva de Estrelas e numa eliminatória do Festival da Canção – falou do sonho da música, relembrou tempos difíceis em Portugal e falou da sua identidade macaense

Quem é Mané Crestejo?
Sou um macaense que nasceu em 1976 numa Macau completamente diferente do que é hoje. Aqui cresci e desde muito novo tive o sonho de ser músico.

Mais do que ser cantor, ser músico?
Sim, ser músico. Esse lado de ser cantor surgiu mais tarde porque comecei com oito anos a tocar piano, depois aos dez anos comecei a tocar bateria e aos 14 peguei definitivamente na guitarra e foi com a guitarra, como auto-didacta, que comecei a tentar compor. Naturalmente que as primeiras músicas eram semelhantes a muitas das coisas que ouvia. A partir de determinada altura, e já a viver em Portugal, comecei a procurar compor, em Português e em Inglês, num estilo próprio mas claro, com influências do multiculturalismo cá de Macau. Desde então, procuro manter esse contacto.

Já vamos falar do seu percurso musical, que conheceu o apogeu no início deste milénio. Voltando à Macau do antigamente. Quais são as suas recordações?
Saí de Macau com 20 anos e, por isso, lembro-me de muita coisa (risos). Essencialmente lembro-me das coisas culturais da cidade como as corridas dos Barcos-Dragão, os meus tempos como jogador de futebol… Joguei como guarda-redes e cheguei a representar a Selecção de Macau. Recordo também com saudade os tempos passados no Liceu [Nacional Infante Dom Henrique], com os meus amigos e colegas. E ainda o tempo que passei como animador da Rádio Macau, em 1995 e 1996.

Nesse tempo ia a Portugal com regularidade?
Naquela altura, íamos a Portugal de três em três anos. Dependia sempre das licenças especiais que os meus pais tinham.

São os dois macaenses?
Não. O meu cruzamento deriva de pai macaense, da família Sales, e de mãe portuguesa. Eles conheceram-se em Moçambique, onde casaram. O meu irmão mais velho, com ano e meio de diferença, nasceu lá mas eu já vim nascer a Macau. Mané Crestejo_GLP_01

Depois foram 20 anos em Macau. Então, saiu de Macau antes da transferência de soberania.
Sim, um pouco antes, em 1996. Até 1999, ainda vim duas vezes de férias e na cerimónia de transferência até estava em Macau.

Que sentiu nesse dia?
Foi triste. Andei a percorrer as ruas e, em certos momentos, senti aquela tristeza do fim de um era, do fim de um período de convívio e de experiências da comunidade portuguesa. Porque, na verdade e desde então, as coisas mudaram drasticamente na sociedade de Macau. Ainda voltei a Macau, de férias, em 2005 e já foi um choque para mim, quanto mais o ano passado quando decidi regressar.

Foi exactamente ao encontro do que lhe ia perguntar a seguir, isto é, a Macau em que cresceu nada tem a ver com esta Macau do século XXI.
Sim, muito diferente. Claro que falo de diferenças mais ao nível físico. Existem certas zonas em que o património se mantém e as coisas estão quase iguais ao que eram em 1999 e aí, sim, a gente sente-se muito mais aconchegada. Contudo, no geral, Macau está muito diferente. Em 2005, ainda havia um campo de futebol no Tap Seac e, o ano passado, quando regressei já não. Grande parte do meu tempo era passado naquele campo a jogar futebol e basquetebol. Foi um choque tremendo, já para não falar dos diversos amigos que perdi.

Como foi regressar às origens 20 anos depois?
A readaptação está a ser gradual. Vim para cá de férias e sem intenção de ficar. Voltei em Julho de 2014 com viagem de regresso em Setembro mas surgiu a possibilidade de trabalhar no Consulado de Portugal e, como estava a acompanhar a minha mãe que estava doente, decidi aceitar o convite. Essa decisão ia sempre sendo a prazo. Primeiro até final do ano, depois até ao Verão, agora, novamente, até final do ano. Se renovarem o contrato, não coloco de parte a possibilidade de ficar mais tempo. Tem sido uma experiência gratificante pois acabei por me reunir com muitos dos meus antigos colegas e amigos do liceu e do Dom Bosco.

[quote_box_right]“Aconteceram muitas coisas em Portugal que marcaram e muito a minha vida, desde a carreira musical a amigos. Claro que estando de volta [a Macau] estou a criar novas memórias e a tentar tirar algum partido deste meu regresso”[/quote_box_right]

A caminho dos 40 anos, tendo vivido metade aqui e metade em Portugal, sente mais saudades de Portugal ou está bem em Macau?
É uma pergunta difícil. Sinto-me dividido. Quando fui para Portugal sentia-me um emigrante e agora, voltando para cá, tenho a mesma sensação, apesar de aqui ter nascido. Aconteceram muitas coisas em Portugal que marcaram e muito a minha vida, desde a carreira musical a amigos. Claro que estando de volta estou a criar novas memórias e a tentar tirar algum partido deste meu regresso.

Como já foi dito anteriormente, voltou a Portugal em 1996. O que é que aconteceu daí para frente?
Fui-me envolvendo com a música. Comecei a participar em alguns programas de televisão como o Chuva de Estrelas, em 1999, onde cheguei à final com uma interpretação de “Iris” dos Goo Goo Dolls. Mas o mais marcante foi, sem sombra de dúvidas, a Academia de Estrelas, em 2002, da qual saí vencedor. Era um programa da TVI, ao estilo da Operação Triunfo mas, fora a componente do canto, também com a vertente da representação e da dança. Lembro-me perfeitamente dos professores de representação que eram o António Feio e a Margarida Marinho. Tínhamos o Luís Madureira como professor de voz e o Paulo Jesus como coreógrafo.

Essa foi a grande alavanca na sua carreira.
Sim, claro. Como fui o vencedor, o prémio incluía um carro…

Ainda tem esse carro?
Não. Troquei-o na altura por um melhor. Parte do prémio foi ainda um curso na Oficina de Actores na NBP e a gravação de um disco, que foi o meu primeiro álbum de originais intitulado “Longe”, através da Farol.

Com isso, o seu sonho de criança tornou-se realidade. Essa componente de representação foi sempre secundária?
Sim, era acessória. A minha presença em representação na televisão é muito residual. Logo ao início, tive duas participações em duas novelas da TVI – Saber Amar e Anjo Selvagem -, mas era mais como músico e cantor. Depois, envolvi-me no teatro musical e participei em dois musicais com o Fernando Mendes e, mais tarde, participei no musical dos Xutos & Pontapés, intitulado “Sexta-feira 13”.

Esses musicais aconteceram quando?
Os que fiz com o Fernando Mendes foram em 2003 e 2005. O do Xutos aconteceu em 2006, no Music Box, um espaço aberto junto às Docas. Actualmente, pode ver-se o espectáculo na íntegra no YouTube. Depois desse espectáculo fiz uma pausa e comecei a dedicar-me novamente à composição, começando a preparar o meu próximo projecto.

Esse projecto, que acabou por ser o seu segundo trabalho musical, viu a luz do dia em que ano?
Em 2008, não a solo, mas com o projecto Mariária. Trata-se de um projecto de música do mundo, com influências tradicionais e celtas.

Há influências de Macau?
Também. Fui beber aqui e ali. Aliás, um dos temas que tem bastantes influências de Macau e da China é o tema “Ao Seu Lugar” que venceu o segundo lugar no International Songwriting Competition em 2009, na categoria de World Music. Foi o tema que nos permitiu dar a conhecer o projecto.

Quantos álbuns editou?
Um álbum a solo completo que foi o primeiro. Dois de projecto e um EP, o último que lancei no final do ano passado, em Outubro de 2014, que são só cinco temas.

Que mais fez em Portugal?
Tive algumas participações aqui e ali, em diversos outros projectos. Cantei em coros, em programas de televisão e em galas. Paralelamente, e como engenheiro de som, estive ligado à produção de álbuns de Paulo Gonzo e Madredeus.

