Huawei diz estar preparada para ‘lista negra’ dos EUA

[dropcap]A[/dropcap] tecnológica chinesa Huawei, que foi colocada numa ‘lista negra’ pela administração norte-americana, assegurou hoje estar “preparada” para limitações de negócios com os Estados Unidos, onde tem um volume de vendas pouco significativo, mas lamentou este “tratamento injusto”.

“De uma certa forma, nós estamos preparados”, afirmou o representante chefe da Huawei para as instituições europeias, Abraham Liu, em entrevista à agência Lusa, à margem do Dia Europeu de Inovação da Huawei, que se realizou em Paris.

Numa altura em que Washington e a Huawei estão numa guerra global por causa da cibersegurança e das infraestruturas a nível mundial, que já levou à criação de limites por parte da administração norte-americana nas compras feitas por empresas dos Estados Unidos à companhia chinesa (a chamada ‘lista negra’), Abraham Liu garantiu à Lusa que a fabricante se tem vindo a “preparar para o pior cenário”, ou seja, para a entrada em vigor destas limitações.

O responsável disse também que tais restrições, feitas num contexto de guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, não deverão ter impacto significativo por a Huawei ter “poucas vendas nos Estados Unidos”.

Ainda assim, Abraham Liu criticou a postura da administração norte-americana: “Os Estados Unidos consideram-se a maior potência do mundo e o país mais democrático e equilibrado, mas eu questiono no caso da Huawei, em que não houve qualquer conclusão por parte da justiça, onde está essa verificação e equidade?”.

“Este tipo de medidas contra a Huawei não são, de todo, justas”, lamentou. Segundo Abraham Liu, “o mundo dos negócios tem a sua forma de funcionar e quanto menos os ventos políticos influenciarem esse círculo, melhor, todos beneficiam”.

Princípio da incerteza

O representante da Huawei para a União Europeia (UE), que tem vindo a ser crítico da pressão feita pelos Estados Unidos no espaço comunitário, assinalou também que a administração norte-americana, liderada pelo Presidente Donald Trump, “parece estar baseada na incerteza em relação ao resto mundo”.

Os Estados Unidos têm vindo a acusar a chinesa Huawei de ser uma ameaça à segurança nacional, alegando que utiliza equipamentos para espionagem, o que a tecnológica rejeita.

Em Maio deste ano, os Estados Unidos decidiram banir a Huawei do mercado norte-americano, colocando-a numa ‘lista negra’ que limita os seus negócios no país. A administração norte-americana criou, também nessa altura, isenções temporárias para determinadas empresas norte-americanas que negoceiam com o grupo chinês, permitindo-lhes vender alguns produtos ou mudar de fornecedores durante esse período.

Estas isenções foram prorrogadas em Agosto, aguardando-se agora uma decisão norte-americana sobre a entrada em vigor das limitações relacionadas com a ‘lista negra’. “As suspeitas estão aí há meses, mas onde estão as provas? É injusto. Vá lá, nós somos uma companhia privada e estamos a ser atingidos pelo poder máximo. As suspeitas existem, mas a história tem provado que não cometemos nenhum erro”, adiantou Abraham Liu à Lusa.

Ana Matos Neves, Agência Lusa

7 Nov 2019

António Graça de Abreu, docente, poeta e tradutor: “Portugal não investe em Macau”

Professor na Universidade de Aveiro, poeta e tradutor, António Graça de Abreu já visitou todas as províncias da China, país para onde foi viver em 1976. À margem de uma palestra recente proferida na Universidade Nova de Lisboa, intitulada “História Chinesa: As relações China-Portugal”, o académico falou da ida de Ramalho Eanes à China em 1984 como o ponto alto da ligação bilateral. Sobre Macau, recorda os limites de poder da Administração portuguesa do período pré-1999 e um encontro com a Companhia Nam Kwong, que denotou o poder chinês no território à época

[dropcap]Q[/dropcap]ual é para si o momento mais marcante desta relação entre Portugal e a China?
Talvez em 1984, quando Ramalho Eanes foi à China e tem um encontro com Deng Xiaoping, e se começa a antever e a prever o fim de Macau sob bandeira portuguesa. Já estava tudo mais ou menos alinhado em relação a Hong Kong, e é a altura em que Portugal começa a ter consciência de que inevitavelmente um dia a bandeira portuguesa seria arreada. A partir da Declaração Conjunta é o fim de mais de 450 anos de presença portuguesa em Macau efectiva, com algum controlo sobre o território. Embora esse controlo e essa soberania portuguesa tinham sido sempre muito divididas e muitas vezes pouco eficiente, porque como sabe os chineses sempre tiveram uma mão forte sobre o território de Macau. Os portugueses, até há poucos anos, tinham a ideia que mandavam bastante em Macau, mas isso é tudo muito relativo. É uma terra muito especial.

Sempre foi uma Administração controlada.
Mandávamos no que directamente nos dizia respeito, mas a outra parte do icebergue foi bem escondida pelos chineses ao longo dos séculos. É um dado que marca aquele território. É um poder não bem oculto, mas relativo.

Era o poder das elites?
Cheguei à China em 1977, através do PCP-ML (Partido Comunista de Portugal Marxista-Leninista), que era o único partido português que tinha relações institucionais com o Partido Comunista Chinês (PCC), antes e depois do 25 de Abril. Apercebi-me logo que esse relacionamento entre Portugal e a China era muito estranho, diria eu, porque uma coisa é o relacionamento de Macau e as zonas adjacentes, e tem sido assim ao longo dos séculos. Outra coisa são as relações de país para país, entre Lisboa e Pequim. O relacionamento entre o PCP-ML e o PCC era entre Lisboa e Pequim, não passava por Macau. No entanto, fui a Macau pela primeira vez em 1979 e recebi ordens, se se pode falar assim, para apresentar cumprimentos à companhia Nam Kwong. De facto, esses senhores eram os representantes efectivos do PCC em Macau, mas com uma capa de companhia comercial que ainda hoje existe. Nessa altura eram preponderantes. Fui recebido por Ho Cheng Peng e este senhor tinha ligações estreitíssimas com o PCC, e só depois é que comecei a perceber onde estava. Durante a Revolução Cultural, naqueles anos complicados, em que não se sabia exactamente o que estava a acontecer na China e os próprios chineses, líderes do partido, estavam com problemas porque aquilo esteve quase a descambar numa desorganização completa do partido e mais alguma coisa, Ho Cheng Peng tinha tudo preparado em Macau para receber quem quer que fosse, através dos canais do partido, para os fazer chegar a Macau e os colocar em qualquer parte do mundo. A importância que os chineses com ligação à China tinham em Macau nos anos 80, 60, com Ho Yin, escapava quase sempre ao controlo das autoridades portuguesas. Não entravam dentro desse mundo nem tinham de entrar, e sempre foi assim. Há a amizade entre os povos…

Mas há sempre uma barreira?
Há a barreira linguística e das mentalidades, e dos afectos, e aqui falo dos afectos. Por exemplo, o senhor Ho Cheng Peng afecto pelo PCC, havia também os interesses e as motivações de cada um. Até pelo sentimento patriótico que é muito forte na China, ainda nos dias de hoje. Isso não é igual a nós (portugueses) e complica o nosso entendimento. Fui então recebido por Ho Cheng Peng, mas deram-nos uma importância silenciosa e na altura não falei. Não convinha falar sobre isso. Fui recebido por esses senhores e depois enviaram-me livros para Pequim.

DR

Mas havia depois o grupo que estabelecia a ligação entre chineses e portugueses, composto por pessoas como Roque Choi ou Ho Yin, que referiu há pouco. Mas não havia uma ligação efectiva?
Mas esses sabiam de tudo e faziam até jogo duplo, diria eu. Sabiam quem eram os poderes chineses em Macau e havia alguns portugueses que eventualmente já tinham boas ligações. Já nessa altura o Jorge Neto Valente tinha boas ligações com a companhia Nam Kwong, por exemplo. Foi ele que me encaminhou, de algum modo, porque eu não sabia bem mexer-me em Macau, era um homem de Pequim, nunca tinha passado nem por Macau nem por Hong Kong. Outra coisa que não gostei de Macau nesses anos era que os portugueses estavam muito zangados uns com os outros.

Refere-se ao período do pós-25 de Abril?
Sim, anos 70, 80. Havia uma série de guerrilhas permanentes, uns portugueses eram importantes, mas estavam em Macau há dois ou três anos e falavam da China com uma autoridade enorme. Nunca tinham passado das Portas do Cerco e diziam já saber tudo. Eram bem pagos e mesmo assim queixavam-se. Mas falo no geral. Outra questão: porque é que Macau não dá sinólogos? Porque se calhar as pessoas chegam a Macau e pensam que sabem tudo sobre a China. Aprendem português no início e depois fartam-se. O português não é metódico nem organizado, essencial para aprender chinês.

Ana Maria Amaro, que viveu em Macau 15 anos, chegou a fundar o Instituto Português de Sinologia.
E o que é feito desse instituto? Ela só criou, mas nunca funcionou. Tem pessoas que não fazem rigorosamente nada, não tem publicações. Deveriam existir mais centros de estudos chineses em Portugal e não existem, e Macau aí também não ajuda. Mas Hong Kong também não é um bom sítio para criar sinólogos, também não há muitos. Há a vida dos expatriados, e fazem a vida entre eles. Não se ligam ao mundo chinês nem estão interessados. Meter a cabeça dentro da China dói.

Quando foi para a China não tinha esse grupo de apoio.
Não havia expatriados. Havia a embaixada a 19 quilómetros do lugar onde vivia. Fui escrevendo e também sobre o meu dia-a-dia. Fui aprendendo chinês e tentando mexer-me naquele mundo. Viajei muito pela China, visitei todas as províncias. Fui trabalhar para as Edições de Pequim e foi a imersão no mundo chinês e na própria propaganda do PCC. Publicávamos uma revista de propaganda sobre a China, sobre a qual não concordava, mas sempre pensei: “quem sou eu para concordar ou não? Para corrigir um universo, na altura de 900 milhões de pessoas?”.

Aceitava.
Temos de aceitar que do outro lado há um bloco sobre o qual temos a nossa opinião, mas não me compete a mim corrigir eventuais erros do PCC, até porque os erros de hoje podem ser coisas boas de amanhã.

De todos os governantes portugueses quais foram aqueles que melhor lidaram com o processo de Macau, os que melhor souberam dialogar com a China?
Diria que nenhum, mas não sei. A verdade é que essas visitas são sempre protocolares. Em 1995 fui com Mário Soares à China, tive a sorte de ser convidado. Estava a dar aulas de cultura chinesa na Missão de Macau em Lisboa. E aí apercebi-me que as pessoas nessa comitiva grande de empresários e jornalistas, planavam sobre a China. Chegávamos a Pequim e aquelas pessoas não entraram bem na China. O ministro dos Negócios Estrangeiros era Durão Barroso, cheio de problemas, porque era do PSD e o Mário Soares era do PS. As negociações não davam quase nada, não tinham consequência. Mesmo os empresários que os presidentes da República ou os primeiro-ministros costumam levar fazem mal o trabalho de casa.

Ainda hoje?
Ainda hoje. Estou a lembrar-me dessa viagem de 1995. Contaram-me depois que os 70 ou 80 empresários contactaram as comitivas chinesas e achavam que rapidamente iam fazer grandes negócios. Mas esqueceram-se de fazer o trabalho de casa. Chegamos lá, desenrascamo-nos e depois logo se vê. Muitas vezes até Macau, e o Fórum Macau não aproveitamos. Com o chinês tem de ser tudo muito bem trabalhado. Há coisas que têm sido bem feitas, há empresas que trabalham bem e que agora tem os seus escritórios em Xangai. Lembro-me da Corticeira Amorim que há 20 ou 30 anos colocava cortiça em toda a Ásia.

E como vê as relações hoje em dia entre a China e Portugal? Começam a surgir algumas críticas ou receios pela forma como a China está a investir no país.
Não conheço bem a parte económica, sou mais ligado à cultura.

Mas pergunto-lhe a nível diplomático, com todas estas visitas que têm sido feitas.
As relações são boas e tem-se procurado que não haja atritos nem conflitos. Mas é evidente que com a própria comunidade europeia tenha havido alguns problemas com a política “Uma Faixa, Uma Rota”, porque Portugal embarcou rapidamente nela. Parecia um bom negócio para Portugal, mas a Europa ficou um bocadinho de pé atrás, porque a comunidade europeia disse que isso só servia a China. Portugal tem estado calado, é um país pequeno. Mesmo assim as importações e exportações para a China já começam a ter algum peso. Portugal tem tentado a nível das exportações, sobretudo da carne de porco, que os chineses precisam. Há uma série de negócios que têm de se fazer, mas que têm de ser bem preparados. As contrapartidas é que são sempre discutíveis. Os chineses têm quase liberdade plena para abrirem empresas na Europa, mas o contrário não acontece. Mas a China também está a atenuar as limitações que tem tido face ao investimento estrangeiro. O chinês gosta muito de jogar, nos negócios e na política. Portugal não é muito duro e determinado. Agora começamos a ter alguns especialistas nesta área, mas não tínhamos.

Quais foram os grandes erros de Portugal em relação a Macau ao longo destes anos?
Antes da transição Portugal lembrava-se muito de Macau, era uma boa fonte de rendimentos, inclusive para algumas forças políticas. Mas era assim que funcionavam as coisas. Macau foi plataforma de bons negócios e bons empregos. Mas depois começou a ficar um pouco esquecido pelo mundo da política e dos negócios. Mas, repare: há o Fórum Macau que é subsidiado pelos chineses, Portugal não investe em Macau. Mas os resultados do Fórum Macau são relativos. Quando se fala dos negócios da China, as pessoas dizem que Macau é o trampolim. Isso repete-se há 100 anos, não é de agora. Em Macau estamos na China, mas estamos a 2800 quilómetros de Pequim. Negociar com a China a partir de Macau é diferente, e os países que estão no Fórum Macau também têm as suas embaixadas e adidos comerciais, como é o caso do Brasil, que tem uma embaixada pujante, que não precisa de passar por Macau para coisa nenhuma. Há países de língua portuguesa que até desprestigiam Macau porque têm interesse em fazer os seus negócios directamente nas suas embaixadas em Pequim ou Xangai. É mais fácil porque estão mais próximos das empresas. Os negócios do petróleo entre a China e Angola não passam pelo Fórum Macau, por exemplo.

Agrada-lhe o rumo que Macau está a tomar?
Macau foi incorporada na grande China em 1999, e a partir daí o jogo tem sido um bocadinho diferente. Os casinos cresceram exponencialmente. Macau não é igual a nenhum outro lugar do mundo. É uma terra complexa. Em Portugal quase todos somos portugueses, mas o chinês de Macau vê a sua terra de determinada maneira, e os chineses que vivem em Macau oriundos da China já olham para a realidade da terra de maneira diferente. Temos depois os portugueses e os macaenses. Os portugueses conseguem sobreviver porque tem a arte de saber viver em Macau. Penso que aqueles que amam mais Macau são os macaenses e os chineses nascidos em Macau. Em Hong Kong, chineses lá nascidos são mais de quatro milhões, e a população é de sete milhões. E Macau é pequena. Hong Kong podia ser independente, porque além de ser uma grande praça financeira, tem o maior porto de contentores do mundo. Tem um grande poder económico e uma pujança que lhe iria permitir não depender da China, a não ser para os negócios. Aí tem de saber negociar. As pessoas de Hong Kong que se manifestam nas ruas têm a percepção de que o território tem de ser uma coisa muito diferente da China, em termos de direitos e liberdades. Eu compreendo-os, mas Hong Kong está inserido no grande mundo chinês, onde essas grandes liberdades e direitos, que fazem parte do nosso mundo ocidental, ainda não prevalecem. Deng Xiaoping dizia que o primeiro direito humano é podermos comer todos os dias. Muitas pessoas na China não se preocupam com a ditadura. Podemos estar a falhar ao avaliar a China de acordo com os nossos conceitos ocidentais, o que não quer dizer que não haja valores universais. Penso que os chineses querem mais liberdades, mas toda a gente quer mais liberdade, é da natureza humana. Por exemplo na Internet. Xi Jinping quer reforçar o poder do partido, porque os chineses têm muito medo do caos. Se as manifestações de Hong Kong entrassem pela China adentro, imagine o que acontecia ao país.

Caía o poder?
Podia dar uma guerra civil. E um dia isso vai acontecer, talvez no seu tempo, não no meu. Daqui a 30, 40 ou 50 anos a China vai passar por grandes convulsões. É inevitável e os chineses sabem isso há muitos anos. O partido vai-se desagregar. Isso será mau para a China e para o mundo inteiro. E os negócios?

5 Nov 2019

Paulo José Miranda, autor da biografia sobre Manoel de Oliveira: “A sua vida é tudo menos trivial”

Poeta e colaborador do HM, Paulo José Miranda aceitou, pela primeira vez, embrenhar-se no género da biografia por ser um apaixonado pelo cinema de Manoel de Oliveira. No livro, contam-se os segredos de uma vida e de uma obra que acompanha quase a história do próprio cinema. Editado pela Contraponto em Portugal, a publicação chega à Livraria Portuguesa na próxima segunda-feira

[dropcap]D[/dropcap]isse esperar que esta biografia chame mais a atenção do público português para as obras de Manoel de Oliveira. Os seus filmes foram sempre muito esquecidos pelos portugueses, mas aclamados fora de Portugal?
Isso aconteceu desde o primeiro filme, filmado em 1931. Manoel de Oliveira sempre foi muito mais apreciado por estrangeiros do que pelos portugueses. A partir de uma certa altura ele passou a ser muito conhecido, mas esse conhecimento tinha a ver com várias razões que não propriamente as razões de apreciação da sua obra. E depois com os prémios lá fora e as críticas sempre muito boas, mais o facto de trabalhar sempre com bons actores, foi criando uma certa maturidade em Portugal. Mas a verdade é que a maioria das pessoas continuava a não ver os seus filmes e a falar deles de um modo depreciativo sem os ver.

São filmes muito teatrais, muito longos. Isso poderá ter afastado o público?
Primeiro que tudo trata-se de um cinema na maioria das vezes muito experimental, completamente fora do mainstream, anti-naturalista. É sempre muito difícil, porque as pessoas cada vez mais se interessam pelo cinema como divertimento, vão ao cinema como se aquilo estivesse mesmo a acontecer. Essa é uma das razões principais que afasta o público do cinema de Manoel de Oliveira. Mas também podemos dizer isso em relação à literatura ou à música.

Porquê o título “A morte não é prioritária”?
Esse título aparece logo quando comecei a trabalhar no livro, em 2017, quando me sentei a ver vários documentários sobre Manoel de Oliveira. No primeiro que vi, de Sérgio Andrade, uma das pessoas que estavam a ser entrevistadas falava da longevidade de Manoel de Oliveira e dizia que, em relação a ele, a morte não era prioritária. Eu achei que aquela frase se coadunava com o Manoel de Oliveira. Aí disse ao meu editor que já tínhamos título e ele achou extraordinário. De qualquer modo, tem muito a ver com ele.

Qual foi o primeiro filme que viu que o fez perceber que era fã do cinema de Oliveira?
Quando vi o primeiro filme do Manoel de Oliveira era muito jovem, tinha 23 anos, e foi “Os Canibais”, que tinha acabado de sair. Eu já gostava de cinema e, para um jovem de 23 anos, “Os Canibais” era uma obra extremamente nova, revolucionária. Aliás, várias pessoas escreveram na altura que parecia o filme de um jovem que estava a começar e não de um homem com 80 anos.

FOTO: Sofia Mota

O livro revela alguns segredos?
Há várias informações que surgem que nunca tinham vindo a lume, algumas porque as pessoas não sabiam, porque foram reveladas por pessoas particulares, e outras tinham a ver com uma certa formalidade ou um trato que o Manoel de Oliveira tinha tido com Paulo Branco (produtor), por exemplo, para não falar daquilo que os tinha levado a separar. Depois da morte, isso deixa de fazer sentido manter-se, então há coisas que se revelam. A biografia não pretende trazer coisas que ninguém saiba, embora apareçam, mas quer acima de tudo contar a história de um homem que é bastante singular, bem como a sua história de vida e obra. Não é só a obra de Manoel de Oliveira que está neste livro, mas a sua vida, que é tudo menos trivial.

A vida de Manoel de Oliveira acompanha a história do cinema português.
A história do cinema mundial, quase, porque o cinema tinha 13 anos quando ele nasceu. Ele começa a filmar no cinema mudo e termina a filmar com o digital.

Nestes dois anos de intenso trabalho quais foram os maiores desafios com que se deparou?
Uma das dificuldades prendia-se com a longevidade dele. O colocar em 500 páginas, que acabaram por ser mais, uma vida tão grande e extensa, fez-me planear o que ia deixar de fora. Não é possível colocar uma vida inteira dentro de um livro. Numa aproximação mais rigorosa teriam de ser seis mil páginas, no mínimo. A técnica que escolhi foi a mesma que os cineastas utilizam em relação aos romances. Pegam num romance de 500 páginas e escrevem um guião para um filme de hora e meia. Eu fiz um guião como se a vida do Manoel de Oliveira fosse um romance, e fazer esse guião sem perder a riqueza do romance foi o maior desafio.

Faltava contar a história de vida de um dos maiores cineastas portugueses?
Há muitas reflexões à volta de Manoel de Oliveira, muitos textos sobre ele em Portugal e no estrangeiro, sobretudo em países anglo-saxónicos. Mas acho que era importante haver uma biografia e sobretudo uma como a que fiz, em que o confronto da vida com a obra está todo lá. O Luís Manuel Cintra dizia-me que não era possível fazer a biografia dele sem ter um conhecimento profundo e sem ter visto todos os filmes dele. Foi esse o trabalho que fiz e julgo que fazia sentido.

Poderá voltar ao género da biografia?
A poesia está sempre presente. Não me parece que volte à biografia pois é um trabalho muito exigente e que só se faz por uma grande paixão.

Durante a elaboração desta biografia quais foram as fontes consultadas, que entrevistas fez?
Manoel de Oliveira deixou quatro filhos, que continuam vivos. Uma das filhas, a Adelaide, que secretariava o pai, disse-me que a família não tinha nada contra a biografia, mas que preferia não participar porque teria sido essa a vontade do pai quando era vivo. Por intermédio de outra pessoa, José Roque de Pinho, falei com Manuel Casimiro (filho de Manoel de Oliveira) que, a partir de 2005, era a pessoa responsável por terminar os filmes caso o pai morresse. Era preciso determinar isso nos contratos. (Manoel de Oliveira morreria dez anos depois, com 106 anos de idade). Foi uma preciosa ajuda nas questões dos anos mais antigos, não me falou da infância e da adolescência do pai, mas falou do pai com 40 ou 50 anos. Falei também com pessoas que trabalharam com Manoel de Oliveira, com muitos actores e algum pessoal da parte técnica.

23 Out 2019

Ana Paula Laborinho, directora em Portugal da OEI e ex-presidente do Instituto Camões: “Não fomos a reboque da China”

Com um largo currículo na área da língua portuguesa que passa por Macau, onde deu aulas, fez assessoria política e presidiu ao Instituto Português do Oriente, Ana Paula Laborinho é hoje directora da Organização de Estados Ibero-americanos, que trabalha em prol de uma maior união das línguas portuguesa e espanhola. A ex-presidente do Instituto Camões lamenta não ter feito mais no desenvolvimento da rede externa do organismo e afirma que Portugal é dos países que mais tem uma política para a língua

[dropcap]N[/dropcap]o último colóquio da Universidade Católica Portuguesa falou do projecto académico “Escrever Macau”. Em que consiste esta iniciativa?
Durante a minha estadia em Macau, em 1988 e 1989, iniciou-se um movimento para estudar a literatura de Macau, que tem de começar por interrogar o que é essa literatura. Não é uma questão fácil. Na altura era uma questão debatida com uma visão relativamente restrita, a de pensar que a literatura de Macau era aquela apenas feita por macaenses, os filhos da terra, mas rapidamente se percebeu que teríamos de ter uma visão muito mais alargada. Nesse sentido, sobretudo depois de ter regressado de Macau, em 2002, começamos um projecto na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) onde concluímos que escrever Macau nos alarga o horizonte, porque aqueles que escrevem sobre Macau são de Macau, mas fazem-no em várias línguas.

Ou seja, não há apenas um caminho.
Temos aqui uma visão mais alargada. Fizeram-se algumas reuniões académicas e publicamos, em 2010, um livro intitulado “Macau na Escrita, Escritas de Macau”. Há um interesse muito grande (sobre a literatura de Macau) que se tem estendido para fora de Portugal. Vou agora a Paris, à Universidade de Nanterre, participar num encontro em que “Escrever Macau” é um tema central. O projecto “Escrever Macau” deveria ser mais divulgado em Macau, mas muitas vezes estes projectos não têm os recursos suficientes para fazer essa promoção. Mas há muito trabalho que tem vindo a ser feito, com jovens investigadores que se têm debruçado sobre estas áreas. Vamos prosseguir nesta senda de definir o que é esta escrita de Macau, as suas várias fases, concluindo que hoje em dia nessa escrita convergem várias línguas, autores de várias proveniências, mas que continuam a ter Macau como objecto de escrita.

Houve uma maior mudança depois de 1999 no campo da produção literária?
O que me parece é que depois da transferência de soberania de Macau podemos ter uma outra visão do que é escrever Macau, porque até aí havia muito essa ideia (restrita) do que era a literatura macaense e da figura do macaense. Mas depois da transferência de soberania constata-se que essa figura é hoje muito mais alargada. O que é um macaense? É todo aquele que nasceu em Macau e escolheu Macau para viver e para morrer. O mais importante é essa identidade múltipla. Hoje temos de entender Macau de uma forma múltipla, muito transversal e é essa a sua riqueza. Tudo isso faz parte de um cadilho criativo que nós vemos que tem expressão na literatura, mas também noutros domínios. É essa criatividade que se gera por esse confronto de pessoas, por este diálogo entre culturas. Isso é Macau. E por isso escrever Macau é também tudo isso.

ANA PAULA LABORINHO

Surpreende-a que haja mais autores nascidos em Portugal a escrever sobre Macau?
Não temos ainda um levantamento de todos aqueles que escrevem sobre Macau noutras línguas, nomeadamente em chinês. Tanto quanto sei, começam a aparecer jovens escritores, temos o Yao Jingming, um grande poeta que escreve em português e em chinês e que integra grupos de escritores de Macau e tem uma visão que é bastante mais lata do que aquela que nós temos, e o que é muito interessante. Aliás, pensou-se em fazer uma colecção de autores que escrevem sobre Macau nas várias línguas, e também havia autores de língua chinesa, pois algumas questões sobre identidade são muito semelhantes. Os autores de língua portuguesa ou chinesa interrogam-se sobre isso, porque há muitas vezes ali uma identidade volátil. Essa volátil identidade, mas que é também uma escolha e uma vontade, está muito presente na literatura, quer se escreva numa língua, ou outra ou até em inglês.

