Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesDeficit de liderança global “Traditional leadership in all its forms, even the most liberal and humanistic, has always had to delve deep into what is instinctual and emotive in the collective psyche to find the elements which will lend it force. Democracy, in its fundamental dimension, is a means of limiting the egotism and waywardness of those who exercise power by replacing them with others when their pretensions become intolerable.” “The Mask of Command” – John Keegan [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] história é movida pela interacção entre a actividade humana e a circunstância, pelo que se dá um grande valor a esta união, particularmente nas matérias de guerra, paz, e de construção das nações. O historiador John Keegan fez a impressionante asserção de que a história de grande parte do século XX, foi um conto da biografia de seis homens, Lenin, Stalin, Hitler, Churchill, Roosevelt e Mao. Onde quer que nos encontremos sobre a questão do papel do indivíduo na história, o seu impacto deve ser incorporado nesta equação, particularmente, quando se trata de explicar os sinais de mudança na história de uma nação. É que actualmente somos empanturrados com líderes e lideranças como a solução, se não a panaceia, para quase tudo o que nos aflige. Admiramos o atrevido líder transformador, que procura mudanças fundamentais e valoriza menos o cauteloso que negoceia, triangula e se prepara para resultados menos dramáticos, e tendemos a esquecer também, que os grandes líderes quase sempre surgem em tempos de crise nacional, trauma e carência, um risco que corremos, se sentimos a necessidade pelo seu retorno. Ainda assim, como o Santo Graal, procuramos alguma fórmula mágica ou chave para tentar entender a explicação sobre a grande liderança, e devoramos vorazmente as lições dos percursos de quem consideramos líderes eficazes nos negócios, meios de comunicação, ou na política. Se digitarmos livros de liderança no motor de busca da “Amazon” obtemos oitenta e seis mil e quatrocentos e cinquenta e um resultados, e esse número cresce diariamente. Quer estudar sobre liderança, ou melhor ainda tornar-se um líder? Há certamente um programa até para os mais exigentes. A “International Leadership Association” faz uma lista de mais de mil e quinhentos programas académicos nessa área. Este foco nos líderes é compreensível, particularmente durante épocas de grande incerteza e ansiedade. É natural e até mesmo lógico procurar líderes, quando o nosso destino e futuro, parecem movidos por forças impessoais e imprevistas, além do nosso controlo. Os psicólogos e mitólogos dizem-nos que a necessidade de procurar o grande líder para nos guiar ou até mesmo nos resgatar é um impulso antigo, mesmo primordial. Esta forte necessidade de forte liderança existe também na América, embora pareça estar em conflito com uma crença americana, que coloca um reconhecimento na auto-suficiência e independência. É suspeita pelo poder e autoridade e, expressa ambivalência sobre a ideia de líderes poderosos. A necessidade exagerada e extraviada de heróis e de liderança heróica, de facto, parece particularmente incongruente e até mesmo inapropriada em uma cultura política que celebra uma liderança eficaz, mesmo quando a constrange, e especialmente em um momento em que parece haver tão poucos líderes políticos predestinados a serem encontrados. Para complicar ainda mais as coisas, não entendemos como os líderes realmente lideram. Na verdade, temos uma visão muito idealizada, até mesmo cartoonista, desta matéria. Temos a noção de que os melhores líderes são aqueles que são eleitos, prometendo altos princípios, visões elevadas, ou grandes programas e, em seguida, impô-los através do seu poder pessoal e persuasão, e quando os líderes não podem desempenhar o papel do herói, atribuímos o seu fracasso à incapacidade de comunicar e articular uma narrativa tão poderosa e convincente, que os seus seguidores se reúnem e os que duvidam e se opõem, não têm escolha, senão cumprir ou realizar comícios para recobrar forças, e na linha de Shakespeare, que Jacqueline Kennedy amava, Glendower vangloriava-se de Hotspur, em Henrique IV (acto 3), de que poderia “chamar espíritos do repouso profundo”. “Assim pode qualquer homem,” Hotspur respondeu, reflectindo a situação do líder na nossa era, acrescentando: “Mas virão quando os chamar?” A concepção de liderança “chamada e vinda” é mais apropriada para Hollywood e para uma visão idealizada da nossa história, do que para a vida real no mundo político. O estratega democrata Paul Begala, brincou com referência às acusações de que Barack Obama não conseguiu elaborar uma narrativa convincente, afirmando que não tinha problemas de comunicação, mas um iceberg de problemas. As palavras de um presidente são importantes, mas deve haver contexto para dar-lhes um verdadeiro significado e poder. Tal contexto é muitas vezes uma questão de circunstâncias incontroláveis. Os líderes não podem criar todo o contexto, se é crise, oportunidade, ou ambas. Karl Marx ao escrever no século XIX, observou que os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias auto-seleccionadas, mas sob circunstâncias existentes, dadas e transmitidas do passado. O líder aspiracional que adora concentrar-se no amanhã, o ontem é ironicamente pelo menos muito importante. Na maioria das vezes, os líderes eficazes intuem o que os tempos tornam possível e, em seguida, se são verdadeiramente habilidosos, exploram e ampliam essa oportunidade para ajudar a moldar a política que os sustenta. Na verdade, hoje em dia aqueles que favorecem e se alinham com a multidão de Carlyle e a visão do “Grande Homem” da história têm um sério problema. Estamos no século XXI, setenta anos após os seis transformadores de Keegan, que tentaram conquistar ou salvar o mundo. Olhando ao redor, onde se encontram os grandes heróis, os líderes ousados e inovadores, aqueles que simplesmente reagem aos acontecimentos, mas também os moldam? Onde estão os gigantes de antigamente, os transformadores que mudaram o mundo e deixaram grandes legados? Muitos foram líderes muito maus que apareceram e desapareceram como Pol Pot, Idi Amin, Saddam Hussein, Muammar Qaddafi, Slobodan Miloševic, e alguns muito bons, como Charles de Gaulle, Konrad Adenauer, Anwar Sadat, Mikhail Gorbachev, Papa João Paulo II, e Nelson Mandela. Os líderes, com certeza, podem emergir dos lugares mais improváveis e nos momentos menos esperados e mais fortuitos. Pensemos apenas em Abraham Lincoln, Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr., e quem sabe que tipo de círculo longo da história dos líderes pode produzir o futuro? Apostar no futuro é, na melhor das hipóteses, um negócio incerto. Hoje as realidades não se apresentam tão brilhantes. Enfrentamos um deficit de liderança de proporções globais. Encontramo-nos no que se poderia chamar de era de liderança pós-heróica. A ONU tem cento e noventa e três países membros, dos quais oitenta e oito são democracias livres e funcionais. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, os chamados grandes poderes, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e Rússia, não são liderados por grandes líderes transformadores, e nem outros países em ascensão como o Brasil, a Índia e a África do Sul possuem líderes com sinais fortes. O Brasil vive os piores momentos de governança da sua história. Vemos líderes que são hábeis em manter o poder e os seus cargos por muitos anos, como Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan. Angela Merkel é uma líder poderosa e uma política habilidosa; o primeiro-ministro indiano Narendra Modi pode muito bem revelar-se um líder a ser escutado. Mas onde estão aqueles líderes que poderíamos descrever honestamente como potencialmente grandes, heróicos ou inspiradores? E quantos não são apenas grandes, mas bons, com humildade e elevados padrões morais e éticos, também? Quantos serão os autores de alguma realização incomparável, inigualável e enobrecedora no seu país ou no cenário mundial, uma conquista que provavelmente será vista ou lembrada como grande ou transformadora? Se fosse pressionado a identificar um líder potencialmente grande, seria impossível oferecer um chefe de Estado tradicional, mas sim uma figura religiosa – o Papa Francisco I, cuja grandeza, bem como a bondade, pode muito bem ser definida pela ironia da sua anti-grandeza, comunhão e humildade. Os grandes eventos ou crises, actualmente, não parecem conduzir a uma liderança afável, mas justamente considerados recipientes para líderes emergentes, pois nem a rebelião nem a revolução parecem capazes de produzir líderes históricos, mais condicentes com essas circunstâncias históricas. A mais ampla transformação desde a queda da antiga União Soviética foi a chamada Primavera Árabe, que ainda não conseguiu conceber um único líder político com o poder e capacidade de transição do autoritarismo para uma reforma democrática. Os que permanecem em um mundo árabe inseguro, em grande parte os reis, emires e xeques parecem muito ocupados a olhar o espelho retrovisor, para considerarem qualquer realidade como uma reforma voltada para o futuro, audaz ou transformadora, esquecendo as mudanças históricas. Os líderes têm o que é necessário para serem bons líderes transaccionais, ou seja, para gerir os problemas mais mundanos e os desafios que têm em mãos e ainda para proporcionar uma boa governança? Será possível explicar a ausência de grandes líderes no cenário mundial? Não existe nenhuma explicação simples ou única. A parcela da resposta seguramente repousa sobre o simples facto de que a grandeza, se for definida geralmente como uma realização incomparável do que é uma nação, ou mesmo que altera o mundo, é por definição rara, não apenas na política, mas em qualquer aspecto do empreendimento humano. É de entender que uma apreciação desta natureza também requer tempo, que é o último árbitro que dá valor à vida juntamente com a perspectiva de poder julgar o valor ou a qualidade de uma realização. Ao contrário da realização individual na arte, música, literatura ou mesmo nos desportos, a política tem muitas partes movediças e uma variedade muito ampla de factores, que estão além da capacidade de controlo de um político. Há uma terrível complexidade e contingência para a vida política, particularmente em democracias onde a política eleitoral, opinião pública, grupos de interesse e as burocracias conspiram para frustrar até mesmo os melhores planos estabelecidos. Se tal é verdade nos países, é duplamente real para os que procuram o sucesso da política externa no mundo cruel e imprevisível além fronteiras. Os líderes contemporâneos que aspiram a conquistas inigualáveis e sem precedentes, enfrentam o grave problema da incerteza que preside ao nosso tempo. As nações, tal como as pessoas, passam por provações necessárias, ameaças existenciais e crises no início das suas histórias. As nações e as políticas que sobrevivem provavelmente nunca passarão por essa forma de provação novamente, em grande parte, porque tinham os líderes certos no momento correcto, para guiá-las através desses desafios. À medida que as nações amadurecem, a necessidade e oportunidade da acção heróica para prevenir ou lidar com esses desafios existenciais diminui, juntamente com figuras e narrativas que definem o mito e a realidade necessárias a uma grande conquista. Talvez o mais significativo para explicar o deficit de liderança moderno, é o facto de que o mundo se tornou um lugar muito mais complexo para os que querem adquirir, manter e usar o poder de forma eficaz, mas muito menos para produzir mudanças históricas. Alguns argumentam que chegámos ao fim da liderança, outros ao fim do poder, ou pelo menos à sua decadência e dissolução. O escritor e colunista venezuelano Moisés Naím editor chefe da revista “Foreign Policy” afirma que o poder defronta-se com mudanças rápidas que tornaram as pessoas, bens e ideias mais cinéticas, móveis e conectadas, ideias que têm desencadeado expectativas e aspirações muito mais difíceis de gerir e controlar. Tal é certamente o caso dos autocratas que, como uma verdadeira classe de líderes, entraram em tempos difíceis, pois em 1977, os ditadores controlavam oitenta e nove países no mundo, tenho diminuído para vinte e três em 2011 e restando doze em 2017. O Egipto e a Tunísia que tinham sido governados por dois líderes autoritários durante décadas, foram retirados do poder em poucos meses. Mesmo nas democracias, onde reside a metade da população mundial, a era da informação globalizada e orientada para a tecnologia tornou a governação muito mais desafiadora. A mídia 24/7 intrusiva que reconhece e não aceita fronteiras, confunde a celebridade com uma realização séria e dilui a distância, desapego, aura e a mística necessárias para uma grande liderança. A proximidade, como Ben Franklin opinou, produz desprezo e ingénuos. E para os políticos, demasiada exposição e familiaridade diminui a disposição do público de pensar no líder como ser especial ou grandioso. A cultura mediática actual abre uma verdadeira janela para observar e identificar as imperfeições e falhas dos líderes. Ao mesmo tempo, o nivelamento e a globalização do tradicional campo de disputa, têm conferido ao menor poder para competir e influenciar o maior. Até certo ponto, sempre foi assim na história. O poder de um único indivíduo para actuar sempre foi terrível. O assassinato do Arquiduque Francisco Fernando por um anarquista sérvio colocou em movimento uma cadeia de eventos que levaram à guerra mundial. O assassinato do primeiro-ministro israelita Itzhak Rabin ajudou a matar o processo de paz de Oslo, e a mergulhar a relação israelo-palestiniana em uma crise de confiança, da qual ainda não se recuperou. Ainda assim, os actores menores, livres do que Naim descreve como “tamanho, escopo, história ou tradição entrincheirada”, desafiam cada vez mais os grandes de formas que poucos poderiam ter imaginado ser possível. Em 11 de Setembro, os ataques de dezanove terroristas da Al-Qaeda, prepararam o cenário para as duas guerras mais longas da história americana e uma reorientação fundamental da política de segurança nacional dos Estados Unidos. Em 2013, as revelações de um único contratado do governo dos Estados Unidos de um vasto trabalho de recolha de informações da “Agência de Segurança Nacional (NSA na sigla inglesa) ” no país e no exterior, desencadeou o maior debate em meio século, em como encontrar o equilíbrio certo entre segurança, privacidade e direitos individuais em uma sociedade democrática. Os modernos Gullivers, aspirantes e ambiciosos líderes são amarrados por um exército de constrangimentos e desafios que tornam eficaz governar de forma dura e frustrante.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA marcha para a transformação da França e da Europa “To avoid the trap of Europe fragmenting on the economy, security, and identity, we have to return to the original promises of the European project: peace, prosperity and freedom. We should have a real, adult, democratic debate about the Europe we want. We need to restore democracy and sovereignty in Europe.” Emmanuel Macron [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] político novato que nunca desempenhou um cargo político electivo enfrentou uma nacionalista de extrema-direita, provinda dos antípodas da política francesa, pelo que a eleição presidencial pertencerá aos livros de história. Os eleitores franceses participaram na primeira volta das eleições presidenciais, que se realizaram a 23 de Abril de 2017. Após o encerramento e contagem dos votos, os resultados determinaram uma segunda volta, entre os candidatos Emmanuel Macron e Marine Le Pen, que se realizou a 7 de Maio de 2017. O terceiro lugar foi uma corrida renhida entre o esquerdista Jean-Luc Mélenchon e o republicano detentor de alguns escândalos e ex-primeiro ministro, Francois Fillon, que era único favorito de um partido francês. Há cinco anos, na última volta das eleições presidenciais, o socialista François Hollande venceu o então Presidente francês Nicolas Sarkozy da “União por um Movimento Popular (UMP na sigla em língua francesa) ”. O partido foi fundado em 2002, pelo ex-Presidente Jacques Chirac, dissolvido em 2015 e sucedido pelo “Os Republicanos”, fundado em 2015 e liderado por Sarkozy. Os dois partidos dominaram a vida política francesa desde a década de 1980, à semelhança dos partidos republicanos e democrata nos Estados Unidos, embora em França, os principais partidos sejam frequentemente apoiados por partidos menores parceiros de coligação. O ex-Presidente Hollande cumpriu apenas um mandato presidencial, e era de esperar que se recandidatasse, mas assediado por escândalos pessoais e taxas extremamente baixas de popularidade resolveu afastar-se, sendo a primeira vez que um presidente em exercício desde 1958, não se recandidata. O candidato Benoit Hamon, escolhido pelos socialistas para substituir Hollande, lutou para sair da sombra do seu antecessor, mas apenas conseguiu 6,36 por cento dos votos. O colapso do voto na esquerda dominante deveria ter beneficiado os republicanos, mas também tiveram enormes dificuldades. O primeiro a sucumbir foi Sarkozy, cuja tentativa de retorno à vida política francesa terminou em uma derrota humilhante e ficou em terceiro lugar em uma primária republicana. O vencedor dessa corrida foi Fillon, que parecia uma aposta certa para a presidência, até que surgirem alegações de que tinha pago salários à esposa e filhos com fundos públicos, trabalho que não realizaram, e apesar de ter negado qualquer irregularidade, deteriorou a sua imagem e, teve de lutar pelo terceiro lugar com Mélenchon, fundador, em 2006, do movimento “França Insubmissa”, e seu actual líder. O movimento é uma continuação da “Frente de Esquerda”, constituída em 2008. O candidato Macron de trinta e nove anos, emergiu dos destroços dos dois clássicos partidos políticos franceses. Foi banqueiro e ex-ministro da economia e indústria de Hollande, socialista, independente e fundou o partido social – liberal, “Associação para a Renovação da Política”, mais conhecido por movimento progressista, “Em Marcha”, em 6 de Abril de 2016, que rapidamente atraiu centenas de milhares de membros e subiu nas sondagens, prometendo uma reforma da assistência social e do sistema de pensões, políticas favoráveis às empresas e aumento das despesas com a defesa e um novo projecto para a UE que passa pela sua dinamização. A fraqueza da esquerda e direita moderada, criou a circunstância ideal para um centrista como Macron, que apelou aos eleitores de Fillon e aos socialistas de direita, tendo enfrentado desafios tanto da direita como da esquerda, mas mesmo o aumento dramático de Mélenchon nas últimas semanas da campanha, chegou tarde demais para derrubar os apoiantes do “Em Marcha”. O valor do euro subiu no dia seguinte às votações que favoreceram Macron na primeira volta das eleições, ao contrário das resultantes do voto no Brexit ou das eleições presidenciais nos Estados Unidos. O então candidato Macron é um forte defensor da UE, ao contrário da sua ex-rival Marine Le Pen que defrontou na segunda volta das eleições presidenciais. A líder da “Frente Nacional” de extrema-direita, desde 16 de Janeiro de 2011, mudou o partido racista e anti-semita fundado pelo seu pai Jean-Marie Le Pen, com um discurso mais próximo da maioria da população para tentar vencer as eleições presidenciais. A candidata apesar de vir do extremismo da política francesa foi uma das figuras mais reconhecidas na campanha eleitoral francesa, sendo figura de relevo em todos os meios de comunicação social nacionais e estrangeiros. O facto de ser anti-imigrante, economicamente conservadora e partidária da saída da França da UE e da OTAN, a sua eleição seria uma ruptura dramática da tradição política francesa, não diminuindo por tal facto, as suas possibilidades de poder eventualmente ganhar as eleições, que foram impulsionadas pelas preocupações sobre o terrorismo e a crise de refugiados, beneficiado do aumento de apoiantes em muitas partes do mundo, nomeadamente na UE e nos Estados Unidos às políticas anti-imigração. Apesar de sua forte campanha na primeira volta das eleições, teve a inteligência suficiente para considerar o maior obstáculo que representou o desafio de Macron, cujo apoio político maioritário previsível, acabou por se formar. O candidato Hamon exortou os eleitores socialistas a apoiarem o novato, mesmo não sendo de esquerda, assim como o ex-primeiro-ministro Bernard Cazeneuve. O candidato Fillon, após conhecidos os resultados eleitorais, pediu aos eleitores para apoiar Macron, afirmando que a “Frente Nacional” tinha uma história conhecida pela sua violência e intolerância, e que o seu programa económico e social levaria a França ao fracasso. Os líderes da UE também apoiaram Macron, pelo menos em privado, pois esperavam evitar um outro Brexit, sendo benéfico que o candidato vencedor tivesse sucesso nas eleições para o fortalecimento da UE e da economia social de mercado. A última vez que a “Frente Nacional” esteve próxima de alcançar a presidência, foi em 2002, quando Jean-Marie Le Pen foi à segunda volta, mas os eleitores de todo o espectro político acabaram por derrotar a extrema-direita, tendo Jacques Chirac esmagado Le Pen com mais de 82 por cento dos votos, o maior desaire de uma eleição presidencial francesa, que contou com uma enorme participação, tendo a abstenção representado, apenas 20 por cento dos eleitores registados. A candidata Le Pen melhorou significativamente o seu círculo eleitoral, mas mais de 73 por cento dos eleitores na primeira volta, escolheram um candidato diferente da líder da “Frente Nacional”, constituindo um sinal bastante sólido acerca da forma como as pessoas iriam votar no dia 7 de Maio de 2017, não tolerando que Le Pen viesse a ganhar as eleições na segunda volta. O escrutínio da primeira volta deu a Macron 24,01 por cento, a Le Pen 21,30 por cento, a Fillon 20,01 por cento e a Mélenchon 19,58 por cento. O recém-chegado político centrista Macron acabou por derrotar na segunda volta das eleições a candidata de extrema-direita, Le Pen. Assim, o pro-europeu Macron obteve 66,1 por cento dos votos, que representam 20,75 milhões de eleitores e Le Pen 33,9 por cento, que representam 10,64 milhões de eleitores e que tinha prometido um referendo “Frexit” se ganhasse as eleições. A abstenção foi de 25,44 por cento e os votos brancos e nulos de 11,47 por cento. A vitória de Macron representa um virar de página na longa história dos cinquenta e nove anos da “Quinta República Francesa”, sendo o mais jovem presidente eleito. O resultado eleitoral foi uma rejeição enfática ao nacionalismo primário francês. A candidata Le Pen, esperava que a mesma vaga populista que fez Donald Trump vencer as eleições nos Estados Unidos e que teve o seu apoio de Putin, se repetiriam em França. Macron tem pela frente enormes desafios, devendo para além do que consta do seu programa eleitoral, encontrar os medicamentos certos para curar as divisões sociais expostas pela áspera campanha eleitoral e trazer fé e segurança reavivada, que minore a raiva, ansiedade, e as dúvidas que muitos expressaram ao votar em um extremismo agudo de direita. A vitória de Macron foi a terceira em seis meses, após as eleições na Áustria e na Holanda, em que os eleitores europeus derrotaram os populistas de extrema-direita que queriam restaurar as fronteiras em toda a Europa. A eleição de um presidente francês que defende a unidade europeia também pode reforçar a UE no seu complexo processo de divórcio com a Grã-Bretanha. A campanha presidencial francesa foi a mais imprevisível que há memória em que muitos eleitores rejeitaram os programas de ambos os candidatos. A França moderna sempre foi governada pelos socialistas ou pelos conservadores. Quer Macron como Le Pen desviaram essa tradição da direita – esquerda. A França enviou uma incrível mensagem para si, para a Europa e para o mundo. Macron era um desconhecido dos eleitores antes de exercer as suas turbulentas funções como ministro da economia e indústria de 2014 a 2016, tendo assumido um repto gigantesco quando deixou o governo do presidente socialista Hollande e concorreu como independente na sua primeira campanha. O seu movimento político inicial, optimisticamente denominado de “Em Marcha” enraizou-se em apenas um ano, aproveitando a ânsia dos eleitores por novos rostos e ideias. É um momento de glória para a França e para a UE, porque depois do Brexit, e da eleição de Donald Trump, o populismo foi derrotado. Apesar da sua derrota, a subida enorme do número de votantes em Le Pen, pela primeira vez, marca um progresso pessoal e político e realça uma aceitação crescente da sua feroz plataforma anti-imigração. Le Pen foi a terceira candidata mais votada nas eleições presidenciais de 2012. Após estas eleições a sua atenção volta-se imediatamente para as próximas eleições legislativas em França, a realizar, em 11 e 18 de Junho de 2017. Macron vai precisar de uma maioria para poder governar de forma eficaz, tendo o movimento “Em Marcha”, mudado o nome para partido “República em Marcha”, para disputar as eleições legislativas e que é liderado desde 8 de Maio de 2017, por Catherine Barbaroux. Le Pen teve uma votação histórica e maciça, que no seu entender, tornou o partido na principal força de oposição contra os planos do novo presidente. O número de votos obtidos por Le Pen representa quase o dobro dos votos obtidos pelo seu pai nas eleições presidenciais de 2002. As visões de pólos opostos de Macron e Le Pen foram apresentadas a quarenta e sete milhões de eleitores registados em França e com a maior escolha possível. As fronteiras fechadas de Le Pen confrontaram-se às abertas de Macron. O compromisso deste com o livre comércio competiu contra as propostas daquela para proteger os franceses da concorrência económica global e da imigração. O desejo de Le Pen de libertar a França da UE e do euro como moeda comum foi contra o argumento de Macron, de que ambos são essenciais para o futuro da terceira maior economia da Europa. Além de capitalizar a rejeição dos eleitores do monopólio esquerda -direita do poder, Macron também teve sorte, pois o ex-primeiro-ministro conservador Fillon, um dos seus adversários mais perigosos, foi prejudicado pelas alegações de que a sua família tinha beneficiado de empregos financiados durante anos pelos contribuintes. O Partido Socialista ruiu e o seu candidato foi abandonado pelos eleitores que queriam punir Hollande, o Presidente mais impopular da França desde a II Guerra Mundial. Macron preside a uma nação que, quando a Grã-Bretanha deixar a UE em 2019, se tornará o único Estado membro com armas nucleares e assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. A votação também mostrou que os sessenta e sete milhões de franceses estão profundamente divididos, angustiados pelo terrorismo e pelo desemprego crónico, preocupados com o impacto cultural e económico da imigração e temendo a capacidade da França de competir com gigantes como China e o Google. Macron prometeu uma França que iria enfrentar a Rússia, mas que também iria procurar trabalhar com o Vladimir Putin na luta contra o Estado Islâmico, cujos extremistas reivindicaram ou inspiraram vários ataques na França, desde 2015. Tendo tomado posse a 14 de Maio de 2007, o novo Presidente francês tem um vasto e ambicioso programa liberal – conservador, que não é de esquerda, nem de direita, não se propondo reformar a França, mas transformá-la, sem rupturas, baseadas no trabalho e responsabilidade. Quanto à área económica propõe medidas como o eliminar de cento e vinte mil postos de trabalho na administração pública nos próximos cinco anos; realizar uma poupança na despesa pública de sessenta mil milhões de euros durante o seu mandato; destinar cinquenta mil milhões de euros ao investimento público nos sectores de futuro; cortar o cabaz de impostos que sobrecarregam as empresas, acompanhada da redução dos impostos locais. A estratégia económica procurará melhorar as despesas públicas, responsabilizar os particulares e relançar o emprego com investimentos, para além de financiar a educação e a formação profissional. Quanto à área social propõe uma reforma global do sistema nacional de contribuições e de protecção social, procurando flexibilizar o mercado de trabalho, assim como a aposentação, que sofrerá uma grande mudança. Quanto à área política propõe moralizar a vida política, com legislação mais apropriada, considerando-se a favor de uma reforma parcial do modelo eleitoral a duas voltas, benéfico aos grandes partidos, por um modelo com certa dose de proporcionalidade, para facilitar a situação dos partidos mais jovens e emergentes. Quanto à área da segurança propõe reforçar a polícia e as forças de segurança, sugerindo novas formas de cooperação europeia. Quanto à UE considera que já funciona a várias velocidades, sendo a favorável ao inicio de reformas feitas por outros países, para poder adquirir poder e prestigio na Europa. Quanto à área social e cultural aposta no modelo laico francês, avançando ideias mais ou menos gerais e pouco comprometedoras sobre a nova França multicultural. O presidente social reformista maquilha todas as suas iniciativas com doses aleatórias de ecologia, radicalismo e respeito à diversidade. O ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Sigmar Gabriel, disse uma verdade cruel: se o Presidente Macron falhar nos próximos cinco anos, Le Pen será Presidente, e o projecto europeu será como um osso atirado aos cães. A UE por sua parte terá de voltar à essência e natureza do projecto da sua fundação, deixando de ser a Europa dos políticos, tecnocratas e burocratas, para passar efectivamente a ser a tão anunciada e desejada e não praticada, Europa dos cidadãos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA diplomacia de Cubo de Rubik “Classic geopolitical concerns such as the nuclear non-proliferation regime, the maintenance of the reputation of United States as nuclear and global hegemon, Sino-Japanese hostility, Sino-US distrust and the Taiwan Straits issue, and the desire of Russia to participate in regional security and development schemes are all super-imposed on and shape the fundamental insecurity of Korea.” “Complexity, Security and Civil Society in East Asia: Foreign Policies and the Korean Peninsula” – Peter Hayes and Kiho Yi [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] palavra dissuasão soa a mofo, pois trata-se de uma construção da Guerra Fria, e era uma teoria complicada, seguida de um conjunto de políticas em evolução que mantiveram os Estados Unidos e a União Soviética em um Armagedão nuclear. Foi em grande parte uma bolinha de neve durante a era do após Guerra Fria. Trata-se do passado e actualmente com um novo conjunto de ameaças em todo o mundo, como na Coreia do Norte, Síria, Estados Bálticos e Mar do Sul da China, o governo do presidente Donald Trump poderá ser beneficiado se reaprender e reaplicar as lições de dissuasão para esta nova era turbulenta. Qual a razão pela qual a dissuasão interessa? A primeira razão é porque o poder americano de dissuadir é fraco para manter as alianças dos Estados Unidos, e a administração de Donald Trump pode não conseguir impedir outros países de os atacar com armas nucleares. Muito poucos duvidariam da disposição dos Estados Unidos, ou da sua capacidade para neutralizar qualquer país que lançasse um ataque nuclear contra o seu território. A administração Obama redescobriu o seu significado, quando a Rússia anexou a Crimeia e invadiu a Ucrânia, e constatou que os Estados Unidos tinham um problema crescente em dissuadir os adversários de usar armas convencionais, ou mesmo comandos especiais operacionais para atacar Estados regionais fracos, o que é profundamente desestabilizador. A segunda razão pela qual a dissuasão importa, é que as ameaças à segurança dos Estados Unidos e dos seus aliados estão a aumentar. As guerras das últimas décadas, especialmente a partir do 11 de Setembro de 2001, tiveram um grande custo para os Estados Unidos. Os Estados Unidos lutaram em guerras prolongadas como nos Balcãs, no colapso da Somália, nos conflitos do Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria, e viveram a crescente crise sobre as ambições nucleares do Irão, mas nenhuma dessas ameaças era existencial. Ainda não existiu qualquer ameaça que pusesse em causa a sobrevivência do povo americano, ou a destruição em larga escala do seu território, e nenhuma situação ameaçou directamente os principais aliados dos Estados Unidos, à excepção da guerra psicológica que a Coreia do Norte tem criado com o desenvolvimento de um denominado, mas não comprovado programa nuclear, com armas nucleares capazes de atingir a Coreia do Sul, Japão e menos provável, o solo americano. As ameaças emergentes ao longo do próximo quarto de século, provavelmente, serão muito mais consequentes. A China, Rússia e Coreia do Norte estão a modernizar rapidamente os seus arsenais nucleares e actualizar os seus sistemas de defesa. A Rússia e a China também estão a melhorar amplamente as suas capacidades militares convencionais, mudando o equilíbrio de poder e criando novas incertezas. As armas químicas e biológicas são mais fáceis de obter do que nunca, a ameaça dos ataques cibernéticos parece ilimitada e o terrorismo internacional não vai desaparecer em breve. Como será possível aos Estados Unidos dissuadir essas ameaças? Deve em primeiro lugar, entender que não existe uma dissuasão global. Em vez disso, precisa de impedir um adversário específico de tomar uma acção especial. A dissuasão significa antecipar as intenções de um adversário e influenciá-las. Os Estados Unidos não podem, por exemplo, dissuadir a Rússia. No entanto, podem planear dissuadir o presidente Vladimir Putin de apoderar-se da Estónia, rapidamente. Há dois anos, os especialistas em geoestratégia advertiram que tal cenário era bastante provável. A NATO e os Estados Unidos desde então, tomaram medidas para incutir dúvidas na mente dos líderes russos, que tal ataque poderia ter êxito. Os Estados Unidos, igualmente, podem impedir a Coreia do Norte de iniciar um ataque nuclear contra a República da Coreia ou do Japão, ou iniciar um ataque convencional de grande escala contra a Coreia do Norte. Em ambos os casos, os Estados Unidos e os seus aliados oferecem respostas credíveis que seriam tanto esmagadoras quanto devastadoras. É de acreditar que será difícil, senão impossível, os Estados Unidos ou mesmo a China impedir a Coreia do Norte de continuar com o seu programa de desenvolvimento de armas nucleares, pois está a fazer por instinto de sobrevivência, ou pelas provocações regulares do sul, que lhe trouxeram atenção internacional e recompensas ao longo de décadas. O fim do programa nuclear norte-coreano exigirá um acordo negociado, que possivelmente obrigará que a China seja uma garantia do regime. A abordagem holística para essas ameaças deve incluir o aumento das capacidades da administração de Donald Trump para antecipar ameaças emergentes, incluindo eventos, que são improváveis que aconteçam, mas que seriam devastadores se ocorrerem. Os Estados Unidos nunca conseguirão prever o futuro, mas podem antever múltiplas possibilidades e tomar as medidas apropriadas. Os planeadores civis e militares, também devem desenvolver políticas e capacidades específicas para dissuadir as grandes ameaças que podem augurar, devendo enfatizar os meios convencionais de dissuasão, mais do que os meios nucleares. As ameaças dos Estados Unidos precisam de ser credíveis e prepararem-se para dissuadir em vários domínios, incluindo o espaço e o ciberespaço, devendo adaptar as capacidades de dissuasão e mensagens para influenciar distintos potenciais adversários. O que afasta Vladimir Putin pode não perturbar Kim Jong-un. Algumas ameaças não serão antecipadas ou dissuadidas, como as pandemias, desastres