Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA natividade de Jesus “Christmas is not a time nor a season, but a state of mind. To cherish peace and goodwill, to be plenteous in mercy, is to have the real spirit of Christmas.” Calvin Coolidge [dropcap]O[/dropcap] Natal já não é o que costumava ser pois perdeu o seu significado religioso em muitas partes do mundo ocidental e tornou-se o auge de uma época de gastos excessivos, de comer demasiado e de exultações sem controlo. O novo Natal espelha o seu antecessor pagão, que celebrava o solstício de inverno. O Natal é a festa preferida das crianças durante o ano, e para os adultos é um tempo para se entregarem às doces lembranças dos velhos tempos. Existem três versões da peça de teatro Natividade. Os fiéis de todas as idades estão familiarizados com a primeira. É regularmente esboçado, cada Natal, em sermões pregados no púlpito e pode ser encontrado e admirado nas grandes telas da Natividade criadas com amor por artistas cristãos ao longo dos séculos. Vê-se um velho barbudo andando ao lado de um burro seguido de uma jovem grávida. As torres de Belém são ligeiramente visíveis à distância. Na cidade cheia de gente, as pousadas estão lotadas, e José, depois de muito brigar, irar-se e procurar, pode descobrir apenas um modesto barracão no bairro para que Maria dê à luz o seu filho. O recém-nascido Jesus é colocado pela sua mãe na manjedoura entre uma vaca e um jumento. O velho José observa a cena com benevolente e desprendida admiração. Os pastores locais são alertados por um anjo e aprendem sobre a chegada ao mundo do Salvador dos judeus, e logo três reis se aproximam, vestidos com trajes gloriosos que foram conduzidos do longínquo Oriente, via Jerusalém, até Belém, por uma estrela misteriosa. No palácio real, perguntam onde o recém-nascido rei dos judeus pode ser visto, mas ninguém sabe e seguindo o conselho dos peritos convocados por Herodes, os reis são enviados a Belém e, com a ajuda da estrela que reaparece, encontram o estábulo, saúdam e adoram Jesus, e oferecem-lhe presentes reais. A cortina desce e é o fim do primeiro acto e como o conto de fadas de uma criança, o conto de Natal consiste numa mistura do encantador e do terrível. No segundo acto, geralmente não presente nos jogos da Natividade, a doçura e a alegria desaparecem de repente e o desastre paira no horizonte quando Herodes, sedento de sangue, entra na contenda. Percebendo que os reis o enganaram e escaparam do país, Herodes lança os seus cruéis soldados sobre os meninos de Belém e todos perecem, de recém-nascidos a crianças pequenas, excepto a criança que deixou Herodes tão ansioso. De repente, a cena muda novamente e José adormece e sonha com um anjo, que soa o alarme; o pai, mãe e filho devem fugir imediatamente. E vemos novamente o velho na estrada, acompanhado do seu fiel burro, mas desta vez carrega o bebé e a sua mãe. Evitando habilmente os guardas de fronteira de Herodes, escapam da Judeia e chegam ao porto seguro do Egipto, a terra do Nilo. No último acto, o cenário fica um pouco atolado. As fases finais do drama tornam-se nebulosas. É mostrada a circuncisão de Jesus e a sua apresentação no Templo de Jerusalém, mas não se sabe quando aconteceram em relação à fuga para o Egipto, e também não se especifica a razão e o tempo da mudança de Jesus para a pacífica Galileia e para uma infância feliz. A mente cristã não parece estar muito incomodada com estas questões. A sua perspectiva é compacta e o seu quadro cronológico é abreviado e para os fiéis comuns, todos os acontecimentos são espremidos entre o Natal e a Candelária. Segundo a liturgia da Igreja, Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro. Os inocentes de Belém foram assassinados três dias depois. Jesus foi circuncisado a 1 de Janeiro. O Dia de Ano Novo ainda é designado como a festa da circuncisão, mas infelizmente nos missais católicos romanos, revistos depois do Concílio do Vaticano II, uma solenidade de Maria, Mãe de Deus, foi substituída pelo antigo latino rito “Circumcisio Domini” (a circuncisão do Senhor), e em consequência o Evangelho que diz “E ao fim de oito dias, quando foi circuncidado, foi chamado de Jesus” desapareceu do serviço diário. Jesus e Maria (e talvez José) visitaram o templo no dia 2 de Fevereiro e o episódio egípcio deve ter ocorrido entre o final de Dezembro e o início de Fevereiro, e a viagem à Galileia imediatamente a seguir. Tudo se torna limpo e arrumado, excepto na maior parte que poderá ser lenda ou ficção e com todo o respeito pela tradição cristã, alguns dos elementos essenciais do complexo de Natal, parecem estar a um milhão de quilómetros de distância do facto e da realidade e por exemplo, as possibilidades de que Jesus tenha nascido em 25 de Dezembro são de uma para trezentos e sessenta e cinco (ou trezentos e sessenta e seis em anos bissextos). Esta data foi inventada pela igreja ocidental no século IV, com o imperador Constantino como forma de substituir o festival pagão do “Sol Invicto”, e é primeiro atestado, para ser mais preciso, num calendário romano em 334. A maioria dos cristãos orientais celebra o nascimento ou manifestação de Jesus ao mundo na festa da Epifania (6 de Janeiro), enquanto de acordo com o Padre Clemente de Alexandria, da Igreja do segundo século, outras comunidades orientais comemoraram o evento em 21 de Abril ou 20 de Maio. A procura de esclarecimento, é de começar por eliminar as três características da representação tradicional do Natal que não têm antecedentes escritos no Novo Testamento. Por mais que se procure, nada se encontrará nos Evangelhos que sugira que José, repetidamente referido como o pai de Jesus, era um homem velho. Não se sabe nada sobre a sua idade, quando nasceu, ou mesmo quando morreu. A ideia de um José idoso deriva de um Evangelho apócrifo, o Proto-Evangelho de Tiago, o Irmão do Senhor e nele é descrito como um viúvo de anos avançados que teve filhos e filhas de um casamento anterior. Estes são então os membros da família de José e Maria, a quem o Novo Testamento designa como irmãos e irmãs de Jesus. Nem os Evangelhos contêm qualquer alusão às bestas amigas, ao boi e ao jumento, partilhando o estábulo com Jesus. A imagem destes animais é emprestada ao profeta Isaías: ” O boi conhece o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Isaías 1:3). A Igreja viu nesta passagem a prefiguração da posterior rejeição de Cristo pelo povo judeu. Finalmente, o Novo Testamento em nenhum lugar sugere que os visitantes orientais que seguiram a estrela até Belém fossem reis. O texto grego de Mateus designa-os não como governantes ou mesmo “sábios”, mas como “magos” ou mágicos. A elevação destes astrólogos orientais à dignidade real deve-se a outra associação artificial de um texto do Antigo Testamento com este episódio do Evangelho da Infância. Uma passagem tirada do Livro de Isaías diz: “E os gentios caminharão à tua luz, e os reis ao resplendor que te nasceu” (Isaías 60:3). É completado por outro versículo, mais adiante, no mesmo capítulo do mesmo livro: “A multidão de camelos te cobrirá, os dromedários de Midiã e Efá; todos virão de Sabá; ouro e incenso trarão, e publicarão os louvores do Senhor” (Isaías 60:6). Não está escrito em nenhum lugar que havia três reis. Esta figura é sem dúvida deduzida do número de dons listados em Mateus, “ouro, incenso e mirra” (Mateus 2:11), com a suposição de que um presente foi oferecido por cada visitante. Os outros dois quadros de Natal são inspirados no Novo Testamento. O primeiro, surgido da narrativa de Mateus, começa com a árvore genealógica de Jesus (Mateus 1:1-17) e é seguido pela intenção de José de se divorciar da Maria grávida (Mateus 1:18-19). O seu plano é alterado quando um anjo o tranquiliza num sonho em que a condição da sua noiva se deve à intervenção milagrosa do Espírito Santo (Mateus 1:20) e com efeito, o nascimento virgem é o cumprimento de uma profecia de Isaías (Mateus 1:22-23) pelo que José dá crédito a este sonho-revelação, casa com Maria e leva-a para a sua casa (Mateus 1:24-25). A chegada de Jesus a este mundo é marcada pela aparição de uma estrela a Oriente no horizonte que conduz os “magos” do Oriente a Jerusalém (Mateus 2:1-2) que vão ao palácio real para conhecer o paradeiro do rei recém-nascido dos judeus (Mateus 2:3). O estupefacto Herodes consulta os chefes dos sacerdotes judeus, que identificam Belém como o lugar de nascimento previsto do Messias esperado, em conformidade com uma profecia de Miqueias 5:2 (Mateus 2:4-6). Herodes então extrai dos “Magos” o tempo da primeira aparição da estrela e canonicamente exige que compartilhem com ele tudo o que aprenderem sobre a criança (Mateus 2:7-8). Assim, com a ajuda da estrela, os “Magos” encontram Jesus e prestam-lhe homenagem antes, de acordo com a instrução que recebem num sonho, regressam a casa sem voltar a Jerusalém (Mateus 2: 9-12). Mais uma vez José é instruído por um anjo, em mais um sonho, a levar prontamente Jesus para o Egipto a fim de escapar do massacre dos filhos de sexo masculino de Belém, decretado pelo ciumento e irado Herodes, em cumprimento da profecia sobre Raquel, a esposa do Patriarca Jacó, lamentando a perda dos seus filhos em Jeremias 31:15 (Mateus 2:13-18) e com a morte do rei, o mesmo anjo, num penúltimo sonho, ordena a José que volte à terra de Israel, realizando assim outra predição (Oseias 11:1), que anuncia que Deus chamará o seu Filho do Egipto (Mateus 2:19-21). No entanto, quando José descobre que Arquelau sucedeu a Herodes, seu pai, em Jerusalém, um grande sonho revê a instrução anterior e o orienta a residir na Galileia. Uma profecia não identificada, “Ele será chamado de Nazareno”, é citada para explicar a associação de Jesus com Nazaré (Mateus 2:22-23). Na terceira versão dos acontecimentos da Natividade, Lucas tem uma história substancialmente diferente para contar que encerra dois anúncios em que no primeiro, o sacerdote ancião Zacarias, residente na Judeia, é informado pelo anjo Gabriel que a sua esposa idosa e estéril, Isabel, dará à luz milagrosamente um filho, João Baptista (Lucas 1:5-25). Isto é seguido por outra mensagem do mesmo Gabriel a Maria, uma virgem noiva vivendo em Nazaré, que conceberá e dará à luz Jesus, e que não é mais difícil para Deus engravidá-la e mantê-la virgem do que permitir que a sua parenta Isabel dê à luz um filho na sua velhice (Lucas 1:26-38). Maria logo visita Isabel na Judeia e fica até ao nascimento de João Baptista (Lucas 1:39-80). Ela viaja de volta para Nazaré, retomando a estrada dentro de poucas semanas. O censo ordenado pelo imperador Augusto é dado como explicação da viagem de José e Maria a Belém, onde Jesus nasceu num abrigo para animais fora da cidade de David, onde os albergues da cidade estão cheios até à borda por multidões de pessoas que chegam para se registar (Lucas 2:1-7). A criança recém-nascida é saudada por pastores locais e por um coro celestial que canta glória a Deus (Lucas 2:8-20). Oito dias depois, em conformidade com a lei judaica, Jesus é circuncidado e, no quadragésimo dia seguinte ao seu nascimento, é levado ao templo e é realizada a cerimónia da redenção do primogénito, enquanto a sua mãe completa o ritual de purificação obrigatório, após o nascimento de uma descendência masculina. No santuário Jesus é reconhecido por dois velhos adoradores como o Messias dos judeus e o redentor dos gentios (Lucas 2:25-38). Após terem cumprido os seus deveres religiosos, José, Maria e a criança retornam imediatamente a Nazaré, sua cidade natal original (Lucas 2:39-40). Os discípulos Mateus e Lucas raramente fornecem a mesma informação na mesma ordem. Algumas vezes os temas não são diferentes em substância, mas na maioria das vezes os dois evangelistas oferecem dados totalmente independentes. A essência da boa nova anunciada pelos relatos da Natividade é que Deus enviou o seu Filho, nascido sobrenaturalmente de uma mãe virgem, para salvar o seu povo dos seus pecados e trazer paz a todos os homens favorecidos por Deus. Esta é a mensagem feliz que o mundo cristão identifica com o Natal e para isso é necessário aplicar uma leitura selectiva aos Evangelhos de Lucas e Mateus. A gloriosa tradição da Natividade da Igreja é construída sobre a doce e simples história de Lucas com anjos, pastores e vizinhos alegres. O feliz Natal que as pessoas desejam umas às outras é expurgado dos efeitos prejudiciais do drama de Mateus com a tortura psicológica de José diante do dilema do que fazer com Maria grávida e o medo, pânico e lágrimas causadas pelo édito de Herodes ameaçando com extinção prematura a vida nascente do Filho de Deus. Feliz Natal e Próspero Ano Novo 2020
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão do desenvolvimento sustentável “It’s widely recognized that there is no peace without development and no development without peace; it is also true that there is no peace and sustainable development without respect for human rights.” António Guterres [dropcap]A[/dropcap] “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” e os dezassete “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)” são ambiciosos e definem prioridades e aspirações globais para 2030. Os ODS procuram “acabar com a pobreza extrema em todas as suas formas e criar os alicerces de uma prosperidade sustentável para todos. O seu sucesso depende fortemente da acção e colaboração de todos os actores, incluindo governos a nível nacional e sub-nacional, além da sociedade civil e do sector privado. O caminho para alcançar a Agenda 2030 é obstruído por desafios assustadores e obstáculos, incluindo mudanças climáticas, fragilidade e conflitos, pandemias e muitos outros. O espírito ambicioso dos ODS requer uma mobilização sem precedentes de recursos financeiros, conhecimento e parcerias nos níveis global, nacional e sub-nacional. A mobilização dos recursos financeiros necessários é uma componente essencial para alcançar os ODS, e há muitos desenvolvimentos inovadores que contribuirão para os esforços globais. Em Julho de 2015, o “Financiamento para o Desenvolvimento” entrou em uma nova era, quando a comunidade global concordou com a “Agenda de Acção de Adis Abeba”. A comunidade de desenvolvimento global está empenhada em procurar novas abordagens para movimentar a discussão de milhares de milhões de dólares em “Ajuda Oficial ao Desenvolvimento” para triliões em recursos financeiros de todos os tipos como públicos e privados, nacionais e globais. O mundo precisa de financiamento inteligente para o desenvolvimento que vá muito além do preenchimento de lacunas de financiamento e que possa ser usado estrategicamente para desbloquear, alavancar e catalisar fluxos privados e recursos domésticos. Não obstante o papel fundamental que o financiamento desempenha no apoio aos países na implementação da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, é necessário complementar esses esforços com novas abordagens e ferramentas, para criar uma dinâmica e acelerar o progresso. É preciso apoiar os países no aproveitamento da tecnologia que está a perturbar os mercados económicos tradicionais. É possível atingir esse fim abraçando o poder da tecnologia em áreas como a “FinTech” (refere-se à integração de tecnologia em ofertas de empresas de serviços financeiros, a fim de melhorar o seu uso e entrega aos consumidores. Funciona principalmente ao separar as ofertas dessas empresas e criar novos mercados para as mesmas), para melhorar o acesso ao financiamento, bem como aproveitar melhor o poder dos grandes volumes de dados para apoiar as decisões políticas ligadas aos ODS. O “Relatório de Desenvolvimento Mundial do Grupo do Banco Mundial”, intitulado “Dividendos Digitais”, documenta muitos exemplos em que as tecnologias digitais promoveram a inclusão, eficiência e a inovação. Ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos podem deixar milhões de pessoas excluídas. As informações mostram que a adopção digital por empresas em países em desenvolvimento tem sido lenta. A automatização está a perturbar os mercados de trabalho e irá deslocar um número significativo de postos de trabalho nas próximas décadas e não se deve esquecer que três mil milhões e seiscentos milhões de pessoas ainda não têm acesso à internet. É de entender que alavancar a tecnologia para o bem público requer cooperação e parcerias globais para ampliar os seus benefícios, identificar os riscos e mitigá-los. Aprendemos dez anos após a crise financeira, que prevenir e lidar com os riscos numa fase precoce é menos dispendioso em termos financeiros e humanos do que abordar essas questões demasiado tarde. A tecnologia oferece novas oportunidades, mas também introduz novos riscos, incluindo o aumento da desigualdade dentro e entre países. São necessárias medidas urgentes para maximizar os potenciais benefícios e atenuar os riscos pelo que é necessário ajudar os países a investir mais, e de forma mais eficaz através dos seus cidadãos para se prepararem para o que será certamente um futuro mais exigente em termos digitais. É chegado o momento de criar parcerias fortes para construir economias sustentáveis e orientadas para a tecnologia e para expandir a capacidade das pessoas e das instituições para prosperar nesse ambiente em rápida evolução. A Agenda 2030 e os ODS são ousados e transformadores na sua procura por um mundo inclusivo e sustentável. Alcançá-los exige aceitar e agir com base nos princípios em que se baseiam, fazer grandes investimentos e implantar inovações e tecnologias a preços acessíveis para os países mais pobres. Além disso, um estado de paz é vital para o desenvolvimento sustentado, mas infelizmente, os cidadãos de países mergulhados em conflitos, incluindo refugiados e deslocados internos, ficam afastados enquanto o conflito continua. Até à data, o nível de compromisso necessário para que os ODS sejam alcançados não se concretizou e muito mudou geopoliticamente desde que os “Objectivos” foram acordados em 2015. O clima político para avançar tanto os ODS como o relacionado “Acordo de Paris” sobre as alterações climáticas é menos propício a dar prioridade a estas agendas globais do que era antes. A principal mensagem do “Índice dos ODS” de 2018 e do “SDG Index and Dashboards Report 2018”, que foi realizado com o apoio da “Rede das Soluções para o Desenvolvimento Sustentável” e da “Fundação Bertelsmann Stiftung” foi que nenhum país está no caminho certo para atingir todos os ODS até 2030. Tal é sóbrio e surge a questão de quais são as principais barreiras ao progresso? A sabedoria convencional apontaria para a persistência de níveis significativos de desigualdade, degradação ambiental incluindo as alterações climáticas, conflitos em curso e falta de financiamento como barreiras. Mas o mesmo acontece com a vontade política e o apoio público muitas vezes insuficientes nos países ricos e pobres para tomar as medidas necessárias para promover o desenvolvimento sustentável. Um princípio fundamental da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” e dos ODS é não excluir ninguém. No entanto, muitos estão a ser excluídos, na medida em que há pouca esperança na actual taxa de progresso ou falta dela de erradicar a pobreza extrema ou a fome até 2030, como os ODS aspiram fazer. Assim, de acordo com as tendências actuais, aqueles que vivem em extrema pobreza com menos de 1,90 dólares por dia ainda serão cerca de 6 por cento da população mundial em 2030, ou seja, cerca de quatrocentos a quatrocentos e setenta e cinco milhões de pessoas. A fome no mundo tem aumentando nos últimos três anos, afectando oitocentos e vinte e um milhões de pessoas em 2017, ou seja, uma em cada nove pessoas no mundo. O mundo não está perto de cumprir a ambição do “Acordo de Paris” de limitar o aumento da temperatura global a menos de dois graus Célsius, e de preferência não mais de 1,5 graus que é a maior questão da “Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 25)” que se realiza em Madrid de 2 a 13 de Dezembro de 2019 sob a Presidência do Governo do Chile e realizada com o apoio logístico do Governo da Espanha. A maior concentração de desafios ao desenvolvimento sustentável está nos contextos frágeis do mundo e de acordo com a definição da OCDE, as pessoas que vivem nesses contextos representam quase um quarto da população mundial ou seja mil milhões e oitocentos milhões de pessoas. Prevê-se que esse número aumente para dois mil milhões e trezentos milhões de pessoas até 2030. Será que este panorama algo sombrio pode ser invertido? É tempo da ONU e instituições financeiras internacionais e regionais explicitarem claramente a escala do défice em curso até à data, e de intensificarem a defesa de um maior empenho e acção em toda a agenda dos ODS. Seria inconcebível que a comunidade internacional fosse à deriva, sabendo que em 2030, a apenas onze anos de distância, centenas de milhões de pessoas ainda estarão profundamente empobrecidas, famintas, sem acesso a serviços básicos e expostas a um mundo em direcção a um aumento de temperatura de mais de 3 graus se não forem feitos esforços muito maiores. Há actualmente um mérito considerável tanto em aumentar a cooperação internacional para o desenvolvimento como em concentrá-la naqueles que estão a ser afastados. É este o sentido da mensagem do relatório “Fragilidade, crise e não deixar ninguém excluído” emitido pelo “Overseas Development Institute (ODI)” do Reino Unido e pelo “Comité Internacional de Resgate (IRC na sigla inglesa)” em 2018. Defendem, nomeadamente, que se dê prioridade às políticas, acções e financiamento das pessoas em contextos frágeis, bem como ao preenchimento de lacunas de dados e aqueles que são apanhados em crises, incluindo refugiados e deslocados internos, ou aqueles que são marginalizados de outra forma e excluídos da recolha de dados, disfarçando assim o nível de necessidades que têm. O ODI e o IRC têm sido contundentes ao afirmar que não agir agora significa que os ODS não serão atingidos, comprometendo a credibilidade da comunidade internacional e deixando milhões de pessoas a morrer desnecessariamente. No grande esforço necessário para fazer avançar os ODS, todos têm um papel a desempenhar. A cooperação para o desenvolvimento Norte-Sul continuará a ser importante, em especial para os países mais pobres pois com efeito, será essencial para retirar os últimos quatrocentos a quatrocentos e setenta e cinco milhões de pessoas da pobreza extrema, uma vez que o crescimento global previsto, por si só, não o fará. O apoio deve ser canalizado directamente para a saúde, educação e protecção social em um número estimado de quarenta e oito países caracterizados por baixos rendimentos, em desenvolvimento e frágeis. O “empoderamento” e a plena inclusão das mulheres serão também vitais para a promoção do desenvolvimento humano em geral. No que diz respeito à adaptação às alterações climáticas, os países mais vulneráveis necessitam de apoio urgente. O “Fundo Verde para o Clima” está fortemente subcapitalizado e o “Fundo Mundial para o Ambiente” são parceiros de confiança dos países em desenvolvimento e podem fazer o bem com recursos adequados. Quanto à mitigação, é necessário dar prioridade a duas áreas principais de acção, pois o mundo tem de ultrapassar a sua dependência do carvão e de outros combustíveis fósseis. A produção e o consumo globais de carvão aumentaram em 2017, após dois anos de declínio. Novas centrais de energia movidas a carvão continuam a ser construídas e financiadas por alguns parceiros de desenvolvimento. Tal contraria as advertências do “Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC na sigla inglesa)” de que só restam onze anos para agir no sentido de evitar a catástrofe climática e que o carvão deve ser totalmente eliminado até 2050. Essa transição tem de começar imediatamente. É necessário parar a desflorestação tropical, que contribui actualmente com 15 por cento de todas as emissões globais de gases com efeito de estufa e que é equivalente às emissões de todos os automóveis, camiões e comboios. A mudança para os biocombustíveis nos Estados Unidos terá impulsionado o desmatamento para a produção de óleo de palma na Indonésia. O ano de 2018 foi o pior de uma década para a perda de florestas na Amazónia pese os tresloucados ataques do presidente do Brasil às ONGs e a Leonardo DiCaprio. A cooperação entre governos, sector privado, comunidades e consumidores será necessária para deter o desmatamento e a degradação florestal. O sector privado tem um papel muito importante a desempenhar. A lacuna no financiamento para os ODS em sectores-chave nos países em desenvolvimento foi estimada em 2,5 triliões de dólares por ano. A lacuna não pode ser preenchida pelas finanças públicas internacionais. A “Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA na sigla inglesa)” dos países da OCDE em 2017 foi de apenas de cento e quarenta e seis mil milhões e seiscentos milhões de dólares, e dezoito dos vinte e nove países membros do “Comité de Ajuda ao Desenvolvimento” da OCDE realmente reduziram sua ODA naquele ano. Assim, um sector privado global que seja inclusivo e sustentável, e que esteja preparado para investir em países com défices de infra-estruturas e meios de subsistência, poderia ter um impacto muito positivo. Se, por exemplo, todas as empresas se comprometessem com o desmatamento zero nas suas cadeias de fornecimento de matérias-primas como o óleo de palma, soja e carne bovina, faria uma enorme diferença para a mitigação da mudança climática e para a protecção de espécies e habitats ameaçados. O envolvimento da sociedade civil também é extremamente importante na concepção dos ODS. A Agenda 2030 abriu novos caminhos no ODS 16 ao advogar por sociedades pacíficas e inclusivas que proporcionem acesso à justiça para todos e que tenham capacidade de resposta, inclusão, participação e tomada de decisão representativa a todos os níveis. Os cidadãos devem ser capazes de contribuir para as decisões que afectam as suas vidas, e as suas organizações devem ser capazes de defendê-los e responsabilizar os governos. Todos os governos devem estar comprometidos com os ODS. A sociedade civil pode ajudar a garantir que os governos actuem para além das palavras com vista à implementação. Ainda que o progresso geral sobre os ODS esteja longe de ser adequado, há algumas áreas que estão a ganhar força como por exemplo, o “momentum” está a crescer para a cobertura universal da saúde como um direito básico para todos e uma meta chave no ODS 3 sobre a saúde. Deve, no entanto, incorporar uma forte acção sobre as determinantes sociais e comerciais da saúde, ou os enormes desafios da saúde actuais nas doenças não transmissíveis. O impulso para o ODS 5 sobre igualdade de género, pois o mundo precisa urgentemente de mais mulheres na tomada de decisões, em cargos eleitos, na administração pública e nas organizações multilaterais. O apoio à iniciativa “Global Health 50/50”, que defende a paridade de género nas organizações globais de saúde é de extrema importância. Muitas vezes, uma foto dos líderes dessas organizações revela que apenas uma mulher está incluída e escusado será dizer que, se as mulheres são excluídas, os ODS também não podem ser alcançados. Há potencial para uma transformação energética que relegue os combustíveis fósseis para o proverbial caixote do lixo da história. Se os países se comprometerem com esse fim rapidamente, estar-se-á no bom caminho para alcançar tanto o ODS 7 sobre energia, como as metas do “Acordo Climático de Paris”. Todavia existe preocupação, com o estado de fragilidade que afecta uma parte significativa dos povos do mundo que é motivo de reflexão para todos os responsáveis como por exemplo, aqueles que são partes em conflitos e os que os armam. É de pensar nas imagens horríveis de crianças famintas no Iémen que se vê diariamente nos ecrãs dos meios de comunicação social. As crianças que são excluídas até à morte em um dos países mais pobres do mundo. Assim, não é possível alcançar os ODS se forem alcançados apenas em zonas de paz e prosperidade e o fracasso em estender o desenvolvimento inclusivo e sustentável a todos continuará a ter repercussões sobre a paz, o bem-estar e a segurança de todos. Por todas essas razões, é tempo de agir sobre os ODS como se as nossas vidas dependessem deles, porque fazem se quisermos um futuro inclusivo e sustentável para todos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO esquecido ambiente interior “The quality of housing conditions plays a decisive role in the health status of the residents, because many health problems are either directly or indirectly related to the building itself, the construction materials that were used, and the equipment or the size or structure of the individual dwellings.” World Health Organization [dropcap]A[/dropcap]s pessoas podem passar maior tempo dentro de casa, quotidianamente, em particular nas áreas urbanas. A influente localização corresponde a 50-60 por cento, o trabalho ou a escola em ambientes fechados a cerca de 30 por cento e outros ambientes fechados, como os transportes e os edifícios públicos a 5 por cento, o que equivale a mais de 90 por cento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a manutenção de um bom ambiente interno como um factor importante para a saúde. Segundo a OMS, três milhões e oitocentas mil mortes são atribuídas anualmente à poluição do ar doméstico. Globalmente, mais de três mil milhões de pessoas dependem de fontes de energia poluidoras para cozinhar; assim, 50 por cento das mortes por pneumonia entre crianças menores de cinco anos são devidas à poluição do ar doméstico. A ingestão diária para um indivíduo adulto de aproximadamente setenta e cinco quilogramas é de cerca de 0,75 quilogramas de alimentos sólidos, 1,5 quilogramas de água e 15 quilogramas de ar. Se considerarmos um diferente ponto de vista, no que diz respeito à ingestão diária de produtos químicos do ambiente em proporção ao peso, as residências fechadas contribuem com 57 por cento, seguidas do interior público com 12 por cento, do ar de exaustão industrial com 9 por cento e do ar externo com 5 por cento, o que soma muito mais do que a contribuição de bebidas (8 por cento) e alimentos (7 por cento). O ambiente interior saudável é fundamental para uma vida salutar e em geral, a melhoria da qualidade do ar interior para manter uma boa saúde é essencial para alcançar os “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, globalmente. O “Síndroma do Edifício Doente (SBS na sigla inglesa)” é um conceito que envolve queixas não específicas que ocorrem com maior prevalência em edifícios específicos. É de considerar que da mesma forma, doenças não tão clinicamente demonstráveis quanto as “Doenças Relacionadas aos Edifícios (BRI na sigla inglesa)”, que podem ser associadas aos edifícios, também podem ser consideradas como SBS. As indicações do SBS incluem as queixas de ocupantes de edifícios relativamente a sintomas associados a desconforto agudo, por exemplo, dor de cabeça; irritação nos olhos, nariz ou garganta; tosse seca; pele seca ou com prurido; tonturas e náuseas; dificuldade de concentração; fadiga e sensibilidade ao odor. A causa dos sintomas não é conhecida. A BRI também ocorre dentro de casa, mas é definido como uma doença clínica documentável associada a edifícios. Os mesmos agentes ambientais podem causar tanto BRI como SBS. O caso mais conhecido de BRI foi o surto da doença do legionário que ocorreu em um hotel na Filadélfia em 1976 como resultado da exposição interna à bactéria “Legionella pneumophila”. As outras BRIs são o cancro do pulmão provocado por componentes gasosos e de partículas do Fumo do Tabaco do Ambiente (ETS na sigla inglesa), “Compostos Orgânicos Voláteis (VOCs na sigla inglesa) e dermatite do rádon causada por fibras de isolamento artificial e micróbios, pneumonite de hipersensibilidade, febre do humidificador, asma e doenças respiratórias alérgicas e não alérgicas dos micróbios e respectivas toxinas. A hermeticidade dos edifícios tem vindo a aumentar em muitos países desde a década de 1970. A maioria dos queixosos relata alívio logo após a saída do edifício. Os ocupantes dos edifícios queixam-se de sintomas como tosse, aperto no peito, febre, calafrios e dores musculares. Os sintomas podem ser clinicamente definidos e ter causa claramente identificáveis. Os queixosos podem necessitar de tempos de recuperação prolongados depois de saírem do edifício. Além de BRI e SBS, existe outro termo, o de “Intolerância Ambiental Idiopática (IEI na sigla inglesa), também conhecido como “Sensibilidade Química Múltipla (MCS na sigla inglesa)”, e IEI atribuído a campos electromagnéticos (IEI-EMF). A MCS foi relatada pela primeira vez em 1987, como uma doença que faz com que uma pessoa seja extremamente afectada por um nível muito baixo de certos produtos químicos. A hermeticidade das habitações no Japão tem aumentado desde o início da década de 1990, com o resultado de que condições semelhantes ao SBS, reapareceram em habitações recentemente construídas constituindo um verdadeiro “Sindroma da Casa Doente (SHS na sigla inglesa)”. O conceito básico de SHS é o mesmo que o de SBS; no entanto, existem algumas características distintivas. O SBS ocorre principalmente no escritório; assim, a população-alvo é de vinte a sessenta anos de idade. O SHS, por outro lado, ocorre em casa, de modo que qualquer idade da população pode ser um alvo. As pessoas de idade inferior a vinte anos são relatadas como sendo mais altas do que outros grupos etários, sugerindo que são vulneráveis ao SHS. O SBS desaparece durante o fim-de-semana, uma vez que o escritório está fechado. O SHS continua todos os dias da semana, incluindo os fins-de-semana. O número de ocupantes é geralmente maior no escritório para que o SBS possa ser identificado como um problema ambiental; no entanto, o número geralmente pequeno de ocupantes na casa torna o SHS mais difícil de identificar. É de considerar que uma vez mais, tanto o SBS como o SHS são sintomas relacionados com o ambiente interior e são geralmente aliviados quando afastados do edifício. Muitos dos poluentes existentes no interior dos edifícios podem ser factores de preocupação para a saúde. As partículas em suspensão, dióxido de nitrogénio, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e ozónio são os principais poluentes clássicos internos e são emitidos pela combustão e pelo ar ambiente. A OMS publicou as suas primeiras directrizes sobre a qualidade do ar em 1987, que foram actualizadas em 2005. As fontes emissoras incluem materiais de construção e acabamento, mobiliário, e as actividades, incluindo a limpeza. A OMS publicou orientações sobre as emissões poluentes seleccionadas de gases e produtos químicos provenientes de mobiliário e materiais de construção que recolhem no interior dos edifícios. Recentemente, não só os VOCs, mas também os SVOCs com pontos de vapor relativamente mais elevados são encontrados em espaços interiores. Muitos plastificantes, retardadores de chama e pesticidas são classificados como SVOCs, o que pode estar associado a problemas de saúde como asma e alergias. Micróbios, como fungos, bactérias e vírus, são outro grande poluente dos ambientes internos. Alguns micróbios podem causar doenças, bem como os seus componentes tóxicos, como endotoxinas e micotoxinas. Fungos e bactérias emitem uma ampla gama de compostos voláteis, os chamados “Compostos Orgânicos Voláteis Microbianos (MVOCs)”. Os MVOCs podem ser indicadores de poluentes microbianos, e alguns deles podem causar efeitos à saúde. Os alergénios encontram-se no pó interior e podem induzir sensibilização alérgica e sintomas respiratórios. A humidade refere-se a qualquer resultado visível, mensurável ou percebido do excesso de humidade que causa problemas em edifícios, como bolor, vazamentos, ou degradação de material, odor de bolor, ou excesso de humidade medido directamente, ou crescimento microbiano. Foi sugerido que a humidade é um indicador forte e consistente do risco de asma e sintomas respiratórios, bem como do SBS e SHS. A combustão de combustíveis domésticos é uma questão importante, especialmente em países de baixo e médio rendimento, em relação ao uso de combustíveis sólidos como madeira, esterco animal, carvão vegetal, resíduos vegetais e carvão queimado ineficientemente para cozinhar e aquecer. Assim, a OMS emitiu orientações sobre combustíveis e tecnologias limpas para cozinhar, aquecer e iluminar as habitações em 2014. Por último, mas não menos importante, o ambiente físico, como o desconforto térmico e de iluminação, também é um problema. Os estudos mais recentes sugerem a associação entre temperatura ambiente e o desempenho. Além disso, as diferenças de temperatura térmica fria podem provocar acidente vascular cerebral e ataque cardíaco. Os ODS são um modelo para alcançar um futuro melhor e mais sustentável para todos, abordando os desafios globais que enfrentamos, incluindo os relacionados à pobreza, desigualdade, clima, degradação ambiental, prosperidade, paz e justiça. Há dezassete objectivos a serem alcançados até 2030. A OMS resume os riscos para a saúde e a habitação decorrentes da saúde e do desenvolvimento sustentável. A habitação tem um impacto na saúde e no bem-estar através de numerosos trajectos ambientais, entre os quais se incluem a poluição do ar doméstico por cozedura; aquecimento e iluminação, especialmente biomassa rudimentar e fogões a carvão para cozedura e aquecimento; qualidade do ar interior devido a poeiras ou gases emitidos por materiais de construção tóxicos e radão; exposição a calor e frio extremos; exposição a vectores patogénicos, incluindo pragas e insectos; exposição a humidade e bolores; utilização de materiais de construção não seguros e de más práticas de construção. A melhoria da qualidade do ar interior para manter uma boa saúde está relacionada com muitos ODS. Por exemplo, o “Ambiente Interior Saudável” está relacionado com o bem-estar de todos os ocupantes (Objectivo 3: boa saúde e bem-estar). Também está relacionado com outros objectivos, por exemplo, a protecção das mulheres que estão mais expostas aos poluentes internos da combustão e da cozinha (Objectivo 5: Igualdade de Género), a manutenção de água limpa e saneamento para evitar infecções (Objectivo 6: Água Limpa e Saneamento), o uso de energia limpa para reduzir a emissão de poluentes (Objectivo 7: Energia Acessível e Limpa), a compra de empresas verdes com baixos níveis de emissão de poluentes químicos (Objectivo 8: Trabalho Decente e Crescimento Económico), a ideia de uso em materiais inovadores para reduzir os níveis de poluição (Objectivo 9; Indústria, Inovação e Infra-estrutura), a manutenção do ar da cidade limpo (Objectivo 10: Cidades e comunidades sustentáveis), o desenvolvimento e uso de materiais de construção e interiores com menor emissão de produtos químicos perigosos (Objectivo 12: Produção e Consumo Responsáveis), e a redução nas emissões de dióxido de carbono, carbono-preto e dióxido de nitrogénio (Objectivo 13: Acção Climática). A criação de um ambiente interior limpo com uma concepção de edifícios mais sustentáveis pode ajudar a reduzir o fardo das doenças relacionadas com a qualidade do ar interior e proporcionar uma melhor saúde às pessoas a nível local e global. O SBS começou a ser relatado principalmente como um problema associado aos edifícios de escritórios nos países ocidentais, devido ao aumento do uso de materiais sintéticos, ventilação insuficiente e maior estanqueidade para a conservação de energia. Assim, os maus ambientes de escritórios internos tornaram-se um problema social mais cedo, mas gradualmente os ambientes domésticos também enfrentaram os mesmos problemas. O SBS no Japão, não se tornou um problema social entre as décadas de 1970 e 1980. O termo SHS tem sido usado para expressar problemas ambientais domésticos internos desde o final da década de 1990, e surgiu especialmente em casas recém-construídas ou reconstruídas que incorporavam muitos materiais sintéticos, ventilação insuficiente e maior estanquidade ao ar. Em edifícios de escritórios, se várias pessoas sofreram sintomas que se resolveram depois de saírem do edifício, um problema ambiental pode ser reconhecido com relativa facilidade. No entanto, em habitações, se apenas um ou dois habitantes sofrem de sintomas de SBS, um problema ambiental pode ser difícil de reconhecer. Além disso, os estudos epidemiológicos requerem uma investigação detalhada do ar interior de cada habitação, o que requer muito tempo e recursos humanos em comparação com um ambiente de escritório. O SBS e o SHS devem ser distinguidos de várias doenças bem definidas relacionadas aos edifícios, como rinite, asma, infecção e pneumonite por hipersensibilidade, que são causadas por exposições específicas em ambientes internos. As principais características diagnósticas do SBS são sintomas gerais de saúde (dor de cabeça, fadiga, falta de concentração), sintomas da mucosa (irritação ocular, irritação da garganta, nariz entupido ou obstruído), sintomas de pele (exantema, coceira, secura) e sintomas respiratórios (falta de ar, tosse, pieira). Para diagnosticar o SBS, é importante excluir outras condições e notar se há uma melhoria perceptível dos sintomas quando o paciente é temporariamente removido do edifício, embora a secura da pele pode levar alguns dias para melhorar. Uma vez que não houve critérios de diagnóstico clínico bem estabelecidos para o SBS, o seu prevalecimento foi relatado em estudos epidemiológicos usando questionários. Um questionário de sintomas do SBS amplamente utilizado é a porção de sintomas dos questionários MM, que contém perguntas sobre frequências de sintomas relacionados à construção, com um período de repetição de 3 meses. O “Questionário do Meio Ambiente Interior de Estocolmo (SIEQ)” também é utilizado da mesma forma. Existe um estudo que não envolveu definições de sintomas relacionados ao domicílio, pois insistiu que sintomas sem definição ambiental abrangem todos os sintomas, independentemente da opinião do sujeito sobre as causas. Assim, várias definições de SBS têm sido utilizadas nos estudos epidemiológicos do SBS domiciliário. A definição mais conservadora, com sintomas semanais e relacionados ao domicílio, pode indicar que a prevalência do SBS domiciliário na população geral varia até 10 por cento, embora o tipo de construção e o nível socioeconómico possam influenciar esse número. A linha de selecção que indica que as pessoas com mais preocupação com os sintomas do SBS podem participar mais do estudo do questionário também pode inflacionar a prevalência. Para reduzir essa linha, estudos que medem os poluentes do ar em casa podendo possivelmente ser usados como um incentivo para que as pessoas que estão preocupadas com os sintomas do SBS participem dos seus estudos. O aldeído e os VOCs são agentes etiológicos primários clássicos do SBS, e são emitidos a partir de materiais de construção, pinturas e móveis. Os estudos transversais domiciliares relataram um risco significativamente maior de sintomas do SBS devido ao aumento dos níveis de formaldeído no ar. A qualidade do ar interno (IAQ na sigla inglesa), que depende dos poluentes transportados pelo ar dentro de um edifício (ou em um sentido mais amplo, de qualquer outro compartimento, como um veículo ou uma casota de animais), é um dos factores cruciais que determinam a qualidade do ambiente interno. Oferecer qualidade de ar adequada aos ocupantes é uma das funcionalidades mais importantes de um edifício. O cancro do pulmão (devido ao rádon), doença dos legionários, envenenamento por monóxido de carbono, alergia e asma estão entre as sérias implicações para a saúde da má IAQ. O SBS resultante de níveis inadequados de IAQ afecta significativamente a saúde e a produtividade dos funcionários de escritório. Ainda que estejam a ser feitos enormes esforços para realizar edifícios com eficiência energética, verdes e sustentáveis, manter um nível seguro de IAQ nesses edifícios é um desafio contínuo. Tal deve-se ao facto de que muitas medidas de eficiência energética em um edifício (como taxa reduzida de ventilação do ar externo, aumento do isolamento térmico e equipamento de refrigeração eficiente) podem ter um impacto negativo na IAQ. Assim, juntamente com a eficiência energética e a sustentabilidade, tem havido uma preocupação crescente com a poluição do ar dentro dos edifícios. As tentativas de garantir eficiência energética e sustentabilidade nos edifícios devem simultaneamente garantir maior saúde, conforto e produtividade dos ocupantes. Existem duas abordagens principais para lidar com questões de IAQ em edifícios sendo uma a de aumentar a taxa de ventilação do ar externo no prédio e a outra de minimizar ou controlar as fontes de poluição do ar dentro e fora do prédio. A primeira estratégia funcionaria apenas quando o ar externo estiver limpo o suficiente para melhorar o IAQ.