É directora da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) em Portugal. Falou ainda de um estudo focado numa união entre o português e o espanhol. O que está a ser feito nesse sentido?
O interesse de Portugal nesta organização, que tem a sua representação no país há menos de dois anos, tem a ver com três grandes eixos. Um é estreitar os laços de participação, partilha de experiências e projectos conjuntos com os países ibero-americanos. Mas tem também uma outra, que é relevante, que é o podermos trabalhar com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A OEI foi a primeira organização internacional a ser aceite como observadora da CPLP e fazemos esse trabalho de ligação entre os países ibero-americanos e a CPLP. Depois, a terceira linha de trabalho tem a ver com a língua portuguesa, apesar da OEI sempre ter sido essencialmente uma organização de língua espanhola. O seu secretário-geral, Mariano Jabonero, propôs o primeiro programa ibero-americano para a difusão da língua portuguesa. A verdade é que neste momento estamos a trabalhar e a perceber que o português também ganha muito em se aliar, o que não significa perder a sua identidade. Ganhamos em trabalhar em conjunto duas línguas que são próximas e que tem origens comuns.

Como é que isso será feito?
Uma dessas áreas tem a ver com a produção científica em conjunto. Há estudos que nos mostram que as duas línguas em conjunto já constituem a terceira língua de ciência do mundo. Outra área é o digital, onde temos de apostar mais. É neste sentido que o Instituto Camões (IC) e Instituto Cervantes estão a produzir um estudo, no seguimento de outro que foi feito sobre o potencial económico da língua portuguesa que saiu em 2011, sobre o potencial das duas línguas em conjunto. O português tem 260 milhões de falantes, o espanhol tem 540 milhões, então temos uma comunidade de 800 milhões que se entende e que têm laços comuns. Isto é um valor e potencial que podemos explorar. O continente onde se vai falar mais português é África, e isso revela que vai haver um crescimento demográfico nos países de língua portuguesa assinalável. Isto faz com que a América Latina não seja o continente onde se fala mais português. Nas minhas novas funções o meu papel não é apenas o trabalho na área das línguas, mas na partilha de projectos de educação. Estamos a trabalhar nas competências para o século XXI com esses países e a CPLP. O projecto sobre indicadores de ciência está bastante avançado na América Latina, mas também podemos partilhar práticas com outros países. É toda esta dimensão que nos parece que vai ser essencial para projectarmos a nossa língua, o português.

O que gostava de ter feito mais na presidência do IC?
Passei por uma fase difícil, porque num primeiro momento recebemos a rede do ensino do português no estrangeiro, do nível inicial até ao ensino secundário, que estava no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Essa rede era muito maior do que a dimensão do IC que, até 2010, só tinha o ensino do português no ensino superior. Foi necessário reorganizar a instituição em função dessa rede, criar novos desafios e qualificar esse ensino que se destinava essencialmente às comunidades portuguesas, mas também qualificá-lo para que ele se tornasse um ensino de matriz internacional. Esse foi o grande desafio. Em 2012 tive outro, que foi a fusão com a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, e por isso passámos a ter uma grande dimensão que naturalmente foi preciso estruturar. Nesse sentido, há muita coisa que fica por fazer. Julgo que aquilo que gostaria de ter feito e talvez não tenha feito tanto foi reestruturar a rede externa.

Em que sentido?
O IC não tem as escolas portuguesas, mas tem uma rede muito grande de professores e centros culturais de língua portuguesa e tem-se aumentado o número de presenças em países. Estávamos em 84 países em termos de acção mas é preciso reestruturar e consolidar essa rede. Depois de consolidar a estrutura interna, poderia ter também dedicado mais tempo à estrutura da rede externa, que é fundamental. Também tive a sorte de apanhar um momento em que a concepção do desenvolvimento estava em mudança com a Agenda 2030.

O que é que isso trouxe de diferente?
Algumas dimensões que não eram consideradas passaram a ser, como, por exemplo, a cultura como elemento fundamental para o desenvolvimento. O que tenho de concluir é que aprendi muito, foi uma experiência que me marcou bastante. O IC é uma instituição que tem um trabalho extraordinário. Fico muito contente por ele ser prosseguido pelo meu sucessor e por continuar nesta aposta de levar mais português e participar mais em projectos de desenvolvimento e em parcerias estratégicas, como aquelas que temos com a União Europeia na área do desenvolvimento.

Agrada-lhe a actual estratégia governamental de internacionalização da língua portuguesa?
Claro, essa foi a estratégia que orienta a casa em termos gerais. Há uma grande aposta do actual Governo nessa área, quer na internacionalização quer numa oferta qualificada para as comunidades portuguesas, para que tenham a noção de que a sua língua é internacional. Tem sido feito muito trabalho e há um investimento muito grande do actual Governo nesta área, no sentido de ser uma política que está no topo das preocupações e com grande apoio a todos os níveis, desde o primeiro-ministro ao ministro dos Negócios Estrangeiros, mas também outras áreas do Governo como a educação, cultura ou economia. Neste domínio da economia é relevante a questão da internacionalização da língua como bem percebemos pelo inglês. Daí que haja uma perspectiva que este tema é transversal.

Não acha que a vontade da China de expandir o português não levou a uma maior estratégia por parte de Portugal na internacionalização da língua? Foi o motor de arranque?
Não me parece. Acho que Portugal é dos países que mais tem uma política para a língua, ao contrário do que muitas vezes se diz, e tem-na de uma forma consistente. O Brasil não tem nenhuma instituição para a promoção da língua, diz-se que vai ser criado agora um instituto para esse fim. Desse ponto de vista, Portugal tem uma longa tradição e o IC é um dos grandes institutos europeus, ao lado do Goethe, Cervantes, entre outros. Não tenho nada a ideia de que tenhamos ido a reboque da China. Esta complementaridade é muito útil, relevante e reforça a nossa posição de divulgação da língua, torna-se muito mais atractiva, mas tenho a dizer que as autoridades portuguesas fazem muito pela língua. Quer o projecto da Escola Portuguesa de Macau e escolas portuguesas no mundo, ou o IPOR em Macau, são esforços para um país que tem 10 milhões de habitantes. Temos de ter noção da nossa dimensão e ver que, fazemos muitíssimo pela língua. Há um aspecto que ajuda muito que é a estratégia e o valor que se tem desenvolvido com a presença de portugueses em altos lugares de organizações internacionais. Essa é uma estratégia de Portugal mas claro que tem muito a ver com o valor das pessoas, tal como ter António Guterres na ONU.

O IPOR celebrou 30 anos de existência recentemente. Está contente com o trabalho realizado?
Muito contente. Houve momentos, no período da transição de Macau, em que não se sabia se valia a pena, mas ainda bem que se continua a apostar. Penso que o IPOR tem feito um trabalho muito importante e é uma referência importante em Macau. Só tenho de saudar todos os que estiveram na origem da ideia e todos os que contribuíram para a construir.

11 Out 2019

Fernando Rosas, historiador: “O mundo está muito perigoso”

Professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa na área da história contemporânea e dirigente político, Fernando Rosas assume continuar a admirar Mao Tse-Tung pela mão de ferro com que liderou uma revolução e um país. Contudo, 70 anos depois do estabelecimento da República Popular da China, o académico aponta as falhas de um sistema onde diz existir um “capitalismo desenfreado”. Sobre Hong Kong, Fernando Rosas assegura que as tropas chinesas vão invadir o território mais cedo ou mais tarde, caso continuem os protestos

 

Que China temos hoje, 70 anos depois da implantação da República Popular?

[dropcap]A[/dropcap] história da China contemporânea acompanha de uma forma muito singular a cronologia do século XX. A primeira metade do século XX é, na China, um período de longa guerra civil, desde a implementação da República em 1911, os movimentos nacionalistas de 1919, a seguir à guerra, contra o Tratado de Versailles. É a guerra civil, primeiro contra os senhores da guerra, depois entre o Kuomitang e o exército popular do Partido Comunista Chinês (PCC), e depois contra os japoneses. Derrotados os japoneses em 1945 estende-se o período final de guerra civil até 1949, que leva à tomada de poder pelo PCC e à proclamação da República Popular da China (RPC).

E aí inicia-se um novo capítulo da história.

A segunda metade do século XX é uma metade também muito conturbada de experiências várias de realização do socialismo. De 1949 até ao início dos anos 60, seguindo o modelo soviético adaptando-o à China, e depois, sob o impulso de Mao Tse-tung surge a reacção ao modelo soviético, com o diferendo sino-soviético e, mais do que isso, o ataque à reprodução desse modelo na China, com a Revolução Cultural. Esta foi uma tentativa de evitar a reprodução dos aspectos mais controversos do modelo soviético, e desaguou no grande caos da guerra civil que foi a Revolução Cultural e que levou na parte final à derrota política dos seus dirigentes, o Bando dos Quatro.

Depois da Revolução Cultural, a China entra num novo período.

(O fim da Revolução Cultural) levou a uma situação inteiramente nova do ponto de vista histórico. Ao contrário da URSS, onde houve uma implosão do regime e uma restauração quase brutal e mafiosa do capitalismo sem regras, e que ainda hoje marca muito a vida política, económica e social da Federação Russa, na China, como que se antecipando a esse tipo de efeito, o PCC retoma o controlo da situação após a Revolução Cultural, reacende esse velho camaleão da política chinesa que é Deng Xiaoping, que reaparece novamente depois do período de desgraça da Revolução Cultural, e inicia uma experiência que não tinha paralelo, que era uma restauração do capitalismo dirigida pelo próprio PCC, onde o Estado mantém firmemente as rédeas do poder de partido único, sem concessões. Veja-se aliás Tiananmen e a repressão… foi a última oportunidade de mudar alguma coisa. Simultaneamente, sob a direcção do PCC e do Estado, dá-se uma restauração do capitalismo em força.

Que dura até aos dias de hoje.

A China é uma potência riquíssima. Transformou-se a China, que é uma espécie de ditadura de partido único com capitalismo sob a tutela do Estado, e fez-se dela novamente uma grande potência. Esta estratégia deu origem a um crescimento económico espantoso, sobretudo no período inicial em que se partia de baixo, e regista-se agora um abrandamento, claro. Mas o actual regime reúne os dois piores aspectos dos dois regimes que conjuga.

Em que sentido?

A repressão do partido único e o monolitismo das ditaduras de modelo soviético e, até certo ponto, a selvajaria de um capitalismo com poucas regras onde não há liberdade sindical. Isso deu origem na China a uma coisa pouco tratada no Ocidente que é uma forte contestação social contra a expropriação de terras e brutais horários de trabalho.

Houve alguns protestos, aliás.

Vários, alguns de grande dimensão, mas que não chegam cá e porque os países capitalistas do Ocidente estão muito interessados em fazer negócio com a China, que se tornou num gigantesco mercado e uma potência económica mundial que ultrapassou em termos económicos os EUA. Do ponto de vista económico a China está no primeiro lugar, do ponto de vista militar não, e digamos que isso cria uma zona de grande instabilidade mundial. O mundo está muito perigoso.

Essa hegemonia militar pode acontecer dentro de alguns anos?

Claro. Repare: a China já está em primeiro nas tecnologias informáticas. O armamento do futuro é isso, a computação, a inteligência artificial. Eles estão muito avançados e é uma questão de tempo. Tanto mais que, para manter um arsenal militar de ponta, como tem os EUA neste momento, é preciso ter uma capacidade financeira que, neste momento, só os EUA e a China têm. Só que a China está a crescer, e é um desafiador importantíssimo do ponto de vista da partilha mundial de influência, mas o império americano tende a baixar. O novo império chinês volta a ser o centro do mundo, como na antiguidade, com o Império do Meio. Mas isso cria uma grande instabilidade.

A que nível?

Desde logo com a guerra comercial, que está aí e não está para acabar. A rivalidade dos EUA com o Japão começou com uma guerra comercial. Quem se candidata hoje a controlar o que antes se chamava o quadrante da prosperidade, que era aquele litoral asiático não é o Japão, mas a China. E a China não é só nessa área, mas também em África e na América Latina. É curioso porque a China, com esta estratégia de restauração do capitalismo sob a direcção do Estado e do partido, fez crescer muito a economia que tem necessidades brutais de matérias-primas e de alimentos. A China faz uma política em África…no tempo da minha juventude, com o Zhou Enlai (ex-primeiro-ministro) a passear em África e a concorrer com os soviéticos e os americanos por uma maior influência em África, a China oferecia aos países africanos a perspectiva da independência e da revolução nacional.

Mas essa influência faz-se hoje de forma diferente.

A China hoje leva edifícios e caminhos de ferro, e estabelece parcerias para sacar a madeira, a soja, o milho, o trigo, tudo o que são matérias-primas e bens alimentares. A China está novamente em força em África, mas desta vez não é para fazer a revolução, é para extrair tudo o que puder de África para sustentar o crescimento. O abandono da agricultura na China levou também a problemas na produção agrícola. A fuga dos campos para as cidades dificultou também essa modernização da agricultura, e é necessário importar, seja da América Latina ou de África. Oferecem-se serviços em troca disso. Este modelo chinês tem, de facto, o pior dos dois lados, mas essa é outra parte da história. Um dia este modelo vai ter problemas sociais e políticos sérios.

Partindo deste ponto de vista, Xi Jinping defendeu a ideologia “socialismo com características chinesas”. Podemos estar perante um novo modelo?

Acho que sim. Aliás, acho que esse modelo de um socialismo com características chinesas é o nome que Deng Xiaoping pôs ao comunismo chinês, praticamente desde a viragem (do país). É a direcção do Estado que se mantém ferreamente nas mãos do PCC e num sector importante da economia. Mas permite-se, sob a direcção do partido, o relativamente livre desenvolvimento das relações capitalistas. Enriquecer é uma coisa boa, como diria Deng Xiaoping. Acontece que isso deu origem a uma grande corrupção na China.

Que tem vindo a ser travada.

Esta direcção do actual presidente tenta combater a corrupção através de uma aparência de regresso a certos princípios do período do maoísmo, com o reforço da direcção política do partido sob o Estado, o combate à corrupção, o regresso a certas normas de vida política muito características da China maoista, como viver com simplicidade, ter pensamentos elevados. Há algumas coisas que são trazidas a título de reforçar o partido e o Estado. Mas acho que há um endurecimento da situação política sem mudança de modelo.

É uma falha não haver reformas políticas?

O partido manda no Estado, não há pluralismo partidário, qualquer movimento da oposição é severamente reprimido. Esse é o modelo chinês, é a continuação da ditadura política associada a velhas normas do capitalismo e do capitalismo mais desenfreado, porque não conta com um movimento sindical capaz de o moderar e de lhe fazer frente. É um modelo pelo qual tenho muito pouca simpatia e que se aguenta pela repressão. E qualquer dia os tanques entram em Hong Kong, acho que já faltou mais.

E se isso acontecer não é uma violação da Lei Básica e da Declaração Conjunta? Na prática, o que pode acontecer?

Claro que é. Mas se aquilo estiver mesmo em risco, e se em Hong Kong houver ou crescer um risco de separação da RPC não tenho dúvidas que eles entram, e entram como em Tiannamen. Não se iluda, a reacção do mundo ocidental vai ser retórica, ninguém se vai meter numa guerra com a China por causa de Hong Kong. Se há coisa que o povo de Hong Kong pode ter certeza é que no caso de um esmagamento da autonomia do território ninguém vai querer arriscar os negócios com a China por causa disso. Vai haver barulho durante um tempo, mas não mais do que isso. Quando a China chegar à conclusão que aquilo não acaba com o tempo, mas que tende a crescer e a pôr em risco a ligação com a China, eles intervêm. É certo que isso lhes custa algum desprestígio internacional, mas ninguém vai querer perder os negócios fabulosos por causa disso.

E o que resta, depois disso, do conceito ‘Um País, Dois Sistemas’? E pergunto-lhe isso também pensando no caso de Macau.

Em Macau, apesar dos acontecimentos de 1966 (o 1,2,3), não há uma tradição democrática e de luta como há em Hong Kong, que é uma cidade muito particular, com uma vida económica e política muitíssimo dinâmica. Acho que em Macau não tem tido razões para muita inquietação.

Mas se o exército entra em Hong Kong, o conceito ‘Um País, Dois Sistemas’ deixa de ter validade prática. Abre-se um precedente.

Sim, abre-se obviamente um precedente, sem dúvidas. Mas repare: por isso é que eles ainda não entraram, porque sabem que isso cria uma situação política muito delicada. Mas eles não vão consentir o risco de separação de Hong Kong da China. Separação no sentido de dizer: “aqui é uma democracia”. Isso seria um precedente para a própria China, uma contaminação. Se eles permitem que a democracia viva com relativa autonomia em Hong Kong, e depois Cantão? E depois, e depois…

Taiwan, também pode ter aí efeito.

Como vão permitir isso? Não vão permitir. Acho que a China está a ver se aquilo acalma. É como a praça de Tiannamen, quantas semanas esperaram? Quando viram que os protestos começavam a afectar o próprio comité central do PCC, meteram os tanques. Hong Kong está a lutar pela sua autonomia, e muito bem. Mas é uma ilusão os manifestantes andarem a passear-se com as bandeiras dos EUA e de Israel. Estão convencidos que os EUA são uma democracia (risos), acham que o Trump é um aliado deles, e, pior ainda, os israelitas. Em Israel é que não há mesmo democracia nenhuma, é uma espécie de apartheid. Há uma democracia, mas apenas para os israelitas.

Xi Jinping é um novo Mao, como muitos analistas afirmam?

Acho que não tem nada a ver. Ele pode tentar recuperar a grande popularidade que o Mao teve na China, como ícone, com o culto da personalidade, mas isso tem muito a ver com a cultura chinesa e com sociedades muito ligadas ao campesinato. Na ausência de saber ler e escrever, a recorrência à imagem, à pintura e aos ícones era muito usada na luta política. Mas de maoismo isto não tem nada. O maoismo era a igualdade, o trabalho no campo, e existia um certo fechamento face ao mundo. A China hoje é um império dirigido pelo PCC, uma grande potência imperial à conquista do lugar de potência mundial. Na sua periferia não vai permitir conversas, e em relação a Taiwan vamos ver o tempo que aquilo dura.

O Presidente chinês defendeu a aplicação do conceito de ‘Um País, Dois Sistemas’ incluindo Taiwan. O que poderá sair daqui?

Repare: na realidade aquilo é território chinês, é algo mantido durante a Guerra Fria…

Com cada vez menos parceiros internacionais.

Claro. Sobre a Formosa sempre pensei que é uma questão de tempo a integração na China. E esse conceito aplicado a Taiwan é uma forma de facilitar a coisa. Isso vai depender do poder da China como poder imperial e da capacidade de os EUA poderem ir para a guerra por causa de Taiwan. Houve tempos em que iria.

Justifica-se, nos dias de hoje?

Pois, exactamente (risos). Esse é que é o problema, assim como não vai para a guerra por causa de Hong Kong. O conceito de ‘Um País, Dois Sistemas’ é uma maneira de facilitar a integração durante um tempo. Em Hong Kong existe uma sociedade com uma democracia enraizada e um regime liberal, mas a Formosa, durante muito tempo, foi uma ditadura. A ideia é integrar tudo aquilo de acordo com os prazos (2047 para Hong Kong, 2049 para Macau). Se Hong Kong se bater pela autonomia, quem é que os vai apoiar? Eles não podem contar muito com a comunidade internacional, pois os negócios com a China são arrebatadores.

Apesar do posicionamento da União Europeia contra a actuação policial e do Governo.

Vão chorar rios de lágrimas de crocodilo, mas não fazem nada. Acho mesmo que os democratas de Hong Kong, o movimento da juventude, deviam forçar o melhor tipo de situação interna. Mas deviam evitar romper a corda, porque se rompem a corda, (os chineses) entram por ali dentro e acabou. A melhor via era tentar manter o que têm e alargar a autonomia e capacidade de iniciativa. Numa situação de ruptura não têm solidariedade internacional.

No que diz respeito às regiões administrativas especiais, o modelo tem funcionado bem, para ambos os lados?

No que toca a Macau tem funcionado bem no sentido em que Portugal desaparece cada vez mais de Macau. Para os chineses tem funcionado muito bem, mas aquilo era uma espécie de colónia. A presença portuguesa em Macau não pode ter pretensões…quer dizer, a pretensão que Portugal pode querer para Macau é manter uma presença cultural e alguma presença económica. Os chineses não precisam de Macau…Hong Kong ainda tem a bolsa de valores. Mas Macau não tem um peso económico determinante para a China.

O território funciona como plataforma de comércio.

Claro, e isso tem interesse, e a China pode usar Macau como essa plataforma. Mas os interesses que Portugal pode ter é manter uma presença cultural e uma porta aberta para a China. Macau vai progressivamente integrar-se na China e não estou a ver que haja possibilidade de ser de outra maneira.

No que diz respeito à protecção dos direitos, liberdades e garantias da população, e aos portadores de passaporte português, há margem para Portugal intervir?

Portugal, à luz da Declaração Conjunta, deve intervir para a defesa desses direitos sempre que houver razões de queixa. Mas essa deve ser uma tarefa sobretudo dos habitantes de Macau, pois aquilo é território da China. Em Hong Kong não são os ingleses que protegem os seus habitantes, são eles próprios que se protegem e muito bem.

Mas muitas personalidades, tal como Chris Patten, o último governador, têm falado sobre o que se passa.

Os ingleses dizem umas coisas, mas também não estão interessados em prejudicar as relações com a China. No que diz respeito ao processo de integração, se as coisas correrem bem, a China não tem pressa nisso, porque podem ser portas de comércio e porque falta a Formosa. Eles querem poder estender essa estratégia a Taiwan para, finalmente, unificar todo o território da China. Isso tem cada vez menos a ver com portugueses e ingleses. Portugal deve, moral e politicamente, ajudar, isso sem dúvida nenhuma, se no caso de Macau essa questão se colocar.

Voltemos ao maoismo. Esteve ligado à fundação do partido PCTP-MRPP, fortemente influenciado depois da passagem de Arnaldo Matos por Macau. O que recorda desses tempos e da influência de Macau?

O partido foi fundado em 1970, ainda na clandestinidade. Na altura ainda havia a Revolução Cultural, o Arnaldo Matos tinha feito o serviço militar em Macau e tinha trazido muitas daquelas ideias e da literatura da Revolução Cultural para cá. Desde o início que se distinguiu o PCTP-MRPP clandestino de outros partidos anti-fascistas da altura, através da sua característica maoista muito marcada pela sua Revolução Cultural. Mesmo na clandestinidade, o PCTP-MRPP foi o único partido maoista que existiu em Portugal. Tive sempre muito contacto com os textos do Mao Tse-tung, a literatura chinesa e aquelas coisas que vinham de França, das livrarias, na época da ditadura.

Como entravam no país?

Vinham escondidas nos carros e entravam em Portugal. Circulavam, sobretudo no meio dos estudantes. O Mao Tse-tung é uma figura histórica pela qual eu continuo a ter um enorme respeito. Um homem que dirige vitoriosamente uma revolução desde os anos 20 até 1945 e toma o poder, na China, não é um homem qualquer do ponto de vista da história política.

Apesar dos milhões de mortos, da fome.

A revolução chinesa vai de 1911 até 1949. A segunda metade do século é a tentativa de encontrar um caminho. Na busca desse caminho houve erros, catástrofes, crimes, e o que é um facto é que isso terminou nesta China dirigida pelo PCC que é uma coisa original. O Mao Tse-tung teve um papel nisso tudo. Ele teve algum mérito em tentar combater o modelo soviético em nome de um outro, mas o outro acabou no caos, nos abusos, nas fomes. Diria que Mao Tse-tung foi um dirigente histórico da revolução chinesa que continua a ser uma personagem central na história da moderna China, mas como governante…

Não tinha muito jeito para a economia.

Exactamente. Primeiro tentaram impor o modelo soviético, com a indústria pesada, e as pessoas tinham fome. Não havia bens de consumo. Mao Tse-tung tentou rectificar com o Grande Salto em Frente, onde não havia grandes siderurgias e toda a gente tinha um forno na aldeia. Um desastre. A busca dele era de um socialismo de base, um ideal que não repetisse os erros tremendos da URSS. Mas depois degenerou na grande tragédia que foi a Revolução Cultural. E dali o que saiu, foi que se acabou a loucura e decidiu-se que o PCC iria dirigir o caminho e o capitalismo. E acabou por sair um monstro que junta as piores coisas dos dois mundos, pois do capitalismo poderia ter surgido a liberdade sindical, o pluralismo político. Mas não.

O que resta hoje do maoismo? É apenas uma memória?

Não. O maoismo não existe como corrente política, foi uma experiência histórica que entusiasmou muitos movimentos. A partir do Maio de 1968, no Ocidente, a ideia era que podia haver um socialismo plurificado, bom, que vinha da recusa do modelo pós-estalinista da URSS, com um modelo baseado no movimento das massas, da iniciativa popular, na recusa das oligarquias e desigualdades, e buscou-se no maoismo essa inspiração. Mas o mundo mudou, hoje há outras prioridades, outras esperanças.

9 Out 2019

Ana Soares, candidata pelo PS pelo Círculo Fora da Europa: “Comunidade lusa tem sido respeitada”

A advogada Ana Soares, residente em Macau, integra a lista encabeçada por Augusto Santos Silva pelo Partido Socialista para as eleições legislativas pelo Círculo Fora da Europa. Ana Soares diz que o novo pólo da Escola Portuguesa de Macau vai ajudar a dinamizar o projecto educativo em causa e recorda que é necessário um estreito acompanhamento por parte das autoridades portuguesas do que se passa em Macau dentro do quadro da Lei Básica

 

[dropcap]A[/dropcap]ssume que o programa político do Partido Socialista (PS) para as eleições legislativas para a Assembleia da República (AR) portuguesa, que decorrem este domingo, não versa sobre questões específicas relacionadas com a Escola Portuguesa de Macau (EPM) ou sobre assuntos relacionados com a classe jurídica de Macau ou o Direito local.

Ainda assim, Ana Soares, advogada que integra a lista pelo Círculo Fora da Europa liderada por Augusto Santos Silva, que tem desempenhado as funções de ministro dos Negócios Estrangeiros, defende, em entrevista ao HM, que a expansão da EPM nos novos aterros “representará a criação de mais e melhores condições de expansão do projecto educativo da EPM e a consolidação da língua portuguesa como língua oficial da RAEM”.

Questionada sobre a necessidade de se prestar mais atenção sobre a manutenção do Direito de Macau ou a celebração de acordos entre Macau e Portugal, tal como o acordo de extradição de infractores em fuga, Ana Soares assegurou que, mesmo sem especificidades no programa eleitoral, há um papel a desempenhar pelos deputados.

“A AR e, em especial, os deputados eleitos pela emigração terão, no âmbito da sua função de fiscalização das leis e dos tratados, na execução daqueles acordos e de outros acordos internacionais que venham a ser celebrados, o poder de sindicar o cumprimento escrupuloso da Constituição e dos princípios de Direito Penal vigentes em Portugal, pois tais acordos só podem ser aplicados no estreito cumprimento dos princípios do Direito Penal e da Constituição portuguesa.”

Apesar de ser um território que sempre conheceu uma elevada abstenção, Macau pode registar “uma melhoria qualitativa assinalável nestas eleições” ao nível da “intervenção cívica, do sentido de pertença e da participação na vida política dos emigrantes portugueses nos quatro cantos do mundo”.

Ana Soares recorda a importância do recenseamento automático para todos os portadores do cartão de cidadão. Tal fez com que o universo de eleitores na Europa e fora dela passasse dos 300 mil para 1 milhão e 400 mil.

Consulados reforçados

Apesar de se manterem as filas no consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Ana Soares assegura que um dos objectivos do PS é continuar a reforçar essa rede consular.

Do programa eleitoral, a candidata destaca a intenção de “reestruturação global da rede consular e serviços consulares e a implementação de um novo modelo de gestão consular para a melhoria do tempo de resposta dos utentes”. São também objectivos “o apoio ao movimento associativo e de preservação do património cultural da diáspora, a renovação e modernização das redes do ensino português no estrangeiro e ainda o programa Regressar, de apoio a todos os emigrantes que pretendam de novo residir e fixar-se em Portugal”.