Participou no Festival da Canção?
Sim, em 2001, se a memória não me falha, numa eliminatória da Madeira, antes da participação na Academia de Estrelas. Interpretei a música “Fechar os Olhos (e Olhar)”.

O facto de ter vindo para Macau em 2014, por entre diversas razões, pode também ter a ver com o facto de estar a atravessar um momento de menos trabalho em Portugal?
Provavelmente, sim. Aproveitei para vir precisamente porque não estava a ter tanto trabalho lá, numa fase mais baixa. Estar cá também me permite auscultar o que há de oportunidades na música. Macau é um mercado totalmente diferente, onde temos de ter em conta a multiculturalidade. Aqui, não posso pensar apenas no mercado português e na comunidade portuguesa.

Mas o sonho, apesar de algumas dificuldade, mantém-se.
Sim, o sonho mantém-se. Sempre.

O que é que tem feito por aqui, relacionado com a área artística?
Por enquanto ainda nada, ou muito pouco. Em Outubro de 2014, fiz uma actuação de uma hora no Hard Rock Café, no âmbito do Pink Oktober, através do convite da Vera Fernandes. E, agora, a convite do Miguel de Senna Fernandes também participei no espectáculo dos Dóci Papiaçam di Macau, uma experiência fantástica.

Tem composto? Trouxe instrumentos consigo? Que tempo tem reservado ao seu sonho, se é que podemos dizer assim?
Não trouxe nada. Tive que comprar uma viola acústica aqui (risos) para poder continuar a tocar. A minha guitarra e todo o meu equipamento de produção ficou em Portugal. Em Macau, estou a reinvestir um pouco e comprei a viola precisamente para manter o contacto com a música e fui compondo algumas coisas. Ninguém me sondou para mais projectos e, na verdade, sou eu quem está a sondar e tentar perceber que músicos é que estariam interessados em criar qualquer coisa de novo, porque existem muitos músicos por cá. Contudo, a maioria toca mais covers, algo que não tenho problema, mas queria mesmo era criar coisas novas. A criação original sempre foi o meu interesse principal.

E Portugal? Neste ano que aqui esteve, surgiu algum convite?
Sim, têm perguntado mas perguntam sempre muito por cima. Normalmente questiono quantos concertos são, que projectos. Porque a viagem daqui para Lisboa é muito longa e cara. Teria de valer a pena. Recusei alguns trabalhos, uma vez que a minha ida não compensava só para fazer um concerto. Se houvesse uma sequência de espectáculos, sim, estaria interessado em ir.

O que é que acha que pode ter acontecido na sua vida/carreira para que nos primeiros anos, depois da vitória na Academia de Estrelas, ter tido tanto trabalho e agora estar a passar por um momento menos bom?
Foram várias circunstâncias. A crise talvez tenha sido a maior de todas. Houve uma altura em que as Câmaras Municipais organizavam festas e ofereciam os concertos às populações. Nessa altura, havia muito trabalho mas essa prática foi prejudicial uma vez que as pessoas começaram a ser habituadas a não pagar espectáculos. Depois, quando os Municípios deixaram de oferecer esses espectáculos, tudo se complicou. Os concertos começaram a diminuir assim como a formação das próprias bandas. Muitas das bandas, mesmo de artistas consagrados como Rui Veloso ou Luís Represas, diminuíram as suas formações para fazer face aos gastos. Mas nem sempre é a mesma coisa. Não há nada que pague a verdadeira dinâmica do tocar ao vivo, até porque o público entranha-se mais na música.

Portanto, voltar a Portugal só houver algo aliciante na música?
Sim. Claro que, se houver trabalho na música, voltarei a Portugal. Ou então, se não houver oportunidade para continuar por Macau, procurarei noutro lado como Londres ou Nova Iorque. E sempre foi minha intenção experimentar a realidade desses locais.

Quando venceu a Academia de Estrelas, iludiu-se ou é uma pessoa de pés firmes no chão?
Não. Sempre tive os pés bem assentes no chão e, por isso, nunca me iludi e nunca me desiludi. Repare, até mesmo nos momentos menos bons são essas alturas que nos definem. Ou mantemos a convicção daquilo que nós queremos ou deixamo-nos seguir o caminho das editoras, muitas vezes diferente daquele que idealizamos.

A música deu-lhe mais amigos ou mais inimigos?
Mais amigos. Sinto que ganhei mais amigos até porque conheci vários músicos com quem tive a oportunidade de trabalhar e aprender. Músicos dos Pólo Norte, da Rita Guerra, dos Madredeus, e esse convívio permitiu-me enriquecer musicalmente.

Quais são as suas influências e os seus ídolos?
Quando era mais novo gostava mais de rock. Ouvia Guns n’ Roses, Bon Jovi… Mas a partir do momento que fui viver para Portugal tive contacto com vários outros estilos e passei a ouvir o José Afonso, Trovante, Loreena McKennitt, Carlos Núñez, Dulce Pontes, entre outros.

Gosta de Fado?
Gosto de fadistas. Para ouvir Fado tudo depende do fadista que esteja a cantar. Do lado masculino, admiro muito o Ricardo Ribeiro e do lado feminino, ouço a Ana Moura que, para além de muito bonita, tem um calor de voz que gosto.

Em que estado está a música portuguesa? É necessário cantar em Inglês como os Moonspell para ser reconhecido mundialmente?
Não penso que seja necessário. Esta é uma luta de anos mas o que está em jogo são as quotas dedicadas à música portuguesa nas rádios lusas, que nunca chegam àquilo que é estabelecido por lei. Por isso, as pessoas estão mais habituadas a ouvir em Inglês e a rádio acaba sempre por definir os gostos. Repare que uma pessoa pode ouvir uma música na rádio e dizer “detesto isto” mas, depois dessa música passar dez vezes, já se começa a cantarolar. Daí que quando surge um projecto como os D.A.M.A., mais recente e que me recordo, é de louvar pois cantam em Inglês e começam a ter algum público fiel, mesmo que seja um mercado muito específico como o hip-hop. Penso que, a haver uma crise na música portuguesa, ela será mais relacionada com a forma como a música é apresentada ao público, porque havendo um controlo mais afincado das editoras e das rádios, eles é que acabam por influenciar o público.

E em Macau, como está a indústria musical?
Está numa fase pré-natal. Ainda não há investimento e cultura de edição musical. Só ultimamente é que começaram a surgir apoios, quer do Instituto Cultural quer da Fundação Macau para produções de artistas locais. Ainda assim, é muito pouco. Fora o estúdio da Casa de Portugal, não conheço mais qualquer estúdio que permita aos músicos arranjarem um produtor e gravar um trabalho. É preciso isso – e muito mais – para que, pelo menos, possamos estar ao nível de Hong Kong. Mas a região vizinha tem as editoras mundiais lá estabelecidas, tem outra orgânica e até mesmo os músicos de lá são mais ouvidos em Macau que os locais. É preciso pro-actividade. Os músicos têm de começar a criar mais em Macau, seja em Cantonês, em Mandarim, em Português ou em Inglês. Isso iria dar mais destaque àquilo que é a cultura de Macau, a diversidade.

O que é para si ser macaense?
Para mim ser macaense é ser muito paciente, se calhar mais paciente que o chinês (risos). Na verdade, sinto-me especial por pertencer a uma comunidade que é única no mundo e que tem as suas especificidades. Ser capaz de interagir com as mais diversas culturas é um ponto forte do ser macaense. Posso falar Chinês, posso falar Português e até posso falar Inglês. Temos muita felicidade em adequarmo-nos.

As tradições macaenses sempre estiveram presentes em sua casa?
Sim. Lá em Portugal, fazia e comia minchi (risos). Aprendi com a minha mãe. Fazia também chao min e cheguei a cozinhar comida macaense para os meus amigos. Eles adoravam até porque fazia a massa chinesa estaladiça com molho.