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA democracia e o crescimento económico “It has been said that democracy is the worst form of government except all the others that have been tried.” Winston Churchill [dropcap]A[/dropcap] democracia é o sistema que funciona melhor? A democracia é mais eficaz, do ponto de vista económico? Há quem responda corajosamente com um retumbante sim. A evidência mostra que ao longo dos séculos, e em muitos países, a democracia tem promovido o crescimento de forma mais eficaz e consistente do que qualquer outro sistema político. Será possível acreditar? Tal raciocínio omite completamente o facto de que o crescimento veio de mãos dadas com o avanço tecnológico, e que a tecnologia é um subproduto não da democracia, mas de uma espécie de lógica e racionalidade forjada pelos gregos clássicos, que de facto deram origem ao “espírito científico” e, como resultado, ao prodigioso desenvolvimento da tecnologia que, sem igual, ocorreu nos últimos dois séculos no mundo ocidental. É verdade que a civilização chinesa foi caracterizada por capacidades excepcionais e que durante muito tempo ultrapassou o Ocidente em invenções técnicas. A ciência e a tecnologia que “modernizaram” o mundo nunca floresceram em outras culturas, nem na China nem para citar o outro grande exemplo, na Índia. Assim, a correlação entre a democracia liberal ocidental e a riqueza é falsa. É de considerar que correlações à parte, que argumentos sustentam a tese da “superioridade económica” da democracia? Uma das principais razões pelas quais a democracia promove o crescimento é o de fornecer segurança para os direitos de propriedade, necessários ao progresso capitalista. Após o colapso desastroso das economias planificadas de tipo soviético, até mesmo os ditadores perceberam que “a mão invisível funciona melhor do que a bota visível”. Assim, os ditadores acham que é do seu interesse promover os sistemas de mercado e respeitar os direitos de propriedade. Se olharmos para o mundo, vemos democracias “em crescimento” e “democracias em declínio”, bem como ditaduras em ruína económica e ditaduras que gozam de sucesso económico. Taiwan, Singapura, Coreia do Sul e a Malásia também construíram as suas “economias milagrosas” sob liderança autoritária. Na América Latina, as economias do Chile e do Peru caíram sob regimes democráticos e deveram a sua recuperação económica a governos autoritários (no Peru, o presidente Alberto Fujimori conseguiu milagres económicos ao suspender e reescrever uma constituição democrática duvidosa). O padrão mais difundido nesta região é que tanto as ditaduras militares como os governos democráticos têm os mesmos maus resultados de desenvolvimento. Na ex-União Soviética e na Europa Oriental, a democratização precedeu as reformas económicas, tornando-as mais difíceis. A China, pelo contrário, sob a orientação de Deng Xiaoping tem sido notavelmente bem-sucedida, seguindo o caminho oposto, com a liberalização económica direccionada de cima para baixo sob estrito controlo do Partido Comunista. A proposição de que a democracia não é apenas um sistema político superior, mas também um “vencedor económico” é facilmente contrariada pelo argumento de que, nos mesmos mecanismos de mercado, governos que não estão constrangidos por pressões populares estão em melhor posição para promover o crescimento do que governos condicionados por procuras democráticas e demo-distribuição. É de ressaltar que certamente, quando as pessoas se tornam ricas, uma das coisas que provavelmente exigirão é a democracia e nessa tese é o crescimento que traz a democracia, não a democracia que gera o crescimento. Para que a democracia seja mais eficaz não responde a uma lei natural. As democracias têm de funcionar, não só com boa vontade, mas também com incentivos e limitações estruturais. É de sublinhar o facto de que o próprio modelo, a forma política ocidental, exige urgentemente uma reparação. A falência da democracia, da chamada democracia com défice, é um perigo real e um risco para o qual as estruturas constitucionais actuais não estão preparadas. Quando os sistemas político-liberais foram concebidos, a principal força motriz por trás do seu estabelecimento foi o princípio de não tributação sem representação (como James Otis declarou em 1761, “tributação sem participação é tirania”), mas consequentemente, quando os parlamentos se tornaram um dos pilares do Estado constitucional, exerceram o “poder do orçamento”, ou seja, o poder de levantar dinheiro e dá-lo ao detentor do “poder da espada” (o rei). Esta divisão de competências entre um executivo de despesa e um parlamento controlador atingiu o seu objectivo, enquanto os parlamentares representavam (como aconteceu ao longo do século XIX) os contribuintes reais, ou seja, os “mais ricos”, não os “mais pobres”. Nestas condições, os parlamentos eram, de facto, controladores eficazes das despesas. Desde o século passado que se perdeu o equilíbrio entre os travões parlamentares e os aceleradores executivos e com o sufrágio universal e o subsequente passo geral do princípio da “lei e ordem” (que o “pequeno Estado” deveria fornecer) para o Estado Providência (cobrindo necessidades), os parlamentos tornaram-se mais gastadores do que os governos. A contenção natural que manteve os orçamentos em equilíbrio até meados do século XX foi a crença de que um orçamento é, por definição, um equilíbrio entre receitas e despesas. Tal crença explica o facto de que as enormes dívidas originadas durante as duas guerras mundiais poderiam ser gradualmente reabsorvidas. O feitiço foi quebrado quando a mensagem de John Maynard Keynes sobre o défice público alcançou os políticos, pois usar o dinheiro dos outros de ânimo leve tornou-se uma tentação irresistível e já não era possível encontrar nas estruturas do Estado de direito um elemento cancerígeno fiscal responsável. Se os políticos que obtém lucros indevidos ou de forma ilícita podem contrair dívidas para o consumo (não para investimento) e depois simplesmente imprimem mais dinheiro, então as más políticas e a economia ou ambas, serão quase inevitáveis. É, pois, fundamental restabelecer o controlo do orçamento, pois, em última análise, o que se pode ter é um Estado sem pesos e contrapesos. Não é possível descriminar as possíveis soluções, mas apenas concluir que o funcionamento da democracia (em termos económicos) é determinado decisivamente pela encruzilhada do controlo do mercado de acções. É aqui que, passando da forma (estrutura constitucional) para o conteúdo político (como resultado das exigências democráticas), a democracia enfrenta o seu maior desafio. Os direitos formais consagrados nas primeiras declarações de direitos não eram geralmente onerosos. No entanto, à medida que se expandiram para incluir os direitos materiais, tornaram-se cada vez mais onerosos e nas últimas décadas, as democracias ocidentais tiveram de lidar com o aumento das despesas sociais através de dois mecanismos que são o défice público e o proteccionismo. Desde então, ambos os recursos foram esgotados e muitas democracias ocidentais são confrontadas com “orçamentos rígidos”, ou seja, estão tão endividadas que quase não têm margem de manobra na distribuição dos fundos. É de entender que à medida que a economia global expõe inevitavelmente os produtores anteriormente protegidos (que poderiam transferir as suas cargas fiscais para os seus consumidores) à concorrência global, não é possível a existência do Estado-Providência. Os anos vindouros serão anos de entrincheiramento e mais do que nunca, as democracias devem ser capazes de sustentar o crescimento. Mas, mesmo que o pior aconteça, e sejamos arrastados para um jogo de soma negativa, um jogo em que todos perdem, a ideia que se oferece como consolo é que, mesmo assim, a democracia liberal merece atenção e ter desprotecção é infinitamente melhor do que não a ter e uma última consideração permanece, nomeadamente, se a Ásia e a África podem ter os seus próprios “modelos” de democracia. Fundamentalmente, isto é, nas técnicas constitucionais de protecção dos cidadãos e de exercício do poder político, não existe nenhum modelo alternativo à vista e não se percebe porque querem descartar um mecanismo que provou funcionar muito bem. Algo mais acontece, por exemplo, em relação ao sistema partidário e aos processos de articulação e agregação de interesses, em relação aos quais se reconhece que os acordos multipartidários originalmente decorrentes de fracturas de classe ocidentais fazem pouco sentido quando as lealdades são exclusivamente tribais. Os líderes africanos que inventaram este raciocínio não estão isentos da razão, mas estão errados ao propor como solução a proibição dos sistemas partidários e, na prática, o estabelecimento de um sistema de partido único ou de uma ditadura; por outro lado, quando se chega ao elemento liberal-democrático chamado “vontade popular”, é difícil generalizar. O mundo é constituído por povos muito diferentes, enquadrados em culturas, visões do mundo e sistemas de valores muito distintos, para não falar de circunstâncias muito diversas e mesmo no Ocidente, a “vox populi” não é concebida como “vox dei”. Todavia não é possível afirmar que as pessoas tenham sempre razão, mas sim que têm o direito de cometer erros e de igual modo, deve-se permitir que a democracia seja despromovida, ou seja, deve-se permitir um poder do povo que se suprime a si próprio? Isto e uma infinidade de perguntas semelhantes incitam uma série de respostas diferentes que, por sua vez, afectam os resultados de experiências democráticas. O ensaísta inglês, Walter Bagehot, no século XIX, elogiou a “estupidez diferencial” do inglês. A democracia será melhor servida pela arrogância desrespeitosa? É de sugerir que estas perguntas dependam de cada “Volksgeist”, de cada “espírito do povo” em particular. A teoria da democracia ocidental evoluiu (muitas vezes de forma normativa e até mesmo aperfeiçoada) para reflectir níveis avançados de democratização. Na medida em que essas teorias viajam para democracias incipientes (sendo disseminadas por estudantes formados em universidades ocidentais), os fundamentos da própria democracia ocidental são tomados como garantidos ou simplesmente ignorados, o que constitui um mau princípio para principiantes. A democracia liberal evoluiu historicamente para englobar dois elementos essenciais que são a desprotecção (resultando em um povo livre) e o demo-poder (resultando no auto governo das pessoas). A desprotecção é assegurada pela “forma” política liberal-democrático, ou seja, pelas estruturas e mecanismos constitucionais, enquanto o “conteúdo” derivado das decisões políticas é o demo-poder. O primeiro elemento é uma condição necessária da democracia, enquanto o segundo é um conjunto aberto de implementações. Assim, é de concluir que a forma (o elemento liberal-constitucional) é o elemento universalmente exportável, enquanto o conteúdo (o que as pessoas querem e exigem) é um elemento contingente, culturalmente dependente. A “domesticação” e pacificação da política é uma pré-condição essencial para respeitar os resultados eleitorais e permitir a alternância no poder. A desprotecção é indiferente às condições económicas e permite, como hipótese, uma democracia pobre, enquanto o demo-poder, que exige demo-benefícios, necessariamente requer riqueza e crescimento. A mera identificação da democracia com a demo-distribuição torna actuais as diversas crises, entre elas a crise fiscal particularmente preocupante onde quer que ocorra. Porque se deve lidar com o passado liberal da democracia liberal? Porque a incipiente democracia na Ásia ou em qualquer outro lugar enfrenta os mesmos problemas que a democracia encontrou inicialmente no Ocidente? Não há dúvida de que uma vez inventado e testado um sistema político, em pouco tempo reproduz-se em outro lugar. Assumindo que, em princípio, é relativamente fácil construir uma democracia “por imitação”. No entanto, o problema é a diferença entre o tempo histórico e o calendário, e copiar um modelo político é um processo síncrono baseado em calendário. Importamos o que existe mas em relação ao tempo histórico, alguns países estão separados por milhares de anos. Historicamente, o Afeganistão, por exemplo, e milhões de aldeias espalhadas por áreas subdesenvolvidas (para não mencionar as não desenvolvidas) são mais ou menos onde era a maior parte da Europa nos tempos negros da Idade Média. Por conseguinte, a possibilidade de importar a democracia não é tão fácil como às vezes se imagina. A importação envolve “diferenças temporais” enganosas, de modo que encontra problemas cada vez que se trata de estabelecer abruptamente um modelo avançado sobre uma realidade mais atrasada. Embora de acordo com o calendário possa ser o mesmo dia nos Estados Unidos como no Afeganistão, uma transposição do modelo da primeira para a segunda é um enorme salto. É de reformular esta questão em termos das condições prévias da democracia. A ideia de pré-condições de democracia geralmente refere-se às pré-condições económicas por referência aos antecedentes históricos que são dois, em que o primeiro, é a secularização, e o outro, a “domesticação” da política. A secularização ocorre quando o Reino de Deus e o Reino de César, ou seja a esfera da religião e da política são separados. É de entender que como resultado, a política não é mais reforçada pela religião pois perde a intensidade e a rigidez delas derivadas do último (dogmatismo). Só nesses casos é que surgem as condições para a domesticação da política. É por isso que se deve entender que a política já não mata, deixando de ser um assunto belicoso, e a vida política pacífica se reafirma, como “modus operandi” habitual da comunidade política. Não se torna necessário olhar muito para trás para captar a ligação entre essas condições históricas e a democracia. Esta última assume que os resultados eleitorais dão e revogam o poder e que rotineiramente requerem a alternância no poder, mas se os detentores do poder têm motivo para temer que renunciar ao seu exercício possa colocar em perigo as suas vidas e bens, resistirão em abandoná-lo. Assim, enquanto a política não se secularize e domestique, isto é, até que não se outorgue a suficiente protecção do ser humano, será improvável que os políticos renunciem ao poder e se retirem. A comunidade internacional não está bem aconselhada quando pede aos países actualmente confrontados com a onda do fundamentalismo islâmico que “certifiquem” a sua democracia através da realização de eleições. Numa estrutura belicosa, não secularizada, em que o perdedor teme ser assassinado, nenhuma democracia é possível. É provável que o facto de dispor de um protótipo que possa ser copiado seja uma desvantagem para os Estados que chegaram mais tarde à democracia. É de esperar que os recém-chegados se actualizem, ignorando o tempo histórico, a um ritmo excessivamente rápido, tenderão a sofrer “sobrecarga”, uma situação incontrolável que surge de demasiadas crises e falhas simultaneamente. A este respeito, é importante lembrar que há um século a democracia era apenas uma forma política, e que o Estado constitucional não fornecia, e não se esperava que fornecesse, “bens” económicos; apenas garantia a liberdade e as “coisas boas” dela derivada. Durante mais de um século, nunca se argumentou que a democracia tivesse prévias condições económicas que a sua sobrevivência dependesse do crescimento económico e prosperidade. O importante é que a demo-protecção que proporcionava o Estado liberal do século XIX não tinha exigências de riqueza. Se a democracia é concebida como uma forma política, é igualmente possível uma “democracia pobre”. Quando as democracias ocidentais se desenvolveram e alcançaram os mais altos níveis de democratização, o demo-poder converteu-se em demo-apetite e a contenda política nos sistemas liberais-constitucionais centrou-se, cada vez mais, em temas distributivos sobre “quem recebe quanto de quê”. Provavelmente esta viragem era inevitável e foi reforçado o desprezo pela ética, pelo “materialismo” marxista e pela corrente fortemente utilitária que moldou a teoria e a prática da democracia na sua versão anglo-americana. Sem dúvida estes são os factores culturais que podem ser compensados quando a democracia se enraíza em outras culturas. Se a democracia é importada como um sistema de demo-poder cuja principal preocupação é a demo-distribuição, o futuro da democracia está intimamente ligado ao desempenho económico e consequentemente, a questão crucial actualmente, em quase todo o mundo, é de saber se a democracia também proporciona crescimento económico.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da cibersegurança (II) “The Internet is the first thing that humanity has built that humanity doesn`t understand, the largest experiment in anarchy that we have ever had”. Eric Schmidt [dropcap]A[/dropcap] dissuasão por punição, por outro lado, depende da capacidade de contra-atacar. É de argumentar que se o atacante sabe que a retaliação seria “certa, severa e imediata”, isso o dissuadirá. A questão é se a dissuasão cibernética pode funcionar da mesma forma que a dissuasão nuclear. A dissuasão nuclear funciona porque ambos os lados conhecem com bastante precisão a natureza, o tamanho e o escopo do arsenal nuclear um do outro e os meios de provimento. Durante décadas, as negociações sobre controlo de armas foram focadas em questões como transparência e verificabilidade dos arsenais uns dos outros. Foram desenvolvidas “Medidas Detalhadas de Fortalecimento da Confiança Nuclear (MGCs na sigla inglesa)”, com base na verificação. Foram feitas tentativas para compreender as doutrinas nucleares uns dos outros e no caso nuclear, os actores eram poucos (actores não estatais não possuíam armas nucleares). Assim, no ciberespaço, a situação é muito diferente pois, não há transparência sequer sobre o que significa um ataque cibernético. Não existe uma definição acordada de arma cibernética, bem como não há meios de verificação. Vários actores operam no ciberespaço com total anonimato. Os cépticos salientam que a dissuasão cibernética falhará devido à falta de imputabilidade no ciberespaço. No ciberespaço, onde o anonimato é a chave, é difícil identificar com precisão quem é o atacante. A não atribuição é a fraqueza fundamental do argumento da dissuasão cibernética. Existe, no entanto, alguma literatura que sugere que o problema da atribuição pode ser ultrapassado mais cedo ou mais tarde. Tais afirmações são, no entanto, não verificáveis actualmente. Para que a dissuasão cibernética seja significativa, um país teria de definir os seus limiares através de sinalização adequada. Teria de indicar os seus limiares cibernéticos e alguma ambiguidade será, sem dúvida, deliberada. No entanto, um potencial atacante deve saber que a retaliação seria grave e inaceitável se uma determinada linha vermelha fosse ultrapassada. A indicação de linhas vermelhas dependerá das capacidades, intenções e interesses de um país. Hoje, porém, as linhas vermelhas estão ausentes e por exemplo, a ciberespionagem, dirigida contra alvos militares e não militares, deveria ser tratada como um acto de guerra cibernética? Será um ataque às redes bancárias, bolsas de valores e de energia um acto de guerra? A ciberespionagem merece um contra-ataque? A retaliação deve ser feita no ciberespaço ou por outros meios? Com perguntas-chave sem resposta ter uma dissuasão cibernética na linha da dissuasão nuclear parece difícil. O “Manual de Tallinn 1.0”, originalmente chamado “Manual de Tallinn sobre o Direito Internacional Aplicável à Guerra Cibernética”, trata de cenários de conflito no ciberespaço onde o direito internacional se aplicaria. Embora o “Manual de Tallinn” não seja um documento oficial, o seu trabalho é patrocinado pela “Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)” e outros países. Actualmente, está a ser elaborada uma segunda versão com o nome de “Manual de Tallinn 2.0”. Trata da aplicação do direito internacional ao ciberespaço em tempo de paz. Uma reunião realizada em Haia, de 2 a 3 de Fevereiro de 2016, tratou destas questões. Durante as discussões, foram feitas tentativas de criar uma lei diplomática para o ciberespaço. Foi sugerido que o ataque aos sistemas informáticos de uma embaixada estrangeira deveria ser proibido por lei. Foi também afirmado que a intervenção no ciberespaço pode ser permitida em determinadas circunstâncias. Assim, por exemplo, do ponto de vista da Índia, o “Manual de Tallinn”, embora seja um exercício útil, não reflecte a legislação existente sobre o assunto devido à ausência de práticas estatais que são críticas ao desenvolvimento do direito internacional consuetudinário. Apesar destas dificuldades, os países estão a avançar com a incorporação da cibersegurança nas suas doutrinas militares. Tais doutrinas postulam que um país, ao exercer o direito defesa, poderia retaliar a um ataque cibernético por ciberataques ou qualquer outro meio. A “Estratégia Nacional dos Estados Unidos” diz que poderiam usar ferramentas cibernéticas ou outros meios para retaliar ataques cibernéticos. O problema dos ciberataques não pode ser visto isoladamente. Actualmente, o ciberespaço está interligado com outros domínios da guerra, nomeadamente a terra, água, ar e o espaço. Este entrelaçamento implica que os ciberataques não serão vistos apenas como tal. A retaliação sob forma não cibernética, ou seja, a retaliação através de meios não cibernéticos, incluindo possivelmente meios militares, não pode ser excluída. Os ciberataques, como meio de guerra, apenas alargariam o domínio da batalha. A ciberguerra pode induzir os países a optar por uma dissuasão total do espectro. A ciberguerra é um conceito contestado. A ciberespionagem, ataque a infra-estruturas críticas, etc., são acontecimentos rotineiros no ciberespaço. Até agora, não foram utilizados meios militares para deter os ataques. Também não foram utilizadas sanções económicas porque a atribuição de um ataque cibernético tem sido muito difícil. Além disso, muitas vítimas sentem receio de denunciar ciberataques. Tais incidentes não têm sido considerados como actos de guerra até agora, porque não existe uma definição de guerra cibernética. Se um ataque cibernético é visto como um componente da guerra cibernética dependerá do contexto do ataque. Os autores do “Manual de Tallinn” lutaram durante muitos anos para chegar a algumas definições aceitáveis, mas o progresso tem sido lento. A Índia por exemplo, não pode ignorar estes desenvolvimentos. O uso da Internet está a espalhar-se rapidamente na Índia e embora a penetração da Internet no país ainda seja baixa, quase quatrocentos milhões de pessoas estão a usar a Internet. A Índia digital levará a Internet de banda larga a todas as aldeias. A revolução na conectividade está a varrer a Índia com mil milhões de assinantes de cartões SIM. O futuro progresso e crescimento da Índia estão ligados à expansão da rede digital, superando as disparidades digitais e garantindo que políticas robustas de segurança cibernética sejam adoptadas desde o início. A Índia tomou várias medidas no passado recente para fortalecer as suas capacidades de defesa cibernética sendo de mencionar algumas como uma política nacional de segurança cibernética que foi anunciada e está a ser implementada; uma elaborada estrutura nacional de garantia da segurança cibernética que está em fase de implementação; a nomeação do “Coordenador Nacional de Segurança Cibernética”; a coordenação entre várias agências melhorou; foi criado um “Centro Nacional de Protecção de Infra-estrutura de Informações Críticas (NCIIPC na sigla inglesa)”; existe um diálogo regular com os principais sectores da economia; está a ser construída uma parceria público-privada; existe um diálogo activo entre o governo e o sector privado; está a ser criado um “Centro Nacional de Cibercoordenação (NCCC na sigla inglesa)”; estão a ser envidados esforços para desenvolver as competências em matéria de cibersegurança no país; novos cursos de cibersegurança estão a ser introduzidos nas faculdades; a política de “Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)” em matéria de cibersegurança também tem sido objecto de consideração activa por parte do governo. A “Equipa Indiana de Resposta a Emergências de Computadores (CERT-In na sigla inglesa)” criada em 2004, realizou um trabalho significativo no tratamento de incidentes cibernéticos, bem como na sensibilização. A Índia está a desenvolver uma ciberdiplomacia activa, estabelecendo diálogos sobre cibersegurança com vários países e participando em vários fóruns internacionais, incluindo a ONU sobre cibersegurança. Todos estes esforços sincronizados e coordenados estão a dar resultados. Mas não podemos ser complacentes face às ameaças crescentes e à evolução das tecnologias. Devido ao crescimento explosivo das TIC, é provável que o cenário da cibersegurança continue a ser um desafio. Os países terão de trabalhar arduamente nos vários aspectos da cibersegurança, incluindo os desafios emergentes. Assim como outros países, a Índia também enfrenta a tarefa assustadora de interromper e prevenir ataques cibernéticos nas suas redes. A Índia terá que estudar de perto a evolução da ideia de dissuasão cibernética. Construir capacidade de dissuasão cibernética implicaria edificar redes robustas que possam ser defendidas, incentivar a P&D abrangente na área de cibersegurança e fortalecer a fabricação nativa de produtos das TIC. Será também necessária uma forte ciberdiplomacia para garantir que a Índia e outros países não sejam os destinatários finais do regime emergente de controlo das exportações das TIC ao abrigo do “Acordo de Wassenaar”. É necessário também analisar de perto os padrões dos ciberataques contra os países e criar medidas de resposta adequadas, incluindo a capacidade de realizar ciberoperações, se necessário. Alguns países teriam de tomar em conta as doutrinas de cibersegurança cada vez mais assertivas que estão a ser adoptadas por outros países e ajudarão a elaborar as suas doutrinas de cibersegurança. É de salientar que existe uma falta de consenso na comunidade internacional sobre as normas de comportamento no ciberespaço. Estamos em uma fase em que a tecnologia está muito à frente do nosso pensamento sobre as leis e normas cibernéticas. A UNGGE provou ser uma plataforma útil para discutir essas questões, mas a ausência de uma plataforma representativa mais ampla, onde as questões controversas possam ser discutidas e o consenso possa ser alcançado, é evidente pela sua ausência. Os grupos “ad hoc” que adoptam procedimentos para deliberar sobre agendas de segurança cibernética não construirão necessariamente um consenso. A comunidade internacional precisa de se reunir para discutir como lidar com ameaças no ciberespaço que estão a crescer a cada minuto. A tarefa pode parecer assustadora, mas os países devem reflectir seriamente se o mundo precisa de uma convenção cibernética sobre segurança cibernética. Ao contrário dos outros bens comuns, nomeadamente a terra, mar e o espaço, em que o direito internacional cresceu imediatamente, o ciberespaço continua a ser, em grande medida, ilegal. É necessária uma discussão sustentada por especialistas internacionais para gerar ideias sobre o caminho a seguir para a construção de um consenso sobre questões de cibersegurança.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da cibersegurança (I) “One of the main cyber-risks is to think they don’t exist. The other is to try to treat all potential risks. Fix the basics, protect first what matters and be ready to react properly to pertinent threats. Think data, but also services integrity, awareness, experience, compliance, and reputation.” Stephane Nappo [dropcap]O[/dropcap] uso do ciberespaço por governos, empresas e indivíduos para facilitar e acelerar todos os tipos de actividades, levou à expansão global de redes cibernéticas em um período de tempo relativamente curto. Ainda que os especialistas em cibernética tenham advertido repetidamente, que as muitas vulnerabilidades inerentes e existentes em dispositivos e redes não foram resolvidas, nem podem ser adequadamente geridas para garantir a segurança das redes, têm sido amplamente ignoradas ou minimizadas. O aumento no número e na magnitude dos ataques, significa que a maioria dos formuladores de políticas está ciente da ampla gama de problemas associados à cibersegurança. As perspectivas diferentes dos países sobre questões cibernéticas, e a complexidade do tema tornaram a cibersegurança uma preocupação não apenas para a segurança nacional, mas também internacional. As conotações geopolíticas aumentaram os desafios da cibersegurança, e embora os sistemas e redes conectados se tenham tornado mais interligados e complexos, o ciberespaço está a ser usado por actores maliciosos para uma variedade de propósitos nefastos, desde a ciberespionagem, tanto para interesses comerciais quanto de segurança, até ao cibercrime e ciberterrorismo. O ataque distribuído de negação de serviço (Distributed Denial of Service – DDoS), pode interromper as operações comerciais ou causar paralisações graves, tendo um impacto directo nos lucros e na reputação das empresas. As empresas também enfrentam o risco de perder segredos comerciais ou direitos de propriedade intelectual. Além disso, uma violação maciça de dados para empresas ou portais de governo que armazenam dados de clientes ou cidadãos, compromete as informações pessoais e um ataque cibernético a entidades que fazem parte de infra-estruturas críticas pode ter um impacto debilitante na segurança nacional. O risco aumenta muito nas redes eléctricas, nas instalações nucleares e na rede de telemetria/comando e controlo dos bens espaciais. As redes sociais, surpreendentemente, como vector de ameaças, tornaram-se um canal de menor resistência para realizar reconhecimentos, roubar identidades e reunir informações sobre funcionários, projectos, sistemas e infra-estrutura, além de disseminar propaganda odiosa e seduzir jovens impressionáveis a seguir ideologias extremistas. Ao longo dos anos, o ciberespaço também se tornou um intrincado constituinte do poder nacional. As estratégias para o desenvolvimento do ciberespaço não se limitam apenas a fins civis; pelo contrário, este domínio inscreve-se agora perfeitamente no âmbito das forças armadas e com o advento da centricidade em rede nas operações militares e da revolução nos assuntos militares, as forças armadas correm um risco elevado de ciberincidentes. A utilização integrada de meios terrestres, aéreos, marítimos e espaciais para uma maior consciência do domínio ou acesso à informação em tempo real, justifica que as forças armadas adquiram conhecimentos especializados em operações cibernéticas defensivas e ofensivas. Os países documentaram as suas estratégias cibernéticas e executaram na forma de comandos cibernéticos. A dimensão militar viu o ciberespaço testemunhar o início de uma corrida pelo desenvolvimento e implantação de armas cibernéticas. É de ressaltar que um regime de controlo de armas, o “Acordo de Wassenaar sobre os Controlos das Exportações de Armas Convencionais, Bens e Tecnologias de Dupla Utilização” (é um regime multilateral de controlo de exportação com quarenta e dois países participantes, incluindo muitos países do antigo Pacto de Varsóvia), ampliou a sua lista de controlos em consonância com a forma como o ciberespaço alterou o actual cenário de segurança. O desenvolvimento de armas cibernéticas e o seu uso potencial contra alvos de alto valor, tem sido uma das principais preocupações de segurança dos países. As ameaças no ciberespaço são de natureza e intensidade variáveis. As empresas líderes nos sectores de energia, telecomunicações, finanças e transporte são alvos de “Ameaças Persistentes Avançadas (APTs na sigla inglesa)”. Os actores não estatais, como organizações terroristas e sindicatos criminosos, tornaram-se especialistas em tecnologia, empregando recursos humanos para desenvolver programas nocivos. Tais ferramentas são amplamente utilizadas na prática do cibercrime. As organizações terroristas aproveitam os benefícios do ciberespaço para a propagação de ideologias, recrutamento e comunicação. O Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS; também conhecido como ISIL/IS/Daesh), por exemplo, é um dos principais utilizadores, alavancando a sua tremenda presença nas médias sociais para espalhar propaganda e recrutar simpatizantes, de todo o mundo, como combatentes. A Al-Qaeda também tem desenvolvido programas de criptografia para proteger a sua comunicação no ciberespaço. À medida que a extensão do comércio transaccionado no ciberespaço cresce, junto com a dependência da tecnologia da informação para ganhar eficiência de custos, o risco para as empresas aumenta e como a Ásia continua a crescer a sua participação no comércio global, espera-se que as ameaças de ataques cibernéticos aumentem proporcionalmente. Os ciberataques, como muitos dos novos desafios de segurança, são transnacionais em termos de origem e natureza, e nenhum país pode combatê-los só. Apesar das variações nos sistemas étnicos, económicos e de governação, os países asiáticos necessitam de uma sólida arquitectura de segurança para resolver as questões específicas da região geográfica onde estão inseridos, bem como as situações internacionais prejudiciais ao crescimento económico e social da Ásia. É de acreditar com a transferência do poder para a Ásia, a sua representação nos mecanismos de governação internacional e os seus contributos para a criação de um ciberespaço seguro são fundamentais para a política internacional, economia mundial e credibilidade das instituições internacionais e dos regimes de cibersegurança. As ciberameaças, na Ásia, alteraram as percepções de segurança das instituições e dos sistemas governamentais. Assim, e nesse contexto, os trabalhos apresentados por especialistas estratégicos, académicos, especialistas em domínios e formuladores de políticas, tentam examinar uma série de questões como o ambiente de segurança cibernética global, os actores não estatais e ciberespaço, a segurança da infra-estrutura crítica e o papel dos militares na segurança cibernética. O mundo está a tornar-se cada vez mais turbulento. A imparável marcha da globalização, facilitada pelas “Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)”, levantou muitas questões preocupantes no que respeita à manutenção da paz e da estabilidade. A cibersegurança é uma preocupação de segurança internacional. É também uma das principais inquietações para a maioria dos países, e constitui um elemento importante nas suas prioridades nacionais em matéria de segurança. A tónica é colocada na gestão das ameaças no ciberespaço que afectam todos. A principal questão que se coloca a um país, é o de saber como se defender das ocorrências cada vez maiores em caso de ciberataques. O ano de 2015 assistiu a uma série de desenvolvimentos importantes no domínio da cibersegurança. A visita do presidente chinês aos Estados Unidos de 22 a 28 de Setembro de 2015, será lembrada por alguns comentários públicos sinceros do então presidente Obama, sobre as preocupações do seu país com o roubo “on-line” de propriedade intelectual. Os dois países estão consciente de que preocupações cibernéticas, se não resolvidas, podem criar mal-entendidos e desestabilizar laços, acordando em diálogos bilaterais sobre cibersegurança. O então presidente Obama, afirmaria que os dois governos concordaram que nem os Estados Unidos nem a China iriam conduzir ou apoiar conscientemente o roubo cibernético de propriedade intelectual, incluindo segredos comerciais ou outras informações confidenciais para retirarem vantagem comercial. O então presidente Obama, abordou ainda com o presidente chinês a questão das ameaças cibernéticas, tendo este declarado que a China se opõe fortemente e combate o roubo de segredos comerciais e ataques de pirataria informática. A reunião ocorreu no contexto de um ataque cibernético bem divulgado em Dezembro de 2014 no “Escritório dos Estados Unidos de Gestão de Pessoal (OPM na sigla inglesa)”, que resultou em uma grande violação de dados, comprometendo as impressões digitais de cinco milhões e seiscentas mil pessoas e os registos de segurança de cerca de vinte e dois milhões de pessoas. Os dois países reconheceram a segurança cibernética como um problema o que constituiu um desenvolvimento notável. Durante o mesmo ano, a China e a Rússia também assinaram um acordo abrangente sobre cibersegurança, tendo os “Grupos de Peritos Governamentais das Nações Unidas no domínio da informação e das telecomunicações no contexto da segurança internacional (UNGGE na sigla inglesa)”, apresentado o seu terceiro relatório que continha um avanço em relação ao relatório anterior e como resultado desses esforços, existe um reconhecimento crescente de que o direito internacional, particularmente a Carta das Nações Unidas, se aplica tanto ao ciberespaço como a outros domínios. O UNGGE salienta o respeito pelos princípios da igualdade soberana; a resolução de litígios internacionais por meios pacíficos; a não ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer país; o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de expressão; e a não intervenção nos assuntos internos de outros países são alguns dos princípios que também se aplicam à segurança das TICs, ou seja, por outras palavras, o direito internacional é tecnologicamente neutro. É de considerar que uma das principais observações do relatório é que os países têm jurisdição sobre a infra-estrutura das TICs localizada no seu território. O direito internacional tem muitos aspectos, incluindo a intervenção em autodefesa, sanções económicas contra medidas e assim por diante. Foi aberto um debate sobre se, em determinadas circunstâncias, se justifica ou não uma intervenção através de meios cibernéticos nas redes de outros países. O debate tem sido agudo, mas inconclusivo. As questões da cibersegurança são controversas, e revelam-se difíceis mesmo quando os incidentes de ciberataques, cibercriminalidade e ciberterrorismo aumentam exponencialmente. Todos os anos novos tipos de ataques são inventados e realizados. O conjunto de ferramentas dos atacantes está a expandir-se. É bem possível que os países estejam a desenvolver clandestinamente um arsenal de ferramentas de ataques cibernéticos, mesmo quando discutem a necessidade de normas aceites no ciberespaço. O desafio para os países é como defender a sua infra-estrutura crítica, militar e civil contra os ataques cibernéticos desestabilizadores. O cibercrime está a aumentar e o roubo de informações pessoais e de propriedade intelectual é desenfreado. A distinção entre intervenientes estatais e não estatais no ciberespaço está a esbater-se. Mesmo com o desenvolvimento de tecnologias de defesa activa, os atacantes estão vários passos à frente. A maioria dos países está empenhada em implementar estratégias para defender as suas redes contra ataques cibernéticos; ao mesmo tempo, também estão a jogar com a ideia de desenvolver capacidades que desencorajariam possíveis atacantes. Foram feitos esforços para desenvolver uma teoria e uma prática de “ciberdissuasão” na linha da dissuasão nuclear. Fazendo analogias com o vocabulário de controlo de armas nucleares, é de argumentar que tanto as negações quanto a punição são essenciais para dissuadir a agressão cibernética. A ideia é deixar claro ao potencial atacante que o custo da agressão cibernética superará os benefícios. Uma estratégia eficaz de dissuasão cibernética incluirá tanto a dissuasão por negação quanto a punição. A dissuasão pela negação dependerá de defesas fortes. Os esforços do atacante serão inúteis se as defesas e a resiliência, ou seja, as capacidades de recuperação, forem fortes.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão dos resíduos sólidos “Climate change impacts are only one of a number of environmental impacts that derive from solid waste management options. Other impacts include health effects attributable to air pollutants such as NOx , SO2 , dioxins and fine particles, emissions of ozone depleting substances, contamination of water bodies, depletion of non-renewable resources, disamenity effects, noise, accidents etc. These environmental impacts are in addition to the socio-economic aspects of alternative ways of managing waste. All of these factors need to be properly considered in the determination of a balanced policy for sustainable waste management, of which the climate change elements are but one aspect”. Waste Management Options and Climate Change Alison Smith, Keith Brown, Steve Ogilvie, Kathryn Rushton and Judith Bates [dropcap]O[/dropcap] rápido crescimento da população mundial, o aumentar permanente dos padrões de vida, e os vastos avanços tecnológicos estão continuamente a ampliar a variedade e a quantidade de resíduos sólidos. A geração de resíduos sólidos urbanos, simultaneamente com a elevada percentagem de resíduos orgânicos presentes nos resíduos sólidos e o seu descarte, muitas vezes incorrecto, resulta em extensa poluição ecológica, baseada principalmente na emissão de gases que como o metano (CH4) e o dióxido de carbono (CO2). Devido a esta ameaça ambiental, as autoridades municipais são actualmente instadas a implementar soluções técnico-económicas e políticas de maior eficiência para gerir o crescimento de grandes quantidades de resíduos sólidos urbanos. A maior parte dos resíduos sólidos municipais (principalmente urbanos) consiste em resíduos biodegradáveis que desempenham um papel substancial nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) nas cidades de todo o mundo e de acordo com o estado actual do conhecimento, a gestão de resíduos sólidos é a estratégia de escolha para regular esta questão; tais estratégias, no entanto, necessitam de melhorias para trabalhar com as fracções orgânicas em crescimento de devoluções de sólidos municipais. Se for realizada de forma inteligente, pode por um lado, contribuir para a desejada redução das emissões de GEE, e, por outro lado, até mesmo potencialmente gerar benefícios económicos. Assim, os sistemas para a gestão sustentável dos resíduos sólidos urbanos são auspiciosos e atraentes objectos de estudo para avaliar o comportamento do consumo actual em diferentes regiões do planeta e para proteger o ambiente natural. Os resíduos sólidos urbanos, geralmente, são depositados em lixeiras e aterros sanitários como a mais simples, conveniente, barata e tecnologicamente menos avançada. As fracções orgânicas como o principal componente dos resíduos sólidos urbanos sofrem biodegradação nas condições anaeróbias prevalecentes nos aterros, que consequentemente libertar os GEE. A redução ou abolição total da poluição ambiental passa a ser cada vez mais importante, o que intensifica os esforços globais dedicados ao desenvolvimento de novas estratégias para reduzir gradualmente as quantidades de resíduos sólidos urbanos biodegradáveis em aterros sanitários. O processo de redução da poluição orgânica envolve a recolha separada na fonte da fracção orgânica dos resíduos sólidos urbanos, que sejam objecto de compostagem, incineração de resíduos orgânicos para fins energéticos e processamento mecânico/biológico para obter um material compostável. Os resíduos sólidos urbanos são geralmente compreendidos como os resíduos acumulados em um município. A maior parte destes resíduos sólidos é gerada em qualquer lugar, e, portanto, pode ser prejudicial ou inofensivo. Em geral, independente da origem dos resíduos sólidos urbanos, o seu impacto sobre o meio ambiente e diferentes formas de vida afecta e agrava a poluição do ar, água e solo. Além disso, o impacto dos resíduos sólidos urbanos no uso do solo, odores e aspectos estéticos também têm em conta considerações holísticas de sistemas de tratamento de resíduos. A espécie humana é responsável por qualquer poluição ambiental e constitui, por conseguinte, o principal factor de risco para a biodiversidade da natureza. A nível mundial o crescimento da população e o aumento da procura por parte dos consumidores, especialmente em economias em crescimento, emergentes e em desenvolvimento, resultaram em um grande aumento da produção em todo o mundo, apesar de começar a diminuir à medida que a recessão aumenta com nova crise à vista. No entanto, a maioria das instalações industriais são insuficientes ou completamente desprovidas de monitorização dos seus processos de produção em termos ambientais e, muitas vezes, instalações insuficientes ou inadequadas para a gestão e o tratamento de resíduos. A tendência global de rápido crescimento urbano causou ainda mais um aumento da geração de resíduos a partir de habitações e de serviços públicos e privados Além disso, estão em curso actividades intensificadas de construção e demolição e como a densidade populacional urbana é geralmente muito alta em todo o mundo, o consumo de bens e serviços é também elevado nas zonas urbanas. As quantidades de resíduos sólidos urbanos acumulados estão também directamente correlacionadas com o estatuto económico da sociedade num determinado país. A geração de resíduos sólidos urbanos per capita aumentou na maioria dos países a nível global e em muitos casos, este aumento tem sido dramático, especialmente durante os últimos anos. É de considerar que entre todos os resíduos sólidos, plásticos, papel, vidro e metais são as quatro categorias de maior potencial de reciclagem. As enormes quantidades de resíduos sólidos urbanos não constituem apenas um grave risco ecológico, mas são também motivo de grande preocupação social o que torna claro que a gestão adequada dos resíduos sólidos urbanos é uma questão actual e tema da maior importância. Devido a diversas deficiências, tais como a falta de separação de resíduos na origem, tratamento insuficiente, reutilização escassa, falta de sistemas de reciclagem e frequentemente inadequada, a gestão dos resíduos sólidos ainda apresenta várias lacunas na cadeia de gestão que é necessário preencher. O tratamento da fracção de resíduos orgânicos para recuperação de energia e recursos altera as suas características físicas e químicas. Neste contexto, as técnicas de processamento mais importantes incluem a compostagem (tratamento aeróbio) ou biometanogénese (tratamento anaeróbio em reactores de biogás). A compostagem através de processamento aeróbio produz o composto como um produto estável, que é amplamente utilizado como adubo e como fertilizante e condicionador de solo. Por várias razões, as instalações de compostagem são utilizadas em menor escala nas grandes cidades. A prevalência de resíduos não separados e a produção de composto de baixa qualidade, resultando em diminuta aceitação do utilizador final, são as duas razões mais importantes para essa subutilização. A biometanogénese via actividade microbiológica em condições anaeróbicas gera biogás rico em metano como componente de valor. Em geral, a compostagem torna-se viável quando um determinado resíduo contém alta humidade e conteúdo orgânico. A eliminação descontrolada e arbitrária de resíduos mistos, incluindo as fracções orgânicas causam problemas ambientais, tais como a poluição dos solos e dos ambientes aquáticos devido à lixiviação de componentes de resíduos. É de atender que um estudo que avalia um novo processo industrial para o processo mecânico-biológico do tratamento de resíduos sólidos urbanos, relata que os resíduos sólidos urbanos recebidos para tratamento na instalação consiste tipicamente, com base na massa seca, em 9 por cento de resíduos rejeitáveis, 21por cento de resíduos finos (<20 mm) (principalmente rejeitáveis), 23 por cento de papel e cartão, e 15 por cento de diversos materiais plásticos provenientes da petroquímica. Tão alto valor em plásticos, papel e papelão é típico para determinadas situações locais, onde os resíduos sólidos urbanos são recolhidos apenas com base numa separação na fonte do vidro e dos resíduos complexos residuais, sem recolha selectiva de plástico, papel e papelão. Quanto aos tipos de resíduos sólidos urbanos pode ser feita uma classificação com base nas fontes de resíduos sólidos tendo em conta que todos os resíduos sólidos produzidos no território de um município, independentemente da sua natureza física e química e fonte de geração, são classificados como resíduos sólidos urbanos; todas as actividades económicas criam um determinado padrão de resíduos sólidos e devido ao facto de que as actividades económicas e de consumo causam a geração de resíduos sólidos, todas essas actividades são consideradas fontes de resíduos sólidos. As habitações, hotéis, escritórios, lojas, estabelecimentos de ensino e outras instituições são causas de geração de resíduos sólidos urbanos. A maior parte dos resíduos sólidos abrange os resíduos orgânicos (principalmente alimentares ou hortícolas), cartão, papel, plásticos e outras resinas, têxteis, metal e vidro; em muitos casos, até mesmo os resíduos de demolição e construção estão incluídos nos resíduos recolhidos, para além de certas quantidades de resíduos precários, tais como pilhas, lâmpadas eléctricas e fluorescentes, peças para automóveis, medicamentos fora de prazo e outros produtos farmacêuticos, bem como produtos químicos diversos, como por exemplo, produtos de limpeza e cosméticos. Assim, as principais fontes de resíduos sólidos são as habitações e os sectores agrícolas, industrial, da construção, comercial e institucional. É de considerar que paralelamente ao aumento da população e da actividade económica, a gestão dos resíduos sólidos está a tornar-se um problema grave para quase todos os municípios. A saúde pública, perturbação por odores, emissões de gases perigosos, poluição atmosférica ou a formação de partículas são fenómenos típicos das regiões urbanas. Para uma gestão inteligente, a eliminação de resíduos sólidos urbanos exige uma monitorização ambiental adequada durante toda a cadeia de tratamento de resíduos, desde a sua recolha até à eliminação final, e, finalmente, é necessário um controlo regular dos locais de eliminação. Assim, para gerir os resíduos sólidos de forma eficiente, as inter-relações de quatro elementos funcionais têm de ser tidos em conta, antes de ser tomada uma decisão sobre a estratégia de eliminação final. A primeira função refere-se ao material gerado na fonte, sendo que materiais para os quais não existe mais valor acrescentado são referidos e eliminados como resíduos. A quantidade e natureza dos diferentes tipos de resíduos dependem da fonte de resíduos. O segundo elemento de função abrange o manuseamento, a separação e o armazenamento no local dos resíduos. Neste contexto, os resíduos têm de ser sujeitos a separação, antes de serem colocados num local de armazenamento adequado como os contentores. O papel, papelão, plástico, vidro, metais ferrosos, latas de alumínio e resíduos orgânicos são os componentes que são tipicamente separados e armazenados individualmente. Durante o processo de colecta, os resíduos sólidos são recolhidos e colocados em contentores vazios, que têm compartimentos separados para materiais recicláveis. Posteriormente, os trabalhadores de recolha de resíduos, colecta-os manualmente nos centros de eliminação antes de os descartar nos locais de eliminação. Uma política de gestão adequada dos resíduos deve assentar nos princípios do desenvolvimento sustentável, que considera a recusa da sociedade não só como rejeição mas também como um recurso potencial, que pode ser actualizado para valor potencial de criação. As instalações adequadas de gestão de resíduos sólidos nas regiões urbanas são essenciais, por um lado, para a gestão e protecção do ambiente e, por outro, para a saúde pública. Estratégias e técnicas de resolução de resíduos são problemas à escala regional que têm inevitavelmente um grande número de possíveis soluções a fim de serem implementadas em diferentes áreas, que são caracterizadas por variadas densidades populacionais, diferentes padrões e estilos de vida, número de localizações para infra-estrutura de gestão de resíduos e número e tipos de paisagens protegidas e outros sítios ecológicos de alto valor. A gestão ambientalmente benigna dos resíduos depende de vários factores específicos do local, como a composição dos resíduos, a eficácia da recolha dos mesmos na fonte e dos sistemas de tratamento necessários para o seu transporte que requer diferentes técnicas de gestão de resíduos, viabilidade de material de valor acrescentado, valorização a partir de fluxos de resíduos, normas de emissão segundo as quais a gestão de resíduos das instalações são projectadas e operadas, a eficiência geral de custos e o desempenho social da comunidade. Devido a essa alta complexidade, a gestão de resíduos sólidos municipais tem atraído muita atenção, especialmente em países com altos níveis de desemprego. O desenvolvimento económico dinâmico, como o da Índia, que é um país que produz cerca de seiscentos milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano obriga a séria reflexão. A “Avaliação do Ciclo de Vida (ACV)” é uma ferramenta analítica de processo recomendada em muitos documentos da UE, como por exemplo, a Directiva 2008/98/CE relativa aos resíduos. A ACV como ferramenta apoia ou permite a consideração holística das questões ambientais. O impacto de um novo produto ou processo durante o seu desenvolvimento. Como medida quantitativa, o “Índice de Processos Sustentáveis (IPs)” permite comparar de forma simples a pegada ecológica dos produtos, processos e sistemas baseados na área necessária para a incorporação completa de um processo/sistema na ecosfera. Assim, a ACV é uma ferramenta bem estabelecida, que actualmente é amplamente utilizada para avaliar o impacto ambiental dos ciclos de vida dos produtos, em que a primeira refere-se apenas à produção até que o produto que saia da fábrica, enquanto o segundo envolve também a eliminação de resíduos após o encerramento da fábrica. A avaliação da situação actual das centrais de cogeração municipais de gestão de resíduos do ponto de vista ambiental, económico e social através de uma abordagem do ciclo de vida é um passo importante antes de tomar qualquer decisão sobre as tecnologias a seleccionar, políticas a desenvolver e as estratégias a adoptar por um país. O número considerável de modelos de computador de ACV reportados e dedicados a gestão de resíduos sólidos urbanos, recorrendo frequentemente à ferramenta de quantificação de SPI, enfatiza a aplicabilidade da ACV em questões relacionadas aos sistemas de gestão de resíduos sólidos urbanos. Tipicamente, estes modelos foram desenvolvidos de forma independente entre si e baseiam-se frequentemente em características e pressupostos que são altamente específico do período, quadro económico e das condições geográficas em que foram desenvolvidos, o que enfatiza claramente que a avaliação da viabilidade de uma dada necessidade dos sistemas de gestão de resíduos sólidos estar de acordo com as condições prevalecentes em uma cidade ou região específica.