Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA vida pública americana “An evil group of men has always wanted to rule the entire world. In the past conquest has failed to achieve this, due to the resulting outrage and awareness of the enemy. In our present time evil groups are trying a subtle but effective way to rule. This is to gradually infiltrate and delude the masses into accepting their ideas.” “True Conspiracies” – Richard Hole [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] maioria das novas complexidades globais reflectem conflitos de longa data sobre recursos naturais, interesses económicos ou antigas rivalidades políticas. Um mundo entrelaçado parece ter um maior número e intensidade de disputas sobre práticas e relações comerciais ou políticas nacionais, o que desestabiliza os laços entre países e gera conflitos sociais, económicos e políticos. No entanto, parte dessa agitação reflecte novas fontes de imprevisibilidade. Por exemplo, existem estados falidos ou áreas desgovernadas, em muitos locais, ao redor do mundo. Uma série de locais, especialmente em África e no Médio Oriente, têm governos sem autoridade e incapazes de limitar o comportamento agressivo. As redes criminosas e organizações informais ganharam poder e são capazes de controlar ruas, bairros ou até sectores inteiros de países, afectando tanto as relações internacionais, quanto a política interna, e testam os limites do comportamento convencional. Os conflitos religiosos entraram numa fase sinistra, igualmente, pois, deu-se o surgimento do fundamentalismo, em cada uma das três religiões monoteístas do mundo, judaísmo, islamismo e cristianismo, complicando a geopolítica. É de concordar com Michael Walzer, quando afirma no seu livro “The Paradox of Liberation: Secular Revolutions and Religious Counterrevolutions” que uma batalha épica está a ocorrer entre as forças da modernidade e da secularização versus aqueles que acreditam que essas forças são absolutamente erradas. O conflito religioso assume uma variedade de formas em locais diferentes, em que as divergências sobre o papel das mulheres, a homossexualidade e a permissividade cultural permeiam muitas tensões regionais e globais. A tecnologia digital complicou a política global, acelerando as comunicações, e alterando os padrões tradicionais de interacção social e económica. Os avanços nas comunicações tornam mais fácil do que nunca o trabalho dos descontentes pela organização. O que costumava serem disputas locais, podem vir a ser virais e espalharem-se rapidamente pelo mundo, através de meios de comunicação sociais e tecnologia digital. Os canais de comunicação internacionais puseram pessoas de origens e interesses diversos, em contacto virtual, notavelmente íntimo, uns com os outros, em uma era de globalização. As diferenças que anteriormente poderiam ser encobertas, ou até mesmo ignoradas, agora entram no espaço pessoal de cada indivíduo, e forçam-no a pensar sobre desastres naturais, conflitos políticos ou turbulências sociais a milhares de quilómetros de distância. O resultado é muitas vezes um aumento da ansiedade, sentimentos doentios e tensões globais, não sendo apenas os assuntos globais que se tornaram incertos, pois da mesma forma que as situações têm estado em mudança contínua na cena internacional, acontecimentos surpreendentes têm manchado a política doméstica dos Estados Unidos, durante as duas últimas décadas, incluindo a falhada remoção do presidente, Bill Clinton, os ataques terroristas de 9 de Setembro de 2001, a “Grande Recessão”, a eleição de um presidente afro-americano, Barack Obama, uma mulher e um socialista democrático candidatos a presidente e vice-presidente, Hillary Clinton e Bernie Sanders, respectivamente, um bilionário populista que desejou ser eleito presidente, Donald Trump, e conseguiu no banalizado sistema eleitoral americano, com menos de mais de dois milhões votos populares que a candidata derrotada, e a morte misteriosa de um juiz, Antonin Scalia, em um Supremo Tribunal fortemente dividido. Esses eventos ilustram quanta turbulência política tem havido nos últimos anos nos Estados Unidos. No período pós – Segunda Guerra Mundial, muitos observadores encararam o progresso, como a melhor descrição da política americana. É a perspectiva de que as mudanças em pequena escala e a evolução gradual representam a regra, ao invés da revolução ou desenvolvimento em grande escala, e como essa ideia parecia descrever os processos políticos reais e as virtudes das mudanças em pequena escala, os analistas consideraram-na o paradigma dominante dos últimos cinquenta anos. A mudança ocorre lentamente porque muitos factores sociais, políticos e institucionais, limitam a transformação em larga escala. Durante duas décadas a política americana tornou-se mais exagerada e polarizada e, como resultado, as soluções propostas tornaram-se mais radicais, porque a negociação e o compromisso não estão na moda. Algumas das realidades que desestabilizaram a ordem internacional, e ampliaram o conjunto de possíveis acções, também são aparentes no seio da América, sendo de registar, que grandes forças abalaram os fundamentos sociais e políticos da sociedade civil e afectaram um amplo conjunto de áreas. Os desenvolvimentos políticos tal como a revolução Reagan em 1980 colocaram o país em um curso mais conservador em termos de política. As eleições de 1994 acentuaram essa tendência, e puseram os republicanos como responsáveis pela Câmara dos Deputados, pela primeira vez em quarenta anos. Após esse resultado, o Partido Republicano, durante dezoito dos vinte e dois anos seguintes, usou esse poder para tentar reduzir a dimensão do governo e os programas de bem-estar social. A “Grande Recessão” derrubou o controlo exercido pelo Partido Republicano durante algum tempo, renascendo com inesperada e inusitada força, propulsionada pela vitória de Donald Trump. Os Estados Unidos elegeram o seu primeiro presidente afro-americano em 2008 e deram-lhe uma grande maioria Democrata na Câmara dos Deputados e no Senado, que usou para promulgar leis abrangentes, que estimularam a economia, regularam grandes instituições financeiras e transformaram os cuidados de saúde americanos. O sucesso do Presidente Obama gerou uma reacção intensa, permitindo que os republicanos voltassem a tomar o controlo do Congresso, e bloqueassem quase todas as suas iniciativas subsequentes. Tais tipos de balanços generalizados no poder político, que levam a dramáticas iniciativas políticas, passaram a ser comuns. A formulação de políticas abrangentes em grandes organizações está muito em voga durante a presente era. Os últimos anos foram marcados por grandes mudanças na política fiscal, regulação financeira, alterações climáticas, traduzido em um acordo histórico com a China sobre a redução das emissões de carbono, e um forte aumento nas taxas de imposto de rendimentos aos mais ricos, como parte das negociações “penhasco fiscal”. Os esforços legislativos para adoptar uma reforma migratória abrangente falharam, devido a um impasse político-partidário, mas o presidente Obama respondeu, implementando grandes mudanças, através de uma ordem executiva, embora tenha sido desafiado em tribunal, e como é uma situação de alcance global, uma variedade de forças permite mudanças internas, de base ampla. Há um sentimento largamente compartilhado de que as todas as situações estão a ser debatidas nos Estados Unidos, criando um apetite, em todo o espectro político, para acções mais substanciais. Os políticos de esquerda e direita defenderam propostas tão amplamente divergentes, quanto a proibição dos muçulmanos de entrarem nos Estados Unidos, devido à preocupação com o terrorismo, privatizando a Previdência Social, abolindo a Receita Federal, reestruturando ou até mesmo abandonando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), afastamento dos acordos de comércio internacional e fornecimento de ensino gratuito a todos os estudantes. A natureza das coligações partidárias durante grande parte da história americana desencorajou o radicalismo e promoveu negociações e compromissos. Os modelos antigos falavam sobre o eleitor mediano, como o principal objecto da competição partidária. A ideia era de que a opinião pública se assemelhava a uma curva em forma de sino com a maioria das pessoas no centro político, e minorias à esquerda e à direita, respectivamente, pelo que em tal situação, a estratégia política vencedora era clara. Os candidatos devem visar o centro, propor medidas moderadas que pareçam convenientes, e comprometerem-se com a outra parte a governar e aprovar legislação. Tal processo abrandou o ritmo da política, e tornou o incrementalismo uma descrição precisa da mudança de política. Nos últimos anos, porém, a luta por eleitores centristas deu lugar, a jogar, para a base extrema em ambas as partes. A baixa participação eleitoral e eleitorados polarizados faz os candidatos determinarem que muitas vezes, faz mais sentido, mobilizar eleitores de esquerda ou de direita do que jogar ao centro. Muitos candidatos e activistas partidários preferem apelos que gerem excitação, ao invés de propostas complexas ou matizadas, que reafirmam o estado existente. Além disso, os doadores, que se tornaram cada vez mais vitais para o processo político, por causa dos enormes custos das campanhas, muitas vezes, têm pontos de vista mais extremos do que o eleitorado como um todo, e assim ajudam a empurrar os candidatos para os limites mais extremos. A percentagem de democratas e republicanos na Câmara dos Deputados que tinham registos de voto centrista entre 1951 e 2013, num estudo da Universidade de Harvard, demonstrou que no início desse período, quase 60 por cento dos representantes em cada partido, tendiam a votar em posições moderadas. Por volta de 2013, porém, o número de democratas moderados caiu para 13 por cento, e dentro do Partido Republicano quase desapareceram completamente. No Congresso e em muitas legislaturas estaduais, aqueles que estão dispostos a cruzar as linhas partidárias e apoiar compromissos bipartidários são vistos como traidores à causa. É especialmente o caso entre os republicanos, desde o surgimento do Tea Party em 2010. Os conservadores indignaram-se com o rápido crescimento da dívida pública e o aumento da despesa pública, entre outros males conhecidos, organizados para retomar o futuro e retornar aos valores do passado. Mas o colapso da moderação, também ocorreu no lado democrata, como foi demonstrado pelo apoio surpreendentemente forte, dado ao socialista Bernie Sanders, no processo de nomeação de 2016. O resultado em ambos os partidos, foi de que os políticos de muitas listras, apresentaram propostas para uma mudança radical e resistiram fortemente às propostas do lado oposto. Muitos legisladores querem pensar em grande e produzir mudanças dramáticas na política, encorajados pelos eleitores aborrecidos com a diminuição da sua fortuna ou motivados pelas suas visões negativas do governo. O estudo da Universidade de Harvard, mostrou existir uma ligação forte entre a ruptura económica e o extremismo político. Um exame dos padrões de votação no Congresso e as perdas de postos de trabalho, demonstra que as áreas mais atingidas pelos choques comerciais, eram muito mais propensas a moverem-se politicamente para a extrema-direita ou para a extrema-esquerda. As mudanças nos meios de comunicação de notícias promoveram também mudanças principais na esfera política, pois, com poucas excepções, os meios de comunicação fragmentaram-se em câmaras de eco concorrentes, que dizem às pessoas o que querem ouvir, com base em pesquisas de mercado e não em valores jornalísticos sérios. Além disso, muitos indivíduos, especialmente os jovens, não dependem da comunicação social, para a sua informação diária. Em vez disso, recebem notícias, ou o que percebem como notícias, através de redes sociais e plataformas digitais. O resultado é um sistema de media que, com demasiada frequência, afasta as pessoas em vez de as unir. O discurso público acaba por se basear mais nas opiniões do que nos factos, e há pouco acordo sobre os desafios que a América enfrenta.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO salto quântico (II) “It was 250,000 years before the world’s population reached 1 billion, around 1800. But it took only a dozen years for mankind to add its latest billion, passing 7 billion in October 2011, by the United Nations’ official count. This is megachange: change on a grand scale, happening at remarkable speed. It is all around us. Technology is spreading astonishingly fast – think of the internet, mobile phones and the oceans of information now captured on computers or transmitted via social networks such as Facebook and Twitter. The global economy is tilting towards Asia in front of our eyes. All this is having a deep impact on people’s lives, businesses’ strategies, countries’ politics and the planet’s prospects”. “Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] excepcional evolução, também, pode ter lugar periodicamente na política. Os terramotos políticos não são tão raros, como ficou demonstrado pela vitória considerada improvável de Donald Trump, em 8 de Novembro de 2016. A média terminou na área da economia, após 2008, devido à grande recessão, e é de acreditar que será difícil criar um crescimento económico robusto e sustentado como defende Tyler Cowen no seu livro “Average Is Over: Powering America Beyond the Age of the Great Stagnation”. O passado não é prólogo do futuro. Ao invés, uma série de factores reduzirão a prosperidade, a menos, que medidas substanciais sejam tomadas para reverter a actual situação. Estendendo essa noção, damos com a teoria desenvolvida por James K. Galbraith no seu livro “The End of Normal: The Great Crisis and the Future of Growth” que ao analisar o desempenho macroeconómico, afirma que as pessoas não devem projectar o crescimento económico da década de 1950 até ao ano 2000 para o futuro. Muitas das situações que deram origem a um forte desenvolvimento desapareceram, e será difícil manter as tendências passadas no futuro próximo. O economista Robert Gordon argumenta no seu livro “The Rise and Fall of American Growth” que estamos a assistir a uma grande mudança nos padrões de crescimento, e que o desenvolvimento dramático, que marcou o período de 1870 a 1970 terminou, não existindo maiores avanços na produtividade do trabalho ou na inovação societária, e com o envelhecimento da população e o aumento da desigualdade, o nível de vida dos Estados Unidos tende a estagnar ou mesmo a cair, e correr através de cada uma dessas noções, é ideia de que algo de grande está para acontecer no período actual. Os padrões sociais, económicos e políticos já não são estáveis e estão a criar mudanças rápidas e transformadoras. As pessoas necessitam de estar preparadas para um tipo de mudança, maior do que o normalmente imaginado. Até que possamos entender melhor esses movimentos tectónicos, será difícil para os indivíduos e sociedades como um todo, lidar com o seu extraordinário impacto. A nível internacional, existem inúmeros sinais de grandes desenvolvimentos e mudanças de alianças. Durante a maior parte das últimas sete décadas, fortes normas internacionais pareciam garantir a santidade das fronteiras nacionais, pois dada a agressão generalizada sofrida durante a II Guerra Mundial, com a sequente enorme perda de vidas, as nações modernas, em geral, abstiveram-se de invasões estrangeiras. Os países não querem arriscar conflagrações internacionais e os altos custos humanos que daí resultam. As organizações a nível global fazem grandes esforços para desencorajar os países a não violarem os direitos soberanos de outros países, na esperança de manter a paz e conservar as relações amistosas, em toda a ordem internacional. No entanto, essa norma antiga e tradicional está a ser quebrada constantemente. Os líderes ocidentais estavam despreparados em 2014, quando a Rússia invadiu e anexou a Crimeia e deslocou-se para a parte oriental da Ucrânia, com o objectivo declarado de proteger os interesses russos. A Crimeia tinha sido cedida à Ucrânia em 1954, pela então União Soviética e tinha-se tornado em uma parte vital daquele país. A península no Mar Negro usava moeda ucraniana e tinha representação no parlamento nacional. Apesar da condenação internacional da anexação, a Rússia, recusou-se a inverter o curso dos acontecimentos. Os líderes ocidentais usaram uma retórica apaixonada contra a anexação, impuseram sanções comerciais e bancárias ao invasor e aumentaram a ajuda à Ucrânia. Ao longo de dois anos, o mundo ainda não descobriu como mudar a realidade factual, e alguns líderes queriam enviar tropas para contrariar o que consideravam uma flagrante agressão russa. A China conjuntamente com o seu rápido crescimento económico, tornou-se muito mais activa nos assuntos regionais e globais, impondo limites às organizações estrangeiras e multinacionais que operam dentro das suas fronteiras, e discutiu a soberania japonesa sobre as Ilhas Senkaku no Mar da China Oriental. Apesar de esses locais terem sido controlados pelo Japão por um longo período de tempo, a China afirmou os seus direitos territoriais, após a descoberta de reservas de petróleo, afirmando que as suas prerrogativas geográficas são anteriores às do Japão. Os militares chineses enviaram barcos e aviões para a região para proteger as suas reivindicações geográficas, e instalaram mísseis terra – ar em uma ilha disputada. Além disso, a China construiu sete ilhas artificiais em recifes no Mar da China Meridional, e declarou a soberania chinesa sobre os doze milhas ao redor de cada ilha. A expansão das reivindicações territoriais chinesas complicou as operações militares americanas na região, e ameaçou a capacidade de alguns navios comerciais de navegar livremente por essas paragens. Os temores aumentaram quando a China começou a instalar longas pistas de aviação, quartéis militares e mísseis nas Ilhas Paracel. A maioria dos países vizinhos são aliados e parceiros comerciais dos Estados Unidos, preocuparam-se, acreditando que tais mudanças fossem um sinal das ambições geopolíticas por parte da China, que procurava estender esses direitos territoriais a quase oitenta por cento do Mar da China Meridional. A situação colocou a China em contenda com o Vietname, Malásia e Filipinas que tinham soberania sobre partes dessa via fluvial. As revoltas da Primavera Árabe atraíram praticamente todos os governos e comentadores políticos. A maioria foi surpreendida em 2010, quando protestos de rua irromperam na Tunísia e provocaram manifestações em vários países do Médio Oriente. As queixas contra a incompetência e corrupção dos regimes autoritários, em todo o mundo árabe, eram efectuados por pessoas comuns, milhares das quais foram para nas ruas em um extraordinário conjunto de protestos. Tal como agiram em outros períodos, os governos moveram-se para suprimir as queixas e prender os manifestantes. Mas os movimentos políticos derrubaram vários líderes autoritários que pareciam entrincheirados no poder, nomeadamente o presidente Hosni Mubarak no Egipto. É de notar que quase nenhum analista político experiente, antecipou a série de revoluções que rapidamente varreram o Norte de África e o Médio Oriente, ou seja, havia governos provisórios na Tunísia, Líbia e Egipto. A Síria e o Iémen caíram em devastadoras guerras civis, enquanto as facções rivais disputavam o poder político e económico, e a Líbia enfrentou um tumulto semelhante, após a queda e execução de Muammar Kadafi. Através destes e de outros exemplos, é de argumentar que muitas das forças sociais, económicas e políticas que foram constrangidas a mudanças internacionais em grande escala tornaram-se fracas. Alianças políticas, económicas e militares antigas quebraram-se e novas estão a surgir, ou em alguns casos, novas alianças não se apresentam tão aparentes. O grande conflito de poder, que parecia inimaginável na era nuclear, voltou como um possível perigo. A ideia de que as nações limitariam as suas reivindicações territoriais deu lugar a um jogo amplo entre as mesmas, testando fronteiras geográficas e violando as normas tradicionais. A ordem mundial pós-1989, dominada pelos Estados Unidos, desenvolveu-se em uma China ascendente, uma Rússia agressiva e actores não estatais violentos, como o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS), Al Qaeda, Al Shabaab e Boko Haram. Os últimos grupos aplicam leis religiosas estritas nos territórios que controlam, e empregam práticas primitivas, como a violação sistemática, a escravidão sexual e a governança feudal. As limitações ao poder ocidental são aparentes, e a capacidade dos Estados Unidos e da Europa para tomarem medidas eficazes é seriamente circunscrita. O globo, em essência, passou de um mundo bipolar durante a Guerra Fria, para um unipolar após o colapso da União Soviética, quando os Estados Unidos se tornaram o poder dominante, e desde 9 de Setembro de 2001, para um mundo multipolar, reflectindo o surgimento de novos poderes e actores não-estatais. As ordens mundiais bipolares e unipolares geralmente são estáveis, por causa do domínio de um número limitado de poderes, que muitas vezes podem controlar os conflitos locais e regionais. No entanto, a mudança para a multipolaridade apresenta sinais de um aumento da instabilidade, com várias potências a jogarem para adquirir vantagem, e nenhuma a deter o poder único, não tendo a China, Rússia, Europa ou os Estados Unidos a capacidade de ditar as directrizes da geopolítica e geoeconomia.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO salto quântico (I) “A great shift towards the East is taking place. This really is a case of back to the future: as Laza Kekic points out, by 2050 Asia will account for more than half the world economy, which is what its share was back in 1820 and for centuries before that. This will profoundly affect everything from the environment to the balance of military power and the centre of gravity of the global economy.” “Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] início do dia das eleições nos Estados Unidos foi marcado por dez baralhados inquéritos nacionais, em que oito davam a vitória a Hillary Clinton, um anunciava um empate e o último apostava na vitória de Donald Trump. No final da longa vigília, os embaraçados comentadores interrogavam-se de quem seriam os Secretários de Estado do candidato vencedor, quais seriam as grandes linhas de acção da sua futura gestão à frente dos destinos do país, de como seria a sua ligação com ambas as câmaras, após ter dado a vitória no Senado ao Partido Republicano, e como seria a sua relação dentro do mesmo partido, com a actual liderança que lhe virou as costas. Tudo são interrogações no que respeita a Donald Trump, mesmo em áreas onde se supõe conhecer o seu pensamento, como o tema dos imigrantes e as alianças comerciais e militares. O candidato dado por todos como derrotado, em uma campanha política de poucos meses, transformou o cenário político e dos partidos do país, podendo influenciar ainda mais, as principais correntes de pensamento da sociedade americana, ao longo dos próximos quatro anos, se as constelações não conspirarem, para que sejam oito anos. A partir de agora, existe uma nova forma de fazer política, outra maneira de compreender o funcionamento da democracia americana e do papel do país na cena global. Muitos serão os políticos que terão a tentação de seguir o seu exemplo e modelo. A campanha de Donald Trump, esteve ausente dos meios de comunicação tradicionais, e teve um orçamento muito menor que o do Partido Democrata. Teve como principal centro as redes sociais, o que talvez explique de certa forma, o impacto que conseguiu, e de algum modo tenha favorecido o facto de os meios de comunicação sociais tradicionais não terem observado com a agudeza necessária, o fenómeno Trump e o subestimaram. Fica por ver se a nova etapa implica o abandono de toda a pretensão de injectar seriedade e transcendência ao debate político americano, com o consequente efeito que terá sobre as instituições, e sobre a essência do conceito actual de democracia. O Partido Republicano pode ficar sob controlo do novo mandatário, fragmentar-se, ficar nas mãos de um rival de Trump, ou rejuvenescer com contributos de novos dirigentes. As consequências do fenómeno são perceptíveis, em outras latitudes. Muitos países europeus vêem o apogeu dos partidos de extrema-direita, que combatem os imigrantes, sem falar de todos os matizes do Brexit e da militância a favor do proteccionismo comercial e contra os tratados globais, e talvez seja esta a verdadeira tragédia, ou seja, o modo de entender a política de Trump, começa a ser uma parte normal da cena quotidiana. As consequências do Brexit, decidido pelos votantes ingleses, foi um severo choque para a União Europeia (UE). A consagração presidencial de Donald Trump é a segunda violenta perturbação num curto período de tempo, uma verdadeira catástrofe como é denominada. A Alemanha é o único país com relevo, que resiste a um mundo que parece querer desabar. A unidade de acção transatlântica, que por mais de setenta e cinco anos foi a pedra angular da direcção do Ocidente, em todos os níveis, seja na defesa, comércio ou redução das alterações climáticas, parece estar a chegar ao fim. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi a salvaguarda Europeia contra o ameaçador expansionismo soviético, que parece renascer com o sonho imperial da Rússia liderado por Vladimir Putin. Se os Estados Unidos, como tem advertido Donald Trump, refugiar-se no isolacionismo mais extremo, estará muito em jogo, pois os europeus ficarão sós para conter a agressividade russa e os esforços realizados no Médio Oriente para acompanharem os Estados Unidos serão inúteis, bem como os mortos e as perdas sofridas no Iraque e no Afeganistão, sem esquecer o famoso tratado de livre comércio, entre ambos os lados do Atlântico. Os europeus encontram-se preocupados como não acontecia há muitas décadas. A vitória incontestável de Donald Trump nas eleições americanas veio certificar que vivemos uma era de transformações profundas e cíclicas, tal como sempre aconteceu na história da humanidade. As dramáticas descobertas científicas interromperam as práticas empresariais ou novas ordens sociais, como a Reforma e a Revolução Industrial, e alteraram fundamentalmente a vida das pessoas. Os tempos mais recentes, foram também palco de grandes mudanças. Os Estados Unidos, por exemplo, enfrentaram transformações substanciais na década de 1860 durante e após a Guerra Civil, e novamente na década de 1930, devido à Grande Depressão, e na década de 1960 com a promoção dos direitos civis, da libertação das mulheres e dos movimentos ambientais. Em um tempo relativamente curto, perturbações em larga escala alteraram a sociedade e a política e deixaram uma marca duradoura nessas eras. Existiram flutuações significativas, em várias épocas, nas políticas públicas ou nas atitudes dos cidadãos associadas à mudança social, política ou económica. Por exemplo, após um período de turbulência social e religiosa, uma proibição americana sobre a produção e venda de álcool foi adoptada a nível nacional, em 1920 e permaneceu em vigor até 1933. Após as mulheres se começarem a organizar politicamente no final do século XIX, os países ocidentais adoptaram gradualmente o sufrágio feminino, incluindo os Estados Unidos em 1920, por meio de uma emenda constitucional. Se reflectirmos na mudança dos costumes culturais, em relação a períodos anteriores, existiu uma dramática decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em 1973, que legalizou o aborto em todo o país, que Donald Trump pretende reverter, para além da famigerada construção do vergonhoso muro entre a América e o México, e a expulsão ou deportação de três milhões de ilegais. Nunca é fácil separar as causas das consequências de transformações em grande escala. A mudança por vezes é caótica e multifacetada e, portanto, difícil de definir com precisão. É necessário observar por algum período de tempo, para analisar cuidadosamente o que está a mudar e quais as forças que estão a gerar as alterações mais substanciais. Todavia, através dos estudos de alguns casos, é possível esclarecer as grandes alterações que afectaram os assuntos globais e a política americana nas últimas décadas. A nível interno dos Estados Unidos, vemos profundas alterações na mudança de atitudes em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, tabagismo, legalização da maconha, desigualdade de rendimentos, terrorismo e segurança nas fronteiras. A nível global, testemunhamos o surgimento e o colapso da “Primavera Árabe”, o ressurgimento do fanatismo religioso, a violência de actores não-estatais e as mudanças ao livre fluxo de pessoas, bens e serviços associados à globalização. O que acontece a nível mundial, por vezes, influencia a política interna dos países, ou vice-versa. O extremismo em um local pode provocar tensões em um lugar distante. Em uma era de comunicações globais e transmissão rápida de informações, eventos aparentemente pequenos podem repercutir em outros lugares, e tornarem-se um catalisador para mudanças dramáticas nos assuntos internos ou internacionais. O termo “salto quântico”, emprestado dos físicos, passou a significar, popularmente, mudanças de grande escala que galgaram o conhecimento existente e introduziram novas formas de pensar. Os filósofos falam sobre “mudanças de paradigma” onde os modelos teóricos mudam drasticamente. Os biólogos referem-se a modelos de “equilíbrio pontuado”, nos quais há um tempo de grande mudança seguido por períodos de equilíbrio. Os especialistas digitais enfatizam a “tecnologia disruptiva ou dominante no mercado” que desafia as velhas formas de produção e leva ao surgimento de empresas que tiram proveito, ou ajudam a criar novas realidades do mercado, ou melhor ligando o talento e a inovação que resulta em “startups” das indústrias culturais e criativas, que em muitos países abundam com êxito, e em outros não existem, perdendo tempo em filosofias e querelas sem consequência prática.