Fala chinês?
Falo. E agora mais uma vez que com o regresso tenho falado muitas vezes em Cantonês. O Mandarim já é mais complicado mas no Cantonês estou a falar cada vez melhor.

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Discografia

1996 – Participação na colectânea Made in Macau
2002 – “Longe”, primeiro CD de originais
2008 – “Mariária”, primeiro CD do projecto homónimo
2012 – “Terra de Sal”, segundo CD com o projecto Mariária
2014 – “Comeback”, EP a solo

10 Jul 2015

Entrevista | André Ritchie, arquitecto e ex-coordenador do GIT

A sua saída do cargo político que ocupava, o metro e o património são alguns dos assuntos em cima da mesa com o ex-coordenador do GIT. Com algumas reticências, André Ritchie fala de alguns assuntos mais polémicos, mas defende que não é altura para tudo ser revelado

[dropcap type=”circle”]E[/dropcap]steve à frente do gabinete que coordena o metro ligeiro. É realmente necessária esta construção em Macau? Não existem alternativas mais económicas?
Acho que Macau precisa acima de tudo de ser uma cidade mais “user friendly”. Neste território, a distância não pode ser medida pela distância em si, mas pelo tempo que demoramos nas nossas deslocações. Macau está a tornar-se uma cidade muito desconfortável. Há distâncias curtas, que a pé são pouco confortáveis devido aos passeios e ao número de pessoas. É preciso, por isso, um sistema integrado de transportes e isso implica o metro, autocarros, táxis e circulação pedonal. Em Hong Kong, por exemplo, o sistema pedonal funciona bem. Em Macau, devido à sua marca portuguesa de zona alta e baixa da cidade, é preciso compreender o que é possível neste espaço e este sistema pode funcionar muito bem aqui. É inaceitável demorar-se tanto tempo nas deslocações e, por isso, acho que o metro faz sentido.

Mas a construção do metro vai resolver este problema?
Não. O metro em si não vai resolver este problema das deslocações. Mas claro, tem que ser visto como uma das soluções do puzzle. O Governo tem que apostar mais na circulação pedonal, porque em Macau as pessoas habituaram-se muito ao carro, a um meio de transporte para deslocações curtas, o que não acontece em Hong Kong. Em Macau as pessoas são preguiçosas, é verdade. Mas a pessoa de Macau quando vai à região vizinha anda muito. Porquê? Porque tem conforto, seja no sistema pedonal ou no metro. Quando há conforto as deslocações tornam-se mais fáceis e rápidas.

Quando é que acha que esta obra estará concluída?
Prefiro não responder a essa pergunta.

Há muitas perguntas sem resposta. Porquê esta decisão de nunca comentar, nunca falar em assuntos considerados sensíveis?
Nunca falo porque é uma atitude que decidi ter e colocar em prática. Não quero dar a ideia de que bati com a porta e saí aborrecido e agora disparo contra [o Governo]. Olho para trás e acho que tive muita sorte, vim [para Macau] com a economia de rastos, mas depois assistiu-se ao crescimento. Aprendi muito, tivemos imensos projectos, foi estimulante para um novato como eu estar ali na linha da frente. E por isso mesmo não falo por respeito à casa. Naturalmente o Governo também comete erros, eu também cometi erros. Agora não quero aprofundar esses assuntos porque não quero meter o dedo na ferida.

Mas a verdade tem que ser dita, é direito da sociedade ter conhecimento dos erros…
Sim, acho que sim. Mas não é por mim, mas posso adiantar um aprendizado meu. O meu chefe de Portugal tinha muitas histórias para contar, muitos erros, devido às obras em que estava envolvido e sempre me passou o testemunho que não podia contar e mandar para a sociedade aquelas verdades. Disse-me um dia que iria escrever um livro com o título “As Memórias de um Burro” com essas verdades.

O André vai seguir o exemplo?
Um dia. As memórias de um burro escrito por mim com essas histórias.

Porque é que saiu do Governo?
Bem, foram 12 anos no Governo. Nunca foi intenção minha estar eternamente no Governo, há essa tendência geral das pessoas verem os cargos públicos como âncoras para o futuro, mas nunca aconteceu comigo. Há uma postura errada do acomodar-se ao cargo. Há um ditado chinês que diz que fazer ou não fazer é a mesma coisa e isto é errado. Profissionalmente, é super desmotivador e castrante. Ao longo dos anos que trabalhei fui sempre recebendo algumas propostas mas recusei, até que, chega-se a um ponto da nossa motivação em que temos que mudar. Não escondo que comecei a ficar desmotivado.

Porquê?
Enfim, porque o Governo tem o seu ambiente e modo de trabalho, do ponto de vista legal, jurídico, a nível de procedimentos que eu já conhecia bem. Estava a precisar de algo novo. Foram 12 anos a trabalhar com os mesmos mecanismos, mesmos procedimentos, mesmo método. Tinha que mudar.

Disse que aprendeu muito, boas e más experiências. Podemos ter como exemplo a condenação de Ao Man Long?
Sim, essa foi uma das situações que foi uma grande lição para mim. Fui testemunha e todo o processo foi intenso. Aprendi muito, porque aprendemos sempre com os bons e os maus momentos.

Ao Man Long foi o bode expiatório para uma situação que envolvia muita gente?
As pessoas têm essa tendência de generalizar. Por exemplo, agora no caso recente da FIFA alguns deles são suspeitos, o que faz com que as pessoas acusem o presidente [Joseph] Battler imediatamente. Neste caso, não sei, não estou dentro do assunto. Mas acredito que há de facto tendência para culpabilizarmos o outro.

Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, afirmou que ia mexer em alguns serviços e gabinetes organizando-os, fundindo-os ou até eliminando-os. Concorda com esta espécie de arrumar da casa?
Vejo esta decisão mais como algo global do que só desta pasta específica. Acho que isto está acontecer transversalmente, não é só na pasta dirigida pelo Secretário Raimundo. Parece-me bem, porque defendo que a reforma administrativa é sempre necessária e contínua. A cidade vai-se transformando, portanto o Governo tem sempre necessidade de criar serviços para dar resposta a algumas lacunas ou desafios e isso acontece com várias tutelas. Ao longo dos últimos anos foram criados vários serviços na pasta das Obras Públicas, para dar resposta. Mas claro, é sempre oportuno perceber se esses serviços são necessários ou se é possível fundir alguns deles para se conseguir um melhor desempenho. Não sei se a casa está desarrumada, pelo menos não quero assumir isso, vejo a reforma administrativa como algo necessário. Quando se faz este [trabalho] de extinção ou união é preciso perceber porque é que esses serviços foram criados, perceber a sua natureza, cultura e orgânica. É preciso perceber se são úteis ou não.

FOTO: Gonçalo Lobo Pinheiro
FOTO: Gonçalo Lobo Pinheiro

O Gabinete para o Desenvolvimento das Infra-Estruturas (GDI) é útil? Foi renovada por mais dois anos a sua existência.
O GDI foi muito útil desde a criação da RAEM devido a três grandes construções: a fronteiras das Portas do Cerco, a ponte Sai Van, que é essencial para o acesso ao Cotai, e depois o próprio Cotai. Quando vim em 2003 e comecei a trabalhar no GDI o Cotai não existia, foi o gabinete que o construiu e isso foi muito importante para que os investidores pudessem investir. O GDI foi muito útil nessa altura e agora no último Governo foi responsável pela habitação pública. Quer se goste ou não, existe e está construída e foi este gabinete que a executou, assim como a nova Universidade de Macau, que é uma grande obra. Este serviço é um gabinete de intervenção rápida, tem uma agilidade que muitos serviços não têm e acho que qualquer Governo deve ter este tipo de serviço, sem departamentos, de respostas rápidas.