Face à presença da língua portuguesa em Macau, Ana Soares lembrou que “o uso do idioma não passa exclusivamente pela EPM, mas também pelo ensino do português como língua curricular nos vários graus de ensino da RAEM”, sem esquecer as instituições do ensino superior e o Instituto Português do Oriente (IPOR).

Lembrando o projecto de expansão do IPOR para Pequim, além de outras apostas nesta área que acontecem na China, Ana Soares aponta que a língua portuguesa continua a ser bastante procurada em alguns sectores económicos de Macau.

“Outra vertente é o ensino do português direccionado para sectores específicos de actividade, sendo grande a procura, por entidades públicas e privadas da RAEM, desses cursos para fins específicos na área da linguagem em áreas como economia, saúde ou direito.” A candidata pelo PS recorda ainda que “para os alunos de português como língua estrangeira é de importância crucial a possibilidade de poderem aceder à certificação internacional”.

Neste sentido, a estratégia do PS para o Círculo Fora da Europa, e especificamente para Macau, é dar “apoio a este contexto diversificado do ensino do português na RAEM e na RPC, conjugado com incentivos à produção e intercâmbio cultural com agentes locais e na preservação do património cultural da diáspora portuguesa”.

Olhar Macau

No ano em que se celebra o 20.º aniversário de transferência de soberania de Macau para a China, Ana Soares frisa que “a comunidade portuguesa em Macau tem sido em geral respeitada e considerada uma mais valia pelo Governo da RAEM, até porque é uma comunidade que pela sua formação seria uma mais valia em qualquer país ou região”.

Ainda assim, “não quer isto dizer que no dia a dia não existam situações que não conseguimos explicar à luz das declarações públicas, nomeadamente do Chefe do Executivo, sobre o grande contributo que tem sido dado à RAEM pela comunidade portuguesa nos últimos 20 anos”. Perante estes casos específicos, “a intervenção do Governo português tem de ser feita pelos canais próprios, manifestando às autoridades da RAEM os pontos de preocupação e concertando as soluções de correcção necessárias na defesa dos interesses da comunidade portuguesa em Macau”, frisou.

Para que se efectue essa monitorização, à luz do cumprimento da política ‘Um País, Dois Sistemas’, deve ser estabelecida também uma “estreita ligação com as associações de matriz portuguesas que trabalham no terreno, para que a Declaração Conjunta e a Lei Básica de Macau sejam escrupulosamente cumpridas, e os direitos dos portugueses e lusodescendentes e o seu específico modo de vida preservados. Esse é o compromisso solene expresso pelo cabeça de lista do PS pelo Círculo Fora da Europa”, rematou.

Esta semana, Ana Soares reuniu com a Associação dos Jovens Macaenses e Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), com o objectivo de “recolher sugestões e ouvir as suas preocupações e assim estabelecer pontes com o Governo Português”.

3 Out 2019

Mendo Castro Henriques, líder do Nós! Cidadãos: “Somos um movimento de movimentos cívicos”

Não fosse a revisão da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa, que proibiu deputados do hemiciclo de participarem em outros actos eleitorais, José Pereira Coutinho seria novamente candidato às eleições legislativas em Portugal pelo partido Nós! Cidadãos, pelo Círculo Fora da Europa. Mendo Castro Henriques, líder do partido e professor de filosofia política na Universidade Católica Portuguesa, defende o estabelecimento de uma cidadania lusófona

 

O Nós! Cidadãos escolheu, para estas eleições, o nome de Renato Manuel Epifânio para encabeçar a lista pelo Círculo Fora da Europa. Porquê esta escolha?

 

[dropcap]O[/dropcap] Nós! Cidadãos é a força política que em Portugal vai conseguir que a sociedade civil faça parte da representação dos portugueses. E assim muitos dos nossos candidatos e membros da comissão de honra são pessoas que não são políticos profissionais, mas que têm reconhecido mérito nas suas áreas é o caso de Henrique Neto ou José Roquette, entre outros. Recebemos apoios de muitas personalidades que sabem que os destinos de Portugal têm de passar pela sociedade civil. Em todos os círculos eleitorais procurámos ir buscar pessoas que tenham esse estatuto.

Especificamente porquê a escolha de Renato Manuel Epifanio?

Ele tem imensa experiência porque não é um político profissional e, portanto, não tem os seus vícios. É muito conhecido no mundo lusófono porque é presidente do Movimento Internacional Lusófono (MIL), que em cada país é dirigido de forma autónoma. Já esteve mais do que uma vez em Macau e tem um programa de promoção da língua portuguesa e dos laços de afecto e de interesses, no sentido de ter como grande objectivo o estabelecimento de uma cidadania lusófona a prazo.

Em 2015 José Pereira Coutinho foi candidato por este círculo. Desta vez poderia ter ido buscar outro nome à comunidade macaense, mas não o fez. A estratégia mudou?

O que acontece é que a RAEM mudou o estatuto dos seus deputados e como sabe o facto de Pereira Coutinho ser deputado à Assembleia Legislativa impede-o de ser candidato a qualquer outro cargo parlamentar, nomeadamente em Portugal. E foi essa a impossibilidade. Mantemos as melhores relações com o nosso amigo José Pereira Coutinho, mas foi a República Popular da China, ou melhor, o Governo da RAEM, que o impediu de se candidatar.

Então Pereira Coutinho seria novamente candidato se não fosse a revisão da lei.

Com certeza que sim.

Que balanço faz dessa participação de José Pereira Coutinho? Chamou a atenção para um partido que, na altura, tinha acabado de se formar?

Com certeza. Boa parte da vida política convencional faz-se de imagem e neste caso à imagem juntou-se a enorme substância e coragem política de José Pereira Coutinho. Ele foi um elemento muito importante para promover a nossa imagem, tanto assim que impugnámos as eleições de 2015 devido a irregularidades que se cometeram por entidades portuguesas no envio de boletins de voto para a RAEM, prejudicando claramente (o acto eleitoral). Ele seria um vencedor se não tivessem existido essas irregularidades. Estamos muito gratos e continuamos com os melhores contactos, mas a lei eleitoral impede-o de ser candidato.

Lamenta que isso tenha acontecido? Em plena campanha o presidente do hemiciclo disse tratar-se de uma questão diplomática, várias vozes apontaram para a existência de uma incompatibilidade. Na sua opinião, nunca se colocou essa questão.

Não, e aquilo que fez a RAEM é contra a tendência global, e contra a própria tendência de Macau, que é afirmar a sua natureza dual de ser uma parte da China, mas ser uma parte da cultura lusófona no Oriente. Portanto, os macaenses entendem muito bem que só tem a ganhar nessa sua pertença lusófona. Há aqui uma disparidade entre aquilo que o Governo da RAEM pensa e o que pensa a sua população que quer ter horizontes cosmopolitas e globais.

Na altura houve queixas de que Pereira Coutinho teria promovido o recenseamento junto da ATFPM dizendo que era obrigatório. O que tem a dizer sobre isso?

Houve um momento em que outros partidos receavam mesmo perder e é natural que recorram a elementos infundados. Aliás, como curiosidade, chegou a ser anunciada, no domingo das eleições, a vitória do candidato do Nós! Cidadãos. Sabe bem que há determinadas forças políticas que em situação de desespero lançam mão a tudo. Mas neste momento temos um programa político que pretende chamar a sociedade civil e mesmo em Macau ele terá ecos porque temos um conjunto de medidas inovadoras.

Sobre o eleitorado de Macau, é específico porque há muitos portadores do passaporte português que não dominam a língua e que estão até alheados do sistema político. Como é que se pode chamar mais esses eleitores para as eleições em Portugal?

Sim, muito bom, temos explicações feitas pela doutora Rita Santos de como se deve votar e vamos continuar a usar essas ferramentas.

Faz falta uma representatividade de luso-descendentes no parlamento português?

Claro que faz. O que choca é que neste momento o número de recenseados fora da Europa subiu para cerca de um milhão e 200 mil pessoas fora do território de Portugal continental e continuam a ser representados por apenas dois deputados. Continuamos a ver pouco esforço a chamar as comunidades a votar e naturalmente que a abstenção é muito alta. Achamos que o número de deputados poderia ser maior e acompanhado de um grande esforço de cativar os luso-descendentes, que não é feito por este Governo. Os Governos, não apenas este, mas os Governos do PS e PSD tratam o Círculo Fora da Europa como uma coutada política, e como apanharam um grande choque em 2015 com a possibilidade de haver uma força independente, a coutada está ainda mais fechada.

Foi a grande surpresa das últimas legislativas.

Do ponto de vista de Macau não tenho dúvidas, mas o Nós! Cidadãos já fez entretanto caminho. Elegemos muitos autarcas e um presidente da câmara. O Bloco de Esquerda é uma grande força política em Portugal, mas não tem nenhum presidente da câmara. O Nós! Cidadãos é uma força pequena, mas tem. Nós somos um movimento de movimentos cívicos.

Voltamos ao vosso programa. Defendem um futuro sistema de voto electrónico, tem sido debatido por vários governos e há muito que se adia essa questão. Para o Nós! Cidadãos como é que este sistema deveria ser implementado?

Vivemos no século XXI, da era digital e da informação. Quando se chega aos sistemas eleitorais vemos que há ainda um problema com a utilização do voto electrónico porque põe-se a questão de quem é que guarda os guardas, quem fiscaliza? Mesmo os EUA, com óptimos sistemas digitais, não adoptaram o sistema de voto electrónico. O que pomos no nosso programa é que tem de se ponderar, não oferecemos já uma solução. O que dizemos é que vai ser inevitável no futuro, e temos connosco alguns dos nomes da inteligência artificial e da robótica em Portugal que consideram as várias tecnologias existentes, nomeadamente a chamada tecnologia block chain, que permite as moedas virtuais. Digamos que é um sistema de validação mútua em que todos se fiscalizam a todos. Mas de acordo com os nossos especialistas não chega, esse sistema ainda pode ser viciado. Eles estão a trabalhar em conjugação com os computadores quânticos, uma área que está a crescer muito depressa, mas não tanto. No futuro podem haver sistemas de alta fiscalização mútua, e achamos que pode ser o futuro do voto electrónico. Mas essa é apenas uma das medidas para contrariar a abstenção.

Que outras apresentam?

Queremos considerar a votação em dois dias, sábado e domingo.

Isso não iria aumentar o orçamento?

Sim, de uma forma relativa. Tudo tem uma relação de custo-benefício, talvez mais seis ou sete milhões de euros, mas esse montante para chamar mais 10 ou 15 por cento da população para a decisão democrática seria um benefício extraordinário face a um custo muito pequeno.

Propõem o reforço da CPLP e um reconhecimento do estatuto de cidadania lusófona. Como se iria processar na prática?

Esse é o horizonte. As nossas ideias têm a ver com ideias de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, e agora com o MIL e outras forças de Brasil, Angola e Macau achamos que vivemos num mundo em que as pessoas devem ter mais do que uma cidadania. Têm a cidadania nacional e devem ter um conjunto de direitos e deveres nos outros espaços onde vivem. Sabemos que há países como Cabo Verde que são muito a favor disso, há outros países lusófonos que ainda têm de fazer melhorias no seu estatuto para se chegar a uma cidadania comum. Na prática seria difícil implementar, mas achamos que não se deve desistir do objectivo, pois ajudará todos os regimes dos países lusófonos a evoluir e a convergir no sentido de uma economia de mercado, direitos humanos e da representação parlamentar. Falar de uma cidadania lusófona é afastar o espectro das ditaduras e dos regimes autoritários.

Macau é membro associado da CPLP e está dependente da China para implementar quaisquer mudanças a este nível. Poder-se-ia implementar esta cidadania?

Macau não tem de ficar de fora. A dupla pertença seria muito útil para os macaenses e para facilitar a sua circulação. Sabemos o carinho que uma boa da população de Macau tem por Portugal, mas sabemos que num mundo em que devemos abrir mais fronteiras do que construir muros, o que se deve é insistir com a China, que tendo criado as regiões administrativas especiais, tem todo o interesse em usar esses territórios como válvulas de escape para a sua realidade e abrir mais.

No vosso programa defendem também o acompanhamento das comunidades portuguesas na União Europeia (UE), através de redes associativas e apoios aos media. E fora da UE?

Também queremos seguir essa estratégia. Evidentemente que há o Conselho das Comunidades Portuguesas. Mas o que acontece é que é mais fácil desenvolver essa proximidade na Europa porque boa parte dos migrantes portugueses da Europa são temporários e sazonais, e precisam de mais apoio. Depois outra coisa são as comunidades que estão mais estabilizadas e são menos frágeis.

Em relação à comunidade portuguesa em Macau, quais são os problemas mais prementes para o Nós! Cidadãos? A manutenção da língua portuguesa, do Direito local?

Nesses dois aspectos que referiu tem-se feito esforços positivos. O que o Nós! Cidadãos não vê tanto é o aproveitamento do que se poderia chamar de vantagens competitivas de Macau, para poder ser uma espécie de plataforma giratória dos interesses portugueses no oriente e ao mesmo tempo de interface dos interesses da China. Talvez esteja na altura do investimento em Macau ser mais tecnológico, para não deixar Macau tão dependente de uma espécie de mono-industria, do turismo e do lazer, e a prazo usar recursos portugueses e chineses. Temos técnicos extraordinários e a China também, por exemplo na área do digital, da robótica.

Considera que o caminho feito pelo investimento português deveria ser feito de outra maneira?

Deve ter vários caminhos. Uma coisa é o desenvolvimento hoteleiro, imobiliário, do turismo, e outra coisa é o século XXI, da informação. As indústrias digitais deveriam estar à frente ao nível do investimento, com sinergias com empresas chinesas e os bons técnicos portuguesas. Nesse sentido, deveria haver mais livros técnicos bilingues para facilitar a aproximação dessas indústrias.

30 Set 2019

Fundação Casa de Macau | Dirigente deseja juntar instituições ligadas à cultura macaense 

A Fundação Casa de Macau celebra 23 anos de existência, quase tantos como a RAEM. Mário Matos dos Santos, director-geral, fala dos novos projectos, da presença nas redes sociais e da vontade de unir as entidades que, por todo o mundo, lutam para preservar a identidade macaense. “Esse é um sonho que sempre tive, porque amanhã não estamos cá”, aponta

 
[dropcap]M[/dropcap]ário Matos dos Santos, director-geral da Fundação Casa de Macau (FCM), tem vindo a ceder às tentações do mercado imobiliário em Portugal. A entidade, que tem sede num andar na zona do Príncipe Real, em Lisboa, valeria milhares de euros caso fosse vendida. Mas as emoções geradas pela história do espaço falam mais alto. Noutra zona de Lisboa funciona a Casa de Macau em Lisboa, com mais anos de existência, cujo edifício é propriedade da fundação.
“Aquele edifício é nosso, isto aqui é nosso, é a nossa alma mater”, contou ao HM Mário Matos dos Santos. “Foi aqui que isto começou, e tirar daqui a fundação seria aliciante, nem imagina. Porque isto teve um valor de aquisição, e se lhe disser o valor de venda, nem vale a pena falar. Aqui as coisas valem 11 mil euros por metro quadrado. Por uma questão afectiva (não quero vender).”
Fundada há 23 anos, em Julho de 1996, para assegurar a continuidade da Casa de Macau em Portugal, a FCM existe hoje como um centro cultural que promove a apresentação de livros e conferências e tem disponível ao público uma biblioteca com cerca de sete mil livros, consultados, na sua maioria, por alunos de mestrado. Muitas das obras vieram de Macau, à boleia da transferência de soberania, e outras foram sendo doadas por macaenses.
A FCM e a Casa de Macau de Portugal são, portanto, irmãs. A primeira quer ser um polo cultural, a segunda um polo de convívio, onde ainda hoje se realiza o tradicional chá gordo.
“Gostaria muito que percebessem que a fundação trabalha para Macau. Nós temos esse empenho que é garantir que a Casa de Macau não passe dificuldades muito grandes. Custa-nos manter porque vivemos de aplicações financeiras e hoje em dia é muito difícil sobreviver, porque o universo da banca alterou-se na Europa. Temos de ir à procura de outras coisas.”
A FCM assume trabalhar em rede, com entidades como o Turismo de Macau ou a Fundação Oriente. Dela fazem parte figuras históricas de Macau como os antigos governadores Vasco Rocha Vieira e o General Garcia Leandro, este último também presidente da Fundação Jorge Álvares. Apesar dos objectivos comuns, o director-geral da FCM assegura: “não recebemos um euro da Jorge Álvares”. É aqui que Mário Matos dos Santos assume um sonho antigo: fazer uma espécie de frente unida com todas as entidades que defendem e preservem a identidade macaense.
“Esse é um sonho que sempre tive, porque amanhã não estamos cá.” Na agenda está planeado, para Dezembro, um congresso com as Casas de Macau de todo o mundo, que teve até agora apenas uma edição. “Este congresso iria tentar juntar todas as instituições que lutam por Macau, poderíamos fazer uma frente comum e integrarmo-nos. Há uma propensão para que, no futuro, estas instituições se unam todas, e para isso queremos fazer um congresso para defender Macau.”

Os chineses e o Encontro

Da história da Casa de Macau em Portugal faz parte o célebre episódio em que alunos de Macau se barricaram nas suas instalações, no pós 25 de Abril. “Tivemos aí problemas, alguns desses alunos têm hoje posições importantes, mas é a vida. O que sucedeu aqui foi aquilo que sucedeu em Portugal na altura, foi (feito por) gente que estava ou se sentia deprimida, embora a Casa de Macau fosse financiada pelo Governo, mas sucedeu este incidente”, recordou.
Dos anos de existência, o director-geral da FCM recorda uma enorme liberdade para criar coisas e um grande esforço. “Temos um autêntico museu aqui, porque temos de ter muita dignidade naquilo que mostramos. Achamos que a filosofia macaense deve ser continuada, as pessoas ainda não perceberam que estamos ali há séculos. É importante promover a ideia de que Macau é dinâmica, que está a mexer-se. A nossa presença tem de ser mantida, continuada e preservada.”
Para o futuro, Mário Matos dos Santos deseja “alargar o espólio da Casa de Macau à sociedade civil portuguesa, ao meio universitário e apoiar ,mais iniciativas.”
Além dos habituais eventos, a FCM lançou, há um ano, a revista “A Cabaia”, em formato digital, apostando nas redes sociais onde é visitada por inúmeros jovens descendentes de macaenses.
Nas suas instalações funciona actualmente a Associação Novos Amigos da Rota da Seda (ANRS), presidida pela economista Maria Fernanda Ilhéu. Quando questionado se gostaria de receber mais apoio do Governo de Macau, Mário Matos dos Santos assegura: “gostaria muito que fosse assim”. “É por isso que estamos ligados à ANRS, que está ligada à Embaixada da China. Procuramos ter tentáculos em todo o lado, no bom sentido”, acrescentou.
Sobre a nova edição do Encontro das Comunidades Macaenses, que acontece já em Outubro, o director-geral da FCM volta a desejar uma maior união das entidades ligadas à cultura macaense.
“A comunidade deveria discutir o futuro e encontrar caminhos para que a diáspora prevaleça. As casas de Macau em todo o mundo, sobretudo nos EUA e Canadá, são absorvidas. Além da gastronomia, que é importante, e da afectividade, aquela gente vai perdendo (a identidade macaense). As pessoas estão preocupadas em manter a identidade, mas vão-se integrando cada vez mais. Era preciso entrar neste campo”, remata.
Neste ponto, Mário Matos dos Santos considera que o Encontro se realiza porque as autoridades chinesas assim o proporcionam. “Se não fosse os chineses não havia Encontro das Comunidades. É esse contrapeso que existe lá e que os chineses querem cultivar porque têm interesse. Veja-se o que se passa em Hong Kong, e em Macau não houve nada pelos motivos que sabemos. Macau é um contraponto para a China e isso justifica o grande investimento chinês que existe em Portugal, selectivo, mas que é grande”, conclui.

27 Set 2019

Fundação Casa de Macau | Dirigente deseja juntar instituições ligadas à cultura macaense 

A Fundação Casa de Macau celebra 23 anos de existência, quase tantos como a RAEM. Mário Matos dos Santos, director-geral, fala dos novos projectos, da presença nas redes sociais e da vontade de unir as entidades que, por todo o mundo, lutam para preservar a identidade macaense. “Esse é um sonho que sempre tive, porque amanhã não estamos cá”, aponta

 

[dropcap]M[/dropcap]ário Matos dos Santos, director-geral da Fundação Casa de Macau (FCM), tem vindo a ceder às tentações do mercado imobiliário em Portugal. A entidade, que tem sede num andar na zona do Príncipe Real, em Lisboa, valeria milhares de euros caso fosse vendida. Mas as emoções geradas pela história do espaço falam mais alto. Noutra zona de Lisboa funciona a Casa de Macau em Lisboa, com mais anos de existência, cujo edifício é propriedade da fundação.

“Aquele edifício é nosso, isto aqui é nosso, é a nossa alma mater”, contou ao HM Mário Matos dos Santos. “Foi aqui que isto começou, e tirar daqui a fundação seria aliciante, nem imagina. Porque isto teve um valor de aquisição, e se lhe disser o valor de venda, nem vale a pena falar. Aqui as coisas valem 11 mil euros por metro quadrado. Por uma questão afectiva (não quero vender).”

Fundada há 23 anos, em Julho de 1996, para assegurar a continuidade da Casa de Macau em Portugal, a FCM existe hoje como um centro cultural que promove a apresentação de livros e conferências e tem disponível ao público uma biblioteca com cerca de sete mil livros, consultados, na sua maioria, por alunos de mestrado. Muitas das obras vieram de Macau, à boleia da transferência de soberania, e outras foram sendo doadas por macaenses.

A FCM e a Casa de Macau de Portugal são, portanto, irmãs. A primeira quer ser um polo cultural, a segunda um polo de convívio, onde ainda hoje se realiza o tradicional chá gordo.

“Gostaria muito que percebessem que a fundação trabalha para Macau. Nós temos esse empenho que é garantir que a Casa de Macau não passe dificuldades muito grandes. Custa-nos manter porque vivemos de aplicações financeiras e hoje em dia é muito difícil sobreviver, porque o universo da banca alterou-se na Europa. Temos de ir à procura de outras coisas.”

A FCM assume trabalhar em rede, com entidades como o Turismo de Macau ou a Fundação Oriente. Dela fazem parte figuras históricas de Macau como os antigos governadores Vasco Rocha Vieira e o General Garcia Leandro, este último também presidente da Fundação Jorge Álvares. Apesar dos objectivos comuns, o director-geral da FCM assegura: “não recebemos um euro da Jorge Álvares”. É aqui que Mário Matos dos Santos assume um sonho antigo: fazer uma espécie de frente unida com todas as entidades que defendem e preservem a identidade macaense.

“Esse é um sonho que sempre tive, porque amanhã não estamos cá.” Na agenda está planeado, para Dezembro, um congresso com as Casas de Macau de todo o mundo, que teve até agora apenas uma edição. “Este congresso iria tentar juntar todas as instituições que lutam por Macau, poderíamos fazer uma frente comum e integrarmo-nos. Há uma propensão para que, no futuro, estas instituições se unam todas, e para isso queremos fazer um congresso para defender Macau.”

Os chineses e o Encontro

Da história da Casa de Macau em Portugal faz parte o célebre episódio em que alunos de Macau se barricaram nas suas instalações, no pós 25 de Abril. “Tivemos aí problemas, alguns desses alunos têm hoje posições importantes, mas é a vida. O que sucedeu aqui foi aquilo que sucedeu em Portugal na altura, foi (feito por) gente que estava ou se sentia deprimida, embora a Casa de Macau fosse financiada pelo Governo, mas sucedeu este incidente”, recordou.

Dos anos de existência, o director-geral da FCM recorda uma enorme liberdade para criar coisas e um grande esforço. “Temos um autêntico museu aqui, porque temos de ter muita dignidade naquilo que mostramos. Achamos que a filosofia macaense deve ser continuada, as pessoas ainda não perceberam que estamos ali há séculos. É importante promover a ideia de que Macau é dinâmica, que está a mexer-se. A nossa presença tem de ser mantida, continuada e preservada.”

Para o futuro, Mário Matos dos Santos deseja “alargar o espólio da Casa de Macau à sociedade civil portuguesa, ao meio universitário e apoiar ,mais iniciativas.”

Além dos habituais eventos, a FCM lançou, há um ano, a revista “A Cabaia”, em formato digital, apostando nas redes sociais onde é visitada por inúmeros jovens descendentes de macaenses.

Nas suas instalações funciona actualmente a Associação Novos Amigos da Rota da Seda (ANRS), presidida pela economista Maria Fernanda Ilhéu. Quando questionado se gostaria de receber mais apoio do Governo de Macau, Mário Matos dos Santos assegura: “gostaria muito que fosse assim”. “É por isso que estamos ligados à ANRS, que está ligada à Embaixada da China. Procuramos ter tentáculos em todo o lado, no bom sentido”, acrescentou.

Sobre a nova edição do Encontro das Comunidades Macaenses, que acontece já em Outubro, o director-geral da FCM volta a desejar uma maior união das entidades ligadas à cultura macaense.

“A comunidade deveria discutir o futuro e encontrar caminhos para que a diáspora prevaleça. As casas de Macau em todo o mundo, sobretudo nos EUA e Canadá, são absorvidas. Além da gastronomia, que é importante, e da afectividade, aquela gente vai perdendo (a identidade macaense). As pessoas estão preocupadas em manter a identidade, mas vão-se integrando cada vez mais. Era preciso entrar neste campo”, remata.

Neste ponto, Mário Matos dos Santos considera que o Encontro se realiza porque as autoridades chinesas assim o proporcionam. “Se não fosse os chineses não havia Encontro das Comunidades. É esse contrapeso que existe lá e que os chineses querem cultivar porque têm interesse. Veja-se o que se passa em Hong Kong, e em Macau não houve nada pelos motivos que sabemos. Macau é um contraponto para a China e isso justifica o grande investimento chinês que existe em Portugal, selectivo, mas que é grande”, conclui.

27 Set 2019

Empreendedorismo | CEO da Fábrica de Startups destaca maiores relações com DSE

Meia centena de empresas de Macau já passaram pelos corredores da Fábrica de Startups, em Portugal, onde têm acesso privilegiado ao modelo de negócios português. Mas da parceria com a Direcção dos Serviços de Economia deverão nascer novos projectos, disse ao HM o CEO da Fábrica de Startups, António Lucena de Faria. Quanto ao projecto da Grande Baía, faltam informações concretas fora da China, defende

 

[dropcap]A[/dropcap] Fábrica de Startups, localizada em Portugal, esteve recentemente no território no âmbito da participação na Macau International Start-up Week, que decorreu no início do mês. Mas a plataforma portuguesa ligada ao empreendedorismo, e que ajuda empresas a potenciarem os seus negócios, esteve também em quatro cidades que fazem parte do projecto Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

Das três empresas portuguesas que acompanharam a Fábrica de Startups nesta viagem, duas tiveram especial sucesso. Uma é a Citycheck, que desenvolveu uma aplicação de viagens destinada a crianças que viajam com os seus pais, e que lhes permite saber tudo, de forma lúdica, sobre o local que estão a visitar. Outra, a SEAentia, projecto na área da aquacultura, que também despertou a atenção de investidores chineses, conforme disse ao HM António Lucena de Faria.