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA era das mudanças radicais “There are times in politics when the Black Swan shows up; when a highly unlikely, highly improbable event shatters years’ worth of assumptions.” “What If Trump Wins? Sometimes voters do break the rules” – Jeff Greenfield [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] tecnologia inovadora está a mudar o mundo. A transformação é violenta, implacável e está a acontecer em todas as organizações. É uma nova era tecnológica com incrível potencial para alterar a vida quotidiana das sociedades, e as concepções económicas e políticas que prevaleceram até ao presente. As grandes mudanças de tecnologia terão impacto em três elementos, que são a sociedade, a política e a economia, e que irão mudar drasticamente a nossa vida e o mundo. Por exemplo, são de realçar marcos importantes, como a queda do comunismo, a “Grande Recessão de 2008”, a rápida ascensão do “Estado e Exército Islâmico”, o aparecimento do “Trumpismo” que não é alternativa a nada, segundo Paul Krugman, e o processo que terminou com o “Brexit”. Se nos concentrarmos no futuro, descobriremos cinco megatêndencias que terão um enorme poder de transformação, sendo a primeira o surgimento de robots, de uma outra forma de inteligência artificial, capazes de ocupar postos de trabalho, e executar actividades a velocidades sem precedentes, e que apenas era possível ser desenvolvida por seres humanos. A segunda será a subida incontrolável do nível das águas nos oceanos que submergirão as zonas costeiras. A terceira será a descoberta de outras manifestações de vida primitiva em todo o universo. A quarta serão partidos extremistas de direita capazes de tomar o poder em vários países da Europa, criando um grave prejuízo à ideia estabelecida de democracia e a quinta conduz à interrogação sobre o que aconteceria se o Irão desenvolver equipamentos bélicos nucleares? Quiçá as duas últimas megatêndencias pequem gravemente por exagero, ou talvez não, pois tudo depende de uma questão de perspectiva. Os robots fazem o trabalho, sendo que o custo da sua produção foi reduzido substancialmente, e são considerados especialmente úteis na indústria automóvel, onde começaram por ser utilizados, mas actualmente são usados praticamente em todas as indústrias, não apenas nos Estados Unidos e Europa, mas também com crescente rapidez, no Sudeste Asiático. O que inquieta é a velocidade a que é feita a deslocação humana, e que irá acontecer muito em breve na economia, em doses elevadas, e não em um futuro distante. Os robots para além de realizarem muitas tarefas que são efectuadas por trabalhadores, estarão em condições de substituir muitos líderes e gestores, e de ocupar posições no campo dos serviços. É o bilhete-postal que intimida a larga classe média em todos os países, que prevê dramáticas consequências laborais para os seus empregos. O novo cenário laboral alterará substancialmente a forma como serão distribuídos os benefícios sociais. As reformas, pensões e prestações de saúde são pagas através dos empregos actuais ou de pretérito. Quanto à subida do nível do mar, está cientificamente provado que o aquecimento global é real, mas com nuances. O aquecimento global cria violentas tempestades e alterações nos padrões climáticos em todo o planeta, bem como, o permanente aumento do nível dos oceanos e mares, tendo como resultado a existência de águas mais quente e o derretimento das plataformas de gelo no oeste da Antárctida, especialmente na Groenlândia. Prevê-se que o aumento do nível do mar quadruplique, em 2100, o que agravará o problema, pois convém recordar que nas últimas décadas, milhões de pessoas se deslocaram do interior dos continentes para as zonas costeiras, numa migração contínua, para viverem próximo do mar, bem como aproveitar as vantagens das grandes cidades nas margens dos mares. Actualmente, existem seiscentos milhões de pessoas que vivem em áreas que são periodicamente inundadas. É de recordar que 40 por cento da população dos Estados Unidos vive em zonas costeiras de alta concentração urbana, onde o mar avança impiedosamente e produz a erosão marinha. A nível global são muitas as cidades que estão em grave risco como Nova Iorque, Boston, São Francisco, Miami, Amesterdão, Veneza, Cidade do Cabo, Tóquio, Xangai, Hong Kong e São Petersburgo. O custo de realojamento de milhões de americanos que serão afectados em um futuro próximo pela subida das águas será de catorze milhões de milhões de dólares, segundo um recente estudo do “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa) ”. Acresce ao actual fenómeno os milhões de refugiados devido às guerras e conflitos armados nacionais e regionais, fome, secas e inundações. Existirá uma nova classe de refugiados em todo o mundo, que serão os deslocados das zonas costeiras. A vida em outras partes do universo não está relacionada com ameaças ambientais, sociais ou mesmo políticas. Está relacionada com questões existenciais básicas. O progresso científico e industrial faz que o conhecimento científico esteja cada vez mais disponível, a aceitar que a vida não se limita ao planeta Terra, e que pode existir em muitas outras partes do vasto universo. É conhecida a existência de água, calor e químicos orgânicos em grande quantidade fora do sistema solar. Os cientistas acreditam fortemente, por estas razões, que a raça humana está próxima de confirmar que existem condições de vida em muitas partes do universo. Prevê-se que essa confirmação se dê nos próximos dez a vinte anos. Não se trata de extraterrestres, pois essa convicção refere-se a pequenos microrganismos. A comprovação da existência de vida em outros planetas levará a abandonar uma visão centrada na Terra, que tem dominado a história da humanidade e todos os seus pensamentos. Os especialistas em política externa, durante muitas décadas, assumiram o facto de que o comunismo estava entrincheirado na ex-União Soviética e na Europa. Os líderes desses países construíram poderosos estados autoritários que monitorizavam os cidadãos, puniam os dissidentes e mantinham os seus partidos políticos no poder. Alguns académicos pensavam que esses regimes tinham contradições internas que os levariam à sua inexorável morte, mas tais profetas eram vistos como opositores, e não eram levados muito a sério, pelos principais líderes de opinião. Quando o Muro de Berlim caiu em 1989 e a União Soviética se dissolveu dois anos depois, a política interna e as economias de quase vinte países da Europa Central e da Ásia Central foram transformadas, suspendendo as alianças políticas em todo o mundo. Os principais investidores financeiros ficaram chocados em 2008, quando as principais instituições financeiras da Wall Street entraram em colapso, e uma grande recessão se desencadeou. Os bancos Bear Stearns e Lehman Brothers fecharam as suas portas, os mercados de acções em todo o mundo perderam metade do seu valor, e muitos bancos cessaram de conceder crédito. Durante décadas ninguém poderia conceber a possibilidade de outra Grande Depressão, o mundo de repente viu-se perigosamente próximo de um colapso financeiro global. O impacto económico devastador desencadeou a ira pública contra as grandes instituições financeiras e governos, e agravou a situação difícil da classe trabalhadora em muitos países. A maioria das pessoas no mundo ocidental foi apanhada de surpresa em 2014, quando um grupo de combatentes muçulmanos se auto denominou de “Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS na sigla em língua inglesa) ou (Daesh na sigla em língua árabe) ”, proclamando um califado, depois de tomar o controlo de grandes partes do Iraque e da Síria, e estabeleceu um império teocrático liderado por uma única figura religiosa e política, parecia algo de medieval para a maioria do mundo, e os líderes do ISIS pouco fizeram para dissipar essa impressão, quando os seus seguidores começaram a decapitar publicamente reféns e a queimar vivos os adversários. O mundo interrogava-se como era possível existir esse tipo de barbárie na era da globalização, cosmopolitismo secular e extraordinário progresso científico. A população do Reino Unido, em 2016, confundiu os analistas e políticos ao votarem por 52 por cento contra 48 por cento o abandono da União Europeia (UE). Nas semanas que antecederam o referendo, as autoridades financeiras e diplomáticas alertaram sobre as terríveis consequências para a estabilidade fiscal, crescimento económico e comércio internacional se a saída fosse aprovada, mas sob uma onda de sentimentos nacionalistas e anti-Bruxelas, os eleitores apoiaram a saída da UE e um futuro independente para a Grã-Bretanha. O movimento assustou o bloco comunitário, levando a uma venda dramática da libra inglesa, e agitou os líderes financeiros e políticos em todo o mundo. O acaso não origina a mudança em grande escala que está a ocorrer no período contemporâneo. Muitas das crenças e instituições que ancoraram os assuntos internacionais e domésticos tornaram-se fracas. Os maremotos políticos ocorreram em muitas partes do mundo. Vivemos uma era onde os maiores eventos ocorrem numa base aparentemente regular, implicando mudanças dramáticas nos fenómenos sociais, económicos ou políticos. Essas alterações podem incluir perturbações económicas, transtornos políticos ou conflitos sociais, entre outras situações. Qualquer um deles pode gerar ramificações que ultrapassam a pequena escala, mudanças graduais que tipificaram historicamente muitos desenvolvimentos societários. Ainda que a extensão e o ritmo da mudança pareçam excepcionalmente dramáticos, a época actual não é a primeira a mostrar evidências de mudanças em larga escala. Ao longo da história, impérios e civilizações apareceram e sucumbiram com regularidade. As nações cresceram em importância e depois entraram em colapso, devido a desafios económicos, invasões estrangeiras, conflitos internos ou desastres naturais.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA nova ordem económica internacional (II) “In the course of dynamic economic taking-off, both China and India are taking active measures to establish and modernize their competition regimes as an important institution to support the national development. Although the two developing giants share in some aspects common concerns and face similar challenges, the different political, legal and market conditions seem to reflect more disparities in their breaking paths, which will be valuable experiences to the world.” China, India and the International Economic Order Muthucumaraswamy Sornarajah and Jiangyu Wang [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] criação de uma nova ordem económica global apresentada como inevitável, obriga à consideração de diversos elementos fundamentais, como a tecnologia que sempre foi uma força de ruptura. Após 1945, os países investiram fortemente na investigação militar e espacial, surgindo a “Internet” e a navegação por satélite, ambas produto dessas investigações. Estão a aparecer um grande número de novas tecnologias, algumas com capacidade para mudar drasticamente muitas situações, especialmente na área da robótica, nanotecnologia e medicina, afectando a sociedade e os negócios. A partir da perspectiva da influência económica é de destacar três desenvolvimentos. Não são tecnologias propriamente ditas, mas reacções comerciais e políticas à ruptura tecnológica. O primeiro, envolve a segurança cibernética, que é necessária, pois os “hackers” continuam a ter acesso à propriedade intelectual, intimidam adversários e alteram conteúdos públicos e privados. O número de ataques a sistemas industriais de controlo em todo o mundo quadruplicou, entre 2013 e 2014. É provável que não se consiga uma defesa global contra os ataques cibernéticos, porque requerem um indispensável nível de cooperação internacional. Se os países intervierem, para controlar o problema, podem afectar o uso da “Internet” por parte da população e das empresas. Essas acções também podem limitar o crescimento económico. Os países devem aferir as suas acções, tal como no passado o fizeram, com os mercados de câmbio, para equilibrar os seus objectivos de intervenção, não afectando o crescimento económico. O segundo elemento relaciona-se com o desenvolvimento da tecnologia e a mudança geopolítica da energia. O poder dos países produtores de petróleo foi notável, pelo menos, desde a crise do petróleo de 1973. As tecnologias destinadas à recuperação de fontes não convencionais de petróleo têm perturbado o equilíbrio da oferta e da procura. A Agência de Informação sobre Energia americana prevê que os Estados Unidos poderiam tornar-se em um exportador líquido de energia, em 2019, graças à revolução de fracturamento hidráulico, também conhecido com “Fracking”. Mesmo que os preços do petróleo recuperem, o crescente uso de energias renováveis, vai reduzir a importância geopolítica dos produtores de petróleo. Não deve constituir surpresa, que os grandes países consumidores de petróleo, como os Estados Unidos e a China, sejam também os que mais investem em energias renováveis. A “Breakthrough Energy Coalition”, que tem como membros fundadores Mark Zuckerberg, Richard Branson, George Soros, Jack Ma e a Universidade da Califórnia, entre muitas outras individualidades de prestígio, liderada por Bill Gates, é outro sinal de mudança de fortuna. Trata-se de uma sociedade multimilionária de investigação, baseada na cooperação entre os sectores público e privado, que tem por objectivo não apenas combater as alterações climáticas, mas também, ocupar uma posição de influência na oferta energética destinada à indústria tecnológica. O terceiro elemento, relaciona-se com a tecnologia e a distribuição geográfica dos desenvolvimentos tecnológicos, que não está limitada às economias desenvolvidas. Os inovadores de tecnologia estão espalhados pelo mundo e o capital procura-os, onde quer que se encontrem. As tecnologias importantes aparecem onde são mais necessárias. Os pagamentos móveis têm um campo fértil de desenvolvimento em África, onde milhões de pessoas não têm acesso a bancos ou ao sistema básico de telecomunicações por rede telefónica fixa. As instituições financeiras, no mundo industrializado anseiam por estudar o “blockchain”, que é uma tecnologia para verificação automática, que admite moedas digitais como a “bitcoin’. Se surgir à escala global, a combinação adequada de novas tecnologias financeiras, poderia alterar significativamente a estrutura do negócio dos serviços financeiros. As tecnologias revolucionárias podem aparecer em qualquer ponto geográfico do globo, criando incerteza e sendo mais difícil confiar nas fontes sólidas de poder e estabilidade. As tendências não existem no vazio, pois interactuam entre si para criar padrões de mudança. Sendo certo que é impossível saber a forma como se irão combinar, é possível preparar-nos para os tipos de incerteza que nos esperam. O novo ambiente não é conhecido, até mesmo para os mais experientes. Quem deve tomar decisões importantes para as empresas, terá de abordar seis áreas fundamentais, tais como, desenvolver um centro de excelência para evitar ataques cibernéticos. Tal como todos os riscos, esses ataques exigem que sejam estudados os processos de negócios para minimizar o seu impacto, e adaptar as infra-estruturas e equipamentos aos desafios que estão em jogo. No mínimo exige-se capacidade para responder com eficiência aos ataques. A debilidade económica nos Estados Unidos e na Europa, combinada com o crescimento económico da China têm legitimado o uso do RMB, quer como moeda comercial, quer como reserva. Uma fonte de vantagem competitiva nos próximos amos será o acesso ao RMB, e outra serão os eficientes correspondentes bancários, e os acordos de compensação financeira que permitem aos bancos realizar transacções internacionais. O poder será transferido para escalas locais, nacionais e regionais, os acordos comerciais regionalizam-se e a capacidade de influenciar legitimamente os intervenientes do governo, fará a diferença entre o sucesso e fracasso, pelo que reconhecer as relações do governo como uma competência fundamental, será importante, não sendo apenas uma mais-valia para os sectores regulados como os bancos e os serviços públicos, mas também para todas as organizações. A gestão do risco geopolítico, as relações com os intervenientes do governo e a capacidade para dominar as parcerias público-privadas será um requisito para as empresas prosperarem globalmente. A organização da avaliação da forma como os seus objectivos e negócios serão afectados com a mudança para um mundo multipolar, particularmente, na Ásia, onde a China competirá cada vez pelo domínio e a Índia cresce rapidamente, será de crucial importância. As empresas, terão também, de preparar as suas capacidades logísticas para poder mover provisões, bens, serviços, capital e pessoas pelas esferas de influência. O conhecimento local e a aptidão linguística da força laboral, especialmente dos gestores, serão fundamentais para as oportunidades de negócios a nível global. As diferenças entre os mercados vão necessitar de maior desenvolvimento de pessoas com aptidões especiais a nível local e regional. Os modelos de governança deverão adaptar-se para equilibrar cuidadosamente as tomadas de decisões locais, com considerações e exigências globais e regionais. Assim, devem ser aproveitadas as pessoas com aptidões especiais, nos locais onde se fazem os negócios. A dinâmica competitiva em um mundo em rápida mudança poderia ser perturbada por empresas novas cujos líderes antecipam tendências e as dirigem. A fim de fazer face a tal situação, todas as organizações deverão estabelecer uma cultura de inovação a nível global. As de maior capacidade devem instalar centros de inovação. Tais esforços irão mais além que a questão tecnológica, pois as empresas deverão trabalhar em conjunto para o desenvolvimento de novos ecossistemas complexos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA nova ordem económica internacional (I) “As the Chinese economic transformation is unprecedented in human history, there are no successful models from which the Chinese can learn in order to smoothly and effectively transform their planned economy to a market economy. Nonetheless, the so-called Socialist Market Economy, or Economic Taoism approach, appears to have been remarkably successful. Although there is no agreement in the literature on whether a coherent Chinese model of economic growth exists, it seems clear that the approaches of Taoism, combined with its traditional guanxi relationships, have helped China in “groping for stones to cross the river.” It may be too early to say that the Chinese Economic Taoism paradigm has come of age; however, it is indisputable that China has found a unique way to develop its economy and that this has enabled it to respond effectively to the recent financial crises.” “China in the International Economic Order: New Directions and Changing Paradigms” – Lisa Toohey, Colin B. Picker and Jonathan Greenacre [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mercados emergentes que cresciam a grande rapidez e a brecha que sempre os tinha separado dos países industrializados, começava a fechar-se no inicio do século XXI. A convergência realizava-se num ambiente de liberalização económica, em que se acreditava, que os sistemas financeiros de todos os países, formariam uma rede uniforme, mas esse período terminou. Os países emergentes já não crescem à velocidade de antes, especialmente, em comparação com os países desenvolvidos, e as fissuras entre os diferentes sistemas tornam-se mais evidentes. A última sondagem anual aos executivos de empresas pela “PricewaterhouseCoopers (PwC)” designado por “19th Annual Global CEO Survey”, mostra que apenas 35 por cento dos inquiridos crêem que o mundo caminha para uma maior unidade económica, e cerca de 59 por cento dos inquiridos acreditam que vários modelos económicos irão coexistir e competir entre si. A confirmar essa análise, apenas basta observar quão diferente é o investimento público e privado nos Estados Unidos, China, Japão e União Europeia (UE). Esses países e região operam com premissas fundamentalmente diferentes, acerca da forma como a economia se deve organizar. A tensão entre esses diferentes pressupostos aumenta de forma gradual, indicando que uma nova ordem económica mundial está a surgir para substituir a que existiu desde o final da II Guerra Mundial. A economia global, num futuro próximo, será definida por um conjunto complexo de relações económicas em permanente mudança. As economias continuarão interligadas, mas com regras em constante mudança no comércio internacional. A forma mais eficaz para o líder de uma empresa gerir esta complexidade, ou atravessar a entrada para a próxima ordem económica com confiança e habilidade, é concentrar a atenção em três tendências base, como a dispersão do poder económico, a contínua evolução de modelos de crescimento dirigidos pelo Estado e a aceleração da ruptura que sofrem as empresas, como consequência da alteração tecnológica. Essas tendências podem parecer evidentes, mas nenhuma à primeira vista é na realidade. Além disso, continuarão a evoluir em direcção incerta. Se forem analisadas cuidadosamente, os empresários poderão ajudar as suas organizações a tomar as medidas necessárias para avançar na nova ordem económica mundial. A dispersão do poder económico está a produzir uma alteração fundamental. O dólar está a perder a sua posição exclusiva como moeda de reserva mundial e nas próximas décadas, nenhum país poderá dominar a balança de pagamentos, como fez os Estados Unidos durante mais de setenta anos. O último acontecimento idêntico foi no final da II Guerra Mundial, e o catalisador foi a Conferência de Bretton Woods, em 1944. Após a Conferência, os Estados Unidos converteram-se no país que negociava os acordos internacionais para que as actividades financeiras fossem realizadas com ordem, adoptando dessa forma, a posição de líder mundial até ao presente. As instituições multilaterais que surgiram então, como o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), estavam sujeitas à forte influência dos Estados Unidos e funcionaram bastante bem, durante muito tempo, o que não quer dizer que não tenham existido conflitos. Quando unilateralmente os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro, em 1971, por exemplo o “Choque Nixon” provocou dois anos de negociações, até que as grandes economias aceitassem que as suas moedas flutuassem face ao dólar. Os Estados Unidos durante o período do pós-guerra, negociaram com as grandes economias para tomar as decisões mais importantes. A intenção foi quase sempre favorecer países amigos, quase todos com economias democráticas e liberais. Durante as sete décadas após a Conferência de Bretton Woods, a superioridade económica dos Estados Unidos baseou-se em quatro pilares. Os dois primeiros foram a sua possante importância económica em expansão, e as redes comerciais que estabeleceu e dominou e que eram também, os motores do crescimento global. Os outros dois pilares foram o estatuto do dólar como moeda global de reserva e a sua influência nas instituições multilaterais. Assim, trouxe estabilidade à economia global, e uma plataforma para a cooperação internacional. As economias emergentes estão a pôr em causa os quatro pilares. O país desafiador mais notável é a China, cuja influência económica global surgiu rapidamente na última década. A China, em 2014, converteu-se na maior economia do mundo, em termos de poder aquisitivo. Era até então a de maior crescimento entre os países que constituem o G20. A indicação da importante influência económica chinesa é importante, como se pode ver pela sua recente desaceleração, que teve repercussões nos mercados mundiais. Essa influência enfraqueceu o primeiro pilar, ou seja, a força da economia dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial. A China é também o maior exportador mundial. A rápida adopção desse papel deu-lhe uma enorme influência nas redes comerciais, enfraquecendo o segundo pilar. Por outro lado, está-se a deteriorar a eficácia dos acordos comerciais multilaterais, sendo substituídos por acordos regionais que começam a preponderar. Os acordos regionais representam uma erosão da capacidade americana para definir as regras a nível global. O progresso da China em estabelecer o renminbi (RMB) como moeda para acordos internacionais, enfraquece o terceiro pilar velozmente. Quanto ao quarto pilar a China está a tentar alargar a sua presença nas actuais instituições multilaterais e a criar novas. A sua contribuição para o orçamento da ONU, duplicou entre 2010 e 2015, e presentemente representa 5 por cento do total das suas contribuições. Tem uma participação cada vez maior nos esforços de paz, controlo das alterações climáticas e redução da pobreza. A criação de uma nova ordem económica global é inevitável. Ainda que a China não vá substituir os Estados Unidos, tornar-se-á cada vez mais difícil a estes, recuperarem a sua posição de domínio económico global, porque existem outras economias a aumentar o seu poder de influência. O FMI prevê que a Índia, terceira economia mundial, seja até ao final de 2016, a de maior crescimento do G20. Surgirá como um actor económico influente com interesses próprios. Em um mundo de poder económico em dispersão, a estabilidade será mais considerada que nunca. Pela natureza dessa estabilidade, não será estabelecida por nenhuma das grandes potências, pois dependerá da qualidade das relações económicas entre os principais países, incluindo aqueles que tenham sistemas económicos diferentes. A actual alteração no poder económico global será distinta da última grande mudança em 1944, pois o poder de influência na economia em termos globais passou do Reino Unido para os Estados Unidos, que são dois países com uma visão do mundo semelhante, mas mesmo assim, o processo de transferência da polaridade de um lado ao outro do Atlântico levou quarenta anos, pois tinha-se dado nos começos do século XX. Actualmente, assistimos a um reequilíbrio muito mais rápido, entre os diferentes sistemas económicos e políticos, cada um, com distintivo nível de confiança nos mercados e no papel do Estado. O modelo de Estado da China tem criado um crescimento significativo na última década. É evidente que este modelo não será suplantado por uma forma tradicional de capitalismo, em um futuro previsível. O modelo de Estado mantém a popularidade porque está associado a um forte crescimento nas economias emergentes. Os governos dos países da América do Sul e Rússia, entre países de outras áreas, mantiveram-no nos últimos anos. A dispersão do poder económico e as incompatibilidades consequentes estiveram mais em evidência nas áreas da logística, telecomunicações, suporte lógico e infra-estrutura. É de considerar que a existência de sistemas paralelos em esferas competitivas de influência, o movimento de provimentos, bens, serviços, capital e talentos de uma esfera de influência a outra é menos alinhado. As empresas não estarão isentas de sofrer interrupções periódicas, como atrasos na obtenção da acreditação dos pagamentos ou nas taxas alfandegárias. Um possível exemplo envolve o sistema global de pagamentos. A denominada de “The Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT)” é uma cooperativa que fornece uma plataforma de comunicação, produtos e serviços para ligar mais de dez mil e oitocentos bancos, distribuidoras de valores e clientes corporativos em mais de duzentos países e territórios. O SWIFT permite aos seus utilizados a troca de informações financeiras de forma automatizada e padronizada, com segurança e confiança total, o que reduz os custos, diminui o risco operacional e elimina as ineficiências operacionais. Além disso, também une a comunidade financeira no sentido de melhorar a colaboração na adaptação das práticas de mercado, definição de normas e debater questões de interesse comum. O seu grande mal é de estar sujeita à influência dos bancos americanos e europeus. A “China International Payment Service (CIPS)” é um sistema de pagamento que oferece serviços de compensação e de liquidação para os seus participantes nos pagamentos RMB, transfronteiriços e de comércio. É uma infra-estrutura do mercado financeiro na China. O CIPS foi planeado para ser desenvolvido em duas fases. A primeira designada por, CIPS (Fase I), teve lugar a 8 de Outubro de 2015. O primeiro grupo de participantes directos é constituído por dezanove bancos chineses e estrangeiros, que foram criados na China e cento e setenta e seis participantes indirectos que abrangem seis continentes e quarenta e sete países e regiões. O CIPS assinou um memorando de entendimento com a SWIFT, para a sua implantação como um canal de comunicação seguro, eficiente e confiável para a ligação do CIPS com os membros da SWIFT, o que proporcionaria uma rede que permite que as instituições financeiras em todo o mundo, possam enviar e receber informações sobre transacções financeiras em um ambiente seguro, padronizado e confiável. O CIPS é por vezes referido como o “Sistema de Pagamentos Internacional da China”. Tendo sido apresentado primeiramente como alternativa ao SWIFT, com vista a processar pagamentos internacionais denominados em RMB, nunca irá substituir o SWIFT, porque 45 por cento das transacções internacionais são denominadas em dólares e todos os bancos internacionais terão a necessidade de aceder ao sistema bancário americano. Todavia, com o CIPS a funcionar bem, alguns bancos internacionais poderiam decidir operar sem a licença da banca americana e os Estados Unidos teriam menor autoridade para impor regras a bancos não americanos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO 67.º aniversário da República Popular da China “The decade under Xi’s leadership, from 2012 to 2022, is going to be a pivotal one as he is determined to lead China towards national rejuvenation at a time when sustaining a fast rate of growth is becoming increasingly challenging. China’s reforms have reached a stage where a crucial decision has to be made. Just prior to Xi taking over in 2012, when all Chinese leaders were reformers, it was not clear where that reform was heading or what the next stage would look like. China could stay the course or embark on an ambitious process of rebalancing the economy, with all the potential benefits and risks this would entail. As top leader Xi is not happy to rest on his laurels or muddle through. He is determined to use his decade in power to leave his mark.” China in the Xi Jinping Era Steve Tsang and Honghua Men [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sexagésimo sétimo aniversário da República Popular da China (RPC), proclamada por Mao Tsé-Tung a 1 de Outubro de 2015, demonstra à saciedade o sucesso da denominada economia socialista de mercado, que permitiu em trinta e oito anos transformar um país de população maioritariamente rural, na segunda potência económica mundial, pelo que só revisitando o passado se pode entender o enorme salto em frente dado pela China, em tão curto espaço de tempo. A história do comércio externo chinês começou com a dinastia ocidental Han de 206 a.C. a 9 d.C., durante a famosa rota da seda, através da qual a Ásia Central era explorada por enviados chineses e durante as dinastias posteriores, os navios chineses comerciavam por todo o caminho marítimo da Ásia, tendo como destino final a costa africana, enquanto as caravanas estendiam os seus contactos comerciais pela Ásia Central e Médio Oriente. Este e muitos outros numerosos factos impossíveis de enumerar em detalhe, confirmam que em termos históricos a China não só foi berço de uma civilização, mas também, uma potência comercial, mesmo que em sentido inverso ao da globalização dominante e perversa, completamente capitalista, tendo evoluído os seus sistemas políticos e comerciais, com o fim de sobreviver a tal processo mundial. A política económica da China tem por base o denominado modelo de economia socialista de mercado. O regime de governo da China é uma República Popular Comunista, alicerçada numa Constituição. A sua economia, de igual modo pode-se considerar rígida e dirigida pelo Estado, e fundamenta-se num pacto entre este e os trabalhadores, em matéria industrial, e com os camponeses, em matéria agro-pecuária. A política económica da RPC foi originalmente fundada na direcção da política industrial, agrícola, monetária e comercial pelo governo, com a colaboração das demais autoridades e do Comité Central do Partido Comunista. Todavia, os líderes da China, ao invés dos ex-líderes soviéticos que permaneceram agarrados ao seu modelo económico tradicional, sem aceitar a necessidade de se acomodarem às mudanças da economia mundial, essencialmente comercial, previram a necessidade de transformar a sua economia, para se adaptarem às tendências internacionais em voga. A inclusão da China como competidor comercial estratégico na nova ordem económica mundial não é um fenómeno recente, mas que obedece a um esforço contínuo de cerca de quatro décadas, muito antes da previsão da queda do muro de Berlim, fragmentação da ex-União Soviética, e do bloco socialista, ou seja, os líderes chineses desde o final de 1978, tentaram mudar a sua economia, baseada no modelo soviético de planeamento centralizado, por um de mercado orientado, mas controlado pelo Partido Comunista, passando a agricultura a um sistema centralizado, substituindo o anterior sistema baseado na colectivização, aumentaram os deveres dos que exerciam cargos directivos nas indústrias, permitiram uma grande diversidade de pequenas empresas e abriram a economia ao investimento estrangeiro e ao comércio externo. As reformas introduzidas, podem ser consideradas como a chave para o desenvolvimento e transformação da economia chinesa, levando ao estabelecimento de relações económicas com outros países através do comércio, investimento estrangeiro, bem como da criação de vários consórcios transnacionais industriais e comerciais. As boas oportunidades comerciais sempre estão relacionadas com a boa situação económica de um país. Quanto ao sector agrícola e industrial, a produção agrícola duplicou na década de 1980 e a indústria melhorou significativamente, especialmente nas zonas do litoral próximas de Hong Kong e afastadas de Taiwan, onde a ajuda externa e os modernos métodos de produção tinham sido aperfeiçoados, quer a nível da produção local, como das exportações. O PIB triplicou comparativamente com o de 1978, e foi aumentando gradualmente em termos económicos, até atingir a média de 10 por cento na década de 1990. O governo estabelece políticas de emprego da população à medida que reestruturava e aperfeiçoava os sistemas administrativos do Estado, e preparava as condições, que culminaram com a transformação de uma economia centralizada, por uma economia dinâmica. É de recordar que foi aprovado um conjunto de reformas de longo prazo, em 1993, para melhorar as leis de mercado e reforçar o controlo central financeiro, fiscalizando as indústrias chave da economia socialista de mercado. O governo, ao mesmo tempo, esforçou-se em manter as grandes empresas estatais, muitas das quais não tinham participado no despertar da economia. Assim, no desenvolvimento da economia chinesa, durante o tempo que realizou a sua adaptação às tendências dominantes da economia internacional, o Estado levou a cabo a transformação de forma gradual, equilibrada e coerente, dado incorporar todos os sectores produtivos, pois não se abriu imediatamente, mas foi preparando as condições necessárias para que conseguisse tal objectivo de forma plena, efectiva e permanente, sem efeitos de retrocesso ou de tipo negativo. Além disso, uma das estratégias que permitiram a RPC impulsionar o seu crescimento comercial, eliminando um conjunto de impostos que fizeram diminuir o consumo interno e, simultaneamente são abertas as Zonas Económicas Especiais (ZEE), no litoral oriental, praticando o livre comércio com o resto do mundo, desde a América do Sul à União Europeia (UE). A China praticou um conjunto de reformas na estrutura do comércio externo, tendo preparado as condições de forma equilibrada, quer para o mercado interno, como externo. As reformas ao comércio externo, podem-se notar na ampliação das atribuições e competências das instituições de poder local ao avaliarem e autorizarem as exportações, promovendo a autonomia de gestão e exportação das empresas de comércio externo, tendo sido alterada basicamente a velha estrutura pela qual o comércio externo era gerido de forma monopolista pelo Estado, encontrando-se altamente concentrado, e não estavam separadas as funções governamentais das actividades empresariais e se administravam de forma unificada os ganhos e as perdas. O Estado reduziu gradualmente a administração dos planos de carácter directivo no comércio externo e das respectivas empresas, estabelecendo o sistema de administração que regula o comércio externo, bem como os impostos aduaneiros, taxas de câmbio e créditos, atribuindo poderes às administrações públicas locais para fomentar, gerir e apoiar as actividades de comércio externo, assim como agilizar a tramitação processual, evitando a submissão à gestão directa dos órgãos do governo central. O sistema adoptado pela RPC, como parte do seu processo de incorporação e adaptação às transformações da economia mundial, no quadro da globalização, conserva as características do governo socialista. O pilar vital denominado de sectores definitivos da economia chinesa é a indústria e o campo, detendo a propriedade de mais de 80 por cento das empresas que os integram. O mesmo sucede com os sectores estratégicos da economia chinesa, em matéria de petróleo e energia eléctrica, o governo conserva a exclusividade da propriedade e gestão das empresas que exploram, processam e distribuem esses valiosos recursos. As empresas do sector dos produtos de consumo, ou indústria ligeira, como sejam as motocicletas, electrodomésticos e computadores, entre muitos outros, estão abertas ao investimento estrangeiro, sendo que 90 por cento das empresas deste sector, é propriedade privada e detido por empresas estrangeiras. Neste ramo de produção chinesa não existe controlo, nem restrições do Estado. A China decidiu adoptar o modelo económico de economia socialista de mercado, em conformidade com o decidido durante a III Sessão Plenária do XI Comité Central do Partido Comunista, realizada em 1978. Antes dessa data, quando se iniciou a reforma e abertura, o governo fixava os preços da maioria dos produtos do mercado. Após 1978, à medida que se foi alterando o sistema de economia planificada e se aprofundava gradualmente a reforma da economia, apareceram um após outro, os mercados de mercadorias, financeiros, tecnologia e de trabalho. A China tinha passado do sistema de economia planificada e centralizada para o de sistema preliminar de economia de mercado socialista, sendo reforçado o papel de regulação do mercado sobre a economia. A III Sessão Plenária do XI Comité Central do Partido Comunista, tomou a resolução mais revolucionária e estratégica da sua história, que veio determinar o futuro da China, ao transferir o centro de gravidade dos trabalhos para a modernização socialista e aplicar a política de reforma e abertura que se iniciou primeiro nas zonas rurais. Os princípios da década de 1980, e após a reforma e abertura com o alargamento do mercado de mercadorias e a mudança da relação entre a oferta e procura, são marcados pelas medidas tomadas pelo governo, que permitiram realizar de forma planificada e metódica a reforma dos preços. Existiam três tipos de preços, os fixados e orientados pelo governo e os regulados pelo mercado que aumentavam constantemente. A III Sessão Plenária do XII Comité Central do Partido Comunista, realizada em 1984, aprovou a resolução acerca da reforma da estrutura económica, passando a reforma e abertura do campo à cidade. É enorme a importância económica que teve a China desde os primórdios dos tempos antigos, quer por ser um dos berços centrais da humanidade, como por ser berço de alguns dos avanços tecnológicos mais valiosos da humanidade, com todas as implicações que tiveram historicamente do âmbito da economia (a dominação militar foi possível, entre outras, devido à invenção da pólvora, recordando que suportado na dominação foi a forma que permitiu às potências europeias construir impérios e ter colónias pelo mundo). Mas apesar de ser um importante centro financeiro global, a China nunca apoiou esse apogeu no comércio externo. Anos percorridos, a China reencontra-se e é a segunda potência económica mundial, sendo o maior exportador e o terceiro maior importador a nível mundial.