Em Portugal trabalhou na obra do metro do Porto, projecto de grande dimensão. Porque decidiu voltar para Macau?
Acabei o curso de Arquitectura no Porto em 2001 e mal acabei o curso comecei a trabalhar lá. Foi sorte, tinha acabado de defender a minha tese sobre o plano inicial sobre os NAPE e cruzei-me com um professor meu, no próprio bar da universidade, que logo ali me fez o convite para a obra do metro do Porto. Nunca pensei em regressar a Macau, confesso, pensei sempre que o meu futuro era na Europa, mas a verdade é que o salário, com os impostos, assustaram-me um bocado. Com o primeiro salário pensei: então é só isto? Quando o António Guterres abandona o cargo e entrou o Durão Barroso com o discurso do ‘país de tanga’ pensei que Portugal não estava a entrar num bom caminho. Precisava de alternativas, a experiência de trabalho estava a deixar-me infeliz e mexi-me aqui em Macau. Pronto, voltei.

O Regime de Acreditação de Arquitectos e Engenheiros em Macau entra em vigor agora no início de Julho. Concorda com este regime?
Não conheço muito bem a lei, mas acho que é um bom princípio. É importante porque tem que existir um controlo de qualidade. Faz sentido ter este regime. Portugal recentemente também passou por isso, até se criou a ordem dos arquitectos, portanto acho que sim. Caso contrário qualquer pessoa que tenha um curso inscreve-se nas Obras Públicas e está apto a assinar projectos, não pode ser assim. Este regime é importantíssimo do ponto de vista técnico e profissional.

Mas Macau tem capacidade para formar arquitectos?
De facto existe um curso de Arquitectura em Macau, na Universidade de São José, mas tenho algumas dúvidas. Conheço as pessoas que estão à frente do curso e posso dizer que são pessoas competentes, são bons, não há dúvidas. Mas o plano de curso em si deixa-me com muitas dúvidas. É preciso começar em algum lado, é uma universidade nova e ninguém lhe tira o mérito, mas não sei que referências tem. Por outro lado, pode ser chato dizer isto, mas não compreendo porque é que este curso não é dirigido pela “prata da casa”. Temos aqui em Macau excelentes profissionais, tais como o Carlos Couto, Carlos Marreiros, Luís Sá Machado, Isabel Bragança… Macau tem bons arquitectos e aparentemente estes profissionais não estão directamente ligados a este curso. O Rui Leão, um bom profissional, já esteve, mas já não está. Não percebo. Acho que é preciso este apadrinhamento.

FOTO: Gonçalo Lobo Pinheiro
FOTO: Gonçalo Lobo Pinheiro

Mas apenas o curso não é suficiente.
Não, de facto. Até pode não fazer sentido para alguns, mas para mim uma pessoa que nasça aqui, viva aqui e estude Arquitectura aqui não sei que cultura arquitectónica assumiu. A vivência no exterior, essa experiência como ser humano e profissional, seja em que área for, é muito importante. A bagagem cultural é muito importante, ganhar motivações de desenho, ver como se vive nas outras culturas, perceber o verdadeiro significado da área, não é só desenhar umas coisas bonitas. Neste lado do mundo há muito esta ideia do design, do moderno ou clássico. Não é nada disto, é muito mais profundo que isso. Digo sempre às pessoas que da necessidade, a motivação de desenho, nasce uma moda e não o contrário.

Sobre o Património de Macau, como vê o que foi até ao momento classificado pela UNESCO e o que poderá ser?
O que já foi classificado devia ter mais alma. Não pode ser só fachada. Olhamos para o Largo do Senado, é um sítio bonito e rico, mas o que se passa com os edifícios? Temos fachadas bem cuidadas mas completamente desrespeitadas a nível de rés-do-chão pelo comércio, não há o mínimo de disciplina a nível de desenho de lojas, cada um faz o que quer. É vergonhoso, vivemos de fachada. Acho que é preciso disciplina e dar vida. Por exemplo o Largo do Lilau tinha mais vida antigamente do que agora, que é considerado património. Na altura tinha um café, uma tasca chinesa, moravam pessoas nas casas em volta, tinha muita vida e nem sequer era considerado património.

E o novo?
Bem, espero que da lista não saiam só edifícios antigos com arcos. Espero sinceramente que haja arquitectura moderna porque em Macau fez-se muita interessante, como é o caso da Escola Portuguesa. Há muitas obras de arquitectura moderna que deviam ser preservados. Estamos a entrar numa fase triste para arquitectura porque maioritariamente o que se constrói na cidade é habitação. Antigamente, os arquitectos desenhavam edifícios para habitação muito interessantes, agora perdeu-se isto, por força do mercado e das imobiliárias. Só se constrói edifícios de catálogo.

E o Hotel Estoril?
É um edifício muito interessante, mas é preciso que a sociedade perceba que é necessário manter-lhe a alma. Entenderem que o património não são só arcos e o antigo, o que é novo é também património. O que se faz hoje é património. Não é só o Clube Militar, o Senado, não é só isso.

Existe planeamento urbanístico em Macau?
Sempre existiu. O que as pessoas têm que compreender é que o planeamento urbanístico é gestão de interesses, económicos e públicos. É preciso haver este equilíbrio. Sempre existiu, mas fala-se muito em planeamento urbanístico porque as pessoas confundem o planeamento com o zonamento, que é organização por zonas. O planeamento não é isto e a população tem que perceber isto. O planeamento pretende equilibrar e criar ferramentas legais e jurídicas para o ordenamento do território.

Como vê Macau daqui a 20 anos?
Quando era miúdo, o meu pai, como não havia pontes de ligação a Coloane, combinava excursões com os amigos ao fim-de-semana. No meu tempo, com a ponte, ir à Taipa era uma aventura, pagávamos a portagem e íamos fazer os trabalhos da escola, voltar para casa era outra aventura. Era tudo diferente. Agora em dez minutos estamos em Coloane. Macau expandiu. Para a minha avó ainda existe a ideia dos piratas de Coloane. A expansão vai continuar, vamos crescer e crescer. As fronteira vão estar muito mais premiáveis, vai abarcar Zhuhai e a zona de Cantão, a circulação de bens e pessoas será cada vez maior. Inevitavelmente o nosso estilo de vida vai mudar. Para mim agora ir a Zhuhai é cansativo, tenho que passar a fronteira e aquilo tudo, para o meu filho possivelmente vai ser como ir à Taipa. Ir a Cantão vai ser já ali.

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23 Jun 2015

Konstantin Bessemertny: “O dinheiro não nos faz ter mais consciência cultural”

Um dos maiores artistas de Macau e da Ásia tem optado por trabalhar na sombra, aparecendo pontualmente com alguns trabalhos. Konstantin Bessemertny defende que para Macau é suficiente uma exposição a cada cinco anos, condenando os governantes que não consomem cultura. Para o artista, a política do território, no que diz respeito à arte, arquitectura e espaços públicos, deveria ser decidida por um órgão totalmente independente

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ez a última exposição individual em Macau em 2012. Porquê este tempo todo sem uma mostra individual em Macau?
O mundo artístico está a mudar quanto à democratização da criatividade. E não só em Macau, em todo o mundo. Agora qualquer pessoa é artista, e o problema dos artistas contemporâneos é mostrarem-se e produzirem demasiado. Há tanta arte disponível nos dias de hoje! Então a maneira mais lógica é tornarmo-nos como monges que ficam no seu mosteiro, e é isso que estou a fazer. Apareço raramente, em ocasiões específicas. Mudei o meu pensamento em relação a alguns eventos, como feiras de arte, porque penso que são apenas plataformas, como os media, o Instagram. São plataformas para uma arte algo imatura, na sua forma de expressão.

Mas não tem nenhum projecto para expor em Macau?
Não disse isso. Primeiro, temos de nos limitar a nós próprios, para um certo número de exposições, por um certo período de tempo. Penso que Macau é um bom sítio para uma exposição a cada cinco anos. Consegue imaginar uma exposição todos os anos? Tenho vindo a trabalhar em alguns quadros, sim, mas comecei a gastar mais tempo em cada trabalho, em vez de produzir sob pressão. Estou a tentar adaptar-me à nova realidade.

