Leonel de Sousa e o Tratado de 1554

[dropcap]P[/dropcap]elo édito Imperial de 1522 estavam proibidas quaisquer relações com os Fu Lan Ki, os desacreditados portugueses considerados na China homens de corações sujos, ladrões e alevantados, pois andavam fora da obediência do seu Rei. Chegavam como marinheiros e comerciantes às ilhas chinesas da costa de Guangdong, aportando para a anual temporada, de Abril a Outubro. Viviam a bordo dos barcos, esperando as sedas aí trazidas pelos mercadores chineses. Alguns seguiam em Junho viagem na monção de Verão para o Japão e no regresso voltavam cheios de prata a estas ilhas, para de novo se fornecerem de sedas e outros produtos chineses e via Malaca, em direcção à Índia e por fim, se a boa-sorte os acompanhasse, até Lisboa, retirando-se para um resto de vida desafogada.

Fr. Gaspar da Cruz escrevia em 1556: “Do ano de 1554 a esta parte, sendo Capitão-mor Leonel de Souza, natural do Algarve e casado em Chaul [Índia], assentou com os chineses que pagariam seus direitos e que lhes deixassem fazer suas fazendas nos seus portos. E de então para cá as fazem em Cantão que é o primeiro porto da China; e ali acodem os chins com suas sedas.” (…) “E assim fazem agora os Chins bem seus tratos; e agora folgam muito os grandes e os pequenos com a contratação dos portugueses e corre a fama deles por toda a China. Pelo que alguns principais da Corte vieram a Cantão só para os ver por ouvirem a fama deles. Agora nem nos comunicam debaixo do nome de Portugueses, nem este nome foi à Corte quando assentaram pagar direito; senão debaixo do nome de Fangim [Fan Ian], que quer dizer gente doutra costa.”

Sobre os direitos a pagar, o Aitão ofereceu a taxa de 20% aplicada aos navios e mercadores do Sião, país tributário da China, mas Leonel de Sousa não aceitava mais que 10%. Como a alteração da taxa só podia ser concedida por Beijing, significava, havendo acordo, o caso ficaria resolvido no ano seguinte. Torneando de novo a questão, o Aitão propôs para 1554 os portugueses pagarem 20%, mas apenas sobre metade das mercadorias e esperar-se a decisão de Pequim sobre o aceitar a taxa de 10%. Assente a solução, o Aitão pediu a Leonel de Sousa que “mandasse fazer bom agasalho aos mandarins que são como Desembargadores que os vissem fazer (os direitos) aos navios e que não olhasse que eram chineses senão as divisas e Armadas do Estado d’El Rey que traziam”, a fim de não se repetir as causas que inicialmente tinham levado a perder as boas relações com os portugueses.

Macau substitui Sanchoão

Na preocupação de tornar permanente este estado de coisas, o Aitão . Lembrou o receio que esta gente tem dos forasteiros, principalmente dos portugueses, .

Leonel de Sousa lembrou que pelo serviço prestado, além dos proveitos, já não haverá tantas mortes e perdas de navios todos os anos como havia; porque era uma das partes onde se gastava mais gente e cabedal; porque como a terra é muito fria e tempestuosa e na costa sempre andam grandes Armadas em guarda e se não podiam acolher aos portos de Mar, ou de os tomarem não escapavam, ou de se perderem.

Assim se celebrou em 1554 o ‘Assentamento’ ao largo de Cantão entre o Capitão-mor Leonel de Sousa e o haidao Wang Bo (subintendente dos Assuntos de Defesa Costeira), conseguindo-se reatar a confiança das autoridades chinesas de Cantão para com os Fan Ian (portugueses). O acordo foi verbal e autorizava os portugueses a negociarem nas águas de Guangdong, em Lampacao (Langbai’ao) e Haojing (Macau), ficando Sanchoão (Shangchuan) de fora, como Leonel de Souza em 1555 pôde perceber, pois, [desculpa para pisar a terra onde o Santo morrera]. Resultado, .

Porto de Amagau

Os portugueses alevantados, aventureiros que largando tudo partiam em busca de riquezas, fundando colónias espontâneas viviam a bordo dos barcos, mas em 1553 foi-lhes permitido em Haojing erguer cabanas de colmo para pernoitarem em terra enquanto reparavam as embarcações danificadas e secavam as mercadorias, acampamento que depois devia ser destruído. No ano seguinte os mercadores portugueses obtiveram permissão de aí fazer porto de trato e erguer cabanas provisórias para o período comercial, coincidente com as monções. Terminada a época, a península devia ser abandonada pelos mercadores, que na maioria partiam carregados de produtos para Malaca.

Em 1555, a resposta positiva de Beijing levou os portugueses a permanecerem após as monções, quando Fernão Mendes Pinto faz a primeira referência a Amagau. Leonel de Sousa regressava a Goa para vir a ser Capitão-Geral de Macau em Junho de 1557, substituindo Francisco Martins que na monção de Verão seguiu viagem para o Japão.

1557 foi o ano do estabelecimento oficial e fixação portuguesa em Macau, com a permissão de construírem habitações permanentes e ter um lugar para esperar a abertura da época de comerciar no porto de Cantão. Como corolário do mandato de haidao de Wang Bo, ainda em 1557 os portugueses ajudaram as autoridades de Guangdong a combater o corsário Ahmah, segundo Victor F. S. Sit e Montalto de Jesus refere Chang-Si-Lao, pirata que ocupava Macau e daí desalojado após derrotado pelos portugueses. Gonçalo Mesquitela refere “Fernão Mendes Pinto acredita que foi após este episódio que os portugueses solicitaram à China a permissão do seu estabelecimento em Macau e nesse ano construíram pela primeira vez sólidas casas de habitação.”

Trazendo materiais de construção, tijolos e madeira, nos anos seguintes aí se criou um porto com armazéns e habitações para descanso da dureza das viagens oceânicas, onde muitos portugueses após uma vida no mar se quedavam a tratar dos negócios. Assim, em Haojing foi aparecendo uma povoação de portugueses entre os dois núcleos já existentes de população chinesa: a Sul da península, os pescadores de Fujian junto ao Templo de Ama e a Norte, os agricultores em Mong-Há.

9 Set 2019

Haojing e o Tratado de 1554

[dropcap]P[/dropcap]elas ilhas do Sudoeste do Pacífico andavam portugueses alevantados, entre outros Fernão Mendes Pinto, a continuar a usar a estratégia de se misturarem com os mercadores das embaixadas dos países tributários para entrar na China; ou de barco, como piratas, intermediários entre desavindos vizinhos, dedicavam-se a trocar seda chinesa pela prata dos japoneses. Após Simão de Andrade e a derrota frente à armada chinesa em 1521, os portugueses foram proibidos de se acercar das águas de Cantão e rumando para Norte passaram a abastecer-se na Província de Fujian, onde se estabeleceram sem dar nas vistas e constituíram uma comunidade, tal como o fizeram em Liampó (Ningbo), Zhejiang. Até os portugueses descobrirem o Japão em 1543, as trocas eram feitas em alto-mar e os crescentes proveitos daí usufruídos pelos oficiais e mercadores dessas províncias levaram os mandarins de Guangdong a fechar os olhos à proibição de 1521, que trouxera a ruína às finanças provinciais.

Voltaram os mercadores chineses semi-clandestinos a fazer trato com os estrangeiros em Lampacau e Shanghuan, quando aí morreu a 3 de Dezembro de 1552 o jesuíta Francisco Xavier.

O Governo de Cantão, receando a sepultura tornar-se num local de peregrinação e poder trazer problemas, levado o féretro do Santo na monção seguinte para Malaca, trocou como porto de encontro o de Shanghuan pelo de Haoqing (Macau). Aí, nesse ano de 1553, os portugueses, a pretexto dos barcos danificados pela tempestade, pediram terra emprestada para secar as mercadorias e o haidao autorizou a estadia temporária em cabanas de colmo, que depois deviam ser destruídas.

Habituados a negociar com os chineses, os mercadores portugueses como Diogo Pereira, Guilherme Pereira, Pedro Velho e entre outros, Simão de Almeida, estavam já habilitados como intermediários quando o Capitão-Mor da Viagem do Japão Leonel de Sousa, capitaneando uma esquadra de 17 navios, fundeou na ilha de Sanchoão em finais de 1553. Por isso, neles se apoiou para realizar os primeiros contactos diplomáticos, referindo Leonel de Sousa, Simão de Almeida, homem honrado e cavaleiro, que da China tem feito com muita diligência e desejos de servir Sua Alteza. Por algumas obrigações do seu serviço que lhe pus diante foi sempre honradamente e veio, e à sua custa, e além do que gastou. Soube que dera algumas dádivas a pessoas e oficiais do Aitão com quem negociou mais ‘brebe’ do que o pudera fazer sem isso. Nem eu servira Sua Alteza como o servi se não fora sua ajuda e Conselho, porque eu tinha pouco cabedal para suprir, mais do que supri nem ele o quis de mim e disse sempre que se nisso servia a Sua Alteza, que dela queria o galardão e não d’ outrem>. Queixava-se ter vindo à China numa embarcação de mercadores, , mas conseguiu fazer o assentamento de 1554 com o haidao Wang Bo, pondo fim ao ciclo dos Fu Lan Ki piratas e abriu o dos Fan Ian, com novos desafios e ritos.

Capitão de Sua Alteza

Leonel de Sousa (c.1500-c.1572), natural do Algarve e casado em Chaul, era fidalgo da casa de el-Rei D. João III e obtivera a mercê de duas viagens sucessivas à China por Carta Régia de 22/2/1547. A mercê real de mera licença não garantia a concessão de viagem, mas de uma nomeação para capitão-mor de viagens da coroa, com as vantagens inerentes, sob regimento do Governador da Índia. Esse regime de licença não dava os privilégios do que viria a ser a partir de 1550 os da viagem da Nau do Trato, quando a coroa instituiu o monopólio da viagem ao Japão. A concessão do exclusivo dessa viagem anual outorgava poderes latos ao capitão-mor, como a jurisdição sobre os portugueses do Oriente após os graves incidentes de 1547 e 1549 em Liampó e Chincheu.

Em Goa, o Vice-Rei da Índia Afonso de Noronha (1550-54) recusou a Leonel de Sousa as viagens em nau da coroa alegando não ter D. João III mandado dar-lhe, pois se o mandasse ele daria, nem sequer ordenou que lhe fosse dado o ‘favor’ para a sua viagem, que diz ter sido dado a D. Francisco Mascarenhas e António Pereira, realizadas em 1556. Sem viagem oficial, a mercê permitia a alternativa de ser conferida licença para à custa do próprio, em seu barco realizar a viagem obedecendo ao regimento do Governador da Índia. Leonel de Sousa por lhe não terem bastado os meios, contentou-se em exercer a capitania na nau de mercadores, onde no terço emprestado de espaço embarcou a sua mercadoria destinada ao comércio na China.

Em 1554, ainda em mar chinês Leonel de Sousa tomou medidas para acautelar a segurança dos navios e pessoas portuguesas que com ele iam e recomendou-lhes não provocarem fosse o que fosse que pudesse ‘alevantar a terra’. Encontrou os portos da China todos encerrados e as armadas impediam ‘fazer fazenda’ e perante tal situação, .

A iniciativa partiu do Aitão (haidao) de Cantão, oficial “Almirante do Mar que provê em todo os negócios dos Portos do Mar, assim na Fazenda como Armadas, em que às vezes sai em pessoa com muito poder quando aí há causas para isso”, segundo Gonçalo Mesquitela (fonte principal deste artigo), que refere ter Leonel de Sousa, cuidadosamente observado os costumes chineses e as suas cortesias.

O Aitão, antes de visitar os navios da frota, mandou inquirir cuidadosamente dos poderes trazidos para com ele poderem negociar. Resolvido ficou o ponto mais delicado, a proibição imperial de negociar com os Fu Lan Ki (como chamavam aos portugueses de Portugal e de Malaca).

Ouvidos todos, Leonel de Sousa aceitou, considerando uma primeira vitória sobre o sistema anterior, de pura clandestinidade. Mesquitela remata, “O facto de pagar direitos era já um reconhecimento tácito da posição jurídica definida perante a coroa.”

2 Set 2019

Fracasso das embaixadas portuguesas à China

[dropcap]J[/dropcap]orge Álvares chegou num junco de mercadores chineses à ilha de Lin Tin em Junho de 1513, sendo oficialmente o primeiro português a entrar na China. No Delta do Rio das Pérolas, a ilha de Lin Tin (Tamão) era o porto chinês de trato e para as embaixadas tributárias, de espera pela permissão de poder seguir no Rio de Cantão, a levar à cidade. Pela Boca do Tigre, estuário do Rio Zhu (das Pérolas), dependendo do país da embaixada aportava-se em diferentes locais, fazendo os do Sião porto em Lantao.

Notícia dada a D. Manuel, logo o Rei para iniciar relações diplomáticas com a China enviou uma grande armada de dezassete barcos, que partiu de Lisboa a 7 de Abril de 1515, sendo capitão-mor Fernão Peres de Andrade. A missão era de passar à China e conduzir lá um embaixador português, escolhido por ele na Ásia. Seguia uma carta do Rei de Portugal para manifestar amizade e desejo de com os chineses estabelecer relações comerciais. Em Cochim foi Tomé Pires nomeado Embaixador.

A armada de oito navios chegou a Lin Tin a 15 de Agosto de 1517 e uma esquadra chinesa, cruzando ao largo da ilha como protecção contra os piratas, fez “uns tiros contra os portugueses, sem contudo lhes produzir qualquer dano, e Andrade, em vez de retorquir ao fogo, deu todos os sinais de amizade, com os navios embandeirados e soando trombetas.” Assustou os chineses ao realizar uma salva de canhões. “Logo que lançou ferro em Tamão, . Respondeu o capitão chinês que fosse bem-vindo, pois pelos chineses que iam a Malaca já tinha conhecimento , mas se dirigisse ao Pio de Nantó, . Andrade enviou então recado ao Pio – que ao mesmo tempo mandara um mensageiro saber o que os portugueses desejavam – informando-o dos motivos da sua vinda e pedindo pilotos para conduzir a esquadra à cidade de Cantão. O Pio respondeu com palavras muito amáveis, mas que, para o efeito, teria de vir licença das autoridades de Cantão”, segundo Armando Cortesão.

Em Setembro de 1517 estavam finalmente em Cantão e no ano seguinte os mandarins comunicavam a Fernão Peres de Andrade ter sido a embaixada aceite pela Corte Imperial, no entanto, só a 23 de Janeiro de 1520 Tomé Pires iniciou viagem até Beijing. A meio, em Nanjing esteve a embaixada com o Imperador Zhengde, mas oficialmente o encontro só poderia ocorrer na capital, onde chegou antes deste. O Imperador Ming vinha doente e morreu a 20 de Abril de 1521, sendo a embaixada cancelada e mandada regressar a Cantão, onde foi presa por apresentar documentos falsos, pois para a realizar usara direitos dos malaios.

Nova tentativa falhada

Fernão de Magalhães estava nas Filipinas quando a 5 de Abril de 1521 a segunda embaixada à China saiu de Lisboa levando Martim Afonso de Melo como embaixador do Rei D. Manuel. Em Malaca foi aconselhado em Julho de 1522 a não prosseguir devido ao confronto naval ocorrido em 1521, quando em Lin Tin a 8 de Julho morreu Jorge Álvares, e resultou os chineses proibirem actividades marítimas em Guandong. Mal a frota de Martim de Melo chegou ao porto de Tamão em Agosto de 1522, logo foi atacada pela armada chinesa, que de novo ganhou no confronto naval, perdendo os portugueses dois barcos, fugindo os restantes para Malaca.

Num memorial ao trono jishizhong Wang Xiwen escreveu, “Durante o reinado de Zhengde (Imperador Ming entre 1505-21), os Folangji, disfarçando a sua nacionalidade, conseguiram entrar de maneira enganosa na China. Apareceram subitamente na Capital Provincial sem cumprirem os devidos trâmites e em contravenção intencional das nossas leis. Recusaram pagar o choufeng (taxa percentual). Chegaram a comer crianças cozidas e a raptar moços e moças. Construíram uma paliçada para se defenderem. Armados com armas de fogo, andavam a fazer e a desfazer. Estes bárbaros são tão numerosos como o rebanho e a alcateia. A sua ambição, tão vil como a de tigres e lobos, é imprevisível. Pelos esforços de Wang Hong, que então era o haidao, e de outros, os Folangji acabaram por ser expulsos”, Breve Monografia de Macau de Yin Guangren e Zhang Rulin.

Relata o comportamento de Simão de Andrade, que viera buscar a embaixada de Tomé Pires e a encontrou a partir só então para Beijing. Em Lin Tin juntou-se aos alevantados portugueses, mercadores por iniciativa própria que deixavam o mar do cartaz e comerciavam pelo Mar de Bengala, Estreito de Malaca e Sudoeste do Oceano Pacífico, e provocou a batalha naval de 1521.

O Papa Paulo III em 1534 criou o Bispado de Goa a que ficavam subordinadas todas as ilhas e terras descobertas, ou a descobrir, desde o Cabo da Boa Esperança. Por Direito, o Padroado Português do Oriente obrigava todos os padres a embarcar de Lisboa se quisessem missionar no seu território. Andavam já franciscanos e dominicanos quando em 1540 foi criada, com a bênção da Santa Sé e dos Reis de Portugal, a Companhia de Jesus. Logo o padre espanhol Francisco Xavier foi nomeado núncio apostólico para todo o Oriente. Primeiro jesuíta a partir de Lisboa, foi dele a ideia de realizar uma nova embaixada à China. Passavam trinta anos da desastrosa segunda embaixada, bem pior que a primeira.

Terceiro fracasso

O padre Francisco Xavier, após missionar pelo Japão, desejou fazer o mesmo na China e durante a viagem para Goa desafiou o amigo Diogo Pereira, com quem seguia desde Shanchoão, a conseguir uma embaixada à corte de Pequim; única forma de um estrangeiro entrar no Celeste Império e poder comerciar.

Em Goa, onde chegaram a 15 de Fevereiro de 1552, Diogo Pereira falou com o Vice-rei da Índia Afonso de Noronha (1550-54) e como era rico pagou todas as despesas para realizar a embaixada, comprando à sua custa os presentes para em nome do Rei D. João III (1521-1557) entregar ao Imperador. Em Abril de 1552 partia a caminho da China o jesuíta e como capitão-mor da armada, composta por vários barcos e quinhentos homens, seguiu Diogo Pereira, nomeado pelo Vice-rei da Índia embaixador à corte de Pequim.

Mas em Malaca, a armada não saiu do porto por inveja do governador da praça D. Álvaro de Ataíde da Gama (um dos filhos de Vasco da Gama), que se opôs à partida de Diogo Pereira e entregou a capitania da nau Santa Cruz a Luís de Almeida, reduzindo a vinte e cinco homens a tripulação por ele escolhida. O jesuíta bem tentou chamar à razão Álvaro da Gama, mas este ressabiado com Diogo Pereira não mudou a decisão e já sem nada poder fazer, o padre excomungou-o.

Sem embaixada à corte da China, Francisco Xavier S.J. seguiu com o capitão Luís de Almeida na nau Santa Cruz, pertença de Diogo Pereira, e ainda em Dezembro de 1552 esperava na ilha de Sanchuang, para ser introduzido clandestinamente na China, quando morreu.

26 Ago 2019

Luta entre grilos

[dropcap]O[/dropcap] som intenso produzido pela série de pêlos colocados nas bordas das asas ao roçarem uma na outra dá para perceber estar o macho à procura de atrair uma fêmea. O grilo, insecto omnívoro da ordem Orthoptera da Família Gryllidae conta com cerca de 900 espécies. Em Outubro a fêmea põe c.500 ovos que eclodem em Abril, Maio, e nos primeiros 20 a 25 dias muda a pele por seis vezes, levando cada uma de 3 a 4 dias. Vivem 150 dias, sendo o seu cantar um sinal de boa sorte.

O combate entre grilos foi para os chineses um dos seus divertimentos milenares e se a facilidade de os encontrar no campo permitia ao povo poder usufruir sem custos tal diversão, houve aficcionados entre oficiais governamentais e mesmo na corte imperial que não enjeitavam assistir a esses confrontos e alguns até adquiriram um animal vencedor. Inveterados jogadores, os chineses investiram nesses combates, que num entusiasmo crescente evoluiu para um negócio, fazendo-se apostas a atingir avultadas somas. Assim era preciso arranjar possantes grilos machos e daí aparecerem pessoas especializadas em os capturar nas tocas. Estes não se deixavam facilmente apanhar e só ao fim da tarde e à noite davam com o canto sinal da sua existência. Segundo Leonel Barros, “O grilo campestre é um dos insectos mais vulgares e abundantes na China. O preço de cada animal varia pelo seu tamanho e pela constituição física, podendo portanto, um bom grilo com três centímetros de comprimento, com fortes patas traseiras, vir a custar cerca de setecentas a novecentas patacas. Os menores, isto é, os que não ultrapassam os dois centímetros custam apenas umas cem a cento e vinte patacas, o que já se pode considerar bastante caro, pois o verdadeiro preço para animais desse tamanho, fora da época das apostas é apenas de umas cinco ou seis patacas.” Texto de meados do século XX que, em conjunto com o de Luís Gonzaga Gomes, refere os nomes das variedades dos grilos lutadores: cabeça branca; cabeça amarela; cabeça preta; mandíbulas de caranguejo; fios de seda; antenas prateadas; e mancha de flor de ameixoeira conhecido por Mui-fá-tim.