naturais ou ataques furtivos, por exemplo. Aumentar a resiliência nacional poderá ajudar os Estados Unidos a recuperarem-se mais rapidamente e de forma mais sólida de quaisquer desastres ou ataques que ocorram. A interrupção pode ser inevitável, mas a antecipação, dissuasão e resiliência podem ajudar. Os Estados Unidos, amigos e aliados, por mais de sete décadas, construíram uma ordem internacional liberal que abriu uma era de paz e prosperidade sem precedentes. Actualmente, e após quinze anos de guerras inconclusivas, desencanto generalizado com o desempenho económico do país e uma eleição presidencial polarizadora que dividiu os americanos, e que levaram à eleição de um presidente mal preparado e imprevisível, que após cem dias de governo, apresenta 54 por cento de descontentamento e que começam a desconfiar do seu governo. As grandes mudanças de poder e realinhamentos estão a ocorrer por todo o mundo. A administração de Donald Trump terá de lidar com a modernização militar russa e chinesa e posições mais agressivas, mas procurar a sua cooperação em questões de segurança globais e económicas, exigirá uma diplomacia hábil de “Cubo de Rubik”. O pensamento multidimensional e a capacidade de gerir relacionamentos ambíguos, com governos que têm interesses compartilhados e conflituantes será um desafio. As perspectivas de crescimento dos Estados Unidos são melhores do que as de outro grande país desenvolvido, e está melhor posicionado do que qualquer dos seus rivais para resolver problemas, incluindo a dívida, empregos, deslocação e demografia. O lento crescimento global, a fraqueza do mercado de trabalho interno e a relação recorde da dívida/PIB serão enormes desafios. Os Estados Unidos não enfrentam nenhuma ameaça existencial, mas a liderança americana será necessária para enfrentar ameaças potencialmente existenciais de armas nucleares russas e chinesas, ameaças biológicas emergentes e alterações climáticas repentinas. Reduzir estas ameaças supranacionais é um interesse central dos Estados Unidos. Os únicos adversários não aliados dos Estados Unidos são a Coreia do Norte e os violentos movimentos jiadistas, como o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL na sigla inglesa), a Al Qaeda e grupos similares. A nova era que se apresenta, está cheia de desafios importantes aos interesses dos Estados Unidos, e exigirá que se adaptem a mudanças e realinhamentos internacionais significativos. Os realinhamentos na Ásia incluem a sempre agressiva Coreia do Norte, que continua a testar as suas armas nucleares e os mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs na sigla inglesa) para os lançar. A China reafirmou o seu apoio básico ao regime norte-coreano, apesar das relações com o jovem líder Kim Jong-un, estando a exercer pressão no sentido da desistência do programa nuclear, que será extremamente difícil de acontecer. A Coreia do Norte é o país mais secreto e estranho do mundo. A fome é horrenda e desenfreada. A tortura e a execução comuns, infligidos por uma única família que perpetua um culto de personalidade, tornou-se em um hábito. O seu líder, exibe a letal paranóia dos ditadores, tendo assassinado vários altos funcionários e familiares, mais recentemente, o seu meio-irmão em um aeroporto da Malásia como uma advertência pública. O líder norte-coreano aprendeu com Muamar Kadafi o que acontece quando um tirano desiste de armas nucleares. Quer no exterior, como internamente, o medo garante a sobrevivência e as suas ogivas nucleares proliferam. Os seus testes de ICBMs aceleram e por erro de cálculo ou desenho, a Coreia do Norte poderá desencadear uma calamidade nuclear. As três décadas de mudança de estratégias americanas, como ameaças, negociações, sanções, ajuda e isolamento, deixaram aos Estados Unidos e aos seus aliados um perigo nuclear. A China, ex-inimigo da Coreia do Sul, tornou-se no seu principal parceiro comercial, mas as relações têm sido desgastadas, pelas crescentes ameaças de um ataque nuclear pela Coreia do Norte, levando os Estados Unidos a instalar o sistema anti-mísseis balístico, denominado de “Sistema de Defesa Terminal de Área a Grande Altitude (THAAD na sigla em inglês) ”. A China considera que o dispositivo é uma ameaça à sua segurança. As Filipinas, sob a presidência de Rodrigo Duterte, melhoraram as relações com a China e Rússia, e criticaram duramente os Estados Unidos. Enquanto os Estados Unidos são muito populares no país, a postura do presidente Duterte lançou alguma dúvida sobre o futuro do “Tratado de Defesa Mútua”, acordado em 30 de Agosto de 1951, entre os dois países, acrescido das graves violações aos direitos humanos, pelo assassinato de traficantes e consumidores de droga, considerados crimes contra a humanidade. O Vietname ameaçado pelas reivindicações marítimas da China está a fortalecer os laços de segurança com o Japão e os Estados Unidos. Outros países da “Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN na sigla em inglês) ” e a Austrália também estão a trabalhar com os Estados Unidos para melhorar suas capacidades marítimas. O Japão está a aumentar as despesas militares, e a fomentar relações de defesa mais fortes com o Vietname, Birmânia, Filipinas e Austrália, para equilibrar a influência da China. O recente pedido de desculpas do Japão à Coreia do Sul pelo uso de “mulheres de conforto”, abre a porta para uma maior cooperação em questões de segurança entre os dois países. O Japão preocupado com as actividades marítimas da China, tem forçado o “Conceito de Diamante” no qual os Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia formariam os quatro pontos de uma zona de segurança, em forma de diamante no Indo-Pacífico. A Índia há muito tempo segue uma política externa não-alinhada, compartilhando com os Estados Unidos preocupações sobre a construção naval chinesa no Indo-Pacífico. Ao mesmo tempo, a Índia está a alargar a cooperação em matéria de segurança com o Japão, cooperando em tecnologia de defesa, partilha de conhecimentos e modernização de infra-estrutura nas Ilhas Andaman, mantendo vínculos estreitos com a Rússia, seu fornecedor tradicional de armas.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sacrossanta soberania da Síria “For the Foreseeable Future, No Government Will Be Able to Rule All of What Was the Modern State of Syria Assad’s forces, with external support, appear to have stalemated a fragmented rebel movement, but Assad will not be able to restore his authority throughout the country.” “The Dynamics of Syria’s Civil War” – Brian Michael Jenkins [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda que nunca tenha sido articulada em termos tão rígidos, um dos objectivos principais dos Tratados de Vestefália, que foram assinados para pôr termo à Guerra dos Trinta Anos, em 1648, tinham como ideia basilar a de “nunca mais vir a acontecer”. Os termos dos tratados procuraram, em última análise, assegurar que o mundo pudesse estar para sempre livre do envolvimento de forças externas em conflitos internos, que tornaram a Guerra dos Trinta Anos tão prolongada e catastrófica. As numerosas intervenções estrangeiras na actual Guerra Civil Síria demonstraram, incluindo mais recentemente, os ataques de mísseis de cruzeiro pelos Estados Unidos, em 6 de Abril de 2017, que esta visão está a tornar-se cada vez mais ruinosa. O mundo tem razão em diluir o poder da soberania desde 1945, no entanto, a presença e o impacto de intervenções estrangeiras repetidas na Síria lembra-nos, a razão pela qual a soberania foi concebida, e devemos quiçá, encontrar rapidamente um seu substituto. A Guerra dos Trinta Anos foi uma das mais sangrentas e destrutivas da história, com cerca de sete milhões e quinhentas mil pessoas mortas, devido às batalhas travadas e doenças, além das atrocidades do governo. É de realçar que sendo um assunto predominantemente interno sobre a política e religião das províncias alemãs no Sacro Império Romano, a crise transformou-se numa guerra pan-europeia, que foi dominada pelas intervenções de potências estrangeiras. Essas intrusões, aconteceram principalmente, como resposta ao aumento e diminuição das fortunas dos vários lados, quando os protestantes pareciam estar à beira da vitória, sofreriam a oposição dos Estados Católicos externos, e quando os católicos prosperassem, seriam rejeitados por poderes Protestantes externos, e como resultado, o conflito arrastou-se em um ciclo aparentemente interminável de violência. A imagem de uma miríade de exércitos estrangeiros marchando de um lado para outro pelo solo alemão, deixando a morte e a carnificina no seu caminho, resumem o conflito. O princípio central que emergiu dos Tratados de Vestefália no fim da guerra, foi a deliberação de que o príncipe de cada Estado, decidia que tipo de Cristianismo devia seguir no seu domínio. O tempo fez evoluir para a moderna soberania estatal como a conhecemos, com a sua crença de que os assuntos internos de um Estado estão exclusivamente sob a jurisdição do seu governo. Mas o fundamento subjacente à criação desse princípio é muitas vezes ignorado. Os Tratados de Vestefália foram redigidos com a determinação de que a horrível saga, que a Alemanha tinha experimentado, nunca mais deveria ocorrer. Tendo em consideração essa ideia, o envolvimento militar de um Estado nos assuntos de outro seria considerado inaceitável, pelo menos parcialmente, para impedir que as potências estrangeiras alargassem as guerras civis, através de intervenções repetidas em nome do lado perdedor. O paralelismo entre as intervenções estrangeiras na Guerra dos Trinta Anos e a presença estrangeira na Síria são bastante claros. A lista completa de incursões externas é muito longa. Durante os primeiros anos do conflito, quando os rebeldes ainda estavam a lutar para encontrar o seu caminho, os seus esforços foram assistidos pelo fornecimento de grandes quantidades de armas e outras ajudas pelo Qatar, Arábia Saudita, Jordânia e de vários outros Estados árabes. O arranjo foi formalizado em 2013, quando a Liga Árabe oficialmente aprovou o fornecimento de armas e financiamento para apoiar os grupos rebeldes. Os Estados Unidos e outros estados ocidentais, também forneceram quantidades limitadas de armas e ajuda não letal. Os esforços foram parcialmente compensados pelo apoio limitado ao regime de Assad, pelo Irão, Rússia e Hezbollah, mas os rebeldes foram, no entanto, suficientemente reforçados para que pudessem estabilizar as suas posições e, mais tarde, pressionar o governo. A situação inverteu-se, no final de 2015, e as perspectivas militares pareciam tão sombrias para o governo sírio, que muitos especialistas previram o seu fim iminente. A Rússia, nesta fase, intercedeu mais fortemente para apoiar o regime de Assad, através do envio de conselheiros militares, desenvolvimento de ataques aéreos e o aumento de fornecimento de armamento e ajuda, permitindo ao governo recuperar gradualmente vantagem sobre os opositores. Quando o governo sírio parece aproximar-se de um ponto em que a vitória pode estar quase ao seu alcance, os Estados Unidos intervieram disparando cinquenta e nove mísseis Tomahawk, e ameaçam com novas acções em um futuro próximo, o que promete trazer de novo, o equilíbrio de poder ao “status quo” anterior, uma vez mais, e mergulhar a guerra em um estado de indecisão e mudança. Os numerosos grupos internos apoiados externamente, continuarão a conflituar agressivamente uns contra os outros, causando ainda mais sofrimento humano, mas sem perspectiva de vitória para qualquer um dos lados. Tais intervenções e o seu impacto, reflectem o mesmo modelo que levou a guerra civil na Alemanha a durar trinta longos e dolorosos anos, e não são só as actividades dos poderes externos na Síria que compartilham paralelismos com a Guerra dos Trinta Anos, mas também as motivações por detrás das suas acções. É de considerar que na Guerra dos Trinta Anos, os poderes externos não intervieram, apenas porque queriam defender os direitos políticos e religiosos de certas facções, mas também porque a guerra civil oferecia uma arena longe das suas terras, onde podiam demonstrar o seu poder na cena internacional, fazer valer as suas ideias estratégicas, e controlar as ambições dos seus rivais. O rei Gustavo II da Suécia, por exemplo, decidiu mergulhar-se no conflito, em parte porque temia que os seus rivais estrangeiros adquirissem demasiado poder se a facção católica na Alemanha saísse vitoriosa. A semelhança com a Síria é notável. A Arábia Saudita, por exemplo, possui genuína repulsa contra a opressão exercida pelo governo sírio contra o seu próprio povo. No entanto, também é motivado a apoiar os rebeldes pela realização estratégica de que o derrube do regime de Assad, seria provavelmente mudar o equilíbrio regional de poder. A Rússia, da mesma forma, em 2015, interveio em parte para lembrar ao mundo o seu grande estatuto de potência, estimular um dos seus poucos aliados e exercer maior influência na região. Mais recentemente, apesar das reivindicações formais de ter atacado o governo sírio como punição pelo uso ilegal e desumano de armas químicas, o governo americano parece ter aderido à guerra por várias outras razões, e que incluem o desejo de mostrar a sua rivalidade com a Rússia à sua população, demonstrar a disponibilidade para usar a força militar como sanção contra os Estados que cometam atrocidades dos direitos humanos, e empregar armas de destruição massiva (uma ameaça não muito subtil contra a Coreia do Norte). É sinal de que os Estados Unidos estão a rejuvenescer a sua posição como poder global, sob a batuta do novo presidente. A Síria, da mesma forma que a situação na Alemanha forneceu um motivo distante para que esses e outros estados estrangeiros se esforçassem por avançar nas suas políticas individuais, prejudicassem as dos seus concorrentes, comunicassem a sua força e resolução a outros Estados, e enviassem mensagens a audiências internas. Através da criação de uma versão inicial da soberania, os redactores da paz vestefaliana aspiravam criar um mundo mais seguro, em que o tipo de tragédia criado pela Guerra dos Trinta Anos poderia ser evitado para sempre. Se nenhuma potência estrangeira tivesse sido autorizada a intervir na guerra civil alemã, a lógica provavelmente demonstraria que o conflito teria permanecido predominantemente local, e teria muito menos mortes e devastação. No entanto, séculos subsequentes demonstraram, quão errada foi esta solução. A norma de não interferência permitiu e até incentivou o mundo a ficar de braços cruzados, enquanto centenas de milhões de pessoas foram mortas pelos regimes fascistas, comunistas e outros ditadores, a fechar os olhos ao horroroso genocídio e às campanhas de extermínio dos governos nazi e japonês na década de 1930, até que forçarem a invasão de outros países, e desviar o olhar para o genocídio levado a cabo no Ruanda. Estes e muitos outros casos, demonstraram as insuficiências inaceitáveis do sistema vestefaliano, e a sua ênfase na não interferência. Simplesmente não podemos e não devemos viver num mundo, em que os tiranos podem cometer atrocidades contra o seu povo livremente, e sem consequências. A resposta global às falhas do sistema vestefaliano, foi diluir a robustez da soberania e começar a cortejar o intervencionismo mais uma vez. Vários tratados internacionais, por exemplo, permitem que os Estados possam interceder nos assuntos de outros Estados, quando crimes internos de suficiente grandeza ou tipo tenham sido cometidos. Na sequência dos fracassos da manutenção da paz da ONU, na década de 1990, a Organização libertou as protecções concedidas aos Estados através da soberania, com a criação da “Responsabilidade de Proteger”, que é uma doutrina que concede um direito e um encargo sobre os Estados de intervir nos assuntos de outros Estados, quando determinados crimes são cometidos. Foi criado também um Tribunal Penal Internacional, que pode julgar suspeitos de violação dos direitos humanos quando o seu Estado de origem é incapaz ou não está disposto a fazê-lo. Dadas as terríveis atrocidades que foram cometidas ao abrigo da soberania e das suas protecções, o regresso ao princípio da sua inviolabilidade tem um sentido considerável. Os Estados não podem ficar de braços cruzados enquanto o genocídio e outros crimes contra a humanidade são cometidos além das suas fronteiras, sendo ao invés, idóneos e obrigados a agir nestes casos, o que é certamente algo de valioso. No entanto, quando olhamos para a Síria, é difícil não ver a mesma mecânica que levou a Guerra dos Trinta Anos a ser tão demorada e prejudicial. A intervenção externa de potências estrangeiras está a prolongar e intensificar a guerra na Síria, assim como as forças externas fizeram na Alemanha, quase quatro séculos atrás. A tentativa de solução para este problema que foi alcançado na Vestefália, levou a um sofrimento ainda maior, ao permitir que os ditadores abusassem dos seus súbditos, e é justo que a soberania não seja mais considerada sacrossanta. No entanto, isso não altera a existência do problema original que levou à sua criação em 1648. Ao adoptar a norma do intervencionismo, as maiores potências do mundo estão a redescobrir a razão pela qual foi banido na Vestefália há tantos anos. A soberania e o intervencionismo não são a resposta certa para o problema. É necessário e urgente encontrar uma melhor solução, ou então o povo sírio ainda pode enfrentar mais vinte e três anos de guerra e miséria.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO aquecimento global como desafio ambiental “We will know only what we are taught; we will be taught only what others deem is important to know; and we will learn to value that which is important.” Native American proverb [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Terra não herdámos dos nossos antepassados, mas sim tomámos emprestada dos nossos filhos. Este antigo e nativo provérbio americano e o que implica, soam actualmente, como se tornou cada vez mais óbvio, que as acções das pessoas e as interacções com o ambiente afectam não só as condições de vida, mas também as de muitas gerações futuras. Os seres humanos devem analisar o efeito que têm sobre o clima da Terra, e como as suas escolhas terão um impacto sobre as gerações futuras. Muitos anos antes, Mark Twain, disse que “O mundo todo fala sobre o clima, mas ninguém faz nada”, o que não é mais verdade. Os seres humanos estão a mudar o clima do mundo, e assim o clima local, regional e global. Os cientistas dizem-nos que o ambiente é o que nós esperamos, e o clima o que obtemos. As alterações climáticas, ocorrem quando esse clima médio muda a longo prazo, em um local específico, uma região ou todo o planeta. O aquecimento global e as alterações climáticas são temas urgentes, de discussão diários nos meios de comunicação social, conversas e até mesmo nos filmes de terror. Quanto significa de facto? O que representa o aquecimento global para as pessoas? O que deveria significar? são das questões mais importantes. O aquecimento global e as suas ameaças são reais. Tal como os cientistas desvendam os mistérios do passado, e analisam as actividades actuais, alertando que as gerações futuras podem estar em perigo. Há uma evidência esmagadora de que as actividades humanas estão a mudar o clima do mundo. A atmosfera terrestre pouco mudou nos últimos milhares de anos, mas actualmente, existem problemas em manter o equilíbrio. Os gases de efeito estufa estão a ser adicionados à atmosfera a uma taxa alarmante. A partir da Revolução Industrial, nos finais do século XVIII e início do século XIX, as actividades humanas de transporte, agricultura, queima combustíveis fósseis e biomassa, eliminação e tratamento de resíduos, desflorestação, centrais eléctricas, uso da terra, e processos industriais, têm sido os maiores contribuintes para a concentração dos gases de efeito de estufa. Essas actividades estão a mudar a atmosfera mais rapidamente, do que os seres humanos enfrentaram alguma vez. Alguns pensam que aquecer a atmosfera da Terra por alguns graus é inofensivo e não poderia ter nenhum efeito sobre os seres humanos, mas o aquecimento global é mais do que apenas uma tendência de aquecimento ou arrefecimento. O aquecimento global pode ter consequências ambientais, sociais e económicas imprevisíveis e de longo alcance. A Terra viveu uma idade de gelo de treze mil anos no passado. As temperaturas globais aqueceram depois cinco graus e fundiram as vastas camadas de gelo, que cobriram grande parte do continente norte-americano. Os cientistas prevêem que as temperaturas médias podem subir sete graus durante este século. O que acontecerá com os restantes glaciares e calotes polares? Se as temperaturas subirem, como prevêem os cientistas, haverá menos água doce disponível, e um terço da população mundial, ou mais de dois mil milhões de pessoas sofrerão de falta de água. A falta de água impedirá que os agricultores cultivem as terras e produzam alimentos, o que também irá destruir permanentemente peixes sensíveis e habitats de vida selvagem. À medida que os níveis do oceano subirem, o litoral e as ilhas serão inundadas e destruídas. As vagas de calor podem matar dezenas de milhares de pessoas e com temperaturas mais quentes, surtos de doenças se espalharão e intensificarão. Esporos de fungos ou mofos na atmosfera irão aumentar, afectando os que sofrem de alergias. Um aumento severo no clima poderia resultar em furacões semelhantes ou mesmo mais forte do que o Katrina, em 2005, que destruiu grandes áreas do sudeste dos Estados Unidos. As temperaturas mais elevadas farão com que outras áreas, sequem e se tornem mecha para incêndios florestais maiores e mais devastadores que ameaçam florestas, vida selvagem e casas. Se a seca destruir as florestas tropicais, os combustíveis fósseis e a poluição da Terra serão afectados, prejudicando a água, ar, vegetação e toda a vida. Ainda que, os Estados Unidos tenham sido um dos maiores contribuintes para o aquecimento global, situa-se muito abaixo dos países e regiões, como o Canadá, Austrália e Europa Ocidental, a tomar medidas para corrigir o dano que tem sido produzido. O aquecimento global é um conjunto multi-volume que explora o conceito de que cada pessoa é membro de uma família global, que compartilha a responsabilidade de corrigir esse problema. Na verdade, a única maneira de corrigi-lo é o trabalho conjunto em direcção a um objectivo comum. Um dos maiores contribuintes causados pelo homem para o aquecimento global, são os gases de efeito estufa, emitidos para a atmosfera através da queima contínua de combustíveis fósseis. Enormes quantidades de gases de efeito estufa, como o vapor de água, dióxido de carbono (CO2), metano, óxido nitroso e ozónio, são emitidos diariamente. Durante muitos anos, os Estados Unidos foram o maior contribuinte, mas a China e a Índia, devido às suas revoluções industriais, tornaram-se o maior emissor de CO2 do mundo. Os combustíveis fósseis, como o petróleo, gás natural e carvão, são as principais fontes de energia dos Estados Unidos, representando 85 por cento do consumo actual de combustível para fins de transporte, industrial, comercial e residencial. Quando os combustíveis fósseis são queimados, entre os gases emitidos, um dos mais significativos é o CO2, que é um gás que retém o calor na atmosfera da Terra. A queima de combustíveis fósseis, nos últimos 200 anos, resultou em mais de 25 por cento de aumento na quantidade de CO2 na atmosfera. Os combustíveis fósseis também estão implicados no aumento dos níveis de metano atmosférico e óxido nitroso, embora não sejam a principal fonte desses gases. O carbono negro é uma forma de poluição do ar em partículas, produzida pela queima de biomassa, cozimento com combustíveis sólidos e gases de escape diesel, e tem um efeito de aquecimento na atmosfera, três a quatro vezes maior do que o previamente calculado. A fuligem e outras formas de carbono negro podem contribuir com até 60 por cento do actual efeito de aquecimento global de CO2, mais do que qualquer outro gás de efeito estufa, além do CO2. Nos últimos anos, entre 25 e 35 por cento do carbono negro na atmosfera global, provêm da China e da Índia, emitido pela queima de madeira e esterco de vaca nas cozinhas domésticas e pelo uso de carvão para aquecer as habitações. Os países da Europa e outros países que dependem fortemente de combustível diesel para o transporte, também contribuem com grandes quantidades. Desde que registos confiáveis começaram no final dos anos 1800 a ser efectuados, a temperatura média global da superfície terrestre aumentou entre 0.3 e 0.6 graus. Os cientistas do “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa)”, concluíram em um relatório de 1995, que o aumento observado na temperatura média global no último século, provavelmente, não será de origem totalmente natural, e que o balanço das evidências sugere que há uma ” Influência humana discernível no clima global “. O ar limpo também é essencial para a vida, boa saúde e qualidade de vida. Vários poluentes importantes são produzidos pela combustão de combustíveis fósseis e emitidos directamente na atmosfera, como o monóxido de carbono, óxidos de nitrogénio, óxidos de enxofre e hidrocarbonetos. É de considerar também, as partículas suspensas totais (minúsculas partículas aerotransportadas de aerossóis com menos de 100 micrómetros [um micrómetro é de 1/1000 de milímetro], que constantemente entram na atmosfera, tanto por meio de processos industriais e veículos motorizados], e fontes naturais [de pólen e de partículas de sal]) contribuem para a poluição do ar, e os óxidos de nitrogénio e os hidrocarbonetos podem combinar na atmosfera, para formar o ozónio troposférico, componente principal da poluição atmosférica. As emissões de combustíveis fósseis são adicionadas à atmosfera por vários meios. O maior contribuinte é o sector dos transportes. Os automóveis são a principal fonte de emissões de monóxido de carbono. Os dois óxidos de nitrogénio – dióxido de nitrogénio e óxido nítrico são formados durante a combustão. Os óxidos de nitrogénio aparecem como nuvens castanhas amareladas sobre muitos arranha-céus das cidades. Os óxidos de enxofre são produzidos pela oxidação do enxofre disponível em um combustível. Os hidrocarbonetos são emitidos de fontes humanas, tais como os escapes de automóveis e motociclos. O uso de combustíveis fósseis também produz partículas, incluindo poeira, fuligem, fumaça e outras matérias em suspensão, que são substâncias irritantes das vias respiratórias. A poluição do ar forma frequentemente a névoa acastanhada predominante, que foi denominada por nuvem marrom atmosférica. Esse nevoeiro com fumaça, está a causar efeitos ambientais sérios. É um perigo para a saúde pública, causando problemas respiratórios graves em todo o mundo. O aquecimento global é o desafio ambiental mais urgente do século XXI. Devido à dependência contínua do mundo dos combustíveis fósseis como fonte de energia, os níveis de gases de efeito estufa, estão a aumentar constantemente na atmosfera e a aquecer a Terra. Se a acção correctiva não for tomada, as temperaturas continuarão a subir, causando a destruição mundial dos ecossistemas e a extinção das espécies. O maior contribuinte para o aquecimento da atmosfera é o uso excessivo de combustíveis fósseis para a produção de energia. Se não forem empregues tecnologias mais eficientes e limpas, fontes de energia renováveis, como a energia eólica, energia solar, células de combustível ou energia geotérmica, para substituírem os combustíveis fósseis, não haverá esperança de controlar o aquecimento global. Os combustíveis fósseis são hidrocarbonetos, derivados de carvão e petróleo (óleo combustível ou gás natural) e são formados a partir de restos fossilizados de plantas e animais enterrados, que foram submetidos ao calor e à pressão na crosta terrestre durante centenas de milhões de anos. Os combustíveis fósseis também incluem substâncias como o xisto betuminoso e areias betuminosas, que contêm hidrocarbonetos que não são derivados exclusivamente de fontes biológicas, e referidos como combustíveis minerais. Actualmente, a maior parte da indústria do mundo desenvolvido depende fortemente de combustíveis fósseis para produzir a energia necessária ao fabrico de bens e serviços. O calor derivado da queima de combustíveis fósseis, também é usado para aquecimento e convertido em energia mecânica para veículos e produção de energia eléctrica. A queima de combustíveis fósseis é a maior fonte de emissões de dióxido de carbono (CO2). Infelizmente, o seu uso está a aumentar constantemente. Um dos maiores dilemas que enfrentamos é que a China e a Índia, em 2012, na sua corrida para modernizar e industrializar, tinham um plano para construir mais de oitocentas centrais a carvão, e aumentar as emissões de CO2. A China desistiu da construção de 104 centrais a carvão. Os combustíveis fósseis são compostos quase inteiramente de carbono, e quando são queimados, como em uma central a carvão ou na forma de gasolina, o carbono de que são compostos é libertado na atmosfera sob a forma de CO2. Os combustíveis fósseis mais comuns são o carvão, gás natural e petróleo. Outro gás fóssil, o gás liquefeito de petróleo (GLP), é principalmente derivado da produção de gás natural. Segundo o último relatório da OMS, morrem anualmente 1,7 milhões de crianças de idade inferior a cinco anos por causas relacionadas com o meio ambiente. A redução dos riscos ambientais poderia evitar uma quarta parte dessas mortes. Entre os riscos ambientais encontram-se a poluição do ar, os produtos químicos e o deficiente fornecimento de água, o saneamento e a higiene. A minimização destes riscos é fundamental para proteger as crianças e alcançar os “Objectivos do Desenvolvimento Sustentável”. As exposições a agentes ambientais começam na vida intra-uterina e podem ter efeitos para toda a vida. As crianças e adolescentes estão expostos a diversos perigos presentes nos ambientes em que vivem, aprendem e brincam. A poluição do ar é uma ameaça invisível para a saúde das crianças. A poluição do ar causa anualmente a morte de 570.000 crianças de idade inferior a cinco anos de idade, incluindo-se a exposição ao fumo do tabaco de terceiros e a poluição atmosférica do ar interior. A poluição do ar pode afectar nas crianças a dificuldade de desenvolvimento intelectual, reduzir a função pulmonar e causar asma e criar as condições para o aparecimento de problemas futuros, como os diversos tipos de cancro, doenças respiratórias crónicas, doenças cardiovasculares e acidentes cerebrovasculares. A cada ano morrem de pneumonia cerca de 1 milhão de crianças. A metade desses casos está relacionada com a poluição do ar. Quando aprenderão a maioria dos países a legislar em conformidade com as instruções e relatórios da OMS?