De que forma?
Estou a tentar focar-me, também devido a essa questão da excessiva produção artística. Há tanta arte destruída. Numa bienal, 95% da arte que lá está exposta vai para contentores. Tudo o que vai para o lixo não é arte, então estou a tentar focar-me em sítios que possam ter algo interessante, ou em coisas que as pessoas me pedem. É difícil, porque temos de convencer pessoas, instituições, mudar as mentalidades de certos meios, quando as pessoas pensam actualmente nas tendências a curto prazo. A arte acaba por ir para o caminho da “cultura da celebridade”.

[quote_box_left]“Mudei o meu pensamento em relação a alguns eventos, como as feiras de arte, porque penso que são apenas plataformas, como os media, o Instagram. São plataformas para uma arte algo imatura, na sua forma de expressão”[/quote_box_left]

Em que os artistas são como estrelas pop.
Sim. Claro que isso começou nos anos 60, com o Andy Wharol e o movimento pop-art. Mas acho que isso não é arte, é design. Então essa arte pode ir para museus, mas quem disse que ia lá ficar para sempre? Mas respondendo à sua questão, tenho vindo a trabalhar em coisas específicas. Continuo a trabalhar em Macau, com algumas pessoas, em galerias. As galerias de arte estão a morrer, porque já chegaram a um ponto de exaustão.

Em todo o mundo.
Não estou apenas a falar da pequenina Macau. Aqui tudo acontece em pequena escala, mas as questões (do mundo artístico) são iguais às dos restantes países do mundo. Os problemas são os mesmos, a questão é que em Macau as coisas são mais visíveis e podemos tirar conclusões mais rápidas. Mas de cada vez que há algum tipo de iniciativa em Macau, eu tento contribuir. Tive agora dois trabalhos meus no Armazém do Boi, depois dei um trabalho a uma galeria junto às Ruínas de São Paulo, o que já é bastante (risos). Mas se me pedirem “por favor, faça uma grande exposição”. Direi que não.

Mas vive em Macau há 23 anos, como olha para a arte que tem vindo a ser produzida neste pequeno território?
Não há arte. A arte é a procura, e qual é a procura aqui? Pela Hello Kitty? Há mau gosto. Para compreender o que é a arte, temos de ser educados, ter a nossa própria motivação, sermos curiosos. Infelizmente o público aqui não é assim. Para qualquer coisa que se produza em Macau não há procura, mas não é uma questão de preço. Porque é que as pessoas de Macau não compram as obras de arte locais? Porque preferem ter posters na parede, coisas criativas que compram em Bali. Tem tudo a ver com questões de gosto, educacionais, de cultura. É como aquela máxima de “nós somos o que comemos”, e somos também os livros que temos na estante e os quadros que temos na parede. É um pouco perturbador.

[quote_box_right]“A arte é a procura, e qual é a procura aqui? Pela Hello Kitty? Há mau gosto. Para compreender o que é a arte, temos de ser educados, ter a nossa própria motivação, sermos curiosos. Infelizmente o público aqui não é assim”[/quote_box_right]

Em relação aos museus, galerias ou entidades públicas. Pensa que o Governo poderia investir na criação de mais espaços como estes?
Esse é um conceito socialista. Ajudar os artistas? O problema é que, se as pessoas não tiverem experiência no meio, não souberem a melhor forma de se tornarem artistas, isso é um erro. Temos esse problema com as políticas públicas. A arte transforma-se numa coisa preguiçosa, que não é desafiante. Quando ajudamos os artistas não criamos qualidade. Recentemente falei com várias pessoas do meio cultural de Macau e disse que a melhor forma é abrir concursos ou comissões para espaços públicos, em que uma vez por ano qualquer artista poderia concorrer para um apoio. Temos muitas construções aqui, mas podemos ver o quão tudo é horrível. E não estou apenas a falar da arte, mas a arquitectura também é muito má.

Está a referir-se ao Cotai?
A todo o lado. E porquê? Porque não queremos saber. Chega aqui alguém e deixamo-lo construir um projecto, e não dizemos “não faça esta imitação da escultura” ou “não revista isto de plástico”. O conceito é muito pobre. Recentemente estive em Singapura no Marina Bay Sands. O casino pode não estar a ter muitos lucros, mas é um edifício bonito. Ao menos podem orgulhar-se daquele esforço. Se há 15 anos me dissessem que iríamos ter uma Torre Eifeel em Macau…é horrível. Não é apenas o facto de não envolver os artistas locais, mas tudo deveria ser feito por concurso e aprovado pelas instituições e pessoas de Macau. Porque é que Macau deixa que essas coisas feias sejam aqui construídas?

Pensa então que deveria haver um novo modelo para o Cotai? Um espaço que poderia servir para promover os artistas locais?
A questão dos artistas locais é similar a um jardim de infância, “acabei o meu curso, dêem-me um espaço para poder mostrar o meu trabalho”. O que poderíamos fazer agora? Criar um órgão independente, composto por artistas ou arquitectos, que não esteja envolvido com o sector do imobiliário, do Jogo ou da construção. Esse órgão deveria decidir o que é bom ou mau para Macau. Tudo deveria ser aprovado por este órgão. Em Guangzhou, o Governo deu responsabilidades a um grupo deste género para fazer uma cidade bonita. Estas pessoas não têm interesses no dinheiro, porque são professores, artistas… simplesmente ditam o que é bom ou mau para a cidade. Então vemos que a arquitectura e os espaços são bonitos, existe bom gosto. O problema aqui é que os lucros não trazem o bom gosto, o dinheiro não nos faz ter mais consciência cultural.

Em Macau parece que o Governo tem de estar em todo o lado, concedendo subsídios. Pensa então que deveria ser criado um novo modelo de apoio?
Quando cheguei a Macau, fiquei impressionado. Porque antes era melhor do que agora. Macau era melhor do que Hong Kong. E porquê? Porque no Governo, todos os secretários adjuntos, tinham interesse por arte. Construíam casas em Portugal, gostavam do design chinês, da mobília, visitavam galerias e estúdios de arte. Estes governantes ajudavam mais o mercado da arte do que qualquer outra pessoa. As pessoas que temos actualmente no Governo podem apoiar a cultura e a arte, mas individualmente não vão a concertos, nunca foram a uma galeria, e falo de Hong Kong também. Este é um problema. As pessoas que querem ajudar os artistas são apenas funcionários públicos ignorantes que tentam ser uma espécie de pais destes alunos de arte que acabam os seus cursos, para que sejam felizes.

[quote_box_left]“Se há 15 anos me dissessem que iríamos ter uma Torre Eifeel em Macau…é horrível. Não é apenas o facto de não envolver os artistas locais, mas tudo deveria ser feito por concurso e aprovado pelas instituições e pessoas de Macau”[/quote_box_left]

Mas acredita que o Governo de Macau, em concreto, está a seguir esse caminho?
Não estou a criticar apenas aqui, porque na verdade o nosso Instituto Cultural (IC) ou o museu funcionam muito melhor do que poderíamos pensar. Claro que ainda há melhorias a fazer. Mas as pessoas deveriam ser nomeadas não porque falam cantonense, se são locais ou não, mas sim por mérito e conhecimento. Para cada projecto deveria haver uma selecção, e se for o melhor, mesmo que não fale cantonense, não deve constituir um problema. Macau poderia ser um modelo para a multi-culturalidade. Tudo deveria ser feito por pessoas com coragem e conhecimento para melhorar as coisas.