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA 11.ª Cimeira do G20 na China “At this year`s G20 Summit, held in east China`s Hangzhou on September 4 and 5, countering protectionism and stepping up international economic governance in the midst of globalization were among the hot topics for discussion. The setting of this agenda shows that the world`s major economies are all trying to safeguard and push forward economic globalization, which is regarded as the foundation for the integration and progress of human society.” Beijing Review, Vol.59 No.36 September 8, 2016 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 11.ª Cimeira das vinte maiores potências desenvolvidas e emergentes, a nível mundial, realizou-se entre 4 e 5 de Setembro de 2016, em Hangzhou, na República Popular da China. A China como país anfitrião da Cimeira teve a grande oportunidade de mostrar-se como uma potência global face aos principais líderes mundiais. O governo chinês preparou a cidade, famosa pelas ilhas que pontilham o seu Lago Oeste, encerrando a actividade de centenas de fábricas, para garantir um céu azul e implementou medidas de segurança rigorosas. O tema da Cimeira foi “Para uma economia mundial inovadora, dinamizada, interligada e inclusiva”. Os líderes dos países aprovaram a discussão centrada no reforço do crescimento do G-20, procura de políticas e conceitos de crescimento inovadores, construção de uma economia mundial aberta e garantia de que o crescimento económico beneficie todos os países e populações. Apesar dos líderes mundiais se encontrarem num momento de incerteza económica e fraco crescimento económico global, a ausência de uma crise urgente fazia acreditar que o encontro criasse poucos avanços em relação à 10.ª Cimeira do G-20 realizada em Antália, na Turquia, entre 15 e 16 de Novembro de 2015, que tinha como principais temas de agenda, dar uma resposta colectiva à crise dos refugiados, emprego, crescimento e investimento, bem como a questão do emprego dos jovens e a inclusão social, o combate à fraude e à evasão fiscais, a abertura comercial e as negociações da ONU em matéria de alterações climáticas. O G-20 é o grupo dos 20 países (G20), incluindo as dezanove maiores economias mundiais e a União Europeia (UE), que conjuntamente, representam 85 por cento do PIB mundial e dois terços da sua população. A Cimeira tratou primeiramente de política económica e financeira, mas para os líderes reunidos foi também, a oportunidade para sociabilizar e enfrentar os temas urgentes e sensíveis da agenda, desde as crises geopolíticas até às alterações climáticas. A primeira Cimeira do G-20 realizou-se em 1999, após o embate provocado pela crise financeira asiática, que mostrou a urgente necessidade de uma maior coordenação global. O Grupo dos 7 (G7), que constitui o exclusivo clube dos países mais desenvolvidos do mundo não inclui potências como o Brasil, China e Índia, que começavam a ter um papel cada vez mais importante na economia mundial. As Cimeiras no inicio eram encontros meramente técnicos entre ministros, mas após a crise sistémica global de 2008, passaram a ser ao nível dos líderes dos países, tentando prevenir o colapso do sistema financeiro global. Quanto aos sucessos alcançados não existe unanimidade, pois pode ser visto como algo de importante para coordenar as políticas económicas, ou pode ser entendido como pouco mais que um grande palco de discursos e amena cavaqueira. O que seguramente se pode afirmar, é que as Cimeiras produziram uma longa lista de promessas. A Cimeira de 2015, na Turquia, foi pródiga, tendo os líderes dos países feitos cento e treze promessas sobre diversos temas, desde o corte de subsídios até ao aumento da ajuda aos refugiados, mas o fracasso da Cimeira no cumprimento das promessas do passado, aumentou as interrogações sobre a credibilidade das promessas no futuro. O estudo da Universidade de Toronto revelou que o cumprimento de treze promessas prioritárias feitas em 2015 era de cerca de 77 por cento. As previsões dos analistas para a Cimeira em Hangzhou, era da improbabilidade de ter algum resultado significativo. Sem nenhuma aguda crise que empurre à mudança, o sentimento geral de anti-globalização torna difícil para muitos líderes fazerem sérios compromissos. A directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), advertiu que o mundo enfrenta uma mistura potencialmente nociva de baixo crescimento a longo prazo e uma crescente desigualdade social, criando tentações políticas populistas e barreiras tarifárias mais elevadas. A Cimeira é um marco de referência para a China, desde que o mundo se direccionou ao país que está no centro do planeta Terra para sair da crise financeira de 2008, tendo o governo chinês advertido com crescente urgência, merecer ter um papel mais adequado à sua condição de segunda economia mundial. O G-20 é a maior e mais prestigiada Cimeira organizada pelo gigante asiático. Apesar de não ter sido uma entronização, o presidente chinês quis mostrar ao mundo e aos seus adversários políticos que a China é uma nação poderosa, capaz de assumir um papel de guia da economia mundial. Os países durante a Cimeira tentaram encontrar soluções para a revitalização da economia global. Os líderes dos países do G-20 tinham por objectivo reactivar a deprimida economia mundial, pese a relutância de muitos países à globalização e as tensões territoriais da China com alguns dos seus vizinhos, terem ensombrado a Cimeira. A China queria projectar uma imagem de grande potência, segura de si e consolidada como segunda economia mundial. A Cimeira começou de forma auspiciosa a 3 de Setembro de 2016, com o anúncio conjunto do presidente chinês e americano de ratificar o histórico Tratado de Paris sobre o clima e que pode encorajar outros países a tomar idêntica atitude e acelerar a sua entrada em vigor. O Secretário-geral da ONU, que recebeu das mãos do presidente chinês e americano, os documentos oficiais de ratificação, salientou que se tratava de um passo histórico na luta contra as alterações climáticas. É de recordar que os Estados Unidos e a China são as duas economias mais poluidoras do mundo. Os problemas geopolíticos, incluindo a guerra na Síria ou as tensões no Mar da China Meridional poderiam afastar a abordagem das questões económicas pelo que ficaram à margem da Cimeira. A China tenta evitar a discussão acerca das suas ambições nesse mar, mas os seus vizinhos encontram-se preocupados pela recente construção na zona de infra-estruturas, que incluem pistas de aterragem em recifes e ilhotas que a China reclama, mas que os seus vizinhos as disputam. O Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia expuseram numa carta conjunta enviada aos Chefes de Estado e de Governo dos Estados membros da UE, as principais questões que deviam ser tratadas na Cimeira, como o papel do G-20 face à crise internacional de refugiados, emprego, crescimento e investimento, transparência fiscal internacional e luta contra o financiamento do terrorismo, resiliência do sistema monetário e financeiro internacional, abertura do comércio e investimento, aplicação da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e ratificação do Tratado de Paris sobre alterações climáticas. O presidente dos Estados Unidos na primeira sessão plenária, afirmou que as economias crescem melhor quando todos participam desse crescimento, solicitando que fossem tomadas medidas que garantam a não aplicação de novas receitas proteccionistas e populistas. O presidente chinês por sua vez, manifestou-se contra o proteccionismo, dado considerar que o isolamento não ajudará nenhum país a sair da crise e face à tendência de alguns países mostrarem um comportamento contra a globalização, existe a necessidade de garantir uma economia global, aberta e inclusiva. É certo que a abertura económica conduz ao desenvolvimento e o isolamento ao atraso. A China tinha proposto na 10.ª Cimeira do G-20 realizar um diagnóstico de saúde da economia mundial, encontrar a melhor prescrição e trabalhar com todos os países membros no sentido de encontrar a forma de atacar os sintomas e a raiz do problema, que poderá materializar-se num “Plano Hangzhou”. O presidente chinês apostou em aproveitar o momento histórico que representam as novas tecnologias, tendo insistido que todos os países, devem trabalham em conjunto de forma a poderem maximizar os efeitos positivos da revolução tecnológica e minimizar, os seus aspectos negativos. O presidente chinês face às críticas por parte dos empresários europeus sobre as restrições que sofrem as empresas estrangeiras na China, insistiu que o seu país continuará no caminho da abertura e facilitará o acesso ao investimento. O Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia tinham definido as prioridades da Cimeira como sendo o livre comércio, crise dos refugiados, crescimento do emprego, estabilidade financeira e transparência fiscal. O G-20 tem de melhorar a forma de comunicação dos benefícios do livre comércio, e dar o empurrão político necessário para libertar a liberalização do comércio multilateral que está estagnada. O comunicado final da Cimeira referiu a crise migratória e de refugiados, tendo sido unanimemente acordado a necessidade de unir esforços à escala mundial para fazer frente às consequências, carências de protecção e causas profundas das crises. Fizeram um apelo a favor da necessidade de intensificar a ajuda humanitária e o realojamento dos refugiados. Quanto à luta contra o terrorismo, foi reafirmado a sua solidariedade e determinação, bem como o compromisso de combater o seu financiamento. A Cimeira também ressaltou, a importância da adesão, o mais breve possível, ao Tratado de Paris sobre alterações climáticas. As principais economias mundiais expressaram a sua determinação de usar todos os instrumentos políticos, incluindo a política monetária, fiscal e estrutural para alcançar um crescimento enérgico, sustentável, equilibrado e integrador, pondo em execução o “Plano de Acção de Hangzhou” e exortando a uma rápida e plena execução das estratégias de crescimento. A Cimeira prevê o inicio da cooperação em matéria de inovação, da nova revolução industrial e da economia digital. Os líderes aprovaram o plano geral do G-20 em matéria de crescimento inovador, incluindo medidas neste âmbito. Foi debatida a forma de como seguir a construção de um sistema financeiro aberto e flexível, apoiando a cooperação fiscal internacional. Foi acordado reforçar uma economia aberta e promover os benefícios do comércio e dos mercados abertos, assim como, a contribuição para a execução da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. À margem da Cimeira o Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia, reuniram-se com o presidente turco para discutir as relações entre a UE e a Turquia, referente à cooperação contínua em matéria de migração, denegrindo mais os princípios e valores constitucionais da Europa ao manterem diálogo com um ditador que tudo tem desrespeitado em matéria de direitos humanos, depois do falacioso golpe de estado. Assim, foi aprovado na Cimeira do G-20 de Hangzhou, reforçar o programa do G-20 para o crescimento, pôr em prática políticas e conceitos de crescimento inovadores, construir uma economia mundial aberta, garantir o crescimento económico que beneficie todos os países e pessoas, combater a crise migratória e de refugiados, lutar contra o terrorismo e as alterações climáticas. Ficou acordado que a 12.ª Cimeira do G-20 se realizará na Alemanha, em 2017.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA morte do sonho presidencial de Donald Trump “A President commands respect and requires people to look up to them in awe, but Trump has been the butt of jokes around the world for a while now. From his hideous hair to his attitude on the television show he hosts to the “infrastructure” his company builds – everything he does is a subject of roasts across the world. Do we really need a guy who is the center of jokes to be the most powerful person in, and the face of, our nation? This man will push back America’s cultural progress by about four to five decades, if not more! He is also one of the stupidest people to run for this position!” Donald Trump: The Top Reasons He Must NOT Win The 2016 Presidential Election Joseph Stewart [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]candidata presidencial democrata fez um longo, cerrado, atiçado e bem fundamentado discurso em Columbus, Ohio, a 21 de Junho de 2016, criticando magnificamente o plano económico do magnata e candidato republicano, que enviaria directamente todos os americanos para uma recessão, caso fosse eleito presidente, e que ficaria conhecida como a “Recessão Trump”. Os mais prestigiados economistas de todos os quadrantes políticos dão a entender que as ideias do candidato republicano seriam economicamente desastrosas. Efectivamente Donald Trump escreveu muitos livros sobre negócios, mas todos parecem terminar no capítulo onze, numa irónica referência feita por Hillary Clinton ao “Código de Falências dos Estados Unidos”, em que o criticado afirmou que tudo faria para encontrar uma solução para o reembolso integral dos títulos da dívida soberana americana. A candidata democrata que à data se encontrava praticamente nomeada candidata presidencial pelo Partido Democrata, afirmaria que a confiança que o mundo tem nos Estados Unidos e o crédito que lhe é dado, não dá lugar a jogos de qualquer natureza, e que poderiam causar uma catástrofe económica. A verdade é que mesmo que os Estados Unidos vendessem todos os aviões, a “Estátua da Liberdade”, ou se permitissem algum multimilionário converter o “Parque Nacional de Yosemite”, em um clube de campo privado, não conseguiria aproximar-se do valor da dívida. A dívida dos Estados Unidos é de tal grandeza, que é de crer que ambos os candidatos não têm uma ideia correcta, o que explica que a ignorância do candidato republicano seja superior a essa dimensão, permitindo-lhe brincar com a dívida. É de lembrar a persistente negação do candidato republicano de publicar a sua situação fiscal, uma tradição nas campanhas presidenciais, e que o magnata afirma ser impossível de o fazer, porque está a ser objecto de uma auditoria pelo “Internal Revenue Service (IRS) ”, que é um serviço da receita do Governo Federal dos Estados Unidos e que faz parte do Departamento do Tesouro. O que receia? Talvez queira que os americanos desconheçam que não pagou os impostos correspondentes às suas descomunais receitas, ou porque talvez não seja tão rico como diz, ou que não tenha contribuído tanto para obras de caridade como alardeia. Todavia, os americanos devem conhecer a sua situação fiscal, antes de 8 de Novembro de 2016, data da realização da 58.ª eleição presidencial dos Estados Unidos. A candidata democrata destruiu, assim, ponto por ponto, o plano económico do seu oponente nesse mordaz discurso que considera Donald Trump, como demasiado perigoso para gerir a economia dos Estados Unidos. A ex-secretária de Estado, Hillary Clinton foi nomeada oficialmente candidata presidencial pelo Partido Democrata, na “Convenção Nacional do Partido Democrático”, a 26 de Julho de 2016, obtendo os votos de mais de dois mil e trezentos e oitenta e dois delegados na “ Wells Fargo Center” de Filadélfia, tornando-se a primeira mulher a representar um dos principais partidos políticos dos Estados Unidos, cabendo-lhe a árdua tarefa de unir o partido atrás da sua candidatura. Terminou o tempo dos risos, piadas e palhaçadas, não apenas para o lado Republicano, mas também para o lado dos seus adversários. O caricaturado pretendente republicano converteu-se primeiro que Hillary Clinton, em oficial candidato presidencial pelo Partido Republicano, com uma liderança conservadora que perdeu o contacto com a realidade. A “Convenção Nacional do Partido Republicano”, realizou-se na “Quicken Loans Arena” em Cleveland, Ohio, de 18 a 21 de Julho de 2016, escolhendo os candidatos a Presidente e Vice-presidente dos Estados Unidos às eleições presidenciais. Existia a possibilidade de uma manobra para o fazer renunciar ao cargo durante a convenção do partido, mas que o iria fragmentar ainda mais nas várias facções existentes e quiçá nunca recuperasse. Assim lançados os dados, serão todas as oportunidades de Hillary Clinton? Terá de enfrentar o tagarela de Donald Trump, que deixará detalhadamente registado tudo o que pensa sobre as mulheres, em geral, e sobre a sua oponente, em particular. Donald Trump parece que não terá a possibilidade de ganhar as eleições presidenciais, como punição pela tumultuosa, insidiosa e insultante campanha que realizou até ao momento, repleta de escândalos e conseguindo como nenhum outro candidato arrecadar ódio e dividir os americanos, principalmente os do seu partido, num juízo racional, mas será que na realidade, não terá mesmo a possibilidade de ganhar as eleições presidenciais? O mesmo se dizia da sua potencial candidatura e tudo indica que a ordem política perdeu o contacto com o seu eleitorado. O aparecimento e aumento quase irresistível de popularidade de Donald Trump, explica-se pela ligação de três décadas contínuas de recuo e declínio das classes médias americanas e da estagnação do crescimento na produtividade que o país experimentou durante um século e meio. Existe muita raiva que é traduzida de alguma forma, no favorecimento de candidatos muito afastados do modelo presidencial tradicional. O destino dos Estados Unidos, naturalmente preocupa os americanos, mas também o resto do mundo. Daí que muitos se interroguem que se por mero acaso, Donald Trump viesse a ganhar as eleições presidenciais, que faria em matéria de política externa? Ao longo da sua virulenta campanha deu pistas e sinais claros do que seriam as suas acções, desde logo sobressaindo a ideia de que as alianças pagam-se, ou seja, quem queira ser protegido pelos Estados Unidos deve pagar por essa protecção. O candidato presidencial republicano, defende que a Europa deve suportar na totalidade as despesas que os Estados Unidos gastam com a sua presença na NATO. Todavia esquece-se que a defesa do Atlântico Norte é uma questão primordial para segurança do país, e é uma região estratégica de eleição, impensável de ser posta em causa e sequer discutida. Tal pensamento tem Donald Trump afirmado e propagado sem meias tintas, pois afirma que milhões de dólares são gastos em aviões, mísseis, barcos e toda a logística envolvida que tais acções não podem ser gratuitas. Os Aliados devem reintegrar o total ou grande parte dessas despesas, o mesmo sucedendo na Ásia, com o Japão e outros países protegidos pela frota do Pacífico, o que iria em sentido oposto ao que está a fazer o actual presidente americano. O candidato presidencial republicano, ainda que as suas ideias não tenham em conta o sentido da história, razoabilidade e o equilíbrio dos interesses em presença, esclarece que não pediria a esses países que aumentem a sua despesa militar e não reclamaria que paguem as despesas de grande parte das bases americanas no exterior, mas exigiria que os países sob protecção americana, suportassem uma parte significativa do orçamento da defesa dos Estados Unidos, para continuarem a usufruir da permanência das forças armadas americanas nessas regiões. O montante poderia ser de várias centenas de milhões de dólares anualmente, mas como nenhum país estaria disposto a pagar tal contribuição, o candidato presidencial republicano em total irresponsabilidade e falta de senso, remata que não restaria outro remédio que o de acabar com os actuais compromissos. Donald Trump não acredita que os Estados Unidos tenham interesses estratégicos nos continentes Europeu e Asiático, interpretando muito bem, o sentimento de muitos americanos que pedem uma retirada da América, e um retorno ao isolacionismo dos princípios do passado século. O próximo presidente da União, quem quer que seja, sofrerá uma enorme pressão popular, contra o envolvimento dos Estados em todos os problemas e regiões do planeta. Talvez não se tenha entendido bem, que se deu uma mudança fundamental nas visões políticas dominantes nos Estados Unidos, pois vastos conjuntos de eleitores, classes médias e baixas, brancas, negras e latinas culpam a globalização, a cobiça desmedida das empresas, por todos os sofrimentos que tem passado, em especial, a falta de esperança em uma vida melhor para os seus filhos e netos. Se Hillary Clinton vier a ganhar as eleições presidenciais americanas, como prevêem as sondagens de 5 de Agosto de 2016, que lhe dão 47, 4 por cento das intenções de votos, contra 40,6 por cento atribuídas a Donald Trump, a sua política será de desenvolvimento na continuidade da seguida por Barack Obama, tanto mais que a economia americana continuará a crescer 3,7 por cento no terceiro trimestre de 2016. O candidato presidencial republicano está a atrair cada vez mais críticas, quer no seio do seu partido, como no partido rival, acerca dos comentários sobre os pais de Humayun Khan, capitão do exército americano, muçulmano-americano, falecido em combate, e cujo pai deu um inflamado discurso na “Convenção Nacional Democrata”. O presidente Barack Obama afirmou que Donald Trump não estava preparado para assumir a presidência dos Estados Unidos, e vários nomes sonantes do Partido Republicano, têm afirmado que irão votar na candidata democrata. A continuar este percurso, Donald Trump talvez se auto-destrua antes das eleições presidenciais, levando consigo a reboque o Partido Republicano, morrendo o seu sonho de ser presidente dos Estados Unidos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho ditatorial de Erdogan “As an authoritarian leader, Erdogan maintains absolute control over the country. This is why he wants to exterminate the Hizmet Movement, the biggest obstacle on the way to build his own regime. If Turkish people choose to go with Erdogan, will that trigger chaos in Turkey? Well, systems are built into the fabric of nature. That is, while things seem to tend toward chaos, what really happens is that one system evolves into the next. In that case, we can predict that it wouldn’t be a democracy.” Hungry for Power: Erdogan’s Witch Hunt and Abuse of State Power Aydogan Vatandas [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s militares na Turquia desempenham um papel fundamental desde a proclamação oficial da República da Turquia a 29 de Outubro de 1923, como sendo oficialmente a sucessora do Império Otomano, extinto a 1 de Novembro de 1922. O pai da nova nação foi Mustafa Kemal Ataturk, um militar que sempre foi visto como o garante dos valores fundamentais do país, como os conceitos de nação, democracia, laicismo e ordem. A Turquia, infelizmente, é um país acostumado a golpes militares. A jovem nação turca, viveu três golpes de Estado, em menos de um século de existência. O duvidoso pronunciamento militar eleva esse número para um total de cinco sublevações. O primeiro deu-se em 1960, quando o general Cemal Gürsel, revoltou-se contra o governo de direita que foi acusado dos males que o país padecia e da sua submissão aos Estados Unidos e crise de pobreza da população. Os líderes do golpe, que poderiam ser considerados seguidores de Kemal na sua vertente mais moderna, derrubaram o governo e formaram uma assembleia para redigir uma nova Constituição, a de 1961, considerada a mais progressiva da história da Turquia. Após o golpe, retiraram-se e transferiram de novo o poder para as forças políticas. Todavia, julgaram e executaram os antigos governantes. O segundo golpe, considerado suave, deu-se em 1971. Os militares naquela época, não optaram pela força, mas pelo envio de cartas aos membros do governo advertindo-os da situação, tendo a 12 de Março de 1971, o Chefe do Estado Maior, feito ao então primeiro-ministro, um verdadeiro ultimato e de novo, a petição de rasgado cariz kemalista, exigia em particular, a formação no quadro dos princípios democráticos, de um governo forte e credível, para neutralizar a situação anárquica que se vivia e que inspirado nas ideias de Ataturk, implementasse as leis reformistas previstas pela Constituição. Se as exigências não fossem atendidas, o exército deveria exercer o seu dever constitucional. O golpe foi pacífico e a advertência derrubou de novo o governo, tendo sido empossado rapidamente um novo governo que concordou em cumprir, as reformas exigidas pelos militares. O terceiro golpe de Estado foi em 1980, seguindo a triste tradição de uma rebelião militar em cada década. O golpe foi liderado pelo general Kenan Evren, e as suas consequências foram muito piores para o povo turco, uma vez que compreendeu a instauração de um breve, mas repressivo regime militar por três anos. A grave crise e a proliferação de grupos fanáticos religiosos, e de extrema-direita e esquerda, que tinham causado numerosos mortos nas ruas foram os responsáveis, tendo os militares de intervir de novo. O golpe deu-se a 12 de Setembro de 1980, e foi o mais sangrento da história do país, dado que cento e cinquenta mil pessoas foram detidas, praticaram-se assassinatos e muitas pessoas desapareceram, sem nunca ter havido um esclarecimento. Existe um véu negro e silenciado que cobre a realidade desses acontecimentos. Além da dura repressão, o golpe produziu a Constituição de 1982. Apenas há cinco anos, os turcos puderam avaliar os graves acontecimentos do golpe, e em 2010 foi eliminada a lei que protegia os golpistas, incluindo o general Evren, que foram julgados e condenados a prisão, em 2014. A 30 de Junho de 1997, houve uma intervenção política sem golpe. O presidente Erdogan, após ter sido eleito, nas eleições realizadas a 10 de Agosto de 2014, com 54,7 por centos dos votos e tomado posse a 28 de Agosto de 2014, mudou-se para um palácio, com mais de mil quartos, em Ancara. Tal gesto de ostentação está em conformidade com a vaidade do líder turco de se tornar uma espécie de novo sultão. Durante os anos que exerceu o cargo de chefe de governo, impulsionou uma perigosa islamização do país e aprovou todo o tipo de legislação, para transformar a saudável democracia secular, num regime cada vez mais conservador, e oposto aos valores e tradições ocidentais, afastando a Turquia de uma possível adesão à União Europeia (UE) e que os líderes europeu não têm sabido ou querido ver. O presidente Erdogan pretendia ir ainda mais longe nas suas desvairadas ideias, e tentou emendar a Constituição, de forma a adoptar um regime presidencial, que lhe permitisse deter plenos poderes executivos. Todavia, apesar dos esforços, o sonho de Erdogan para emular os monarcas Otomanos desapareceu, após o resultado das eleições legislativas de 7 de Junho de 2015. Ainda que a sua formação política e o governante ‘Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, sigla na língua turca) ”, tenham ganho as eleições com 40,9 por cento dos votos, a perda da maioria absoluta, depois de treze anos de governo, constituiu um recuo, que o impediu de realizar as desejadas reformas, como a da Constituição. Tratou-se de uma votação punitiva por parte das amplas camadas sociais, preocupadas com os desvios autoritários de Erdogan. As manifestações massivas de indignação no emblemático Parque Gezi, em Istambul, em 2013, tinham mostrado anteriormente como franjas da sociedade, sobretudo de jovens, minorias étnicas e classe média instruída das grandes cidades, estavam dispostas a enfrentar o regime. A grande parte desse descontentamento foi capitalizada nas eleições legislativas pelo partido pro-curdo, “Partido Democrático do Povo (HDP, na sigla em língua turca) ”, que pela primeira vez teve assento no Parlamento. Apesar da desvantagem que previa a necessidade de atingir o limiar de 10 por cento dos votos para conseguir representação, e o facto do problema curdo ser desde há décadas um dos temas mais espinhosos do país, o HDP conseguiu 13 por cento dos votos, em grande parte, devido ao facto de ter polido o seu carácter nacionalista curdo, para converter-se numa força de esquerda muito sensível aos problemas das minorias. Os votos no HDP foram decisivos para fazer descer do cavalo da maioria absoluta, o partido de Erdogan. O cenário dessas eleições mostrou a necessidade de uma coligação governamental, ou um governo de minoria, condenado a fazer acordos contínuos, algo que seria muito saudável, para conter o autoritário AKP. O mesmo fenómeno de reislamização estende-se por toda a região e a revolta das pernas inundou as redes sociais da Argélia e Tunísia, numa campanha em que milhares de mulheres mostraram as suas pernas, como apoio a uma estudante argelina que não pode licenciar-se em Direito, porque um guarda impediu o seu acesso ao exame, alegando que usava uma saia muito curta. A instrumentalização política da religião é extremamente preocupante, como a existente na Turquia, polarizando a população que durante décadas tem convivido com parâmetros seculares muito saudáveis. Tendo-se revelado infrutíferas, todas as tentativas para se conseguir um acordo político que permitisse um governo estável, o presidente Erdogan marcou novas eleições legislativas para 1 de Novembro de 2015, tendo o seu partido, o AKP, conquistado a maioria com 49 por cento dos votos, obtendo a maioria no Parlamento, com trezentos e dezasseis assentos da totalidade dos quinhentos e cinquenta assentos, tendo o HDP recuado, passando de 13,1 por cento em 7 de Junho de 2015, para 10,7 por cento das intenções de voto. A 15 de Julho de 2016, uma parte do exército turco parece ter tentado um golpe contra o governo do Presidente Erdogan, que exercitou tomar o controlo do país. As fontes presidenciais negaram a perda de controlo da situação e afirmaram que não tolerariam as tentativas de minar a democracia. O exército decretou o toque de recolher obrigatório em todo o país e a imposição da lei marcial. Os militares revoltosos num comunicado, reprovado pelo governo, argumentaram que agiam para manter a ordem democrática, os direitos humanos e o Estado de Direito. Os militares revoltosos afirmaram ainda, que um Estado de Direito Democrático e secular, estava a ser corroído pelo Presidente Erdogan, que apelidam de traidor. Defenderam a criação de um “Conselho de Paz” para garantir a liberdade dos cidadãos, independentemente da religião, raça ou língua. As forças militares revoltosas ocuparam pontos estratégicos, como o edifício do Parlamento, que foi cercado por tanques e tomaram algumas instalações governamentais, a sede do partido de Erdogan, a televisão pública e os aeroportos. Os tanques controlaram o acesso ao Aeroporto de Ataturk, em Istambul, onde todos os voos foram suspensos. Os tanques tomaram também, posições nos arredores do Parlamento. Após a meia-noite, os tanques dispararam e os helicópteros atacaram a sede dos serviços secretos na capital do país, tendo um avião de caça derrubado um helicóptero utilizado pelos insurgentes. O Presidente Erdogan exortou o povo a resistir à tentativa de golpe de Estado, devendo ocupar as praças do país para dar ao exército a resposta necessário, pois o golpe não teria sucesso e seria frustrado cedo ou tarde. O Presidente Erdogan de férias regressou a Istambul, cabendo ao primeiro-ministro controlar a situação que não poderia prejudicar a democracia, apelando à calma e advertindo que os responsáveis pagariam um alto preço, chamando o povo a combater a sublevação, caso a situação se agravasse. Após horas de confusão e agitação, com as duas facções das forças armadas digladiando-se, os seguidores do Presidente Erdogan escutaram o chamado do seu líder, e as praças e ruas das principais cidades do país, começaram a encher-se de multidões contrárias ao golpe. Os militares revoltosos começaram a sentir-se sem apoio e duvidaram do sucesso do golpe. Os seus presságios confirmaram-se e a maioria dos revoltosos desiste do seu intento e começou a entregar as armas. O avião do Presidente Erdogan aterrou em Istambul e foi recebido por milhares de seguidores, afirmando aos meios de comunicação social que os implicados no golpe pagariam pelas suas acções, anunciando uma purga nas forças armadas para acabar com aqueles que não suportam uma Turquia unida. Após horas de incerteza, as forças armadas leais ao Presidente Erdogan dominaram a intentona, e iniciou-se uma monumental purga contra todos os responsáveis e apoiantes da tentativa de golpe. O saldo do golpe, que foi unanimemente condenado pela comunidade internacional, foi de duzentos e sessenta e cinco mortos, sendo cento e quatro mortos membros das forças armadas que se revoltaram e mil quatrocentos e quarenta feridos. O governo turco no seguimento da tentativa de golpe de Estado iniciou uma perseguição, tendo sido presos e suspensos de funções sessenta mil pessoas. O governo prendeu treze mil militares, cerca de mil e seiscentos polícias e mais de dois mil e cem magistrados. As contas revistas e tendo a Turquia um poderoso exército, sendo a segunda potência militar no quadro da NATO, com um exército, força área e marinha eficaz, não se vislumbra a possibilidade de qualquer tentativa de golpe de Estado com um reduzido número de revoltosos, sem apoio da maioria do exército, marinha e força área, e apenas usando quatro helicópteros, que facilmente seriam todos abatidos por um só avião de combate. A realidade do acontecido não permite avaliar a situação com clareza, dado o pouco que transpareceu e se conhece, leva acreditar que tudo não passou de um monumental cenário bem orquestrado pelo Presidente Erdogan, pois foi o único beneficiado com a situação, instaurando a lei marcial, prendendo, afastando e suspendendo de funções todos os seus opositores, sem julgamento e processos disciplinares, dando-lhe finalmente o poder absoluto para alterar a seu bel-prazer a Constituição, formalizar o seu apetite devorador de poder, suspendendo as negociações de adesão com a UE, suspendendo a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e tentando restaurar a pena de morte, tornando-se no novo ditador dos Balcãs. Face a este sinistro quadro, deve a UE suspender formalmente e de imediato todas as negociações com a Turquia e a NATO convidar a sair da organização, por violação grave dos princípios da democracia, das liberdades individuais e do respeito pelo direito, subjacentes ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington, a 4 de Abril de 1949.