“Começámos com apresentações em Macau, e penso que esse evento foi muito interessante e um excelente esforço, com excelentes resultados. Esta iniciativa começou pequenina mas está a crescer, sendo algo muito importante para Macau e os seus empreendedores”, apontou. Nas quatro cidades chinesas, houve um contacto mais directo e diário com centros de inovação.

“Estou convencido de que os empreendedores de Portugal terão muitos benefícios no âmbito destas relações e no desenvolvimento dos seus projectos nessa zona, e vice-versa. Os empreendedores da região também podem conhecer melhor a Europa através de Portugal ou a América Latina através da Fábrica de Startups no Brasil”, apontou.

Apesar de reconhecer que as empresas de Macau são mais privilegiadas face às startups portuguesas e europeias, por dominarem a língua e por estarem próximas do mercado chinês, António Lucena de Faria acredita que é necessário apostar nas parcerias exteriores.

“Não há muitas startups em Macau e é preciso continuar a desenvolver (esse aspecto). Uma das formas para acelerar esse processo seria através de parcerias entre startups de Macau e empreendedores vindos de outras partes do mundo. Isto para que não sejam apenas os empreendedores de Macau, que não são muitos, a explorar as oportunidades neste grande mercado que é a China, mas sim também outros empreendedores”, frisou o CEO da Fábrica de Startups.

Parceria com a DSE

A visita realizada a Macau este mês parte de uma parceria entre a Fábrica de Startups e a Direcção dos Serviços de Economia (DSE), que já promoveu a ida de 50 empresas do território a Portugal para terem acesso a novos modelos de negócio, a fim de expandirem as suas ideias.

“Temos sempre empreendedores para estar aqui connosco e fazemos uma explicação de como os modelos de negócio se podem adaptar a esta realidade. Em Portugal temos mecanismos de financiamento que estão abertos a empresas de Macau, estas apenas têm de ter alguma actividade significativa em Portugal, nem precisam de ter cá a sede”, exemplificou.

Em Maio, no âmbito da visita do Chefe do Executivo, Chui Sai On, a Portugal, a Fábrica de Startups recebeu a visita da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, e de membros do Conselho Executivo. Para António Lucena de Faria, esta visita serviu para reforçar a cooperação.

“O programa com a DSE está a avançar e temos tido até um incremento da actividade. Isso foi o que de mais significativo aconteceu com a visita, pois temos mais pessoas connosco e fomos a Macau duas vezes nos últimos meses. Temos outros planos, outras ideias, e a breve trecho vão aparecer outras iniciativas, porque há uma oportunidade enorme.”

Esta segunda-feira chegaram à Fábrica de Startups quatro empreendedores de Macau. “Temos tido projectos surpreendentes ao nível da tecnologia. Temos aqui dois jovens de Macau que nos trouxeram um projecto na área da realidade virtual aumentada, projectos na área dos têxteis que deram origem a parcerias com fábricas do norte para fazer depois o lançamento na China.

Temos trabalhado muito na área do turismo”, adiantou António Lucena de Faria. Os projectos que vão de Macau para Portugal neste âmbito apresentam uma enorme diversidade, aponta a directora de marketing da Fábrica de Startups, Marta Silva. “Temos recebido um pouco de tudo, de diversas indústrias e em diferentes fases de desenvolvimento. Recebemos projectos numa fase inicial onde o objectivo é perceber como dar os primeiros passos na criação de um negócio.

Mas também já temos recebido projectos mais avançados com a clara estratégia de internacionalização e crescimento.” Empresas como a Zlogyo apresentam um “carácter inovador” e uma “tecnologia que se destacava da concorrência que encontrou em Portugal”. “As empresas destacam-se ainda pelo potencial de crescimento, como a DianDian, que pretende garantir a gestão de clientes de pequenas e médias empresas. Quanto ao potencial de internacionalização destacamos a Le Maison de Marriage, cujo destino de Portugal é muito aliciante ou a goddessArmour, que explorar a possibilidade de aproveitar a qualidade das matérias primas portuguesas.”

A responsável pela área do marketing da Fábrica de Startups destaca também “o sector das artes, que tem vindo a receber muita atenção de empreendedores”, sem esquecer áreas como a dança, realização de filmes ou música electrónica.

Em busca do desconhecido

Apesar de destacar o enorme potencial que a zona da Grande Baía possui para empresas ocidentais, António Lucena de Faria assume que há ainda uma grande falta de informação sobre a essência deste projecto de Pequim, que muitos consideram vir a ser semelhante à zona de Silicon Valley, nos Estados Unidos.

“Esse é um grande desafio, de dar a conhecer e partilhar o que está a acontecer. Nós, que andamos neste ecossistema do empreendedorismo já há alguns anos, e que conhecemos bem o que são os grandes ecossistemas que existem no mundo inteiro, e não apenas nos EUA, a verdade é que ficamos surpreendidos com o que vimos aí. Mas a informação é muito pouca fora da China e de Macau. A maior parte das pessoas aqui não tem consciência do que se passa na Grande Baía”, apontou.

Para António Lucena de Faria, trata-se de um “projecto embrionário com uma grande ambição, que é a de ter as condições que já existem na zona de Silicon Valley. Para mim faz todo o sentido que isso se continue a desenvolver e nós aqui em Portugal começamos a olhar com mais atenção para esse plano. Vejo (o projecto da Grande Baía), com muito interesse, há ideias extraordinárias, grandes investimentos, mas ficamos com essa ideia de que é ainda um plano recente.”

“O tempo vai consolidando estas iniciativas e transformar a Grande Baía numa zona atractiva, não só para as empresas portuguesas mas outras que queiram aproveitar essas condições únicas e desenvolver os seus negócios”, rematou António Lucena de Faria.

26 Set 2019

Empreendedorismo | CEO da Fábrica de Startups destaca maiores relações com DSE

Meia centena de empresas de Macau já passaram pelos corredores da Fábrica de Startups, em Portugal, onde têm acesso privilegiado ao modelo de negócios português. Mas da parceria com a Direcção dos Serviços de Economia deverão nascer novos projectos, disse ao HM o CEO da Fábrica de Startups, António Lucena de Faria. Quanto ao projecto da Grande Baía, faltam informações concretas fora da China, defende

 
[dropcap]A[/dropcap] Fábrica de Startups, localizada em Portugal, esteve recentemente no território no âmbito da participação na Macau International Start-up Week, que decorreu no início do mês. Mas a plataforma portuguesa ligada ao empreendedorismo, e que ajuda empresas a potenciarem os seus negócios, esteve também em quatro cidades que fazem parte do projecto Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.
Das três empresas portuguesas que acompanharam a Fábrica de Startups nesta viagem, duas tiveram especial sucesso. Uma é a Citycheck, que desenvolveu uma aplicação de viagens destinada a crianças que viajam com os seus pais, e que lhes permite saber tudo, de forma lúdica, sobre o local que estão a visitar. Outra, a SEAentia, projecto na área da aquacultura, que também despertou a atenção de investidores chineses, conforme disse ao HM António Lucena de Faria.
“Começámos com apresentações em Macau, e penso que esse evento foi muito interessante e um excelente esforço, com excelentes resultados. Esta iniciativa começou pequenina mas está a crescer, sendo algo muito importante para Macau e os seus empreendedores”, apontou. Nas quatro cidades chinesas, houve um contacto mais directo e diário com centros de inovação.
“Estou convencido de que os empreendedores de Portugal terão muitos benefícios no âmbito destas relações e no desenvolvimento dos seus projectos nessa zona, e vice-versa. Os empreendedores da região também podem conhecer melhor a Europa através de Portugal ou a América Latina através da Fábrica de Startups no Brasil”, apontou.
Apesar de reconhecer que as empresas de Macau são mais privilegiadas face às startups portuguesas e europeias, por dominarem a língua e por estarem próximas do mercado chinês, António Lucena de Faria acredita que é necessário apostar nas parcerias exteriores.
“Não há muitas startups em Macau e é preciso continuar a desenvolver (esse aspecto). Uma das formas para acelerar esse processo seria através de parcerias entre startups de Macau e empreendedores vindos de outras partes do mundo. Isto para que não sejam apenas os empreendedores de Macau, que não são muitos, a explorar as oportunidades neste grande mercado que é a China, mas sim também outros empreendedores”, frisou o CEO da Fábrica de Startups.

Parceria com a DSE

A visita realizada a Macau este mês parte de uma parceria entre a Fábrica de Startups e a Direcção dos Serviços de Economia (DSE), que já promoveu a ida de 50 empresas do território a Portugal para terem acesso a novos modelos de negócio, a fim de expandirem as suas ideias.
“Temos sempre empreendedores para estar aqui connosco e fazemos uma explicação de como os modelos de negócio se podem adaptar a esta realidade. Em Portugal temos mecanismos de financiamento que estão abertos a empresas de Macau, estas apenas têm de ter alguma actividade significativa em Portugal, nem precisam de ter cá a sede”, exemplificou.
Em Maio, no âmbito da visita do Chefe do Executivo, Chui Sai On, a Portugal, a Fábrica de Startups recebeu a visita da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, e de membros do Conselho Executivo. Para António Lucena de Faria, esta visita serviu para reforçar a cooperação.
“O programa com a DSE está a avançar e temos tido até um incremento da actividade. Isso foi o que de mais significativo aconteceu com a visita, pois temos mais pessoas connosco e fomos a Macau duas vezes nos últimos meses. Temos outros planos, outras ideias, e a breve trecho vão aparecer outras iniciativas, porque há uma oportunidade enorme.”
Esta segunda-feira chegaram à Fábrica de Startups quatro empreendedores de Macau. “Temos tido projectos surpreendentes ao nível da tecnologia. Temos aqui dois jovens de Macau que nos trouxeram um projecto na área da realidade virtual aumentada, projectos na área dos têxteis que deram origem a parcerias com fábricas do norte para fazer depois o lançamento na China.
Temos trabalhado muito na área do turismo”, adiantou António Lucena de Faria. Os projectos que vão de Macau para Portugal neste âmbito apresentam uma enorme diversidade, aponta a directora de marketing da Fábrica de Startups, Marta Silva. “Temos recebido um pouco de tudo, de diversas indústrias e em diferentes fases de desenvolvimento. Recebemos projectos numa fase inicial onde o objectivo é perceber como dar os primeiros passos na criação de um negócio.
Mas também já temos recebido projectos mais avançados com a clara estratégia de internacionalização e crescimento.” Empresas como a Zlogyo apresentam um “carácter inovador” e uma “tecnologia que se destacava da concorrência que encontrou em Portugal”. “As empresas destacam-se ainda pelo potencial de crescimento, como a DianDian, que pretende garantir a gestão de clientes de pequenas e médias empresas. Quanto ao potencial de internacionalização destacamos a Le Maison de Marriage, cujo destino de Portugal é muito aliciante ou a goddessArmour, que explorar a possibilidade de aproveitar a qualidade das matérias primas portuguesas.”
A responsável pela área do marketing da Fábrica de Startups destaca também “o sector das artes, que tem vindo a receber muita atenção de empreendedores”, sem esquecer áreas como a dança, realização de filmes ou música electrónica.

Em busca do desconhecido

Apesar de destacar o enorme potencial que a zona da Grande Baía possui para empresas ocidentais, António Lucena de Faria assume que há ainda uma grande falta de informação sobre a essência deste projecto de Pequim, que muitos consideram vir a ser semelhante à zona de Silicon Valley, nos Estados Unidos.
“Esse é um grande desafio, de dar a conhecer e partilhar o que está a acontecer. Nós, que andamos neste ecossistema do empreendedorismo já há alguns anos, e que conhecemos bem o que são os grandes ecossistemas que existem no mundo inteiro, e não apenas nos EUA, a verdade é que ficamos surpreendidos com o que vimos aí. Mas a informação é muito pouca fora da China e de Macau. A maior parte das pessoas aqui não tem consciência do que se passa na Grande Baía”, apontou.
Para António Lucena de Faria, trata-se de um “projecto embrionário com uma grande ambição, que é a de ter as condições que já existem na zona de Silicon Valley. Para mim faz todo o sentido que isso se continue a desenvolver e nós aqui em Portugal começamos a olhar com mais atenção para esse plano. Vejo (o projecto da Grande Baía), com muito interesse, há ideias extraordinárias, grandes investimentos, mas ficamos com essa ideia de que é ainda um plano recente.”
“O tempo vai consolidando estas iniciativas e transformar a Grande Baía numa zona atractiva, não só para as empresas portuguesas mas outras que queiram aproveitar essas condições únicas e desenvolver os seus negócios”, rematou António Lucena de Faria.

26 Set 2019

Albano Silva Pereira, fotógrafo, curador e director do Centro de Artes Visuais

Albano Silva Pereira está em Macau como curador da exposição “Língua Franca – 2ª Exposição Anual de Artes entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, que inaugura na quinta-feira e estará patente no Antigo Estábulo Municipal de Gado Bovino e Vivendas Verdes da Avenida do Coronel Mesquita n.° 55-57. O HM aproveitou para falar com o homem que fez a fotografia portuguesa em termos expositivos, criador dos míticos Encontros Fotográficos de Coimbra e director do Centro de Artes Visuais. Na primeira pessoa, o artista e curador fala do amigo Robert Frank, da vertigem das redes sociais e da fotografia como ferramenta de diálogo

[dropcap]E[/dropcap]stá em Macau a organizar a “Língua Franca – 2ª Exposição Anual de Artes entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. Tem outros projectos em mente para Macau?
Para mim, este projecto até nem é o mais aliciante. Aliás, este está feito. O mais aliciante é o futuro. Criei um projecto dos mais destacados em termos mundiais durante 30 anos, para onde veio gente de todo o mundo. Com a minha experiência e conhecimento, posso criar aqui uma plataforma onde o turismo, a animação e, sobretudo, o diálogo mundial e universal podem ser produzidos. Isso é o que me interessa. Quero cumprir este projecto (Língua Franca) dentro da minha filosofia. Depois gostaria de ter condições práticas e estabelecer um diálogo institucional no sentido de criar aqui a dois, três anos, uma bienal de grande qualidade mundial.

Olhando para trás, para a forma como as coisas começaram, como vê a evolução dos Encontros de Fotografia? Acha que podem ir além de si?
Além de mim já vai, porque há um equipamento de 1600 metros quadrados na cidade de Coimbra, o Centro de Artes Visuais, que é uma afirmação da arquitectura portuguesa, do João Mendes Ribeiro, e a reutilização de um espaço do século XVII que era o Colégio das Artes. Começou com os Encontros de Fotografia e hoje é o Centro de Artes Visuais e não é por acaso, porque o tempo deu-me razão. Talvez o polo mais importante dos Encontros de Fotografia seja o prestígio, que não tem a ver com números, mas com ideias. Eu venho do cinema ao mais alto nível, Manoel de Oliveira é o topo e eu fui durante muitos anos o seu braço-direito. Trabalhei também com Wenders, por exemplo. Na altura, já trabalhava com fotografia, portanto, as minhas referências culturais e filosóficas eram sempre experimentais e pioneiras dentro das grandes correntes modernas da arte contemporânea. Eu trabalho a fotografia como arte, na tradição da estética alemã da Bauhaus e mesmo do século XIX. Digo isto com todo o respeito pelo jornalismo, a fotografia de moda, de publicidade, e por essa grande riqueza da fotografia que é a multiplicidade de estéticas e de objectos. Portanto, tive critério e a melhor escola em 1970.

Como se manifestou esse background?
O exercício da programação e das estratégias que tomei assentaram numa fórmula perfeita na utilização da fotografia. Primeiro: um critério rigoroso na divulgação dos grandes mestres da fotografia contemporânea. Acabou de morrer, na semana passada, um dos mestres e um grande amigo que me deu grande prestígio internacional. Porque ninguém fazia Frank. Em 1986 ninguém fazia Frank, o Frank estava morto, a fotografia tinha acabado, este foi um marco decisivo e estratégico em termos internacionais. Depois dos Encontros de Fotografia de Coimbra, o trabalho de Robert Frank foi exposto na National Gallery, em Washington, na Tate em Londres. Quando se faz Frank todas as portas se abrem. Isto é como a Fórmula 1, se tiver aqui o Vettel você já não tem mais problemas, os outros põem-se em fila e vêm atrás.

Portanto, exibir Robert Frank foi o começo.
Sim. Mas, por outro lado, criei uma estratégia pedagógica em relação à história da fotografia com nomes absolutamente extraordinários, Jacques Henri Lartigue, Strand, August Sander, Bauhaus, mostrei as grandes linhas estéticas da história da fotografia. Também adaptei cada exposição a cada espaço, que utilizava criteriosamente e dispunha no mapa da cidade. Coimbra é uma cidade com um património arqueológico e histórico imenso, a começar pela Universidade. Abri os primeiros museus da universidade à fotografia. O Museu de Zoologia, Museu de Antropologia, Museu da Ciência Laboratório Chimico, igrejas. Dispus pelo território da cidade um conjunto de exposições e as pessoas vinham mais de fora do que de Coimbra. Chegámos a ter 100 mil visitantes, no final da década 1990. Outro factor foi o risco, aposta na contemporaneidade, no desenvolvimento da fotografia. Nunca olhámos para o passado, apesar de divulgarmos a arqueologia e história da fotografia, como o trabalho do grande pesquisador, viajante, antropólogo e etnólogo do século XIX Cunha Moraes. Construímos investigação à volta de colecções que não havia. Estabelecemos diálogos e pontes que na Europa eram raros. Os franceses eram muito franceses, os ingleses eram demasiado ingleses, os alemães nem se fala. Essa capacidade de diálogo que os portugueses demonstraram ainda hoje, por exemplo na cena política mundial, é um património português, uma virtualidade da cultura portuguesa.

Como vê o hoje e o amanhã dos Encontros da Fotografia?
Não tenho dúvida nenhuma de que tenho feito escola, até são os fotógrafos que o dizem. Todos os fotógrafos portugueses nasceram nos Encontros de Fotografia. Jorge Molder e Paulo Nozolino foram pioneiros comigo. Daniel Blaufuks, António Júlio Duarte, André Cepeda, Inês Gonçalves, José Rodrigues, os novos beberam todos em nós. É evidente que eu um dia morro, estou cada vez mais perto. Obviamente, o lugar de director artístico, de programador, de curador é essencial numa instituição destas. É evidente que aquilo que eu faço é à imagem da minha filosofia.

No meio da agenda preenchida com curadoria e produção, também fotografa.
Eu também sou fotógrafo e artista. Faço exposições e não é em qualquer lado. No Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, acabei de ser um dos finalistas do Prémio BES. Gosto de fazer curadoria, é a minha vida. Mas prefiro fotografar e filmar. No meu Instagram pode ver. Estou a fazer um arquivo da minha viagem, que vai ser uma exposição no próximo ano. Estou a produzir uma exposição em termos de curadoria, mas estou a produzir também uma exposição com o meu olhar pessoal sobre isto.

Robert Frank morreu há duas semanas, uma figura incontornável da fotografia e um amigo próximo. Como começou esta amizade?
Em 1985, o Frank estava, entre aspas, morto e havia mesmo muita gente que pensava que ele tinha mesmo morrido. Ele é um ser mítico, é um dos últimos sobreviventes da geração Beat, do Kerouac, Ginsberg, Burroughs, de onde eu descendo. Quando comecei a organizar o festival Encontros de Fotografia para mim havia uma meta fundamental em termos internacionais e curriculares: fazer Frank. O equivalente em cinema português a ser assistente do Manoel de Oliveira. Nesse aspecto, sempre fui ambicioso.

Mas como chegou a Frank?
Muito complicado. Ninguém tinha contactos telefónicos, nada. Muita gente dizia que já tinha morrido, porque a fotografia tinha acabado para ele. Em 1986 expus nos Encontros de Fotografia um dos tops da fotografia contemporânea norte-americana, o Duane Michals. Tornamo-nos amigos e um dia disse-lhe que adorava fazer uma exposição do Frank, e que queria saber como seria possível. O Frank fazia, praticamente, edições únicas, isto são bichos muito complicados, com acessos muito difíceis. Não havia cópias, não havia outros originais numerados. Um dia o Michals diz-me: “olha, encontrei o Frank, está vivo e deu-me o telefone porque tem curiosidade em falar contigo. Disse-lhe quem eras, que tinha uma relação muito especial contigo.” Começámos a falar ao telefone, foi como um namoro. Ele é um homem fulgurante, um poeta, um homem isolado, amargurado com o mundo, morreram-lhe os dois filhos, emigrante judeu, tem esses elementos que são decisivos no comportamento dele. A casa dele em Mabou (Canadá, Nova Escócia) parece a casa de um pescador, não se distingue em nada dos 4 ou 5 pescadores de Mabou. É um sítio ermo, desértico, onde ele passava a maior parte do tempo. Bastava aquele indivíduo dar uma ordem à galeria, uma das mais famosas do mundo (Pace/MacGill Gallery), para fazer uma impressão do portfolio do “The Americans”. Uma fotografia do “The Americans” foi vendida pela Christie’s em 2009, antes da exposição no Met, por 624 mil dólares. Da minha colecção, fui obrigado, para o CAV sobreviver, a vender uma por 180 mil dólares. Até a própria casa dele em Nova Iorque, na Bleeker Street, é inacreditável. Frank foi o homem mais austero que vi na vida, despojado. Qualquer outro fotógrafo com a qualidade e o génio fazia dinheiro.

Qual o catalisador para a amizade com Frank?
Há várias particularidades. Eu diria que sou como um filho dele, ou o outro é o Vicente Todolí. Eu venho do cinema, faço fotografia, o mesmo percurso que o Frank. Sou também um marginal, não tão austero como ele, mas também com costela judia e depois, ou temos, ou não temos a tragédia nos olhos. Ele tem e eu também. Depois também entra em jogo a sensibilidade estética, o coração, como ele dizia “feelings, memories”, palavras fundamentais no discurso do Frank. Depois é um génio, ele é um poeta, um grande poeta. Um homem que recusa o grande dinheiro, a facilidade de ter milhões. Ele fez o “Pull My Daisy”, com o Kerouac e o Ginsberg. Fez o “Cocksucker Blues” a convite dos Rollings Stones. Ele já era grande nos anos 60 e optou por fugir à fama, não estamos aqui a brincar. Toda a vivência do Frank, seja ela estética ou de vida, tem uma unidade perfeita e coerente entre a filosofia de vida e a obra dele. Seja no cinema ou na fotografia. É por isso que ele é único. É um homem autêntico, com uma enorme autenticidade entre a obra e a humanidade dele. Pode medir a grandeza pelo impacto que teve a morte dele no mundo inteiro, toda a gente soube que Robert Frank morreu. Morreu na caminha em Mabou, com 94 anos.

E o impacto que teve em si?
Foi muito. Não é que não estivesse à espera. Porque todos os anos o vejo e há uns anos para cá, estávamos a construir um novo projecto, muito pessoal entre mim e ele e já tinha percebido há 5 ou 6 anos que estava a perder a memória. Dizia uma coisa agora e passado uma hora dizia outra. Nunca foi um perfeccionista, mas foi um génio. Na fase do “The Americans” era perfeito, não em termos técnicos, mas porque conseguia ligar a técnica com a ideia, com a sua filosofia de vida.

Autenticidade e técnica com linguagem que é rara nos dias dos telemóveis e redes sociais…
Hoje toda a gente está convencida que é artista e bom fotógrafo devido ao Instagram e porque tem filtros para tudo. Isto é uma miragem, que pode ter algum efeito prático, mesmo que sem coerência, mas, pelo menos, pode ser educativo. As aplicações são a maior traficância que existe para as pessoas se iludirem de que são grandes fotógrafas.

Pode ser a morte da fotografia?
Eu diria que se há morte aqui ela é indolor e não tem cheiro. É uma morte consumista, sem sentido. Não me seduz essa morte. Seduz-me mais a morte do Mishima, o suicídio. É a sociedade em que estamos. O mundo está vertiginosamente a alterar padrões e valores. Mas as galerias vão continuar a ter gente. Há um lado perverso, mas interessante no Instagram e no Facebook que é a utilização da imagem. Quando se vê uma boa imagem tenta-se fazer melhor e para isso têm de se ir aos museus e às galerias para aprender. Por outro lado, mostra-se aos amigos que se é culto e vai-se ao Louvre tirar uma selfie.

Para quem entende a fotografia como arte, presumo que também o fotojornalismo seja algo trágico. Qual a sua opinião da popularidade do World Press Photo?
Eu conto-lhe uma pequena história que explica a minha perspectiva. Um dia o director do Festival d’Arles, François Hébel, que também era director da Magnum, convidou-me para ver uma exposição porque queria saber a minha opinião. Era a primeira exposição do Sebastião Salgado em Arles, “Sahel”. Vi, naturalmente, com atenção, não é que as fotografias do Salgado ou do World Press precisem de muita atenção porque o centro está bem identificado: o sofrimento e a tragédia. Transmitem a lágrima através da técnica fotográfica, a sede, a fome a exploração e por aí adiante. Há coisas que são obscenas, perversas. Pode-se fotografar pessoas em situações difíceis, mas com dignidade, sem exploração dramática. Vi essa exposição, “Sahel”, em silêncio por uma questão de gentileza e respeito por alguém que me leva a almoçar e a ver uma exposição. Saí e disse-lhe que preferia não falar sobre o que tinha visto, porque não gostava. Era a antítese da utilização de uma máquina fotográfica porque pressuponho que antes da estética está a ética. Não sou vendedor de banha da cobra. Naquela exposição o drama é sede e fome, mas particularmente sede, retratadas em criancinhas esqueléticas. Numa fotografia, uma criança punha o ouvido encostado à mangueira onde passava água. E disse-lhe o seguinte: “Estou convencido que não fazia a boa fotografia, a fotografia plasticamente perfeita em termos de luz, de preto e branco. Furava a mangueira, em vez de ter tirado a fotografia. O que o Sebastião Salgado e a World Press fazem é a rentabilização comercial da fotografia de exploração de tragédia, guerra, fome, ciclones, etc. Não digo que não há bons fotógrafos de agência de grande dignidade, a história da fotografia mostra isso, em Capa e por aí em diante.

Não concorda que o fotojornalismo passe da página para a galeria, portanto.
Quando os fotojornalistas se tornam artistas e disputam o preço do print e do tamanho na galeria é perverso. Não é essa a função da fotografia, não estou a dizer com isto que não se possa mostrar. Mas, na minha opinião, toda aquela fotografia é má, muitas vezes obscena, é feita com uma estética artificial, de grande angulares, cores, é tudo fabricado.

24 Set 2019

IPOR | ‘Vistos gold’ e investimento chinês fazem disparar tutorias de português

O director do IPOR disse à agência Lusa que o número de tutorias de português quase duplicou este ano, muito devido aos ‘vistos gold’ e ao investimento chinês nos países lusófonos. Joaquim Coelho Ramos revelou ainda que o instituto, que completa hoje 30 anos, irá abrir uma delegação em Pequim até Novembro e um centro de línguas em Chengdu ainda este ano

 

[dropcap]A[/dropcap]inda faltam mais de três meses para terminar o ano e o número de horas de tutorias de aprendizagem da língua portuguesa, em relação a 2018, já cresceu quase para o dobro, ultrapassando o meio milhar de horas, salientou, em entrevista, o director do Instituto Português do Oriente (IPOR), Joaquim Coelho Ramos. “Só nos primeiros dois meses deste ano económico ultrapassámos o número de tutorias do ano passado todo”, reforçou o responsável pela instituição que assinala hoje 30 anos de vida em Macau e de actividade na Ásia.