Ajudou a criar a AFA – Art for All Society. Como olha para a entidade nos dias de hoje? Que desafios encontram?
A AFA foi uma solução encontrada para se fazer e promover a arte. Mas diminuí a minha participação há cerca de dois ou três anos. Vamos mantendo o contacto, mas percebi que ficar lá mais tempo não iria ser benéfico para mim, porque sou uma pessoa ocupada, viajo muito. E não quero fazer esse tipo de trabalho de pedir patrocínios. A minha ideia inicial era de que a AFA não era apenas para os artistas locais, mas seria uma plataforma para as pessoas produzirem e consumirem arte, e seria a primeira do género em Macau. Mas há leis e regras que temos de seguir, então tornou-se uma entidade muito virada para Macau. Percebi que o que fazemos é algo anti-marca, porque um artista faz um trabalho, o Governo apoia-o, muito bem. Mas dou-lhes apoio sempre que é necessário.

Qual o caminho que Macau está a tomar, com os casinos e as réplicas?
Penso que já não é apenas o Jogo que domina, mas podemos atrair as famílias, com as crianças, e temos de pensar como dar-lhes o divertimento e fazer com que isso seja lucrativo, com eventos ou apostar na área da restauração. Penso que nesse sentido Macau está a ir no caminho certo. Há algumas questões, como o facto do Governo querer acabar com o fumo nos casinos. Não sou fumador, mas um turista vem a Macau para jogar, fumar e comer. Concordo em não fumar em restaurantes, ao pé de crianças…mas nos casinos? Estas pessoas jogam, bebem e fumam. Eles vêm cá para se divertir, então onde está o divertimento?

[quote_box_right]“O que poderíamos fazer agora? Criar um órgão independente, composto por artistas ou arquitectos, que não esteja envolvido com o sector do imobiliário, do Jogo ou da construção. Esse órgão deveria decidir o que é bom ou mau para Macau”[/quote_box_right]

O Governo já mostrou a vontade de criar mais museus. Qual deveria ser o modelo a implementar?
Macau já foi o primeiro território na Ásia a ter uma bienal, no tempo dos portugueses, e ninguém fala disso. Macau poderia transformar-se num centro de arte na Ásia e dizer que desde os anos 90 (que promove esse tipo de eventos). Hong Kong era um deserto cultural, Pequim e Xangai não tinham arte, de todo. E Macau já tinha uma bienal de arte. Então deveríamos promover isso sem fazer esse corte entre a Administração portuguesa e o Governo chinês. Macau sempre foi Macau e deve ter orgulho desses pequenos detalhes, para além das diferenças. Nessa altura Macau não tinha nada, tirando um ou outro problema com um Governador, mas era um lugar engraçado e interessante.

Para si, ainda é assim?
Vejo este lugar como uma continuação da cultura da Europa, e que ainda mistura outras formas, como essas coisas americanas que agora existem. Penso que é uma boa plataforma para a arte e cultura, e Macau poderia ser de novo um centro de arte. Temos dois modelos: a feira de Singapura, apoiada pelo Governo, ou a Art Basel em Hong Kong, totalmente privada. Poderíamos fazer uma mistura, com um pouco de apoio do Executivo. Os casinos também poderiam participar, mas a questão é que eles só promovem os artistas de topo, as grandes marcas. Macau deveria ditar um pouco as regras, criando esse órgão, com 30% de artistas locais, e mais um grupo de artistas convidados, para decidir quais seriam os projectos certos.

15 Jun 2015

Viriato Soromenho Marques: “A nossa política doméstica é hoje política europeia”

Viriato Soromenho Marques, professor de Filosofia da Universidade de Lisboa, tem um extenso currículo, não apenas académico. Esteve em Macau para promover o seu novo livro intitulado “Portugal e a Queda da Europa”, no qual defende a abolição do Tratado Orçamental da UE e que o federalismo europeu não seja apenas penitência mas também salvação.

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] pontou diversos erros na construção da União Europeia, fazendo um diagnóstico não muito favorável. Por outro lado, apontou um outro caminho que seria mais federalismo. Isso faz-me lembrar o que Nietzsche diz de Kant: a raposa que destrói a sua jaula para a seguir construir outra e se meter nela…
(Risos) Refere-se à passagem da Crítica da Razão Pura para a Crítica da Razão Prática, não é?

Sim. Da crítica “radical” da possibilidade de conhecer à emergência do “radical”, “terrorista” imperativo categórico (risos).
De facto, penso que há uma consistência na minha afirmação, isto é, a construção europeia foi efectuada através de uma metodologia que, desde o início e para os observadores mais atentos, estava “impregnada” de deficiências de design, ou seja, de construção. Temos vários marcos das críticas que foram feitas. As críticas foram feitas em diferentes períodos: um deles que foi na década de 70, porque a ideia de uma união monetária – que é hoje a zona Euro – já vem bastante de trás. Praticamente, desde que a comunidade europeia se constituiu, em 1958, com um dos Tratados de Roma, que temos várias tentativas de a construir. A primeira – e a mais consistente – é de 1970 e tem o nome do Primeiro-Ministro do Luxemburgo [Pierre Werner], que ficou encarregue de fazer o esboço e é o Plano Werner, que consiste em fazer uma união monetária de 70 a 80, ou seja, em dez anos. Este é muito parecido com aquele que está actualmente em vigor. Tendo sido objecto de críticas válidas, se o plano actual é muito semelhante, as críticas são igualmente válidas. As deficiências que hoje vemos claramente são fruto do choque daquela estrutura com a realidade. A primeira crítica é a seguinte: uma união monetária só pode sobreviver se tiver uma grande solidariedade política e por isso é que as uniões monetárias – que a História verifica e que sobreviveram – são as que tinham o suporte de uma união política, geralmente de recorte federal ou aparentado…

Pode dar um exemplo, para entendermos melhor o que é realmente para si essa necessidade…, digamos, federal.
O exemplo mais puro é o do Federalismo Americano. Temos a Constituição Federal de 1787, aprovada e em vigor em 88, mas não temos o dólar nem nenhum banco central. No entanto, tinham já uma Constituição comum dizia as competências do Governo comum. Só timidamente, à medida que a realidade ia evoluindo, é que eles começaram a introduzir o dólar – em 1792 – e houve várias tentativas falhadas de fazer um banco central.

[quote_box_left]“Uma união monetária só pode sobreviver se tiver uma grande solidariedade política e por isso é que as uniões monetárias – que a História verifica e que sobreviveram – são as que tinham o suporte de uma união política, geralmente de recorte federal ou aparentado…”[/quote_box_left]

Está então a dizer que existem erros estruturais, conjunturais e também eventos dramáticos…
Um outro caso, a que eu chamo de império federal, foi o II Reich, de Bismarck. A Alemanha tinha 30 e tal unidades políticas e a Prússia liderava a unificação depois da vitória sob a França. Só em 1876 é que foi possível unificar todos os bancos centrais que existiam nos estados alemães e que na altura se chamava Reich Bank. Em 1871 fizeram a Constituição. Digo que [isto] era Imperialismo Federal na medida em que os estados continuavam a estar representados parlamentarmente; a única questão é que o imperador era sempre da Prússia. O Império Austro-Húngaro – que também tem traços democráticos – tinha uma união monetária que passava pelo crivo do Parlamento. Como era um império constituído por dois reinos, de dez em dez anos havia uma sessão especial do Parlamento que se debruçava sobre a renovação da união monetária… Nós nunca tivemos nada disto na zona Euro.

Sem união política, considera então impossível a união monetária?
Que funcione, sim. A união política permite criar uma esfera de Governo comum e a Comissão Europeia não é um governo comum, até porque precisam de ter um orçamento comum que permita fazer investimentos, políticas contra-cíclicas quando os Estados estão com dificuldades. Num governo federal, quando há uma expansão económica, o governo tende a contrair.