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho de uma paz impossível “The crisis of the state and the role this plays in armed conflict can be precipitated by a number of processes. Corrupt governments pursue predation and clientelism in order to enrich themselves, repay supporters and pay-off potential adversaries. This weakens the legitimacy of the state because public goods are not delivered and groups that are not receiving the fruits of the government’s corruption become alienated. Consequently, these dispossessed groups on the periphery mobilize in violent opposition to the government, especially at times of crisis such as economic shocks.” Understanding Civil Wars: Continuity and change in intrastate conflict Edward Newman [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s conflitos armados em todo o mundo fizeram cento e sessenta e sete mil vítimas mortais, em 2015, sendo um terço relativo ao conflito sírio, de acordo com o relatório anual do “Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em língua inglesa) ”. O número é um pouco menor do apresentado em 2014, quando IISS previu em cento e oitenta mil vítimas. O conflito na Síria fez cinquenta e cinco mil mortos. As pessoas mortas na Síria, em termos relativos, representam 66 por cento de todas a vítimas do Médio Oriente e Norte de África. O relatório também indica que em 2015, foram frequentes os casos em que governos de países onde os confrontos ocorrem, conseguiram restabelecer com a ajuda dos seus aliados, o controlo dos territórios previamente ocupados pelos rebeldes. Os especialistas constatam um crescimento acentuado de vítimas no Afeganistão, onde, de acordo com o estudo, em 2014 morreram quinze mil pessoas, enquanto em 2013, quando a “Força Internacional de Assistência e Segurança (ISAF) ” ajudou a garantir a segurança no país, o número de vítimas foi de três mil e quinhentas pessoas. Os conflitos no Afeganistão, América Central, Iraque, Nigéria, México e Síria, representam 80 por cento da totalidade das vítimas. Quanto aos refugiados sírios, a Europa provocou a avalanche de migrantes. O estudo aponta para um aumento dos refugiados e das pessoas deslocadas à força. O número de refugiados e de deslocados cresceu de trinta e três milhões em 2013 e quarenta e três milhões em 2014, para quarenta e seis milhões em meados de 2015. A prevenção do crescimento requer que exista uma pressão sobre as partes em conflito, de forma a obrigar a cumprir a Convenção de Geneva, e assegurar o acesso à ajuda humanitária, bem como o de grandes esforços políticos para solucionar esses conflitos. A cada dia seu mal, e a cada ano as suas guerras, e 2016 não serão muito distintas. Além do Estado Islâmico, há uma série de conflitos armados e de tensões internas e internacionais que podem originar novas guerras. Embora não haja nenhuma região do mundo onde a violência política não se expresse, há conflitos muito localizados que não são títulos dos meios de comunicação social, como é o caso do sul da Tailândia, a recente crise no Burundi e os conflitos provocados pelos diferentes grupos rebeldes armados no México. O exército com fome de poder, e os conflitos entre as tribos tornam cada vez mais difícil a consolidação da democracia. Após o derrube de Gaddafi, a Líbia não encontrou a paz desejada A política internacional de 2016 é marcada por alguns conflitos armados, como o da Ucrânia, o muito sensível de Israel-Palestina, as crises pós-revolução árabes do Iémen e da Líbia, e as guerras africanas do Mali e Sudão, sem esquecer o Estado Islâmico, que envolve as guerras do Iraque e da Síria. A guerra reavivou as tensões entre os Estados Unidos e a Rússia para controlo de portos estratégicos, como o de Sevastopol e da passagem de oleodutos de hidrocarbonetos fazendo recordar o ambiente hostil da Guerra Fria. Os interesses locais para superar a crise económica misturaram-se com os interesses de geopolítica e geraram um conflito com repercussões internacionais. A Ucrânia tem mostrado, assim como fez a Ossétia do Sul, a agilidade russa, a lentidão americana e a imobilidade europeia. O grande desafio é conseguir que os Estados Unidos e a Rússia encontrem uma solução negociada, seguindo o exemplo de 2015 das negociações entre as potências ocidentais e o Irão, relativo ao seu programa nuclear. Quanto ao conflito israelo-palestiniano é comum dizer que não haverá paz no mundo até que exista no Médio Oriente, e que na região não existirá, até que haja na Palestina. Este conflito não é, como alguns pretendem fazer querer, nem milenário, nem religioso, ainda que contenha variáveis religiosas e históricas, podendo ser definido por uma ocupação de Israel do território da Palestina, que se consolida com a construção de casas nos colonatos israelitas em território ocupado, todos ilegais segundo o direito internacional humanitário. A Palestina continuará a percorrer o mundo na procura do seu reconhecimento como Estado. É de prever que até ao final de 2016, aumente do número de países que irão reconhecer a Palestina como Estado, e que atingiu os cento e trinta países, favorecido pelos anúncios da entrada em vigor do acordo com o Vaticano e o eventual reconhecimento de novos países europeus, como anunciou a França, seguindo o exemplo da Suécia, com todas as consequentes políticas inerentes, mas sem prever uma próxima solução de fundo para o conflito. A guerra no Iémen é a soma de interesses pendentes, desde a unificação do país, em 1990, dos problemas de consolidação da democracia, das tensões inter-religiosas e inter-tribais e do fracasso da revolução árabe de 2011. O Iémen é essencialmente um país multicêntrico, onde o controlo militar da sua capital, Sanaa, não significa a vitória, mas uma conquista. A grande tragédia do Iémen, agravou-se com o desembarque de tropas regionais sob a liderança da Arábia Saudita, que não pensavam na população civil, mas em outra frente de guerra que mantêm com o Irão e que leva a cabo em outros cenários, como o Bahrein e Síria, sendo que 80 por cento da população necessita de ajuda humanitária. A morte de civis por parte da coligação pouco tem ajudado, e 2016 não permite ser optimista, pois o Iémen poderá entrar em uma guerra de desgaste permanente, face à incapacidade política e militar, pela inexistência de um vencedor a curto prazo. O problema na Líbia não foi o derrube do ditador Gaddafi em 2011, mas a gestão do pós-guerra que terminou em uma nova fase de conflitos. O atraso da resposta ao desejo democrático e os conflitos não resolvidos entre as cidades e as tribos, têm sido terreno fértil para o crescimento de posições radicais islâmicas que, eventualmente, as fizeram aproximar do Estado Islâmico. A revolta árabe de 2011, não resolveu os problemas do Iémen. Os conflitos civis acentuam-se, uma vez que a Arábia Saudita ocupa parte do seu território, que é zona estratégica na luta contra o Irão. Os novos líderes foram confrontados com o dilema de inventar uma nova Líbia, em questão de dias ou sucumbir, mas a imaginação tem um limite, especialmente quando durante mais de quatro décadas não existiu tradição organizada, nem experiências democráticas a recorrer antes da crise. As tensões entre regiões (Cirenaica contra Tripolitana), entre tribos, radicais e moderados, as fadigas do poder de uma parte do exército e a falta de capacidade de gestão, deixaram uma Líbia com mais frustrações que esperanças, enquanto os vazios do poder são utilizados pelo Estado Islâmico. O Mali é um país que tem sido historicamente um intervalo de guerras adiadas com assinatura de acordos de paz não cumpridos. Esta constante, enquadrada na histórica discriminação da comunidade tuaregue, explodiu em uma nova revolta armada em 2012. Ao contrário dos anos anteriores, desta vez, os tuaregues conseguiram um avanço militar que serviu como desculpa para o desembarque francês no início de 2013. A guerra entre os tuaregues e o governo do Mali, criou vazios de poder, muito bem aproveitados pela “Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM, na sigla em língua inglesa) ” e outras milícias semelhantes que assumiram o controlo de uma parte do território. Assim, as linhas de conflito não são de todo claras, não apenas pelas dinâmicas de toda a guerra, mas pela indefinição dos actores, em uma confrontação na qual o terrorismo tem conquistado terreno. Actualmente, o governo apresenta uma proposta de paz, cujos principais opositores são os tuaregues, cansados de tantos enganos resultantes de anteriores processos, e, paradoxalmente, uma parte da população civil de Bamaco, a capital, que é contrária ao processo de negociação e prefere resolver a situação por meio da guerra. O Sudão tornou-se independente em 1956, portador de graves tensões, entre uma capital centralista e exclusiva e áreas rurais abandonadas, sendo que uma das áreas mais rebeldes a esse modelo foi o sul, que desde 1980 se revoltou contra a capital, e, em 1999, devido às elevadas explorações de petróleo. A China fez pressão para a feitura da paz entre o norte e o sul, e que deu origem a um tratado de paz, em 2005, anos depois do nascimento de um novo país, o Sudão do Sul. Enquanto paz entre o norte e o sul foi assinada, outra região do Sudão (Darfur) protestou seriamente face à exclusão socioeconómica, que foi respondida pelo governo com o desenvolvimento de uma campanha de violência, especialmente através de forças paramilitares, de tal magnitude, que o Tribunal Penal Internacional descreveu os acontecimentos como de genocídio. A prioridade internacional de salvar a paz entre o norte e o sul foi cúmplice por omissão da situação no Darfur, continuando em 2016, a persistir indefinições fronteiriças entre o norte e o sul, em zonas ricas em petróleo, uma grande instabilidade de liderança do sul que não consegue garantir um governo mais sólido, a permanência da crise humanitária e o mandato de captura do Tribunal Penal Internacional, pendente, contra o presidente do Sudão por genocídio em Darfur. A Nigéria é conhecida pelas missivas fraudulentas enviadas pelo mundo, corrupção e muitas outras ilegalidades, mas ganhou maior notoriedade pelo célebre e triste sequestro de mais de duzentos estudantes pelo grupo terrorista radical Boko Haram, nascido no nordeste do país, entre pescadores muito pobres e radicais religiosos. A Nigéria, na realidade vive três conflitos, o dos islâmicos contra o governo, entre as comunidades do Delta do Níger (em parte pelo acesso à terra) e os grupos rebeldes contra as companhias petrolíferas estrangeiras. O conflito vai continuar, com os sequestros, carros-bomba e confrontos armados. A posição e a lógica do Boko Haram são muito próximas do Estado Islâmico, em que existe uma ínfima parcela de possibilidades para uma solução negociada, mas a fraqueza do exército nigeriano e seu alto nível de corrupção, as condições socioeconómicas mais graves da população, fazem que a solução militar não seja uma alternativa. Apesar de no inicio de 2016, a Nigéria ter infligido duros golpes às milícias radicais, o fim da guerra está longe de acontecer. A Somália infelizmente é sinónimo de tragédia com guerras, fome e colonialismo. Após a descolonização, no início de 1960, as tentativas do governo de consolidar um modelo de Estado moderno, permanecem como promessas vazias. Desde a queda do regime de Siad Barre, em 1989, a Somália mergulhou em uma confrontação entre os senhores da guerra que na última década, se uniu a grupos islâmicos radicais. A Al-Shabaab (a juventude) é o grupo armado dominante, com uma forte presença no sul do país e que continuará a atacar, tanto o fraco exército somali, como as forças da União Africana. A comunidade internacional vai continuar a combater e reduzir os a pirataria somali, sem estudar as suas causas. O fim dos conflitos armados actuais passam quase sempre pela comunidade internacional, mas, paradoxalmente, as guerras de 2016, não podem ser explicadas sem a responsabilidade marcante das grandes potências, como a França no Mali, a Rússia na Síria e os Estados Unidos em Israel, para citar alguns exemplos. Resta explicar a ocupação marroquina do Sahara Ocidental, as tensões entre as duas Coreias, em um conflito estagnada no cessar-fogo que existe há várias décadas, os conflitos na República Democrática do Congo (onde o actual presidente tenta uma nova reeleição), e ficam por mencionar algumas das guerras esquecidas, assim chamadas, quer por fazerem poucos mortos ou sobretudo porque não afectam os interesses das principais potências mundiais. Esperemos que 2016, ainda possa ser um ano de mais paz, que guerra, pois é um desejo compartido pela maioria da sociedade civil global, mas a política nem sempre obedece aos desejos das maiorias falantes e silenciosas.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho que se desvanece “Probably the most important element for the UK is the extent to which the UK state can establish favourable tax and regulation conditions for competition and entrepreneurship; because of this, in leaving the EU we avoid many damaging features of EU intervention and this will be beneficial, regardless of the structure of trade. The most desirable option is a new treaty with the EU that largely withdraws from EU joint arrangements but collaborates on particular issues of common interest, such as rights of migration, free capital movements, and possibly trade agreements on particular industries like cars where there is large-scale cross-investment. Of course political cooperation will continue in areas of mutual interest as with all our allies.” Should Britain Leave the EU? An Economic Analysis of a Troubled Relationship Patrick Minford [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]possível fim do sonho europeu, fez que os cidadãos britânicos fossem votar a 23 de Junho de 2016 num referendo que decidiria se o Reino Unido continuaria “Bremain” ou não “Brexit”, como Estado membro da União Europeia (UE), decidindo desse modo, qual o futuro que desejavam para o seu país. O eventual “Brexit” seria o primeiro caso de saída de um país da UE. O “Brexit” venceu por 51,9 por cento contra o “Bremain” com 48, 1 %, e uma taxa de participação de 72,2 por cento. A chegada ao referendo tem por detrás uma história de desamor entre o Reino Unido e a Europa, que explicam os argumentos esgrimidos pelas duas partes, bem como as consequências para o país e além das suas fronteiras. A palavra “Brexit” para o Reino Unido é saída e entrou por analogia com outro conceito, o de “Grexit”, ou o cenário hipotético da saída da Grécia da zona euro afectada pela crise económica, e ao mesmo tempo circulava nos meios de comunicação social, uma palavra cujo significado, é o oposto da primeira palavra, sendo “Bremain”, um acrónimo para “Britain” e “remain” (permanecer). A desconfiança dos britânicos, em relação ao projecto de integração europeia não é nova. A França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo assinaram o Tratado de Roma, em 1957, que criou a Comunidade Económica Europeia (CEE), antecessora da UE. Os seis países, convidaram o Reino Unido para participar nas negociações prévias, tendo rejeitado o convite e ameaçado de boicotar o projecto, oferecendo um plano alternativo. Nos anos seguintes, dado o sucesso da nova associação e do declínio britânico, o Reino Unido constatou que tinha cometido um erro, e pediu em Julho de 1961 para se juntar à CEE, mas a sua adesão foi vetada pela França. O Reino Unido conseguiu finalmente aderir à CEE, em 1973, mas passado muito pouco tempo, a opinião pública britânica encontrava-se dividida acerca das vantagens e desvantagens da adesão e em 1975, o governo britânico realizou um referendo, sobre a permanência ou saída da CEE, tendo 67 por cento dos votantes, manifestado a favor da permanência nas instituições comunitárias. Após a criação da UE, em meados da década de 1990, os eurocépticos juntaram-se e criaram o “Partido do Referendo”. A nova formação política participou nas eleições de 1997, não tendo conseguido assento no Parlamento, tendo-se dissolvido pouco tempo depois. A outra organização política de extrema-direita, com ideias semelhantes, o “Partido de Independência do Reino Unido (UKIP na sigla na língua inglesa)”, teve mais sucesso nas eleições para o Parlamento Europeu, em 2014, conquistando a maior quantidade de votos pelo Reino Unido, com vinte e quatro dos setenta e três assentos a que tinha direito. O acontecimento actual começou em 2013, quando num discurso, o actual primeiro-ministro inglês, prometeu que se acaso fosse reeleito em 2015, renegociaria a posição do país na UE, e convocaria uma consulta popular sobre a permanência no bloco comunitário, sendo que uma das principais queixas sobre a UE é a sua complexidade burocrática. Os defensores do “Brexit” afirmam que as directivas da União dificultam a economia e limitam a soberania britânica. O primeiro-ministro britânico comprou os ovos para uma omeleta que nunca imaginou fazer, e que o teria como recheio. A UE é uma fonte de gastos desnecessários, para os eurocépticos, na qual o Reino Unido investia o equivalente a catorze mil e quatrocentos milhões de dólares anualmente, ou seja, cerca de 0,5 por cento do PIB, e um outro argumento diz respeito à restrição da imigração, dado que os apoiantes do “Brexit” vêem os imigrantes como uma ameaça ao mercado de trabalho e um peso social. Os líderes da campanha para o Reino Unido sair da UE, antes da realização do referendo, tinham anunciado que em caso de vitória, endureceriam as condições que permitiriam os europeus residirem no país. O direito automático de todos os cidadãos da UE a viverem e trabalharem no Reino Unido terminaria, conforme o comunicado conjunto divulgado no início de Junho de 2016, pelo ministro da Justiça inglês, ex-prefeito de Londres e secretário de estado do emprego inglês. Os que se opunham ao “Brexit” argumentavam que a saída do país da UE, iria ter um custo maior que o actual, e cortaria os laços com os seus parceiros europeus, com consequências catastróficas para a economia e comércio do país, e assinalavam que abandonar a União, poria em perigo a influência do Reino Unido no mundo. Os argumentos a favor e contra a permanência do Reino Unido na UE tinham como temas fundamentais a imigração, criminalidade e comércio. Quanto à imigração, os apoiantes da saída, afirmam que o Reino Unido nunca poderia controlar a imigração até que saisse da UE, dado que a liberdade de circulação dá aos demais cidadãos da UE, o direito automático de viver no país. Os contrários, afirmam que a saída da UE não iria resolver a crise da imigração, e transferiria para as portas de entrada no Reino Unido o problema, pois o controlo de fronteiras britânico mudaria de Calais, em França, para Dover, no Reino Unido. Quanto à criminalidade, os apoiantes da saída, afirmam que a norma europeia de detenção e entrega, permite que os cidadãos britâncos sejam enviados ao estrangeiro, e acusados em tribunais estrangeiros, frequentemente por delitos menores. A saída poria fim a esta prática. Os contrário à saída, afirmam que apenas graças à norma de detenção e entrega, violadores, assassinos e outros criminosos perigosos condenados por delitos no Reino Unido, podem ser devolvidos se fugirem para o estrangeiro. A saída da UE impediria que se fizesse justiça. Quanto ao comércio, os apoiantes da saída afirmam que as ligações do Reino Unido com a EU, estão a travar a sua relação com os mercados emergentes. Por exemplo, não existe nenhum acordo comercial importante com a China e a Índia. Sair da UE permitiria ao Reino Unido diversificar as suas ligações internacionais. Os contrário à saída, afirmam que 44 por cento das exportações do Reino Unido, destinam-se a outros países da UE. Criar barreiras com os países com os quais o Reino Unido comercia será prejudicial. O referendo é formalmente consultivo. O governo britânico prometeu que se os apoiantes do “Brexit” fossem a maioria, seria adoptado o processo de saída da UE. O direito de um Estado membro sair da UE está contido no artigo 50.º do Tratado de Lisboa, norma análoga da Constituição Europeia, e em teoria um Estado membro só tem de notificar a UE do seu desejo de sair, e iniciar-se-ão no mais curto espaço de tempo as negociações, sobre como desenvolver as relações existentes no futuro, num prazo de dois anos, que pode ser prolongado. Após as negocições, o processo de “Brexit” termina. Quanto às consequências do “Brexit” para o Reino Unido, dependerão do resultado das negociações com a UE, como por exemplo, em relação ao comércio entre o Reino Unido e os seus antigos parceiros do bloco comunitário. É de recordar que a UE é o destino de quase metade das exportações do Reino Unido, e as possíveis consequências do “Brexit”, poderá ser o colapso da libra esterlina, pois desde meados de 2015, tem-se desvalorizado de 1,6 dólares para 1,4 dólares. A previsão de alguns bancos é que o “Brexit” poderá fazer desvalorizar a moeda inglesa, em 20 por cento, bem como é uma forte ameaça para Londres como centro financeiro mundial. A London School of Economics (LSE), prevê que a saída do Reino Unido da UE, pode ter um custo entre 2,2 por cento e 9,5 por cento do PIB, enquanto o Ministério das Finanças, prevê uma descida de 6,2 por cento do PIB. Os defensores do “Brexit”, afirmam que o prejuízo para a economia será muito menos grave. Quanto a outras possíveis consequências além das económicas, o historiador e escritor inglês Antony Beevor, afirma que a saída do Reino Unido da UE poderá ser o pior exemplo na história de atirar pedras ao seu próprio telhado, e ainda que a União não tenha cumprido o seu objectivo de um um bloco mais estreito e tenha defeitos, a verdade é que o Reino Unido sai e provoca a sua desintegração, ganhando imediatamente o estatuto de nação mais odiada, não só na Europa, mas muito mais além. Os apoiantes do “Grexit” acreditam em três grandes vantagens, que são mais emprego, mais baixos preços de todos os bens e um futuro más sólido. O aumento do euroceptcismo, fez o “Brexit” abrir a porta para que outros Estados membros renegociem a sua relação com a UE. A sondagem publicada uma semana antes do referendo, pelo Centro de Investigações Pew, revelou ter terminado o amor dos europeus pela UE em dez dos maiores Estados membros do grande bloco comunitário. Os resultados indicam que os europeus não vêem com bons olhos a prespectiva do “Brexit”. Todavia, a percentagem dos europeus que ainda confiam no projecto comunitário têm vindo a descer, reflectindo o descontentamento generalizado pelas políticas adoptadas pela UE. O ministro das Finanças alemão, disse numa entrevista à imprensa alemã que, se acaso ocorresse o “Brexit”, outros Estados membros poderiam seguir o mesmo caminho do Reino Unido. É impossível prever o que pode acontecer. A Holanda, por exemplo, tem uma ligação tradicional e íntima com o Reino Unido, e desconhece-se como irá reagir. A saída do Reino Unido pode provocar que países como a Dinamarca, Holanda e Suécia exijam com maior força e frequência um referendo sobre a sua permanência na UE, sendo também factor importante o que acontecer nas eleições presidenciais francesas de 2017. O “Partido para a Liberdade” é a primeira força política da Holanda, e afirmou que o “Brexit” facilitaria a outros Estados membros uma tomada de decisão. O “Partido dos Democratas Suecos”, que mantêm o equilibrio do poder, é a favor da permanência na UE, mas tudo fará para limitar a sua influência. Os dirigintes do “Partido Popular Dinamarquês”, segunda força política do país, esperavam que o Reino Unido permanecesse na UE, apenas porque era a melhor oportunidade, para o país renegociar a sua relação com o bloco comunitário. A “Frente Nacional”, em França, tem vindo a dizer há longo tempo que pretendia renegociar a permanência da França na UE se ganhar as eleições de 2017. A líder da Frente Nacional considerou que o referendo britânico é um momento essencial na história da Europa, e sugeriu que cada Estado membro deve ter a capacidade de decidir a sua permanência no bloco comunitário. A terceira maior força política da Alemanha, a “Alternativa para a Alemanha”, assinalou que o “Brexit” proporcionaria uma oportunidade para incrementar a reforma da UE. O “Partido da Liberdade da Áustria”, que por pouco não ganhou as eleições presidenciais, realizadas em Maio de 2016, também quer renegociar a relação do país com a UE. Além das fronteiras europeias, economistas, especialistas e empresários da Europa advertiram do perigo de uma eventual saída do Reino Unido da UE, para a economia global. O “Brexit” seria mau para o Reino Unido (Desunido), para a Europa e para o mundo, incluindo os Estados Unidos e a China. Num mundo global conectado é leviano afirmar que existem alguns países que escapam ilesos ao acontecido e aos efeitos negativos, senão catastróficos, que se irão repercutir em tempo. O Fundo Monetário Internacional, emitiu uma das mais graves previsões, a 24 de Junho de 2016, descrevendo o impacto da saída do Reino Unido da UE, como negativa e substancial, preocupação que produziu eco nas declarações dos responsáveis políticos mundiais. O investigador principal do “Instituto Peterson para a Economia Internacional”, afirmou que basicamente, todos dizem mais ou menos o mesmo, ou seja, de que não existe dúvida de que a economia irá passar mal. Os mercados financeiros, após tomarem conhecimento dos resultados do referendo, começaram a sentir estremecimentos, inclusive nos Estados Unidos, onde os rendimentos dos títulos do Tesouro cairam para níveis mínimos desde 2012. O responsável máximo pela política e comércio do grupo “British American Business”, afirmou que neste momento, ninguém sabe como será o mundo com o Reino Unido fora da UE e que só por si, cria uma incerteza que as empresas não desejam ver. A agência de classificação de risco de crédito “Standard & Poors (S&P)” apresentou um índice de sensibilidade da saída do Reino Unido da UE. O índice incluiu factores como a correlação dos países exportadores para o Reino Unido e o seu PIB, os fluxos migratórios, as procuras das empresas do sector financeiro aos casais britânicos e o investimento directo estrangeiro no Reino Unido. Cada critério é avaliado de 0 a 1, e as avaliações no total contribuem para o índice. Além de 18 países da UE, a agência analisou o Canadá e a Suíça. Como resultado, o índice da Irlanda é de 3,5, o de Malta é de 2,9, o do Luxemburgo é de 2,4 e o de Chipre é de 2,3, sendo estes quatro países da UE, os mais vulneráveis ao “Brexit”. O primeiro-ministro do Reino Unido, a 6 de Junho de 2016, manifestou aos ingleses uma posição crítica em relação ao “Brexit”, afirmando que a saída da UE seria como uma bomba sob a economia britânica, e que o pior é que fomos nós que a lançámos. Entretanto, os líderes da UE dã-se conta da ameaça existencial que o projecto europeu está a enfrentar. O Presidente do Conselho Europeu, reconheceu o perigo de ruptura do bloco e disse que obcecados com a ideia de integração imediata e total, os líderes da UE não percebem que as pessoas comuns, os cidadãos da Europa, não partilham o mesmo euroentusiamo, pelo que estariamos diante do inicio do fim do projecto europeu? O resultado do referendo favorável ao “Brexit” pode bem ter respondido à pergunta, mais quando o próprio Reino Unido se parece desintegrar, com a Escócia a querer permanecer na UE, mesmo que para isso tenha de declarar a independência e a Irlanda do Norte, que votou 56 por cento contra o “Brexit”, a reivindicar a reunifição com a República da Irlanda.