“Os grilos apanhados nas tocas de escolopendras ou serpentes, também em hibernação, são os mais combativos e difíceis de apanhar, razão por que os insectos apanhados nestas circunstâncias são vendidos por elevados preços, que chegam a ser cinco vezes superiores ao valor dos grilos capturados nos campos de cultura”, segundo Leonel Barros, que adita, “Nas ilhas da Taipa e Coloane encontram-se alguns grilos que servem para os combates. No entanto, os mais apreciados são aqueles que vêm da China e, para os trazer existem pessoas especializadas.” Para os grilos entrarem em Macau era necessário pagar uma taxa de importação e por isso eram eles transportados ilegalmente dentro de “tubos de bambu em cujo interior existem algumas folhas verdes e bagos de alpista”, escondidos nas bagagens. “Só que as mais das vezes, tal intenção não é aceite pelo transportado: segundo consta, os grilos vêm muito caladinhos nos tubos de bambu e, como se possuíssem um sexto sentido começam a fazer barulho junto à alfândega… Daí que muitos sejam transportados de barco, para evitar aborrecimentos.”

O valor de um grilo campeão, um Mui-fá-tim era de uma fortuna, pois rendia muito dinheiro ao seu proprietário “sendo o mais estimado e mais valioso, o bicho cujo chiar for mais ruidoso e estrídulo” e em Macau, os melhores exemplares “eram disputados principalmente entre os membros das riquíssimas famílias Siu, Lei e Kuan desta cidade.”
Tratados como ídolos, os grilos “viviam em verdadeiros hotéis de luxo (luxuosos potes de barro vidrado), com todas as mordomias. Alimentavam-nos de duas espécies de peixe, gorgulhos especiais, castanha ou arroz cozido e mel para os avigorentar. Quando se encontram atacados de indigestão, uma dose regular de larvas vermelhas, os hong-tch’ong, põe-nos outra vez lestos. Se estão constipados, pequena porção de mosquitos, curam-nos logo; se andam febris, são restabelecidos com rebentos da ervilheira selvagem, e se a respiração se lhes torna difícil, administram-se-lhes borboletas de bambu. Além desses cuidados materiais, o macho necessita de ser visitado por uma companheira todas as noites, não lhe sendo, porém, permitido prolongar essa visita por mais de duas horas”, segundo LGG

Os combates

Sendo Macau no início do século XX célebre pela luta de grilos, em Agosto as inúmeras hospedarias e hotéis enchiam-se de vendedores desses insectos e de entusiastas que chegavam como apostadores.

Em dias previamente fixados, aberto ao público realizavam-se os combates em locais como o Hotel Central e o Hotel Ung Chao (situado primeiro na Rua do Bocage e depois na Rua das Lorchas), bem como em algumas residências particulares de chineses como na Rua dos Cules, na Travessa dos Anjos e na Calçada do Gamboa.

Uma multidão enchia o espaço para assistir aos combates, iniciados pela escolha dos grilos que se vão gladiar através do peso, da sua força e do tamanho. A partir daí fazem-se as apostas, que nunca eram com dinheiro a pronto, havendo apenas duas espécies de paradas, as de porco assado (kâm-tchü ou Siu Chi 金猪), que podiam ser de $300, $150 ou de $100, conforme prévio ajuste e a do péang (饼, bolo chinês), de menor valor. As apostas eram feitas por contratos sob palavra ou lavravam-se promissórias e “Feita a jogada, nenhuma das partes podia voltar com a palavra atrás e as paradas elevavam-se frequentemente a mais de dez porcos assados ou seja, a uns poucos de milhares de patacas.”

Colocados os grilos num vaso circular a servir de arena, os donos com um pincel de pêlo de bigode de rato esfregavam as costas do seu insecto acicatando-os, levando ao início de um combate cujo desenlace era decidido, ou pelo desmembramento de um dos animais, ou pela recusa e fuga de um dos grilos.

Segundo Luís Gonzaga Gomes, “O proprietário do local ou do exclusivista recebia 20% e os donos dos grilos vencedores numa cerimónia solene com um galhardete encarnado, tendo inscritos caracteres laudatórios ao grilo campeão. Forma-se, em seguida, um cortejo para fazer regressar o grilo à casa do proprietário, indo à frente um criado empunhando com donaire o galhardete e durante o trajecto lançam-se petardos, com o fim de atrair a multidão dos curiosos.”

“Quando morriam, os grilos vitoriosos eram metidos em pequenos recipientes, do tamanho de uma caixa de fósforos, e enterrados com grande pompa”, segundo Leonel Barros que termina dizendo haver em Macau “cerca de vinte equipas que participam todos os anos nos combates de grilos, organizando mesmo competições internacionais com equipas de Hong Kong, onde se disputam e distribuem medalhas de ouro aos vencedores.”

Estas lutas ocorreram entre a segunda metade do século XIX e a primeira do seguinte. Desde então decaíram e agora deixaram de se fazer.

19 Ago 2019

Dorgon e Zhuang no reinado de Shunzhi

[dropcap]A[/dropcap]isin-Gioro Fulin nasceu a 15 de Março de 1638 e era o nono filho do Imperador Huang Taiji, sendo a sua mãe a consorte de quarto grau Zhuang (Borjigit Bumbutai, 1613-1688).

Quando o Imperador Huang Taiji morreu em 21 de Setembro de 1643 sem designar sucessor, deveu-se ao trabalho de bastidores da consorte viúva Zhuang a escolha do seu filho pelo comité de príncipes manchus, eleito entre os onze filhos do Imperador para continuador da dinastia Qing. A História repetia-se tal como acontecera na sucessão de Nurhachi. Três eram os mais importantes candidatos e de novo aparecia Dorgon (1612-1650), então com 30 anos, era o 14º e mais novo filho de Nurhachi e meio-irmão de Huang Taiji; HaoGe (1608-1643) tinha 35 anos de idade e era o primeiro filho de Huang Taiji, sendo a mãe a manchu Ula Nara hala; e Fulin com seis anos de idade. Entre os três, Dorgon era o mais bem preparado pois sabia falar manchu, han e coreano, para além de ser de sangue totalmente nürzhen, tal como HaoGe, o que tornava ambos os mais fortes candidatos, podendo por isso trazer lutas internas na Corte entre as forças que apoiavam cada um. Por isso a viúva Zhuang propôs Fulin, ainda uma criança, de sangue meio manchu meio mongol, com grande apoio Borjigit, de Jerjer, a Imperatriz Xiaoduan e do general Ming Hong Cheng Chou, que em 1640 fora capturado e por ser uma pessoa honesta e um brilhante militar, Huang Taiji quisera-o nas suas fileiras para o colocar a servir na China a combater contra os Ming. Mas resoluto, o general preferia suicidar-se em vez de lutar pelos manchus e então a consorte Zhuang em chinês conseguiu fazê-lo mudar de ideia, trazendo-o para o lado dos manchus. Huang Taiji em 1641 deu uma grande festa em honra da integração deste general nas fileiras do exército das oito bandeiras, apesar da grande tristeza do imperador pela morte da sua favorita consorte Minhui (Harjol,1609-1641), irmã mais velha de Bumbutai (Zhuang).

Por outro lado, Bumbutai falou com Dorgon e conseguiu fazer entender ser Fulin o mais indicado, pois reduzia as tensões e disputas na corte, ficando ele também com o poder, já que pela menor idade de Fulin teria de haver um regente, cargo para o qual Bumbutai o indicava.

Por histórias não provadas, tendo nas idades apenas um ano de diferença, diz-se ser Dorgon amante de Bumbutai e segundo constava tal relação ocorria ainda em vida de Huang Taiji. Este não gostava muito do meio-irmão Dorgon e enviava-o constantemente à China para combater os Ming, mas ele regressava sempre dos campos de batalha e muitas vezes como vencedor.

Assim em manobras de bastidores foi o nono filho Aisin-Gioro Fulin (1638-1661) escolhido pelo comité de príncipes manchus para continuador da dinastia, sendo então nomeados como regentes, Jirgalang e Dorgon. Com a escolha de Fulin para imperador, mudava assim Bumbutai o título de consorte de quarto grau Zhuang para o de Imperatriz mãe Zhaosheng.

No dia 26 da oitava Lua (8 de Outubro) de 1643 no Palácio Imperial de Shengjing foi Fulin coroado Imperador Shunzhi (1644-1661), o segundo da Dinastia Qing e durante a menor idade ficaram como regentes, o tio Dorgon, pois irmão de Huang Taiji, em conjunto com o primo Jirgalang, sobrinho de Nurhachi.

O poder de Dorgon

Ainda em 1643 Dorgon como regente matou HaoGe, seu sobrinho e tomou-lhe a esposa, também do clã Borjigit. Com a mudança da capital Shengjing para Beijing, no nono dia da décima Lua de Jiashen (8 de Novembro de 1644) Shunzhi tornou-se o primeiro Imperador da Dinastia Qing da China e Dorgon ficou com o poder completo tanto militar como político quando em 1647 destituiu Jirgalang. Dominava tanto no seu original território manchu como na China, apesar de no Sul haver ainda bolsas de resistência Ming. Ano em que se intitulou Pai do Imperador, pois até então era apenas tio do imperador. Segundo um episódio nunca registado nos livros da História da Dinastia Qing, tinha Shunzhi onze anos quando em 1648 Dorgon se casou com a Imperatriz mãe Zhaosheng. O Imperador entendeu a razão de tal matrimónio, pois servia para o proteger e à sua posição, mas por outro lado não o aceitava, pelo mal trato que Dorgon lhe dava e o ter-lhe proibido estudar a língua chinesa han. Apercebia-se do seu fraco poder, pois vivera sempre dentro do palácio, em contraste com o enorme trabalho militar de Dorgon na luta contra os Ming e unificação do império manchu, assim como o medo de lhe acontecer o ocorrido ao seu meio-irmão HaoGe, morto pelo tio. Tal casamento levou à má relação do Imperador Shunzhi com a mãe, pois com dez anos apenas uma vez por mês a podia visitar.

O regente Dorgon manteve todo o poder até à sua morte, ocorrida no último dia de 1650 e foi então que o Imperador Shunzhi iniciou com 14 anos a governação. Realizado um funeral com toda a pompa ao regente Dorgon, logo passado um mês o Imperador retirou-lhe os títulos e os pertences, assim como mandou cortar a cabeça ao féretro de Dorgon. Oficialmente nada ficou registado para tal atitude. O inicial poder da Dinastia Qing tivera a mão de Dorgon, sendo este reabilitado apenas no reinado do Imperador Qianlong (1736-1796), quando lhe foram restituídos os títulos e se lhe construiu um templo (Tai Miao) para lhe serem oferecidos sacrifícios. Apesar das muitas esposas, só tivera uma filha.

Quando Shunzhi tomou a governação, como não tinha aprendido a língua dos han começou a estudá-la, fazendo-o por nove anos, inteirando-se ao mesmo tempo sobre a cultura do povo que governava. Por isso activou o sistema de exames imperiais (keju) para oficiais civis, dando aos chineses han a possibilidade de ocupar lugares de mandarim. Dorgon não confiara nos generais Ming e só após a sua morte foram eles promovidos por Shunzhi, que colocou o general Hong Cheng Chou como governante militar no Sudoeste da China, dando-lhe amplos poderes para decidir sem precisar de reportar ao imperador. Este general disciplinou os corruptos governantes manchus que longe da capital tinham mãos livres para fazer o que lhes apetecia e deu-lhes uma nova orientação. Também para equilibrar o poder dos oficiais militares manchus casou a sua irmã, a Princesa JianNing com o filho do general Ming Wu Sangui.

Ainda com Dorgon vivo, em 1650 “as tropas de Qing ocuparam Cantão. Dando seguimento à prática da dinastia anterior, o governo Qing proibiu os portugueses de entrar e comerciar na cidade”, segundo Victor F. S. Sit, que refere ter o Vice-rei de Guangdong-Guangxi mandado em 1651 “um édito ao Senado de Macau informando que . Nesse mesmo ano, o Senado declarou a rendição de Macau, permitindo a reactivação do comércio de Macau e o envio de oficiais alfandegários de Cantão para inspeccionarem os navios mercantes ancorados no porto de Macau.” O Imperador Shunzhi dava início à sua governação.

5 Ago 2019

Bumbutai a Imperatriz Xiaozhuang

[dropcap]C[/dropcap]onsiderada a Mãe da Dinastia Qing, influente nas escolhas dos herdeiros, actuando estrategicamente na educação dos dois primeiros imperadores manchus da China, protegeu o filho Fulin a tornar-se o Imperador Shunzhi, assim como o neto Xuanye. Este, como Imperador Kangxi, quando morreu a avó mongol Borjigit Bumbutai, consorte Zhuang do defunto Imperador Huang Taiji, deu-lhe o título de Respeitável Imperatriz avó Zhuang, Xiaozhuangwen.

Pertencente ao clã mongol Borjigit da tribo Khorchin, Bumbutai (1613-1688) nasceu a 28 de Março de 1613 (dia 8 do segundo mês intercalar do ano 41 do reinado de Wanli) e era filha do Príncipe Jaisang (Zhaisang) e de Boli, sendo o avô paterno Manggusi, chefe do clã Borjigit. Ainda criança, o pai convidou um professor para lhe ensinar a cultura e língua Han, assim como a luta wushu. Tinha quatro irmãos mais velhos entre os quais Wukeshan (?-1666), pai da consorte Jing (Erdeni Bumba) concubina do Imperador Shunzhi e Manzhuxili (?-1665), avô paterno da Imperatriz Xiaohuizhang (Alatan Qiqige, 1641-1718) que veio a casar com o Imperador Shunzhi.

Bumbutai viera para a corte nürzhen em 1625 para consorte de Huang Taiji, pois a sua tia Jerjer (1599-1649), filha mais velha de Manggusi, mais tarde a Imperatriz Xiaoduan, encontrava-se no palácio há sete anos e ainda não tinha dado descendência. Então Manggusi colocou Bumbutai, a neta mais nova de 13 anos, para casar com o príncipe Huang Taiji, na altura com 34 anos de idade. Dez anos depois, a sua irmã mais velha Harjol (1609-1641) chegou à corte e tornou-se a favorita consorte Minhui.

Como tradição, a estreitar relações políticas e diplomáticas, o clã mongol Borjigit da tribo Khorchin enviava princesas à corte nürzhen para casar com os príncipes e o khan. Percebe-se o porquê ao referir ser o clã Borjigit a origem de todos os clãs mongóis que governaram a Ásia desde o século XIII e estivera no poder na Mongólia durante séculos e mesmo na Índia o Império Mughal tinha descendentes pela linha materna dos Borjigit. Dos inúmeros príncipes estão Temüjin (Gengis khan, 1162-1227), o unificador das tribos mongóis que em 1215 conquistou Beijing e o seu neto Borjigit Kublai, que se tornou Imperador-Khan ao fundar a dinastia chinesa Yuan (1271-1368). Esta dinastia foi na China substituída em 1368 pela dos Ming e mudou-se para a Mongólia como Dinastia Yuan do Norte até ser destronada em 1453, mas logo no ano seguinte voltou a conquistar o território, depois segmentado pelos descendentes. A tribo dos Khorchin [cujo ancestral directo era Khasar, irmão de Gengis Khan] em 1612 fez uma aliança com os nürzhen e em 1624 foi a primeira tribo mongol a submeteu-se a eles, até que em 1635 deram como finda a Dinastia Yuan do Norte e colocaram-se sob o governo do manchu Khan Aisin-Gioro Huang Taiji.

Desde que Nurhachi ordenara aos seus filhos para se casarem com princesas mongóis houve 84 casamentos até à entrada dos manchus na China e durante a Dinastia Qing realizaram-se 586 casamentos entre manchus e mongóis. Algo fora do normal nas dinastias chinesas.

Aliança por casamento

Bons cavaleiros e arqueiros, os mongóis e os nürzhen desde longos tempos habitavam territórios a Norte da China e combatiam-se até que Nurhachi (1559-1626), do clã Aisin Gioro, tribo jianzhou dos nüzhen, procurando unir as tribos nürzhen com o fito de conquistar a China, resolveu em 1612 fazer um pacto com os mongóis do clã Borjigit da tribo Khorchin, aliando por casamentos os dois povos. Daí a chegada à corte manchu de princesas mongóis. Nurhachi primeiro em 1612 casara com a filha de Mingan, o segundo irmão de Manggusi, chefe dos Borjigit, e em 1615 com Shoukang (1599-1666), filha de Sunguoer, o irmão mais novo de Manggusi. Tinha Nurhachi 57 anos e Shoukang 16 anos e dessa relação não nasceram filhos. Shoukang viveu como Imperatriz viúva durante o reinado de cinco soberanos manchus.
Nurhachi casara quinze vezes e quando morreu não deixou indicado o seu sucessor, havendo três potenciais candidatos ao trono da Dinastia Dajin (1616-1636, Grande Jin, ou Jin Tardio): o segundo filho Daishan, nascido da primeira esposa, a nüzhen Tunggiya hala (neneme gaiha fujin); o oitavo filho Huang Taiji (1592-1643) nascido em 1592 da nüzhen Yele Nara hala com quem contraíra matrimónio em 1588; e Dorgon (1612-1650), o seu 14.º filho proveniente da nüzhen Ula Nara hala, cuja posição era de Dafei (grande consorte, a principal), rainha titular que controlava as concubinas e após a morte do khan se suicidou e o acompanhou no mausoléu. Conta uma história ter Nurhachi antes de morrer confidenciado a Ula Nara hala a escolha de Dorgon para lhe suceder, mas como nada ficou escrito e a mais ninguém tal referira, quando esta veio com essa revelação ninguém acreditou e a corte obrigou-a a suicidar-se para acompanhar o khan no mausoléu. Assim Dorgon não teve apoio para se tornar khan, assumindo em 1626 o trono da Dinastia Da Jin, com o título de reinado Tiancong, o khan Aisin-Gioro Huang Taiji, que no ano anterior tomara como consorte secundária Bumbutai. Foi ela uma excelente conselheira, tornando-o num bom Imperador, assim como ajudou à unificação das tribos nürzhen, que ainda não tinha ocorrido totalmente, tal como na ocupação da Coreia (1626). Quando os manchus lutavam contra os Ming, conseguiu ela convencer o general chinês Hong Cheng Chou, preso em 1640, a integrar as fileiras do exército manchu.

O segundo khan Aisin-Gioro Huang Taiji (1592-1643) governou a dinastia Dajin de 1627 a 1636 com o título de reinado Tiancong. Era casado com Ula Nara hala, uma manchu de quem tinha um filho com 6 anos, HaoGe, quando em 1614, ainda como príncipe Huang Taiji se casou com a mongol Jerjer (1599-1649) e esta tomou uma posição mais alta do que a primeira esposa. Em 1636 Huang Taiji tornou-se imperador e mudou o nome da dinastia para Qing (puro), sendo Jerjer coroada Imperatriz Xiaoduan.

A consorte secundária Bumbutai (1613-1688), sobrinha da Imperatriz, chegou à corte manchu em 1625 e foi então que Jerjer teve a primeira das três filhas, a 2.ª princesa Wenzhuang (1625-1663), dando depois a Huang Taiji a 3.ª e a 8.ª filha.

Em 1634 Harjol (1609-1641), a irmã mais velha de Bumbutai, veio para a corte nüzhen e casou-se com HuangTaiji, tornando-se a favorita consorte Minhui. No ano de 1637 deu-lhe o oitavo filho e o khan felicíssimo mandou pela primeira vez a ordem de libertar prisioneiros e pensou torná-lo o seu sucessor. Mas este filho apenas viveu alguns meses.

Estava já grávida Bumbutai, que desde 1636 era a consorte de quarto grau Zhuang, e a 15 de Março de 1638 deu o nono filho a Huang Taiji de nome Aisin-Gioro Fulin, que veio a ser o Imperador Shunzhi (1638-1661). Tiveram mais três princesas, a 4.ª a 5.ª e a 7.ª filha.
Houve ainda outras consortes do clã Borjigit casadas com Huang Taiji que, apesar de ser o fundador da Dinastia Qing, não chegou a Imperador da China, morrendo em Setembro de 1643.

29 Jul 2019

As primeiras embaixadas católicas à China

[dropcap]O[/dropcap] Cristianismo entrou de novo na China em 1583 através do padre jesuíta Matteo Ricci (cujo nome em chinês era Li Ma-tou), a trabalhar no Padroado Português, reinava ainda a dinastia Ming. Longe da memória estavam já os privilégios dos cristãos durante a anterior dinastia, a Yuan dos mongóis. Nos artigos ‘Os primeiros cristãos na China’ e ‘Os primeiros católicos na China’ publicados no HojeMacau a 19 e 26 de Fevereiro de 2016 a História contada leva-nos a deixar aqui um aditamento para a complementar.