Quando fala de federalismo, está a falar de política, mas a verdade é que o Tratado Orçamental, que impõe a intromissão na definição dos orçamentos nacionais, não é só um instrumento económico mas, sobretudo, de economia política. No fundo, já existe federalismo através deste tratado…
Existe uma caricatura, na medida em que só existe o federalismo como penitência e não como salvação. Uma questão central tem que ver com o orçamento comum e a capacidade de políticas de coordenação económicas, que são duas coisas que efectivamente ainda não existem na Europa. O orçamento comunitário da UE corresponde a 1% do PIB e, quando o [Jean-Claude] Juncker e o [Durão] Barroso se sentavam com os chefes de Estados dos Governo, tínhamos 1% do PIB europeu sentado à mesa de 45% do PIB europeu, que é sensivelmente aquilo que os orçamentos dos governos representam. Temos uma desproporção absolutamente brutal. Para podermos falar de federalismo económico de um governo que tivesse capacidade de fazer as tais medidas, precisaríamos de ter um orçamento europeu, no mínimo, de 4% a 5%. Isto para um federalismo “low-cost”…

[quote_box_right]“Vale a pena ler o documento das propostas apresentadas por Juncker, depois destes quatro meses de negociação com Tsipras. É como se nada tivesse acontecido, as mesmas coisas. É o IVA a aumentar, exclusões de sectores de pessoas com problemas…”[/quote_box_right]

Isso significaria mais impostos para os povos europeus?
Neste momento temos 1% e não dá. Como é que vamos arranjar os tais 5%? Através da superação de uma outra desvantagem que a actual situação traz: não só não temos política de coordenação económica, como temos uma competição fiscal – no sentido português da palavra – terrível. Isto provoca situações como as empresas do nosso PSI 20 pagarem impostos na Holanda. A vantagem da coordenação económica é que obriga a algum federalismo fiscal. Isto significa simplesmente que o orçamento comum é baseado nos impostos e toda a gente percebe. Se perguntar como é que funciona o orçamento europeu, só um técnico é que sabe responder. Mas esta baseia-se no princípio de garantir que algumas economias são contribuintes líquidas e outras beneficiárias: é de paternalismo fiscal. A ideia é manter sempre sete ou oito países à frente.

É essa Europa que quer federalizar ainda mais, dando mais poder a estes países? Se já temos um federalismo na prática…
O que temos é uma “consolidação de Estado”, ou seja, uma forma de hegemonia misturada com uma partilha de soberania monetária e cambial, mas que é um federalismo só com desvantagens e sem a solidariedade e o desenvolvimento. É um sistema monstruoso e que, na minha perspectiva, não vai sobreviver muitos anos. O BCE é que tem salvo a Europa de uma desagregação que teria acontecido em 2010 ou 2011. A grande reforma que precisamos não são na Grécia ou Portugal, mas sim da zona Euro e a prova disso é o BCE. O próprio resgate da Grécia e Portugal era proibido pelo artigo 125 [Tratado de Lisboa] e é muito interessante, porque o mecanismo que foi encontrado é o da ambiguidade e falta de coragem de se dirigir ao cidadão. O artigo 125 é uma espécie de cadáver que está no Tratado… E o artigo 123, que proíbe o financiamento monetário. Ou seja, enquanto os bancos centrais de outros países compram as suas obrigações do tesouro no mercado primário e consegue fazer um financiamento político, o BCE compra a dívida que está sobretudo na posse dos bancos, no mercado secundário.

Então, pelos vistos, interpretando esse artigo do Tratado de Lisboa, conclui-se que os políticos europeus estão nas mãos desses bancos, fazem-lhes as vontades. Vamos federalizar mais para lhes dar ainda mais poder, para expandir e dar uma dimensão final às doutrinas neo-liberais?
Não. A proposta que defendo é a explicitação do federalismo e isso implica ser capaz de voltar ao princípio, à ideia de um tratado constitucional, definindo claramente as competências da esfera europeia, fazer uma reforma fiscal que permita habilitar esse governo a ser eleito pelos cidadãos com os recursos orçamentais necessários e impedir esta situação em que temos o Conselho Europeu a controlar o processo. A Comissão Europeia está neste momento na posição de “serva” do Conselho Europeu e não tem tido capacidade de iniciativa. Os tratados recomendam que todo o processo legislativo começa na Comissão e agora é ao contrário: todo ele começa nas reuniões do Conselho Europeu, por sua vez dominado pela Alemanha, às vezes com o apoio da França. Temos que fazer esse caminho – claro que a política é a procura da liberdade possível – mas também procurar evitar a “física política” – que é quando se faz a única coisa que se pode fazer. Estamos a ver que a política na Europa está a estreitar-se tanto que qualquer dia já só temos física, sendo só administrada a desordem.

[quote_box_left]“O que temos é uma ‘consolidação de Estado’, ou seja, uma forma de hegemonia misturada com uma partilha de soberania monetária e cambial, mas que é um federalismo só com desvantagens e sem a solidariedade e o desenvolvimento. É um sistema monstruoso e que, na minha perspectiva, não vai sobreviver muitos anos”.[/quote_box_left]

Neste enquadramento, também deu a ideia de que prefere uma solução que passe pelos partidos políticos tradicionais do que pela emergência de novas forças políticas ou novos conceitos, que acontecem em países como a Grécia, a Espanha ou a França. Em que sentido prefere os tradicionais?
O que prefiro é que exista uma consciência colectiva dos europeus no sentido de não voltarem as costas à Europa, porque é a casa que nós temos e, se ela se fragmentar, as ruínas caem-nos em cima. Julgo que tudo é possível porque entramos numa zona – com a Grécia – em que as regras já não se aplicam e é uma situação nova, porque é a primeira vez que um país da OCDE não cumpre os planos do pagamento do FMI e é, de facto, grave. É, sobretudo, feito num contexto em que não sabemos se vai haver acordo, pelo que se não houver, a Grécia terá que criar uma nova moeda. No entanto, isto vai ser uma confusão muito dolorosa para a Grécia e para o resto da Europa, porque não é só a questão dos credores oficiais, mas também da inserção deste país no mercado europeu, na medida em que os importadores e exportadores vão, certamente, ficar numa situação em que deixarão de estar interessados em vender produtos à Grécia, país com nova moeda e que vai ter que renegociar tudo com toda a gente.

Mas a dívida infinita também não é uma opção viável…
Não. Temos que ser rigorosos. Vale a pena ler o documento das propostas apresentadas por Juncker, depois destes quatro meses de negociação com Tsipras. É como se nada tivesse acontecido, as mesmas coisas. É o IVA a aumentar, exclusões de sectores de pessoas com problemas…

Não existe um regime de federalismo político assumido: com eleições, governo, presidente da Europa, nada… Mas há uma dúzia de bancários e políticos de determinados países que jogam no mercado financeiro e impõem aos países determinadas medidas.
Não lhe parece que podíamos aproveitar a Grécia para, pacífica e politicamente, começarmos a mudar as coisas? Era interessante. Essa racionalidade fazia sentido e julgo que os países que deviam ter logo aproveitado com a questão grega eram Portugal, Espanha e a Itália. O que eu acho inadmissível – e que os eleitores vão ter que punir estes governos nas próximas eleições – é que os governos de Portugal e Espanha não tivessem aproveitado, até porque sabemos que os ministros das finanças português e espanhol foram mais papistas que o Papa no Eurogrupo e isto significa que tanto em Portugal como em Espanha o que tivemos foram dirigentes partidários e não nacionais. Pensaram no seguinte: se conseguirmos ganhos por causa da Grécia, significa que toda a oposição que temos à nossa esquerda, vai ganhar as eleições porque vão perguntar porque não fizemos o que a Grécia fez. – É preciso que corra mal na Grécia para que nos corra bem a nós – é precisamente o discurso de Passos Coelho.