Se em 2015 foram apenas contabilizadas 23 horas de tutorias, em 2018 registaram-se 289, contra as 520 deste ano. “Quando perguntamos nas fichas de inscrição as ‘razões’ reparamos que muitos dos interessados são, por exemplo, empresários com vontade de investir ou em Portugal ou num país de língua portuguesa”, assinalou o director, em funções desde Agosto de 2018. “Estão com investimentos em Portugal ou de alguma maneira inseridos na dinâmica dos ‘vistos gold’”, acrescentou.

O ‘visto gold’ é uma autorização de residência para actividade de investimento em Portugal concedida a estrangeiros fora da UE.

As aulas ministradas à distância, por videoconferência, são cada vez mais populares. “Aqueles que não têm disponibilidade para assistir a uma aula, sempre na mesma hora e no mesmo dia, pretendem algo flexível, mas que produza resultados”, frisou. Tal acontece seja a partir de Hong Kong ou de Shenzhen, onde muitos residem, ou a partir do Dubai, se se encontrarem em viagem: “Para isso basta combinar com o professor”, explicou Joaquim Coelho Ramos.

Tendo em conta a expansão da procura dos serviços do IPOR não é de estranhar que o mesmo se passe em termos territoriais e representações. Assim sendo, em Novembro abre uma delegação do IPOR em Pequim e um centro de línguas em Chengdu até final do ano.

Em relação à delegação na capital chinesa, a ideia é “começar já dentro de um mês, mês e meio, (…) em produção já em finais de Outubro”, ainda que o cenário “mais realista” aponte para “início de Novembro”, esclareceu Joaquim Coelho Ramos. O projecto começou a ser trabalhado no início do ano e neste momento “ir trabalhar para a China depende apenas de questões administrativas”, adiantou.

Outono em Pequim

Em Maio, aquando da visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, um protocolo assinado entre o Camões-Instituto da Cooperação e da Língua e a Sociedade de Jogos de Macau definiu a constituição de um fundo para apoiar a difusão e promoção da língua portuguesa na República Popular da China.

A abertura de uma delegação em Pequim é justificada “pelos pedidos constantes para formação em língua portuguesa não conferente de grau académico”, mas sim “para efeitos pragmáticos”, casos do “português económico e de introdução à língua portuguesa comunicacional”, indicou o responsável do IPOR.

“Há muita gente a fazer cursos de português à distância através de videoconferência” e existem “muitos pedidos de regiões da China continental”, afirmou o director do IPOR. Razão pela qual, após análise do mercado, se entendeu que era importante ter uma presença física em Pequim.

A mais-valia da delegação em Pequim, que não só garante um ensino personalizado e uma aprendizagem certificada, é também explicada por se poder assegurar localmente a formação de professores.

“Há uma vantagem em ter sempre um canal aberto” em todas as situações em que instituições como as universidades solicitem ajuda directamente ao IPOR em Pequim, com a possibilidade ainda de se garantir algum reforço a partir de Macau, sublinhou Joaquim Coelho Ramos. “O interesse está a crescer e era importante operacionalizar a resposta, e é isso que esta delegação vai fazer”, acrescentou.

Por outro lado, até final do ano, o IPOR quer abrir um centro de língua portuguesa em Chengdu, cidade chinesa da província de Sichuan, onde o instituto tem ministrado o ensino de português a médicos, enfermeiros e técnicos do Centro Internacional de Formação na área da Saúde e do Planeamento Familiar.

De resto, a província de Sichuan tem mantido uma relação estreita com os países de língua portuguesa, para onde a respectiva autoridade da saúde começou a enviar, desde 1976, equipas médicas. “É um desafio” com dados “muito sólidos” que justificam a decisão, argumentou, lembrando o envolvimento destes profissionais de saúde nesses projectos de cooperação nos países lusófonos.

Três desafios

O director IPOR disse ainda que o crescimento “muito significativo” da procura pelo ensino do português a um público infantojuvenil já obrigou a instituição a criar uma lista de espera.

“Outra área que temos notado um crescimento muito significativo (…) é nas oficinas para o público infantojuvenil. (…) Estamos a falar do ensino de língua portuguesa entre os 6 e os 14 anos, é a franja em que temos sentido um crescimento maior, essencialmente para crianças e jovens de famílias chinesas”, destacou Joaquim Coelho Ramos.

O número mais que triplicou em relação a 2018, passando de 30 a 40 inscrições para mais de 120. “Não estávamos à espera deste crescimento (…), um tipo de ‘boom’” que coloca “um problema”, explicou o responsável. A instituição foi obrigada a criar uma lista de espera e para ajustar a oferta está a proceder à contratação de professores a tempo parcial.

A estratégia do IPOR tem várias frentes e tem como base “uma equipa e profissionais dedicados que trabalham em conjunto”, assente ainda em várias parcerias, frisou.

“Houve uma tentativa de aproximação do IPOR com as instituições locais. Acreditamos que o segredo do sucesso é não estar sozinho. Este tipo de colaboração tem tido resultados por exemplo, ao nível científico e pedagógico com o Instituto Politécnico de Macau, com cursos intensivos de Verão, na produção de materiais didácticos, e também com a Universidade de Macau, num trabalho voltado para o português como língua para fins específicos”, assinalou.

O responsável enumerou três desafios que se colocam actualmente à instituição. Um deles passa pela formação interna. “Neste momento, por exemplo, temos de pensar em dar formação complementar de pedagogia didáctica da língua portuguesa para crianças e jovens. Até agora tínhamos um paradigma muito forte no ensino de adultos, esse paradigma continua, mas há um novo desafio”, frisou.

Outra área fundamental que constitui o desafio estratégico do IPOR passa pela actualização dos recursos tecnológicos, com uma atenção à estatística e análise de dados: “um instituto deste tipo que consegue antecipar uma tendência de procura é um instituto que vai dar uma melhor resposta”, defendeu.

Materiais à medida

Por fim, Joaquim Coelho Ramos definiu como prioridade “a organização daquilo que já é a memória do IPOR”, de forma a promover “a preservação, divulgação e disponibilização do acervo da instituição”, e anunciou que depois do guia lexical (um ‘dicionário’ altamente especializado dedicado a uma área específica) de conversação português-vietnamita, o IPOR está prestes a lançar outros. “Temos trabalhado em guias lexicais para a área da saúde, contabilidade e auditoria (…) e agora está para breve a apresentação pública do guia lexical para o jornalismo e para a administração”, avançou Joaquim Coelho Ramos. “A muito breve prazo, estamos a falar de uma semana, semana e meia, [será divulgado] um para o sector do turismo”, indicou.

Joaquim Coelho Ramos esclareceu que os guias “já estão produzidos, falta a data da apresentação pública”. O investimento na produção destes guias, com termos contextualizados, mas também expressões e por vezes frases focadas em temas e áreas de trabalho específicas, são importantes no âmbito da “aplicação no terreno” da língua portuguesa e no “desenvolvimento pessoal entre os professores e os alunos”, acrescentou. A atenção ao produto final, de uma forma muito pragmática, está ilustrada num detalhe, assinalou: “o guia lexical para a saúde foi impresso num tamanho que permite ser guardado no bolso da bata de um médico”.

Outra área de trabalho na qual o IPOR se tem focado “é na produção de materiais didácticos, na bibliografia e no digital”, assegurou. A justificação destas apostas é simples, concluiu: “As pessoas estão a olhar para a língua portuguesa como um instrumento pragmático, de acção directa no mercado”.

O IPOR conta com 27 funcionários a tempo inteiro que, com o apoio de algumas colaborações, procuram assegurar a vocação prioritária de promover o ensino da língua portuguesa, com uma vertente complementar focada na acção cultural.

Fundado a 19 de Setembro de 1989 pela Fundação Oriente e pelo Camões-Instituto da Cooperação e da Língua, o IPOR exerce a sua actividade, além de Macau, em países como o Vietname, Tailândia e Austrália, estando para breve a concretização também de projectos em Pequim, Chengdu e Nova Deli.

19 Set 2019

IPOR | ‘Vistos gold’ e investimento chinês fazem disparar tutorias de português

O director do IPOR disse à agência Lusa que o número de tutorias de português quase duplicou este ano, muito devido aos ‘vistos gold’ e ao investimento chinês nos países lusófonos. Joaquim Coelho Ramos revelou ainda que o instituto, que completa hoje 30 anos, irá abrir uma delegação em Pequim até Novembro e um centro de línguas em Chengdu ainda este ano

 
[dropcap]A[/dropcap]inda faltam mais de três meses para terminar o ano e o número de horas de tutorias de aprendizagem da língua portuguesa, em relação a 2018, já cresceu quase para o dobro, ultrapassando o meio milhar de horas, salientou, em entrevista, o director do Instituto Português do Oriente (IPOR), Joaquim Coelho Ramos. “Só nos primeiros dois meses deste ano económico ultrapassámos o número de tutorias do ano passado todo”, reforçou o responsável pela instituição que assinala hoje 30 anos de vida em Macau e de actividade na Ásia.
Se em 2015 foram apenas contabilizadas 23 horas de tutorias, em 2018 registaram-se 289, contra as 520 deste ano. “Quando perguntamos nas fichas de inscrição as ‘razões’ reparamos que muitos dos interessados são, por exemplo, empresários com vontade de investir ou em Portugal ou num país de língua portuguesa”, assinalou o director, em funções desde Agosto de 2018. “Estão com investimentos em Portugal ou de alguma maneira inseridos na dinâmica dos ‘vistos gold’”, acrescentou.
O ‘visto gold’ é uma autorização de residência para actividade de investimento em Portugal concedida a estrangeiros fora da UE.
As aulas ministradas à distância, por videoconferência, são cada vez mais populares. “Aqueles que não têm disponibilidade para assistir a uma aula, sempre na mesma hora e no mesmo dia, pretendem algo flexível, mas que produza resultados”, frisou. Tal acontece seja a partir de Hong Kong ou de Shenzhen, onde muitos residem, ou a partir do Dubai, se se encontrarem em viagem: “Para isso basta combinar com o professor”, explicou Joaquim Coelho Ramos.
Tendo em conta a expansão da procura dos serviços do IPOR não é de estranhar que o mesmo se passe em termos territoriais e representações. Assim sendo, em Novembro abre uma delegação do IPOR em Pequim e um centro de línguas em Chengdu até final do ano.
Em relação à delegação na capital chinesa, a ideia é “começar já dentro de um mês, mês e meio, (…) em produção já em finais de Outubro”, ainda que o cenário “mais realista” aponte para “início de Novembro”, esclareceu Joaquim Coelho Ramos. O projecto começou a ser trabalhado no início do ano e neste momento “ir trabalhar para a China depende apenas de questões administrativas”, adiantou.

Outono em Pequim

Em Maio, aquando da visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, um protocolo assinado entre o Camões-Instituto da Cooperação e da Língua e a Sociedade de Jogos de Macau definiu a constituição de um fundo para apoiar a difusão e promoção da língua portuguesa na República Popular da China.
A abertura de uma delegação em Pequim é justificada “pelos pedidos constantes para formação em língua portuguesa não conferente de grau académico”, mas sim “para efeitos pragmáticos”, casos do “português económico e de introdução à língua portuguesa comunicacional”, indicou o responsável do IPOR.
“Há muita gente a fazer cursos de português à distância através de videoconferência” e existem “muitos pedidos de regiões da China continental”, afirmou o director do IPOR. Razão pela qual, após análise do mercado, se entendeu que era importante ter uma presença física em Pequim.
A mais-valia da delegação em Pequim, que não só garante um ensino personalizado e uma aprendizagem certificada, é também explicada por se poder assegurar localmente a formação de professores.
“Há uma vantagem em ter sempre um canal aberto” em todas as situações em que instituições como as universidades solicitem ajuda directamente ao IPOR em Pequim, com a possibilidade ainda de se garantir algum reforço a partir de Macau, sublinhou Joaquim Coelho Ramos. “O interesse está a crescer e era importante operacionalizar a resposta, e é isso que esta delegação vai fazer”, acrescentou.
Por outro lado, até final do ano, o IPOR quer abrir um centro de língua portuguesa em Chengdu, cidade chinesa da província de Sichuan, onde o instituto tem ministrado o ensino de português a médicos, enfermeiros e técnicos do Centro Internacional de Formação na área da Saúde e do Planeamento Familiar.
De resto, a província de Sichuan tem mantido uma relação estreita com os países de língua portuguesa, para onde a respectiva autoridade da saúde começou a enviar, desde 1976, equipas médicas. “É um desafio” com dados “muito sólidos” que justificam a decisão, argumentou, lembrando o envolvimento destes profissionais de saúde nesses projectos de cooperação nos países lusófonos.

Três desafios

O director IPOR disse ainda que o crescimento “muito significativo” da procura pelo ensino do português a um público infantojuvenil já obrigou a instituição a criar uma lista de espera.
“Outra área que temos notado um crescimento muito significativo (…) é nas oficinas para o público infantojuvenil. (…) Estamos a falar do ensino de língua portuguesa entre os 6 e os 14 anos, é a franja em que temos sentido um crescimento maior, essencialmente para crianças e jovens de famílias chinesas”, destacou Joaquim Coelho Ramos.
O número mais que triplicou em relação a 2018, passando de 30 a 40 inscrições para mais de 120. “Não estávamos à espera deste crescimento (…), um tipo de ‘boom’” que coloca “um problema”, explicou o responsável. A instituição foi obrigada a criar uma lista de espera e para ajustar a oferta está a proceder à contratação de professores a tempo parcial.
A estratégia do IPOR tem várias frentes e tem como base “uma equipa e profissionais dedicados que trabalham em conjunto”, assente ainda em várias parcerias, frisou.
“Houve uma tentativa de aproximação do IPOR com as instituições locais. Acreditamos que o segredo do sucesso é não estar sozinho. Este tipo de colaboração tem tido resultados por exemplo, ao nível científico e pedagógico com o Instituto Politécnico de Macau, com cursos intensivos de Verão, na produção de materiais didácticos, e também com a Universidade de Macau, num trabalho voltado para o português como língua para fins específicos”, assinalou.
O responsável enumerou três desafios que se colocam actualmente à instituição. Um deles passa pela formação interna. “Neste momento, por exemplo, temos de pensar em dar formação complementar de pedagogia didáctica da língua portuguesa para crianças e jovens. Até agora tínhamos um paradigma muito forte no ensino de adultos, esse paradigma continua, mas há um novo desafio”, frisou.
Outra área fundamental que constitui o desafio estratégico do IPOR passa pela actualização dos recursos tecnológicos, com uma atenção à estatística e análise de dados: “um instituto deste tipo que consegue antecipar uma tendência de procura é um instituto que vai dar uma melhor resposta”, defendeu.

Materiais à medida

Por fim, Joaquim Coelho Ramos definiu como prioridade “a organização daquilo que já é a memória do IPOR”, de forma a promover “a preservação, divulgação e disponibilização do acervo da instituição”, e anunciou que depois do guia lexical (um ‘dicionário’ altamente especializado dedicado a uma área específica) de conversação português-vietnamita, o IPOR está prestes a lançar outros. “Temos trabalhado em guias lexicais para a área da saúde, contabilidade e auditoria (…) e agora está para breve a apresentação pública do guia lexical para o jornalismo e para a administração”, avançou Joaquim Coelho Ramos. “A muito breve prazo, estamos a falar de uma semana, semana e meia, [será divulgado] um para o sector do turismo”, indicou.
Joaquim Coelho Ramos esclareceu que os guias “já estão produzidos, falta a data da apresentação pública”. O investimento na produção destes guias, com termos contextualizados, mas também expressões e por vezes frases focadas em temas e áreas de trabalho específicas, são importantes no âmbito da “aplicação no terreno” da língua portuguesa e no “desenvolvimento pessoal entre os professores e os alunos”, acrescentou. A atenção ao produto final, de uma forma muito pragmática, está ilustrada num detalhe, assinalou: “o guia lexical para a saúde foi impresso num tamanho que permite ser guardado no bolso da bata de um médico”.
Outra área de trabalho na qual o IPOR se tem focado “é na produção de materiais didácticos, na bibliografia e no digital”, assegurou. A justificação destas apostas é simples, concluiu: “As pessoas estão a olhar para a língua portuguesa como um instrumento pragmático, de acção directa no mercado”.
O IPOR conta com 27 funcionários a tempo inteiro que, com o apoio de algumas colaborações, procuram assegurar a vocação prioritária de promover o ensino da língua portuguesa, com uma vertente complementar focada na acção cultural.
Fundado a 19 de Setembro de 1989 pela Fundação Oriente e pelo Camões-Instituto da Cooperação e da Língua, o IPOR exerce a sua actividade, além de Macau, em países como o Vietname, Tailândia e Austrália, estando para breve a concretização também de projectos em Pequim, Chengdu e Nova Deli.

19 Set 2019

Joana Alves Cardoso, candidata às legislativas pelo CDS-PP | Apostar forte em Macau 

Advogada e com fortes laços ao território, Joana Alves Cardoso integra a lista candidata do CDS-PP, liderada por Gonçalo Nuno Santos, às eleições legislativas para a Assembleia da República em Portugal, pelo Círculo Fora da Europa. A candidata defende que a questão dos direitos do terreno onde está localizada a Escola Portuguesa de Macau deve ser alvo da atenção do Governo português e confessa que os resultados eleitorais vão ditar o estabelecimento de uma secção do partido em Macau

Porque decidiu avançar para esta candidatura?

Houve um convite pessoal feito pela líder do CDS-PP, Assunção Cristas, em Lisboa, e pelo candidato do CDS-PP ao Círculo Fora da Europa, Gonçalo Nuno Santos. Decidi avançar porque sou simpatizante do partido. Achei o convite natural.

Quais os maiores problemas sentidos pela comunidade portuguesa em Macau que vai destacar na sua candidatura?

Continuam a existir queixas quanto aquilo que os serviços consulares conseguem realizar. Existe uma efectiva quebra na ligação entre os órgãos de soberania em Lisboa e o que são as massas associativas junto das comunidades portuguesas. Há uma queixa que se prende com o facto de as redes consulares não utilizarem as línguas locais, pelo menos no seu funcionalismo. A comunidade portuguesa queixa-se de não ter os seus interesses ou os seus problemas absolutamente resolvidos pelos serviços consulares actualmente oferecidos.

Nesse sentido, qual a proposta do CDS-PP para a resolução desse problema?

Um dos pontos do programa eleitoral é a criação do que chamamos de consulados de proximidade, consulados esses que organicamente terão de ter uma comunicação diferente com os cidadãos e os utentes do consulado, que crie mecanismos de proximidade que não se prendam com os serviços consulares propriamente ditos. Deve haver uma ampliação dos serviços de apoio prestados pelo Governo de Portugal aos interessados.

O Governo português tem dito que os problemas com o funcionamento do consulado se prendem com questões financeiras, que não permitem um maior recrutamento de funcionários e um aumento salarial. Recrutar mais pessoas seria a solução para melhorar a situação?

Acho que a questão passará por dois vectores. Um será adequar os recursos humanos às necessidades das redes consulares. Tem sido manifestado pelo consulado que há um manifesto volume de trabalho ao qual este não consegue dar seguimento face à solicitação que tem. Haverá que implementar um programa de formação na comunicação dos funcionários face aos utentes, uma adequação de métodos de trabalho. Muitas vezes os utentes, quando procuram informação que depende dos serviços centrais, deparam-se com uma notória falha no processo. Haverá certamente limites orçamentais quanto ao recrutamento de pessoal, mas é verdade que hoje em dia as tecnologias colmatam muitas das falhas se forem bem implementadas. Houve francas melhorias ao nível do website, mas este tem-se limitado a ser uma plataforma de informação limitada e de reserva de acolhimento. Nesse aspecto a plataforma poderia ser melhorada face ao que são os hábitos de comunicação nos dias de hoje.

José Cesário é candidato pelo PSD, Augusto Santos Silva concorre pelo PS. Quais as expectativas face a estes dois candidatos?

O PS fez uma aposta forte, porque é a primeira vez que um ministro dos Negócios Estrangeiros em funções encabeça uma lista. José Cesário é uma pessoa muito conhecida e tem exercido um papel muito activo como deputado e ex-secretário de Estado. Ao CDS-PP interessa o facto de ser a primeira vez que faz uma aposta tão forte no Círculo Fora da Europa com candidatos locais.

Há o projecto de abrir uma secção do partido em Macau?

Veremos. Serão as próprias comunidades que verão a questão colocada na mesa. Não se retira a hipótese de abrir uma secção do partido em Macau, trabalharemos e estaremos disponíveis para isso, mas tudo depende dos resultados eleitorais, no sentido do que venha a ser um processo mais ou menos acelerado.

Que outras matérias ligadas à comunidade portuguesa, ao nível de direitos, liberdades e garantias ou questões laborais, por exemplo, que pretenda debater nesta campanha? O caso dos dois juristas que saíram do hemiciclo, por exemplo, preocupou bastante a comunidade.

Esse é um assunto de particular interesse e de uma particular realidade de Macau. A comunidade portuguesa em Macau tem um contexto histórico diferente face às outras comunidades portuguesas no exterior. Tenho assistido de forma observante e preocupada às informações que nos chegam de determinadas situações. Em relação à que me referiu em especial, e que teve destaque nos últimos meses, ainda estamos para saber os detalhes que envolveram a não renovação dos dois contratos, de forma a que não me vou alargar muito porque não sabemos as circunstâncias. Face aos direitos de residência de cidadãos portugueses, tem-se verificado um notório acréscimo de um poder discricionário mais limitado em relação à renovação dos pedidos de residência. Isso resultará de uma política do território e terá os seus fundamentos. Sem dúvida que a Assembleia da República (AR), através dos deputados pelo Círculo Fora da Europa, tem de estar preocupada com o cumprimento de prerrogativas históricas e legislativas que foram acordadas com países terceiros.

Na entrevista que concedeu ao HM, José Cesário também disse que a componente pedagógica da Escola Portuguesa de Macau (EPM) deve estar na agenda política. O CDS-PP tem o mesmo objectivo?

A questão da existência e da sustentabilidade da EPM deve ser sempre uma prioridade da AR, em especial do Círculo Fora da Europa. Mas as declarações do doutor José Cesário face à EPM revelam a falta de conhecimento profundo que o PSD tem quanto a matérias de particular importância em Macau, nomeadamente quanto a este tema em particular. E só podem ser justificadas pelo mero esquecimento que estes deputados tenham quanto ao que foi a origem do projecto da EPM.

Em que sentido?

É inequívoco que a EPM faz parte necessariamente da agenda política do Governo de Portugal porque o Ministério da Educação faz-se representar por três membros no conselho de administração da Fundação da EPM (FEPM), e como tal não é necessário que o PSD venha dizer que este tema precisa de estar na agenda para que isso aconteça. Por outro lado, quer o conselho de administração da FEPM, quer o órgão interno do conselho pedagógico da EPM, estão encarregues de assumir e orientar o projecto pedagógico da escola. Estes elementos podem, de forma capaz e articulada, promover o melhor projecto pedagógico para a EPM e para aquele que é o único público alvo da escola, que é o estudante que pretende frequentar o ensino de matriz portuguesa. Quanto à afirmação de que os alunos seguem estudos noutros países, e da existência de diferentes públicos-alvo, quero deixar duas notas. Mais uma vez revela-se uma falta de conhecimento ou um esquecimento face ao que foi o nascimento da escola, pois ela sempre foi feita de alunos que sabiam de outras opções que não passavam apenas por Portugal. E eu pessoalmente nunca soube de nenhum caso em que o nosso currículo fosse colocado em causa, antes pelo contrário. Sempre foi muito bem aceite em escolas na Europa, australianas ou americanas. Quanto às diferenciações em matéria do perfil do aluno, elas sempre existiram no liceu de Macau, no Colégio Dom Bosco e na Escola Comercial. O que aconteceu é que foi tudo aglutinado numa escola exclusivamente portuguesa. O que não tem acontecido, e isso sim deveria fazer parte da agenda política e ser uma prioridade, é haver um olhar mais atento aquilo que é a sustentabilidade da EPM.

Refere-se à sustentabilidade financeira?

É sabido que a associação de pais pediu, mais do que uma vez, contas à FEPM, e estas nunca foram satisfatoriamente prestadas. Por outro lado, e mais importante, é sabido que desde o inicio é a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM) que detém o direito sobre o terreno onde está localizada a escola. A APIM é uma mera accionista da FEPM e é livre de sair como qualquer accionista, como aliás fez a Fundação Oriente há algum tempo. Sabe-se também que a APIM nunca transmitiu esse direito da transmissão do terreno à FEPM, como seria de esperar, nem nunca diligenciou nesse sentido. E essa questão é essencial e deveria estar no topo da agenda política, porque decide, ou não, a afirmação de uma EPM livre de quaisquer vicissitudes.

José Cesário fez também uma crítica face ao posicionamento do CDS-PP relativamente às alterações à lei eleitoral. Como reage a isto?

No que concerne ao recenseamento eleitoral é falso o que o doutor José Cesário vem dizer, não é verdade que o CDS-PP não tenha participado nas discussões. Somos absolutamente a favor de uma alteração que promova a liberdade do voto e que facilite o voto nas comunidades portuguesas, mas facto é que, quanto ao voto electrónico, há ainda que se fazer estudos e implementar experiências e enquanto isso não acontecer a posição do CDS-PP é de que a lei eleitoral que temos terá, por hora, satisfazer positivamente as necessidades. O CDS-PP continua a pensar que o voto deve ser preferencialmente presencial, e não o sendo, não serão as associações locais as entidades mais adequadas para supervisionar o acto eleitoral.

Também houve críticas face ao posicionamento do CDS-PP em relação à lei da nacionalidade.

A última proposta apresentada pelo CDS-PP e PSD foi aprovada em 2015 e prendia-se sobretudo com a concessão da nacionalidade portuguesa a netos. É totalmente falso que o CDS-PP tenha estado longe dessas matérias. Quanto a outras propostas que têm vindo a ser apresentadas, o CDS-PP, não votou favoravelmente porque tem uma participação activa, mas discute as propostas apresentando os seus fundamentos. A lei da nacionalidade é demasiado importante para estar a ser alterada a cada seis meses ou um ano, sempre que uma bancada parlamentar entende que está na hora de acrescentar mais uma adenda. É uma lei estrutural do país e não devem ser pasmados orgulhos partidários. O CDS-PP toma como posição de que o critério que deve ser continuado a ser tomado em conta nas alterações à lei da nacionalidade é o do laço sanguíneo. De resto, as expectativas da comunidade portuguesa na diáspora é de que continue a prevalecer o critério do laço sanguíneo.

Assusta-a a abstenção nas próximas eleições?

Muito, é um dos pontos principais da minha candidatura individual. Como candidata inserida na lista tenho promovido o apelo ao voto, independentemente da escolha que as pessoas façam.

O consulado poderia ter tido um papel mais activo neste campo? Vítor Sereno, ex-cônsul, chegou a fazer uma campanha a apelar ao recenseamento eleitoral.

Poderia ser feita uma maior promoção do acto eleitoral começando por Portugal e acabando nas redes consulares. Se isso poderia ser feito pelo consulado, sem dúvida, mas não sei se esse é o propósito de Paulo Cunha Alves (actual cônsul). Conhecem-se algumas das plataformas digitais para verificar o recenseamento e capacidade eleitoral, mas é uma publicidade muito mitigada e institucional.

Nesse sentido, é também necessário que os partidos olhem com mais atenção para os eleitores portadores do passaporte português mas que não dominam a língua?