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho indiano “Maintaining rapid yet environmentally sustainable growth remains an important and achievable goal for India. The country’s main problems lie in the disregarding of the essential needs of the people. There have been major failures both to foster participatory growth and to make good use of the public resources generated by economic growth to enhance people’s living conditions; social and physical services remain inadequate, from schooling and medical care to safe water, electricity, and sanitation.” An Uncertain Glory: India and its Contradictions Jean Drèze and Amartya Sen [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Índia não pensa no tão ansiado e cobiçado papel de ser uma superpotência económica, que parece ter ficado enterrado no passado e de que se recorda com receio. O aumento do preço do petróleo devido à guerra no Iraque, em 1991, deixou a Índia com apenas duas semanas de reservas em dólares para as importações de petróleo bruto. O Fundo Monetário Internacional concedeu empréstimos, tendo como contrapartida a liberalização da sua economia autárquica. O então ministro das finanças e depois primeiro-ministro, afirmou, parafraseando o escritor francês Victor Hugo, de que nenhuma força podia parar uma ideia quando o seu tempo tivesse chegado, mudando assim, o curso da história moderna do país asiático, com a abertura da economia, e nascia a “Índia brilhante”. As duas décadas seguintes podem ser consideradas, como o período mais próspero que a índia viveu, durante toda a sua longa e rica história. Os centros comerciais tornaram-se nos novos templos e o oásis da nova classe média, os hambúrgueres da multinacional McDonald’s, uniram-se ao apimentado menu local e as estradas atulhavam-se de Toyotas, Audis e Fords, e não se discutia se a Índia seria uma superpotência, mas quando atingiria tal estatuto. Os sonhos de prosperidade e poder internacional da Índia foram dissolvidos com a pior situação económica, que o país enfrentou em duas décadas. Acredita-se que tenha sido o prognóstico exagerado de uma crise eminente, em 2013, que parecia querer reavivar o insucesso de 1991, quando o então primeiro-ministro afirmou que tinham reservas monetárias para apenas seis meses, mas que não tinha comparação com a situação desse fatídico ano, com a promessa de não voltarem a viver a crise na balança comercial. A taxa de câmbio era fixa e passou a estar ligada ao mercado. As reservas apenas cobriam três semanas de importações em 1991, e a Índia foi forçada a comprometer o seu ouro para pagar os seus compromissos, tendo realizado profundas reformas para abrir a sua economia. A falsa crise de 2013 deveu-se ao grande volume de importação de ouro e pedras preciosas, traduzindo-se num investimento em activos improdutivos. As importações dessas mercadorias no país que é considerado o maior comprador de pedras preciosas do mundo, atingiu um valor máximo de cento e sessenta e duas toneladas, em Maio de 2013, após a queda dos preços internacionais, obrigando a um aumento de 8 por cento nos impostos. O deficit na conta corrente atingiu o valor único de 4,8 por cento do PIB, enquanto o crescimento económico, caiu para 5 por cento. A Índia tenta conter a sede insaciável de ouro pelos seus cidadãos, por meio de medidas como o aumento de impostos de importação, proibição da importação de moedas e medalhões, e a obrigação dos compradores nacionais pagarem em dinheiro. O último dos problemas da terceira economia asiática e décima mundial era o colapso da sua moeda, em que a rupia acumulou níveis máximos e contínuos de desvalorização em relação ao dólar, tendo atingido 20 por cento, entre Janeiro e Junho de 2013. A decisão da Reserva Federal dos Estados Unidos de retirar o plano de estímulo monetário conhecido como “Operação Twist”, no final de 2012, traduzido na compra de quarenta e cinco mil milhões de dólares mensais em “Treasuries”, instrumentos da dívida soberana americana, de longo prazo, fez que o dinheiro resultante das vendas de uma quantidade semelhante de dívida a curto prazo, permitisse aos investidores acesso a dinheiro barato, fazendo-os livrar da moeda indiana. A fraqueza monetária forçou o banco central da Índia a elevar as taxas de juros, quando a economia sofria uma desaceleração, tendo crescido apenas 4,4 por cento no primeiro trimestre do ano fiscal de 2013, sendo o terceiro trimestre consecutivo de desaceleração do crescimento. A situação actual da Índia, é de lenta recuperação, sendo que na década de 2000, o país cresceu a uma média anual de cerca de 8 por cento. O objectivo era superar a taxa de crescimento anual de 10 por cento, mas apenas a China teve um crescimento superior, tendo o PIB desacelerado no exercício fiscal de 2012-2013, fixando-se em 5 por cento, e a taxa de inflação situou-se acima dos 7 por cento, sendo o ritmo mais lento de crescimento dos últimos dez anos, tendo as exportações e a produção industrial estagnado. Os planos de gastar milhares de milhões de dólares em auto-estradas, aeroportos e linhas de caminhos-de-ferro desvaneceram-se. A esperada liberalização nos sectores da segurança social, nomeadamente das pensões, bancos, defesa e educação não foram possíveis de se concretizar. As hesitações na tomada de decisões criaram incerteza e desconfiança. A Walmart não actua directamente na Índia por condicionalismos legais, operando através da Best Price Modern Wholesale, a Ikea irá abrir a sua primeira loja na Índia, em Hyderabad, no segundo semestre de 2017, pelo que em 2012, nenhuma destas multinacionais ou semelhantes, operavam directamente na Índia. O governo indiano esperava que essas multinacionais melhorariam o antiquado sector agrícola e ajudassem a aperfeiçoar as pobríssimas infra-estruturas do país, pois cerca de 40 por cento das frutas e legumes danificavam-se a caminho dos mercados, devido ao mau estado das estradas e à falta de cadeias de frio. A história do desenvolvimento do mundo, oferece poucos exemplos de uma economia que cresce tão rapidamente, e por um período tão longo de tempo, com resultados demasiado limitados, quanto à diminuição das carências dos cidadãos, como afirmaram o Prémio Nobel da Economia Amartya Sen e seu colega economista Jean Drèze no seu livro “An Uncertain Glory: India and its Contradictions”. No país do elefante um terço das pessoas, ou seja, mais de quatrocentos milhões de pessoas, não têm electricidade, enquanto no país do dragão apenas 1 por cento das pessoas, carece de electricidade. A população alfabetizada na Índia é de 74 por cento, enquanto na China é de 95 por cento. Os economistas recorrem à comparação com o Bangladesh, país considerado um caso perdido pelos especialistas em desenvolvimento, até recentemente. A população do Bangladesh tem maior expectativa de vida que a da Índia, as mulheres morrem menos de parto, maior número de crianças do sexo feminino frequenta a escola, os níveis de alfabetização são mais altos e existe menos desnutrição infantil. A sociedade é considerada boa quando o mais idoso e o mais jovem, têm acesso a uma vida digna. A alfabetização, desenvolvimento da condição da mulher, saúde, política ambiental, luta contra a pobreza, programas de liderança para a juventude e projectos para a infância são acções que devem ser implementadas em todos os países, e em particular na Índia. O Banco da Criança foi uma iniciativa criada em Maio de 2013, na Índia, por crianças e para crianças, com o objectivo de as ensinar a importância da poupança e planeamento financeiro, quer para a sua educação, como para doarem uma parte das suas poupanças, com o fim de ajudarem as crianças mais pobres. Mais de mil e quinhentas crianças, em 2015, pequenos aforradores, participaram no projecto, que é de bem-estar e desenvolvimento para todos, expressando a visão de Mahatma Gandhi, quanto ao futuro da sociedade humana. A Índia celebrou a 15 de Agosto de 2007, com toda a pompa, circunstância e triunfalismo o sexagésimo aniversário da sua independência da Grã-Bretanha. O segundo país mais populoso do mundo, parecia ter deixado para trás a memória do processo doloroso, que levou à divisão por critérios religiosos da antiga colónia britânica e à criação simultânea da Índia e do Paquistão, que até então incluía o Bangladesh. Estimulado pela expansão económica e pela sua capacidade de inovação tecnológica, o governo indiano convenceu-se de ter encontrado um modelo de desenvolvimento sustentável duradouro. O então primeiro-ministro nas comemorações da memorável data, afirmou, que podia assegurar que para cada um dos cidadãos e para a Índia, o melhor estava para acontecer, destacando as mudanças necessárias de forma a evitar que um terço dos indianos continuasse a sobreviver com menos de um dólar diário. A Índia efectivamente não pode converter-se num país com ilhas de alto crescimento, paredes meias com vastas áreas que não recebem qualquer benefício do desenvolvimento, tendo o governo indiano anunciado um multimilionário plano de investimentos para incentivar as infra-estruturas, agricultura que é a principal actividade económica e melhorar o nível de educação, que não consegue resolver o analfabetismo, e que afecta uma terça parte da população. O grande sonho da Índia, é o mesmo que tinha o pai da independência, Gandhi, que sempre sonhou e lutou por um país livre, que só conseguiria a sua prosperidade e felicidade com a erradicação total da pobreza. O principal objectivo do Estado é garantir um crescimento equitativo e geral, evitando uma distribuição de rendimentos de forma desigual e opaca. O sonho de Gandhi era conseguir um país independente, isento de abusos e da exploração indevida. O seu método foi a paz, ou seja, por meio de manifestações não violentas, como as célebres marchas pacíficas, e nunca de uma Índia divida em três países, e menos com conflitos no seu interior, como acontece com o Paquistão sobre Caxemira, ou tendências separatistas em vários grupos étnicos que compõem o país. O sonho de Gandhi era libertar a Índia, e só é possível de realizar pela eliminação da pobreza. Mahatma Gandhi ainda vive na Índia, e não existe cidade alguma do país, onde a sua imagem não seja parte integrante da arquitectura, e o seu retrato decore as paredes dos escritórios de qualquer repartição pública, assim como não há escola alguma, onde a história do pai da nação indiana não seja disciplina obrigatória. Todavia, as ideias pelas quais morreu há sessenta e oito anos quase desapareceram. Gandhi entrou para a história como um símbolo do pacifismo mundial. Através da sua estratégia da não-violência ou desobediência civil, conseguiu a independência da Índia, mas o objectivo de Gandhi não era só acabar com a colonização britânica, mas incutir o respeito e tolerância entre as diferentes religiões, eliminar a pobreza extrema em que viviam centenas de milhões de cidadãos, e promover o desenvolvimento com base em uma economia rural. Era um retornar à terra, ao elementar. A Índia actualmente é um país muito diferente daquele que o Mahatma (Grande Alma) sonhou. A intolerância entre os hindus e os muçulmanos provocou na curta história independente da Índia e Paquistão, três guerras sangrentas e numerosos conflitos civis, que fizeram centenas de milhares de mortos e mais de 30 por cento da população ainda continua a viver na pobreza extrema, apesar das novas medidas económicas neoliberais adoptadas em 1991, permitirem que apenas 20 por cento dos indianos possam viver de acordo com os parâmetros de uma sociedade de consumo. O restante da população apenas sobrevive, e o país sangra, vítima da corrupção. O homem Mahatma sentir-se-ia traído pela actual Índia, se acaso estivesse vivo, e é um desrespeito para a sua memória, que a vila portuária na costa noroeste da Índia, onde nasceu, seja um refúgio de traficantes de álcool, jóias, medicamentos e outros produtos, com o beneplácito das autoridades, e apesar do seu nome se encontrar enraizado na memória nacional, para as novas gerações de indianos Mohandas Karamchand Gandhi, com a sua túnica e roca, parece apenas uma figura distante de um livro de história. Os críticos de Gandhi vêm de todas as direcções. Se os nacionalistas hindus o acusam de ter sido a favor dos muçulmanos, as castas mais baixas, que o governo nega existirem, censuram-no de ter pregado a paciência em vez da revolução. Gandhi foi assassinado por um grupo de fundamentalistas hindus que não o perdoou de defender os muçulmanos, e morreu vítima da mesma intolerância que actualmente o crítica e que ameaça o futuro da região.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho africano “Therefore to allow the African dream to be realised, the respect for national sovereignty of both the rich and poor nations should form the cornerstone of new global institutions for political, economic, social and cultural development.” The African dream: from poverty to prosperity B W T Mutharika [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] continente africano é a potência do futuro, a esperança e o fracasso da humanidade, que se impões como um vício e obriga quem o visita a voltar uma e outra vez, e mesmo quem vá para lugares quase ignorados e desconhecidos, o perigo não é a violência, mas a burocracia. A África é dura e difícil, mas apaixonante. O sonho do século XXI, de ser o século africano é poderoso e emocionante, e está a converter-se numa realidade. A realização da primeira “Cimeira entre os Estados Unidos e a África”, e os seus líderes, de 4 a 6 de Agosto de 2014, em Washington, foi o momento propício para uma reflexão, e considerar os fundamentos e limites do progresso do continente. Apesar de em muitas regiões africanas, a pobreza ser ainda um problema muito grave, o continente africano é mais estável do que no passado, e também apresenta algumas das mais altas taxas de crescimento económico do mundo. É de recordar que durante a última década, dezenas de milhões de pessoas, em toda a África, integraram-se na classe média, as cidades estão a crescer rapidamente e têm a população mais jovem do mundo. Mas, como as palavras as leva o vento, os africanos não devem considerar nada como garantido. Apesar do impulso que mostra o continente, sabem que a história é um caminho de sonhos desperdiçados, e aplica-se especialmente a África. Assim, os africanos têm muito a fazer, se querem aproveitar esta oportunidade, e uma das tarefas mais urgentes que têm de enfrentar, é a criação de mercados sub-regionais de maior dimensão, mais integrados e que se encontrem profundamente interligados com a economia global. Ao fim e ao cabo, existe uma abundância de exemplos, (União Europeia, Associação de Nações do Sudeste Asiático, Acordo de Livre Comércio da América do Norte) de como a integração das regiões geográficas, pode criar condições para se conseguir o crescimento e a prosperidade em conjunto, através da remoção de barreiras comerciais, harmonização de regulamentos, abertura dos mercados de trabalho e o desenvolvimento de infra-estruturas partilhadas. A visão para esta região de África, traduziu-se na criação da iniciativa denominada de “Integração dos Projectos do Corredor Norte”. O Quénia, Ruanda e Uganda, (ao qual se juntaram o Sudão do Sul, e a Etiópia) nos últimos três anos, lançaram mais de catorze projectos conjuntos, cujo objectivo é o aprofundamento e a integração da África Oriental, e facilitar o desenvolvimento da actividade económica na região. Os resultados são visíveis. Foi implementado um único visto para o turismo, válido nos três países. Foi criado um único território aduaneiro, reduzindo drasticamente os procedimentos burocráticos e removidas as barreiras não tarifárias. Além disso, foi projectada uma linha ferroviária de bitola padrão, em construção a partir de Mombaça no Quénia e situada no Oceano Índico, passando pelas capitais do Ruanda e do Sudão do Sul, através da capital do Uganda, cujo primeiro trecho foi financiado por parceiros chineses, e cuja obra na sua totalidade, prevê-se estar concluída, em Dezembro de 2017. Todavia, para se prosseguir com o projecto tiveram que combater más práticas profundamente enraizadas. Infelizmente, em toda a África, as fronteiras nacionais tem sido muitas vezes obstáculo, antes que os mecanismos para a cooperação intercontinentais, em matéria de comércio, segurança para a cooperação no comércio, emprego e ambiente funcionem. É muito comum que as economias africanas, considerem mais fácil, negociar e coordenar políticas com países de outros continentes que os seus vizinhos. Assim, estão determinados a mudar a situação existente, servindo de exemplo, a iniciativa do Corredor Norte, em cujo contexto cada um dos três países é responsável pela realização de vários projectos-base. O Uganda, por exemplo, está empenhado em encontrar investidores para uma nova refinaria de petróleo, e lidera o desenvolvimento de infra-estruturas regionais em tecnologias da informação e comunicação, pelo qual eliminará a cobrança de itinerância para os serviços de telefone móvel, entre os três países. O Quénia, comprometeu-se a desenvolver um mercado regional de bens, obter melhorias nos recursos humanos por meio de serviços de consultadoria e educação, bem como, construir oleodutos para o transporte de petróleo bruto e refinado. Além disso, está a explorar formas de ampliar a criação e transporte regional de energia. O Ruanda é responsável pela harmonização das leis de emigração e promover a liberdade de circulação, quer dos seus cidadãos e turistas, bem como a coordenação da segurança regional, através da Força de Reserva da África Oriental, gestão do espaço aéreo e promoção da oferta turística conjunta. O sucesso destas iniciativas será observado em alterações reais, que beneficiam os cidadãos da região, e deve elaborar planos de implementação para o obter. A solução para o progresso, é o de não erigir monumentos a figuras políticas ou realizar cimeiras, mas reduzir o custo das transacções comerciais e aumentar os rendimentos dos cidadãos. A burocracia, por vezes, torna os processos administrativos demasiado lentos, porque está institucionalmente programada para subverter a mudança. Os projectos de integração do Corredor Norte são projectados para criar e sustentar, a vontade política necessária para a realização das diversas iniciativas. Os Estados Unidos sempre foram um parceiro importante para os países da região, mas o caminho para a solução dos seus problemas, não se resolve com doações dos contribuintes americanos, e só os países com o seu sector empresarial, poderão realizar tal tarefa. Os países da região, esperam estabelecer um relacionamento mais profundo e normal com os Estados Unidos, concentrando-se no que se pode realizar conjuntamente, ao invés de saber o que a América pode oferecer para os beneficiar. A África sempre teve tudo o que necessita para permanecer de pé, ainda que, muitos sejam os tombos e acidentes de percurso. O sucesso das iniciativas da África Oriental, é possível nas demais regiões africanas, se os países se unirem e terminarem com as guerras fratricidas, que desde logo, é o primeiro e maior sonho africano, seguido da eliminação da pobreza, exploração dos seus recursos naturais que alimentam o desenvolvimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O “El Sueño de Africa”, é também o título de um dos livros, de uma trilogia dedicada à África Oriental, escrito pelo espanhol Javier Reverte, que narra a sua viagem, durante vários meses, ao Uganda, Tanzânia e Quénia. A viagem inicia-se na capital do Uganda, cujo tema é a cidade e a importância do Lago Vitoria, como o centro da vida da África Oriental. A partir de Kampala visita as nascentes do rio Nilo, que além da sua espectacularidade, têm uma grande importância na história da exploração africana, dado que a sua pesquisa, foi a motivação das primeiras expedições europeias realizadas às zonas dos Grandes Lagos. Javier Reverte conta as grandes histórias do passado e as pequenas do presente, os mitos da exploração, os dias da era colonial e a independência desses três países africanos. As páginas do seu livro revivem os antigos reis africanos, os primeiros exploradores, os caçadores e os grandes escritores que escreveram sobre África. Traça a pintura voraz e colorida da África de hoje, a que ri e a que chora, a amarga e alegre, e transmite-nos a emoção de um sonho demasiado humano. A grande questão de realização do sonho africano é o de saber como vai a África encontrar a solução, quando se encontra grávida de uma miríade de problemas que vão da pobreza à autocracia. O novo paradigma para o pensamento económico africano irá influenciar a direcção do crescimento e desenvolvimento do continente? O consenso geral, é que para escapar à pobreza, os povos africanos devem assumir o controlo dos seus recursos e reformar as suas prioridades de desenvolvimento e estratégias. Os africanos têm um elo comum e partilham objectivos conjuntos, visando em última análise, unificar o seu continente como um povo digno, como todos os pan-africanistas, desde Henry Sylvester Williams, Nkwame Nkrumah, Julius Nyerere, Nelson Mandela e Thabo Mbeki desejavam. O sonho de África, gira do afro-pessimismo ao afro-optimismo, postulando que o continente se irá industrializar e desenvolver, usando os seus recursos naturais, habilidades dos seus povos e tomando o controlo total do seu destino, subestimando todas as diferenças culturais que existam e apelando para a solidariedade e resistência à exploração, sem olvidar os legados históricos, culturais, económicos e filosóficos de africanos do passado e presente. O sonho é comum de uma África rica em recursos naturais, apesar da sua história, não ser tão admirável, e alguns desafios sérios, actualmente prevalecentes, alguns países têm demonstrado que a aplicação prática de uma boa reforma política, tem impulsionado claramente as suas economias no caminho da prosperidade, podendo dessa forma, transformar o continente, outrora desprezado. O poder de governar é um direito fundamental de cada Estado, e que nenhum outro tem o direito de interferir nos seus assuntos internos. É de recordar que a África tem sido marginalizada, na medida em que o Norte global, não percebe que um continente mais industrializado pode servir como uma nova válvula de segurança para a economia global em ebulição. Os africanos não são pobres, porque não acreditam na sua capacidade de saírem da pobreza., mas porque não podem obter benefícios de instituições criadas pelo Norte. Os africanos são classificados como pobres, porque não possuem ou controlam a ciência, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, que permitam a sua transformação económica, que beneficiará o seu povo. É importante que África defenda a emancipação económica, acentuando o facto de que as nações ricas devem mudar a sua atitude, cessando a exploração do continente, que simplesmente consideram como uma fonte de matérias-primas para o seu desenvolvimento industrial. Os países ocidentais, e outros, em fase adiantada de desenvolvimento usam a estratégia de dividir, para reinar, criando um continente fraco e fragmentado. A segurança alimentar é a base da transformação e da realização desse sonho continental colorido. O sonho africano não é sobre a esperança ou qualificação para cumprir os critérios e as orientações dos fundos de doadores, mas de definir políticas de crescimento e estar na liderança, aberto e determinado a ir mais longe do que jamais imaginou. A África de um novo começo pode ter chegado, e está a desenvolver-se. É o sonho alcançável? O sonho africano é sobre cada país, possuir boas escolas, hospitais, infra-estruturas públicas, habitações e bons padrões de vida. O sonho é também, sobre a boa governação, democracia participativa, direitos humanos garantidos e Estado de direito. O problema no concernente não é típico de África, pois tem sido difícil de alcançar esse sonho a comum, em qualquer lugar do mundo, devido aos esforços de alguns líderes para ter e controlar o poder, sem ter em conta, o bem-estar daqueles que lideram. É de relembrar que muitos líderes africanos deram um bom pontapé inicial de governança democrática, e depois regressaram e envergaram as vestes de ditadores, criando o desenvolvimento de um “continuum” político, que permitiu presidentes terem poder absoluto, e sem precedentes em todos os aspectos da vida política, económica, social e cultural, resultando no aperfeiçoamento do culto ao herói, e criando uma forma de arte em alguns países africanos. É preciso não esquecer que a democracia, boa governação e desenvolvimento andam de mãos dadas, e que os relacionamentos humanos adequados dentro de uma sociedade são tão importantes para o sucesso de uma democracia. A este respeito, o mau julgamento político por parte da liderança pode mergulhar o país em uma profunda crise, em que as pessoas passam a não ter confiança no governo, liderança ou sistema político. Tal como Alexis Kagame ou Alassane, Ndaw realçaram, o abismo intransponível entre a maltratada cultura popular cosmocêntrica e holística e a cultura oficial antropocêntrica e igualitária, está longe de ser resolvida. Essa distância é o fundamento de todas as violências, excessos, rupturas, e do peso da moderna “Aldeia Global” que não parece estar em condições de erradicar a vitalidade tradicional que ainda persiste. Assim, a África é a última trincheira ensanguentada, aberta contra a modernidade, tanto nos actos, como nos pensamentos. Que Deus proteja a África, Nkosi Sikelel’ iAfrika, como expressa o hino nacional sul-africano. A África sobreviverá, como sempre o fez, mas não escapará ilesa, nas palavras de Aimé Césaire.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho europeu “The American Dream focuses on wealth, the European Dream on quality of life. The American Dream focuses heavily on property rights and civil rights, because they extend our individuality. In Europe, you focus very little attention on property rights and civil rights. You spend a lot of time on social rights, health care, retirement benefits, maternity leave, paid vacations, and what you call universal human rights.” The European Dream: How Europe’s Vision of the Future Is Quietly Eclipsing the American Dream Jeremy Rifkin [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s americanos vivem e morrem de acordo com a ética de trabalho, e os ditames da eficiência. Os europeus dão mais valor ao tempo livre, incluindo a ociosidade. A América sempre se viu como um grande caldeirão de culturas. Os europeus, no entanto, preferem preservar a sua rica diversidade cultural. Os americanos acreditam numa presença militar contínua, em todo o mundo. Os europeus, pelo contrário, enfatizam a cooperação e consenso, contra as abordagens de política externa unilaterais. A crise europeia, no fundo, não é uma crise económica. A crise europeia é uma crise mental, talvez ainda mais, uma crise sobre como imaginar ter boa vida, para além do consumismo. Os críticos que levantam a voz contra a Europa, no seu anti-europeísmo, são prisioneiros de uma nostalgia nacional enferrujada, e nesse sentido argumenta, por exemplo, o filósofo francês Alain Finkielkraut, que a Europa acredita que se pode formar sem as nações, inclusive contra elas. Quer punir as nações pelos horrores do século XX. Mas não existe democracia pós-nacional. A democracia é monolingue e para funcionar requer uma linguagem, referências vitais e um projecto comum. Não nascemos como cidadãos do mundo. As comunidades humanas têm limites, mas a Europa não toma em conta essa situação, e daí que a opinião pública europeia não se entusiasme com a União Europeia (UE). Esta crítica à Europa é suportada na mentira existencial nacional, de que na sociedade e na política europeias, poderia existir um retorno idílico ao Estado-nação. Assume-se que o horizonte nacional, é a estrutura para diagnosticar o presente e o futuro da Europa. Quem faz tais críticas, deve abrir os olhos e observar que não apenas a Europa, mas todo o mundo, estão em uma transição, em que as fronteiras que funcionam, deixaram de ser reais. Todas as nações enfrentam uma nova pluralidade cultural, não só através da emigração, mas também, por meios da comunicação por Internet, alterações climáticas, crise do euro e ameaças digitais à liberdade. As pessoas das mais diversas origens, com diferentes línguas, valores e religiões, vivem e trabalham próximas, e os seus filhos frequentam as mesmas escolas, e tentam lutar por uma posição no mesmo sistema político e jurídico. As nações avançam em plena aceleração, em direcção ao cosmopolitismo, e dois exemplos paradoxais são de realçar, como o da imprensa britânica que está repleta de queixas sobre a UE, ou seja, o eurocéptico Reino Unido, está inundado por uma vaga sem precedentes de opiniões sobre a Europa, e por outro lado, a China, desde há muito, tem sido um membro informal da zona euro, pela sua política de investimentos e as suas dependências económicas. Se o euro fracassar, a China será afectada até ao tutano. Tais casos, evidenciam, quando a globalização dissolve as fronteiras, as pessoas tentam restabelecê-las. A necessidade de fronteiras, tem tendência a ser mais forte, quanto mais cosmopolita se torna o mundo, sendo evidente no triunfo da Frente Nacional nas eleições municipais francesas, e que serve também para entender a máxima do presidente russo, de que a Rússia deve estar, onde vivam os russos. O agressivo nacionalismo intervencionista do presidente russo, mostra que não é possível projectar o passado das nações sobre o futuro da Europa, sem o destruir. Não servirá, quiçá, o etnonacionalismo do presidente russo como uma saudável terapia de choque, a uma Europa assolada pelo egoísmo nacional? Quem jogue a cartada do nacionalismo extremado, volta a conjurar pelo desmembramento da Europa, e que serve quer ao presidente russo, como também, de outro modo ao Reino Unido e à direita e esquerda anti-europeia. A todas estas situações, Alain Finkielkraut, responde que os europeus estão traumatizados por Hitler, pois desprezava o conceito de nação, e queria substitui-la pela de raça. Actualmente, são as nações que têm de purgar os excessos racistas. Muitos interrogam, se não será esse trauma devido ao “Holocausto”, que faz que os alemães queiram açambarcar todo o nacionalismo. Certamente não será, pois mais que nunca, o mundo precisa de uma abordagem europeia, para terminar com os males da globalização, como as alterações climáticas, pobreza, desigualdade extrema, guerra e violência. A guerra contra os riscos globais, é uma tarefa hercúlea, e poderia até criar uma nova ideia de justiça, com alcance global. Se a Europa quer verdadeiramente superar a sua crise de convivência, deve seguir outros dos conselhos de Alain Finkielkraut, o de encontrar a sua identidade nas grandes obras europeias, monumentos e paisagens da cultura. Nada há a opor à releitura das obras de Shakespeare, Descartes, Dante e Goethe, ou deixar-se encantar pela música de Mozart e Verdi. O conceito de literatura mundial de Goethe é politicamente interessante, e referia-se a um processo de abertura ao mundo, em que a alteridade do exterior se converte em parte integrante da nossa consciência. É nesse sentido, que Thomas Mann fala do alemão mundial, a que devia ser adicionado o italiano, o espanhol, o francês mundial, e assim por diante, ou seja, uma Europa de nações cosmopolitas. A partir das costas de África onde nasci, vê-se melhor o rosto da Europa e sabemos que não é bonito, escreveu Albert Camus, Prémio Nobel da Literatura de 1957. A beleza era para Albert Camus, discípulo de Friedrich Nietzsche, um critério de verdade e boa vida, e o segredo da Europa constatava friamente, é de que tinha deixado de amar a vida, pois para ser humanos, a partir do desespero, os europeus acabaram por atirar-se aos excessos desumanos, e como negavam a verdadeira grandeza da vida, tiveram que focar-se no único objectivo, que era a sua própria perfeição. Na falta de algo melhor, deificaram-se, e começou a sua miséria. Eram deuses cegos. Poderia perguntar-se qual é o antídoto, a fórmula idónea para uma UE, distinta da que vive no momento, a alegria apenas do presente? Por exemplo, o sonho de um tálamo mediterrânico, em que o Oriente e Ocidente, Norte e Sul se respeitariam e cooperariam. Surge assim, uma Europa das regiões, digna de ser vivida e querida. O nexo aparentemente entre o Estado, identidade e a língua nacional, é dissolvido. A UE, os Estados membros e as regiões ocupar-se-iam gradualmente do bem-estar dos cidadãos. Seriam porta-vozes num mundo globalizado, por um lado, e por outro, transmitiriam uma sensação de abrigo e identidade. A democracia adquire múltiplos níveis, tal como a estamos a começar a praticar. O Mediterrâneo, como saber viver, alegria vital, indiferença, desesperança, beleza e fé, ou seja, uma mistura paradoxal que os europeus do norte, imaginam romanticamente e projectam sobre o sul, como esses jardins meridionais, em que florescem os limoeiros de que falava Goethe, e que não podia ser outra que Sevilha. A miragem da dívida também impôs um rosto cinzento e disforme, a essa existência mediterrânica cheia de alegria de viver e cosmopolita. O pensamento regional e com traços confederais do Mediterrâneo, sobreviveu, às grandes ideologias nacionais e políticas, e é talvez a única utopia social do século XXI, que terá futuro. A cerimónia da entrega do “Prémio Internacional Carlos Magno”, foi a mais atípica até ao momento realizada, não só porque o palco foi Roma, mas também, pelo discurso do vencedor do prémio, o Papa Francisco. A referência a refugiado, não foi proferida uma única vez no seu discurso. Que quis dizer com tal atitude? O de renunciar ao papel que assumiu na crise dos refugiados? O Papa Francisco queria algo mais, pois durante o seu discurso de aceitação do prémio, quis chamar a atenção para o novo humanismo europeu. A questão dos refugiados e a sua percepção na Europa, é muito debatida no Vaticano. O Papa Francisco, trata o tema com acções concretas, como aconteceu na sua visita a Lesbos e, dessa forma, mostra como a Europa e a política europeia não estão a actuar. O Papa Francisco, em abono da verdade, fala como um filho que tem as raízes da sua vida e da sua fé na mãe Europa. Os seus pais fugiram um dia da pobreza do Piemonte, e o filho nunca esqueceu esse dramático episódio familiar, e durante o seu discurso, falou de forma apaixonada e quase como entoando um hino, do que representa para si a Europa, defensora dos direitos humanos, democracia e liberdade, pátria de poetas, filósofos e artistas. A Europa mãe de povos e nações. O que existe de errado na Europa? O Papa Francisco estruturou o seu discurso com palavras de integração, diálogo e criatividade. Assim, tornou-se na realidade político, uma vez que coloca a Europa, como exemplo, para recordar o que tiveram de passar milhões de jovens, sobretudo dos países europeus do sul, que não têm formação, emprego e futuro, revelando toda a indignidade da situação de uma Europa que se pretende eminentemente social. O Papa no seu discurso, apenas citou o jesuíta polaco Erich Przywara, e sua obra “A ideia da Europa”, cuja leitura recomendou várias vezes. A ideia europeia de um jesuíta nascido na Polónia, realça a notável contribuição do Presidente do Conselho Europeu e ex-primeiro-ministro da Polónia. O problema é que a Europa apoiou os Estados Unidos na criação e incitamento de conflitos, onde quer que seja, na Síria, Ucrânia e Líbia, e essas pessoas, que são seres humanos, e não se deve esquecer essas acções, fogem de guerras, insegurança, fome e tentam salvar os seus filhos. É a consequência de não ter ajudado, honestamente, muitos países da África subsarianos, a saírem da terrível situação que criaram. É uma grande tragédia humana a vaga de emigração que varre o continente europeu, e que a Europa tem uma grande quota de responsabilidade. O que é absurdo é que podem passar vários anos no limbo, e permanecerem na Europa. É obrigação moral aceitar os emigrantes ou rapidamente, apenas em situações extremas, rejeitá-los e fazê-los regressar aos seus países de origem, sem mais delongas e histórias. A Europa muito irá chorar pelo seu desleixo em matéria de imigração. Quem não é elegível para ser considerado refugiado, deve ser expulso do território da UE. O Canadá gasta fortunas para expulsar quem não reúne condições para permanecer no seu território, e pode ser o exemplo a seguir, pelo menos, sobre a imigração. A situação é fácil de resumir, pois se lhes concedem asilo, podem permanecer na Europa. Se não obtiverem asilo, podem permanecer na Europa, ou seja, em ambas as situações, recebem benefícios. Aparentemente, a diferença está, em que sendo considerado refugiado, terá maiores benefícios. O sonho europeu, faz que qualquer pessoa que ponha o pé na Europa, despoleta burocracia e a aliança de instituições profissionais de boa vontade, como a ONU, UE e jornalistas especializados, que se encarregam de tornar impossível a sua devolução aos países de origem, e é essa e não outra, a razão de que cheguem cada vez mais emigrantes à Europa, o que curiosamente não ocorre, em nenhum dos riquíssimos países muçulmanos do Golfo. E entretanto, o estado de bem-estar é desfeito, a Europa fica islamizada, e o terrorismo jiadista está cada vez mais presente.