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA opressão digital “When there is oppression and dictatorship, by not speaking out, we lose our dignity”. Asma Jahangir [dropcap]O[/dropcap]s Estados globalmente preeminentes tendem a moldar o mundo de várias formas. Obviamente, fazem de maneira bastante directa através das suas actividades geoestratégicas, mas o fenómeno vai muito além e de propósito ou por acidente, tais Estados exportam os seus acordos internos para todo o sistema internacional. Os efeitos políticos, económicos, sociais, culturais e legais globais desse processo são profundos. A preeminência global britânica e depois a americana é responsável pelo facto de que é a língua inglesa ter acabado por ser a língua internacional do planeta, não o francês ou o alemão. O comércio de escravos teve um golpe fatal em 1807, quando desenvolvimentos políticos e filosóficos na Grã-Bretanha resultaram na sua proibição, e porque era a Grã-Bretanha que tinha a força naval para efectivamente fazer cumprir a proibição, apesar de Portugal ter sido o primeiro país a abolir a escravatura em 1761. Actualmente existem no mundo entre vinte e um milhões a quarenta e seis milhões de pessoas que vivem em estado de escravatura. A vitória ocidental na I Guerra Mundial instalou a forma democrática de governo na vanguarda da moda política mundial, onde permanece até hoje. As implicações do potencial sucesso dos regimes totalitários na sua procura por hegemonia durante a II Guerra Mundial ou a Guerra Fria são tão claras quanto desagradáveis. Desde a primeira metade do século XX, os Estados Unidos deixaram uma marca enorme no mundo globalizado, que vai muito além da geopolítica e um fluxo incessante de valores políticos, actividades financeiras e cultura que flui da América e tem efeitos incalculáveis. A soma total de várias manifestações de influência americana desempenhou um papel crucial na formação do mundo moderno. A preeminência americana é desafiada pela China e os dois países esforçam-se para não deixar a sua concorrência sair de controlo e são economicamente interdependentes. A essência do que está a acontecer, é de que a China se tornou a segunda potência mundial e quer ocupar o primeiro lugar destronando os Estados Unidos. Os Estados Unidos não estão dispostos a ser substituídos na sua posição de liderança e nada há de incomum nessa situação. A luta pela preeminência vem acontecendo, com apenas breves pausas, desde a Idade Moderna. Durante os períodos posteriores do Renascimento e das guerras religiosas, foi a Espanha contra a França. Desde o final do século XVII até o final das guerras napoleónicas, foi a França contra a Inglaterra e depois a Grã-Bretanha. Durante grande parte do século XIX, foi a Grã-Bretanha contra a Rússia. No início do século XX foi a Grã-Bretanha contra a Alemanha. Na II Guerra Mundial foram os Estados Unidos contra a Alemanha e o Japão. Durante a Guerra Fria, foram os Estados Unidos contra a União Soviética. Hoje são os Estados Unidos contra a China. Tal luta não está necessariamente destinada a ser uma guerra directa (embora possa) que nunca será um tipo de Guerra Fria, mas quaisquer que sejam as formas que a competição sino-americana irá assumir, as apostas são incrivelmente altas, e não apenas para as duas potências concorrentes. Se a China substituir os Estados Unidos no papel de líder global, a sua realidade interna moldará o mundo exterior, assim como o da Grã-Bretanha e o da América ainda o fazem. A realidade interna em questão não é totalmente agradável pois a China está em processo de transferência de um autoritarismo relativamente moderado (bem, “moderado” em comparação com o tempo de Mao) e que teve desde Deng Xiaoping para um novo modelo que se afasta da definição de totalitarismo. A característica fundamental que difere um modelo totalitário de um autoritário é que, sob o totalitarismo, não é suficiente que os cidadãos apenas cuidem da sua vida e evitem a oposição política ao regime. Em vez de ficar satisfeito com a sua complacência política, um regime totalitário exige uma estrita adesão às suas regras e ideias no quotidiano das pessoas, inclusive nos assuntos que nada têm a ver com política. Assim, com efeito, procura controlar a vida de todos. O regime chinês não está a trabalhar para atingir tal desiderato. As modernas tecnologias digitais oferecem a possibilidade de construir uma distopia real no sentido até agora descrito apenas na ficção científica, algo que os regimes totalitários do passado não podiam fazer por razões práticas. O sistema chinês, que depende da vigilância total e do “big data” para observar e avaliar as acções quotidianas dos cidadãos, não deverá entrar em operação em 2020 como muitos analistas afirmam. No entanto, está funcionar com outros propósitos o sistema de vigilância existente e é errado admitir que apenas em alguma das suas manifestações, vinte e três milhões de cidadãos chineses foram proibidos de comprar passagens para levar a cabo várias actividades das suas vidas e que o sistema desaprovou. O novo totalitarismo digital pode ser mais suave em comparação com os regimes tecnologicamente mais primitivos do passado e tem limites legais. Todas as técnicas de estatística não são realmente algo que alguém gostaria de ver mais difundido no mundo e tal aconteceria em relação à China em todos os domínios se vier a tornar-se a grande potência preeminente do mundo. O Camboja, por exemplo, capacita a supressão da democracia pelo regime autoritário local. As práticas de vigilância estão a espalhar-se além das suas fronteiras. Entre os exemplos desse processo, está a decisão do Zimbabué de instalar um sistema de reconhecimento e monitorização em todo o país. A Tanzânia adoptou legislação de segurança cibernética que restringe a liberdade de conteúdo da Internet. O mesmo acontece com o Uganda. No Paquistão, um sistema de vigilância foi estabelecido ao longo da rota do “Corredor Económico China-Paquistão”. O relatório de 2018 da “Freedom on the Net”, que não parece totalmente imparcial, revelou que as empresas chinesas forneceram ferramentas de vigilância de alta tecnologia a governos que não respeitam os direitos humanos. A “A Freedom on the Net” tem sede nos Estados Unidos e é um projecto da “Freedom House” que consiste na análise de ponta, defesa baseada em factos e capacitação no local. A característica principal da análise é o relatório anual que apresenta uma avaliação classificada por país da liberdade “on-line”, uma visão geral dos últimos desenvolvimentos e também relatórios aprofundados por país. Além disso, lançou recentemente um monitor para a liberdade na Internet com o fim de estimar o risco de restrições à liberdade na Internet durante as eleições. As principais tendências e ameaças emergentes destacadas nos relatórios são usadas nas campanhas de defesa nacionais e internacionais. As suas descobertas também são usadas por activistas em todo o mundo no trabalho pela mudança local, por agências internacionais de desenvolvimento na criação de programas e na determinação de beneficiários de ajuda, por empresas de tecnologia para negócios e avaliação de riscos, por jornalistas que cobrem os direitos da Internet e por estudiosos e especialistas. O projecto cria a capacidade de uma rede de pesquisadores, como os que escrevem em “blogs”, académicos, jornalistas e especialistas em tecnologia escolhidos pela sua experiência, fornecendo as ferramentas analíticas para servir como a futura geração de defensores da liberdade da Internet em todo o mundo. O projecto “Freedom on the Net” é apresentado como um recurso indispensável para quem se preocupa com a liberdade na era digital. O relatório fornece uma análise das restrições existentes à transmissão de informação “on-line” e destaca as ameaças emergentes que se combate nos próximos meses e anos e conta com a ajuda financeira do “Bureau de Democracia, Direitos Humanos e Assuntos Laborais (DRL)” que é um departamento dentro do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Google, The New York Community Trust e Yahoo. O projecto da “ Freedom House” contou dezoito países em que as empresas chinesas estão a combinar avanços em inteligência artificial e facial como reconhecimento para criar sistemas capazes de identificar ameaças à “ordem pública” o que parece ser algo aceitável. Os representantes de trinta e seis países participaram de seminários em que autoridades chinesas partilharam o seu conhecimento sobre a gestão de informações. A noção do modelo tecno-distópico chinês, que se espalha internacionalmente, mencionado no relatório, está agora a entrar no discurso público mais amplo. Se a China liderasse o mundo, a democracia seria pressionada a permanecer a forma principal de regime político que tem sido no último século. As normas e práticas políticas e legais da China moderna seguiriam de perto a expansão global do domínio geopolítico e económico chinês. É por isso que a concorrência contínua entre os Estados Unidos e a China decidirá muito mais do que apenas as carreiras das duas grandes potências. Essa competição é, de facto, uma luta sobre em que tipo de mundo todos nós vamos viver. A internet está a ficar menos livre em todo o mundo, e a democracia está a definhar sob a sua influência. A desinformação e a propaganda disseminada “on-line” envenenaram a esfera pública. A colecta desenfreada de dados pessoais quebrou as noções tradicionais de privacidade e um conjunto de países está a mover-se em direcção ao autoritarismo digital, usando extensos sistemas de censura e vigilância automatizada e como resultado dessas tendências, a liberdade global da Internet diminuiu pelo oitavo ano consecutivo em 2018. Os eventos desse ano confirmaram que a Internet pode ser usada para perturbar democracias com tanta certeza quanto pode desestabilizar ditaduras. Em Abril de 2018, o fundador, presidente e director executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, testemunhou nas duas audiências no Congresso sobre o papel da sua empresa no escândalo da “Cambridge Analytica” que é uma empresa de consultoria política britânica que combina mineração, corretagem e análise de dados com comunicação estratégica durante os processos eleitorais, no qual foi revelado que o Facebook havia exposto os dados de oitenta e sete milhões de usuários à exploração política. O caso foi uma chamada de atenção de como as informações pessoais estão a ser cada vez mais usadas para influenciar os resultados eleitorais. Os piratas informáticos russos miraram a lista de eleitores dos Estados Unidos em vários Estados como parte dos esforços mais amplos da Rússia para corroer a integridade das eleições de 2016 e, desde então, pesquisadores de segurança descobriram novas violações de dados que afectaram cento e noventa e oito milhões de americanos, noventa e três milhões de mexicanos, cinquenta e cinco milhões de filipinos, e cinquenta milhões de eleitores turcos, e com ou sem intenção maligna, a Internet e as médias sociais, em particular, podem empurrar os cidadãos para as câmaras de eco polarizadas e atrair a estrutura social de um país, alimentando a hostilidade entre diferentes comunidades. Nos últimos dois anos no Bangladesh, Índia, Sri Lanka e Myanmar, boatos falsos e propaganda odiosa que foram espalhadas “on-line” incitaram surtos de violência contra minorias étnicas e religiosas. Tais brechas costumam servir aos interesses das forças antidemocráticas na sociedade, no governo ou em países estrangeiros hostis, que os incentivaram activamente através da manipulação de conteúdo. Enquanto as sociedades democráticas lutam com os desafios de uma esfera “on-line” mais perigosa e contestada, alguns países intensificam os esforços para usar a média digital para aumentar o seu poder, tanto a nível interno quanto externo. O autoritarismo digital está a ser promovido como uma forma de os governos controlarem os seus cidadãos através da tecnologia. Os países autoritários e não só têm usado alegações de “notícias falsas” e escândalos de dados e governos de países como o Egipto e Irão reescreveram leis restritivas da média para aplicar a usuários de médias sociais, prenderam críticos sob medidas projectadas para conter notícias falsas e bloquearam serviços de comunicação e média social estrangeiras. Alguns estados autoritários e outros repressivos também estão a exigir que as empresas armazenem os dados dos seus cidadãos dentro das suas fronteiras, onde as agências de segurança podem ter acesso às informações. As democracias são lentas em responder a crises e os seus sistemas de freios e contrapesos e deliberação aberta e participação do público não são propícios para a tomada rápida de decisões. Mas essa cautela interna ajudou alguns países semidemocráticos a defenderem-se dos controlos autoritários da Internet no ano passado. Os escritores de “blogs” quenianos em Maio de 2018, contestaram a constitucionalidade de disposições criminais contra a disseminação de notícias falsas, ganhando a suspensão de regras enquanto aguardavam uma sentença judicial final. No mesmo mês, os malaios votaram por um primeiro-ministro que prometeu rescindir uma lei recentemente adoptada contra notícias falsas que foram usadas pelo seu antecessor em uma tentativa fracassada de influenciar as eleições. Alguns países não estão apenas a resistir a reveses, mas a fazer progressos reais na liberdade da Internet dando um passo significativo e por vezes imperfeito para garantir a privacidade do usuário. É de acreditar que proteger a liberdade da Internet contra o surgimento do autoritarismo digital é fundamental para proteger a democracia como um todo. A tecnologia deve capacitar os cidadãos a fazer as suas escolhas sociais, económicas e políticas sem coerção ou manipulação oculta. A internet tornou-se a esfera pública moderna, e as médias sociais e os mecanismos de pesquisa têm um poder extraordinário e a responsabilidade pesada de garantir que as suas plataformas atendam ao bem público. Se as entidades antidemocráticas efectivamente capturarem a Internet, será negado aos cidadãos um fórum para articular valores compartilhados, debater questões políticas e resolver pacificamente disputas intra-sociais. A democracia também requer uma esfera privada protegida. A colecta irrestrita e amplamente não examinada de dados pessoais inibe os mais elementares direitos e para que a democracia sobreviva à era digital, empresas de tecnologia, governos e sociedade civil devem trabalhar juntos para encontrar soluções reais para os problemas de manipulação da média social e colecta abusiva de dados. É necessária uma coordenação multilateral e intersectorial para promover a alfabetização digital, identificar actores mal-intencionados e negar-lhes as ferramentas para amplificar fraudulentamente as suas vozes. Quando se trata de proteger dados, os usuários devem ter o poder de impedir invasões indevidas nas suas vidas pessoais, tanto pelo governo quanto pelas empresas. A liberdade global da Internet pode e deve ser o antídoto para o autoritarismo digital. A saúde das democracias do mundo depende da garantia desse direito.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Índia e o desempenho político “Good governance with good intentions is the hallmark of our government. Implementation with integrity is our core passion”. Narendra Mod [dropcap]A[/dropcap] Índia nas eleições de 19 Maio de 2019 esteve no centro da atenção mundial. O actual primeiro-ministro Narendra Modi lutava por um segundo mandato, em um país que tem uma população de mil milhões e trezentos e quarenta milhões de pessoas, mil oitocentos e quarenta e um partidos, mais de oitocentos candidatos, novecentos milhões de eleitores pelo que se torna potencialmente, o maior exercício de democracia do mundo. A votação decorreu em sete fases ao longo de trinta e nove dias para os setecentos e cinquenta assentos do Parlamento, constituído pela Câmara Baixa (Lok Sabha) com quinhentos e quarenta e cinco assentos e a Câmara Alta (Rajya Sabha) com duzentos e quarenta e cinco assentos. A maioria seria conseguida com duzentos e setenta e dois assentos, tendo o Partido do Povo Indiano de Narendra Modi ganho com duzentos e oitenta e dois deputados. Tanto os eleitores quanto os formuladores de políticas na Índia, enfrentaram uma distorção de informações ao considerar as suas escolhas na eleição e as prioridades do programa governativo após as mesmas, pois existiam inúmeros impressos sobre o governo Modi que circularam nos meios de comunicação tradicionais e sociais, incluindo os preparados pelo próprio governo e que também infelizmente sofreram de desinformação e confusão nos meios de comunicação. É de considerar que outro elemento crítico ausente, especialmente para um país como a Índia com grandes aspirações globais, é uma avaliação objectiva do desempenho do governo em áreas políticas, como bem-estar do cidadão, crescimento económico e funcionamento das instituições públicas. É necessário para resolver essa lacuna que seja desenvolvida uma estrutura de avaliação de desempenho com três atributos, como medidas de progresso orientadas por dados em um amplo espectro de objectivos em termos de políticas; progresso em relação a um grupo comparável de mercados emergentes; e, dada a ênfase do governo indiano na tecnologia como um direccionador de políticas, comparações com os padrões globais de tecnologia estabelecidos pelos governos digitalmente mais avançados do mundo. A avaliação do desempenho político de qualquer país pode ser medida em três grandes áreas como o bem-estar dos seus cidadãos; a robustez da economia; e o funcionamento das suas instituições. É de utilizar uma referência global para essa análise, com base no desempenho dos países “Digital 5 (D5)” como são a Estónia, Israel, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Reino Unido, para capturar os padrões estabelecidos pelos governos digitalmente mais avançados do mundo. A adaptação da estrutura a essa análise do desempenho da política da Índia deve manter o D5 como um padrão global, e também criar uma nova referência usando um grupo de pares comparáveis, que compreende cinco países de mercados emergentes como a Índia, Nigéria, Filipinas, México e Polónia. O grupo geograficamente diverso oferece diferentes estágios de desenvolvimento económico, e representa democracias que estão no meio ou acabam de sair de um ciclo eleitoral. Todos os cinco países também estão a emergir em termos das suas economias digitais sendo considerados países “emergentes”, pelo “Índice de Evolução Digital” que serve para rastrear o surgimento de um “planeta digital”, como física interacções em comunicação, intercâmbio social e político, comércio, media e entretenimento que estão a ser deslocadas por outros meios digitais, sendo identificados muitos pontos críticos em todo o mundo, e cujas mudanças estão a ocorrer rapidamente e outros em que o ritmo diminuiu. Independente de onde residimos, continuamos a avançar em diferentes velocidades em direcção ao planeta digital. Nesse grupo de pares, dois países, a Nigéria e as Filipinas, estão próximos da Índia em termos de PIB per capita, e dois outros estão mais avançados. O México é um país mais rico, mas está próximo da Índia em termos de dinamismo da sua economia estando classificado perto da Índia no “Índice Global de Inovação (GII na sigla inglesa)” que é uma classificação anual dos países por capacidade e sucesso em inovação. É publicado pela Universidade de Cornell, Instituto Europeu de Administração de Empresas (INSEAD), e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em parceria com outras organizações e instituições, e é baseado em dados subjectivos e objectivos derivados de várias fontes, incluindo a União Internacional de Telecomunicações, o Banco Mundial e o Fórum Económico Mundial. O índice iniciou-se em 2007 pelo INSEAD e pela revista britânica World Business. O GII é comummente usado por funcionários de empresas e governos para comparar países pelo seu nível de inovação. O GII é calculado tomando uma média simples das pontuações em dois subíndices, o “Índice de Contribuição da Inovação” e o “Índice de Resultados da Inovação”, que são compostos por cinco e dois pilares, respectivamente, sendo que cada um desses pilares descreve um atributo de inovação e compreende até cinco indicadores, e a sua pontuação é calculada pelo método de média ponderada. A Polónia ajuda a estabelecer uma meta de longo prazo para o avanço económico; enquanto fizer parte do processo de procura das melhores práticas numa determinada indústria pelo Morgan Stanley Capital International and MSCI Barra, e conhecido por “MSCI Índice de Mercados Emergentes”, e que captura a representação de grandes e médias empresas em vinte e seis países de “Mercados Emergentes (EM na sigla inglesa)”. Tendo mil e duzentos e dois constituintes, o índice cobre aproximadamente 85 por cento da capitalização de mercado ajustada à flutuação livre em cada país. A Polónia está próximo de se mover de emergente à situação económica de avançado, e foi promovido ao estatuto de avançado pelo FTSE International Limited que negoceia como FTSE Russell, que é uma fornecedora britânica de índices do mercado de acções e serviços de dados associados, integralmente detida pela “Bolsa de Valores de Londres (London Stock Exchange; LSE, em inglês)”. Quanto às votações os mexicanos votaram no dia 30 de Junho de 2018, para escolher um novo presidente em uma campanha histórica. Todas as pesquisas apontavam que Andrés Manuel López Obrador, o líder esquerdista do Partido Morena, seria o presidente da segunda maior economia latino-americana para um mandato de seis anos e que acabou por ser eleito presidente, com o maior respaldo popular da história, obtendo mais de 53 por cento dos votos. Tratou-se de uma viragem à esquerda, no momento em que parte da América Latina elege opções mais conservadoras e na disputa fronteiriça e comercial com a Administração Trump. As eleições contavam com oitenta e nove milhões e trezentos mil eleitores, que votaram em uma campanha marcada pela violência, incluindo o extermínio de dezenas de candidatos, e pelos escândalos do partido do governo, PRI. Além do presidente, os mexicanos elegeram quinhentos deputados e cento e vinte e oito senadores. A Nigéria, o país mais populoso de África com cento e noventa milhões de habitantes e oitenta e quatro milhões de eleitores, teve eleições a 23 de Fevereiro de 2019, que reelegeu o presidente Muhammadu Buhari (entre dois mil e trezentos candidatos) e trezentos e sessenta deputados e cento e nove senadores. As eleições foram pautadas por extrema violência com cinquenta e três mortos. A eleição geral das Filipinas foi realizada a 13 de Maio de 2019. Tratou-se de uma eleição de meio de mandato em que os eleitos tomaram posse a 30 de Junho de 2019. As eleições visavam doze assentos no Senado, todos os assentos na Câmara dos Deputados, as posições de nível provincial, os cargos a nível de cidade e os cargos a nível municipal. A Polónia que é o país mais populoso e a maior economia que aderiu à União Europeia (UE) no alargamento de 2004, realizou eleições a 13 de Outubro de 2019, tendo o partido da direita conservadora Lei e Justiça, que está no poder na Polónia desde 2015, vencido as eleições legislativas por 43,6 por cento, conquistando duzentos e trinta e nove assentos dos quatrocentos e sessenta do Parlamento, o que constitui uma margem ainda mais confortável do que na votação anterior. Este grupo de cinco países de mercados emergentes é designado por EM5. A análise desses países é realizada pela reunião de dados de cento e setenta e oito indicadores diferentes de mais de quarenta fontes, incluindo os públicos e privados e usa-se a melhor pontuação para cada indicador criar o parâmetro de referência EM5. A metodologia para chegar a esse novo parâmetro de referência segue a utilizada para o parâmetro D5, criado como parte da iniciativa de pesquisa das sociedades inteligentes. Dado o grande número de indicadores analisados, é possível organizar para que cada indicador possa ser classificado em um dos doze componentes principais do parâmetro de referência que são “Cidadão/Pessoas” que consideram inclusividade, ambiente e qualidade de vida, talento e condição humana e desenvolvimento de talento; as “Componentes da Economia” que consideram a conexão global, robustez económica, ecossistema empreendedor e capacidade de inovação e as “Instituições Componentes” que consideram a liberdade de expressão, confiança, segurança e protecção e serviços públicos. É escolhido o tempo de análise com o ponto médio do actual governo indiano e para permitir melhores comparações com o grupo de pares, sendo especificamente, de evitar actividades relacionadas à campanha e outros factores nos países de comparação que possam obscurecer o cenário, formulando perguntas de como os países das EM5 se comparam entre si e com o parâmetro de referência D5 global? Como a Índia, em particular, actua em relação aos seus pares? Para cada país, calcula-se a pontuação para o seu desempenho em cada uma das doze componentes. As pontuações ajudam a facilitar várias comparações entre a Índia e outro país; entre qualquer conjunto de países e o EM5; e contra os parâmetros de referência EM5 e D5. Essa estrutura também oferece uma perspectiva para cada país em áreas relativas de pontos fortes e fracos em áreas individuais. É de considerar que para ter uma ideia de como as pontuações foram derivadas, pode-se escolher uma componente e inquirir quão bem um país está a caminhar em termos de facilitar uma sociedade inclusiva? A componente de inclusão, como todos as outras, recebe uma pontuação, que é baseada nas pontuações obtidas ao longo de vários factores contribuintes. A pontuação de inclusão é um agregado de pontuações obtidas por vários factores, incluindo inclusão no mercado de trabalho, mobilidade económica, diversidade e aceitação de políticas governamentais que promovem a inclusão. Se observamos também como essas pontuações mudaram ao longo de um período de cinco anos, é possível entender como o desempenho melhorou ou declinou até ao ponto da avaliação, que está no meio de um mandato da administração. A questão primordial para os eleitores indianos é os empregos. Ainda que a Índia tenha um longo caminho a percorrer na construção dos níveis necessários de aptidões e educação preparadas para o trabalho no abundante conjunto de mão-de-obra do país, tem o desempenho mais forte entre os EM5 em “Desenvolvimento de Talentos”, bem como em outras questões importantes. Os empreendimentos são capazes de encontrar pessoas com as habilidades correctas, pois os trabalhadores indianos oferecem o maior contentamento entre as EM5 no Toptal que é uma plataforma que liga empresas com engenheiros de software, designers e consultores de negócios em todo o mundo. A aptidão da Índia para atrair talentos do exterior deve-se à sua capacidade de possuir o maior número de confirmações de empreendedorismo e investimento de todos os países das EM5, tornando-a atraente para empresários e investidores. Além de uma maior disponibilidade de serviços de formação públicos e privados, geralmente há mais indianos registados em plataformas de educação on-line de várias fontes internacionais do que os outros quatro países. A Índia lidera as EM5 em inovação. O Fórum Económico Mundial atribui à Índia uma classificação de 4,5 a 7 nos gastos de P&D de empresas que é o valor mais alto das EM5, com 73 por cento do D5. Os indivíduos, empresas e governos estão dispostos a inovar, pois entre os seus pares das EM5, a classificação da capacidade de inovação da Índia pelo Fórum Económico Mundial é a segunda depois das Filipinas. As “startups” indianas receberam o maior número de investimentos e em estágio inicial, em comparação com os outros países das EM5. A Índia alcançou 44 por cento do D5 e lidera as EM5 em termos de condições favoráveis para iniciar um negócio e representa 45 por cento do valor de referência D5. Dito isto, leva tempo para iniciar um negócio na Índia, em média trinta dias, em comparação com a média D5 de cinco dias e a média EM5 de vinte e quatro dias. O forte desempenho da Índia em inovação em relação aos parâmetros de referência, é ajudado pela ênfase do governo na adopção dos serviços digitais e pela priorização de uma indústria robusta de NTIC. O estado da saúde pública, meio ambiente e o grau de inclusão são as principais áreas de fraqueza da Índia em relação às EM5 e em uma pesquisa da Gallup realizada em 2017, apenas 3 por cento dos entrevistados na Índia relataram sentir que estão a prosperar, em contraste com a média das EM5 que é de 24 por cento. Ainda que os padrões de saúde na Índia estejam a melhorar, a sua expectativa de vida permanece baixa em sessenta e oito anos, em comparação com os quase setenta e oito anos da Polónia. As mulheres representam apenas 24,5 por cento da força de trabalho total da Índia, em comparação com 45 por cento da Polónia e 45,5 por cento da força de trabalho da Nigéria. O PIB por pessoa empregada na Índia tem aumentado 29 por cento desde 2012, o que fica abaixo da média das EM5 em produtividade. Comparando a Índia com os dois países mais próximos em termos socioeconómicos, a Nigéria e Filipinas, a Índia supera a Nigéria em todos as suas componentes, excepto nas “Liberdades e Inclusão”, e posiciona-se melhor do que as Filipinas em “Desenvolvimento de Talentos, Serviços Públicos e Inovação”. É particularmente notável o desempenho mais fraco da Índia em termos de inclusão em geral. Entre as muitas lacunas, é de considerar a baixa participação das mulheres na força de trabalho. Quando comparada com países mais ricos, como México e a Polónia, a Índia supera o México em várias componentes como confiança, desenvolvimento de talentos, segurança e protecção e serviços públicos. A Índia supera a Polónia no desenvolvimento de confiança e talento. A Índia tinha a maior confiança nas instituições governamentais entre as EM5. No entanto, o México possui uma população mais satisfeita, com 41 a afirmarem que estavam a prosperar contra 30 por cento dos polacos e uns sombrios 3 por cento dos indianos como foi referido. A forma como os indianos votaram mostrou que o governo de Modi avançou em várias frentes, principalmente na educação, desenvolvimento de aptidões e apoio à inovação e melhorou a confiança nas instituições governamentais em relação às administrações anteriores e em relação ao grupo de pares. A Índia tinha melhorado em sete das doze componentes durante um período de cinco anos que antecedeu 2016 e 2017. Ainda existem áreas cruciais em que a Índia está atrasada em relação aos seus pares como menos liberdades, baixa produtividade e significativamente, progresso insuficiente para a construção de uma sociedade mais inclusiva. A robustez económica também sofreu, com uma combinação de medidas drásticas, como a desmonetização, má implementação da reforma tributária e políticas cada vez mais proteccionistas. O novo governo em exercício deve reformular as más políticas anteriores para garantir um crescimento inclusivo e o papel da Índia como uma potência global emergente. Afinal é de esperar que a grande economia que mais cresce no mundo nos próximos anos e o desempenho desigual em relação aos seus pares e processo de procura de melhores parâmetros referenciais a nível global não seja razão suficiente para minar o impacto do país no mundo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO sucesso da China “It is important to protect the environment while pursuing economic and social progress – to achieve harmony between man and nature, and harmony between man and society.” President Xi Jinping [dropcap]A[/dropcap]s últimas sete décadas foram um período extremamente bem-sucedido economicamente para a República Popular da China (RPC), que celebrou o septuagésimo aniversário da sua fundação a 1 de Outubro de 2019. O seu PIB real cresceu de quarenta e quatro mil e quatrocentos milhões de dólares para mais de treze triliões em 2018, quase trezentas vezes mais, com uma taxa de crescimento anual média de 8,1 por cento. O PIB real per capita cresceu de oitenta e dois dólares em 1949, para nove mil e quatrocentos e quinze dólares em 2018, ou seja mais cento e quinze vezes, com uma taxa média de crescimento anual de 6,8 por cento. A China tornou-se a segunda maior economia do mundo, depois dos Estados Unidos, tendo ultrapassado o Japão em 2006. O PIB da China, em 1949, era inferior a 2 por cento do PIB dos Estados Unidos e em 2018, era de 64 por cento. O PIB começou a mostrar um crescimento consistente depois de a China ter implementado reformas e aberto a economia em 1978. A taxa de crescimento acelerou após a sua adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001. A China tornou-se a segunda maior nação comercial do mundo, depois dos Estados Unidos. O Japão fez um bom progresso económico de 1949 a 1990, e a sua economia começou a estagnar, estando em processo de total recuperação. A economia dos Estados Unidos cresceu de forma constante durante o período, excepto durante a Grande Recessão, um período de declínio económico nos mercados mundiais, desencadeado pela crise financeira global de 2008-2009. Ainda que a taxa de crescimento anual da China tenha flutuado bastante antes das reformas económicas e da abertura em 1978, não teve um único ano de crescimento negativo desde então, tendo crescido a uma taxa mais alta do que os Estados Unidos desde 1978, e do Japão. O Japão teve uma taxa de crescimento real do PIB mais alta do que os Estados até 1974, quando ocorreu o primeiro choque petrolífero mas desde 1991, o Japão teve um crescimento mais lento em comparação com a China e os Estados Unidos e com o rápido crescimento da economia, a qualidade de vida na China melhorou tremendamente nos últimos setenta anos. É de ressaltar que um desses indicadores é a expectativa de vida, que mais que duplicou, passando de trinta e cinco anos em 1949 para setenta e sete anos em 2018. A melhoria mais rápida na expectativa de vida ocorreu entre 1961 e 1970 (em parte devido aos esforços dos “médicos de pés descalços”, ou agricultores com treino médico básico, nas áreas rurais). Espera-se que a expectativa de vida aumente gradualmente como resultado de maiores rendimentos disponíveis “per capita”, urbanização e melhores cuidados de saúde. O que é ainda mais notável é o sucesso na erradicação da pobreza, um dos principais objectivos do governo. Tal, conjuntamente com a preservação e protecção ambiental, são os dois objectivos que ainda são obrigatórios no “Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social da China”. Assim, de acordo com os padrões de pobreza de 1978, 2008 e 2010, mesmo se for usado o padrão mais rigoroso de 2010, quase 100 por cento da população da China estaria abaixo do limiar de pobreza em 1949. O padrão de 2010 diz que uma pessoa deveria ganhar pelo menos um pouco mais de um dólar (a preço de 2018) por dia. A taxa de pobreza caiu para 1,7 por cento, em 2018. Prevê-se que a pobreza seja completamente erradicada até 2020, em conformidade com a medição pelo padrão de pobreza de 2010. Provavelmente não há outro país que leve a erradicação da pobreza tão a sério quanto a China. É tradição e prática do Partido Comunista da China (PCC) ter em conta os interesses de todas as partes interessadas quando empreende reformas. Durante a transição de uma economia planeada centralmente para uma economia socialista de mercado, a China empregou a abordagem de “via dupla”, que permitiu a coexistência do plano central obrigatório e do livre mercado, protegendo todos os direitos económicos preexistentes e impedindo o surgimento de “perdedores” da reforma. Quando o sistema de responsabilidade contratual das famílias foi introduzido no sector agrícola, por exemplo, as famílias foram obrigadas a continuar a fornecer a quantidade fixa de grãos alimentícios ao governo sob o plano central antes que pudessem participar do mercado livre. Tal permitiu ao governo continuar a fornecer grãos alimentícios nas áreas urbanas. Ainda que a China tenha beneficiado bastante da globalização, também percebeu que o livre mercado não compensará os “perdedores” por si só. Assim, o governo chinês tomou medidas activas para compensar os “perdedores” da globalização económica e ajudar as pessoas que não tiveram qualquer benefício, e embora a disparidade do rendimento tenha aumentado na China nos últimos anos, todos estão comparativamente em melhor situação, graças às reformas e esse é o segredo do sucesso da China. A China fez importantes contribuições para a meta de desenvolvimento sustentável da redução da pobreza em todo o mundo e com a implementação da estratégia precisa de alívio da pobreza, o país alcançou resultados notáveis na dura batalha contra a pobreza, que consta de um relatório do Ministério dos Negócios Estrangeiros intitulado “Relatório do Progresso da China sobre a Implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” de 2019. O número de pessoas que vivem na pobreza nas áreas rurais diminuiu de cinquenta e cinco milhões e setecentas e cinquenta mil pessoas para dezasseis milhões e seiscentas mil pessoas, com o seu rendimento disponível “per capita” subindo de sete mil e seiscentos e cinquenta e três yuans (cerca de mil e noventa e três dólares) para dez mil e trezentos e setenta e um yuans do final de 2015 ao final de 2018, segundo o relatório. Foi dada atenção especial ao aumento do apoio a crianças, mulheres, pessoas com deficiência e outros grupos especiais em áreas pobres. Até ao final de 2018, um total de trezentos e oitenta e três mil milhões e oitocentos milhões de yuans de empréstimos garantidos tinha sido concedido em apoio a seis milhões e quintas e setenta mil mulheres para iniciar os seus próprios negócios e melhorarem a sua situação económica, o que, por sua vez, levou a uma melhor segurança social para as mulheres. O país trabalhou activamente para a comunidade internacional para identificar a redução da pobreza como uma prioridade na implementação da agenda de desenvolvimento sustentável para 2030 e por meio do “Fundo de Paz e Desenvolvimento China-ONU” e do “Fundo de Assistência de Cooperação Sul-Sul”, a China e os seus parceiros implementaram quase cem projectos de redução da pobreza nos países em desenvolvimento. A implementação do plano de cooperação China-África para a redução da pobreza e a subsistência das pessoas está em pleno curso, e foram realizados duzentos projectos de “Vida Feliz”. É importante salientar que em 2018, foram realizados trinta e nove treinamentos e capacitação contra a pobreza para países em desenvolvimento, beneficiando mil e quatrocentos e quarenta formandos. O país continuou a implementar aldeias demonstrativas de redução da pobreza nos países em desenvolvimento e realizou conferências internacionais de alto nível, como o “Fórum Mundial de Alto Nível sobre Redução da Pobreza e Desenvolvimento”, conferências de redução da pobreza e desenvolvimento do “Fórum de Cooperação China-África” e “Fórum China-ASEAN sobre Desenvolvimento Social e Redução da Pobreza” e compartilhou as suas próprias experiências. A China continuará a realizar mais trabalhos sobre a redução da pobreza, ampliando áreas de extrema miséria e especialmente grupos vulneráveis, para que não se preocupem com alimentos ou roupas e desfrutem de segurança na educação obrigatória, atendimento médico básico e habitação de acordo com o relatório. Também se esforçará para estender gradualmente a cobertura básica de doações a todos os grupos pobres e vulneráveis, para que todos os idosos sejam atendidos adequadamente. A cobertura do seguro relacionado ao trabalho será ampliada. O país também aumentará as trocas internacionais e a cooperação quanto à redução da pobreza, compartilhará experiências com outros países em desenvolvimento e aprofundará a cooperação pela via da experiência, contribuindo positivamente para atingir a meta global de desenvolvimento sustentável sem pobreza. A China pede um esforço coordenado para ajudar todas as nações a alcançar os objectivos da ONU em termos de sustentabilidade. Salientando a importância do multilateralismo e o papel central da ONU, o apoio do país à cooperação global para alcançar o desenvolvimento sustentável é de extrema importância. O desenvolvimento é a eterna busca da humanidade e não deixar ninguém de fora parece ser a responsabilidade compartilhada da China. O “Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável”, é o órgão da Assembleia Geral da ONU para orientar acções para alcançar os “17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”. O fórum fez parte da cimeira de dois dias sobre os “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”, realizada durante a Assembleia Geral da ONU que decorreu entre 21 e 27 de Setembro de 2019. A China instou os líderes mundiais da cimeira a ter em consideração as preocupações dos países em desenvolvimento e garantir um desenvolvimento económico, ecológico e social coordenado para atingir os seus objectivos de desenvolvimento sustentável. Os 17 objectivos, adoptados por todos os estados membros da ONU em 2015 como “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, estabeleceram um plano para a paz e prosperidade global para as pessoas e planeta. A “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” abriu um novo capítulo na cooperação para o desenvolvimento em todo o mundo, e são necessárias medidas eficazes para aprofundar a parceria global para um maior desenvolvimento. A China deixou a sua marca na facilitação da cooperação global e o país pretende promover o desenvolvimento para todos, através de maior abertura e colaboração e construindo uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade. O país continuará a procurar a cooperação na “Iniciativa Faixa e Rota” e ampliando a cooperação Sul-Sul. A China também fez conquistas quanto ao seu desenvolvimento, identificando o desenvolvimento sustentável como uma política fundamental do Estado e está a tomar medidas abrangentes para implementar a “Agenda 2030”. O país está em um novo ponto de partida para o desenvolvimento, pois comemorou o seu septuagésimo aniversário, e está comprometido em concluir a construção de uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos até 2020. O progresso que a China fez na consecução dos objectivos de desenvolvimento sustentável, notadamente no combate à pobreza, na melhoria da educação e nas condições de saúde e promoção do reflorestamento. O secretário-geral da ONU, disse a 24 de Setembro de 2019 que, embora o mundo não esteja no caminho de atingir as metas relacionadas com o desenvolvimento sustentável, a China alcançou vários objectivos de desenvolvimento sustentável antes do previsto. A China espera erradicar a pobreza absoluta doméstica até o 2020. Quase todos os alunos do ensino fundamental e médio terminaram os seus estudos na China, superando a média global, em 2017 O país está a estender o seguro médico a toda a população e a taxa de mortalidade materna foi de 1,83 mortes por dez mil nascidos vivos em 2018, atingindo a meta com uma década de antecedência. A nova cobertura florestal na China representou 25 por cento do total global de 2000 a 2017. Apesar das conquistas da China, ainda é um país em desenvolvimento que enfrenta um grande desafio de desenvolvimento desigual e inadequado, e fica muito atrás dos países desenvolvidos e uma vida melhor para mil milhões e quatrocentos milhões de chineses será a maior contribuição do país para o desenvolvimento global. O país está a colocar o bem-estar do seu povo à frente e a adoptar uma nova filosofia de desenvolvimento de alta qualidade inovador, coordenado, verde e aberto para o benefício de todos, e em paralelo à “Agenda 2030”, que representa um sonho para um futuro melhor para o mundo, é o sonho chinês de rejuvenescimento nacional. É de acreditar que a China trabalhará incansavelmente com o resto da comunidade internacional para atingir as metas de desenvolvimento sustentável para 2030, e trazer um futuro melhor para todos. A China urbanizou-se a um ritmo acelerado desde a fundação da “Nova China” em 1949, especialmente nos últimos quarenta anos. É de considerar que setenta anos atrás, a população urbana da China representava apenas 10,6 por cento do total, muito abaixo da média global de 29 por cento da época. Até ao final de 2018, a taxa de urbanização da China em termos de registo de domicílios era superior a 43 por cento, mas a população residente urbana permanente havia atingido quase 60 por cento do total, superior à taxa de urbanização global de 55 por cento. A taxa de urbanização da China aumentou 49 por cento e quase setecentos e setenta e quatro milhões de pessoas passaram das áreas rurais para as áreas urbanas, o que constitui um fenómeno raro em todo o mundo. A urbanização ajudou a melhorar muito o padrão de vida das pessoas e desde 1996, a população urbana anual recém-aumentada da China ultrapassou os vinte milhões. Em 2014, um novo tipo de política de urbanização substituiu o conceito de simplesmente procurar a rápida urbanização, por um conceito de urbanização orientada para as pessoas, baseado na integração da infra-estrutura urbana e rural e na equalização dos serviços públicos e como resultado, a urbanização da China entrou em um estágio de desenvolvimento de alta qualidade. O “Relatório de Trabalho do Governo de 2019” e as principais tarefas de um novo tipo de urbanização emitido pela “Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma” enfatizam ainda mais a importância de promover uma urbanização de alta qualidade. O número de cidades chinesas aumentou de cento e trinta e duas para seiscentas e setenta e duas, de 1949 a 2018, e a rede de estrutura urbana melhorou gradualmente. É de atender que com a expansão espacial da área urbana construída e o estabelecimento de novas áreas do nível nacional para o município, a área urbana da China aumentou de sete mil e quatrocentos quilómetros quadrados em 1981 para cinquenta e seis mil e duzentos quilómetros quadrados em 2017. Assim, graças à rápida urbanização, a China formou uma série de aglomerados de cidades com forte influência económica global, incluindo o aglomerado de cidades do Delta do Rio Yangtzé, o aglomerado de cidades do Delta do Rio das Pérolas e o aglomerado de cidades de Pequim-Tianjin-Hebei, que são importantes transportadoras espaciais do desenvolvimento da qualidade da urbanização da China. A rápida urbanização não apenas atraiu enormes investimentos para a China e aumentou a procura em termos de consumo, mas também promoveu significativamente a reforma e a abertura, acelerando a acumulação de capital humano, optimizando a estrutura industrial, aumentando o ímpeto do desenvolvimento económico, diminuindo o hiato urbano-rural e melhorando os meios de subsistência das pessoas. No final de 1949, a população empregada total da China era de cento e oitenta milhões e oitocentas e vinte pessoas, com uma população empregada urbana de quinze milhões e trezentas e trinta pessoas e a taxa de desemprego urbano era de 23,6 por cento. A população total empregada, até ao final de 2018, havia atingido setecentos e setenta e cinco milhões e oitocentos e sessenta mil pessoas, com 27,6 por cento envolvidas no sector secundário e 46,3 por cento no sector terciário, graças à transferência de trabalho rural excedente para os dois sectores, o que significa que o emprego e o desenvolvimento económico tornaram-se a normalidade da urbanização. A estrutura dupla das áreas urbanas e rurais impediu o desenvolvimento das áreas rurais nos primeiros anos da “Nova China”, e a diferença de rendimento entre os residentes rurais e urbanos era muito maior do que nos países desenvolvidos. A rápida urbanização da China rompeu a fronteira urbano-rural do mercado de factores de produção, promovendo o livre fluxo de factores de desenvolvimento e diminuindo a lacuna entre as áreas rurais e urbanas. Em particular, desde a implementação do novo tipo de estratégias de urbanização e rejuvenescimento rural, o desenvolvimento coordenado de áreas urbanas e rurais tornou-se o objectivo da urbanização. O aumento contínuo do rendimento e do consumo dos habitantes mostra que os padrões de vida do povo chinês melhoraram bastante graças às mudanças induzidas pela urbanização.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO 70.º aniversário da fundação da República Popular da China “At present and into the future, China’s development is entering to a period when various risks and challenges are emerging together, including the economy, defense, Hong Kong and Taiwan. And it will only get more complex.” President Xi Jinping [dropcap]O[/dropcap] dia 1 de Outubro de 2019 marca o septuagésimo aniversário da fundação da República Popular da China (RPC). As celebrações especiais e eventos comemorativos, actividades e exposições começaram e continuarão a intensificar-se até esse dia. Qual é o significado desta data? A vitória do Partido Comunista da China (PCC) na guerra civil sob a liderança do presidente Mao Tsé-Tung, assinalou o início da era moderna de um país que preservou admiravelmente uma presença contínua por milénios e enquanto o longo passado funciona como farol para a era moderna, a história da China após 1949 está entrelaçada em um rota política estável. O PCC tem sido a pedra angular do desenvolvimento mais recente do país. Os políticos e estudiosos, no entanto, muitas vezes hesitam em reconhecer o sucesso do PCC. A rivalidade ideológica entre os Estados Unidos e a União Soviética durante a Guerra Fria e a supremacia dos Estados Unidos moldaram um paradigma dominante, no qual a ordem mundial liberal se tornou uma estrutura quase exclusiva para entender a política global. Após o colapso da União Soviética, essa foi a resposta natural do Ocidente, que não leva em conta as características particulares da China como nação. O PCC apercebeu-se de forma admirável que a unidade na China pela primeira vez desde o final da era imperial esteve praticamente ausente de 1912 a 1949. A reconstrução económica após a guerra contra os invasores japoneses e a guerra civil foram tarefas hercúleas para um país que sofria de pobreza e problemas sociais graves. Então, aproximadamente três décadas após a fundação da RPC, Deng Xiaoping introduziu a sua filosofia económica, que lançou as bases para o fenómeno que continua em marcha. Actualmente, décadas depois, o processo de reforma e abertura ainda está a ser implementado e enriquecido. O conceito de democracia não é interpretado da mesma forma no Ocidente e na China. Enquanto no primeiro está associado a características do sistema político, no segundo está ligado ao empoderamento do Estado para enfrentar os desafios internos de forma mais directa. Foi dessa forma que a RPC sobreviveu à turbulência do fim da Guerra Fria e construiu um novo modelo de confiança com os seus cidadãos, continuando o trabalho para reduzir a pobreza e melhorar as condições de vida e o trabalho duro, paciência e compromisso com as metas nacionais que renderam resultados que todos aplaudem. A realização dos Jogos Olímpicos e Para olímpicos de 2008 em Pequim, demonstrou o potencial nacional de crescimento e projectou para novas perspectivas promissoras. A importância da estabilidade da China talvez se tenha tornado mais evidente nos últimos anos, com a incerteza internacional e as tendências populistas. O país serve de força para a globalização e multilateralismo e actua de maneira responsável nos assuntos económicos e políticos do mundo. É um actor previsível em crises económicas, guerras e conflitos. As políticas da China reflectem consistentemente a continuidade e o planeamento a longo prazo. Assim, o 70.º aniversário da fundação da RPC, orgulha o país pelas suas realizações, como o progresso em inovação e tecnologia, e a determinação em concluir o trabalho crucial de erradicação da pobreza. O presidente Xi Jinping inspira uma sociedade que percebe que o PCC não é tolerante à corrupção, que vê a “Iniciativa da Faixa e Rota” a transformar a China em um actor dinâmico, que contribui para a prosperidade em todo o mundo e que é sensível a mudanças importantes na vida quotidiana, da saúde aos transportes, e dos serviços a salários mais altos. A importância das muitas realizações anteriores da China gera optimismo nos próximos anos. A mistura única de autoconfiança e a infusão da globalização com características chinesas estão gradualmente a tornar o mundo mais dependente da China. A sua liderança toma decisões que terão impacto nas gerações futuras. A China conseguiu com sucesso um equilíbrio entre o crescimento económico e desafios como a protecção ambiental e a revolução tecnológica, não esperando uma crise, mas agindo “a priori” de forma independente, tomando medidas preventivas para fortalecer os seus sistemas em todas as frentes. O progresso da China e a sua evolução para um gigante económico e político são tendências irreversíveis. Tal não é uma ilusão. É o produto natural das políticas nacionais implementadas no contexto do socialismo com características chinesas. À medida que se aproxima o 70.º aniversário de 1 de Outubro de 2019, pode-se ver que o “sonho chinês” em toda a sua excelência se assemelha mais à realidade do que à imaginação. À medida que se aproxima o 70.º aniversário da RPC, as instruções do Presidente Xi Jinping encorajam muito os que trabalham em vários sectores e campos da tecnologia da informação. Nos últimos setenta anos, sob a liderança do PCC, o povo chinês superou várias dificuldades e explorou novas formas de desenvolvimento, embarcando com sucesso em um novo caminho de industrialização com características chinesas. É importante assinalar que necessitaram de algumas décadas para concluir um processo que levou os países desenvolvidos vários séculos, o que constitui realmente um milagre na história humana. A característica proeminente do sucesso é de que a China estabeleceu um sistema industrial moderno independente com categorias completas de indústrias, e o tamanho do sector industrial chinês é o maior do mundo. Quando a RPC foi fundada, só conseguia produzir necessidades diárias simples, como chávenas e chaleiras. A China, actualmente, tornou-se o único país do mundo que possui todas as indústrias assentes na classificação da Organização das Nações Unidas. O valor agregado da indústria chinesa cresceu de doze mil milhões de yuans em 1952 para mais de trinta triliões de yuans em 2018, registando um aumento de novecentas e setenta vezes a preços constantes, crescendo 11 por cento ao ano, e segundo o Banco Mundial o valor agregado da indústria manufactureira da China superou o dos Estados Unidos em 2010, tornando-se a China o maior fabricante do mundo depois de perder o título em meados do século XIX. Quanto à produção de aço por exemplo, dá-se conta que em 1949, a produção total de aço da China era de apenas cento e cinquenta e oito mil toneladas, representando 0,1 por cento do total mundial. Todavia, em 1958, quando o país estava a lançar a campanha do “Grande Salto em Frente”, lutou arduamente para produzir dez mil e setecentos milhões de toneladas de aço e em 2018, a produção total de aço do país ultrapassou os novecentos milhões de toneladas, aumentando cinco mil e oitocentas vezes em relação a 1949 e contribuiu durante anos para metade da produção total de aço do mundo. A China tem apresentado um aprimoramento substancial nas suas capacidades de inovação nos sectores industrial e de comunicação, em particular, após o 18.