Será sempre uma comunidade portuguesa de origem chinesa, mas para mim é comunidade portuguesa. Tem de haver um trabalho maior de divulgação e de apelo à participação na vida comunitária, porque apenas com um sentido de pertença é que as pessoas abordam princípios de direitos cívicos. Falhando essa pertença à comunidade, dificilmente as pessoas se vão sentir próximas para cumprirem um dever cívico. Reforçaria o facto de o Círculo Fora da Europa ser desde há 30 anos o mesmo e isso não serviu para resolver problemas que se arrastam há anos. Considero que está na altura de haver uma verdadeira mudança.

30 Ago 2019

Fausto Pinto, director da FMUL: “Sei que há interesse da Universidade de Macau na medicina”

Está tudo a postos para o arranque do curso de medicina da Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau a 6 de Setembro, garante Fausto Pinto. O director da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que vai ser docente neste curso, adiantou ainda que reuniu com dirigentes da Universidade de Macau e que “há interesse em poder haver uma aproximação na área da medicina” por parte da instituição de ensino superior público

 

 

O curso de medicina da Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, sigla inglesa) arranca a 6 de Setembro. Como está o processo de preparação dos conteúdos pedagógicos?

[dropcap]N[/dropcap]ós, como Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), estamos a colaborar com a MUST para o curso de medicina que vai ser iniciado este ano. Há uns tempos visitei a universidade e a Faculdade de Ciências da Saúde, e desde há algum tempo que eu e outros docentes da universidade, com a professora Madalena Patrício, temos acompanhado este processo e dado o nosso apoio. A responsabilidade de elaboração dos conteúdos programáticos e do curso em si é da responsabilidade da universidade. Tanto quanto tenho percebido, neste momento o projecto está perfeitamente desenhado e em condições de poder começar. Temos as necessárias autorizações em termos locais. Há cerca de um mês estive em Macau e numa reunião com o professor Manson Fok foi-me dado a conhecer o projecto com mais detalhe. Parece-me um projecto muito interessante, muito bem organizado e estruturado e no qual nós, como FMUL, temos todo o gosto em poder colaborar. Sei que há outras universidades que também estão envolvidas nesse tipo de parceria. Assinámos um memorando de entendimento há dois anos e vamos reforçá-lo agora.

Como vai ser feito esse reforço?

Fará parte da cerimónia de abertura do curso (a 6 de Setembro) a assinatura desse complemento ao memorando de entendimento que foi assinado. Iremos reforçar alguns dos objectivos que tínhamos estabelecido, tal como a possibilidade de haver um programa de mobilidade de estudantes de Macau para Lisboa e vice-versa, e de docentes e investigadores também, com o potencial de poderem vir a ser desenvolvidos alguns trabalhos de investigação em conjunto. No fundo, é o que temos feito com várias universidades por esse mundo fora. Nós, como faculdade, reconhecemos o potencial deste curso da MUST, que está muito bem organizado e estruturado. Temos condições para trabalhar em conjunto com o objectivo de colaborar na estruturação e implementação deste novo curso de medicina em Macau.

Em termos práticos como será feita esta colaboração da FMUL?

Estamos ainda a organizar alguns detalhes, mas teremos a colaboração por parte de alguns docentes que vão leccionar em Macau e também por videoconferência. Também iremos promover a possibilidade de alguns alunos poderem estar connosco em fases mais avançadas do curso, na parte clínica, à semelhança do que fazemos com o programa Erasmus, que já está implementado há algum tempo na Europa. Será mais uma mobilidade com períodos de estágios parcelares em determinadas áreas que se entendam relevantes, até porque temos uma grande experiência nessa matéria. Já fazemos esse programa há muitos anos com várias universidades.

É importante para a FMUL esta parceria, ainda que com uma universidade privada, para que comece a criar raízes no sul da China? Pretendem abrir portas para a China?

Um dos objectivos da faculdade e da minha direcção é a internacionalização. Nesse sentido temos estabelecido projectos e protocolos com universidades pelo mundo fora. Na área da ciência e da medicina a globalização é algo que faz parte do nosso código genético. Temos um prazer particular em fazê-lo com determinados países e regiões com os quais temos relações especiais, como é o caso de Macau, Brasil e outros países de língua oficial portuguesa. Posso revelar também que estamos na fase de criação de uma rede de faculdades de medicina de língua portuguesa. Tenho vindo a liderar esse projecto com colegas de outros países de expressão portuguesa, e nos dias 13 e 14 de Novembro iremos promover um encontro para formalizar essa rede, que tem apoios governamentais e da CPLP. Temos várias faculdades do Brasil, Angola e Moçambique, e gostaria que a faculdade de medicina da MUST pudesse fazer parte deste projecto. Aliás, convidei o professor Manson Fok.

A FMUL tem recebido muitos alunos de Macau?

Em termos do ensino pré-graduado tem sido muito residual. No pós-graduado, na formação médica, temos recebido não só para a nossa faculdade, mas também para outras. Um dos aspectos particulares é que o ensino do pré-graduado em Portugal é feito em português. Temos todas as condições para poder dar os cursos em inglês, mas a medicina é a única área do saber em que não é possível ter o estatuto de estudante internacional. É proibido, em medicina, ter cursos feitos para estrangeiros, ao contrário das outras áreas do saber. É uma discriminação que existe na medicina desde há vários anos e contra a qual tenho lutado e manifestado a minha posição junto da tutela.

Quais as razões?

É uma questão política. Temos de acatar a ordem. Actualmente sou coordenador das escolas médicas portuguesas e há uma posição conjunta sobre o desejo do estatuto de estudante internacional se aplicar à medicina. Não entendemos como é que a medicina é a única área do saber em que isso não é possível. Apenas podemos receber os estudantes para estágios parcelares, no programa de Erasmus ou outro de colaboração.

No momento em que todas as universidades portuguesas estão a abrir portas aos alunos chineses, por exemplo, a FMUL não o poder fazer. Seria interessante essa ligação?

Seria muito interessante e estamos muito interessados. E falo não apenas como director da FMUL mas como coordenador da rede de escolas médicas portuguesas. Queríamos ter um curso internacional onde pudéssemos ter estudantes de várias partes do mundo, incluindo da China.

Voltando a Macau. Há uma falta de médicos especialistas e de recursos humanos na saúde em geral, mas há vozes que temem um excesso de formandos num curto espaço de tempo. Concorda com esta posição?

Tenho muito pouco a dizer porque tem a ver com aquilo que as autoridades locais entendem para o território. O que posso dizer é que havendo um novo curso de medicina legalmente reconhecido e sendo um objectivo estratégico da região, temos todo o interesse na colaboração. Os outros aspectos não nos dizem respeito. Estamos disponíveis para colaborar com estas ou com outras universidades, e devo dizer que temos contactos com a Universidade de Macau. Sei que estão a desenvolver potenciais actividades na área da medicina com as quais teremos todo o gosto em participar.

Eventualmente, outra licenciatura?

Tudo o que sejam actividades de formação médica reconhecidas pelas autoridades competentes teremos todo o gosto em poder colaborar, desde que sejam idóneas, como é o caso. Está tudo numa fase muito inicial. Esteve cá o vice-reitor (Ge Wei), estive lá este ano, visitei a UM e sei que há interesse em poder haver uma aproximação na área da medicina.

Macau tem sido um destino de interesse para muitos médicos portugueses, ou dos licenciados?

Sei de alguns casos isolados de médicos que estão em Macau e tem havido sempre algum interesse. Claro que quando falamos de um contingente tão grande, pois formamos à volta de 400 alunos por ano aqui na FMUL, e cerca de 1700 alunos formados em Portugal, presumo que é um número de residual de alunos que mostram interesse em ir para Macau. É uma área interessante de se poder desenvolver.

Macau é um dos territórios chave do projecto político da Grande Baía. Pode ser um território muito procurado na área da saúde, por populações vizinhas?

Em geral tenho acompanhado o desenvolvimento da medicina na China, e acho que tem sido interessante ver o desenvolvimento científico e médico, quer com o aumento da participação da China em vários projectos internacionais, quer com o movimento que se tem visto através de novos hospitais e centros de saúde. De uma forma geral a medicina convencional chinesa tem tido um enorme desenvolvimento. O projecto da Grande Baía, que tenho acompanhado, parece-me muito interessante, e sobretudo penso que há uma vontade de desenvolver estruturas ao nível das faculdades e de estruturas médicas, em Zhuhai, Shenzen e Hong Kong, embora este território já tenha o peso que tem ao nível das estruturas médicas. Penso que Macau terá agora um reforço com esta nova faculdade e eventualmente com outra faculdade, e diria que existe claramente um interesse em poder reforçar a medicina na vertente da formação, existencial e da investigação.

 

Sem resposta

Foram feitos contactos, por telefone e email, junto do gabinete do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, que tem a tutela da saúde, da Universidade de Macau, da Direcção dos Serviços do Ensino Superior e dos Serviços de Saúde. Contudo, até ao fecho desta edição, não foi possível obter mais esclarecimentos.

28 Ago 2019

José Cesário, candidato à AR pelo Círculo Fora da Europa: “A EPM tem de estar na agenda política”

José Cesário volta a candidatar-se ao lugar de deputado da Assembleia da República pelo Círculo Fora da Europa nas eleições legislativas de Outubro. Lamenta que o funcionamento dos consulados se tenha degradado ainda mais e espera colocar os conteúdos pedagógicos da Escola Portuguesa de Macau na sua agenda política

 

Que balanço faz desta legislatura na Assembleia da República (AR)?

[dropcap]F[/dropcap]oi muito marcada por alguns problemas muito específicos, isto falando na área das comunidades portuguesas. Foi uma legislatura muito condicionada pela questão da Venezuela, uma situação que evoluiu de forma anormal e que se mantém grave. O Brexit fez com que mantivéssemos uma grande atenção face à evolução da situação no Reino Unido na óptica do acompanhamento da nossa comunidade. Foi uma legislatura em que sentimos necessidade de manter o Governo sob uma grande pressão porque achámos, a partir de determinada altura, que a resposta dos nossos serviços administrativos na relação com os portugueses da diáspora, sobretudo no plano consular, foi uma resposta que ficou muito aquém do necessário e que, aliás, se foi degradando de forma muito visível. Registou-se um atraso nas marcações nos postos consulares, bem como enormes e brutais atrasos em Portugal que são essenciais para o funcionamento dos consulados, ligados à emissão de documentos e com a questão da nacionalidade. Esses atrasos passaram de três meses para dois anos. Houve muitas condicionantes, mas evidentemente que demos alguns passos.

Quais?

Um dos passos dado foi no plano da legislação eleitoral, tendo sido introduzidas algumas alterações na lei que acho que facilitam um pouco a votação dos portugueses na diáspora. Foi a regulamentação da lei da nacionalidade, embora não tenha sido a regulamentação que nós desejámos. Mesmo com a reprovação de várias propostas nossas neste domínio que visavam a simplificação dos procedimentos de aquisição de nacionalidade originária por parte dos netos dos descendentes portugueses, a verdade é que se deu um passo positivo, pois as pessoas já podem apresentar os seus pedidos e em alguns casos vão vê-los despachados favoravelmente.

No âmbito da lei da nacionalidade há muitos pedidos em Macau?

Macau tem pedidos, mas não lhe posso particularizar se são muitos ou poucos. As grandes alterações que se fizeram nos últimos tempos não são alterações que se repercutam muito em Macau, porque são direccionadas para as segundas gerações, os netos de cidadãos nacionais. Mas sei que mesmo no domínio da inscrição para nacionalidade de filhos portugueses já há muita gente de Macau e de Hong Kong, e sei que há alguns atrasos.

Mantiveram-se os problemas de funcionamento do consulado em Macau. Gostava de ter visto uma melhoria neste campo?

O que se passou em Macau passou-se noutros postos consulares, mas de facto a situação degradou-se muito. Sabemos que neste momento as marcações para a renovação de documentos estão com um período de espera de vários meses e isto tem a ver com vários factores que se arrastam desde o tempo em que estivemos no Governo, sobretudo as questões ligadas aos salários dos funcionários. Mas há novos factores, como a alteração do horário de trabalho dos funcionários sem que isto tenha sido acompanhado de um recrutamento de um número significativo de pessoas. O Governo quis tomar uma atitude simpática para com os funcionários, mas isso traduziu-se numa redução de um sexto ou um sétimo dos trabalhadores nos postos consulares. Não tendo havido esse recrutamento, e não se tendo recorrido mais a uma terciarização de serviços, é evidente que o resultado foi negativo. Macau é um desses casos, mas não é o único.

No encontro anual do PSD sobre emigração, que decorreu este fim-de-semana em Portugal, quais foram os maiores problemas apontados?

Discutiram-se opções políticas relativamente ao que faremos no futuro uma vez eleitos, quer na óptica de sermos Governo ou de ficarmos na AR. Essas opções serão divulgadas em breve, mas traduzem-se numa linha de continuidade com aquilo que tem sido a nossa acção. Existe a necessidade da legislação sobre a nacionalidade continuar a evoluir para que os processos sejam mais expeditos e menos burocratizados. Também é preciso que a rede de escolas portuguesas no estrangeiro continue a desenvolver-se e a legislação eleitoral ser mais ajustada à realidade actual. O voto electrónico tem de ser encarado de forma muito clara. São aspectos que no devido tempo serão discutidos e apresentados às pessoas.

Sobre as próximas eleições legislativas. Volta a candidatar-se ao lugar de deputado, e Augusto Santos Silva é candidato pelo PS ao Círculo Fora da Europa. Que expectativas deposita neste acto eleitoral?

A nossa expectativa é simples, é ganhar as eleições. É isso que está em causa e esperamos ganhá-las em Macau e no resto do círculo para onde me candidato. É evidente que respeito muito a candidatura de Santos Silva e tenho muita consideração por ele, acho que é um ministro com muita visibilidade. É um homem competente mas acho que no domínio das comunidades teve algumas falhas, até no domínio da proximidade com as pessoas. Mas é um adversário que valoriza muito este confronto eleitoral.

Que falhas mais especificas aponta?

Hoje os consulados estão a funcionar muito pior do que quando estava no Governo, não há comparação possível. Houve promessas que foram feitas no domínio da rede de escolas portuguesas. Ele (Augusto Santos Silva) assumiu, com data de início, a escola portuguesa de São Paulo e ainda hoje nada existe. No domínio da legislação eleitoral, o Governo não quis que se fosse mais longe do que se foi. Poder-se-ia ter ido mais longe e uniformizado, pelo menos, o método de votação para todas as eleições e não apenas para as legislativas. Por exemplo, a opção pelo voto presencial não foi divulgada e o Governo era obrigado a fazê-lo. Hoje, na área social, há menos apoios para as comunidades carenciadas do que quando estávamos no Governo. Santos Silva era o ministro (dos Negócios Estrangeiros), sei que estava mais preocupado com outras questões, mas aí falhou.

Um estudo académico diz que o voto dos emigrantes portugueses tem menor representatividade face ao voto dos que residem em Portugal, e que os partidos são culpados disso. Qual o seu comentário sobre esta matéria?

Desconheço o estudo. O que posso dizer é que houve mais propostas do que aquelas que foram aprovadas e que se deram passos positivos. Muitas não mereceram consenso por uma questão de fundo, pelo facto de haver posições de princípio na sociedade portuguesa, nomeadamente da parte de partidos de esquerda, que não permitem, por exemplo, que os cidadãos da diáspora possam votar nas mesmas condições em que votam os que residem em Portugal, com medo que isso altere completamente os resultados de actos eleitorais, como a eleição para o Presidente da República e o Parlamento Europeu sem que o círculo seja único. Este aspecto é basilar e fez com que, durante muito tempo, esses partidos de esquerda não aceitassem os votos dos não residentes em Portugal para a Presidência da República. A história não se reescreve, está escrita e dá-nos os factos. Essas forças políticas mais à esquerda têm estado a anos luz daquela que é a realidade da integração na diáspora na vida política portuguesa.

Preocupa-se com a possibilidade de a abstenção voltar a ser elevada nestas eleições?

Assusta-me, fico muito preocupado. Até porque há outro aspecto que é preciso ter em consideração, que é o facto de os sistemas de correios estarem a funcionar pior na generalidade dos países face ao que funcionavam há alguns anos. Em países como o Brasil ou a Venezuela os correios praticamente não funcionam. Admito que isso venha a influenciar fortemente o resultado final, que muita gente queira votar e não consiga, embora eu esteja à espera de mais votos do que nas últimas eleições. Tenho muito receio que a abstenção seja brutal.

Macau tem um contexto específico de ter muitas pessoas com capacidade de voto nas eleições portuguesas que não dominam a língua. É necessário que os partidos tenham maior aproximação e mais medidas para estas pessoas, que passem pela tradução dos programas políticos?

Claro que sim, por isso é que o meu partido tem procurado que nas suas estruturas locais haja pessoas com o domínio da língua chinesa, para poder haver uma interacção. Essa é uma realidade incontornável na China, Macau e Hong Kong, onde residem 30 mil portadores de passaporte português, mas é valido também na Índia, EUA ou Canadá, onde temos milhões de luso descendentes que não falam português.

Neste sentido, a secção do PSD em Macau tem feito um bom trabalho ou podia ser mais activa?

Esta resposta não lha posso dar como deputado pois têm de ser os militantes do partido a responder. A minha opinião pessoal é de que tem sido desenvolvido um trabalho interessante.

Caso seja eleito, quais os pontos principais que terá na sua agenda?

Há um aspecto muito importante em Macau que se prende com a Escola Portuguesa de Macau (EPM), e que tem de ser colocado de forma muito clara na agenda política, e eu vou continuar a insistir nesse ponto. Diz respeito ao projecto pedagógico da EPM, pois esta tem de ser olhada como uma escola que serve públicos muito diferenciados, pois há muitos possíveis alunos da escola que não vão prosseguir os seus estudos em Portugal. Esse projecto pedagógico tem de considerar esta parte oriental, mas que dá à EPM uma dimensão muito maior do que aquela que tem hoje. No domínio dos consulados e da resposta administrativa do Estado português, uma questão à qual me vou dedicar muito é sobre a possibilidade do passaporte português passar a ter uma maior data de validade do que aquela que tem hoje. Tem cinco anos de validade e poderia ir para dez anos ou um prazo superior.

Assunção Cristas, líder do CDS-PP, defendeu a criação de um novo círculo eleitoral, destinado aos países lusófonos. Macau não é um país mas é um território onde se fala português. Qual a sua posição sobre esta matéria?

Essa ideia não é nova, já foi discutida várias vezes. Não vou dizer como Macau ficaria porque só poderia ser analisada depois. Mas desejaria que o CDS-PP pudesse ter tido uma participação mais activa na discussão e aprovação deste tipo de legislação eleitoral. Foi o único partido que não votou favoravelmente sobre nenhuma das disposições que estiveram em cima da mesa, nem a gratuitidade do voto, o automatismo do recenseamento, a adopção do voto presencial e postal nas legislativas, a adopção do voto electrónico. O CDS-PP esteve muito longe de tudo isto e também das alterações à lei da nacionalidade. Acho que o partido é importante neste domínio, mas não basta atirar para o ar uma ideia ou outra.

O que tem a dizer sobre a reacção das autoridades políticas portuguesas ao que se está a passar em Hong Kong, sobretudo face à forma como isso pode afectar as comunidades portuguesas residentes em Hong Kong e Macau? Estava à espera de uma melhor resposta?

Nessa matéria nada nos separa do Governo, pois neste momento não existe a proposta em causa, porque foi retirada de discussão. Temos o princípio de respeito pela soberania de outros países e quebramos o nosso silêncio quando estão em causa de forma clara e inequívoca direitos fundamentais. Faríamos isso numa situação muito grave e extrema. Como a proposta foi retirada, não merece discussão.

21 Ago 2019

João Costa Pinto, vice-presidente da Fundação Oriente: “Macau não pode ser vítima do seu sucesso”

Ex-secretário adjunto de Almeida e Costa e antigo presidente do BNU, João Costa Pinto acredita que o futuro de Macau passa pelo que a resolução da crise política de Hong Kong indicar. Para o responsável, Carrie Lam errou, mas os manifestantes também devem perceber os limites das suas reivindicações. O economista, que fez de tudo no Banco de Portugal, lamenta que o BNU tenha sido absorvido pela Caixa Geral de Depósitos

 

Falávamos que a sociedade de Macau ainda é muito conservadora, mas isso não o surpreende.

[dropcap]R[/dropcap]epare, Macau sempre foi uma situação, a muitos títulos, única, mesmo comparando a Hong Kong ou Singapura. Quando cheguei a Macau (em 1981) vivia-se um período de viragem na economia chinesa e na envolvente de Macau.

O país estava a abrir ao mundo.

Sim. Era um jovem economista com uma visão muito particular dos problemas económicos e financeiros, muito europeia e ocidental, e devo dizer que me dei conta que a realidade de Macau era única. Macau surgia simultaneamente como um produto da história, o resultado de uma evolução histórica extremamente interessante e única com um mundo envolvente em transformação. A China, pela mão de Deng Xiaoping, iniciava um processo de abertura ao mundo e Macau era uma espécie de situação intermédia entre tradição e passado e a modernidade que estava presente em Hong Kong. Em Macau conviviam três grupos sociais distintos: a população chinesa, a macaense e uma relativamente pequena comunidade portuguesa proveniente da metrópole. Havia uma particularidade, muito portuguesa, uma vez que periodicamente eram feitas mudanças no topo da Administração portuguesa em Macau e chegava outra que partia do zero. Era o que chamei de Administração sem memória.

Não havia continuidade de políticas.

Não havia. Isso era um problema, pois mesmo que a Administração portuguesa quisesse e soubesse fazer, era difícil que impulsionasse um processo de modernização e de mudança da própria economia e sociedade. Na altura fiquei com toda a área da economia e das finanças.

Foi secretário adjunto do governador Almeida e Costa.

Sim. Tinha uma formação essencialmente financeira, vinha do Banco de Portugal. Quando cheguei a Macau vivia-se um período em que surgiam por todo o lado movimentos de offshores e de globalização dos mercados financeiros. Hong Kong era um dos grandes centros de desenvolvimento financeiro do mundo e rivalizava, já naquela altura, com Londres e Singapura. Quando cheguei, uma das minhas ideias era fazer com que Macau pudesse beneficiar deste movimento de integração financeira mundial. O território, de certa maneira, estava parado no tempo. Muito do enquadramento administrativo e legal que existia ainda reflectia em parte o enquadramento colonial português, e as soluções que eram desadequadas para o novo mundo que se estava a desenvolver. Quando percebi que era necessário mudar todo esse enquadramento, modernizar todo o sistema bancário e financeiro, alterar profundamente todo o quadro legislativo que existia, melhorar as telecomunicações, tive sorte porque contei, na altura, com o apoio do Governo e, sobretudo, dos líderes da comunidade chinesa local, nomeadamente de um homem que tinha uma grande importância, o Ho Yin. Também tive o apoio do líder da comunidade macaense, Carlos d’Assumpção.

É nesta fase que se instituem as sociedades offshore no território.

Também. Criaram-se as novas licenças bancárias, e também estive envolvido na revisão profunda do contrato de jogo, que era outro elemento muito importante, com a STDM. O contrato alargou muito substancialmente as receitas da Administração, o que permitiu que esta passasse a ter outra capacidade financeira. Foi lançado um concurso internacional relativamente à empresa que viria a controlar as telecomunicações locais, pois, quando cheguei, para se ter um telefone esperávamos meio ano. É evidente que tudo isto iria no futuro depender muito do próprio desenvolvimento da China. Nessa altura também se verificou o lançamento das Zonas Económicas Especiais que iriam ter uma importância extraordinária. Desde o início do grande movimento de modernização da economia chinesa foi claro para mim que as autoridades chinesas perceberam o enorme potencial que representava todo o estuário do rio das pérolas. Era uma plataforma a partir da qual poderia irradiar capital e investimento para outras regiões da China e Macau iria depender sempre desse movimento. Ao fim de quatro anos decidi regressar a Portugal.

Foi uma decisão sua?

Sim. No entanto, tive a possibilidade de continuar a acompanhar de perto toda a evolução de Macau porque assumi depois a presidência do Banco Nacional Ultramarino (BNU) onde estive quatro anos e meio. Iniciei as negociações que permitiram garantir a permanência do BNU como emissor da moeda mesmo depois da transferência de soberania.

O papel do BNU tem sido devidamente aproveitado num novo contexto?

Não conheço em detalhe da actuação do banco. A Caixa Geral de Depósitos (CGD) controla hoje 100 por cento do capital do BNU que, contra a minha opinião, foi absorvido e desapareceu como marca. Foi um erro do Estado português ter concordado e cedido às pressões da administração da CGD para absorver o BNU. Percebo porque é que o fizeram, pois o BNU tinha profissionais de grande qualidade que foram beneficiar a Caixa, mas foi um erro. O BNU poderia ser mantido autónomo, especializado, porque era uma marca conhecida quer na Ásia quer na Europa. Durante o meu mandato tinha reaberto uma sucursal em Londres. Havia um enorme potencial que infelizmente foi destruído com essa decisão. Foi mais um erro dos muitos que se tem feito. Felizmente foi mantida a autonomia do BNU.

Hoje talvez o grupo CGD beneficie imenso devido à crise financeira que se vive em Portugal, por contraste aos excelentes resultados que o BNU tem.

Mas podia beneficiar na mesma se o banco permanecesse autónomo, pois a Caixa continuaria a ser dona de cem por cento do capital. Claro que não surgiria nas contas da Caixa, mas sim no consolidado. Felizmente que Macau continua a prosperar e a dar um contributo muito importante para o grupo CGD.

Até 2021 as sociedades offshore em Macau vão encerrar. É um passo importante para uma maior transparência e credibilidade junto de entidades internacionais?

Repare: é uma fase que corresponde a uma mudança profunda do sistema financeiro internacional. As razões que levaram à criação desses centros offshore alteraram-se profundamente, embora continue a haver centros offshore no interior dos EUA. Mas há um escrutínio cada vez maior sobre os fluxos de capitais e houve nos últimos anos duas grandes preocupações, quer para as agências internacionais e Governos, no sentido de controlo de movimentos ilegais de capitais. Certamente as autoridades de Macau terão chegado à conclusão que para preservarem a qualidade de Macau como centro financeiro tem de se dar esse passo. Acho normal.

Vivemos uma guerra comercial entre a China e os EUA. A pataca continua a estar indexada ao dólar americano…

Também aí se estão a verificar mudanças, meramente potenciais, e porquê? Porque o enorme desenvolvimento económico e financeiro que se verificou na China nos últimos anos fez com que tenha havido uma alteração, com consequências profundas, que é a existência de duas moedas. A moeda internacional convertível foi adoptada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e isso vai acabar por ter consequências, porque a China tem hoje reservas enormes do ponto de vista cambiais, estamos a falar de triliões de dólares. O que leva muita gente a interrogar-se se Macau e Hong Kong têm hoje a mesma importância que tiveram no passado para a economia da China. Eu acho que Macau e Hong Kong, de forma distinta, mantêm uma grande importância como ponto de entrada de capitais. No caso de Hong Kong, há um mercado de capitais altamente desenvolvido onde estão cotadas muitas das principais empresas chinesas e internacionais.

Mas acredita que, à medida que a moeda chinesa se vá internacionalizando mais, haja uma indexação da pataca à moeda chinesa?