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO populismo étnico em marcha “Populist leaders like Donald Trump, Marine Le Pen, Norbert Hoffer, Nigel Farage, and Geert Wilders are prominent today in many countries, altering established patterns of party competition in contemporary Western societies. Cas Mudde argues that the impact of populist parties has been exaggerated. But these parties have gained votes and seats in many countries, and entered government coalitions in eleven Western democracies, including in Austria, Italy and Switzerland. Across Europe, their average share of the vote in national and European parliamentary elections has more than doubled since the 1960s, from around 5.1% to 13.2%, at the expense of center parties. During the same era, their share of seats has tripled, from 3.8% to 12.8%. Even in countries without many elected populist representatives, these parties can still exert tremendous ‘blackmail’ pressure on mainstream parties, public discourse, and the policy agenda, as is illustrated by the UKIP’s role in catalyzing the British exit from the European Union, with massive consequences.” “Trump, Brexit, and the Rise of Populism: Economic Have-Nots and Cultural Backlash” / Harvard Kennedy School – Ronald F. Inglehart and Pippa Norris [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] voto britânico para abandonar a União Europeia (UE) e a eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos deixou muitos surpreendidos no passado ano. O economista e comentarista irlandês, David McWilliams, denominou 2016, como “o ano do outsider”. As previsões apontam que 2017 não será diferente, com eleições importantes que irão ocorrer por toda a Europa e muitos viram as eleições holandesas de 15 de Março de 2017, como “o primeiro grande teste” do que está por vir. O líder do Partido para a Liberdade (PVV, na sigla em língua holandesa) de extrema-direita Geert Wilders tinha proclamado uma “primavera patriótica” que podia aumentar as pressões sobre uma sitiada UE. O político holandês islamofóbico viveu sempre rodeado por fortes medidas de segurança, tendo por mais de uma década, passado a maior parte do tempo num refúgio desconhecido, ou em uma ala do Parlamento fortemente guardada. Este esquema de segurança, durante vinte e quatro horas, que raramente permitia a saída à rua, e para assistir a alguns eventos da campanha eleitoral, teve de deslocar-se em uma caravana de veículos blindados, devidos às constantes ameaças de morte, que recebe de extremistas enfurecidos pelas suas declarações contra o Islão, comparando o “Alcorão” ao livro “A Minha Luta” de Adolfo Hitler. O grande tema é de questionar a ideia de que as eleições holandesas marcaram o início de uma “primavera patriótica”, ou seja, a de que o povo retomará o controlo da elite a nível nacional e europeu. Até agora, a Europa dificilmente desempenhou qualquer papel na campanha eleitoral holandesa. Mesmo Geert Wilders pareceu afastar-se da questão. O co-investigador Stijn van Kessel no “projecto 28+perspectivas sobre o Brexit: um guia para as negociações com múltiplos intervenientes” da Universidade de Loughborough elaborou os dados que mostravam que os holandeses não queriam um “Nexit”. Além disso, outras questões prevaleceram na campanha. O tema mais dominante foi a economia holandesa e, em particular, a questão de saber que política prosseguir em tempos de superavit orçamental e baixa taxa desemprego. A economia é tipicamente, um tema que os políticos holandeses gostam de ligar à UE, acrescentados dos motes de “muita burocracia”, “somos pagadores líquidos” e “não mais dinheiro para a Grécia”. Mas, nesta campanha, os políticos ligaram-se à questão do que é importante para a sociedade holandesa, como o do dinheiro extra que deveria ter uma maior taxa de participação para a criação de mais empregos, reforma do sistema de saúde, investimento nas políticas de alterações climáticas e melhoria do sistema educacional. O outro tema abrangente é o que constitui a identidade holandesa no modelo da globalização. Uma “primavera patriótica” pressupunha debates sobre a identidade nacional, ameaçada por elites cosmopolitas e pressões externas. No entanto, na actual campanha eleitoral, a discussão pareceu ter sido mais matizada, centrada na redefinição da identidade nacional, sem necessariamente rejeitar a imigração e a integração europeia. Por exemplo, o líder do Partido Democrata Cristão (CDA, na sigla em língua holandesa) enfatizou os símbolos nacionais, trazendo a ideia dos alunos cantarem o hino nacional nas escolas. O líder do Partido de Esquerda Verde (GL, na sigla em língua holandesa), enfatizou uma cultura inclusiva de tolerância e diversidade. Além disso, é muito provável que Geert Wilders seja marginalizado após a derrota sofrida nas eleições. Primeiro, a maioria dos partidos declarou que não quer cooperar com o seu partido e pessoa. Em segundo lugar, uma semana antes das eleições, as últimas sondagens, também sugeriam que não iria ter o número elevado de votos que foi previsto algumas semanas antes, e que se veio a confirmar. Isso não significa que as suas ideias estejam a ser ignoradas, tal como aconteceu com frequência na história política holandesa, em que os partidos tradicionais já haviam adoptado alguns dos seus discursos populistas, e até mesmo nacionalistas sobre questões como a imigração e a integração europeia. A título de exemplo, em termos de valor nominal, as suas ideias parecem ser menos dignas, apesar de a identidade ter sido uma questão fundamental durante a campanha eleitoral, e que lhe pode ser atribuída, curiosamente, na trilha da alegada “primavera patriótica”, um contra-movimento que parece estar a surgir. A ascensão da direita populista é muitas vezes vista como um processo linear, começado com o Brexit e a eleição de Donald Trump, e continuado durante as eleições no continente europeu. Mas confrontados com as ideias populistas de direita de Geert Wilders, são um conjunto de crenças que realçam a diversidade e a abertura para influências externas, sendo mais visivelmente ilustrado, pelo crescente apoio ao Partido Democratas 66 (D66, na sigla em língua holandesa), que é progressista, liberal-social e radical democrata e o GL. A tendência semelhante na França e na Alemanha é notória, onde, respectivamente, o pro-europeu Emmanuel Macron e o ex-presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, estão a ter ganhos inesperados nas sondagens. Ambos, também sublinham as ideias de abertura e de tolerância, e a necessidade de cooperar a nível europeu. As urnas confirmaram a vitória do actual primeiro-ministro, o liberal de direita Mark Rutte, e revelaram que Geert Wilders, o candidato racista e antieuropeu que chegou a liderar as sondagens, não obteve tanto apoio como se esperava. Depois do Brexit e do êxito que representou a vitória de Donald Trump, o populismo xenófobo enfrenta, assim, a sua primeira derrota no Ocidente. As eleições holandesas não conduziram ao início de uma “primavera patriótica” da extrema-direita populista europeia, mas sim a um reequilíbrio da política europeia. Todavia analisadas mais profundamente as eleições holandesas, vimos que ao entardecer do dia das eleições, os meios de comunicação social de todo o mundo, anteciparam uma vitória não apenas para o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, na sigla em língua holandesa) liderado pelo actual primeiro-ministro Mark Rutte, mas uma vitória para a política racional, liberal, enquanto elogiavam a derrota esmagadora dos nacionalistas étnicos de Geert Wilders. O líder do VVD, de uma forma mais sóbria, em um discurso proferido depois de aparentemente o seu partido ter ostensivamente triunfado, declarou que os holandeses disseram não ao tipo errado de populismo. Mas esta é uma interpretação equivocada. Neste ano de eleições, que indicará se a UE pode sobreviver num futuro próximo, a eleição holandesa recebeu uma atenção indevida da imprensa mundial. Na sequência do Brexit, da vitória de Donald Trump, um referendo holandês e a quase um ano da eleição presidencial austríaca e meses do referendo constitucional italiano, o foco dos meios de comunicação sobre a Holanda tem sido compreensível, mas também tem sido distorcido pelos eventos de 2016. O Brexit, a vitória presidencial de Donald Trump e os referendos foram escolhas binárias do “Candidato A” versus “Candidato B”, ou simplesmente “Sim” versus “Não”, e conjuntamente com o crescente domínio anglo-americano dos meios de comunicação internacional, ou pelo menos dos meios de comunicação transatlânticos, no seguimento de Donald Trump e da caótica política do Reino Unido, isso resultou no facto da comunicação social estrangeira, examinar as eleições holandesas através de uma lente distorcida. A eleição holandesa não era binária, mas multipolar. A comunicação social na análise política e no sistema de dois partidos e dualismo de Sim/Não, enfatizaram a possibilidade do PVV vencer as eleições. Os mesmos meios de comunicação, em segundo lugar, apresentaram a eleição como uma derrota para o PVV e o seu líder. No entanto, nada poderia estar mais longe da verdade. O líder do PVV não perdeu em um sistema binário, anglo-americano, antes ganhou em um sistema multipolar europeu. Os dois partidos governamentais da Holanda perderam. O VVD do primeiro-ministro, Mark Rutte, perdeu oito assentos, enquanto o Partido Trabalhista (PvdA, na sigla em língua holandesa) de Lodewijk Asscher, vice-primeiro-ministro, passou de 38 assentos para 9 assentos, perdendo de forma assombrosa 29 assentos. No rescaldo do tropeço do VVD e da derrota do PvdA, o partido que estava mais preeminente era o PVV. Apenas onze anos após a sua criação, o PVV é o segundo maior partido na Holanda. Não voltou ao seu auge de 2010, mas o desafio para a VVD de outros partidos e a derrota do PvdA, levaram a menor margem eleitoral do PVV a uma posição muito mais evidente. A ascensão do GL desafia o apelo do PVV, especialmente entre os jovens eleitores urbanos que, na Holanda, país altamente urbanizado, formam uma parcela substancial do eleitorado. Mas, ao mesmo tempo, o GL suprimiu o suporte do VVD. Enquanto o PVV e o GL, conjuntamente com o D66, não poderiam ser mais distintos em termos de políticas, mas compartilham uma característica comum que preocupou o líder do VVD, pois eram evidências do mesmo fenómeno visto nos Estados Unidos e no Reino Unido, em que os eleitores se sentem desiludidos com os principais partidos formados no rescaldo da II Guerra Mundial, e voltam-se para os partidos mais novos, que oferecem uma lufada de ar fresco, em relação a uma ordem política, ideológica e económica estabelecida e aparentemente estagnada. O motivo adicional de preocupação é que nas grandes áreas metropolitanas da Holanda o PVV apresenta-se como o partido que reunia as maiores preferências, ou o segundo partido a nível nacional, e de forma preocupante, próximo do VVD. O surgimento do PVV, como partido dominante em Roterdão, põe uma séria questão quanto à ilusão dos meios de comunicação social, nas cidades holandesas como bastiões do liberalismo racional. O político que ganhou mais em termos de derrota dos seus inimigos, foi Geert Wilders. A maior causa de preocupação, é os complexos mecanismos de formação de uma coligação. O governo anterior VVD – PvdA viu apenas duas partes a lutar para apaziguar uma população holandesa que está cada vez mais cansada de austeridade e diminuição dos benefícios sociais. A nova coligação liderada pelo VVD deve ser formada por quatro, talvez até cinco, partidos, que até agora se uniram principalmente na sua oposição ao PVV, e tendo ganho, é apenas uma questão de tempo, antes de enfrentar as duras realidades que representam os entendimentos políticos e da aparente derrota do inimigo comum, que cria brechas entre os diferentes partidos. O período da lua-de-mel terminará rápido. A formação e gestão de uma coligação multipartidária será um desafio significativo para o líder do VVD, e não é de forma alguma claro como um governo tão diferente em ideologia, prioridades políticas e opiniões de uma UE em apuros, seja capaz de reagir à economia, com uma potencial vitória da Front Nationale na França, uma possível mudança para a direita na Alemanha, em Agosto, ou outra crise da zona do euro ou crise migratória, após a ruptura das relações UE – Turquia, mais acentuada depois da vitória do “SIM” no referendo turco de 16 de Abril de 2017. As crises cada vez mais parecem não só inevitáveis como iminentes.Enquanto a ténue coligação do líder do VVD luta para lidar com os problemas da Holanda e responder a forças económicas externas, Geert Wilders encontrar-se-á em uma posição política forte, e como nenhum outro partido trabalhará com o PVV terá um papel desprezível face à nova coligação, destacando toda a sua inépcia e disputas, enquanto se banha na imunidade das críticas inevitáveis do governo, ou seja, uma imunidade concedida pelo seu isolamento da formulação de políticas. O líder do PVV, em uma ironia sombria, ainda que tenha perdido assentos, continua com uma base eleitoral sólida, que o torna mais seguro que o líder do VVD e os seus aliados de coligação, sendo capaz de defender uma insatisfação anti ordem estabelecida, enquanto se autentica mais na ordem estabelecida. Até ao final de 2017, é provável que vejamos o líder do VVD e os aliados de coligação a enfrentarem uma crescente hostilidade por parte de uma população holandesa decepcionada e frustrada por politiquices, enquanto Geert Wilders prega a mensagem repetitiva mas mediática dos eternamente marginalizados e de hipócrita mártir político. É certo que isso está longe de ser certo. Os holandeses não vão entrar numa “primavera patriótica” e Geert Wilders cometeu sérios erros, especialmente na sua recusa em se envolver com os meios de comunicação de massa.Mas se aprender com esses erros, irá garantir uma enorme posição como figura popular de proa, canalizando a frustração e a decepção pública para uma coligação de rangedores.E porque é altamente provável que uma disputa em curso entre a Holanda a Turquia, caracterizada por invocações repetidas dos dias mais sombrios da “Nova Ordem”, só vai aumentar ainda mais, depois do referendo de 16 de Abril de 2017, e Geert Wilders terá mais condições de aproveitar o desapego e a desilusão holandesas. para atrair o esquecido, o desapontado, o contrariado e o temeroso com sua bandeira. A eleição holandesa não representou a derrota do populismo étnico. Na melhor das hipóteses, é uma vitória pírrica para o último bastião da ordem estabelecida. Na pior das hipóteses, é um sinal de um eleitorado desencantado que expressou a sua infelicidade com o “status quo”. A esse respeito, as eleições holandesas não são diferentes do Brexit e das eleições americanas. Não são uma vitória para o liberalismo, nem uma vitória para o racismo, mas uma vitória para a frustração, raiva, ansiedade e ressentimento. É uma vitória que não merece um elogio, mas um lamento ao contrário do afirmado pelos líderes europeus, com o Presidente da Comissão Europeia, como porta-voz de tão peregrina ideia.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA poluição atmosférica como agente mortal “The economy is a wholly owned subsidiary of the environment. All economic activity is dependent upon that environment with its underlying resource base.” US Senator Gaylord Nelson on first Earth Day [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] poluição do ar, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, é actualmente a principal causa de morte, mas trata-se de uma mensagem que ainda não foi captada, conscientemente, pelas mentes dos decisores políticos em todo o mundo. O movimento de poluentes não respeita fronteiras políticas, e mata inocentes. O mais doloroso é as alterações climáticas que estão a colocar um enorme desafio para prever o movimento de poluentes. As decisões tomadas com base em estudos de modelos e legislações não estão a produzir o resultado desejado, pois existe sempre uma lacuna entre teoria e a prática. As questões ambientais mudam de um lugar a outro, e de tempo a tempo. As questões ambientais são de cariz local e global. A compreensão das questões ambientais é necessária para se encontrarem soluções. Os problemas de poluição atmosférica mudaram ao longo de um período de tempo. As questões como a nuvem marrom atmosférica, as alterações climáticas, os poluentes atmosféricos perigosos, a neve preta/lamacenta, que não foram discutidas durante algumas décadas, ganham actualmente, importância. A poluição é originária da palavra latina “Pollutus”, que significa “sujo ou pouco claro”. A poluição do ar pode ser definida, como a condição atmosférica, em que as substâncias estão presentes em concentrações superiores às normais, para produzir efeitos significativos nos seres humanos, animais, vegetação ou matéria. O ar que respiramos é o recurso natural mais importante, e que nos permite sobreviver. A composição do ar continua a mudar constantemente, devido às emissões naturais, bem como às produzidas pelo homem para a atmosfera. A atmosfera terrestre é uma camada de gases retida pela gravidade. O ar seco, em média, consiste em 78,09 por cento de azoto, 20,95 por cento de oxigénio, 0,93 por cento de árgon e 0,039 por cento de dióxido de carbono, em volume. Também estão presentes constituintes menores como o metano (CH4), ozónio (O3), dióxido de enxofre (SO2), dióxido de azoto (NO2), óxido nitroso (N2O), monóxido de carbono (CO), amoníaco (NH3) etc. Estes constituintes variam de lugar para lugar devido à mudança nas condições atmosféricas. Os constituintes do ar sobre o mar não são iguais aos do litoral. O ar da litoral mar pode não ter as mesmas concentrações de constituintes como o ar do deserto. O ar da costa será dominado pelo vapor de água e o ar do deserto terá mais poeira suspensa. A espessura da floresta amazónica, da mesma forma, terá mais vapor de água e compostos orgânicos voláteis enquanto o ar acima do depósito de resíduos sólidos é provável que tenha mais metano e amoníaco. A baixa concentração de poluentes atmosféricos não significa que possa haver negligência, se considerarmos o exemplo do chumbo, que está presente na atmosfera em camadas, tendo sido a quantidade total em 1983 e na década de 1990, estimada em cerca de trezentas e trinta mil toneladas e cento e vinte mil toneladas, respectivamente. As emissões totais de fontes naturais foram de cerca de duzentas e vinte mil a quatro milhões e noventas mil toneladas por ano. Quando o sistema solar se condensou a partir da “nebulosa primordial”, que não é mais que nuvens interestelares de gás e poeira, a situação não era tão complexa como actualmente, e a poluição do ar não era um problema. Acreditava-se que a atmosfera primitiva do planeta era uma mistura de dióxido de carbono, nitrogénio, vapor de água e hidrogénio. A atmosfera inicial do planeta reduziu ligeiramente a mistura química, em comparação com a atmosfera presente, que é fortemente oxidante e com o lapso de tempo, camadas distintas da atmosfera foram formadas com características distintas. A troposfera é a camada mais baixa de atmosfera que se estende da superfície da terra até dez a quinze quilómetros de altitude, dependendo do tempo e latitude. A estratosfera está posicionada apenas, acima da troposfera, e estende-se entre onze e cinquenta quilómetros. Na estratosfera, a temperatura aumenta com a altitude, de sessenta graus negativos na base até zero graus no topo. A mesosfera, situa-se justamente acima da estratosfera, estendendo-se entre cinquenta e oitenta quilómetros de altitude. Os vaivéns espaciais orbitam nesta camada da atmosfera. Devido à diminuição do aquecimento solar, a temperatura diminui com a altitude na mesosfera, sendo zero graus na base, e noventa e cinco graus negativos no topo. O topo da mesosfera é a região mais fria da atmosfera. A termosfera é a última camada da atmosfera, situando-se a oitenta quilómetros acima da exosfera. Na termosfera, a temperatura aumenta com a altitude, à medida que os átomos dessa camada são acelerados pela radiação solar. A temperatura na base da termosfera é de noventa e cinco graus negativos, sendo de cem graus a cento e vinte quilómetros, e de mil e quinhentos graus na parte superior. A ionosfera estende-se entre cinquenta e cem quilómetros cobrindo parcialmente a mesosfera e a termosfera. Tem variação diurna e sazonal, pois a ionização depende do Sol e da sua actividade. A poluição do ar, desde a sua descoberta, tem sido um problema. O “Ar pesado de Roma”, em 61 A.D. foi registado pelo filósofo romano Séneca. O rei Eduardo I, em 1273, proibiu a combustão de carvão em Londres. Na década de 1280, as pessoas usavam carvão como combustível em processos como o calcário e metalurgia, levando à poluição do ar que continha fumo preto, bem como óxidos de enxofre. O final do século XVIII e início do século XIX viram mudanças dramáticas no fabrico, agricultura, mineração, produção, bem como nos transportes. A invenção da energia eléctrica no século XIX, resultou na sua distribuição em 1880, despedindo-se do carvão. O exemplo muito famoso de poluição do ar, foi a formação de poluição em torno da cidade de Los Angeles durante a década de 1940, que levou à aprovação da primeira legislação ambiental estadual nos Estados Unidos. A “Lei de Controlo da Poluição do Ar”, foi promulgada nos Estados Unidos, em 1955, sendo a primeira legislação ambiental federal do país. O petróleo, mais tarde, na década de 1960, ultrapassou o carvão como fonte de energia primária. O uso extensivo do óleo conduziu às emissões, onde quer que os veículos circulassem. A revolução industrial do pós-século XVIII, fez a economia mudar para a fabricação baseada em máquinas, em muitos dos países desenvolvidos. A mecanização das indústrias têxteis e das técnicas de fabrico de ferro aumentou a procura de combustível, e a sua poluição atmosférica nas áreas de tais actividades. Os desenvolvimentos no século XIX levaram à segunda revolução industrial. A actividade da construção civil viu também a mudança no material, assim como, na tecnologia. A invenção do cimento, substituiu as paredes de barro, e o aumento da procura de cimento levou a emissões desse sector. Os mercados europeus e americanos estavam saturados, abrindo-se os mercados asiáticos aos veículos, apesar de existir um enorme desequilíbrio, pois as pessoas pobres viajam em cima de autocarros ou camiões, enquanto as pessoas ricas circulam em carros individuais, como acontece na Índia, Paquistão e muitos outros países. Enquanto a crise económica na Grécia teve como resultado a redução da poluição do ar, a China testemunhou uma dramática explosão da qualidade do ar na última década. A análise dos dados da rede de monitorização criada pela OMS e pelo PNUMA, em cinquenta cidades, e trinta e tinta e cinco países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que nos últimos quinze a vinte anos, as lições de experiências anteriores nos países agora desenvolvidos, ainda necessitam de ser assimiladas. A poluição do ar em vinte das vinte e quatro megacidades, apresenta níveis que têm graves efeitos sobre a saúde. O aumento da população nos países em desenvolvimento no futuro, com a falta de controlo da poluição do ar, irá piorar em muitas outras cidades. No início da década de 1970, quando o rápido crescimento na Europa, levou a poluição ambiental a níveis inusitados, apesar de em 1952 a poluição de Londres, ter sido a causa de cerca de quatro mil pessoas, estava fresco na memória a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano” realizada em Estocolmo, em 1972, que tinha por objecto a fundação da cooperação internacional neste domínio, seguida de um conjunto de medidas que visavam reduzir a poluição do ar. A “Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância”, foi assinada pelos países da “Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (CEE-ONU, ou UNECE, na sigla inglesa) ”, a 13 de Novembro de 1979. A UNECE é uma das cinco comissões regionais da ONU, dependentes do “Conselho Económico e Social (ECOSOC) ”. A UNECE é um fórum, em que os cinquenta e seis países da Europa, Ásia central e a América do Norte se reúnem, para elaborar as ferramentas da sua cooperação económica. O “Protocolo de Helsínquia” de 5 de Julho 1985, tinha por objectivo reduzir as emissões de enxofre ou dos seus fluxos transfronteiriços, em pelo menos 30 por cento nos países da UNECE. Todas as decisões de negócios afectam o ar e a atmosfera. Tal como a água que é purificada, embalada e o preço fixado, o ar puro igualmente, será fixado um preço. Há bares de oxigénio, desde 1990, abertos em muitas partes do mundo para fornecer oxigénio aos clientes. No entanto, apesar da necessidade urgente de políticas e legislação rigorosas sobre a poluição do ar em várias partes do mundo, o controlo da poluição do ar ainda não é uma prioridade política, em comparação com os negócios e a economia em muitas partes do mundo, e como resultado, a poluição é continuada de uma forma ou outra, e muitas das formas nem sequer são monitorizadas e controladas. Ao longo dos anos, apenas alguns poluentes atmosféricos convencionais tais como o SO2, NO2, partículas, O3 etc., são monitorizados pelos investigadores e pelas autoridades de controlo da poluição. Os poluentes, como os “Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)” foram negligenciados no passado, mas recentemente são monitorizados continuamente, devido aos seus graves efeitos sobre a saúde. Os poluentes orgânicos, bem como os poluentes inorgânicos do ar causam doenças mortais, e a sua monitorização é muito importante para os seres humanos e meio ambiente. Enquanto muitos países em desenvolvimento levaram a questão a sério, outros só quiseram satisfazer a comunidade internacional. Ainda que as legislações ambientais tenham entrado em vigor em todo o mundo, a capacidade das instituições competentes para a sua monitorização foi limitada, principalmente devido à insuficiência de conhecimentos e capacidade de pesquisa e de aplicação da lei.Muitas instituições tinham muito poucos recursos humanos e orçamentos limitados para monitorizar. A ausência de especialização, levavam a uma monitorização inadequada, selecção imprópria do local e metodologia de amostragem, bem como efectuavam uma análise pobre.Muitas instituições continuam a deparar-se com recursos humanos insuficientes e sem preparação técnica, sendo a média de um a dez técnicos e cientistas para um milhão de habitantes. O que torna a poluição atmosférica mais difícil em comparação com outras formas de poluição é a sua complexidade, pois ao contrário da água que pode ser contida num recipiente para um estudo fácil, é difícil simular a configuração atmosférica num laboratório. Além disso, a aerodinâmica na superfície da terra não pode ser facilmente explicada pela matemática, como ocorre na natureza. Uma variedade de factores como a radiação, atrito, fluxo padrão, reacção química, influência por configuração biológica, alterações climáticas, mudança de estilo de vida, novas invenções, modificações sociais, direito da terra, atitude do povo, fisiologia das pessoas, transformações económicas da região em conjunto, são responsáveis pelo cenário em um determinado momento e por uma determinada razão. A poluição do ar, devido à complexidade do problema, não foi completamente compreendida por muitos países em desenvolvimento e não é uma prioridade. As questões como a má governação, baixa capacidade de pesquisa, analfabetismo, corrupção, conflitos nacionais/internacionais e a instabilidade política, têm muitas vezes causado a fraca atenção à poluição do ar, apesar de sete milhões de pessoas morrerem anualmente, segundo a OMS, devido à poluição do ar em todo o mundo. Apesar da magnitude do problema, a perda de vidas e riqueza devido à poluição do ar é invisível para muitos governos. O analfabetismo entre os cidadãos, também é motivo para não se queixarem da poluição. O uso de recursos humanos para outras funções como eleição/recenseamento/desporto, também é uma das muitas razões para a má implementação da legislação ambiental. Muitas instituições de aplicação da legislação ambiental em grande número de países, estão mais preocupadas com as despesas em termos financeiros, ao invés do controlo de poluição, como seja a apropriação indevida de recursos financeiros que pode levar o funcionário responsável a ser punido com uma pena de prisão. Por outro lado, a poluição não contabilizada não é de modo algum tão grave, como a apropriação financeira indevida. As leis ambientais também podem ser usadas de forma abusiva para arrecadar fundos ou causar prejuízos aos adversários das pessoas no poder. As questões, causas, factores de influência e impactos da poluição do ar podem ser atribuídos a muitos agentes que não são quantificáveis. A corrupção entre os governantes, baixa ética entre as indústrias, falta de disponibilidade de tecnologia, incapacidade de adoptar novas tecnologias e a baixa capacidade de pesquisa afligem muitos países. Apesar do entusiasmo demonstrado por muitas organizações internacionais para apoiar a causa, muitas vezes é negado ou mal adoptado pelos países beneficiários. As principais fontes de poluição são o processo de combustão, indústria, transportes, eliminação de resíduos, uso de agro químicos e a respiração de organismos vivos, e nenhuma dessas fontes pode ser evitada, uma vez que se destinam à sobrevivência dos seres humanos. Para além destas fontes, outras como o incêndio acidental, tempestades de vento, desastres naturais, educação/pesquisa, decomposição de matéria morta, guerras, explosões, utilização de explosivos, eventos desportivos, testar/praticar o uso de armas de guerra, lançamento de satélites, erupções vulcânicas, construção, produção de metano em campos de arroz devido à biodegradação, demolição de edifícios, metano gerado por animais ruminantes durante a digestão dos alimentos, pintura, processamento de grãos, erosão do solo e desintegração de rochas/minerais, aumentam a poluição. Os sectores de serviços como saúde, informática e subcontratação de processos de negócios, também contribuem com poluentes atmosféricos ao usar equipamentos, ar condicionado e transportes. A libertação de agentes patogénicos dos estabelecimentos de cuidados de saúde, criação de animais, abate e pesquisa pode ser muito mais prejudicial, em comparação com os poluentes convencionais. Ao contrário da guerra e do crime, a poluição do ar geralmente ocorre de forma lenta, levando anos até que o impacto real seja visível, como os desastres de Chernobil e Bhopal, que foram amortecidos pela memória de pessoas devido a outras questões quentes de maior interesse individual.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA incontida gestão da raiva “Donald Trump’s US election win is America’s Brexit – voted for by people angry with the status quo.” Daily Mirror, 09 NOV 2016 – Jack Blanchard [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e tivermos de expressar em uma frase a grande característica da psicopolítica da actual situação mundial, deve soar como a da entrada em uma era com uma visão do mundo, sem sinais de gestão da ira. A raiva é a chave para compreender e descrever a psicologia política do mundo, após o fim do comunismo e da era bipolar. A partir da ira de Aquiles, o mundo nunca soube gerir a energia da raiva na história. O termo grego “thymos” significa a vontade, o desejo, luxúria e ira. O “thymos” é o motor das acções do herói homérico. Mais tarde, torna-se a sede da aspiração de reconhecimento, e a falta de reconhecimento desperta a raiva e com as religiões monoteístas o património é impelido na outra vida, onde vai realizar a justiça divina. O ressentimento terreno será satisfeito no final dos tempos. A situação muda completamente com a Revolução Francesa. A possibilidade de igualdade mudou-se para um mundo futuro, que é a base da “thymotica” dos oprimidos. O líder do partido e da militância revolucionária marcou a acumulação da ira até ao colapso da União Soviética. O mundo actual é um sistema pós-histórico em que desapareceram os pontos tradicionais de gestão da ira e das energias “thymoticas”. Foi a raiva mal gerida que permitiu a vitória de Donald Trump e o sucesso dos movimentos populistas e de extrema-direita e dos seus líderes. Os novos tempos exigem paciência aos cidadãos globais e humildade aos economistas. Ambas as qualidades são necessárias porque a incerteza que reina desde Setembro de 2008 acentuou-se, embora não tenha atingido os níveis críticos desse tempo. O presidente americano surpreendeu ao concentrar a sua enorme energia sobre a questão dos imigrantes, e em menor medida, na agenda de protecção às indústrias do país e a última das muitas das suas ameaças, foi a da aplicação de uma taxa alfandegária de 20 por cento às importações, especialmente as provenientes do México, bem como a suspensão por sessenta dias das importações de limões tucumanos, que o ex-presidente Obama, depois de mais de quinze anos de proibição, tinha aprovado e, finalmente, a acusação à Alemanha de manter o euro subvalorizado. O presidente americano, surpreendentemente, acusou a Alemanha, que durante a presidência de Trichet no Banco Central Europeu, apoiou as políticas monetárias que levaram o euro ao recorde de 1,60 dólares americanos e, por outro lado, não mostrou qualquer contentamento com as políticas do actual presidente Mario Draghi, de emissão monetária e taxas de juro de zero por cento e inclusive negativas. Tudo evidencia que o presidente americano ignora as questões básicas da economia, mas mais preocupante é que da mesma doença padecem os seus principais colaboradores, sendo as suas intervenções marcadas pela ausência de políticas detalhadas, por outro lado, fazem referências às insistentes promessas eleitorais, entre elas, as de baixar impostos aos mais ricos e ambiciosos planos de infra-estruturas. É muito cedo para prever qual dos cenários acabará por prevalecer na malfada política do presidente americano cuja ignorância pelos assuntos de Estado raia o absurdo e das suas tresloucadas decisões. Os três cenários perceptíveis continham uma tendência ao proteccionismo, o aumento do deficit fiscal e a consequente queda dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O primeiro cenário seria acompanhado por um rápido aumento nas taxas da Reserva Federal, valorização do dólar, maior crescimento, fuga de capitais dos países emergentes, um pouco mais de inflação e, por fim, uma queda nos preços das matérias-primas à excepção do ouro. Seria, mas não necessariamente, a perspectiva negativa e dramática para os países emergentes. O segundo cenário é semelhante ao primeiro mas mais acentuado. O mundo viveu entre 1979 e 1981 um tempo delicado, quando a inflação nos Estados Unidos foi superior a 13 por cento, os rendimentos dos títulos chegaram a cair 16 por cento e a taxa da Reserva Federal foi de 20 por cento, tendo levado ao super dólar do presidente Donald Reagan, e que se traduziu numa década perdida para os países emergentes, sobretudo, na América do Sul com incumprimento financeiro de muitos países. Este cenário é de considerar como o menos provável. O terceiro cenário é quase o oposto do primeiro e assemelha-se ao acontecido entre 2004 e a crise de 2008, com o dólar no seu mínimo histórico e as matérias-primas a preços recordes, apesar de uma subida sustentada das taxas da Reserva Federal até ao máximo de 5 por cento, com a consequente subida dos rendimentos dos títulos do Tesouro e uma inflação do índice de preços ao consumidor, que atingiu um máximo de 3,8 por cento em 2008. Este seria o melhor cenário para os países emergentes e parece ser o mais provável. Existem alguns sinais desde as eleições americanas. Os mercados financeiros, em especial os bolsistas, são tanto ou mais optimistas que antes do triunfo do de Donald Trump, pois prevalece uma expectativa de crescimento da economia global, que se reflecte também na subida dos preços dos seus activos e das matérias-primas, e que não sofreu interferência até ao momento por uma moderada valorização do dólar, com excepção do peso mexicano que foi a moeda que mais se depreciou. Os indícios favoráveis ao primeiro cenário, prevaleceram nas semanas seguintes às eleições americanas, sobretudo pela subida dos rendimentos dos títulos do Tesouro, a valorização do dólar, um aumento do risco dos países emergentes e matérias-primas mais baratas, à excepção do cobre, devido ao suposto plano de infra-estruturas de Donald Trump e do petróleo pela OPEP. As valorizações do dólar e os rendimentos dos títulos do Tesouro, em contraste, no último mês de Dezembro de 2016, retrocederam, tendo ganho as matérias-primas e as bolsas e diminuído o risco emergente, apresentando uma maior semelhança com o terceiro cenário, considerado como sendo sem margem para dúvidas, o melhor para os países emergentes. Isto deve-se também ao facto de se poder observar como mais factível uma economia americana com maior inflação, não esquecendo que o desemprego é de apenas 4.8 por cento, e os aumentos do deficit e da dívida pública. O valor internacional do dólar dependerá em parte de um provável braço de ferro entre a Reserva Federal que quererá subir mais rapidamente as taxas e o presidente Trump que quer um dólar fraco. Pelo que se continuará a assistir a uma situação complexa, mas que não é de alto risco para os países emergentes. Assim se observa, por exemplo, a colocação bem sucedida de títulos da dívida pública, na solidez dos preços da soja e da tendência de recuperação do Brasil, incluindo a valorização do real. O discurso do presidente Donald Trump no Congresso a 28 de Fevereiro de 2017, impressionou favoravelmente a quem o questionava pelo seu tom moderado e conciliador, mas desencantou os que esperavam detalhes sobre a anunciada reforma impositiva ou o grande plano de obras públicas que iria pôr em prática. Foi num tom muito contido e distinto do primeiro discurso no Congresso, pronunciado a 20 de Janeiro de 2017. Inclusivamente apelou à unidade política e assinalou a urgência de substituir com uma lei, o “Obamacare”, que tem grandes fissuras, e para os seus opositores foi gratificante ver a mudança de atitude, ainda que se mantenham preventivamente atentos, de que rapidamente aparecerá o Donald Trump de sempre. Os seus seguidores aplaudiram-no como um estadista. O poder financeiro e económico do país que tinha grandes expectativas quanto à prometida orientação económica sentiram-se defraudados pela falta de anúncio de medidas reais. Foi um discurso civilizado, tranquilo, sem os usuais ataques brutais. Poderá mesmo existir a possibilidade de uma pequena mudança em algumas das matérias mais sensíveis, tendo sugerido que poderia existir um novo regime legal para os indocumentados, ao invés de os deportar a todos do país, sem vacilar. Mas há que esperar para saber se é apenas uma simples artimanha ou uma verdadeira mudança. A nova atitude não é ainda o bastante para que seus opositores acreditem, em especial os milhões de pessoas que se sentem ameaçadas pelas políticas que se cansou de anunciar, durante a campanha eleitoral e nas primeiras semanas como inquilino da Casa Branca. Se analisarmos bem, o conteúdo do discurso foi o mesmo de sempre, revestido de cuidadas expressões para não soar como mais uma intimidação. Todavia é certo que houve uma aberta condenação do anti-semitismo e um chamado à unidade política. Este inesperado ramo de oliveira alcançou também os aliados e organizações que antes tinham sido colocados no pelourinho. Acerca da NATO assegurou que esse pacto militar, que foi forjado com a guerra mundial e através da Guerra Fria, derrotou o comunismo, aclarando que os parceiros deste selecto grupo deveriam cumprir com as suas obrigações financeiras, quase abrindo um conflito diplomático com a Alemanha, ao exigir os pagamentos que esta deve aos Estados Unidos, pelas obrigações no quadro da Organização. Todavia, declarou que os Estados Unidos estavam dispostos a liderar novamente a Organização. Mas existiu uma ideia digna de realçar, que é facto de não querer liderar o mundo livre, como afirmavam os anteriores presidentes, pois afirmou que o seu trabalho, era apenas o de representar os Estados Unidos, o que ajudou a acalmar os ânimos nas fileiras republicanas, alarmadas pelo caótico movimento da Casa Branca, durante os primeiros quarenta dias de mandato. A impressão que deixou nesse discurso é que Donald Trump amadureceu, e que a sua intervenção no Congresso, foi mais presidencial e menos recheada de manhas de um político difícil de classificar, como se a intenção fosse atrair para a sua órbita os sectores mais moderados. O discurso foi mais sóbrio, até surpreender, mas não houve revelações relevantes nem sequer insinuou intenções sobre o que realmente pensa fazer no futuro. Tal como disse um senador democrata, chegou-se a um ponto, onde o discurso presidencial é um êxito, porque quem o pronuncia nada disse de embaraçoso ou abertamente ofensivo. O presidente Trump, em matéria de política externa não mencionou a China ou a Rússia, ainda que tenha ratificado as metas proteccionistas prometidas na sua campanha eleitoral.