O franciscano Frei Lourenço de Portugal em 5 de Março de 1245 foi designado pelo Papa Inocêncio IV (1243-1254) embaixador ao Khan dos mongóis, enquanto outra expedição aos mongóis da Pérsia (os Il-Khan) era feita pelos dominicanos. Na China dominavam já a Norte os mongóis. Frei Lourenço tinha sido ministro provincial da Província de Santiago de Compostela e o Papa nomeou-o Penitenciário Apostólico em S. João de Latrão, passando dois anos como Legado Apostólico no Oriente, durante o conflito entre Roma e Bizâncio. Mas só regressou à Santa Sé em 1248 e assim não foi como embaixador ao Oriente, pois logo em 1245 o Papa enviara à corte mongol o italiano Giovanni del Carpini. Este chegou a 22 de Julho de 1246 à capital Karakorom, onde existia uma tenda a fazer de capela nestoriana. Trazia uma carta para o “Rei e povo tártaro” e vinha negociar com o novo Khan, Guyuk, uma aliança contra o Islão, pois pensava-se ser a campanha mongol contra o Islão. A missão de del Carpini nada conseguiu por não levar presentes e também não prestou homenagem, não se tendo prostrado perante o khan, pois só se prostrava perante Deus. Assim falhou esta embaixada, tal como a de 1252, quando o Rei de França Luís IX mandou o franciscano Guilherme de Ruysbroeck à corte dos Khan, com resultados iguais aos da primeira missão. Chegaram no ano seguinte e encontraram uma grande tolerância dos mongóis à religião, havendo nestorianos, budistas e islamitas na corte.

Os irmãos Pólo, Mafo e Nicolo, o pai de Marco Pólo, encontraram-se com os nestorianos quando chegaram em comércio ao reino dos mongóis. Recebidos por Kublai Khan, o imperador Shi Zu, fundador da Dinastia Yuan, na sua nova capital Khambaliq (Beijing), construída em 1267. O Grande Khan em 1269 nomeou-os embaixadores e partiram para em seu nome pedirem ao Papa o envio de cem sábios, sendo mandados para a China apenas dois dominicanos que nunca lá chegaram.

Em 1286, o Khan da Pérsia, Argun enviou a Roma o nestoriano Bispo Rabban Sauma (Bar Sauma, 1225-1294, mais tarde Vigário-Geral da China, título que recebeu do Patriarca nestoriano de Bagdad, segundo António Carmo) a dizer estar Kublai Khan disposto a receber os católicos.

Franciscanos com os mongóis na China

Meritório trabalho de missionário realizou o franciscano Giovani Montecorvino, escolhido como Legado e Núncio da Santa Sé pelo primeiro Papa franciscano Nicolau IV (1288-1292). Montecorvino partiu em 1291 “cheio de presentes e munido de cartas para o Khan Argun, para o grande Imperador Kublai Khan, para Kaidu, príncipe dos Tártaros, para o Rei da Arménia e para o Patriarca dos Jacobitas. Os seus companheiros eram o dominicano Nicolau de Pistoia e o comerciante Pedro de Lucalongo”, segundo o P. Manuel Teixeira.

Estava investido de toda a autoridade para tratar com o grande Khan, mas ao chegar a Dadu (Beijing) em 1294, ficou a saber ter Kublai Khan morrido e Timur (Imperador Cheng Zong, 1294-1307) sucedido no trono. Este, sem ser Cristão, não pôs obstáculos ao zelo missionário que ali se estabeleceu e pôde-se pregar livremente o Evangelho. Montecorvino em 1300 baptizara já seis mil cristãos quando lhe foi permitida a construção de uma igreja em Dadu e cinco anos depois.

“Em 1305 levantou uma segunda igreja mesmo em frente do palácio do Imperador, juntamente com oficinas e habitações para duzentas pessoas. Aqui reuniu cerca de cento e cinquenta rapazes, de sete a onze anos de idade, ensinou-lhes latim e o grego e estabeleceu as horas canónicas cantadas, como nos seus conventos da Europa, com grande gosto do Imperador, que se deleitava a ouvir as vozes melodiosas das crianças. Eram também estas crianças que faziam o ofício de acólitos, ajudando à missa”, segundo o padre Manuel Teixeira, que refere Montecorvino “familiarizou-se com a língua nativa, podendo assim pregar e traduzir para chinês o Novo Testamento e os Salmos. As maiores dificuldades e obstáculos encontrados na árdua empresa da evangelização da China vieram-lhe da parte dos nestorianos, que então abundavam na China.”

Os sucessos da missionação de Giovani Montecorvino levaram o Papa Clemento V (1305-1314) a enviar sete bispos franciscanos encarregados de o consagrar pela bula Summus Archiepiscopus, mas a Dadu só chegaram três, Geraldo, Peregrino e André de Perúgia. Estes em 1308 nomearam-no Arcebispo de Pequim e Patriarca de todo o Oriente e rumando para Quanzhou sucederam-se uns aos outros como bispos na Sé de Zaiton, estabelecida por Montecorvino. Em 1312, o Primaz de Pequim e de todo o Extremo Oriente recebia mais três novos prelados franciscanos e instituía novas dioceses, para além das já existentes. Depois de trinta e oito anos de vida apostólica na China, Giovanni Montecorvino, com 81 anos, morreu na sua sede Arquiepiscopal de Pequim em 1328. Dez anos após a sua morte, o último dos soberanos da dinastia mongol Yuan, Shun Di (1333-1368), enviou ao Papa uma embaixada, solicitando o envio de mais missionários e um outro legado pontifício. Apelo correspondido, pois o Papa Bento XII nomeou João de Marignoli legado pontifício, seguindo com ele mais vinte e dois padres, que chegaram em 1342 a Dadu, após uma viagem de quatro anos. Mas Marignolli, apercebendo-se que os mongóis nunca conseguiriam conquistar a estima das populações que ocupavam, regressou à Europa em 1345.

Então, o Papa Inocêncio VI ordenou ao superior dos franciscanos o envio de missionários para a China, sendo nomeados três bispos para a Sé de Dadu, mas nenhum aí chegou.
O Khan da Pérsia, Timur (1336-1405) em 1362 começou a perseguir os cristãos, levando à dispersão destas comunidades para a Índia do Sul. Quando o católico quarto bispo de Quanzhou, Giacomo da Firenze foi martirizado em 1363, encerrou-se mais um ciclo da evangelização cristã na China.

Na China, a queda da Dinastia Yuan deu-se em 1368 e com a chegada dos sedentários chineses Han, que formaram a Dinastia Ming, os cristãos saíram do país e acompanharam os mongóis para as terras do Norte.

Durante a Dinastia Yuan, os franciscanos converteram mais de trinta mil chineses, maioritariamente de etnia mongol e como os católicos foram seus protegidos, quando a Dinastia Ming se sentou no trono da China proibiu o Cristianismo. Só duzentos anos depois, em 1583, o jesuíta Matteo Ricci conseguiu reestruturar a missão Católica na China, esquecido que estava o período de terror na qual a população chinesa Han vivera, pois classificada no nível mais baixo do escalão social mongol.

22 Jul 2019

Confúcio e a Questão dos Ritos

[dropcap]O[/dropcap] jesuíta Matteo Ricci (1552-1610) numa primeira abordagem interpretou como supersticiosos os ritos chineses, mas para os compreender melhor estudou a doutrina de Confúcio, na qual se baseava a sociedade chinesa e o seu sistema político com os princípios de Ordem, Paz e Harmonia.

O nome de Confúcio foi dado por Ricci a Kong Fu Zi (孔夫子, 551-479 a.n.E.), mestre Kong (Kongzi), que nascera no Período Primavera-Outono (770-476 a.n.E.), havia dois mil anos. Viveu durante a Dinastia Zhou do Leste, quando centenas de pequenos reinos até então federados começaram a ser conquistados e grande instabilidade surgia pelas contínuas guerras entre os reinos cada vez maiores e mais fortes. Sem governantes capacitados para esse novo espaço de gestão estratégica, apareceram muitos ilustrados mestres, entre eles Kongzi, que ofereciam os seus conhecimentos, colocando-os ao serviço do rei para a governação.

Kongzi reorganizou os conhecimentos antigos e sendo um grande educador transmitiu-os aos discípulos. Incutiu o respeito pelos Antepassados, como modo de vida propunha o aperfeiçoar da ética pela rectidão, benevolência e virtudes. Como filosofia, o caminho da sabedoria prática pela harmonia na vida social, na educação e na política, atribuindo grande importância à Paz, Harmonia e Ordem como princípio do bem governar e organizar o Estado. Após a sua morte em 479 a.n.E., os ensinamentos, apesar de no tempo terem passado à margem, tiveram seguidores confucionistas, administradores exímios e poderosos. Em 213 a.n.E. boa parte dos escritos foram destruídos pelo fogo, mas reproduzidos de memória perpetuaram-se na sociedade chinesa a partir da dinastia Han (206 a.n.E-220).

Kongzi advogava o conceito de Harmonia: um Universo ordenado, em que o ser humano deve procurar manter as relações harmoniosas com a Natureza, consigo mesmo e com o próximo.

Regulou as relações humanas, para as quais encontrou cinco fundamentais: soberano e súbditos, pais e filhos, marido e mulher, irmão mais velho e os mais novos e entre amigos. “Observados os deveres entre uns e outros há harmonia; de contrário, reina a desarmonia. A relação mais importante é a do pai e filho e a virtude central que a governa é a piedade filial (孝, hau). Sobre esta virtude e as que a acompanham – obediência, respeito e serviço – construiu-se a estrutura da sociedade chinesa.” Entre aspas está o que creio ser do Padre Benjamim Videira Pires, mas poderá ter outro autor e por esta falta me penitencio e agradeço a quem corrija e nos desfaça tal dúvida. O artigo a partir daqui está estruturado sobre esse texto, de onde provêm as citações, pois creio merecer o assunto importância suficiente para ser publicado.

O kau-tau nos ritos

“A piedade filial não deve cessar com a morte dos pais; o filho deve continuar a servi-los como se vivessem, e este dever estende-se a todos os antepassados da família. Confúcio ao estender a piedade filial aos mortos fomentou essa virtude em vida”, levando as acções a serem realizadas como mostra de respeito aos antepassados e desejo de alcançar as suas perfeições com a ajuda do exemplo, imitando-os; – a melhor maneira de honrar a família.

Em memória dos Antepassados realizavam-se rituais nas casas onde se encontravam as tabuletas em madeira inscritas com os nomes dos defuntos antepassados masculinos, pai, avô e bisavô, pois chegando a trisavô passava a tabuleta a ter direito a constar no Templo de Família, até entrar ao fim de algumas gerações no dos Ancestrais. Às tabuletas dirigiam-se expressões de reverência e respeito, num ambiente com flores, velas, incenso, pois a intenção é “arranjar um certo lugar ou termo para onde possam elevar as suas mentes; e para o qual, como para uma pintura, possam dirigir as costumadas honras, como se eles estivessem presentes.” Nesta cerimónia fazia-se “o kau-táu (bater cabeça), em que uma pessoa se ajoelha e inclina profundamente até tocar com a testa no solo. É o costume chinês do respeito: nove prostrações ao trono nas recepções imperiais; prostrações nos tribunais perante os magistrados e dos filhos perante os pais e sogros. Assim, nada há de religioso nas prostrações nos funerais diante do caixão e não se podia afirmar que se tratava de adoração dos mortos.”

Tudo isto levou Ricci a modificar a primitiva opinião: “o que ao europeu parecia superstição e adoração, para o chinês era apenas uma expressão simbólica da piedade filial. O facto de usarem as mesmas cerimónias para os vivos levava a crer que não se tratava de actos religiosos quando aplicados aos mortos. Tal era o caso da queima do incenso (…). As pessoas educadas costumavam receber os hóspedes com incenso, que era parte do cerimonial da etiqueta, que dava graça e harmonia às relações sociais, sendo um sinal de respeito. Não havia, pois, razão para lhe dar um significado religioso quando era usado nos funerais, perante as tabuletas ou nas salas de Confúcio.”

Após longas discussões com os amigos chineses, Ricci concluiu nada haver de idólatra nos ritos ancestrais nem talvez de supersticioso e “submeteu estas opiniões a Valignano, que as discutiu com os seus consultores. A conclusão foi ser permitido participar nos ritos solenes em honra dos antepassados da família com a condição de não se queimar o papel-dinheiro, mas não era permitido tomar parte nas cerimónias solenes em honra de Confúcio com o sacrifício duma vítima, porque, segundo dizia Furtado, (Cit. por Dunne, Generation of Giants).” Em dias prescritos pelo ritual, com aparência de sacrifícios religiosos, oferecia-se aos antepassados um animal (imolado no local), vinho, seda…, seguindo um banquete familiar.

Outras cerimónias os jesuítas permitiam e até observavam. “Por ocasião da morte de alguém, os amigos, que vinham dar os pêsames, envergavam, como luto, uma veste de seda branca; ao entrar no quarto, faziam quatro vezes o kau-t’au diante do defunto; os filhos do defunto repetiam então o mesmo gesto; o visitante, aproximando-se mais do caixão, voltava a fazer a mesma cerimónia.

Os ritos em honra de Confúcio eram apenas praticados pelos letrados e não diferiam no essencial das cerimónias ancestrais,” sendo após a “passagem nos exames feitas prostrações perante a tabuleta de Confúcio numa sala dedicada ao mesmo. Iguais ritos, prostrações e queima de incenso eram observados pelos oficiais e letrados nos dias da lua nova e lua cheia.”

O confucionismo baseia-se nos ensinamentos de Kong Fuzi, reformador que a partir dos ritos dos Zhou reorganizou a ordem da sociedade e estruturou na China o pensamento humano pelos conceitos de virtude, justiça, tolerância e generosidade. Para a sabedoria prática, a importância da Astronomia e na preparação do Calendário, pois qualquer incorrecção perturba o balanço entre o Céu e a Terra.

15 Jul 2019

Traduzir Deus para chinês

[dropcap]O[/dropcap]s jesuítas chegaram à China durante a Dinastia Ming e se o padre Francisco Xavier morreu à espera de aí conseguir entrar, ainda Macau não existia como povoação portuguesa, já Matteo Ricci trinta anos depois, pela diplomacia dos relógios e da nova ciência, abria as portas do Celeste Império ao catolicismo.

Matteo Ricci nascera em 1552, ano da morte de Francisco Xavier, chegando em 1583 a Macau, na altura a fazer-se cidade e no ano seguinte instalou-se em Zhaoqing, local onde vivia o Vice-rei de Guangdong-Guangxi. O Governador Chen Wenfeng autorizou-o a construir uma igreja e residência junto da torre de Chongning, a Leste de Zhaoqing, primeira igreja de estilo europeu tendo o perfeito Wan Pan oferecido uma tábua horizontal com a inscrição ‘Templo das Flores Santas’, segundo refere Huang Qichen, que acrescenta, nessa missão de Siu-Heng, estabelecida pelos padres Matteo Ricci e Miguel Ruggieri, “em 21 de Novembro de 1584 foi efectuado o primeiro baptismo solene de dois conversos chineses”, e cinco anos mais tarde, em 1589, “décimo sétimo ano do reinado de Wanli, o Governador Li Jiwen quis ficar com a residência de Ricci e este pediu em troca licença para construir nova residência e assim conseguiu um terreno em Shaozhou (Shaoguan) junto ao Rio Beijing” onde em 1590 ergueu igreja e residência.

Sob a jurisdição do bispo de Macau, a missão da China foi fundada pelo jesuíta Matteo Ricci ao pregar a fé em muitas províncias. Numa superficial primeira abordagem aos ritos chineses convenceu-se serem supersticiosas as cerimónias confucianas. Daí o estudo para a interpretação das palavras Deus e Céu e tradução pelos conceitos filosóficos e teológicos no idioma chinês a fim de expressarem o conceito católico. Segundo Benjamim Videira Pires, Ricci “escolheu para o vocábulo as expressões Seong-tai (上帝, Governador no Alto) e T’ien-chü (天主, Senhor do Céu); para T’ien-san (天神, Espírito do Céu) e para Leng-wan (灵魂, Espírito que vivifica ou dá vida). Estes termos estavam aprovados desde 1600 pelo Visitador Valignano após uma consulta dos jesuítas em Macau. Longobardo, na China desde 1597, opusera-se a estes vocábulos, levantando dúvidas. Seria o Seong-tai dos chineses um Deus pessoal, uma simples força, ou um antepassado antropomorfizado? Era T’ien o firmamento material ou Deus, Senhor do Céu e da Terra?”

Ideia de Céu

Segundo Benjamim Videira Pires, “T’IEN (天) designa, antes de mais nada, o céu ou firmamento material” e “originariamente a pintura estilizada ou jeroglífica da (大因) do firmamento, tendo o semicírculo sido encurtado com o tempo e reduzido a uma linha recta horizontal, sobreposta ao carácter 大, grande, dando 天” – Tian em mandarim. Carácter chinês explicado por E. T. C. Werner, no livro China of the Chinese. “No próprio carácter ou ideograma, que no-lo representa em chinês, está incluída a ideia escalonada duma Super-grandeza que domina o homem (人大天), mas com a qual ele está em ligação”, segundo Videira Pires, que segue, “T’IEN (天) representa uma ”, Puros Três do “ ou do .”

“Durante as festividades do Ano Novo Chinês e num dia de bodas, o Céu e a Terra são adorados. O nono dia da primeira lua (no calendário chinês) é o nascimento do Céu e o décimo dia o nascimento da Terra. (…) Reservava-se, todavia, ao Imperador, intitulado , a adoração oficial do Céu feita no …”

“As duas ideias mais altas, gravadas no espírito dos chineses, soa a deveres de honrar pai e mãe e de adorar o Céu e a Terra, os grandes Pai e Mãe do Universo”, assim escreveu o jesuíta Benjamim Videira Pires.

Matteo Ricci gastou anos em permanente estudo sobre os costumes, a língua, o sistema confucionista, até conseguir permissão para ir a Beijing. Aí, em 1598 na Cidade Imperial cativou os sábios e o Imperador Wanli (1573-1620) com as novas teorias da Renascença, sobretudo na área das Matemáticas e Astronomia. Em 1601 voltou à capital onde se estabeleceu e ficou até à morte, a 11 de Maio de 1610. O Imperador deu a concessão do Templo da Bondade aos padres da Missão portuguesa de Beijing e concedeu o Cemitério de Chala para a sepultura de Ricci e para os padres da corte, na altura jesuítas que traduziam para chinês o sistema do calendário gregoriano usado no Ocidente e iniciavam a revisão do calendário então em vigor na China.

Fonetizar o vocábulo Deus

Para suceder a Matteo Ricci como Superior da Missão da China chegou a Beijing em 1611 o Padre Longobardo, que tinha discordado do vocábulo DEUS encontrado por Ricci como termo adequado em chinês. Quando Longobardo tomou o cargo, requereu ao Visitador Francisco Pasio para reexaminar a questão, mas os intelectuais católicos chineses declararam-se a favor de Ricci e o Visitador Pasio deixou o assunto em aberto. “Assim passou a haver duas facções dentro dos jesuítas que durante anos foram expondo os seus argumentos em prolongadas reuniões de muitas horas e dias com acaloradas discussões.” Por fim decidiram: 1.º que se devia estar pelo costume do mesmo Padre Ricci acerca da doutrina dos letrados da China. 2.º que os Chineses antigamente conheceram a Deos vivo, e verdadeiro, e o significaram pelas vozes Tien e Xonti. 3.º que o mesmo Deos se chamava vulgarmente Tienchú, que quer dizer Senhor do Ceo, e desde então até agora por este nome é conhecido, e chamado comummente na China o Deos dos Christãos. 4.º que a veneração e o culto que os chineses costumam dar a Confúcio, seu grande Mestre, significado pela voz, e letra Ci não era supersticioso, mas só político, e se podia permitir aos chineses cristãos. 5.º que da mesma sorte se permitisse o culto, que os chineses costumam dar aos seus progenitores defuntos. 6.º que se lhes permitisse também suas tabelas ou tabicas, em que costumam escrever os nomes dos seus progenitores defuntos, para sua memória, e veneração política». (Memoria)”, Joaquim Calado Crespo em Cousas da China.

Em 1621, nessa consulta em Macau, a maioria dos missionários inclinou-se para a escolha de Ricci, mas Longobardo não se conformou e passados dois anos escreveu um tratado a defender o seu ponto de vista e em 1624 fez uma análise crítica de T’ien-chü. Rejeitava os termos T’ien-chü e Seong-tai, advogando a fonetização do vocábulo latino Deus.

Joaquim Calado Crespo refere, “A dificuldade principal versava sobre a palavra Tien, que uns tomavam por «céu material», e outros por «senhor do céu», equivalente a Tienchu; e sobre a palavra Ci, que uns tinham por verdadeiro sacrifício oferecido a Confúcio e aos progenitores, e outros por mera comemoração honrosa.”

Os Ritos que Confúcio transmitiu à sociedade chinesa com base nos princípios da Ordem e Harmonia foram estudados e discutidos pelos jesuítas, que após 50 anos na China estavam em desacordo quanto à terminologia do nome de Deus, mas todos de acordo, incluindo Longobardo, quanto à Questão dos Ritos.