É difícil responder. Nada acontecerá à pataca sem acontecer em Hong Kong primeiro. Isto levanta uma questão quase estratégica, que é: interessa às autoridades chinesas manter o sistema financeiro de Hong Kong de alguma forma ligado ao dólar, ou não? Enquanto o dólar mantiver a sua importância como a primeira moeda internacional, estou convencido que interessa à economia chinesa a ligação da moeda de Hong Kong ao dólar internacional. Mas se amanhã a moeda chinesa viesse a rivalizar com o dólar em peso mundial o problema punha-se de maneira distinta. Mas essa questão vai depender muito do próprio futuro de Hong Kong, que será determinado pelos problemas políticos actuais.

Está pessimista face ao que está a acontecer em Hong Kong?

Estou sobretudo surpreendido e preocupado. Hong Kong tem um enquadramento constitucional e político que decorre dos termos em que a soberania do território foi devolvida à China. É evidente que a relação que iria existir entre a sociedade de Hong Kong e a China iria também ela própria ser muito condicionada pela evolução política interna da China. E não há dúvida nenhuma que o próprio desenvolvimento económico e financeiro extraordinário da China criou um novo quadro, tensões sociais e até políticas novas. A minha surpresa é face à dimensão e intensidade do problema que se gerou em Hong Kong. É evidente que o Governo local cometeu um erro grave de avaliação.

Na apresentação da proposta de lei da extradição e do seu impacto.

Exactamente. Sobretudo face a uma população muito jovem, de educação muito elevada que convive mal e sempre conviveu mal com determinados princípios que estão subjacentes a um quadro constitucional onde Hong Kong vive.

Há também problemas económicos e sociais.

Sim, sem dúvida. Sou um democrata e um liberal, mas tenho a percepção de que aqueles que, em Hong Kong, tem aspirações legítimas de democracia, têm de ser minimamente realistas para perceber que o território tem uma situação geográfica, histórica e política em que há um equilíbrio mínimo que é preciso preservar. O movimento reivindicativo, que pode ser legítimo, não quer perceber ou não é capaz de perceber a intensidade das pressões que está a desencadear e os desequilíbrios que está a provocar. Estou surpreendido pela incapacidade do Governo de Hong Kong de responder minimamente, de forma a reduzir a pressão política interna. Está-se a caminhar para uma situação mais perigosa do ponto de vista político. Espero que o bom senso prevaleça e que a realidade de Hong Kong, que é um produto histórico extraordinário, não seja irremediavelmente afectada.

O Governo de Hong Kong já fala do cenário de recessão técnica na área financeira. Macau poderá sofrer consequências?

Um dos elementos que explica a enorme prosperidade do mercado de Hong Kong é ser um mercado liberal. Se houver um refluxo desta liberdade ou receios, Hong Kong pode enfrentar uma situação perigosa de uma saída maciça de capitais, riqueza, empresas e de talentos. Isto iria esvaziar Hong Kong e acabaria por ter reflexos sobre Macau, embora Macau tenha uma realidade distinta. Não tem massa critica para ter uma autonomia como a de Hong Kong. Não vejo que em Macau os problemas se possam pôr a esse nível. O que vejo é que os riscos que Macau corre é de uma completa descaracterização, pois esse fluxo imenso de gente que se está a verificar em Macau necessita de ser minimamente controlado, se não haverá problemas crescentes de gestão urbana e de condições de vida. Seria uma pena se Macau fosse vítima do seu próprio sucesso.

É vice-presidente da Fundação Oriente (FO). Quais os projectos para o futuro?

Fui convidado pelo presidente do conselho de administração (Carlos Monjardino) há cerca de dois anos, e aceitei porque sempre considerei que a FO poderia ter um papel importante na manutenção de pontes e ligações entre Portugal e o Extremo Oriente, em particular a China e Macau. Estou muito satisfeito porque constato que é exactamente o que a FO tem vindo a fazer. Portugal é um país pequeno com uma imensa herança histórica e tem imensas limitações para, através dos poderes públicos, ter grandes iniciativas internacionais. A FO dá um contributo muito importante.

Em Abril debateu-se, aqui em Lisboa, o futuro de Macau, mas, não sei se concorda, acabou por se falar mais do passado. Pergunto-lhe agora qual vai ser o futuro de Macau tendo em conta o contexto de integração regional que se avizinha?

Não me admira que tenha ficado com a sensação de que se falou muito do passado, pois não é fácil falar do futuro, sobretudo de uma realidade com o dinamismo que tem aquela região. Este é um momento chave pelo que está a acontecer em Hong Kong, e o futuro de Macau e daquela região vai depender muito da saída que as actuais tensões tiverem. Se a saída for como todos esperamos, o essencial é preservado. Esperemos que da parte das autoridades chinesas haja prudência e muita paciência, e do lado da sociedade de Hong Kong também haja bom senso…

Em que sentido?

Há limitações naquilo a que se pode aspirar e exigir para o futuro do território em termos de autonomia. Se esta crise acabar por ser resolvida sem problemas de maior em que o enquadramento constitucional é preservado, estou convencido que o futuro de Macau e de Hong Kong vai ser de progresso e desenvolvimento económico e social.

20 Ago 2019

“Mafiosos e inacção policial” podem dar desculpas a Pequim para Exército entrar em Hong Kong, diz Bonnie Leung

[dropcap]A[/dropcap] porta-voz do movimento que tem liderado protestos maciços em Hong Kong disse hoje à agência Lusa recear que Pequim possa justificar a entrada do Exército chinês no território com a “ajuda de mafiosos e a inacção da polícia”.

A vice-coordenadora da Frente Cívica de Direitos Humanos (FCDH), Bonnie Leung, lembrou que “existem leis que determinam quando o Exército Popular de Libertação chinês deve ser mobilizado”, sob o princípio “Um País, Dois Sistemas”, mas que tal só pode acontecer a pedido do Governo de Hong Kong, se este alegar que não consegue controlar a situação.

A activista defendeu, por um lado, que “os manifestantes não deram desculpas para o Governo de Hong Kong ou de Pequim usarem esta medida”. “Contudo, receio que posam criar essas desculpas”, alertou, recordando os ataques a manifestantes ocorridos a 21 de Julho, supostamente cometidos por elementos das tríades, após os quais a polícia foi acusada de inacção.

“Tememos que, com a ajuda de mafiosos e a inacção da polícia, possam arranjar desculpas para mobilizar o Exército”, frisou. Contudo, a coordenadora da FCDH admitiu que é necessário voltar a focar a luta nas exigências iniciais e em promover protestos pacíficos maciços como aquele que a 16 de Junho juntou cerca de dois milhões de pessoas, um número que representa quase um terço da população de Hong Kong.

Por isso, este domingo a FCDH “decidiu organizar mais uma manifestação maciça para colocar o foco de novo nas nossas cinco reivindicações e com um largo número de participantes nas ruas”, declarou.

“Queremos mesmo deixar de ter o foco (…) nos confrontos, na violência” e “acreditamos que com as imagens de centenas de milhar de pessoas ou mesmo de milhões nas ruas pode criar-se uma outra onda de pressão sobre o Governo e mostrar de novo ao mundo que os manifestantes de Hong Kong podem ser pacíficos”, acrescentou.

“Este é um movimento sem liderança”, destacou, ressalvando que “alguns manifestantes podem ter outras abordagens mais radicais”.

Algo que o movimento não recomenda, até porque, explicou, teme pela segurança dos jovens e das consequências legais.

Contudo, sustentou, os comportamentos mais radicais de alguns manifestantes explicam-se pelo facto de o Governo ter ignorado todos os protestos pacíficos.

Por isso, defendeu, “o diálogo deve começar”, com o movimento, com os deputados pró-democracia e grupos de advogados, exemplificou, frisando que existe essa vontade para se sentarem à mesma mesa com a chefe do Governo de Hong Kong.

O objectivo da manifestação e da marcha de domingo passa por exigir que o Governo responda a cinco reivindicações: retirada definitiva da lei da extradição, a libertação dos manifestantes detidos, que as acções dos protestos não sejam identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial e a demissão da chefe do Executivo, Carrie Lam.

Há mais de dois meses que Hong Kong é palco de protestos maciços, marcados por violentos confrontos entre manifestantes e a polícia, que tem usado balas de borracha, gás pimenta e gás lacrimogéneo.

16 Ago 2019

Direitos humanos | Académica diz que Portugal não quer “beliscar” relação com a China 

Carmen Amado Mendes, professora na Universidade de Coimbra, defendeu ao HM, referindo-se à área dos direitos humanos, que “sempre houve, do ponto de vista de Portugal, uma preocupação muito grande em não ofender a parte chinesa”. Portugal condenou, de forma multilateral, a situação em Xinjiang no contexto das Nações Unidas e dificilmente o irá fazer de forma bilateral, adiantou a académica. Carmen Amado Mendes diz ainda que o proteccionismo no Brasil face à China é anterior a Jair Bolsonaro

[dropcap]P[/dropcap]rofessora de relações internacionais na Universidade de Coimbra (UC) e especialista em assuntos relacionados com a China e Macau, Carmen Amado Mendes falou esta terça-feira em Lisboa numa palestra promovida pelo espaço Casa Ninja e que teve como tema “A presença da China nos países de língua portuguesa”.

À margem do encontro, a académica disse ao HM que, em matéria de direitos humanos, os parceiros lusófonos da China nunca quiseram por em causa a relação diplomática estabelecida, pelo que preferem o silêncio face a muitas questões.

“Não tem havido interesse por parte destes países em referir a questão dos direitos humanos. Por parte dos países africanos as razoes são óbvias, porque eles próprios tem problemas a este nível e a relação foi estabelecida do ponto de vista das elites que se protegem mutuamente e que fazem as negociações, muitas vezes, sem terem consideração os interesses da população.”

No que diz respeito a Portugal, Carmen Amado Mendes recorda que “sempre houve uma preocupação muito grande em não ofender a parte chinesa, mas é uma questão que vem da nossa história”.

DR

Neste sentido, a professora universitária dá o exemplo de Macau. “A nossa presença em Macau, com excepção de alguns episódios críticos da história, foi sempre uma presença muito passiva ou muito reactiva relativamente ao que o lado chinês nos ia permitindo ou às portas que se iam abrindo. Penso que nenhum líder português vai querer algo que belisque ou possa beliscar a relação com a China.”

Recentemente, o semanário Expresso noticiou a tomada de posição de Portugal sobre à situação em Xinjiang. A notícia, com o título “Costa irrita Pequim ao defender uigures”, dava conta de que Portugal é um dos Estados-membros da União Europeia “que querem que ‘as autoridades chinesas respeitem os direitos dos uigures e de outras minorias da província de Xinjiang’”, numa iniciativa feita “no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas”.

O mesmo jornal adiantou que o facto de Portugal ter tomado uma posição “terá irritado as autoridades de Pequim, que se sentiriam protegidas de críticas pelos avultados investimentos chineses em Portugal sem sectores como a banca, energia, seguros e saúde”.

Uma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) em Portugal referiu ao Expresso que “as autoridades chinesas conhecem as posições de Portugal a respeito das questões dos direitos humanos”, sendo que é uma área em que os dois países “tem posições distintas”.

Carmen Amado Mendes destaca o facto de essas “manifestações acontecerem num contexto multilateral”, pois, a nível bilateral, “as coisas são feitas de forma a que não constituam um entrave ao bom relacionamento”. “Essas declarações são sempre feitas em contexto que não põe em perigo o bom relacionamento bilateral, essa é a preocupação principal de Portugal”, acrescentou.

Reacção “não é tardia”

O posicionamento dos Estados-membros da UE e os argumentos constam de uma carta datada de 22 de Julho e que será tornada publica quando o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos assim o entender, disse o MNE em resposta escrita ao HM.

O ministério liderado por Augusto Santos Silva entende que esta tomada de posição “não foi tardia”.

“As autoridades chinesas conhecem as posições de Portugal a respeito das questões dos Direitos Humanos. Conhecem também a convergência da posição portuguesa com a da União Europeia e ambos, Portugal e China, sabem que este é um domínio em que as posições dos dois países são distintas. Recorda-se que a UE e a China têm um diálogo regular sobre Direitos Humanos e que ainda na última Cimeira de Abril reafirmaram a importância que concedem a tal diálogo”, adiantou o MNE na mesma resposta.

Questionado sobre se esta tomada de posição pode vir a afectar o relacionamento bilateral entre a China e Portugal, ou potencialmente afastar investimentos do país, o MNE rejeitou essa possibilidade.


Proteccionismo pré-Bolsonaro

“Não podemos generalizar o investimento chinês nos PALOP”

Carmen Amado Mendes alertou ainda para o facto de “o contexto diplomático ter mudado” entre a China e o Brasil com a tomada de posse do Presidente brasileiro Jair Bolsonaro, mas defende que o proteccionismo económico sempre foi adoptado pelo país. “Esse proteccionismo é muito anterior a Bolsonaro. Poderia não ser visível do ponto de vista diplomático mas era muito visível quando falávamos com pessoas de topo, por exemplo na Federação das Indústrias de São Paulo ou com uma série de instituições do Governo brasileiro que tinham a seu cargo a relação com a China. Na própria Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), ou no Conselho Empresarial Brasil-China, há décadas que se faz a advocacia de medidas proteccionistas.”

Carmen Amado Mendes destaca o facto das autoridades brasileiras terem alterado a lei de terras para evitar que empresários chineses adquirissem terrenos para a produção de soja.

Ainda assim, “não nos podemos esquecer que a China e o Brasil precisam um do outro no contexto internacional da sua afirmação enquanto potências emergentes”. “Isso ficou muito visível desde a criação do grupo dos BRICS, que foi uma ligação que estes países aproveitaram do ponto de vista diplomático e foi uma ideia que foi lançada com motivações puramente financeiras pela Goldman Sachs, mas que os países aproveitaram porque que isso lhes traz visibilidade no plano internacional.”

Grupo dos três

Carmen Amado Mendes defende que o investimento chinês nos países de língua portuguesa é diferenciado, estabelecendo três grupos distintos de países: de um lado, os africanos, do outro o Brasil e Portugal, e depois Timor-Leste.

“Não podemos generalizar o investimento chinês nos países de língua portuguesa, porque é distinto. Temos, por um lado, os países africanos e Timor, e, por outro lado, o Brasil que compete com a China no mercado interno e critica imenso a China pela exportação de produtos manufacturados, nomeadamente no ramo automóvel, o que acaba por competir ou impedir o desenvolvimento das empresas brasileiras.”

A docente universitária acredita que “o investimento da China nestes três grupos de países vai-se ajustando às imposições que estes países fazem face à presença chinesa”. “Só o comportamento destes países dirá o que vai acontecer no futuro”, frisou.

Ajudar a China fora dela

No que diz respeito aos países africanos, o investimento chinês tem vindo a fazer-se de outra forma. “Até ao momento o investimento que a China tem feito nos países de língua portuguesa tem sido ditado pelos padrões estabelecidos pela própria China. Isto é principalmente visível nos países africanos, em que foi a China que ditou as regras do jogo, estabeleceu um modus operandi muito próprio, com o modelo em que constrói infra-estruturas em troca de recursos naturais, levando mão-de-obra.”

Com este modelo, a China encontrou “uma forma de combater o desemprego interno, com uma preocupação social evidente, pois ao exportar a sua mão-de-obra, exporta os seus materiais de construção, o que faz com que continue a promover o desenvolvimento da China fora do próprio país.”

“Isto foi definido pelo lado chinês e aceite pelo lado africano talvez por não existir uma alternativa viável para a construção dessas infra-estruturas, por falta de massa crítica, de recursos humanos, de capacidade de organização”, adiantou Carmen Amado Mendes.

A professora universitária, que falou ontem no espaço Casa Ninja, em Lisboa, denota uma “apatia” na sociedade civil em Portugal no que à China diz respeito.

“Acho importante debatermos estas questões em Portugal porque noto que há uma diferença enorme entre a sociedade civil portuguesa e a de Macau. Parece que há um desinteresse ou uma grande apatia em relação às questões da China, apesar do forte investimento chinês em Portugal. Daí que tenha aceite falar neste debate. Em Portugal falta debater este tema e está na altura da sociedade civil ser alertada.”

15 Ago 2019

Guilherme Figueiredo, bastonário da Ordem dos Advogados: “Acordo foi celebrado com secretismo”

Um dia antes de conversar com o HM, o bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, Guilherme Figueiredo, reuniu com Jorge Neto Valente, que lhe revelou preocupações quanto ao acordo sobre entrega de infractores em fuga assinado entre o território e Portugal. O bastonário diz que o acordo tem destinatários específicos e fala de possíveis “pedidos concorrentes” por parte de Macau e China. Quanto ao protocolo com Macau é para retomar no próximo mandato

 

O acordo de entrega de infractores em fuga entre Portugal e Macau foi assinado em Maio. A Ordem dos Advogados (OA) foi consultada pelo Governo português? 

[dropcap]O[/dropcap] Governo não nos questionou sobre isso. Mas, para nós, a questão central é o acordo em si mesmo pelas razões que colocamos publicamente. Há matéria de natureza constitucional que nos parece que não deveria ter sido subscrita pelo Governo português, mas que por ventura terá acontecido por razões que a razão desconhece (risos).

Razões políticas?

Com certeza. Sabe que os corredores da acção política têm uma parte iluminada e uma parte obscura, de bastidores. E, portanto, é provável que tenha sido isso, mas não temos informação suficiente sobre o contexto. Este acordo foi celebrado com todo o secretismo entre a RAEM e Portugal e é o primeiro acordo de entrega de infractores em fuga que a RAEM conseguiu celebrar, de entre os três acordos que há anos anda a negociar entre a própria China e Hong Kong. Ele não é genérico nem abstracto, tem destinatários certos e a sua falta de definições e amplas possibilidades de interpretação prendem-se com a necessidade que a RAEM tem de formular rapidamente alguns pedidos de entrega. Além disso, podem ocorrer pedidos concorrentes, pois a China celebrou um acordo com Portugal sobre extradição. A RPC pode formular um pedido de extradição concorrente com o pedido de entrega da RAEM para a mesma pessoa, e que o pedido da RPC seja recusado, mas seja aceite o da RAEM. Mas, para a OA, seja qual for a relação de natureza política (para o estabelecimento deste acordo) há limites a isso, que são de natureza constitucional e que se prendem com os direitos, liberdades e garantias de cada cidadão. Foi nesse sentido que tomamos uma posição, porque estávamos a tomar conhecimento (do acordo) através de colegas que trabalham em Macau e que nos foram dando conhecimento do que se estava a passar.

A OA também se pronunciou sobre a possibilidade de entrega à China de cidadãos portugueses com recurso a um “processo de cooperação especial em duas fases”. 

Sim. Há essa possibilidade sem que haja garantia de análise conjunta dos seus pressupostos. Isto significa que algum deles pode falhar numa das fases. O que isto pode determinar é que os pressupostos fundamentais para que possa ser entregue uma pessoa com a confiança absoluta do cumprimento das regras que se impõem a Portugal, do ponto de vista constitucional e dos direitos e garantias, possam não ocorrer em nenhuma das fases. Parece-nos que isto deveria estar muito bem concretizado e delimitado. Neste momento, do ponto de vista de advocacia de Macau, há uma preocupação generalizada relativamente a este acordo e por isso acho que pode ter havido aqui alguma precipitação ou a confiança de que as coisas não correrão da pior forma. A verdade é que a possibilidade de um facto, que antes não era considerado crime, mas que à data do pedido de entrega já o é, poder fundamentar um pedido de entrega da pessoa reclamada, já é violadora da nossa Constituição. Até diria mais: esta questão, que está na Constituição portuguesa, relativa ao princípio de proibição da aplicação da retroactividade da lei penal, menos favorável, é um princípio fundamental de todos os Estados de Direito. Se um acordo não acautela um princípio fundamental que é congénito aos próprios Estados de Direito, como é possível existir esta falha? Temos muita dificuldade em compreender isto. Há falhas que são muito, muito graves do ponto de vista dos direitos que assistem aos cidadãos. E acho que abre uma porta que pode criar problemas graves para os direitos das pessoas. Não conseguimos encontrar nada que pudesse justificar isto, bem pelo contrário.

Não há, então, uma explicação por parte da OA para que o Ministério da Justiça português tenha aceite estas condições. 

O que pode justificar isto é exactamente o contrário. Isto é: as circunstâncias especiais que podem haver nas relações institucionais, políticas e diplomáticas entre ambos os lados é que deveriam justificar uma maior cautela. Quando se fala da possibilidade de serem levadas a cabo detenções provisórias, isso surpreende-nos pela maneira como está escrito. O que aqui é colocado dá-nos uma apreensão muito grande. Há a ideia de que pode, inclusive, haver outra questão, e essa já não está no nosso comunicado.

Que é…

A possibilidade de existir uma entrega de infractores que chegam a Macau e, a seguir, serem levados para a RPC. Parece-nos que isso não pode acontecer, pois as legislações são muito diferenciadas e todos sabemos que é preciso que um Estado tenha o mínimo possível de convergência com o Estado para onde manda as pessoas, e não podemos de forma nenhuma aligeirar esta matéria. O que se passa em Hong Kong é conhecido, mas vale a pena ter presente que o âmbito de aplicação da lei chinesa é inacreditavelmente amplo e aplica-se a actos praticados fora do território chinês por um não chinês. No limite, um português que, em Portugal, tenha usado de forma criativa a bandeira chinesa numa obra de arte, em termos considerados ofensivos ou desrespeitosos pela hierarquia chinesa, pode vir a ser acusado pela RPC de ter cometido um crime contra os símbolos nacionais. Coloca-se também a questão de este acordo não ter de ser aprovado pela Assembleia da República e ratificado pelo Presidente da República portuguesa. Há também a falta de definição rigorosa de certos termos e expressões para efeitos da aplicação do acordo. Já poderíamos ter tomado posição sobre isto, porque analisamos isto há muito tempo. O que sucedeu é que fomos recebendo informação dos colegas, e começámos a perceber que a situação estava a agravar-se.

Recebeu avisos de colegas ou do próprio presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM)?

De colegas. Da AAM apenas falei com o colega ontem (Jorge Neto Valente, presidente), porque ele veio cá falar comigo e mostrou-se também muito apreensivo sobre esta matéria. Congratulou-se com o comunicado da OA. Percebi que na sociedade de Macau há uma apreensão muito grande e que estavam à espera que sucedesse alguma coisa, que uma entidade tomasse uma posição sobre isto, na ausência de comunicado de outra entidade. Foi muito bem recebida a nossa comunicação.

Que diligências estão a ser feitas para alterar ou suspender o acordo? No comunicado dizem que estão a contactar as autoridades. 

A OA não tem capacidade para mudar um acordo. Deveríamos ter, em algumas matérias, a possibilidade de levantar o problema da inconstitucionalidade, mas isso é algo que está a ser tratado por nós. O que está em causa é como podemos pressionar o Governo para que venha a rever isto, mas não sabemos quais são as possibilidades que o Governo tem para que isso aconteça.

Este acordo tem diferenças face à proposta de lei da extradição de Hong Kong. Que comentário faz ao que se está a passar em Hong Kong? Teme consequências para Macau, a curto prazo? 

Aí entramos noutra área. É evidente que dentro do nosso enquadramento constitucional e do que entendemos que deve ser uma sociedade de Direito democrático não é complicado perceber o que o nosso entendimento determinaria. Claro que vemos com muita apreensão o que se está a passar, não só por causa de Macau, mas por causa de toda aquela região. Isto pode ter um efeito de dominó, mas, acima de tudo, preocupa-nos a acção que pode vir a ser feita contra aquilo que sucede, e aí preocupa-nos acções contra a liberdade de expressão, as garantias dos cidadãos. Estaremos atentos ao que se vai passando e tomaremos uma posição se for caso disso.

O advogado Jorge Menezes publicou um artigo de opinião no Jornal Público onde defende que Portugal, através das suas entidades governamentais e não só, deveria dar mais atenção a Macau. Concorda? 

Claro que sim. Temos de estar mais atentos face a Macau e retomar uma ligação entre a OA e a AAM.

Fala do protocolo na área da advocacia. 

Sim. Neste momento, há uma proposta da AAM dirigida a mim já há algum tempo, que visa adoptarmos um princípio de reciprocidade atípico.

Em que sentido?

O novo protocolo colocaria várias restrições, não seria aberto para ambos os lados, teria de haver aqui um princípio de proporcionalidade entre o número de advogados cá e lá. Para nós, isso não pode ser tratado isoladamente, terá de ser repensado ao nível dos países de língua portuguesa. As mesmas preocupações que Macau vem agora pedir para nós vermos justifica-se se, por ventura, se aplicassem num acordo entre Portugal e o Brasil, que é aberto e que nos tem trazido alguns problemas. Não podemos olhar apenas para Macau, mas sim num sentido mais vasto, dos países de língua portuguesa. Relativamente a Macau, há patamares que têm de ser bem pensados. Será que vamos andando assim, depois deixa de haver interesse e corta-se o protocolo?

A OA quer, então, um acordo de longo prazo. 

Um acordo de longo prazo e o ideal seria que fosse homogéneo, pensado tendo em conta os países de língua portuguesa. No mundo haverá cinco milhões e meio de advogados, dos quais 1,5 milhões são portugueses. Não podemos esquecer a importância que isto tem e temos de reforçar os laços dos países de língua portuguesa no âmbito da advocacia.

Macau tem hoje mais cursos de Direito, formam-se mais advogados bilingues. Continua a justificar-se a ida de advogados portugueses para o território? Há mercado para eles?

Poderá haver um risco de saturação, não faço ideia, mas isso também existe em Portugal. Houve uma altura em que a AAM denunciou, unilateralmente, com efeitos imediatos, os protocolos sobre o direito de estabelecimento e os estágios, a inscrição e a transferência de advogados estagiários pela OA. Como é evidente, nessa altura havia vários advogados que estavam a ir para Macau. As circunstâncias do ponto de vista da história vão-se alterando, e este movimento agora parece ser ao contrário, em que os advogados querem vir para Portugal, e a AAM quer estabelecer outro acordo no sentido de abertura. Temos de ter cuidado com isto. Tenho uma convicção: vamos fazer o protocolo.

Ainda dentro do seu mandato?

Espero que seja dentro do meu mandato seguinte, se for eleito (as eleições são em Novembro). Mas o que espero mesmo é estabelecer um projecto de regulação do princípio da reciprocidade relativamente a todos os países de língua portuguesa. Temos de regular os estágios, o acesso à profissão, os advogados que já o são no seu país de origem e que depois vêm para cá. Vamos ver se faz sentido, por exemplo, chegarem e começar logo a advogar. A ideia não é exactamente essa, pois a experiência que temos com o Brasil não é boa. Temos de encontrar um grande consenso em vários níveis temporais. Portugal não deve ser encarado como uma porta aberta para a Europa, tem de haver reciprocidade.

A Comissão Europeia lançou no passado dia 24 um relatório sobre branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e é referido o facto de alguns escritórios de advogados poderem, de certa forma, participar nestas actividades. A OA está preocupada com isto?

Sim, e estamos tão preocupados que foi preparado um documento, que esteve para ir a votação na última assembleia-geral mas que só será votado na próxima, em Setembro. É um regulamento que prevê os pressupostos de trabalhos sobre a matéria dos procedimentos a adoptar quando os advogados participam (em processos) ao abrigo da directiva, sobre o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Temos acompanhado isso, fizemos negociações com várias entidades.

2 Ago 2019

Tang Kwok Kwong, académico: “O Marxismo cria problemas”

Natural de Hong Kong, Tang Kwok Kwong sempre defendeu igualdade de oportunidades para todas as pessoas. Foi este pensamento que o levou a enveredar pela carreira académica na especialidade de confucionismo. O professor da Universidade de Macau defende que a filosofia antiga chinesa pode servir de instrumento para mudar um mundo cada vez mais egoísta e alienado. O “caminho da humanidade” é a proposta que apresenta

 

 

Como começou o seu interesse pela área do confucionismo?