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO crescimento sustentável “The triple bottom line (TBL) thus consists of three Ps: profit, people and planet. It aims to measure the financial, social and environmental performance of the corporation over a period of time. Only a company that produces a TBL is taking account of the full cost involved in doing business. In some senses the TBL is a particular manifestation of the balanced scorecard. Behind it lies the same fundamental principle: what you measure is what you get, because what you measure is what you are likely to pay attention to. Only when companies measure their social and environmental impact will we have socially and environmentally responsible organisations.” “The Economist Guide to Management Ideas and Gurus” – Tim Hindle [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] grande tema revisitado do capitalismo nos velhos países industrializados, é reduzir os funcionários, aumentar o impacto da tecnologia e percentagem das pessoas idosas, sem um rendimento que lhes permita uma vida digna, o que por si deve ser a mola suficiente para promover um plano de reformas ao capitalismo, que faça que a economia crescer de forma sustentável. O historiador inglês, Eric Hobsbawm, no seu livro “The Age of Extremes: The Short Twentieth Century, 1914 -1991”, referia-se à história do século XX, como sendo o século curto, porque tinha começado em 1914, com a I Guerra Mundial e terminado em 1989, com o colapso da União Soviética. Afirmava Hobsbawm que a versão oposta à soviética também estava falida, pois a fé teológica em uma economia que afectava totalmente os recursos à economia, através de um mercado sem restrições, em uma situação de concorrência ilimitada; um estado de coisas que se acreditava que não só produzia o máximo de bens e serviços, mas também o auge de felicidade era o único tipo de sociedade que merecia o epíteto de livre. Os seus críticos reagiram imediatamente, considerando uma vingança do velho marxista, aludindo ao pensamento político do historiador. Passados mais de vinte anos, damos conta que o capítulo desse livro intitulado de “Rumo ao milénio”, tem alusões proféticas, e que teria sido excelente ter levado em consideração. O livro assinala os problemas fundamentais da actualidade, como o demográfico e o ecológico. Era essencial determinar como alimentar-se-ia uma população mundial dez anos maior em número, com cerca de nove a dez mil milhões de pessoas em 2050, sabendo que um quinto será de idosos, ou seja, cerca de dois mil milhões de pessoas. Os países ricos enfrentarão a imigração em massa, que iriam causar graves problemas políticos internos, o que soa familiar, ou munir-se de barricadas inúteis para protegerem-se dos imigrantes. Quanto aos problemas ecológicos entendia como cruciais, mas não tão explosivos a curto prazo. Se o indicador de crescimento económico se mantivesse indefinidamente nos níveis da segunda metade do século passado, teria consequências irreversíveis e catastróficas para o ambiente natural do planeta. O que obrigaria a ter uma política ecológica radical e realista por sua vez. Tudo o que reforça o conceito de economia sustentável é ferramenta importante para a abertura do caminho almejado. Enquanto isso, o progresso tecnológico incessante continuou a deslocar e a transformar empregos. A globalização fez mudar as indústrias do centro para a periferia à procura de custos mais baixos e enfraqueceu mecanismos estatais para gerir as consequências sociais dos novos processos económicos e houve uma enorme transferência de indústrias procurando mão-de-obra barata, desde os países mais ricos aos mais pobres, com todas as suas indesejáveis consequências sociais. O mesmo ocorreu, também, no interior de cada país rico e esta é uma boa explicação para entender a reacção dos ingleses ao votar a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (UE). Até agora não existia nenhuma ameaça credível que impulsionasse o capitalismo e os seus principais actores, a procurar reformas rápidas e eficientes e em certa medida, o Brexit, ou abandono britânico da UE, pode comparar-se com a queda da União Soviética, não importando apenas o que aconteça no Reino Unido, pois mais grave seria a fractura e a desintegração do velho projecto de unidade continental. As organizações supranacionais enfraqueceram a noção de Estado-Nação, mas também o fizeram as forças internas com movimentos autonómicos, como a Escócia na Grã-Bretanha, ou a Catalunha em Espanha. O que se divisa com claridade, é que muitas pessoas não estão de acordo com a globalização, porque não entendem a sua utilidade ou conveniência na sua vida diária. Sentem-se assustadas pelos avisos, acrescidos de ameaças, e sobretudo, estão com ira. É o que se observa no momento de votarem, e com transparência afirmam, que votam contra as elites dirigentes, governantes, teóricos, empresários e em especial bancos que os submetem a uma vida pior que a prometida, e para se libertarem sentem necessidade de resgatar o poder entregue a essas elites, ainda que seja, para cair nas mãos de uma nova burocracia. A situação real observada apresenta matizes graves do jogo perigoso político e societário em este momento da história. Os autores e consultores defendem que as empresas devem assumir a liderança de uma das batalhas mais concretas que se tem travado em matéria de protecção ambiental. Não é uma opinião unânime. Muitos críticos defendem que não é uma boa estratégia, pôr a raposa em frente do galinheiro, pois o que dizem, e existe alguma razão é de que não se pode omitir o facto de a história revelar os danos e negligências das empresas em matéria ambiental. Há que fazer muito mais e rapidamente para alterar essas práticas prejudiciais. É certo que pela primeira vez, os países se uniram com solenidade, para atingirem metas como as de travar ou reverter a deterioração climática e combater o efeito dos gases de estufa, que o Presidente Donald Trump afirma serem de mera falácia, apregoando o abandono do Acordo de Paris pelos Estados Unidos. Todavia, existe um longo caminho a percorrer das palavras às acções, mesmo com os prazos a reduzir. Os principais países em processo de industrialização aderem às metas de modo estridente, mas pouco fazem para as cumprir. Primeiro, querem obter um nível de desenvolvimento que detém os países industrializados. Até há pouco tempo as preocupações conservacionistas eram cheias de boas intenções. O sociólogo inglês John Elkington introduziu o conceito de “Triple Bottom Line (TBL)”, pela primeira vez, em 1994, e usado mais tarde no seu livro “Cannibals With Forks: The Triple Bottom Line Of 21st Century Business,” publicado em 1997, demonstrando como todas as empresas podem e devem ajudar a sociedade a alcançar três objectivos interligados, que são a prosperidade económica, protecção ambiental e equidade social, questões que estão no topo da agenda corporativa. O TBL mede o grau de responsabilidade social de uma empresa, o seu valor económico e o impacto ambiental. O desafio é representado pela dificuldade de medir os objectivos social e ambiental, o que exige que os três objectivos sejam avaliados pelos seus méritos. O empresário alemão Jochen Zeitz, que usa a sua fortuna para alterar as opiniões mundiais sobre as alterações climáticas, publicou o primeiro relatório no âmbito do TBL concluindo que para realizar uma economia sustentável, os líderes das empresas devem assumir os três objectivos definidos como metas. O livro “The Breakthrough Challenge: 10 Ways to Connect Today’s Profits with Tomorrow’s Bottom Line”, que tem como autores John Elkington e Jochen Zeitz, publicado em 2015, defende a ideia de que o ataque crescente à globalização, o maior poder das empresas multinacionais e a incidência de uma recessão generalizada tornam mais difícil a acção dos governos. O argumento tem sentido. Se há catástrofes naturais e deterioração do ambiente e, se as pessoas não têm emprego e não tem recursos, e se o sistema financeiro entra em colapso, estão em sério perigo os lucros das empresas. As empresas devem tentar, pelo menos, uma economia sustentável não pela filantropia, mas na procura dos seus interesses. Todavia, em momento algum subestimam os referidos autores, o esforço a realizar. Os trabalhos pendentes incluem o impulso de novas estruturas como as Empresas B que reinvestem todos os seus lucros no crescimento da firma, princípios contáveis sólidos e verdadeiros, cálculo real dos verdadeiros retornos, alcançar benefícios no plano humano, social e do planeta, eliminação de subsídios ou incentivos com efeitos destrutivos, transparência plena, alterar a forma como se educam e formam os líderes empresariais do futuro e eliminar o curto prazo. Esses são os requisitos a cumprir. O uso generalizado das mídias sociais e da análise de dados torna cada vez mais fácil seguir e observar o comportamento de uma empresa. A grande parte das pessoas declara que suportam as suas decisões de compra neste tipo de informação que recolhem, e que é designado por “transparência radical”, conforme alcunhou Allen Hammond, um dos ex-Chefe do Departamento de Comunicação do World Resources Institute. A informação obtida na Internet permitiria aos ambientalistas procurar maiores padrões éticos das empresas, mas tudo indica que a grande alteração não é a nova ferramenta que dispõem os activistas para exercer maior pressão. É especialmente efectiva entre os clientes e compradores, sobretudo, os geracionalmente que fazem parte da geração do milénio, ou seja, os nascidos entre 1980 e 2000. A expectativa dos consumidores é de que as marcas sejam totalmente transparentes nas suas práticas comerciais, pois fazem um uso intenso das mídias sociais, permitindo que um potencial cliente se torne amigo da marca, e a expectativa é que a marca se comporte como uma amiga. Este novo conceito de “transparência radical”, onde todos sabem tudo, o que todos fazem, apresenta uma dificuldade, pois existem muitas empresas que não estão preparadas para fazer as alterações que esta nova situação exige. As empresas que prefiram ganhar confiança junto dos seus clientes, têm que aceitar e facilitar o escrutínio público, que é algo mais que melhorar as práticas habituais. É mostrar sem reservas o que ocorre dentro da empresa. A economia global, começa lentamente a recuperar e a melhorar, em algumas áreas geográficas, de forma mais clara que outras, pois durante a recessão, a situação válida foi sobreviver. A atenção, actualmente, concentra-se no crescimento, um motor moldado por forças externas com capacidade para transformar a sociedade e os negócios. O novo cenário é definido pelo trabalho de cinco tendências globais, como os avanços tecnológicos, alterações na demografia, ciclos económicos globais, urbanização, escassez de recursos e alterações climáticas. O impacto que podem ter essas tendências está a mudar de forma drástica as expectativas que a sociedade tem sobre o mundo dos negócios. Quando uma empresa funciona de forma coerente com essas tendências, adquire fiabilidade que é a base de toda a relação e transacção em qualquer mercado. É como se adquire a famosa licença para exercer a actividade. O curto prazo por mais tentador que seja, não funciona. Não existe medicação para se voltar ao inicio e todos os líderes empresariais devem concentrar-se no TBL. É essencial saber que a forma de fazer negócios incide sobre o nível de utilidades, a comunidade onde está inserida e o impacto sobre o ambiente e planeta, apesar de nos últimos anos, as sondagens terem revelado que aumentou de forma sustentável a fé e confiança que o público tem nas empresas, e muitos líderes do sector continuam empenhados em reduzir o que entendem como sendo a ausência da verdade.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA liderança ambiental no Grande Delta do Rio das Pérolas “Environmental leaders confront complicated and seemingly intractable problems. They consider the impacts of a growing world population, increased energy demand, and resource scarcity. They wrestle with misconceptions of the trade-offs between economic growth and environmental protection. Environmental leaders help us understand the environmental impacts of our actions and design the educational programs that reach out to the world’s inhabitants.” “Environmental Leadership: A Reference Handbook” – Deborah R. Gallagher [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Grande Delta do Rio das Pérolas (GPRD na sigla em língua inglesa) é uma região de megacidade no sul da China, composta por Dongguan, Foshan, Guangzhou, Hong Kong, Huizhou, Jiangmen, Macau, Shenzhen, Zhaoqing, Zhongshan e Zhuhai como principais cidades na província de Guangdong, e duas regiões administrativas especiais de Hong Kong e Macau. O GPRD tem uma população de mais de cinquenta milhões de habitantes e abrange uma superfície de quarenta e três mil quilómetros quadrados. Além da província de Guandong e das Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau, ainda engloba as províncias de Fujian, Jiangxi, Hunan, Guangxi, Hainan, Sichuan, Guizhou e Yunnan, representando na sua totalidade um quinto da superfície do país, um terço da sua população e do seu PIB. A sua população é similar à dos Estados-Membros da União Europeia. Tendo em consideração apenas a província de Guangdong como parte do GPRD, é de recordar que há aproximadamente vinte e cinco anos a província de Guangdong era constituída em grande parte por aldeias rurais subdesenvolvidas. A partir de 1991 tem-se produzido uma enorme transformação. A política de reforma e abertura da China teve um impacto dramático na sociedade e na economia nos últimos trinta e cinco anos, permitindo que o país entrasse numa era de rápido desenvolvimento. As regiões de megacidade, como o GPRD, são um dos precursores desta transformação. Mas esta rápida mudança levou a um desenvolvimento que não só é enviesado em termos de progresso económico, mas também criou uma sociedade com desigualdades e carências. O GPRD, economicamente, tornou-se uma fábrica de renome mundial, enquanto Hong Kong foi reestruturado como um centro de serviço regional, fornecendo indústrias com funções “frontend”, tais como pesquisa, marketing e distribuição. Uma divisão regional do trabalho, o modelo das “front shops, back factories” começou a tomar forma na década de 1990. O GPRD, em termos espaciais, como um todo tornou-se cada vez mais policêntrico e muitas cidades e vilas que antes eram áreas periféricas e rurais desenvolveram-se em centros económicos activos. A forma espacial policêntrica combinou-se com a ascensão do empreendedorismo urbano, resultando em um ambiente político em rápido desenvolvimento que incentiva as cidades a competir umas com as outras por mobilidade do capital. Ao contrário do que muitos defendem não se descortinam consequências indesejáveis da fragmentação política que estão a tornar-se cada vez mais agudas, bem como os impactos de Hong Kong e Macau, sob o modelo de um país, dois sistemas, possam vir a ser complicações adicionais a esta fragmentação. Assim, não será também de levar em conta que as fronteiras políticas impedem o planeamento coordenado, bem como socialmente, o GPRD tenha enfrentado desafios causados pelo aumento da população residente, que tem esmagado os governos locais. A inundação da migração rural para as áreas urbanas agravou a infra-estrutura nas cidades e levou a um tremendo crescimento de áreas urbanas mal preparadas, onde milhões de trabalhadores migrantes não têm acesso a serviços básicos. Há também uma necessidade urgente de enfrentar os problemas de uso generalizado da terra, expansão urbana, congestionamento do tráfego, saneamento deficiente e qualidade de vida em declínio em todas as cidades, especialmente naquelas que estão ameaçadas por crescimento rápido e frequentemente descontrolado, inadequado e mal conservadas infra-estrutura, industrialização e a crescente circulação de automóveis e motocicletas. A sustentabilidade na urbanização está estreitamente ligada à competitividade, especialmente a económica. No entanto, a competitividade não inclui o sucesso não económico ou aceita as consequências, como a polarização social e a poluição ambiental. O favorecimento do crescimento económico tem consequências sociais problemáticas mais amplas. Logo, o conceito de competitividade está a ser modificado para incorporar critérios sociais e ambientais, pois afecta a qualidade de vida. O estudo “Measuring the urban competitiveness of Chinese cities in 2000” de Yihong Jianga e Jianfa Shen, publicado em 2010, sugere que a competitividade global de Guangzhou entre 20 cidades chinesas está a cair devido ao menor desempenho social e ambiental. A competitividade de Guangzhou exige um equilíbrio do crescimento económico com o desempenho social e ambiental, o que, por sua vez, afecta significativamente a qualidade de vida. É importante referir neste contexto o “Programa Asiático de Incubação de Líderes Ambientais (APIEL sigla na língua inglesa) da Universidade de Tóquio, que se recomenda e propôs ajudar a entender esse equilíbrio. A APIEL é um programa educacional projectado para promover líderes ambientais, especialmente direccionados para questões de sustentabilidade na Ásia, em que parte do seu conteúdo descreve a estrutura e discute as circunstâncias sob as quais a teoria da actividade, pode ser usada para um programa de liderança ambiental, e para ajudar a construir uma melhor qualidade de vida nas cidades, dentro da região do GPRD, que se urbanizam rapidamente. Tal unidade assume a liderança ambiental como uma ferramenta para melhorar a qualidade de vida durante a rápida urbanização, bem como o desenvolvimento sustentável no GPRD. Além disso, essa unidade ilustra o uso da liderança ambiental para um futuro sustentável nas cidades do GPRD, utilizando a estrutura da teoria da actividade e estudos de casos, concentrando-se principalmente em domínios importantes para a qualidade de vida urbana, explorando o intrincado relacionamento com a urbanização, bem como são utilizados métodos baseados na teoria da actividade para conduzir a dita unidade e gerir os processos de colheita e análise de dados, concluindo com uma discussão da relevância e adequação da teoria da actividade como modelo para os problemas complexos actuais na promoção de futuros líderes ambientais. A teoria da actividade é sócia psicológica com raízes no trabalho do psicólogo russo Lev Vygotsky, realizado durante a primeira metade do século XX. A percepção importante de Vygotsky sobre a dinâmica da consciência, é de ser essencialmente subjectiva e moldada pela experiência social e cultural de cada pessoa. Além disso, o psicólogo viu a actividade humana como distinta de entidades não humanas. É mediada por ferramentas, sendo a mais significativa, a linguagem. A teoria da actividade teve várias influências posteriores, tendo actualmente como fundamento, a ideia de que as pessoas mudam ou aprendem quando se envolvem na actividade produtiva, e nessa actividade também mudam o seu sistema. A teoria da actividade para promover futuros líderes futuros sugere que a liderança ocorre através da interacção do líder com outros componentes de um sistema de actividade, como as ferramentas que têm disponíveis e as pessoas com quem interagem numa divisão de trabalho. A procura por um futuro sustentável tornou essencial a promoção de líderes ambientais, especialmente para a mediação entre as sociedades do conhecimento e a comunidade. Estudos têm mostrado três comportamentos que parecem relevantes para a liderança ambiental, como sejam os de articular uma visão atraente com elementos ambientais, mudar percepções sobre questões ambientais e tomar acções simbólicas, para demonstrar um compromisso pessoal com as questões ambientais. A APIEL relativamente ao GPRD enfatiza seis atributos para a educação em liderança ambiental, como a informação, ou a capacidade de encontrar, entender e transmitir a inclusão de informações necessárias ou ouvir e usar todas as habilidades e ideias disponíveis; a decisão ou definir e prosseguir uma agenda de acção; a expedição (acção), ou fazer as coisas agora, em vez de mais tarde; a definição de padrões, ou formular a definição de sucesso e a humanidade, ou usando empatia e humor a lidar com os outros. A APIEL, nos últimos anos, construiu redes amplas entre as universidades da Ásia. Os laços com a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong (HKUST na sigla na língua inglesa) e a Universidade de Sun Yat-sen (SYSU na sigla na língua inglesa) cresceram fortemente através da realização de um exercício de campo denominado GRPD Unit durante três anos consecutivos. Durante o primeiro ano do programa (2010), usando estudos de casos, foram analisadas matérias relativas às questões ambientais e a necessidade de líderes ambientais na Ásia. Os temas amplos de discussão incluíram o ambiente, a necessidade de líderes ambientais, exemplos de liderança na Ásia, bem como um ambiente sustentável e gestão no GPRD. O programa nos anos seguintes focou o desenvolvimento urbano sustentável no GPRD, tendo sido discutidas a deslocalização urbana sustentável e a regeneração de regiões industriais. Desde que o GPRD é uma das principais regiões económicas no sul da China e um grande centro de manufactura, combinado com a economia em expansão e as influências ocidentais de Hong Kong, criou um portal económico atraindo capital estrangeiro para a China. Nesse âmbito, vários tópicos foram escolhidos para os participantes discutir, e ao fazê-lo, construir as suas habilidades de liderança. Os temas incluíram questões transfronteiriças e programas colaborativos para combater a poluição atmosférica regional e por sua vez, lidar com as alterações climáticas, a regeneração urbana e a deslocalização da indústria para o desenvolvimento sustentável no GPRD. Foram ainda revistas as abordagens que foram utilizadas para o desenvolvimento urbano do GPRD e as cargas ambientais relacionadas nas últimas três décadas, ou seja, as abordagens utilizadas na orientação do desenvolvimento urbano foram estudadas e discutidas. Além disso, o peso ambiental relacionado com as últimas três décadas foi estudado, tendo em Março de 2008, o ex-chefe executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, Sir Donald Tsang Yam-kuen, proposto ao secretário do partido de Guangdong, Wang Yang, que os dois territórios deviam formar conjuntamente um “Círculo de Vida de Qualidade Verde no Grande Delta do Rio das Pérolas”. Os princípios norteadores foram a promoção da protecção ambiental e do desenvolvimento sustentável. O exercício foi realizado em 2012 e os estudos recaíram sobre o desenvolvimento urbano do GPRD, incluindo a formação urbana, a deslocalização da indústria, o desenvolvimento económico, a equidade social e a conservação da biodiversidade. A liderança ambiental é sobre crescimento pessoal ou mudança dentro de um grupo para orientar o desenvolvimento positivo em direcção a uma visão de um futuro ambientalmente amigável e melhor, pelo que encontrar assunto comum, negociação e cooperação são mais adequados para a maioria dos problemas complexos e de longo prazo enfrentados pelos líderes ambientais. Sendo o GPRD uma das regiões de maior desenvolvimento mundial e tendo a liderança ambiental um papel preponderante, é de considerar as futuras estratégias e políticas futuras neste âmbito.
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasO longínquo futuro sustentável “Most people in the world today have an immediate and intuitive sense of the urgent need to build a sustainable future. The stories that carry the message may be about pollution alerts or the bans on driving and closed beaches that result from them, or about hunger and famine, growing health problems such as asthma and allergies, unsafe drinking water, ’greenhouses gases’ and the threat of global warming and rising ocean levels, the destruction of the world’s forests and the expansion of its deserts, the disappearance of species, the large-scale death of fish and birds caused by oil spills and pollution, or about forest fires, floods, dust storms, droughts and other so-called ’natural’ disasters.” “United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – Educating for a Sustainable Future” – UNESCO (1997) [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] fotografia tirada pelo astronauta William Anders durante a missão Apollo 8 à Lua, em 24 de Dezembro de 1968, permite-nos ter a certeza de que os recursos da Terra são limitados, carecendo de resposta o estudo, acerca de qual será o seu significado para a humanidade, durante o século que vivemos, e se poderemos prever quais serão os acontecimentos históricos existentes, que sofrerão um processo de alargamento ou reversão, e se iremos desfrutar de um estado permanente de capitalismo liberal, irradiando o pico da nossa civilização nos séculos vindouros, bem como o tipo de mundo que os nossos descendentes vão herdar. É difícil acreditar conscientemente na mudança da nossa natureza de forma a adequá-la à individualidade de cada um, podendo existir um erro de pensamento, pois talvez pudéssemo-nos tornar criaturas dóceis, modestas, com pequenos egos e desejos, cultivando humildemente pequenas áreas de terreno e facilmente dissuadidos de procriar um grande número de crianças. O escritor alemão Kurt Vonnegut, sugeriu no seu romance “Galapagos”, publicado em 1985, que podíamos evoluir para mamíferos aquáticos peludos com cabeças aerodinâmicas, cérebros menores e mais simples e uma propensão para peixes. É de duvidar que tal aconteça nessa linha de sugestão, pois o nosso esforço para a reprodução em quantidades cada vez maiores mais em uns locais que em outros, sustenta o nosso sucesso como espécie e historicamente permitiu-nos reconstruir as nossas comunidades rapidamente após um surto de fome ou praga. Além disso, a ambição pessoal é parte da nossa natureza e sempre existirão pessoas que vão querer dominar outras, sendo de suspeitar que uma proporção significativa da população vai continuar a ser atraída por essas pessoas de destorcida personalidade, quer sexualmente, como socialmente, forçando a uma maior competição dentro da comunidade, e mesmo que houvesse algum acordo político internacional que moderasse o nosso comportamento, logo seria minado ou derrubado. É um facto sem margem para dúvidas, que os seres humanos não gostam de ser humilhados por sistemas, regras e limitações. Adoramos escutar os que se libertam da restrição e da opressão. A nossa paixão pela liberdade é intrínseca ao espírito humano, pois somos como a República de Veneza; condenados porque não podemos suportar o pensamento de ser algo diferente do que somos. O petróleo de entre todos os recursos é o que está configurado para reduzir a sua oferta e existência. O petróleo como bem escasso e não renovável é talvez o mais importante que conforma a mente das pessoas, pois sustenta as nossas vidas, desde a alimentação e transportes à lei e ordem, defesa e recreação, sendo certo que terminará em algum momento do actual século ou milénio. É apenas uma questão de tempo. As reservas actuais e comprovadas representam cerca de cinquenta vezes o consumo mundial anual, mas esse índice está sujeito a flutuações consideráveis que podem ser alargadas, à medida que forem encontrados mais campos petrolíferos. As reservas comprovadas totais foram significativamente maiores em 2012 do que em 2000 e alternativamente, poderão diminuir à medida que o aumento da população e da industrialização consumissem essas reservas mais rapidamente. As reservas de petróleo existentes e a descobrir podem prolongar a sua existência por mais cinquenta ou setenta anos, mas mais importante, é que os fornecimentos de petróleo deixarão de atender à procura mundial em algum momento, e muito provavelmente na vida dos nossos filhos. O mesmo acontecerá com gás natural, do qual depende a produção de fertilizantes. As jazidas de gás natural existentes representam cerca de sessenta vezes o consumo mundial anual, que aumenta anualmente em 2 a 3 por cento. O gás de xisto alargou muito essas reservas e provavelmente as estenderá ainda mais, mas essa energia extra começou a ser vendida a baixo custo. Poder-se-ia acreditar que os governos procurassem racionalizar esta herança inesperada, de forma a durar o tempo suficiente, para que seja possível encontrar e produzir fontes alternativas e viáveis de energia aos combustíveis fósseis. A Fábula de Esopo: A cigarra e a formiga, em que esta trabalha duramente todo o verão preparando-se para o início do inverno, enquanto a cigarra apenas canta ao sol e não tem nada para viver quando a estação muda, mostra o que acontece com aqueles que não conseguem proteger-se contra futuras faltas, pelo que os preguiçosos sempre colherão o que merecem. Apenas os ditadores planeiam para um milhar de anos e nessa perspectiva, abre-se diante de nós uma série de possibilidades, sendo que numa extremidade do espectro está o futuro sustentável e dentro deste cenário, descobrimos como produzir toda a nossa energia e fertilizantes a partir de fontes sustentáveis, para que a sociedade possa continuar a existir, como sempre aconteceu, e no outro extremo do espectro está a “crise universal”, ou seja, uma calamidade de proporções maiores que a da “Peste Negra”, pandemia, que durante o século XIV matou cerca de setenta e cinco milhões de pessoas, e que será o resultado de uma falha mundial, em substituir os combustíveis fósseis antes de começarem a esgotar-se. O problema é de que ambas as extremidades do espectro envolvem a sociedade tornando-se mais hierárquica e menos liberal. Se começarmos por considerar o tipo de resultado mais suave que é o futuro sustentável, que não sendo ficção, permite imaginar uma realidade futura em que cada quinta com geradores hidroeléctricos nos seus riachos nas encostas, painéis solares nos seus campos e turbinas eólicas que elevam nas colinas, as casas e edifícios industriais em todas as cidades brilhando com células fotovoltaicas nas suas paredes e telhados, e as casas rurais com uma caldeira de biomassa. Moinhos de vento enormes no mar aproveitam o poder da brisa do mar, e a cada onda, enormes pistões alojados em túneis nos penhascos conduzem a energia para a rede de distribuição aérea convencional a nível nacional. As aeronaves voam com biocombustíveis, o que acontece já com a United Airlines, cujo modelo Boeing 737 está a voar na rota Los Angeles – São Francisco, desde 2015, com 30 por cento de biocombustíveis derivado de fezes e gorduras animais. Os tractores e as máquinas agrícolas usam biodiesel à base de soja, como acontece por exemplo, no Brasil. As carrinhas eléctricas levam grãos e animais para os mercados urbanos, de onde são transportados por comboios eléctricos para os seus locais de abate e processamento. Mas mesmo neste estado harmonioso, haverá uma concorrência muito maior por recursos, em particular, haverá uma luta inflexível sobre o solo. Imaginemos o Reino Unido como um exemplo, e supormos que investimos significativamente em energia solar, eólica e hídrica nas próximas décadas, para que em 2050 possamos produzir toda a nossa electricidade a partir dessas fontes. Trata-se de uma enorme suposição; no entanto, por razões de argumentação, suponhamos que seja possível. Na verdade, vamos ainda mais longe e imaginemos que pelo tempo que o petróleo leva a atingir um ponto de crise, não apenas satisfazemos todas as nossas necessidades de electricidade, mas também, geramos tanta electricidade a partir de fontes renováveis que podemos reduzir o consumo de petróleo, gás e carvão pela metade, que ainda deixaria o problema de substituir a restante metade da energia derivada dos combustíveis fósseis. Todas as formas de biocombustível actualmente em experiência, incluindo a colza, várias nozes, algas, milho e beterraba precisam de terras. O cálculo para satisfazer apenas metade da procura de transporte rodoviário do Reino Unido em termos de diesel e gasolina, mostra que seria necessário o uso exclusivo de 11,3 milhões de hectares, ou seja, quase 87 por cento da área total do país, representando muito mais que todas as terras agrícolas disponíveis, não incluindo as necessidades de transporte não rodoviário, a produção industrial e de plásticos, máquinas agrícolas e combustível para aviação e também, não tendo em conta o aumento da procura à medida que a população cresce. Ainda que se possa defender a construção de várias dezenas de centrais nucleares, mesmo que fosse politicamente e ambientalmente aceitável, seria apenas uma solução temporária. As reservas mundiais de urânio são cem vezes menores que o consumo mundial anual, e à medida que o carvão, gás e o petróleo diminuem, a probabilidade é da sua procura aumentar drasticamente, mas que não ultrapassará o petróleo por muitas décadas. Assim, a longo prazo, o futuro sustentável não só requer níveis astronomicamente elevados de investimento em electricidade a partir de fontes renováveis, mas também uma quantidade incrivelmente grande de terras agrícolas a serem dedicadas à produção de biodiesel, bioetanol ou algum outro combustível novo, criando uma tensão entre a produção de alimentos e combustíveis, que já é politicamente explosiva em alguns países duramente pressionados. O crescimento da população e a consequente necessidade de construir cada vez mais habitações, contribuem para essa competição por terra. As cidades, vilas, aldeias e infra-estrutura urbana representam 10,6 por cento da superfície do Reino Unido. Os bosques, orlas costeiras, dunas e estuários, lagos de água doce, rios, montanhas, e charnecas representam mais 15,9 por cento da superfície do país. Os restantes 73,5 por cento são terras agrícolas, existindo por consequência muito espaço para a construção de novas habitações. No entanto, actualmente, todas as terras agrícolas produzem apenas cerca de 59 por cento das necessidades alimentares totais dos ingleses, ou seja são apenas 72 por cento auto-suficientes, para os alimentos que são vendidos no seu mercado interno. Isso significa que até mesmo as colheitas que tiveram em abundância, como o trigo, cevada, aveia, sementes de linho e colza, não são produzidas em quantidades que permitam reduzir a produção. Tiveram um excedente de trigo em 2008, colhendo 10 por cento a mais do que necessitavam. O inverso aconteceu em 2012, pois tiveram uma colheita pobre, tendo importado mais do que exportaram. O Reino Unido não é auto-suficiente em carne e construir em terras agrícolas, pode fornecer telhados para as pessoas, mas não vai ajudá-las a alimentarem-se a longo prazo. Os que discordam sempre poderiam argumentar que construir habitações ajudaria a alimentá-los, criando rendimento que permitiria comprar excedentes de outros países. Tal ideia só pode ser uma estratégia de curto prazo, pois sempre que uma parcela de terra é usada para habitação, deixa de ser produtiva para alimentos ou combustível. Se supusermos que se tinha de entregar uma pequena porção da terra agrícola para ser desenvolvida como habitação todos os anos, em um montante equivalente ao aumento da população actual, e considerando que a terreno cultivado valia cerca de vinte mil libras por hectare, e que a terreno para construção valia um milhão de libras ou mais por hectare, dependendo do local, o balanço patrimonial é assim melhorado em novecentas e oitenta mil libras por hectare de terra de cultivo, e este dinheiro extra nutre a economia, apoiando empregos e aumentando lucros. Agora, suponhamos que os ingleses continuam com tal prática até ao final do século. A taxa actual de crescimento da população é de 0,76 por cento por ano e quase duplicará em 2100, atingindo cerca de cento e quatro milhões de pessoas e prover habitações, postos de trabalho e infra-estrutura para mais cinquenta milhões de pessoas exigiria que cerca de 6,8 por cento do país fosse desenvolvido, dependendo do uso que puderem dar aos locais previamente desenvolvidos, o que representa 9 por cento das terras agrícolas produtivas no Reino Unido, sugerindo que a produção doméstica total seria 9 por cento menos do que os níveis actuais, a menos que os terrenos restantes fossem cultivados de forma mais intensiva. Mas esses terrenos de cultivo teriam que alimentar um número significativamente maior de bocas e ao invés de satisfazer 72 por cento das necessidades alimentares domésticas, as terras agrícolas reduzidas só poderiam alimentar 33 por cento. Os ingleses seriam dependentes de alimentos de origem estrangeira. E aí reside o problema, pois dois terços das nações do mundo têm populações a crescer mais rapidamente que o Reino Unido, pois a média mundial actual é de 1,2 por cento anual. Todos estes países estão ocupados a transformar terras agrícolas em habitações para venda, afastando gradualmente a sua capacidade de produzir alimentos suficientes para as próprias populações, muito menos criando excedente necessário para a exportação. O volume total de culturas de base oferecidas para venda nos mercados internacionais atingirá um máximo em algum momento e, em seguida, começará a diminuir rapidamente. Os preços irão subir em todo o mundo e, inevitavelmente, menos pessoas serão capazes de os comprar. As organizações de ajuda internacional e instituições de caridade serão pressionadas a não gastar o seu dinheiro alimentando vítimas da fome no exterior, mas a aliviar a pobreza nos seus países. Além disso, o modelo actual não leva em consideração as enormes quantidades de terra necessárias para a criação de electricidade e produção de biocombustíveis, e sem grandes extensões de terra consagradas a essas formas de energia, não haverá cultivo, e nenhum progresso em direcção a um futuro sustentável. A situação imaginada para o Reino Unido poderá bem acontecer em apenas oitenta e três anos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão migratória “Refugees are people who cannot assume protection by their own states. In many refugees crisis of the modern era, ethnicity has been one, if not the major criterion according to which people have been denied the protection of their own governments.” “Ethnic conflict and refugees” – Kathleen Newland [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s anos de 2014 e 2015 caracterizaram-se por uma crescente consciencialização nos círculos políticos, meios de comunicação e na sociedade civil global da situação dos imigrantes no mundo. Os relatos de centenas de pessoas a morrer em naufrágios no Mediterrâneo; milhares de refugiados a escalar cercas de arame farpado erigidas na Hungria; milhares a viverem em acampamentos, em Calais, esperando para fugir através do Canal para o Reino Unido e navios repletos de refugiados rohingyas a serem empurrados de volta ao mar no Sudeste Asiático, publicitou sobremaneira a extensão global da crise. A cobertura mediática, neste caso, não foi excessivamente sensacional e os dados confirmaram a escala sem precedentes da migração global. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, na altura liderado pelo actual Secretário-Geral, António Guterres, descobriu que catorze milhões de pessoas foram deslocadas pela guerra em 2014, o maior número em um único ano, desde a Segunda Guerra Mundial. A ONU, em 2014, registou cinquenta e nove milhões e quinhentas mil pessoas deslocadas em todo o mundo, quase o dobro de deslocados de 2005, constituindo o maior número de deslocados quantificados, e essa cifra nem sequer considera os milhões de pessoas que se deslocam por razões económicas ou ambientais, à procura de uma vida melhor para si e para a sua família. A nível global e de acordo com a Organização Internacional para as Migrações, cerca de quarenta mil pessoas morreram ao tentar atravessar uma fronteira entre 2005 e 2014. Trata-se de mortes de civis que perdem as suas vidas ao tentar deslocar-se de um lugar a outro e não de mortes militares. As crianças que morrem, têm protagonizado cenas dantescas, e nunca foi efectuado qualquer estudo acerca da responsabilidade que devem sentir os governos e os cidadãos dos países ricos por essas mortes de refugiados, ao tentarem atingir as fronteiras do mundo livre, para além dos habituais actos de comoção e consternação. Após séculos de práticas estatais destinadas a regular e a controlar o movimento de refugiados, porque razão tantas pessoas continuam a morrer nas margens dos Estados ditos modernos, civilizados e democráticos? Existe a ideia poderosa nos meios de comunicação sociais e nas sociedades ricas de que a violência nas fronteiras é inevitável, quando os países menos desenvolvidos e menos organizados se arremessam contra os países ricos e desenvolvidos do mundo. Tal versão das fronteiras é ilustrada na descrição dada pelo então candidato presidencial e actual presidente dos Estados Unidos, de rotular migrantes como criminosos, traficantes de drogas e estupradores e que pretende levar a sua promessa eleitoral a cabo, com a continuação da construção do muro da vergonha da América, que a separa do México, e a ser pago pelos mexicanos, pela recusa da entrada de cidadãos de alguns países árabes que vivem conflitos armados e crises humanitárias, muitos deles provocados pelos Estados Unidos, e em programas de televisão como a das Guerras de Fronteira da National Geographic, que, como o título sugere, apresenta o México como uma zona de guerra onde os agentes da Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos estão sob constantes ataques de traficantes de drogas, criminosos e grupos de crime organizado que invadem o país. Segundo esta perspectiva, continuar a endurecer e a proteger as fronteiras é necessário para conter a violência ilegal no outro lado, e construir muros e militarizar a fronteira são as únicas opções para proteger os cidadãos do país. As práticas adicionais de segurança nas fronteiras, são descritas, como acções virtuosas que podem proteger os migrantes inocentes, de traficantes humanos, sem escrúpulos, que têm um desprezo irrestrito pela vida da sua carga humana. A resposta da União Europeia às mortes no Mediterrâneo demonstra esta lógica, ao sugerir que o problema pode ser resolvido utilizando a força militar contra os traficantes de seres humanos, destruindo os seus barcos e atacando os seus acampamentos. A brilhante estratégia, baseia-se no pressuposto de que a situação dos refugiados é estimulada principalmente pelos traficantes, não pelas condições nos países de origem dos imigrantes, ou pelas políticas de imigração restritivas dos países que não oferecem sistemas seguros e organizados para pedidos de concessão do estatuto de refugiado e asilo, pelo que contesta a ideia de que as fronteiras são uma parte natural do mundo humano, e que a migração é impulsionada principalmente por traficantes e contrabandistas, pois em vez disso, a própria existência da fronteira produz a violência que a rodeia. A fronteira cria as descontinuidades económicas e jurisdicionais que passaram a ser vistas como suas características, proporcionando um ímpeto para o movimento de pessoas, bens, drogas, armas e dinheiro através delas. O endurecimento da fronteira através de novas práticas de segurança é a fonte da violência, não uma resposta. O então Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a 21 de Novembro de 2014, afirmou que o sucesso da América como nação, está enraizado no compromisso contínuo de acolher e integrar os recém-chegados no tecido do país. É importante que se desenvolva uma estratégia federal de integração de imigrantes, que seja inovadora e competitiva, com as de outras nações industrializadas, e apoie mecanismos para garantir que as diversas pessoas do país, contribuam para a sociedade com o seu máximo potencial. Os Estados Unidos são, de longe, o líder mundial no destino dos imigrantes. O Departamento do Censo dos Estados Unidos informou que em 2013, tinha registado um número olímpico de quarenta e um milhões e trezentos mil imigrantes, ou seja, mais de 13 por cento da população que vivia no país, calculando que cerca de doze milhões permaneciam no país sem autorização legal. A Rússia encontrava-se na segunda posição com doze milhões e trezentas mil pessoas residentes nascidas no estrangeiro. A ONU relata que os Estados Unidos são o lar de mais de 19 por cento dos imigrantes do mundo e comprometer-se actualmente com a integração dos imigrantes é mais urgente do que nunca. O tamanho da população imigrante só obriga à tomada imediata de uma acção. O Pew Research Center refere que de 1990 a 2012, o número de imigrantes nos Estados Unidos aumentou mais de cinco vezes – 106 por cento, que a população nascida no país – 19 por cento, e em 2013, uma em cada quatro crianças no país viveu com pelo menos um pai imigrante. O número de imigrantes na sociedade americana é enorme pelo que é fácil concluir que se os imigrantes não prosperarem, então o país não crescerá e desenvolver-se-á. Os imigrantes nas duas últimas décadas instalaram-se em novas áreas do país, particularmente no Sul, e em novos tipos de comunidades, incluindo subúrbios e cidades rurais. Os professores, assistentes sociais, membros do clero e funcionários públicos em tais locais, tendem a ter pouca experiência com imigrantes da América Latina, Ásia ou África, cujas experiências, culturas e línguas nativas diferem das dos imigrantes europeus que chegaram ao país em gerações anteriores. A integração durante as grandes vagas migratórias anteriores, foi alcançada pelo Instituto de Política Migratória dos Estados Unidos e que denomina de mediação de instituições que não têm uma forte presença na sociedade americana, e que incluem sindicatos de trabalhadores e instrumentos dos partidos políticos, que concorrem pela adesão dos imigrantes e fornecem orientação, ligações sociais e um sentimento de pertença em novas comunidades. Ao contrário de outras nações como a Austrália, alguns países da Europa Ocidental e o Canadá, que também recebem um número significativo de imigrantes, os Estados Unidos não têm uma política sistemática para ajudar os imigrantes a tornarem-se auto-suficientes, membros que plenamente contribuam para a sua nova sociedade. A política federal de imigração americana, em vez disso, tende a concentrar-se principalmente nas questões contenciosas de quem será permitido entrar, ficar e retornar. O governo federal não tem nenhuma instituição identificável, especificamente preocupada com a integração de imigrantes na sociedade. A integração dos imigrantes continua a ser uma reflexão tardia nas discussões sobre políticas e depende de escolas públicas, instituições religiosas, homens e mulheres de boa vontade e organizações sem fins lucrativos. Ainda que a integração de imigrantes seja tipicamente defendida por organizações progressistas, o movimento das pessoas de pés bem assentes no chão tem carácter não ideológico e evita atrair atenções, incluindo os directores de centros de inglês como segunda língua, membros da Câmara de Comércio, presidentes dos municípios, conselheiros municipais, líderes de comunidades religiosas e de organizações sem fins lucrativos. Talvez por isso o conceito e a prática da integração dos imigrantes tenham obtido o apoio de pensadores liberais e conservadores. Os defensores da integração imigrante há muito tempo trabalhavam amarrados a uma mensagem simples e não ideológica, apoiada por factos, que enfatizavam o destino compartilhado, como a saúde da economia e da democracia que depende dos imigrantes encontrarem sucesso, felicidade e compromisso nas suas comunidades e nos Estados Unidos a longo prazo, ou melhor, por outras palavras, dependiam uns dos outros. Se os imigrantes não encontrarem sucesso nos Estados Unidos, o país também não o encontrará. As pesquisas de opinião sugerem que os americanos podem apoiar um esforço pro-activo para trazer os imigrantes de forma plena à vida cívica, económica e social dos Estados Unidos. A pesquisa Gallup de 2013, descobriu que 88 por cento dos adultos auxiliavam os imigrantes indocumentados no caminho para a cidadania, desde que passem na verificação de antecedentes, aprendam Inglês e paguem uma taxa. A pesquisa Gallup de 2012 revelou que 72 por cento dos americanos concordaram que a imigração é um valor acrescentado para o país. As pequenas comunidades rurais e as pequenas cidades estão a mudar. Se forem dados aos jovens um local para progredir, crescer e realmente integrarem-se, e se forem criadas as oportunidades para todos à integração, será bom para as pessoas, para as comunidades e para a América, país de imigrantes cuja divisa é “E Pluribus Unum”, que o Presidente americano quer destruir com tresloucadas ideias e práticas de bloqueio à entrada de refugiados contrárias à história, natureza e essência dos Estados Unidos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA agonia da Europa “Europe’s Economic and Monetary Union (EMU) today is like a house that was built over decades but only partially finished. When the storm hit, its walls and roof had to be stabilised quickly. It is now high time to reinforce its foundations and turn it into what EMU was meant to be: a place of prosperity based on balanced economic growth and price stability, a competitive social market economy, aiming at full employment and social progress. To achieve this, we will need to take further steps to complete EMU.” “Why Europe Will Run the 21st Century” – Mark Leonard [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] actual crise da União Europeia (UE) torna dolorosamente evidente que a sua história deve ser repensada, reformulada e reescrita. Está em jogo mais do que simplesmente fixar o registo do que foi realizado. Ao mesmo tempo, vasta e paroquialmente, a pesquisa existente sobre a UE não apenas define os parâmetros intelectuais actuais do seu objecto, mas fornece também a linguagem que dá forma à discussão, estabelecendo os contextos de formulação de políticas, orientação da acção política e abertura de novas fontes de legitimidade. Trata-se de um acontecimento que envolve duas causas especiais. A maior parte da literatura académica escrita sobre o assunto foi directa ou indirectamente financiada pela UE, pois durante a maior parte da sua vida, e mesmo até ao presente, foi também beneficiária da ideologia do europeísmo, ou seja, uma fé secular que é um agente ordenado do progresso humano. Os muitos estudiosos, comentaristas, variados especialistas, jornalistas e afins que passaram a maior parte das suas carreiras a fazer pesquisas na UE, são quase todos devotos do culto da Europa unida e para terem a certeza, podem muitas vezes ser críticos, e à luz dos acontecimentos actuais são mais do que anteriormente, mas apenas para melhor servir a causa. Os que ainda duvidam são indesejáveis. Tais hereges ainda têm de fazer sérias incursões no legado da erudição da UE. Os fabricantes e agitadores em Bruxelas têm estado, e ainda estão, por detrás da empreitada maciça do estabelecimento intelectual e de forma simbiótica a tirar proveito. O mesmo não pode ser dito para os restantes dos cidadãos europeus. O laço entre os pensadores e os praticantes deve ser quebrado se quiserem fazer um progresso real na reforma da UE e no tratamento do seu legado. É de recordar as três teorias influentes que têm sustentado a crença na UE como algo historicamente transcendental. Enquanto todas diferem fundamentalmente na interpretação do processo de integração, cada uma delas coloca um resultado teleológico semelhante, que é uma Europa Federal. Nenhuma delas tem muita aceitação. No entanto, um paradigma alternativo ainda não as substituiu. A mais antiga e proeminente entre tais abordagens conceptuais, é o funcionalismo, que sustenta que a integração europeia, uma vez posta em marcha, teria “efeitos secundários” que transportam de um sector económico ou político para outro, eventualmente permeando o corpo político. Poder-se-ia esperar que esse processo se movimentasse previsivelmente ao longo do tempo, mas nunca foi o caso. O progresso foi, na melhor das hipóteses, esporádico e, na pior ausente por prolongados períodos. O autor da teoria funcionalista, elaborada na década de 1950, é o cientista político Ernst Haas, que mais tarde a repudiou. As recentes tentativas de reavivamento, apesar de desesperadas não tiveram praticamente qualquer resultado positivo. A segunda teoria, o intergovernamentalismo liberal, foi desenvolvida por outro cientista político, Andrew Moravcsik, no final da década de 1990, explicando o processo de integração como o resultado de acordos ideais entre actores estatais, e pouco tem a dizer sobre como as instituições operam, e nada menciona sobre os seus possíveis fracassos. É contada uma história de sucesso, sendo difícil, à luz da actual situação da UE, levar a ideia a sério. A terceira abordagem reinante é um pouco diferente nas suas características. Tendo sido formulada no início da década de 1990 pelo historiador Alan Milward, sustenta que o processo de integração é entendido como um fortalecimento necessário e benéfico do Estado de bem-estar e tendo sido posteriormente elaborada, postula ainda, como as outras teorias que a UE não se vai transformar de uma ideia elitista em um projecto de massa. A ligação entre as duas teses de Milward e os contornos da história real da UE e as suas predecessoras é apenas incidental. A fé profunda, permanente, difundida e ferozmente defendida de que o processo de integração se concretizará numa Europa social-democrática unida é o que sustenta tais ideias. As convicções são difíceis de morrer. As três desgastadas teorias, em percepções erradas, que imploram correcção e qualquer inquisição sobre a história da UE não farão nenhuma presunção triunfalista. Ao invés, reavaliará o passado da UE num esforço para descobrir o que houve de errado, como poderá ser corrigido e o que poderá vir a seguir. É preciso, desde o início, ver o sujeito de fora para dentro, em vez de, como antes, de dentro para fora. O epifenómeno de forças históricas mais fortes, o crescimento e desenvolvimento da EU, ocorreu de forma exógena, por meio de motores internacionais de mudança, e intermitentemente por alterações nas relações de superpotência, e continuamente pela expansão aparentemente inexorável do comércio mundial, mediado por novos contextos económicos, políticos e organizacionais. Tal força, e não a UE, é a principal impulsionadora do processo de integração. A erosão gradual do poder inerente às instituições políticas nacionais e regionais, bem como a sua superação por mercados cada vez maiores e mais profundos, está intimamente relacionada com o fluxo crescente de importações e exportações. O crescimento do comércio internacional reflecte o desenvolvimento de uma interdependência cada vez mais densa e complicada entre os Estados e as instituições corporativas, dentro delas e entre os mercados e as instituições. A tendência constituiu e continua a representar uma ameaça crescente para os construtores burocráticos do sistema da UE que, colocados à defensiva, levantaram interesses políticos num esforço inútil para impedir a torrente. A Europa sofre com o resultado. Quanto aos argumentos, o original foi o cenário da Europa do pós-guerra, cujas características mais significativas foram o grande desenho americano, que trouxe o renascimento da Alemanha, bem como a Europa e a Guerra Fria. As razões seguintes resultaram da chamada mudança de regime monetário, ou seja, a desagregação na década de 1970 do sistema financeiro mundial de Bretton Woods, que havia sido criado nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial e estava ancorada no padrão dólar-ouro. O colapso deste sistema deu início a uma era neoliberalista, bem como, regionalmente, à espada de dois gumes conhecida como o Acto Único Europeu de 1986. As suas sequelas tiveram como epílogo o mal concebido Tratado de Maastricht de 1992, que alegremente se comemora, o lançamento de um projecto constitucional imperfeito e a decisão fatal de adoptar o euro como moeda única. A revolução cibernética fornece o contexto para a actual crise na Europa, que conjuntamente com o renascimento da China e da Índia e o seu retorno ao desempenho de um papel cimeiro na história mundial, apresenta imensos desafios técnicos e geopolíticos a uma UE debilitada por uma perda de autoridade, métodos de operação arcaicos e mau julgamento. A adaptação da UE às mudanças, por vezes, impõe respeito, mas muitas das vezes o oposto, sendo por um lado, um poderoso motor de potente melhoria, mas por outro lado profundamente falhado, produto tanto da tomada da decisão humana errada e desenho institucional e operacional. A história da UE não seguiu um curso prescrito nem foi moldada por um modelo único, ou mesmo vários deles. Sem uma constituição ou outro documento único de formação, mas sendo consequência de vários tratados e muitos entendimentos informais, não apresenta uma sólida estrutura. A complicar ainda mais a situação, a UE opera também de forma oportunista fora desses quadros, num terreno legal e institucional imaginário. O seu desenvolvimento pode ser caracterizado como tendo sido mutável, polimorfo e refractário. A UE, como organização, alterou-se com o passar do tempo, assumiu formas diferentes e adquiriu novas funções, mas continua a ser obstinada e resistente à mudança. Essa mesma falta de forma pode, paradoxalmente, ser uma fonte de força a longo prazo. A UE já se reconstruiu anteriormente e poderá voltar a fazê-lo. Os mecanismos operacionais da UE estão envoltos numa confusão semântica pelo que são desnecessárias complexidades e ineficiências. A explicação do funcionamento do mecanismo de Bruxelas deve, sempre que possível, evitar uma linguagem incompreensível, ser cauteloso com as relações públicas e considerar inaceitável a desculpa oficial de que o abuso de significado é a consequência inevitável do carácter “sui generis” do projecto da integração. A última hipótese é insustentável. A UE é uma organização internacional que, como outras foi criada num espírito utópico, estando sujeita às limitações da história e, portanto, falível. Ao avaliar os seus pontos fortes e fracos, não se deve apenas examinar a UE enquanto instituição, mas também os caminhos alternativos de desenvolvimento e o peso dos impactos. O seu lamentável estado actual não estava predeterminado, mas deve-se a uma história de pensamento mal-intencionado, atitudes nefastas, má formulação de políticas e inércia. A UE é produto de mentes e acções individuais, mas também de instituições dependentes, disfuncionais e ossificadas. Esse legado deve ser superado de alguma forma. A UE pode ainda não estar morta, mas padece de doença a caminhar para a fase terminal. A sua sobrevivência, como no passado, exige, no entanto, uma adaptação rigorosa e até mesmo dolorosa às poderosas forças globais de longo prazo que fazem progredir o mundo. A reforma futura pode implicar uma mudança de atribuição, reestruturação e redução acentuada do poder e da influência da UE enquanto instituição. A história da UE não pode ser sobre metas atingidas, ou mesmo, como nas revisões recentes, metas adiadas, mas de declínio. A UE tem um longo historial de intervenções políticas ao longo das grandes questões humanitárias e sociais, falhando cada vez mais na tentativa de as implementar, infligindo consequentemente maior dano. É um peso morto que deve ser levantado para que as culturas nacionais floresçam e a Europa recupere a confiança necessária para enfrentar os desafios do futuro. Os cidadãos europeus na sua maioria têm vindo a troçar das pretensões da UE, condenam as políticas já vacilantes ao fracasso e lançam uma avaliação pública da sua necessidade. O escândalo da fraude da Volkswagen sobre padrões de emissões de diesel, expôs o vazio da reivindicação da Comissão Europeia, para servir como consciência do mundo sobre a política climática, e minou a sua credibilidade como regulador, e sobrecarregada por essa humilhação, a escalada da crise dos refugiados trouxe a agonia evidente da impotência da EU, num campo em que afirmou a jurisdição exclusiva, como seja a segurança interna europeia. Os terríveis atentados suicidas de 13 de Novembro de 2015, em Paris, chocaram os cidadãos dos Estados-Membros, trazendo-os para uma consciência dolorosa de que a política de Schengen de fronteiras abertas compromete a segurança pública. Os atentados tiveram também implicações políticas de longo alcance, pois inverteram a política de informação científico tecnológica anti-americana da Comissão que era a ponta de lança do seu programa económico, em prol de uma melhor vigilância cibernética, porque necessitavam de novos e improdutivos investimentos maciços em vigilância e bem-estar, resultando numa delegação de facto do poder da UE aos Estados-Membros, revirou a opinião pública bruscamente para a direita, e desencadeou uma procura de alternativas para a Europa. O destino da UE pode muito bem ser determinado pelo Brexit e consequente saída do Reino Unido. O que parecia improvável quando o primeiro-ministro Cameron prometeu um referendo sobre continuidade da Grã-Bretanha no bloco europeu, e não conseguiu das instituições europeia as concessões de longo alcance necessárias para aplacar um eleitorado cauteloso, foi a votação inesperada pelo abandono da UE. A saída do Reino Unido dividiu ainda mais a UE e pode descentralizá-la A saída britânica pode em tempo desencadear uma reconfiguração da União Económica e Monetária e deslegitimar o corpo de leis e regulamentos europeus conhecido como acervo comunitário. Vivemos um momento decisivo na história da Europa do após Segunda Guerra Mundial.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA China no Ano do Galo “Chinese economy is faced with downward pressure as many other countries are now. However, China’s 1.3 billion population has offered a giant market with various buffer zones for the world’s economy and enormous consumption demands for its recovery. China imports goods worth $3.2 million from other countries in every 1 minute; and one in every 10 products exported around the world is bought by China. Just imagine, if every Chinese person buys products or service worth $100 from your country, $130 billion are generated in bilateral trade.” CIPG Digital Media Center, January 17, 2016 [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Ano Novo Chinês começará, tendo como regente o Galo, a 28 de Janeiro de 2017 e terminará a 15 de Fevereiro de 2018, marcando o final do ano do Macaco. O Galo é o signo da madrugada e do despertar. O triunfo e o êxito só aparecerão após muito trabalho e paciência. Assim, neste novo Ano Novo Chinês que se aproxima, a economia chinesa adaptou-se a uma nova normalidade em 2016, caracterizada pelo excesso de preocupações relativas ao crescimento do PIB, reforma estrutural dirigida à oferta, política monetária e ao Renmimbi (RMB), entre muitas outros factos e situações. O próximo Ano Novo Chinês está a poucos dias de se iniciar e a grande questão é a de saber fundamentalmente, como será o desempenho da economia chinesa, existindo desde logo seis sectores que merecem a máxima atenção. Apesar da pressão descendente, o crescimento económico da China estabilizou-se em 6,7 por cento nos três primeiros trimestres de 2016, desmentindo os rumores de uma dura aterragem. Os políticos chineses, em 2017, vão continuar a dar prioridade à estabilidade, dado que o Partido Comunista da China irá realizar o seu XIX Congresso Nacional, em Pequim, durante a segunda metade do ano. Os economistas prevêem um pouso suave da economia chinesa, e assinalam que a política fiscal pro-activa continuará a desempenhar um papel positivo. O sólido crescimento da China será garantido, quer por um forte potencial de crescimento, como por políticas de controlo macroeconómico. O crescimento do investimento imobiliário e as vendas diminuirão, mas o efeito negativo será compensado pelo investimento em infra-estruturas. A Conferência Central de Trabalho Económico tem realizado a pesquisa do progresso, mantendo a estabilidade, que é o tema principal do trabalho económico, comprometendo-se a estimular um progresso significativo na reforma estrutural direccionada à oferta. É de crer que a China melhorará o seu sistema económico básico, e acelerará as reformas para delegar competências e optimizar os serviços. É de crescente importância a reforma estrutural dirigida à oferta e as políticas de controlo macroeconómico, sendo que o crescimento estável da China não poderá ser conseguido sem reformas, que nunca terão sucesso se não forem controladas. Observando a partir de uma perspectiva global, a vantagem da China reside na sua ampla margem de manobra para realizar as necessárias reformas. A China espera realizar reformas fundamentais em empresas públicas, tributação, finanças, solo, urbanização, segurança social, educação ecológica e abertura. A política monetária da China será prudente e neutral de acordo com a Conferência Central de Trabalho Económico. É pouco provável que no Ano do Galo, haja uma flexibilização monetária significativa e a política monetária poderá mudar, deixando de apoiar tão drasticamente o crescimento para evitar riscos. É de esperar que o banco central opte por instrumentos, tais como acordos de recompra e facilidades em empréstimos a médio prazo, para garantir a liquidez e evitar um crescimento excessivo do crédito. A política monetária da China será determinada pelo objectivo de crescimento económico anual do governo, sendo de esperar uma crescente inflação, a subida das taxas de juros nos Estados Unidos e um yuan mais fraco, o que reduzirá o espaço para a flexibilização. O RMB tem registado agudas desvalorizações desde Outubro de 2016, causando preocupações no mercado. Todavia, é de descartar a possibilidade de quedas persistentes, e acreditar que a China pode gerir o impacto, mesmo se ocorrerem alterações nas taxas de câmbio maiores que o esperado. É de considerar que não existe precedente para um país com o maior superavit em conta corrente no mundo, uma taxa excepcional de crescimento do PIB, abundantes reservas internacionais e restrições de capital, venha a sofrer uma depreciação significativa da sua moeda. O sólido progresso económico da China determina que o RMB irá manter a sua robustez contra outras moedas, considerando a recente debilidade, como uma correcção da excessiva valorização anterior. É de esperar que o RMB termine a série de perdas na primeira metade do ano. O sector imobiliário, sendo um factor crucial do investimento em activos fixos, irá ser vigiado de perto pelo seu efeito no crescimento económico. O mesmo deveria acontecer em Macau onde as flutuações de carácter especulativo têm sido díspares, com um aumento geral de 32 por cento nos preços por metro quadrado das casas em Dezembro de 2016, quando comparado com o mesmo mês de 2015. A China contará com regras mais severas para a compra de casas a fim de travar a especulação e a revisão do aumento de preços, pelo que a venda de propriedades crescerá a ritmo menor. Todavia, é de esperar que a urbanização da China apoie a procura de casas e mantenha um sólido crescimento do mercado. O principal órgão legislativo da China aprovará uma discutida lei de imposto sobre imóveis que fará aumentar o custo da especulação. É provável que o governo continue com as políticas imobiliárias diferenciadas para lidar com a divergência do mercado, entre as grandes e as mais pequenas cidades. A economia mundial enfrenta uma lenta recuperação, com uma população em envelhecimento e uma larga diferença de riqueza, entre outros obstáculos a longo prazo. A China, por contaste, ainda que viva uma desaceleração, registou um invejável crescimento entre 6,5 e 7 por cento e continua a ser um poderoso motor a nível global, e neste contexto, o mundo depende cada vez mais da China para fazer face aos obstáculos que se apresentarão. A China, apesar das invectivas de Donald Trump, terá um papel ainda maior no impulso da globalização. Tal como as maiores economias do mundo, os laços económicos entre a China e os Estados Unidos, merecem maior atenção, pois é provável que a decisão de Donald Trump de apelidar a China como manipulador de moeda e impor grandes tarifas alfandegárias contra os seus produtos, venha a criar uma enorme incerteza e a gerar efeitos negativos. A nível global há que relembrar que nos princípios desta década, a corrente central de pensamento nos países centrais e em outros grandes actores internacionais, imaginava a consolidação de uma nova ordem internacional, assente sobre três pilares básicos. A hegemonia dos Estados Unidos apoiaria a paz internacional e o contínuo avanço da democracia liberal. O modelo de sucesso de integração continental, seria a contribuição da União Europeia (UE), o que poderia, eventualmente, ser imitado em outros locais. A Rússia em declínio, uniria forças com a China, que continua a crescer, reconhecendo ambas as vantagens oferecidas aos seus países, em serem parte deste mundo concebido pelas potências ocidentais. Mas vai começar o mandato presidencial de Donald Trump, e a sua declarada intenção, é de que os Estados Unidos abandonem muito do seu esforço global e se concentrem em resolver os problemas de fronteira. Esse é o sentimento dominante na maioria dos americanos. A Europa parece estar à deriva. A UE golpeada pelo Brexit, o destino do euro e os milhões de imigrantes que chegam, fez perder de vista boa parte do projecto original e não há nada de novo, que enriqueça e substitua a actual versão. Quanto à Rússia está demonstrada a sua política de ingerência e ocupação, pela invasão da Crimeia e no Médio Oriente. A China não pertence ao Tratado Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), assinado em Auckland, a 4 de Fevereiro de 2016, e do qual fazem parte os Estados Unidos, Japão, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Peru, Malásia, México, Nova Zelândia, Singapura e Vietname, representando cerca de 40 por cento do PIB mundial, um terço das exportações mundiais e abarca um mercado de oitocentos milhões de pessoas, e apesar dessa ausência avança para impor o seu domínio sobre os mares que a rodeiam, e têm deixado bem claro que não aceita a estratégia americana, e que a pode desafiar com sucesso. Esta mudança não aconteceu de um dia para o outro, pois existiam muitos sinais que a prediziam, ainda que quase sempre aconteçam despercebidos. A crise financeira global de 2007-2008 que ainda faz sentir os seus efeitos, revelou fraquezas e limitações do actual modelo capitalista. A UE teve a sua sacudidela com a crise do euro e da zona euro. A China nunca deixou de crescer e assumir maiores parcelas no comércio e poder mundial. A novidade agora é um novo tipo de nacionalismo. A “América Primeiro” promete um recuo da globalização e uma concentração no isolacionismo. A Rússia, com uma economia fraca, mas ainda com poderosos recursos militares, e quer uma desforra do “Império dos Czares”, depois da humilhação sofrida após a queda da União Soviética. A China, o “Império do Meio”, a maior economia do mundo até o século XVII, quer ressuscitar e deixar para trás a humilhação de ocupações sucessivas do seu território durante mais de cem anos. Todas estas nações, até agora actores de segundo plano, procuram definir um novo modelo de relações internacionais que, obviamente, seja mais favorável aos seus interesses nacionais do que o actual. O Ano do Galo irá assistir ao enterro da velha ordem e à exigência de uma nova, que especialmente considere o novo estatuto da China como uma superpotência global, sendo que em futuro próximo, este novo mundo multipolar terá que encontrar um novo equilíbrio.