º Congresso Nacional do PCC, realizado em 2012, e com o progresso da estratégia de desenvolvimento orientada para a inovação, o país alcançou a meta estratégica de “ganhar uma posição” nos principais sectores quanto ao desenvolvimento. É de realçar um grupo de produtos, como os comboios-bala Fuxing de alta velocidade e auto-desenvolvidos e a tecnologia de reactor nuclear de terceira geração (The Hualong One que é um reactor nuclear de água pressurizada), sendo todas tecnologias líderes mundiais. Um grupo de empresas manufactureiras chinesas, incluindo a Huawei e a CRRC Corporation Limited (a maior fabricante de material circulante do mundo), também ganhou maior reconhecimento no mundo. Quanto ao sector de telecomunicações móveis, por exemplo, a China fez conquistas históricas nas últimas décadas, seguindo a tendência na era 2G, fizeram um avanço na era 3G, alcançaram um desenvolvimento sincronizado com outros países na era 4G e lideram o mundo na era 5G. A China possui o maior número de patentes essenciais e padrão 5G do mundo. Até ao final de 2018, e em grande parte impulsionada pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e comunicação, a economia digital da China atingiu um valor total de trinta e um triliões de yuans, representando um terço do PIB total do país. As realizações e destaques do desenvolvimento industrial da China nas últimas sete décadas foram primeiro, o “poder de manufactura número 1”. A China deu saltos históricos no seu desenvolvimento industrial desde a sua fundação, há setenta anos, e desde a reforma e abertura em particular. O valor agregado industrial do país excedeu um trilião de yuans em 1992, dez triliões de yuans em 2007, vinte triliões de yuans em 2012 e trinta triliões de yuans em 2018. O valor industrial da China, em 2018, representou mais de 28 por cento do total mundial, tornando-a um importante impulsionador do crescimento industrial global. Entre os quinhentos principais produtos industriais do mundo, a China ocupa o primeiro lugar, com mais de duzentos e vinte. O segundo foi o “sistema industrial completo”. A China valoriza muito a construção do seu sistema industrial, e distribuiu recursos limitados aos seus sectores industriais desde o início do seu primeiro plano quinquenal, estabelecendo uma base sólida para a sua subsequente industrialização. Após setenta anos de desenvolvimento, a China formou um sistema industrial moderno independente e completo, composto por quarenta e uma grandes categorias industriais, duzentas e sete categorias industriais médias e seiscentas e sessenta e sete pequenas categorias industriais. A China é o único país do mundo que possui todas as categorias industriais com base na classificação industrial da ONU. O terceiro foi o “desenvolvimento orientado à inovação”. Como um dos principais contribuintes de inovações, as empresas chinesas estão a aumentar continuamente os seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a melhorar o seu nível de inovação tecnológica, tornando-se em uma força motriz fundamental e fonte de progresso rápido e sustentado do país. Há que realçar a extrema importância do sistema básico de seguro médico neste 70.º aniversário. É de recordar que em 1949, antes da fundação da RPC, o tempo médio de vida na China era de apenas trinta e cinco anos, sendo actualmente de setenta e sete anos, mais que duplicando em setenta anos. O salto não é apenas um avanço qualitativo na expectativa de vida das pessoas, é também um reflexo do progresso económico e social da China, o ambiente pacífico e sustentável em casa que é tão necessário para o desenvolvimento e, mais importante, uma transformação dos serviços médicos da China. A obtenção de tratamento médico é um direito básico e universal. No entanto, há setenta anos, muitas pessoas não conseguiam tratamento oportuno devido à escassez de instalações médicas e nas duas primeiras décadas após a fundação da RPC, a China devastada pela guerra, quase não tinha sistema de saúde pública. A pneumonia, malária e outras epidemias devastaram o planeta, enquanto doenças parasitárias colocaram em risco a saúde nacional e dado esse estado terrível, o governo recém-formado tomou medidas rápidas para melhorar o sistema de saúde pública, introduziu o saneamento e construiu centros de saúde e instituições de educação de saúde a vários níveis. Além de um sistema geral de higiene e controlo de doenças, o governo chinês também estabeleceu centros de tratamento especiais para a tuberculose e doenças de pele. Os serviços públicos de saúde eram gratuitos. A China, em 1960, basicamente erradicou a praga, endemias como a doença de Keshan, um problema cardíaco causado por deficiência alimentar, e esquistossomose, uma infecção parasitária, tendo começado a vacinação contra a poliomielite, encefalite japonesa, difteria e outras doenças. No final da década de 1970, um sistema de saúde pública abrangente tinha-se formado, melhorando os indicadores nacionais de saúde. Naquela época, a China seguia um sistema económico planeado, ridicularizado pelo Ocidente. No entanto, e em retrospecção, foi esse sistema que possibilitou à China concentrar os seus recursos muito limitados na construção de um sistema de saúde pública a nível nacional. Na Conferência Internacional sobre Saúde Pública em Almaty, Cazaquistão, em 1978, a Organização Mundial da Saúde (OMC) saudou o modelo de desenvolvimento de saúde da China, como um exemplo de atenção primária à saúde. No entanto, ainda havia uma grande lacuna entre as áreas urbanas e rurais. As despesas médicas das pessoas, nas cidades, eram todas cobertas pelo orçamento fiscal do governo e nas áreas rurais, a saúde dos residentes era financiada por comunas locais, dependendo do rendimento de todos os agricultores em cada aldeia. Depois da China ter adoptado a política de reforma e abertura, a economia colectiva começou a deteriorar-se, levando ao colapso do serviço médico cooperativo rural. O sistema público de saúde começou a mudar com a transformação de uma economia planeada em uma economia de mercado. Após uma série de reformas no seguro médico e na produção e distribuição de medicamentos essenciais, quatro sistemas principais formaram-se como o sistema de serviço público de saúde, o sistema de serviço médico, o sistema de seguro médico e o sistema de provimento de medicamentos, cobrindo tanto os residentes rurais quanto os urbanos. As despesas médicas aumentaram com o abandono de serviços médicos gratuitos disponíveis no sistema económico planeado, pelo que tornar os serviços médicos acessíveis e garantir recursos médicos adequados, tornou-se um dos objectivos do sistema de saúde da China. O objectivo é construir um sistema de saúde primário que ofereça serviços seguros, eficientes, convenientes e acessíveis. O sistema de cuidado primário já cobre áreas rurais e urbanas segundo as estatísticas da Comissão Nacional de Saúde, e mais de mil e trezentos milhões de pessoas que representam 97 por cento da população estão cobertas por um sistema básico de seguro médico. A rede de assistência médica básica da China, que cobre a maior população do mundo, foi estabelecida. É de lembrar que existem mais de novecentas e noventa mil instituições de saúde e o número de médicos e profissionais de saúde atingiram doze milhões e trezentos mil médicos. Os hospitais e outras instituições de saúde da China, em 2018, receberam oito mil milhões e trezentos e dez milhões de visitas de pacientes. O sector farmacêutico também está a crescer rapidamente. Existe uma cadeia essencial de fornecimento de medicamentos, bem como um sistema de seguro e reembolso médico. Os cuidados de saúde primários estão a ser distribuídos de forma mais uniforme. A taxa de mortalidade infantil caiu para seis crianças mortas por cada mil nascimentos. A saúde pública é uma questão complexa, enquanto o serviço de saúde melhorou, a industrialização acelerada, a urbanização e o envelhecimento da população viram doenças infecciosas e crónicas aumentarem. Há maiores expectativas dos cidadãos nos serviços de saúde e médicos. Os recursos de saúde, particularmente os “premium”, ainda são escassos ou desigualmente distribuídos no país. A China ainda tem um longo caminho a percorrer em termos de reforma e desenvolvimento do seu sector médico e de saúde, para que a sua população tenha acesso a melhores serviços de saúde e assistência médica e viva uma vida mais longa e saudável.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA nova era da globalização e governança global (II) “China’s participation in global governance reflects the mutually interactive processes of China’s own socialization into the global community and the simultaneous adaptation of global institutions and actors to China’s growing activism. Both China and the international system are internally complex. Hence, Chinese engagement varies across economic regimes, yielding different results in terms of Chinese compliance, its influence on regimes, and the extent of cooperation and conflict in addressing challenges in international society.” Global Governance and China: The Dragon’s Learning Curve Scott Kennedy [dropcap]O[/dropcap]s líderes presentes, incluindo o falecido primeiro-ministro Zhou Enlai, propuseram um conjunto de políticas externas em nome dos países emergentes, visando a coexistência e o desenvolvimento pacífico com os países ocidentais. A China vê as suas relações com o mundo exterior, inclusive com outras grandes potências como os Estados Unidos, através do prisma das suas tradições e valores culturais. Muitas vezes, o ADN cultural reflecte os pensamentos dos fundadores sobre o desenvolvimento humano e com o passar do tempo, esses instintos psicológicos centrais tornam-se profundamente enraizados, formando as normas culturais de diferentes sociedades e orientando praticamente tudo o que acontece, inclusivamente as respostas de uma sociedade aos desafios externos. Existem quatro conceitos fundamentais que formam o ADN cultural da China que são a integridade e conectividade; tolerância e inclusão; harmonia e paz; e uma abordagem holística para assuntos mundiais que estão entrelaçados uns com os outros. Esses princípios básicos do ADN cultural da China são visivelmente exibidos na estratégia de desenvolvimento e na diplomacia do país e moldarão o seu novo papel na governança global. A história da China moderna e o seu envolvimento mais profundo e o crescente papel de liderança na governança global, especialmente desde 2008, mostraram que a China é e continuará a ser um actor importante na governança global e na definição da ordem mundial emergente para o progresso da humanidade. O futuro é brilhante e o caminho é longo, mas estamos confiantes de que a humanidade tem sabedoria suficiente para construir “uma comunidade de futuro compartilhado”, como o proposto pelo Presidente Xi Jinping. A China, na última década começou a desfrutar de maior atenção e influência global, em particular desde 2008, quando o Ocidente, representado pelo Grupo dos Sete (G7), ou o “clube dos ricos”, foi incapaz de lidar com a crise financeira e com o sistema de governança existente. O G20 tem uma representação melhor e mais equilibrada entre países avançados e em desenvolvimento e, assim, capturou a atenção do mundo na realização do levantamento do peso necessário para enfrentar um desafio global tão difundido e chocante, que somente uma “frente única” de todos os países sistemicamente importantes podiam ser capazes de gerir. A China foi naturalmente chamada a desempenhar um papel essencial no contexto do G20 para fornecer liderança e orientação, juntamente com outras grandes economias, para gerir as terríveis consequências das crises financeiras e económicas globais, que são um desafio imediato e urgente para o mundo. É por tal motivo que o ano de 2008 é frequentemente citado como um ponto de viragem para a China no seu profundo envolvimento na governança global, sendo que da mesma forma, 2001 também é um ano chave, uma vez que a entrada da China na OMC é o momento crítico para a participação da China na governança global e na globalização. Não se tratava apenas da China, mas sim da partilha do poder económico global e da governança da economia mundial por todos os países, grandes ou pequenos, ricos ou pobres, como membros iguais da comunidade internacional. O mecanismo do G20 foi criado em 1999, após a crise financeira asiática de 1997 e 1998, como um fórum para discussão de assuntos económicos globais entre ministros das finanças e governadores dos bancos centrais de dezanove países e a União Europeia (UE), mas não foi concebido como um órgão de tomada de decisões ou mesmo de coordenação. A suposição de decisões económicas do G20 em face da crise financeira foi tanto uma resposta improvisada, quanto uma solução de longo prazo para a deficiência da governança global de um mundo em desordem. A China levou o G20 e o seu novo papel na governança global de maneira séria e positiva, não apenas porque era a única instituição disponível naquela época, que estava razoavelmente composta por uma mistura equilibrada de países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas também porque reflectia o início de uma nova era na governança global, uma transição da “governança económica global liderada pelos Estados Unidos ou destes” para a “co-governança tanto do Ocidente quanto do Oriente”, uma transição que começou no final do século XX e continuou em ritmo acelerado nas primeiras quase duas décadas do século XXI. É esse o processo pelo qual o papel da China na governança económica global foi fortalecido e um novo papel, mais pró-activo, está aguardando a China, pelo que certamente não é algo que foi perseguido voluntariamente e intencionalmente pelos países ocidentais liderados pelos Estados Unidos. Foi porque sabiam quando a crise financeira explodiu que sem a participação pró-activa da China, Índia, Brasil e outras economias emergentes e em desenvolvimento, não haveria possibilidade de reverter a crise financeira e o crescimento económico global simplesmente estagnaria, pelo que foi de facto um ponto de viragem para a China e um alerta para o Ocidente na governança global. É de considerar que naquela época, os Estados Unidos defendiam a ideia de transformar o G20 na principal plataforma de governança económica global e apoiaram a China no papel mais importante. Os Estados Unidos, com uma avaliação estratégica realista da crise financeira e da devastação que causam, chegaram à conclusão de que era de interesse estratégico que a China desempenhasse um papel secundário dentro do sistema. Além disso, as relações económicas e financeiras entre os Estados Unidos e a China tinham-se tornado tão interligadas que era fundamental para a China estender uma mão para salvar o mercado financeiro americano de um colapso total. A China possuía a maior quantidade de reservas estrangeiras investidas principalmente em títulos do tesouro americano, e os Estados Unidos precisavam da sua cooperação para evitar um colapso total do seu sistema financeiro. Assim, de facto, no final de 2008, o então presidente George Bush enviou o seu secretário do Tesouro para China para procurar garantias do governo chinês. A China entendeu claramente que estava tão intimamente ligada ao sistema financeiro liderado pelos Estados Unidos que, se o sistema falhasse, a China estaria entre as primeiras potências a sofrer as terríveis consequências. Tal relação económica interdependente e cada vez mais importante, combinada com uma relação política e militar mais complicada, tornou-se uma marca da nova era que exige o estabelecimento de uma nova relação de poder entre os dois países. Os Estados Unidos também viram a rápida ascensão do euro como uma ameaça à posição de moeda dominante do dólar americano, pois em 2007 e 2008, o euro estava próximo de representar 20 por cento do total das reservas mundiais, o que era considerado um patamar crítico pelos Estados Unidos. Assim, em discussões sobre a ordem mundial emergente, o termo “Modelo China” apareceu com muita frequência na última década, geralmente em associação com o seu sucesso impactando e influenciando o curso futuro da ordem emergente, à medida que a China ganha tanto “poder coercitivo” quanto “poder de convencimento” ou seja, há dois desenvolvimentos que deixaram uma grande pegada na governança global. Por um lado, é facto que a crise financeira de 2008 colocou um grande ponto de interrogação sobre a viabilidade do neoliberalismo americano como princípio económico orientador da governança económica global. A credibilidade da política económica neoliberal tem estado sob fogo há alguns anos. Por outro lado, a China vem crescendo notavelmente, aproveitando a onda da globalização, provando ser nada menos que um milagre económico. Muitos países, em particular os em desenvolvimento, começaram a interrogar-se se o “modelo chinês” é uma alternativa ao neoliberalismo. Deveria haver um “Consenso de Pequim” em vez do “Consenso de Washington”? Tem sido essa a situação, embora os líderes chineses continuem a enfatizar que a China não tem intenção de exportar o “modelo chinês”, porque o seu sucesso na governança doméstica mostra que a trajectória de desenvolvimento da China com garantias do seu sistema político é a “receita” certa para a China e talvez para alguns países subdesenvolvidos. A China, surpreendentemente é um modelo para o crescimento económico, mas também equilibra a eficiência do mercado e a justiça social, reduzindo a pobreza nas últimas décadas. Além disso, na última década, a China começou a desenvolver e a contribuir para o “património global” por meio de ideias e planos criativos e inovadores na governança global. A “Iniciativa Faixa e Rota (BRI na sigla inglesa)” é apenas um exemplo brilhante que transcende as diferenças ideológicas, económicas e culturais para fornecer uma nova plataforma para intercâmbios transculturais e cooperação económica que, quando implementados com sucesso, beneficiará os países e regiões participantes. A contribuição da China para a governança global é aberta e inclusiva. Além do BRI, a China também está comprometida em construir parcerias globais e criar uma nova estrutura de segurança colectiva e em Janeiro de 2017, o Presidente Xi Jinping proferiu uma série de discursos de abertura na ONU e Davos e certamente não é exagero sugerir que o “modelo chinês”, se realmente existe tal modelo, servirá ao mundo e, sem dúvida, abrirá um novo capítulo na história da humanidade. A ordem mundial emergente, então, será moldada por tais interacções positivas entre países com um destino compartilhado de viver em paz e prosperidade duradouras. Algumas potências ocidentais estão ansiosas há duas décadas pelo facto de a China estar a fortalecer-se ano após ano, e a apresentar propostas cada vez mais voltadas para uma melhor governança global e questionam se a China continuará a ser cooperativa dentro do sistema de governança global existente ou tentará derrubar o sistema e criar um novo. Na verdade, não há motivos de preocupação, pois a China tem sido uma grande beneficiária do sistema actual e da arquitectura de governança global e portanto, não tem desejo nem interesse em “virar a mesa” do sistema de governança global existente. Temos todos os motivos para acreditar que o envolvimento maior e mais profundo da China na governança global ajudará a melhorar o mundo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA nova era da globalização e governança global (I) “Nature has placed mankind under the governance of two sovereign masters, pain and pleasure. It is for them alone to point out what we ought to do, as well as to determine what we shall do.” Jeremy Bentham [dropcap]O[/dropcap] mundo está a passar por rápidas mudanças rápidas, começando uma nova era de globalização e governança global, bem como um período de transição da velha ordem mundial para uma nova e emergente, que dará aos países em desenvolvimento e às potências emergentes uma maior voz, compatível com o mundo. A paisagem política e económica global alterou-se. A ordem mundial evoluirá e a China desempenhará um papel fundamental nessa transformação e na melhoria da governança global. O Presidente Xi Jinping afirmou que do ponto de vista histórico, a humanidade está a passar por uma era de grandes desenvolvimentos, tremendas transformações e reajustes fundamentais. O actual sistema internacional passou por uma transformação sem precedentes nos últimos quatro séculos e o centro do poder global passou de ambos os lados do Atlântico para o Extremo Oriente. O fim da “Pax Americana”, ou “Século Americano”, está à vista como resultado da “grande convergência”, que foi a marca da segunda metade do século XX e das duas primeiras décadas do novo século. A convergência entre o centro (Estados Unidos e países ocidentais) e periferia (todos os outros países) em um sistema global formado desde o século XIX, tem sido a característica mais proeminente das relações internacionais nos anos seguintes à II Guerra Mundial. Tal indicação é de que o PIB agregado das economias avançadas caiu de 64 por cento em 1980 para cerca de 40 por cento actualmente, mostrando que o equilíbrio da energia económica está a mudar a favor dos mercados emergentes e dos países em desenvolvimento. É necessário que a arquitectura de governança global seja reformada em consonância, mas o ritmo tem sido lento (como de costume) em ajustar-se ao cenário económico modificado, e as vozes de vários sectores que pedem a reforma do sistema de governança estão a ficar cada vez mais fortes. É reconhecido universalmente que a actual ordem mundial está em crise e uma nova está a aparecer no horizonte. As confusões e vicissitudes que estão sendo testemunhadas hoje são o prenúncio de uma transição prolongada, em que tremendas e crescentes incertezas podem permanecer por várias décadas, ainda que a grande tendência para uma ordem mundial mais justa, seja sem dúvida óbvia e uma grande questão é a do aumento da radicalização política nos Estados Unidos e em alguns países europeus, tanto uma consequência, quanto uma força motriz do crescente populismo que está a derrubar a coesão política, económica e social nos países afectados. A chegada de uma transição prolongada que leva a uma ordem mundial mais equilibrada trouxe maior incerteza e turbulência, o que faz com que muitos países se sintam desconfortáveis com o presente e inseguros do futuro. Existem quatro grandes desafios que justificam profunda atenção. Em primeiro lugar, os Estados Unidos, sendo o principal poder na ordem mundial existente e na governança global, elevaram e tornaram a incerteza mais preocupante no mundo e nas últimas duas décadas, permaneceram insatisfeitos com a mudança do equilíbrio de poder para países em desenvolvimento como a China. Os Estados Unidos, voltaram-se mais para o interior e estão menos inclinados a continuar a fornecer “bens comuns globais”, e pretendem mudar e refazer as regras de governança para manter a sua posição hegemónica e moral nos assuntos mundiais, continuando a obter o maior benefício da globalização. A administração Trump, através de sua política “América Primeiro”, negou muitos avanços que o mundo alcançou desde a década de 1950, além de renegociar os actuais acordos comerciais bilaterais e multilaterais. Em segundo lugar, a crescente diferença entre ricos e pobres, ou o desequilíbrio entre eficiência de mercado e justiça social, continua inabalável na era da globalização, destruindo o tecido social de muitos países, incluindo os grandes países avançados, renovando o clássico fenómeno capitalista de “classe” tal como previsto por Karl Marx no seu “O Capital” e ainda corroborado por muitos economistas modernos como o francês Thomas Piketty no seu livro “Le Capital au xxie siècle” de 2013, em que a contradição fundamental entre capital e trabalho continua sendo o mais difícil quebra-nozes. Os dados mostram que a taxa de ganhos de capital sempre supera a do PIB, dando aos donos do capital uma parcela muito maior de riqueza da globalização e como a maioria concorda, quando um mercado é deixado por conta própria com livre movimentação de capital. O capital procurará inevitavelmente o maior lucro independentemente de outras considerações, como justiça social e protecção ambiental. Tal é uma das principais fontes de crescente populismo e antiglobalização em todo o mundo. Em terceiro lugar, o aumento da incerteza global trouxe cada vez mais complicações e complexidades nas relações entre as grandes potências que, se não forem tratadas adequadamente, podem levar a conflitos geopolíticos e guerras. As grandes potências devem cooperar seriamente e trabalhar juntas para construir um consenso baseado no bem comum da humanidade. Como tal, a grande questão é de saber se é possível encontrar uma forma de difundir a tensão e construir uma nova relação entre as grandes potências. O mais notável e abrangente desafio de todos é certamente a “armadilha de Tucídides” entre os poderes ascendentes e incumbentes. Que tipo de arranjo colectivo de segurança é necessário para uma paz duradoura? Os Estados Unidos e a China são os dois países no “primeiro nível” do poder global para que a paz mundial seja possível nos próximos setenta anos. Em quarto lugar, a um nível filosófico mais elevado, o desafio é sobre civilizações e os seus relacionamentos. Haverá um choque de civilizações ou uma fusão? Apesar de todas as considerações da receita chinesa, o mundo futuro terá uma civilização conquistando outra ou coexistência pacífica entre civilizações? Optamos pela segunda seguindo o pensamento do presidente chinês por ser a que melhor se enquadra nas necessidades do nosso tempo. Todavia, se olharmos mais profundamente, a maioria das fontes de atrito pode ser atribuída a um entendimento insuficiente entre as civilizações ou à falta de troca e diálogo entre elas. O professor de Harvard Graham Allison, seguindo a previsão de Samuel Huntington sobre o inevitável choque de civilizações, chegou à mesma conclusão no seu livro “Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?” de que há duas supostas “melhores” civilizações no mundo, indicando que os Estados Unidos acreditam firmemente que a civilização ocidental continuará a ser “o farol da montanha” e o seu sistema político, a democracia liberal, é o modelo supremo para todos os outros países. A China, por outro lado, declara que a civilização chinesa é única e ininterrupta há mais de cinco mil anos. No entanto, não pode haver dois “números”. Se o senso de superioridade da civilização ocidental não pode ser superado, a sua política externa sempre será equivocada, e o que é denominado como mudança de regime e revolução não parará, explicando o mundo caótico de hoje, que é um resultado dessa lógica ocidental. O desenvolvimento da China e a sua diplomacia estão intimamente ligados à globalização e governança global, especialmente depois que a China aderiu à “Organização Mundial do Comércio (OMC)” em 2001. É de recordar que na conjuntura crítica do desenvolvimento económico da China no final da década de 1970, Deng Xiaoping tomou uma iniciativa sem precedentes, inovadora e revolucionária dando um passo para colocar a China no caminho da modernização, abraçando a globalização e a governança global com uma firme pegada chinesa. As últimas quatro décadas provaram que a China fez a escolha certa, não apenas nos seus próprios interesses, mas também no mundo como um todo. A globalização ofereceu à China uma rota nova e viável para se tornar um país desenvolvido e globalmente poderoso novamente, e também ofereceu uma oportunidade histórica para reconquistar o status de uma grande potência ao persistir no desenvolvimento pacífico, o que é definitivamente diferente do que tem sido feito por outras grandes potências da história, que se entregaram à conquista, ao saque, à colonização e à agressão. É reconhecido que a última ronda da globalização não teria sido tão abrangente e profunda se a China tivesse optado por permanecer do lado de fora. Durante esse período histórico, a relação entre a China e o resto do mundo passou por uma mudança fundamental do isolamento para uma crescente interdependência com o resto do mundo. Algumas potências ocidentais falam frequentemente sobre a rápida ascensão da China nos tempos modernos com grande ansiedade, até mesmo ressentimento ou medo. A China prefere referir-se à sua rápida industrialização e elevar-se com o conceito de “desenvolvimento” e que não são simplesmente diferenças terminológicas, pois na verdade representam visões do mundo bastante diferentes. A chave de tudo é examinar de perto o ADN cultural e civilizacional da China. A China, como outras grandes potências anteriores, acabará por se tornar uma potência hegemónica ou será um país que, à medida que crescer, se tornará mais determinado a salvaguardar a paz mundial e promover o crescimento económico global, mantendo um sistema de governança global conforme o acordado e aceite pela comunidade internacional? Aqui, o conceito central de desenvolvimento pacífico que sustenta o desenvolvimento da China e a sua diplomacia deve ser o prisma através do qual a ascensão da China deve ser vista e entendida. O termo “desenvolvimento pacífico” sugere paz e desenvolvimento que são os dois pilares essenciais na estratégia nacional e global da China. A China entendeu pela sua experiência, especialmente durante os longos anos desde a Guerra do Ópio em 1840 até à fundação da República Popular em 1949, que sem crescimento económico, bem como soberania e segurança nacional, não haveria fundamento algum para que se pudesse tornar uma nação respeitada com plena soberania e integridade territorial e construir uma economia forte e industrializada que é o pré-requisito para salvaguardar a soberania e os interesses de desenvolvimento. Na era da globalização e da interdependência económica, o desenvolvimento pacífico e cooperativo é a única maneira pela qual a China será capaz de alcançar o desenvolvimento económico e político. Qualquer envolvimento em conflitos de guerra ou militares arruinará o ambiente da China para o desenvolvimento pacífico. A compreensão da história e do ADN cultural da China para a paz tem orientado o seu desenvolvimento e diplomacia todo o tempo. Não é preciso olhar além da história recente em que o “boom” económico da China coincidiu com a rápida expansão da globalização, especialmente o livre comércio e o investimento globais. Foi possível à China integrar-se na governança global, dada a sua abordagem de desenvolvimento pacífico. A China é o país em desenvolvimento mais populoso do mundo. A escolha pelo desenvolvimento pacífico não foi facilmente feita; tinha as suas raízes na sua herança cultural para a paz e harmonia, e a sua árdua procura de ampla cooperação internacional logo no início da República Popular. É de recordar a Conferência de Bandung, realizada em 1955 na Indonésia, que reuniu um grande número de países pobres da Ásia, África e América do Sul, a maioria dos quais acabara de alcançar a sua independência política após longos anos de governo colonial.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA comunidade pilar fundamental da sociedade “Communities are helpful to join or create because they provide support to the individuals who are impacted by the daily stress, struggles and chaos of modern life.” Harper Spero [dropcap]A[/dropcap] humanidade nunca foi tão rica, graças à melhoria constante das tecnologias de produção ao longo dos últimos duzentos e cinquenta anos. Estamos rodeados de abundância. Não são apenas os países desenvolvidos que fizeram fortuna, pois no espaço de uma geração, milhares de milhões de pessoas em todo o mundo desenvolvido passaram da pobreza “stressante” à vida confortável da classe média. O rendimento é distribuído mais uniformemente do que em qualquer outro período da nossa existência e pela primeira vez na história, temos o poder de erradicar a fome e as mortes em todos os lugares do mundo. No entanto, apesar do sucesso económico, inimaginável do mundo há apenas algumas décadas, alguns trabalhadores aparentemente privilegiados nos países desenvolvidos viviam literalmente preocupados até a morte. Assim, segundo um estudo da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, publicado a 2 de Novembro de 2015, de 2009 a 2013, meio milhão de cidadãos americanos não-hispânicos, de cor branca e meia-idade morreram mais do que teriam morrido se a sua taxa de mortalidade tivesse seguido a mesma tendência de outros grupos étnicos. As mortes adicionais concentraram-se entre aqueles que, obtiveram um diploma de ensino superior e foram em grande parte devidas a drogas, álcool e suicídio. É como se dez guerras do Vietname tivessem sido travadas simultaneamente, não em alguma terra distante, mas nos lares da América rural e provincial, para dar uma ideia das proporções. Em uma era de aparente abundância, um grupo demográfico que simbolizava o sonho americano parece ter perdido toda a esperança. As ansiedades do cidadão americano de meia-idade, de cor branca e educação moderada, também se manifestam em outros países ricos do Ocidente, embora talvez com efeitos menos trágicos. A principal fonte de preocupação parece ser o facto de que os trabalhadores com um nível moderado de educação estão a perder rapidamente, ou em risco de perder, o seu bom emprego de “classe média”, com efeitos prejudiciais sobre si, as suas famílias e as comunidades em que vivem. Acredita-se amplamente que a destruição de empregos vem tanto do comércio global como da automatização tecnológica das antigas profissões. Quanto menor a conscientização, mais importante a causa que é o progresso tecnológico. No entanto, à medida que a ansiedade da população se transforma em raiva, uma política mais radical considera mais eficaz atacar as importações e os imigrantes que propõe proteger os postos de trabalho na indústria transformadora subvertendo a ordem económica liberal do pós-guerra, o sistema que facilitou o fluxo de bens, capitais e pessoas através das fronteiras nacionais. O nosso futuro parece promissor e perigoso. O aspecto promissor decorre das novas tecnologias que nos podem ajudar a resolver os problemas mais alarmantes, como a pobreza e as alterações climáticas. Para resolver estes problemas, teremos de manter as nossas fronteiras abertas, de modo a podermos levar estas inovações às regiões menos desenvolvidas do mundo e atrair pessoas do exterior que possam apoiar as populações mais idosas dos países mais ricos. O perigo reside não só na possibilidade de as comunidades influentes poderem não ser capazes de se adaptar ao progresso, na verdade, impedi-lo, mas também no tipo de sociedade que pode surgir se os nossos valores e instituições não mudarem à medida que a tecnologia dá a algumas pessoas poder e riqueza desproporcionados. Toda a revolução tecnológica do passado foi disruptiva e impulsionada por uma reacção social e, eventualmente, levou a mudanças sociais que nos ajudaram a tirar o máximo proveito da sua tecnologia e desde a década de 1970, temos vivido a revolução das “Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)” e este processo, ainda em curso, foi levado a cabo com base na difusão da computação em massa, possibilitada pelo microprocessador e pelo computador pessoal, e inclui tecnologias que vão da inteligência artificial à computação quântica, envolvendo e melhorando vários domínios, como o comércio internacional e a terapia genética. Os efeitos da revolução das TIC espalharam-se pelo mundo graças a mercados cada vez mais integrados para a troca de bens, serviços, capitais e pessoas e cada país sofreu uma ruptura, repleta de episódios dramáticos como a grande crise financeira de 2007- 2008 e a consequente recessão. Assiste-se actualmente, à reacção dos movimentos populistas de extrema-direita e de esquerda. O que ainda não aconteceu é a necessária mudança social, e é por isso que tantas pessoas não têm esperança no futuro e estamos em um momento crítico da história da humanidade e quaisquer escolhas erradas podem fazer descarrilar o progresso económico humano. É de considerar a existência de os três pilares que governam uma sociedade e a forma de alcançar o equilíbrio certo entre ambos é crucial para que a sociedade prospere. Os dois pilares são “os suspeitos habituais”, o Estado e os mercados. O equivalente a muitas florestas que tem sido usadas para imprimir textos sobre a relação entre os dois, em que alguns deram prioridade ao Estado, outros aos mercados. O que é necessário reintroduzir no debate mundial é o terceiro pilar esquecido, a comunidade e os aspectos sociais da sociedade. Quando um dos três pilares sofre um enfraquecimento ou reforço significativo, tipicamente devido ao rápido progresso tecnológico ou a dificuldades económicas terríveis como a depressão, o equilíbrio é perturbado e a sociedade tem de encontrar um novo equilíbrio. O período de transição pode ser traumático, mas a história ensina que a sociedade o completou com sucesso várias vezes. A questão fundamental é como restaurar o equilíbrio entre os pilares em face da mudança tecnológica e social disruptiva em curso. É de argumentar que muitas preocupações económicas e políticas no mundo, incluindo a ascensão do nacionalismo populista e dos movimentos radicais de esquerda, podem ser atribuídas ao enfraquecimento da comunidade. O Estado e os mercados expandiram o seu poder e alcance em paralelo, e deixaram a comunidade relativamente impotente para lidar com o impacto profundo e desigual da mudança tecnológica e um ponto importante a este respeito é também que só conseguiremos encontrar soluções para muitos dos nossos problemas se restituirmos a saúde às nossas comunidades disfuncionais, não sujeitando os mercados a uma repressão. É desta forma que reequilibraremos os pilares para um nível que beneficie mais a sociedade e que preserve as democracias de mercado liberais em vivemos. Para evitar confusões mais tarde, deve ser resolvida rapidamente a tediosa mas indispensável questão das definições. Em sentido lato, é importante considerar o Estado com referência à estrutura política do governo de um país e o termo refere-se ao governo nacional. Além do poder executivo, a palavra Estado incluirá também o poder legislativo e judicial. O termo mercados inclui todas as estruturas económicas privadas que facilitam a produção e o comércio dentro da economia e que contêm toda a variedade de mercados, abarcando os de bens e serviços, trabalho e crédito, acções e obrigações (mercado financeiro ou de capitais). A definição também inclui os principais actores do sector privado, tais como mulheres, empresários e empresas e a definição de uma comunidade deve ser a de “um grupo social de qualquer tamanho cujos membros residem em um lugar específico, compartilham os mesmos órgãos de governo e muitas vezes têm uma tradição cultural e histórica comum”. Tal definição deve ser seguida, segundo a qual na era moderna a comunidade arquetípica é representada pelo bairro (ou vila, município ou cidade), como era representada pela rixa na era medieval e pela tribo na antiga. É importante sublinhar que se deve centrar nas comunidades cujos membros vivem nas proximidades, ao contrário das comunidades virtuais ou das confissões religiosas nacionais. É de considerar os órgãos directivos locais, tais como o conselho executivo, o conselho de bairro ou o conselho municipal. Um país grande tem vários níveis de gestão localizados entre o governo central (que faz parte do Estado) e o governo local (que faz parte da comunidade) e são de pensar esses níveis como parte do Estado e deve usar-se os termos sociedade e país de forma intercambiáveis para indicar o complexo que inclui o Estado, os mercados, comunidades, pessoas, território e muitas outras realidades que compõem entidades políticas como a China ou os Estados Unidos. Ao ultrapassar a questão das definições, chega-se à substância e para os homens primitivos a tribo representava a sociedade, Estado, mercados e comunidades juntas. Foi o quadro em que se desenvolveram todas as actividades, incluindo a educação e o cuidado das crianças, a produção e o intercâmbio de bens e alimentos, o cuidado dos doentes e dos idosos. O chefe ou os anciãos ditaram as leis e as aplicaram, assim como comandaram os guerreiros para defender o território e com o passar do tempo, os mercados e o Estado separaram-se da comunidade. O comércio com as comunidades mais distantes através dos mercados permitiu que todos se especializassem na actividade que foi particularmente bem sucedida, colocando todos em posição de ter uma vida mais próspera. O Estado, agregando em si o poder e os recursos das numerosas comunidades, não se limitou a regular os mercados, mas também aplicou as leis dentro das suas fronteiras, ao mesmo tempo em que defendeu o território dos agressores. Mais recentemente, os mercados e o Estado não só se separaram da comunidade, como também se expandiram continuamente para actividades que até então fortaleceram os laços dentro da comunidade tradicional. Pense-se em algumas funções que as comunidades já não desempenham e vê-se que em comunidades isoladas, as vizinhas ajudaram as mulheres durante o parto; hoje, a maioria das mulheres que deram à luz recentemente são admitidas no hospital quando sentem que o parto está próximo. As mulheres obviamente valorizam muito mais a perícia de um especialista do que se associam com a ajuda amigável, mas não profissional, de um vizinho. Na vida quotidiana, se no passado nos oferecemos para acompanhar o vizinho idoso que não tinha carro para fazer as compras, hoje as compras são feitas “online” e da mesma forma, se uma casa de família foi destruída por um incêndio, a comunidade participou da sua reconstrução; hoje as pessoas recebem um reembolso da companhia de seguros e contratam um profissional para dela cuidar. É de acreditar, que dadas as regras de construção em vigor na maioria dos países desenvolvidos, é improvável que uma casa reconstruída pelos seus vizinhos obtenha a aprovação das autoridades. A comunidade ainda desempenha vários papéis importantes na sociedade, pois mantém o indivíduo ancorado em uma série de redes humanas reais e dá-lhe um sentido de identidade; a nossa presença no mundo é confirmada pelo impacto que temos sobre as pessoas ao nosso redor. Ao permitir-nos participar nas estruturas de gestão local, tais como associações que medeiam a relação entre pais e professores, conselhos de escola, conselhos de biblioteca e comissões de supervisão de bairro que existem em muitos países, bem como nas eleições locais para nomear o conselho municipal ou distrital, o município pode dar um contributo significativo para o desenvolvimento da comunidade local. Os professores de economia da Universidade de Harvard Raj Chetty e Nathaniel Hendren tentaram quantificar o impacto económico associado ao crescimento em uma comunidade melhor e para isso, analisaram o rendimento dos indivíduos cujos pais, quando eram crianças, mudaram de bairro nos Estados Unidos. Por exemplo, imagine-se dois bairros que são chamados de “Melhor” e “Pior”. Se forem ponderados os dados por rendimento parental, os indivíduos que vivem no mesmo bairro há muito tempo, depara-se que as crianças fazem parte de um percentual mais elevado em termos de rendimento adulto se viveram no “Melhor” em vez de no “Pior” bairro. Os economistas americanos descobriram que uma criança cujos pais se mudam do “Pior” para o “Melhor” bairro terá, como adulto, em média, uma renda 0,04 pontos percentuais maiores para cada ano adicional vivido no “Melhor” bairro. Em outras palavras, se os pais mudam de casa quando os filhos nascem e ficam no mesmo local até completarem 20 anos, o seu rendimento quando adulto corresponderá a 80 por cento da diferença entre o rendimento médio registado nos dois bairros. O estudo dos dois economistas leva-nos a pensar que uma criança obtém enormes benefícios ao mudar-se para uma comunidade onde as crianças são mais bem sucedidas (pelo menos em termos de rendimento futuro). As comunidades importam! A comunidade em que crescemos afecta as nossas perspectivas económicas, talvez mais do que qualquer outra influência externa, para além dos nossos pais e um ponto importante que os economistas descobriram aplica-se à transferência de uma única criança, pois o desenvolvimento de toda uma comunidade pobre não pode ser garantido pela sua transferência para outro lugar. Pelo contrário, tem de encontrar uma forma de se desenvolver no local, mantendo os seus expoentes mais competentes e brilhantes. Uma comunidade saudável tem outras virtudes. O governo local de base comunitária funciona como um escudo contra as políticas do governo central, protegendo assim as minorias de uma possível tirania da maioria e agindo como um mecanismo de controlo do poder estatal. Vários santuários nos Estados Unidos e na Europa recusaram-se a cooperar com as agências nacionais de imigração na identificação e deportação de imigrantes ilegais. Enquanto o ex-presidente dos Estados Unidos estava no poder, algumas comunidades no Estado do Arizona resistiram na direcção oposta, ignorando o governo federal e introduzindo penas severas contra a imigração ilegal. Embora nenhum país possa funcionar se cada comunidade escolher livremente quais as leis respeitar, uma certa descentralização dos poderes legislativos em favor da comunidade pode produzir resultados positivos, especialmente se houver grandes diferenças de opinião entre as comunidades.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA China e a governança global “China`s development has enormous implications for how the world is governed. The sheer size of the country means the effect of its activities inevitably spills over its border. Beyond that, there is evidence that the Chinese government has taken an active role in a number of policy área to defend China`s expanding national interest and to strengthen its status in the world. As China’s economy and its political ambition continue to grow, so will its influence around the world.” China and Global Governance Asian Perspectives (Vol.33 No.3) Hongying Wang and James N. Rosenau [dropcap]A[/dropcap] China tem vivido o seu melhor período de desenvolvimento dos tempos modernos, enquanto o mundo está a passar pelas mudanças mais profundas e sem precedentes em um século, com as duas situações entrelaçadas e a interagirem. É de salientar que contra esse cenário, a China desfruta de muitas condições externas favoráveis para realizar a actividade diplomática actual e nos anos vindouros. O Presidente Xi Jinping fez essa avaliação na reunião de discussão sobre o trabalho diplomático. Assim, entre 22 e 23 de Junho de 2018, foi realizada em Pequim a “Conferência Central sobre o Trabalho Relativo às Relações Externas”, tendo no seu discurso enfatizado que a bandeira de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade deve ser mantida para ajudar a tornar o sistema de governança global mais justo e mais razoável. O “Cinturão Económico da Rota da Seda” e da “Rota da Seda Marítima do Século XXI”, comummente denominada por “Um Cinturão e uma Rota”, devem ser solidificados para elevar a abertura do país a um nível superior. Assim, de acordo com a conferência, diante das vicissitudes da paisagem internacional desde o 18.º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCC), realizado em 8 de Novembro de 2012, a China superou muitas dificuldades para avançar na diplomacia nacional com características chinesas de forma pioneira, tendo realizado feitos de significado histórico. É de recordar que conjuntamente com seu rápido desenvolvimento económico nas últimas décadas, a China está aproximar-se cada vez mais do centro do cenário mundial, e o trabalho diplomático está a assumir um papel fundamental nas decisões políticas gerais do país. A conferência de dois dias não apenas reviu as realizações da China na frente diplomática desde 2012, mas também forneceu respostas teóricas e práticas para a grande questão de como sustentar o progresso nas relações externas na nova era do “Pensamento do Presidente Xi Jinping sobre Diplomacia”. O estabelecimento do pensamento do presidente chinês sobre diplomacia como uma directriz abrangente torna o projecto da diplomacia chinesa muito mais claro. As importantes ideias diplomáticas do presidente chinês incluem a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade, a “Iniciativa Faixa e Rota” e a criação de uma rede de parcerias globais. O Conselho de Direitos Humanos da ONU, a 23 de Março de 2017, adoptou duas resoluções sobre a realização, em todos os países, dos direitos económicos, sociais e culturais e do direito à alimentação, que pediam claramente esforços para construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade. O presidente chinês no seu discurso enunciou dez princípios que a diplomacia do país deveria seguir e ofereceu esclarecimentos sobre orientação política, missões históricas, grandes ideias diplomáticas, planos estratégicos e a direcção a tomar quanto ao desenvolvimento do país. A China, de acordo com esses princípios, promoverá a diplomacia nacional com características chinesas para cumprir a missão de realizar o rejuvenescimento nacional e preservar a paz mundial e procurar o desenvolvimento comum, tendo como objectivo promover a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado pela humanidade. Os dez princípios são a essência do pensamento diplomático do presidente chinês, sendo o resumo sistemático das teorias e práticas diplomáticas da China desde o 18.