8 Jul 2019

Zhuge Liang, o Dragão Adormecido

[dropcap]C[/dropcap]omo grande estratega militar, só comparável com Sun Zi do século V a.n.E., Zhuge Liang (181-234) tinha o nome literário Kongming e era conhecido pela alcunha do Dragão Adormecido. Potência à espera de ser acordada pois, pouco antes da sua existência se criara da Filosofia do Dao o Daoísmo religioso como contrabalanço às religiões estrangeiras que chegavam à China.

Em 207, o próprio Liu Bei, descendente da família imperial dos Han, veio a casa de Zhuge Liang pedir para, como homem de Estado e criativo inventor, se tornar o seu conselheiro militar e organizar o exército do que viria a ser o Reino Shu Han, no Período dos Três Reinos (220-280).

Nos finais do século II, a dinastia Han (206 a.n.E.-220) tinha governantes fracos e corruptos, havendo contínuas lutas dentro da corte, sendo a população oprimida e explorada. Em 184, trezentos mil camponeses em muitas partes do país levantarem-se contra o Governo, no que ficou conhecida pela Revolta dos Turbantes Amarelos. Três anos antes, no ano 181 nascera Zhuge Liang em Yangdu de Langya, hoje vila de Yinan, pertencente ao distrito de Linyi situado na parte Sul da província de Shandong. A sua mãe morreu quando tinha três anos (184) e devido à morte de seu pai, Zhuge Gui, que fora magistrado no distrito de Taishan, ainda criança, com oito anos (189) ficou à guarda do tio, Zhuge Xuan.

O general Yuan Shu, um senhor da guerra que mais tarde em 197 se auto proclamou imperador da curtíssima dinastia Zhong, enviou Zhuge Xuan para tomar conta de YüZhang, pequena localidade a Norte da actual província de Jiangxi, próximo de Nanchang. Como a nomeação não teve a aprovação dos oficiais Han, Zhuge Xuan foi ter com o seu amigo Liu Biao, o perfeito (governador) da província de Jing (Jingzhou em Hubei), que no ano 190 mudara a capital de Hanshou para Xiangyang. Assim em Xianyang ficou a viver, acompanhado pelo sobrinho Zhuge Liang, tendo este estudado durante três anos numa escola, talvez na Academia fundada por Liu Biao pelo ano de 196. Ao mesmo tempo, Liang escolheu Pang Degong para ser seu mestre.

Zhuge Xuan morreu em 197 e após a morte do tio, Zhuge Liang com dezassete anos foi viver para a aldeia Longzhong, actualmente próximo de Xiangyang, província de Hubei, onde se dedicou à agricultura. O seu tempo livre passava a ler, assim como gostava de conversar com os mestres Pang Degong e Xü Shu, pessoas mais velhas ensinando-lhe coisas da vida e com quem trocava ideias sobre as convulsões que ocorriam pelo país.

Zhuge Liang passou mais ao menos dez anos em Longzhong, onde fez muitos amigos entre os locais, mantendo relações de amizade com intelectuais como Sima Hui e Huang Chengyan.

Certa vez, Huang Chengyan sabendo Zhuge Liang andar à procura de esposa para se casar, propôs-lhe a filha. Avisou-o ser ela feiosa, apesar de dotada de muitos talentos, que bem se complementaria com os atributos dele. Concordando, casou-se com Huang YueYing, apesar de no registo histórico local Xiangyang Ji, onde vem narrado tal episódio, o nome da esposa nunca ter sido mencionado.

Pérola da imortalidade

É preciso lembrar pouco se saber sobre Zhuge Liang, figura para além de histórica tem a complementá-la várias lendárias e mitológicas narrações a envolvê-lo num ser misterioso e de grande poder. Se a maior parte da sua vida apenas vem narrada no Romance dos Três Reinos (San Guo Yanyi 三国演义) escrito por Luo Guanzhong (1330-1400), há outras histórias que nem aí foram contadas e uma delas, a mais estranha de todas, refere-se a como Zhuge Liang se torna um Imortal. Registada após via oral ter passada de geração em geração e só escrita muito tempo depois nas Histórias de Longzhong.

Nessa mitológica lenda sobre a sua juventude explica-se a razão de Zhuge Liang se apresentar sempre com um leque de penas na mão e uma túnica de mestre daoista.

Ainda criança, durante o dia trabalha numa loja de chá e à noite estuda em casa. Certo dia, à loja, cheia de gente a beber, chega um idoso daoista e sentando-se, logo começa a falar sobre assuntos deveras muito interessantes, colocando as pessoas a escutar com atenção. Vem desde então diariamente à casa de chá, sentando-se de manhã até à hora do fecho, aparecendo cada vez mais gente para o escutar e com ele falar. Parece saber de tudo, desde o passado histórico até aos dias que correm, de astronomia à geografia, de política aos assuntos militares. Como empregado Zhuge Liang muito aprecia aquelas sessões e cada vez mais a admiração cresce perante aquela prodigiosa figura, mas, devido à sua juventude e posição, não lhe é permitido questionar a distinta personagem. Assim aumenta a curiosidade sobre aquele estranho ser.

Certa vez Zhuge Liang encontra a oportunidade de saber onde ele habita pois, usando inteligente solução, enquanto o ancião entusiasmado fala, consegue apoderar-se da bengala de bambu que sempre o acompanhava. Pegando no bastão, faz um buraco na última sessão e aí coloca uns pós de incenso. Bengala no lugar, sem que o orador desse por nada.

Após este sair da casa de chá, Zhuge Liang, para não ser apanhado a segui-lo, espera, pois, apenas tem de perseguir o rasto desse pó deixado pelo caminho e assim pôde chegar ao local onde o idoso estará. A marca do pó desaparece em frente a um pequeno pinhal, sem haver casa alguma. Estranho!

De repente o som do ressonar e olhando de onde vem, repara num ninho colocado no alto de uma dessas árvores, onde dorme um grande crane. Devagar aproxima-se para melhor analisar o ninho e já por baixo, continuando a olhar para cima, de repente do bico cai uma gota de saliva em forma de pérola na boca de Zhuge Liang, que a engole.

De repente o crane acorda e com a pérola desaparecida, cai do ninho e ao chegar ao chão, logo se transforma no nosso conhecido ancião. Este desabafando refere trabalhar na pérola há milhares de anos e ter ela o poder de saber fazer muitas coisas. Transmitida quando ele a engoliu, agora podia deixar a vida. Ao ouvir tal, Zhuge Liang assustado e pesaroso pelo que provocara, logo escuta do ancião, ter acontecido porque tinha que ser (yuanfan).

Então relatou-lhe ter ali vivido milhares de anos, sem ninguém o ter encontrado. – Hoje tu viste-me, por isso és uma pessoa especial. Assim, após eu passar desta vida e transformado em crane, tu retiras sete penas de cada uma das minhas asas para fazeres um leque e ofereço-te as minhas roupas de mestre do Dao que te protegerão. Quando tiveres algum problema, abanas o leque e a pérola dentro do teu corpo dar-te-á a solução.

Terminada a conversa o idoso finou e transformou-se de novo num crane a jazer no chão. Assim, estes dois adereços, roupa e leque, passaram a acompanhar Zhuge Liang durante toda a vida.
Ana Maria Amaro refere sobre “a pérola que todos os dragões transportam e que não podem perder, para manterem a imortalidade, pérola que é formada pela sua própria saliva e tem a propriedade de satisfazer todos os desejos se for apanhada por algum feliz mortal”.

1 Jul 2019

Festa a S. João Baptista

[dropcap]H[/dropcap]oje, 24 de Junho, para os cristãos nasceu S. João Baptista. Pagã personagem histórica do início da nova Era, como eremita no deserto purificava com água do Rio Jordão quem acreditava, dizendo: -Eis o Cordeiro de Deus.

Ritual animista inserido nos dias de celebrações ao Solstício de Verão, quando em colectiva exterior confraternização, esfuziante de alegria, se agradece as colheitas do ano. Encerra o período do fogo que começara no Solstício de Inverno. Regeneração iniciada pela festa da família no interior de casa a ocorrer à mesa em balanço do ano agrícola, e para os cristãos, dias depois, no Natal.

“Ensinam os livros que a Festa do Sol, no solstício do Verão, marca um lugar de passagem. Do formal para o informal, do finito para o infinito, do tempo para a eternidade. O Sol entrou no seu movimento descendente de declínio, a caminho do nadir e, de novo, da ascensão e do renascimento. S. João Baptista é o zénite, Cristo o nadir; e ambas as festas, o S. João e o Natal, convocam – dizem os livros – arquétipos primitivos da alma e da natureza dos homens”, segundo Manuel António Pina que adita, “S. João Baptista é tido como santo austero, dado a jejuns e às orações, mais do que a euforias; mas dizem também a Bíblia e a lenda que saltou de alegria na barriga de Isabel à visitação de Maria, mãe de Jesus. A Igreja partilhou entre os dois, João e Jesus, as festas solsticiais: João foi nascido (mais do que nasceu) no solstício de Verão quando o Sol, no zénite, inicia o longo declínio para a Obscuridade; e Jesus no solstício de Inverno, quando o ciclo solar se torna de novo ascendente, e os dias crescem, cada vez mais limpos e luminosos. João, testemunha de Jesus, não foi que disse: É preciso que Ele cresça e que eu diminua?”

Segundo Eugénio de Andrade, “… a festa do solstício de Verão, com as comemorações do fogo, da água e da vegetação, tem mais a ver com o espírito dionisíaco do que o cristianismo, que de solar teve sempre muito pouco”.

A escuridão prepara para tomar conta da luminosidade do dia e expandir cada vez mais a noite.

Noite de S. João

O solstício a marcar a passagem para o Verão é comemorado desde tempos imemoráveis como festa pagã. Vivida pelo exterior nas anuais mais curtas noites, sob o Céu expõe-se o ano ocorrido, manifestando o estar com que se entra e se faz festa. Colectiva energia cujo ânimo sem a diária competição faz realidades criadas pelo fogo e água, e resolvidas as questões do individual, renasce a amizade entre pessoas, originando a maneira espacial da cidade. Nessa alegria fraterna, as vibrações são alimentadas por rusgas e o saltar fogueiras, associado ao casamento e fertilidade.

Acesa a fogueira serve também para transmitir mensagens e segundo a tradição, assim Isabel avisou a irmã Maria do nascimento de João. Culto ao Sol com balões a subir pelo ar, cascatas recriando a natureza com musgo e água a correr, encontrando-se no meio S. João. Noite passada ao relento acompanhada de “comes e bebes das orgias e o matraquear dos ritmos que permitirão o transe, a entrega”, Yvette Centeno.

Durante toda a noite de 23 para 24 de Junho a comunidade sai de casa para celebrar na rua o início do Verão, esplendor no yang da Natureza. Corrente de gente vagueia em exterioridade purificadora criando a festa ao interagir com o outro. Com direito à rua, aí mostra o ano que passou através do instrumento com que acolhe o outro e é nesse comunicar ‘provocatório’, que pela interacção nos apresentamos. Assim, em outra grandeza o S. João é uma festa do cheiro. Para quem teve um bom ano expressa-o transportando o manjerico, vaso difícil de carregar, mas para quem toque nessa erva-benta, ela cheirar. Colocadas na terra do vaso, bandeirinhas com mensagens em rima, trocadas entre namorados ou de foro popular a malandrado. O alho-porro de quem insatisfeito tem algo a expressar pelo cheiro, ao batê-lo na cabeça do outro escolhido deseja boa sorte e no fim da festa coloca-se atrás da porta da casa para a proteger contra o mau-olhado. Da subtileza da cidreira, ou de outras ervas bentas, de aroma agradavelmente silvestre, onde por zangadamente enganado se podem encontrar misturadas urtigas, sendo o intuir do momento a decidir se cheirar, ou duvidar. Já as plumas campestres substituídas pelas de plástico perfumado revertem para os martelinhos e nesse concerto geral (de notar ser S. João Baptista também o padroeiro dos músicos e de muitas outras instituições e colectividades) se recompõe o ritmo das energias colectivas da cidade.

Perdida está a tradição do cravo vermelho, nessa noite comprado pelas raparigas a pretender casar e ao deixá-lo cair esperavam o rapaz que o apanhasse para com elas ficar. Noite para encontrar o par. Espera-se pelas orvalhadas, normais nessa madrugada, e sinónimas de fertilidade sobre essa humidade as jovens se rebolavam. Costume é ainda antes do nascer do Sol ir mergulhar na água como protecção do ano contra certas doenças, pois a água imuniza e limpa.

Mudança de Luz

Sendo o Dragão símbolo do paganismo, tem S. João Baptista como seu herdeiro e representante. João, conhecido pelo Baptista, a voz que clama no deserto, baptizou Jesus, sendo o seu precursor, como o Profeta Isaías anunciou. Era filho do sacerdote Zacarias e de Isabel, prima da Virgem Maria, e preparava as pessoas para um novo ciclo, o da água.

Fiel aos princípios, sem nunca deles abdicar, João foi preso e degolado por censurar o comportamento do tetrarca Herodes de Antipas, acusando-o publicamente de adultério ao casar com Herodíade, sobrinha e cunhada, pois esposa do irmão ainda vivo. Ao contrário dos outros Santos canonizados, não é no dia da sua morte, 29 de Agosto, que se celebra a festa maior.

Após a sua morte foi a doutrina subvertida e encontramos a imagem do mítico Dragão a tornar-se num monstro feroz-mente a combater, primeiro por Paulo de Tarso e entre outros, mais tarde por S. Germano, o escocês, para libertar a cidade do monstro que comia criancinhas. Também S. Jorge, nascido na Capadócia e padroeiro de Inglaterra, montado num cavalo branco salvou a filha do rei de ser devorada por um animal feroz, transformado ao longo dos tempos num dragão a eliminar.

No entanto em Portugal o catolicismo incorporou muito desse estar pagão e com esse dragão soube englobar o outro, do que em si não compreendia e assim a diferença desta doutrina no resto dos países europeus. Interagindo com o outro, purificamos para encerrar o semestre do período do fogo. E pela água a redimir, abre-se o caminho aos que acreditam, para se conseguir fechar o Ciclo pela terceira idade do Ser Humano. A mensagem de Jesus, a do espírito santo, conquistado pelo consciente do idoso e iluminação do ancião.

Em Macau, os holandeses foram derrotados no dia 24 de Junho de 1624 e nessa altura, o Senado e o povo elegeram S. João Baptista padroeiro de Macau, prometendo comemorar todos os anos essa vitória. Voto escrupulosamente cumprido até agora e assim é celebrado o dia de S. João com festa na Calçada da Igreja de S. Lázaro.

24 Jun 2019

Conceitos e realização

[dropcap]S[/dropcap]erá mais importante conhecer a Natureza ou a essência do ser humano?

O assunto hoje trazido é controverso para a comunidade educada pela mente ocidental pois o fundamentalismo com que se aceita discutir o conceito de democracia enferma de uma visão reducionista para a qual o espaço fica restrito à forma. Também para os formados no curso de Direito, que ao saírem das faculdades vêm transfigurados com uma visão de primeiro andar, mas trazem a projecção na Axiomática Geral onde falta a trindade (3×3) do pensamento abstracto. Na parte dedutiva só conta os olhos, na teoria da observação fazem-nos de fora quando pertencemos a um todo, nas observações particulares centradas no observar-se a observar; os conhecimentos gerais anteriores sem memória, pelas regras lógicas jogam as imagens mentais criadas pelas coloniais fontes de informação que incessantemente nos impingem verdades e no modelo particular, trabalha a Ciência da Natureza. Assim, centrada no observador apenas se discute pelo sistema baseado na autoridade estatutária, sem querer saber sobre a Essência do Ser Humano, que daria diferentes significados às palavras e actos. Estas as falhas apresentadas nos métodos com que cientificamente nos projectamos.

No entanto aqui não importa o que se pensa, mas como se pensa e não trago o pensamento concreto, mas uma reflexão feita pelo abstracto.

O conceito de Democracia que temos como imagem mental é uma utopia que nunca foi realizável nem tem ou teve existência em nenhum país do mundo. De lembrar que na Grécia do século V antes da nossa Era a democracia só estava ligada aos cidadãos de Atenas, pois os escravos ficavam reduzidos a ter de os servir. Tal continua agora, não com escravos, conceito transfigurado pois então gozavam de prerrogativas desaparecidas [sendo eles os pais/antepassados de parte da população europeia], mas para servir é necessário criados. Hoje, por que nos dão dinheiro pelo trabalho realizado [na maior parte das vezes só chega para pagar a renda de casa, o transporte e comida, benefícios que constavam nos contratos dos culis do século XIX e seguinte], achamos sermos livres. Mas para quem não veio ao mundo para produzir riqueza material, mas purificar energias, a fome e o ridículo de ficar a falar sozinho. Ao menos Diógenes!

Com as leis de Sólon de 594 a.C. o povo tornava-se soberano, mas Atenas continuou quase um século a ser governado por tiranos, ficando a cidade sem possível governação. Então, numa assembleia de cidadãos Clístenes propôs uma nova forma de governo, com o povo pelo debate político e votação a exercer a autoridade, tornando-se assim Atenas em 507 a.C. numa república democrática, que durou 103 anos.

Se na antiguidade o poder estava dividido entre o temporal, representado pelo rei e o espiritual dominado pelos sacerdotes, com a revolução liberal os religiosos foram substituídos pelos homens das leis, ficando estas apenas ligadas ao material, deixando cair o espírito do estar, na altura não muito salutar.

Liberdade na forma

A democracia apenas está ligada ao material do ter e o poder escolher se queremos viver em solidariedade ou em competição não aparece como questão nas mesas de voto, pois essa primordial questão foi subvertida e apenas nos dão a escolher se queremos viver em competição solidária ou na competição pura e dura. Neste cisma entre o artístico estar ou o científico ser, desde o Renascimento ocidental, ao crer-se controlar a Natureza, o poder apenas se baseia na Ciência da Natureza e não na Essência do Ser Humano vivo. Assim não se complementa e sem a ética da dignidade do Ser Vivo apenas dá a máquina como padrão a seguir como definidora do Ser Humano. Continua-se a fazer crer na vontade do querer de quem tem mais poder, para aí se julgar com a aprovação científica essa materialidade onde se situam os direitos medidos perante o valor do ter, sendo os deveres de acordo com a posição social ocupada. Por isso, um advogado com um pensamento abstracto cujo reconhecimento da esfera material ligada ao etéreo espaço consegue desmontar todas as imagens mentais colocando-as em preconceitos e destrói todas as provas formais com que o seu cliente é incriminado. Não é por acaso que no Ministério Público a escolha dos magistrados recai quase sempre no ser feminino, que traz de natureza um pensamento concreto, substancial e assim, quando confrontado com o Espaço de essência de alguns bons advogados (professores universitários), o pensar abstracto dizima qualquer concreto pensamento. Daí a corrupção avassaladora dentro da Justiça, sendo o comportamento condenável a nível moral, mas não a nível de Justiça.

Curso de Direito

No ocidente já não é preciso a Censura, pois na memória não existe o Espaço que envolve as formas e nos coloca na unidade do Universo U∩O e transfigurando-o dão-nos o espaço dentro das formas, que nunca consegue englobar. Deixam-nos a liberdade de partir as formas, destruí-las, refazê-las à nossa vontade e nas verdades individuais que cada consegue encontrar, e mesmo aqueles que dizem aceitar a sua antítese, às formas não contrapõem o Espaço, mas o espaço dentro das formas. Quando alguém reivindica o Espaço essência não compreendemos o que está a querer, pois esse espaço não existe sem forma e logo sem matéria. Essa a liberdade que temos.
Liberdade só existe enquanto se vive no inconsciente de criança. Depois, tomamo-la subconscientemente como um desejo de memória vivida e nas imagens mentais a deformamos, crendo ainda estarmos quando agrilhoados ao tempo lhe damos intenções. O subconsciente domina a idade do adulto, que centrado em si mesmo define o que vê pelo que julga ser e parece não compreender ser o vazio de onde se formam todas as imagens mentais.

Assim as nossas mentes estão feitas pelo caos, onde já não entra a ordem, senão por uma composição feita pela autoridade estatutária, em que o mais forte define o seu querer como realidade. E aí está o curso de Direito.

Para a Justiça ser um garante de liberdade teria que haver nos cursos de Direito, não apenas a cadeira de Filosofia do Direito (existente como uma cadeira menor e semestral), mas também a de Filosofia da Palavra e uma outra disciplina, a de Civilizações, que permitiria entender os diferentes caminhos do Ser Humano.

Dão-nos a liberdade de escolher, mas tem que ser dentro do pensamento material, fora dele nada pode existir. Deixam-nos votar, no que já foi previamente escolhido para ir a votos pois o que faria a diferença está no conceito de Espaço e esse está colocado fora de existência há mais de 500 anos. Por isso repetimos ser a Idade Média a idade da escuridão, do obscurantismo, das bruxas (que eram quem lidava com o espírito), dos demónios (os que criam turbulência) e do Lúcifer (a Luz que cega).

Escondida a Idade Média pela mentira, às palavras que não podem ser deitadas fora dá-se-lhes outra significação, muitas vezes opostas à que tinham. E assim não mais interessa a Essência do Ser Humano, mas as Ciências da Natureza.

17 Jun 2019

Ser português

[dropcap]H[/dropcap]oje, dia de Portugal gostaria de dar existência ao estar português de quem consegue englobar versus os globalizadores que, saídos das modernas escolas europeia usam apenas o pensar anglo-saxónico como forma de ser, fazendo-se como centro e só a si se vêem. Heraclito versus Demócrito.

A pena que trago em mim devo-a à demissão no momento em que obrigaram os professores a dar as aulas, sem lhes permitir que estas pudessem acontecer e por isso a formatação da juventude num formal pensamento concreto, sem a abstracção do espaço a possibilitar ao Ser realizar-se pela harmonia no estar. Isto ocorreu em Portugal, nas Escolas de formação dos professores nos finais dos anos 80 do último século do II milénio. Apenas interessava ensinar o saber fazer sem des-cobrir o lugar do estar. Por tudo isto deixei de leccionar, teriam esses estudantes hoje os seus quarenta e tantos anos e são dessa estirpe os actuais ocupantes dos lugares de chefia na maioria das instituições portuguesas. Educados com uma realidade Absoluta apenas para o mercado de trabalho, não lhes foi dado o espaço do espírito do estar fora da materialidade e assim, apenas pelo valor do material e suas relações fazem a existência. Para terem de provar e a maximizada glória de serem reconhecidos, foram-lhes entregues os lugares do poder, tratando os seus semelhantes como escravos, como eles o são.

Homens sem espírito

Não foi bonito como o actual cônsul tratou a idosa comunidade portuguesa de Macau.
Para revelar o afastamento e a pouca importância que dá aos antigos portugueses residentes em Macau, ou melhor, o desconhecimento que tem sobre essa população, o cônsul com os seus quarenta e muitos anos de idade, resolveu mostrar a sua modernidade e ao contrário do que sempre aconteceu para a recepção na Residência Consular no evento relativo ao 10 de Junho, apenas permite aí entrar quem de forma electrónica se inscrever. Justificação: esta é uma alteração que se prende com a necessidade de se adoptarem práticas mais condizentes com o século XXI.

Ora aqui está a razão da atitude [pouco simpática e educada] do cônsul português de Macau à saída do Clube Militar, de olhando para um grupo de portugueses aí reunidos, virar a cara sem sequer esboçar um qualquer sinal de cumprimento. Nós já vivemos no primeiro século do III milénio e o cônsul está ainda num espaço de uma continuidade do passado e por isso não nos viu, pois ocupamos distintos lugares de existência. Creio ser isso que distingue os antigos portugueses residentes de Macau do último século do II milénio, dos reinóis que, após a passagem da administração portuguesa para a chinesa, a Macau chegaram adejados e envergando aventais trazendo o fito de nos venderem o ópio da sua Absoluta civilização.

Chegaram para ensinar a saloíce de quem traz as verdades com que culturalmente foram educados e assim vestidos, vêm investidos na presunção da importância das suas autoridades estatutárias. Nesse bullying nos tratam como foram tratados e ensinados a observar pelo semelhante destroem tudo o que à volta deles é diferente, sem atenção ao outro pois educados pela competição sem espaço para o que os contradiz, não o entendem, logo não existe.

Os portugueses devem a existência ainda de Macau [para além dos maquistas] aos que em meados do século XX chegaram sobretudo como militares e aqui se quedaram casando e constituindo família, permitindo a continuidade da comunidade portuguesa. Devido à sua actual idade não fazem uso das novas tecnologias e assim, não puderam escolher os conteúdos da TDM, nem podem agora assistir na casa consular à festa do 10 de Junho, restrita à nova geração de reinóis para aqui enviada com o intuito de explicar o caos, com que lhes arquitectaram a sua existência, aos que reconhecem haver ordem no Universo. Com direitos individuais, pois crêem ser os últimos a sair da mesa do banquete, ainda não perceberam que se assim for têm autofágica-mente de se comer a si próprios, quando acabada a comida para o qual servirão os que à sua volta se encontram.

Choro mascarado de riso

Na máscara do desenho que envolve este palco do teatro da vida aqui narrado, revemos o atomista Demócrito e o seu riso mascarado de quântico Heraclito choro. A arte representa a mentira mais verdadeira que a própria verdade e por isso Pessoa nos dá a dor como fingida dor que é dor que deveras sente. Mas actualmente já não se sente, pois não se está, apenas se É; ser com uma autoridade estatutária, sem trazer a Natural e a do Saber, que vem subvertida com as Verdades apreendidas de Escola.

VER traz pelo espelho o reflectido ЯЭVЄR.

Com o Demócrito riso mascarado de Heraclito choro pretendemos demonstrar que, choramos por entender haver uma mão que desmancha para não nos apercebermos do caminho, já sem o movimento de representação para construir a realidade, mas temerariamente rimos dos retratos com que nos vamos agrilhoando como Ser Humano; ainda Vivo?

Se esse movimento expansivo nas faces, rir de contente não me é permitido pois só um tolo se ri ao deitar fora as jóias herdadas dos seus antepassados, contraindo a face percorro as rugas do tempo que leva o choro a ver as memórias a perderem-se. Por falta de atenção, ao caminhar construímos as imagens mentais alicerçadas em retratos, fragmentos sem representação que tomamos como Verdades. E por essas jóias perdidas recebemos joio. A palha com que enchemos o nosso templo.

Em realidades ligadas ao formal de uma cartesiana ciência, não se realiza o momento de mutação do Presente, yin complemento yang, movimento reflectido que respira na harmonia do Universo, abrangência do Espaço por onde Espinosa [a ser pisado] nos trouxe as emoções do caminhar e Einstein complementou com os três módulos da relatividade das mutações.
Esgravatamos cientificamente até ao nano, quando as proporções estão desde a Antiguidade representadas na geometria sagrada das Pirâmides.

Caminhar para abrir à mente as portas do espelho pela reflexão e não pela projecção e por isso o mar para Portugal. Há necessidade de rever o conceito de civilização na Ocidental mentalidade, que velha niilista não deixa passar à idade do idoso. Vive actualmente centrada em si mesma como adulta ilha e não consegue reflectir-se continental-mente pelo outro.

Vemos os que trabalham por Portugal a serem dizimados e governados pelos que comprados pelo joio pretendem que este país entre pelo multi-nacional e não pelo Universo da idade, de quem pelas diferentes civilizações se encontra na gramática do sagrado estar divino. E daí o riso de quem ao chorar pela tragédia encara a ironia da comédia na figura que está a representar pelo tanto rir que o choro lhe provoca, e realiza o que resta da memória pelos restos dos alimentos nas bordas da boca, confins da História, vislumbradas pelas emoções do viver: as linhas com que desenhamos o auto-retrato.

Pela vibração do som falado, explicado na realidade da acção, desapertamos o nó górdio.

10 Jun 2019

Diogo Coutinho Docem assassinado

[dropcap]E[/dropcap]screver sobre a estadia em Macau do Governador Diogo Coutinho Docem é um exercício bastante difícil devido às confusões dos historiadores sobre a personagem aqui assassinada, assim como os intervenientes e as suas razões. D. Diogo viera para a Ásia com o seu pai Francisco Coutinho Docem, que fora nomeado Governador de Macau a 24 de Maio de 1634 com a promessa verbal do Rei Filipe III de ser Vice-rei da Índia se desempenhasse bem o cargo.

Partiram a 13 de Abril de 1635 na armada que trazia para a Índia o Vice-Rei Pedro da Silva (1635-39) e chegaram a Goa a 8 de Dezembro. Aí, D. Francisco cedeu o cargo a Domingos da Câmara de Noronha, que a 29 de Abril 1636 rumou para Macau onde aportou em Agosto, ficando a governar até 1638, substituindo o irmão Manuel, Governador de Macau de 1631 a 1636.

Já D. Francisco Coutinho Docem morreu a 2 de Junho de 1636 num combate naval nocturno contra os holandeses no porto de Malaca. D. Diogo, que o acompanhava nessa altura, ficou Capitão da Fortaleza de Malaca de 1636 a 1639, mas incompatibilizou-se com Luís de Sousa Chichorro, que à data exercia o cargo de comandante naval de Malaca e como tal lhe estava subordinado. O diferendo provocou a morte a 70 portugueses e deixou Malaca ainda mais vulnerável, que cairia nas mãos dos holandeses a 14 de Janeiro de 1641, sendo Chichorro na altura e desde 1640 Capitão da Fortaleza. Diogo Docem em 1640 vai transferido para Negapatão no Sri Lanca, donde socorreu Colombo com mantimentos, então também ameaçada pela armada holandesa. Após a queda de Malaca, Docem foi preso em Goa onde aguardou pelo veredicto do Rei sobre a sua culpabilidade nas desavenças, sendo em 1643 libertado por não haver provas concretas e nada se deve ter apurado pois em 1646 foi D. Diogo nomeado pelo Vice-Rei D. Filipe Mascarenhas para o cargo de governador de Macau, na altura com grandes e difíceis problemas para resolver e nada apetecível pois não dava grandes proveitos.

Dos antecedentes

Ainda antes da chegada da Dinastia Qing à China, já Macau se encontrava numa posição extremamente difícil. Deixara de poder contar com os lucros fabulosos auferidos do comércio com o Japão, pois os portugueses tinham daí sido expulsos definitivamente por um édito publicado em 1639. Os navios da Companhia Britânica das Índias Orientais apareciam no porto de Macau para adquirirem os produtos chineses, sendo a nau London a primeira a chegar em 1635 fretada pelo Vice-rei da Índia para carregar artilharia da fundação de Bocarro. Com a conquista de Malaca, o estreito com o nome da cidade passou a estar controlado pelos holandeses, impedindo aos barcos vindos de Goa a entrada no Oceano Pacífico, pois dominavam também desde 1602 o Estreito de Sunda. A Macau restava o comércio com Macassar e as ilhas de Timor, Solor e Flores.

O Rei Filipe III banira em 1634 o comércio entre Macau e Manila, mas este continuou até 1642, quando de facto terminou devido à Restauração da Independência de Portugal em relação a Espanha iniciada a 1 de Dezembro de 1640. Macau apenas dela soube oficialmente a 31 de Maio de 1642 por António Fialho Ferreira, que viera de Lisboa à Cidade do Nome de Deus para o anunciar em nome do novo rei. Como durante todo o período filipino, a praça de Macau tivera sempre hasteada a bandeira portuguesa, foi em 1642 conferido à cidade o título de “Não Há Outra Mais Leal”. O então Governador de Macau D. Sebastião Lobo da Silveira (1638-1644), apesar de endividado pela falta de viagens ao Japão e a viver de empréstimos feitos pelos moradores, para a “aclamação de D. João IV fizera enormes despesas e para se compensar, lançou mão dos soldos do presídio, que montavam a 1200 patacas mensais. Os soldados, vendo-se sem dinheiro, abandonaram os seus postos, deixando indefesas as fortalezas e revoltaram-se”, segundo o padre Manuel Teixeira.

Outros problemas ocorridos durante a governação de Sebastião Lobo da Silveira, nomeado pelo Rei Filipe IV de Espanha, foram resolvidos pelo seu sucessor Luís de Carvalho e Sousa, indicado em 1643 Governador de Macau da confiança de D. João IV (1640-56), mas só aqui tomou posse do cargo em Agosto de 1645.

Governador assassinado

Na frota que levava ao Japão o Embaixador Gonçalo de Siqueira de Sousa veio D. Diogo Coutinho Docem como Governador de Macau. Partiram de Goa a 30 de Abril de 1646 e em Malaca, por estar já em vigor uma trégua, pagaram aos holandeses direitos de 200 patacas por cada galeão, aportando em Macau a 24 de Junho. Desembarcou no dia seguinte D. Diogo, tomando então posse do Governo.

A cidade vivia em verdadeiro estado de guerra civil. Em Outubro de 1646, “os soldados, com soldo em atraso, envolveram-se em desordem com os donos das lojas chinesas. O mandarim de Chinsam mandou fechar as Portas do Cerco, impedindo a vinda das provisões e veio a Macau exigir satisfações; . Pouco depois, veio uma chinesa a vender comestíveis a Macau e os soldados roubaram-lhos, usando de violência. Com estas desordens por falta de pagamentos e penúria da cidade, se pôs alguma artilharia em venda”, segundo o Padre Manuel Teixeira, que refere ter em Novembro D. Diogo Coutinho solicitado “a ajuda da frota chinesa, pois Macau via-se cercado de piratas que faziam encarecer os mantimentos; quando se queria proceder contra eles, logo tirava o entendimento aos moradores, para não concordarem nem efectuarem nada de bom em sua defesa. Só confiava no auxílio de Deus e do Rei; pedindo a D. Filipe Mascarenhas que enviasse uma frota com dinheiro para 500 homens, sendo necessário em Macau um presídio pelo menos de 300. De 480 portugueses casados que havia antes, faltava a terça parte; ficaram apenas 160 homens, tendo os homens saído para outras partes, levados pela fome; a terça parte dos que restavam eram velhos e incapazes para as armas. Sem armada não se podia defender Macau. A cidade via-se rodeada de inimigos; piratas no mar, holandeses sobre ela e os espanhóis de Manila. D. Diogo (…) queixava-se ainda dos jesuítas, conhecidos por suas traças, quando entendiam que eram .” Já C. R. Boxer refere, “Parece que a guarnição se amotinou contra ele e contra o Senado, por terem os soldos em atraso. Os soldados tomaram o Forte da Guia, afixaram proclamações sediciosas nas portas das igrejas e apontaram os canhões para o Leal Senado. Os cidadãos, por seu turno, tomaram armas, assaltaram o Palácio do Governo e fizeram em postas o malogrado capitão-geral, que encontraram escondido debaixo da escada.”

Deu-se isto nos finais de 1647 e os amotinados, que reagiram violentamente contra a ordem de prisão, eram Jacinto Guterres, Lourenço Meneses Cordeiro, António da Costa Benúchio, João da Costa Benúchio e Diogo Vaz Bavaro.

Foi este o único assassinato em toda a história de Macau perpetrado por portugueses na pessoa dum governador.

3 Jun 2019

Zheng Zhilong colabora com Macau

[dropcap]C[/dropcap]om a chegada da Dinastia Qing ao trono da China, Macau apoiou militarmente as forças de resistência Ming, mas em Beijing, junto ao manchu Imperador Chunzhi, tinha os jesuítas, pertencentes ao Padroado português, como um forte aliado a interceder por ela.

Tal facto permitiu aos portugueses a manutenção de Macau, servindo para manter aberto ao exterior o comércio da China, pois este estava controlado pelos piratas, pretendentes a restaurar a deposta Dinastia Ming, que varriam toda a costa chinesa. Era o caso de Zheng Sen (1624-83), nascido no Japão em 1624 de mãe japonesa e conhecido pelos europeus por Koxinga. O seu pai, Zheng Zhilong (1604-61) nascido a 16 de Abril de 1604 era natural de Nanan, Quanzhou em Fujian e com 18 anos veio para Macau onde foi convertido e baptizado católico com o nome de Nicolau Gaspar, apesar de nos Arquivos de Macau aparecer Gaspar Nicolau. Reconhecendo o bom dinheiro que se fazia no comercializar, Nicolau regressou a Fujian e colocou-se ao serviço de Li Han, um rico comerciante chinês com negócios no Japão, China e Taiwan. No Japão juntou-se a uma japonesa de apelido Tagawa e dessa relação nasceram o filho Zheng Sen (nome que em 1645 mudou para Zheng Chenggong) e a filha Úrsula de Vargas.

Em 1624 os holandeses tomaram o Sul de Taiwan e Iquan, nome dado por estes a Zheng Zhilong, por saber português, na altura a língua do trato, foi aí colocado pelo seu chefe como intérprete a trabalhar na Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC). Para Taiwan mudou os seus negócios e juntou-se ao pirata Yan Siqi quando a VOC começou a colocar fora da ilha quem lhe fazia frente. Os holandeses tentaram ainda usá-lo para lutar contra os espanhóis em Manila, mas ele em 1625 abandonou o trabalho de tradutor após a morte do seu chefe Li Han. Em Agosto desse mesmo ano herdou os navios e a riqueza deste e assim engrossando o grupo, tornou-o independente e fundou o Shi Ba Zhi. Dotado de grande coragem e ambicionando mais riquezas, o temido pirata comandava 400 juncos, passando a só reconhecer o nome de Zheng Zhilong. Para base usou Taiwan entre 1626 e 1628 de onde atacava as costas de Guangdong e Fujian, colocando aí grandes problemas à dinastia Ming. “Engrossada a sua armada acabaria por controlar todo o comércio estrangeiro da China, hábil intermédio, os seus interesses findariam por servir igualmente os nossos e os dos outros estrangeiros, desde os espanhóis das Filipinas aos holandeses da Batávia”, segundo Almerindo Lessa. Apenas roubava e raptava governantes e ricos negociantes, mas tratava bem o resto da população, ajudando mesmo os mais carenciados, levando as pessoas a acreditarem mais nele do que no Governo Ming.

Em fins de 1627 a frota contava já com mais de mil barcos, tendo-se apoderado de Amoy (mais tarde chamada Xiamen) de onde dominava a costa desde o Changjiang (Rio Longo, ou Yangtzé) a Zhujiang (Rio da Pérola). Com um mar infestado de piratas, o Imperador Chongzhen (1628-44) percebendo a força naval de Zhilong, não tendo como combatê-la, resolveu em 1628 nomeá-lo mandarim, tornando-o general comandante da frota imperial na costa de Fujian. Ficou com a função de limpar os mares de outros piratas, o que aceitou, estabelecendo em Amoy o quartel-general.

Quando no Japão em 1639 os cristãos portugueses foram expulsos, a sua filha aí nascida e baptizada, com eles fugiu para Macau e ao saber de tal, Zheng Zhilong enviou recado aos portugueses para lha mandarem. Mas estes não atenderam às pretensões e nem mesmo as terríveis ameaças lançadas sobre cercar Macau com a sua esquadra demoveram os portugueses da decisão. Em Macau, Úrsula de Vargas casou-se em 1642 com o macaense António Rodrigues, filho de Manuel Belo, e foram depois todos viver para Anhai (Amoy) muito devido à grande fome que grassava em Macau e aos distúrbios provocados pelas decisões do capitão da cidade, D. Sebastião Lobo da Silveira, que levaram à revolta dos habitantes divididos quanto à prisão dos espanhóis.

Na cidade de Anhai, o mandarim Zheng Zhilong tinha uma companhia de 300 soldados negros, cristãos com suas mulheres e filhos que recolheu de Macau e outras partes, sendo capitão um negro de bom talento e razão chamado Luís de Matos e uma vez por ano contavam com a vinda do jesuíta Pedro Canavari para tratar das coisas do espírito.

A 12 de Julho de 1644, numa assembleia do Senado os comerciantes de Macau desesperados sem cabedais, pois estavam há anos impedidos de ir ao Japão vender as suas mercadorias, aproveitaram as fazendas que desde 1641 tinham armazenadas a degradar-se e resolveram confiá-las a Zheng Zhilong, para este corsário amigo as ir vender no Japão. Assim foram transportadas para Nagasáqui à consignação as fazendas dos macaenses, voltando a prata a entrar em Macau, repetindo-se a viagem no ano seguinte. Gonçalo Mesquitela refere, “O contrato feito com os macaenses para esta ida ao Japão, foi cobrando os fretes a estes. Deus foi servido que a nau foi e voltou, tão rica que prosperou Macau em grande parte. A viagem repetiu-se nos anos seguintes e sempre com bons resultados. Iquan cumpriu sempre a sua parte nos contratos, mantendo-se temido corsário e poderoso aliado dos macaenses.”

Quando a nómada Dinastia Ming do Sul se deslocou para Fujian em 1645, Zheng Zhilong, em conjunto com Huang Daozhou, ajudou Zhu Yujian, o Príncipe de Tang, a tornar-se o Imperador Long Wu. Mas no Verão de 1646, o exército Qing atacou e Zheng Zhilong rendeu-se. Long Wu refugiou-se em Tingzhou, onde a 6 de Outubro foi capturado e executado.

Os manchus compraram com um cargo Zheng Zhilong e “para se livrar da sua formidável frota, os manchus lisonjearam-no com a promessa de o tornarem rei de Foquien (Fujian) e Kung-tung (Guangdong). A sua ambição, no entanto era maior: Ching Chi Lung aspirava ao trono dos Mings, o que significava passar por cima dos próprios manchus. Mas, em vez de os suplantar em astúcia, foi ele próprio ludibriado, tendo sido atraído a Pequim onde o imperador manchu o mandou atirar numa masmorra”, segundo Montalto de Jesus. O Padre Manuel Teixeira adita, ter seguido com ele Manuel Belo, pai de António Rodrigues, que aí ficou dois anos, mas refere ter sido Zhilong “preso traiçoeiramente pelos manchus em Amoy. Os escravos opuseram tenaz resistência, sendo mortos uns cem no combate e os restantes colocaram-se ao serviço dos manchus em Cantão, onde muito se distinguiram no cerco de 1647.”

Levado a ferros para Beijing com a família, onde o mantiveram preso, procuraram atrair o filho, Zheng Chenggong, que recusou abandonar os Ming e com outros que o seguiram do grupo do pai desde 1646 governava as costas de Fujian. Este, derrotado no estuário do Rio Yangtzé em 1659, voltou a Fujian e à frente de 25 mil pessoas partiu para Taiwan, onde após um cerco de nove meses tomou em Abril de 1661 a ilha aos holandeses.
Zheng Zhilong foi morto em Beijing em 1661 ou 1662.