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA China empresarial “President Xi Jinping emphasized that innovation; economic restructuring and consumption should be among the top priorities of China’s next stage of growth (the 13th Five-Year Plan for 2016–2020). The “Internet Plus” action plan seeks to drive economic growth by integration of internet technologies with manufacturing and business.” “China’s Mobile Economy: Opportunities in the Largest and Fastest Information Consumption Boom” – Winston Ma, Xiaodong Lee and Dominic Barton [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] crescimento da economia chinesa parecia imparável. O antigo modelo de crescimento, que depende fortemente do planeamento estadual e de um imenso investimento em infra-estruturas e propriedades, prospera com um uso maciço de crédito fornecido pelo sistema financeiro dominado pelo Estado, que se está a esgotar a todo o vapor. O sucesso da transformação económica da China depende da capacidade de correcção das suas instituições. Muito pode ser alcançado se forem retiradas as lições correctas do passado recente, que permitiu o inigualável sucesso económico da China, e principiar o trabalho de fazer face aos problemas estruturais que têm algemado o espírito empreendedor do povo chinês. Apesar de todas as suspeitas que muitos analistas levantam sobre a economia chinesa, a imagem não é de pesar, antes pelo contrário, havendo muitas razões para ser confiante. Embora a taxa de crescimento anual do PIB tenha caído para menos de 7 por cento, ainda representa maior produção económica do que os 14 por cento de 2007, simplesmente, porque a economia se tornou muito maior, e ao longo do tempo, temos observado o surgimento de novos tipos de empresas na China. Os altamente disruptivos são os que mais agressivamente usam novas tecnologias, como a Internet móvel para desafiar operadores ineficientes, são globais em visão, mais dispostos a assumir riscos, e mais qualificados na administração do mercado de capitais, podendo aproveitar ao máximo as potencialidades da nova tecnologia e fornecer não só melhores produtos de fabrico, mas também serviços de qualidade cada vez mais sofisticados, sendo a esperança das grandes empresas da China. As pessoas estão curiosas em saber como se explica o crescimento da economia chinesa e a forma como tal aumento implicou para o resto do mundo. O surgimento da economia chinesa decorreu do espírito empreendedor dos executivos e fundadores corporativos que tinham sido incentivados e libertos devido à reforma da China e às políticas de abertura. As suas histórias de sucesso e fracasso tornaram-se gradualmente assuntos de pesquisa de negócios e matéria de casos usados no ensino das escolas de negócios, e instrução de empresários e líderes de negócios pelo mundo. Após três décadas e meia de desenvolvimento económico, a China transformou-se de um país empobrecido na segunda maior economia do mundo. O pesquisador do Instituto de Tecnologia Computacional da Academia Chinesa de Ciências (CAS), Liu Chuanzhi, em 1984, decidiu aventurar-se no mundo dos negócios e com a ajuda de dez outros colegas, criou uma empresa de tecnologia em Zhongguancun, um distrito onde a maioria dos institutos nacionais de pesquisa estão localizados, tendo conseguido juntar RMB 200.000 como investimento inicial. O objectivo de Liu era humilde, pois tratava-se de desenvolver um sistema para acelerar a digitação de caracteres chineses em computadores e, se possível, ganhar algum dinheiro, e provavelmente estava além dos sonhos mais loucos de Liu, pensar que a sua pequena empresa se tornaria em uma das empresas de tecnologia mais bem sucedidas da China. A empresa, mais tarde conhecida como Lenovo, foi classificada como a 231.ª maior empresa do mundo em vendas pela revista Fortune, em 2015. Liu não só se orgulha da maior quota de mercado de computadores do mundo, mas também desenvolveu uma base sólida em áreas como smartphones, tablets, megadados, computação em nuvem, private equity, venture capital investment e agricultura. A Lenovo era uma empresa totalmente doméstica, antes da aquisição da unidade de computadores da IBM, em 2005. A partir de 2015, os activos e as vendas no exterior ultrapassaram 50 por cento, e os executivos não chineses representam mais da metade dos executivos seniores da Lenovo. A Lenovo tem sido amplamente vista como a empresa mais orientada para o mercado e a mais internacional da China. Em 1980, Ren Zhengfei, um ex-oficial do exército, mudou-se para Shenzhen para tentar a sua sorte. Após algumas tentativas fracassadas, fundou a Huawai Technologies, em 1988. Em menos de trinta anos, a Huawai tornou-se a fornecedora e líder mundial de equipamentos de informação e telecomunicações, exportando produtos e serviços para mais de cento e cinquenta países. As vendas totais da Huawei, em 2014, ultrapassaram duzentos e oitenta e oito mil milhões de RMB, e o seu lucro líquido foi de cerca de vinte e oito mil milhões de RMB. A Huawei tem vendas significativamente maiores do que os campeões tradicionais neste campo, como a Ericsson, Alcatel-Lucent e Siemens. A Huawei é também o terceiro maior produtor de smartphones do mundo, com mais de 9 por cento da participação no mercado mundial, desde do terceiro trimestre de 2015. A Sany Group, empresa sediada em Changsha, capital da província de Hunan, anunciou em 20 de Janeiro de 2012, a aquisição da Putzmeister, fabricante alemão de máquinas de engenharia e gigante industrial. Quando Liang Wengen fundou a Sany em 1994, possuir o “elefante” (apelido de Putzmeister) era apenas um sonho. A Sany, em menos de 20 anos, possuía o “elefante”, e também obteve acesso às tecnologias de ponta e canais de distribuição da Putzmeister em todo o mundo. O maior processador de carne da China, a Shuanghui International Holdings Ltd., em Maio de 2013, firmou um acordo de 4,7 mil milhões de dólares para adquirir a Smithfield Foods Inc., dos Estados Unidos. O negócio marcou a maior aquisição de uma empresa americana por uma empresa chinesa. A Smithfield Foods Inc. foi criada em 1936, juntamente com outras quatro empresas, e controla 73 por cento da indústria de transformação de carne de porco dos Estados Unidos. Enquanto a receita de Shuanghui foi de 39,7 mil milhões de RMB, em 2012, a Smithfield referiu uma receita duas vezes maior que o da Shuanghui, de aproximadamente de 80,3 mil milhões de RMB, em 2012. A aquisição aumentou significativamente a escala global em negócios da Shuanghui, estabelecendo uma base sólida para a sua Oferta Pública Inicial (OPI), em Hong Kong. A procura por carne de porco continua a aumentar na China, estando a Shuanghui a emergir como um império porcino. O empresário Lei Jun, em um pequeno escritório alugado em Pequim, juntamente com os seus seis parceiros, em Abril de 2010, anunciou a fundação de Xiaomi.com. Lei Jun tinha sido um empresário de sucesso antes de fundar a Xiaomi.com e levou a Kingsoft, uma empresa de desenvolvimento de software, para o estatuto de OPI. Fundou também, a Joyo, uma plataforma de comércio electrónico que foi adquirida pela Amazon. O fundador da Xiaomi.com, estava predestinado a entrar no mercado de smartphones high-end. A Xiaomi.com, um ano mais tarde, lançou o seu telefone de primeira geração com um preço de retalho de 1999 RMB. Tendo por base as vendas na Internet e o marketing de boca-a-boca, as vendas de Xiaomi.com aumentaram rapidamente, vendendo mais de sessenta milhões de aparelhos em 2014, e tornando-se o sexto maior produtor mundial de telefones celulares. O telefone móvel, para Lei Jun, não é apenas um dispositivo simples. É um equipamento que engloba software, serviços de internet e hardware. O Xiaomi.com, desde o início, tem conseguido desenvolver um ecossistema que não só abriga aplicativos, mas vende também, uma ampla gama de artigos, desde entretenimento, passando por software até serviços. A sua mais recente avaliação, efectuada no final de 2014, fixou o valor da Xiami.com em quarenta e cinco mil milhões de dólares, sendo considerada uma das mais valiosas “startups” do mundo, e uma das dez maiores empresas de Internet, em valor estimado de mercado no mundo. Durante as últimas três décadas e meia, histórias como Lenovo, Huawei, Sany, Shuanghui e Xiaomi têm abundado na China. A China empresarial está a crescer, e juntamente com a surpresa improvável do impulso da China corporativa é o rápido crescimento da economia chinesa, desde que o governo chinês iniciou a reforma económica em 1978, a China conseguiu manter uma taxa média de crescimento do PIB de mais de 9 por cento. A China ultrapassou o Japão para se tornar a segunda maior economia do mundo, em 2010. A China ultrapassou os Estados Unidos para se tornar a maior fabricante do mundo, em 2012. A China produziu menos de 3 por cento da produção total mundial, em 1990. Esta proporção aumentou para quase um quarto. Considerando a indústria do alumínio como um exemplo. Os produtores chineses de alumínio representavam apenas 4 por cento da produção mundial, em 1990 e até 2014, a sua participação aumentou para 52 por cento. Ao longo do caminho do desenvolvimento, a China também se tornou o maior consumidor de bens de luxo do mundo, bastando caminhar pelas ruas de Pequim, Xangai, Shenzhen e muitas cidades costeiras, para se poder facilmente sentir o entusiasmo dos cidadãos chineses, em que muitos parecem viver uma preocupação optimista, falando pelos iPhones, carregando malas Rimowa, calçando sapatos Prada e usando relógios Piaget. Ainda que o crescimento do PIB tenha abrandado nos últimos anos e muitos tenham perdido a fé no discurso da China, esta continua a ser o mundo da manufactura e centro de exportação, e um dos motores de crescimento mais poderoso do mundo. Todos os anos, a revista Fortune publica uma lista das 500 maiores empresas do mundo, a Fortune Global 500. Este produto clássico da revista é muito valorizado pelos meios de comunicação chineses, bem como pelas empresas chinesas. O facto de constar desta lista, para muitos, tem o significado de se tornar em uma empresa de classe mundialmente respeitada. Para a China empresarial, o real progresso deu-se em 1986, quando duas empresas chinesas entraram na lista pela primeira vez. O número de empresas chinesas na Fortune Global 500, desde então, tem aumentado, aparecendo cento e seis empresas, em 2015, em comparação com cento e vinte e oito nos Estados Unidos. A China já obteve mais empresas listadas na Fortune Global 500, desde 2011, do que a Alemanha e o Japão, tendo sido ultrapassada apenas para os Estados Unidos. As empresas chinesas, nos últimos trinta e cinco anos, transformaram-se com sucesso de acordo com a prática e os padrões de empresas como a GE, Toyota e Shell. A revista Fortune classifica as empresas globais de acordo com suas vendas totais. O limiar para a lista de 2015 foi de cerca de vinte e quatro mil milhões de dólares, correspondente a cerca de cento e cinquenta e quatro mil milhões de RMB, e mais de cem empresas relataram vendas acima dos cento e cinquenta mil milhões de RMB, em 2015, pelo que o aumento da China empresarial não poderia ser mais óbvio. Em grande medida, esta vaga simboliza o sucesso económico da China nos últimos trinta e cinco anos. Em 2015, entre as dez maiores empresas do mundo por receitas, estão três empresas estatais chinesas, a Sinopec, PetroChina e State Grid Corporation da China. A China não tinha uma única empresa no sentido moderno do termo, quando em 1978, foi forçada a iniciar a sua reforma económica. As denominadas por empresas, eram unidades de trabalho do tipo instalado na União Soviética, destinadas a cumprir as tarefas que lhes fossem atribuídas pelas agências de planeamento, em diferentes níveis. Até então, o Banco Central da China, o Banco Popular da China (PBOC na sigla em língua inglesa), sob a supervisão do Ministério das Finanças, também funcionava como um banco comercial. O PBOC desagregou as suas funções comerciais e deu forma ao Banco Industrial e Comercial de China (ICBC na sigla em língua inglesa) nos princípios da década de 1980. Desde então, o ICBC tornou-se um dos maiores intermediários finais do mundo. O ICBC, em 2015, foi considerada a décima oitava empresa mundial em termos de receita, o maior banco e a empresa mais rentável, batendo a Apple e a Exxon. Transformando-se de simples unidades de produção sob a economia planeada para empresas orientadas para o lucro e mercado, a China empresarial concluiu com êxito a sua primeira metamorfose. Estudar a ascensão rápida e inverosímil da China empresarial é trabalho fascinante, pois apresenta muitas perguntas, algumas preocupantes, tal como o facto de milhões de empresas chinesas, muitas vezes em larga escala, conduzirem negócios na ausência de infra-estrutura institucional bem desenvolvida e como se processa a aplicação da lei e a protecção dos direitos de propriedade.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesRumo ao Estado de Direito Socialista “Since China’s reform and opening began in 1978, the country has come a long way on the path of Socialism with Chinese Characteristics, under the leadership of the Communist Party of China. Over 30 years of reform efforts and sustained spectacular economic growth have turned China into the world’s second largest economy, and wrought many profound changes in the Chinese society.” “The Road to the Rule of Law in Modern China” – Quanxi Gao, Wei Zhang, Feilong Tian [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uanto mais importante se torna a China, mais difícil se converte o entendimento da sua realidade. O mundo ocidental na diversidade dos países que o compõem tem a sua visão peculiar, própria e especial da China, devido ao crescente aumento de empresários, estudantes e turistas que viajam para o país, que acrescido do conhecimento de especialistas na matéria cria maior confusão na aprendizagem da realidade chinesa. A Noruega pode parecer uma inesperada fonte de conhecimento sobre a China pelos estudos que tem produzido, mas tal visão expressaria um mito sobre a Noruega, de ser um lugar remoto e voltado para dentro, quando na realidade se trata de um país geograficamente grande, mas demograficamente pequeno e altamente próspero, fortemente dependente das exportações de petróleo para o resto do mundo, e que tem uma grande participação na estabilidade global. É um aliado americano forte na OTAN e mantém um sofisticado mecanismo de defesa. Tem uma cultura cosmopolita e integra refugiados de todo o mundo como seus cidadãos. A Noruega tem um forte interesse em tendências em todo o mundo, inclusive na China, e o seu Comité do Prémio Nobel da Paz, que não faz parte do governo, concedeu dois prémios Nobel da Paz a pessoas nascidas na China. Assim, não é de estranhar que a política externa da Noruega e o estabelecimento da segurança mantenha um olhar atento sobre os assuntos globais. Para um país pequeno, a política de segurança é menor sobre o equipamento, e maior sobre a compreensão das línguas, culturas e história de outros países, a fim de aprender o que estimula as suas políticas e como podem ser acomodadas ou resistir. A China, conjuntamente com o mundo árabe, foi frequentemente como o clássico “outro” para um Ocidente sempre em mudança, que esforça por definir e redefinir-se a si mesmo. Vindo do ambicioso mas inseguro poder comercial e militar de Veneza do século XIII, Marco Polo retratou a China como infinitamente rica e poderosa. O pensador do Iluminismo François-Marie Arouet Voltaire, enquanto argumentava contra o obscurantismo religioso, defendia que a China era o lar da racionalidade secular. A China para Adam Smith, durante a primeira revolução industrial, foi um exemplo de advertência de estagnação económica e Friedrich Hegel, escreveu na era napoleónica, a inverdade de que a China exemplificava um país sem heróis, revolução ou progresso, relegado para um estatuto fora da história. Ao longo dos anos, o Ocidente foi vendo a China como pobre ou rica, supersticiosa ou racional, bárbara ou civilizada, passiva ou guerreira. O Ocidente, com efeito, definiu a sua própria identidade, criando uma imagem da China como o seu oposto imaginário. Actualmente, encontramo-nos em um período, que não é o primeiro, do suposto declínio ocidental. O Ocidente sente-se desunido, indeciso, ineficiente e fraco. As representações de uma China em ascensão como unida, decisiva, eficiente e forte dão significado concreto a essas características, sendo quase negativo que a China esteja realmente a estender-se e em ascensão. O seu produto interno bruto (PIB) aumentou dois dígitos durante três décadas, e o seu orçamento militar cresceu consequentemente, afirmando os seus interesses nacionais principais com vigor crescente. A questão fundamental é de saber, se a ascensão da China é realmente equivalente ao declínio do Ocidente, ou se trata do seu acompanhamento natural ou é mesmo a sua causa. Quando vemos a China como uma ameaça, estamos a vê-la como realmente é? A chamada ameaça da China é uma mudança de forma, para usar uma frase de Karl Marx, um espectro que assombra o mundo pós-Guerra Fria da dominação americana, sendo difícil identificar o que os teóricos da ameaça chinesa realmente temem. Pode-se resumir o discurso, indicando três tipos de preocupações, que actuam por vezes em conjunto. O primeiro tipo é económico, pois a China tornar-se-á a maior economia do mundo, indo absorver toda a tecnologia ocidental e inundar o Ocidente com os seus produtos; a sua moeda será a reserva do mundo; estabelecerá padrões para produtos de tecnologia e de consumo e forçará o mundo a adoptar a maneira chinesa de fazer negócios. O segundo tipo é militar, pois o crescimento económico da China fará que tenha cada vez mais poder militar para continuar as suas existentes reivindicações territoriais e expandir a sua influência regional, além de estender os seus interesses estratégicos no exterior, como trabalhadores, campos petrolíferos, investimentos, entre outros, e irá sentir-se contrafeita de projectar o poder militar para proteger esses interesses. É de prever que irá dominar primeiro a sua região e depois quiçá o mundo. O terceiro tipo é normativo, pois o sucesso do modelo chinês porá fim ao domínio do “soft power” da democracia e dos direitos humanos. A China reescreverá as normas internacionais existentes sobre o livre comércio, direitos humanos, intervenção humanitária, assistência ao desenvolvimento e usará a sua influência financeira para influir não só a mídia nacional, mas também estrangeira, o pensamento académico e a cultura pública. Existem duas formas de avaliar tais receios, sendo o primeiro, através da possibilidade de projectar as tendências existentes no futuro, o que poderíamos chamar de previsão na trajectória. Este tipo de previsão é correcto na maior parte das vezes, porque a maioria das tendências geralmente continuam a desenvolver-se na mesma direcção. Mas tal previsão tem eventualmente a garantia de errar, porque cedo ou tarde a história nos surpreende. A segunda abordagem é a de pensar sobre todas as formas improváveis em que as situações poderiam sair da trajectória, e tentar identificar os cenários mais inverosímeis. Este tipo de previsão é errado na maioria das vezes, mas cedo ou tarde tem uma boa percentagem de ser correcto, porque, a longo prazo, a única situação certa é a ocorrência de algo inesperado. Se pensarmos sobre a improvável ameaça da China, devemos, em primeiro lugar, incorporar os factos e tendências de que o regime chinês está sob controlo estável, apesar de muitos e diversos desafios às suas regras. Excluindo a possibilidade de desordem política, a economia continuará a crescer, ainda que tenha começado a desacelerar, como aconteceu com todas as economias de rápido crescimento, e é de esperar que a taxa de crescimento continue a abrandar. O governo chinês enfrentará uma agenda complexa de segurança interna e externa, em um futuro distante, e deve gerir os desafios internos decorrentes de mudanças sociais rápidas, cepticismo ideológico e insatisfação entre grupos étnicos e religiosos, lutando com as queixas da população rural, cujas terras estão a ser confiscadas ou poluídas, e com os residentes dos centros urbanos que se opõem à actividade de fábricas poluentes e produtos de consumo inseguros. É de esperar que Taiwan continue a resistir à integração na República Popular da China. Os principais vizinhos da China, como o Japão, Índia e Rússia, e os seus fortes vizinhos, como a Coreia do Sul, Vietname e Indonésia, continuarão a resistir à influência chinesa. Os Estados Unidos não sairão da Ásia. A prosperidade da China continuará a depender da sua interdependência com a economia global, como fonte de matérias-primas e energia, e como um mercado para as suas indústrias. A China continuará a apostar fortemente na paz e nas estabilidades regionais e globais, para que a sua economia não seja perturbada, sendo improvável que, no futuro previsível, procure ou seja capaz de expulsar os Estados Unidos da Ásia ou de destruir o sistema global. Isso não significa que a ascensão da China não apresente nenhum desafio ao “status quo”. É possível a existência de um atrito contínuo entre a China e muitos dos seus vizinhos, dado tentar melhorar a sua posição em litígios territoriais. A China continuará a desafiar o argumento dos Estados Unidos, de que pode conduzir legalmente exercícios navais e operações de inteligência até doze milhas náuticas ao largo da costa chinesa, e continuará a pressionar Taiwan para a reunificação, ao abrigo do princípio da existência de uma só China, que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, parece querer contrariar. Assim, é de esperar atrito entre a China de um lado e os Estados Unidos, e os seus aliados regionais do outro. Tais fricções carregam o risco da escalada, sendo improvável de conduzir a conflitos armados. É um exagero confundir esse risco de conflito local, com o risco de a China tomar conta do mundo. E quanto à mudança fora da trajectória? Quanto maior for o período de tempo, mais provável é a ocorrência de algo dramaticamente diferente, basta pensar na queda da União Soviética ou da Primavera Árabe. Naturalmente, esse tipo inesperado de mudança é intrinsecamente imprevisível, mas devemos ser capazes de identificar alguns tipos de mudanças históricas radicais, com menor improbabilidade, que outras de acontecer. Por exemplo, observando a situação interna da China, podemos identificar vulnerabilidades essenciais no modelo económico, sendo a primeira a que inclui o pesado tributo que a degradação ambiental produz no solo, água, ar e saúde pública, tornando o actual modelo de crescimento insustentável, se não for invertida a actual tendência rapidamente. A segunda vulnerabilidade económica é a estrutura demográfica de uma população em envelhecimento, e a terceira é o estímulo do crescimento rápido pelo pesado, e muitas vezes improdutivo, investimento estatal em infra-estrutura e imobiliário, através de empréstimos de bancos estatais. Tendo em consideração esses factores, é possível descartar um ressurgimento do crescimento de dois dígitos e a regra na possibilidade, embora não inevitável, de um declínio dramático do crescimento ou da possibilidade da ocorrência de uma crise económica. O sistema político chinês não é tão vulnerável como se possa pensar, não sofrendo do complexo da falsa estabilidade a longo prazo, como acontece, nas mal realizadas democracias, como por exemplo, as do Japão, França e Estados Unidos, entre muitos outros países. Os líderes chineses afirmam oficialmente que se deve reformar e melhorar o seu sistema político, criando democracia de estilo socialista e construindo o Estado de direito socialista, ou seja, o sistema político chinês permanece em construção, e mesmo que a população dê ao regime altas notas de desempenho, vê o sistema actual como uma estação no caminho da evolução política, em direcção a uma futura forma de governo desconhecido, e a ser criado. A mudança política deve ser pacífica e gradual. O ambiente internacional da China é potencialmente turbulento. A China faz fronteira com um dos países mais instáveis do mundo, a Coreia do Norte, governada por uma ditadura pessoal anacrónica, dividida em conflitos entre facções, e armada com armas nucleares, que governa uma população carecida. Se esse regime cair ou desencadear uma guerra, a China pagará um grande preço. Outros regimes instáveis que fazem fronteira com a China, incluem a Birmânia, Paquistão, Afeganistão, Tajiquistão, Quirguistão e Cazaquistão. Os conflitos étnicos ou a ascensão de movimentos extremistas poderiam produzir fluxos de refugiados ou paraísos terroristas nesses lugares que ameaçariam a segurança da China. A desordem na África ou no Médio Oriente, podem no futuro ameaçar os suprimentos de petróleo, cobre e outras matérias-primas necessárias à China. A polarização das relações com a Europa e Estados Unidos, poderá ameaçar os seus mercados de exportação e a sua estabilidade financeira. Em contrapartida, é difícil pensar em mudanças plausíveis, fora da trajectória existente, no ambiente de política externa da China que melhorariam a sua segurança. É improvável, por exemplo, que qualquer um dos maiores países vizinhos decida aliar-se à China porque a desconfiança é alta em toda a região. A alteração da trajectória existente, que é susceptível de ocorrer cedo ou tarde, tende a diminuir ao invés de aumentar a ameaça da China. Todavia, alguns mitos sobre a China são verdadeiros. A China está localizada em uma parte diferente do mundo, em relação ao Ocidente e tem as suas prioridades, necessidades de segurança e visão do futuro, e nem sempre vê o mundo, da mesma maneira que vêem os ocidentais. Está cada vez mais estreitamente ligada ao Ocidente e não se está a afastar, pelo que é urgente que entendamos essa verdade.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA vida pública americana “An evil group of men has always wanted to rule the entire world. In the past conquest has failed to achieve this, due to the resulting outrage and awareness of the enemy. In our present time evil groups are trying a subtle but effective way to rule. This is to gradually infiltrate and delude the masses into accepting their ideas.” “True Conspiracies” – Richard Hole [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] maioria das novas complexidades globais reflectem conflitos de longa data sobre recursos naturais, interesses económicos ou antigas rivalidades políticas. Um mundo entrelaçado parece ter um maior número e intensidade de disputas sobre práticas e relações comerciais ou políticas nacionais, o que desestabiliza os laços entre países e gera conflitos sociais, económicos e políticos. No entanto, parte dessa agitação reflecte novas fontes de imprevisibilidade. Por exemplo, existem estados falidos ou áreas desgovernadas, em muitos locais, ao redor do mundo. Uma série de locais, especialmente em África e no Médio Oriente, têm governos sem autoridade e incapazes de limitar o comportamento agressivo. As redes criminosas e organizações informais ganharam poder e são capazes de controlar ruas, bairros ou até sectores inteiros de países, afectando tanto as relações internacionais, quanto a política interna, e testam os limites do comportamento convencional. Os conflitos religiosos entraram numa fase sinistra, igualmente, pois, deu-se o surgimento do fundamentalismo, em cada uma das três religiões monoteístas do mundo, judaísmo, islamismo e cristianismo, complicando a geopolítica. É de concordar com Michael Walzer, quando afirma no seu livro “The Paradox of Liberation: Secular Revolutions and Religious Counterrevolutions” que uma batalha épica está a ocorrer entre as forças da modernidade e da secularização versus aqueles que acreditam que essas forças são absolutamente erradas. O conflito religioso assume uma variedade de formas em locais diferentes, em que as divergências sobre o papel das mulheres, a homossexualidade e a permissividade cultural permeiam muitas tensões regionais e globais. A tecnologia digital complicou a política global, acelerando as comunicações, e alterando os padrões tradicionais de interacção social e económica. Os avanços nas comunicações tornam mais fácil do que nunca o trabalho dos descontentes pela organização. O que costumava serem disputas locais, podem vir a ser virais e espalharem-se rapidamente pelo mundo, através de meios de comunicação sociais e tecnologia digital. Os canais de comunicação internacionais puseram pessoas de origens e interesses diversos, em contacto virtual, notavelmente íntimo, uns com os outros, em uma era de globalização. As diferenças que anteriormente poderiam ser encobertas, ou até mesmo ignoradas, agora entram no espaço pessoal de cada indivíduo, e forçam-no a pensar sobre desastres naturais, conflitos políticos ou turbulências sociais a milhares de quilómetros de distância. O resultado é muitas vezes um aumento da ansiedade, sentimentos doentios e tensões globais, não sendo apenas os assuntos globais que se tornaram incertos, pois da mesma forma que as situações têm estado em mudança contínua na cena internacional, acontecimentos surpreendentes têm manchado a política doméstica dos Estados Unidos, durante as duas últimas décadas, incluindo a falhada remoção do presidente, Bill Clinton, os ataques terroristas de 9 de Setembro de 2001, a “Grande Recessão”, a eleição de um presidente afro-americano, Barack Obama, uma mulher e um socialista democrático candidatos a presidente e vice-presidente, Hillary Clinton e Bernie Sanders, respectivamente, um bilionário populista que desejou ser eleito presidente, Donald Trump, e conseguiu no banalizado sistema eleitoral americano, com menos de mais de dois milhões votos populares que a candidata derrotada, e a morte misteriosa de um juiz, Antonin Scalia, em um Supremo Tribunal fortemente dividido. Esses eventos ilustram quanta turbulência política tem havido nos últimos anos nos Estados Unidos. No período pós – Segunda Guerra Mundial, muitos observadores encararam o progresso, como a melhor descrição da política americana. É a perspectiva de que as mudanças em pequena escala e a evolução gradual representam a regra, ao invés da revolução ou desenvolvimento em grande escala, e como essa ideia parecia descrever os processos políticos reais e as virtudes das mudanças em pequena escala, os analistas consideraram-na o paradigma dominante dos últimos cinquenta anos. A mudança ocorre lentamente porque muitos factores sociais, políticos e institucionais, limitam a transformação em larga escala. Durante duas décadas a política americana tornou-se mais exagerada e polarizada e, como resultado, as soluções propostas tornaram-se mais radicais, porque a negociação e o compromisso não estão na moda. Algumas das realidades que desestabilizaram a ordem internacional, e ampliaram o conjunto de possíveis acções, também são aparentes no seio da América, sendo de registar, que grandes forças abalaram os fundamentos sociais e políticos da sociedade civil e afectaram um amplo conjunto de áreas. Os desenvolvimentos políticos tal como a revolução Reagan em 1980 colocaram o país em um curso mais conservador em termos de política. As eleições de 1994 acentuaram essa tendência, e puseram os republicanos como responsáveis pela Câmara dos Deputados, pela primeira vez em quarenta anos. Após esse resultado, o Partido Republicano, durante dezoito dos vinte e dois anos seguintes, usou esse poder para tentar reduzir a dimensão do governo e os programas de bem-estar social. A “Grande Recessão” derrubou o controlo exercido pelo Partido Republicano durante algum tempo, renascendo com inesperada e inusitada força, propulsionada pela vitória de Donald Trump. Os Estados Unidos elegeram o seu primeiro presidente afro-americano em 2008 e deram-lhe uma grande maioria Democrata na Câmara dos Deputados e no Senado, que usou para promulgar leis abrangentes, que estimularam a economia, regularam grandes instituições financeiras e transformaram os cuidados de saúde americanos. O sucesso do Presidente Obama gerou uma reacção intensa, permitindo que os republicanos voltassem a tomar o controlo do Congresso, e bloqueassem quase todas as suas iniciativas subsequentes. Tais tipos de balanços generalizados no poder político, que levam a dramáticas iniciativas políticas, passaram a ser comuns. A formulação de políticas abrangentes em grandes organizações está muito em voga durante a presente era. Os últimos anos foram marcados por grandes mudanças na política fiscal, regulação financeira, alterações climáticas, traduzido em um acordo histórico com a China sobre a redução das emissões de carbono, e um forte aumento nas taxas de imposto de rendimentos aos mais ricos, como parte das negociações “penhasco fiscal”. Os esforços legislativos para adoptar uma reforma migratória abrangente falharam, devido a um impasse político-partidário, mas o presidente Obama respondeu, implementando grandes mudanças, através de uma ordem executiva, embora tenha sido desafiado em tribunal, e como é uma situação de alcance global, uma variedade de forças permite mudanças internas, de base ampla. Há um sentimento largamente compartilhado de que as todas as situações estão a ser debatidas nos Estados Unidos, criando um apetite, em todo o espectro político, para acções mais substanciais. Os políticos de esquerda e direita defenderam propostas tão amplamente divergentes, quanto a proibição dos muçulmanos de entrarem nos Estados Unidos, devido à preocupação com o terrorismo, privatizando a Previdência Social, abolindo a Receita Federal, reestruturando ou até mesmo abandonando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), afastamento dos acordos de comércio internacional e fornecimento de ensino gratuito a todos os estudantes. A natureza das coligações partidárias durante grande parte da história americana desencorajou o radicalismo e promoveu negociações e compromissos. Os modelos antigos falavam sobre o eleitor mediano, como o principal objecto da competição partidária. A ideia era de que a opinião pública se assemelhava a uma curva em forma de sino com a maioria das pessoas no centro político, e minorias à esquerda e à direita, respectivamente, pelo que em tal situação, a estratégia política vencedora era clara. Os candidatos devem visar o centro, propor medidas moderadas que pareçam convenientes, e comprometerem-se com a outra parte a governar e aprovar legislação. Tal processo abrandou o ritmo da política, e tornou o incrementalismo uma descrição precisa da mudança de política. Nos últimos anos, porém, a luta por eleitores centristas deu lugar, a jogar, para a base extrema em ambas as partes. A baixa participação eleitoral e eleitorados polarizados faz os candidatos determinarem que muitas vezes, faz mais sentido, mobilizar eleitores de esquerda ou de direita do que jogar ao centro. Muitos candidatos e activistas partidários preferem apelos que gerem excitação, ao invés de propostas complexas ou matizadas, que reafirmam o estado existente. Além disso, os doadores, que se tornaram cada vez mais vitais para o processo político, por causa dos enormes custos das campanhas, muitas vezes, têm pontos de vista mais extremos do que o eleitorado como um todo, e assim ajudam a empurrar os candidatos para os limites mais extremos. A percentagem de democratas e republicanos na Câmara dos Deputados que tinham registos de voto centrista entre 1951 e 2013, num estudo da Universidade de Harvard, demonstrou que no início desse período, quase 60 por cento dos representantes em cada partido, tendiam a votar em posições moderadas. Por volta de 2013, porém, o número de democratas moderados caiu para 13 por cento, e dentro do Partido Republicano quase desapareceram completamente. No Congresso e em muitas legislaturas estaduais, aqueles que estão dispostos a cruzar as linhas partidárias e apoiar compromissos bipartidários são vistos como traidores à causa. É especialmente o caso entre os republicanos, desde o surgimento do Tea Party em 2010. Os conservadores indignaram-se com o rápido crescimento da dívida pública e o aumento da despesa pública, entre outros males conhecidos, organizados para retomar o futuro e retornar aos valores do passado. Mas o colapso da moderação, também ocorreu no lado democrata, como foi demonstrado pelo apoio surpreendentemente forte, dado ao socialista Bernie Sanders, no processo de nomeação de 2016. O resultado em ambos os partidos, foi de que os políticos de muitas listras, apresentaram propostas para uma mudança radical e resistiram fortemente às propostas do lado oposto. Muitos legisladores querem pensar em grande e produzir mudanças dramáticas na política, encorajados pelos eleitores aborrecidos com a diminuição da sua fortuna ou motivados pelas suas visões negativas do governo. O estudo da Universidade de Harvard, mostrou existir uma ligação forte entre a ruptura económica e o extremismo político. Um exame dos padrões de votação no Congresso e as perdas de postos de trabalho, demonstra que as áreas mais atingidas pelos choques comerciais, eram muito mais propensas a moverem-se politicamente para a extrema-direita ou para a extrema-esquerda. As mudanças nos meios de comunicação de notícias promoveram também mudanças principais na esfera política, pois, com poucas excepções, os meios de comunicação fragmentaram-se em câmaras de eco concorrentes, que dizem às pessoas o que querem ouvir, com base em pesquisas de mercado e não em valores jornalísticos sérios. Além disso, muitos indivíduos, especialmente os jovens, não dependem da comunicação social, para a sua informação diária. Em vez disso, recebem notícias, ou o que percebem como notícias, através de redes sociais e plataformas digitais. O resultado é um sistema de media que, com demasiada frequência, afasta as pessoas em vez de as unir. O discurso público acaba por se basear mais nas opiniões do que nos factos, e há pouco acordo sobre os desafios que a América enfrenta.