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho americano “Only roughly 4-In-10 (42%) Americans say that the American Dream-that if you work hard, you’ll get ahead-still holds true today, [whereas] nearly half of Americans (48%) believe that the American Dream once held true but does not anymore,” while “most Americans (55%) believe that one of the biggest problems in the country is that not everyone is given an equal chance to succeed in life.” Our Kids: The American Dream in Crisis Robert D. Putnam [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sonho americano ou, em inglês, “The American Dream”, também conhecido como o sonho americano na Casa Branca, pode ser definido, em geral, como a igualdade de oportunidades e liberdade, facultado a todos os habitantes dos Estados Unidos para atingirem os seus objectivos na vida, por meio de esforço e determinação. A Estátua da Liberdade foi para muitos imigrantes a primeira visão que tiveram quando chegaram aos Estados Unidos, significativa da liberdade. A estátua é um símbolo dos Estados Unidos e do sonho americano. Todos os anos, mais de um milhão e meio de novos imigrantes, documentados ou indocumentados chegam aos Estados Unidos. A maioria provêm da América Latina e para chegarem, muitos esperam anos para obter vistos de entrada, e outros correm o risco de atravessar a fronteira, através das montanhas ou deserto. Deixam as suas casas e famílias para irem viver num país desconhecido, em que se fala outra língua, e tem costumes completamente distintos. Apesar de todas as dificuldades, as pessoas continuam a ir. Porque razão? O que os atrai a esse país? A muitos a promessa de viver o sonho americano, que é uma ideia abstracta. É a promessa de riqueza, para alguns e para outros, a possibilidade de dar aos seus filhos uma boa educação e grandes oportunidades. O sonho americano não é uma ideia nova, pois tem uma história tão longa, como a dos Estados Unidos, que de certa forma nasceu desse mesmo sonho. Os primeiros colonizadores da Nova Inglaterra chegaram à procura de liberdade religiosa. O escritor americano Horatio Alger, escrevia no século XIX, histórias de ficção, muito vendidas, cujos personagens passavam da pobreza à riqueza por meio do trabalho duro, coragem e determinação. O sonho americano, para muitas pessoas, apesar de algum sucesso, não é mais que um sonho. Ao chegarem aos Estados Unidos, muitos partilham pequenos apartamentos com quatro ou cinco pessoas a dormirem no mesmo quarto, permanecem dias nas esquinas à espera de conseguirem trabalho, e passam fome para poderem enviar dinheiro às suas famílias do outro lado da fronteira. É este o sonho americano? O estudo recente efectuado pela Universidade de Harvard, que entrevistou membros de uma comunidade imigrante, para conhecer as suas experiências, revelou que nas respostas existiam muitas semelhanças, dado todos terem ido para os Estados Unidos à procura de oportunidades económicas, e associavam o país com progresso, dinheiro, segurança e liberdade. Todavia, a maioria afirmou que não tinham realizado os sonhos, pelo qual tinham ido, ainda que os Estados Unidos sejam a primeira potência mundial, não é o que imaginavam. Os americanos permitem que os indocumentados façam o trabalho que rejeitam, sempre marginalizando-os e utilizando-os. Os imigrantes conseguem, apenas, perder a sua juventude e energia. Segundo os entrevistados, o sonho americano, não é o que parece ser. A nova geração de jovens sul-americanos, está a entrar nos Estados Unidos com falsos sonhos que lhes contaram do lado da fronteira mexicana, e não é possível continuar a permitir que percam a sua juventude nessa ilusão. É melhor dizer-lhes que não venham, ou poder-se-á criar uma comunidade sul-americana nos Estados Unidos que dê apoio e inspiração? O sonho americano está construído sobre as bases da mobilidade social, igualdade e a noção de que todas as crianças, sem importar a sua origem, têm a oportunidade de prosperar. Tal sonho, não é evidente e podia estar em perigo, segundo o politólogo, assessor de três presidentes americanos e professor da Universidade de Harvard, Robert Putnam, que é considerado e escutado pelos seus concidadãos. Quando Robert Putnam fala, os Estados Unidos escuta-o, mas não quer dizer que todos estejam de acordo. O seu livro “Bowling Alone: The Collapse e Revival of American Community”, publicado há quinze anos, tornou-o conhecido mundialmente, e é considerado como uma das melhores obras, sobre política pública. O autor seguiu a trajectória do declive da participação da sociedade civil, ou seja, do número de pessoas que participam em associações e clubes. As pessoas juntam-se menos em agremiação, e não se tornam membros de quase nada. Embora existam mais pessoas a jogar boliche, por exemplo, há menos pinos de boliche. O seu novo livro, “Our kids”, publicado, a 26 de Março de 2016, Robert Putnam, aborda o tema da desigualdade social, contando uma história familiar da diminuição da mobilidade social, através da visão da sua cidade natal, afirmando que o sonho americano que estava vivo durante a sua juventude, na década de 1950, está muito provavelmente fora do alcance dos cidadãos. Ainda que as pessoas vivam lado a lado, as suas vidas são paralelas e as oportunidades distintas. O velho igualitarismo da era do pós-guerra, já não existe. O livro tem algo para todos, especialmente, para discordar, como por exemplo, a história mais feliz, quando relata as últimas décadas, com a melhoria das condições de vida dos afro-americanos, desde as marchas de Selma a Montgomery de 1965, assim como a situação das mulheres. O politólogo americano, por vezes parece vestir a roupagem da esquerda, quando culpabiliza a estrutura da economia, particularmente, a perda de bons empregos, para as mãos qualificadas na indústria manufactureira, e outras vezes, parece ser conservador, realçando por exemplo, que 10 por cento dos filhos de pessoas licenciadas, encontram-se em famílias monoparentais, que é similar à taxa da década de 1950. Ao invés, nas famílias de menor instrução, a cifra subiu de 20 por cento para mais de 65 por cento. A sua análise incomoda muitas pessoas, mas não deixa de constituir uma questão que é fulcral para a política moderna em todo o mundo, ou seja, qual a razão pela qual, tantas pessoas estão a ficar marginalizadas. O aumento das desigualdades sociais é um problema violeta, que é uma expressão política nos Estados Unidos, pois os conservadores são de cor vermelha e os liberais azuis. É um problema, cuja causa deve ser observada, através da lente progressiva azul, pois não se deve considerar apenas o colapso da produção, mas também a estagnação dos salários, do que se habituou por chamar de classe trabalhadora, e que tem quase meio século. As outras causas do problema, podem ser vistas de forma mais clara com lentes vermelhas conservadoras, como o desfalecimento da família da classe trabalhadora, com um enorme aumento no número de jovens das classes mais baixas, a viver com as mães solteiras. Estes factores desempenham um papel, e existe uma outra dimensão, pois não é só o aumento da disparidade de rendimentos, mas também uma crescente segregação das classes sociais, não habitando os ricos e pobres os mesmos espaços das cidades. O problema é que alguns desses factores são irreversíveis, como o das famílias monoparentais, pois não se pode obrigar que os casais permaneçam unidos. Todavia, deve-se pensar que estes jovens, que são o resultado de uma transformação na parte inferior da hierarquia da socioeconómica americana, são os filhos a que têm de prestar atenção e ajudar. O facto mais importante, é de que os jovens estão cada vez mais separados dos seus vizinhos, parentes, escolas, igrejas, e que algo deve ser feito para solucionar tão sério problema. A outra situação irreversível, vai-se intensificar no ciclo da produção, e nos próximos anos perder-se-á, 85 por cento do mercado laboral, com a tecnologia e os robots. É de considerar que esta não é a primeira vez que os Estados Unidos enfrentam semelhante problema. Há cem anos, com a Revolução Industrial, também fez face a grandes rupturas, entre as pessoas e as mudanças económicas dramáticas que ocorreram, e num curto espaço de tempo, os americanos conseguiram ajudar todos os jovens sem olhar à sua origem e a prepará-los para uma nova era. Foi criada nessa época, a escola secundária gratuita, que incentivou a produtividade americana, e permitiu competir em igualdade de condições. É necessário que os Estados Unidos descubram um tipo diferente de política, que reveja a situação dos jovens, e encontre formas de resolver o problema, que deve passar por um grande debate nacional, sobre a crescente diminuição de oportunidades. O sonho americano, tal como o definem é impossível de ser atingido, e seis em cada dez americanos, confirmaram na sondagem “American Dream” da CNN Money, realizada de 29 de Maio a 1 de Junho de 2014. Os jovens adultos, entre os dezasseis e trinta e quatro anos têm maiores probabilidades de sentir, que o sonho americano é inalcançável, e 63 por cento dos inquiridos, afirma que é impossível. Este grupo etário tem sofrido, como resultado da “Grande Depressão”, e são pessoas que têm dificuldades, em conseguirem bons empregos. Os jovens americanos são a grande preocupação. Muitos dos entrevistados, disseram que estão preocupados, acerca da sua capacidade de prosperar na próxima geração. É uma situação séria, apesar de 54 por cento dos entrevistados terem a sensação, de que se encontram em melhor situação que os seus pais. O humor deprimido é surpreendente, segundo os especialistas em mobilidade económica. O pessimismo é um reflexo da realidade financeira que grande quantidade de famílias enfrenta, pois estão activos, mas os seus rendimentos não se traduzem em forte segurança financeira. A grande maioria dos americanos tem rendimentos mais elevados que os seus pais, devido ao facto da maior parte das famílias terem duas fontes de rendimento, apesar de metade terem mais riqueza. A taxa de poupança é baixa e o desemprego elevado. Os custos com a Universidade estão a aumentar mais rapidamente que a inflação, e a dívida dos empréstimos estudantis estão a crescer. As pessoas têm tendência a serem mais pessimistas sobre o futuro da próxima geração, em geral, que a perspectiva dos seus filhos. As sondagens da “Pew Research Center” e outras organizações revelam que os pais dizem que será mais difícil para os seus filhos terem sucesso, mas acreditam que seja possível. As percepções não são suportadas pelos factos. O sonho americano não está morto e dois importantes estudos publicados no início de 2016, concluíram que a mobilidade é maior nos Estados Unidos que em muitos outros países desenvolvidos, mas não mudou de forma significativa com o tempo. Os investigadores encontraram diferenças expressivas em relação à mobilidade em todo o país. Os que vivem em áreas de maior desenvolvimento económico, melhores escolas e menor número de residentes afro-americanos têm maior oportunidade de ascender na escala económica. A mobilidade é um problema, mas não piorou.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sonho chinês “The realization of the Chinese dream needs both constant economic development and progress in all aspects of society. Along with the increase in economic production and improvement in people’s living standards, the key factors for selecting China’s course turn to the constraints of resources and environment and the decrease of the gap between the rich and poor.” The China Dream and the China Path Tianyong Zhou [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] sonho chinês seguido por mil e trezentos e sessenta milhões de pessoas é objecto de numerosos estudos. Se falarmos da actual China, poderá parecer um pouco estranho, que não exista nenhuma referência ao sonho chinês. Se falarmos dele a chineses de meia-idade, muitos certamente se recordarão dos sonhos da sua infância, talvez o tenham realizado, se apagaram na bruma do esquecimento, ou enriqueceram com o passar do tempo. Quais teriam sido os sonhos das crianças chinesas há cinquenta anos? Muitos esqueceram, ou talvez não tivessem nenhuns. Existe um sonho comum a muitas crianças desse tempo perdido, o dos pais insistirem como em qualquer outro país, que estudassem muito, pois assim poderiam arranjar um bom trabalho e terem molho de soja para misturar com o arroz. Era um tempo em que poucas pessoas sabiam ler e escrever, e ninguém sabia o que eram bancos ou editoras. Era a época em que se estabeleceram as comunas populares, por toda a zona rural do país. Os chineses, nem ainda tinham começado a primeira fase da escola secundária, e tinham de trabalhar a terra dos pais. A comida produzida nas comunas não era suficiente, e mesmo durante as estações sem alterações climatéricas, com colheitas normais, existia carência de alimentos. Na primavera, em geral, ficavam sem comida. Era lógico, que os pais sonhassem que os seus filhos, quando chegassem à idade adulta tivessem a barriga cheia. A soja estava disponível para alguns, mas raras vezes viam nas suas mesas. Só aparecia na “Festa da Primavera”, para uso de alguns convidados importantes. Era actualmente, como as lesmas, abalones e pepinos-do-mar. As décadas de 1960 e 1970, não foram propícias aos chineses para terem grandes sonhos, pois apenas se importavam em ter comida para o dia seguinte, mas o tempo passou, e em 2009 realizou-se uma grande sondagem na China, sobre os sonhos e sonhar. Os resultados mostraram que antes da reforma e abertura de 1978, o sonho dos chineses era sobretudo, ter suficiente comida e roupa. A aspiração dos pais nesses tempos idos era normal e legítima. As crianças que nasceram nesse tempo, em algumas pequenas cidades do Norte da China, tiveram a sorte de poder ler a imprensa da capital, mesmo não sendo diariamente, enquanto outras crianças que nasceram em pequenas vilas no sul do país, a primeira vez que viram o que denominavam por diário, foi no ano do falecimento de Mao Tsé-Tung, e apesar da falta de informação e do vazio cultural, nunca renunciaram ao objectivo de estudar conscienciosamente. O estudo nos últimos mil anos tem sido a referência para que milhões de chineses mudem os seus destinos, e sigam os seus sonhos e muitos matricularam-se nas universidades das grandes cidades, viram o mundo e começaram a conhecer pessoas, que não apenas sonhavam, mas também conseguiam transformar os seus sonhos em realidade. Muitos começaram também a ter os seus sonhos. Falavam deles, e contavam as suas aspirações a outros jovens. O tempo voa e depois de trinta anos de reforma, abertura e acelerado desenvolvimento, produziram-se grandes mudanças no sonho chinês, e assim o demonstram diversas sondagens e estudos efectuados. Os sonhos chineses actuais, contam com a criação de uma empresa e manter uma boa saúde, que permita viver até aos 100 anos e viajar à volta do mundo. Muitos estrangeiros consideram a China como sua casa, fazendo parte, desse modo, do sonho chinês e são livres de projectar o que desejem, levando à verdadeira essência do sonho chinês, de todos terem o direito a sonhar e a oportunidade de o tornar realidade. A China tem o sonho chinês, os Estados Unidos o sonho americano, A União Europeia, o sonho europeu e a África, o sonho africano. O sonho dos diferentes países e grupos étnicos têm pontos comuns, mas também, diferenças significativas, que são próprias de um mundo plural. O sonho chinês nunca irá contra o de outros países, e caracteriza-se pela inovação, inclusão e dinamismo, e anda de mãos dadas com o desenvolvimento do mundo. Todavia, existem diversos mal-entendidos, tais como, o facto de alguns meios de comunicação, terem interpretado o sono chinês como sendo o sonho da China, ao invés do sonho do povo chinês, e inclusive ligam a um sonho que se consegue à custa dos interesses do povo chinês, tratando-se de uma interpretação restritiva do termo. O segundo mal – entendido é de que o sonho chinês irá substituir o sonho americano “american dream”, que é uma parte importante do “soft power” dos Estados Unidos. Muitos consideram as relações sino – americanas, como relações entre o número dois e o número um do mundo, e receiam que o sonho chinês substitua o americano. A China, de facto, não interfere na realização do sonho dos outros países. O terceiro mal-entendido é de que s sonho chinês é uma nova utopia. O termo utopia, no vocabulário chinês, faz referência a um sonho inalcançável, e alguns consideram que o sonho chinês, é como uma droga espiritual, que faz os chineses perderem a consciência reformista. O quarto mal-entendido é de o sonho chinês, significar que a China tenha abandonado o ideal comunista. A China, na realidade é um país socialista, dirigido pelo Partido Comunista, e procura a prosperidade comum, que é o objectivo principal do sistema socialista. O sonho chinês não só não exclui o ideal comunista, mas dedica-se a alcançar de uma forma mais pragmática, o progresso. Pode-se dizer que o sonho chinês, é um sonho de prosperidade comum, entre os diversos grupos étnicos da China, e dos povos do mundo. O quinto mal-entendido demonstra que a China, deixou a prática de passar o rio apalpando pedras, que é um caminho de reforma. O sonho chinês não afasta a reforma e abertura, e é uma purificação sistemática. O sexto mal-entendido é de que o sonho chinês, é um sonho de constitucionalismo, de direitos humanos e democracia. Trata-se de uma interpretação restritiva, pois o sonho chinês para alguns tem uma conotação muito mais ampla. O sétimo mal-entendido é de que o sonho chinês é um sonho de modernização. A modernização é um sonho da China moderna, e não obstante, algumas pessoas querem que a China se ocidentalize, totalmente. O sonho chinês, não é só a prática do modelo e dos conceitos modernos ocidentais na China, mas a realização do marxismo, combinando as condições nacionais, com a criação de um caminho socialista com peculiaridades chinesas. O oitavo mal-entendido, é de que o sonho chinês, é um sonho de renascimento, e alguns países temem que a China restaure a prosperidade das dinastias Han e Tang, compreendendo o sistema de tributos e o render homenagens a uma pessoa determinada. Este mal-entendido pode alimentar as teorias sobre uma possível ameaça chinesa. A China é um país detentor de uma civilização antiga, e o principal significado do sonho chinês, é a revitalização e a renovação da sua civilização, para promover a transformação da civilização humana, e materializar o desenvolvimento sustentável. O nono mal-entendido, é o de alguns pensarem que o sonho chinês é igual à ascensão da China, que apenas dá atenção à posição, preocupações e sentimentos, depois do seu ressurgimento, como potência mundial. O décimo mal-entendido, é de que o sonho chinês, não só não exclui o sonho dos outros países, mas que os ajudará, em particular, os que estão em desenvolvimento, a realizar os seus sonhos. O sonho chinês é, em primeiro lugar, o sonho do povo chinês, ou seja, o seu objectivo é o bem-estar do povo. Em segundo lugar, a sua meta é consolidar a prosperidade e a liberdade no país. Além disso, o sonho da civilização chinesa, ao conseguir um desenvolvimento económico sem paralelo na história, é o de proporcionar à humanidade um outro tipo de riqueza. O que é exactamente o sonho chinês no século XXI? Numa só frase, é ter um mundo comum. Actualmente mais de sete mil milhões de pessoas de milhares de grupos étnicos, vivem em duzentos e trinta e nove países e regiões do mundo. Construir uma sociedade modestamente acomodada, um país rico e poderoso e um povo dinâmico e feliz, assim definiu o presidente chinês Xi Jinping, aquando da sua eleição.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesUnidade na diversidade “When the historical decision leading to the banking union was taken at the European Council in June 2012, the declared reason was to “ensure that the supervision of banks in all EU member states is equally effective in reducing the probability of bank failures.” One year later, while stressing that the completion of the banking union had become a priority among the policy objectives of European policymakers, the Council stated that “it is imperative to break the vicious circle between banks and sovereigns.” At the origin of these statements, there are the large amounts of money spent by several European governments to bail out those banks involved in the financial crisis that started in 2007.” The European Banking Union: A Critical Assessment Angelo Baglioni O “Dia da Europa”, comemorado a 9 de Maio de 2016, recorda a paz e a unidade que o continente europeu vive desde o final da II Grande Guerra. A data representa o aniversário da histórica “Declaração Schuman”. O ministro dos negócios estrangeiros francês, Robert Schuman, pronunciou, em Paris, a 9 de Maio de 1950, um discurso em que expôs a sua ideia de uma outra forma de cooperação política na Europa, que tornasse impensável uma nova guerra entre os países europeus, propondo a criação de uma “Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) ”. Os Estados membros fundadores foram a França, República Federal da Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo, e assinada, a 18 de Abril de 1951, em Paris, sendo a primeira de um conjunto de instituições europeias que levariam à actual União Europeia (UE). A proposta de Schuman é considerada como o começo da UE, e desde então, sucedem-se os actos anuais, nessa data, de celebração. O presidente da Comissão Europeia, conjuntamente com os demais comissários, participaram em eventos nacionais e europeus, incluindo visitas às instituições europeias e actividades da UE, tal como o diálogo com os cidadãos, debates, conferências e diversos eventos culturais nos Estados membros. O dia 9 de Maio, deveria ser uma oportunidade única para promover, ainda mais, a transparência e incentivar a aproximação entre a UE e os seus cidadãos, quando vive a sua pior crise de sempre de natureza económica, financeira, com profundas e graves clivagens internas, causadas pelo fluxo migratório e assolada por denodados actos de terrorismo. As instituições europeias abriram as suas portas, para dar uma oportunidade aos europeus de descobrir o seu trabalho diário. O tema central, da 24.ª edição de visitas de portas abertas, teve como lema a “Unidade na diversidade”, quando a UE vive exactamente o oposto, pois os seus Estados membros, nunca estiveram mais desunidos e fracturados pela adversidade das situações previsíveis, mas incontornáveis que os tem atingido. A celebração dos sessenta e seis anos da “Declaração Schuman”, embrião da EU, demonstra o quanto é necessário, que se reinvente uma nova Europa, tal como foi pensada pelos seus fundadores, e reavivada por um conjunto de europeus ilustres, que têm vindo a propor um roteiro, para assegurar o futuro da EU, que a continuar a sofrer os impactos que conhecemos e sem uma liderança forte, que una todos os europeus e que nela se revejam, como garantes da sua identidade, a direcção que leva é de colisão e fractura. Seja qual for o resultado do referendo britânico, a Europa e os europeus necessitam urgentemente de um novo alento. É demasiado o que está em jogo, como seja evitar a marginalização da Europa, não apenas do ponto de vista económico e político, mas também social, moral e cultural. O desafio comum da Europa é conciliar-se com os seus cidadãos confusos, desorientados e cépticos, para voltar a criar uma Europa influente, que tenha um projecto de futuro e de esperança para todos. A UE terá de deixar a política hipócrita das palavras e passar aos actos, resolvendo os problemas que são imensos e se acumulam, caso contrário, morrerá. Se não for dado um novo impulso político aos cidadãos europeus, os demónios populistas que quase a têm destruído, acabarão por vencer. A história é distinta nas suas formas, mas o resultado poderá voltar a ser desastroso. A fim de se conseguir uma nova dinâmica devem ser valorizados novos êxitos. A UE é a entidade política, económica e mais solidária, menos injusta, mais democrática, pacífica e mais diversificada que a humanidade conheceu, tendo vindo a perder essas preciosas e únicas características, e ímpeto a cada dia, sendo um dos maiores triunfos políticos e económicos da época moderna. Fazer respeitar os seus valores e convertê-la num motor de progresso para todos os cidadãos europeus, exige a adopção de uma estratégia de vulto. É necessário urgentemente, um itinerário preciso, devendo tal obra ser iniciada, de imediato, pelas instituições europeias e Estados membros, não devendo ser um grupo de países dominados pela Alemanha e França. É necessário o restabelecimento da confiança, e dar um novo impulso à dinâmica europeia que passam por algumas estratégias, sendo o principal, o fortalecimento da democracia europeia, que não consegue responder aos problemas que atingem os cidadãos, não sendo possível, como peregrinamente muitos defendem, considerarem-se europeus, sem uma cultura de cidadania partilhada. Os Estados membros devem implementar uma educação cívica comum, que a todos sirva e comprometerem-se que o futuro presidente da Comissão Europeia seja eleito em função dos resultados eleitorais provindos das urnas. A democracia deve chegar à Comissão Europeia. É necessário clarificar as regras, para que os referendos sobre a adesão à EU, não se convertam em meros negócios políticos ou de estratégia duvidosa. A Europa “a la carte” não é uma opção, é um desastre. É indispensável, uma iniciativa estratégica, de segurança e defesa dos cidadãos da UE. Os Estados membros devem cumprir os seus compromissos em matéria de segurança interna, intensificando as cooperações policiais – (Europol, que é a agência responsável por garantir o cumprimento da legislação da UE, ajudando os Estados membros a lutar contra a criminalidade internacional e o terrorismo), judiciais (Eurojust, que é um organismo responsável por ajudar as autoridades nacionais a cooperarem para lutar contra as formas graves de criminalidade organizada, que envolvem mais do que um país da UE) e de informação, bem como no plano externo, implementar uma política de fronteiras moderna, suportada num corpo europeu de polícia de fronteiras e infra-estruturas de controlo e acolhimento, que respeitem os valores europeus. A UE, deve simultaneamente, implementar uma política de estabilização das regiões vizinhas em todos os domínios, quer seja no económico, cultural e diplomático, como no militar. A UE deve tomar a iniciativa que está relacionada com os refugiados. O “Acordo com a Turquia” não é uma solução a longo prazo. O país está inundado de refugiados e o tráfego de pessoas, prospera utilizando outras rotas. A Europa deve escolher outro caminho, que é o de acolher dentro dos limites possíveis, integrar, formar e preparar as condições para o regresso dos refugiados aos seus países, pois não é uma política de portas abertas, recebendo todos, mas apenas, os que estejam dispostos a integrar-se e a aceitar os valores europeus. Os cidadãos europeus só aceitariam uma tal política se melhorar a sua vida quotidiana. O desafio da segunda fase do plano do presidente da Comissão Europeia para estimular o crescimento, é investir nos sectores com maior futuro, capazes de promover a criação de empregos de proximidade, modernizar de forma duradoura a economia europeia e consolidar a vantagem competitiva, dentro de uma política industrial comum, que permita recuperar a autonomia europeia, como por exemplo, um plano de desenvolvimento e restauração do “habitat”, com a utilização de novos materiais e tecnologias digitais, que transformaria a vida dos cidadãos e conceder-lhe-ia a liderança mundial no sector. É importante considerar a criação de três planos centrados nos transportes, energias renováveis e nas competências digitais do futuro. A “zona euro”, terá de reforçar o seu potencial de crescimento, a sua capacidade de fazer face a choques assimétricos e favorecer a convergência económica e social. Tal, exige a necessidade de atribuir novas prerrogativas ao “Mecanismo Europeu de Estabilidade”, ou seja, uma competência orçamental para a “zona euro”, e a rápida implementação da união bancária, aproveitando para reformar e corrigir os defeitos existentes. O “Programa Erasmus” deve ser democratizado, alargando o horizonte cultural de toda a juventude europeia, com o fim de incentivar a igualdade de oportunidades e o sentimento de identidade a um projecto comum. Estas iniciativas pretendem, voltar a colocar o cidadão no centro do projecto europeu, e incentivar o crescimento, emprego e a inovação. É possível pôr em prática, se existir a necessária vontade política nos próximos anos. O presidente Franklin Roosevelt fez, com o “New Deal”, em 1933. As economias avançadas têm essa capacidade, devido às margens não utilizadas do orçamento europeu e ao emprego de novos recursos. Entre as soluções que terão de ser pensadas, está a disponibilidade de recursos e a solicitação de um empréstimo ao “Banco Europeu de Investimentos (BEI) ”. A médio prazo, a mobilização e a reflexão colectiva dos cidadãos europeus, devem ser as premissas da realização de uma nova “Conferencia Intergovernamental (CIG) ”, ou de um novo “Tratado Europeu”, que converta a Europa, numa grande potência democrática, cultural e económica, que garanta no seu espaço interno, a solidariedade e os direitos fundamentais, actualmente em perigo de vida, e que se dote dos meios essenciais para exercer a sua soberania. O novo “Tratado” a sair desse debate, aplicar-se-ia, apenas aos Estados membros que desejem uma maior integração, e sempre estiveram convencidos de que o interesse geral europeu, não se limita à soma dos interesses nacionais, o que só será possível, se as dezenas de milhões de europeus, acreditarem que o futuro da Europa se escreve unidos, e começarem a mobilizar-se nesse sentido. Assim, se evitaria que a UE se desintegre em pedaços a um ritmo vertiginoso, e cujo sinal é visível, como por exemplo, a decisão da Hungria, a 22 de Outubro de 2015, de construir uma cerca ao longo da fronteira com a vizinha Croácia, também Estado membro da UE. A crise da “zona euro” fragmentou os fluxos financeiros, causando divergência entre as economias, debilitando o apoio político às instituições da UE e confrontando os cidadãos europeus. Os governos erigem barreiras e restauram controlos fronteiriços, a crise dos refugiados cria obstáculos à circulação de pessoas e ao comércio internacional, e enquanto a Europa se parece desfazer no medo de ataques terroristas, aumenta o risco de que o Reino Unido vote por a abandonar.