27 Mai 2019

Lotaria do Senado para a Santa Casa

[dropcap]A[/dropcap] primeira estadia de Camilo Pessanha em Macau ocorre de 10 de Abril de 1894 a 22 de Junho de 1896 e à sua chegada os rendimentos da lotaria da Santa Casa da Misericórdia são já uma sombra dos auferidos até um ano antes. Agora paupérrimos, começa o jogo da lotaria a acumular prejuízos. Nesse mês é reduzido o número de bilhetes que de seis mil passam para três mil e quinhentos, apesar do preço do bilhete ter aumentado de $1 para $2 patacas e mesmo assim, quase mil bilhetes ficaram por vender e nesses, poucos e pequenos prémios saíram à Santa Casa, com um residual valor de $475. A sorte não está com a S. C. da Misericórdia e a 9 de Agosto de 1895 é a sua lotaria suspensa a título temporário, pois já não dá lucro.

No dia da chegada a Macau de Pessanha, ocorrera a seguinte história relatada no jornal O Independente de 14 de Abril: “É sabido por todos que o Sr. José Maria de Castro Basto é encarregado da venda de bilhetes da Lotaria da Santa Casa da Misericórdia, recebendo por este trabalho $60 mensais. O Sr. Basto, quer por autorização da Mesa, quer por vontade própria, vendia bilhetes a crédito com garantia ou sem ela. Vendeu a crédito, ou à consignação a um mainato que vivia na povoação de S. Lázaro por nome José Paulo Ly centenas de bilhetes sem outra garantia pela segurança do pagamento além do selo da sua loja de lavagem de roupa, negócio mainato, ficando desta forma o credor sendo fiador de si mesmo, pois nem o prédio em que esta loja está estabelecida é propriedade do tal Ly. A 9 do corrente o débito do mainato já excedia a $1500; à falta de meios para saldar esta conta e querendo continuar no seu jogo de comprar os bilhetes a $1.()0 [creio ser $1.50], para os vender a $1.70, lançou mão deste meio: “. O processo foi instaurado contra José Paulo Ly, que ficou recolhido na cadeia pública.

No dia seguinte, 11 de Abril, o Secretário da Santa Casa da Misericórdia colocou um anúncio a dizer que não eram cobrados 15% aos prémios da lotaria, como em boato se propagara pela cidade, pois todos os prémios se pagam neste Cartório à apresentação dos bilhetes, sem o mais pequeno desconto.

O Echo Macaense de 18 de Abril, com o título Atenção refere, “Com relação ao artigo que apareceu no último número do Independente acerca da conta de José Paulo Ly e do encarregado da lotaria da Santa Casa da Misericórdia, o Sr. José M. de Castro Basto, fomos por este informados que os factos narrados no Independente não são exactos e que o seu proceder está em harmonia com as instruções dadas pelo Sr. Provedor suplente, Artur Tamagnini Barbosa”.

Carta Régia

A Santa Casa da Misericórdia foi fundada por D. Leonor em 1498 e em Macau estabelecida no ano de 1569 por D. Belchior Carneiro, Bispo do Japão e da China.

A SCM de Lisboa, por Carta Régia de 18 de Novembro de 1783 criara em Portugal Continental a Lotaria Nacional, concedendo 12% dos lucros aos Hospitais Reais dos Enfermos e dos Expostos, ocorrendo a primeira extracção a 1 de Setembro de 1784 e prolongou-se por 34 dias, com um prémio de 12 mil réis. Em Macau, por Carta Régia de D. João VI, na altura príncipe regente, de 5 de Junho de 1810 foi concedida autorização ao Senado para explorar uma lotaria anual, em benefício das casas de piedade e beneficência. Refere: .

Segundo o Dr. José Caetano Soares, “Nunca o Senado utilizara a mercê, mas por mais de uma vez a cedeu à Misericórdia, o que já em 1833 levaria esta, em representação ao Governador da Índia D. Manuel de Portugal e Castro, a pedir para si a prerrogativa.”

20 Mai 2019

Um volte face

[dropcap]O[/dropcap] general Wu Sangui (1612-1678), estacionado na Passagem de Shanhaiguan, tinha sobre o seu comando o único exército capaz de fazer frente, tanto ao dos rebeldes comandados por Li Zicheng, que com 60 mil homens cercava Beijing, como ao dos manchus, à frente do qual estava Dorgon, o Príncipe de Rui regente da manchu Dinastia Qing, que no outro lado da Grande Muralha esperava uma oportunidade para invadir a China. Após o Imperador Chongzhen se enforcar, encontrava-se o filho, o príncipe Zhu Cilang, prisioneiro de Li, que entrara triunfante na capital. Wu, que se recusara a enviar o seu exército para ajudar o imperador, agora negociava alianças, primeiro com Li, para este lhe entregar o herdeiro ming com o título de Príncipe e conceder-lhe o poder feudal sobre as províncias ocidentais, comprometendo-se a não o hostilizar quando como imperador subisse ao trono. Li convencido ter força bastante para derrotar Wu não aceitou e avançou para a guerra, mas o general fizera também um acordo com Dorgon e numa aliança, aceitou o título de príncipe feudal manchu, abrindo as portas da Grande Muralha em Shanhaiguan para o exército qing entrar na China.

Quando Li Zicheng iniciou o combate e de repente apareceu a cavalaria manchu percebeu ser melhor retirar-se para Beijing e cumprir o acordo, enviando o príncipe herdeiro a Wu Sangui. Este logo proclamou Zhu Cilang imperador e assumiu-se seu regente, negociando a paz com Li; permitiu-lhe ficar com o produto do saque, mas teria de se retirar de Beijing para as províncias do Oeste, dividindo a China entre os dois. Esta a solução mais conveniente para Wu pois, em vez de ser príncipe feudatário dos manchus, tornava-se regente do imperador ming.

Sem suspeitar do acordo entre Wu e Li, Dorgon preparava a invasão a Beijing, mas a retirada de Li da capital, levou-o a imediatamente seguir com o seu exército e cercar a cidade. Encontrava-se o acampamento de Wu nos arredores, fazendo-se os preparativos para no dia seguinte ser o Imperador Zhu Cilang colocado no Trono do Dragão. Sabendo de tal, o Príncipe de Rui proibiu o acesso do general Wu e do jovem soberano ao Palácio Imperial e no dia 6 de Junho de 1644 foi buscar ao acampamento o general e com ele seguiu para a Sala do Trono do Palácio, onde como regente do Imperador Shunzhi aceitou em nome deste o trono. O primeiro acto foi “conceder a Wu o principado prometido e logo a seguir ordenar-lhe que perseguisse e derrotasse Li e trouxesse de volta o tesouro roubado e o produto do saque de Pequim.”

Seguiam os revoltosos liderados por Li Zicheng para Oeste, a caminho de Shaanxi, quando as tropas manchus e ming unidas os perseguiram e onde hoje é a província de Hubei, Li foi morto numa batalha no Monte Jiugong, com a idade de 39 anos, encontrando-se o seu mausoléu no distrito de Tongshan. No entanto Gonçalo Mesquitela tem outra versão e refere, “Numa série sucessiva de acções, Li foi derrotado e teve que se refugiar na longínqua província de Shaanxi, depois de perder tudo de que se apropriara. Dois anos depois entrava para a vida monástica, no Sul de Hunan, no Monte Chia, em Au-Fu, onde se refugiara. Ali viveu mais 28 anos, como monge anónimo, até morrer em 1674.”

Fim da Dinastia Ming do Sul

Os manchus conquistaram a capital e capturaram os dois filhos do Imperador Chongzhen, fazendo-os desaparecer. Extinguia-se a linha directa do último imperador ming, mas tal não significou ficarem os manchus a controlar a China, pois muitos dos oficiais ming preferiram, em vez de colaborar com os usurpadores bárbaros e manter os privilégios, apoiar os descendentes da família real que pelo Centro e Sul ergueram a Dinastia Ming do Sul (1644-1662).

Curtos e sucessivos reinos ming foram criados, sendo o primeiro estabelecido em Nanjing e durou um ano, terminando no Verão de 1645, seguindo-se a conquista pelos manchus dos reinos de Shaoxing e de Fuzhou (Fujian), onde em Outubro de 1646 foi executado o Imperador Long Wu (Zhu Yujian, Príncipe de Tang). O seu irmão mais novo, Zhu Yuyue escapando de barco chegou a Guangzhou onde fundou um novo estado Ming, tendo a 11 de Dezembro de 1646 ficado com o título de reinado Shao Wu. Mas em Zhaoqing, capital da província de Guangdong e Guangxi, já se encontrava Zhu Youlang como imperador. Guerreavam-se ambos pelo trono quando em Janeiro de 1647 o exército manchu liderado por Li Chengdong tomou Cantão e matou Shao Wu.

Sobrava Zhu Youlang (1623-1662), Príncipe de Yongming e neto de Wanli (14.º imperador ming entre 1573 e 1620), que desde 18 de Novembro de 1646 ostentava o título de Imperador Yong Li (1646-1662) e fora para Zhaoqing devido ao suporte de Qu Shisi, oficial militar ming com o cargo da defesa dessa província. Era também ajudado por três mandarins convertidos ao Cristianismo, assim como pelo eunuco Pang Tianshou, baptizado em 1628 pelo jesuíta Longobardi em Beijing, que o acompanhou sempre com grande fidelidade.

Li Chengdong, ex-comandante da Dinastia Ming do Sul que liderava um grupo de tropas Qing, após capturar Cantão seguiu para Zhaoqing, de onde Yong Li se retirou e fugiu para Guilin. Em auxílio do imperador Macau enviou 300 soldados portugueses, sobretudo artilheiros, comandados por Nicolau Ferreira e ajudados por missionários jesuítas, que conseguiram acabar em Julho com o cerco feito desde Março de 1647 à cidade de Guilin. Expulsos os manchus, esta vitória foi o sinal para a revolta geral na China e não somente em Guangdong.

Os manchus tinham deixado nos postos os governadores ming que se lhes submeteram, mas estes colocaram-se ao lado do Imperador Yong Li quando se começou a acreditar ser possível voltar a restabelecer a Dinastia Ming. Até 1649 os governantes de sete províncias (Yunnan, Guizhou, Guangdong, Guangxi, Hunan, Jiangxi, Sichuan) e de três províncias no Norte, Shaanxi, Shanxi e Gansu, assim como Fujian e Zhejiang, juntaram-se ao Imperador. Às suas forças aliaram-se ainda as do exército armado de camponeses que integrara o grupo de Li Zicheng e as tropas ming, até então associadas com as dos manchus.

Em Guilin, o jesuíta alemão André Koffler baptizou em 1648 a Imperatriz Helena, esposa de Yong Li, assim como Ana, a mãe deste e o filho herdeiro, Constantino.

Em 1650, os manchus atacaram de novo Cantão com dois exércitos, capitaneados por Geng Jimao e Shang Kexi, cercando-a durante nove meses. A cidade foi conquistada em 25 de Novembro, morrendo mais de cem mil pessoas e três dias mais tarde, os manchus tomavam e saqueavam Guilin. Nos finais de 1651 estava Yong Li reduzido às províncias de Yunnan e Guizhou e mesmo aí perseguido.

Em 1656 o general Sun Kewang quis ocupar o lugar de Yong Li, sendo este protegido pelo general Li Dingguo que, após uma batalha, o levou para Yunnan. Derrotado, Sun Kewang passou com o seu exército para o lado dos manchu e perseguiu o imperador, que teve de fugir para Burma. Em 1661, Yong Li foi entregue aos manchus e por ordem do general Wu Sangui estrangulado em Yunnan a 11 de Junho de 1662.

6 Mai 2019

A estratégia de Wu Sangui

[dropcap]S[/dropcap]ó na História de Macau de Gonçalo Mesquitela encontramos explicado, com um fio condutor coerente, o trecho da História da China aqui narrado.

O único exército ming disciplinado e preparado para fazer frente à força militar do reino de Dashun comandada pelo Rei Li Zicheng, que partira de Xijing (Xian) e vinha avançando sem encontrar grande resistência, era o do general Wu Sangui (1612-1678) estacionado na Passagem de Shanhaiguan a cerca de 200 milhas de Beijing. Apesar das ordens para o general se deslocar para a capital e ajudar à defesa, este não se moveu, levando o Imperador Chongzhen a preparar a fuga do príncipe herdeiro Zhu Cilang (朱慈烺) e de outro dos seus filhos Zhu Cijiong (朱慈炯), fazendo-os escapar disfarçados. Depois, o imperador embriagou-se, matou as duas filhas e ordenou à Imperatriz Zhou e à sua favorita Yuan (袁) que se suicidassem, mas esta última recusou-se e apesar de a tentar matar, ela não morreu.

Li Zicheng no dia 18 da terceira Lua cercou Beijing e no dia seguinte, 25 de Abril de 1644, cedo de manhã Chongzhen enforcava-se.

“Conhecida a morte do imperador, seguindo os rituais prescritos muitos dos dignatários da corte, cumprindo os cânones de Confúcio, mataram-se, assim como duzentas concubinas. Nessa mesma tarde, Li entrou no palácio imperial e quis verificar pessoalmente a morte do imperador. Dois dias depois dava a primeira audiência aos sobreviventes da corte”, onde os humilhou, deixando-os prostrados a levar pontapés e bofetadas dos soldados vitoriosos, a quem foi autorizado o saque da cidade. “Mandou ainda perseguir e matar os membros da família imperial.”

Li Zicheng trazia pressa em ser coroado imperador, no entanto quis cumprir os rituais confucionistas e assim deu ordem ao Presidente do Tribunal dos Ritos para calcular a data mais auspiciosa para se sentar no Trono do Dragão.

O general Wu, a governar a Passagem de Shanhaiguan, esperava para decidir qual o rumo a seguir, pois sabia ser o seu exército a fazer pender a vitória para o lado por ele escolhido. Primeiro quis perceber como o grupo rebelde de Li actuava e tratava os submissos oficiais ming e sabendo também estar o exército qing na fronteira preparado para invadir, poderia contar com um ou com outro para combater as forças do adversário que escolhesse.

Esperar para ver

Recebida a confirmação da ocupação de Beijing, Wu Sangui escreveu ao pai, um oficial de alto grau na corte, aconselhando-o a submeter-se a Li Zicheng e pediu-lhe para tentar resguardar a sua favorita Chen, colocando-a como concubina no Palácio Imperial para ser bem tratada e não correr perigo.

Wu conhecera Chen Yuanyuan em Suzhou a cantar numa companhia de ópera e logo por ela se apaixonara. Sentava-se na primeira fila a observá-la e como jovem atraente conseguiu a sua atenção. Andava neste namoro quando o pai o mandou chamar a fim de ir realizar os exames para oficial militar em Beijing. Prometeu vir buscá-la para se casarem e após passar nos exames de keju mandou um criado com dinheiro para a comprar, mas tinha ela já sido vendida a um outro oficial da corte. Este comprara-a para a oferecer ao Imperador por ser parecida com a sua filha, a favorita concubina Tian (田), que um ano antes morrera. Como o soberano não a aceitou, estava ela livre e assim disponível, tornou-se concubina de Wu.

Sabendo Chen já em segurança na corte, Wu usou de novo os serviços do pai para fazer chegar a Li Zicheng a sua proposta. Dispunha-se a servi-lo, “se fossem aceites duas condições: a de que lhe fosse enviada Ch’en e que o príncipe herdeiro, que fora aprisionado, lhe fosse confiado. Propunha até retirar-se para as províncias ocidentais, levando o herdeiro Ming, desde que lhe fosse concedido o título de Príncipe e o respectivo poder feudal sobre aquelas províncias. Comprometia-se a, se assim fosse, não hostilizar o novo imperador.”

Percebendo o objectivo da entrega do herdeiro directo da Dinastia Ming, Li, furioso com Wu, propôs-lhe que se rendesse o recompensaria, caso contrário “atacá-lo-ia e mandaria decapitar seu pai.”

Sem resposta de Wu, entretanto a negociar uma aliança com Dorgon, o Príncipe de Rui regente da manchu Dinastia Qing, Li, sem saber de tal, após uma semana de espera fez-lhe um novo aviso e três dias depois marchava à frente de 60 mil homens contra o exército ming. A desproporção de forças era tal que levava a convicção da rendição de Wu.

Li atacou em Yipianshi, próximo de Shanhaiguan, seis dias depois do contacto entre Wu e Dorgon, em que o general, “alegando a sua fidelidade aos Ming e o desejo de se vingar da morte do imperador Ming, aceitara o título de príncipe feudal manchu e a coordenação das suas forças com a dos manchus.” Para tal abriu as portas da Grande Muralha à entrada do exército qing na China.
Iniciado o combate, de repente apareceu a cavalaria manchu e Li, percebendo não ser a vitória fácil, retirou-se e enviou a Wu o príncipe herdeiro e a concubina Chen.

Vira-casaca

Com o príncipe Zhu Cilang junto a si, Wu Sangui logo o proclamou imperador e devido à menor idade assumiu-se seu regente. “É nesta qualidade que negoceia a paz com Li, pela qual este devia deixar Pequim, podendo levar o produto do saque, e retirar-se para as províncias do Oeste. Caso os manchus atacassem, reuniriam as suas forças para lhe resistirem. Dividiam, assim, a China entre os dois, passando Wu a posição bem mais forte como regente do imperador, em vez de ser príncipe feudatário dos manchus.”

Sem possibilidades de resistir às forças aliadas, Li regressou a Beijing onde soube do acordo feito por Wu também com os manchu e logo prendeu o pai do general, ameaçando matá-lo se este não aceitasse reconhecê-lo como imperador. Wu, sem ceder à invocação da Piedade Filial, lembrou que pelas “próprias regras confucianas, o pai, como dignatário da corte imperial, deveria ter morrido em defesa do imperador. Assim não se sentia obrigado a sacrificar a sua lealdade à dinastia, à vida do pai. O velho Wu foi executado por Li, juntamente com todas as mulheres da família.”

Antes de se retirar de Beijing, Li Zicheng, sem esperar pela data auspiciosa, fez-se coroar imperador e partiu levando tudo o que pôde do palácio imperial e ao sair, lançou fogo às muralhas do palácio.

Dorgon, sem suspeitar do acordo entre Wu e Li, continuava a preparar a invasão a Beijing, mas quando Li daí se retirou com o seu exército, logo se antecipou a Wu e colocou as suas tropas a cercar a cidade, proibindo que Wu e o jovem herdeiro tivessem acesso ao palácio. O general acampara fora da cidade e preparara para o dia seguinte, 6 de Junho de 1644, a coroação de Zhu Cilang no Palácio Imperial, para colocar Dorgon perante o facto consumado de haver já no trono um imperador ming. Precavido, o Príncipe de Rui foi no dia da entronização buscar ao acampamento o general e com ele se dirigiu ao palácio onde na Sala do Trono lhe foi então solicitado que como regente aceitasse o trono, o que logo acedeu em nome do Imperador Shunzhi.

29 Abr 2019

O rebelde Li Zicheng

[dropcap]N[/dropcap]os artigos anteriores, a personagem de Li Zicheng foi superficialmente tratada, tal como os acontecimentos em que participou até chegar à capital da Dinastia Ming.

Pesquisando inúmeras Histórias da China, encontramos pouca informação e sem profundidade.

Por um acaso apareceu-nos a História de Macau de Gonçalo Mesquitela, a permitir-nos encadear os factos e ter um entendimento razoável desse período. No entanto, alguns episódios expostos não têm comprovação, pertencendo ao que se dizia ter ocorrido. Procuramos, quanto possível, retirar essa parte lendária e juntar com fontes chinesas, sobretudo Bai Shouyi, para tentar descrever apenas o que parece razoável ter acontecido.

No primeiro dia da primeira Lua de 1644, Li Zicheng, antes de avançar com um poderoso exército de centenas de milhares de homens para Beijing, criou o Reino de Dashun em Xijing, onde se vestiu com trajes imperiais, escolheu a imperatriz, nomeou ministros e instituiu a sua corte à maneira da Ming. Quando a notícia dessa proclamação chegou a Beijing, nesse dia ocorreu um terramoto arrasador em Fengyang, terra natal do fundador da dinastia Ming, presságio a anunciar o fim da dinastia. Destino traçado desde 1641, quando numa refrega Li perdera um olho, dando-lhe a convicção de ser ele o escolhido como dizia a previsão de astrólogos de Shaanxi: “a dinastia Ming cairia e o Império seria conquistado por um homem com um olho só”, segundo Gonçalo Mesquitela.