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO salto quântico (II) “It was 250,000 years before the world’s population reached 1 billion, around 1800. But it took only a dozen years for mankind to add its latest billion, passing 7 billion in October 2011, by the United Nations’ official count. This is megachange: change on a grand scale, happening at remarkable speed. It is all around us. Technology is spreading astonishingly fast – think of the internet, mobile phones and the oceans of information now captured on computers or transmitted via social networks such as Facebook and Twitter. The global economy is tilting towards Asia in front of our eyes. All this is having a deep impact on people’s lives, businesses’ strategies, countries’ politics and the planet’s prospects”. “Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] excepcional evolução, também, pode ter lugar periodicamente na política. Os terramotos políticos não são tão raros, como ficou demonstrado pela vitória considerada improvável de Donald Trump, em 8 de Novembro de 2016. A média terminou na área da economia, após 2008, devido à grande recessão, e é de acreditar que será difícil criar um crescimento económico robusto e sustentado como defende Tyler Cowen no seu livro “Average Is Over: Powering America Beyond the Age of the Great Stagnation”. O passado não é prólogo do futuro. Ao invés, uma série de factores reduzirão a prosperidade, a menos, que medidas substanciais sejam tomadas para reverter a actual situação. Estendendo essa noção, damos com a teoria desenvolvida por James K. Galbraith no seu livro “The End of Normal: The Great Crisis and the Future of Growth” que ao analisar o desempenho macroeconómico, afirma que as pessoas não devem projectar o crescimento económico da década de 1950 até ao ano 2000 para o futuro. Muitas das situações que deram origem a um forte desenvolvimento desapareceram, e será difícil manter as tendências passadas no futuro próximo. O economista Robert Gordon argumenta no seu livro “The Rise and Fall of American Growth” que estamos a assistir a uma grande mudança nos padrões de crescimento, e que o desenvolvimento dramático, que marcou o período de 1870 a 1970 terminou, não existindo maiores avanços na produtividade do trabalho ou na inovação societária, e com o envelhecimento da população e o aumento da desigualdade, o nível de vida dos Estados Unidos tende a estagnar ou mesmo a cair, e correr através de cada uma dessas noções, é ideia de que algo de grande está para acontecer no período actual. Os padrões sociais, económicos e políticos já não são estáveis e estão a criar mudanças rápidas e transformadoras. As pessoas necessitam de estar preparadas para um tipo de mudança, maior do que o normalmente imaginado. Até que possamos entender melhor esses movimentos tectónicos, será difícil para os indivíduos e sociedades como um todo, lidar com o seu extraordinário impacto. A nível internacional, existem inúmeros sinais de grandes desenvolvimentos e mudanças de alianças. Durante a maior parte das últimas sete décadas, fortes normas internacionais pareciam garantir a santidade das fronteiras nacionais, pois dada a agressão generalizada sofrida durante a II Guerra Mundial, com a sequente enorme perda de vidas, as nações modernas, em geral, abstiveram-se de invasões estrangeiras. Os países não querem arriscar conflagrações internacionais e os altos custos humanos que daí resultam. As organizações a nível global fazem grandes esforços para desencorajar os países a não violarem os direitos soberanos de outros países, na esperança de manter a paz e conservar as relações amistosas, em toda a ordem internacional. No entanto, essa norma antiga e tradicional está a ser quebrada constantemente. Os líderes ocidentais estavam despreparados em 2014, quando a Rússia invadiu e anexou a Crimeia e deslocou-se para a parte oriental da Ucrânia, com o objectivo declarado de proteger os interesses russos. A Crimeia tinha sido cedida à Ucrânia em 1954, pela então União Soviética e tinha-se tornado em uma parte vital daquele país. A península no Mar Negro usava moeda ucraniana e tinha representação no parlamento nacional. Apesar da condenação internacional da anexação, a Rússia, recusou-se a inverter o curso dos acontecimentos. Os líderes ocidentais usaram uma retórica apaixonada contra a anexação, impuseram sanções comerciais e bancárias ao invasor e aumentaram a ajuda à Ucrânia. Ao longo de dois anos, o mundo ainda não descobriu como mudar a realidade factual, e alguns líderes queriam enviar tropas para contrariar o que consideravam uma flagrante agressão russa. A China conjuntamente com o seu rápido crescimento económico, tornou-se muito mais activa nos assuntos regionais e globais, impondo limites às organizações estrangeiras e multinacionais que operam dentro das suas fronteiras, e discutiu a soberania japonesa sobre as Ilhas Senkaku no Mar da China Oriental. Apesar de esses locais terem sido controlados pelo Japão por um longo período de tempo, a China afirmou os seus direitos territoriais, após a descoberta de reservas de petróleo, afirmando que as suas prerrogativas geográficas são anteriores às do Japão. Os militares chineses enviaram barcos e aviões para a região para proteger as suas reivindicações geográficas, e instalaram mísseis terra – ar em uma ilha disputada. Além disso, a China construiu sete ilhas artificiais em recifes no Mar da China Meridional, e declarou a soberania chinesa sobre os doze milhas ao redor de cada ilha. A expansão das reivindicações territoriais chinesas complicou as operações militares americanas na região, e ameaçou a capacidade de alguns navios comerciais de navegar livremente por essas paragens. Os temores aumentaram quando a China começou a instalar longas pistas de aviação, quartéis militares e mísseis nas Ilhas Paracel. A maioria dos países vizinhos são aliados e parceiros comerciais dos Estados Unidos, preocuparam-se, acreditando que tais mudanças fossem um sinal das ambições geopolíticas por parte da China, que procurava estender esses direitos territoriais a quase oitenta por cento do Mar da China Meridional. A situação colocou a China em contenda com o Vietname, Malásia e Filipinas que tinham soberania sobre partes dessa via fluvial. As revoltas da Primavera Árabe atraíram praticamente todos os governos e comentadores políticos. A maioria foi surpreendida em 2010, quando protestos de rua irromperam na Tunísia e provocaram manifestações em vários países do Médio Oriente. As queixas contra a incompetência e corrupção dos regimes autoritários, em todo o mundo árabe, eram efectuados por pessoas comuns, milhares das quais foram para nas ruas em um extraordinário conjunto de protestos. Tal como agiram em outros períodos, os governos moveram-se para suprimir as queixas e prender os manifestantes. Mas os movimentos políticos derrubaram vários líderes autoritários que pareciam entrincheirados no poder, nomeadamente o presidente Hosni Mubarak no Egipto. É de notar que quase nenhum analista político experiente, antecipou a série de revoluções que rapidamente varreram o Norte de África e o Médio Oriente, ou seja, havia governos provisórios na Tunísia, Líbia e Egipto. A Síria e o Iémen caíram em devastadoras guerras civis, enquanto as facções rivais disputavam o poder político e económico, e a Líbia enfrentou um tumulto semelhante, após a queda e execução de Muammar Kadafi. Através destes e de outros exemplos, é de argumentar que muitas das forças sociais, económicas e políticas que foram constrangidas a mudanças internacionais em grande escala tornaram-se fracas. Alianças políticas, económicas e militares antigas quebraram-se e novas estão a surgir, ou em alguns casos, novas alianças não se apresentam tão aparentes. O grande conflito de poder, que parecia inimaginável na era nuclear, voltou como um possível perigo. A ideia de que as nações limitariam as suas reivindicações territoriais deu lugar a um jogo amplo entre as mesmas, testando fronteiras geográficas e violando as normas tradicionais. A ordem mundial pós-1989, dominada pelos Estados Unidos, desenvolveu-se em uma China ascendente, uma Rússia agressiva e actores não estatais violentos, como o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS), Al Qaeda, Al Shabaab e Boko Haram. Os últimos grupos aplicam leis religiosas estritas nos territórios que controlam, e empregam práticas primitivas, como a violação sistemática, a escravidão sexual e a governança feudal. As limitações ao poder ocidental são aparentes, e a capacidade dos Estados Unidos e da Europa para tomarem medidas eficazes é seriamente circunscrita. O globo, em essência, passou de um mundo bipolar durante a Guerra Fria, para um unipolar após o colapso da União Soviética, quando os Estados Unidos se tornaram o poder dominante, e desde 9 de Setembro de 2001, para um mundo multipolar, reflectindo o surgimento de novos poderes e actores não-estatais. As ordens mundiais bipolares e unipolares geralmente são estáveis, por causa do domínio de um número limitado de poderes, que muitas vezes podem controlar os conflitos locais e regionais. No entanto, a mudança para a multipolaridade apresenta sinais de um aumento da instabilidade, com várias potências a jogarem para adquirir vantagem, e nenhuma a deter o poder único, não tendo a China, Rússia, Europa ou os Estados Unidos a capacidade de ditar as directrizes da geopolítica e geoeconomia.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO salto quântico (I) “A great shift towards the East is taking place. This really is a case of back to the future: as Laza Kekic points out, by 2050 Asia will account for more than half the world economy, which is what its share was back in 1820 and for centuries before that. This will profoundly affect everything from the environment to the balance of military power and the centre of gravity of the global economy.” “Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] início do dia das eleições nos Estados Unidos foi marcado por dez baralhados inquéritos nacionais, em que oito davam a vitória a Hillary Clinton, um anunciava um empate e o último apostava na vitória de Donald Trump. No final da longa vigília, os embaraçados comentadores interrogavam-se de quem seriam os Secretários de Estado do candidato vencedor, quais seriam as grandes linhas de acção da sua futura gestão à frente dos destinos do país, de como seria a sua ligação com ambas as câmaras, após ter dado a vitória no Senado ao Partido Republicano, e como seria a sua relação dentro do mesmo partido, com a actual liderança que lhe virou as costas. Tudo são interrogações no que respeita a Donald Trump, mesmo em áreas onde se supõe conhecer o seu pensamento, como o tema dos imigrantes e as alianças comerciais e militares. O candidato dado por todos como derrotado, em uma campanha política de poucos meses, transformou o cenário político e dos partidos do país, podendo influenciar ainda mais, as principais correntes de pensamento da sociedade americana, ao longo dos próximos quatro anos, se as constelações não conspirarem, para que sejam oito anos. A partir de agora, existe uma nova forma de fazer política, outra maneira de compreender o funcionamento da democracia americana e do papel do país na cena global. Muitos serão os políticos que terão a tentação de seguir o seu exemplo e modelo. A campanha de Donald Trump, esteve ausente dos meios de comunicação tradicionais, e teve um orçamento muito menor que o do Partido Democrata. Teve como principal centro as redes sociais, o que talvez explique de certa forma, o impacto que conseguiu, e de algum modo tenha favorecido o facto de os meios de comunicação sociais tradicionais não terem observado com a agudeza necessária, o fenómeno Trump e o subestimaram. Fica por ver se a nova etapa implica o abandono de toda a pretensão de injectar seriedade e transcendência ao debate político americano, com o consequente efeito que terá sobre as instituições, e sobre a essência do conceito actual de democracia. O Partido Republicano pode ficar sob controlo do novo mandatário, fragmentar-se, ficar nas mãos de um rival de Trump, ou rejuvenescer com contributos de novos dirigentes. As consequências do fenómeno são perceptíveis, em outras latitudes. Muitos países europeus vêem o apogeu dos partidos de extrema-direita, que combatem os imigrantes, sem falar de todos os matizes do Brexit e da militância a favor do proteccionismo comercial e contra os tratados globais, e talvez seja esta a verdadeira tragédia, ou seja, o modo de entender a política de Trump, começa a ser uma parte normal da cena quotidiana. As consequências do Brexit, decidido pelos votantes ingleses, foi um severo choque para a União Europeia (UE). A consagração presidencial de Donald Trump é a segunda violenta perturbação num curto período de tempo, uma verdadeira catástrofe como é denominada. A Alemanha é o único país com relevo, que resiste a um mundo que parece querer desabar. A unidade de acção transatlântica, que por mais de setenta e cinco anos foi a pedra angular da direcção do Ocidente, em todos os níveis, seja na defesa, comércio ou redução das alterações climáticas, parece estar a chegar ao fim. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi a salvaguarda Europeia contra o ameaçador expansionismo soviético, que parece renascer com o sonho imperial da Rússia liderado por Vladimir Putin. Se os Estados Unidos, como tem advertido Donald Trump, refugiar-se no isolacionismo mais extremo, estará muito em jogo, pois os europeus ficarão sós para conter a agressividade russa e os esforços realizados no Médio Oriente para acompanharem os Estados Unidos serão inúteis, bem como os mortos e as perdas sofridas no Iraque e no Afeganistão, sem esquecer o famoso tratado de livre comércio, entre ambos os lados do Atlântico. Os europeus encontram-se preocupados como não acontecia há muitas décadas. A vitória incontestável de Donald Trump nas eleições americanas veio certificar que vivemos uma era de transformações profundas e cíclicas, tal como sempre aconteceu na história da humanidade. As dramáticas descobertas científicas interromperam as práticas empresariais ou novas ordens sociais, como a Reforma e a Revolução Industrial, e alteraram fundamentalmente a vida das pessoas. Os tempos mais recentes, foram também palco de grandes mudanças. Os Estados Unidos, por exemplo, enfrentaram transformações substanciais na década de 1860 durante e após a Guerra Civil, e novamente na década de 1930, devido à Grande Depressão, e na década de 1960 com a promoção dos direitos civis, da libertação das mulheres e dos movimentos ambientais. Em um tempo relativamente curto, perturbações em larga escala alteraram a sociedade e a política e deixaram uma marca duradoura nessas eras. Existiram flutuações significativas, em várias épocas, nas políticas públicas ou nas atitudes dos cidadãos associadas à mudança social, política ou económica. Por exemplo, após um período de turbulência social e religiosa, uma proibição americana sobre a produção e venda de álcool foi adoptada a nível nacional, em 1920 e permaneceu em vigor até 1933. Após as mulheres se começarem a organizar politicamente no final do século XIX, os países ocidentais adoptaram gradualmente o sufrágio feminino, incluindo os Estados Unidos em 1920, por meio de uma emenda constitucional. Se reflectirmos na mudança dos costumes culturais, em relação a períodos anteriores, existiu uma dramática decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em 1973, que legalizou o aborto em todo o país, que Donald Trump pretende reverter, para além da famigerada construção do vergonhoso muro entre a América e o México, e a expulsão ou deportação de três milhões de ilegais. Nunca é fácil separar as causas das consequências de transformações em grande escala. A mudança por vezes é caótica e multifacetada e, portanto, difícil de definir com precisão. É necessário observar por algum período de tempo, para analisar cuidadosamente o que está a mudar e quais as forças que estão a gerar as alterações mais substanciais. Todavia, através dos estudos de alguns casos, é possível esclarecer as grandes alterações que afectaram os assuntos globais e a política americana nas últimas décadas. A nível interno dos Estados Unidos, vemos profundas alterações na mudança de atitudes em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, tabagismo, legalização da maconha, desigualdade de rendimentos, terrorismo e segurança nas fronteiras. A nível global, testemunhamos o surgimento e o colapso da “Primavera Árabe”, o ressurgimento do fanatismo religioso, a violência de actores não-estatais e as mudanças ao livre fluxo de pessoas, bens e serviços associados à globalização. O que acontece a nível mundial, por vezes, influencia a política interna dos países, ou vice-versa. O extremismo em um local pode provocar tensões em um lugar distante. Em uma era de comunicações globais e transmissão rápida de informações, eventos aparentemente pequenos podem repercutir em outros lugares, e tornarem-se um catalisador para mudanças dramáticas nos assuntos internos ou internacionais. O termo “salto quântico”, emprestado dos físicos, passou a significar, popularmente, mudanças de grande escala que galgaram o conhecimento existente e introduziram novas formas de pensar. Os filósofos falam sobre “mudanças de paradigma” onde os modelos teóricos mudam drasticamente. Os biólogos referem-se a modelos de “equilíbrio pontuado”, nos quais há um tempo de grande mudança seguido por períodos de equilíbrio. Os especialistas digitais enfatizam a “tecnologia disruptiva ou dominante no mercado” que desafia as velhas formas de produção e leva ao surgimento de empresas que tiram proveito, ou ajudam a criar novas realidades do mercado, ou melhor ligando o talento e a inovação que resulta em “startups” das indústrias culturais e criativas, que em muitos países abundam com êxito, e em outros não existem, perdendo tempo em filosofias e querelas sem consequência prática.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA era das mudanças radicais “There are times in politics when the Black Swan shows up; when a highly unlikely, highly improbable event shatters years’ worth of assumptions.” “What If Trump Wins? Sometimes voters do break the rules” – Jeff Greenfield [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] tecnologia inovadora está a mudar o mundo. A transformação é violenta, implacável e está a acontecer em todas as organizações. É uma nova era tecnológica com incrível potencial para alterar a vida quotidiana das sociedades, e as concepções económicas e políticas que prevaleceram até ao presente. As grandes mudanças de tecnologia terão impacto em três elementos, que são a sociedade, a política e a economia, e que irão mudar drasticamente a nossa vida e o mundo. Por exemplo, são de realçar marcos importantes, como a queda do comunismo, a “Grande Recessão de 2008”, a rápida ascensão do “Estado e Exército Islâmico”, o aparecimento do “Trumpismo” que não é alternativa a nada, segundo Paul Krugman, e o processo que terminou com o “Brexit”. Se nos concentrarmos no futuro, descobriremos cinco megatêndencias que terão um enorme poder de transformação, sendo a primeira o surgimento de robots, de uma outra forma de inteligência artificial, capazes de ocupar postos de trabalho, e executar actividades a velocidades sem precedentes, e que apenas era possível ser desenvolvida por seres humanos. A segunda será a subida incontrolável do nível das águas nos oceanos que submergirão as zonas costeiras. A terceira será a descoberta de outras manifestações de vida primitiva em todo o universo. A quarta serão partidos extremistas de direita capazes de tomar o poder em vários países da Europa, criando um grave prejuízo à ideia estabelecida de democracia e a quinta conduz à interrogação sobre o que aconteceria se o Irão desenvolver equipamentos bélicos nucleares? Quiçá as duas últimas megatêndencias pequem gravemente por exagero, ou talvez não, pois tudo depende de uma questão de perspectiva. Os robots fazem o trabalho, sendo que o custo da sua produção foi reduzido substancialmente, e são considerados especialmente úteis na indústria automóvel, onde começaram por ser utilizados, mas actualmente são usados praticamente em todas as indústrias, não apenas nos Estados Unidos e Europa, mas também com crescente rapidez, no Sudeste Asiático. O que inquieta é a velocidade a que é feita a deslocação humana, e que irá acontecer muito em breve na economia, em doses elevadas, e não em um futuro distante. Os robots para além de realizarem muitas tarefas que são efectuadas por trabalhadores, estarão em condições de substituir muitos líderes e gestores, e de ocupar posições no campo dos serviços. É o bilhete-postal que intimida a larga classe média em todos os países, que prevê dramáticas consequências laborais para os seus empregos. O novo cenário laboral alterará substancialmente a forma como serão distribuídos os benefícios sociais. As reformas, pensões e prestações de saúde são pagas através dos empregos actuais ou de pretérito. Quanto à subida do nível do mar, está cientificamente provado que o aquecimento global é real, mas com nuances. O aquecimento global cria violentas tempestades e alterações nos padrões climáticos em todo o planeta, bem como, o permanente aumento do nível dos oceanos e mares, tendo como resultado a existência de águas mais quente e o derretimento das plataformas de gelo no oeste da Antárctida, especialmente na Groenlândia. Prevê-se que o aumento do nível do mar quadruplique, em 2100, o que agravará o problema, pois convém recordar que nas últimas décadas, milhões de pessoas se deslocaram do interior dos continentes para as zonas costeiras, numa migração contínua, para viverem próximo do mar, bem como aproveitar as vantagens das grandes cidades nas margens dos mares. Actualmente, existem seiscentos milhões de pessoas que vivem em áreas que são periodicamente inundadas. É de recordar que 40 por cento da população dos Estados Unidos vive em zonas costeiras de alta concentração urbana, onde o mar avança impiedosamente e produz a erosão marinha. A nível global são muitas as cidades que estão em grave risco como Nova Iorque, Boston, São Francisco, Miami, Amesterdão, Veneza, Cidade do Cabo, Tóquio, Xangai, Hong Kong e São Petersburgo. O custo de realojamento de milhões de americanos que serão afectados em um futuro próximo pela subida das águas será de catorze milhões de milhões de dólares, segundo um recente estudo do “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa) ”. Acresce ao actual fenómeno os milhões de refugiados devido às guerras e conflitos armados nacionais e regionais, fome, secas e inundações. Existirá uma nova classe de refugiados em todo o mundo, que serão os deslocados das zonas costeiras. A vida em outras partes do universo não está relacionada com ameaças ambientais, sociais ou mesmo políticas. Está relacionada com questões existenciais básicas. O progresso científico e industrial faz que o conhecimento científico esteja cada vez mais disponível, a aceitar que a vida não se limita ao planeta Terra, e que pode existir em muitas outras partes do vasto universo. É conhecida a existência de água, calor e químicos orgânicos em grande quantidade fora do sistema solar. Os cientistas acreditam fortemente, por estas razões, que a raça humana está próxima de confirmar que existem condições de vida em muitas partes do universo. Prevê-se que essa confirmação se dê nos próximos dez a vinte anos. Não se trata de extraterrestres, pois essa convicção refere-se a pequenos microrganismos. A comprovação da existência de vida em outros planetas levará a abandonar uma visão centrada na Terra, que tem dominado a história da humanidade e todos os seus pensamentos. Os especialistas em política externa, durante muitas décadas, assumiram o facto de que o comunismo estava entrincheirado na ex-União Soviética e na Europa. Os líderes desses países construíram poderosos estados autoritários que monitorizavam os cidadãos, puniam os dissidentes e mantinham os seus partidos políticos no poder. Alguns académicos pensavam que esses regimes tinham contradições internas que os levariam à sua inexorável morte, mas tais profetas eram vistos como opositores, e não eram levados muito a sério, pelos principais líderes de opinião. Quando o Muro de Berlim caiu em 1989 e a União Soviética se dissolveu dois anos depois, a política interna e as economias de quase vinte países da Europa Central e da Ásia Central foram transformadas, suspendendo as alianças políticas em todo o mundo. Os principais investidores financeiros ficaram chocados em 2008, quando as principais instituições financeiras da Wall Street entraram em colapso, e uma grande recessão se desencadeou. Os bancos Bear Stearns e Lehman Brothers fecharam as suas portas, os mercados de acções em todo o mundo perderam metade do seu valor, e muitos bancos cessaram de conceder crédito. Durante décadas ninguém poderia conceber a possibilidade de outra Grande Depressão, o mundo de repente viu-se perigosamente próximo de um colapso financeiro global. O impacto económico devastador desencadeou a ira pública contra as grandes instituições financeiras e governos, e agravou a situação difícil da classe trabalhadora em muitos países. A maioria das pessoas no mundo ocidental foi apanhada de surpresa em 2014, quando um grupo de combatentes muçulmanos se auto denominou de “Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS na sigla em língua inglesa) ou (Daesh na sigla em língua árabe) ”, proclamando um califado, depois de tomar o controlo de grandes partes do Iraque e da Síria, e estabeleceu um império teocrático liderado por uma única figura religiosa e política, parecia algo de medieval para a maioria do mundo, e os líderes do ISIS pouco fizeram para dissipar essa impressão, quando os seus seguidores começaram a decapitar publicamente reféns e a queimar vivos os adversários. O mundo interrogava-se como era possível existir esse tipo de barbárie na era da globalização, cosmopolitismo secular e extraordinário progresso científico. A população do Reino Unido, em 2016, confundiu os analistas e políticos ao votarem por 52 por cento contra 48 por cento o abandono da União Europeia (UE). Nas semanas que antecederam o referendo, as autoridades financeiras e diplomáticas alertaram sobre as terríveis consequências para a estabilidade fiscal, crescimento económico e comércio internacional se a saída fosse aprovada, mas sob uma onda de sentimentos nacionalistas e anti-Bruxelas, os eleitores apoiaram a saída da UE e um futuro independente para a Grã-Bretanha. O movimento assustou o bloco comunitário, levando a uma venda dramática da libra inglesa, e agitou os líderes financeiros e políticos em todo o mundo. O acaso não origina a mudança em grande escala que está a ocorrer no período contemporâneo. Muitas das crenças e instituições que ancoraram os assuntos internacionais e domésticos tornaram-se fracas. Os maremotos políticos ocorreram em muitas partes do mundo. Vivemos uma era onde os maiores eventos ocorrem numa base aparentemente regular, implicando mudanças dramáticas nos fenómenos sociais, económicos ou políticos. Essas alterações podem incluir perturbações económicas, transtornos políticos ou conflitos sociais, entre outras situações. Qualquer um deles pode gerar ramificações que ultrapassam a pequena escala, mudanças graduais que tipificaram historicamente muitos desenvolvimentos societários. Ainda que a extensão e o ritmo da mudança pareçam excepcionalmente dramáticos, a época actual não é a primeira a mostrar evidências de mudanças em larga escala. Ao longo da história, impérios e civilizações apareceram e sucumbiram com regularidade. As nações cresceram em importância e depois entraram em colapso, devido a desafios económicos, invasões estrangeiras, conflitos internos ou desastres naturais.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA nova ordem económica internacional (II) “In the course of dynamic economic taking-off, both China and India are taking active measures to establish and modernize their competition regimes as an important institution to support the national development. Although the two developing giants share in some aspects common concerns and face similar challenges, the different political, legal and market conditions seem to reflect more disparities in their breaking paths, which will be valuable experiences to the world.” China, India and the International Economic Order Muthucumaraswamy Sornarajah and Jiangyu Wang [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] criação de uma nova ordem económica global apresentada como inevitável, obriga à consideração de diversos elementos fundamentais, como a tecnologia que sempre foi uma força de ruptura. Após 1945, os países investiram fortemente na investigação militar e espacial, surgindo a “Internet” e a navegação por satélite, ambas produto dessas investigações. Estão a aparecer um grande número de novas tecnologias, algumas com capacidade para mudar drasticamente muitas situações, especialmente na área da robótica, nanotecnologia e medicina, afectando a sociedade e os negócios. A partir da perspectiva da influência económica é de destacar três desenvolvimentos. Não são tecnologias propriamente ditas, mas reacções comerciais e políticas à ruptura tecnológica. O primeiro, envolve a segurança cibernética, que é necessária, pois os “hackers” continuam a ter acesso à propriedade intelectual, intimidam adversários e alteram conteúdos públicos e privados. O número de ataques a sistemas industriais de controlo em todo o mundo quadruplicou, entre 2013 e 2014. É provável que não se consiga uma defesa global contra os ataques cibernéticos, porque requerem um indispensável nível de cooperação internacional. Se os países intervierem, para controlar o problema, podem afectar o uso da “Internet” por parte da população e das empresas. Essas acções também podem limitar o crescimento económico. Os países devem aferir as suas acções, tal como no passado o fizeram, com os mercados de câmbio, para equilibrar os seus objectivos de intervenção, não afectando o crescimento económico. O segundo elemento relaciona-se com o desenvolvimento da tecnologia e a mudança geopolítica da energia. O poder dos países produtores de petróleo foi notável, pelo menos, desde a crise do petróleo de 1973. As tecnologias destinadas à recuperação de fontes não convencionais de petróleo têm perturbado o equilíbrio da oferta e da procura. A Agência de Informação sobre Energia americana prevê que os Estados Unidos poderiam tornar-se em um exportador líquido de energia, em 2019, graças à revolução de fracturamento hidráulico, também conhecido com “Fracking”. Mesmo que os preços do petróleo recuperem, o crescente uso de energias renováveis, vai reduzir a importância geopolítica dos produtores de petróleo. Não deve constituir surpresa, que os grandes países consumidores de petróleo, como os Estados Unidos e a China, sejam também os que mais investem em energias renováveis. A “Breakthrough Energy Coalition”, que tem como membros fundadores Mark Zuckerberg, Richard Branson, George Soros, Jack Ma e a Universidade da Califórnia, entre muitas outras individualidades de prestígio, liderada por Bill Gates, é outro sinal de mudança de fortuna. Trata-se de uma sociedade multimilionária de investigação, baseada na cooperação entre os sectores público e privado, que tem por objectivo não apenas combater as alterações climáticas, mas também, ocupar uma posição de influência na oferta energética destinada à indústria tecnológica. O terceiro elemento, relaciona-se com a tecnologia e a distribuição geográfica dos desenvolvimentos tecnológicos, que não está limitada às economias desenvolvidas. Os inovadores de tecnologia estão espalhados pelo mundo e o capital procura-os, onde quer que se encontrem. As tecnologias importantes aparecem onde são mais necessárias. Os pagamentos móveis têm um campo fértil de desenvolvimento em África, onde milhões de pessoas não têm acesso a bancos ou ao sistema básico de telecomunicações por rede telefónica fixa. As instituições financeiras, no mundo industrializado anseiam por estudar o “blockchain”, que é uma tecnologia para verificação automática, que admite moedas digitais como a “bitcoin’. Se surgir à escala global, a combinação adequada de novas tecnologias financeiras, poderia alterar significativamente a estrutura do negócio dos serviços financeiros. As tecnologias revolucionárias podem aparecer em qualquer ponto geográfico do globo, criando incerteza e sendo mais difícil confiar nas fontes sólidas de poder e estabilidade. As tendências não existem no vazio, pois interactuam entre si para criar padrões de mudança. Sendo certo que é impossível saber a forma como se irão combinar, é possível preparar-nos para os tipos de incerteza que nos esperam. O novo ambiente não é conhecido, até mesmo para os mais experientes. Quem deve tomar decisões importantes para as empresas, terá de abordar seis áreas fundamentais, tais como, desenvolver um centro de excelência para evitar ataques cibernéticos. Tal como todos os riscos, esses ataques exigem que sejam estudados os processos de negócios para minimizar o seu impacto, e adaptar as infra-estruturas e equipamentos aos desafios que estão em jogo. No mínimo exige-se capacidade para responder com eficiência aos ataques. A debilidade económica nos Estados Unidos e na Europa, combinada com o crescimento económico da China têm legitimado o uso do RMB, quer como moeda comercial, quer como reserva. Uma fonte de vantagem competitiva nos próximos amos será o acesso ao RMB, e outra serão os eficientes correspondentes bancários, e os acordos de compensação financeira que permitem aos bancos realizar transacções internacionais. O poder será transferido para escalas locais, nacionais e regionais, os acordos comerciais regionalizam-se e a capacidade de influenciar legitimamente os intervenientes do governo, fará a diferença entre o sucesso e fracasso, pelo que reconhecer as relações do governo como uma competência fundamental, será importante, não sendo apenas uma mais-valia para os sectores regulados como os bancos e os serviços públicos, mas também para todas as organizações. A gestão