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Brasil e o futuro (I) “What is Brazil’s strategy to cope with the emerging world order? The question has come up time and again in scholarly writings as analysts try to project whether Brazil is bound to be a “responsible stakeholder” or a spoiler of the emerging system. Brazil is as vibrant and messy a democracy as any other: Brazilian presidents preside over an often-fractured governing coalition and they face the challenge of managing a vast federal state with an unruly set of bureaucracies and semi-independent agencies operating within it.” Shaper Nations: Strategies for a Changing World Hardcover William I. Hitchcock, Melvyn P. Leffler and Jeffrey W. Legro A presidente do Brasil anunciou um crédito extraordinário aos bancos estatais, grupos de agricultores e empresas, a 29 de Janeiro de 2016, de forma a ajudá-los a superar a pior crise que o país atravessa nos últimos cem anos. O ministro das Finanças anunciou, sete medidas para conceder os créditos às diferentes áreas da economia, dado ser obrigação do governo fazer um melhor uso dos recursos existentes. As medidas projectadas e a serem executadas, constam linhas de crédito e o uso de fundos de pensões para incentivar maiores investimentos em habitação e infra-estruturas. As medidas criaram apreensão entre os investidores, por recearem que o país abrande o seu programa de austeridade e regresse às políticas fiscais frouxas do primeiro governo da presidente brasileira. O país atravessa a recessão mais profunda desde a “Grande Depressão” da década de 1930. Após uma queda de 3 por cento do PIB, em 2015, o FMI prevê outro recuo de 1 por cento para 2016, e adverte do risco de contágio na região. O governo da presidente brasileira, começou a esgotar a sua capacidade de resposta, depois de ter registado um deficit de 6,2 por cento do PIB, em 2014 e uma dívida pública superior a 60 por cento. A inflação é de cerca de 10 por cento. A dívida das empresas aumentou no equivalente a 15 por cento do PIB, desde 2007. A taxa de inflação é de 10, 2 por cento, equivalente 10,4 milhões de pessoas sem emprego, ou seja, diariamente ficam desempregadas duzentas e oitenta e duas pessoas. A somar à desastrosa situação económica, a presidente do Brasil está a ponto de se ver profundamente envolvida no escândalo denominado de “Petrolão”, pasmando o mundo político internacional. O Brasil amanheceu a 4 de Março de 2016, surpreendido e conturbado, pois o ex-presidente Lula da Silva, foi denunciado por um senador arrependido, que procurava aliviar a sua condenação no escândalo de corrupção na “Petrobras”, tendo sido detido por ordem judicial, por se recusar a colaborar com a justiça, e submetido a interrogatório, sobre presumíveis dádivas recebidas. É acusado de conhecer profundamente o processo de corrupção desde o seu início. A mesma acusação é feita contra a presidente, ainda em exercício de funções, reavivando a tese do “impeachment” ou julgamento político. A situação apesar de séria e grave, não obscurece a profunda crise económica que o país vive, continuando a classe média abastada, a praticar o consumo de luxo, enquanto os sectores menos endinheirados diminuíram grandemente a procura de bens e serviços, numa economia que se contraiu 3,8 por cento, em 2015, sofrendo o maior recuo dos últimos vinte e cinco anos. A estrela das economias emergentes vai a caminho de sofrer a sua pior recessão, desde 2010, quando as estatísticas sérias no país apresentaram um crescimento da economia de 7,5 por cento. A previsão para 2016 é de um crescimento de -4 por cento do PIB. Os despedimentos no sector privado, em Janeiro de 2016, foram de cem mil trabalhadores, tendo sido despedidos, um milhão e quinhentos mil trabalhadores, em 2015. As vendas a retalho diminuíram 7 por cento, e a inflação actual situa-se em 11 por cento, com tendência a subir. O deficit orçamental é imenso e representa 10,8 por cento do PIB, não se atrevendo a presidente brasileira a tomar sérias medidas para o reduzir, com receio da reacção popular poder agravar a recessão. É preciso salientar que a actual situação brasileira se deve à queda mundial dos preços dos produtos básicos e do petróleo, em especial; à total falta de investimento e às tentativas de reduzir o deficit, depois das imensas e desnecessárias despesas dos últimos anos, pelo que a gravidade da sua situação económica terá um forte impacto negativo, sobre as economias dos demais países do continente sul-americano. O Brasil terminou 2015, no meio de um grande escândalo político, considerando o “impeachment” da presidente, rebaixando o grau de investimento, acumulando uma taxa de depreciação nominal relativamente ao dólar, em cerca de 47 por cento e removendo o ministro da Fazenda, por estar a presidente Dilma contra a política de ajustes fiscais que defendia anteriormente. Esta última situação não apenas mostrou a debilidade política da presidente, que tinha apoiado fortemente o ex-ministro da Fazenda no processo de ajuste, mas também uma falta de apoio do arco político da governação, para continuar com a política de ajuste fiscal. O ex-ministro da Fazenda veio a ser nomeado director financeiro do Banco Mundial. Os acontecimentos fizeram que o então ministro do Planeamento ganhasse à presidente Dilma, o braço de ferro relativamente à facção mais ortodoxa. Todavia, o facto de o Brasil ter chegado a esta situação faz todo o sentido, para quem tem seguido a evolução da sétima economia mundial e a primeira da região, à qual os demais países vizinhos observam com particular preocupação, por ser o destino principal das suas exportações industriais. A economia brasileira, na primeira presidência de Dilma, de 2011 a 2014, cresceu a um ritmo médio anual de 2,2 por cento, em 2014 paralisou, e em 2015 sofreu uma contracção de 3,2 por cento, em termos reais, ou seja, os cinco anos de Dilma no governo federal, a economia brasileira acumulou uma subida de apenas 5,8 por cento, ou seja de 1,1 por cento anuais O investimento interno bruto, foi de longe, a componente da procura global que teve o pior desempenho, tendo caído pelo segundo ano consecutivo a um ritmo de 12,7 por cento anuais, superando a enorme contracção de 8,9 por cento, registada em plena crise do real, em 1999, tendo alcançado o nível mais baixo de participação no PIB, desde 2007. Assim, não só foi importante o mau desempenho do sector privado, mas também a paralisação das obras públicas, pelo que o consumo privado se contraiu de forma significativa em cerca de 3 por cento anuais, registando a primeira contracção desde que o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou as eleições, em 2003. A despesa pública manteve-se relativamente estável em cerca de 0,4 por cento anuais e por consequência, a procura interna contraiu-se 4,5 por cento, em 2014, tendo ultrapassado folgadamente o ritmo de contracção registado durante a crise do real, em 1999. O sector das exportações foi o único amortecedor do ritmo de queda do PIB, apesar do contexto internacional se encontrar, em plena deterioração. A forte depreciação do real, em particular, o volume das exportações de bens e serviços conseguiram atingir um aumento de 4 por cento anuais, e as importações caíram 12,4 por cento, proporcionando una forte melhoria do saldo líquido. Quanto aos sectores produtivos, a indústria teve de longe o pior desempenho, com uma queda média de 5,6 por cento anuais. Foi o segundo ano consecutivo em queda do sector industrial, que acumula um recuo de 1,2 por cento, desde que Dilma assumiu a presidência. À recessão declarada pelo nível de actividade económica, em geral e industrial, em particular, há que acrescentar a aceleração da subida da taxa da inflação que atingiu 10,7 por cento, em 2015, muito acima do limite máximo da taxa de 6,5 por cento objectivo da politica monetária, tratando-se do maior aumento, desde 2002. A maior parte da causa dos problemas económicos e políticos que o Brasil enfrentou em 2015, deram-se em 2014, pois foram consequência directa da má estratégia eleitoral do PT, para conseguir a reeleição de Dilma Rousseff. A vertente económica dessa estratégia teve como suporte uma política fiscal super expansiva e como consequência, desde 1997, o sector público não conseguiu ter um superavit primário em 2014 e 2015, tendo o deficit antes do pagamento dos juros da dívida pública, atingido 0,9 por cento do PIB. É de recordar, que apesar de o Brasil ter um “stock” de dívida de 66 por cento do PIB, sendo 13 por cento acima do nível em que Dilma iniciou a sua primeira presidência, a taxa média é de cerca de 14 por cento anual, dado que a maioria da dívida, é de curto prazo, denominada em reais, consumindo 8,5 por cento do PIB para o pagamento dos serviços da dívida. É de realçar que para entender o mau desempenho da produção e da procura interna, em geral, e do consumo privado, em particular, deve-se ter em conta que na última década, a massa salarial cresceu mais que a produção, a que se acrescentou a disponibilidade de crédito a taxas de juros historicamente mais acessíveis. Esse círculo, então virtuoso, começou a reverter-se nos últimos anos. Os salários têm vindo a cair, em termos reais, desde Março de 2015, a um ritmo de 4,5 por cento anuais e a taxa de desemprego, subiu 3 por cento, atingindo os 8 por cento, o que implica que se perderam mais de um milhão de postos de trabalho, em 2015. As previsões do mercado, indicam que a taxa de desemprego será de cerca de 10 por cento no final de 2016, e sendo obrigado o governo a implementar o ajuste fiscal, decide não o fazer pela impossibilidade de aumentar os impostos, dado atingirem uma pressão olímpica de 36 por cento do PIB, não tendo o PT melhor ideia que cortar nos subsídios de desemprego e parar as obras públicas. Assim, neste contexto é difícil procurar uma solução pelo lado das exportações. A desaceleração da China, principal destino dos produtos brasileiros não permite ser optimista quanto ao futuro, e daí se prever uma contracção mínima de 1 por cento para o PIB, em 2016, que conjuntamente com o desempenho da economia em 2015, será o pior biénio, desde a crise da década de 1930, e em tais condições, é de crer que o Banco Central não voltará a cumprir a meta inflacionária antes de 2019. O Brasil não aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida pela calma internacional, não tendo conseguido avançar rapidamente para resolver os problemas estruturais relacionados com o atraso do investimento em infra-estruturas, baixa qualificação da sua mão-de-obra, altíssima pressão fiscal e um complexo emaranhado burocrático que desincentiva os investimentos. O PT, ao contrário, decide entregar assistência, subsidiar tarifas de serviços públicos de má qualidade, empréstimos ao consumo e estabelecer um conjunto de desagravamentos fiscais às indústrias. Tal política incentivou o consumo, através da despesa pública e empurrou a inflação, conseguindo esconder as debilidades do esquema de política económica até ao ponto de baixar a água e ficarem a descoberto todas as inconsistências. O mercado reagiu, reduzindo o seu nível de exposição e elevando o custo do endividamento, e foi especialmente depois de perder as notas de grau de investimento, que o milagre brasileiro se apagou por algum tempo.
Jorge Rodrigues Simão h | Artes, Letras e IdeiasOs Papéis do Panamá “Files reveal the offshore holdings of 140 politicians and public officials from around the world .Current and former world leaders in the data include prime ministers of Iceland and Pakistan, the president of Ukraine, and the king of Saudi Arabia. More than 214,000 offshore entities appear in the leak, connected to people in more than 200 countries and territories. Major Banks have driven the creation of hard-to-trace companies in offshore havens.” ICIJ · The International Consortium of Investigative Journalists – The Panama Papers [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s consequências podem ser enormes e devastadores quando se souber todo o imbróglio do escândalo conhecido por “Papéis do Panamá (PP) ”. A iniciativa pertence a um “Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa) ”, com sede em Washington e constituído por jornalistas de setenta e oito países, que começaram a publicar casos de riqueza oculta, por pessoas famosas e políticos, e têm como base una filtração de onze milhões e quinhentos mil arquivos da base de dados do escritório de advogados do Panamá, Mossack Fonseca, especializada na gestão de capitais e de património. Os denominados PP, revelam que o escritório de advogados, Mossack Fonseca, criou uma rede de contas “offshore” durante quase quarenta anos, convertendo-se num dos escritórios de advogados mais encobertos do mundo, por cujas portas passaram milhões incontáveis de dólares. A lista contém detalhes sobre empresas “offshore” que são usadas, como meio para a realização de operações financeiras, ou que se mantém em estado latente para possível uso no futuro. As pessoas que aparecem ligadas a essas contas e que oficialmente se desconhece, parecem ir desde o presidente da Rússia, ao primeiro-ministro da Islândia, passando por futebolistas como Lionel Messi. A Suécia, Austrália, e outros países abriram entretanto, investigações para apuramento da realidade dos factos, quanto a cidadãos seus, presumivelmente implicados Os arquivos revelam que metade, ou seja mais de cento e treze mil empresas do escritório de advogados, Mossack Fonseca, tem domicílio nas Ilhas Virgens, que são um arquipélago, cuja parte ocidental é administrado pelos Estados Unidos, e conhecidas por Ilhas Virgens Americanas, e a parte oriental, pelo Reino Unido, e apelidadas de Ilhas Virgens Britânicas, conhecido por paraíso fiscal e detentor de uma das economias mais ricas das Caraíbas. A sede da empresa no Panamá, foi identificada pela “Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, (OCDE, na sigla inglesa) ”, como uma das que tem a menor protecção do mundo contra o branqueamento de capitais. Ainda que nenhum dos onze milhões de documentos, mencionem por exemplo, de forma directa o presidente da Rússia, como a exibição mais forte até o momento dos rumores sobre a sua imensa fortuna, a dúvida está lançada. O violoncelista Sergei Roldugin, padrinho da sua filha, entrou para a nova oligarquia e segundo os registos pode ser o músico mais rico do mundo, não se sabendo donde provêm tal riqueza. O primeiro-ministro da Islândia, alegadamente envolvido numa empresa nas Ilhas Virgens Britânicas que usou para gerir os investimentos de uma herança da sua mulher, demitiu-se a 5 de Abril de 2016, do seu cargo e do Partido Progressista que liderava a coligação no poder, e consta dos cento e quarenta líderes e políticos descobertos pela investigação. A investigação descobriu também, que bancos europeus trabalham com o escritório de advogados, Mossack Fonseca, criando milhares de empresas fictícias ou fantasmas para os seus clientes, encontrando-se entre outros, o Hong Kong and Shanghai Banking Corporation (HSBC), Coutts & Co., Rothschild Bank International, UBS AG, Société Générale e o Credit Suisse Group, mostrando as actividades dos bancos e as suas reacções, face aos esforços dos organismos reguladores nos Estados Unidos e na Europa para terminar com a evasão fiscal. O jornal inglês “Financial Times” a 6 de Abril de 2016, exigia que os bancos ingleses assumissem a responsabilidade que lhes cabia, afirmando que em 2005, por exemplo, os bancos ajudaram a criar mil oitocentas e catorze empresas fictícias ou intermediárias, traduzindo-se num grande aumento em relação às quinhentas e quarenta e três de 2004. O número de empresas deste tipo, criadas por bancos, manteve-se alto durante os anos seguintes, devido em parte, como resposta à Directiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, relativa à prevenção da utilização dos sistema financeiro para o branqueamento de capitais e para o financiamento do terrorismo, que exigia aos bancos a retenção de impostos de clientes com domicílio em países europeus, e como as normas não incluíam empresas, os bancos transferiram activos de pessoas a empresas “offshore” para fins de declaração de impostos. O círculo começou a fechar-se pouco depois, e o UBS AG, foi um dos doze bancos declarados estar sob investigação criminal, pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, por evasão fiscal dos seus clientes americanos. Os documentos confidenciais, têm um volume de 2,6 TB, traduzidos numa enorme quantidade de arquivos. Os PP são uma profunda e complicada teia internacional de finanças empresariais, corrupção e evasão fiscal. O núcleo de toda esta trama é um grupo de pessoas e organizações, que guardam o seu dinheiro em locais secretos “offshore”, como o Panamá, não sendo difícil de entender, pois em história para meninos, é como se uma criança tivesse uma moeda e a colocasse num porquinho que serve de mealheiro. O porquinho está na estante da sua secretária. A mãe sabe que está ali, e de quando em vez dá uma olhadela para ver quando a criança põe dinheiro ou o retira. Um dia a criança decide que a mãe não deve saber o dinheiro que tem, e vai à casa de um amigo com outro porquinho, escreve o seu nome, e coloca na sua estante de quarto. A mãe do amigo está sempre muito ocupada, e nunca tem tempo de ver o porquinho do filho, podendo assim, manter o seu porquinho seguro, pois será um segredo. Assim, todas as crianças do bairro acreditam que é uma boa ideia, e vão colocar o seu porquinho no quarto do amigo. A estante do amigo está cheia de porquinhos pertencentes a todas as crianças do bairro, mas um dia a mãe do amigo chega a casa e aborrece-se de ver todos os porquinhos, e decide convocar os pais de todas as crianças e contar-lhes a história. Todavia é preciso acreditar que nem todos fizeram por um mau motivo. O irmão mais velho de uma das crianças sempre retira moedas do seu porquinho, e ela teve de encontrar um esconderijo melhor para o seu porquinho. Esse irmão mais velho queria juntar dinheiro para comprar à mãe o presente de aniversário, sem que soubesse. Outra criança fê-lo, porque achou divertido. Mas muitas crianças fizeram por um mau motivo. Um estava a roubar dinheiro para o almoço de outros amigos, e não queria que os seus pais soubessem; outra estava a retirar dinheiro do porta-moedas da mãe; a um outro os pais tinham-no posto a dieta, e não queria que se dessem conta, quando retirava dinheiro para comprar guloseimas. Transportando a história de crianças para a vida real, muita gente importante foi descoberta a esconder os seus porquinhos na casa do amigo no Panamá, e todas as mães tiveram conhecimento ou estão em vias de ter. Quiçá, rapidamente, saberemos mais, sobre quais as pessoas que o fizeram por maus e bons motivos, mas em qualquer das situações, todos estão metidos em problemas, porque qualquer que seja a razão, manter segredos desta natureza é ilegal. A versão mais vendida é de que na grande maioria dos casos, as pessoas envolvidas escondiam o seu dinheiro, de forma que tecnicamente é legal para evadir ao pagamento de impostos, e que se tem vindo a fazer há décadas, devido a más políticas que permitem às grandes empresas evadir impostos de forma obscura, numa zona cinzenta, mas legalmente permitida. Porém, não é este tipo de conduta que se espera das grandes empresas porque o dinheiro ali depositado deveria ir para os cofres dos respectivos países. É de notar que igualmente, estão metidos em sarilhos, os que fizeram tudo de forma correcta. Os PP, ainda sem se saber a sua extensão, repercussão e reais consequências, são o escândalo económico do ano, e de filtração de documentos maior da história. Os 2,6 TB de dados, que contêm os onze milhões e quinhentos mil documentos tornam pequenas, todas as fugas de dados anteriores. Os dados, que mostram o uso de paraísos fiscais, é composto essencialmente de correios electrónicos, fotografias, arquivos no formato PDF, folhas de cálculo e os extractos de uma base de dados interna do escritório de advogados Mossack Fonseca, desde da década de 1970. A questão fundamental é a de saber como encontrar o significado a tamanha quantidade de informação, e do ainda pouco que se sabe depreende-se alguma informação essencial à compreensão desta embrulhada financeira. Os dados que se filtraram não são apenas de anos recentes, pois os documentos vão desde 1970 a 2015, o que significa que existem mais de quarenta anos de transacções financeiras, sociedades comerciais e empresas nos documentos de Panamá. O número de sociedades comerciais que aparecem com todo o seu historial é cerca de vinte e uma mil. A metade das sociedades comerciais tem a sua sede nas Ilhas Virgens Britânicas. O destino preferido dos clientes do escritório de advogados Mossack Fonseca é sem lugar a dúvidas, radicar as empresas e sociedades comerciais nas Ilhas Virgens Britânicas, e uma de cada duas empresas, ou seja, cento e treze mil incorporam-se nesse território. O segundo destino mais popular para as inscrições de empresas, constantes dos arquivos é o Panamá, onde se encontram registadas mais de quarenta e oito mil empresas. Os outros destinos escolhidos foram as Baamas, com dezasseis mil empresas e as Ilhas Seicheles, com quinze mil empresas registadas. A Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEK) lidera a lista dos envolvidos, onde mais intermediários operam, contando-se entre eles, bancos, escritórios de advogados e contabilistas. O ICIJ afirma que o escritório de advogados, Mossack Fonseca, trabalhou com mais de catorze mil bancos, escritórios de advogados, sócios fundadores das empresas, sociedades, fundações e fideicomissos para os seus clientes. A RAEK conta com mais de dois mil intermediários. O segundo lugar pertence ao Reino Unido, onde existiam mais de mil e novecentos intermediários, sendo o terceiro lugar ocupado pela Suíça, com cerca de mil e duzentos intermediários. Os países da região aparecem no final das tabelas dos dez países que mais colaboraram. O Brasil tem quatrocentos intermediários, Equador trezentos intermediários e o Uruguai com duzentos e noventa e oito intermediários. O Wikileaks, publicou cerca de 1,7 GB de informação, que é consideravelmente menor que a memória de um telefone inteligente de gama média, em 2010. Os arquivos do HSBC eram de 3,3 GB de informação, em 2015. Os arquivos sobre os impostos do Luxemburgo eram de 4 GB de informação, em 2014. Os PP são 2.6 TB de informação. A maior parte da informação é documentos de dois tipos, como afirmado, sendo correios electrónicos num total de cinco milhões e distintos arquivos de base de dados, que somam uma quantidade superior a três milhões, havendo mais dois milhões de arquivos no formato PDF (texto) e um milhão de imagens. Aos países cumpre descobrir, em cooperação, qual o montante de impostos não arrecadados. O mundo está repleto de esquemas desta natureza e mais sofisticados, que alimentam conflitos armados, pois o estudo do “Institute for Economics and Peace’s (IEP) ” efectuado em 2014, revelou que dos cento e sessenta e dois países estudados, apenas onze não estavam envolvidos em nenhum tipo de guerra.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Economia Circular “The global population is forecast to reach 9 billion by 2030, including 3 billion new middle-class consumers. This places unprecedented pressure on natural resources to meet future consumer demand. The circular economy is a redesign of this future, where industrial systems are restorative and regenerative by intention and design. At the same time, its potential for innovation, job creation and economic development is huge: estimates indicate a trillion-dollar opportunity.” World Economic Forum, Davos, 2016 [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Europa que utilize eficazmente os recursos é uma das sete iniciativas emblemáticas que formam parte da estratégia “Europa 2020”, que pretende criar um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, sendo actualmente a principal estratégia da europeia para criar crescimento e emprego, com suporte do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu. Esta iniciativa emblemática, pretende criar um quadro político, destinado a apoiar a mudança para uma economia eficiente no uso dos recursos, e de baixa emissão de carbono, que ajude a melhorar os resultados económicos, e simultaneamente reduza o uso dos recursos, identificar e criar novas oportunidades de crescimento económico, estimular a inovação e a competitividade da União Europeia (UE), garantir a segurança do fornecimento de recursos essenciais, lutar contra as alterações climáticas e reduzir os impactos ambientais do uso dos recursos. A estratégia “Europa 2020” foi lançada em 2010, para relançar o crescimento e o emprego. Esta estratégia visa não apenas a saída da crise, da qual as economias estão a recuperar gradualmente, mas também colmatar as deficiências do modelo de crescimento e criar condições para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. Foram definidos cinco objectivos principais que a UE deverá atingir, até ao final de 2020. Os objectivos dizem respeito ao emprego, à investigação e desenvolvimento, ao clima e energia, à educação e à inclusão social e redução da pobreza. A iniciativa simbólica oferece um quadro de medidas de forma coerente, a longo prazo, e outras a médio prazo, entre as quais, se conta uma estratégia destinada a converter a UE numa economia circular, assente numa sociedade de reciclagem, de forma a reduzir a criação de resíduos, e a utilizá-los como recursos. A economia circular é um conceito económico que se inclui no quadro do desenvolvimento sustentável, e cujo objectivo é a produção de bens e serviços, conjuntamente reduzindo o consumo e o desperdício de matérias-primas, água e fontes de energia. Trata-se de desenvolver uma nova economia circular, não linear, assente no princípio do encerramento do ciclo de vida dos produtos, serviços, resíduos, materiais, água e energia. A economia circular é o cruzamento das visões ambientais e económicas O sistema linear da nossa economia, como a extracção, produção, utilização e eliminação atingiu os seus limites, começando a sentir-se o esgotamento de um conjunto de recursos naturais e de combustíveis fósseis. A economia circular propõe um novo modelo de sociedade que utiliza e optimiza os produtos armazenados e os fluxos de materiais, energia e resíduos, e o seu objectivo é a eficiência do uso dos recursos. A economia circular é fonte geradora de emprego. O sector da gestão dos resíduos representa em muitos países milhares de postos de trabalho, e num contexto de escassez e flutuação dos custos das matérias-primas, a economia circular contribui para a segurança do fornecimento e reindustrialização dos países. Os resíduos de uns convertem-se em recursos de outros. O produto deve ser desenhado para ser desconstruído. A economia circular consegue converter os nossos resíduos em matérias-primas, paradigma de um sistema do futuro, gerador de emprego local e não deslocável. A economia circular assenta em vários princípios, como os da eco-concepção, que considera os impactos ambientais ao longo do ciclo de vida de um produto, e integra-os desde a sua criação. A ecologia industrial e territorial é outro dos princípios que preconiza o estabelecimento de um modo de organização industrial num mesmo território, caracterizado por uma gestão optimizada dos produtos armazenados e dos fluxos de materiais, energia e serviços. A economia da funcionalidade é um outro princípio importante, pois privilegia o uso face à posse, a venda de um serviço face a um bem. O segundo uso é um princípio a ter em conta, dado defender a reintrodução no circuito económico dos produtos que não condizem com as necessidades iniciais dos consumidores. O princípio da reutilização é um dos princípios essenciais, pois entende que reutilizar certos resíduos ou algumas das suas partes a funcionar, servem para a criação de novos produtos. O princípio da reparação põe ênfase na descoberta de uma segunda vida para os produtos maltratados. O princípio da reciclagem defende o aproveitamento dos materiais que se encontram nos resíduos. O princípio da valorização defende o aproveitamento energético dos resíduos que não podem ser reciclados. A economia circular tem como destinatários, quer os funcionários públicos responsáveis pelo desenvolvimento sustentável e do território, bem como as empresas que procuram ganhos económicos, sociais e ambientais, assim como a sociedade que deve questionar sobre as suas reais necessidades. O desenvolvimento da economia circular deve ajudar a reduzir o uso dos recursos, a diminuir a produção de resíduos e a controlar o consumo de energia, devendo participar igualmente, na reorientação produtiva dos países. Assim, além dos benefícios ambientais, esta actividade emergente é geradora de riqueza e emprego, incluindo as do âmbito da economia social, em todo o território de um país, e o seu desenvolvimento deve permitir uma vantagem competitiva no contexto da globalização. O Comissário Europeu para o Ambiente, Assuntos Marítimos e Pesca, durante a realização do “III Fórum Internacional sobre Economia e Eficiência dos Recursos”, afirmou que era necessário transformar a Europa numa economia eficiente nos recursos, ainda que a eficiência tão só não fosse o bastante, pois também teria de se assegurar, que uma vez utilizados os produtos, alimentos e bens, fossem seleccionados os seus materiais e usados várias vezes. A Europa utiliza uma média de dezasseis toneladas de materiais por pessoa anualmente para funcionar a economia, e cerca de seis toneladas por pessoa, transformam-se em resíduos, e quase metade dos resíduos gerados, terminam em aterros. A parte integral da abordagem da UE para a eficiência dos recursos deve separar-se da economia linear, de onde são extraídos os materiais da terra para fabricar os produtos, usar e depois os eliminar, até uma economia circular, onde os resíduos e os subprodutos do final de vida dos produtos usados entram num novo ciclo de produção, como matérias-primas secundárias. O uso de resíduos como a principal fonte de matéria-prima fiável é essencial à UE. Existe uma forte motivação económica e empresarial, a favor da economia circular e da eficiência dos recursos. A Comissão Europeia, como órgão colegial e solidário, adoptou a eficiência dos recursos, como um pilar central da sua estratégica económica estrutural “Europa 2020”. A relação da boa gestão dos resíduos foi o tema central da Comissão Europeia, em 2014. A Comissão Europeia incluirá nos seus projectos, um pacote muito mais amplo sobre a eficiência dos recursos e a economia circular, dado que os resíduos são apenas uma etapa no ciclo de vida dos produtos. O presente modelo económico de tomar, fazer e descartar assenta em dispor de grandes quantidades de energia e outros recursos baratos e de fácil acesso, mas que estão a chegar ao limite da sua capacidade física. A economia circular é uma alternativa atractiva e viável, que começou a ser explorada por muitas empresas de diversos sectores e países, proporcionando múltiplos mecanismos de criação de valor, não ligados ao consumo de recursos limitados. O consumo apenas se pratica em ciclos biológicos eficazes, ou seja, o uso substitui o consumo, numa verdadeira economia circular. Os recursos renovam-se dentro do ciclo biológico, ou recuperam-se e restauram-se, por força do ciclo técnico. Adentro do ciclo biológico, distintos processos permitem regenerar os materiais descartados, apesar da intervenção humana, ou sem que esta seja necessária. É de realçar que no ciclo técnico, com a suficiente energia disponível, a intervenção humana recupera os diversos recursos e refaz a ordem, dentro da escala temporal que se apresenta, pois manter ou aumentar o capital, pressupõe características diferentes em ambos os ciclos. A economia circular assenta em três princípios essenciais, cada um dos quais aborda diversos desafios, em termos de recursos e do sistema a que têm de enfrentar as economias industriais. O primeiro princípio consiste em preservar e melhorar o capital natural, controlando as existências limitadas e equilibrando o fluxo de recursos renováveis. Tudo se inicia desmaterializando a utilidade, ou seja, proporcionando utilidade de forma virtual, sempre que seja possível. O sistema circular, quando sejam necessários recursos, selecciona-os de forma sábia, escolhendo as tecnologias e processos que empreguem recursos renováveis que obtenham melhores resultados, sempre que tal seja viável. A economia circular melhora o capital natural, aumentando o fluxo de nutrientes do sistema e cria condições que, por exemplo, permitam a reconstituição do solo. O segundo princípio, consiste em optimizar o uso dos recursos, rodando produtos, componentes e materiais com a máxima utilidade, em todo o momento, tanto nos ciclos técnicos, como nos biológicos, o que pressupõe desenhar para que o processo de fabricação, restauração e reciclagem, se possa repetir, e que os componentes e materiais recirculem e continuem a contribuir para a economia. Os sistemas circulares empregam laços internos mais ajustados, sempre que possam preservar mais energia e outros valores, como o trabalho incorporado. Este tipo de sistemas reduz a velocidade de rotação dos produtos ao aumentar a sua vida útil, e incentiva a sua reutilização. A acção de compartilhar faz aumentar a utilização dos produtos. Os sistemas circulares maximizam o uso de materiais com base biológica no final da sua vida útil, ao extrair valiosos elementos bioquímicos, e fazer que passem em cascata a outras aplicações distintas, e cada vez mais básicas. O terceiro princípio consiste em incentivar a eficácia do sistema, revelando e eliminando externalidades negativas, incluindo a redução de prejuízos, diminuindo os danos ao uso humano, como os relacionados com os alimentos, mobilidade, habitação, educação, saúde e descanso, bem como gerir externalidades, como o uso da terra, poluição atmosférica, águas e ruído, emissão de substâncias tóxicas e as alterações climáticas. O 9.ª edição do “Fórum e Exposição Internacional de Cooperação Ambiental de Macau (MIECF na sigla na língua inglesa) ” , com o lema “Economia Verde – Oportunidades para a Gestão de Resíduos” , e o conceito “Pensar Verde, Ambiente Limpo, Viver Bem”, realiza-se entre 31 de Março de 2016 e 2 de Abril de 2016, tendo um “Fórum Verde” onde será debatido, o tema capital “From Waste to Resources and Rewards – The Roadmap towards Circular Economy”.