[dropcap]C[/dropcap]omecei ainda muito novo. Há cerca de 50 anos. Naquela altura, vivia em Hong Kong e sendo chinês não tinha qualquer estatuto social debaixo da soberania do Governo britânico. Era um tempo muito difícil para nós em Hong Kong. Nessa altura, qualquer jovem chinês acabava por ter de fazer serviço civil para o Governo colonial e eu não queria que a minha vida fosse aquilo. Achava que era humano, como os outros. Já defendia que as oportunidades devem ser iguais para todos. Achei também que era altura para lutar por isso: para que todos tivessem oportunidades iguais e ser um exemplo de que isso podia ser possível. O facto de todos terem direito a oportunidades não quer dizer que todos tenham os mesmos bem materiais ou o mesmo estatuto social, mas sim que tenham a opção de seguir a sua vontade, o seu curso na vida, as suas preferências profissionais e pessoais. Acabei por conseguir ir para a universidade e fui o único aluno a continuar os estudos académicos e a seguir para doutoramento na Universidade Chinesa de Hong Kong. Escolhi o estudo do confucionismo ao mesmo tempo que pesquisava o pensamento ocidental.

Porquê essas duas vertentes?

Acho que devemos ter mente aberta e pensamento activo se queremos ascender a uma abordagem que vá além do confronto. Depois devemos levar este tipo de abordagem aos outros. Acabei por vir para Macau dar aulas há 27 anos e através do ensino daquilo que aprendi e continuo a aprender, espero fazer chegar aos outros a ideia de que todos temos um lugar no mundo e igual acesso a oportunidades desde que as queiramos.

De que forma o confucionismo vai de encontro a isso?

A nível pessoal, por exemplo, estudar confucionismo é uma opção institucional para seguir uma carreira académica, e seguir esta carreira é uma forma de promover o benefício público, o que vai de encontro à própria teoria. Não podemos estagnar no campo da literatura académica. Devemos sim promover os nossos estudos e pesquisas de modo a que possam ser aplicadas à sociedade. Ou seja, é necessário dissolver apenas a busca do conhecimento académico e chegar à sociedade para que possam entender o que se faz e para o que serve e usar esse conhecimento. Se olharmos agora para Hong Kong, actualmente podemos questionar o que estaria a acontecer se o Governo e as pessoas soubessem de facto o que estão a fazer. Se soubessem, ao longo dos últimos 20 anos, a situação não teria chegado a este ponto. Trata-se de uma situação muito delicada em que todos perderam a cabeça quando se considera a situação geral e um esforço comum para o futuro. No confucionismo há um conceito que se aplica a quem governa – 仁义王位 (renyi wangwei) – que, apesar de complexo, significa que quem está a frente do Governo deve ser reconhecido por governar com benevolência ou por ter conquistado esse lugar dada a sua rectidão, humanidade e virtude, ou seja, que tem em consideração um todo e um esforço comum para o futuro. Também quer dizer que, de acordo com a minha condição de pessoa, faço o melhor possível. Este ano, a instabilidade social fez-me pensar na estagnação social. É preciso uma troca de conhecimentos mais inteligente com o campo académico. Nós podemos ajudar com os nossos conhecimentos Macau e Hong Kong para perceberem que é necessário dar mais atenção ao amor à população e ouvir os seus sentimentos. Não é só querer impor uma questão política, é preciso pensar na população com amor. Por isso, estudei o confucionismo, que não é apenas interpretar o que o autor disse. O que ele disse já foi muitas vezes dito por muitas pessoas. Precisamos de entender na nossa situação actual, real, em que é que se aplica. A isto chama-se filosofia. É uma forma de resolver os conflitos da religião. Trata-se de uma questão que ultrapassa a questão material.

Os Governos deveriam ter mais em conta a filosofia?

A Ásia está a viver um momento em que as pessoas apenas procuram o sucesso, principalmente financeiro. Isto não é em si um problema, precisamos de uma crença, de um pensamento comum que vá de encontro aos direitos humanos. Ou seja precisamos daquilo a que a filosofia chinesa chama de 人道 (rendao), que se pode traduzir aqui pelo caminho do Homem, da humanidade. E é este caminho que tem que ser partilhado por Macau e Hong Kong. Se não conseguirmos encontrar esta via, de uma forma pacífica, de uma forma que possa acalmar os receios que se vivem actualmente podemos desenvolver uma sociedade muito perigosa, uma sociedade separada. Isto aplica-se a todos os países e sociedades. Se os EUA não perceberem isto, se a Ásia não perceber isto, se a Europa e os outros continentes não perceberem isto, vai aparecer um caos invisível em que cada país apenas luta pelo seu próprio benefício. Esta via humana seria uma forma de voltar a dar valor à própria vida humana em sociedade.

É um pensamento muito humanista.

Sim. É. Isto não representa a exclusão dos bens materiais, mas implica pensar neles de um ponto de vista comum. No pensamento de Confúcio, por exemplo, o líder de uma escola deve ter em conta que a escola não é ele, mas sim todos os que nela participam. O mesmo acontece com o Governo. Um líder de um país não deve dizer que o país é seu, porque um Governo só o é tendo em conta a população. Além desta relação com as pessoas, só resta a ganância e o interesse privado. Chamo de via humana no sentido o apaziguamento deste desejo egoísta de possuir as coisas. A democracia não existe se existirem donos de países. É apenas uma forma de ditadura invisível, se assim for. Esta via humana é mais alta até do que a própria democracia. A este nível de realização do humano, todos podem ter um papel na administração pública.

Como é possível promover esse tipo de pensamento junto das pessoas?

Temos que libertar lentamente o sentimento de posse das pessoas. Isso pode ser alcançado através de uma verdadeira educação que tenha em conta o ensino que contemple a consideração pelos outros e o respeito a si e aos outros.

Hoje em dia, isso é possível? Actualmente, a sociedade caminha para um egoísmo crescente.

De facto, tem razão e agora a tecnologia também tem um papel importante e tem desenvolvido ainda mais o sentimento de alienação das pessoas perante o mundo. Por exemplo, o telefone controla cada uma das pessoas e controla o todo também. As pessoas deixaram de olhar umas para as outras quanto tomam café, estão cada uma a olhar para o seu telefone. Este tipo de alienação, se não foi combatido através da educação, tudo tende a piorar. O que significa que o egoísmo se vai tornar também cada vez mais comum a todos.

Combater esta tendência não será uma utopia?

É difícil, mas há sempre a via da humanidade. A filosofia de Confúcio tem por base a própria vida. E deve ser por aí que a educação começa. Como aplicar este conceito – via do Homem – quando falamos de pesquisa para o nosso futuro? Podemos ter considerações mais sólidas nesta direcção e descobrir uma forma de libertar o sentido de posse e de egoísmo. Temos de o fazer aos poucos, um passo de cada vez. Mas o egoísmo está na natureza humana. Pelo menos, nalgum lugar da natureza humana e o confucionismo é baseado também na natureza humana. Confúcio já tinha entendido os seus desafios. Mas, ainda assim, percebeu que a par do lado mais obscuro da natureza humana também está o seu melhor lado. Um pouco à semelhança do taoísmo que reconhece o convívio de naturezas opostas e não só, que admite que é necessário este convívio e trabalhar no seu equilíbrio. Se a nossa consciência se esforçar por desenvolver o lado mais positivo da nossa natureza é mais fácil criar uma sociedade melhor, aponta o Confucionismo. É necessário, para isso, que cada um esteja atento a si mesmo. Isto dito é simples.

Tendo em conta este humanismo onde é que se encaixam as hierarquias sociais ou mesmo a vertente mais legalista do pensamento do autor?

As castas sociais não são uma consideração essencial de Confúcio. Ele enfatiza sim, como é possível ultrapassar o sistema de classificação social fixo. Uma pessoa que acredite num sistema de castas sociais fixas está a demitir-se do seu conhecimento e do seu caminho, do caminho humano. Esta classificação social e o conceito de classe social é um conceito fundamental há mais de 700 anos. Mais tarde, Karl Marx formou uma teoria baseada no conflito de classes. Tudo isto é muito trágico para mim. Em primeiro lugar, é uma forma de criar problemas. O Marxismo cria problemas por ser baseado no conflito e não ter em conta os aspectos mais positivos do ser humano. Mas para Confúcio este lado positivo existe, está em tudo e só precisa que exista auto-atenção por parte das pessoas para o perceberem ou para o atingirem. O Confucionismo elogia isso, enquanto o marxismo é oposto.

Talvez por isso não tenha tido muito sucesso.

Sim, agora todos podem ver que ninguém vai continuar a seguir o marxismo, incluindo a China. Apesar de ser um slogan político, na prática não tem significado.

Como é que a via humana pode ser aplicada a áreas como a economia?

Há cerca de 100 anos, o primeiro chinês a fazer uma tese em economia na Columbia University defendeu o princípio da economia confuciana. Ele tentou pegar no confucionismo para resolver os problemas económicos e provou que seria mais efectivo do que as práticas adoptadas pelo ocidente, em que existe a mão invisível que controla tudo e a que se chama de mercado. No mercado, os preços são calculados pela oferta e pela procura em que as variáveis não são dadas a conhecer às pessoas. É o mercado, a mão invisível, que é o princípio básico das economias ocidentais. Mas este autor, tendo em conta o bem público defendido por Confúcio, enfatizou a necessidade de investimento público para garantir medidas que regulem os preços deste mercado. Neste sentido, o Governo deve interferir no mercado, para proteger a população. Se por exemplo, existir uma mudança súbita e as dificuldades que aparecem com ela implicarem o aumento muito alto dos preços em determinada área, o Governo deve intervir de modo a conseguir garantir o armazenamento de um bem, que possa estar em falta, em quantidade suficiente de forma a que os preços se equilibrem. Desta forma, o Governo aumenta a estabilidade e permite às pessoas que acreditem na satisfação das suas necessidades. Este é um princípio confucionista. Este autor percebeu isto por volta de 1920, altura em que a América viveu uma grande depressão económica. Este princípio acabou por ser aplicado e hoje em dia a economia já é, de facto, baseada no modelo de economia social confucionista. Há 100 anos não existia este conceito. Se Karl Marx tivesse vivido nesta altura teria percebido que há um ser humano mais alto. O confucionismo diz isso e a sua aplicação resolveria os problemas que vivemos actualmente.

23 Jul 2019

Choi Hin Man, empresário e parceiro de negócios de Stanley Ho: “Centro POAO foi amplamente divulgado”

Radicado em Portugal há cerca de 30 anos, Choi Hin Man trabalha ao lado de Stanley Ho no Grupo Estoril-Sol, mas é na qualidade de sócio da POAO II – Investimentos Imobiliários que está a ser investigado pela justiça portuguesa. O empresário explica os bastidores de um negócio de venda de armazéns em Portugal a investidores chineses que o acusam de burla, frisando que foram feitas visitas ao local antes do negócio ser concretizado. Numa entrevista concedida por email, Choi Hin Man afasta o envolvimento do advogado Rui Cunha neste processo, apesar deste ser sócio da sociedade de advogados em Lisboa, também alvo de investigação

 

 

Quais as principais razoes para o investimento, por parte da POAO II, num novo complexo comercial na zona do Porto Alto?

[dropcap]O[/dropcap]s comerciantes chineses radicados na região de Lisboa têm vindo, nas últimas décadas, a estabelecer os seus negócios na zona do Martim Moniz. Ora, encontrando-se o Martim Moniz no centro histórico da cidade de Lisboa, as possibilidades de expansão comercial revelam-se escassas e tem vindo a ser um dos principais problemas que ocupa a comunidade. A acrescer à falta de condições logísticas para o comércio por grosso, há a necessidade de espaço, nomeadamente parques de estacionamento e locais de cargas e descargas, o que não se verifica no cento da cidade. Por isso, o projecto inerente ao desenvolvimento do complexo comercial na zona do Porto Alto visa, sobretudo, constituir uma alternativa à sobrecarga que se constata nas lojas situadas no Martim Moniz, que já não oferece condições condignas às ambições e expansão desejada pela nova geração de chineses radicados em Lisboa. A construção do Centro POAO assenta na intenção clara de dinamizar e dar um novo rosto aos negócios levados a cabo por esta comunidade.

Como foram feitos os primeiros contactos com os investidores chineses?

Através da intervenção de alguns dos sócios da POAO que possuem interesses e relações comerciais na China.

Até que ponto o escritório de advogados que o representa, Rui Cunha, Glória Ribeiro e Associados, esteve envolvido neste processo? Apenas mediou os contratos de compra e venda ou também ajudou a angariar esses potenciais clientes?

Face às imputações que erradamente lhe têm sido dirigidas, é importante esclarecer o papel da sociedade de advogados neste projecto. Desde o início que essa sociedade tem vindo a patrocinar a POAO II em questões de carácter societário, na elaboração de contratos, pareceres jurídicos e demais questões de assessoria jurídica. Contudo, a actuação da sociedade de advogados começa e termina no âmbito jurídico, não tendo qualquer intervenção na mediação de contratos de compra e venda nem na angariação de clientela, resumindo-se a sua actividade à apreciação e avaliação jurídica das questões que lhe são apresentadas.

Os investidores alegam que nos contratos há discrepâncias nas versões em português e chinês, nomeadamente em relação ao termo “loja” e “armazém”. Nega que haja essas diferenças?

A larga maioria dos investidores que assinaram contratos promessa de compra e venda deslocaram-se previamente ao Centro POAO e puderem constatar as características e localização das fracções a adquirir. Tendo os compradores conhecimento directo daquilo que adquiriam, a divergência linguística, a existir, não tem qualquer relevância. Além disso, importa esclarecer que o projecto “Centro POAO” foi amplamente divulgado e explicado a todos os potenciais compradores, que não poderiam desconhecer aquilo que efectivamente estavam a adquirir. Não me parece existir fundamento para este argumento linguístico, quando da parte da POAO II sempre foram promovidas as condições especificas do projecto por si desenvolvido, que são de conhecimento público e foram amplamente divulgados quer em Portugal quer na China.

Ficou prometido nos contratos a compra, por parte da POAO II, dos espaços comerciais aos investidores chineses ao fim de um período de cinco anos. Os investidores temem que não haja essa compra, uma vez que afirmam que a POAO II está em processo de insolvência. O senhor Choi Man Hin nega. Como explica então estes receios por parte dos investidores?

Presumo que a sua questão decorre do artigo publicado no jornal Público, que urge esclarecer. A POAO II não está nem nunca esteve insolvente. Em 2017, como forma de pressão, um fornecedor requereu a insolvência da POAO II como forma de obter o pagamento uma dívida. O referido processo foi extinto logo após a contestação da POAO II por não se verificarem os pressupostos da insolvência, como se pode constatar no processo judicial em causa, que pode ser consultado. Parece-me pois que os receios dos investidores são infundados.

Como explica que haja ainda investidores que não obtiveram o seu visto Gold?

Não sou a pessoa mais apta para lhe dar resposta a esta questão, pois não acompanhei nem conheço directamente a tramitação de todos os processos de “vistos Gold” dos investidores que adquiriram ou prometeram-adquirir fracções do “Centro POAO”. De todo o modo, a informação que sempre me foi transmitida foi a de que os atrasos e os escassos indeferimentos se deveram a questões meramente procedimentais, não estando relacionados com o investimento em si. Como foi referido na resposta ao jornal Público, os atrasos nos processos aí enunciados resultaram da falta de verificação dos pressupostos, por parte dos investidores. Nunca foi suscitada qualquer dúvida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras quanto ao investimento feito no Centro POAO, sendo inquestionável que o mesmo é apto para a obtenção de “Visto Gold”.

O escritório de advogados que o representa assume ter ligações a Macau, sobretudo ao nível da mediação de negócios. Até que ponto Macau tem ligações a este negócio? Foram feitos contactos no território para a angariação de potenciais investidores? Houve mais empresas de Macau, até ao nível da tradução, envolvidas neste processo?

Do conhecimento directo que tenho, a sociedade de advogados mantém uma ligação com Macau devido ao facto do um dos seus sócios ser também advogado em Macau onde detém um escritório de advogados, designadamente, a “C&C Advogados”. Contudo, pese embora a ligação existente com a sociedade de advogados portuguesa, nunca a “C&C Advogados” teve qualquer ligação com os investimentos realizados no Centro POAO, não servindo, como se sugere, de ponte de conexão entre os investidores chineses e a POAO II. Aliás, o investimento no “Centro POAO” em nada se relaciona com a RAEM. Que eu tenha conhecimento, nenhum investidor da POAO II é de Macau.

Apesar deste negócio estar a ser investigado pelo Ministério Público, continua optimista face ao sucesso do novo complexo comercial?

Considero que não subsistem razões que impeçam o desenvolvimento do “Centro POAO” e continuo a acreditar que a finalidade inerente ao projecto desenvolvido prevalecerá sobre quaisquer rumores, não ficando prejudicado por qualquer investigação do Ministério Público, que acredito, contribuirá para o total esclarecimento do assunto.

Está disposto a colaborar com as autoridades portuguesas em tudo o que lhe seja pedido no âmbito deste caso?

A minha conduta moral desde a chegada a Portugal nos anos 80 tem sido sempre pautada pelo estrito cumprimento da lei e por uma forte relação de cooperação com as autoridades. Por isso, as últimas notícias não me conduzem, de modo algum, a adoptar outra posição.

É parceiro de negócios de Stanley Ho há vários anos. Não teme que este caso possa ter repercussão na vossa parceria empresarial ou até na imagem do próprio Stanley Ho?

O investimento na sociedade POAO II é um investimento pessoal, a titulo particular, que nada tem a ver com os cargos que exerço no grupo Estoril Sol ou outros. Considero aliás absolutamente lamentável que façam esta relação com o Sr. Stanley Ho, com quem trabalho desde os anos 70, e acredito que esta relação consolidada não será sequer beliscada nem a imagem do Sr. Stanley Ho.

Afirmou, no seu direito de resposta, que o empresário e os seus sócios estão a trabalhar no sentido de “ultrapassar os resultados menos positivos” da POAO II. Concretamente, o que tem sido feito?

Como em qualquer sociedade, em que existem ciclos de maior ou menor produtividade, os sócios estão a implementar todas as medidas que julgam necessárias e convenientes ao prosseguimento da actividade da sociedade, cujas estratégias, como compreenderá, não podem ser divulgadas publicamente.

Disse que a empresa é detentora de um património de valor elevado. Pode apresentar valores e falar mais sobre o seu desempenho financeiro nos últimos anos?

A POAO II é detentora de um património imobiliário de valor bastante elevado, sendo que, apesar de ter recorrido à banca para financiamento do projecto, como é normal em qualquer sector de actividade económica, sempre deteve um activo muitíssimo superior ao passivo, como ainda se verifica à data. O seu principal património é constituído pelo Centro POAO, o qual foi há poucos meses avaliado por uma entidade independente por valores próximos de 40 milhões de euros. Em termos de desempenho do projecto e relativamente ao seu volume de vendas imobiliárias foram já realizadas dezenas de escrituras, o que equivale a um volume de vendas bastante elevado.

Além do projecto comercial na zona do Porto Alto e da aposta na Herdade do Pinheiro, que outros investimentos pretende a POAO II realizar nos próximos anos?

Nos próximos anos a POAO está centrada no desenvolvimento do Centro POAO, dar uma nova dinâmica comercial a nível internacional e consolidar o seu objectivo de desenvolver um centro global/plataforma de negócios nacional e internacional.

Que comentário faz à política de atribuição dos vistos Gold nos últimos anos? Tem, de facto, contribuído para uma devida diversificação do investimento em Portugal, nomeadamente no que diz aos investidores chineses? Ou é necessário fazer mais neste âmbito?

É inegável que o programa de “vistos Gold” contribuiu para o desenvolvimento da economia portuguesa, tendo sido uma medida importante para ultrapassar a grave crise económica pela qual Portugal atravessou. Apesar da maioria do investimento se focar na aquisição de imobiliário, o programa de “vistos Gold” prevê formas diversificadas de investimentos, desde investimento em instrumentos financeiros ao desenvolvimento de actividades culturais e cientificas. Dando o programa de “vistos Gold” todas estas possibilidades, a diversificação do investimento depende sobretudo da iniciativa particular. Face à nova conjectura, pode-se observar a necessidade de adaptar o programa à experiência adquirida nos últimos anos, mas esta é sobretudo uma questão política, que não me cabe a mim equacionar nem tenho dados suficientes para o fazer.

No que diz respeito aos vistos Gold e captação de investimento, Macau e Hong Kong são portas importantes na ligação à China?

Macau e Hong Kong foram, e continuam a ser, portas importantes na ligação entre o Oriente e o Ocidente. Parece-me que este papel seguramente se manterá, e estou convicto que se irá intensificar nos próximos anos.

A União Europeia publicou um relatório recente em que afirma que a política dos vistos Gold potencia casos de corrupção e que deveria ser suspensa pelas autoridades portuguesas. Qual o seu comentário sobre esta matéria?

Não me cabe a mim responder sobre isso. Cada caso é um caso e não tenho competência nem conhecimento para falar de corrupção na política dos vistos Gold.

Quais as principais mudanças que pode apontar quanto à evolução da comunidade chinesa nos últimos tempos?

Na maioria dos casos o comércio e a restauração foram as actividades que os imigrantes abraçaram em solo europeu. Foi assim na primeira vaga de chineses, em meados do século XX. Hoje já não é assim. Com uma educação ocidentalizada e uma vivência social diferente da percorrida pelos pais os jovens são mais qualificados. A educação dos filhos é a prioridade das famílias chinesas e há muitos licenciados nos descendentes dos imigrantes que abriram lojas e restaurantes. A ideia de comunidade fechada, muitas vezes associada aos chineses, já não faz sentido. Hoje há muitos casamentos entre chineses e portugueses e estão bem integrados. Não há discriminação.

Xi Jinping esteve em Portugal este ano, além de que Marcelo Rebelo de Sousa também esteve na China há alguns meses. Como olha para esta relação bilateral entre os dois países?

A relação diplomática entre os dois países, que já é antiga, tem vindo nos últimos anos a estreitar-se e tem conduzido a benefícios manifestos para ambas as comunidades, quer de carácter económico, como também de carácter social e cultural, o que muito me apraz.

22 Jul 2019

Bruno Vieira Amaral, escritor: “O nosso destino é o esquecimento”

Bruno Vieira Amaral integrou a comitiva portuguesa que participou no II Fórum Literário China-Portugal, em Pequim. Sem romances na calha, o autor, um dos novos nomes da literatura portuguesa contemporânea, está a escrever a biografia de José Cardoso Pires. Além disso, assume que Macau poderia ser um lugar de difusão de autores portugueses e chineses

[dropcap]E[/dropcap]m 2017 o escritor Bruno Vieira Amaral conheceu um pedaço da China ao visitar Macau, no âmbito do festival literário Rota das Letras. Contudo, faltava-lhe conhecer o país de que todos falam. A experiência aconteceu este ano, ao integrar a comitiva da ministra da Cultura em Portugal, Graça Fonseca, juntamente com os escritores Isabela Figueiredo e José Luís Peixoto.

Em entrevista ao HM, Bruno Vieira Amaral assegura que ficou a conhecer muito pouco de Pequim, cidade onde esteve apenas quatro dias. “Não tenho muito para dizer de uma experiência que consistiu na presença num painel em que falamos sobre visão e imaginação. Creio que correu bem. Teve, se calhar, uma maior participação do público do que aquilo que estaríamos à espera, porque na verdade era um encontro mais formal para potenciar o intercâmbio entre os dois países na área da literatura. Talvez tenha sido essa a surpresa, a da participação do público.”

No encontro “houve alguma dose de formalidade” e, ao contrário de Isabela Figueiredo, o autor não notou a presença da auto-censura. “Acho que isso terá mais a ver com a forma como nos posicionamos à partida e às ideias que temos formadas em relação ao país. Não posso dizer que os escritores fugiram ao tema, pois era muito abrangente. Nem todas as pessoas tem intervenções políticas, e diria que uma minoria de escritores tem uma intervenção marcadamente política. Teria ficado surpreendido se alguém falasse abertamente de política, mas não sei se houve auto-censura.”

Nesse sentido, Bruno Vieira Amaral, que também escreve crónicas em jornais, assegura que ninguém, nem mesmo os escritores, são obrigados a ter posições políticas.

“A mundividência de um escritor espelha-se em tudo aquilo que ele escreve. Tudo o que escrevemos tem uma leitura política e representa, acima de tudo, uma mundividência que vai além dos aspectos estritamente políticos. Um escritor não tem de assumir uma posição, nem um canalizador. Tudo o que escrevemos acaba por representar a forma como vemos o mundo.”

Levar histórias aos outros

Sem projectos para ser traduzido e publicado na China, Bruno Vieira Amaral assegura, contudo, que publicar na China seria um teste à abrangência da sua obra. “Ficaria muito contente se os meus livros fossem lá publicados. Quando publiquei o meu primeiro livro, ‘As primeiras coisas’, diziam-me que era sobre uma realidade muito específica e havia uma série de referências particulares que poderiam nem chegar a muitos leitores em Portugal. Nunca me preocupei com isso, e sempre me preocupei com o funcionamento interno do romance. Penso que como leitores temos de tentar ultrapassar os nossos próprios limites e ir à procura do universo que nos está a ser apresentado.”

As experiências de tradução em países como a Macedónia ou a Sérvia mostraram ao escritor que “As primeiras coisas” tinha “uma série de referências que, afinal, são universais e mais abrangentes”. “Se os livros fossem publicados na China e aí encontrasse leitores, seria, uma vez mais, uma forma de testar a universalidade do livro”, acrescentou.

A vida de Cardoso Pires

Bruno Vieira Amaral é um dos nomes mais sonantes da nova vaga de escritores portugueses e ficou conhecido do grande público em 2013, quando publicou “As Primeiras Coisas”. O ano passado foi lançado “Manobras de Guerrilha” e, actualmente, o autor não tem ideias para outros romances, uma vez que está a trabalhar na biografia do escritor José Cardoso Pires.

“Não era um dos escritores de eleição, mas tenho uma enorme admiração pelos livros. Tem estado relativamente esquecido, mas tem sido reeditado pela Relógio D’Água. Mas sabe que o destino da maior parte dos escritores é mesmo o esquecimento. Os artistas, as pessoas. O nosso destino é o esquecimento. Se pensarmos nos escritores contemporâneos do Cardoso Pires, serão poucos os que não estão mais esquecidos do que ele.”

Com este trabalho, Bruno Vieira Amaral espera “trazer leitores novos para a obra do Cardoso Pires”. Sobre o esquecimento de si como escritor por parte do público, Bruno Vieira Amaral assegura que nada pode fazer.

“O que podemos fazer? (Risos). Eu realizo-me a escrever, gosto daquilo que faço. Se for esquecido, ou se os livros não tiverem a atenção que os anteriores tiveram, não posso fazer nada em relação a isso. Não vou inverter o rumo da escrita porque isso são coisas posteriores ao processo da escrita. A única preocupação que tenho quando me sento a escrever é fazê-lo o melhor que sei.”

O autor orgulha-se de sentir os livros como seus por inteiro. “Os romances que publiquei até agora eram aqueles que queria escrever, esses livros são meus, de uma ponta à outra. Não há nada que retirasse, mesmo os defeitos.”

19 Jul 2019