[quote_box_right]“Os ministros das finanças português e espanhol foram mais papistas que o Papa no Eurogrupo e isto significa que tanto em Portugal como em Espanha o que tivemos foram dirigentes partidários e não nacionais”[/quote_box_right]

Mas estes partidos do arco da governação são aqueles que defende…
Não exactamente. A reforma do sistema partidário pode assumir várias dimensões. Falamos dos casos grego e espanhol, onde está a ver-se uma reforma ao lado dos partidos tradicionais. Todavia, julgo que também é possível vislumbrar uma reforma da parte dos partidos tradicionais. Podemos conceber um processo misto, com o aparecimento de partidos convencionais que sejam capaz de dar a volta e ajustar contas com o seu passado, renovando-se, com novos partidos. No caso português, temos no espaço da direita uma certa renovação, com uma coligação que vai aguentar até ao fim e que vai partir outra vez para as eleições. A direita foi capaz de fazer uma coisa que a esquerda tem muita dificuldade em fazer, que foi unir-se, sempre com a perspectiva da manutenção do poder. Em relação à esquerda, vejo dois partidos mais pequenos – o PCP, que é um partido clássico que mantém basicamente as mesmas posições e o BE, que está numa posição de grande incerteza em relação ao futuro –, o aparecimento de uma força que vai disputar votos à esquerda, à direita e ao centro – que é Marinho Pinto – e a questão do PS, que é um grande enigma. Aparentemente, teria condições para se renovar e até produziu, com a equipa de Seguro, as primárias – que era um desígnio já muito antigo –, mas está a ser perturbado por uma grande dificuldade em não apenas calibrar o seu discurso programático mas também da narrativa do seu passado. A situação de ter um ex-primeiro-ministro preso não facilita a situação. Um dos grandes problemas do PS vai ser conseguir a demarcação muito clara relativamente à figura do anterior primeiro-ministro, mas também do método de fazer política que foi predominante durante esse período.

As Legislativas 2015 estão à porta e há a possibilidade do Governo mudar. Em que medida é que uma possível alteração de partido poderia influenciar a forma como Portugal se posiciona na Europa?
Julgo que a verdadeira escolha está, essencialmente, na compreensão de que a nossa política doméstica é hoje política europeia, tal como para Espanha, Grécia ou Itália. Qualquer possibilidade de contrariarmos a austeridade, que tem feito cair o investimento público a níveis tão baixos que só têm paralelismos históricos se recuarmos décadas, de ter capacidade para lutar contra a fragmentação financeira da UE, que faz com as nossas empresas tenham condições competitivas piores do que empresas da Europa Central… Tudo isto só será possível mudando as regras do jogo europeu. A melhor política que um novo governo pode fazer, pelo bem do nosso país, será a de dialogar extensivamente com forças de outros países. Temos algum tempo, mas não temos todo o tempo do mundo, partindo do princípio que a situação da Grécia não vai escalar muito mais. Aquilo que temos mesmo discutir é a questão do tratado orçamental e a minha posição é radical: este devia ser abolido, porque é um instrumento que não serve à UE. Se tivermos que encontrar uma posição intermédia, teremos que rever aquelas metas absolutamente irrealistas do défice e da dívida pública que nos condenariam a uma austeridade por, pelo menos, mais 20 anos.

[quote_box_left]“Um dos grandes problemas [do PS] vai ser conseguir a demarcação muito clara relativamente à figura do anterior primeiro-ministro, mas também do método de fazer política que foi predominante durante esse período.”.[/quote_box_left]

Disse que Portugal não tem uma lógica de projecto colectivo. Em que medida seria possível contornar esta sua ideia?
Maurice Duverger dizia uma coisa muito interessante quando aderimos à UE: ao entrarem na comunidade europeia, vocês, portugueses, parecem estar a reformar-se da História. Isto significa que Portugal não amadureceu suficientemente o seu desígnio estratégico, depois de termos rompido com uma tradição secular. A maioria dos portugueses e políticos não se apercebeu da mudança sísmica da revolução de 74: é que, nesta altura, não nos limitámos a substituir uma ditadura por um regime de democracia representativa. Já a tínhamos tido na Primeira República e na Monarquia. Em 74 interrompemos um ciclo em que a nossa identidade estratégica dependia de um apoio externo, que era o imperial. Em 74 estava em causa precisamente esta questão: onde é que vamos buscar este apoio externo? O país continuou a precisar disso… Adriano Moreira diz isso e eu apoio. Julgo que a Europa foi isso mesmo, mas não fomos capazes de perceber que a Europa era um espaço de luta e não de repouso. Devíamos ter negociado os termos de amarração na Europa.

Uma espécie de projecto nacional, como houve com os Descobrimentos… Resumimo-nos agora à selecção nacional de futebol e, esporadicamente, tivemos Timor, que foi um caso de sucesso.
Exacto. O falhanço nacional principal foi o Tratado de Maastricht. Em 1986 a negociação e as condições de entrada foram bem conseguidas. O que a democracia conseguiu não é nada que o Estado Novo não tivesse já pensado, até porque o primeiro pedido de adesão à comunidade europeia foi feito em 66, e não foi com Marcelo Caetano mas sim com Salazar, que pediu a adesão discretamente. Foi De Gaulle que se opôs porque tinha acabado de criar a sua política agrícola comum. Olhou para Portugal e pensou que era um país pequeno mas demasiado parecido com França: tinha muito agricultores. A vocação europeia não é nenhuma descoberta democrática, mas sim lógica.

Haveria outras alternativas?
De entre várias outras, há um projecto mais audaz, que seria o de uma união lusófona, que faria de Portugal um país descentrado da Europa, com uma base europeia, mas fundamentalmente centrado em África, que era o projecto de Norton de Matos. Nova Lisboa era o embrião de uma capital em África, o que seria uma experiência absolutamente extraordinária. O que falhou? O que falha actualmente: não se pode fazer isto nem um regime federalista sem democracia plena. Julgo que a actual crise que estamos a viver é também um momento para um despertar da nossa consciência nacional, de não estamos condenados à fatalidade, de pensar o país como um processo de venda a saldo do capital construído, dos bens imóveis, até que não exista mais nada. Este governo tem vendido tudo aquilo que constituía um suporte da nossa capacidade de autonomia em caso de sermos obrigados a seguir o nosso destino. No fundo, o nosso país está a ficar um país de assalariados.

[quote_box_right]“Temos que estreitar a cooperação com os PALOP, mas Portugal não pode pertencer a uma lusofonia mais forte se não tiver alguma coisa para oferecer. Devemos manter o projecto europeu, porque o que nos valoriza junto dos moçambicanos, brasileiros e angolanos é a nossa pertença à Europa.”[/quote_box_right]

O investimento chinês tem estado particularmente presente na área de investimento português. Como vê a influência da China em Portugal e que futuro augura?
A China é claramente uma potência que tem uma visão estratégica mundial, já não é só asiática, e também não tem estados de espíritos: partidos republicanos e democráticos, políticas conjunturais, nem presidentes burros ou inteligentes… Tem um projecto estratégico de décadas. Outro aspecto: a China não faz caridade e está a investir em Portugal porque neste momento é um bom negócio com empresas bastante válidas e estruturas lucrativas. Parece-me também que na perspectiva de projecção de poder no mundo, a China prefere a aliança e a parceria ao confronto e à dominação. Estando nós numa situação tão incerta e insegura em que a nossa permanência na zona Euro pode estar em perigo, é conveniente termos outras amarrações geopolíticas e geoestratégicas do ponto de vista económico com outras zonas do mundo. Temos que estreitar a cooperação com os PALOP, mas Portugal não pode pertencer a uma lusofonia mais forte se não tiver alguma coisa para oferecer. Devemos manter o projecto europeu, porque o que nos valoriza junto dos moçambicanos, brasileiros e angolanos é a nossa pertença à Europa.

Como aos olhos da China…
Faz todo o sentido fazermos parcerias com a China em vários sectores e talvez se tenha exagerado um pouco na percentagem de capital de cada sector que foi negociado e a culpa foi do nosso Governo. A Índia é também muito importante, mas os EUA também não devem ser esquecidos, tal como outros países. Diria que, à semelhança do que a região de Macau representa, também no que diz respeito ao investimento chinês em Portugal, o governo que vem a seguir deverá manter uma boa cooperação com a China.

com Leonor Sá Machado
leonor.machado@hojemacau.com.mo

12 Jun 2015