Li Zicheng nascera a 22 de Setembro de 1606 em Mizhi, Shaanxi, tendo desde muito cedo ficado órfão e por isso, começou por trabalhar num templo e aos 21 anos estava empregado nos serviços de correio como ferreiro num entreposto de muda de cavalos. Devido à reorganização desses serviços foi em 1628 despedido, voltando à terra natal. Aí encontrou a mulher amancebada com outro homem e sem dinheiro para pagar a dívida que contraíra, matou o seu credor e a esposa. Pela lei seria condenado à morte e por isso fugiu para a província de Gansu, onde se alistou no exército ming em Fevereiro de 1629. Como os manchus pressionavam a fronteira do Nordeste, as tropas ming foram chamadas para irem proteger os arredores da capital. Por falta de abastecimento e de pagamento a revolta contra o governo surgiu no seu regimento e nos finais desse ano mataram o oficial militar WangGuo (王国). A partir daí juntou-se a um dos muitos grupos rebeldes de camponeses que desde 1627 se revoltavam contra as altas rendas e taxas que o governo ming lhes obrigava a pagar, apesar da terra, numa severa seca, já nada produzir. Eram milhares de camponeses em fúria, desesperados pela sua sobrevivência, a lutar de uma forma desorganizada, sem unidade alguma. Foi então que Li Zicheng se revelou como um chefe nato, onde nas áreas por si controladas roubava aos ricos para dar aos pobres, abria os celeiros e distribuía alimentos a quem precisava e incentivava os camponeses a recuperarem as terras ocupadas ilegalmente.

Em 1631, o governo ming despachou tropas para em Shaanxi combater esses rebeldes e estes foram para Shanxi, juntando-se Li Zicheng em 1633 ao grupo do seu tio Gao Yingxiang, onde também se encontrava Zhang Xianzhong. Para aí o governo ming enviou o capitão Cao a fim de terminar com a insurreição. Derrotados, parte do grupo onde se encontravam os chefes fugiu para Henan. Quando em 1634 o capitão Cao foi mandado para defender Datong, pois os manchu da Dinastia DaJin atacavam pela segunda vez o território ming, os rebeldes puderam agrupar-se. Em Junho, os ming enviaram um outro militar, o capitão Chen para comandar as cinco províncias do Oeste e exterminar os rebeldes. Fazendo um ataque simultâneo em todas as frentes, conseguiu em Shaanxi cercar o já muito enfraquecido grupo e este, encurralado sem possibilidade de escapar, pretendeu aceitar a derrota e render-se. Os chefes para se libertarem fizeram um acordo, prometendo retirar-se para o Norte, mas o capitão executou 36 prisioneiros. Como vingança, mataram alguns funcionários locais e fugiram depois para as montanhas.

Profanação dos túmulos

Em 1635, na cidade de Xingyang, província de Henan, os chefes dos trinta grupos armados rebeldes que restavam, reuniram-se e planearam uma estratégia para coordenar a defesa.

Dividiam-se em quatro direcções e a cada um foi distribuída uma região de intervenção, cabendo o Leste ao grupo de Li, Gao e Zhang. Após a reunião, estes conseguiram ocupar Fengyang (actual distrito de Huai’an em Jiangsu, fronteira com Anhui) onde no Lago Hongzhe se encontravam as sepulturas dos ancestrais da família Zhu. Aí saquearam o túmulo do bisavô do primeiro imperador da Dinastia Ming.

Consternado com a profanação, a reacção do Imperador Chongzhen (1628-44), neto do Imperador Wanli, foi mandar “celebrar cerimónias fúnebres para o perdão dos seus ancestrais” e ordenar a prisão dos “oficiais com comandos e executar o eunuco responsável pelos túmulos imperiais.”

Zhang Xianzhong seguiu depois para Leste e em Anhui capturou algumas cidades, enquanto Gao Yingxiang e Li Zhicheng foram para o Sul de Shaanxi onde derrotaram por várias vezes as forças ming, enviadas para os combater. Em 1636, Gao foi capturado numa emboscada e executado, passando as suas forças a ficar submissas a Li, que lhe tomou o título de Rei Dashing. Lutava em Shaanxi e Sichuan, quando em Zitong foi derrotado no ano de 1638, conseguindo escapar com 18 dos seus fiéis seguidores, ficando o resto do grupo disperso. Também Zhang fora derrotado e rendera-se ao governador de Hubei. No Verão de 1639, Li e Zhang juntos voltaram à acção, promovendo uma nova revolta, até que em 1640 decidiram delimitar as áreas de influência para cada um. Zhang Xianzhong fixou-se em Chengdu, onde em 1641 as forças ming se concentraram para o atacar, aproveitando Li Zicheng tal circunstância para atacar Luoyang, onde matou o Príncipe de Fu, Zhu Changxun e do palácio levou todo o cereal, ouro e prata, que distribuiu à esfomeada população, ganhando assim um entusiástico suporte para o seu bando, que aumentava em número e agressividade. Ainda nesse ano, em Kaifeng Li perdeu o olho esquerdo, levando-o a acreditar no destino de vir a ocupar o trono da China. Em 1642 capturou Xiangyang onde se declarou Rei de Xinshun e nomeou oficiais civis e militares. No ano seguinte seguiu para Xian e conquistada, mudou-lhe o nome para Xijing. Devido à fraca oposição das tropas provinciais, dominava já os lugares situados a caminho de Pequim, onde nessa área de Shaanxi, Hubei, Shanxi e Henan, criou Da Shun, Região da Grande Obediência.

A 8 de Fevereiro de 1644, dia do Ano Novo, Li Zicheng foi à sua terra natal e vestindo-se com o traje de imperador prometeu que, quando ocupasse o trono da China, honraria os seus ancestrais com títulos imperiais até à sétima geração. Nesse dia em Beijing ocorreu uma terrível tempestade de areia. Um mês depois estava às portas da capital da Dinastia Ming.

15 Abr 2019

Turbulento período de transição

[dropcap]G[/dropcap]uerras por toda a China marcaram o reinado do Imperador Shunzhi (1644-1661). No início, contra Li Zicheng, líder dos rebeldes camponeses e militares de Shaanxi e cuja chegada a Beijing levou o último imperador da Dinastia Ming a enforcar-se. Já com o Trono do Dragão ocupado pela Dinastia Qing, logo as cortes dos príncipes ming, cujo sonho era retomar o poder, instalaram-se no centro e Sul da China, onde os exércitos manchus os combateram até 1661. Também em Beijing, um outro tipo de guerra ocorreu entre os jesuítas da Missão e os mandarins do Tribunal dos Ritos, incomodados com o relacionamento íntimo do padre Adam Schall e Shunzhi.

O manchu príncipe de Rui (Dorgon), que em Beijing desalojara os revoltosos e colocara o Imperador Shunzhi no trono da China, como regente político e militar mandou o príncipe de Ying (Ajige) em perseguição a Li Zicheng, terminando este morto numa emboscada no Verão de 1645.

Quando em 1644 a corte ming se mudou para Yingtian (Nanjing) e Zhu Yousong, o príncipe de Fu, se tornou o Imperador Hong Guang (1644-1645) da Dinastia Ming do Sul, o regente Dorgon, tio do Imperador Shunzhi, enviou o príncipe de Yu (Aisin-gioro Duoduo) para acabar com essa veleidade. A curta existência do primeiro regime Ming do Sul terminou no Verão de 1645, após um general traidor entregar às tropas qing o efémero imperador, fugindo a corte ming para Hangzhou, onde se dividiu. Uma parte dirigiu-se para Shaoxing (Zhejiang), ficando aí Zhu Yihai, o príncipe de Lu, como imperador de Julho 1645 a Junho 1646. Pertencia ele à nona geração do décimo filho do primeiro imperador da dinastia Ming, Zhu Yuanzhang. Conseguiu repelir um ataque das tropas qing mas, com comandantes militares arrogantes e desobedientes, o poder caiu nas mãos dos eunucos e no confronto seguinte com os qing logo saiu derrotado. A outra corte refugiou-se em Fuzhou (Fujian), subindo ao trono Zhu Yujian como Imperador Long Wu (Agosto 1645 – Outubro 1646). Este, quando em 1644 o príncipe de Fu se tornou Imperador e o libertou da prisão, recuperara o título de príncipe de Tang, que lhe fora retirado em 1636. Pertencia Zhu Yujian à oitava geração, descendente do terceiro filho de Zhu Yuanzhang. Mas bastou um ano para esse imperador e o de Shaoxing serem destronados pelas tropas manchus.

Outra bolsa de resistência aos qing ocorreu em Chengdu, Sichuan, quando em 1644 Zhang Xianzhong se autoproclamou imperador do Grande Reino do Ocidente. Aliado ocasional de Li Zicheng até 1640, acordaram então delimitar as suas áreas de acção. Em Chengdu, Zhang encontrou a Missão jesuíta fundada em 1640 pelo padre Luís Buglio e estando este doente veio para o ajudar Gabriel de Magalhães S.J., após um ano a estudar chinês em Hangzhou. Foram os padres levados para a corte, decalcada da Dinastia Ming, a fim de o aconselharem com os seus conhecimentos. Sanguinário governante, instaurou um regime de terror com massivas execuções e nem mesmo os missionários estiveram livres de perigo. Zhang foi morto pelos qing a 2 de Janeiro de 1647, numa emboscada nas Montanhas de Fenghuang, em Xichong.

Em 1646 revoltava-se Zhu Youlang, tomando as províncias de Guangdong e Guangxi. Esta corte ming, a última, só teve o seu fim em 1661.

Versão dos jesuítas

“Ao contrário do relacionamento conflituoso com o Budismo e o Taoísmo, os jesuítas manifestaram desde o início uma atitude de grande abertura face aos valores morais e éticos propostos pelo Confucionismo, por eles considerado, não como uma religião, mas antes como uma sabedoria ou um código de preceitos morais para a condução prática da vida”, segundo Horácio Peixoto de Araújo. São deste autor do livro ‘Os Jesuítas no Império da China’, as citações que se seguem, “Se Adam Schall gozava da confiança do imperador e da amizade de alguns importantes dignatários da Corte, não lhe faltavam também fortes adversários que apenas aguardavam ocasião oportuna para manifestarem o seu desagrado ou mesmo a sua total oposição a semelhantes larguezas concedidas a um estrangeiro. Entre esses adversários, destacava-se o mandarim Guen, Presidente do Li Pú ou Tribunal dos Ritos de Pequim.

Por diversas vezes, tinha este tomado iniciativas no sentido de provocar o afastamento do jesuíta do cargo de Director do Tribunal da Astronomia ou das Matemáticas. A ocasião para um frente-a-frente público acabaria por surgir em princípios de 1658, na sequência da morte do príncipe herdeiro, filho do imperador Shun-zhi” e da dama de origem tártara, chamada Tong O Fei, a sua concubina preferida.

Lembremos que o príncipe de Rong, quarto filho do Imperador Shunzhi, logo que nasceu foi escolhido como sucessor, tal o amor que o imperador tinha pela mãe, a favorita Donggo hala, mas passados 105 dias morreu a 25 de Fevereiro de 1658. Se aqui já demos uma versão, agora deixamos a História contada pelos Jesuítas e assim regressamos ao relatado por Horácio Peixoto de Araújo.

“De acordo com as normas em vigor, competia ao Tribunal da Astronomia e, em última análise, ao seu Director Adam Schall, a decisão sobre a hora considerada mais ditosa para a realização do funeral do pequeno príncipe. Observados os procedimentos previstos para tais circunstâncias, Schall comunicou a Guen a hora exacta em que deveriam começar os rituais fúnebres. Este, a quem competia, na sua qualidade de Presidente do Li Pú, a organização das solenes exéquias dos membros da família imperial, ignorou tal informação e deu início às cerimónias duas horas mais tarde.

Entretanto, fosse para evitar previsíveis dificuldades, fosse para comprometer pessoalmente o Padre Schall, Guen falsificou o despacho que tinha recebido, substituindo a hora nele apontada pela hora da efectiva realização do enterro. Ao tomar conhecimento deste facto e receando, por sua vez, as gravosas consequências de tal alteração, Adam Schall decidiu informar o imperador do sucedido. Averiguados os acontecimentos, Guen foi deposto do alto cargo que ocupava e só por intercessão de grandes mandarins conseguiu evitar a condenação à morte.”

Os jesuítas começaram a perceber as dificuldades que iriam ter quando o Imperador Shunzhi morresse. Segundo Gabriel de Magalhães, . Para agravar a situação, em 1659 Yang Guang-Xian (杨光先) escreveu o livro BuDeYi (不得已, Refutação de uma Doutrina Perniciosa), “posicionando-se abertamente contra a religião cristã”, “doutrina funesta e contrária às mais genuínas tradições culturais e sociais do império, já que não respeitava os cinco grandes princípios que fundamentavam a arquitectura dos vários níveis de relações no interior da sociedade chinesa”.

Segundo Gabriel de Magalhães, para responder a esse livro o padre jesuíta Buglio escreveu ‘Apologia’, que para corresponder ao estilo do país o intitulou ‘Refuto porque não posso mais’, (不得已辨, BuDe YiBian).

8 Abr 2019

Reformas dos Calendários

[dropcap]Q[/dropcap]uando os portugueses se estabeleceram em Macau, o mundo ocidental era ainda regido pelo calendário juliano. Este fora criado no ano 708 de Roma [46 a.C.] pelo grego Sosígenes, que transferiu o começo do ano de Março para o dia 1 de Janeiro, fazendo-o corresponder à Lua Nova depois do Solstício de Inverno. Mudou também o nome do quinto mês para Julho, em homenagem a Júlio César e à duração do ano trópico de 365 dias deu mais um quarto de dia, passando cada quatro anos a haver um de 366 dias. Teve esse ano 445 dias, para se estabelecer a concordância entre as estações e o Equinócio da Primavera, sendo os mais de dois meses atrasados agregados sem terem passado. No entanto, o ajuste do calendário teve um erro corrigido no ano 757 de Roma [4 d.C.] por Augusto César Octávio, que ordenou a mudança do nome do mês Sextilis para Agusto (Agosto), como Júlio César fizera e para ter tantos dias como o de Julho tirou um dia a Fevereiro, ficando este com 28 dias. Em 525, o monge Dionysos Exiguus fixou a origem do calendário cristão em 25 de Dezembro do ano 1, que representava o ano 753 após a fundação de Roma.

Em 1582 o Equinócio da Primavera ocorreu a 11 de Março, percebendo-se haver um erro de dez dias no calendário juliano. Então, na 4ª feira de 4 de Outubro o Papa Gregório XIII decretou que o dia seguinte passava a ser 6ª feira, 15 de Outubro de 1582 do calendário gregoriano. Este foi logo adoptado por Portugal, Espanha, Itália, França e só mais tarde pelo resto dos países Europeus e suas colónias.

Os jesuítas na China

Ainda antes de ser estabelecido o novo calendário, Macau em 1582 iniciava o seu período de apogeu, em que a prata passava a ser usada nas transacções entre a China e os portugueses.

Organizava-se então a Biblioteca dos Jesuítas com os livros chineses de D. Melchior Carneiro S.J., que desde 1568 aqui vivia e fora o primeiro a governar a Diocese de Macau, erecta a 23 de Janeiro de 1575 por bula de Gregório XIII, a abranger toda a China, Japão, terras vizinhas e ilhas adjacentes. O Capitão-mor D. João de Almeida e o Bispo do Japão e China D. Leonardo de Sá, chegado no ano anterior, recebiam a 9 de Março os quatro jovens embaixadores japoneses, que iam a caminho de Roma, e eram acompanhados por Alexandre Valignano, o Visitador dos Jesuítas no Japão. Por essa altura aqui ainda não existia o Senado, nem se sabia estar Portugal sob o domínio da Espanha, só revelado a 31 de Maio. Matteo Ricci (1552-1610), vindo de Goa, chegava a 7 de Agosto e ainda em 1582, Chen Rui, o novo Vice-rei de Guangdong e Guangxi, convocou o Capitão, o Ouvidor e o Bispo para se apresentarem em Zhaoqing (capital da província) a fim de esclarecer o estatuto de Macau, ainda não reconhecida legalmente pelo Governo de Cantão, apesar dos mandarins do distrito de Huengshan aqui terem funcionários chineses nos serviços alfandegários. Os governantes portugueses recusaram-se ir à sede da província, mas como era importante enviar uma delegação, para aí seguiram o ouvidor Matias Penela e o jesuíta italiano Michele Ruggieri. O Tutão (Vice-rei), atraído pela promessa do jesuíta de um relógio mecânico portátil em ferro como presente, em Dezembro desse ano mandou-o chamar e nesse encontro permitiu aos portugueses continuarem em Macau, mas sujeitos às leis chinesas, e aos padres, a possibilidade de viver na China.

Quando a 19 de Agosto de 1583, pelo calendário gregoriano, D. Melchior Carneiro faleceu em Macau, os jesuítas Ricci e Ruggieri preparavam-se para seguir até Zhaoqing onde iriam fundar a primeira Missão católica na China. Aí ficou Ricci, até que em 1598 viajou para Beijing onde, expondo as novas teorias da Renascença, sobretudo na área das matemáticas e astronomia, cativou os eruditos e o Imperador Wanli (1573-1620). E foi pelo saber científico, sobretudo dessas duas matérias, que os jesuítas entraram na corte do Celeste Império, onde vigorava o Calendário Shou Shi.

Narração do Tempo

Os chineses tinham uma longa história na Astronomia e as muitas reformas dos calendários davam-lhe já um alto grau de perfeição. Se os primeiros resumiam-se a evidências fragmentárias, já no ano 2608 a.n.E. o Imperador Amarelo (Huang Di) mandara construir um observatório, sobretudo para corrigir o calendário.

Após várias reformas, no ano de 462 apareceu o calendário “Da Ming”, cujo valor encontrado para o mês sinódico era ainda o mesmo em 1723 e no ano trópico havia uma diferença de 51,84 segundos para o calendário “Shixian” de 1645, feito por von Bell. Resultados ocorridos devido à melhoria das técnicas de observação levadas a cabo por Zu Chongzi, que encontrou a solução para saber a hora precisa do Solstício de Inverno ao prolongar por um espaço de 24 dias as medições da sombra do gnomo. Um maior comprimento da sombra projectada pelo Sol poderia ser observada nos dias mais distantes do Solstício de Inverno. Também inovou quanto à aplicação da precessão na formulação do calendário.

Com os mongóis a conquistar a Ásia Central e o Médio Oriente, os astrónomos chineses tomaram contacto com os calendários usados por esses povos muçulmanos e com a expansão territorial do Império pela Dinastia Yuan, o calendário “Hui Hui”, após ser revisto, foi adoptado em 1236 pelos muçulmanos do Norte da China e chamado “Ma Ta Ba”. O astrónomo persa Jamal al-Din ibn Mahammad al Najjari, que muito contribuíra para a feitura desse calendário através dos estudos que fizera no Observatório de Samarcanda, veio em 1267 para a China e ofereceu o “Calendário dos Dez Mil Anos” ao Imperador mongol Kublai Khan, tornando-se este o calendário oficial da China. Mais bem concebido que o calendário chinês “Da Ming”, quanto ao cálculo das órbitas planetárias e na aplicação da astronomia esférica, no entanto continuava a conter muitos erros.

Assim foi decidida a compilação de um novo calendário, tarefa entregue a dois astrónomos chineses, Wang Xun e Guo Shoujing. Guo inventara um novo gnomo, que permitiu confirmar o valor do ano trópico em 365,2425 e afirmava que o Solstício de Inverno era o instante em que o Sol se movimentava a uma velocidade máxima. Notou também que cada trimestre depois do terceiro dia a seguir ao Equinócio do Outono era de 88,91 dias e a duração do outro trimestre, que correspondia à Primavera, era de 93,71 dias. Estes factos levaram a concluir estarem correctos os cálculos do movimento da eclíptica do Sol e a flutuação da sua velocidade aparente, feitos em 728 pelo astrónomo Yixing. Resultante da compilação dos estudos efectuados na Grécia, Arábia, Pérsia e China, a Tabela Astronómica Il-Khanate (al-Zij al-Ilkhani), escrita em persa no ano de 1272, serviu de base a Wang Xun e Guo Shoujing para, combinando com a fórmula trigonométrica da esfera do calendário Hui Hui, fazerem os seus cálculos astronómicos do movimento diário do sistema solar. Assim, em 1281 criaram o novo calendário “Shou Shi” (Narração do Tempo), que foi a quarta grande reforma na história do sistema do calendário chinês.

1 Abr 2019

Amores de Shunzhi

[dropcap]O[/dropcap]Imperador Qing Huang Taiji morreu em 1643 sem designar sucessor e um comité de príncipes manchus elegeu, entre os seus onze filhos, o nono [e não o terceiro, como por engano ficou referido no artigo da semana passada], Aisin-Gioro Fulin (1638-1661) como continuador da Dinastia Qing. Tal ficou a dever-se em muito ao trabalho de bastidores da sua mãe, Bumbutai (1613-1688), a Imperatriz Xiaozhuang após Aisin-Gioro Fulin ser Imperador. Era uma das três mulheres que o clã mongol Borjigit enviara à corte nürzhen para estreitar relações, sendo as outras duas, a tia de Bumbutai, a então Imperatriz Xiaoduan (Jerjer, 1599-1649) e a irmã mais velha, a favorita consorte Minhui (Harjol, 1609-1641).

Fulin tornou-se o Imperador Shunzhi (1643-1661), o segundo da manchu Dinastia Qing, quando em 8 de Outubro de 1643 no Palácio Imperial de Mukden (Shenjiang) foi entronizado. Por ter apenas seis anos foram nomeados os regentes Jirgalang e Dorgon, filho mais novo de Nurhachi e meio irmão de Huang Taiji.

Quando os qing atravessaram em 1644 a Grande Muralha contava o seu exército aproximadamente dois milhões de homens no sistema das 8 bandeiras. No nono dia da décima Lua de Jiashen (8 de Novembro de 1644) Shunzhi tornou-se em Beijing o primeiro Imperador da Dinastia Qing da China. Aí, os jesuítas acabavam de alcançar uma grande vitória sobre os astrónomos chineses ao conseguirem prever um eclipse solar para o primeiro dia do oitavo mês lunar de 1644, não calculado pelo então calendário chinês. Tal demonstrava a necessidade de substituir o Calendário Shou Shi (Narração do Tempo) feito por Guo Shoujing em 1281.

Em Beijing, os jesuítas vinham trabalhando desde 1629 na correcção desse calendário e contra a vontade dos astrónomos da Dinastia Ming preparavam um novo calendário para o substituir.

Reinava já a Dinastia Qing quando aconteceu como previsto por Joannes Adam Schall von Bell o eclipse lunar de 15 de Janeiro de 1645, o que levou a ser oficializado o Calendário Shixian feito por esse jesuíta alemão, logo nomeado Director do Departamento de Astronomia de Beijing e a quem o Imperador Shunzhi sempre deu protecção.

Liberdade religiosa

Os padres da Corte puderam continuar em Beijing devido ao entusiasmo da Dinastia Qing para com o novo calendário. O elevado estatuto que gozava o então mandarim jesuíta Schall von Bell e a sua grande intimidade com o Imperador levaram-no a conseguir em 1650 autorização para construir a Igreja da Imaculada Conceição, mais tarde Catedral do Sul (Nantang).

Durante seis anos esteve o Imperador Shunzhi liberto da governação do país, entregue ao regente Dorgon, e por isso teve tempo para se dedicar às artes, sendo um bom calígrafo e um excelente desenhador de paisagens. Estudou o confucionismo e como extremoso adepto da piedade filial escreveu uma série de poemas dedicados à sua mãe. Após a morte de Dorgon, no último dia de 1650, Shunzhi iniciou com doze anos a governação do país.

Em 1651, numa caçada pela Montanha Jingzhong em Hebei, ao saber encontrar-se ali há nove anos o monge Bieshan em meditação numa gruta, para lá se dirigiu. Após ser por ele recebido, regressou ao palácio e mandou construir um local especial para o acolher, mas o monge recusou. Assim se iniciou o interesse do Imperador Shunzhi pela doutrina budista.

As esposas

A concubina Tunggiya hala (1640-1663) era proveniente de uma família manchu mas vivera sempre entre os chineses han. Entrara na Cidade Proibida em 1653 e a 4 de Maio de 1654 deu à luz Xuanye, o terceiro filho de Shunzhi e por este se ter tornado em 1661 o Imperador Kangxi tomou ela o título Cihe, mãe do imperador e após a morte, Imperatriz Xiaokangzhang.

Já por uma questão política e de tradição, para acalmar o clã mongol Borjigit, o Imperador Shunzhi casou-se em 1654 com Alatan Qiqige (1641-1718), que ficou a ser a Imperatriz mãe Xiaohuizhang, apesar do pouco afecto do imperador por ela.

A sua favorita era a concubina Donggo hala (1639-1660), que entrara no palácio em 1656 e tornou-se a consorte Xian. A 12 de Novembro de 1657 deu à luz o quarto filho do imperador e tal era o amor por ela que Shunzhi o escolheu para seu sucessor, mas este morreu passado três meses, trazendo um grande desgosto ao casal.

Em 1658 Shunzhi mandou chamar o monge budista Yülinxiu do Templo Baoen em Huzhou (hoje Wuxing, em Zhejiang) para ir a Beijing falar com ele. Este recusou e só após várias tentativas acedeu. O imperador ofereceu-lhe o título de mestre Dajue e tomou-o como professor, pedindo para que lhe desse um nome budista e assim ficou a chamar-se Xingchi, aliás Chidaoren. Após dois meses, o mestre regressou ao templo e o Imperador requereu que lhe enviasse um dos seus estudantes.

Shunzhi convidou um outro famoso monge do Templo Tiantong de Zhejiang, Muchenqin que nas conversas se apercebeu da sensibilidade do Imperador e seu entendimento sobre a abstracta doutrina do Budismo Chan. Teria na última reincarnação sido um monge, o que Shunzhi concordou pois, cada vez que visitava um templo não tinha vontade de lá sair e não fosse deixar a mãe sozinha já seria monge.

A Beijing chegou Xisen, o estudante enviado por Yülinxiu, com quem o imperador falava frequentemente sobre a doutrina e lhe pedia conselhos. Com a sua favorita Donggo hala conversava e discutia sobre os livros Chan tornando-se ela também budista. A sua morte em 23 de Setembro de 1660 afectou profundamente o Imperador, que logo passados dois dias lhe atribuiu o título póstumo de Imperatriz Xiaoxian e mandou celebrar um grande funeral budista, convidando 108 monges para durante 21 dias recitarem orações do Clássico budista.

O Imperador deprimido quis suicidar-se, obrigando dia e noite a ter uma pessoa a acompanhá-lo. Com uma tristeza imensa, pensou abandonar o trono e fazer-se monge. Dois meses após a morte da sua favorita, Shunzhi pediu a Xisen que lhe rapasse o cabelo e nem a Imperatriz viúva sua mãe o conseguiu demover. Esta, desesperada, mandou chamar Yülinxiu para vir ao palácio a fim de o obrigar a abandonar tal ideia. Levava 18 dias de monge, quando este chegou, mas nem as várias razões expostas o demoveram e em desespero, Yülinxiu ameaçou com a chantagem de mandar queimar Xisen. Só assim o conseguiu demover.

Dos oito filhos masculinos de Shunzhi, o primeiro nascido em 1651 morrera 89 dias depois.
Ao preparar a sucessão, dos seis candidatos o imperador inclinava-se para o segundo filho Fuquan (1653-1703), então com nove anos. Mas a mãe de Shunzhi, a Imperatriz viúva Xiaozhuang não concordou e por sugestão de von Bell, o único a saber sofrer o Imperador de varíola, propôs a escolha de Xuanye, pois aos dois anos tivera essa doença, bastante mortífera para os manchus que não tinham defesas contra ela. Assim vacinado, o seu terceiro filho Xuanye com oito anos foi o escolhido.

A 5 de Fevereiro de 1661, Shunzhi com 22 anos morreu, sendo sepultado conjuntamente com a sua favorita, a Imperatriz Xiaoxian, no Mausoléu Xiao.

25 Mar 2019

Os primeiros imperadores Qing

[dropcap]N[/dropcap]urhachi (1559-1626), do clã Aisin Gioro, tribo jianzhou dos nüzhen, nasceu em Hetuala e com 18 anos casou-se pela primeira vez, sendo em 1583 eleito chefe dos jianzhou. Contraiu matrimónio mais quinze vezes e o de 1588 foi com Yele Nara Hala, filha de um príncipe nüzhen que em 1592 lhe deu o seu oitavo filho, Aisin-Gioro Huang Taiji.

Após unificar as tribos nüzhen, em 1616 Nurhachi estabeleceu a Dinastia Da Jin (1616-1636, Grande Jin), tornando-se o primeiro khan (soberano), com o título de reinado Tianming e nome-templo Taizu (1616-1626). Fez a capital em Xingjing (antiga Hetuala), passando-a em 1621 para Liaoyang e em 1625 transferiu-a para Shengjing (Shenyang). Mas logo no ano seguinte morreu, sucedendo-lhe então como segundo khan Aisin-Gioro Huang Taiji (1592-1643) a governar a dinastia de 1627 a 1636 com o título de reinado Tiancong. Herdando o sistema das oito bandeiras (baqi), que organizara os nüzhen administrativamente, tanto no sector civil, como no militar, instituiu-o em 1633 aos han e mongóis sob o seu controlo. Existia já para comunicar a língua man, escrita baseada nas palavras mongóis e pronúncia nüzhen, o que em 1634 levou Shengjing a passar a ter o nome de Mukden e Huang Taiji a ser conhecido por Abahai. Em 1635 mudou a designação de nüzhen para manchu.

Usando o modelo chinês na administração pública desde 1631, Huang Taiji teve o cuidado de colocar nos altos postos de comando não só os nüzhen, como mongóis e chineses han.

O Palácio Imperial em Shengjing, iniciado em 1625 por Nurhachi, só ficou completo em 1636, quando Huang Taiji criou a Dinastia Qing (puro), tornando-se o seu primeiro imperador e tomou o nome de reinado Chongde (1636-1643). Com o fito de conquistar a China investiu num corpo militar forte para a invadir.

Ao grande desenvolvimento a ocorrer no Nordeste, a Dinastia Ming não prestou atenção, de tão ocupada estava com as revoltas dos camponeses e a cobrar cada vez mais impostos à já de si empobrecida população para pagar os luxos dos imperadores, que não se coadunavam com os cofres vazios e disfarçavam as manigâncias dos corruptos eunucos.

Abahai “impõe o seu domínio à Coreia em 1638 e acaba por ocupar toda a Manchúria até ao estreito de Shanhaiguan em 1642, bem como toda a região do Amur (província de Heilongjiang) entre 1636 e 1644”, segundo Jacques Gernet, que refere, a sua política “visa a imitação das instituições chinesas. Os seus conselheiros e os seus generais são chineses e o armamento moderno que possui é-lhe fornecido da China por trânsfugas.”

Apesar de ser o fundador da Dinastia Qing, Huang Taiji não chegou a ser Imperador da China devido à sua morte em Setembro de 1643, uns meses antes de os manchus tomarem Beijing. Com o nome de templo Taizong, o seu mausoléu, Zhaoling, a Norte de Mukden (Shenyang), foi iniciado em 1643, demorando oito anos a ser construído, encontrando-se aí sepultada a Imperatriz Xiaoduan e algumas das suas esposas, entre as quais a favorita Borjigit Harjol (1609-1641), a consorte Minhui.

Huang Taiji morrera sem designar sucessor, tendo um comité de príncipes manchus escolhido o seu terceiro filho Aisin-Gioro Fulin (1638-1661) para lhe suceder e por ter apenas seis anos, nomeou como regentes Jirgalang e Dorgon. A 8 de Outubro de 1643 no Palácio Imperial de Shengjing foi coroado como Imperador Shunzhi (1644-1661), o segundo da Dinastia Qing.

A ocupação de Beijing por um exército de camponeses liderado por Li Zicheng levou a que em 25 de Abril de 1644 o último imperador ming Chongzhen (1628-44) se suicidasse. Para desalojar os rebeldes, foi dada a possibilidade ao exército manchu de transpor a Grande Muralha e em conjunto com os ming combatê-los. Os manchus, encontrando o trono chinês vazio, em 6 de Junho de 1644 instalavam-se em Beijing, tornando-se Shengjing a sua capital subsidiária. Os imperadores desde então deixaram de ter o nome pessoal, que apenas se usava para as orações.

Imperador Shunzhi

Fulin, nascido a 15 de Março de 1638 e filho de Huang Taiji e de Xiaozhuang (1613-1688), já como segundo Imperador Qing Shunzhi foi no dia 1 da décima Lua de Jiashen (甲申), ano sob o signo do macaco, a Tiantan em Beijing oferecer sacrifícios ao Céu e na semana seguinte, a 8 de Novembro de 1644 realizou-se na Cidade Proibida a sua entronização como primeiro Imperador da China da Dinastia Qing (1644-1911). Devido a ser ainda uma criança, tomaram então conta dos assuntos de Estado os regentes Dorgon (1643-1650), 14.º filho de Nurhachi e Jirgalang (1643-1647), sobrinho de Nurhachi. Este último foi em 1647 destituído por Dorgon, que ficou a dominar tanto a política como militarmente a China.

Em Beijing, os manchus ocuparam a Cidade Interior e daí colocaram os han para fora das muralhas que a circundavam, ficando estes a viver na Cidade Exterior. Os casamentos entre ambos os grupos foram proibidos, tal como os han irem viver para o Nordeste [conhecida pelos ocidentais como Manchúria e designada Dongbei pelos chineses, é composta por três províncias: Liaoning, Jillin e Heilongjiang, com as respectivas capitais em Shenyang, Changchun e Harbin].

Os manchus rapavam o cabelo deixando apenas uma trança (bianzi) no topo da cabeça, penteado usado pelos povos nómadas das estepes. Após chegarem ao poder na China, logo em 1645 o tornaram obrigatório aos sedentários chineses han, que tradicionalmente usavam o cabelo comprido apanhado num carrapito. Essa submissão foi entendida como uma humilhação, mas quem não acatasse tal disposição ficava sujeito à pena de morte.

Encontraram no Centro e Sul do território da China uma resistência dos chineses han, a qual Macau apoiou, e só em 1661 os manchus conseguiram pôr fim às pretensões de quem queria restaurar a Dinastia Ming. Contaram com a ajuda militar de alguns generais ming dissidentes, desagradados com a corrupção na corte ainda antes dos manchus obterem o Mandato do Céu e a esses trataram como pertencentes à sua família. A falta de pagamento levou muitos outros, entre oficiais a soldados a uniram-se-lhes, assim como os que se renderam aquando da tomada para Sul das cidades ocupadas pelos ming. Para os manchus, quem não se rendesse era massacrado até à morte e foi o que ocorreu no Verão de 1645, quando durante dez dias oitocentos mil habitantes de Yangzhou morreram às mãos do exército imperial qing, comandado pelo Príncipe de Yu (Aisin-gioro Duoduo). Este seguiu depois com as suas tropas para Nanjing onde a população imediatamente o deixou entrar, terminando com o primeiro regime Ming do Sul, que teve um ano de existência. Fugindo para Sul, a corte ming dividiu-se, formando novas bolsas de resistência, que só iriam terminar já o segundo Imperador Qing tinha morrido.

Shunzhi iniciara com 13 anos a sua governação, após a morte no último dia de 1650 do regente Dorgon, até que com 22 anos morreu de varíola, sendo o sucessor o seu terceiro filho Xuanye, o Imperador Kangxi.

18 Mar 2019

Os nüzhen e o início dos Qing

[dropcap]O[/dropcap]s manchus, nome que só apareceu em 1635, eram até então conhecidos por nüzhen e já tinham governado na China como Dinastia Jin (1115-1234). Os seus antepassados, provenientes das Montanhas do Altai, foram a tribo sushen que durante a Dinastia Zhou se encontrava a Norte das Montanhas Changbai. Dela se originaram as tribos tunguzes (yilou, huji, mohe e nüzhen) a viver há muitos séculos no Nordeste da China como criadores de cavalos e caçadores nas florestas siberianas do vale de Amur. Nessa zona, hoje a província de Heilongjiang, a 23 de Janeiro de 1115 foi criada pela família Wanyan dos nüzhen a Dinastia Jin, com a capital em Harbin. A dourada dinastia, pois Jin significa ouro, daí iniciou ataques contra os seus vizinhos khitan (mongóis descendentes dos xianbei), na época a reinar uma vasta área pelo Norte da China como Dinastia Liao (916-1125) e em 938 tinham capturado aos Song a cidade de Youzhou (Beijing), fazendo aí a sua segunda capital com o nome de Nanjing (Capital do Sul). Os Jin aliando-se com a Dinastia Song (960-1127) conseguiram em 1125 pôr fim a esse império, transferido para o Oeste, no actual Xinjiang, onde em conjunto com os uigures fundaram o Reino Liao Ocidental, que terminará em 1227 às mãos de Gengis Khan. Vencidos os mongóis khitan, os Jin voltaram-se contra a Dinastia Song e conquistaram-lhe em 1126 a capital Bianjing (Kaifeng). Daí levaram presas quase três mil pessoas da corte Song para a sua capital Harbin e as restantes retiraram-se para Sul, fugindo das contínuas investidas dos nüzhen (conhecidos no ocidente por jürchen, ou tungusic). Em 1153 a Dinastia Jin fez a sua nova capital em Beijing, mudando-lhe o nome para Zhongdu (Capital Central), mas em 1214 transferiram-na para Kaifeng, devido à invasão pelo Norte dos mongóis chefiados por Gengis Khan (1162-1227, Gengiscão, o unificador das tribos mongóis), que no ano seguinte conquistou Beijing. Acossado tanto pela Dinastia Song do Sul, como pelos mongóis (estes, descendentes dos xiong-nu), e já sem ter para onde fugir, o imperador suicidou-se em 1234, terminando assim a Dinastia Jin. Com uma língua própria ligada à mongol, tinham interagido com a população han na sua governação e decalcado muita da organização chinesa, encontrando-se já sinizados.

A chegada ao trono da China da dinastia mongol Yuan (1271-1368) levou esses nüzhen de volta ao Nordeste onde, em conjunto com as restantes tribos que aí tinham permanecido, se dedicaram ao comércio. Se nesse território de estepes os khitan tinham instalado prefeituras à maneira chinesa, com a chegada da Dinastia Ming foram aí colocadas guarnições militares. Encontravam-se os nüchen, onde hoje são as províncias de Jilin e Liaoning, divididos em três grupos: jianzhou, haixi e donghai. Os ming chamaram-lhes dongyi (estrangeiros do Leste) e sendo bons guerreiros e cavaleiros, colocaram-nos a proteger as suas fronteiras do Nordeste, contra possíveis incursões mongóis. Devido aos jianzhou comercializarem a Norte com os mongóis, a Leste com os coreanos e a Sul com chineses han, trocando cavalos, gado, peles, pérolas e ginseng, por ferramentas de ferro e outros bens de necessidade diária, desenvolveram a sua tecnologia e economia, tornando-se dentro dos nüzhen os mais evoluídos.

 

Dinastia Jin Tardia

 

Em 1583, os Jianzhou elegeram como chefe Nurhachi (1559-1626), do clã Aisin Gioro. Nascido em Hetuala (赫图阿拉, lugar hoje adstrito a Yongling, na região autónoma manchu de Xinbin, província de Liaoning), era o filho mais velho de Taksi, o qual tinha morrido no ano anterior em circunstâncias com diferentes versões na História. Para uns, fora morto por engano pelos ming, mas outras fontes referem, às mãos de uma facção nüzhen rival. Em 1588 casou-se com a filha de um príncipe nüzhen da família Nala.

Fazendo a sua base de operações em Hetuala, Nurhachi foi anexando ao longo de dez anos as tribos vizinhas, mas em 1593 seria atacado por uma aliança de outras tribos tunguzes e mongóis. Vitorioso, Nurhachi tornou-se ainda mais poderoso e nos vinte anos seguintes passou a controlar praticamente todo o território do Nordeste. Em 1616 completou a organização das tribos nüzhen e com elas unificadas estabeleceu a Dinastia Dajin (1616-1636, Grande Jin, que ficou na História com o nome de Hou Jin, Jin Tardio), com capital em Hetuala, cujo nome passou a ser Xingjing.

O Khan Nurhachi (1616-1626) foi o seu primeiro soberano, com o título de reinado Tianming e nome-templo Taizu. Trazia um sistema político, económico e militar completamente independente da Dinastia Ming, com quem por vezes os nüzhen tinham colaborado no passado. Formou então o sistema das oito bandeiras (baqi), uma organização multifuncional, tanto administrativa, como militar e de produção, em que cada bandeira consistia em várias unidades básicas, chamadas niulu, de 300 pessoas que funcionavam em conjunto. Estruturada para em tempo de paz trabalharem na agricultura e na caça e em guerra constituírem-se em milícias. Cinco niulu continham 1500 pessoas e formavam uma jiala e cinco jiala, com 7500 pessoas, formavam uma bandeira, sendo cada uma das oito bandeiras identificadas por uma cor, ficando à frente de cada os filhos e sobrinhos de Nurhachi. Com a população civil registada e organizada, o povo nüzhen ganhou uma forte unidade e eficiência, desenvolvendo-se tanto económica como socialmente, tornando-se mais estreitas as relações entre os membros, o que favoreceu a liderança de Nurhachi. Este ordenou também a criação da língua man, escrita baseada nas palavras mongóis e pronúncia nüzhen.

Em 1618 começou a atacar os territórios do Norte da Dinastia Ming, derrotando-a em várias batalhas. O mesmo ocorreu no ano seguinte, quando o Imperador Chongzhen enviou para cima de cem mil homens, morrendo mais de metade desse exército ming.

Conquistou em 1621 Shenyang e Liaoyang, onde fez a capital e em 1625 foi esta mudada para Shengjing (Shenyang), mandando ainda nesse ano erguer aí o Palácio Imperial; uma réplica mais pequena da Cidade Proibida de Beijing.

Em 1626, à frente de um enorme exército marchou para Sul atacando o exército ming, comandado pelo General Yuan Chonghuan. Mas saiu derrotado, tendo Nurhachi morrido, segundo parece, não na batalha, mas oito meses depois. Tal derrota deveu-se ao canhão enviado de Macau, que o Imperador ming Tianqi (1620-27) pedira aos portugueses para conter o avanço do exército nüzhen. Os tiros do canhão provocaram tantas baixas, que levou o invasor a ser mais cauteloso nos ataques.

Sucedeu como segundo khan da Dinastia Da Jin o oitavo filho de Nurhachi, Huang Taiji (1592-1643), que governou como Tiancong de 1627 a 1636, sendo na língua local conhecido por Abahai. Quando o Palácio Imperial em Shengjing (Mukden) ficou completo em 1636, Huang Taiji mudou o nome da dinastia para Qing (puro), preparando um corpo militar forte para invadir a China.

 

11 Mar 2019