º Congresso Nacional do PCC e o principal guia para assegurar o desenvolvimento sustentável da diplomacia chinesa. É importante salientar que face a uma situação internacional em mutação, a manutenção de foco estratégico, firmeza e paciência são fundamentais para a realização da actividade diplomática e com a garantia como pré-requisito para o foco estratégico e paciência, o pensamento diplomático do presidente chinês enfatiza o aumento da confiança estratégica, ao mesmo tempo que confia no socialismo com características chinesas para o seu apoio. O mundo está a passar por mudanças sem precedentes e a China enfrenta enormes oportunidades e desafios para o seu desenvolvimento, e desde 2012, a diplomacia tem assumido um novo modelo. A implementação do pensamento diplomático do presidente chinês pode ajudar o país a criar um ambiente externo favorável à realização do rejuvenescimento nacional da China e à construção de uma comunidade com um futuro compartido para a humanidade. A evolução da teoria e prática diplomática baseia-se na perspectiva do próprio país, a situação de um mundo mais amplo e a relação entre os dois. O presidente chinês no seu discurso apontou que, para se ter uma avaliação correcta da situação internacional e uma compreensão precisa da história, a situação geral e o papel e posição da China no panorama mundial devem ser aperfeiçoados. A incerteza está a surgir no mundo de forma rápida e, somente através de uma apreciação exacta da situação internacional e procurando a verdade, a diplomacia chinesa permanecerá nos trilhos. O presidente chinês não apenas sugeriu observar a actual situação internacional, mas também reviu o passado, resumindo as leis históricas e aguardando o futuro para entender melhor a tendência da história. Quanto à compreensão acurada da situação geral, não só a observação de fenómenos e pormenores é importante, mas também uma profunda apreciação da essência e situação global, de modo a não se perder na complexa e cambiante situação internacional. É de reconhecer que a evolução da principal contradição enfrentada pela sociedade chinesa não muda a avaliação do actual estágio do socialismo na China. A dimensão básica do contexto chinês de que o país ainda está e permanecerá por muito tempo no estágio primário do socialismo O status internacional da China como o maior país em desenvolvimento do mundo não mudou, e essa qualidade é o papel auto-identificado do país na sua diplomacia. Assim, como país em desenvolvimento, a China precisa de se concentrar no seu desenvolvimento e conduzir a actividade diplomática de acordo com as suas condições nacionais. A China como potência mundial deve perceber plenamente a sua influência na formação da história mundial e na sua responsabilidade por ter um papel mais activo e construtivo nos assuntos internacionais. O presidente chinês chamou o período entre o décimo nono e vigésimo congressos nacionais do PCC de uma conjuntura histórica para a realização dos dois centenários da China, afirmando que o período é de grande importância no progresso histórico do grande rejuvenescimento do país e de acordo com os objectivos conjuntos, a China tornar-se-á uma sociedade moderadamente próspera, com uma economia mais forte, maior democracia, ciência e educação mais avançadas, cultura favorável, harmonia social e melhor qualidade de vida no centenário do PCC. A modernização e tornar-se um país socialista moderno no centenário da República Popular da China é algo de fundamental importância. Ao longo da história humana, o desenvolvimento do mundo sempre foi o resultado de contradições interligadas e interagindo umas com as outras. O presidente chinês, pediu uma análise aprofundada da forma como a situação internacional muda, quando o mundo vive um período de transição e a compreensão exacta das características básicas do ambiente externo que a China enfrenta neste momento histórico, a fim de melhor planear e facilitar o trabalho do país nos assuntos externos. Os dez principais princípios do presidente Xi Jinping sobre diplomacia são manter a autoridade do Comité Central do PCC, como o princípio dominante e fortalecer a liderança centralizada e unificada do Partido sobre a actividade diplomática; fazer avançar a diplomacia de grande país com características chinesas para cumprir a missão de realizar a revitalização nacional; considerar a preservação da paz mundial e a procura do desenvolvimento comum com o propósito de promover a construção de uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade; aumentar a confiança estratégica no socialismo com características chinesas como base; impulsionar a construção da “Faixa e Rota” com base no princípio de alcançar o crescimento compartilhado através da discussão e colaboração; seguir o caminho do desenvolvimento pacífico com base no respeito mútuo e cooperação de ganhos recíprocos; desenvolver parcerias globais ao avançar a agenda diplomática; liderar a reforma do sistema de governança global com o conceito de imparcialidade e justiça; tomar os interesses essenciais nacionais como a linha final para defender a soberania, segurança e os interesses de desenvolvimento da China e cultivar um estilo distintivo da diplomacia chinesa combinando a boa tradição do trabalho externo e as características dos tempos. É de salientar que construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade é um dos objectivos da diplomacia chinesa na nova era, e é também a direcção que a China espera alcançar, juntamente com os esforços combinados da comunidade internacional. Na conferência, o presidente chinês salientou particularmente essa dimensão da diplomacia chinesa, ressaltando a importância de ter em mente tanto os imperativos internos quanto os internacionais em lidar com assuntos externos. A actividade diplomática do país deve trazer o rejuvenescimento nacional e promover a paz mundial e o desenvolvimento comum como principais tarefas, e esforçar-se para construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade e salvaguardar com firmeza os interesses de soberania, segurança e desenvolvimento do país. A visão diplomática do presidente chinês é uma solução fornecida pela China para resolver problemas globais no meio de mudanças sem precedentes na situação internacional e contra o panorama do proteccionismo predominante e uma crescente suspeita de multilateralismo, o mundo necessita mais do que nunca de uma solução para vencer os desafios comuns. As ideias diplomáticas da China ganharam crescente reconhecimento e aceitação entre a comunidade internacional. A construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade e a “Iniciativa Faixa e Rota” foram incorporadas em documentos da ONU. Face à vaga global de populismo, isolacionismo e proteccionismo, paz mundial e o desenvolvimento global são confrontados com desafios cada vez mais severos. As lições das duas guerras mundiais na primeira metade do século XX também exigem que a comunidade internacional abandone a mentalidade de soma zero. A construção colaborativa de uma comunidade com um futuro compartilhado está de acordo com a tendência dos tempos. Em um ano marcado por crescentes disputas e violência em todo o mundo, a diplomacia chinesa mostrou a sua maturidade ao promover um novo tipo de relações internacionais. Procurou construir parcerias e manter o diálogo, em vez de promover o confronto e alinhamentos estratégicos. A China, em 2018, participou de intercâmbios amistosos com outros países, sob o princípio contínuo da cooperação de ganhos recíprocos, explorando ideias de como superar diferenças em sistemas sociais e estágios de desenvolvimento para avançar com outros países de uma maneira igual e mutuamente benéfica. Tal, forneceu novas opções para os países se relacionarem uns com os outros e por todos reconhecido. É de acreditar que reforçar a cooperação e a coordenação com grandes potências, incluindo os Estados Unidos, Europa e a Rússia, continue a ser a prioridade das relações internacionais da China. A reunião entre o presidente chinês e o presidente americano na Argentina, a 1 de Dezembro de 2018 foi um dos destaques da diplomacia mundial, que resultou em uma trégua na guerra tarifária entre as duas maiores economias e mostrou a determinação da China em fazer que os seus críticos aderissem às suas ideias, em vez de transformar a Cimeira do G20 de Buenos Aires em um exercício para isolar o presidente americano e foi também outra demonstração do objectivo chinês de construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade. Além disso, em 2018, a China continuou a fortalecer a cooperação com os países em desenvolvimento, fazendo uso de plataformas para a China-África, e em contraste com o passado, quando grandes reuniões globais ou regionais se realizavam nos Estados Unidos ou na Europa, a China serviu de sede a quatro grandes eventos diplomáticos em 2018 como a “Conferência Anual do Fórum Boao para a Ásia”, a “Cimeira da Organização de Cooperação de Xangai”, o “Fórum sobre Cimeira de Cooperação China-África” e a recém-lançada “China International Import Expo (CIIE) ” para estimular a desaceleração da economia global. Os quatro eventos continham temas diferentes, mas todos demonstraram a aspiração da China por um desenvolvimento pacífico. É de considerar que com o ressurgimento do populismo e do unilateralismo, o conceito de desenvolvimento pacífico da China tem sido um factor estabilizador para a comunidade internacional. O ano de 2018 será sempre recordado como o quadragésimo aniversário da reforma e abertura da China, que foi uma estratégia de longo alcance que levou o país para o núcleo das maiores potências mundiais. As acções falam mais alto que palavras e o desenvolvimento da China fez o mundo perceber a sabedoria das soluções chinesas para problemas como pobreza e analfabetismo que continuam sendo questões globais. Assim, a implementação do “13.º Plano Quinquenal (2016-2020)” com o objectivo de construir uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos enfrentará menos pessimistas, enquanto mais pessoas aguardarão para ver os progressos, e alguns estarão mesmo dispostos a pegar nos ponteiros do relógio do desenvolvimento.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Globalização 4.0 e a China “Those who push for protectionism are shutting themselves inside a dark house. They have escaped the rain and clouds outside, but also missed the light and air.” President Xi Jinping [dropcap]A[/dropcap]pós a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional uniu-se para construir um futuro partilhado e actualmente, deve fazê-lo novamente. Devido à recuperação lenta e desigual da última década desde a crise financeira global, uma parte substancial da sociedade tornou-se descontente e amargurada, não apenas com a política e os políticos, mas também com a globalização e com todo o sistema económico que a sustenta. Em uma era de insegurança e frustração generalizadas, o populismo tornou-se cada vez mais atraente como alternativa ao “status quo”, mas o discurso populista escapa, e muitas vezes confunde, as distinções substantivas entre dois conceitos, o de globalização e globalismo. A globalização é um fenómeno impulsionado pela tecnologia e pelo movimento de ideias, pessoas e bens. O globalismo é uma ideologia que dá prioridade à ordem global neoliberal sobre os interesses nacionais. Ninguém pode negar que estamos a viver em um mundo globalizado e se todas as políticas devem ser “globalistas” é altamente discutível. Afinal, este momento de crise levantou questões importantes sobre a arquitectura da governança global e cada vez mais eleitores exigem “retomar o controlo” das “forças globais”, e o desafio é restaurar a soberania em um mundo que requer cooperação. Ao invés de fechar as economias através do proteccionismo e da política nacionalista, deve-se forjar um novo pacto social entre os cidadãos e os seus líderes, para que todos se sintam seguros o suficiente nos seus países para permanecerem abertos ao mundo em geral, pois caso contrário, a desintegração contínua do tecido social poderia levar ao colapso da democracia. Além disso, os desafios associados à “Quarta Revolução Industrial (4IR na sigla inglesa)” coincidem com o rápido surgimento de restrições ecológicas, o advento de uma ordem internacional cada vez mais multipolar e a crescente desigualdade. Os desenvolvimentos integrados estão a estabelecer uma nova era de globalização. Se tal irá melhorar a condição humana, dependerá se a governança corporativa, local, nacional e internacional se adaptar no tempo. Enquanto tal acontece, uma nova estrutura para a cooperação global público-privada vem a ganhar forma. A cooperação público-privada consiste em aproveitar o sector privado e abrir mercados para estimular o crescimento económico para o bem público, com a sustentabilidade ambiental e a inclusão social sempre em mente. Mas, para determinar o bem público, é necessário primeiro identificar as causas da desigualdade, por exemplo, enquanto os mercados abertos e o aumento da concorrência produzem vencedores e perdedores na arena internacional, podem estar a ter um efeito ainda mais pronunciado sobre a desigualdade a nível nacional. Além disso, a crescente divisão entre o precariado e o privilegiado está sendo reforçada pelos modelos de negócios 4IR, que frequentemente derivam os alugueres de capital ou propriedade intelectual e encerrar essa divisão requer que se reconheça que se está a viver em um novo tipo de economia impulsionada pela inovação e que novas normas, padrões, políticas e convenções globais são necessários para salvaguardar a confiança pública. A nova economia interrompeu e recombinou inúmeras indústrias e deslocou milhões de trabalhadores. É de desmaterializar a produção, aumentar a intensidade do conhecimento da criação de valor, pois está a crescer a concorrência nos mercados internos de produtos, capital e trabalho, bem como entre os países que adoptam diferentes estratégias de comércio e investimento, que está a alimentar a desconfiança, particularmente das empresas de tecnologia e a administração de dados. O ritmo sem precedentes da mudança tecnológica significa que os sistemas de saúde, transporte, comunicação, produção, distribuição e energia serão completamente transformados. A gestão dessa mudança exigirá não apenas novas estruturas para a cooperação nacional e multinacional, mas também um novo modelo de educação, completo com programas direccionados para o ensino de novas aptidões aos trabalhadores. Os avanços da robótica e da inteligência artificial no contexto das sociedades em envelhecimento, obrigam a passar de uma narrativa de produção e consumo para uma de partilha e cautela. A globalização 4.0 está apenas a começar, mas o mundo encontra-se muito despreparado. Agarrar-se a uma mentalidade desactualizada e mexer nos processos e instituições existentes não funcionará. Em vez disso, é preciso redesenhá-los a partir do zero, para que se possa aproveitar as novas oportunidades que nos esperam, evitando o tipo de interrupção que estamos a testemunhar. À medida que se desenvolve uma nova abordagem para a nova economia, devemos lembrar que não estamos a brincar um jogo de soma zero. Não se trata de livre comércio ou proteccionismo, tecnologia ou emprego, imigração ou protecção dos cidadãos e crescimento ou igualdade. Essas são todas falsas dicotomias, que se podem evitar desenvolvendo políticas que favoreçam a comunidade, permitindo que todos os conjuntos de interesses sejam perseguidos em paralelo. Os pessimistas argumentarão que as condições políticas estão a impedir um diálogo global produtivo sobre a Globalização 4.0 e a nova economia. Os realistas usarão o momento actual para explorar as lacunas no sistema e identificar os requisitos para uma abordagem futura. Os optimistas manterão a esperança de que as partes interessadas orientadas para o futuro criem uma comunidade de interesse e, em última análise, um objectivo compartilhado. As mudanças que estão em curso não são isoladas para um determinado país, sector ou matéria, são universais e, exigem uma resposta global. O não adoptar uma nova abordagem cooperativa seria uma tragédia para a humanidade. Para redigir um plano para uma arquitectura de governança global compartilhada, deve-se evitar ficar atolado no momento actual da gestão de crises. Especificamente, essa tarefa exigirá duas situações da comunidade internacional que são o envolvimento mais amplo e maior imaginação. O envolvimento de todas as partes interessadas no diálogo sustentado será crucial, assim como a imaginação para pensar sistemicamente e além das próprias considerações institucionais e nacionais de curto prazo. O conceito de Globalização 4.0 foi apresentado pela primeira vez na reunião anual do “Fórum Económico Mundial (WEF na sigla inglesa)” em Davos, a 17 Janeiro de 2019, e foi visto pela comunidade internacional como um sinal de que a globalização entrou em uma nova era, e enquanto os milhares de líderes ricos e poderosos se dirigiam ao WEF, o fundador da organização, Klaus Schwab, pediu aos chefes de Estado internacionais que apresentassem uma abordagem “inclusiva” da globalização. O tema principal do encontro foi “Globalização 4.0: Moldando uma Nova Arquitectura na Era da Quarta Revolução Industrial″. O WEF decorreu entre 22 e 25 de Janeiro de 2019. A globalização produz vencedores e perdedores e há muitos mais vencedores nos últimos vinte e cinco ou trinta anos, mas é necessário cuidar dos perdedores. Durante décadas, houve um forte consenso de que a globalização ajudaria a estimular o crescimento dos salários e a criar mais empregos, não apenas para os países desenvolvidos, mas também para os países mais pobres do mundo. No entanto, nos últimos anos, uma reacção populista contra a globalização consolidou-se, o que levou muitos a expressarem a sua raiva ao verem os seus empregos serem afectados pela automação, indústrias antigas desaparecerem e a migração a atrapalhar a ordem estabelecida. O fórum divulgou um relatório de “Riscos Globais” em que observou que os mesmos estão a intensificar-se, mas a vontade colectiva de enfrentá-los parece estar a faltar. As discussões em Davos ocorreram em um momento crucial, já que a reacção política à globalização ameaça não apenas a economia global, mas também a ordem internacional liberal que tem sido a pedra angular de níveis sem precedentes de prosperidade, crescimento e segurança pós-guerra. Os participantes vieram mais preocupados com as perspectivas para a economia global, ligando uma possível desaceleração a factores como guerras comerciais e Brexit, pois desde o último fórum que decorreu entre 23 e 26 de Janeiro de 2018, as relações comerciais globais e a diplomacia, assim como as políticas domésticas, têm sido incertas. É quase certo que os livros de história se lembrarão de 2016 como o ano em que os dois lados do Atlântico apostaram no populismo e 2019 será lembrado como o ano em que as apostas arriscadas faliram. As promessas vazias do populismo tornam-se aparentes para os eleitores que estavam a exigir soluções viáveis para problemas sérios. A tarefa da liderança global é de ganhar o argumento para mostrar porque o sistema deveria ser reformado e não destruído, sendo essa tarefa particularmente urgente. Quando se fala sobre Globalização 4.0, tem que ser mais inclusivo e sustentável, baseado em princípios leais. O que precisamos é de uma moralização da globalização. O tema da “Reunião Anual dos Novos Campeões 2019”, também conhecido como “Fórum Davos de Verão”, realizou-se de 1 a 3 de Julho de 2019 na cidade costeira de Dalian, China, que contou com mais de mil e novecentos representantes de mais de cem países e regiões e que teve como tema “Liderança 4.0: Ser bem sucedido em uma Nova Era de Globalização”. A mudança da Globalização 4.0 para a Liderança 4.0 não apenas reflectiu a mudança de situação e do padrão económico internacional, mas também o firme compromisso da comunidade internacional de salvaguardar o multilateralismo, os esforços práticos nesse sentido e as suas expectativas de um multilateralismo mais forte. A China tornou-se a espinha dorsal dos esforços internacionais para salvaguardar o multilateralismo, enquanto a maior economia do mundo, os Estados Unidos, recorreu ao unilateralismo e está a provocar fricções comerciais globais ao impor tarifas mais altas às importações. A determinação da China e os esforços para proteger o multilateralismo são elogiados em todo o mundo. A China defende a abertura e está a implementar essa causa aumentando as importações, reduzindo as tarifas e diminuindo o limite de acesso ao mercado para melhorar o seu ambiente de negócios. Todas essas medidas têm sido uma fonte de confiança para a economia global. Quando o presidente chinês reiterou a posição da China e propôs medidas para a globalização económica na concluída Cúpula do Grupo dos 20, em Osaka, essa confiança foi ainda mais estimulada. A diversidade da “Reunião Anual dos Novos Campeões 2019” mostrou o interesse da comunidade internacional nos esforços da China para proteger o multilateralismo e deu o seu apoio. Quase 70 por cento dos participantes vieram do exterior, incluindo muitas empresas dos Estados Unidas das áreas de assistência médica, finanças, ciência e tecnologia e educação, o que prova que a globalização é uma tendência internacional irresistível, apesar do surto de unilateralismo praticado pelo governo de Donald Trump. Actualmente, há uma divisão internacional do trabalho no desenvolvimento social e económico global. Todo o processo de projectar, fabricar, montar e vender todos os componentes de bens envolve empresas de vários países. Tal construiu a base da actual cooperação económica em todo o mundo e é uma razão importante para defender o multilateralismo. Se todos os países se tornarem unilaterais, então as empresas, quer seja a Apple dos Estados Unidos, a Huawei da China ou a Samsung da República da Coreia, descobrirão que é impossível fabricar os seus produtos para compradores globais e ainda assim mantê-los acessíveis e como resultado, entrariam em colapso corporativo e a economia de cada país seria atingida. A globalização económica é a procura objectiva pelo desenvolvimento da produtividade social. É também o resultado inevitável do progresso da ciência tecnológica, do qual todos os países beneficiam. A nova revolução industrial nascida da globalização económica não está apenas a conectar a rede industrial global, mas igualmente a rede de inovação e de valor, mas também está a promover o crescimento inclusivo. A China está a seguir esse caminho e nas últimas quatro décadas, envolveu-se na divisão global do trabalho e nas cadeias de valor, inovação e indústria globais e continua a abertura em todos os aspectos e a melhorar a qualidade da sua economia. A “Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR na inglesa)” da China, a 30 de Junho de 2019 e o Ministério do Comércio divulgaram uma lista revista para investimentos estrangeiros, que inclui um inventário da indústria para incentivar o investimento estrangeiro em todo o país e um rol de indústrias vantajosas para o investimento estrangeiro nas regiões central, ocidental e nordestina. Enquanto os itens da lista negativa diminuíram, os da outra lista aumentaram, sendo que essa maior abertura é um contraste gritante com países que se isolaram do resto do mundo em nome da garantia da segurança nacional. A sociedade humana está a viver uma era de informatização rápida, onde as pessoas se encontram mais próximas umas das outras, em vez de ficarem isoladas e esta tendência inevitável determina que a autoridade do mecanismo de comércio multilateral baseado em regras, com a “Organização Mundial do Comércio (OMC)” no centro, seja respeitada e protegida. É animador que uma pesquisa global conduzida pelo Fórum de Davos tenha mostrado que a grande maioria acredita que a cooperação internacional é muito importante. Os princípios fundamentais do sistema multilateral são amplamente reconhecidos e defendidos. A memória da crise financeira de 2008 que surgiu nos Estados Unidos ainda se mantém fresca na memória colectiva. Durante essa turbulência, foi a estreita cooperação internacional que ajudou a economia global a recuperar-se da crise e precisamos novamente do mesmo espírito cooperativo na luta contra o unilateralismo e o proteccionismo comercial.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesVisão de Oceanos Azuis de Osaka “Toward realization of the “Osaka Blue Ocean Vision” that we aim to reduce additional pollution by marine plastic litter to zero by 2050, which was shared at the G20 Osaka Summit, Prime Minister Abe announced that Japan will support developing countries’ efforts including their capacity building and infrastructure development in the area of waste management at the summit.” G20 Osaka Summit [dropcap]O[/dropcap] mecanismo de cooperação do Grupo dos 20 (G20), nas últimas duas décadas, conseguiu transformar-se de uma reunião de ministros de finanças e governadores de bancos centrais a um mecanismo multilateral de coordenação e diálogo conduzido pelos líderes do bloco, passando de uma estrutura de resposta a crises para um mecanismo de longo prazo, servindo como plataforma principal para a governança económica global. O G20 desempenhou um papel crucial, especialmente ao enfrentar a crise financeira e outros desafios globais. A comunidade internacional tinha grandes expectativas a Cimeira do G20, que se realizou em Osaka, entre 28 e 29 de Junho de 2019, para resolver alguns problemas globais urgentes. Em uma época em que o crescimento económico global está a diminuir, as fricções comerciais se intensificam e uma série de problemas de desenvolvimento estão a surgir, questões que incluem o crescimento económico, desenvolvimento sustentável e governança da Internet tinham de merecer especial atenção. Quanto ao crescimento económico global, é sabido, que desde 2018, a recuperação económica global tem enfrentado crescentes incertezas, embora os novos condutores da economia ainda se encontrem em preparação, a pressão negativa na economia aumentou, e ano passado, o crescimento económico global não conseguiu manter o ritmo de recuperação geral iniciado em de 2017. O crescimento da maioria dos países caiu, com poucas excepções. Os dados do “Fundo Monetário Internacional (FMI)” mostraram, em Abril de 2019, que a taxa de crescimento económica global em 2018 foi de 3,6 por cento, revelando uma queda de 0,2 por cento em relação ao ano anterior. O FMI prevê que a taxa continuará em declínio devendo ser de 3,3 por cento em 2019, a mais lenta desde 2010. A taxa de crescimento das economias desenvolvidas, em geral, no ano passado foi de 1,8 por cento, revelando uma queda de 0,4 por cento em relação ao ano anterior, enquanto para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento, foi de 4,4 por cento, revelando uma queda de 0,2 por cento. A longo prazo, uma taxa de crescimento inferior resulta em menor produtividade do trabalho. O crescimento da produtividade do trabalho nas economias desenvolvidas e em desenvolvimento, actualmente entrou em declínio, com o crescimento económico de muitos países em estagnação. Os factores decisivos para a melhoria da produtividade do trabalho, como a inovação tecnológica, acumulação de capital humano e a reforma dos mecanismos, não fizeram progressos substanciais. A eficácia desses factores também não foi maximizada. A nova revolução científica, tecnológica e transformação industrial está a dar origem a um grande número de diferentes indústrias, bem como a novas formas de negócios e modelos. No entanto, ainda é necessário tempo para realizar a transformação de controladores de crescimento e a acumulação de capital humano é lenta, as barreiras institucionais ao crescimento económico estão a tornar-se graves, enquanto os factores de crescimento para a recuperação são insuficientes. A reformulação das forças motrizes foi uma das principais agendas do G20. O proteccionismo global do comércio tem aumentado nos últimos anos e de acordo com o banco de dados “Global Trade Alert (GTA)”, que é uma organização criada em 2009, quando se temia que a crise financeira global levasse os governos a adoptar políticas generalizadas de estilo procurar o benefício do país à custa dos demais. Ainda dento desse âmbito, o GTA tem dado atenção especial às escolhas políticas dos governos do G-20, desde que os seus líderes fizeram a promessa de “nenhum proteccionismo” na Cimeira de Washington, realizada de 14 a 15 Novembro de 2008. Apesar de inicialmente concebido como uma iniciativa de monitorização de políticas comerciais, à medida que milhares de comunicações de políticas foram documentados, o GTA tornou-se uma matéria-prima amplamente utilizada para análise e tomada de decisões pelas empresas, associações industriais, jornalistas, pesquisadores, organizações internacionais e governos, o que reflecte o facto de o FMI ter dito em 2016, que o GTA tem a cobertura mais abrangente de todos os tipos de medidas comerciais discriminatórias e liberalizadoras do comércio. Segundo o GTA mais de dez mil medidas proteccionistas foram implementadas por dezanove membros do G20 de 2009 a 2018. Os Estados Unidos sendo a maior economia do mundo, implementou mil e seiscentas e noventa e três medidas, tornando-se o líder, com cento e sessenta e nove medidas proteccionistas por ano em média, das quais cento e noventa e sete foram adoptadas em 2018, o que representa um aumento de 28,8 por cento em relação ao ano anterior. A Alemanha introduziu mil e duzentas e vinte e cinco medidas no mesmo período, incluindo cento e quinze novas em 2018, que representam um aumento de 113 por cento. Os países numa época em que o proteccionismo é abundante, devem fazer esforços maiores para impulsionar a liberalização do comércio e chegar a acordos sobre a construção de zonas de livre comércio em todo o mundo. O proteccionismo tornou-se um dos principais impedimentos ao comércio mundial. A “Organização Mundial de Comércio (OMC)”, em Abril de 2019, fez uma previsão preliminar de que o comércio mundial de bens cresceu apenas 3 por cento em 2018, menos 0,7 por cento que a previsão de Setembro desse ano. É de esperar que o crescimento do comércio mundial diminua para 2,6 por cento em 2019, o que representa uma queda de 1,1 por cento em relação à previsão anterior. A “Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD na sigla inglesa)” divulgou em Janeiro de 2019 no seu “Global Investment Trend Monitor”, que os “Influxos de Investimentos Estrangeiros Directo (IED)”, em 2018 caíram 19 por cento em relação ao ano anterior, assinalando o terceiro ano consecutivo de queda. O IED global encontra-se no seu nível mais baixo em uma década, muito inferior ao recorde histórico de 2007, e daí que os membros do G20 precisam de tomar medidas concretas para implementar documentos políticos, como o “Acordo sobre a Facilitação do Comércio da OMC”, a “Estratégia do G20 para o Crescimento do Comércio Global” e os “Princípios Norteadores do G20” para a formulação de políticas globais de investimento para estimular o comércio e o investimento. Os membros do G20 devem dar o exemplo implementando o “Plano de Acção do G20” na “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” aprovado na Cimeira do G20 em Hangzhou realizada de 4 a 5 de Setembro de 2016 e cumprir os compromissos específicos assumidos por todos os membros na Cimeira de Hamburgo, realizada de 7 a 8 de Julho de 2017. Os membros devem simultaneamente trabalhar com as partes interessadas para promover a implementação da “Agenda 2030” em todo o mundo de forma a garantir que os seus objectivos sejam cumpridos a tempo. Os membros a nível nacional e internacional, necessitam de cooperar mais nas acções do G20 com a “Agenda 2030”, como a “Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento”, que produziu o acordo denominado de “Agenda de Acção de Addis Abeba”. O apoio aos países em desenvolvimento deve ser fortalecido e maior número de bens públicos devem ser fornecidos para alcançar esses objectivos. Aquando da Cimeira de Hamburgo, foi divulgado pela primeira vez o “Relatório Anual de Progresso” detalhando os compromissos seleccionados do G20 com a implementação da “Agenda 2030”, que reconhece a importância da inclusão financeira como multiplicadora da erradicação da pobreza, criação de empregos, igualdade de género e empoderamento das mulheres. Na Cimeira de Buenos Aires, realizada de 30 de Novembro a 1 de Dezembro de 2018, a “Actualização de Buenos Aires” delineou as acções colectivas e concretas do G20 para alcançar a agenda. A Cimeira de Osaka avaliou o progresso e a implementação do mais recente plano de acção, tendo alcançado ao mesmo tempo novos consensos e planos para acções concretas no futuro. A conectividade de infra-estrutura cria uma base sólida para o desenvolvimento sustentável e prosperidade global. Actualmente, existe uma séria escassez de investimentos em infra-estrutura, especialmente em áreas como o transporte, energia e comunicação. O “Global Infrastructure Hub” é a única organização dedicada exclusivamente à infra-estrutura nos mercados desenvolvidos e emergentes e concentra-se em colaborar com governos, sector privado, bancos multilaterais de desenvolvimento e outras organizações internacionais para promover o ambiente propício, que permitirá a identificação e desenvolvimento de projectos de infra-estrutura que sejam de alta qualidade, resilientes, sustentáveis e necessários a uma rápida evolução. O seu objectivo é ajudar a preencher a lacuna entre os sectores público e privado, ajudando os governos a libertar triliões de dólares em investimentos privados para financiar a infra-estrutura pública, criando economias produtivas e cidades mais habitáveis. O “Global Infrastructure Hub” funciona assim como uma plataforma de projecto de infra-estrutura global lançada pelo G20, para ligar os sectores público e privado, prevendo que a necessidade de investimento em infra-estrutura chegará a noventa e quatro triliões de dólares até 2040. Os países e regiões, incluindo os membros do G20, são deficientes na coordenação dos seus planos de desenvolvimento de infra-estrutura, padrões de construção e normas de gestão, o que prejudicou a melhoria do facilitamento do comércio e investimento e a construção de uma rede de livre comércio de alto padrão. O G20, não obstante, atingiu uma série de consensos nos últimos anos para promover a conectividade de infra-estrutura e por exemplo, em 2014, foi criado um grupo de trabalho sobre investimento e infra-estrutura. A Cimeira de Hangzhou, dois anos mais tarde, aprovou documentos importantes, incluindo a “Declaração Conjunta de Aspirações em Acções para Apoiar o Investimento em Infra-estrutura” por onze bancos multilaterais de desenvolvimento e endossou a “Aliança Global de Conectividade de Infra-estrutura”, para promover sinergia e cooperação entre vários programas de conectividade de infra-estrutura. A Cimeira do G20 de 2018 listou a infra-estrutura como uma das suas três prioridades e aprovou o “Roteiro para Infra-estrutura” como uma “Classe de Activos” e os “Princípios do G20” para a “Fase de Preparação do Projecto de Infra-estrutura”. Assim, a Cimeira de Osaka podia tomar medidas para abordar o deficit de financiamento, a normalização contratual e chegar a um novo consenso sobre infra-estrutura de qualidade. A China está preparada para fortalecer a cooperação com outras partes dentro dos quadros G20 e a “Iniciativa Faixa e Rota”, estabelece um sistema de investimento e financiamento de infra-estrutura global diversificado e eficaz. A China reiterou a sua disposição de cooperar com os outros membros para promover a infra-estrutura de qualidade e fornecer uma garantia forte para a globalização económica por meio de uma rede de conectividade segura, conveniente e desembaraçada. Quanto à governança do ciberespaço, ao integrar-se em todos os aspectos da vida social, a Internet está a mudar profundamente os métodos de produção e de vida das pessoas, e para aproveitar em conjunto as oportunidades digitais, abordar os desafios digitais e impulsionar o crescimento global, a “Iniciativa de Desenvolvimento e Cooperação em Economia Digital” do G20 que foi lançada durante a Cimeira de Hangzhou, inclui a promoção do fluxo de informações para o crescimento económico, a confiança e a segurança, além de oferecer suporte às políticas para um ambiente aberto e seguro. A “Declaração Ministerial da Economia Digital” do G20 e vários documentos como os “Princípios Digitais” do G20, “Preenchimento da Divisão de Género Digital”, “Medição da Economia Digital” e “Aceleração da Infra-estrutura Digital para o Desenvolvimento” foram adoptados durante a “Reunião Ministerial do G20 sobre Comércio e Economia Digital”, em 2018. Os membros do G20 na Cimeira de Buenos Aires reafirmaram a importância da segurança das tecnologias de informação e comunicação e concordaram em continuar os trabalhos sobre inteligência artificial, novas tecnologias e plataformas de negócios. O consenso foi alcançado sobre a maximização do impacto positivo da digitalização e das novas tecnologias no crescimento e produtividade inovadores. Os principais países estão agora a concentrar-se na importância da segurança da informação cibernética. Ainda que a Internet desempenhe um papel insubstituível na comunicação social e nas actividades empresariais, a cooperação na governança do ciberespaço não satisfez a procura de segurança da informação da maioria dos países e regiões. A segurança da informação cibernética inclui a protecção de sistemas de computador, “hardware”, “software” e dados de dispositivos móveis de serem roubados ou destruídos, além de salvaguardar a economia digital e informações comerciais. Os crimes e ataques no mundo cibernético representam uma ameaça comum a governos, empresas e indivíduos, e em particular, evitar a espionagem, terrorismo e até mesmo guerras no ciberespaço para garantir uma ordem económica saudável é uma tarefa urgente para os membros do G20. O G20, para tanto, como principal plataforma de governança global, deve desempenhar um papel importante. O esforço concertado deve ser feito para melhorar a aplicação segura das tecnologias de informação e comunicação, e para combater o uso indevido de actividades criminosas e terroristas. Os membros do G20 também devem trabalhar em conjunto para promover a cooperação em áreas como as tecnologias de informação e comunicação, aplicação da lei, pesquisa e desenvolvimento, inovação e a capacitação institucional. O G20 tem mostrado uma crescente fragmentação na luta contra as alterações climáticas e para acabar com o proteccionismo, em uma Cimeira em que a conquista mais notável foi a trégua entre os Estados Unidos e a China sobre o seu conflito comercial. Assim, durante a reunião de dois dias em Osaka, os líderes do G20 só conseguiram chegar a um acordo sobre uma declaração que reconhece os “riscos” enfrentados pela economia global e todos os países, excepto os Estados Unidos, reafirmaram os seus compromissos ambientais dentro do “Acordo de Paris”. O primeiro-ministro japonês quis mostrar a unidade no termo da reunião, ao afirmar que todos os países tinham apoiado os fundamentos do livre comércio e encontrado um área comum sobre as alterações climáticas apesar das suas diferenças. É difícil encontrar uma solução para tantos desafios globais, mas pelo menos conseguiu-se encontrar uma vontade comum em muitas áreas. O texto final assinala a intensificação das tensões geopolíticas e comerciais, mas não se inclui nenhuma menção ao auge do proteccionismo, tal como pretendia uma parte maioritária de países, face aos múltiplos conflitos comerciais abertos pelos Estados Unidos. A conclusão refere aos trabalhos em conjunto para conseguir um ambiente de investimento livre, justo, não discriminatório, transparente, previsível e estável para manter os mercados abertos. O avanço mais significativo no actual contexto de crispação global sobre o comércio, chegou com a esperada reunião entre os presidentes dos Estados Unidos e da China que acordaram continuar com as negociações e interromper parte das medidas restritivas que aplicam. Quanto às alterações climáticas, os países reafirmaram a irreversibilidade do “Acordo de Paris” e comprometeram-se à plena implementação das suas medidas nacionais contra as alterações climáticas, com excepção dos Estados Unidos. À declaração final foi acrescentado um parágrafo que menciona que os Estados Unidos reiteram a sua decisão de se retirar do “Acordo de Paris” porque supõe uma desvantagem para os trabalhadores e contribuintes americanos e que apesar de tudo (aloucadamente) é reconhecido como líder na protecção ambiental. O presidente americano ao ser inquirido sobre o tema respondeu que não está disposto a sacrificar o potencial do seu país que tem os melhores dados que alguma vez conseguiu em matéria ambiental. O presidente francês propôs alterar o formato do G20 para conseguir acordos mais eficazes sobre o tema ambiental. O texto final contém apesar de tudo o objectivo de reduzir a zero a poluição de plásticos nos oceanos até 2050, meta que foi baptizada como “Visão de Oceanos Azuis de Osaka” e que deve ser alcançada enquanto se reconhece o papel importante do plástico para a sociedade. As organizações ecológicas como a “Greenpeace”, o “Centro Japonês para uma Sociedade Sustentável e Meio Ambiente” e os “Amigos da Terra” rejeitaram por inadequadas as medidas acordadas sobre as alterações climáticas e resíduos de plástico, e organizaram protestos em Osaka aquando da Cimeira.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA receita chinesa para o choque de civilizações “Various civilizations are not destined to clash. It is foolish to believe that one’s race and civilization are superior to others’ and it is disastrous to willfully reshape or even replace other civilizations.” President Xi Jinping [dropcap]T[/dropcap]odas as civilizações do mundo sentem orgulho na sua história e realizações culturais, e escreveram a história da humanidade tornando cada uma como centro. O presidente Xi Jinping em resposta aos mais sérios desafios globais enfrentados pela sociedade humana, deu uma “receita chinesa” no seu discurso de abertura da “Conferência sobre o Diálogo das Civilizações Asiáticas (CDAC na sigla inglesa)” que teve por tema “enfrentar desafios comuns e avançar para um futuro melhor, requer força económica e tecnológica, mas também cultural e civilizacional”, realizada no Centro Nacional de Convenções de Pequim, a 15 de Maio de 2019. Devido à diversidade de civilizações, é necessário aprender umas com as outras retirando lições para o desenvolvimento. Se as civilizações humanas tivessem apenas uma cor e modelo, o mundo seria monótono e aborrecido demais. O discurso do presidente chinês analisou em profundidade a grave destruição criada pelo conceito de uniformidade em relação às civilizações do mundo. De facto, são justamente as diferentes opiniões sobre a uniformidade e a diversidade das civilizações que se tornaram um importante motivo para criar muitos conflitos, guerras e tragédias na história recente da humanidade, especialmente desde o início do século XV, devido ao grande avanço na astronomia, geografia e nas modernas tecnologias de construção naval e navegação, a interacção entre diferentes civilizações tornou-se mais frequente e generalizada. O rápido desenvolvimento da tecnologia na primeira revolução industrial, fez que a civilização da Europa Ocidental se começasse a expandir, conquistar e colonizar, o que levou a um aumento de poder da região, que foi rapidamente colocada no centro do mundo e não se tratava apenas de ligar todas as civilizações, mas também exercer diferentes graus de influência sobre as demais, que levou a um equívoco, o de acreditar que a civilização da Europa Ocidental e da civilização europeia e americana, cujos principais valores dela são derivados são melhores que as outras. As suas realizações em termos culturais, artísticos, científicos e tecnológicos, ideológico, sistema social, e modelo de desenvolvimento alcançaram o auge das civilizações humanas e acreditam que a civilização europeia e americana tem uma condição universal, isto é, tal visão causou danos extremamente dolorosos às civilizações do mundo na história da humanidade. Tal visão, gerou uma estreiteza e egoísmo na natureza humana e espalhou a semente da discórdia e de guerras com elevado grau de morticínio, sendo de relevar uma guerra colonial de quatrocentos anos, duas guerras mundiais e racismo que nunca são fáceis de erradicar e que estão indubitável e intimamente relacionados com as influências negativas e profundas deste conceito de civilização uniforme. A história milenar da humanidade é um processo no qual diferentes civilizações brilhavam em mudanças ou coexistiam de forma esplêndida e destacaram-se as antigas civilizações da Mesopotâmia, Egipto, América pré-colombiana, India e outras, incluindo a da Europa Ocidental, cujas raízes são as antigas civilizações grega e romana. Assim, incluem-se as civilizações do leste asiático, que sobreviveram por milhares de anos. Ainda que diferentes culturas tenham surgido e decaído, fundido, trocado ou colidido, a coexistência era a norma e a corrente dominante é também a base da civilização humana. As diferentes civilizações promoveram à sua maneira o progresso das regiões e impulsionaram os meios para que as suas características e fenómenos culturais se desenvolvessem, amadurecessem e estabelecessem um padrão que as fez distinguir das demais. O reconhecido historiador inglês Arnold Toynbee, afirmou que cada civilização apresenta características que não são compreendidas pelas outras. É de acreditar que especialmente nesta época de globalização, mais elementos culturais regionais tiveram a oportunidade de se tornar globais, e diferentes culturas foram ainda mais enriquecidas em termos de intercâmbio e aprendizagem mútua, o que também gerou um fenómeno de subculturas, mais diversificadas e plurais. A conotação e extensão da diversidade cultural expandiram-se. Ainda que o conceito de civilização uniforme tenha dado origem à hegemonia ou colonização cultural de uma parte poderosa sobre uma débil, o mundo vai-se dando conta que a realidade histórica tem demonstrado que este conceito não é civilizado e inclusive não é cívico. É inegável que existem diferenças entre as diversas civilizações, especialmente, nesta era de globalização, a relação entre as civilizações sofreu profundos ajustes, o que gerou interacções fortes, multidimensionais e contínuas, e até mesmo colisões entre elas. O início do século XXI, com a influência cada vez menor da Guerra Fria e uma preocupação maior na luta contra o terrorismo, fez surgir a teoria do “choque de civilizações”. É de considerar que “O Choque de Civilizações” é o título da obra de Samuel Huntington, ex-professor em Harvard e um dos mais importantes pensadores políticos contemporâneos. O livro, de 1996, é o resultado de um artigo anterior, escrito contra o livro “O Fim da História e o Último Homem”, de Francis Fukuyama, professor na Universidade Stanford, e publicado na revista “Foreign Affairs”, em 1993. A tese do artigo primitivo, que o livro expande e está repleto de detalhes, é de que uma vez terminada a Guerra Fria, outras tensões geopolíticas mundiais começarão e as suas linhas de fractura serão “civilizações”. São conjuntos normativos fechados, culturas activas com memória, capazes de estabelecer uma vontade política comum. Tal vontade é baseada apenas no que é comum aos mesmos, geralmente uma visão religiosa de si e do mundo. Há, segundo Samuel Huntington, “sete ou oito” grandes civilizações, a da Europa Ocidental que inclui a América do Norte e a Austrália; os ortodoxos cristãos, os chineses japoneses, os islâmicos, os hindus e os africanos, os latino-americanos e talvez os budistas que estão no término. O Ocidente é e será por algum tempo a civilização mais poderosa. Mas cada grande área tem um país líder e a teia do poder mundial é formada por poderes de diferentes civilizações. Assim, ninguém pode impor-se aos outros. A trama de fundo em que se desenvolve a tese de Samuel Huntington é clara, pois basta conhecer a história e a demografia. As civilizações do passado foram todas permeáveis às inovações técnicas dos seus contemporâneos, mas nunca aconteceu que uma civilização sentisse a necessidade de importar inovações morais ou políticas. As “expansões” foram feitas pelas formas religiosas que são o endurecimento das fronteiras de valor. O professor Samuel Hutington acreditava que nenhuma grande religião nova ou sincrética é apreciada no futuro e cada poder central das diferentes civilizações competirá com as outras, ou então realizará com algumas alianças estratégicas, enquanto criará os seus satélites para os países menos poderosos da sua área civilizadora. O mundo é e continuará a ser multicultural e multifocal, sem que isso garanta tolerância ou paz, porque as civilizações competirão sem remédio. Os conflitos aparecerão nas “zonas de fractura” nos países onde elas se limitam, e há fronteiras mais difíceis do que outras. A partir da análise do conflito religioso plural na ex-Jugoslávia, Samuel Huntington tira a conclusão de que o Islão é a civilização mais problemática, demográfica e valiosa, embora deva ser dada atenção especial à Índia e à China, que se tornarão superpotências económicas. Todavia, a ordem fomentada pelo Ocidente, com a sua tabela de valores e Direitos Humanos, não é universal nem será; não sendo credível e os grupos civilizacionais não a atacam directamente, não porque a obedeçam ou estão em processo de fazê-lo, mas porque ainda não têm a força para o fazer e não a vivem como universal, mas como o próprio Ocidente, exógeno e baseado na força. Nenhuma civilização prevaleceu; e, embora Arnold Toynbee se tenha inquirido se o Ocidente poderia mudar, universalizando e sobrevivendo, não parece que Samuel Huntington, que em tantos pensamentos o segue, fosse tão optimista. O Ocidente tem interesses em todas as outras civilizações, mas é uma minoria demográfica cada vez menor. Acredita-se que o conflito entre as diferentes civilizações domine o mundo e que as diferenças culturais sejam as causas essenciais desses conflitos. O chamado “choque de civilizações”, de facto, é apenas um fenómeno superficial para o pensamento chinês. As suas raízes estão na procura e captura por parte de diferentes países e grupos étnicos de poder, riqueza e segurança. A causa real é de natureza socioeconómica e é o resultado irracional e injusto da ordem política do mundo. O presidente chinês afirmou de forma lapidar durante a CDAC que não deve haver conflitos entre as diferentes civilizações, mas apenas ter olhos para apreciar a beleza de todas elas. É verdade que não existe conexão directa e inevitável entre conflitos e civilizações plurais e diversificadas. Os preconceitos e mal-entendidos devido ao isolamento e à má comunicação são um terreno fértil para criar e agravar conflitos. O respeito pela diversidade cultural do mundo, a persistência nos princípios de procura de áreas comuns que marginalizem as diferenças, e promovam os intercâmbios e aprendizagem mútua, contribuirão para o conhecimento e entendimentos completos e objectivos entre as diferentes civilizações, e encorajarão a sua coexistência em harmonia e desenvolvimento. É necessário primeiro construir plataformas de intercâmbio e deslocar o seu papel, por exemplo, com a construção de mecanismos culturais bilaterais e multilaterais, a convocação de conferências regionais sobre o diálogo entre civilizações ou o apoio a organizações como a UNESCO. É de considerar que em segundo lugar, deve ser tido em conta que cada civilização tem as suas próprias vantagens. As pessoas devem manter uma mente aberta em relação a intercâmbios e diálogos, aprender com as conquistas alcançadas e promover a prosperidade e progresso comum da civilização humana. É este o sentido de trabalhar juntos para construir uma comunidade de destino compartilhado. Em um tempo como o que vivemos, de desenvolvimento e mudanças gigantescas, a coexistência harmoniosa com outras civilizações é a oportunidade de alcançar o desenvolvimento. A CDAC oferece uma nova plataforma para os países da Ásia e do mundo, para que possam dialogar, realizar intercâmbios, aprender uns com os outros e iluminar uns aos outros, e também consolidar a base de construção conjunta da comunidade de destino da Ásia e da humanidade. Aquando da abertura da CDAC, o presidente chinês rejeitou a teoria de que diferentes civilizações estão fadadas a colidir e que era tolice acreditar que a raça e a civilização de alguém é superior à de outros, sendo desastroso reformular deliberadamente ou mesmo substituir outras civilizações, tendo feito uma proposta de quatro pontos para consolidar a base cultural da construção conjunta de uma comunidade com um futuro compartilhado para a Ásia e humanidade; como tratar uns aos outros com respeito e como iguais; apreciar a excelência de todas as civilizações; aderir à abertura, inclusão e aprendizagem mútua e acompanhar os tempos. A Ásia é o berço de muitas civilizações importantes no mundo, como as civilizações indianas, mesopotâmica e chinesa. Houve intercâmbios frequentes e aprendizagem mútua entre as civilizações asiáticas ao longo da história, por exemplo, o budismo espalhou-se pela China e outras partes da Ásia. A filosofia dos antigos pensadores chineses, como Confúcio e Mencius espalhou-se pela Ásia e pelo mundo para fornecer orientação para a conduta humana e governança. A astrologia e a ciência médica dos países árabes chegaram à China através da antiga “Rota da Seda”. Os países asiáticos sempre tiveram uma base sólida na história para o diálogo e comunicação. Os intercâmbios culturais, actualmente, continuaram em vários campos, como filmes, literatura e protecção do património cultural. O primeiro filme co-produzido pela China e Cazaquistão, “The Composer”, foi estreado em 17 de Maio de 2019, durante o CDAC. O musical narra os últimos anos de 1940 a 1945 do compositor chinês Xian Xinghai, nascido em Macau e mais conhecido pela sua “Cantata do Rio Amarelo”, em Alma-Ata, a maior cidade do Cazaquistão, e Moscovo. O presidente chinês destacou a importância das trocas e aprendizagem mútua entre civilizações em várias ocasiões. Em um discurso na sede da UNESCO em Paris, em 2014, afirmou que as civilizações tornaram-se mais ricas e mais coloridas com intercâmbios e mútua aprendizagem. Tais intercâmbios e aprendizagem formam um importante impulso para o progresso humano, paz e desenvolvimento global. A CDAC foi proposta na reunião de cúpula da “Conferência sobre Interacções e Construção de Confiança na Ásia (CICA na sigla inglesa)”, em Xangai, em 2014, e novamente na “Conferência Anual do Fórum Boao para a Ásia (FBA na sigla inglesa)” que se realizou na província de Hainan no sul da China, em 2015. A exposição no “Museu Nacional de Arte da China” em Pequim, durante a CDAC teve uma interessante mistura. Havia pinturas de artistas chineses retratando outros países da Ásia, bem como paisagens chinesas e pessoas desenhadas por artistas de outros países asiáticos. O discurso do presidente chinês aquando da abertura da CADC foi muito caloroso, expressando a sua disposição de abrir os braços a todas as civilizações na Ásia e do mundo, enfatizando a necessidade de lidar com diferentes civilizações em pé de igualdade e que nenhuma delas tinha o direito de ser superior. Todas as civilizações têm as suas singularidades e a sua parte na herança humana. Ao invés do “choque de civilizações”, afirmou a necessidade de cooperação entre civilizações e de construir uma comunidade de civilizações com um futuro partilhado, invertendo a direcção de muitas ideias de progresso no mundo que levam à existência de relações de confronto entre países e civilizações. Actualmente existem duas tendências no mundo, sendo a da globalização e a da desglobalização. Os Estados Unidos estão a tentar destruir a actual ordem mundial, tendo cancelado a sua participação em vários acordos globais como o “Acordo Climático de Paris”, mas a China lidera a globalização e oferece ao mundo grandes ideias como a “Iniciativa Faixa e Rota” e um futuro compartido para a Ásia e toda a humanidade. A China está a oferecer um novo farol de esperança. O diálogo é a aspiração comum das pessoas na Ásia. A CDAC pode aumentar a consciência da civilização asiática. A Ásia tem civilizações antigas, diversas e ricas. No entanto, por muito tempo na história, a civilização ocidental dominou o mundo e a civilização asiática foi suprimida até certo ponto. A tese chinesa é uma censura poderosa para os que defendem a teoria do “choque de civilizações”. A Ásia possui mais de 60 por cento da população mundial e um terço do PIB mundial e tornou-se um importante motor para o crescimento económico global. A civilização asiática adoptará uma renovação e o CDAC será um catalisador para essa reforma.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA poluição plástica “Around 12.7 million tonnes of plastic are entering the ocean every year, killing over 1 million seabirds and 100,000 marine mammals. By 2050 there could be more plastic in the ocean than fish by weight. Plastic pollution is the environmental scourge of our age.” How to Give Up Plastic: A Guide to Changing the World, One Plastic Bottle at a Time Will McCallum [dropcap]O[/dropcap]s nossos belos oceanos estão a ser transformados em uma sopa de plástico, pois cerca de oito milhões de toneladas de plástico entram no mar todos os anos e, a continuar a este ritmo, enfrentamos um futuro com mais plástico nos oceanos do que peixes até 2050. O nosso vício pelo plástico e má gestão de resíduos está a condenar incontável número de espécies de aves e animais marinhos à morte por emaranhamento ou envenenamento e levando à contaminação química dos peixes que comemos. Os vastos redemoinhos de lixo plástico visíveis na superfície do mar por mais apavorantes que sejam representam apenas a ponta do iceberg. O que está por baixo são as massas de microesferas e partículas quebradas de plástico que são facilmente ingeridas por criaturas do mar e impossíveis de as remover. A solução urgente e necessária exige uma combinação de maior conscientização, menor uso de plástico e melhoria massiva da gestão de resíduos. O plástico envolve os nossos alimentos, casas e tecnologia. O plástico é uma substância notável que contribuiu para os avanços nos cuidados de saúde e ajudou a tirar milhões de pessoas da pobreza, mas os bens de consumo descartáveis acabam, muitas vezes depois de um único uso fugaz em aterros sanitários, conspurcando as paisagens e poluindo os oceanos, sendo que 80 por cento da poluição por plástico marinho é originária de fontes terrestres. O plástico é definitivamente a propaganda de tudo o que está errado com os oceanos, e as palhinhas de plástico são talvez o exemplo mais comovente da cultura descartável que criámos. Os americanos usam quinhentos milhões de palhinhas de plástico todos os dias, o suficiente para cobrir o mundo duas vezes e nem todas terminam nos aterros, pois enchem os canais, rios, lagos e oceanos. Os cento e noventa e dois países com costa nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, ou Mar Negro e Mediterrâneo, produziram dois mil milhões e quinhentos milhões de toneladas de resíduos e prevê-se que duzentos e setenta e cinco milhões de toneladas foram de plástico e trinta e um milhões e novecentas mil toneladas de resíduos plásticos costeiros. O consumo global de plásticos deve crescer dramaticamente, chegando a quase quatrocentos milhões de toneladas por ano até 2025. Se a taxa na qual os detritos plásticos entram no Oceano não for controlada, é possível que os oceanos possam conter um quilograma de plástico para cada três quilogramas de peixe até 2025. A gestão inadequada de resíduos é um desafio significativo no mundo em desenvolvimento, particularmente em países com populações em rápido crescimento em áreas costeiras. Os estudos revelam que cinco países (China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietname) são responsáveis por cerca de 60 por cento dos resíduos plásticos que entram no oceano. A África e a América do Sul permanecem relativamente desconhecidas em termos da sua contribuição geral para os resíduos plásticos nos oceanos. As pesquisas recentes indicam que, dada a expansão urbana projectada e o crescimento económico, a África tem o potencial de seguir o mesmo caminho que a Ásia. As pesquisas mostram que a cada minuto um camião de resíduos de plástico é despejado no mar, e que 90 por cento de todo plástico dos oceanos é proveniente de apenas dez sistemas fluviais. Os rios são as artérias do planeta e de pequenos riachos caudalosos a vastos deltas, os rios são o elo entre a atmosfera, a terra e os oceanos. Desde tempos imemoriais, as pessoas aglomeram-se perto dos rios, aproveitando a água fresca, terra fértil, ligações de transporte e os peixes abundantes. Os rios são excelentes meios transportadores de remoção do lixo. Ao analisar a quantidade de plástico transportado por diferentes rios em todo o mundo e avaliar a quantidade de lixo nas áreas circundantes, os estudos concluíram que os grandes sistemas fluviais actuam como super estradas no transporte de plástico para o mar. Os dez sistemas fluviais, estão localizados em regiões densamente povoadas, onde o lixo é comum, sendo que dois se encontram na África (Nilo e Níger), enquanto os outros oito estão na Ásia (Ganges, Indo, Amarelo, Yangtze, Haihe, Pearl, Mekong e o Amur). Se for reduzido pela metade a entrada de plástico das áreas de captação desses rios seria um grande sucesso, sendo de investigar a velocidade a que o plástico viaja da terra para o mar. Os detritos de plástico flutuando na superfície dos oceanos são responsáveis por apenas 5 por cento de todo o plástico despejado no mar; os outros 95 por cento estão submersos sob a superfície. Os detritos de plástico foram encontrados no Árctico e na Antárctida, incluindo os milhares de milhões de minúsculos pedaços de plástico, chamados microesferas, que são frequentemente adicionados a produtos como pastas de dentes, produtos de limpeza facial e abrasivos, e são suficientemente pequenos para passar facilmente pelos sistemas de filtração de água e tratamento de esgoto e poluir. A contaminação por microplásticos foi encontrada na água da torneira em países de todo o mundo, levando o pedido de cientistas para pesquisas urgentes sobre as implicações para a saúde. Os cientistas analisaram dezenas de amostras de água da torneira de mais de uma dúzia de países, sendo que 83 por cento das mesmas estavam contaminadas com fibras plásticas. Os Estados Unidos apresentaram a maior taxa de contaminação, de 94 por cento, com fibras plásticas encontradas na água da torneira amostrada em locais como os edifícios do Congresso, a sede da Agência de Protecção Ambiental e a Trump Tower em Nova Iorque. O Líbano e a Índia tiveram as taxas mais altas seguintes. Os países europeus, incluindo o Reino Unido, a Alemanha e a França, tiveram a menor taxa de contaminação, que era de 72 por cento. O número médio de fibras encontradas em cada amostra de 500ml variou de 4,8 nos Estados Unidos a 1,9 na Europa. As novas análises indicam a extensão omnipresente da contaminação por microplásticos no ambiente global. Trabalhos anteriores têm sido amplamente focados na poluição de plásticos nos oceanos, o que sugere que as pessoas estão a ingerir microplásticos através de frutos do mar contaminados. Um pequeno estudo separado na República da Irlanda, também encontrou contaminação por microplásticos em uma série de amostras de água da torneira e de poços não sendo possível saber qual o impacto na saúde, pelo que se deve seguir o princípio da precaução e descobrir o mais rápido possível os seus riscos. Assim, existem duas preocupações, o das partículas muito pequenas de plástico e os produtos químicos ou patógenos que os microplásticos podem abrigar. Se as fibras existem, é possível que as nanopartículas também se encontrem e não se possam medir, uma vez que estão na faixa nanométrica e podem penetrar em uma célula o que significa que podem invadir os órgãos o que seria preocupante. As análises capturaram partículas de mais de 2,5 mícron, duas mil e quinhentas vezes maiores que um nanómetro. Os microplásticos podem atrair bactérias encontradas no esgoto. Alguns estudos mostraram que há mais patógenos nocivos em microplásticos a jusante de estações de tratamento de águas residuais. Os microplásticos também são conhecidos por conter e absorver produtos químicos tóxicos e a pesquisa em animais selvagens mostrou que são libertados no corpo. Ficou claro desde o início, que o plástico libertaria essas substâncias químicas e que, na verdade, as condições no intestino facilitariam uma libertação rápida, facto encontrado em um terço dos peixes capturados no Reino Unido. A escala global de contaminação por microplásticos está apenas a ser esclarecida com estudos na Alemanha que descobriu fibras e fragmentos em todas as vinte e quatro marcas de cerveja testadas, bem como em mel e açúcar. Os pesquisadores, em 2015, descobriram em Paris, que o microplástico caía do ar, prevendo a existência de depósitos de três a dez toneladas de fibras na cidade cada ano, e que também estava presente no ar e nas habitações. A pesquisa determina que a ingestão de partículas de plástico é um risco para a saúde, pois ao respirar poderiam entrar substâncias químicas nas partes inferiores dos pulmões e talvez até na circulação sanguínea. Os microplásticos acabam por ser usados na água potável o que constitui um mistério, mas a atmosfera é uma fonte óbvia, com fibras libertadas pelo desgaste diário de roupas e carpetes. Os secadores de roupa são outra fonte potencial, com quase 80 por cento das habitações americanas com secadores que normalmente têm saída para o exterior. É de acreditar que os lagos e outras massas de água podem ser contaminados por elementos atmosféricos cumulativos. O que se observa em Paris tende a demonstrar que uma enorme quantidade de fibras está presente na precipitação atmosférica. As fibras plásticas também podem ser lavadas em sistemas de água, com um estudo recente a descobrir que cada ciclo de uma máquina de lavar roupa poderia libertar setecentas mil fibras para o meio ambiente. As chuvas também poderiam dispersar a poluição por microplásticos, o que poderia explicar o motivo pela qual os poços domésticos usados na Indonésia foram contaminados. O abastecimento de água, em Beirute, no Líbano, provêm de fontes naturais, mas 94 por cento das amostras estavam contaminadas. Os actuais sistemas de tratamento de água não filtram todos os microplásticos, não existindo algum local onde se possa afirmar que são capturados 100 por cento. Em termos de fibras, o diâmetro é de 10 mícron e seria muito incomum encontrar esse nível de filtragem nos sistemas de água potável. A água engarrafada pode não fornecer uma alternativa isenta de microplásticos para a água da torneira, uma vez que também foram encontradas em algumas amostras de água engarrafada comercial testada nos Estados Unidos. Quase trezentos de toneladas de plástico são produzidas a cada ano e, com apenas 20 por cento de material reciclado ou incinerado, muitas delas acabam envolvendo o ar, terra e mar. Prevê-se que oito mil milhões e trezentos milhões de toneladas de plástico foram produzidas desde a década de 1950, e que os resíduos de plástico tornaram-se omnipresentes no meio ambiente e a sufocar os ecossistemas. Os plásticos são muito úteis, mas a gestão dos resíduos deve ser drasticamente melhorado. O plástico é um bem necessário, mas o ser humano é o criador do prejuízo ao descartar da forma mais descuidada e irresponsável. Os plásticos biodegradáveis (particularmente os feitos de plantas) são promissores sob certas condições, que geralmente não são encontradas no ambiente natural, e especialmente nos oceanos sendo energeticamente intensivos, caros e têm o potencial de tornar o problema do lixo ainda pior, encorajando as pessoas a pensarem que não existe qualquer tipo de problema ao descartar recursos valiosos. Além disso, mesmo em condições ideais, a biodegradabilidade não resolve questões críticas como o entrelaçamento ou a ingestão por animais marinhos. Mesmo que a sociedade banisse todos os sacos de plástico, por exemplo, isso representaria apenas cerca de 1 por cento da produção total de plásticos. É de lembrar que existe uma consciência crescente acerca da epidemia de plástico no planeta, que levou a crescentes compromissos e acções globais para combater a poluição por plásticos marinhos, tanto a nível nacional, como internacional e por exemplo, em 2017, a ONU lançou a “Campanha Clean Seas: Turn the tide on plastic” para transformar a maré em plástico. Em Dezembro de 2017, duzentos países da Assembleia Ambiental da ONU, que é o maior órgão de decisão do mundo em termos de meio ambiente, adoptaram uma resolução pedindo que muito mais fosse feito sobre os resíduos plásticos, e alguns países afirmaram que querem que a acção conduza a um compromisso legal sob a forma de tratados. A União Europeia (UE) travou uma guerra contra os resíduos de plástico como parte do seu plano de limpeza e garantir que todas as embalagens produzidas na Europa sejam reutilizáveis ou recicláveis até 2030. Em Junho de 2018, os líderes do G7 também adoptaram a “Carta dos Plásticos nos Oceanos”. O Japão está a pressionar pela adopção de uma estrutura de acção obrigatória para combater a poluição marinha por plástico na “Cimeira do G20” que se realizará em Osaka, a 28 e 29 de Junho de 2019. É de te der em conta que um número crescente de cento e cinquenta países e cidades proibiram o uso de sacos plásticos em todos os continentes e microesferas ou que estão a planear fazer. O mundo dos negócios também está a começar a agir, como parte do “Compromisso Global da Nova Economia de Plásticos”, e as empresas que são colectivamente responsáveis por produzir 20 por cento de todas as embalagens plásticas, globalmente, comprometeram-se a erradicar os resíduos de plástico e a poluição. As limpezas do litoral estão a ser organizadas em todo o mundo e filmes de conscientização pública no “YouTube” com a denominação “Plastic Change” estão a ajudar a levar a mensagem. As consequências são muito sérias pois o plástico nos oceanos tem um impacto desproporcionalmente grande na sua vida selvagem e pequenos pedaços de plástico são ingeridos por peixes, tartarugas e aves marinhas, muitas vezes resultando na sua morte. Os animais e pássaros também podem ficar aprisionados em detritos plásticos, sofrendo sérios ferimentos e com o tempo, o material plástico não se biodegrada, mas decompõe-se em minúsculas partículas conhecidas como microplásticos, que podem ser comidos por pequenos animais marinhos e entrar na cadeia alimentar. Os microplásticos nos oceanos são comummente definidos como tendo menos de 5 mm. Os detritos de plástico contêm frequentemente produtos químicos adicionados durante o fabrico que podem absorver e concentrar contaminantes, tais como pesticidas, metais pesados e poluentes orgânicos persistentes (por exemplo, bifenilos policlorados ou PCB). Esta poluição é extremamente difícil de remover do meio ambiente. Um crescente corpo de pesquisa científica e de evidências, sugere que essas substâncias nocivas podem ser transferidas para o tecido de espécies aquáticas, como peixes que são consumidos. Torna-se necessário assumir que a maré de plásticos que entram nos oceanos exigirá uma combinação de abordagens, incluindo, a mais importante, que é reduzir e limitar a quantidade de plástico que usamos, melhorando a recolha, infra-estrutura e gestão de resíduos, e expandindo a reciclagem, particularmente nos países onde a maior parte do lixo de plástico é criada. Deve-se fazer a transição de uma economia linear (fazer, usar, descartar) para uma economia circular em que os recursos, como os plásticos, são usados, recuperados e reutilizados vários vezes, ao invés de irem directamente para o aterro. A forma mais eficaz de ter menos plástico nos oceanos é usar menos plástico. A acção corporativa é importante pois é necessário reduzir urgentemente o plástico de uso único e, embora o apoio das empresas a iniciativas que ajudam a reciclar e limpar plásticos seja importante, a solução é introduzir com urgência embalagens alternativas e sustentáveis. A liderança dos governos é fundamental, pois mais esforços são necessários para assumir a liderança na política ambiental e para cooperar no combate a este flagelo global. A acção é necessária actualmente, não daqui a dez anos. Uma medida imediata e necessária é a redução de barreiras ao financiamento de uma melhor gestão de resíduos, particularmente na China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietname. A responsabilidade pessoal é de ter em conta, pois todos nós precisamos de limitar significativamente o uso do plástico. Por exemplo, podemos levar uma garrafa de água ou copo de café reutilizável, trazer a nossa sacola de pão ou outra reutilizável nas compras, reduzir drasticamente o nosso consumo de plástico de uso único, como alimentos contidos em embalagens plásticas ou palhinhas de plástico nas bebidas “take-away”, e certificar de que são recicladas sempre. A educação e conscientização pública são essenciais pois alguns governos incorporaram a educação sobre plásticos, gestão de resíduos e reciclagem nos seus currículos escolares. Esta é uma estratégia útil e os esforços de educação pública devem ser alargados, mas precisam de ir mais longe e rápido para incentivar as empresas a mudar e adoptar políticas de aquisição que reduzam a sua pegada de plástico.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Brexit e a China “China is ready to take advantage of a divided Europe and weakened UK after Brexit.” China and Brexit: what’s in it for us? François Godement & Angela Stanzel [dropcap]O[/dropcap] polémico político, académico, escritor e poeta britânico, John Enoch Powell, que foi deputado pelo Partido Conservador do Reino Unido de 1950 a 1974, do Partido Unionista do Ulster de 1974 a 1987, e ministro da Saúde do Reino Unido de 1960 a 1963, afirmou que todas as carreiras políticas na Grã-Bretanha terminam em lágrimas. A primeira-ministra demissionária Theresa May, não falhou à regra e as suas palavras mostraram essa verdade não apenas figurativamente, mas literalmente. A primeira-ministra demissionária anunciou em 24 de Maio de 2019 que deixaria o cargo a 7 de Junho de 2019, e viu-se o seu rosto consumido de emoção e lágrimas nos seus olhos. Foi um balde de água fria para terminar um período caótico e, para muitos, inglório. A primeira-ministra demissionária foi derrotada quando sucedeu a David Cameron em 2016, mas jogou de forma notavelmente funesta. Os seus quase três anos no cargo foram consumidos pela questão do Brexit. Apesar disso, deixa ao seu sucessor a questão de como será alcançado. Theresa May cometeu sérios erros estratégicos ao tentar cumprir o resultado do referendo de Junho de 2016 para o Reino Unido sair da União Europeia (UE). A primeira-ministra demissionária tinha um mandato para começar as negociações infames, mas ninguém sabia exactamente qual o caminho a percorrer. A primeira-ministra demissionária descobriu que havia uma enorme gama de opções, e nenhuma delas teve amplo apoio público. Theresa May provou ser uma vendedora pobre para uma forma de Brexit que todos poderiam, até certo ponto, aceitar. Quando Theresa May se tornou primeira-ministra, sem oposição, no verão de 2016, mesmo os que haviam votado para permanecer na UE estavam dispostos a admitir a contragosto, que o enorme exercício democrático havia produzido um resultado que precisava de ser implementado. Naqueles primeiros meses, Theresa May teve a oportunidade de persuadir, e fazer o que os políticos deveriam ter feito, que era promover um resultado político específico através de uma boa comunicação e convicção. O movimento inicial de Theresa May, no entanto, como um eleitor remanescente foi tentar provar ao seu partido que era uma verdadeira convertida à causa do Brexit. Os seus comentários tipo linha dura na conferência do Partido Conservador, no Outono de 2016, foram o “Brexit significa Brexit” e não poderia haver compromissos, sendo o primeiro aviso de que seria uma refém da fortuna. Os eventos deveriam desdobrar-se com uma inevitabilidade trágica quase grega depois disso. Primeiro foi a decisão de accionar o desprezível artigo 50 do Tratado de Lisboa de 2009 que, muito brevemente, estabelece o mecanismo pelo qual os Estados-membros da UE podem sair. A única estipulação é que o processo levaria dois anos, sem detalhes sobre como exactamente seria alcançado. Antes de ter um plano de batalha claro, e em grande parte pressionado pela linha dura do seu partido, Theresa May accionou o artigo 50 em Março de 2017. A partir desse momento, perdeu o controlo de uma das poucas alavancas que tinha, que era o tempo. O seu segundo erro foi subestimar a complexidade da questão da fronteira com a Irlanda do Norte. A Irlanda do Norte, consumida por conflitos sectários durante boa parte de 1969 e anos seguintes, teve o Acordo de Sexta-Feira Santa de 1998, que consolidou uma paz sustentável. Mas dependia de não haver uma fronteira rígida entre a Irlanda do Norte, que permanecia sob domínio britânico, e a República da Irlanda, no sul. O desejo de se separar completamente do mercado comum e da união alfandegária da UE, fizeram os negociadores de Theresa May enfrentar o problema intratável da necessidade de uma fronteira rígida com os controlos alfandegários na Irlanda, ou não ter, mas conseguir algum tipo de adesão ao mercado da UE. Tratava-se de um mecanismo para lidar com tal facto e que se comprometeu com uma fronteira suave, mas em um período de tempo indefinido, sendo um dos muitos aspectos do acordo final que conseguiu negociar com a UE e apresentar ao parlamento no final de 2018. A rejeição pela maior votação de sempre significaria o fim da maioria dos líderes. Mas tão extraordinários foram os tempos em que foi primeira-ministra, tendo efectivamente sido capaz de fazer o mesmo acordo perante a Câmara dos Comuns, o principal órgão legislativo, mais duas vezes. A sua queda final foi devido a uma nova tentativa de tentar aprovar esse acordo, o que tornou inaceitável até para os seus defensores mais fiéis. Apesar do Reino Unido ser uma sociedade dividida, Theresa May demonstrou uma incrível resiliência diante de um parlamento e de um partido muitas vezes em guerra consigo mesmo, com profundas divisões que pareciam piorar em vez de melhorar. O Partido Conservador está dividido desde há muitas décadas entre os que apoiam a UE e os seus membros, e os que consideram uma afronta à soberania por um super-estado liderado por Bruxelas, ao estilo continental, na esperança de reduzir o Reino Unido à servidão. Por um lado, o ónus está no pragmatismo, olhando para os benefícios económicos que a adesão à UE dá e por outro, no entanto, na identidade que é importante. Tais divisões são reflectidas na sociedade em geral. E com efeito, enfrentam-se em dois grupos que simplesmente não falam a mesma língua. Não admira que tenha sido difícil para Theresa May chegar a negociar um compromisso. A sua posição mudou durante o breve período da sua liderança, quando reconheceu os enormes desafios enfrentados pelo Reino Unido no modelo de saída. Longe de se fragmentar, o resto da UE permaneceu consistente no seu conjunto de desafios, dando a Theresa May pouco espaço para negociação. Theresa May não foi ajudada pelos independentes, e muitas vezes com a liderança inútil nos Estados Unidos após 2017 e a chegada do presidente Donald Trump ao poder. As grandes declarações do presidente Trump aconselhando-a de que só necessitava de sair da UE sem medo das consequências não eram os sentimentos da maioria do povo britânico, que mostrou que se importava com a sua prosperidade económica no futuro e a ameaça não é um acordo. Para outros, a sua crença sincera era de que havia oportunidades fora do mercado que a UE oferecia, mas a partir de meados de 2019, estes parecem esquivos. A saída de Theresa May deixará o Brexit mais próximo de uma solução do que há quase três anos. O seu sucessor precisará de encontrar o consenso que não conseguiu, ou lidar com a implementação de algo que não seja tão propenso a antagonizar e irritar quantas pessoas desejar. Ainda pior, há toda a possibilidade de que o resultado final desaponte todo o mundo. Trata-se de uma sucessão espinhosa, mas que fez sair Theresa May no momento certo. Há claramente um enorme acerto de contas para os políticos que são vistos como incompetentes e movidos pelo interesse próprio e não pelo bem da nação. É de considerar no entanto, que a mais profunda raiva talvez seja para aqueles cujas promessas, argumentos e declarações, dados com tanta confiança nos últimos anos, sobre como é fácil deixar a UE e como as negociações acabarão por terminar terão um enorme impacto. Se o Brexit for forçado a não negociar, e houver consequências económicas negativas imediatas, então a era de Theresa May poderá ser vista com alguma nostalgia e, ao contrário de alguns dos seus antecessores, como Tony Blair e David Cameron, pelo menos desfrutará de alguma simpatia, como uma pessoa que tentou fazer o melhor possível em circunstâncias impossíveis. Tal indulgência caritativa quase certamente não será concedida ao seu sucessor e há todas as possibilidades de que o Partido Conservador, depois de três séculos como uma força política no Reino Unido, possa ser consignado ao estatuto de partido minoritário, ou mesmo ao completo esquecimento. Se o sucessor de Theresa May falhar em um Brexit suave, pode significar o fim do Partido Conservador britânico. A Grã-Bretanha sofrerá pesadas perdas económicas com a iminente saída, já que está economicamente e altamente integrada na UE. Embora possa procurar mercados alternativos, o custo será alto e não será realizado imediatamente, sendo que uma das vantagens notáveis da Grã-Bretanha é o estatuto de Londres como centro financeiro internacional. Mas a saída da UE pode diminuir o papel do país nas finanças globais e é provável que afaste os investidores estrangeiros. O Citigroup estimou que o PIB anual da Grã-Bretanha pode diminuir entre 3 a 4 por cento nos próximos três anos devido à saída. O relacionamento da Grã-Bretanha com o resto do mundo também será afectado. Tem de recuperar de alguma forma a voz única e ressonante nos assuntos mundiais, uma vez rompidos os laços com a UE. No que diz respeito aos assuntos europeus, pelo contrário, a Grã-Bretanha terá menos direitos a participar na tomada de decisões no futuro. Os Estados Unidos também perdem um canal para exercer influência na UE por meio da sua estreita parceria com a Grã-Bretanha. A “relação especial” entre os dois países mudará de maneira subtil. A divisão política na sociedade britânica ampliou-se após o referendo. Os eleitores do “Pro-Leave” derrotaram os que apoiaram a campanha do “Remain” por menos de 4 por cento ou seja um milhão e duzentos mil eleitores. Além disso, muitos cidadãos podem enfrentar incertezas quanto à sua vida, emprego e rendimento devido ao referendo, agravando ainda mais os “remanescentes”. O primeiro-ministro escocês afirmou que um segundo referendo sobre a independência da Escócia era “altamente provável”. A Escócia, Irlanda do Norte e Londres são três áreas em que a maioria dos eleitores apoiou a campanha “Remain”. A ameaça à unidade nacional da Grã-Bretanha está a crescer. O Brexit é também um duro golpe para a UE e uma grande conquista da integração regional que os europeus fizeram nas últimas décadas. Dentro da UE, há livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capital, o que muitas vezes é considerado o ápice dos esforços para alcançar a unidade humana no mundo. No entanto, o eurocepticismo tem vindo a aumentar no continente ao longo dos últimos anos. Depois do referendo sobre a adesão da Grã-Bretanha à UE, as pessoas temem que mais Estados-membros sigam o exemplo, embora essa reacção em cadeia pareça improvável, o processo de integração europeia sofreu um revés significativo. Actualmente, tanto a economia europeia como a mundial permanecem frágeis, com o Brexit apenas a aumentar a incerteza global e como uma das maiores economias do mundo, o impacto da Grã-Bretanha permanece perceptível. No dia em que o resultado foi anunciado, a libra esterlina caiu, resultando em flutuações cambiais internacionais e vendas de acções recorde. A China mantém estreitos laços económicos com a Grã-Bretanha e a UE, pelo que o Brexit inevitavelmente terá alguma influência nas relações China-Reino Unido. Se o Reino Unido deixar de fazer parte do mercado único da Europa, deve reforçar os laços comerciais com outras regiões. Nesse contexto, o fortalecimento das relações chinesas seria uma opção lucrativa para a Grã-Bretanha, especialmente se o comércio britânico se desviar significativamente da UE. Além disso, a Grã-Bretanha estaria livre para acordar com a China sobre livre comércio e investimentos bilaterais sem as restrições impostas pelas leis da UE. De acordo com o Tratado de Lisboa, os membros da UE não estão autorizados a firmar acordos de livre comércio ou acordos bilaterais de investimento com terceiros. Todavia, a China perderia a Grã-Bretanha como uma porta de entrada para aceder ao mercado da UE e promover o uso do renminbi na Europa. Além disso, a Grã-Bretanha poderia ser menos atraente para o investimento estrangeiro depois de sair da UE, mas não perderia a sua vantagem competitiva nas indústrias. O investimento directo da China na Grã-Bretanha pode ser influenciado negativamente, mas não deve cair drasticamente. É bastante simples a China interpretar a estratégia da Grã-Bretanha. O Reino Unido pode parecer um local de investimento muito mais aberto para as empresas da China, ainda que desvinculado dos mercados europeus e, muito menos atraente como uma possível porta de entrada para o continente. Além disso, a influência internacional do sector de serviços financeiros de Londres deve ser significativamente reduzida pela perda dos chamados direitos de passaporte, e isso tem o potencial de afectar a ambição da cidade de assumir um papel de liderança na internacionalização da moeda chinesa. Para os cidadãos chineses que desejam estudar ou trabalhar no Reino Unido, a situação mudará. A Grã-Bretanha removida da Europa poderia oferecer mais oportunidades, ou poderia ser menos atraente; sendo menos internacional e mais paroquial. Tendo-se tornado mais isolado diplomaticamente, o Reino Unido será visto no pensamento político chinês como um actor muito menor e menos importante. Infelizmente, essa atitude em particular e o que conduzirá não foi tida em consideração por muitos eleitores britânicos em 23 de Junho de 2016 e se contentarem em viver com as consequências, teremos que esperar e ver, independentemente da situação. Os ingleses defendem que a Grã-Bretanha e a China devem aproveitar oportunidades excepcionais para forjar uma parceria global mais próxima na era pós-Brexit. Os dois países poderiam aumentar ainda mais a sua cooperação nos campos do comércio, investimento, energia limpa e outros, enfrentando desafios globais. A Grã-Bretanha está disposta a renovar o seu entusiasmo pelas relações internacionais, especialmente com a China. O Reino Unido no mundo depois do Brexit, continuará a negociar com a UE e para muitas empresas chinesas e investidores que estão sediados na Grã-Bretanha, ainda é um bom local para fazer parte da Europa. O relacionamento da Grã-Bretanha com a China é um bom exemplo do seu internacionalismo, que entrou em uma nova fase na “era de ouro” e na sua estratégia industrial recém-lançada, tendo o governo britânico identificado a transição energética como um dos principais desafios globais e a melhor solução para os solucionar é quando os países podem trabalhar juntos, sendo de recordar que ambos construíram uma base sólida de cooperação nessa matéria. O projecto Hinkley Point C não é apenas o maior investimento em energia do Reino Unido, mas também o maior projecto de investimento em infra-estrutura na Europa, sendo um bom exemplo de como a cooperação em energia limpa pode funcionar como um pilar da parceria internacional. O projecto de dezoito mil milhões de dólares, com um terço do investimento feito pela China, foi descrito como a primeira nova central nuclear da Grã-Bretanha em uma geração. Através do Acordo de Paris, tanto a Grã-Bretanha quanto a China assumiram compromissos muito significativos sobre as alterações climáticas e um dos desafios é ter certeza de que a Grã-Bretanha pode cumprir os seus compromissos a um custo acessível. O propósito da Grã-Bretanha participar no Diálogo Europeu de Energia é o de procurar oportunidades para a cooperação de energia renovável em uma ampla gama, incluindo a energia eólica offshore, pois estabeleceu uma posição de liderança neste campo, e o custo de energia foi efectivamente reduzido com a aplicação da tecnologia eólica offshore, esperando que a energia limpa seja acessível tanto para os consumidores quanto para as empresas, tendo a ambição de reduzir o custo da energia. A Grã-Bretanha está também interessada na iniciativa Made in China 2025, pois o mundo testemunhou mudanças maciças e empolgantes que ocorrem onde grandes revoluções tecnológicas têm vindo a transformar quase todos os sectores da economia, assim como a vida das pessoas. A China e o Reino Unido têm visões idênticas sobre as tendências globais, como o envelhecimento da população, e ambos elaboraram planos de acção para desenvolver a inteligência artificial, análise de dados e outros sectores para abraçar mudanças tecnológicas e construir forças económicas. Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO fim da vida “I will respect the privacy of my patients, for their problems are not disclosed to me that the world may know. Most especially must I tread with care in matters of life and death. If it is given me to save a life, all thanks. But it may also be within my power to take a life; this awesome responsibility must be faced with great humbleness and awareness of my own frailty. Above all, I must not play at God.” Hippocratic Oath-Modern Version [dropcap]A[/dropcap] população mundial está a envelhecer e a capacidade de manter as pessoas desesperadamente doentes é cada vez maior. É um dever ajudar as pessoas que querem pôr termo à vida? Em caso afirmativo, deveriam ser apenas os pacientes terminais ou incluir aqueles que sofrem de doenças psiquiátricas, como no mediático caso de Aurelia Brouwers, a holandesa de vinte e nove anos que se encontrava tão infeliz que descreveu o seu sofrimento mental como “insuportável” e bebeu veneno fornecido por um médico, e se deitou para morrer, em 26 de Janeiro de 2018. A eutanásia e o suicídio assistido por médico são legais na Holanda, e daí que a sua morte foi sancionada pelo Estado. A paciente não era uma doente em fase terminal, mas foi autorizada a acabar com a vida devido à sua doença psiquiátrica, bebendo legalmente veneno letal. O Parlamento holandês considerou que se devia criar uma lei que permitisse aos médicos ajudar os pacientes a morrer em determinadas circunstâncias. A sua história é exclusivamente holandesa. A eutanásia é contrária à lei na maioria dos países, mas na Holanda é permitida, se um médico concordar, o sofrimento de um paciente for insuportável sem perspectiva de recuperação e se não houver alternativa razoável para a sua situação. Tais critérios podem ser mais simples de aplicar no caso de alguém com um diagnóstico terminal de cancro intratável e que sente muitas dores. A grande maioria das cerca de seis mil e seiscentas mortes por eutanásia na Holanda em 2017 são referentes a casos de pessoas com uma doença física, mas oitenta e três foram ajudadas a morrer por motivos de alto sofrimento psiquiátrico e cujas condições não eram necessariamente terminais. Os médicos de Aurelia não apoiaram os seus pedidos de eutanásia o que a levou a inscrever-se numa “Clínica de Fim de Vida”, em Haia que é o local de último recurso para aqueles cujas candidaturas foram rejeitadas pelo seu psiquiatra ou médico de família. A clínica supervisionou sessenta e cinco das oitenta e três mortes aprovadas na Holanda por motivos psiquiátricos, embora apenas cerca de 10 por cento dos pedidos psiquiátricos são aprovados, e o processo pode levar anos. A “Clínica de Fim de Vida”, só oferece eutanásia ou suicídio assistido a pessoas cujo pedido de morte assistida foi negado pela primeira vez pelo seu médico. A clínica não é um hospital ou um hospício, mas uma fundação com equipas de médicos e enfermeiros que trabalham separadamente e visitam os pacientes em casa. A clínica primeiro analisa o pedido, para determinar se cumpre os estritos critérios da lei holandesa de eutanásia e em caso afirmativo, uma das equipas conversa com o paciente por diversas vezes para investigar por completo o pedido. O historial clínico é pesquisado e os médicos envolvidos na situação são consultados. Se todos os critérios forem observados, o paciente pode morrer em casa, na presença de familiares e amigos. A cínica foi fundada em 2012, com base na lei da eutanásia e o direito holandês de morrer na sociedade. Ainda que qualquer paciente possa pedir à clínica a morte assistida, tem como objectivo principal os pacientes cujos pedidos de morte assistida são mais complexos e muitas vezes negados pelos seus médicos, ou seja, pacientes psiquiátricos, pessoas com demência ou que sofrem com doenças não fatais. A lei holandesa da eutanásia determina que apenas os pacientes que têm um sofrimento insuportável, sem perspectiva de melhoria, podem ser elegíveis para a eutanásia. A lei não contempla a distinção entre sofrimento físico ou psicológico. Os pacientes devem ser persistentes na decisão de solicitar a morte assistida e devem entender as consequências do seu pedido. O médico deve estar convencido de que não existe outra solução razoável para pôr termo ao sofrimento. Mas a lucidez significa que alguém tem a capacidade mental de escolher a morte em detrimento da vida? De acordo com a lei holandesa, um médico deve encontrar-se seguro do pedido de eutanásia do paciente, “voluntário e bem examinado”. Será que um doente psiquiátrico é idóneo para tomar a decisão? O desejo de morte poderá ser um sintoma da sua doença psiquiátrica? O facto de que se pode racionalizar sobre essa situação não significa que não seja um sinal da doença. Os psiquiatras devem tudo fazer para ajudar os pacientes a diminuir os sintomas da sua patologia e em transtornos de personalidade, um desejo de morte não é incomum. Se isso é consistente, e tiveram os seus tratamentos de transtorno de personalidade, significa que o desejo de morte é o mesmo que em um paciente com cancro que diz que não quer ir até à fase terminal? Os psiquiatras nunca devem conspirar com os pacientes que alegam que querem morrer, pois é possível não ser contaminado pela falta de esperança. Os pacientes perdem a esperança, mas os médicos podem ficar do seu lado e dar-lhes esperança. A morte da holandesa tem provocado um enorme debate a nível mundial e particularmente nos Países Baixos, pois ninguém sugeriu que era ilegal, embora os críticos tenham inquirido se era o tipo de caso para o qual a legislação permitia a eutanásia. As opiniões dividem-se sobre se havia uma alternativa aceitável, sendo que alguns argumentam de quando as pessoas solicitam a eutanásia por motivos psiquiátricos, em alguns casos suicidam-se, se não a recebem e que devem ser consideradas com doenças terminais. Alguns médicos afirmam que sabiam que os pacientes iriam cometer suicídio e não os podiam ajudar, pelo que a eutanásia como alternativa os deixava mais tranquilos por que existe uma lei que a permite e os que cometerão suicídio são terminais e não os querem abandonar pelo facto de não poderem continuar a viver nessa situação. Há outros médicos que discordam, pois sempre trabalharam com pacientes suicidas e nenhum foi terminal, que tiveram pacientes que cometeram suicídio, mas na verdade não eram casos para prever tal desfecho. O desconforto em torno da eutanásia para pacientes psiquiátricos tem a ver com a preocupação de que todas as opções podem não ter sido exploradas. Na clínica holandesa mais de metade daqueles que vão à procura da eutanásia por motivos psiquiátricos são rejeitados porque não tentaram todos os tratamentos disponíveis. A eutanásia e o suicídio assistido por médico referem-se a acções deliberadas tomadas com a intenção de terminar uma vida, a fim de aliviar o sofrimento persistente. Na maioria dos países, a eutanásia é contrária à lei e pode ser decretada uma sentença de prisão, sendo que nos Estados Unidos a lei varia entre os Estados. As definições de eutanásia e suicídio assistido variam. A distinção útil é de que a eutanásia é a acção que permite a um médico, por lei, acabar com a vida de uma pessoa por meios indolores, desde que o paciente e a sua família concordem, enquanto o suicídio assistido é a acção pela qual um médico ajuda um paciente a cometer suicídio se solicitar. A eutanásia também pode ser classificada como voluntária ou involuntária. É voluntária quando é conduzida com consentimento. A eutanásia voluntária é actualmente legal na Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Suíça e nos Estados de Oregon e Washington nos Estados Unidos. É não voluntário quando é conduzida em uma pessoa que é incapaz de consentir devido às suas condições de saúde e neste cenário, a decisão é tomada por outra pessoa, em nome do paciente, com base na sua qualidade de vida e sofrimento. É involuntária quando é realizada em uma pessoa que seria capaz de dar consentimento mas não porque deseje a morte ou porque não a solicitou, e é considerado como homicídio, pois muitas das vezes é contra a vontade dos pacientes. A eutanásia tem sido um tema controverso e emotivo. Existem duas classificações processuais de eutanásia, a passiva quando os tratamentos que sustentam a vida são retidos. As definições não são precisas. Se um médico prescreve doses crescentes de medicamentos analgésicos fortes, como opióides, pode eventualmente ser tóxico para o paciente e alguns argumentam que se trata de eutanásia passiva e outros, no entanto, dizem que não é eutanásia, porque não há intenção de tirar a vida. A eutanásia activa é quando alguém usa substâncias ou forças letais para acabar com a vida de um paciente, seja pelo próprio ou por outra pessoa. A eutanásia activa é a mais controversa, e envolve argumentos religiosos, morais, éticos e compassivos. O suicídio assistido tem várias interpretações e definições diferentes sendo um o que é de forma intencional ajudando uma pessoa a cometer suicídio, fornecendo medicamentos para auto-administração, a pedido voluntário e idóneo da pessoa. Algumas definições incluem as palavras “para aliviar o sofrimento intratável (persistente, imparável) ”. A maioria dos hospitais têm unidades de cuidados paliativos e qual o seu papel? A dor é o sinal mais visível de angústia pelo sofrimento persistente, e as pessoas com cancro e outras situações crónicas que ameaçam a vida muitas vezes recebem cuidados paliativos. Os opióides são comummente usados para controlar a dor e outros sintomas. Os efeitos adversos dos opióides incluem sonolência, náusea, vómito e constipação, podendo criar dependência e uma “overdose” pode ser fatal. É de considerar que em muitos países, incluindo os Estados Unidos, um paciente pode recusar o tratamento recomendado por um profissional de saúde, desde que tenha sido devidamente informado e se encontre com capacidade para decidir. O “Juramento de Hipócrates” é um argumento contra a eutanásia ou suicídio assistido por médico que remonta a cerca de dois mil e quinhentos anos. O juramento original incluía, as seguintes palavras: “Eu não darei uma droga mortal a quem pediu, nem farei uma sugestão nesse sentido.” O mundo mudou desde a época de Hipócrates, e muitos acham que o juramento original está desactualizado. A versão actualizada é usada em alguns países, enquanto em outros, por exemplo, no Paquistão, os médicos ainda aderem ao original. À medida que mais tratamentos se tornam disponíveis, a possibilidade de prolongar a vida, seja qual for a sua qualidade, é uma questão cada vez mais complexa. A eutanásia tem sido um tema de debate desde o início do século XIX. A primeira lei anti-eutanásia nos Estados Unidos foi aprovada no Estado de Nova Iorque, em 1828 e com o tempo, outros Estados seguiram o exemplo. O oncologista e bioeticista americano Ezekiel Jonathan Emanuel, no século passado, afirmou que a era moderna da eutanásia foi introduzida pela disponibilidade de anestesia. Em 1938, uma sociedade de eutanásia foi estabelecida nos Estados Unidos para pressionar pela legalização do suicídio assistido. O suicídio assistido por médicos tornou-se legal na Suíça em 1937, desde que o médico que termine com a vida do paciente nada tenha a lucrar. Durante a década de 1960, a defesa da abordagem do direito à morte por eutanásia cresceu. A Holanda descriminalizou o suicídio assistido por médico, reduzindo algumas restrições em 2002 e no mesmo ano o suicídio assistido por médico foi aprovado na Bélgica. É de atender que nos Estados Unidos, os comités formais de ética existem em hospitais, casas de repouso e clínicas, e as directrizes de saúde antecipadas, ou testamentos em vida, são comuns em todo o mundo. Estes tornaram-se legais na Califórnia em 1977, com outros Estados a seguir o exemplo. No testamento vital, a pessoa declara os seus desejos por cuidados médicos, caso se tornem incapazes de tomar a sua própria decisão. Em 1990, o Supremo Tribunal Federal aprovou o uso de eutanásia não activa. Em 1994, os eleitores do Oregon aprovaram a “Lei da Morte com Dignidade”, permitindo que os médicos auxiliassem os pacientes terminais que não esperavam ter mais de seis meses de vida. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos adoptou essas leis em 1997 e o Texas tornou a eutanásia não-activa legal em 1999. O célebre caso de Theresa Schiavo galvanizou a opinião pública na Florida, dado ter sofrido uma paragem cardíaca em 1990, passando quinze anos em estado vegetativo antes que o pedido do seu marido para permitir que terminasse com a vida fosse concedido. O caso envolveu várias decisões, apelações, moções, petições e audiências judiciais durante vários anos, antes da decisão de desligar o suporte vital ocorresse em 18 de Março de 2005. A Legislatura da Florida, o Congresso dos Estados Unidos e o presidente Bush desempenharam um importante papel e em 2008, 58 por cento dos eleitores do Estado de Washington escolheram a “Lei da Morte com Dignidade”, que se tornou lei em 2009. Vários argumentos são comummente citados a favor e contra a eutanásia e o suicídio assistido por médicos. Os argumentos a favor têm como base a liberdade de escolha, em que os defensores argumentam que o paciente deve ser capaz de fazer a sua própria escolha; a qualidade de vida, pois só o paciente sabe realmente como se sente e como é a dor física e emocional da doença e como a morte prolongada afecta a sua qualidade de vida; a dignidade, dado que todo o indivíduo deve poder morrer com dignidade; as testemunhas, pois os que testemunham a morte lenta de outros acreditam que a morte assistida deve ser permitida; os recursos, dado fazer mais sentido canalizar os recursos de pessoal altamente qualificado, equipamentos, leitos hospitalares e medicamentos para tratamentos que salvam vidas e para os que desejam viver, ao invés dos que não desejam; o humano, permitindo que uma pessoa com sofrimento intratável possa escolher acabar com esse padecimento, pois pode ajudar a encurtar o sofrimento dos entes queridos. Tais actos são praticados quando um animal de estimação tem sofrimento intratável, e é visto como um acto de bondade. Porque essa nobreza deve ser negada aos humanos? Os argumentos contra têm por base o papel do médico, pois os profissionais de saúde podem não estar dispostos a comprometerem a sua profissão, especialmente à luz do “Juramento de Hipócrates”; os argumentos morais e religiosos, pois várias religiões vêem a eutanásia como uma forma de homicídio e moralmente inaceitável. O suicídio também é “ilegal” em algumas religiões e moralmente, há o argumento de que a eutanásia enfraquecerá o respeito da sociedade pela santidade da vida; a capacidade do paciente, pois a eutanásia só é voluntária se o paciente for mentalmente capaz, com uma compreensão lúcida das opções e consequências disponíveis e a capacidade de expressar esse entendimento e o seu desejo de terminar com a sua própria vida. Determinar ou definir tal capacidade não é simples É ainda de considerar argumentos contra a culpa, pois os pacientes podem sentir que são um fardo para a sociedade e são psicologicamente pressionados a consentir. Os pacientes podem sentir que o fardo financeiro, emocional e mental para a sua família é demasiado grande e mesmo que os custos do tratamento sejam fornecidos pelo Estado, existe o risco de que o pessoal do hospital possa ter um incentivo económico para encorajar o consentimento à eutanásia; a doença mental, pois uma pessoa com depressão é mais propensa a pedir o suicídio assistido, o que pode complicar a decisão; a escalada escorregadia, pois existe o risco de que o suicídio assistido por um médico comece com os pacientes que estão em estado terminal e desejem morrer por causa do sofrimento intratável, mas depois comecem a incluir outros indivíduos e situações. É de considerar por último como argumentos contra a possível recuperação, pois ocasionalmente, um paciente recupera, contra todas as probabilidades. O diagnóstico pode estar errado; os cuidados paliativos, dado que os bons cuidados paliativos tornam a eutanásia desnecessária; o regulamento, pois a eutanásia não pode ser adequadamente regulada e as estatísticas, dado que as opiniões parecem estar a aumentar a favor da eutanásia e do suicídio assistido. Em 2013, pesquisadores da Universidade de Harvard publicaram resultados de uma pesquisa na qual inquiriram pessoas de setenta e quatro países acerca do suicídio assistido por médicos, tendo 65 por cento dos entrevistados discordado e onze dos países inquiridos foram a favor. Os mil e oitocentos entrevistados nos Estados Unidos representavam quarenta e nove Estados, tendo 67 por cento votado contra, sendo que em dezoito Estados, a maioria era a favor do suicídio assistido por médico. A pesquisa realizada pela “Gallup” em 2017, revelou que 73 por cento dos inquiridos eram a favor da eutanásia e 67 por cento eram a favor do suicídio assistido por médico nos Estados Unidos. A entrevista descobriu que 55 por cento dos que frequentavam uma igreja semanalmente eram a favor de que um médico pusesse fim à vida de um paciente que está com doença terminal, em comparação com 87 por cento dos que não frequentavam regularmente a igreja. A pesquisa descobriu ainda que se trata de uma questão política também, pois nove entre dez liberais são a favor, em comparação com 79 por cento dos moderados e 60 por cento dos conservadores. Os países onde a eutanásia ou o suicídio assistido são legais, são responsáveis por um total de entre 0,3 e 4,6 por cento das mortes, mais de 70 por cento das quais relacionadas com o cancro. Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA segurança do paciente e os erros médicos “All men make mistakes, but a good man yields when he knows his course is wrong, and repairs the evil. The only crime is pride.” Sophocles, Antigone” [dropcap]É[/dropcap] impossível contabilizar os milhares de pessoas que são mortas a cada ano por erros médicos, mas para ter apenas uma ideia são de centenas de milhares nos Estados Unidos e dezenas de milhares no Reino Unido, sendo conjuntamente com as doenças cardíacas e cancro, uma das principais causas de morte. Muito mais pessoas sofrem danos de forma não fatal por erros, e o custo dos pagamentos por negligência clínica nos países onde existe alguma estatística, é de muitos milhares de milhões de euros. É necessário entender que reduzir o custo humano e financeiro dos erros médicos é uma prioridade ética. O mediático caso de Bawa-Garba, que se refere a Jack Adcock , uma criança de seis anos, que foi internada na “Leicester Royal Infirmary (LRI)”, unidade pertencente ao “Serviço Nacional de Saúde (NHS)” britânico, em 18 de Fevereiro de 2011 e que morreu no mesmo dia, em parte devido a erros no seu tratamento. A Dra. Hadiza Bawa-Garba, indiana, médica que o tratou e a enfermeira portuguesa, Isabel Amaro, foram posteriormente declaradas culpadas de homicídio culposo por negligência grave no qual a médica contribuiu para a morte por septicemia, tendo sido destacado durante o julgamento a necessidade de abordar questões individuais e sistémicas para reduzir os erros. A Dra. Bawa-Garba, foi condenada a dois anos de prisão a 4 de Novembro de 2015, e a enfermeira Isabel Amaro foi condenada a três anos de prisão a 2 de Novembro de 2015. Os médicos têm a obrigação ética de ser transparentes sobre os seus erros médicos, mas como será possível encorajá-los a fazer quando as consequências pessoais e profissionais da honestidade podem ser devastadoras? A realidade é que alguns erros médicos nunca são revelados aos pacientes, que são então privados de indemnização, e pouco é aprendido com os mesmos. A Universidade Johns Hopkins publicou um relatório a 3 de Maio de 2016, em que afirma que as taxas de incidência de óbitos directamente atribuíveis à assistência médica não foram reconhecidas em nenhum método padronizado de colecta de estatísticas nacionais, e analisando os dados médicos de mortalidade ao longo de um período de oito anos, os especialistas em segurança do paciente calcularam que mais de duzentas e cinquenta mil mortes por ano são devidas a erros médicos nos Estados Unidos, sendo a principal causa de morte dos “Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC na sigla inglesa)”, que pertence ao “Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos”, e que por comparativamente as doenças respiratórias, matam cerca de cento e cinquenta mil pessoas por ano. A forma do CDC colectar estatísticas nacionais de saúde não classifica os erros médicos separadamente no atestado de óbito. Os pesquisadores defendem critérios actualizados para classificar os óbitos nos atestados de óbito. As taxas de incidência de óbitos directamente atribuíveis à assistência médica não foram reconhecidas em nenhum método padronizado de recolha de estatísticas nacionais. O sistema de codificação médica foi projectado para maximizar os serviços médicos, não para recolher estatísticas nacionais de saúde, como está ser usado actualmente. Os Estados Unidos, desde 1949, adoptaram uma forma internacional que usava os códigos da “Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID na sigla inglesa) que é publicada pela “Organização Mundial de Saúde (OMS)” e que visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde. A CID fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças para calcular as causas de morte. A partir dessa época foi sub-reconhecido que os erros de diagnóstico, erros médicos e a ausência de redes de segurança poderiam resultar na morte de alguém e, daí que os erros médicos foram involuntariamente excluídos das estatísticas nacionais de saúde. Os pesquisadores alertam que a maioria dos erros médicos não se deve à prática de actos médicos intrinsecamente nefastos, e que mais que denunciar esses erros e serem resolvidos por punição ou acção legal, afirmam que a maioria dos erros representa problemas sistémicos, incluindo cuidados mal coordenados, redes de seguro fragmentadas, ausência ou subutilização de redes de segurança e outros protocolos, além da mudança injustificada nos padrões de prática médica que carecem de responsabilidade. O “Jornal de Segurança do Paciente” dos Estados Unidos, alegam que o número de mortes por erro médico chegou a quatrocentas e quarenta mil por ano. A razão para a discrepância é de que os médicos, donos de funerárias, juristas e médicos legistas raramente notam nos atestados de óbito os erros humanos e falhas do sistema envolvidos. As certidões de óbito são o que os CDC se baseiam para colocar estatísticas de mortes em todo o país. A epidemia de danos ao paciente em hospitais deve ser levada mais a sério se quiserem que reduza. Envolver totalmente os pacientes e seus defensores durante o atendimento hospitalar, procurando sistematicamente ouvir os pacientes na identificação de danos, a transparência na responsabilização por danos e a correcção intencional das causas do dano são necessárias para atingir esse objectivo. O sistema é culpado pois é entendido como erro médico a morte causada por pessoal inadequadamente qualificado, erro no julgamento ou cuidados, um defeito do sistema ou um efeito adverso evitável, incluindo falhas do computador, misturas com as doses ou tipos de medicamentos administrados aos pacientes e complicações cirúrgicas que não são diagnosticadas. É de realçar todavia que os profissionais de saúde são em geral pessoas dedicadas e atenciosas, mas são humanos e que como seres humanos cometem erros, não sendo todavia causa de exclusão da ilicitude. Existem muitos técnicos de farmácia, em vez de farmacêuticos bem treinados e instruídos, que estão a compor quase todos os medicamentos para os pacientes e muitos têm requisitos ou comprovação de competência para esses exercer essa actividade. O uso da tecnologia da informação em saúde através do uso de registos electrónicos de saúde de pacientes hospitalizados e ambulatórios é essencial. Muitos hospitais, por sua vez, procuram acompanhar o ritmo da tecnologia cada vez mais disponível para melhorar a segurança do paciente. A maioria dos consultórios médicos dos Estados Unidos mantém registos electrónicos, bem como regista conversas entre médicos, enfermeiros e os seus pacientes, a fim de garantir que haja clareza e que não ocorram erros. As complicações comuns podem ocorrer, especialmente, no atendimento médico desnecessário, e cerca de 20 por cento de todos os procedimentos médicos podem ser desnecessários. Existe também, culpa na prescrição excessiva de medicação após a cirurgia, particularmente os opiáceos. É de considerar que os médicos são encorajados pelas empresas farmacêuticas, às vezes por meio de pagamentos em dinheiro, a “promover” os seus produtos. Tendo em consideração os “Direitos do Paciente em um Sistema de Saúde Perigoso e Orientado a Lucros”, os pacientes precisam de assumir o controlo, pois deve existir um equilíbrio entre a comunidade prestadora e os pacientes. A “Carta Nacional de Direitos do Paciente Hospitalizado” nos Estados Unidos, foi criada em 2014 em que os preconiza que quanto aos “registos médicos”, os pacientes hospitalizados devem receber diariamente o seu prontuário e ser ensinado como fazer anotações nos seus registos e corrigir qualquer desinformação. Os registos médicos devem ser electrónicos e mantidos por um período longo. O “cuidado” baseado em evidências quer que o diagnóstico e o tratamento devam estar de acordo com as directrizes federais e/ou nacionais de saúde ou de acordo com as directrizes revistas por especialistas publicadas por organizações especializadas para a condição médica do paciente. Se o médico determinar que é necessário desviar-se das directrizes, deve informar o paciente que o seu cuidado se deve desviar das directrizes e fornecer uma explicação para o desvio. Os “medicamentos terapêuticos”, preconiza que nenhum paciente deve receber uma medicação para fins “off label” sem ser informado de que o medicamento prescrito não foi aprovado pela “Food and Drug Administration (FDA)” para a condição médica do paciente. A justificativa para a prescrição do medicamento “off label” e o risco associado devem ser revelados ao paciente e documentados. O paciente deve ser informado sobre como relatar os efeitos adversos de qualquer medicamento sob prescrição médica ao FDA. A “competência do médico”, quer que os pacientes tenham o direito a serem informados sobre o “status” de competência do seu médico antes de serem tratados. Este “status” deve incluir a conclusão da “Central de Material Esterilizado (CME)” estadual, o “status” de certificação do conselho, a manutenção da certificação do conselho, a reabilitação do abuso de drogas e quaisquer outros factores que afectam a competência do médico. Os “custos” requerem que os pacientes devem conhecer os custos normais do diagnóstico e tratamento que receberão antes de concordarem com um plano de diagnóstico ou plano de tratamento. O tratamento encontrado contra directrizes sem o consentimento do paciente não precisa de ser pago. Os “eventos” adversos estipula que se acaso ocorrer um evento adverso imprevisto durante o diagnóstico ou tratamento, o paciente tem direito a uma explicação completa do que aconteceu e como o hospital pretende prevenir eventos adversos semelhantes no futuro. Se o evento adverso foi causado por um erro médico, o paciente tem direito a uma compensação justa. A falsificação de registos médicos após um evento adverso constitui adulteração de evidências. O “dever” de advertir, exigindo que os pacientes devem saber a taxa de infecção do hospital e a morbidade e mortalidade associadas a procedimentos invasivos planeados. O paciente deve ser avisado de qualquer actividade de estilo de vida que ameace a sua saúde e devem receber orientação sobre a gestão dessa actividade. O “consentimento informado” exige que o paciente deve dar o seu consentimento informado para procedimentos invasivos de acordo com as directrizes publicadas pela “American Medical Association” de 1998. O medo nunca deve ser usado para obter consentimento para procedimentos invasivos. O “feedback” sobre o cuidado quer que o paciente tenha o direito, mesmo um dever, de fornecer “feedback” a uma agência independente sobre a qualidade do atendimento recebido durante a hospitalização. Este “feedback” deve ser sistematicamente tomado e disponibilizado ao público. O “direito” a um advogado mostrou que, enquanto o hospital é o local principal para integrar o atendimento de um paciente é o advogado que deve defender os interesses do paciente. Todos os pacientes do hospital devem ter o direito a um advogado. O “Patient Safety America” lista os três níveis em que os pacientes podem proteger-se. Estes incluem ser um consumidor sábio dos cuidados de saúde, exigindo cuidados de qualidade e custo-benefício para si e para aqueles que ama; participando da liderança em segurança do paciente por meio de conselhos, painéis e comissões que implementam políticas e leis; e pressionando por leis que favoreçam cuidados, transparência e prestação de contas mais seguras. É necessário obter sempre o máximo de informações que puder do seu médico, inquirindo sobre os benefícios, efeitos colaterais e desvantagens de um medicamento ou procedimento recomendado, e usando as médias sociais para saber mais sobre a própria condição do paciente, bem como sobre os medicamentos e procedimentos para os quais foram prescritos. O paciente deve sempre procurar uma segunda opinião. Se a situação o justificar ou se existirem incertezas, deve obter uma segunda opinião de outro médico, pois um bom médico aceitará a confirmação do seu diagnóstico e resistirá a qualquer tentativa de desencorajar o paciente de aprender mais ou de “tentativas de amordaçar o paciente”. Muitas vezes o sistema de saúde silencia as pessoas em torno de um problema. Porquê muitos médicos são relutantes em especular, mas alguns admitem que as respostas vão do simples ego até à perda de um paciente para outro médico em quem confiam mais. Às vezes é difícil processar todas as informações por si mesmo, pelo que se deve trazer um membro da família ou um amigo para a sua consulta, alguém que possa entender as informações e sugestões dadas e fazer perguntas. Ao ter as informações médicas literalmente na palma da mão, pode trabalhar em equipa com o médico para reduzir o risco de erros médicos. Os aplicativos de saúde podem ser simples ou complexos e, dependendo da idade e condição, pode gerir o seu bem-estar, medicamentos e muito mais. O que têm de bom o sistema de saúde americano, inglês e outros em trabalho comparativo e cooperativo deve ser estudado e aplicado com adaptações e o que acontece nos Estados Unidos e no Reino Unido é o mesmo que acontece em outros países quanto aos maus procedimentos e devem ser instituídos todos os mecanismos em defesa da segurança do paciente, pois muitas vezes, o sistema de saúde silencia as pessoas em torno de um problema, para esconder as falhas do sistema e o erro médico. O acesso do paciente a bons cuidados de saúde e de forma gratuita é um direito fundamental e universal. Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Iniciativa da Faixa e Rota motor da globalização “Billions of dollars are flowing out of China, as part of the country’s Belt and Road Initiative, to build ports, railways, roads, pipelines, and telecommunications facilities across the Eurasian land mass (the belt) and along the coast of the Indian Ocean (the road)….Rolland’s helpful survey reveals the initiative’s strategic motives, which include providing outlets for China’s excess production capacity and generating a Eurasian center of gravity as a counterweight to U.S. influence in maritime Asia.” Andrew J. Nathan, Foreign Affairs [dropcap]A[/dropcap] República Popular da China (RPC), desde 1978, entrou amplamente em uma era que veio a ser conhecida como reforma e abertura, onde observou e tentou aprender com o mundo ao seu redor. Muitas ideias diferentes foram importadas para o país ao longo deste processo. Políticos, académicos, empresários e outros chineses espalharam-se por todo o mundo engajados no que poderia ser chamado de um período de “grande aprendizagem”, trazendo de volta ideias do Japão e da Alemanha e processos tecnológicos dos Estados Unidos e da Europa, que levou a dois resultados. O primeiro, e mais óbvio e célebre é o crescimento económico que a importação de novas ideias e processos trouxe para a China com um PIB per capita de apenas algumas centenas de dólares no final da década de 1970, e que actualmente os chineses desfrutam de um PIB per capita de cerca de dez mil dólares, colocando o seu país na faixa de renda média em todo o mundo. Este período tirou muitas centenas de milhões de pessoas da pobreza, levando a uma economia que é uma importante fonte de crescimento para o resto do mundo. No entanto, por causa das características únicas da sua sociedade, cultura e composição económica, a China também transformou as ideias que adoptou e criou um novo tipo de modelo de desenvolvimento, que tem sido muito comentado e estudado pelo resto do mundo. Embora haja uma série de interpretações diferentes do modelo chinês, o facto de a China ter aprendido muito na sua trajectória de desenvolvimento nas últimas quatro décadas e estar em condições de compartilhá-las com o resto do mundo é indiscutível. É seguro dizer que estamos a viver em uma época em que esse processo está a ocorrer. A China, o aluno, está cada vez mais em posição de ser a China, o professor. O “Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB na sigla inglesa)” tem sido um veículo pelo qual a China tentou, nos últimos anos, realizar essa transformação de aluno para professor, e como um país que construiu com sucesso talvez mais infra-estrutura logística do que qualquer outro na história da humanidade, a China certamente tem a capacidade de transmitir lições a outros. Assim, apesar de todas as críticas ao AIIB quando foi lançado pela primeira vez pelo governo chinês em 2014, o seu princípio de compartilhar o entendimento e a prática única do desenvolvimento da China, e oferecê-lo a outros para a usar, é irrefutável. A “Iniciativa da Faixa e Rota (abreviadamente designada por Iniciativa) ” é a segunda e maior iteração do processo de décadas da China. O seu foco na conectividade de logística, tecnologia da informação, ligações interpessoais e finanças tem sido oferecido como um amplo marco pelo qual países na região e em outros lugares se podem engajar em uma “grande aprendizagem” similar ao que a China começou no final da década de 1970, sendo apenas e simplesmente uma interpretação da Iniciativa. É de considerar que outros países viram em termos geopolíticos muito mais crus. Mas a abertura e a ambição do conceito de “Faixa e Rota” significava que nunca seria facilmente inserido em um único quadro interpretativo e precisa de ser considerado de vários e diferentes ângulos. Apesar de alguns governos e pessoas no Ocidente evocarem argumentos de neocolonialismo ou uma armadilha da dívida para manchar a Iniciativa, em que “Faixa” alude às rotas terrestres ou à “Faixa Económica da Rota da Seda”; enquanto “Rota” reporta-se às rotas marítimas, ou à “Rota da Seda Marítima do Século XXI”. O projecto proposto pela China para o desenvolvimento comum do mundo está a ter cada vez mais adesões. O sucesso do segundo encontro de líderes mundiais para discutir o desenvolvimento da Iniciativa na capital da China, assim o demonstrou. O “Segundo Fórum da Faixa e Rota (BRF na sigla inglesa) para a Cooperação Internacional”, realizado entre 25 e 27 de Abril, que reuniu cerca de cinco mil participantes de mais de cento e cinquenta países e noventa organizações internacionais, incluindo chefes de Estado (Portugal esteve representado pelo Presidente da República) e governo e líderes da ONU (esteve presente o Secretário-geral) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O número foi muito maior do que a participação na Primeira BRF realizada em 2017. O presidente chinês Xi Jinping propôs construir a “ Faixa Económica da Rota da Seda” e a “Rota da Seda Marítima do Século XXI”, colectivamente conhecida como Iniciativa, em 2013. A Iniciativa aborda vários desafios e riscos enfrentados pela humanidade e que terá resultados de que todos ganharão, bem como desenvolvimento comum. A cooperação da Iniciativa abraça a tendência histórica da globalização económica, responde ao chamado para melhorar o sistema de governança global e atende ao desejo das pessoas por uma vida melhor e no seu sexto ano de desenvolvimento, mais e mais pessoas se familiarizaram com a mesma e percebem que precisam de se envolver no projecto. É de realçar que tornar-se parte da Iniciativa está em conformidade com os interesses de outros países participantes e é uma forma tangível de se envolver com a China, a segunda maior economia do mundo e ainda que alguns países ainda não o façam, são uma minoria. No decurso do Segundo BRF, foram assinados acordos de cooperação no valor superior a sessenta e quatro mil milhões de dólares. É de destacar que cento e vinte e seis países e vinte e nove organizações internacionais assinaram acordos com a China no âmbito da Iniciativa. A Itália e o Luxemburgo são os mais recentes signatários e durante o Segundo BRF os países da UE sinalizaram a sua disposição de participar da Iniciativa e planeiam assinar um memorando de entendimento como um grupo, o que contradiz a previsão dos pessimistas de que a Iniciativa só se transformará em uma aliança de nações em desenvolvimento. O reconhecimento europeu à Iniciativa melhorou muito, passando das interrogações ao entendimento. Os países que permanecem fora da Iniciativa podem perder uma oportunidade histórica de desenvolvimento adicional. A Iniciativa pode considerar-se com um motor de desenvolvimento em um mundo que enfrenta desafios comuns, como incertezas e instabilidade. A razão pela qual a Iniciativa está a ganhar reconhecimento mais amplo é que, além de promover o desenvolvimento dos países participantes, também contribuiu para a recuperação da economia mundial após a crise financeira global e está de acordo com os dezassete “Objectivos Globais de Desenvolvimento Sustentável” da ONU, que constam da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. Os dezassete objectivos globais são acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os locais; acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e meninas; assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e preço acessível à energia para todos; promover o crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável, pleno emprego e produtivo e trabalho decente para todos. Os objectivos são ainda construir infra-estruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; reduzir a desigualdade dentro dos países e entre si; tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e os seus impactos; conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade, promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis e fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. A cooperação de mercado de terceiros que a Iniciativa defende permite que os países desenvolvidos desempenhem um papel vital e com a participação de mais países desenvolvidos do Ocidente, o mal-entendido sobre a Iniciativa será dissipado. A alocação eficaz de recursos e a profunda integração do mercado entre países desenvolvidos e em desenvolvimento na construção de faixas e rotas criarão uma situação de que todos serão ganhadores. A Iniciativa é um plano raro de longo prazo que criou uma nova dimensão para o desenvolvimento da economia mundial. A globalização é a chave para o desenvolvimento global e, para alcançar a globalização, é indispensável a construção de infra-estrutura a vários níveis. A Iniciativa é um projecto orientado para o futuro que contribuirá para a globalização e todos podem beneficiar da melhoria e actualização da infra-estrutura. Pela sua concepção e natureza, a Iniciativa é o novo acelerador para uma maior cooperação e colaboração entre pessoas e países. A China, para os países europeus já se estabeleceu como um parceiro confiável para benefícios mútuos. A Iniciativa foi lançada para melhorar a cooperação e a conectividade e consequentemente uma estrutura de ligação composta por seis corredores, seis rotas de ligação e vários países e portos foi implementada. A África Oriental tem a sua via expressa, as Maldivas viram a sua primeira ponte entre as ilhas surgir, a Bielorrússia está produzir sedãs, e o número de comboios de transporte de mercadorias entre a China e a Europa está em ascensão, devendo ser o mais longo do mundo. O Cazaquistão está ligado ao mar. O Sudeste Asiático está a construir uma estrada de alta velocidade. A Iniciativa é uma ponte multifacetada que pode ajudar a desbloquear o potencial de circulação dos países sem acesso ao mar e permitir a entrada a mercados em todo o mundo. A Iniciativa implica a criação de um novo modelo de cooperação internacional pelo fortalecimento das estruturas existentes, bem como pela procura e implementação de novos mecanismos, com o objectivo de estimular o desenvolvimento económico dos países envolvidos. É de considerar que em um mundo actual de incerteza geopolítica, crescente desigualdade e barreiras comerciais, a Iniciativa oferece um modelo de colaboração, parceria, conectividade e prosperidade compartilhada e por exemplo o “Corredor Económico China-Paquistão” não deve ser visto como uma transacção, mas uma transformação da sociedade paquistanesa. Na promoção das relações entre países, a distância e a velocidade das viagens são muito importantes e com este esquema, mais navios passarão perto por exemplo da Malásia e dos países do Sudeste Asiático e, aumentarão o comércio entre si. Nos últimos anos, a cooperação entre a “Faixa e a Rota” expandiu-se da Eurásia para a África, Américas e Oceânia, abrindo um novo espaço para a economia mundial com resultados melhores do que o esperado. As realizações de desenvolvimento da China foram compartilhadas com outros países participantes da Iniciativa, dado que a sua enorme procura por importações e o aumento do investimento no exterior geraram enormes oportunidades de crescimento. O investimento directo estrangeiro da China em outros países que participam da Iniciativa foi superior a oitenta mil milhões de dólares. O volume total de comércio entre a China e esses países ultrapassou os seis triliões de dólares entre 2013 e 2018, período no qual mais de duzentos e quarenta e quatro mil empregos foram criados e por exemplo, no Quénia, a “Ferrovia Standard Gauge”, financiada pela China e construída entre Nairobi e Mombaça, e chamada de “projecto do século”, criou cinquenta mil empregos locais e impulsionou o crescimento económico do país em 1,5 por cento. De acordo com um estudo do Banco Mundial, a Iniciativa aumentará o PIB dos países em desenvolvimento do leste asiático e do Pacífico de 2,6 por cento para 3,9 por cento em média. O presidente chinês no Segundo BRF anunciou um pacote de propostas para promover o desenvolvimento de alta qualidade da Iniciativa, apelando à comunidade internacional a unir esforços para elaborar uma “pintura meticulosa” da Iniciativa. O princípio de ampla consulta, contribuição conjunta e benefícios compartilhados deve ser mantido, enfatizando abordagens abertas, verdes e limpas, bem como metas de alto padrão para melhorar os meios de subsistência e o desenvolvimento sustentável. Os observadores presentes afirmaram que a Iniciativa está a entrar em um novo estágio de desenvolvimento. A primeira etapa foi estabelecer o quadro, ancorar estratégias e construir parcerias com outros países participantes. O novo estágio de desenvolvimento significa implementação com passos concretos e abordagens apropriadas. É o que foi denominado de projecto para a pintura meticulosa e como os participantes têm diferentes níveis de desenvolvimento e distintos sistemas de infra-estrutura, é natural que a Iniciativa evolua em tempo para atrair diferentes interessados. As melhores organizações do mundo são as de aprendizagem que se adaptam e mudam em conformidade, assim como a melhor prática corporativa, a governança da Iniciativa deve ajustar e refinar as suas políticas e acções para atender às necessidades de mudanças nas circunstâncias. As novas propostas do presidente Xi vão dissipar as dúvidas sobre a Iniciativa. As abordagens abertas, verdes e limpas, bem como o desenvolvimento sustentável da construção da Iniciativa que foi enfatizada, ajudarão a aliviar os temores de que a mesma seja uma armadilha da dívida ou uma forma de neocolonialismo e também melhorará a transparência dos seus projectos. Pode-se considerar que a Iniciativa traduz passos positivos com uma nova estrutura de sustentabilidade da dívida e com o princípio do investimento verde para os projectos que dela constam. A sustentabilidade da dívida e a sustentabilidade verde fortalecerão a sustentabilidade da Iniciativa. Quando a Primeira BRF foi realizada, a Iniciativa ainda era uma criança em crescimento, mas “actualmente” tornou-se um adulto, o que significa que se converteu em um factor importante na economia global. Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA ideia confucionista de desenvolvimento harmonioso “China’s commercial ties with the outside world have long been symbolized by the ancient Silk Road, which began as a tortuous trading network of mountain paths and sea routes that provided a lifeline for the Chinese economy. Now the leadership in Beijing is reviving the concept with an ambitious plan to build and upgrade highways, railways, ports, and other infrastructure throughout Asia and Europe designed to enrich the economies of China and some 60 of its nearby trading partners. The so-called Belt and Road Initiative has generated enthusiasm and high hopes but also skepticism and wariness.” “China’s Belt and Road Initiative: Motives, Scope, and Challenges” – Simeon Djankov and Sean Miner [dropcap]O[/dropcap]s meios de comunicação ocidentais e os principais líderes políticos, nos últimos anos, optaram por ignorar amplamente a “Iniciativa Faixa e Rota”, que o Presidente chinês propôs em 2013. A iniciativa, consiste no “Cinturão Económico da Rota da Seda Terrestre (Belt na designação inglesa) e Marítima (Road na designação inglesa) do Século XXI”. A “Rota da Seda Terrestre (Belt na designação inglesa)”, aborda eficientemente as necessidades de infra-estrutura dos países em desenvolvimento, que o Ocidente simplesmente fingiu não existir. Mas, em um certo ponto, ocorreu à ordem ideológica, económica e política ocidental que a China não estava apenas a construir uma enorme quantidade de linhas ferroviárias, portos, pontes, centrais eléctricas e parques industriais na Ásia, África e mesmo em partes da Europa, mas que a perspectiva da redução da pobreza oferecida pela China incutiu um espírito de optimismo sem precedentes. A China impressionou o mundo ao retirar mais de setecentos milhões de pessoas da pobreza nos últimos quarenta anos (demonstrando que podia ser erradicada), construindo a melhor rede ferroviária de alta velocidade do mundo e tornando-se em uma importante nação espacial. A China decidiu oferecer a partilha dessa valiosa experiência com países que até então eram relegados a serem o que se designava por “Terceiro Mundo”. Os líderes desses países exigiram repetidamente que fossem tratados igualmente pelo Ocidente, em vez de serem simplesmente os beneficiários da ajuda ao desenvolvimento, o que, na sua maioria, desapareceria nos bolsos de uma teia infindável de gente corrupta e duvidosas organizações não-governamentais. É de lembrar que de uma forma óbvia e coordenada, muitos pensadores de ambos os lados do Atlântico, produziram longos estudos baseados em um tema previsível e citaram que a motivação para a iniciativa da “Rota da Seda Terrestre e Marítima” foi uma tentativa mal-intencionada da China de substituir o sistema baseado em regras, na verdade o imperialismo anglo-americano, pelo imperialismo chinês e atrair os países participantes à armadilha da dívida. Os mesmos pensadores também observaram que a China é construída sobre um sistema autoritário e que haveria uma competição de sistemas entre a economia liberal, aberta e social de mercado e a economia controlada pelo Estado na China. Todavia, e ironicamente, foram os mesmos críticos neoliberais que entusiasticamente acolheram a China na “Organização Mundial do Comércio (OMC)” em 2001, certos de que a China adoptaria o modelo ocidental de democracia e economia neoliberal. Tais pensadores estavam convencidos da sua superioridade política e cultural, e esses círculos pensaram que seria um desperdício de tempo precioso, prestar atenção a conceitos revolucionários, como uma comunidade com um futuro compartilhado pela humanidade, apresentada pelo Presidente Xi e outros líderes chineses, em centenas de conferências e reuniões internacionais com líderes políticos de todo o mundo. Se observarmos por meio dos seus espectáculos geopolíticos e ouvindo através dos seus auscultadores coloniais, rejeitaram completamente a concepção de que a China poderia estar a falar seriamente ao apresentar um novo modelo de relações internacionais, que colocaria o conceito da humanidade à frente do estreito interesse nacional. A realidade de que o futuro da existência depende de moldar uma nova era baseada no interesse comum da humanidade, escapou aos proponentes da antiga ordem mundial em colapso. Qualquer um que olhe para o todo da política chinesa e para o que a China alcançou em termos de alívio da pobreza só pode chegar à conclusão de que o país significa o que diz. O objectivo da política chinesa é criar um novo paradigma nas relações estratégicas, através do qual a geopolítica é superada através da cooperação de que todos ganham, e onde a política internacional deixa de ser um jogo de soma zero, mas onde a harmonia prevalece. A China, desta forma, está a operar com base na filosofia confucionista, ou seja, a ideia de que só pode haver paz se houver um desenvolvimento harmonioso de todos. Mas também cumpre os princípios do “Tratado da Paz de Vestefália”, de que toda política de paz deve ser do interesse de outros. O espírito da “Rota da Seda” também teve a adesão de um número crescente de países europeus, que assinaram documentos oficiais com a China para cooperar na “Iniciativa Faixa e Rota”, entre os quais se encontra Portugal. Os Estados-membros da União Europeia (UE) da Europa Oriental, Central e do Sul, e também cidades e regiões individuais em outras partes do continente, descobriram que é do seu interesse trabalhar com a China para construir ou modernizar a infra-estrutura existente, para a qual a política de austeridade da UE não forneceu nenhum mecanismo de financiamento. Os portos como os de Pireu, Trieste, Duisburgo, Hamburgo, Roterdão e Sines aceitaram oportunidades económicas sem precedentes para se tornarem centros para as linhas ferroviárias euro-asiáticas, que ligaram cinquenta e seis cidades chinesas com quarenta e nove cidades europeias em 2018, e estas cidades sabem que têm o potencial de se tornarem centros das rotas comerciais da “Rota da Seda Marítima” do Século XXI. Se observarmos do ponto de vista da história universal, essa crescente integração de infra-estrutura como pré-condição do desenvolvimento industrial e agrícola para todos é óbvia e orgânica, mas já enfadou as forças do velho paradigma neoliberal europeu, que preferem acusar a China de desunir a Europa, como se tal necessitasse de acontecer, ao invés de reflectir sobre os efeitos das suas próprias políticas. Ao contrário da China, não existe plano dentro da UE para minorar a pobreza. No entanto, a artilharia pesada da propaganda negra contra a China foi lançada pouco antes da visita oficial do Presidente Xi à Itália, em Março e da assinatura de um memorando de entendimento sobre a iniciativa “Iniciativa Faixa e Rota”. As falsidades e ameaças sem precedentes foram proferidas, acusando a China de tentar retirar a Itália, um país do G7 e membro fundador da UE, da zona de influência dos Estados Unidos e declarando que a Itália não teria nenhum benefício económico de tal cooperação e sofreria danos à sua imagem internacional. É óbvio que alguns círculos, que devem os seus privilégios ao sistema liberal da democracia ocidental, que aumentou a distância entre ricos e pobres além da barreira da angústia para cada vez mais pessoas, não podem superar o seu ponto de vista geopolítico. Mas há um crescente número de pessoas e instituições europeias, como o presidente do “Instituto de Pesquisas Económicas da Universidade de Munique”, e outros membros do “Grupo Consultivo Económico Europeu (EEAG na sigla inglesa)” que analisa as principais questões de política económica de preocupação comum europeia e cujo o seu objectivo é oferecer ao público e aos criadores de políticas, ideias baseadas em pesquisas e tendo em conta a variedade de perspectivas na Europa. O grupo promove a construção de pontes entre a investigação e a política, bem como entre os países europeus, que acham que o medo do investimento chinês na Europa é exagerado e que é no interesse da mesma Europa atrair mais investimentos chineses. É de acreditar que muitos empresários de nível médio na Alemanha também pensam que os países europeus devem cooperar com a “Iniciativa Faixa e Rota”. A Itália, por outro lado, tem potencial para se tornar o modelo de cooperação no âmbito da “Iniciativa Faixa e Rota”. O ex-ministro italiano da Economia e Finanças, Giulio Tremonti, citou a Itália como a porta para o coração da Europa, dizendo que poderia ser o motor da cooperação sino-europeia na industrialização do continente africano, tendo a empresa chinesa de engenharia Power China, que é um grupo de construção integrado que fornece investimento e financiamento, planeamento, construção de engenharia, fabricação de equipamentos e gestão de operações para projectos e infra-estrutura hidráulica e hidroeléctrica, e os seus principais negócios incluem energia e engenharia de construção. Além disso, mediante a autorização de ministérios e comissões nacionais relevantes, a empresa também executa funções como planeamento nacional e revisão de energia hidroeléctrica, eólica, solar e outras energias limpas e novas fontes de energia e a empresa italiana Bonifica SpA que exerce actividades de consultoria, engenharia e fornece construção de pontes e desenvolvimento de terras. A empresa foi fundada em 1961 e está sediada em Roma. A Bonifica SpA opera como uma subsidiária do Gruppo Tili e ambas as empresas assinaram um memorando de entendimento para a realização do maior programa de infra-estruturas na África, o “Transaqua Project”, que é um sistema de canal que traz água dos afluentes do rio Congo para reabastecer o Lago Chade e beneficia o desenvolvimento de muitos países vizinhos. A “Transaqua Project” é uma ideia desenvolvida pela Bonifica SpA no final de 1970 para a crise do Sahel, provocada pela seca progressiva do Lago Chade, que estava a produzir um fluxo crescente de refugiados para a Europa. A ideia surgiu com a construção de uma hidrovia que seria capaz de reabastecer o lago e, ao mesmo tempo, formar uma gigantesca infra-estrutura de transporte, energia e agricultura para a África Central. A construção de tal projecto de infra-estrutura ofereceria empregos a milhões de africanos e lançaria as bases para o desenvolvimento futuro. A ideia da “Transaqua Project” é simples e engenhosa ao mesmo tempo. É indiscutível que, a menos que o Lago Chade comece a receber uma grande transferência de água fresca, vai secar, colocando em risco a vida de mais de trinta milhões de pessoas que vivem nas suas margens e também ficou claro que essa água deveria vir da bacia do Congo, que é separada da bacia do Chade por uma cadeia de montanhas, que correm ao longo da fronteira entre o Chade e a República Centro-Africana (RCA). A bacia do Congo tem muita água. O rio Congo é o segundo maior rio do mundo, com uma vazão média de quarenta e um mil metros cúbicos por segundo, que flui sem uso para o oceano. A Bonifica SpA calculou que 3 a 4 por cento dessa água seriam o suficiente para repor o lago Chade. O problema a ser resolvido era o de levar a água directamente do rio Congo até à bacia do Chade, que deve ser transportado para cima e um canal é impensável, e bombear a água através de oleodutos é um esforço de custos gigantescos, em termos de energia e dimensões. A equipe de Bonifica SpA, apresentou uma solução brilhante, pois em vez de tirar água directamente do rio Congo, desvia dos afluentes da margem oeste em grande altitude, começando na região sul da República Democrática do Congo (RDC) e alcançando, através da gravidade, a bacia hidrográfica da RCA-Chade e aí a uma altitude de cerca de quinhentos metros, a água seria canalizada para o rio Chari, um afluente do lago Chade. Assim, desta forma, uma hidrovia de dois mil e quatrocentos quilómetros de comprimento poderia ser construída, cruzando todos os afluentes da margem oeste do rio Congo, onde barragens e reservatórios de água seriam construídos e como resultado, até cem mil milhões de metros cúbicos de água por ano poderiam ser colectados e despejados no Lago Chade. Foi calculado que metade desse montante seria suficiente para reabastecer o lago, e o restante estaria disponível para a irrigação de uma área igual ao dobro do tamanho do lago. Os reservatórios de água e as barragens construídas em cada um dos afluentes regulam os fluxos do rio, permitindo extensões agrícolas e criação de electricidade e o facto de não levar a água de uma só vez de um rio, mas em pequenas quantidades de cada afluente, não teria praticamente nenhum impacto sobre a navegabilidade e a pesca dos rios. A hidrovia seria uma infra-estrutura navegável, com cem metros de largura e dez metros de profundidade, que se estende do sul da RDC até a fronteira norte da RCA. A hidrovia seria ladeada por uma estrada de serviço (necessária para a construção) ou, eventualmente, uma ferrovia. A PowerChina comprometeu-se a financiar o estudo de viabilidade das etapas iniciais da “Transaqua Project”, para construir a infra-estrutura e afirma que abrirá um novo corredor de desenvolvimento que liga a África Ocidental e Central através da potencial transferência de cinquenta mil milhões de metros cúbicos por ano para o Lago Chade através de uma série de barragens na RDC, República do Congo e RCA; criando até quinze a vinte e cinco mil milhões de kWh de hidroelectricidade através do movimento de massa da água por gravidade; desenvolvendo uma série de áreas irrigadas para plantações, ou pecuária, em uma área de cinquenta mil a setenta mil quilómetros quadrados na zona do Sahel, no Chade, nordeste da Nigéria, norte dos Camarões e Níger e criando uma zona económica alargada, fornecendo uma nova plataforma de infra-estrutura de desenvolvimento na agricultura, indústrias, transporte e produção eléctrica, que beneficiarão até doze nações africanas. A ideia principal é de aumentar a quantidade de água no Lago Chade, melhorar as condições do fluxo de água, aliviar a pobreza dentro da bacia através de actividades sócio-económicas, para atender as necessidades energéticas das cidades e realizar uma avaliação de impacto ambiental aprofundada. A única forma realista de unificar novamente a Europa actualmente dividida será a cooperação com a China como acreditam muitos pensadores após o Brexit, com a cada vez mais afastada integração europeia da Turquia e dos restantes países dos Balcãs. Não só através da cooperação em que todos ganham e no desenvolvimento conjunto de mercados de terceiros países, mas trazendo a rica herança da cultura clássica europeia ao concerto dos países. Se os países europeus interligarem as suas tradições culturais, não precisarão de se preocupar com a China, mas ao invés terão um diálogo pela produção de um melhor bem-estar e coesão. «123456789»
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO fim da vida “I will respect the privacy of my patients, for their problems are not disclosed to me that the world may know. Most especially must I tread with care in matters of life and death. If it is given me to save a life, all thanks. But it may also be within my power to take a life; this awesome responsibility must be faced with great humbleness and awareness of my own frailty. Above all, I must not play at God.” Hippocratic Oath-Modern Version [dropcap]A[/dropcap] população mundial está a envelhecer e a capacidade de manter as pessoas desesperadamente doentes é cada vez maior. É um dever ajudar as pessoas que querem pôr termo à vida? Em caso afirmativo, deveriam ser apenas os pacientes terminais ou incluir aqueles que sofrem de doenças psiquiátricas, como no mediático caso de Aurelia Brouwers, a holandesa de vinte e nove anos que se encontrava tão infeliz que descreveu o seu sofrimento mental como “insuportável” e bebeu veneno fornecido por um médico, e se deitou para morrer, em 26 de Janeiro de 2018. A eutanásia e o suicídio assistido por médico são legais na Holanda, e daí que a sua morte foi sancionada pelo Estado. A paciente não era uma doente em fase terminal, mas foi autorizada a acabar com a vida devido à sua doença psiquiátrica, bebendo legalmente veneno letal. O Parlamento holandês considerou que se devia criar uma lei que permitisse aos médicos ajudar os pacientes a morrer em determinadas circunstâncias. A sua história é exclusivamente holandesa. A eutanásia é contrária à lei na maioria dos países, mas na Holanda é permitida, se um médico concordar, o sofrimento de um paciente for insuportável sem perspectiva de recuperação e se não houver alternativa razoável para a sua situação. Tais critérios podem ser mais simples de aplicar no caso de alguém com um diagnóstico terminal de cancro intratável e que sente muitas dores. A grande maioria das cerca de seis mil e seiscentas mortes por eutanásia na Holanda em 2017 são referentes a casos de pessoas com uma doença física, mas oitenta e três foram ajudadas a morrer por motivos de alto sofrimento psiquiátrico e cujas condições não eram necessariamente terminais. Os médicos de Aurelia não apoiaram os seus pedidos de eutanásia o que a levou a inscrever-se numa “Clínica de Fim de Vida”, em Haia que é o local de último recurso para aqueles cujas candidaturas foram rejeitadas pelo seu psiquiatra ou médico de família. A clínica supervisionou sessenta e cinco das oitenta e três mortes aprovadas na Holanda por motivos psiquiátricos, embora apenas cerca de 10 por cento dos pedidos psiquiátricos são aprovados, e o processo pode levar anos. A “Clínica de Fim de Vida”, só oferece eutanásia ou suicídio assistido a pessoas cujo pedido de morte assistida foi negado pela primeira vez pelo seu médico. A clínica não é um hospital ou um hospício, mas uma fundação com equipas de médicos e enfermeiros que trabalham separadamente e visitam os pacientes em casa. A clínica primeiro analisa o pedido, para determinar se cumpre os estritos critérios da lei holandesa de eutanásia e em caso afirmativo, uma das equipas conversa com o paciente por diversas vezes para investigar por completo o pedido. O historial clínico é pesquisado e os médicos envolvidos na situação são consultados. Se todos os critérios forem observados, o paciente pode morrer em casa, na presença de familiares e amigos. A cínica foi fundada em 2012, com base na lei da eutanásia e o direito holandês de morrer na sociedade. Ainda que qualquer paciente possa pedir à clínica a morte assistida, tem como objectivo principal os pacientes cujos pedidos de morte assistida são mais complexos e muitas vezes negados pelos seus médicos, ou seja, pacientes psiquiátricos, pessoas com demência ou que sofrem com doenças não fatais. A lei holandesa da eutanásia determina que apenas os pacientes que têm um sofrimento insuportável, sem perspectiva de melhoria, podem ser elegíveis para a eutanásia. A lei não contempla a distinção entre sofrimento físico ou psicológico. Os pacientes devem ser persistentes na decisão de solicitar a morte assistida e devem entender as consequências do seu pedido. O médico deve estar convencido de que não existe outra solução razoável para pôr termo ao sofrimento. Mas a lucidez significa que alguém tem a capacidade mental de escolher a morte em detrimento da vida? De acordo com a lei holandesa, um médico deve encontrar-se seguro do pedido de eutanásia do paciente, “voluntário e bem examinado”. Será que um doente psiquiátrico é idóneo para tomar a decisão? O desejo de morte poderá ser um sintoma da sua doença psiquiátrica? O facto de que se pode racionalizar sobre essa situação não significa que não seja um sinal da doença. Os psiquiatras devem tudo fazer para ajudar os pacientes a diminuir os sintomas da sua patologia e em transtornos de personalidade, um desejo de morte não é incomum. Se isso é consistente, e tiveram os seus tratamentos de transtorno de personalidade, significa que o desejo de morte é o mesmo que em um paciente com cancro que diz que não quer ir até à fase terminal? Os psiquiatras nunca devem conspirar com os pacientes que alegam que querem morrer, pois é possível não ser contaminado pela falta de esperança. Os pacientes perdem a esperança, mas os médicos podem ficar do seu lado e dar-lhes esperança. A morte da holandesa tem provocado um enorme debate a nível mundial e particularmente nos Países Baixos, pois ninguém sugeriu que era ilegal, embora os críticos tenham inquirido se era o tipo de caso para o qual a legislação permitia a eutanásia. As opiniões dividem-se sobre se havia uma alternativa aceitável, sendo que alguns argumentam de quando as pessoas solicitam a eutanásia por motivos psiquiátricos, em alguns casos suicidam-se, se não a recebem e que devem ser consideradas com doenças terminais. Alguns médicos afirmam que sabiam que os pacientes iriam cometer suicídio e não os podiam ajudar, pelo que a eutanásia como alternativa os deixava mais tranquilos por que existe uma lei que a permite e os que cometerão suicídio são terminais e não os querem abandonar pelo facto de não poderem continuar a viver nessa situação. Há outros médicos que discordam, pois sempre trabalharam com pacientes suicidas e nenhum foi terminal, que tiveram pacientes que cometeram suicídio, mas na verdade não eram casos para prever tal desfecho. O desconforto em torno da eutanásia para pacientes psiquiátricos tem a ver com a preocupação de que todas as opções podem não ter sido exploradas. Na clínica holandesa mais de metade daqueles que vão à procura da eutanásia por motivos psiquiátricos são rejeitados porque não tentaram todos os tratamentos disponíveis. A eutanásia e o suicídio assistido por médico referem-se a acções deliberadas tomadas com a intenção de terminar uma vida, a fim de aliviar o sofrimento persistente. Na maioria dos países, a eutanásia é contrária à lei e pode ser decretada uma sentença de prisão, sendo que nos Estados Unidos a lei varia entre os Estados. As definições de eutanásia e suicídio assistido variam. A distinção útil é de que a eutanásia é a acção que permite a um médico, por lei, acabar com a vida de uma pessoa por meios indolores, desde que o paciente e a sua família concordem, enquanto o suicídio assistido é a acção pela qual um médico ajuda um paciente a cometer suicídio se solicitar. A eutanásia também pode ser classificada como voluntária ou involuntária. É voluntária quando é conduzida com consentimento. A eutanásia voluntária é actualmente legal na Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Suíça e nos Estados de Oregon e Washington nos Estados Unidos. É não voluntário quando é conduzida em uma pessoa que é incapaz de consentir devido às suas condições de saúde e neste cenário, a decisão é tomada por outra pessoa, em nome do paciente, com base na sua qualidade de vida e sofrimento. É involuntária quando é realizada em uma pessoa que seria capaz de dar consentimento mas não porque deseje a morte ou porque não a solicitou, e é considerado como homicídio, pois muitas das vezes é contra a vontade dos pacientes. A eutanásia tem sido um tema controverso e emotivo. Existem duas classificações processuais de eutanásia, a passiva quando os tratamentos que sustentam a vida são retidos. As definições não são precisas. Se um médico prescreve doses crescentes de medicamentos analgésicos fortes, como opióides, pode eventualmente ser tóxico para o paciente e alguns argumentam que se trata de eutanásia passiva e outros, no entanto, dizem que não é eutanásia, porque não há intenção de tirar a vida. A eutanásia activa é quando alguém usa substâncias ou forças letais para acabar com a vida de um paciente, seja pelo próprio ou por outra pessoa. A eutanásia activa é a mais controversa, e envolve argumentos religiosos, morais, éticos e compassivos. O suicídio assistido tem várias interpretações e definições diferentes sendo um o que é de forma intencional ajudando uma pessoa a cometer suicídio, fornecendo medicamentos para auto-administração, a pedido voluntário e idóneo da pessoa. Algumas definições incluem as palavras “para aliviar o sofrimento intratável (persistente, imparável) ”. A maioria dos hospitais têm unidades de cuidados paliativos e qual o seu papel? A dor é o sinal mais visível de angústia pelo sofrimento persistente, e as pessoas com cancro e outras situações crónicas que ameaçam a vida muitas vezes recebem cuidados paliativos. Os opióides são comummente usados para controlar a dor e outros sintomas. Os efeitos adversos dos opióides incluem sonolência, náusea, vómito e constipação, podendo criar dependência e uma “overdose” pode ser fatal. É de considerar que em muitos países, incluindo os Estados Unidos, um paciente pode recusar o tratamento recomendado por um profissional de saúde, desde que tenha sido devidamente informado e se encontre com capacidade para decidir. O “Juramento de Hipócrates” é um argumento contra a eutanásia ou suicídio assistido por médico que remonta a cerca de dois mil e quinhentos anos. O juramento original incluía, as seguintes palavras: “Eu não darei uma droga mortal a quem pediu, nem farei uma sugestão nesse sentido.” O mundo mudou desde a época de Hipócrates, e muitos acham que o juramento original está desactualizado. A versão actualizada é usada em alguns países, enquanto em outros, por exemplo, no Paquistão, os médicos ainda aderem ao original. À medida que mais tratamentos se tornam disponíveis, a possibilidade de prolongar a vida, seja qual for a sua qualidade, é uma questão cada vez mais complexa. A eutanásia tem sido um tema de debate desde o início do século XIX. A primeira lei anti-eutanásia nos Estados Unidos foi aprovada no Estado de Nova Iorque, em 1828 e com o tempo, outros Estados seguiram o exemplo. O oncologista e bioeticista americano Ezekiel Jonathan Emanuel, no século passado, afirmou que a era moderna da eutanásia foi introduzida pela disponibilidade de anestesia. Em 1938, uma sociedade de eutanásia foi estabelecida nos Estados Unidos para pressionar pela legalização do suicídio assistido. O suicídio assistido por médicos tornou-se legal na Suíça em 1937, desde que o médico que termine com a vida do paciente nada tenha a lucrar. Durante a década de 1960, a defesa da abordagem do direito à morte por eutanásia cresceu. A Holanda descriminalizou o suicídio assistido por médico, reduzindo algumas restrições em 2002 e no mesmo ano o suicídio assistido por médico foi aprovado na Bélgica. É de atender que nos Estados Unidos, os comités formais de ética existem em hospitais, casas de repouso e clínicas, e as directrizes de saúde antecipadas, ou testamentos em vida, são comuns em todo o mundo. Estes tornaram-se legais na Califórnia em 1977, com outros Estados a seguir o exemplo. No testamento vital, a pessoa declara os seus desejos por cuidados médicos, caso se tornem incapazes de tomar a sua própria decisão. Em 1990, o Supremo Tribunal Federal aprovou o uso de eutanásia não activa. Em 1994, os eleitores do Oregon aprovaram a “Lei da Morte com Dignidade”, permitindo que os médicos auxiliassem os pacientes terminais que não esperavam ter mais de seis meses de vida. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos adoptou essas leis em 1997 e o Texas tornou a eutanásia não-activa legal em 1999. O célebre caso de Theresa Schiavo galvanizou a opinião pública na Florida, dado ter sofrido uma paragem cardíaca em 1990, passando quinze anos em estado vegetativo antes que o pedido do seu marido para permitir que terminasse com a vida fosse concedido. O caso envolveu várias decisões, apelações, moções, petições e audiências judiciais durante vários anos, antes da decisão de desligar o suporte vital ocorresse em 18 de Março de 2005. A Legislatura da Florida, o Congresso dos Estados Unidos e o presidente Bush desempenharam um importante papel e em 2008, 58 por cento dos eleitores do Estado de Washington escolheram a “Lei da Morte com Dignidade”, que se tornou lei em 2009. Vários argumentos são comummente citados a favor e contra a eutanásia e o suicídio assistido por médicos. Os argumentos a favor têm como base a liberdade de escolha, em que os defensores argumentam que o paciente deve ser capaz de fazer a sua própria escolha; a qualidade de vida, pois só o paciente sabe realmente como se sente e como é a dor física e emocional da doença e como a morte prolongada afecta a sua qualidade de vida; a dignidade, dado que todo o indivíduo deve poder morrer com dignidade; as testemunhas, pois os que testemunham a morte lenta de outros acreditam que a morte assistida deve ser permitida; os recursos, dado fazer mais sentido canalizar os recursos de pessoal altamente qualificado, equipamentos, leitos hospitalares e medicamentos para tratamentos que salvam vidas e para os que desejam viver, ao invés dos que não desejam; o humano, permitindo que uma pessoa com sofrimento intratável possa escolher acabar com esse padecimento, pois pode ajudar a encurtar o sofrimento dos entes queridos. Tais actos são praticados quando um animal de estimação tem sofrimento intratável, e é visto como um acto de bondade. Porque essa nobreza deve ser negada aos humanos? Os argumentos contra têm por base o papel do médico, pois os profissionais de saúde podem não estar dispostos a comprometerem a sua profissão, especialmente à luz do “Juramento de Hipócrates”; os argumentos morais e religiosos, pois várias religiões vêem a eutanásia como uma forma de homicídio e moralmente inaceitável. O suicídio também é “ilegal” em algumas religiões e moralmente, há o argumento de que a eutanásia enfraquecerá o respeito da sociedade pela santidade da vida; a capacidade do paciente, pois a eutanásia só é voluntária se o paciente for mentalmente capaz, com uma compreensão lúcida das opções e consequências disponíveis e a capacidade de expressar esse entendimento e o seu desejo de terminar com a sua própria vida. Determinar ou definir tal capacidade não é simples É ainda de considerar argumentos contra a culpa, pois os pacientes podem sentir que são um fardo para a sociedade e são psicologicamente pressionados a consentir. Os pacientes podem sentir que o fardo financeiro, emocional e mental para a sua família é demasiado grande e mesmo que os custos do tratamento sejam fornecidos pelo Estado, existe o risco de que o pessoal do hospital possa ter um incentivo económico para encorajar o consentimento à eutanásia; a doença mental, pois uma pessoa com depressão é mais propensa a pedir o suicídio assistido, o que pode complicar a decisão; a escalada escorregadia, pois existe o risco de que o suicídio assistido por um médico comece com os pacientes que estão em estado terminal e desejem morrer por causa do sofrimento intratável, mas depois comecem a incluir outros indivíduos e situações. É de considerar por último como argumentos contra a possível recuperação, pois ocasionalmente, um paciente recupera, contra todas as probabilidades. O diagnóstico pode estar errado; os cuidados paliativos, dado que os bons cuidados paliativos tornam a eutanásia desnecessária; o regulamento, pois a eutanásia não pode ser adequadamente regulada e as estatísticas, dado que as opiniões parecem estar a aumentar a favor da eutanásia e do suicídio assistido. Em 2013, pesquisadores da Universidade de Harvard publicaram resultados de uma pesquisa na qual inquiriram pessoas de setenta e quatro países acerca do suicídio assistido por médicos, tendo 65 por cento dos entrevistados discordado e onze dos países inquiridos foram a favor. Os mil e oitocentos entrevistados nos Estados Unidos representavam quarenta e nove Estados, tendo 67 por cento votado contra, sendo que em dezoito Estados, a maioria era a favor do suicídio assistido por médico. A pesquisa realizada pela “Gallup” em 2017, revelou que 73 por cento dos inquiridos eram a favor da eutanásia e 67 por cento eram a favor do suicídio assistido por médico nos Estados Unidos. A entrevista descobriu que 55 por cento dos que frequentavam uma igreja semanalmente eram a favor de que um médico pusesse fim à vida de um paciente que está com doença terminal, em comparação com 87 por cento dos que não frequentavam regularmente a igreja. A pesquisa descobriu ainda que se trata de uma questão política também, pois nove entre dez liberais são a favor, em comparação com 79 por cento dos moderados e 60 por cento dos conservadores. Os países onde a eutanásia ou o suicídio assistido são legais, são responsáveis por um total de entre 0,3 e 4,6 por cento das mortes, mais de 70 por cento das quais relacionadas com o cancro.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA segurança do paciente e os erros médicos “All men make mistakes, but a good man yields when he knows his course is wrong, and repairs the evil. The only crime is pride.” Sophocles, Antigone” [dropcap]É[/dropcap] impossível contabilizar os milhares de pessoas que são mortas a cada ano por erros médicos, mas para ter apenas uma ideia são de centenas de milhares nos Estados Unidos e dezenas de milhares no Reino Unido, sendo conjuntamente com as doenças cardíacas e cancro, uma das principais causas de morte. Muito mais pessoas sofrem danos de forma não fatal por erros, e o custo dos pagamentos por negligência clínica nos países onde existe alguma estatística, é de muitos milhares de milhões de euros. É necessário entender que reduzir o custo humano e financeiro dos erros médicos é uma prioridade ética. O mediático caso de Bawa-Garba, que se refere a Jack Adcock , uma criança de seis anos, que foi internada na “Leicester Royal Infirmary (LRI)”, unidade pertencente ao “Serviço Nacional de Saúde (NHS)” britânico, em 18 de Fevereiro de 2011 e que morreu no mesmo dia, em parte devido a erros no seu tratamento. A Dra. Hadiza Bawa-Garba, indiana, médica que o tratou e a enfermeira portuguesa, Isabel Amaro, foram posteriormente declaradas culpadas de homicídio culposo por negligência grave no qual a médica contribuiu para a morte por septicemia, tendo sido destacado durante o julgamento a necessidade de abordar questões individuais e sistémicas para reduzir os erros. A Dra. Bawa-Garba, foi condenada a dois anos de prisão a 4 de Novembro de 2015, e a enfermeira Isabel Amaro foi condenada a três anos de prisão a 2 de Novembro de 2015. Os médicos têm a obrigação ética de ser transparentes sobre os seus erros médicos, mas como será possível encorajá-los a fazer quando as consequências pessoais e profissionais da honestidade podem ser devastadoras? A realidade é que alguns erros médicos nunca são revelados aos pacientes, que são então privados de indemnização, e pouco é aprendido com os mesmos. A Universidade Johns Hopkins publicou um relatório a 3 de Maio de 2016, em que afirma que as taxas de incidência de óbitos directamente atribuíveis à assistência médica não foram reconhecidas em nenhum método padronizado de colecta de estatísticas nacionais, e analisando os dados médicos de mortalidade ao longo de um período de oito anos, os especialistas em segurança do paciente calcularam que mais de duzentas e cinquenta mil mortes por ano são devidas a erros médicos nos Estados Unidos, sendo a principal causa de morte dos “Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC na sigla inglesa)”, que pertence ao “Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos”, e que por comparativamente as doenças respiratórias, matam cerca de cento e cinquenta mil pessoas por ano. A forma do CDC colectar estatísticas nacionais de saúde não classifica os erros médicos separadamente no atestado de óbito. Os pesquisadores defendem critérios actualizados para classificar os óbitos nos atestados de óbito. As taxas de incidência de óbitos directamente atribuíveis à assistência médica não foram reconhecidas em nenhum método padronizado de recolha de estatísticas nacionais. O sistema de codificação médica foi projectado para maximizar os serviços médicos, não para recolher estatísticas nacionais de saúde, como está ser usado actualmente. Os Estados Unidos, desde 1949, adoptaram uma forma internacional que usava os códigos da “Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID na sigla inglesa) que é publicada pela “Organização Mundial de Saúde (OMS)” e que visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde. A CID fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças para calcular as causas de morte. A partir dessa época foi sub-reconhecido que os erros de diagnóstico, erros médicos e a ausência de redes de segurança poderiam resultar na morte de alguém e, daí que os erros médicos foram involuntariamente excluídos das estatísticas nacionais de saúde. Os pesquisadores alertam que a maioria dos erros médicos não se deve à prática de actos médicos intrinsecamente nefastos, e que mais que denunciar esses erros e serem resolvidos por punição ou acção legal, afirmam que a maioria dos erros representa problemas sistémicos, incluindo cuidados mal coordenados, redes de seguro fragmentadas, ausência ou subutilização de redes de segurança e outros protocolos, além da mudança injustificada nos padrões de prática médica que carecem de responsabilidade. O “Jornal de Segurança do Paciente” dos Estados Unidos, alegam que o número de mortes por erro médico chegou a quatrocentas e quarenta mil por ano. A razão para a discrepância é de que os médicos, donos de funerárias, juristas e médicos legistas raramente notam nos atestados de óbito os erros humanos e falhas do sistema envolvidos. As certidões de óbito são o que os CDC se baseiam para colocar estatísticas de mortes em todo o país. A epidemia de danos ao paciente em hospitais deve ser levada mais a sério se quiserem que reduza. Envolver totalmente os pacientes e seus defensores durante o atendimento hospitalar, procurando sistematicamente ouvir os pacientes na identificação de danos, a transparência na responsabilização por danos e a correcção intencional das causas do dano são necessárias para atingir esse objectivo. O sistema é culpado pois é entendido como erro médico a morte causada por pessoal inadequadamente qualificado, erro no julgamento ou cuidados, um defeito do sistema ou um efeito adverso evitável, incluindo falhas do computador, misturas com as doses ou tipos de medicamentos administrados aos pacientes e complicações cirúrgicas que não são diagnosticadas. É de realçar todavia que os profissionais de saúde são em geral pessoas dedicadas e atenciosas, mas são humanos e que como seres humanos cometem erros, não sendo todavia causa de exclusão da ilicitude. Existem muitos técnicos de farmácia, em vez de farmacêuticos bem treinados e instruídos, que estão a compor quase todos os medicamentos para os pacientes e muitos têm requisitos ou comprovação de competência para esses exercer essa actividade. O uso da tecnologia da informação em saúde através do uso de registos electrónicos de saúde de pacientes hospitalizados e ambulatórios é essencial. Muitos hospitais, por sua vez, procuram acompanhar o ritmo da tecnologia cada vez mais disponível para melhorar a segurança do paciente. A maioria dos consultórios médicos dos Estados Unidos mantém registos electrónicos, bem como regista conversas entre médicos, enfermeiros e os seus pacientes, a fim de garantir que haja clareza e que não ocorram erros. As complicações comuns podem ocorrer, especialmente, no atendimento médico desnecessário, e cerca de 20 por cento de todos os procedimentos médicos podem ser desnecessários. Existe também, culpa na prescrição excessiva de medicação após a cirurgia, particularmente os opiáceos. É de considerar que os médicos são encorajados pelas empresas farmacêuticas, às vezes por meio de pagamentos em dinheiro, a “promover” os seus produtos. Tendo em consideração os “Direitos do Paciente em um Sistema de Saúde Perigoso e Orientado a Lucros”, os pacientes precisam de assumir o controlo, pois deve existir um equilíbrio entre a comunidade prestadora e os pacientes. A “Carta Nacional de Direitos do Paciente Hospitalizado” nos Estados Unidos, foi criada em 2014 em que os preconiza que quanto aos “registos médicos”, os pacientes hospitalizados devem receber diariamente o seu prontuário e ser ensinado como fazer anotações nos seus registos e corrigir qualquer desinformação. Os registos médicos devem ser electrónicos e mantidos por um período longo. O “cuidado” baseado em evidências quer que o diagnóstico e o tratamento devam estar de acordo com as directrizes federais e/ou nacionais de saúde ou de acordo com as directrizes revistas por especialistas publicadas por organizações especializadas para a condição médica do paciente. Se o médico determinar que é necessário desviar-se das directrizes, deve informar o paciente que o seu cuidado se deve desviar das directrizes e fornecer uma explicação para o desvio. Os “medicamentos terapêuticos”, preconiza que nenhum paciente deve receber uma medicação para fins “off label” sem ser informado de que o medicamento prescrito não foi aprovado pela “Food and Drug Administration (FDA)” para a condição médica do paciente. A justificativa para a prescrição do medicamento “off label” e o risco associado devem ser revelados ao paciente e documentados. O paciente deve ser informado sobre como relatar os efeitos adversos de qualquer medicamento sob prescrição médica ao FDA. A “competência do médico”, quer que os pacientes tenham o direito a serem informados sobre o “status” de competência do seu médico antes de serem tratados. Este “status” deve incluir a conclusão da “Central de Material Esterilizado (CME)” estadual, o “status” de certificação do conselho, a manutenção da certificação do conselho, a reabilitação do abuso de drogas e quaisquer outros factores que afectam a competência do médico. Os “custos” requerem que os pacientes devem conhecer os custos normais do diagnóstico e tratamento que receberão antes de concordarem com um plano de diagnóstico ou plano de tratamento. O tratamento encontrado contra directrizes sem o consentimento do paciente não precisa de ser pago. Os “eventos” adversos estipula que se acaso ocorrer um evento adverso imprevisto durante o diagnóstico ou tratamento, o paciente tem direito a uma explicação completa do que aconteceu e como o hospital pretende prevenir eventos adversos semelhantes no futuro. Se o evento adverso foi causado por um erro médico, o paciente tem direito a uma compensação justa. A falsificação de registos médicos após um evento adverso constitui adulteração de evidências. O “dever” de advertir, exigindo que os pacientes devem saber a taxa de infecção do hospital e a morbidade e mortalidade associadas a procedimentos invasivos planeados. O paciente deve ser avisado de qualquer actividade de estilo de vida que ameace a sua saúde e devem receber orientação sobre a gestão dessa actividade. O “consentimento informado” exige que o paciente deve dar o seu consentimento informado para procedimentos invasivos de acordo com as directrizes publicadas pela “American Medical Association” de 1998. O medo nunca deve ser usado para obter consentimento para procedimentos invasivos. O “feedback” sobre o cuidado quer que o paciente tenha o direito, mesmo um dever, de fornecer “feedback” a uma agência independente sobre a qualidade do atendimento recebido durante a hospitalização. Este “feedback” deve ser sistematicamente tomado e disponibilizado ao público. O “direito” a um advogado mostrou que, enquanto o hospital é o local principal para integrar o atendimento de um paciente é o advogado que deve defender os interesses do paciente. Todos os pacientes do hospital devem ter o direito a um advogado. O “Patient Safety America” lista os três níveis em que os pacientes podem proteger-se. Estes incluem ser um consumidor sábio dos cuidados de saúde, exigindo cuidados de qualidade e custo-benefício para si e para aqueles que ama; participando da liderança em segurança do paciente por meio de conselhos, painéis e comissões que implementam políticas e leis; e pressionando por leis que favoreçam cuidados, transparência e prestação de contas mais seguras. É necessário obter sempre o máximo de informações que puder do seu médico, inquirindo sobre os benefícios, efeitos colaterais e desvantagens de um medicamento ou procedimento recomendado, e usando as médias sociais para saber mais sobre a própria condição do paciente, bem como sobre os medicamentos e procedimentos para os quais foram prescritos. O paciente deve sempre procurar uma segunda opinião. Se a situação o justificar ou se existirem incertezas, deve obter uma segunda opinião de outro médico, pois um bom médico aceitará a confirmação do seu diagnóstico e resistirá a qualquer tentativa de desencorajar o paciente de aprender mais ou de “tentativas de amordaçar o paciente”. Muitas vezes o sistema de saúde silencia as pessoas em torno de um problema. Porquê muitos médicos são relutantes em especular, mas alguns admitem que as respostas vão do simples ego até à perda de um paciente para outro médico em quem confiam mais. Às vezes é difícil processar todas as informações por si mesmo, pelo que se deve trazer um membro da família ou um amigo para a sua consulta, alguém que possa entender as informações e sugestões dadas e fazer perguntas. Ao ter as informações médicas literalmente na palma da mão, pode trabalhar em equipa com o médico para reduzir o risco de erros médicos. Os aplicativos de saúde podem ser simples ou complexos e, dependendo da idade e condição, pode gerir o seu bem-estar, medicamentos e muito mais. O que têm de bom o sistema de saúde americano, inglês e outros em trabalho comparativo e cooperativo deve ser estudado e aplicado com adaptações e o que acontece nos Estados Unidos e no Reino Unido é o mesmo que acontece em outros países quanto aos maus procedimentos e devem ser instituídos todos os mecanismos em defesa da segurança do paciente, pois muitas vezes, o sistema de saúde silencia as pessoas em torno de um problema, para esconder as falhas do sistema e o erro médico. O acesso do paciente a bons cuidados de saúde e de forma gratuita é um direito fundamental e universal.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA Iniciativa da Faixa e Rota motor da globalização “Billions of dollars are flowing out of China, as part of the country’s Belt and Road Initiative, to build ports, railways, roads, pipelines, and telecommunications facilities across the Eurasian land mass (the belt) and along the coast of the Indian Ocean (the road)….Rolland’s helpful survey reveals the initiative’s strategic motives, which include providing outlets for China’s excess production capacity and generating a Eurasian center of gravity as a counterweight to U.S. influence in maritime Asia.” Andrew J. Nathan, Foreign Affairs [dropcap]A[/dropcap] República Popular da China (RPC), desde 1978, entrou amplamente em uma era que veio a ser conhecida como reforma e abertura, onde observou e tentou aprender com o mundo ao seu redor. Muitas ideias diferentes foram importadas para o país ao longo deste processo. Políticos, académicos, empresários e outros chineses espalharam-se por todo o mundo engajados no que poderia ser chamado de um período de “grande aprendizagem”, trazendo de volta ideias do Japão e da Alemanha e processos tecnológicos dos Estados Unidos e da Europa, que levou a dois resultados. O primeiro, e mais óbvio e célebre é o crescimento económico que a importação de novas ideias e processos trouxe para a China com um PIB per capita de apenas algumas centenas de dólares no final da década de 1970, e que actualmente os chineses desfrutam de um PIB per capita de cerca de dez mil dólares, colocando o seu país na faixa de renda média em todo o mundo. Este período tirou muitas centenas de milhões de pessoas da pobreza, levando a uma economia que é uma importante fonte de crescimento para o resto do mundo. No entanto, por causa das características únicas da sua sociedade, cultura e composição económica, a China também transformou as ideias que adoptou e criou um novo tipo de modelo de desenvolvimento, que tem sido muito comentado e estudado pelo resto do mundo. Embora haja uma série de interpretações diferentes do modelo chinês, o facto de a China ter aprendido muito na sua trajectória de desenvolvimento nas últimas quatro décadas e estar em condições de compartilhá-las com o resto do mundo é indiscutível. É seguro dizer que estamos a viver em uma época em que esse processo está a ocorrer. A China, o aluno, está cada vez mais em posição de ser a China, o professor. O “Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB na sigla inglesa)” tem sido um veículo pelo qual a China tentou, nos últimos anos, realizar essa transformação de aluno para professor, e como um país que construiu com sucesso talvez mais infra-estrutura logística do que qualquer outro na história da humanidade, a China certamente tem a capacidade de transmitir lições a outros. Assim, apesar de todas as críticas ao AIIB quando foi lançado pela primeira vez pelo governo chinês em 2014, o seu princípio de compartilhar o entendimento e a prática única do desenvolvimento da China, e oferecê-lo a outros para a usar, é irrefutável. A “Iniciativa da Faixa e Rota (abreviadamente designada por Iniciativa) ” é a segunda e maior iteração do processo de décadas da China. O seu foco na conectividade de logística, tecnologia da informação, ligações interpessoais e finanças tem sido oferecido como um amplo marco pelo qual países na região e em outros lugares se podem engajar em uma “grande aprendizagem” similar ao que a China começou no final da década de 1970, sendo apenas e simplesmente uma interpretação da Iniciativa. É de considerar que outros países viram em termos geopolíticos muito mais crus. Mas a abertura e a ambição do conceito de “Faixa e Rota” significava que nunca seria facilmente inserido em um único quadro interpretativo e precisa de ser considerado de vários e diferentes ângulos. Apesar de alguns governos e pessoas no Ocidente evocarem argumentos de neocolonialismo ou uma armadilha da dívida para manchar a Iniciativa, em que “Faixa” alude às rotas terrestres ou à “Faixa Económica da Rota da Seda”; enquanto “Rota” reporta-se às rotas marítimas, ou à “Rota da Seda Marítima do Século XXI”. O projecto proposto pela China para o desenvolvimento comum do mundo está a ter cada vez mais adesões. O sucesso do segundo encontro de líderes mundiais para discutir o desenvolvimento da Iniciativa na capital da China, assim o demonstrou. O “Segundo Fórum da Faixa e Rota (BRF na sigla inglesa) para a Cooperação Internacional”, realizado entre 25 e 27 de Abril, que reuniu cerca de cinco mil participantes de mais de cento e cinquenta países e noventa organizações internacionais, incluindo chefes de Estado (Portugal esteve representado pelo Presidente da República) e governo e líderes da ONU (esteve presente o Secretário-geral) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O número foi muito maior do que a participação na Primeira BRF realizada em 2017. O presidente chinês Xi Jinping propôs construir a “ Faixa Económica da Rota da Seda” e a “Rota da Seda Marítima do Século XXI”, colectivamente conhecida como Iniciativa, em 2013. A Iniciativa aborda vários desafios e riscos enfrentados pela humanidade e que terá resultados de que todos ganharão, bem como desenvolvimento comum. A cooperação da Iniciativa abraça a tendência histórica da globalização económica, responde ao chamado para melhorar o sistema de governança global e atende ao desejo das pessoas por uma vida melhor e no seu sexto ano de desenvolvimento, mais e mais pessoas se familiarizaram com a mesma e percebem que precisam de se envolver no projecto. É de realçar que tornar-se parte da Iniciativa está em conformidade com os interesses de outros países participantes e é uma forma tangível de se envolver com a China, a segunda maior economia do mundo e ainda que alguns países ainda não o façam, são uma minoria. No decurso do Segundo BRF, foram assinados acordos de cooperação no valor superior a sessenta e quatro mil milhões de dólares. É de destacar que cento e vinte e seis países e vinte e nove organizações internacionais assinaram acordos com a China no âmbito da Iniciativa. A Itália e o Luxemburgo são os mais recentes signatários e durante o Segundo BRF os países da UE sinalizaram a sua disposição de participar da Iniciativa e planeiam assinar um memorando de entendimento como um grupo, o que contradiz a previsão dos pessimistas de que a Iniciativa só se transformará em uma aliança de nações em desenvolvimento. O reconhecimento europeu à Iniciativa melhorou muito, passando das interrogações ao entendimento. Os países que permanecem fora da Iniciativa podem perder uma oportunidade histórica de desenvolvimento adicional. A Iniciativa pode considerar-se com um motor de desenvolvimento em um mundo que enfrenta desafios comuns, como incertezas e instabilidade. A razão pela qual a Iniciativa está a ganhar reconhecimento mais amplo é que, além de promover o desenvolvimento dos países participantes, também contribuiu para a recuperação da economia mundial após a crise financeira global e está de acordo com os dezassete “Objectivos Globais de Desenvolvimento Sustentável” da ONU, que constam da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. Os dezassete objectivos globais são acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os locais; acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e meninas; assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e preço acessível à energia para todos; promover o crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável, pleno emprego e produtivo e trabalho decente para todos. Os objectivos são ainda construir infra-estruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; reduzir a desigualdade dentro dos países e entre si; tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e os seus impactos; conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade, promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis e fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. A cooperação de mercado de terceiros que a Iniciativa defende permite que os países desenvolvidos desempenhem um papel vital e com a participação de mais países desenvolvidos do Ocidente, o mal-entendido sobre a Iniciativa será dissipado. A alocação eficaz de recursos e a profunda integração do mercado entre países desenvolvidos e em desenvolvimento na construção de faixas e rotas criarão uma situação de que todos serão ganhadores. A Iniciativa é um plano raro de longo prazo que criou uma nova dimensão para o desenvolvimento da economia mundial. A globalização é a chave para o desenvolvimento global e, para alcançar a globalização, é indispensável a construção de infra-estrutura a vários níveis. A Iniciativa é um projecto orientado para o futuro que contribuirá para a globalização e todos podem beneficiar da melhoria e actualização da infra-estrutura. Pela sua concepção e natureza, a Iniciativa é o novo acelerador para uma maior cooperação e colaboração entre pessoas e países. A China, para os países europeus já se estabeleceu como um parceiro confiável para benefícios mútuos. A Iniciativa foi lançada para melhorar a cooperação e a conectividade e consequentemente uma estrutura de ligação composta por seis corredores, seis rotas de ligação e vários países e portos foi implementada. A África Oriental tem a sua via expressa, as Maldivas viram a sua primeira ponte entre as ilhas surgir, a Bielorrússia está produzir sedãs, e o número de comboios de transporte de mercadorias entre a China e a Europa está em ascensão, devendo ser o mais longo do mundo. O Cazaquistão está ligado ao mar. O Sudeste Asiático está a construir uma estrada de alta velocidade. A Iniciativa é uma ponte multifacetada que pode ajudar a desbloquear o potencial de circulação dos países sem acesso ao mar e permitir a entrada a mercados em todo o mundo. A Iniciativa implica a criação de um novo modelo de cooperação internacional pelo fortalecimento das estruturas existentes, bem como pela procura e implementação de novos mecanismos, com o objectivo de estimular o desenvolvimento económico dos países envolvidos. É de considerar que em um mundo actual de incerteza geopolítica, crescente desigualdade e barreiras comerciais, a Iniciativa oferece um modelo de colaboração, parceria, conectividade e prosperidade compartilhada e por exemplo o “Corredor Económico China-Paquistão” não deve ser visto como uma transacção, mas uma transformação da sociedade paquistanesa. Na promoção das relações entre países, a distância e a velocidade das viagens são muito importantes e com este esquema, mais navios passarão perto por exemplo da Malásia e dos países do Sudeste Asiático e, aumentarão o comércio entre si. Nos últimos anos, a cooperação entre a “Faixa e a Rota” expandiu-se da Eurásia para a África, Américas e Oceânia, abrindo um novo espaço para a economia mundial com resultados melhores do que o esperado. As realizações de desenvolvimento da China foram compartilhadas com outros países participantes da Iniciativa, dado que a sua enorme procura por importações e o aumento do investimento no exterior geraram enormes oportunidades de crescimento. O investimento directo estrangeiro da China em outros países que participam da Iniciativa foi superior a oitenta mil milhões de dólares. O volume total de comércio entre a China e esses países ultrapassou os seis triliões de dólares entre 2013 e 2018, período no qual mais de duzentos e quarenta e quatro mil empregos foram criados e por exemplo, no Quénia, a “Ferrovia Standard Gauge”, financiada pela China e construída entre Nairobi e Mombaça, e chamada de “projecto do século”, criou cinquenta mil empregos locais e impulsionou o crescimento económico do país em 1,5 por cento. De acordo com um estudo do Banco Mundial, a Iniciativa aumentará o PIB dos países em desenvolvimento do leste asiático e do Pacífico de 2,6 por cento para 3,9 por cento em média. O presidente chinês no Segundo BRF anunciou um pacote de propostas para promover o desenvolvimento de alta qualidade da Iniciativa, apelando à comunidade internacional a unir esforços para elaborar uma “pintura meticulosa” da Iniciativa. O princípio de ampla consulta, contribuição conjunta e benefícios compartilhados deve ser mantido, enfatizando abordagens abertas, verdes e limpas, bem como metas de alto padrão para melhorar os meios de subsistência e o desenvolvimento sustentável. Os observadores presentes afirmaram que a Iniciativa está a entrar em um novo estágio de desenvolvimento. A primeira etapa foi estabelecer o quadro, ancorar estratégias e construir parcerias com outros países participantes. O novo estágio de desenvolvimento significa implementação com passos concretos e abordagens apropriadas. É o que foi denominado de projecto para a pintura meticulosa e como os participantes têm diferentes níveis de desenvolvimento e distintos sistemas de infra-estrutura, é natural que a Iniciativa evolua em tempo para atrair diferentes interessados. As melhores organizações do mundo são as de aprendizagem que se adaptam e mudam em conformidade, assim como a melhor prática corporativa, a governança da Iniciativa deve ajustar e refinar as suas políticas e acções para atender às necessidades de mudanças nas circunstâncias. As novas propostas do presidente Xi vão dissipar as dúvidas sobre a Iniciativa. As abordagens abertas, verdes e limpas, bem como o desenvolvimento sustentável da construção da Iniciativa que foi enfatizada, ajudarão a aliviar os temores de que a mesma seja uma armadilha da dívida ou uma forma de neocolonialismo e também melhorará a transparência dos seus projectos. Pode-se considerar que a Iniciativa traduz passos positivos com uma nova estrutura de sustentabilidade da dívida e com o princípio do investimento verde para os projectos que dela constam. A sustentabilidade da dívida e a sustentabilidade verde fortalecerão a sustentabilidade da Iniciativa. Quando a Primeira BRF foi realizada, a Iniciativa ainda era uma criança em crescimento, mas “actualmente” tornou-se um adulto, o que significa que se converteu em um factor importante na economia global.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA ideia confucionista de desenvolvimento harmonioso “China’s commercial ties with the outside world have long been symbolized by the ancient Silk Road, which began as a tortuous trading network of mountain paths and sea routes that provided a lifeline for the Chinese economy. Now the leadership in Beijing is reviving the concept with an ambitious plan to build and upgrade highways, railways, ports, and other infrastructure throughout Asia and Europe designed to enrich the economies of China and some 60 of its nearby trading partners. The so-called Belt and Road Initiative has generated enthusiasm and high hopes but also skepticism and wariness.” “China’s Belt and Road Initiative: Motives, Scope, and Challenges” – Simeon Djankov and Sean Miner [dropcap]O[/dropcap]s meios de comunicação ocidentais e os principais líderes políticos, nos últimos anos, optaram por ignorar amplamente a “Iniciativa Faixa e Rota”, que o Presidente chinês propôs em 2013. A iniciativa, consiste no “Cinturão Económico da Rota da Seda Terrestre (Belt na designação inglesa) e Marítima (Road na designação inglesa) do Século XXI”. A “Rota da Seda Terrestre (Belt na designação inglesa)”, aborda eficientemente as necessidades de infra-estrutura dos países em desenvolvimento, que o Ocidente simplesmente fingiu não existir. Mas, em um certo ponto, ocorreu à ordem ideológica, económica e política ocidental que a China não estava apenas a construir uma enorme quantidade de linhas ferroviárias, portos, pontes, centrais eléctricas e parques industriais na Ásia, África e mesmo em partes da Europa, mas que a perspectiva da redução da pobreza oferecida pela China incutiu um espírito de optimismo sem precedentes. A China impressionou o mundo ao retirar mais de setecentos milhões de pessoas da pobreza nos últimos quarenta anos (demonstrando que podia ser erradicada), construindo a melhor rede ferroviária de alta velocidade do mundo e tornando-se em uma importante nação espacial. A China decidiu oferecer a partilha dessa valiosa experiência com países que até então eram relegados a serem o que se designava por “Terceiro Mundo”. Os líderes desses países exigiram repetidamente que fossem tratados igualmente pelo Ocidente, em vez de serem simplesmente os beneficiários da ajuda ao desenvolvimento, o que, na sua maioria, desapareceria nos bolsos de uma teia infindável de gente corrupta e duvidosas organizações não-governamentais. É de lembrar que de uma forma óbvia e coordenada, muitos pensadores de ambos os lados do Atlântico, produziram longos estudos baseados em um tema previsível e citaram que a motivação para a iniciativa da “Rota da Seda Terrestre e Marítima” foi uma tentativa mal-intencionada da China de substituir o sistema baseado em regras, na verdade o imperialismo anglo-americano, pelo imperialismo chinês e atrair os países participantes à armadilha da dívida. Os mesmos pensadores também observaram que a China é construída sobre um sistema autoritário e que haveria uma competição de sistemas entre a economia liberal, aberta e social de mercado e a economia controlada pelo Estado na China. Todavia, e ironicamente, foram os mesmos críticos neoliberais que entusiasticamente acolheram a China na “Organização Mundial do Comércio (OMC)” em 2001, certos de que a China adoptaria o modelo ocidental de democracia e economia neoliberal. Tais pensadores estavam convencidos da sua superioridade política e cultural, e esses círculos pensaram que seria um desperdício de tempo precioso, prestar atenção a conceitos revolucionários, como uma comunidade com um futuro compartilhado pela humanidade, apresentada pelo Presidente Xi e outros líderes chineses, em centenas de conferências e reuniões internacionais com líderes políticos de todo o mundo. Se observarmos por meio dos seus espectáculos geopolíticos e ouvindo através dos seus auscultadores coloniais, rejeitaram completamente a concepção de que a China poderia estar a falar seriamente ao apresentar um novo modelo de relações internacionais, que colocaria o conceito da humanidade à frente do estreito interesse nacional. A realidade de que o futuro da existência depende de moldar uma nova era baseada no interesse comum da humanidade, escapou aos proponentes da antiga ordem mundial em colapso. Qualquer um que olhe para o todo da política chinesa e para o que a China alcançou em termos de alívio da pobreza só pode chegar à conclusão de que o país significa o que diz. O objectivo da política chinesa é criar um novo paradigma nas relações estratégicas, através do qual a geopolítica é superada através da cooperação de que todos ganham, e onde a política internacional deixa de ser um jogo de soma zero, mas onde a harmonia prevalece. A China, desta forma, está a operar com base na filosofia confucionista, ou seja, a ideia de que só pode haver paz se houver um desenvolvimento harmonioso de todos. Mas também cumpre os princípios do “Tratado da Paz de Vestefália”, de que toda política de paz deve ser do interesse de outros. O espírito da “Rota da Seda” também teve a adesão de um número crescente de países europeus, que assinaram documentos oficiais com a China para cooperar na “Iniciativa Faixa e Rota”, entre os quais se encontra Portugal. Os Estados-membros da União Europeia (UE) da Europa Oriental, Central e do Sul, e também cidades e regiões individuais em outras partes do continente, descobriram que é do seu interesse trabalhar com a China para construir ou modernizar a infra-estrutura existente, para a qual a política de austeridade da UE não forneceu nenhum mecanismo de financiamento. Os portos como os de Pireu, Trieste, Duisburgo, Hamburgo, Roterdão e Sines aceitaram oportunidades económicas sem precedentes para se tornarem centros para as linhas ferroviárias euro-asiáticas, que ligaram cinquenta e seis cidades chinesas com quarenta e nove cidades europeias em 2018, e estas cidades sabem que têm o potencial de se tornarem centros das rotas comerciais da “Rota da Seda Marítima” do Século XXI. Se observarmos do ponto de vista da história universal, essa crescente integração de infra-estrutura como pré-condição do desenvolvimento industrial e agrícola para todos é óbvia e orgânica, mas já enfadou as forças do velho paradigma neoliberal europeu, que preferem acusar a China de desunir a Europa, como se tal necessitasse de acontecer, ao invés de reflectir sobre os efeitos das suas próprias políticas. Ao contrário da China, não existe plano dentro da UE para minorar a pobreza. No entanto, a artilharia pesada da propaganda negra contra a China foi lançada pouco antes da visita oficial do Presidente Xi à Itália, em Março e da assinatura de um memorando de entendimento sobre a iniciativa “Iniciativa Faixa e Rota”. As falsidades e ameaças sem precedentes foram proferidas, acusando a China de tentar retirar a Itália, um país do G7 e membro fundador da UE, da zona de influência dos Estados Unidos e declarando que a Itália não teria nenhum benefício económico de tal cooperação e sofreria danos à sua imagem internacional. É óbvio que alguns círculos, que devem os seus privilégios ao sistema liberal da democracia ocidental, que aumentou a distância entre ricos e pobres além da barreira da angústia para cada vez mais pessoas, não podem superar o seu ponto de vista geopolítico. Mas há um crescente número de pessoas e instituições europeias, como o presidente do “Instituto de Pesquisas Económicas da Universidade de Munique”, e outros membros do “Grupo Consultivo Económico Europeu (EEAG na sigla inglesa)” que analisa as principais questões de política económica de preocupação comum europeia e cujo o seu objectivo é oferecer ao público e aos criadores de políticas, ideias baseadas em pesquisas e tendo em conta a variedade de perspectivas na Europa. O grupo promove a construção de pontes entre a investigação e a política, bem como entre os países europeus, que acham que o medo do investimento chinês na Europa é exagerado e que é no interesse da mesma Europa atrair mais investimentos chineses. É de acreditar que muitos empresários de nível médio na Alemanha também pensam que os países europeus devem cooperar com a “Iniciativa Faixa e Rota”. A Itália, por outro lado, tem potencial para se tornar o modelo de cooperação no âmbito da “Iniciativa Faixa e Rota”. O ex-ministro italiano da Economia e Finanças, Giulio Tremonti, citou a Itália como a porta para o coração da Europa, dizendo que poderia ser o motor da cooperação sino-europeia na industrialização do continente africano, tendo a empresa chinesa de engenharia Power China, que é um grupo de construção integrado que fornece investimento e financiamento, planeamento, construção de engenharia, fabricação de equipamentos e gestão de operações para projectos e infra-estrutura hidráulica e hidroeléctrica, e os seus principais negócios incluem energia e engenharia de construção. Além disso, mediante a autorização de ministérios e comissões nacionais relevantes, a empresa também executa funções como planeamento nacional e revisão de energia hidroeléctrica, eólica, solar e outras energias limpas e novas fontes de energia e a empresa italiana Bonifica SpA que exerce actividades de consultoria, engenharia e fornece construção de pontes e desenvolvimento de terras. A empresa foi fundada em 1961 e está sediada em Roma. A Bonifica SpA opera como uma subsidiária do Gruppo Tili e ambas as empresas assinaram um memorando de entendimento para a realização do maior programa de infra-estruturas na África, o “Transaqua Project”, que é um sistema de canal que traz água dos afluentes do rio Congo para reabastecer o Lago Chade e beneficia o desenvolvimento de muitos países vizinhos. A “Transaqua Project” é uma ideia desenvolvida pela Bonifica SpA no final de 1970 para a crise do Sahel, provocada pela seca progressiva do Lago Chade, que estava a produzir um fluxo crescente de refugiados para a Europa. A ideia surgiu com a construção de uma hidrovia que seria capaz de reabastecer o lago e, ao mesmo tempo, formar uma gigantesca infra-estrutura de transporte, energia e agricultura para a África Central. A construção de tal projecto de infra-estrutura ofereceria empregos a milhões de africanos e lançaria as bases para o desenvolvimento futuro. A ideia da “Transaqua Project” é simples e engenhosa ao mesmo tempo. É indiscutível que, a menos que o Lago Chade comece a receber uma grande transferência de água fresca, vai secar, colocando em risco a vida de mais de trinta milhões de pessoas que vivem nas suas margens e também ficou claro que essa água deveria vir da bacia do Congo, que é separada da bacia do Chade por uma cadeia de montanhas, que correm ao longo da fronteira entre o Chade e a República Centro-Africana (RCA). A bacia do Congo tem muita água. O rio Congo é o segundo maior rio do mundo, com uma vazão média de quarenta e um mil metros cúbicos por segundo, que flui sem uso para o oceano. A Bonifica SpA calculou que 3 a 4 por cento dessa água seriam o suficiente para repor o lago Chade. O problema a ser resolvido era o de levar a água directamente do rio Congo até à bacia do Chade, que deve ser transportado para cima e um canal é impensável, e bombear a água através de oleodutos é um esforço de custos gigantescos, em termos de energia e dimensões. A equipe de Bonifica SpA, apresentou uma solução brilhante, pois em vez de tirar água directamente do rio Congo, desvia dos afluentes da margem oeste em grande altitude, começando na região sul da República Democrática do Congo (RDC) e alcançando, através da gravidade, a bacia hidrográfica da RCA-Chade e aí a uma altitude de cerca de quinhentos metros, a água seria canalizada para o rio Chari, um afluente do lago Chade. Assim, desta forma, uma hidrovia de dois mil e quatrocentos quilómetros de comprimento poderia ser construída, cruzando todos os afluentes da margem oeste do rio Congo, onde barragens e reservatórios de água seriam construídos e como resultado, até cem mil milhões de metros cúbicos de água por ano poderiam ser colectados e despejados no Lago Chade. Foi calculado que metade desse montante seria suficiente para reabastecer o lago, e o restante estaria disponível para a irrigação de uma área igual ao dobro do tamanho do lago. Os reservatórios de água e as barragens construídas em cada um dos afluentes regulam os fluxos do rio, permitindo extensões agrícolas e criação de electricidade e o facto de não levar a água de uma só vez de um rio, mas em pequenas quantidades de cada afluente, não teria praticamente nenhum impacto sobre a navegabilidade e a pesca dos rios. A hidrovia seria uma infra-estrutura navegável, com cem metros de largura e dez metros de profundidade, que se estende do sul da RDC até a fronteira norte da RCA. A hidrovia seria ladeada por uma estrada de serviço (necessária para a construção) ou, eventualmente, uma ferrovia. A PowerChina comprometeu-se a financiar o estudo de viabilidade das etapas iniciais da “Transaqua Project”, para construir a infra-estrutura e afirma que abrirá um novo corredor de desenvolvimento que liga a África Ocidental e Central através da potencial transferência de cinquenta mil milhões de metros cúbicos por ano para o Lago Chade através de uma série de barragens na RDC, República do Congo e RCA; criando até quinze a vinte e cinco mil milhões de kWh de hidroelectricidade através do movimento de massa da água por gravidade; desenvolvendo uma série de áreas irrigadas para plantações, ou pecuária, em uma área de cinquenta mil a setenta mil quilómetros quadrados na zona do Sahel, no Chade, nordeste da Nigéria, norte dos Camarões e Níger e criando uma zona económica alargada, fornecendo uma nova plataforma de infra-estrutura de desenvolvimento na agricultura, indústrias, transporte e produção eléctrica, que beneficiarão até doze nações africanas. A ideia principal é de aumentar a quantidade de água no Lago Chade, melhorar as condições do fluxo de água, aliviar a pobreza dentro da bacia através de actividades sócio-económicas, para atender as necessidades energéticas das cidades e realizar uma avaliação de impacto ambiental aprofundada. A única forma realista de unificar novamente a Europa actualmente dividida será a cooperação com a China como acreditam muitos pensadores após o Brexit, com a cada vez mais afastada integração europeia da Turquia e dos restantes países dos Balcãs. Não só através da cooperação em que todos ganham e no desenvolvimento conjunto de mercados de terceiros países, mas trazendo a rica herança da cultura clássica europeia ao concerto dos países. Se os países europeus interligarem as suas tradições culturais, não precisarão de se preocupar com a China, mas ao invés terão um diálogo pela produção de um melhor bem-estar e coesão.