do risco geopolítico, as relações com os intervenientes do governo e a capacidade para dominar as parcerias público-privadas será um requisito para as empresas prosperarem globalmente. A organização da avaliação da forma como os seus objectivos e negócios serão afectados com a mudança para um mundo multipolar, particularmente, na Ásia, onde a China competirá cada vez pelo domínio e a Índia cresce rapidamente, será de crucial importância. As empresas, terão também, de preparar as suas capacidades logísticas para poder mover provisões, bens, serviços, capital e pessoas pelas esferas de influência. O conhecimento local e a aptidão linguística da força laboral, especialmente dos gestores, serão fundamentais para as oportunidades de negócios a nível global. As diferenças entre os mercados vão necessitar de maior desenvolvimento de pessoas com aptidões especiais a nível local e regional. Os modelos de governança deverão adaptar-se para equilibrar cuidadosamente as tomadas de decisões locais, com considerações e exigências globais e regionais. Assim, devem ser aproveitadas as pessoas com aptidões especiais, nos locais onde se fazem os negócios. A dinâmica competitiva em um mundo em rápida mudança poderia ser perturbada por empresas novas cujos líderes antecipam tendências e as dirigem. A fim de fazer face a tal situação, todas as organizações deverão estabelecer uma cultura de inovação a nível global. As de maior capacidade devem instalar centros de inovação. Tais esforços irão mais além que a questão tecnológica, pois as empresas deverão trabalhar em conjunto para o desenvolvimento de novos ecossistemas complexos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA nova ordem económica internacional (I) “As the Chinese economic transformation is unprecedented in human history, there are no successful models from which the Chinese can learn in order to smoothly and effectively transform their planned economy to a market economy. Nonetheless, the so-called Socialist Market Economy, or Economic Taoism approach, appears to have been remarkably successful. Although there is no agreement in the literature on whether a coherent Chinese model of economic growth exists, it seems clear that the approaches of Taoism, combined with its traditional guanxi relationships, have helped China in “groping for stones to cross the river.” It may be too early to say that the Chinese Economic Taoism paradigm has come of age; however, it is indisputable that China has found a unique way to develop its economy and that this has enabled it to respond effectively to the recent financial crises.” “China in the International Economic Order: New Directions and Changing Paradigms” – Lisa Toohey, Colin B. Picker and Jonathan Greenacre [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mercados emergentes que cresciam a grande rapidez e a brecha que sempre os tinha separado dos países industrializados, começava a fechar-se no inicio do século XXI. A convergência realizava-se num ambiente de liberalização económica, em que se acreditava, que os sistemas financeiros de todos os países, formariam uma rede uniforme, mas esse período terminou. Os países emergentes já não crescem à velocidade de antes, especialmente, em comparação com os países desenvolvidos, e as fissuras entre os diferentes sistemas tornam-se mais evidentes. A última sondagem anual aos executivos de empresas pela “PricewaterhouseCoopers (PwC)” designado por “19th Annual Global CEO Survey”, mostra que apenas 35 por cento dos inquiridos crêem que o mundo caminha para uma maior unidade económica, e cerca de 59 por cento dos inquiridos acreditam que vários modelos económicos irão coexistir e competir entre si. A confirmar essa análise, apenas basta observar quão diferente é o investimento público e privado nos Estados Unidos, China, Japão e União Europeia (UE). Esses países e região operam com premissas fundamentalmente diferentes, acerca da forma como a economia se deve organizar. A tensão entre esses diferentes pressupostos aumenta de forma gradual, indicando que uma nova ordem económica mundial está a surgir para substituir a que existiu desde o final da II Guerra Mundial. A economia global, num futuro próximo, será definida por um conjunto complexo de relações económicas em permanente mudança. As economias continuarão interligadas, mas com regras em constante mudança no comércio internacional. A forma mais eficaz para o líder de uma empresa gerir esta complexidade, ou atravessar a entrada para a próxima ordem económica com confiança e habilidade, é concentrar a atenção em três tendências base, como a dispersão do poder económico, a contínua evolução de modelos de crescimento dirigidos pelo Estado e a aceleração da ruptura que sofrem as empresas, como consequência da alteração tecnológica. Essas tendências podem parecer evidentes, mas nenhuma à primeira vista é na realidade. Além disso, continuarão a evoluir em direcção incerta. Se forem analisadas cuidadosamente, os empresários poderão ajudar as suas organizações a tomar as medidas necessárias para avançar na nova ordem económica mundial. A dispersão do poder económico está a produzir uma alteração fundamental. O dólar está a perder a sua posição exclusiva como moeda de reserva mundial e nas próximas décadas, nenhum país poderá dominar a balança de pagamentos, como fez os Estados Unidos durante mais de setenta anos. O último acontecimento idêntico foi no final da II Guerra Mundial, e o catalisador foi a Conferência de Bretton Woods, em 1944. Após a Conferência, os Estados Unidos converteram-se no país que negociava os acordos internacionais para que as actividades financeiras fossem realizadas com ordem, adoptando dessa forma, a posição de líder mundial até ao presente. As instituições multilaterais que surgiram então, como o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), estavam sujeitas à forte influência dos Estados Unidos e funcionaram bastante bem, durante muito tempo, o que não quer dizer que não tenham existido conflitos. Quando unilateralmente os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro, em 1971, por exemplo o “Choque Nixon” provocou dois anos de negociações, até que as grandes economias aceitassem que as suas moedas flutuassem face ao dólar. Os Estados Unidos durante o período do pós-guerra, negociaram com as grandes economias para tomar as decisões mais importantes. A intenção foi quase sempre favorecer países amigos, quase todos com economias democráticas e liberais. Durante as sete décadas após a Conferência de Bretton Woods, a superioridade económica dos Estados Unidos baseou-se em quatro pilares. Os dois primeiros foram a sua possante importância económica em expansão, e as redes comerciais que estabeleceu e dominou e que eram também, os motores do crescimento global. Os outros dois pilares foram o estatuto do dólar como moeda global de reserva e a sua influência nas instituições multilaterais. Assim, trouxe estabilidade à economia global, e uma plataforma para a cooperação internacional. As economias emergentes estão a pôr em causa os quatro pilares. O país desafiador mais notável é a China, cuja influência económica global surgiu rapidamente na última década. A China, em 2014, converteu-se na maior economia do mundo, em termos de poder aquisitivo. Era até então a de maior crescimento entre os países que constituem o G20. A indicação da importante influência económica chinesa é importante, como se pode ver pela sua recente desaceleração, que teve repercussões nos mercados mundiais. Essa influência enfraqueceu o primeiro pilar, ou seja, a força da economia dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial. A China é também o maior exportador mundial. A rápida adopção desse papel deu-lhe uma enorme influência nas redes comerciais, enfraquecendo o segundo pilar. Por outro lado, está-se a deteriorar a eficácia dos acordos comerciais multilaterais, sendo substituídos por acordos regionais que começam a preponderar. Os acordos regionais representam uma erosão da capacidade americana para definir as regras a nível global. O progresso da China em estabelecer o renminbi (RMB) como moeda para acordos internacionais, enfraquece o terceiro pilar velozmente. Quanto ao quarto pilar a China está a tentar alargar a sua presença nas actuais instituições multilaterais e a criar novas. A sua contribuição para o orçamento da ONU, duplicou entre 2010 e 2015, e presentemente representa 5 por cento do total das suas contribuições. Tem uma participação cada vez maior nos esforços de paz, controlo das alterações climáticas e redução da pobreza. A criação de uma nova ordem económica global é inevitável. Ainda que a China não vá substituir os Estados Unidos, tornar-se-á cada vez mais difícil a estes, recuperarem a sua posição de domínio económico global, porque existem outras economias a aumentar o seu poder de influência. O FMI prevê que a Índia, terceira economia mundial, seja até ao final de 2016, a de maior crescimento do G20. Surgirá como um actor económico influente com interesses próprios. Em um mundo de poder económico em dispersão, a estabilidade será mais considerada que nunca. Pela natureza dessa estabilidade, não será estabelecida por nenhuma das grandes potências, pois dependerá da qualidade das relações económicas entre os principais países, incluindo aqueles que tenham sistemas económicos diferentes. A actual alteração no poder económico global será distinta da última grande mudança em 1944, pois o poder de influência na economia em termos globais passou do Reino Unido para os Estados Unidos, que são dois países com uma visão do mundo semelhante, mas mesmo assim, o processo de transferência da polaridade de um lado ao outro do Atlântico levou quarenta anos, pois tinha-se dado nos começos do século XX. Actualmente, assistimos a um reequilíbrio muito mais rápido, entre os diferentes sistemas económicos e políticos, cada um, com distintivo nível de confiança nos mercados e no papel do Estado. O modelo de Estado da China tem criado um crescimento significativo na última década. É evidente que este modelo não será suplantado por uma forma tradicional de capitalismo, em um futuro previsível. O modelo de Estado mantém a popularidade porque está associado a um forte crescimento nas economias emergentes. Os governos dos países da América do Sul e Rússia, entre países de outras áreas, mantiveram-no nos últimos anos. A dispersão do poder económico e as incompatibilidades consequentes estiveram mais em evidência nas áreas da logística, telecomunicações, suporte lógico e infra-estrutura. É de considerar que a existência de sistemas paralelos em esferas competitivas de influência, o movimento de provimentos, bens, serviços, capital e talentos de uma esfera de influência a outra é menos alinhado. As empresas não estarão isentas de sofrer interrupções periódicas, como atrasos na obtenção da acreditação dos pagamentos ou nas taxas alfandegárias. Um possível exemplo envolve o sistema global de pagamentos. A denominada de “The Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT)” é uma cooperativa que fornece uma plataforma de comunicação, produtos e serviços para ligar mais de dez mil e oitocentos bancos, distribuidoras de valores e clientes corporativos em mais de duzentos países e territórios. O SWIFT permite aos seus utilizados a troca de informações financeiras de forma automatizada e padronizada, com segurança e confiança total, o que reduz os custos, diminui o risco operacional e elimina as ineficiências operacionais. Além disso, também une a comunidade financeira no sentido de melhorar a colaboração na adaptação das práticas de mercado, definição de normas e debater questões de interesse comum. O seu grande mal é de estar sujeita à influência dos bancos americanos e europeus. A “China International Payment Service (CIPS)” é um sistema de pagamento que oferece serviços de compensação e de liquidação para os seus participantes nos pagamentos RMB, transfronteiriços e de comércio. É uma infra-estrutura do mercado financeiro na China. O CIPS foi planeado para ser desenvolvido em duas fases. A primeira designada por, CIPS (Fase I), teve lugar a 8 de Outubro de 2015. O primeiro grupo de participantes directos é constituído por dezanove bancos chineses e estrangeiros, que foram criados na China e cento e setenta e seis participantes indirectos que abrangem seis continentes e quarenta e sete países e regiões. O CIPS assinou um memorando de entendimento com a SWIFT, para a sua implantação como um canal de comunicação seguro, eficiente e confiável para a ligação do CIPS com os membros da SWIFT, o que proporcionaria uma rede que permite que as instituições financeiras em todo o mundo, possam enviar e receber informações sobre transacções financeiras em um ambiente seguro, padronizado e confiável. O CIPS é por vezes referido como o “Sistema de Pagamentos Internacional da China”. Tendo sido apresentado primeiramente como alternativa ao SWIFT, com vista a processar pagamentos internacionais denominados em RMB, nunca irá substituir o SWIFT, porque 45 por cento das transacções internacionais são denominadas em dólares e todos os bancos internacionais terão a necessidade de aceder ao sistema bancário americano. Todavia, com o CIPS a funcionar bem, alguns bancos internacionais poderiam decidir operar sem a licença da banca americana e os Estados Unidos teriam menor autoridade para impor regras a bancos não americanos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO 67.º aniversário da República Popular da China “The decade under Xi’s leadership, from 2012 to 2022, is going to be a pivotal one as he is determined to lead China towards national rejuvenation at a time when sustaining a fast rate of growth is becoming increasingly challenging. China’s reforms have reached a stage where a crucial decision has to be made. Just prior to Xi taking over in 2012, when all Chinese leaders were reformers, it was not clear where that reform was heading or what the next stage would look like. China could stay the course or embark on an ambitious process of rebalancing the economy, with all the potential benefits and risks this would entail. As top leader Xi is not happy to rest on his laurels or muddle through. He is determined to use his decade in power to leave his mark.” China in the Xi Jinping Era Steve Tsang and Honghua Men [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sexagésimo sétimo aniversário da República Popular da China (RPC), proclamada por Mao Tsé-Tung a 1 de Outubro de 2015, demonstra à saciedade o sucesso da denominada economia socialista de mercado, que permitiu em trinta e oito anos transformar um país de população maioritariamente rural, na segunda potência económica mundial, pelo que só revisitando o passado se pode entender o enorme salto em frente dado pela China, em tão curto espaço de tempo. A história do comércio externo chinês começou com a dinastia ocidental Han de 206 a.C. a 9 d.C., durante a famosa rota da seda, através da qual a Ásia Central era explorada por enviados chineses e durante as dinastias posteriores, os navios chineses comerciavam por todo o caminho marítimo da Ásia, tendo como destino final a costa africana, enquanto as caravanas estendiam os seus contactos comerciais pela Ásia Central e Médio Oriente. Este e muitos outros numerosos factos impossíveis de enumerar em detalhe, confirmam que em termos históricos a China não só foi berço de uma civilização, mas também, uma potência comercial, mesmo que em sentido inverso ao da globalização dominante e perversa, completamente capitalista, tendo evoluído os seus sistemas políticos e comerciais, com o fim de sobreviver a tal processo mundial. A política económica da China tem por base o denominado modelo de economia socialista de mercado. O regime de governo da China é uma República Popular Comunista, alicerçada numa Constituição. A sua economia, de igual modo pode-se considerar rígida e dirigida pelo Estado, e fundamenta-se num pacto entre este e os trabalhadores, em matéria industrial, e com os camponeses, em matéria agro-pecuária. A política económica da RPC foi originalmente fundada na direcção da política industrial, agrícola, monetária e comercial pelo governo, com a colaboração das demais autoridades e do Comité Central do Partido Comunista. Todavia, os líderes da China, ao invés dos ex-líderes soviéticos que permaneceram agarrados ao seu modelo económico tradicional, sem aceitar a necessidade de se acomodarem às mudanças da economia mundial, essencialmente comercial, previram a necessidade de transformar a sua economia, para se adaptarem às tendências internacionais em voga. A inclusão da China como competidor comercial estratégico na nova ordem económica mundial não é um fenómeno recente, mas que obedece a um esforço contínuo de cerca de quatro décadas, muito antes da previsão da queda do muro de Berlim, fragmentação da ex-União Soviética, e do bloco socialista, ou seja, os líderes chineses desde o final de 1978, tentaram mudar a sua economia, baseada no modelo soviético de planeamento centralizado, por um de mercado orientado, mas controlado pelo Partido Comunista, passando a agricultura a um sistema centralizado, substituindo o anterior sistema baseado na colectivização, aumentaram os deveres dos que exerciam cargos directivos nas indústrias, permitiram uma grande diversidade de pequenas empresas e abriram a economia ao investimento estrangeiro e ao comércio externo. As reformas introduzidas, podem ser consideradas como a chave para o desenvolvimento e transformação da economia chinesa, levando ao estabelecimento de relações económicas com outros países através do comércio, investimento estrangeiro, bem como da criação de vários consórcios transnacionais industriais e comerciais. As boas oportunidades comerciais sempre estão relacionadas com a boa situação económica de um país. Quanto ao sector agrícola e industrial, a produção agrícola duplicou na década de 1980 e a indústria melhorou significativamente, especialmente nas zonas do litoral próximas de Hong Kong e afastadas de Taiwan, onde a ajuda externa e os modernos métodos de produção tinham sido aperfeiçoados, quer a nível da produção local, como das exportações. O PIB triplicou comparativamente com o de 1978, e foi aumentando gradualmente em termos económicos, até atingir a média de 10 por cento na década de 1990. O governo estabelece políticas de emprego da população à medida que reestruturava e aperfeiçoava os sistemas administrativos do Estado, e preparava as condições, que culminaram com a transformação de uma economia centralizada, por uma economia dinâmica. É de recordar que foi aprovado um conjunto de reformas de longo prazo, em 1993, para melhorar as leis de mercado e reforçar o controlo central financeiro, fiscalizando as indústrias chave da economia socialista de mercado. O governo, ao mesmo tempo, esforçou-se em manter as grandes empresas estatais, muitas das quais não tinham participado no despertar da economia. Assim, no desenvolvimento da economia chinesa, durante o tempo que realizou a sua adaptação às tendências dominantes da economia internacional, o Estado levou a cabo a transformação de forma gradual, equilibrada e coerente, dado incorporar todos os sectores produtivos, pois não se abriu imediatamente, mas foi preparando as condições necessárias para que conseguisse tal objectivo de forma plena, efectiva e permanente, sem efeitos de retrocesso ou de tipo negativo. Além disso, uma das estratégias que permitiram a RPC impulsionar o seu crescimento comercial, eliminando um conjunto de impostos que fizeram diminuir o consumo interno e, simultaneamente são abertas as Zonas Económicas Especiais (ZEE), no litoral oriental, praticando o livre comércio com o resto do mundo, desde a América do Sul à União Europeia (UE). A China praticou um conjunto de reformas na estrutura do comércio externo, tendo preparado as condições de forma equilibrada, quer para o mercado interno, como externo. As reformas ao comércio externo, podem-se notar na ampliação das atribuições e competências das instituições de poder local ao avaliarem e autorizarem as exportações, promovendo a autonomia de gestão e exportação das empresas de comércio externo, tendo sido alterada basicamente a velha estrutura pela qual o comércio externo era gerido de forma monopolista pelo Estado, encontrando-se altamente concentrado, e não estavam separadas as funções governamentais das actividades empresariais e se administravam de forma unificada os ganhos e as perdas. O Estado reduziu gradualmente a administração dos planos de carácter directivo no comércio externo e das respectivas empresas, estabelecendo o sistema de administração que regula o comércio externo, bem como os impostos aduaneiros, taxas de câmbio e créditos, atribuindo poderes às administrações públicas locais para fomentar, gerir e apoiar as actividades de comércio externo, assim como agilizar a tramitação processual, evitando a submissão à gestão directa dos órgãos do governo central. O sistema adoptado pela RPC, como parte do seu processo de incorporação e adaptação às transformações da economia mundial, no quadro da globalização, conserva as características do governo socialista. O pilar vital denominado de sectores definitivos da economia chinesa é a indústria e o campo, detendo a propriedade de mais de 80 por cento das empresas que os integram. O mesmo sucede com os sectores estratégicos da economia chinesa, em matéria de petróleo e energia eléctrica, o governo conserva a exclusividade da propriedade e gestão das empresas que exploram, processam e distribuem esses valiosos recursos. As empresas do sector dos produtos de consumo, ou indústria ligeira, como sejam as motocicletas, electrodomésticos e computadores, entre muitos outros, estão abertas ao investimento estrangeiro, sendo que 90 por cento das empresas deste sector, é propriedade privada e detido por empresas estrangeiras. Neste ramo de produção chinesa não existe controlo, nem restrições do Estado. A China decidiu adoptar o modelo económico de economia socialista de mercado, em conformidade com o decidido durante a III Sessão Plenária do XI Comité Central do Partido Comunista, realizada em 1978. Antes dessa data, quando se iniciou a reforma e abertura, o governo fixava os preços da maioria dos produtos do mercado. Após 1978, à medida que se foi alterando o sistema de economia planificada e se aprofundava gradualmente a reforma da economia, apareceram um após outro, os mercados de mercadorias, financeiros, tecnologia e de trabalho. A China tinha passado do sistema de economia planificada e centralizada para o de sistema preliminar de economia de mercado socialista, sendo reforçado o papel de regulação do mercado sobre a economia. A III Sessão Plenária do XI Comité Central do Partido Comunista, tomou a resolução mais revolucionária e estratégica da sua história, que veio determinar o futuro da China, ao transferir o centro de gravidade dos trabalhos para a modernização socialista e aplicar a política de reforma e abertura que se iniciou primeiro nas zonas rurais. Os princípios da década de 1980, e após a reforma e abertura com o alargamento do mercado de mercadorias e a mudança da relação entre a oferta e procura, são marcados pelas medidas tomadas pelo governo, que permitiram realizar de forma planificada e metódica a reforma dos preços. Existiam três tipos de preços, os fixados e orientados pelo governo e os regulados pelo mercado que aumentavam constantemente. A III Sessão Plenária do XII Comité Central do Partido Comunista, realizada em 1984, aprovou a resolução acerca da reforma da estrutura económica, passando a reforma e abertura do campo à cidade. É enorme a importância económica que teve a China desde os primórdios dos tempos antigos, quer por ser um dos berços centrais da humanidade, como por ser berço de alguns dos avanços tecnológicos mais valiosos da humanidade, com todas as implicações que tiveram historicamente do âmbito da economia (a dominação militar foi possível, entre outras, devido à invenção da pólvora, recordando que suportado na dominação foi a forma que permitiu às potências europeias construir impérios e ter colónias pelo mundo). Mas apesar de ser um importante centro financeiro global, a China nunca apoiou esse apogeu no comércio externo. Anos percorridos, a China reencontra-se e é a segunda potência económica mundial, sendo o maior exportador e o terceiro maior importador a nível mundial.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA 11.ª Cimeira do G20 na China “At this year`s G20 Summit, held in east China`s Hangzhou on September 4 and 5, countering protectionism and stepping up international economic governance in the midst of globalization were among the hot topics for discussion. The setting of this agenda shows that the world`s major economies are all trying to safeguard and push forward economic globalization, which is regarded as the foundation for the integration and progress of human society.” Beijing Review, Vol.59 No.36 September 8, 2016 [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 11.ª Cimeira das vinte maiores potências desenvolvidas e emergentes, a nível mundial, realizou-se entre 4 e 5 de Setembro de 2016, em Hangzhou, na República Popular da China. A China como país anfitrião da Cimeira teve a grande oportunidade de mostrar-se como uma potência global face aos principais líderes mundiais. O governo chinês preparou a cidade, famosa pelas ilhas que pontilham o seu Lago Oeste, encerrando a actividade de centenas de fábricas, para garantir um céu azul e implementou medidas de segurança rigorosas. O tema da Cimeira foi “Para uma economia mundial inovadora, dinamizada, interligada e inclusiva”. Os líderes dos países aprovaram a discussão centrada no reforço do crescimento do G-20, procura de políticas e conceitos de crescimento inovadores, construção de uma economia mundial aberta e garantia de que o crescimento económico beneficie todos os países e populações. Apesar dos líderes mundiais se encontrarem num momento de incerteza económica e fraco crescimento económico global, a ausência de uma crise urgente fazia acreditar que o encontro criasse poucos avanços em relação à 10.ª Cimeira do G-20 realizada em Antália, na Turquia, entre 15 e 16 de Novembro de 2015, que tinha como principais temas de agenda, dar uma resposta colectiva à crise dos refugiados, emprego, crescimento e investimento, bem como a questão do emprego dos jovens e a inclusão social, o combate à fraude e à evasão fiscais, a abertura comercial e as negociações da ONU em matéria de alterações climáticas. O G-20 é o grupo dos 20 países (G20), incluindo as dezanove maiores economias mundiais e a União Europeia (UE), que conjuntamente, representam 85 por cento do PIB mundial e dois terços da sua população. A Cimeira tratou primeiramente de política económica e financeira, mas para os líderes reunidos foi também, a oportunidade para sociabilizar e enfrentar os temas urgentes e sensíveis da agenda, desde as crises geopolíticas até às alterações climáticas. A primeira Cimeira do G-20 realizou-se em 1999, após o embate provocado pela crise financeira asiática, que mostrou a urgente necessidade de uma maior coordenação global. O Grupo dos 7 (G7), que constitui o exclusivo clube dos países mais desenvolvidos do mundo não inclui potências como o Brasil, China e Índia, que começavam a ter um papel cada vez mais importante na economia mundial. As Cimeiras no inicio eram encontros meramente técnicos entre ministros, mas após a crise sistémica global de 2008, passaram a ser ao nível dos líderes dos países, tentando prevenir o colapso do sistema financeiro global. Quanto aos sucessos alcançados não existe unanimidade, pois pode ser visto como algo de importante para coordenar as políticas económicas, ou pode ser entendido como pouco mais que um grande palco de discursos e amena cavaqueira. O que seguramente se pode afirmar, é que as Cimeiras produziram uma longa lista de promessas. A Cimeira de 2015, na Turquia, foi pródiga, tendo os líderes dos países feitos cento e treze promessas sobre diversos temas, desde o corte de subsídios até ao aumento da ajuda aos refugiados, mas o fracasso da Cimeira no cumprimento das promessas do passado, aumentou as interrogações sobre a credibilidade das promessas no futuro. O estudo da Universidade de Toronto revelou que o cumprimento de treze promessas prioritárias feitas em 2015 era de cerca de 77 por cento. As previsões dos analistas para a Cimeira em Hangzhou, era da improbabilidade de ter algum resultado significativo. Sem nenhuma aguda crise que empurre à mudança, o sentimento geral de anti-globalização torna difícil para muitos líderes fazerem sérios compromissos. A directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), advertiu que o mundo enfrenta uma mistura potencialmente nociva de baixo crescimento a longo prazo e uma crescente desigualdade social, criando tentações políticas populistas e barreiras tarifárias mais elevadas. A Cimeira é um marco de referência para a China, desde que o mundo se direccionou ao país que está no centro do planeta Terra para sair da crise financeira de 2008, tendo o governo chinês advertido com crescente urgência, merecer ter um papel mais adequado à sua condição de segunda economia mundial. O G-20 é a maior e mais prestigiada Cimeira organizada pelo gigante asiático. Apesar de não ter sido uma entronização, o presidente chinês quis mostrar ao mundo e aos seus adversários políticos que a China é uma nação poderosa, capaz de assumir um papel de guia da economia mundial. Os países durante a Cimeira tentaram encontrar soluções para a revitalização da economia global. Os líderes dos países do G-20 tinham por objectivo reactivar a deprimida economia mundial, pese a relutância de muitos países à globalização e as tensões territoriais da China com alguns dos seus vizinhos, terem ensombrado a Cimeira. A China queria projectar uma imagem de grande potência, segura de si e consolidada como segunda economia mundial. A Cimeira começou de forma auspiciosa a 3 de Setembro de 2016, com o anúncio conjunto do presidente chinês e americano de ratificar o histórico Tratado de Paris sobre o clima e que pode encorajar outros países a tomar idêntica atitude e acelerar a sua entrada em vigor. O Secretário-geral da ONU, que recebeu das mãos do presidente chinês e americano, os documentos oficiais de ratificação, salientou que se tratava de um passo histórico na luta contra as alterações climáticas. É de recordar que os Estados Unidos e a China são as duas economias mais poluidoras do mundo. Os problemas geopolíticos, incluindo a guerra na Síria ou as tensões no Mar da China Meridional poderiam afastar a abordagem das questões económicas pelo que ficaram à margem da Cimeira. A China tenta evitar a discussão acerca das suas ambições nesse mar, mas os seus vizinhos encontram-se preocupados pela recente construção na zona de infra-estruturas, que incluem pistas de aterragem em recifes e ilhotas que a China reclama, mas que os seus vizinhos as disputam. O Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia expuseram numa carta conjunta enviada aos Chefes de Estado e de Governo dos Estados membros da UE, as principais questões que deviam ser tratadas na Cimeira, como o papel do G-20 face à crise internacional de refugiados, emprego, crescimento e investimento, transparência fiscal internacional e luta contra o financiamento do terrorismo, resiliência do sistema monetário e financeiro internacional, abertura do comércio e investimento, aplicação da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e ratificação do Tratado de Paris sobre alterações climáticas. O presidente dos Estados Unidos na primeira sessão plenária, afirmou que as economias crescem melhor quando todos participam desse crescimento, solicitando que fossem tomadas medidas que garantam a não aplicação de novas receitas proteccionistas e populistas. O presidente chinês por sua vez, manifestou-se contra o proteccionismo, dado considerar que o isolamento não ajudará nenhum país a sair da crise e face à tendência de alguns países mostrarem um comportamento contra a globalização, existe a necessidade de garantir uma economia global, aberta e inclusiva. É certo que a abertura económica conduz ao desenvolvimento e o isolamento ao atraso. A China tinha proposto na 10.ª Cimeira do G-20 realizar um diagnóstico de saúde da economia mundial, encontrar a melhor prescrição e trabalhar com todos os países membros no sentido de encontrar a forma de atacar os sintomas e a raiz do problema, que poderá materializar-se num “Plano Hangzhou”. O presidente chinês apostou em aproveitar o momento histórico que representam as novas tecnologias, tendo insistido que todos os países, devem trabalham em conjunto de forma a poderem maximizar os efeitos positivos da revolução tecnológica e minimizar, os seus aspectos negativos. O presidente chinês face às críticas por parte dos empresários europeus sobre as restrições que sofrem as empresas estrangeiras na China, insistiu que o seu país continuará no caminho da abertura e facilitará o acesso ao investimento. O Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia tinham definido as prioridades da Cimeira como sendo o livre comércio, crise dos refugiados, crescimento do emprego, estabilidade financeira e transparência fiscal. O G-20 tem de melhorar a forma de comunicação dos benefícios do livre comércio, e dar o empurrão político necessário para libertar a liberalização do comércio multilateral que está estagnada. O comunicado final da Cimeira referiu a crise migratória e de refugiados, tendo sido unanimemente acordado a necessidade de unir esforços à escala mundial para fazer frente às consequências, carências de protecção e causas profundas das crises. Fizeram um apelo a favor da necessidade de intensificar a ajuda humanitária e o realojamento dos refugiados. Quanto à luta contra o terrorismo, foi reafirmado a sua solidariedade e determinação, bem como o compromisso de combater o seu financiamento. A Cimeira também ressaltou, a importância da adesão, o mais breve possível, ao Tratado de Paris sobre alterações climáticas. As principais economias mundiais expressaram a sua determinação de usar todos os instrumentos políticos, incluindo a política monetária, fiscal e estrutural para alcançar um crescimento enérgico, sustentável, equilibrado e integrador, pondo em execução o “Plano de Acção de Hangzhou” e exortando a uma rápida e plena execução das estratégias de crescimento. A Cimeira prevê o inicio da cooperação em matéria de inovação, da nova revolução industrial e da economia digital. Os líderes aprovaram o plano geral do G-20 em matéria de crescimento inovador, incluindo medidas neste âmbito. Foi debatida a forma de como seguir a construção de um sistema financeiro aberto e flexível, apoiando a cooperação fiscal internacional. Foi acordado reforçar uma economia aberta e promover os benefícios do comércio e dos mercados abertos, assim como, a contribuição para a execução da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. À margem da Cimeira o Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia, reuniram-se com o presidente turco para discutir as relações entre a UE e a Turquia, referente à cooperação contínua em matéria de migração, denegrindo mais os princípios e valores constitucionais da Europa ao manterem diálogo com um ditador que tudo tem desrespeitado em matéria de direitos humanos, depois do falacioso golpe de estado. Assim, foi aprovado na Cimeira do G-20 de Hangzhou, reforçar o programa do G-20 para o crescimento, pôr em prática políticas e conceitos de crescimento inovadores, construir uma economia mundial aberta, garantir o crescimento económico que beneficie todos os países e pessoas, combater a crise migratória e de refugiados, lutar contra o terrorismo e as alterações climáticas. Ficou acordado que a 12.ª Cimeira do G-20 se realizará na Alemanha, em 2017.