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Europa em risco de desintegração “The European Union, in turn, would be diminished by Britain’s departure. Britain would cease to play its historic role of maintaining a balance between hostile blocks on the continent. Its departure would powerfully reinforce a process of economic and political disintegration that is already under way.” The Tragedy of the European Union: Disintegration or Revival? George Soros and Gregor Schmitz O sistema de controlo de fronteiras europeu teve fortes probabilidades de se estalar em pedaços, após a reunião a 7 de Março de 2016, entre a União Europeia (UE) e a Turquia. Estava em causa o problema dos imigrantes, pois mais de cinquenta mil refugiados da Síria e do Iraque inquietam a Grécia, que não sabe o destino a dar-lhes, enquanto os países próximos, liderados pela Áustria, constroem barreiras físicas e impõem rígidos controlos. O primeiro-ministro inglês e o presidente francês, entretanto, reuniram-se na França, por causa das comemorações relativas ao centenário aniversário da batalha do Somme, a mais sangrenta da I Guerra Mundial. A ansiedade do primeiro-ministro inglês reside no próximo referendo britânico que decidirá se existirá “Brexit”, ou seja, se a “Ilha” abandona ou não a UE. O presidente francês, não consegue entender esta frivolidade inglesa, quando a Europa faz face ao enorme problema dos refugiados, apelidada de nova invasão dos bárbaros e a uma grave crise económico. A chanceler alemã jogava o seu futuro político, pois necessitava de convencer a Turquia, a assumir o papel da Grécia e conter as centenas de milhares de refugiados no seu território, em troca de importantes ajudas económicas, que seriam de três mil milhões de Euros iniciais e a promessa de retirar do congelador a integração da Turquia na UE. A Turquia não é fácil de ser convencida, mais quando, está envolvida no conflito militar generalizado da Síria, e na sua eterna luta contra os curdos. Os Estados membros da UE, pela primeira vez, não demonstram vontade de assumir posições colectivas e preferem a situação oposta, privilegiando soluções nacionais, como é evidente nos casos da Hungria, Áustria, Eslovénia e da Macedónia (Estado candidato à integração desde 2004). Esta sintonia pode ser nefasta, agravada em caso da saída britânica, conjuntamente, com um agravamento da crise de refugiados, a UE não ficaria destruída, mas irremediavelmente prejudicada e com menor relevo global. A UE com quinhentos milhões de habitantes pode absorver um milhão de refugiados por ano, devidamente repartidos entre os seus Estados membros, após resolução das crises económicas e financeiras de alguns países e do desemprego. A Alemanha não tem capacidade para resolver por si só, o grave problema que atormenta a Europa. Existe o risco de várias divisões. A primeira é Norte-Sul, onde o esquema de Schengen, constituído pelo grupo de países que aceitam estrangeiros em um dos países membros, sendo suficiente para que se desloquem pelos demais, pode ser anulado. A segunda, também Norte-Sul, é o futuro do Euro. A moeda comum tem fortes condicionantes em países como a Grécia, mas também, em Itália, Espanha e Portugal. A terceira, é uma nova divisão Este-oeste, onde os governos democráticos ocidentais começam a sentir dificuldades, com regimes com tendências autocríticas como nos Balcãs, todos herdeiros de anos de dominação do modelo soviético. O “Brexit”, o novo fantasma que agoira a Europa, e que ninguém parece animado a prever o resultado do referendo inglês, é incómodo, pois o resultado pode ser “SIM” e o Reino Unido sai da EU, e poderá acontecer que a Suécia e a Dinamarca sigam o desastroso exemplo. Após um lento processo evolutivo de integração de sessenta anos, emerge a possibilidade do retrocesso. A UE iniciou negociações com a Turquia a 28 de Fevereiro de 2016, para tomar medidas para cortar o fluxo de imigrantes que entram na Europa, e em troca, receberá ajuda financeira e apoio à sua pretensão de entrada no bloco dos vinte e oito Estados membros. Assim, o governo turco foi pressionado pela UE e pela Alemanha para rejeitar sistematicamente imigrantes não sírios, e a tomar medidas para combater o contrabando, tendo chegado a uma plataforma de entendimento. A sua implementação, apesar das contrapartidas tentadoras irá ser muito difícil, pois o seu conteúdo, tem por objectivo terminar com a crise de imigração que assoma a Europa. As estratégias implementadas para reduzir a quantidade de pessoas que fogem para a Europa fracassaram. A Turquia concorda em aceitar todos os imigrantes resgatados, em águas internacionais pela missão da NATO. O presidente do Conselho Europeu, advertiu que as portas da Europa se encerravam para todos os que não estavam a ser perseguidos, e assim, em conformidade com tal aviso, a Europa implementará o seu sistema de devolver os imigrantes sem condições de poderem obter o estatuto de refugiado. É de notar que cerca de duas mil pessoas chegam diariamente, às ilhas gregas, sendo metade de não sírios, e em 2016, chegaram por mar aos países europeus, um milhão e duzentos mil imigrantes. O acordo com a UE é muito sedutor, pois a Turquia recebe o equivalente a seis mil e seiscentos milhões de dólares para deter os refugiados; visto para os seus cidadãos poderem entrar nos Estados membros e negociações para integrar a UE. A Turquia para controlar as entradas dos imigrantes, como contrapartida, recebe muito mais do que lhe foi oferecido há seis meses. A questão dos refugiados ameaça a unidade europeia, e provoca uma enorme e não prevista crise. O acordado menciona que cada refugiado que a Turquia leve para o seu território da Grécia, a UE aceitará um refugiado sírio, tendo começado a produzir efeitos, desde 17 de Março de 2016, e não para momento posterior a ser negociado, como se tem vindo a afirmar. O acordado só não estaria em vigor nessa data, se a Turquia por razões fortemente fundamentadas e reais, apresentasse novas exigências. É uma aposta colossal que veio comprometer o futuro político do chanceler alemã, como era de prever. O estreitar de relações com a Turquia, trouxe um profundo descontentamento a diversos Estados membros, pois o seu governo, diariamente, torna-se mais autoritário, e no momento das negociações, privou do exercício de actividade um jornal opositor. O acordo significa um retorno em massa de refugiados que enchem os alojamentos provisórios de toda a Grécia, e obrigam a implementar medidas de segurança excepcionais nos Balcãs, Hungria, Eslováquia e Áustria, permitindo que a UE se concentre nos seus problemas económicos, em especial na falta de crescimento e recessão. A maioria dos Estados membros da UE estão incomodados por um acordo cozinhado exclusivamente entre a Alemanha e a Turquia, à margem das instituições da UE, que previam estar a trabalhar no acordo. A Alemanha teve eleições regionais a 13 de Março de 2016, tendo a extrema-direita populista ganho à direita, e o líder conservador da “União Social – Cristã da Baviera (CSU, na sigla em língua alemã) ” e primeiro-ministro do estado da Baviera, ter renovado os seus ataques à chanceler alemã, aquando do seu triunfo nas eleições. A CSU é meio-irmão da “União Democrata – Cristã (CDU, na sigla em língua alemã) ” da chanceler alemã, prometendo retomar a sua luta contra a política de refugiados do governo federal, após o enorme avanço do partido anti-imigração “Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em língua alemã) ”, com três anos de existência, ter obtido resultados inéditos nas eleições, sendo no estado federado da Saxónia – Anhalt de 22,8 por cento dos votos. O que aconteceu nas eleições regionais não pode ser ignorado, pois tratou-se de um movimento tectónico na paisagem política alemã, tendo aumentado as pressões sobre Angela Merkel, que tudo fez para conseguir apoio à sua política de portas abertas aos refugiados, antes de começar o Conselho Europeu de 17 e 18 de Março de 2016, que iria aprovar os resultados da “Cimeira da União Europeia e Turquia”, realizada a 7 de Março de 2016, e o subsequente acordo, resultado de intensas e difíceis negociações continuadas após a Cimeira. A Alemanha promotora do acordo com a Turquia provocou não apenas uma desusada tensão política interna, mas também dentro da UE. O acordo estabelece que a Turquia aceita que a UE lhe devolva todos os imigrantes que cheguem de forma ilegal, com as contrapartidas anteriormente discutidas e aceites. A chanceler alemã fiel à sua ideia, respondeu a todos os ataques, prometendo manter a sua posição, e sem contar, sofre uma importante derrota frente ao partido anti-imigração. Tal resultado afirma claramente que o discurso populista encontra uma terra de cultivo ideal para os alemães expressarem o seu descontentamento com a entrada de um milhão de refugiados, atribuindo-lhes todas as dificuldades porque passa a Alemanha e toda a UE. A Alemanha perdeu apoio e controlo na Europa. O gatilho para fazer explodir a bomba foi a invasão de imigrantes. A política de portas abertas para os refugiados ressoa por todo o mundo. O pré-candidato republicano Donald Trump, considerado como um dos perigos globais, afirmou que a Alemanha era um desastre e muitos líderes europeus, especialmente da Europa de Leste, partilham a mesma opinião, e por tal razão, a extrema-direita ganhou as eleições regionais. É estranho que a reacção não se tenha produzido antes, se pensarmos que a Alemanha recebeu mais de um milhão de refugiados, em menos de um ano. Além do assunto dos refugiados, é evidente que a posição de Angela Merkel, cada dia se debilita mais no cenário mundial. O ano passado, por contraste, encontrava-se no apogeu do seu poder, e quinze dias antes, negociou um rápido, desesperado e instável acordo com a Turquia para travar a entrada de refugiados na Alemanha, e como resultado perdeu as eleições. A perda de autoridade sofrida, quer na Alemanha, como na Europa, alimentam-se mutuamente, porque a incapacidade de deter a entrada de refugiados na Europa, desgastou o apoio que tinha no seu país, e os eleitores começaram a virar-lhe as costas. A ideia de que os turcos possam entrar sem visto na Europa, desagrada fortemente o presidente francês, e as críticas intensificaram-se até à realização do Conselho Europeu. Todavia, muitas da críticas são profundamente injustas, pois a Alemanha não é responsável pela guerra civil na Síria, nem pela existência do Estado Islâmico e ressurgimento dos talibãs no Afeganistão. Os resultados das eleições regionais na Alemanha são uma clara penalização para os dois grandes partidos que dominam a vida política alemã há setenta anos, a CDU de Angela Merkel e o “Partido Social-Democrata Alemão (SPD, na sigla em língua alemã) ” devido às suas políticas de abertura aos refugiados, mas também para a UE.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Décimo Terceiro Plano Quinquenal da China “China’s plan to lift all of its poor people out of poverty by 2020 concerns whether the country can fulfill its goal building a moderately prosperous society in all respects throughout the next five years. The Chinese Government has prioritized its poverty alleviation plan across the nation, and has already set in motion the process to improve the living standards of an estimated 70 million people living under the country’s poverty line.” Beijing Review, Vol 59, No 9, March 3, 2016 [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]“Décimo Terceiro Plano Quinquenal” para o período de 2016 a 2020 foi aprovado na “Quinta Sessão Plenária do Décimo Oitavo Comité Central do Partido Comunista da China”, celebrada em Pequim, de 26 a 29 de Outubro de 2015, e constitui uma referência decisiva, num período capital do processo de reforma e abertura da China. Quer pelo seu contexto, como pelo seu conteúdo e expectativas, está condenado a ser um documento essencial na longa transição chinesa. É de assinalar, que apesar do aumento sustentado do papel do mercado, como consequência do processo de reforma, o planeamento das políticas de desenvolvimento, iniciadas em 1953, constituem um sinal de identidade irrefutável do modelo económico e político chinês. O “Décimo Terceiro Plano Quinquenal” deve ter em conta, pelo menos, três elementos determinantes. O primeiro será o facto, de que na transição do próximo período de cinco anos, a China converter-se-á, qualquer que seja o método de medição utilizado, com toda a probabilidade, na primeira economia do mundo, sendo uma situação que terá um singular impacto na economia global, e um efeito maior, em todos os sentidos, nas questões relativas à governança. A China é a segunda maior economia do mundo e o maior exportador. O yuan, em Dezembro de 2014 ultrapassou o Euro, para converter-se na segunda moeda mais utilizada no financiamento do comércio mundial, depois do dólar, e até 2020 a China será o maior investidor internacional do mundo. A internacionalização do renmimbi será um dos eixos determinantes dos próximos cinco anos. Os seus activos globais triplicaram, passando de quase seis e meio mil milhões de dólares a vinte mil milhões de dólares, o que contribuirá para fortalecer a sua posição económica global. O segundo tem em consideração, a aceleração do processo de transformação estrutural que vive a economia chinesa, realçando o maior papel atribuído à economia privada na modernização, tal como o papel do mercado, por contraposição com a determinação de tornar menos pesada a burocracia e adequar o sector público. A reforma agrária, por outro lado, deve sofrer uma reestruturação de grande alcance, de forma a adquirir eficiência. A despesa em I+D, que em 2014, foi de 2,1 por cento do PIB, continuará a sua espiral ascendente, de forma a converter a China numa potência tecnológica. Quanto à questão ambiental, os esforços futuros devem permitir uma notória visibilidade, dado o estado do país no concernente a essa matéria, devendo por outro lado, levar a cabo uma ambiciosa reforma do sector público, de forma a criar gigantes industriais capazes de fazer face aos grandes concorrentes privados mundiais, complemento do “Plano Feito na China 2015”, que deve contribuir para atingir um posicionamento global das suas marcas comerciais. Assim, deve empreender projectos ambiciosos de construção, como os de um “Cinturão” e uma “Rota”, e a interligação e interconexão da Ásia, por meio de uma linha de comboio de alta velocidade. Estas acções foram anunciados pelo presidente chinês, a 8 de Novembro de 2014, e enquadram-se no investimento de quarenta mil milhões de dólares para a criação do “Fundo da Rota da Seda”, que dará ajuda financeira a projectos de construção de infra-estruturas, exploração de recursos e cooperação de indústrias dos países localizados ao longo do “Cinturão” e da “Rota”. O Fundo e outros bancos de desenvolvimento multilaterais mundiais e regionais cooperarão, e funcionarão segundo a ordem económica e financeira internacional vigente. O Fundo não oferecerá apenas ajudas económicas, mas também, tem por objectivo criar oportunidades de grande desenvolvimento a todos os países envolvidos, por meio da interligação e interconexão. O Fundo é aberto a investidores dentro e fora da Ásia. Os corredores económicos e projectos que contam com numerosos fundos afiliados devem criar novos mercados às empresas produtivas chinesas, em conformidade, com os novos instrumentos de empréstimo constituídos. O terceiro deve contemplar a junção de todos os elos da reforma, para além do significado estritamente económico, considerando os aspectos que incidem na formação do objectivo de construção de una sociedade ajustada. A criação de um moderno sistema de assistência social, que atenda às características do país, deve contribuir de forma decisiva para vencer uma penosa desigualdade, que continua a ensombrar os efeitos das reformas e abertura económica de Deng Xiao Ping, na década de 1980, tudo sem prejuízo dos factores políticos, especialmente, os relacionados com o reforço da legalidade e do Estado de Direito, dando um novo impulso à feitura de leis. Este processo tem um desafio essencial, no juízo de uma nova cultura de relacionamento entre o poder e a sociedade. O “Décimo Terceiro Plano Quinquenal”, que chegará até às vésperas do centenário do Partido Comunista da China (PCC), em 2021, determinará o curso do processo de modernização. A tradição dos planos quinquenais na China remonta aos primórdios do maoísmo, durante o período de influência soviética, com o PCC no poder desde 1949. O primeiro plano quinquenal, vigorou entre 1953 e 1957, por meio do lendário Chen Yun, mais tarde vítima da Revolução Cultural e reabilitado posteriormente por Deng Xiao Pin, após a morte de Mao Tsé-tung. A combinação da influência do planeamento leninista com a cultura estratégica chinesa, que aponta para uma visão que tem sempre uma mão no presente e outra na história, permitiu em boa medida, que a China, em poucas décadas pudesse recuperar uma parte substancial da grandeza perdida, durante o período da decadência iniciado, essencialmente, no século XIX. A agenda actual da China, em coerência com esse legado, tem os olhos postos em duas datas imediatas que são 2021, o centenário do PCC e 2049, o centenário da República Popular da China. O “Décimo Terceiro Plano Quinquenal” é inseparável dessas duas datas. Os dois primeiros elementos devem ser tidos em conta, quanto à valoração do documento. O primeiro, considerando a transição para um novo modelo de desenvolvimento, pois no período da presidência de Hu Jintao, entre 2002 e 2012, tiveram consciência de que o modelo iniciado em 1979 estava esgotado. A combinação de mão-de-obra barata, investimento em grande escala e orientação da produção para exportação, permitiu um salto gigantesco na economia chinesa, mas os efeitos secundários não foram desprezáveis. O “Décimo Oitavo Congresso do PCC”, em 2012, ratificou o novo rumo, incorporando especialmente, as dimensões ambientais e tecnológicas e propiciando mudanças estruturais de grande extensão, tendo em vista conseguir a mudança de carril, tendo como preço, reduzir a velocidade da locomotiva. O segundo, tem por consideração, a construção de uma sociedade próspera e foi reiterado até à saciedade, que o sucesso do processo chinês e a ausência de grandes conflitos sociais que desestabilizam, explica-se por um acordo não escrito, que oferece riqueza aos cidadãos em troca de lealdade, mas esta equação também se esgotou. A sociedade chinesa é mais rica no seu conjunto, mas tremendamente desigual. As autoridades chinesas reconhecem um índice Gini de 0,469, sobre o limiar de alerta de 0,4, mas existe quem relativize estes números, e os eleve para 0,6. O culminar do processo de modernização do país e a sua entronização no topo da economia global, ultrapassando inclusive os Estados Unidos em termos absolutos, não será possível de atingir, enquanto existir uma sociedade fracturada e com índices de desigualdade insustentáveis, o que exige grandes investimentos na saúde, educação, melhoria das infra-estruturas rurais, urbanização, novas políticas demográficas e um aumento substancial dos salários para criar a classe média, que dê suporte à sociedade de consumo, e encoraje o desenvolvimento dos serviços, em detrimento dos sectores primário e secundário. A China revelou a 5 de Março de 2016, o “Décimo Terceiro Plano Quinquenal”, onde constam um conjunto de objectivos económicos e sociais para o período de 2016 a 2020, para aprovação do Congresso Nacional Popular. A China face a uma conjuntura difícil fixou como meta, em 2016, um crescimento económico entre os 6,5 e os 7 por cento, e está disposta a deixar aumentar o deficit para intensificar a sua política de incentivos fiscais, sendo sabido que este ano as dificuldades serão mais numerosas e maiores, e os desafios mais temíveis, pelo que se tem de preparar para um duro combate. A economia mundial tem demonstrado uma recuperação ligeira, enquanto na China se acentuam as pressões descendentes sobre a economia. O PIB chinês, cresceu 6,9 por cento, em 2015, o mais baixo dos últimos vinte e cinco anos. Os indicadores da segunda economia mundial, desde há meses, revelam um desequilíbrio, dada a medíocre procura interna, exportações em queda, contracção da actividade manufactureira, paralisação dos investimentos no sector imobiliário, sobrecapacidade na indústria, fuga de capitais e turbulência nas bolsas. As autoridades chinesas defendem a nova normalidade de um crescimento menor, mas mais sustentável e centrado nos serviços, no consumo interno e nas novas tecnologias. O sector terciário, neste período de transição, representa mais que 50 por cento do PIB chinês, e está a demorar a realçar os motores tradicionais do crescimento, como são o sector imobiliário, infra-estruturas e exportações. A fim de favorecer a dita transição, o governo chinês quer suprimir as capacidades de produção excedentárias, por meio da reestruturação dos grandes grupos estatais, o que levará a eliminar postos de trabalho, e quer uma solução rápida para as empresas “zombie”, as empresas não rentáveis do sector mineiro e da siderurgia, que apenas sobrevivem devido ao endividamento e aos subsídios públicos. A China, adoptou para 2016, a meta de inflação de cerca de 3 por cento, muito acima do nível actual, e espera manter o desemprego abaixo dos 4,5 por cento. O estado da economia da China move as bolsas de todo o mundo, e as previsões e acções principais que o governo tomará para os próximos cinco anos e que constam do referido documento, são os de um crescimento médio, de pelo menos 6,5 por cento. O PIB passará dos 67, 7 mil milhões de yuans do passado ano, a mais de 92,7 mil milhões de yuans em 2020, o que significa mais que o dobro do PIB de 2010. O sector de serviços deverá representar 56 por cento do PIB, em 2020, ou seja, 5,5 por cento superiores a 2015, que foi de 50,5 por cento. A China irá reduzir o consumo de energia para um nível abaixo dos cinco mil milhões de toneladas de carvão nos próximos cinco anos. O país consumiu o ano passado quatro mil e trezentos milhões de toneladas. Irá reduzir o consumo de energia e de emissões de dióxido de carbono por unidade de PIB até 2020, em 15 e 18 por cento, respectivamente e relativamente aos níveis de 2015. A qualidade do ar nas cidades qualificado de bom irá aumentar para 80 por cento, face aos 76,7 por cento do ano passado. Irá aumentar a produção de energia nuclear para cinquenta e oito gigawatts até 2020, pela entrada em serviço de novas centrais com uma capacidade total de trinta gigawatts. A China dispõem de trinta reactores em actividade, com uma capacidade de 28,3 gigawatts, e vinte e quatro encontram-se em processo de construção. A rede rodoviária, irá aumentar para trinta mil quilómetros até 2020, face aos dezanove mil quilómetros do ano passado, e à construção de pelo menos cinquenta novos aeroportos civis. A China irá aumentar o rendimento “per capita”, em pelo menos 6,5 por cento anualmente. O aumento foi de 7,4 por cento, em 2015. O país irá criar cinquenta milhões de postos de trabalho nas zonas rurais nos próximos cinco anos. A China irá controlar a população que vive nas cidades, equivalente a 60 por cento da população total, ou seja, de oitocentos e cinquenta e dois milhões de pessoas, numa população total de mil milhões e quatrocentos e vinte milhões de chineses prevista para 2020. A proporção era de 56,1 por cento, em 2015.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesPERSPECTIVAS |A vida sem violência é um direito humano fundamental [drocap style=’circle’]A[/dropcap] ONU define a violência contra as mulheres como qualquer acto de violência de género que resulte, ou possa ter como resultado um dano físico, sexual ou psicológico para a mulher, incluindo as ameaças de tais actos, a coacção ou a privação arbitrária da liberdade, ocorrida em público ou em privado. A violência familiar refere-se ao comportamento do parceiro ou ex-parceiro íntimo, que causa dano físico, sexual ou psicológico, incluídas a agressão física, coacção sexual, abuso psicológico e os comportamentos de controlo. A violência sexual é qualquer acto sexual, a tentativa de consumar um acto sexual, ou outro acto dirigido contra a sexualidade de uma pessoa por meio de coacção de outra pessoa, independente da sua relação com a vítima. A violência contra as mulheres é um problema grave de saúde pública, bem como uma violação flagrante dos direitos humanos da mulher. A nível mundial, uma em cada três mulheres, em todo o mundo, foram vítimas de violência física e/ou sexual do seu companheiro, ou violência sexual por pessoas diferentes do seu parceiro íntimo, em algum momento da sua vida. Ainda que, as mulheres possam ser expostas a muitas outras formas de violência, consta-se que uma elevada percentagem da população feminina mundial, senão na sua maior parte é vítima de violência doméstica. A maioria dos casos é violência infligida pelo seu parceiro íntimo. É de considerar que, em todo o mundo, quase um terço de todas as mulheres que tiveram um relacionamento de casal, referem ter sido vítimas de violência física e/ou sexual por parte do seu companheiro, e em algumas regiões, este valor pode ser muito superior. A nível mundial, cerca de 40 por cento do número total de homicídios femininos são cometidos pelo seu parceiro íntimo, o que mostra ser um cenário alarmante. As mulheres que têm sido vítimas de abuso físico ou sexual pelos seus parceiros íntimos, correm um maior risco de sofrer uma série de graves problemas de saúde. Assim, por exemplo, têm mais 16 por cento de probabilidades de dar à luz crianças com baixo peso, e mais do dobro de sofrer um aborto, ou quase o dobro de padecer uma depressão e, em algumas regiões, são uma vez e meia mais propensas a contrair o vírus do HIV, por comparação com as mulheres que não tenham sido vítimas de violência doméstica. A nível mundial, 7 por cento das mulheres foram agredidas sexualmente, por uma pessoa distinta do seu parceiro íntimo. Ainda que, exista menos informação sobre os efeitos da violência sexual não conjugal na saúde, da informação existente depreende-se que as mulheres que sofreram esta forma de violência, são 2,3 vezes mais propícias a desenvolver distúrbios relacionados com o consumo de álcool, e 2,6 vezes mais inclinadas, a sofrer de depressões ou ansiedade. Assim, existe a necessidade de redobrar os esforços em várias áreas, de forma a prevenir esta forma de violência, e oferecer os serviços necessários às mulheres que sofrem. A mudança assinalada na prevalência da violência dentro das comunidades, países e regiões, ou entre estes, põe em evidência que a violência não é inevitável, e que pode ser prevenida. Existem programas de prevenção promissores, que terão de ser testados e alargados, e há cada vez mais informação sobre os factores que explicam a modificação observada em todo o mundo. Tal informação, mostra a necessidade de abordar os factores económicos e socioculturais, que fomentam uma cultura de violência contra a mulher, incluindo a importância de interrogar as normas sociais que reforçam a autoridade, e a dominação do homem sobre a mulher, e aprovam ou toleram a violência contra as mulheres. É necessário reduzir o grau de exposição à violência na infância, reformar o direito da família, promover os direitos económicos, sociais e culturais da mulher, e acabar com as desigualdades de género no acesso ao emprego na economia formal e ao ensino secundário. É necessário também, prestar serviços às vítimas de violência. O sector da saúde deve desempenhar um papel mais importante, quando tenha de dar resposta à violência por parceiro íntimo e sexual contra a mulher. As novas directrizes clínicas e normativas sobre a resposta do sector da saúde à violência contra a mulher, revelam a necessidade urgente de integrar estas questões na educação clínica. É importante que todos os prestadores de cuidados saúde entendam que a exposição à violência e má saúde das mulheres estão intimamente relacionadas, e que podem dar respostas adequadas, sendo um aspecto fundamental, o de encontrar oportunidades para oferecer apoio e encaminhar as mulheres a outros serviços que carecem, como por exemplo, quando as mulheres procuram acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, como o cuidado pré-natal, planeamento familiar, pós-aborto, serviços de rastreio do vírus HIV, saúde mental ou de urgência. A disponibilidade de serviços complementares de cuidado às vítimas de violações, deve ser assegurado, e o acesso aos mesmos numa escala maior que a existente na maior parte dos países. A violência contra a mulher, especialmente a exercida pelo seu parceiro íntimo e a violência sexual, são um grave problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos das mulheres. É de notar que o baixo nível de instrução, abuso infantil, exposição a cenas de violência na família, uso nocivo do álcool, atitudes de aceitação da violência e as desigualdades de género, são factores associados a um maior risco de serem cometidos actos violentos. Os factores associados ao aumento da possibilidade de ser uma vítima do parceiro íntimo ou de violência sexual, incluem um baixo nível de educação, a exposição a cenas de violência entre os pais, abuso durante a infância, atitudes de aceitação da violência e desigualdades de género, e em famílias de altos rendimentos, existe informação que permite mostrar que os programas escolares de prevenção da violência por parceiro íntimo, ou violência na fase de namoro entre os jovens podem ser eficazes. As estratégias de prevenção primária nas famílias de baixos rendimentos, parecem ser prometedoras, como sejam, o microfinanciamento conjuntamente, com a formação em igualdade de género e as iniciativas comunitárias direccionadas contra a desigualdade de género, ou inclinadas a melhorar a comunicação e aptidões para as relações interpessoais. As situações de conflito, pós-conflito e deslocamento podem agravar a violência, como a violência por parte do parceiro íntimo, e originar formas adicionais de violência contra as mulheres. A violência do parceiro íntimo e a violência sexual são cometidas na sua maioria por homens, contra mulheres e crianças do sexo feminino, ainda que o oposto tenha vindo a aumentar. O abuso sexual infantil afecta crianças do sexo feminino e masculino. Os estudos realizados demonstram que aproximadamente 20 por cento das mulheres e 5 a 10 por cento dos homens, referem ter sido vítimas de violência sexual na infância. A violência entre os jovens, que inclui também a violência doméstica é outro sério problema. As crianças que crescem em famílias, em que existe violência, podem sofrer diversos transtornos de comportamento e emocionais. Estes transtornos, podem associar-se também, à acção ou ao sofrimento de actos de violência, em fases posteriores da sua vida. A violência doméstica também está associada a maiores taxas de mortalidade e morbilidade em menores de cinco anos. Os custos sociais e económicos deste problema são enormes, e repercutem-se por toda a sociedade. As mulheres podem ficar numa situação de isolamento e impossibilitadas de trabalhar, perder o seu emprego ou salário, deixar de participar nas actividades diárias, e ver diminuídas as suas forças físicas e anímicas para cuidar de si e dos seus filhos. Existem poucas intervenções actualmente, em muitos países, cuja eficácia tenha sido demonstrada por meio de estudos bem delineados e revelados à sociedade. É necessidade urgente a existência de mais recursos para reforçar a prevenção da violência pelo parceiro íntimo e a violência sexual, sobretudo no campo da prevenção primária, para impedir que se produza o primeiro episódio. Quanto à prevenção primária, existe alguma informação correspondente a países de altos rendimentos, que sugerem que os programas escolares de prevenção da violência nas relações de namoro são eficazes. Todavia, não foi avaliado a sua possível eficácia em meios de recursos escassos. A fim de propiciar mudanças duradouras, é importante que se façam leis e se formulem políticas que protejam a mulher, combatam a discriminação da mulher, fomentem a igualdade de género e ajudem a adoptar normas culturais mais pacíficas. A resposta adequada do sector da saúde pode ser de grande ajuda para a prevenção da violência contra a mulher. A sensibilização e a formação dos prestadores de serviços de saúde e de assistência social constituem outra estratégia importante. Abordar de forma integral as consequências da violência e as necessidades das vítimas supervenientes requer uma resposta multissectorial. Estas considerações são defendidas com maior veemência no relatório da Organização Mundial de Saúde “Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence” de 2013. O relatório apresenta a primeira revisão sistemática e resumo de todas as informações científicas sobre o predomínio de duas formas de violência contra as mulheres, nomeadamente a violência pelo parceiro íntimo ou violência doméstica e a violência sexual infligida por outra pessoa, que não seja o parceiro íntimo, e denominada por violência sexual não conjugal. As previsões agregadas a nível mundial e regionais do predomínio destas formas de violência, obtidas a partir de informações demográficas mundiais recolhidas de forma sistemática foram apresentadas no relatório, pela primeira vez. As conclusões do relatório são impressionantes e devem ser tidas em conta na feitura das leis sobre a matéria. O relatório salienta que a violência contra a mulher é um fenómeno omnipresente em todo o mundo e transmite a forte mensagem que não se trata de um pequeno problema que afecta apenas alguns sectores da sociedade, mas também, de um problema de saúde pública mundial de proporções epidémicas, que requer a adopção de medidas urgentes. A “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, denominada de “Carta Internacional dos Direitos da Mulher”, foi adoptada pela ONU, a 18 de Dezembro de 1979, e entrou em vigor 3 de Setembro de 1981, sendo seguida da “Declaração Sobre A Eliminação Da Violência Contra As Mulheres” da ONU, de 20 de Dezembro de 1993. A “Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica” foi adoptada, em Istambul, a 11 de Maio de 2011, e entrou em vigor a 1 de Agosto de 2014. O seu principal objectivo é o de prevenir e averiguar os actos de violência sobre as mulheres em geral, e a violência doméstica, em particular. É de realçar que a “Lei da Violência Doméstica” da China, entrou em vigor, a 1 de Março de 2016. É necessária uma intervenção a nível mundial, pois uma vida sem violência é um direito humano fundamental inerente a todos os homens, mulheres e crianças. Jorge Rodrigues Simão