Novas instituições em Macau e a indústria dos relógios

[dropcap]O[/dropcap]s portugueses de Macau, perante o Vice-Rei de Liangguang (Guangdong e Guangxi) Chen Rui, reconheceram-se vassalos do Imperador do Celeste Império, passando desde 27 de Dezembro de 1582 a ter autorização oficial de permanência em Macau e os padres a possibilidade de poder viver em Zhaoqing. Para tal, muito contribuiu o relógio mecânico de rodas feito de ferro mandado da Europa e entregue pelo padre português Rui Vicente a Ruggieri, que o levou como presente a Chen Rui. Este relógio suscitou o interesse das elites chinesas e foi o primeiro dos muitos que se seguiram a serem enviados para a China, originando logo em 1583 uma produção relojoeira em Macau a cargo dos jesuítas, que continuou ao longo do século XVII. Luís Filipe Barreto refere, “O fabrico de relógios implica a existência de técnicos especializados e, no ano de 1583, um artífice/relojoeiro indiano, que aprendera a fabricar relógios com os portugueses, seguiu de Macau para a China para na Missão de Zhaoqing fabricar um relógio para o governador provincial Wang Pahn” [Chen Rui fora destituído a 6 de Fevereiro de 1583].

Segundo informava Matteo Ricci, os únicos relógios conhecidos dos chineses . Também na Europa, o relógio mecânico de rodinhas, inventado em 947 por Gerberto, um monge francês que em 999 viria a ser o Papa Silvestre II, era pouco usado pois atrasava ou adiantava um par de horas por dia. Apesar de se tornar uma moda, eram pouco precisos e assim continuava-se a utilizar os relógios de água, de sol e as ampulhetas de areia, para tomar conhecimento das horas. Nem a invenção da mola de aço em espiral, criada por volta de 1500 em Nuremberga por Peter Henlein, a substituir o peso [utilizado no relógio de 947, mas ainda sem o pêndulo aplicado nos relógios por Huygens em 1656, que veio dar maior rigor à medição do tempo] como motor do mecanismo registador das horas, trouxe maior fiabilidade. Foi só em meados do século XVI, com o regulador da mola a assegurar uma força motriz constante, que o relógio mecânico ganhou maior precisão.

A política da oferta de relógios como presentes por parte dos jesuítas, segundo o padre Manuel Teixeira, ocorrera já em 1551, quando no Japão o Pe. Francisco Xavier ofereceu ao soberano Yamaguchi um grande relógio e oito anos depois, Luís Fróis, S.J., “conseguiu ter uma audiência com o imperador do Japão, vencendo as últimas repugnâncias do grande Kubosama, oferecendo-lhe um relógio que dava as horas.”

Novas instituições em Macau

Em 1583, “o Vice-rei de Guangdong-Guangxi admitiu publicamente que Macau era uma povoação especial do distrito de Xiangshan. Foi também este governante que introduziu em Macau o regime baojia, para a administração da população chinesa (sistema administrativo, baseado no registo dos residentes por unidade familiar, e no esquema de responsabilidade mútua). Foram erguidas, nas quatro ruas principais que atravessavam o centro da povoação, placas de grande dimensão, com palavras de ordem a inspirar respeito pelas autoridades chinesas”, segundo Victor F. S. Sit, que refere, “Após o reconhecimento chinês do estatuto de Macau, a comunidade portuguesa local, sob a supervisão do Bispo de Macau, fez, em 1583, a eleição do primeiro Senado da Câmara. Eleito por três anos, o Senado era constituído por três vereadores, dois juízes ordinários e um Procurador da cidade. Para a decisão sobre assuntos de importância maior, o Senado tinha que ser presidido conjuntamente pelo Bispo, pelo Capitão de Terra e pelo Magistrado.” Anteriormente, já a povoação elegia quatro vereadores, mas com o rápido desenvolvimento da população foi criado o Senado, tendo o bispo de Macau D. Leonardo de Sá presidido às primeiras eleições do governo municipal de onde surgiu o lugar de Procurador. Este cargo, cujo título oficial era de Regente Ocidental dos Assuntos de Macau, tinha como função gerir as relações com a China e por ser o chefe da administração portuguesa em Macau, em 1584 o Imperador Wan Li atribuiu-lhe o segundo grau de oficial, “com jurisdição sumária sobre os chineses em Macau”, segundo Montalto de Jesus, que refere, “este ‘olho dos bárbaros’ [Yi Mu], como os mandarins lhe chamavam, em casos importantes era substituído pelo prefeito de Xiangshan.” Já Victor Sit refere, “O Imperador decretou igualmente regulamentos sobre as visitas de inspecção dos mandarins a Macau, aos quais o Regente Ocidental tinha obrigação de prestar informações. Quanto ao protocolo oficial, ficou estabelecido que aquando da visita a Macau, os funcionários civis e militares (chineses) ocupam os lugares nobres no Senado e o Regente Ocidental, o lugar secundário. Estes regulamentos confirmaram, de facto, o estatuto de Macau como um fanfang (bairro estrangeiro), com autonomia administrativa interna.”

Sob a origem do Governo Municipal (que tomou o nome de Senado da Câmara em 1584), Beatriz Basto da Silva refere, estar “o facto de os portugueses residentes em Macau, receosos de se tornarem simples súbditos espanhóis (união ibérica-1580), terem deliberado em reunião presidida pelo Bispo D. Belchior Carneiro, criar uma forma de administração que lhes desse alguma independência.”

Em 1582, o comércio na China deixava de ser feito pela troca de produtos, sendo usada a prata para pagar as mercadorias.

A povoação aumentava e a população solicitava “cada vez maior oferta religiosa e educativa”, segundo Rui Manuel Loureiro, que refere, “um número cada vez maior de religiosos passava pelo litoral chinês a caminho do Japão, exigindo adequadas condições de alojamento e de formação. Alessandro Valignano (…) consciente de que seria necessário reforçar a retaguarda operacional, desenvolveu o projecto de construir em Macau um grande colégio, que complementasse o conjunto de edifícios que a Companhia já possuía no porto luso-chinês e que servisse de pólo aglutinador de todas as actividades desenvolvidas pelos jesuítas no Mar do Sul da China.”

“Como o ensino crescera até ao nível universitário, a 30 de Novembro de 1594, a Casa da Companhia de Jesus passou a denominar-se Colégio dos Jesuítas e ministrava a 60 alunos lições de Português e Latim, Artes, Casos e Teologia”, segundo Beatriz Basto da Silva, que refere, a 1 de Dezembro de 1594, “a escola criada pelos jesuítas passou à categoria de Colégio Universitário. O Colégio de São Paulo foi a primeira Universidade ocidental no Extremo Oriente.”

O primeiro passo de uma nova expansão missionária na China fora já dado pelos jesuítas Matteo Ricci e Ruggieri que inauguraram em 14 de Setembro de 1583 a missão católica em Zhaoqing, dois séculos depois da saída dos franciscanos aquando da chegada da Dinastia Ming ao trono do Celeste Império.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários