A questão migratória

“Refugees are people who cannot assume protection by their own states. In many refugees crisis of the modern era, ethnicity has been one, if not the major criterion according to which people have been denied the protection of their own governments.”
“Ethnic conflict and refugees” – Kathleen Newland

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s anos de 2014 e 2015 caracterizaram-se por uma crescente consciencialização nos círculos políticos, meios de comunicação e na sociedade civil global da situação dos imigrantes no mundo. Os relatos de centenas de pessoas a morrer em naufrágios no Mediterrâneo; milhares de refugiados a escalar cercas de arame farpado erigidas na Hungria; milhares a viverem em acampamentos, em Calais, esperando para fugir através do Canal para o Reino Unido e navios repletos de refugiados rohingyas a serem empurrados de volta ao mar no Sudeste Asiático, publicitou sobremaneira a extensão global da crise.

A cobertura mediática, neste caso, não foi excessivamente sensacional e os dados confirmaram a escala sem precedentes da migração global. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, na altura liderado pelo actual Secretário-Geral, António Guterres, descobriu que catorze milhões de pessoas foram deslocadas pela guerra em 2014, o maior número em um único ano, desde a Segunda Guerra Mundial. A ONU, em 2014, registou cinquenta e nove milhões e quinhentas mil pessoas deslocadas em todo o mundo, quase o dobro de deslocados de 2005, constituindo o maior número de deslocados quantificados, e essa cifra nem sequer considera os milhões de pessoas que se deslocam por razões económicas ou ambientais, à procura de uma vida melhor para si e para a sua família.

A nível global e de acordo com a Organização Internacional para as Migrações, cerca de quarenta mil pessoas morreram ao tentar atravessar uma fronteira entre 2005 e 2014. Trata-se de mortes de civis que perdem as suas vidas ao tentar deslocar-se de um lugar a outro e não de mortes militares. As crianças que morrem, têm protagonizado cenas dantescas, e nunca foi efectuado qualquer estudo acerca da responsabilidade que devem sentir os governos e os cidadãos dos países ricos por essas mortes de refugiados, ao tentarem atingir as fronteiras do mundo livre, para além dos habituais actos de comoção e consternação.

Após séculos de práticas estatais destinadas a regular e a controlar o movimento de refugiados, porque razão tantas pessoas continuam a morrer nas margens dos Estados ditos modernos, civilizados e democráticos? Existe a ideia poderosa nos meios de comunicação sociais e nas sociedades ricas de que a violência nas fronteiras é inevitável, quando os países menos desenvolvidos e menos organizados se arremessam contra os países ricos e desenvolvidos do mundo.

Tal versão das fronteiras é ilustrada na descrição dada pelo então candidato presidencial e actual presidente dos Estados Unidos, de rotular migrantes como criminosos, traficantes de drogas e estupradores e que pretende levar a sua promessa eleitoral a cabo, com a continuação da construção do muro da vergonha da América, que a separa do México, e a ser pago pelos mexicanos, pela recusa da entrada de cidadãos de alguns países árabes que vivem conflitos armados e crises humanitárias, muitos deles provocados pelos Estados Unidos, e em programas de televisão como a das Guerras de Fronteira da National Geographic, que, como o título sugere, apresenta o México como uma zona de guerra onde os agentes da Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos estão sob constantes ataques de traficantes de drogas, criminosos e grupos de crime organizado que invadem o país.

Segundo esta perspectiva, continuar a endurecer e a proteger as fronteiras é necessário para conter a violência ilegal no outro lado, e construir muros e militarizar a fronteira são as únicas opções para proteger os cidadãos do país. As práticas adicionais de segurança nas fronteiras, são descritas, como acções virtuosas que podem proteger os migrantes inocentes, de traficantes humanos, sem escrúpulos, que têm um desprezo irrestrito pela vida da sua carga humana.

A resposta da União Europeia às mortes no Mediterrâneo demonstra esta lógica, ao sugerir que o problema pode ser resolvido utilizando a força militar contra os traficantes de seres humanos, destruindo os seus barcos e atacando os seus acampamentos. A brilhante estratégia, baseia-se no pressuposto de que a situação dos refugiados é estimulada principalmente pelos traficantes, não pelas condições nos países de origem dos imigrantes, ou pelas políticas de imigração restritivas dos países que não oferecem sistemas seguros e organizados para pedidos de concessão do estatuto de refugiado e asilo, pelo que contesta a ideia de que as fronteiras são uma parte natural do mundo humano, e que a migração é impulsionada principalmente por traficantes e contrabandistas, pois em vez disso, a própria existência da fronteira produz a violência que a rodeia.

A fronteira cria as descontinuidades económicas e jurisdicionais que passaram a ser vistas como suas características, proporcionando um ímpeto para o movimento de pessoas, bens, drogas, armas e dinheiro através delas. O endurecimento da fronteira através de novas práticas de segurança é a fonte da violência, não uma resposta. O então Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a 21 de Novembro de 2014, afirmou que o sucesso da América como nação, está enraizado no compromisso contínuo de acolher e integrar os recém-chegados no tecido do país. É importante que se desenvolva uma estratégia federal de integração de imigrantes, que seja inovadora e competitiva, com as de outras nações industrializadas, e apoie mecanismos para garantir que as diversas pessoas do país, contribuam para a sociedade com o seu máximo potencial.

Os Estados Unidos são, de longe, o líder mundial no destino dos imigrantes. O Departamento do Censo dos Estados Unidos informou que em 2013, tinha registado um número olímpico de quarenta e um milhões e trezentos mil imigrantes, ou seja, mais de 13 por cento da população que vivia no país, calculando que cerca de doze milhões permaneciam no país sem autorização legal. A Rússia encontrava-se na segunda posição com doze milhões e trezentas mil pessoas residentes nascidas no estrangeiro. A ONU relata que os Estados Unidos são o lar de mais de 19 por cento dos imigrantes do mundo e comprometer-se actualmente com a integração dos imigrantes é mais urgente do que nunca. O tamanho da população imigrante só obriga à tomada imediata de uma acção. O Pew Research Center refere que de 1990 a 2012, o número de imigrantes nos Estados Unidos aumentou mais de cinco vezes – 106 por cento, que a população nascida no país – 19 por cento, e em 2013, uma em cada quatro crianças no país viveu com pelo menos um pai imigrante.

O número de imigrantes na sociedade americana é enorme pelo que é fácil concluir que se os imigrantes não prosperarem, então o país não crescerá e desenvolver-se-á. Os imigrantes nas duas últimas décadas instalaram-se em novas áreas do país, particularmente no Sul, e em novos tipos de comunidades, incluindo subúrbios e cidades rurais. Os professores, assistentes sociais, membros do clero e funcionários públicos em tais locais, tendem a ter pouca experiência com imigrantes da América Latina, Ásia ou África, cujas experiências, culturas e línguas nativas diferem das dos imigrantes europeus que chegaram ao país em gerações anteriores.

A integração durante as grandes vagas migratórias anteriores, foi alcançada pelo Instituto de Política Migratória dos Estados Unidos e que denomina de mediação de instituições que não têm uma forte presença na sociedade americana, e que incluem sindicatos de trabalhadores e instrumentos dos partidos políticos, que concorrem pela adesão dos imigrantes e fornecem orientação, ligações sociais e um sentimento de pertença em novas comunidades. Ao contrário de outras nações como a Austrália, alguns países da Europa Ocidental e o Canadá, que também recebem um número significativo de imigrantes, os Estados Unidos não têm uma política sistemática para ajudar os imigrantes a tornarem-se auto-suficientes, membros que plenamente contribuam para a sua nova sociedade.

A política federal de imigração americana, em vez disso, tende a concentrar-se principalmente nas questões contenciosas de quem será permitido entrar, ficar e retornar. O governo federal não tem nenhuma instituição identificável, especificamente preocupada com a integração de imigrantes na sociedade. A integração dos imigrantes continua a ser uma reflexão tardia nas discussões sobre políticas e depende de escolas públicas, instituições religiosas, homens e mulheres de boa vontade e organizações sem fins lucrativos. Ainda que a integração de imigrantes seja tipicamente defendida por organizações progressistas, o movimento das pessoas de pés bem assentes no chão tem carácter não ideológico e evita atrair atenções, incluindo os directores de centros de inglês como segunda língua, membros da Câmara de Comércio, presidentes dos municípios, conselheiros municipais, líderes de comunidades religiosas e de organizações sem fins lucrativos. Talvez por isso o conceito e a prática da integração dos imigrantes tenham obtido o apoio de pensadores liberais e conservadores.

Os defensores da integração imigrante há muito tempo trabalhavam amarrados a uma mensagem simples e não ideológica, apoiada por factos, que enfatizavam o destino compartilhado, como a saúde da economia e da democracia que depende dos imigrantes encontrarem sucesso, felicidade e compromisso nas suas comunidades e nos Estados Unidos a longo prazo, ou melhor, por outras palavras, dependiam uns dos outros. Se os imigrantes não encontrarem sucesso nos Estados Unidos, o país também não o encontrará. As pesquisas de opinião sugerem que os americanos podem apoiar um esforço pro-activo para trazer os imigrantes de forma plena à vida cívica, económica e social dos Estados Unidos.

A pesquisa Gallup de 2013, descobriu que 88 por cento dos adultos auxiliavam os imigrantes indocumentados no caminho para a cidadania, desde que passem na verificação de antecedentes, aprendam Inglês e paguem uma taxa. A pesquisa Gallup de 2012 revelou que 72 por cento dos americanos concordaram que a imigração é um valor acrescentado para o país. As pequenas comunidades rurais e as pequenas cidades estão a mudar. Se forem dados aos jovens um local para progredir, crescer e realmente integrarem-se, e se forem criadas as oportunidades para todos à integração, será bom para as pessoas, para as comunidades e para a América, país de imigrantes cuja divisa é “E Pluribus Unum”, que o Presidente americano quer destruir com tresloucadas ideias e práticas de bloqueio à entrada de refugiados contrárias à história, natureza e essência dos Estados Unidos.

22 Fev 2017

A agonia da Europa

“Europe’s Economic and Monetary Union (EMU) today is like a house that was built over decades but only partially finished. When the storm hit, its walls and roof had to be stabilised quickly. It is now high time to reinforce its foundations and turn it into what EMU was meant to be: a place of prosperity based on balanced economic growth and price stability, a competitive social market economy, aiming at full employment and social progress. To achieve this, we will need to take further steps to complete EMU.”
“Why Europe Will Run the 21st Century” – Mark Leonard

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] actual crise da União Europeia (UE) torna dolorosamente evidente que a sua história deve ser repensada, reformulada e reescrita. Está em jogo mais do que simplesmente fixar o registo do que foi realizado. Ao mesmo tempo, vasta e paroquialmente, a pesquisa existente sobre a UE não apenas define os parâmetros intelectuais actuais do seu objecto, mas fornece também a linguagem que dá forma à discussão, estabelecendo os contextos de formulação de políticas, orientação da acção política e abertura de novas fontes de legitimidade. Trata-se de um acontecimento que envolve duas causas especiais.

A maior parte da literatura académica escrita sobre o assunto foi directa ou indirectamente financiada pela UE, pois durante a maior parte da sua vida, e mesmo até ao presente, foi também beneficiária da ideologia do europeísmo, ou seja, uma fé secular que é um agente ordenado do progresso humano. Os muitos estudiosos, comentaristas, variados especialistas, jornalistas e afins que passaram a maior parte das suas carreiras a fazer pesquisas na UE, são quase todos devotos do culto da Europa unida e para terem a certeza, podem muitas vezes ser críticos, e à luz dos acontecimentos actuais são mais do que anteriormente, mas apenas para melhor servir a causa.

Os que ainda duvidam são indesejáveis. Tais hereges ainda têm de fazer sérias incursões no legado da erudição da UE. Os fabricantes e agitadores em Bruxelas têm estado, e ainda estão, por detrás da empreitada maciça do estabelecimento intelectual e de forma simbiótica a tirar proveito. O mesmo não pode ser dito para os restantes dos cidadãos europeus. O laço entre os pensadores e os praticantes deve ser quebrado se quiserem fazer um progresso real na reforma da UE e no tratamento do seu legado.

É de recordar as três teorias influentes que têm sustentado a crença na UE como algo historicamente transcendental. Enquanto todas diferem fundamentalmente na interpretação do processo de integração, cada uma delas coloca um resultado teleológico semelhante, que é uma Europa Federal. Nenhuma delas tem muita aceitação. No entanto, um paradigma alternativo ainda não as substituiu. A mais antiga e proeminente entre tais abordagens conceptuais, é o funcionalismo, que sustenta que a integração europeia, uma vez posta em marcha, teria “efeitos secundários” que transportam de um sector económico ou político para outro, eventualmente permeando o corpo político. Poder-se-ia esperar que esse processo se movimentasse previsivelmente ao longo do tempo, mas nunca foi o caso.

O progresso foi, na melhor das hipóteses, esporádico e, na pior ausente por prolongados períodos. O autor da teoria funcionalista, elaborada na década de 1950, é o cientista político Ernst Haas, que mais tarde a repudiou. As recentes tentativas de reavivamento, apesar de desesperadas não tiveram praticamente qualquer resultado positivo. A segunda teoria, o intergovernamentalismo liberal, foi desenvolvida por outro cientista político, Andrew Moravcsik, no final da década de 1990, explicando o processo de integração como o resultado de acordos ideais entre actores estatais, e pouco tem a dizer sobre como as instituições operam, e nada menciona sobre os seus possíveis fracassos.

É contada uma história de sucesso, sendo difícil, à luz da actual situação da UE, levar a ideia a sério. A terceira abordagem reinante é um pouco diferente nas suas características. Tendo sido formulada no início da década de 1990 pelo historiador Alan Milward, sustenta que o processo de integração é entendido como um fortalecimento necessário e benéfico do Estado de bem-estar e tendo sido posteriormente elaborada, postula ainda, como as outras teorias que a UE não se vai transformar de uma ideia elitista em um projecto de massa.

A ligação entre as duas teses de Milward e os contornos da história real da UE e as suas predecessoras é apenas incidental. A fé profunda, permanente, difundida e ferozmente defendida de que o processo de integração se concretizará numa Europa social-democrática unida é o que sustenta tais ideias. As convicções são difíceis de morrer. As três desgastadas teorias, em percepções erradas, que imploram correcção e qualquer inquisição sobre a história da UE não farão nenhuma presunção triunfalista. Ao invés, reavaliará o passado da UE num esforço para descobrir o que houve de errado, como poderá ser corrigido e o que poderá vir a seguir. É preciso, desde o início, ver o sujeito de fora para dentro, em vez de, como antes, de dentro para fora.

O epifenómeno de forças históricas mais fortes, o crescimento e desenvolvimento da EU, ocorreu de forma exógena, por meio de motores internacionais de mudança, e intermitentemente por alterações nas relações de superpotência, e continuamente pela expansão aparentemente inexorável do comércio mundial, mediado por novos contextos económicos, políticos e organizacionais. Tal força, e não a UE, é a principal impulsionadora do processo de integração. A erosão gradual do poder inerente às instituições políticas nacionais e regionais, bem como a sua superação por mercados cada vez maiores e mais profundos, está intimamente relacionada com o fluxo crescente de importações e exportações.

O crescimento do comércio internacional reflecte o desenvolvimento de uma interdependência cada vez mais densa e complicada entre os Estados e as instituições corporativas, dentro delas e entre os mercados e as instituições. A tendência constituiu e continua a representar uma ameaça crescente para os construtores burocráticos do sistema da UE que, colocados à defensiva, levantaram interesses políticos num esforço inútil para impedir a torrente.

A Europa sofre com o resultado. Quanto aos argumentos, o original foi o cenário da Europa do pós-guerra, cujas características mais significativas foram o grande desenho americano, que trouxe o renascimento da Alemanha, bem como a Europa e a Guerra Fria. As razões seguintes resultaram da chamada mudança de regime monetário, ou seja, a desagregação na década de 1970 do sistema financeiro mundial de Bretton Woods, que havia sido criado nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial e estava ancorada no padrão dólar-ouro. O colapso deste sistema deu início a uma era neoliberalista, bem como, regionalmente, à espada de dois gumes conhecida como o Acto Único Europeu de 1986.

As suas sequelas tiveram como epílogo o mal concebido Tratado de Maastricht de 1992, que alegremente se comemora, o lançamento de um projecto constitucional imperfeito e a decisão fatal de adoptar o euro como moeda única. A revolução cibernética fornece o contexto para a actual crise na Europa, que conjuntamente com o renascimento da China e da Índia e o seu retorno ao desempenho de um papel cimeiro na história mundial, apresenta imensos desafios técnicos e geopolíticos a uma UE debilitada por uma perda de autoridade, métodos de operação arcaicos e mau julgamento. A adaptação da UE às mudanças, por vezes, impõe respeito, mas muitas das vezes o oposto, sendo por um lado, um poderoso motor de potente melhoria, mas por outro lado profundamente falhado, produto tanto da tomada da decisão humana errada e desenho institucional e operacional.

A história da UE não seguiu um curso prescrito nem foi moldada por um modelo único, ou mesmo vários deles. Sem uma constituição ou outro documento único de formação, mas sendo consequência de vários tratados e muitos entendimentos informais, não apresenta uma sólida estrutura. A complicar ainda mais a situação, a UE opera também de forma oportunista fora desses quadros, num terreno legal e institucional imaginário. O seu desenvolvimento pode ser caracterizado como tendo sido mutável, polimorfo e refractário.

A UE, como organização, alterou-se com o passar do tempo, assumiu formas diferentes e adquiriu novas funções, mas continua a ser obstinada e resistente à mudança. Essa mesma falta de forma pode, paradoxalmente, ser uma fonte de força a longo prazo. A UE já se reconstruiu anteriormente e poderá voltar a fazê-lo. Os mecanismos operacionais da UE estão envoltos numa confusão semântica pelo que são desnecessárias complexidades e ineficiências. A explicação do funcionamento do mecanismo de Bruxelas deve, sempre que possível, evitar uma linguagem incompreensível, ser cauteloso com as relações públicas e considerar inaceitável a desculpa oficial de que o abuso de significado é a consequência inevitável do carácter “sui generis” do projecto da integração.

A última hipótese é insustentável. A UE é uma organização internacional que, como outras foi criada num espírito utópico, estando sujeita às limitações da história e, portanto, falível. Ao avaliar os seus pontos fortes e fracos, não se deve apenas examinar a UE enquanto instituição, mas também os caminhos alternativos de desenvolvimento e o peso dos impactos. O seu lamentável estado actual não estava predeterminado, mas deve-se a uma história de pensamento mal-intencionado, atitudes nefastas, má formulação de políticas e inércia. A UE é produto de mentes e acções individuais, mas também de instituições dependentes, disfuncionais e ossificadas. Esse legado deve ser superado de alguma forma.

A UE pode ainda não estar morta, mas padece de doença a caminhar para a fase terminal. A sua sobrevivência, como no passado, exige, no entanto, uma adaptação rigorosa e até mesmo dolorosa às poderosas forças globais de longo prazo que fazem progredir o mundo. A reforma futura pode implicar uma mudança de atribuição, reestruturação e redução acentuada do poder e da influência da UE enquanto instituição. A história da UE não pode ser sobre metas atingidas, ou mesmo, como nas revisões recentes, metas adiadas, mas de declínio.

A UE tem um longo historial de intervenções políticas ao longo das grandes questões humanitárias e sociais, falhando cada vez mais na tentativa de as implementar, infligindo consequentemente maior dano. É um peso morto que deve ser levantado para que as culturas nacionais floresçam e a Europa recupere a confiança necessária para enfrentar os desafios do futuro. Os cidadãos europeus na sua maioria têm vindo a troçar das pretensões da UE, condenam as políticas já vacilantes ao fracasso e lançam uma avaliação pública da sua necessidade.

O escândalo da fraude da Volkswagen sobre padrões de emissões de diesel, expôs o vazio da reivindicação da Comissão Europeia, para servir como consciência do mundo sobre a política climática, e minou a sua credibilidade como regulador, e sobrecarregada por essa humilhação, a escalada da crise dos refugiados trouxe a agonia evidente da impotência da EU, num campo em que afirmou a jurisdição exclusiva, como seja a segurança interna europeia. Os terríveis atentados suicidas de 13 de Novembro de 2015, em Paris, chocaram os cidadãos dos Estados-Membros, trazendo-os para uma consciência dolorosa de que a política de Schengen de fronteiras abertas compromete a segurança pública.

Os atentados tiveram também implicações políticas de longo alcance, pois inverteram a política de informação científico tecnológica anti-americana da Comissão que era a ponta de lança do seu programa económico, em prol de uma melhor vigilância cibernética, porque necessitavam de novos e improdutivos investimentos maciços em vigilância e bem-estar, resultando numa delegação de facto do poder da UE aos Estados-Membros, revirou a opinião pública bruscamente para a direita, e desencadeou uma procura de alternativas para a Europa.

O destino da UE pode muito bem ser determinado pelo Brexit e consequente saída do Reino Unido. O que parecia improvável quando o primeiro-ministro Cameron prometeu um referendo sobre continuidade da Grã-Bretanha no bloco europeu, e não conseguiu das instituições europeia as concessões de longo alcance necessárias para aplacar um eleitorado cauteloso, foi a votação inesperada pelo abandono da UE. A saída do Reino Unido dividiu ainda mais a UE e pode descentralizá-la A saída britânica pode em tempo desencadear uma reconfiguração da União Económica e Monetária e deslegitimar o corpo de leis e regulamentos europeus conhecido como acervo comunitário. Vivemos um momento decisivo na história da Europa do após Segunda Guerra Mundial.

13 Fev 2017

A China no Ano do Galo

“Chinese economy is faced with downward pressure as many other countries are now. However, China’s 1.3 billion population has offered a giant market with various buffer zones for the world’s economy and enormous consumption demands for its recovery. China imports goods worth $3.2 million from other countries in every 1 minute; and one in every 10 products exported around the world is bought by China. Just imagine, if every Chinese person buys products or service worth $100 from your country, $130 billion are generated in bilateral trade.”
CIPG Digital Media Center, January 17, 2016

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Ano Novo Chinês começará, tendo como regente o Galo, a 28 de Janeiro de 2017 e terminará a 15 de Fevereiro de 2018, marcando o final do ano do Macaco. O Galo é o signo da madrugada e do despertar. O triunfo e o êxito só aparecerão após muito trabalho e paciência. Assim, neste novo Ano Novo Chinês que se aproxima, a economia chinesa adaptou-se a uma nova normalidade em 2016, caracterizada pelo excesso de preocupações relativas ao crescimento do PIB, reforma estrutural dirigida à oferta, política monetária e ao Renmimbi (RMB), entre muitas outros factos e situações.

O próximo Ano Novo Chinês está a poucos dias de se iniciar e a grande questão é a de saber fundamentalmente, como será o desempenho da economia chinesa, existindo desde logo seis sectores que merecem a máxima atenção. Apesar da pressão descendente, o crescimento económico da China estabilizou-se em 6,7 por cento nos três primeiros trimestres de 2016, desmentindo os rumores de uma dura aterragem.

Os políticos chineses, em 2017, vão continuar a dar prioridade à estabilidade, dado que o Partido Comunista da China irá realizar o seu XIX Congresso Nacional, em Pequim, durante a segunda metade do ano. Os economistas prevêem um pouso suave da economia chinesa, e assinalam que a política fiscal pro-activa continuará a desempenhar um papel positivo. O sólido crescimento da China será garantido, quer por um forte potencial de crescimento, como por políticas de controlo macroeconómico.

O crescimento do investimento imobiliário e as vendas diminuirão, mas o efeito negativo será compensado pelo investimento em infra-estruturas. A Conferência Central de Trabalho Económico tem realizado a pesquisa do progresso, mantendo a estabilidade, que é o tema principal do trabalho económico, comprometendo-se a estimular um progresso significativo na reforma estrutural direccionada à oferta. É de crer que a China melhorará o seu sistema económico básico, e acelerará as reformas para delegar competências e optimizar os serviços.

É de crescente importância a reforma estrutural dirigida à oferta e as políticas de controlo macroeconómico, sendo que o crescimento estável da China não poderá ser conseguido sem reformas, que nunca terão sucesso se não forem controladas. Observando a partir de uma perspectiva global, a vantagem da China reside na sua ampla margem de manobra para realizar as necessárias reformas. A China espera realizar reformas fundamentais em empresas públicas, tributação, finanças, solo, urbanização, segurança social, educação ecológica e abertura.

A política monetária da China será prudente e neutral de acordo com a Conferência Central de Trabalho Económico. É pouco provável que no Ano do Galo, haja uma flexibilização monetária significativa e a política monetária poderá mudar, deixando de apoiar tão drasticamente o crescimento para evitar riscos. É de esperar que o banco central opte por instrumentos, tais como acordos de recompra e facilidades em empréstimos a médio prazo, para garantir a liquidez e evitar um crescimento excessivo do crédito.

A política monetária da China será determinada pelo objectivo de crescimento económico anual do governo, sendo de esperar uma crescente inflação, a subida das taxas de juros nos Estados Unidos e um yuan mais fraco, o que reduzirá o espaço para a flexibilização. O RMB tem registado agudas desvalorizações desde Outubro de 2016, causando preocupações no mercado. Todavia, é de descartar a possibilidade de quedas persistentes, e acreditar que a China pode gerir o impacto, mesmo se ocorrerem alterações nas taxas de câmbio maiores que o esperado.

É de considerar que não existe precedente para um país com o maior superavit em conta corrente no mundo, uma taxa excepcional de crescimento do PIB, abundantes reservas internacionais e restrições de capital, venha a sofrer uma depreciação significativa da sua moeda. O sólido progresso económico da China determina que o RMB irá manter a sua robustez contra outras moedas, considerando a recente debilidade, como uma correcção da excessiva valorização anterior.

É de esperar que o RMB termine a série de perdas na primeira metade do ano. O sector imobiliário, sendo um factor crucial do investimento em activos fixos, irá ser vigiado de perto pelo seu efeito no crescimento económico. O mesmo deveria acontecer em Macau onde as flutuações de carácter especulativo têm sido díspares, com um aumento geral de 32 por cento nos preços por metro quadrado das casas em Dezembro de 2016, quando comparado com o mesmo mês de 2015.

A China contará com regras mais severas para a compra de casas a fim de travar a especulação e a revisão do aumento de preços, pelo que a venda de propriedades crescerá a ritmo menor. Todavia, é de esperar que a urbanização da China apoie a procura de casas e mantenha um sólido crescimento do mercado. O principal órgão legislativo da China aprovará uma discutida lei de imposto sobre imóveis que fará aumentar o custo da especulação. É provável que o governo continue com as políticas imobiliárias diferenciadas para lidar com a divergência do mercado, entre as grandes e as mais pequenas cidades.

A economia mundial enfrenta uma lenta recuperação, com uma população em envelhecimento e uma larga diferença de riqueza, entre outros obstáculos a longo prazo. A China, por contaste, ainda que viva uma desaceleração, registou um invejável crescimento entre 6,5 e 7 por cento e continua a ser um poderoso motor a nível global, e neste contexto, o mundo depende cada vez mais da China para fazer face aos obstáculos que se apresentarão.

A China, apesar das invectivas de Donald Trump, terá um papel ainda maior no impulso da globalização. Tal como as maiores economias do mundo, os laços económicos entre a China e os Estados Unidos, merecem maior atenção, pois é provável que a decisão de Donald Trump de apelidar a China como manipulador de moeda e impor grandes tarifas alfandegárias contra os seus produtos, venha a criar uma enorme incerteza e a gerar efeitos negativos.

A nível global há que relembrar que nos princípios desta década, a corrente central de pensamento nos países centrais e em outros grandes actores internacionais, imaginava a consolidação de uma nova ordem internacional, assente sobre três pilares básicos. A hegemonia dos Estados Unidos apoiaria a paz internacional e o contínuo avanço da democracia liberal. O modelo de sucesso de integração continental, seria a contribuição da União Europeia (UE), o que poderia, eventualmente, ser imitado em outros locais.

A Rússia em declínio, uniria forças com a China, que continua a crescer, reconhecendo ambas as vantagens oferecidas aos seus países, em serem parte deste mundo concebido pelas potências ocidentais. Mas vai começar o mandato presidencial de Donald Trump, e a sua declarada intenção, é de que os Estados Unidos abandonem muito do seu esforço global e se concentrem em resolver os problemas de fronteira. Esse é o sentimento dominante na maioria dos americanos.

A Europa parece estar à deriva. A UE golpeada pelo Brexit, o destino do euro e os milhões de imigrantes que chegam, fez perder de vista boa parte do projecto original e não há nada de novo, que enriqueça e substitua a actual versão. Quanto à Rússia está demonstrada a sua política de ingerência e ocupação, pela invasão da Crimeia e no Médio Oriente.

A China não pertence ao Tratado Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), assinado em Auckland, a 4 de Fevereiro de 2016, e do qual fazem parte os Estados Unidos, Japão, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Peru, Malásia, México, Nova Zelândia, Singapura e Vietname, representando cerca de 40 por cento do PIB mundial, um terço das exportações mundiais e abarca um mercado de oitocentos milhões de pessoas, e apesar dessa ausência avança para impor o seu domínio sobre os mares que a rodeiam, e têm deixado bem claro que não aceita a estratégia americana, e que a pode desafiar com sucesso. Esta mudança não aconteceu de um dia para o outro, pois existiam muitos sinais que a prediziam, ainda que quase sempre aconteçam despercebidos.

A crise financeira global de 2007-2008 que ainda faz sentir os seus efeitos, revelou fraquezas e limitações do actual modelo capitalista. A UE teve a sua sacudidela com a crise do euro e da zona euro. A China nunca deixou de crescer e assumir maiores parcelas no comércio e poder mundial. A novidade agora é um novo tipo de nacionalismo. A “América Primeiro” promete um recuo da globalização e uma concentração no isolacionismo.

A Rússia, com uma economia fraca, mas ainda com poderosos recursos militares, e quer uma desforra do “Império dos Czares”, depois da humilhação sofrida após a queda da União Soviética. A China, o “Império do Meio”, a maior economia do mundo até o século XVII, quer ressuscitar e deixar para trás a humilhação de ocupações sucessivas do seu território durante mais de cem anos. Todas estas nações, até agora actores de segundo plano, procuram definir um novo modelo de relações internacionais que, obviamente, seja mais favorável aos seus interesses nacionais do que o actual.

O Ano do Galo irá assistir ao enterro da velha ordem e à exigência de uma nova, que especialmente considere o novo estatuto da China como uma superpotência global, sendo que em futuro próximo, este novo mundo multipolar terá que encontrar um novo equilíbrio.

25 Jan 2017

A China empresarial

“President Xi Jinping emphasized that innovation; economic restructuring and consumption should be among the top priorities of China’s next stage of growth (the 13th Five-Year Plan for 2016–2020). The “Internet Plus” action plan seeks to drive economic growth by integration of internet technologies with manufacturing and business.”
“China’s Mobile Economy: Opportunities in the Largest and Fastest Information Consumption Boom” – Winston Ma, Xiaodong Lee and Dominic Barton

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] crescimento da economia chinesa parecia imparável. O antigo modelo de crescimento, que depende fortemente do planeamento estadual e de um imenso investimento em infra-estruturas e propriedades, prospera com um uso maciço de crédito fornecido pelo sistema financeiro dominado pelo Estado, que se está a esgotar a todo o vapor.

O sucesso da transformação económica da China depende da capacidade de correcção das suas instituições. Muito pode ser alcançado se forem retiradas as lições correctas do passado recente, que permitiu o inigualável sucesso económico da China, e principiar o trabalho de fazer face aos problemas estruturais que têm algemado o espírito empreendedor do povo chinês.

Apesar de todas as suspeitas que muitos analistas levantam sobre a economia chinesa, a imagem não é de pesar, antes pelo contrário, havendo muitas razões para ser confiante. Embora a taxa de crescimento anual do PIB tenha caído para menos de 7 por cento, ainda representa maior produção económica do que os 14 por cento de 2007, simplesmente, porque a economia se tornou muito maior, e ao longo do tempo, temos observado o surgimento de novos tipos de empresas na China.

Os altamente disruptivos são os que mais agressivamente usam novas tecnologias, como a Internet móvel para desafiar operadores ineficientes, são globais em visão, mais dispostos a assumir riscos, e mais qualificados na administração do mercado de capitais, podendo aproveitar ao máximo as potencialidades da nova tecnologia e fornecer não só melhores produtos de fabrico, mas também serviços de qualidade cada vez mais sofisticados, sendo a esperança das grandes empresas da China.

As pessoas estão curiosas em saber como se explica o crescimento da economia chinesa e a forma como tal aumento implicou para o resto do mundo. O surgimento da economia chinesa decorreu do espírito empreendedor dos executivos e fundadores corporativos que tinham sido incentivados e libertos devido à reforma da China e às políticas de abertura. As suas histórias de sucesso e fracasso tornaram-se gradualmente assuntos de pesquisa de negócios e matéria de casos usados no ensino das escolas de negócios, e instrução de empresários e líderes de negócios pelo mundo.

Após três décadas e meia de desenvolvimento económico, a China transformou-se de um país empobrecido na segunda maior economia do mundo. O pesquisador do Instituto de Tecnologia Computacional da Academia Chinesa de Ciências (CAS), Liu Chuanzhi, em 1984, decidiu aventurar-se no mundo dos negócios e com a ajuda de dez outros colegas, criou uma empresa de tecnologia em Zhongguancun, um distrito onde a maioria dos institutos nacionais de pesquisa estão localizados, tendo conseguido juntar RMB 200.000 como investimento inicial.

O objectivo de Liu era humilde, pois tratava-se de desenvolver um sistema para acelerar a digitação de caracteres chineses em computadores e, se possível, ganhar algum dinheiro, e provavelmente estava além dos sonhos mais loucos de Liu, pensar que a sua pequena empresa se tornaria em uma das empresas de tecnologia mais bem sucedidas da China. A empresa, mais tarde conhecida como Lenovo, foi classificada como a 231.ª maior empresa do mundo em vendas pela revista Fortune, em 2015.

Liu não só se orgulha da maior quota de mercado de computadores do mundo, mas também desenvolveu uma base sólida em áreas como smartphones, tablets, megadados, computação em nuvem, private equity, venture capital investment e agricultura. A Lenovo era uma empresa totalmente doméstica, antes da aquisição da unidade de computadores da IBM, em 2005. A partir de 2015, os activos e as vendas no exterior ultrapassaram 50 por cento, e os executivos não chineses representam mais da metade dos executivos seniores da Lenovo. A Lenovo tem sido amplamente vista como a empresa mais orientada para o mercado e a mais internacional da China.

Em 1980, Ren Zhengfei, um ex-oficial do exército, mudou-se para Shenzhen para tentar a sua sorte. Após algumas tentativas fracassadas, fundou a Huawai Technologies, em 1988. Em menos de trinta anos, a Huawai tornou-se a fornecedora e líder mundial de equipamentos de informação e telecomunicações, exportando produtos e serviços para mais de cento e cinquenta países.

As vendas totais da Huawei, em 2014, ultrapassaram duzentos e oitenta e oito mil milhões de RMB, e o seu lucro líquido foi de cerca de vinte e oito mil milhões de RMB. A Huawei tem vendas significativamente maiores do que os campeões tradicionais neste campo, como a Ericsson, Alcatel-Lucent e Siemens. A Huawei é também o terceiro maior produtor de smartphones do mundo, com mais de 9 por cento da participação no mercado mundial, desde do terceiro trimestre de 2015.

A Sany Group, empresa sediada em Changsha, capital da província de Hunan, anunciou em 20 de Janeiro de 2012, a aquisição da Putzmeister, fabricante alemão de máquinas de engenharia e gigante industrial. Quando Liang Wengen fundou a Sany em 1994, possuir o “elefante” (apelido de Putzmeister) era apenas um sonho. A Sany, em menos de 20 anos, possuía o “elefante”, e também obteve acesso às tecnologias de ponta e canais de distribuição da Putzmeister em todo o mundo.

O maior processador de carne da China, a Shuanghui International Holdings Ltd., em Maio de 2013, firmou um acordo de 4,7 mil milhões de dólares para adquirir a Smithfield Foods Inc., dos Estados Unidos. O negócio marcou a maior aquisição de uma empresa americana por uma empresa chinesa. A Smithfield Foods Inc. foi criada em 1936, juntamente com outras quatro empresas, e controla 73 por cento da indústria de transformação de carne de porco dos Estados Unidos. Enquanto a receita de Shuanghui foi de 39,7 mil milhões de RMB, em 2012, a Smithfield referiu uma receita duas vezes maior que o da Shuanghui, de aproximadamente de 80,3 mil milhões de RMB, em 2012. A aquisição aumentou significativamente a escala global em negócios da Shuanghui, estabelecendo uma base sólida para a sua Oferta Pública Inicial (OPI), em Hong Kong. A procura por carne de porco continua a aumentar na China, estando a Shuanghui a emergir como um império porcino.

O empresário Lei Jun, em um pequeno escritório alugado em Pequim, juntamente com os seus seis parceiros, em Abril de 2010, anunciou a fundação de Xiaomi.com. Lei Jun tinha sido um empresário de sucesso antes de fundar a Xiaomi.com e levou a Kingsoft, uma empresa de desenvolvimento de software, para o estatuto de OPI. Fundou também, a Joyo, uma plataforma de comércio electrónico que foi adquirida pela Amazon. O fundador da Xiaomi.com, estava predestinado a entrar no mercado de smartphones high-end.

A Xiaomi.com, um ano mais tarde, lançou o seu telefone de primeira geração com um preço de retalho de 1999 RMB. Tendo por base as vendas na Internet e o marketing de boca-a-boca, as vendas de Xiaomi.com aumentaram rapidamente, vendendo mais de sessenta milhões de aparelhos em 2014, e tornando-se o sexto maior produtor mundial de telefones celulares. O telefone móvel, para Lei Jun, não é apenas um dispositivo simples. É um equipamento que engloba software, serviços de internet e hardware.

O Xiaomi.com, desde o início, tem conseguido desenvolver um ecossistema que não só abriga aplicativos, mas vende também, uma ampla gama de artigos, desde entretenimento, passando por software até serviços. A sua mais recente avaliação, efectuada no final de 2014, fixou o valor da Xiami.com em quarenta e cinco mil milhões de dólares, sendo considerada uma das mais valiosas “startups” do mundo, e uma das dez maiores empresas de Internet, em valor estimado de mercado no mundo.

Durante as últimas três décadas e meia, histórias como Lenovo, Huawei, Sany, Shuanghui e Xiaomi têm abundado na China. A China empresarial está a crescer, e juntamente com a surpresa improvável do impulso da China corporativa é o rápido crescimento da economia chinesa, desde que o governo chinês iniciou a reforma económica em 1978, a China conseguiu manter uma taxa média de crescimento do PIB de mais de 9 por cento.

A China ultrapassou o Japão para se tornar a segunda maior economia do mundo, em 2010. A China ultrapassou os Estados Unidos para se tornar a maior fabricante do mundo, em 2012. A China produziu menos de 3 por cento da produção total mundial, em 1990. Esta proporção aumentou para quase um quarto. Considerando a indústria do alumínio como um exemplo. Os produtores chineses de alumínio representavam apenas 4 por cento da produção mundial, em 1990 e até 2014, a sua participação aumentou para 52 por cento.

Ao longo do caminho do desenvolvimento, a China também se tornou o maior consumidor de bens de luxo do mundo, bastando caminhar pelas ruas de Pequim, Xangai, Shenzhen e muitas cidades costeiras, para se poder facilmente sentir o entusiasmo dos cidadãos chineses, em que muitos parecem viver uma preocupação optimista, falando pelos iPhones, carregando malas Rimowa, calçando sapatos Prada e usando relógios Piaget.

Ainda que o crescimento do PIB tenha abrandado nos últimos anos e muitos tenham perdido a fé no discurso da China, esta continua a ser o mundo da manufactura e centro de exportação, e um dos motores de crescimento mais poderoso do mundo. Todos os anos, a revista Fortune publica uma lista das 500 maiores empresas do mundo, a Fortune Global 500. Este produto clássico da revista é muito valorizado pelos meios de comunicação chineses, bem como pelas empresas chinesas.

O facto de constar desta lista, para muitos, tem o significado de se tornar em uma empresa de classe mundialmente respeitada. Para a China empresarial, o real progresso deu-se em 1986, quando duas empresas chinesas entraram na lista pela primeira vez. O número de empresas chinesas na Fortune Global 500, desde então, tem aumentado, aparecendo cento e seis empresas, em 2015, em comparação com cento e vinte e oito nos Estados Unidos. A China já obteve mais empresas listadas na Fortune Global 500, desde 2011, do que a Alemanha e o Japão, tendo sido ultrapassada apenas para os Estados Unidos.

As empresas chinesas, nos últimos trinta e cinco anos, transformaram-se com sucesso de acordo com a prática e os padrões de empresas como a GE, Toyota e Shell. A revista Fortune classifica as empresas globais de acordo com suas vendas totais. O limiar para a lista de 2015 foi de cerca de vinte e quatro mil milhões de dólares, correspondente a cerca de cento e cinquenta e quatro mil milhões de RMB, e mais de cem empresas relataram vendas acima dos cento e cinquenta mil milhões de RMB, em 2015, pelo que o aumento da China empresarial não poderia ser mais óbvio.

Em grande medida, esta vaga simboliza o sucesso económico da China nos últimos trinta e cinco anos. Em 2015, entre as dez maiores empresas do mundo por receitas, estão três empresas estatais chinesas, a Sinopec, PetroChina e State Grid Corporation da China. A China não tinha uma única empresa no sentido moderno do termo, quando em 1978, foi forçada a iniciar a sua reforma económica. As denominadas por empresas, eram unidades de trabalho do tipo instalado na União Soviética, destinadas a cumprir as tarefas que lhes fossem atribuídas pelas agências de planeamento, em diferentes níveis.

Até então, o Banco Central da China, o Banco Popular da China (PBOC na sigla em língua inglesa), sob a supervisão do Ministério das Finanças, também funcionava como um banco comercial. O PBOC desagregou as suas funções comerciais e deu forma ao Banco Industrial e Comercial de China (ICBC na sigla em língua inglesa) nos princípios da década de 1980. Desde então, o ICBC tornou-se um dos maiores intermediários finais do mundo. O ICBC, em 2015, foi considerada a décima oitava empresa mundial em termos de receita, o maior banco e a empresa mais rentável, batendo a Apple e a Exxon.

Transformando-se de simples unidades de produção sob a economia planeada para empresas orientadas para o lucro e mercado, a China empresarial concluiu com êxito a sua primeira metamorfose. Estudar a ascensão rápida e inverosímil da China empresarial é trabalho fascinante, pois apresenta muitas perguntas, algumas preocupantes, tal como o facto de milhões de empresas chinesas, muitas vezes em larga escala, conduzirem negócios na ausência de infra-estrutura institucional bem desenvolvida e como se processa a aplicação da lei e a protecção dos direitos de propriedade.

16 Jan 2017

Rumo ao Estado de Direito Socialista

“Since China’s reform and opening began in 1978, the country has come a long way on the path of Socialism with Chinese Characteristics, under the leadership of the Communist Party of China. Over 30 years of reform efforts and sustained spectacular economic growth have turned China into the world’s second largest economy, and wrought many profound changes in the Chinese society.”
“The Road to the Rule of Law in Modern China” – Quanxi Gao, Wei Zhang, Feilong Tian

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uanto mais importante se torna a China, mais difícil se converte o entendimento da sua realidade. O mundo ocidental na diversidade dos países que o compõem tem a sua visão peculiar, própria e especial da China, devido ao crescente aumento de empresários, estudantes e turistas que viajam para o país, que acrescido do conhecimento de especialistas na matéria cria maior confusão na aprendizagem da realidade chinesa.

A Noruega pode parecer uma inesperada fonte de conhecimento sobre a China pelos estudos que tem produzido, mas tal visão expressaria um mito sobre a Noruega, de ser um lugar remoto e voltado para dentro, quando na realidade se trata de um país geograficamente grande, mas demograficamente pequeno e altamente próspero, fortemente dependente das exportações de petróleo para o resto do mundo, e que tem uma grande participação na estabilidade global. É um aliado americano forte na OTAN e mantém um sofisticado mecanismo de defesa. Tem uma cultura cosmopolita e integra refugiados de todo o mundo como seus cidadãos.

A Noruega tem um forte interesse em tendências em todo o mundo, inclusive na China, e o seu Comité do Prémio Nobel da Paz, que não faz parte do governo, concedeu dois prémios Nobel da Paz a pessoas nascidas na China. Assim, não é de estranhar que a política externa da Noruega e o estabelecimento da segurança mantenha um olhar atento sobre os assuntos globais. Para um país pequeno, a política de segurança é menor sobre o equipamento, e maior sobre a compreensão das línguas, culturas e história de outros países, a fim de aprender o que estimula as suas políticas e como podem ser acomodadas ou resistir.

A China, conjuntamente com o mundo árabe, foi frequentemente como o clássico “outro” para um Ocidente sempre em mudança, que esforça por definir e redefinir-se a si mesmo. Vindo do ambicioso mas inseguro poder comercial e militar de Veneza do século XIII, Marco Polo retratou a China como infinitamente rica e poderosa. O pensador do Iluminismo François-Marie Arouet Voltaire, enquanto argumentava contra o obscurantismo religioso, defendia que a China era o lar da racionalidade secular.

A China para Adam Smith, durante a primeira revolução industrial, foi um exemplo de advertência de estagnação económica e Friedrich Hegel, escreveu na era napoleónica, a inverdade de que a China exemplificava um país sem heróis, revolução ou progresso, relegado para um estatuto fora da história. Ao longo dos anos, o Ocidente foi vendo a China como pobre ou rica, supersticiosa ou racional, bárbara ou civilizada, passiva ou guerreira. O Ocidente, com efeito, definiu a sua própria identidade, criando uma imagem da China como o seu oposto imaginário. Actualmente, encontramo-nos em um período, que não é o primeiro, do suposto declínio ocidental. O Ocidente sente-se desunido, indeciso, ineficiente e fraco. As representações de uma China em ascensão como unida, decisiva, eficiente e forte dão significado concreto a essas características, sendo quase negativo que a China esteja realmente a estender-se e em ascensão.

O seu produto interno bruto (PIB) aumentou dois dígitos durante três décadas, e o seu orçamento militar cresceu consequentemente, afirmando os seus interesses nacionais principais com vigor crescente. A questão fundamental é de saber, se a ascensão da China é realmente equivalente ao declínio do Ocidente, ou se trata do seu acompanhamento natural ou é mesmo a sua causa. Quando vemos a China como uma ameaça, estamos a vê-la como realmente é?

A chamada ameaça da China é uma mudança de forma, para usar uma frase de Karl Marx, um espectro que assombra o mundo pós-Guerra Fria da dominação americana, sendo difícil identificar o que os teóricos da ameaça chinesa realmente temem. Pode-se resumir o discurso, indicando três tipos de preocupações, que actuam por vezes em conjunto. O primeiro tipo é económico, pois a China tornar-se-á a maior economia do mundo, indo absorver toda a tecnologia ocidental e inundar o Ocidente com os seus produtos; a sua moeda será a reserva do mundo; estabelecerá padrões para produtos de tecnologia e de consumo e forçará o mundo a adoptar a maneira chinesa de fazer negócios.

O segundo tipo é militar, pois o crescimento económico da China fará que tenha cada vez mais poder militar para continuar as suas existentes reivindicações territoriais e expandir a sua influência regional, além de estender os seus interesses estratégicos no exterior, como trabalhadores, campos petrolíferos, investimentos, entre outros, e irá sentir-se contrafeita de projectar o poder militar para proteger esses interesses. É de prever que irá dominar primeiro a sua região e depois quiçá o mundo.

O terceiro tipo é normativo, pois o sucesso do modelo chinês porá fim ao domínio do “soft power” da democracia e dos direitos humanos. A China reescreverá as normas internacionais existentes sobre o livre comércio, direitos humanos, intervenção humanitária, assistência ao desenvolvimento e usará a sua influência financeira para influir não só a mídia nacional, mas também estrangeira, o pensamento académico e a cultura pública. Existem duas formas de avaliar tais receios, sendo o primeiro, através da possibilidade de projectar as tendências existentes no futuro, o que poderíamos chamar de previsão na trajectória. Este tipo de previsão é correcto na maior parte das vezes, porque a maioria das tendências geralmente continuam a desenvolver-se na mesma direcção. Mas tal previsão tem eventualmente a garantia de errar, porque cedo ou tarde a história nos surpreende.

A segunda abordagem é a de pensar sobre todas as formas improváveis em que as situações poderiam sair da trajectória, e tentar identificar os cenários mais inverosímeis. Este tipo de previsão é errado na maioria das vezes, mas cedo ou tarde tem uma boa percentagem de ser correcto, porque, a longo prazo, a única situação certa é a ocorrência de algo inesperado. Se pensarmos sobre a improvável ameaça da China, devemos, em primeiro lugar, incorporar os factos e tendências de que o regime chinês está sob controlo estável, apesar de muitos e diversos desafios às suas regras. Excluindo a possibilidade de desordem política, a economia continuará a crescer, ainda que tenha começado a desacelerar, como aconteceu com todas as economias de rápido crescimento, e é de esperar que a taxa de crescimento continue a abrandar.

O governo chinês enfrentará uma agenda complexa de segurança interna e externa, em um futuro distante, e deve gerir os desafios internos decorrentes de mudanças sociais rápidas, cepticismo ideológico e insatisfação entre grupos étnicos e religiosos, lutando com as queixas da população rural, cujas terras estão a ser confiscadas ou poluídas, e com os residentes dos centros urbanos que se opõem à actividade de fábricas poluentes e produtos de consumo inseguros.

É de esperar que Taiwan continue a resistir à integração na República Popular da China. Os principais vizinhos da China, como o Japão, Índia e Rússia, e os seus fortes vizinhos, como a Coreia do Sul, Vietname e Indonésia, continuarão a resistir à influência chinesa. Os Estados Unidos não sairão da Ásia. A prosperidade da China continuará a depender da sua interdependência com a economia global, como fonte de matérias-primas e energia, e como um mercado para as suas indústrias.

A China continuará a apostar fortemente na paz e nas estabilidades regionais e globais, para que a sua economia não seja perturbada, sendo improvável que, no futuro previsível, procure ou seja capaz de expulsar os Estados Unidos da Ásia ou de destruir o sistema global. Isso não significa que a ascensão da China não apresente nenhum desafio ao “status quo”. É possível a existência de um atrito contínuo entre a China e muitos dos seus vizinhos, dado tentar melhorar a sua posição em litígios territoriais.

A China continuará a desafiar o argumento dos Estados Unidos, de que pode conduzir legalmente exercícios navais e operações de inteligência até doze milhas náuticas ao largo da costa chinesa, e continuará a pressionar Taiwan para a reunificação, ao abrigo do princípio da existência de uma só China, que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, parece querer contrariar. Assim, é de esperar atrito entre a China de um lado e os Estados Unidos, e os seus aliados regionais do outro. Tais fricções carregam o risco da escalada, sendo improvável de conduzir a conflitos armados. É um exagero confundir esse risco de conflito local, com o risco de a China tomar conta do mundo.

E quanto à mudança fora da trajectória? Quanto maior for o período de tempo, mais provável é a ocorrência de algo dramaticamente diferente, basta pensar na queda da União Soviética ou da Primavera Árabe. Naturalmente, esse tipo inesperado de mudança é intrinsecamente imprevisível, mas devemos ser capazes de identificar alguns tipos de mudanças históricas radicais, com menor improbabilidade, que outras de acontecer. Por exemplo, observando a situação interna da China, podemos identificar vulnerabilidades essenciais no modelo económico, sendo a primeira a que inclui o pesado tributo que a degradação ambiental produz no solo, água, ar e saúde pública, tornando o actual modelo de crescimento insustentável, se não for invertida a actual tendência rapidamente.

A segunda vulnerabilidade económica é a estrutura demográfica de uma população em envelhecimento, e a terceira é o estímulo do crescimento rápido pelo pesado, e muitas vezes improdutivo, investimento estatal em infra-estrutura e imobiliário, através de empréstimos de bancos estatais. Tendo em consideração esses factores, é possível descartar um ressurgimento do crescimento de dois dígitos e a regra na possibilidade, embora não inevitável, de um declínio dramático do crescimento ou da possibilidade da ocorrência de uma crise económica.

O sistema político chinês não é tão vulnerável como se possa pensar, não sofrendo do complexo da falsa estabilidade a longo prazo, como acontece, nas mal realizadas democracias, como por exemplo, as do Japão, França e Estados Unidos, entre muitos outros países. Os líderes chineses afirmam oficialmente que se deve reformar e melhorar o seu sistema político, criando democracia de estilo socialista e construindo o Estado de direito socialista, ou seja, o sistema político chinês permanece em construção, e mesmo que a população dê ao regime altas notas de desempenho, vê o sistema actual como uma estação no caminho da evolução política, em direcção a uma futura forma de governo desconhecido, e a ser criado. A mudança política deve ser pacífica e gradual.

O ambiente internacional da China é potencialmente turbulento. A China faz fronteira com um dos países mais instáveis do mundo, a Coreia do Norte, governada por uma ditadura pessoal anacrónica, dividida em conflitos entre facções, e armada com armas nucleares, que governa uma população carecida. Se esse regime cair ou desencadear uma guerra, a China pagará um grande preço. Outros regimes instáveis que fazem fronteira com a China, incluem a Birmânia, Paquistão, Afeganistão, Tajiquistão, Quirguistão e Cazaquistão.

Os conflitos étnicos ou a ascensão de movimentos extremistas poderiam produzir fluxos de refugiados ou paraísos terroristas nesses lugares que ameaçariam a segurança da China. A desordem na África ou no Médio Oriente, podem no futuro ameaçar os suprimentos de petróleo, cobre e outras matérias-primas necessárias à China. A polarização das relações com a Europa e Estados Unidos, poderá ameaçar os seus mercados de exportação e a sua estabilidade financeira. Em contrapartida, é difícil pensar em mudanças plausíveis, fora da trajectória existente, no ambiente de política externa da China que melhorariam a sua segurança.

É improvável, por exemplo, que qualquer um dos maiores países vizinhos decida aliar-se à China porque a desconfiança é alta em toda a região. A alteração da trajectória existente, que é susceptível de ocorrer cedo ou tarde, tende a diminuir ao invés de aumentar a ameaça da China. Todavia, alguns mitos sobre a China são verdadeiros. A China está localizada em uma parte diferente do mundo, em relação ao Ocidente e tem as suas prioridades, necessidades de segurança e visão do futuro, e nem sempre vê o mundo, da mesma maneira que vêem os ocidentais. Está cada vez mais estreitamente ligada ao Ocidente e não se está a afastar, pelo que é urgente que entendamos essa verdade.

29 Dez 2016

A vida pública americana

“An evil group of men has always wanted to rule the entire world. In the past conquest has failed to achieve this, due to the resulting outrage and awareness of the enemy. In our present time evil groups are trying a subtle but effective way to rule. This is to gradually infiltrate and delude the masses into accepting their ideas.”
“True Conspiracies” – Richard Hole

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] maioria das novas complexidades globais reflectem conflitos de longa data sobre recursos naturais, interesses económicos ou antigas rivalidades políticas. Um mundo entrelaçado parece ter um maior número e intensidade de disputas sobre práticas e relações comerciais ou políticas nacionais, o que desestabiliza os laços entre países e gera conflitos sociais, económicos e políticos. No entanto, parte dessa agitação reflecte novas fontes de imprevisibilidade. Por exemplo, existem estados falidos ou áreas desgovernadas, em muitos locais, ao redor do mundo. Uma série de locais, especialmente em África e no Médio Oriente, têm governos sem autoridade e incapazes de limitar o comportamento agressivo.

As redes criminosas e organizações informais ganharam poder e são capazes de controlar ruas, bairros ou até sectores inteiros de países, afectando tanto as relações internacionais, quanto a política interna, e testam os limites do comportamento convencional. Os conflitos religiosos entraram numa fase sinistra, igualmente, pois, deu-se o surgimento do fundamentalismo, em cada uma das três religiões monoteístas do mundo, judaísmo, islamismo e cristianismo, complicando a geopolítica.

É de concordar com Michael Walzer, quando afirma no seu livro “The Paradox of Liberation: Secular Revolutions and Religious Counterrevolutions” que uma batalha épica está a ocorrer entre as forças da modernidade e da secularização versus aqueles que acreditam que essas forças são absolutamente erradas. O conflito religioso assume uma variedade de formas em locais diferentes, em que as divergências sobre o papel das mulheres, a homossexualidade e a permissividade cultural permeiam muitas tensões regionais e globais.

A tecnologia digital complicou a política global, acelerando as comunicações, e alterando os padrões tradicionais de interacção social e económica. Os avanços nas comunicações tornam mais fácil do que nunca o trabalho dos descontentes pela organização. O que costumava serem disputas locais, podem vir a ser virais e espalharem-se rapidamente pelo mundo, através de meios de comunicação sociais e tecnologia digital.

Os canais de comunicação internacionais puseram pessoas de origens e interesses diversos, em contacto virtual, notavelmente íntimo, uns com os outros, em uma era de globalização. As diferenças que anteriormente poderiam ser encobertas, ou até mesmo ignoradas, agora entram no espaço pessoal de cada indivíduo, e forçam-no a pensar sobre desastres naturais, conflitos políticos ou turbulências sociais a milhares de quilómetros de distância.

O resultado é muitas vezes um aumento da ansiedade, sentimentos doentios e tensões globais, não sendo apenas os assuntos globais que se tornaram incertos, pois da mesma forma que as situações têm estado em mudança contínua na cena internacional, acontecimentos surpreendentes têm manchado a política doméstica dos Estados Unidos, durante as duas últimas décadas, incluindo a falhada remoção do presidente, Bill Clinton, os ataques terroristas de 9 de Setembro de 2001, a “Grande Recessão”, a eleição de um presidente afro-americano, Barack Obama, uma mulher e um socialista democrático candidatos a presidente e vice-presidente, Hillary Clinton e Bernie Sanders, respectivamente, um bilionário populista que desejou ser eleito presidente, Donald Trump, e conseguiu no banalizado sistema eleitoral americano, com menos de mais de dois milhões votos populares que a candidata derrotada, e a morte misteriosa de um juiz, Antonin Scalia, em um Supremo Tribunal fortemente dividido.

Esses eventos ilustram quanta turbulência política tem havido nos últimos anos nos Estados Unidos. No período pós – Segunda Guerra Mundial, muitos observadores encararam o progresso, como a melhor descrição da política americana. É a perspectiva de que as mudanças em pequena escala e a evolução gradual representam a regra, ao invés da revolução ou desenvolvimento em grande escala, e como essa ideia parecia descrever os processos políticos reais e as virtudes das mudanças em pequena escala, os analistas consideraram-na o paradigma dominante dos últimos cinquenta anos.

A mudança ocorre lentamente porque muitos factores sociais, políticos e institucionais, limitam a transformação em larga escala. Durante duas décadas a política americana tornou-se mais exagerada e polarizada e, como resultado, as soluções propostas tornaram-se mais radicais, porque a negociação e o compromisso não estão na moda. Algumas das realidades que desestabilizaram a ordem internacional, e ampliaram o conjunto de possíveis acções, também são aparentes no seio da América, sendo de registar, que grandes forças abalaram os fundamentos sociais e políticos da sociedade civil e afectaram um amplo conjunto de áreas.

Os desenvolvimentos políticos tal como a revolução Reagan em 1980 colocaram o país em um curso mais conservador em termos de política. As eleições de 1994 acentuaram essa tendência, e puseram os republicanos como responsáveis pela Câmara dos Deputados, pela primeira vez em quarenta anos. Após esse resultado, o Partido Republicano, durante dezoito dos vinte e dois anos seguintes, usou esse poder para tentar reduzir a dimensão do governo e os programas de bem-estar social. A “Grande Recessão” derrubou o controlo exercido pelo Partido Republicano durante algum tempo, renascendo com inesperada e inusitada força, propulsionada pela vitória de Donald Trump.

Os Estados Unidos elegeram o seu primeiro presidente afro-americano em 2008 e deram-lhe uma grande maioria Democrata na Câmara dos Deputados e no Senado, que usou para promulgar leis abrangentes, que estimularam a economia, regularam grandes instituições financeiras e transformaram os cuidados de saúde americanos. O sucesso do Presidente Obama gerou uma reacção intensa, permitindo que os republicanos voltassem a tomar o controlo do Congresso, e bloqueassem quase todas as suas iniciativas subsequentes. Tais tipos de balanços generalizados no poder político, que levam a dramáticas iniciativas políticas, passaram a ser comuns. A formulação de políticas abrangentes em grandes organizações está muito em voga durante a presente era.

Os últimos anos foram marcados por grandes mudanças na política fiscal, regulação financeira, alterações climáticas, traduzido em um acordo histórico com a China sobre a redução das emissões de carbono, e um forte aumento nas taxas de imposto de rendimentos aos mais ricos, como parte das negociações “penhasco fiscal”. Os esforços legislativos para adoptar uma reforma migratória abrangente falharam, devido a um impasse político-partidário, mas o presidente Obama respondeu, implementando grandes mudanças, através de uma ordem executiva, embora tenha sido desafiado em tribunal, e como é uma situação de alcance global, uma variedade de forças permite mudanças internas, de base ampla. Há um sentimento largamente compartilhado de que as todas as situações estão a ser debatidas nos Estados Unidos, criando um apetite, em todo o espectro político, para acções mais substanciais.

Os políticos de esquerda e direita defenderam propostas tão amplamente divergentes, quanto a proibição dos muçulmanos de entrarem nos Estados Unidos, devido à preocupação com o terrorismo, privatizando a Previdência Social, abolindo a Receita Federal, reestruturando ou até mesmo abandonando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), afastamento dos acordos de comércio internacional e fornecimento de ensino gratuito a todos os estudantes. A natureza das coligações partidárias durante grande parte da história americana desencorajou o radicalismo e promoveu negociações e compromissos. Os modelos antigos falavam sobre o eleitor mediano, como o principal objecto da competição partidária.

A ideia era de que a opinião pública se assemelhava a uma curva em forma de sino com a maioria das pessoas no centro político, e minorias à esquerda e à direita, respectivamente, pelo que em tal situação, a estratégia política vencedora era clara. Os candidatos devem visar o centro, propor medidas moderadas que pareçam convenientes, e comprometerem-se com a outra parte a governar e aprovar legislação. Tal processo abrandou o ritmo da política, e tornou o incrementalismo uma descrição precisa da mudança de política. Nos últimos anos, porém, a luta por eleitores centristas deu lugar, a jogar, para a base extrema em ambas as partes.

A baixa participação eleitoral e eleitorados polarizados faz os candidatos determinarem que muitas vezes, faz mais sentido, mobilizar eleitores de esquerda ou de direita do que jogar ao centro. Muitos candidatos e activistas partidários preferem apelos que gerem excitação, ao invés de propostas complexas ou matizadas, que reafirmam o estado existente. Além disso, os doadores, que se tornaram cada vez mais vitais para o processo político, por causa dos enormes custos das campanhas, muitas vezes, têm pontos de vista mais extremos do que o eleitorado como um todo, e assim ajudam a empurrar os candidatos para os limites mais extremos.

A percentagem de democratas e republicanos na Câmara dos Deputados que tinham registos de voto centrista entre 1951 e 2013, num estudo da Universidade de Harvard, demonstrou que no início desse período, quase 60 por cento dos representantes em cada partido, tendiam a votar em posições moderadas. Por volta de 2013, porém, o número de democratas moderados caiu para 13 por cento, e dentro do Partido Republicano quase desapareceram completamente. No Congresso e em muitas legislaturas estaduais, aqueles que estão dispostos a cruzar as linhas partidárias e apoiar compromissos bipartidários são vistos como traidores à causa.

É especialmente o caso entre os republicanos, desde o surgimento do Tea Party em 2010. Os conservadores indignaram-se com o rápido crescimento da dívida pública e o aumento da despesa pública, entre outros males conhecidos, organizados para retomar o futuro e retornar aos valores do passado. Mas o colapso da moderação, também ocorreu no lado democrata, como foi demonstrado pelo apoio surpreendentemente forte, dado ao socialista Bernie Sanders, no processo de nomeação de 2016. O resultado em ambos os partidos, foi de que os políticos de muitas listras, apresentaram propostas para uma mudança radical e resistiram fortemente às propostas do lado oposto.

Muitos legisladores querem pensar em grande e produzir mudanças dramáticas na política, encorajados pelos eleitores aborrecidos com a diminuição da sua fortuna ou motivados pelas suas visões negativas do governo. O estudo da Universidade de Harvard, mostrou existir uma ligação forte entre a ruptura económica e o extremismo político. Um exame dos padrões de votação no Congresso e as perdas de postos de trabalho, demonstra que as áreas mais atingidas pelos choques comerciais, eram muito mais propensas a moverem-se politicamente para a extrema-direita ou para a extrema-esquerda.

As mudanças nos meios de comunicação de notícias promoveram também mudanças principais na esfera política, pois, com poucas excepções, os meios de comunicação fragmentaram-se em câmaras de eco concorrentes, que dizem às pessoas o que querem ouvir, com base em pesquisas de mercado e não em valores jornalísticos sérios. Além disso, muitos indivíduos, especialmente os jovens, não dependem da comunicação social, para a sua informação diária. Em vez disso, recebem notícias, ou o que percebem como notícias, através de redes sociais e plataformas digitais. O resultado é um sistema de media que, com demasiada frequência, afasta as pessoas em vez de as unir. O discurso público acaba por se basear mais nas opiniões do que nos factos, e há pouco acordo sobre os desafios que a América enfrenta.

12 Dez 2016

O salto quântico (II)

“It was 250,000 years before the world’s population reached 1 billion, around 1800. But it took only a dozen years for mankind to add its latest billion, passing 7 billion in October 2011, by the United Nations’ official count. This is megachange: change on a grand scale, happening at remarkable speed. It is all around us. Technology is spreading astonishingly fast – think of the internet, mobile phones and the oceans of information now captured on computers or transmitted via social networks such as Facebook and Twitter. The global economy is tilting towards Asia in front of our eyes. All this is having a deep impact on people’s lives, businesses’ strategies, countries’ politics and the planet’s prospects”.
“Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] excepcional evolução, também, pode ter lugar periodicamente na política. Os terramotos políticos não são tão raros, como ficou demonstrado pela vitória considerada improvável de Donald Trump, em 8 de Novembro de 2016. A média terminou na área da economia, após 2008, devido à grande recessão, e é de acreditar que será difícil criar um crescimento económico robusto e sustentado como defende Tyler Cowen no seu livro “Average Is Over: Powering America Beyond the Age of the Great Stagnation”.

O passado não é prólogo do futuro. Ao invés, uma série de factores reduzirão a prosperidade, a menos, que medidas substanciais sejam tomadas para reverter a actual situação. Estendendo essa noção, damos com a teoria desenvolvida por James K. Galbraith no seu livro “The End of Normal: The Great Crisis and the Future of Growth” que ao analisar o desempenho macroeconómico, afirma que as pessoas não devem projectar o crescimento económico da década de 1950 até ao ano 2000 para o futuro. Muitas das situações que deram origem a um forte desenvolvimento desapareceram, e será difícil manter as tendências passadas no futuro próximo.

O economista Robert Gordon argumenta no seu livro “The Rise and Fall of American Growth” que estamos a assistir a uma grande mudança nos padrões de crescimento, e que o desenvolvimento dramático, que marcou o período de 1870 a 1970 terminou, não existindo maiores avanços na produtividade do trabalho ou na inovação societária, e com o envelhecimento da população e o aumento da desigualdade, o nível de vida dos Estados Unidos tende a estagnar ou mesmo a cair, e correr através de cada uma dessas noções, é ideia de que algo de grande está para acontecer no período actual.

Os padrões sociais, económicos e políticos já não são estáveis e estão a criar mudanças rápidas e transformadoras. As pessoas necessitam de estar preparadas para um tipo de mudança, maior do que o normalmente imaginado. Até que possamos entender melhor esses movimentos tectónicos, será difícil para os indivíduos e sociedades como um todo, lidar com o seu extraordinário impacto. A nível internacional, existem inúmeros sinais de grandes desenvolvimentos e mudanças de alianças. Durante a maior parte das últimas sete décadas, fortes normas internacionais pareciam garantir a santidade das fronteiras nacionais, pois dada a agressão generalizada sofrida durante a II Guerra Mundial, com a sequente enorme perda de vidas, as nações modernas, em geral, abstiveram-se de invasões estrangeiras.

Os países não querem arriscar conflagrações internacionais e os altos custos humanos que daí resultam. As organizações a nível global fazem grandes esforços para desencorajar os países a não violarem os direitos soberanos de outros países, na esperança de manter a paz e conservar as relações amistosas, em toda a ordem internacional. No entanto, essa norma antiga e tradicional está a ser quebrada constantemente.

Os líderes ocidentais estavam despreparados em 2014, quando a Rússia invadiu e anexou a Crimeia e deslocou-se para a parte oriental da Ucrânia, com o objectivo declarado de proteger os interesses russos. A Crimeia tinha sido cedida à Ucrânia em 1954, pela então União Soviética e tinha-se tornado em uma parte vital daquele país. A península no Mar Negro usava moeda ucraniana e tinha representação no parlamento nacional. Apesar da condenação internacional da anexação, a Rússia, recusou-se a inverter o curso dos acontecimentos.

Os líderes ocidentais usaram uma retórica apaixonada contra a anexação, impuseram sanções comerciais e bancárias ao invasor e aumentaram a ajuda à Ucrânia. Ao longo de dois anos, o mundo ainda não descobriu como mudar a realidade factual, e alguns líderes queriam enviar tropas para contrariar o que consideravam uma flagrante agressão russa. A China conjuntamente com o seu rápido crescimento económico, tornou-se muito mais activa nos assuntos regionais e globais, impondo limites às organizações estrangeiras e multinacionais que operam dentro das suas fronteiras, e discutiu a soberania japonesa sobre as Ilhas Senkaku no Mar da China Oriental.

Apesar de esses locais terem sido controlados pelo Japão por um longo período de tempo, a China afirmou os seus direitos territoriais, após a descoberta de reservas de petróleo, afirmando que as suas prerrogativas geográficas são anteriores às do Japão. Os militares chineses enviaram barcos e aviões para a região para proteger as suas reivindicações geográficas, e instalaram mísseis terra – ar em uma ilha disputada. Além disso, a China construiu sete ilhas artificiais em recifes no Mar da China Meridional, e declarou a soberania chinesa sobre os doze milhas ao redor de cada ilha.

A expansão das reivindicações territoriais chinesas complicou as operações militares americanas na região, e ameaçou a capacidade de alguns navios comerciais de navegar livremente por essas paragens. Os temores aumentaram quando a China começou a instalar longas pistas de aviação, quartéis militares e mísseis nas Ilhas Paracel. A maioria dos países vizinhos são aliados e parceiros comerciais dos Estados Unidos, preocuparam-se, acreditando que tais mudanças fossem um sinal das ambições geopolíticas por parte da China, que procurava estender esses direitos territoriais a quase oitenta por cento do Mar da China Meridional. A situação colocou a China em contenda com o Vietname, Malásia e Filipinas que tinham soberania sobre partes dessa via fluvial.

As revoltas da Primavera Árabe atraíram praticamente todos os governos e comentadores políticos. A maioria foi surpreendida em 2010, quando protestos de rua irromperam na Tunísia e provocaram manifestações em vários países do Médio Oriente. As queixas contra a incompetência e corrupção dos regimes autoritários, em todo o mundo árabe, eram efectuados por pessoas comuns, milhares das quais foram para nas ruas em um extraordinário conjunto de protestos.

Tal como agiram em outros períodos, os governos moveram-se para suprimir as queixas e prender os manifestantes. Mas os movimentos políticos derrubaram vários líderes autoritários que pareciam entrincheirados no poder, nomeadamente o presidente Hosni Mubarak no Egipto. É de notar que quase nenhum analista político experiente, antecipou a série de revoluções que rapidamente varreram o Norte de África e o Médio Oriente, ou seja, havia governos provisórios na Tunísia, Líbia e Egipto. A Síria e o Iémen caíram em devastadoras guerras civis, enquanto as facções rivais disputavam o poder político e económico, e a Líbia enfrentou um tumulto semelhante, após a queda e execução de Muammar Kadafi.

Através destes e de outros exemplos, é de argumentar que muitas das forças sociais, económicas e políticas que foram constrangidas a mudanças internacionais em grande escala tornaram-se fracas. Alianças políticas, económicas e militares antigas quebraram-se e novas estão a surgir, ou em alguns casos, novas alianças não se apresentam tão aparentes. O grande conflito de poder, que parecia inimaginável na era nuclear, voltou como um possível perigo.

A ideia de que as nações limitariam as suas reivindicações territoriais deu lugar a um jogo amplo entre as mesmas, testando fronteiras geográficas e violando as normas tradicionais. A ordem mundial pós-1989, dominada pelos Estados Unidos, desenvolveu-se em uma China ascendente, uma Rússia agressiva e actores não estatais violentos, como o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS), Al Qaeda, Al Shabaab e Boko Haram.

Os últimos grupos aplicam leis religiosas estritas nos territórios que controlam, e empregam práticas primitivas, como a violação sistemática, a escravidão sexual e a governança feudal. As limitações ao poder ocidental são aparentes, e a capacidade dos Estados Unidos e da Europa para tomarem medidas eficazes é seriamente circunscrita. O globo, em essência, passou de um mundo bipolar durante a Guerra Fria, para um unipolar após o colapso da União Soviética, quando os Estados Unidos se tornaram o poder dominante, e desde 9 de Setembro de 2001, para um mundo multipolar, reflectindo o surgimento de novos poderes e actores não-estatais.

As ordens mundiais bipolares e unipolares geralmente são estáveis, por causa do domínio de um número limitado de poderes, que muitas vezes podem controlar os conflitos locais e regionais. No entanto, a mudança para a multipolaridade apresenta sinais de um aumento da instabilidade, com várias potências a jogarem para adquirir vantagem, e nenhuma a deter o poder único, não tendo a China, Rússia, Europa ou os Estados Unidos a capacidade de ditar as directrizes da geopolítica e geoeconomia.

29 Nov 2016

O salto quântico (I)

“A great shift towards the East is taking place. This really is a case of back to the future: as Laza Kekic points out, by 2050 Asia will account for more than half the world economy, which is what its share was back in 1820 and for centuries before that. This will profoundly affect everything from the environment to the balance of military power and the centre of gravity of the global economy.”
“Megachange: The World in 2050” – D. Franklin and John Andrews

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] início do dia das eleições nos Estados Unidos foi marcado por dez baralhados inquéritos nacionais, em que oito davam a vitória a Hillary Clinton, um anunciava um empate e o último apostava na vitória de Donald Trump. No final da longa vigília, os embaraçados comentadores interrogavam-se de quem seriam os Secretários de Estado do candidato vencedor, quais seriam as grandes linhas de acção da sua futura gestão à frente dos destinos do país, de como seria a sua ligação com ambas as câmaras, após ter dado a vitória no Senado ao Partido Republicano, e como seria a sua relação dentro do mesmo partido, com a actual liderança que lhe virou as costas.

Tudo são interrogações no que respeita a Donald Trump, mesmo em áreas onde se supõe conhecer o seu pensamento, como o tema dos imigrantes e as alianças comerciais e militares. O candidato dado por todos como derrotado, em uma campanha política de poucos meses, transformou o cenário político e dos partidos do país, podendo influenciar ainda mais, as principais correntes de pensamento da sociedade americana, ao longo dos próximos quatro anos, se as constelações não conspirarem, para que sejam oito anos.

A partir de agora, existe uma nova forma de fazer política, outra maneira de compreender o funcionamento da democracia americana e do papel do país na cena global. Muitos serão os políticos que terão a tentação de seguir o seu exemplo e modelo. A campanha de Donald Trump, esteve ausente dos meios de comunicação tradicionais, e teve um orçamento muito menor que o do Partido Democrata. Teve como principal centro as redes sociais, o que talvez explique de certa forma, o impacto que conseguiu, e de algum modo tenha favorecido o facto de os meios de comunicação sociais tradicionais não terem observado com a agudeza necessária, o fenómeno Trump e o subestimaram.

Fica por ver se a nova etapa implica o abandono de toda a pretensão de injectar seriedade e transcendência ao debate político americano, com o consequente efeito que terá sobre as instituições, e sobre a essência do conceito actual de democracia. O Partido Republicano pode ficar sob controlo do novo mandatário, fragmentar-se, ficar nas mãos de um rival de Trump, ou rejuvenescer com contributos de novos dirigentes. As consequências do fenómeno são perceptíveis, em outras latitudes.

Muitos países europeus vêem o apogeu dos partidos de extrema-direita, que combatem os imigrantes, sem falar de todos os matizes do Brexit e da militância a favor do proteccionismo comercial e contra os tratados globais, e talvez seja esta a verdadeira tragédia, ou seja, o modo de entender a política de Trump, começa a ser uma parte normal da cena quotidiana. As consequências do Brexit, decidido pelos votantes ingleses, foi um severo choque para a União Europeia (UE).

A consagração presidencial de Donald Trump é a segunda violenta perturbação num curto período de tempo, uma verdadeira catástrofe como é denominada. A Alemanha é o único país com relevo, que resiste a um mundo que parece querer desabar. A unidade de acção transatlântica, que por mais de setenta e cinco anos foi a pedra angular da direcção do Ocidente, em todos os níveis, seja na defesa, comércio ou redução das alterações climáticas, parece estar a chegar ao fim.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi a salvaguarda Europeia contra o ameaçador expansionismo soviético, que parece renascer com o sonho imperial da Rússia liderado por Vladimir Putin. Se os Estados Unidos, como tem advertido Donald Trump, refugiar-se no isolacionismo mais extremo, estará muito em jogo, pois os europeus ficarão sós para conter a agressividade russa e os esforços realizados no Médio Oriente para acompanharem os Estados Unidos serão inúteis, bem como os mortos e as perdas sofridas no Iraque e no Afeganistão, sem esquecer o famoso tratado de livre comércio, entre ambos os lados do Atlântico.

Os europeus encontram-se preocupados como não acontecia há muitas décadas. A vitória incontestável de Donald Trump nas eleições americanas veio certificar que vivemos uma era de transformações profundas e cíclicas, tal como sempre aconteceu na história da humanidade. As dramáticas descobertas científicas interromperam as práticas empresariais ou novas ordens sociais, como a Reforma e a Revolução Industrial, e alteraram fundamentalmente a vida das pessoas.

Os tempos mais recentes, foram também palco de grandes mudanças. Os Estados Unidos, por exemplo, enfrentaram transformações substanciais na década de 1860 durante e após a Guerra Civil, e novamente na década de 1930, devido à Grande Depressão, e na década de 1960 com a promoção dos direitos civis, da libertação das mulheres e dos movimentos ambientais. Em um tempo relativamente curto, perturbações em larga escala alteraram a sociedade e a política e deixaram uma marca duradoura nessas eras.

Existiram flutuações significativas, em várias épocas, nas políticas públicas ou nas atitudes dos cidadãos associadas à mudança social, política ou económica. Por exemplo, após um período de turbulência social e religiosa, uma proibição americana sobre a produção e venda de álcool foi adoptada a nível nacional, em 1920 e permaneceu em vigor até 1933. Após as mulheres se começarem a organizar politicamente no final do século XIX, os países ocidentais adoptaram gradualmente o sufrágio feminino, incluindo os Estados Unidos em 1920, por meio de uma emenda constitucional. Se reflectirmos na mudança dos costumes culturais, em relação a períodos anteriores, existiu uma dramática decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em 1973, que legalizou o aborto em todo o país, que Donald Trump pretende reverter, para além da famigerada construção do vergonhoso muro entre a América e o México, e a expulsão ou deportação de três milhões de ilegais. Nunca é fácil separar as causas das consequências de transformações em grande escala.

A mudança por vezes é caótica e multifacetada e, portanto, difícil de definir com precisão. É necessário observar por algum período de tempo, para analisar cuidadosamente o que está a mudar e quais as forças que estão a gerar as alterações mais substanciais. Todavia, através dos estudos de alguns casos, é possível esclarecer as grandes alterações que afectaram os assuntos globais e a política americana nas últimas décadas. A nível interno dos Estados Unidos, vemos profundas alterações na mudança de atitudes em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, tabagismo, legalização da maconha, desigualdade de rendimentos, terrorismo e segurança nas fronteiras.
A nível global, testemunhamos o surgimento e o colapso da “Primavera Árabe”, o ressurgimento do fanatismo religioso, a violência de actores não-estatais e as mudanças ao livre fluxo de pessoas, bens e serviços associados à globalização. O que acontece a nível mundial, por vezes, influencia a política interna dos países, ou vice-versa. O extremismo em um local pode provocar tensões em um lugar distante. Em uma era de comunicações globais e transmissão rápida de informações, eventos aparentemente pequenos podem repercutir em outros lugares, e tornarem-se um catalisador para mudanças dramáticas nos assuntos internos ou internacionais.

O termo “salto quântico”, emprestado dos físicos, passou a significar, popularmente, mudanças de grande escala que galgaram o conhecimento existente e introduziram novas formas de pensar. Os filósofos falam sobre “mudanças de paradigma” onde os modelos teóricos mudam drasticamente. Os biólogos referem-se a modelos de “equilíbrio pontuado”, nos quais há um tempo de grande mudança seguido por períodos de equilíbrio.

Os especialistas digitais enfatizam a “tecnologia disruptiva ou dominante no mercado” que desafia as velhas formas de produção e leva ao surgimento de empresas que tiram proveito, ou ajudam a criar novas realidades do mercado, ou melhor ligando o talento e a inovação que resulta em “startups” das indústrias culturais e criativas, que em muitos países abundam com êxito, e em outros não existem, perdendo tempo em filosofias e querelas sem consequência prática.

21 Nov 2016

A era das mudanças radicais

“There are times in politics when the Black Swan shows up; when a highly unlikely, highly improbable event shatters years’ worth of assumptions.”
“What If Trump Wins? Sometimes voters do break the rules” – Jeff Greenfield

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] tecnologia inovadora está a mudar o mundo. A transformação é violenta, implacável e está a acontecer em todas as organizações. É uma nova era tecnológica com incrível potencial para alterar a vida quotidiana das sociedades, e as concepções económicas e políticas que prevaleceram até ao presente. As grandes mudanças de tecnologia terão impacto em três elementos, que são a sociedade, a política e a economia, e que irão mudar drasticamente a nossa vida e o mundo. Por exemplo, são de realçar marcos importantes, como a queda do comunismo, a “Grande Recessão de 2008”, a rápida ascensão do “Estado e Exército Islâmico”, o aparecimento do “Trumpismo” que não é alternativa a nada, segundo Paul Krugman, e o processo que terminou com o “Brexit”.

Se nos concentrarmos no futuro, descobriremos cinco megatêndencias que terão um enorme poder de transformação, sendo a primeira o surgimento de robots, de uma outra forma de inteligência artificial, capazes de ocupar postos de trabalho, e executar actividades a velocidades sem precedentes, e que apenas era possível ser desenvolvida por seres humanos. A segunda será a subida incontrolável do nível das águas nos oceanos que submergirão as zonas costeiras. A terceira será a descoberta de outras manifestações de vida primitiva em todo o universo.

A quarta serão partidos extremistas de direita capazes de tomar o poder em vários países da Europa, criando um grave prejuízo à ideia estabelecida de democracia e a quinta conduz à interrogação sobre o que aconteceria se o Irão desenvolver equipamentos bélicos nucleares? Quiçá as duas últimas megatêndencias pequem gravemente por exagero, ou talvez não, pois tudo depende de uma questão de perspectiva.

Os robots fazem o trabalho, sendo que o custo da sua produção foi reduzido substancialmente, e são considerados especialmente úteis na indústria automóvel, onde começaram por ser utilizados, mas actualmente são usados praticamente em todas as indústrias, não apenas nos Estados Unidos e Europa, mas também com crescente rapidez, no Sudeste Asiático.

O que inquieta é a velocidade a que é feita a deslocação humana, e que irá acontecer muito em breve na economia, em doses elevadas, e não em um futuro distante. Os robots para além de realizarem muitas tarefas que são efectuadas por trabalhadores, estarão em condições de substituir muitos líderes e gestores, e de ocupar posições no campo dos serviços. É o bilhete-postal que intimida a larga classe média em todos os países, que prevê dramáticas consequências laborais para os seus empregos. O novo cenário laboral alterará substancialmente a forma como serão distribuídos os benefícios sociais.

As reformas, pensões e prestações de saúde são pagas através dos empregos actuais ou de pretérito. Quanto à subida do nível do mar, está cientificamente provado que o aquecimento global é real, mas com nuances. O aquecimento global cria violentas tempestades e alterações nos padrões climáticos em todo o planeta, bem como, o permanente aumento do nível dos oceanos e mares, tendo como resultado a existência de águas mais quente e o derretimento das plataformas de gelo no oeste da Antárctida, especialmente na Groenlândia.

Prevê-se que o aumento do nível do mar quadruplique, em 2100, o que agravará o problema, pois convém recordar que nas últimas décadas, milhões de pessoas se deslocaram do interior dos continentes para as zonas costeiras, numa migração contínua, para viverem próximo do mar, bem como aproveitar as vantagens das grandes cidades nas margens dos mares. Actualmente, existem seiscentos milhões de pessoas que vivem em áreas que são periodicamente inundadas. É de recordar que 40 por cento da população dos Estados Unidos vive em zonas costeiras de alta concentração urbana, onde o mar avança impiedosamente e produz a erosão marinha.

A nível global são muitas as cidades que estão em grave risco como Nova Iorque, Boston, São Francisco, Miami, Amesterdão, Veneza, Cidade do Cabo, Tóquio, Xangai, Hong Kong e São Petersburgo. O custo de realojamento de milhões de americanos que serão afectados em um futuro próximo pela subida das águas será de catorze milhões de milhões de dólares, segundo um recente estudo do “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em língua inglesa) ”. Acresce ao actual fenómeno os milhões de refugiados devido às guerras e conflitos armados nacionais e regionais, fome, secas e inundações. Existirá uma nova classe de refugiados em todo o mundo, que serão os deslocados das zonas costeiras.

A vida em outras partes do universo não está relacionada com ameaças ambientais, sociais ou mesmo políticas. Está relacionada com questões existenciais básicas. O progresso científico e industrial faz que o conhecimento científico esteja cada vez mais disponível, a aceitar que a vida não se limita ao planeta Terra, e que pode existir em muitas outras partes do vasto universo. É conhecida a existência de água, calor e químicos orgânicos em grande quantidade fora do sistema solar.

Os cientistas acreditam fortemente, por estas razões, que a raça humana está próxima de confirmar que existem condições de vida em muitas partes do universo. Prevê-se que essa confirmação se dê nos próximos dez a vinte anos. Não se trata de extraterrestres, pois essa convicção refere-se a pequenos microrganismos. A comprovação da existência de vida em outros planetas levará a abandonar uma visão centrada na Terra, que tem dominado a história da humanidade e todos os seus pensamentos.

Os especialistas em política externa, durante muitas décadas, assumiram o facto de que o comunismo estava entrincheirado na ex-União Soviética e na Europa. Os líderes desses países construíram poderosos estados autoritários que monitorizavam os cidadãos, puniam os dissidentes e mantinham os seus partidos políticos no poder. Alguns académicos pensavam que esses regimes tinham contradições internas que os levariam à sua inexorável morte, mas tais profetas eram vistos como opositores, e não eram levados muito a sério, pelos principais líderes de opinião.

Quando o Muro de Berlim caiu em 1989 e a União Soviética se dissolveu dois anos depois, a política interna e as economias de quase vinte países da Europa Central e da Ásia Central foram transformadas, suspendendo as alianças políticas em todo o mundo. Os principais investidores financeiros ficaram chocados em 2008, quando as principais instituições financeiras da Wall Street entraram em colapso, e uma grande recessão se desencadeou. Os bancos Bear Stearns e Lehman Brothers fecharam as suas portas, os mercados de acções em todo o mundo perderam metade do seu valor, e muitos bancos cessaram de conceder crédito.

Durante décadas ninguém poderia conceber a possibilidade de outra Grande Depressão, o mundo de repente viu-se perigosamente próximo de um colapso financeiro global. O impacto económico devastador desencadeou a ira pública contra as grandes instituições financeiras e governos, e agravou a situação difícil da classe trabalhadora em muitos países. A maioria das pessoas no mundo ocidental foi apanhada de surpresa em 2014, quando um grupo de combatentes muçulmanos se auto denominou de “Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS na sigla em língua inglesa) ou (Daesh na sigla em língua árabe) ”, proclamando um califado, depois de tomar o controlo de grandes partes do Iraque e da Síria, e estabeleceu um império teocrático liderado por uma única figura religiosa e política, parecia algo de medieval para a maioria do mundo, e os líderes do ISIS pouco fizeram para dissipar essa impressão, quando os seus seguidores começaram a decapitar publicamente reféns e a queimar vivos os adversários.

O mundo interrogava-se como era possível existir esse tipo de barbárie na era da globalização, cosmopolitismo secular e extraordinário progresso científico. A população do Reino Unido, em 2016, confundiu os analistas e políticos ao votarem por 52 por cento contra 48 por cento o abandono da União Europeia (UE). Nas semanas que antecederam o referendo, as autoridades financeiras e diplomáticas alertaram sobre as terríveis consequências para a estabilidade fiscal, crescimento económico e comércio internacional se a saída fosse aprovada, mas sob uma onda de sentimentos nacionalistas e anti-Bruxelas, os eleitores apoiaram a saída da UE e um futuro independente para a Grã-Bretanha.

O movimento assustou o bloco comunitário, levando a uma venda dramática da libra inglesa, e agitou os líderes financeiros e políticos em todo o mundo. O acaso não origina a mudança em grande escala que está a ocorrer no período contemporâneo. Muitas das crenças e instituições que ancoraram os assuntos internacionais e domésticos tornaram-se fracas. Os maremotos políticos ocorreram em muitas partes do mundo. Vivemos uma era onde os maiores eventos ocorrem numa base aparentemente regular, implicando mudanças dramáticas nos fenómenos sociais, económicos ou políticos. Essas alterações podem incluir perturbações económicas, transtornos políticos ou conflitos sociais, entre outras situações.

Qualquer um deles pode gerar ramificações que ultrapassam a pequena escala, mudanças graduais que tipificaram historicamente muitos desenvolvimentos societários. Ainda que a extensão e o ritmo da mudança pareçam excepcionalmente dramáticos, a época actual não é a primeira a mostrar evidências de mudanças em larga escala. Ao longo da história, impérios e civilizações apareceram e sucumbiram com regularidade. As nações cresceram em importância e depois entraram em colapso, devido a desafios económicos, invasões estrangeiras, conflitos internos ou desastres naturais.

8 Nov 2016

A nova ordem económica internacional (II)

“In the course of dynamic economic taking-off, both China and India are taking active measures to establish and modernize their competition regimes as an important institution to support the national development. Although the two developing giants share in some aspects common concerns and face similar challenges, the different political, legal and market conditions seem to reflect more disparities in their breaking paths, which will be valuable experiences to the world.”

China, India and the International Economic Order

Muthucumaraswamy Sornarajah and Jiangyu Wang

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] criação de uma nova ordem económica global apresentada como inevitável, obriga à consideração de diversos elementos fundamentais, como a tecnologia que sempre foi uma força de ruptura. Após 1945, os países investiram fortemente na investigação militar e espacial, surgindo a “Internet” e a navegação por satélite, ambas produto dessas investigações. Estão a aparecer um grande número de novas tecnologias, algumas com capacidade para mudar drasticamente muitas situações, especialmente na área da robótica, nanotecnologia e medicina, afectando a sociedade e os negócios.

A partir da perspectiva da influência económica é de destacar três desenvolvimentos. Não são tecnologias propriamente ditas, mas reacções comerciais e políticas à ruptura tecnológica. O primeiro, envolve a segurança cibernética, que é necessária, pois os “hackers” continuam a ter acesso à propriedade intelectual, intimidam adversários e alteram conteúdos públicos e privados. O número de ataques a sistemas industriais de controlo em todo o mundo quadruplicou, entre 2013 e 2014.

É provável que não se consiga uma defesa global contra os ataques cibernéticos, porque requerem um indispensável nível de cooperação internacional. Se os países intervierem, para controlar o problema, podem afectar o uso da “Internet” por parte da população e das empresas. Essas acções também podem limitar o crescimento económico. Os países devem aferir as suas acções, tal como no passado o fizeram, com os mercados de câmbio, para equilibrar os seus objectivos de intervenção, não afectando o crescimento económico.

O segundo elemento relaciona-se com o desenvolvimento da tecnologia e a mudança geopolítica da energia. O poder dos países produtores de petróleo foi notável, pelo menos, desde a crise do petróleo de 1973. As tecnologias destinadas à recuperação de fontes não convencionais de petróleo têm perturbado o equilíbrio da oferta e da procura. A Agência de Informação sobre Energia americana prevê que os Estados Unidos poderiam tornar-se em um exportador líquido de energia, em 2019, graças à revolução de fracturamento hidráulico, também conhecido com “Fracking”. Mesmo que os preços do petróleo recuperem, o crescente uso de energias renováveis, vai reduzir a importância geopolítica dos produtores de petróleo. Não deve constituir surpresa, que os grandes países consumidores de petróleo, como os Estados Unidos e a China, sejam também os que mais investem em energias renováveis.

A “Breakthrough Energy Coalition”, que tem como membros fundadores Mark Zuckerberg, Richard Branson, George Soros, Jack Ma e a Universidade da Califórnia, entre muitas outras individualidades de prestígio, liderada por Bill Gates, é outro sinal de mudança de fortuna. Trata-se de uma sociedade multimilionária de investigação, baseada na cooperação entre os sectores público e privado, que tem por objectivo não apenas combater as alterações climáticas, mas também, ocupar uma posição de influência na oferta energética destinada à indústria tecnológica.

O terceiro elemento, relaciona-se com a tecnologia e a distribuição geográfica dos desenvolvimentos tecnológicos, que não está limitada às economias desenvolvidas. Os inovadores de tecnologia estão espalhados pelo mundo e o capital procura-os, onde quer que se encontrem. As tecnologias importantes aparecem onde são mais necessárias. Os pagamentos móveis têm um campo fértil de desenvolvimento em África, onde milhões de pessoas não têm acesso a bancos ou ao sistema básico de telecomunicações por rede telefónica fixa.

As instituições financeiras, no mundo industrializado anseiam por estudar o “blockchain”, que é uma tecnologia para verificação automática, que admite moedas digitais como a “bitcoin’. Se surgir à escala global, a combinação adequada de novas tecnologias financeiras, poderia alterar significativamente a estrutura do negócio dos serviços financeiros. As tecnologias revolucionárias podem aparecer em qualquer ponto geográfico do globo, criando incerteza e sendo mais difícil confiar nas fontes sólidas de poder e estabilidade.

As tendências não existem no vazio, pois interactuam entre si para criar padrões de mudança. Sendo certo que é impossível saber a forma como se irão combinar, é possível preparar-nos para os tipos de incerteza que nos esperam. O novo ambiente não é conhecido, até mesmo para os mais experientes. Quem deve tomar decisões importantes para as empresas, terá de abordar seis áreas fundamentais, tais como, desenvolver um centro de excelência para evitar ataques cibernéticos. Tal como todos os riscos, esses ataques exigem que sejam estudados os processos de negócios para minimizar o seu impacto, e adaptar as infra-estruturas e equipamentos aos desafios que estão em jogo. No mínimo exige-se capacidade para responder com eficiência aos ataques.

A debilidade económica nos Estados Unidos e na Europa, combinada com o crescimento económico da China têm legitimado o uso do RMB, quer como moeda comercial, quer como reserva. Uma fonte de vantagem competitiva nos próximos amos será o acesso ao RMB, e outra serão os eficientes correspondentes bancários, e os acordos de compensação financeira que permitem aos bancos realizar transacções internacionais. O poder será transferido para escalas locais, nacionais e regionais, os acordos comerciais regionalizam-se e a capacidade de influenciar legitimamente os intervenientes do governo, fará a diferença entre o sucesso e fracasso, pelo que reconhecer as relações do governo como uma competência fundamental, será importante, não sendo apenas uma mais-valia para os sectores regulados como os bancos e os serviços públicos, mas também para todas as organizações.

A gestão do risco geopolítico, as relações com os intervenientes do governo e a capacidade para dominar as parcerias público-privadas será um requisito para as empresas prosperarem globalmente. A organização da avaliação da forma como os seus objectivos e negócios serão afectados com a mudança para um mundo multipolar, particularmente, na Ásia, onde a China competirá cada vez pelo domínio e a Índia cresce rapidamente, será de crucial importância. As empresas, terão também, de preparar as suas capacidades logísticas para poder mover provisões, bens, serviços, capital e pessoas pelas esferas de influência.

O conhecimento local e a aptidão linguística da força laboral, especialmente dos gestores, serão fundamentais para as oportunidades de negócios a nível global. As diferenças entre os mercados vão necessitar de maior desenvolvimento de pessoas com aptidões especiais a nível local e regional. Os modelos de governança deverão adaptar-se para equilibrar cuidadosamente as tomadas de decisões locais, com considerações e exigências globais e regionais. Assim, devem ser aproveitadas as pessoas com aptidões especiais, nos locais onde se fazem os negócios.

A dinâmica competitiva em um mundo em rápida mudança poderia ser perturbada por empresas novas cujos líderes antecipam tendências e as dirigem. A fim de fazer face a tal situação, todas as organizações deverão estabelecer uma cultura de inovação a nível global. As de maior capacidade devem instalar centros de inovação. Tais esforços irão mais além que a questão tecnológica, pois as empresas deverão trabalhar em conjunto para o desenvolvimento de novos ecossistemas complexos.

28 Out 2016

A nova ordem económica internacional (I)

“As the Chinese economic transformation is unprecedented in human history, there are no successful models from which the Chinese can learn in order to smoothly and effectively transform their planned economy to a market economy. Nonetheless, the so-called Socialist Market Economy, or Economic Taoism approach, appears to have been remarkably successful. Although there is no agreement in the literature on whether a coherent Chinese model of economic growth exists, it seems clear that the approaches of Taoism, combined with its traditional guanxi relationships, have helped China in “groping for stones to cross the river.” It may be too early to say that the Chinese Economic Taoism paradigm has come of age; however, it is indisputable that China has found a unique way to develop its economy and that this has enabled it to respond effectively to the recent financial crises.”

“China in the International Economic Order: New Directions and Changing Paradigms” – Lisa Toohey, Colin B. Picker and Jonathan Greenacre

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mercados emergentes que cresciam a grande rapidez e a brecha que sempre os tinha separado dos países industrializados, começava a fechar-se no inicio do século XXI. A convergência realizava-se num ambiente de liberalização económica, em que se acreditava, que os sistemas financeiros de todos os países, formariam uma rede uniforme, mas esse período terminou. Os países emergentes já não crescem à velocidade de antes, especialmente, em comparação com os países desenvolvidos, e as fissuras entre os diferentes sistemas tornam-se mais evidentes.

A última sondagem anual aos executivos de empresas pela “PricewaterhouseCoopers (PwC)” designado por “19th Annual Global CEO Survey”, mostra que apenas 35 por cento dos inquiridos crêem que o mundo caminha para uma maior unidade económica, e cerca de 59 por cento dos inquiridos acreditam que vários modelos económicos irão coexistir e competir entre si. A confirmar essa análise, apenas basta observar quão diferente é o investimento público e privado nos Estados Unidos, China, Japão e União Europeia (UE). Esses países e região operam com premissas fundamentalmente diferentes, acerca da forma como a economia se deve organizar.

A tensão entre esses diferentes pressupostos aumenta de forma gradual, indicando que uma nova ordem económica mundial está a surgir para substituir a que existiu desde o final da II Guerra Mundial. A economia global, num futuro próximo, será definida por um conjunto complexo de relações económicas em permanente mudança. As economias continuarão interligadas, mas com regras em constante mudança no comércio internacional. A forma mais eficaz para o líder de uma empresa gerir esta complexidade, ou atravessar a entrada para a próxima ordem económica com confiança e habilidade, é concentrar a atenção em três tendências base, como a dispersão do poder económico, a contínua evolução de modelos de crescimento dirigidos pelo Estado e a aceleração da ruptura que sofrem as empresas, como consequência da alteração tecnológica.

Essas tendências podem parecer evidentes, mas nenhuma à primeira vista é na realidade. Além disso, continuarão a evoluir em direcção incerta. Se forem analisadas cuidadosamente, os empresários poderão ajudar as suas organizações a tomar as medidas necessárias para avançar na nova ordem económica mundial. A dispersão do poder económico está a produzir uma alteração fundamental. O dólar está a perder a sua posição exclusiva como moeda de reserva mundial e nas próximas décadas, nenhum país poderá dominar a balança de pagamentos, como fez os Estados Unidos durante mais de setenta anos. O último acontecimento idêntico foi no final da II Guerra Mundial, e o catalisador foi a Conferência de Bretton Woods, em 1944. Após a Conferência, os Estados Unidos converteram-se no país que negociava os acordos internacionais para que as actividades financeiras fossem realizadas com ordem, adoptando dessa forma, a posição de líder mundial até ao presente.

As instituições multilaterais que surgiram então, como o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), estavam sujeitas à forte influência dos Estados Unidos e funcionaram bastante bem, durante muito tempo, o que não quer dizer que não tenham existido conflitos. Quando unilateralmente os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro, em 1971, por exemplo o “Choque Nixon” provocou dois anos de negociações, até que as grandes economias aceitassem que as suas moedas flutuassem face ao dólar. Os Estados Unidos durante o período do pós-guerra, negociaram com as grandes economias para tomar as decisões mais importantes.

A intenção foi quase sempre favorecer países amigos, quase todos com economias democráticas e liberais. Durante as sete décadas após a Conferência de Bretton Woods, a superioridade económica dos Estados Unidos baseou-se em quatro pilares. Os dois primeiros foram a sua possante importância económica em expansão, e as redes comerciais que estabeleceu e dominou e que eram também, os motores do crescimento global. Os outros dois pilares foram o estatuto do dólar como moeda global de reserva e a sua influência nas instituições multilaterais. Assim, trouxe estabilidade à economia global, e uma plataforma para a cooperação internacional. As economias emergentes estão a pôr em causa os quatro pilares.

O país desafiador mais notável é a China, cuja influência económica global surgiu rapidamente na última década. A China, em 2014, converteu-se na maior economia do mundo, em termos de poder aquisitivo. Era até então a de maior crescimento entre os países que constituem o G20. A indicação da importante influência económica chinesa é importante, como se pode ver pela sua recente desaceleração, que teve repercussões nos mercados mundiais. Essa influência enfraqueceu o primeiro pilar, ou seja, a força da economia dos Estados Unidos após a II Guerra Mundial.

A China é também o maior exportador mundial. A rápida adopção desse papel deu-lhe uma enorme influência nas redes comerciais, enfraquecendo o segundo pilar. Por outro lado, está-se a deteriorar a eficácia dos acordos comerciais multilaterais, sendo substituídos por acordos regionais que começam a preponderar. Os acordos regionais representam uma erosão da capacidade americana para definir as regras a nível global. O progresso da China em estabelecer o renminbi (RMB) como moeda para acordos internacionais, enfraquece o terceiro pilar velozmente. Quanto ao quarto pilar a China está a tentar alargar a sua presença nas actuais instituições multilaterais e a criar novas. A sua contribuição para o orçamento da ONU, duplicou entre 2010 e 2015, e presentemente representa 5 por cento do total das suas contribuições. Tem uma participação cada vez maior nos esforços de paz, controlo das alterações climáticas e redução da pobreza.

A criação de uma nova ordem económica global é inevitável. Ainda que a China não vá substituir os Estados Unidos, tornar-se-á cada vez mais difícil a estes, recuperarem a sua posição de domínio económico global, porque existem outras economias a aumentar o seu poder de influência. O FMI prevê que a Índia, terceira economia mundial, seja até ao final de 2016, a de maior crescimento do G20. Surgirá como um actor económico influente com interesses próprios. Em um mundo de poder económico em dispersão, a estabilidade será mais considerada que nunca. Pela natureza dessa estabilidade, não será estabelecida por nenhuma das grandes potências, pois dependerá da qualidade das relações económicas entre os principais países, incluindo aqueles que tenham sistemas económicos diferentes.

A actual alteração no poder económico global será distinta da última grande mudança em 1944, pois o poder de influência na economia em termos globais passou do Reino Unido para os Estados Unidos, que são dois países com uma visão do mundo semelhante, mas mesmo assim, o processo de transferência da polaridade de um lado ao outro do Atlântico levou quarenta anos, pois tinha-se dado nos começos do século XX. Actualmente, assistimos a um reequilíbrio muito mais rápido, entre os diferentes sistemas económicos e políticos, cada um, com distintivo nível de confiança nos mercados e no papel do Estado.

O modelo de Estado da China tem criado um crescimento significativo na última década. É evidente que este modelo não será suplantado por uma forma tradicional de capitalismo, em um futuro previsível. O modelo de Estado mantém a popularidade porque está associado a um forte crescimento nas economias emergentes. Os governos dos países da América do Sul e Rússia, entre países de outras áreas, mantiveram-no nos últimos anos. A dispersão do poder económico e as incompatibilidades consequentes estiveram mais em evidência nas áreas da logística, telecomunicações, suporte lógico e infra-estrutura. É de considerar que a existência de sistemas paralelos em esferas competitivas de influência, o movimento de provimentos, bens, serviços, capital e talentos de uma esfera de influência a outra é menos alinhado.

As empresas não estarão isentas de sofrer interrupções periódicas, como atrasos na obtenção da acreditação dos pagamentos ou nas taxas alfandegárias. Um possível exemplo envolve o sistema global de pagamentos. A denominada de “The Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT)” é uma cooperativa que fornece uma plataforma de comunicação, produtos e serviços para ligar mais de dez mil e oitocentos bancos, distribuidoras de valores e clientes corporativos em mais de duzentos países e territórios. O SWIFT permite aos seus utilizados a troca de informações financeiras de forma automatizada e padronizada, com segurança e confiança total, o que reduz os custos, diminui o risco operacional e elimina as ineficiências operacionais. Além disso, também une a comunidade financeira no sentido de melhorar a colaboração na adaptação das práticas de mercado, definição de normas e debater questões de interesse comum. O seu grande mal é de estar sujeita à influência dos bancos americanos e europeus.

A “China International Payment Service (CIPS)” é um sistema de pagamento que oferece serviços de compensação e de liquidação para os seus participantes nos pagamentos RMB, transfronteiriços e de comércio. É uma infra-estrutura do mercado financeiro na China. O CIPS foi planeado para ser desenvolvido em duas fases. A primeira designada por, CIPS (Fase I), teve lugar a 8 de Outubro de 2015. O primeiro grupo de participantes directos é constituído por dezanove bancos chineses e estrangeiros, que foram criados na China e cento e setenta e seis participantes indirectos que abrangem seis continentes e quarenta e sete países e regiões.

O CIPS assinou um memorando de entendimento com a SWIFT, para a sua implantação como um canal de comunicação seguro, eficiente e confiável para a ligação do CIPS com os membros da SWIFT, o que proporcionaria uma rede que permite que as instituições financeiras em todo o mundo, possam enviar e receber informações sobre transacções financeiras em um ambiente seguro, padronizado e confiável. O CIPS é por vezes referido como o “Sistema de Pagamentos Internacional da China”.

Tendo sido apresentado primeiramente como alternativa ao SWIFT, com vista a processar pagamentos internacionais denominados em RMB, nunca irá substituir o SWIFT, porque 45 por cento das transacções internacionais são denominadas em dólares e todos os bancos internacionais terão a necessidade de aceder ao sistema bancário americano. Todavia, com o CIPS a funcionar bem, alguns bancos internacionais poderiam decidir operar sem a licença da banca americana e os Estados Unidos teriam menor autoridade para impor regras a bancos não americanos.

19 Out 2016

O 67.º aniversário da República Popular da China

“The decade under Xi’s leadership, from 2012 to 2022, is going to be a pivotal one as he is determined to lead China towards national rejuvenation at a time when sustaining a fast rate of growth is becoming increasingly challenging. China’s reforms have reached a stage where a crucial decision has to be made. Just prior to Xi taking over in 2012, when all Chinese leaders were reformers, it was not clear where that reform was heading or what the next stage would look like. China could stay the course or embark on an ambitious process of rebalancing the economy, with all the potential benefits and risks this would entail. As top leader Xi is not happy to rest on his laurels or muddle through. He is determined to use his decade in power to leave his mark.”

China in the Xi Jinping Era
Steve Tsang and Honghua Men

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sexagésimo sétimo aniversário da República Popular da China (RPC), proclamada por Mao Tsé-Tung a 1 de Outubro de 2015, demonstra à saciedade o sucesso da denominada economia socialista de mercado, que permitiu em trinta e oito anos transformar um país de população maioritariamente rural, na segunda potência económica mundial, pelo que só revisitando o passado se pode entender o enorme salto em frente dado pela China, em tão curto espaço de tempo.
A história do comércio externo chinês começou com a dinastia ocidental Han de 206 a.C. a 9 d.C., durante a famosa rota da seda, através da qual a Ásia Central era explorada por enviados chineses e durante as dinastias posteriores, os navios chineses comerciavam por todo o caminho marítimo da Ásia, tendo como destino final a costa africana, enquanto as caravanas estendiam os seus contactos comerciais pela Ásia Central e Médio Oriente. Este e muitos outros numerosos factos impossíveis de enumerar em detalhe, confirmam que em termos históricos a China não só foi berço de uma civilização, mas também, uma potência comercial, mesmo que em sentido inverso ao da globalização dominante e perversa, completamente capitalista, tendo evoluído os seus sistemas políticos e comerciais, com o fim de sobreviver a tal processo mundial.
A política económica da China tem por base o denominado modelo de economia socialista de mercado. O regime de governo da China é uma República Popular Comunista, alicerçada numa Constituição. A sua economia, de igual modo pode-se considerar rígida e dirigida pelo Estado, e fundamenta-se num pacto entre este e os trabalhadores, em matéria industrial, e com os camponeses, em matéria agro-pecuária.
A política económica da RPC foi originalmente fundada na direcção da política industrial, agrícola, monetária e comercial pelo governo, com a colaboração das demais autoridades e do Comité Central do Partido Comunista. Todavia, os líderes da China, ao invés dos ex-líderes soviéticos que permaneceram agarrados ao seu modelo económico tradicional, sem aceitar a necessidade de se acomodarem às mudanças da economia mundial, essencialmente comercial, previram a necessidade de transformar a sua economia, para se adaptarem às tendências internacionais em voga.
A inclusão da China como competidor comercial estratégico na nova ordem económica mundial não é um fenómeno recente, mas que obedece a um esforço contínuo de cerca de quatro décadas, muito antes da previsão da queda do muro de Berlim, fragmentação da ex-União Soviética, e do bloco socialista, ou seja, os líderes chineses desde o final de 1978, tentaram mudar a sua economia, baseada no modelo soviético de planeamento centralizado, por um de mercado orientado, mas controlado pelo Partido Comunista, passando a agricultura a um sistema centralizado, substituindo o anterior sistema baseado na colectivização, aumentaram os deveres dos que exerciam cargos directivos nas indústrias, permitiram uma grande diversidade de pequenas empresas e abriram a economia ao investimento estrangeiro e ao comércio externo.
As reformas introduzidas, podem ser consideradas como a chave para o desenvolvimento e transformação da economia chinesa, levando ao estabelecimento de relações económicas com outros países através do comércio, investimento estrangeiro, bem como da criação de vários consórcios transnacionais industriais e comerciais. As boas oportunidades comerciais sempre estão relacionadas com a boa situação económica de um país.
Quanto ao sector agrícola e industrial, a produção agrícola duplicou na década de 1980 e a indústria melhorou significativamente, especialmente nas zonas do litoral próximas de Hong Kong e afastadas de Taiwan, onde a ajuda externa e os modernos métodos de produção tinham sido aperfeiçoados, quer a nível da produção local, como das exportações. O PIB triplicou comparativamente com o de 1978, e foi aumentando gradualmente em termos económicos, até atingir a média de 10 por cento na década de 1990. O governo estabelece políticas de emprego da população à medida que reestruturava e aperfeiçoava os sistemas administrativos do Estado, e preparava as condições, que culminaram com a transformação de uma economia centralizada, por uma economia dinâmica.
É de recordar que foi aprovado um conjunto de reformas de longo prazo, em 1993, para melhorar as leis de mercado e reforçar o controlo central financeiro, fiscalizando as indústrias chave da economia socialista de mercado. O governo, ao mesmo tempo, esforçou-se em manter as grandes empresas estatais, muitas das quais não tinham participado no despertar da economia. Assim, no desenvolvimento da economia chinesa, durante o tempo que realizou a sua adaptação às tendências dominantes da economia internacional, o Estado levou a cabo a transformação de forma gradual, equilibrada e coerente, dado incorporar todos os sectores produtivos, pois não se abriu imediatamente, mas foi preparando as condições necessárias para que conseguisse tal objectivo de forma plena, efectiva e permanente, sem efeitos de retrocesso ou de tipo negativo.
Além disso, uma das estratégias que permitiram a RPC impulsionar o seu crescimento comercial, eliminando um conjunto de impostos que fizeram diminuir o consumo interno e, simultaneamente são abertas as Zonas Económicas Especiais (ZEE), no litoral oriental, praticando o livre comércio com o resto do mundo, desde a América do Sul à União Europeia (UE). A China praticou um conjunto de reformas na estrutura do comércio externo, tendo preparado as condições de forma equilibrada, quer para o mercado interno, como externo.
As reformas ao comércio externo, podem-se notar na ampliação das atribuições e competências das instituições de poder local ao avaliarem e autorizarem as exportações, promovendo a autonomia de gestão e exportação das empresas de comércio externo, tendo sido alterada basicamente a velha estrutura pela qual o comércio externo era gerido de forma monopolista pelo Estado, encontrando-se altamente concentrado, e não estavam separadas as funções governamentais das actividades empresariais e se administravam de forma unificada os ganhos e as perdas.
O Estado reduziu gradualmente a administração dos planos de carácter directivo no comércio externo e das respectivas empresas, estabelecendo o sistema de administração que regula o comércio externo, bem como os impostos aduaneiros, taxas de câmbio e créditos, atribuindo poderes às administrações públicas locais para fomentar, gerir e apoiar as actividades de comércio externo, assim como agilizar a tramitação processual, evitando a submissão à gestão directa dos órgãos do governo central. O sistema adoptado pela RPC, como parte do seu processo de incorporação e adaptação às transformações da economia mundial, no quadro da globalização, conserva as características do governo socialista.
O pilar vital denominado de sectores definitivos da economia chinesa é a indústria e o campo, detendo a propriedade de mais de 80 por cento das empresas que os integram. O mesmo sucede com os sectores estratégicos da economia chinesa, em matéria de petróleo e energia eléctrica, o governo conserva a exclusividade da propriedade e gestão das empresas que exploram, processam e distribuem esses valiosos recursos. As empresas do sector dos produtos de consumo, ou indústria ligeira, como sejam as motocicletas, electrodomésticos e computadores, entre muitos outros, estão abertas ao investimento estrangeiro, sendo que 90 por cento das empresas deste sector, é propriedade privada e detido por empresas estrangeiras. Neste ramo de produção chinesa não existe controlo, nem restrições do Estado.
A China decidiu adoptar o modelo económico de economia socialista de mercado, em conformidade com o decidido durante a III Sessão Plenária do XI Comité Central do Partido Comunista, realizada em 1978. Antes dessa data, quando se iniciou a reforma e abertura, o governo fixava os preços da maioria dos produtos do mercado. Após 1978, à medida que se foi alterando o sistema de economia planificada e se aprofundava gradualmente a reforma da economia, apareceram um após outro, os mercados de mercadorias, financeiros, tecnologia e de trabalho.
A China tinha passado do sistema de economia planificada e centralizada para o de sistema preliminar de economia de mercado socialista, sendo reforçado o papel de regulação do mercado sobre a economia. A III Sessão Plenária do XI Comité Central do Partido Comunista, tomou a resolução mais revolucionária e estratégica da sua história, que veio determinar o futuro da China, ao transferir o centro de gravidade dos trabalhos para a modernização socialista e aplicar a política de reforma e abertura que se iniciou primeiro nas zonas rurais. Os princípios da década de 1980, e após a reforma e abertura com o alargamento do mercado de mercadorias e a mudança da relação entre a oferta e procura, são marcados pelas medidas tomadas pelo governo, que permitiram realizar de forma planificada e metódica a reforma dos preços.
Existiam três tipos de preços, os fixados e orientados pelo governo e os regulados pelo mercado que aumentavam constantemente. A III Sessão Plenária do XII Comité Central do Partido Comunista, realizada em 1984, aprovou a resolução acerca da reforma da estrutura económica, passando a reforma e abertura do campo à cidade.
É enorme a importância económica que teve a China desde os primórdios dos tempos antigos, quer por ser um dos berços centrais da humanidade, como por ser berço de alguns dos avanços tecnológicos mais valiosos da humanidade, com todas as implicações que tiveram historicamente do âmbito da economia (a dominação militar foi possível, entre outras, devido à invenção da pólvora, recordando que suportado na dominação foi a forma que permitiu às potências europeias construir impérios e ter colónias pelo mundo). Mas apesar de ser um importante centro financeiro global, a China nunca apoiou esse apogeu no comércio externo. Anos percorridos, a China reencontra-se e é a segunda potência económica mundial, sendo o maior exportador e o terceiro maior importador a nível mundial.

29 Set 2016

A 11.ª Cimeira do G20 na China

“At this year`s G20 Summit, held in east China`s Hangzhou on September 4 and 5, countering protectionism and stepping up international economic governance in the midst of globalization were among the hot topics for discussion. The setting of this agenda shows that the world`s major economies are all trying to safeguard and push forward economic globalization, which is regarded as the foundation for the integration and progress of human society.”

Beijing Review, Vol.59 No.36 September 8, 2016

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 11.ª Cimeira das vinte maiores potências desenvolvidas e emergentes, a nível mundial, realizou-se entre 4 e 5 de Setembro de 2016, em Hangzhou, na República Popular da China. A China como país anfitrião da Cimeira teve a grande oportunidade de mostrar-se como uma potência global face aos principais líderes mundiais. O governo chinês preparou a cidade, famosa pelas ilhas que pontilham o seu Lago Oeste, encerrando a actividade de centenas de fábricas, para garantir um céu azul e implementou medidas de segurança rigorosas.
O tema da Cimeira foi “Para uma economia mundial inovadora, dinamizada, interligada e inclusiva”. Os líderes dos países aprovaram a discussão centrada no reforço do crescimento do G-20, procura de políticas e conceitos de crescimento inovadores, construção de uma economia mundial aberta e garantia de que o crescimento económico beneficie todos os países e populações.
Apesar dos líderes mundiais se encontrarem num momento de incerteza económica e fraco crescimento económico global, a ausência de uma crise urgente fazia acreditar que o encontro criasse poucos avanços em relação à 10.ª Cimeira do G-20 realizada em Antália, na Turquia, entre 15 e 16 de Novembro de 2015, que tinha como principais temas de agenda, dar uma resposta colectiva à crise dos refugiados, emprego, crescimento e investimento, bem como a questão do emprego dos jovens e a inclusão social, o combate à fraude e à evasão fiscais, a abertura comercial e as negociações da ONU em matéria de alterações climáticas.
O G-20 é o grupo dos 20 países (G20), incluindo as dezanove maiores economias mundiais e a União Europeia (UE), que conjuntamente, representam 85 por cento do PIB mundial e dois terços da sua população. A Cimeira tratou primeiramente de política económica e financeira, mas para os líderes reunidos foi também, a oportunidade para sociabilizar e enfrentar os temas urgentes e sensíveis da agenda, desde as crises geopolíticas até às alterações climáticas.
A primeira Cimeira do G-20 realizou-se em 1999, após o embate provocado pela crise financeira asiática, que mostrou a urgente necessidade de uma maior coordenação global. O Grupo dos 7 (G7), que constitui o exclusivo clube dos países mais desenvolvidos do mundo não inclui potências como o Brasil, China e Índia, que começavam a ter um papel cada vez mais importante na economia mundial. As Cimeiras no inicio eram encontros meramente técnicos entre ministros, mas após a crise sistémica global de 2008, passaram a ser ao nível dos líderes dos países, tentando prevenir o colapso do sistema financeiro global.
Quanto aos sucessos alcançados não existe unanimidade, pois pode ser visto como algo de importante para coordenar as políticas económicas, ou pode ser entendido como pouco mais que um grande palco de discursos e amena cavaqueira. O que seguramente se pode afirmar, é que as Cimeiras produziram uma longa lista de promessas. A Cimeira de 2015, na Turquia, foi pródiga, tendo os líderes dos países feitos cento e treze promessas sobre diversos temas, desde o corte de subsídios até ao aumento da ajuda aos refugiados, mas o fracasso da Cimeira no cumprimento das promessas do passado, aumentou as interrogações sobre a credibilidade das promessas no futuro. O estudo da Universidade de Toronto revelou que o cumprimento de treze promessas prioritárias feitas em 2015 era de cerca de 77 por cento.
As previsões dos analistas para a Cimeira em Hangzhou, era da improbabilidade de ter algum resultado significativo. Sem nenhuma aguda crise que empurre à mudança, o sentimento geral de anti-globalização torna difícil para muitos líderes fazerem sérios compromissos. A directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), advertiu que o mundo enfrenta uma mistura potencialmente nociva de baixo crescimento a longo prazo e uma crescente desigualdade social, criando tentações políticas populistas e barreiras tarifárias mais elevadas.
A Cimeira é um marco de referência para a China, desde que o mundo se direccionou ao país que está no centro do planeta Terra para sair da crise financeira de 2008, tendo o governo chinês advertido com crescente urgência, merecer ter um papel mais adequado à sua condição de segunda economia mundial. O G-20 é a maior e mais prestigiada Cimeira organizada pelo gigante asiático. Apesar de não ter sido uma entronização, o presidente chinês quis mostrar ao mundo e aos seus adversários políticos que a China é uma nação poderosa, capaz de assumir um papel de guia da economia mundial.
Os países durante a Cimeira tentaram encontrar soluções para a revitalização da economia global. Os líderes dos países do G-20 tinham por objectivo reactivar a deprimida economia mundial, pese a relutância de muitos países à globalização e as tensões territoriais da China com alguns dos seus vizinhos, terem ensombrado a Cimeira. A China queria projectar uma imagem de grande potência, segura de si e consolidada como segunda economia mundial. A Cimeira começou de forma auspiciosa a 3 de Setembro de 2016, com o anúncio conjunto do presidente chinês e americano de ratificar o histórico Tratado de Paris sobre o clima e que pode encorajar outros países a tomar idêntica atitude e acelerar a sua entrada em vigor.
O Secretário-geral da ONU, que recebeu das mãos do presidente chinês e americano, os documentos oficiais de ratificação, salientou que se tratava de um passo histórico na luta contra as alterações climáticas. É de recordar que os Estados Unidos e a China são as duas economias mais poluidoras do mundo. Os problemas geopolíticos, incluindo a guerra na Síria ou as tensões no Mar da China Meridional poderiam afastar a abordagem das questões económicas pelo que ficaram à margem da Cimeira. A China tenta evitar a discussão acerca das suas ambições nesse mar, mas os seus vizinhos encontram-se preocupados pela recente construção na zona de infra-estruturas, que incluem pistas de aterragem em recifes e ilhotas que a China reclama, mas que os seus vizinhos as disputam.
O Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia expuseram numa carta conjunta enviada aos Chefes de Estado e de Governo dos Estados membros da UE, as principais questões que deviam ser tratadas na Cimeira, como o papel do G-20 face à crise internacional de refugiados, emprego, crescimento e investimento, transparência fiscal internacional e luta contra o financiamento do terrorismo, resiliência do sistema monetário e financeiro internacional, abertura do comércio e investimento, aplicação da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e ratificação do Tratado de Paris sobre alterações climáticas.
O presidente dos Estados Unidos na primeira sessão plenária, afirmou que as economias crescem melhor quando todos participam desse crescimento, solicitando que fossem tomadas medidas que garantam a não aplicação de novas receitas proteccionistas e populistas. O presidente chinês por sua vez, manifestou-se contra o proteccionismo, dado considerar que o isolamento não ajudará nenhum país a sair da crise e face à tendência de alguns países mostrarem um comportamento contra a globalização, existe a necessidade de garantir uma economia global, aberta e inclusiva. É certo que a abertura económica conduz ao desenvolvimento e o isolamento ao atraso.
A China tinha proposto na 10.ª Cimeira do G-20 realizar um diagnóstico de saúde da economia mundial, encontrar a melhor prescrição e trabalhar com todos os países membros no sentido de encontrar a forma de atacar os sintomas e a raiz do problema, que poderá materializar-se num “Plano Hangzhou”. O presidente chinês apostou em aproveitar o momento histórico que representam as novas tecnologias, tendo insistido que todos os países, devem trabalham em conjunto de forma a poderem maximizar os efeitos positivos da revolução tecnológica e minimizar, os seus aspectos negativos. O presidente chinês face às críticas por parte dos empresários europeus sobre as restrições que sofrem as empresas estrangeiras na China, insistiu que o seu país continuará no caminho da abertura e facilitará o acesso ao investimento.
O Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia tinham definido as prioridades da Cimeira como sendo o livre comércio, crise dos refugiados, crescimento do emprego, estabilidade financeira e transparência fiscal. O G-20 tem de melhorar a forma de comunicação dos benefícios do livre comércio, e dar o empurrão político necessário para libertar a liberalização do comércio multilateral que está estagnada.
O comunicado final da Cimeira referiu a crise migratória e de refugiados, tendo sido unanimemente acordado a necessidade de unir esforços à escala mundial para fazer frente às consequências, carências de protecção e causas profundas das crises. Fizeram um apelo a favor da necessidade de intensificar a ajuda humanitária e o realojamento dos refugiados. Quanto à luta contra o terrorismo, foi reafirmado a sua solidariedade e determinação, bem como o compromisso de combater o seu financiamento. A Cimeira também ressaltou, a importância da adesão, o mais breve possível, ao Tratado de Paris sobre alterações climáticas. As principais economias mundiais expressaram a sua determinação de usar todos os instrumentos políticos, incluindo a política monetária, fiscal e estrutural para alcançar um crescimento enérgico, sustentável, equilibrado e integrador, pondo em execução o “Plano de Acção de Hangzhou” e exortando a uma rápida e plena execução das estratégias de crescimento.
A Cimeira prevê o inicio da cooperação em matéria de inovação, da nova revolução industrial e da economia digital. Os líderes aprovaram o plano geral do G-20 em matéria de crescimento inovador, incluindo medidas neste âmbito. Foi debatida a forma de como seguir a construção de um sistema financeiro aberto e flexível, apoiando a cooperação fiscal internacional. Foi acordado reforçar uma economia aberta e promover os benefícios do comércio e dos mercados abertos, assim como, a contribuição para a execução da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. À margem da Cimeira o Presidente do Conselho Europeu e o Presidente da Comissão Europeia, reuniram-se com o presidente turco para discutir as relações entre a UE e a Turquia, referente à cooperação contínua em matéria de migração, denegrindo mais os princípios e valores constitucionais da Europa ao manterem diálogo com um ditador que tudo tem desrespeitado em matéria de direitos humanos, depois do falacioso golpe de estado.
Assim, foi aprovado na Cimeira do G-20 de Hangzhou, reforçar o programa do G-20 para o crescimento, pôr em prática políticas e conceitos de crescimento inovadores, construir uma economia mundial aberta, garantir o crescimento económico que beneficie todos os países e pessoas, combater a crise migratória e de refugiados, lutar contra o terrorismo e as alterações climáticas.
Ficou acordado que a 12.ª Cimeira do G-20 se realizará na Alemanha, em 2017.

21 Set 2016

A morte do sonho presidencial de Donald Trump

“A President commands respect and requires people to look up to them in awe, but Trump has been the butt of jokes around the world for a while now. From his hideous hair to his attitude on the television show he hosts to the “infrastructure” his company builds – everything he does is a subject of roasts across the world. Do we really need a guy who is the center of jokes to be the most powerful person in, and the face of, our nation? This man will push back America’s cultural progress by about four to five decades, if not more! He is also one of the stupidest people to run for this position!”
Donald Trump: The Top Reasons He Must NOT Win The 2016 Presidential Election
Joseph Stewart

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]candidata presidencial democrata fez um longo, cerrado, atiçado e bem fundamentado discurso em Columbus, Ohio, a 21 de Junho de 2016, criticando magnificamente o plano económico do magnata e candidato republicano, que enviaria directamente todos os americanos para uma recessão, caso fosse eleito presidente, e que ficaria conhecida como a “Recessão Trump”.
Os mais prestigiados economistas de todos os quadrantes políticos dão a entender que as ideias do candidato republicano seriam economicamente desastrosas. Efectivamente Donald Trump escreveu muitos livros sobre negócios, mas todos parecem terminar no capítulo onze, numa irónica referência feita por Hillary Clinton ao “Código de Falências dos Estados Unidos”, em que o criticado afirmou que tudo faria para encontrar uma solução para o reembolso integral dos títulos da dívida soberana americana.
A candidata democrata que à data se encontrava praticamente nomeada candidata presidencial pelo Partido Democrata, afirmaria que a confiança que o mundo tem nos Estados Unidos e o crédito que lhe é dado, não dá lugar a jogos de qualquer natureza, e que poderiam causar uma catástrofe económica. A verdade é que mesmo que os Estados Unidos vendessem todos os aviões, a “Estátua da Liberdade”, ou se permitissem algum multimilionário converter o “Parque Nacional de Yosemite”, em um clube de campo privado, não conseguiria aproximar-se do valor da dívida.
A dívida dos Estados Unidos é de tal grandeza, que é de crer que ambos os candidatos não têm uma ideia correcta, o que explica que a ignorância do candidato republicano seja superior a essa dimensão, permitindo-lhe brincar com a dívida. É de lembrar a persistente negação do candidato republicano de publicar a sua situação fiscal, uma tradição nas campanhas presidenciais, e que o magnata afirma ser impossível de o fazer, porque está a ser objecto de uma auditoria pelo “Internal Revenue Service (IRS) ”, que é um serviço da receita do Governo Federal dos Estados Unidos e que faz parte do Departamento do Tesouro.
O que receia? Talvez queira que os americanos desconheçam que não pagou os impostos correspondentes às suas descomunais receitas, ou porque talvez não seja tão rico como diz, ou que não tenha contribuído tanto para obras de caridade como alardeia. Todavia, os americanos devem conhecer a sua situação fiscal, antes de 8 de Novembro de 2016, data da realização da 58.ª eleição presidencial dos Estados Unidos. A candidata democrata destruiu, assim, ponto por ponto, o plano económico do seu oponente nesse mordaz discurso que considera Donald Trump, como demasiado perigoso para gerir a economia dos Estados Unidos.
A ex-secretária de Estado, Hillary Clinton foi nomeada oficialmente candidata presidencial pelo Partido Democrata, na “Convenção Nacional do Partido Democrático”, a 26 de Julho de 2016, obtendo os votos de mais de dois mil e trezentos e oitenta e dois delegados na “ Wells Fargo Center” de Filadélfia, tornando-se a primeira mulher a representar um dos principais partidos políticos dos Estados Unidos, cabendo-lhe a árdua tarefa de unir o partido atrás da sua candidatura.
Terminou o tempo dos risos, piadas e palhaçadas, não apenas para o lado Republicano, mas também para o lado dos seus adversários. O caricaturado pretendente republicano converteu-se primeiro que Hillary Clinton, em oficial candidato presidencial pelo Partido Republicano, com uma liderança conservadora que perdeu o contacto com a realidade. A “Convenção Nacional do Partido Republicano”, realizou-se na “Quicken Loans Arena” em Cleveland, Ohio, de 18 a 21 de Julho de 2016, escolhendo os candidatos a Presidente e Vice-presidente dos Estados Unidos às eleições presidenciais. Existia a possibilidade de uma manobra para o fazer renunciar ao cargo durante a convenção do partido, mas que o iria fragmentar ainda mais nas várias facções existentes e quiçá nunca recuperasse.
Assim lançados os dados, serão todas as oportunidades de Hillary Clinton? Terá de enfrentar o tagarela de Donald Trump, que deixará detalhadamente registado tudo o que pensa sobre as mulheres, em geral, e sobre a sua oponente, em particular. Donald Trump parece que não terá a possibilidade de ganhar as eleições presidenciais, como punição pela tumultuosa, insidiosa e insultante campanha que realizou até ao momento, repleta de escândalos e conseguindo como nenhum outro candidato arrecadar ódio e dividir os americanos, principalmente os do seu partido, num juízo racional, mas será que na realidade, não terá mesmo a possibilidade de ganhar as eleições presidenciais?
O mesmo se dizia da sua potencial candidatura e tudo indica que a ordem política perdeu o contacto com o seu eleitorado. O aparecimento e aumento quase irresistível de popularidade de Donald Trump, explica-se pela ligação de três décadas contínuas de recuo e declínio das classes médias americanas e da estagnação do crescimento na produtividade que o país experimentou durante um século e meio. Existe muita raiva que é traduzida de alguma forma, no favorecimento de candidatos muito afastados do modelo presidencial tradicional.
O destino dos Estados Unidos, naturalmente preocupa os americanos, mas também o resto do mundo. Daí que muitos se interroguem que se por mero acaso, Donald Trump viesse a ganhar as eleições presidenciais, que faria em matéria de política externa? Ao longo da sua virulenta campanha deu pistas e sinais claros do que seriam as suas acções, desde logo sobressaindo a ideia de que as alianças pagam-se, ou seja, quem queira ser protegido pelos Estados Unidos deve pagar por essa protecção. O candidato presidencial republicano, defende que a Europa deve suportar na totalidade as despesas que os Estados Unidos gastam com a sua presença na NATO. Todavia esquece-se que a defesa do Atlântico Norte é uma questão primordial para segurança do país, e é uma região estratégica de eleição, impensável de ser posta em causa e sequer discutida.
Tal pensamento tem Donald Trump afirmado e propagado sem meias tintas, pois afirma que milhões de dólares são gastos em aviões, mísseis, barcos e toda a logística envolvida que tais acções não podem ser gratuitas. Os Aliados devem reintegrar o total ou grande parte dessas despesas, o mesmo sucedendo na Ásia, com o Japão e outros países protegidos pela frota do Pacífico, o que iria em sentido oposto ao que está a fazer o actual presidente americano.
O candidato presidencial republicano, ainda que as suas ideias não tenham em conta o sentido da história, razoabilidade e o equilíbrio dos interesses em presença, esclarece que não pediria a esses países que aumentem a sua despesa militar e não reclamaria que paguem as despesas de grande parte das bases americanas no exterior, mas exigiria que os países sob protecção americana, suportassem uma parte significativa do orçamento da defesa dos Estados Unidos, para continuarem a usufruir da permanência das forças armadas americanas nessas regiões.
O montante poderia ser de várias centenas de milhões de dólares anualmente, mas como nenhum país estaria disposto a pagar tal contribuição, o candidato presidencial republicano em total irresponsabilidade e falta de senso, remata que não restaria outro remédio que o de acabar com os actuais compromissos. Donald Trump não acredita que os Estados Unidos tenham interesses estratégicos nos continentes Europeu e Asiático, interpretando muito bem, o sentimento de muitos americanos que pedem uma retirada da América, e um retorno ao isolacionismo dos princípios do passado século.
O próximo presidente da União, quem quer que seja, sofrerá uma enorme pressão popular, contra o envolvimento dos Estados em todos os problemas e regiões do planeta. Talvez não se tenha entendido bem, que se deu uma mudança fundamental nas visões políticas dominantes nos Estados Unidos, pois vastos conjuntos de eleitores, classes médias e baixas, brancas, negras e latinas culpam a globalização, a cobiça desmedida das empresas, por todos os sofrimentos que tem passado, em especial, a falta de esperança em uma vida melhor para os seus filhos e netos.
Se Hillary Clinton vier a ganhar as eleições presidenciais americanas, como prevêem as sondagens de 5 de Agosto de 2016, que lhe dão 47, 4 por cento das intenções de votos, contra 40,6 por cento atribuídas a Donald Trump, a sua política será de desenvolvimento na continuidade da seguida por Barack Obama, tanto mais que a economia americana continuará a crescer 3,7 por cento no terceiro trimestre de 2016.
O candidato presidencial republicano está a atrair cada vez mais críticas, quer no seio do seu partido, como no partido rival, acerca dos comentários sobre os pais de Humayun Khan, capitão do exército americano, muçulmano-americano, falecido em combate, e cujo pai deu um inflamado discurso na “Convenção Nacional Democrata”. O presidente Barack Obama afirmou que Donald Trump não estava preparado para assumir a presidência dos Estados Unidos, e vários nomes sonantes do Partido Republicano, têm afirmado que irão votar na candidata democrata. A continuar este percurso, Donald Trump talvez se auto-destrua antes das eleições presidenciais, levando consigo a reboque o Partido Republicano, morrendo o seu sonho de ser presidente dos Estados Unidos.

16 Ago 2016

O sonho ditatorial de Erdogan

“As an authoritarian leader, Erdogan maintains absolute control over the country. This is why he wants to exterminate the Hizmet Movement, the biggest obstacle on the way to build his own regime. If Turkish people choose to go with Erdogan, will that trigger chaos in Turkey? Well, systems are built into the fabric of nature. That is, while things seem to tend toward chaos, what really happens is that one system evolves into the next. In that case, we can predict that it wouldn’t be a democracy.”
Hungry for Power: Erdogan’s Witch Hunt and Abuse of State Power
Aydogan Vatandas

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s militares na Turquia desempenham um papel fundamental desde a proclamação oficial da República da Turquia a 29 de Outubro de 1923, como sendo oficialmente a sucessora do Império Otomano, extinto a 1 de Novembro de 1922. O pai da nova nação foi Mustafa Kemal Ataturk, um militar que sempre foi visto como o garante dos valores fundamentais do país, como os conceitos de nação, democracia, laicismo e ordem. A Turquia, infelizmente, é um país acostumado a golpes militares. A jovem nação turca, viveu três golpes de Estado, em menos de um século de existência. O duvidoso pronunciamento militar eleva esse número para um total de cinco sublevações.
O primeiro deu-se em 1960, quando o general Cemal Gürsel, revoltou-se contra o governo de direita que foi acusado dos males que o país padecia e da sua submissão aos Estados Unidos e crise de pobreza da população. Os líderes do golpe, que poderiam ser considerados seguidores de Kemal na sua vertente mais moderna, derrubaram o governo e formaram uma assembleia para redigir uma nova Constituição, a de 1961, considerada a mais progressiva da história da Turquia. Após o golpe, retiraram-se e transferiram de novo o poder para as forças políticas. Todavia, julgaram e executaram os antigos governantes.
O segundo golpe, considerado suave, deu-se em 1971. Os militares naquela época, não optaram pela força, mas pelo envio de cartas aos membros do governo advertindo-os da situação, tendo a 12 de Março de 1971, o Chefe do Estado Maior, feito ao então primeiro-ministro, um verdadeiro ultimato e de novo, a petição de rasgado cariz kemalista, exigia em particular, a formação no quadro dos princípios democráticos, de um governo forte e credível, para neutralizar a situação anárquica que se vivia e que inspirado nas ideias de Ataturk, implementasse as leis reformistas previstas pela Constituição. Se as exigências não fossem atendidas, o exército deveria exercer o seu dever constitucional.
O golpe foi pacífico e a advertência derrubou de novo o governo, tendo sido empossado rapidamente um novo governo que concordou em cumprir, as reformas exigidas pelos militares. O terceiro golpe de Estado foi em 1980, seguindo a triste tradição de uma rebelião militar em cada década. O golpe foi liderado pelo general Kenan Evren, e as suas consequências foram muito piores para o povo turco, uma vez que compreendeu a instauração de um breve, mas repressivo regime militar por três anos. A grave crise e a proliferação de grupos fanáticos religiosos, e de extrema-direita e esquerda, que tinham causado numerosos mortos nas ruas foram os responsáveis, tendo os militares de intervir de novo.
O golpe deu-se a 12 de Setembro de 1980, e foi o mais sangrento da história do país, dado que cento e cinquenta mil pessoas foram detidas, praticaram-se assassinatos e muitas pessoas desapareceram, sem nunca ter havido um esclarecimento. Existe um véu negro e silenciado que cobre a realidade desses acontecimentos. Além da dura repressão, o golpe produziu a Constituição de 1982. Apenas há cinco anos, os turcos puderam avaliar os graves acontecimentos do golpe, e em 2010 foi eliminada a lei que protegia os golpistas, incluindo o general Evren, que foram julgados e condenados a prisão, em 2014. A 30 de Junho de 1997, houve uma intervenção política sem golpe.
O presidente Erdogan, após ter sido eleito, nas eleições realizadas a 10 de Agosto de 2014, com 54,7 por centos dos votos e tomado posse a 28 de Agosto de 2014, mudou-se para um palácio, com mais de mil quartos, em Ancara. Tal gesto de ostentação está em conformidade com a vaidade do líder turco de se tornar uma espécie de novo sultão. Durante os anos que exerceu o cargo de chefe de governo, impulsionou uma perigosa islamização do país e aprovou todo o tipo de legislação, para transformar a saudável democracia secular, num regime cada vez mais conservador, e oposto aos valores e tradições ocidentais, afastando a Turquia de uma possível adesão à União Europeia (UE) e que os líderes europeu não têm sabido ou querido ver. O presidente Erdogan pretendia ir ainda mais longe nas suas desvairadas ideias, e tentou emendar a Constituição, de forma a adoptar um regime presidencial, que lhe permitisse deter plenos poderes executivos. Todavia, apesar dos esforços, o sonho de Erdogan para emular os monarcas Otomanos desapareceu, após o resultado das eleições legislativas de 7 de Junho de 2015.
Ainda que a sua formação política e o governante ‘Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, sigla na língua turca) ”, tenham ganho as eleições com 40,9 por cento dos votos, a perda da maioria absoluta, depois de treze anos de governo, constituiu um recuo, que o impediu de realizar as desejadas reformas, como a da Constituição. Tratou-se de uma votação punitiva por parte das amplas camadas sociais, preocupadas com os desvios autoritários de Erdogan. As manifestações massivas de indignação no emblemático Parque Gezi, em Istambul, em 2013, tinham mostrado anteriormente como franjas da sociedade, sobretudo de jovens, minorias étnicas e classe média instruída das grandes cidades, estavam dispostas a enfrentar o regime.
A grande parte desse descontentamento foi capitalizada nas eleições legislativas pelo partido pro-curdo, “Partido Democrático do Povo (HDP, na sigla em língua turca) ”, que pela primeira vez teve assento no Parlamento. Apesar da desvantagem que previa a necessidade de atingir o limiar de 10 por cento dos votos para conseguir representação, e o facto do problema curdo ser desde há décadas um dos temas mais espinhosos do país, o HDP conseguiu 13 por cento dos votos, em grande parte, devido ao facto de ter polido o seu carácter nacionalista curdo, para converter-se numa força de esquerda muito sensível aos problemas das minorias. Os votos no HDP foram decisivos para fazer descer do cavalo da maioria absoluta, o partido de Erdogan. O cenário dessas eleições mostrou a necessidade de uma coligação governamental, ou um governo de minoria, condenado a fazer acordos contínuos, algo que seria muito saudável, para conter o autoritário AKP.
O mesmo fenómeno de reislamização estende-se por toda a região e a revolta das pernas inundou as redes sociais da Argélia e Tunísia, numa campanha em que milhares de mulheres mostraram as suas pernas, como apoio a uma estudante argelina que não pode licenciar-se em Direito, porque um guarda impediu o seu acesso ao exame, alegando que usava uma saia muito curta. A instrumentalização política da religião é extremamente preocupante, como a existente na Turquia, polarizando a população que durante décadas tem convivido com parâmetros seculares muito saudáveis. Tendo-se revelado infrutíferas, todas as tentativas para se conseguir um acordo político que permitisse um governo estável, o presidente Erdogan marcou novas eleições legislativas para 1 de Novembro de 2015, tendo o seu partido, o AKP, conquistado a maioria com 49 por cento dos votos, obtendo a maioria no Parlamento, com trezentos e dezasseis assentos da totalidade dos quinhentos e cinquenta assentos, tendo o HDP recuado, passando de 13,1 por cento em 7 de Junho de 2015, para 10,7 por cento das intenções de voto.
A 15 de Julho de 2016, uma parte do exército turco parece ter tentado um golpe contra o governo do Presidente Erdogan, que exercitou tomar o controlo do país. As fontes presidenciais negaram a perda de controlo da situação e afirmaram que não tolerariam as tentativas de minar a democracia. O exército decretou o toque de recolher obrigatório em todo o país e a imposição da lei marcial. Os militares revoltosos num comunicado, reprovado pelo governo, argumentaram que agiam para manter a ordem democrática, os direitos humanos e o Estado de Direito. Os militares revoltosos afirmaram ainda, que um Estado de Direito Democrático e secular, estava a ser corroído pelo Presidente Erdogan, que apelidam de traidor. Defenderam a criação de um “Conselho de Paz” para garantir a liberdade dos cidadãos, independentemente da religião, raça ou língua.
As forças militares revoltosas ocuparam pontos estratégicos, como o edifício do Parlamento, que foi cercado por tanques e tomaram algumas instalações governamentais, a sede do partido de Erdogan, a televisão pública e os aeroportos. Os tanques controlaram o acesso ao Aeroporto de Ataturk, em Istambul, onde todos os voos foram suspensos. Os tanques tomaram também, posições nos arredores do Parlamento. Após a meia-noite, os tanques dispararam e os helicópteros atacaram a sede dos serviços secretos na capital do país, tendo um avião de caça derrubado um helicóptero utilizado pelos insurgentes. O Presidente Erdogan exortou o povo a resistir à tentativa de golpe de Estado, devendo ocupar as praças do país para dar ao exército a resposta necessário, pois o golpe não teria sucesso e seria frustrado cedo ou tarde.
O Presidente Erdogan de férias regressou a Istambul, cabendo ao primeiro-ministro controlar a situação que não poderia prejudicar a democracia, apelando à calma e advertindo que os responsáveis pagariam um alto preço, chamando o povo a combater a sublevação, caso a situação se agravasse. Após horas de confusão e agitação, com as duas facções das forças armadas digladiando-se, os seguidores do Presidente Erdogan escutaram o chamado do seu líder, e as praças e ruas das principais cidades do país, começaram a encher-se de multidões contrárias ao golpe. Os militares revoltosos começaram a sentir-se sem apoio e duvidaram do sucesso do golpe. Os seus presságios confirmaram-se e a maioria dos revoltosos desiste do seu intento e começou a entregar as armas.
O avião do Presidente Erdogan aterrou em Istambul e foi recebido por milhares de seguidores, afirmando aos meios de comunicação social que os implicados no golpe pagariam pelas suas acções, anunciando uma purga nas forças armadas para acabar com aqueles que não suportam uma Turquia unida. Após horas de incerteza, as forças armadas leais ao Presidente Erdogan dominaram a intentona, e iniciou-se uma monumental purga contra todos os responsáveis e apoiantes da tentativa de golpe. O saldo do golpe, que foi unanimemente condenado pela comunidade internacional, foi de duzentos e sessenta e cinco mortos, sendo cento e quatro mortos membros das forças armadas que se revoltaram e mil quatrocentos e quarenta feridos. O governo turco no seguimento da tentativa de golpe de Estado iniciou uma perseguição, tendo sido presos e suspensos de funções sessenta mil pessoas.
O governo prendeu treze mil militares, cerca de mil e seiscentos polícias e mais de dois mil e cem magistrados. As contas revistas e tendo a Turquia um poderoso exército, sendo a segunda potência militar no quadro da NATO, com um exército, força área e marinha eficaz, não se vislumbra a possibilidade de qualquer tentativa de golpe de Estado com um reduzido número de revoltosos, sem apoio da maioria do exército, marinha e força área, e apenas usando quatro helicópteros, que facilmente seriam todos abatidos por um só avião de combate. A realidade do acontecido não permite avaliar a situação com clareza, dado o pouco que transpareceu e se conhece, leva acreditar que tudo não passou de um monumental cenário bem orquestrado pelo Presidente Erdogan, pois foi o único beneficiado com a situação, instaurando a lei marcial, prendendo, afastando e suspendendo de funções todos os seus opositores, sem julgamento e processos disciplinares, dando-lhe finalmente o poder absoluto para alterar a seu bel-prazer a Constituição, formalizar o seu apetite devorador de poder, suspendendo as negociações de adesão com a UE, suspendendo a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e tentando restaurar a pena de morte, tornando-se no novo ditador dos Balcãs.
Face a este sinistro quadro, deve a UE suspender formalmente e de imediato todas as negociações com a Turquia e a NATO convidar a sair da organização, por violação grave dos princípios da democracia, das liberdades individuais e do respeito pelo direito, subjacentes ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington, a 4 de Abril de 1949.

28 Jul 2016

O sonho de uma paz impossível

“The crisis of the state and the role this plays in armed conflict can be precipitated by a number of processes. Corrupt governments pursue predation and clientelism in order to enrich themselves, repay supporters and pay-off potential adversaries. This weakens the legitimacy of the state because public goods are not delivered and groups that are not receiving the fruits of the government’s corruption become alienated. Consequently, these dispossessed groups on the periphery mobilize in violent opposition to the government, especially at times of crisis such as economic shocks.”
Understanding Civil Wars: Continuity and change in intrastate conflict
Edward Newman

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s conflitos armados em todo o mundo fizeram cento e sessenta e sete mil vítimas mortais, em 2015, sendo um terço relativo ao conflito sírio, de acordo com o relatório anual do “Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em língua inglesa) ”. O número é um pouco menor do apresentado em 2014, quando IISS previu em cento e oitenta mil vítimas. O conflito na Síria fez cinquenta e cinco mil mortos. As pessoas mortas na Síria, em termos relativos, representam 66 por cento de todas a vítimas do Médio Oriente e Norte de África. O relatório também indica que em 2015, foram frequentes os casos em que governos de países onde os confrontos ocorrem, conseguiram restabelecer com a ajuda dos seus aliados, o controlo dos territórios previamente ocupados pelos rebeldes.
Os especialistas constatam um crescimento acentuado de vítimas no Afeganistão, onde, de acordo com o estudo, em 2014 morreram quinze mil pessoas, enquanto em 2013, quando a “Força Internacional de Assistência e Segurança (ISAF) ” ajudou a garantir a segurança no país, o número de vítimas foi de três mil e quinhentas pessoas. Os conflitos no Afeganistão, América Central, Iraque, Nigéria, México e Síria, representam 80 por cento da totalidade das vítimas. Quanto aos refugiados sírios, a Europa provocou a avalanche de migrantes. O estudo aponta para um aumento dos refugiados e das pessoas deslocadas à força. O número de refugiados e de deslocados cresceu de trinta e três milhões em 2013 e quarenta e três milhões em 2014, para quarenta e seis milhões em meados de 2015.
A prevenção do crescimento requer que exista uma pressão sobre as partes em conflito, de forma a obrigar a cumprir a Convenção de Geneva, e assegurar o acesso à ajuda humanitária, bem como o de grandes esforços políticos para solucionar esses conflitos. A cada dia seu mal, e a cada ano as suas guerras, e 2016 não serão muito distintas. Além do Estado Islâmico, há uma série de conflitos armados e de tensões internas e internacionais que podem originar novas guerras. Embora não haja nenhuma região do mundo onde a violência política não se expresse, há conflitos muito localizados que não são títulos dos meios de comunicação social, como é o caso do sul da Tailândia, a recente crise no Burundi e os conflitos provocados pelos diferentes grupos rebeldes armados no México. O exército com fome de poder, e os conflitos entre as tribos tornam cada vez mais difícil a consolidação da democracia. Após o derrube de Gaddafi, a Líbia não encontrou a paz desejada
A política internacional de 2016 é marcada por alguns conflitos armados, como o da Ucrânia, o muito sensível de Israel-Palestina, as crises pós-revolução árabes do Iémen e da Líbia, e as guerras africanas do Mali e Sudão, sem esquecer o Estado Islâmico, que envolve as guerras do Iraque e da Síria. A guerra reavivou as tensões entre os Estados Unidos e a Rússia para controlo de portos estratégicos, como o de Sevastopol e da passagem de oleodutos de hidrocarbonetos fazendo recordar o ambiente hostil da Guerra Fria. Os interesses locais para superar a crise económica misturaram-se com os interesses de geopolítica e geraram um conflito com repercussões internacionais. A Ucrânia tem mostrado, assim como fez a Ossétia do Sul, a agilidade russa, a lentidão americana e a imobilidade europeia.
O grande desafio é conseguir que os Estados Unidos e a Rússia encontrem uma solução negociada, seguindo o exemplo de 2015 das negociações entre as potências ocidentais e o Irão, relativo ao seu programa nuclear. Quanto ao conflito israelo-palestiniano é comum dizer que não haverá paz no mundo até que exista no Médio Oriente, e que na região não existirá, até que haja na Palestina. Este conflito não é, como alguns pretendem fazer querer, nem milenário, nem religioso, ainda que contenha variáveis religiosas e históricas, podendo ser definido por uma ocupação de Israel do território da Palestina, que se consolida com a construção de casas nos colonatos israelitas em território ocupado, todos ilegais segundo o direito internacional humanitário.
A Palestina continuará a percorrer o mundo na procura do seu reconhecimento como Estado. É de prever que até ao final de 2016, aumente do número de países que irão reconhecer a Palestina como Estado, e que atingiu os cento e trinta países, favorecido pelos anúncios da entrada em vigor do acordo com o Vaticano e o eventual reconhecimento de novos países europeus, como anunciou a França, seguindo o exemplo da Suécia, com todas as consequentes políticas inerentes, mas sem prever uma próxima solução de fundo para o conflito. A guerra no Iémen é a soma de interesses pendentes, desde a unificação do país, em 1990, dos problemas de consolidação da democracia, das tensões inter-religiosas e inter-tribais e do fracasso da revolução árabe de 2011.
O Iémen é essencialmente um país multicêntrico, onde o controlo militar da sua capital, Sanaa, não significa a vitória, mas uma conquista. A grande tragédia do Iémen, agravou-se com o desembarque de tropas regionais sob a liderança da Arábia Saudita, que não pensavam na população civil, mas em outra frente de guerra que mantêm com o Irão e que leva a cabo em outros cenários, como o Bahrein e Síria, sendo que 80 por cento da população necessita de ajuda humanitária. A morte de civis por parte da coligação pouco tem ajudado, e 2016 não permite ser optimista, pois o Iémen poderá entrar em uma guerra de desgaste permanente, face à incapacidade política e militar, pela inexistência de um vencedor a curto prazo. O problema na Líbia não foi o derrube do ditador Gaddafi em 2011, mas a gestão do pós-guerra que terminou em uma nova fase de conflitos.
O atraso da resposta ao desejo democrático e os conflitos não resolvidos entre as cidades e as tribos, têm sido terreno fértil para o crescimento de posições radicais islâmicas que, eventualmente, as fizeram aproximar do Estado Islâmico. A revolta árabe de 2011, não resolveu os problemas do Iémen. Os conflitos civis acentuam-se, uma vez que a Arábia Saudita ocupa parte do seu território, que é zona estratégica na luta contra o Irão. Os novos líderes foram confrontados com o dilema de inventar uma nova Líbia, em questão de dias ou sucumbir, mas a imaginação tem um limite, especialmente quando durante mais de quatro décadas não existiu tradição organizada, nem experiências democráticas a recorrer antes da crise. As tensões entre regiões (Cirenaica contra Tripolitana), entre tribos, radicais e moderados, as fadigas do poder de uma parte do exército e a falta de capacidade de gestão, deixaram uma Líbia com mais frustrações que esperanças, enquanto os vazios do poder são utilizados pelo Estado Islâmico.
O Mali é um país que tem sido historicamente um intervalo de guerras adiadas com assinatura de acordos de paz não cumpridos. Esta constante, enquadrada na histórica discriminação da comunidade tuaregue, explodiu em uma nova revolta armada em 2012. Ao contrário dos anos anteriores, desta vez, os tuaregues conseguiram um avanço militar que serviu como desculpa para o desembarque francês no início de 2013. A guerra entre os tuaregues e o governo do Mali, criou vazios de poder, muito bem aproveitados pela “Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM, na sigla em língua inglesa) ” e outras milícias semelhantes que assumiram o controlo de uma parte do território. Assim, as linhas de conflito não são de todo claras, não apenas pelas dinâmicas de toda a guerra, mas pela indefinição dos actores, em uma confrontação na qual o terrorismo tem conquistado terreno.
Actualmente, o governo apresenta uma proposta de paz, cujos principais opositores são os tuaregues, cansados de tantos enganos resultantes de anteriores processos, e, paradoxalmente, uma parte da população civil de Bamaco, a capital, que é contrária ao processo de negociação e prefere resolver a situação por meio da guerra. O Sudão tornou-se independente em 1956, portador de graves tensões, entre uma capital centralista e exclusiva e áreas rurais abandonadas, sendo que uma das áreas mais rebeldes a esse modelo foi o sul, que desde 1980 se revoltou contra a capital, e, em 1999, devido às elevadas explorações de petróleo. A China fez pressão para a feitura da paz entre o norte e o sul, e que deu origem a um tratado de paz, em 2005, anos depois do nascimento de um novo país, o Sudão do Sul.
Enquanto paz entre o norte e o sul foi assinada, outra região do Sudão (Darfur) protestou seriamente face à exclusão socioeconómica, que foi respondida pelo governo com o desenvolvimento de uma campanha de violência, especialmente através de forças paramilitares, de tal magnitude, que o Tribunal Penal Internacional descreveu os acontecimentos como de genocídio. A prioridade internacional de salvar a paz entre o norte e o sul foi cúmplice por omissão da situação no Darfur, continuando em 2016, a persistir indefinições fronteiriças entre o norte e o sul, em zonas ricas em petróleo, uma grande instabilidade de liderança do sul que não consegue garantir um governo mais sólido, a permanência da crise humanitária e o mandato de captura do Tribunal Penal Internacional, pendente, contra o presidente do Sudão por genocídio em Darfur. A Nigéria é conhecida pelas missivas fraudulentas enviadas pelo mundo, corrupção e muitas outras ilegalidades, mas ganhou maior notoriedade pelo célebre e triste sequestro de mais de duzentos estudantes pelo grupo terrorista radical Boko Haram, nascido no nordeste do país, entre pescadores muito pobres e radicais religiosos. A Nigéria, na realidade vive três conflitos, o dos islâmicos contra o governo, entre as comunidades do Delta do Níger (em parte pelo acesso à terra) e os grupos rebeldes contra as companhias petrolíferas estrangeiras.
O conflito vai continuar, com os sequestros, carros-bomba e confrontos armados. A posição e a lógica do Boko Haram são muito próximas do Estado Islâmico, em que existe uma ínfima parcela de possibilidades para uma solução negociada, mas a fraqueza do exército nigeriano e seu alto nível de corrupção, as condições socioeconómicas mais graves da população, fazem que a solução militar não seja uma alternativa. Apesar de no inicio de 2016, a Nigéria ter infligido duros golpes às milícias radicais, o fim da guerra está longe de acontecer. A Somália infelizmente é sinónimo de tragédia com guerras, fome e colonialismo. Após a descolonização, no início de 1960, as tentativas do governo de consolidar um modelo de Estado moderno, permanecem como promessas vazias. Desde a queda do regime de Siad Barre, em 1989, a Somália mergulhou em uma confrontação entre os senhores da guerra que na última década, se uniu a grupos islâmicos radicais. A Al-Shabaab (a juventude) é o grupo armado dominante, com uma forte presença no sul do país e que continuará a atacar, tanto o fraco exército somali, como as forças da União Africana. A comunidade internacional vai continuar a combater e reduzir os a pirataria somali, sem estudar as suas causas.
O fim dos conflitos armados actuais passam quase sempre pela comunidade internacional, mas, paradoxalmente, as guerras de 2016, não podem ser explicadas sem a responsabilidade marcante das grandes potências, como a França no Mali, a Rússia na Síria e os Estados Unidos em Israel, para citar alguns exemplos. Resta explicar a ocupação marroquina do Sahara Ocidental, as tensões entre as duas Coreias, em um conflito estagnada no cessar-fogo que existe há várias décadas, os conflitos na República Democrática do Congo (onde o actual presidente tenta uma nova reeleição), e ficam por mencionar algumas das guerras esquecidas, assim chamadas, quer por fazerem poucos mortos ou sobretudo porque não afectam os interesses das principais potências mundiais. Esperemos que 2016, ainda possa ser um ano de mais paz, que guerra, pois é um desejo compartido pela maioria da sociedade civil global, mas a política nem sempre obedece aos desejos das maiorias falantes e silenciosas.

18 Jul 2016

O sonho que se desvanece

“Probably the most important element for the UK is the extent to which the UK state can establish favourable tax and regulation conditions for competition and entrepreneurship; because of this, in leaving the EU we avoid many damaging features of EU intervention and this will be beneficial, regardless of the structure of trade. The most desirable option is a new treaty with the EU that largely withdraws from EU joint arrangements but collaborates on particular issues of common interest, such as rights of migration, free capital movements, and possibly trade agreements on particular industries like cars where there is large-scale cross-investment. Of course political cooperation will continue in areas of mutual interest as with all our allies.”
Should Britain Leave the EU? An Economic Analysis of a Troubled Relationship
Patrick Minford

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]possível fim do sonho europeu, fez que os cidadãos britânicos fossem votar a 23 de Junho de 2016 num referendo que decidiria se o Reino Unido continuaria “Bremain” ou não “Brexit”, como Estado membro da União Europeia (UE), decidindo desse modo, qual o futuro que desejavam para o seu país. O eventual “Brexit” seria o primeiro caso de saída de um país da UE. O “Brexit” venceu por 51,9 por cento contra o “Bremain” com 48, 1 %, e uma taxa de participação de 72,2 por cento. A chegada ao referendo tem por detrás uma história de desamor entre o Reino Unido e a Europa, que explicam os argumentos esgrimidos pelas duas partes, bem como as consequências para o país e além das suas fronteiras.
A palavra “Brexit” para o Reino Unido é saída e entrou por analogia com outro conceito, o de “Grexit”, ou o cenário hipotético da saída da Grécia da zona euro afectada pela crise económica, e ao mesmo tempo circulava nos meios de comunicação social, uma palavra cujo significado, é o oposto da primeira palavra, sendo “Bremain”, um acrónimo para “Britain” e “remain” (permanecer). A desconfiança dos britânicos, em relação ao projecto de integração europeia não é nova. A França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo assinaram o Tratado de Roma, em 1957, que criou a Comunidade Económica Europeia (CEE), antecessora da UE.
Os seis países, convidaram o Reino Unido para participar nas negociações prévias, tendo rejeitado o convite e ameaçado de boicotar o projecto, oferecendo um plano alternativo. Nos anos seguintes, dado o sucesso da nova associação e do declínio britânico, o Reino Unido constatou que tinha cometido um erro, e pediu em Julho de 1961 para se juntar à CEE, mas a sua adesão foi vetada pela França. O Reino Unido conseguiu finalmente aderir à CEE, em 1973, mas passado muito pouco tempo, a opinião pública britânica encontrava-se dividida acerca das vantagens e desvantagens da adesão e em 1975, o governo britânico realizou um referendo, sobre a permanência ou saída da CEE, tendo 67 por cento dos votantes, manifestado a favor da permanência nas instituições comunitárias. Após a criação da UE, em meados da década de 1990, os eurocépticos juntaram-se e criaram o “Partido do Referendo”.
A nova formação política participou nas eleições de 1997, não tendo conseguido assento no Parlamento, tendo-se dissolvido pouco tempo depois. A outra organização política de extrema-direita, com ideias semelhantes, o “Partido de Independência do Reino Unido (UKIP na sigla na língua inglesa)”, teve mais sucesso nas eleições para o Parlamento Europeu, em 2014, conquistando a maior quantidade de votos pelo Reino Unido, com vinte e quatro dos setenta e três assentos a que tinha direito. O acontecimento actual começou em 2013, quando num discurso, o actual primeiro-ministro inglês, prometeu que se acaso fosse reeleito em 2015, renegociaria a posição do país na UE, e convocaria uma consulta popular sobre a permanência no bloco comunitário, sendo que uma das principais queixas sobre a UE é a sua complexidade burocrática. Os defensores do “Brexit” afirmam que as directivas da União dificultam a economia e limitam a soberania britânica. O primeiro-ministro britânico comprou os ovos para uma omeleta que nunca imaginou fazer, e que o teria como recheio.
A UE é uma fonte de gastos desnecessários, para os eurocépticos, na qual o Reino Unido investia o equivalente a catorze mil e quatrocentos milhões de dólares anualmente, ou seja, cerca de 0,5 por cento do PIB, e um outro argumento diz respeito à restrição da imigração, dado que os apoiantes do “Brexit” vêem os imigrantes como uma ameaça ao mercado de trabalho e um peso social. Os líderes da campanha para o Reino Unido sair da UE, antes da realização do referendo, tinham anunciado que em caso de vitória, endureceriam as condições que permitiriam os europeus residirem no país. O direito automático de todos os cidadãos da UE a viverem e trabalharem no Reino Unido terminaria, conforme o comunicado conjunto divulgado no início de Junho de 2016, pelo ministro da Justiça inglês, ex-prefeito de Londres e secretário de estado do emprego inglês.
Os que se opunham ao “Brexit” argumentavam que a saída do país da UE, iria ter um custo maior que o actual, e cortaria os laços com os seus parceiros europeus, com consequências catastróficas para a economia e comércio do país, e assinalavam que abandonar a União, poria em perigo a influência do Reino Unido no mundo. Os argumentos a favor e contra a permanência do Reino Unido na UE tinham como temas fundamentais a imigração, criminalidade e comércio. Quanto à imigração, os apoiantes da saída, afirmam que o Reino Unido nunca poderia controlar a imigração até que saisse da UE, dado que a liberdade de circulação dá aos demais cidadãos da UE, o direito automático de viver no país. Os contrários, afirmam que a saída da UE não iria resolver a crise da imigração, e transferiria para as portas de entrada no Reino Unido o problema, pois o controlo de fronteiras britânico mudaria de Calais, em França, para Dover, no Reino Unido. Quanto à criminalidade, os apoiantes da saída, afirmam que a norma europeia de detenção e entrega, permite que os cidadãos britâncos sejam enviados ao estrangeiro, e acusados em tribunais estrangeiros, frequentemente por delitos menores. A saída poria fim a esta prática.
Os contrário à saída, afirmam que apenas graças à norma de detenção e entrega, violadores, assassinos e outros criminosos perigosos condenados por delitos no Reino Unido, podem ser devolvidos se fugirem para o estrangeiro. A saída da UE impediria que se fizesse justiça. Quanto ao comércio, os apoiantes da saída afirmam que as ligações do Reino Unido com a EU, estão a travar a sua relação com os mercados emergentes. Por exemplo, não existe nenhum acordo comercial importante com a China e a Índia. Sair da UE permitiria ao Reino Unido diversificar as suas ligações internacionais. Os contrário à saída, afirmam que 44 por cento das exportações do Reino Unido, destinam-se a outros países da UE. Criar barreiras com os países com os quais o Reino Unido comercia será prejudicial. O referendo é formalmente consultivo. O governo britânico prometeu que se os apoiantes do “Brexit” fossem a maioria, seria adoptado o processo de saída da UE. O direito de um Estado membro sair da UE está contido no artigo 50.º do Tratado de Lisboa, norma análoga da Constituição Europeia, e em teoria um Estado membro só tem de notificar a UE do seu desejo de sair, e iniciar-se-ão no mais curto espaço de tempo as negociações, sobre como desenvolver as relações existentes no futuro, num prazo de dois anos, que pode ser prolongado. Após as negocições, o processo de “Brexit” termina.
Quanto às consequências do “Brexit” para o Reino Unido, dependerão do resultado das negociações com a UE, como por exemplo, em relação ao comércio entre o Reino Unido e os seus antigos parceiros do bloco comunitário. É de recordar que a UE é o destino de quase metade das exportações do Reino Unido, e as possíveis consequências do “Brexit”, poderá ser o colapso da libra esterlina, pois desde meados de 2015, tem-se desvalorizado de 1,6 dólares para 1,4 dólares. A previsão de alguns bancos é que o “Brexit” poderá fazer desvalorizar a moeda inglesa, em 20 por cento, bem como é uma forte ameaça para Londres como centro financeiro mundial. A London School of Economics (LSE), prevê que a saída do Reino Unido da UE, pode ter um custo entre 2,2 por cento e 9,5 por cento do PIB, enquanto o Ministério das Finanças, prevê uma descida de 6,2 por cento do PIB.
Os defensores do “Brexit”, afirmam que o prejuízo para a economia será muito menos grave. Quanto a outras possíveis consequências além das económicas, o historiador e escritor inglês Antony Beevor, afirma que a saída do Reino Unido da UE poderá ser o pior exemplo na história de atirar pedras ao seu próprio telhado, e ainda que a União não tenha cumprido o seu objectivo de um um bloco mais estreito e tenha defeitos, a verdade é que o Reino Unido sai e provoca a sua desintegração, ganhando imediatamente o estatuto de nação mais odiada, não só na Europa, mas muito mais além. Os apoiantes do “Grexit” acreditam em três grandes vantagens, que são mais emprego, mais baixos preços de todos os bens e um futuro más sólido. O aumento do euroceptcismo, fez o “Brexit” abrir a porta para que outros Estados membros renegociem a sua relação com a UE.
A sondagem publicada uma semana antes do referendo, pelo Centro de Investigações Pew, revelou ter terminado o amor dos europeus pela UE em dez dos maiores Estados membros do grande bloco comunitário. Os resultados indicam que os europeus não vêem com bons olhos a prespectiva do “Brexit”. Todavia, a percentagem dos europeus que ainda confiam no projecto comunitário têm vindo a descer, reflectindo o descontentamento generalizado pelas políticas adoptadas pela UE. O ministro das Finanças alemão, disse numa entrevista à imprensa alemã que, se acaso ocorresse o “Brexit”, outros Estados membros poderiam seguir o mesmo caminho do Reino Unido. É impossível prever o que pode acontecer. A Holanda, por exemplo, tem uma ligação tradicional e íntima com o Reino Unido, e desconhece-se como irá reagir. A saída do Reino Unido pode provocar que países como a Dinamarca, Holanda e Suécia exijam com maior força e frequência um referendo sobre a sua permanência na UE, sendo também factor importante o que acontecer nas eleições presidenciais francesas de 2017.
O “Partido para a Liberdade” é a primeira força política da Holanda, e afirmou que o “Brexit” facilitaria a outros Estados membros uma tomada de decisão. O “Partido dos Democratas Suecos”, que mantêm o equilibrio do poder, é a favor da permanência na UE, mas tudo fará para limitar a sua influência. Os dirigintes do “Partido Popular Dinamarquês”, segunda força política do país, esperavam que o Reino Unido permanecesse na UE, apenas porque era a melhor oportunidade, para o país renegociar a sua relação com o bloco comunitário. A “Frente Nacional”, em França, tem vindo a dizer há longo tempo que pretendia renegociar a permanência da França na UE se ganhar as eleições de 2017. A líder da Frente Nacional considerou que o referendo britânico é um momento essencial na história da Europa, e sugeriu que cada Estado membro deve ter a capacidade de decidir a sua permanência no bloco comunitário. A terceira maior força política da Alemanha, a “Alternativa para a Alemanha”, assinalou que o “Brexit” proporcionaria uma oportunidade para incrementar a reforma da UE.
O “Partido da Liberdade da Áustria”, que por pouco não ganhou as eleições presidenciais, realizadas em Maio de 2016, também quer renegociar a relação do país com a UE. Além das fronteiras europeias, economistas, especialistas e empresários da Europa advertiram do perigo de uma eventual saída do Reino Unido da UE, para a economia global. O “Brexit” seria mau para o Reino Unido (Desunido), para a Europa e para o mundo, incluindo os Estados Unidos e a China. Num mundo global conectado é leviano afirmar que existem alguns países que escapam ilesos ao acontecido e aos efeitos negativos, senão catastróficos, que se irão repercutir em tempo. O Fundo Monetário Internacional, emitiu uma das mais graves previsões, a 24 de Junho de 2016, descrevendo o impacto da saída do Reino Unido da UE, como negativa e substancial, preocupação que produziu eco nas declarações dos responsáveis políticos mundiais.
O investigador principal do “Instituto Peterson para a Economia Internacional”, afirmou que basicamente, todos dizem mais ou menos o mesmo, ou seja, de que não existe dúvida de que a economia irá passar mal. Os mercados financeiros, após tomarem conhecimento dos resultados do referendo, começaram a sentir estremecimentos, inclusive nos Estados Unidos, onde os rendimentos dos títulos do Tesouro cairam para níveis mínimos desde 2012.
O responsável máximo pela política e comércio do grupo “British American Business”, afirmou que neste momento, ninguém sabe como será o mundo com o Reino Unido fora da UE e que só por si, cria uma incerteza que as empresas não desejam ver. A agência de classificação de risco de crédito “Standard & Poors (S&P)” apresentou um índice de sensibilidade da saída do Reino Unido da UE. O índice incluiu factores como a correlação dos países exportadores para o Reino Unido e o seu PIB, os fluxos migratórios, as procuras das empresas do sector financeiro aos casais britânicos e o investimento directo estrangeiro no Reino Unido. Cada critério é avaliado de 0 a 1, e as avaliações no total contribuem para o índice. Além de 18 países da UE, a agência analisou o Canadá e a Suíça. Como resultado, o índice da Irlanda é de 3,5, o de Malta é de 2,9, o do Luxemburgo é de 2,4 e o de Chipre é de 2,3, sendo estes quatro países da UE, os mais vulneráveis ao “Brexit”.
O primeiro-ministro do Reino Unido, a 6 de Junho de 2016, manifestou aos ingleses uma posição crítica em relação ao “Brexit”, afirmando que a saída da UE seria como uma bomba sob a economia britânica, e que o pior é que fomos nós que a lançámos. Entretanto, os líderes da UE dã-se conta da ameaça existencial que o projecto europeu está a enfrentar. O Presidente do Conselho Europeu, reconheceu o perigo de ruptura do bloco e disse que obcecados com a ideia de integração imediata e total, os líderes da UE não percebem que as pessoas comuns, os cidadãos da Europa, não partilham o mesmo euroentusiamo, pelo que estariamos diante do inicio do fim do projecto europeu? O resultado do referendo favorável ao “Brexit” pode bem ter respondido à pergunta, mais quando o próprio Reino Unido se parece desintegrar, com a Escócia a querer permanecer na UE, mesmo que para isso tenha de declarar a independência e a Irlanda do Norte, que votou 56 por cento contra o “Brexit”, a reivindicar a reunifição com a República da Irlanda.

5 Jul 2016

O sonho indiano

“Maintaining rapid yet environmentally sustainable growth remains an important and achievable goal for India. The country’s main problems lie in the disregarding of the essential needs of the people. There have been major failures both to foster participatory growth and to make good use of the public resources generated by economic growth to enhance people’s living conditions; social and physical services remain inadequate, from schooling and medical care to safe water, electricity, and sanitation.”

An Uncertain Glory: India and its Contradictions
Jean Drèze and Amartya Sen

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Índia não pensa no tão ansiado e cobiçado papel de ser uma superpotência económica, que parece ter ficado enterrado no passado e de que se recorda com receio. O aumento do preço do petróleo devido à guerra no Iraque, em 1991, deixou a Índia com apenas duas semanas de reservas em dólares para as importações de petróleo bruto. O Fundo Monetário Internacional concedeu empréstimos, tendo como contrapartida a liberalização da sua economia autárquica. O então ministro das finanças e depois primeiro-ministro, afirmou, parafraseando o escritor francês Victor Hugo, de que nenhuma força podia parar uma ideia quando o seu tempo tivesse chegado, mudando assim, o curso da história moderna do país asiático, com a abertura da economia, e nascia a “Índia brilhante”.
As duas décadas seguintes podem ser consideradas, como o período mais próspero que a índia viveu, durante toda a sua longa e rica história. Os centros comerciais tornaram-se nos novos templos e o oásis da nova classe média, os hambúrgueres da multinacional McDonald’s, uniram-se ao apimentado menu local e as estradas atulhavam-se de Toyotas, Audis e Fords, e não se discutia se a Índia seria uma superpotência, mas quando atingiria tal estatuto. Os sonhos de prosperidade e poder internacional da Índia foram dissolvidos com a pior situação económica, que o país enfrentou em duas décadas. Acredita-se que tenha sido o prognóstico exagerado de uma crise eminente, em 2013, que parecia querer reavivar o insucesso de 1991, quando o então primeiro-ministro afirmou que tinham reservas monetárias para apenas seis meses, mas que não tinha comparação com a situação desse fatídico ano, com a promessa de não voltarem a viver a crise na balança comercial.
A taxa de câmbio era fixa e passou a estar ligada ao mercado. As reservas apenas cobriam três semanas de importações em 1991, e a Índia foi forçada a comprometer o seu ouro para pagar os seus compromissos, tendo realizado profundas reformas para abrir a sua economia. A falsa crise de 2013 deveu-se ao grande volume de importação de ouro e pedras preciosas, traduzindo-se num investimento em activos improdutivos. As importações dessas mercadorias no país que é considerado o maior comprador de pedras preciosas do mundo, atingiu um valor máximo de cento e sessenta e duas toneladas, em Maio de 2013, após a queda dos preços internacionais, obrigando a um aumento de 8 por cento nos impostos. O deficit na conta corrente atingiu o valor único de 4,8 por cento do PIB, enquanto o crescimento económico, caiu para 5 por cento.
A Índia tenta conter a sede insaciável de ouro pelos seus cidadãos, por meio de medidas como o aumento de impostos de importação, proibição da importação de moedas e medalhões, e a obrigação dos compradores nacionais pagarem em dinheiro. O último dos problemas da terceira economia asiática e décima mundial era o colapso da sua moeda, em que a rupia acumulou níveis máximos e contínuos de desvalorização em relação ao dólar, tendo atingido 20 por cento, entre Janeiro e Junho de 2013. A decisão da Reserva Federal dos Estados Unidos de retirar o plano de estímulo monetário conhecido como “Operação Twist”, no final de 2012, traduzido na compra de quarenta e cinco mil milhões de dólares mensais em “Treasuries”, instrumentos da dívida soberana americana, de longo prazo, fez que o dinheiro resultante das vendas de uma quantidade semelhante de dívida a curto prazo, permitisse aos investidores acesso a dinheiro barato, fazendo-os livrar da moeda indiana.
A fraqueza monetária forçou o banco central da Índia a elevar as taxas de juros, quando a economia sofria uma desaceleração, tendo crescido apenas 4,4 por cento no primeiro trimestre do ano fiscal de 2013, sendo o terceiro trimestre consecutivo de desaceleração do crescimento. A situação actual da Índia, é de lenta recuperação, sendo que na década de 2000, o país cresceu a uma média anual de cerca de 8 por cento. O objectivo era superar a taxa de crescimento anual de 10 por cento, mas apenas a China teve um crescimento superior, tendo o PIB desacelerado no exercício fiscal de 2012-2013, fixando-se em 5 por cento, e a taxa de inflação situou-se acima dos 7 por cento, sendo o ritmo mais lento de crescimento dos últimos dez anos, tendo as exportações e a produção industrial estagnado.
Os planos de gastar milhares de milhões de dólares em auto-estradas, aeroportos e linhas de caminhos-de-ferro desvaneceram-se. A esperada liberalização nos sectores da segurança social, nomeadamente das pensões, bancos, defesa e educação não foram possíveis de se concretizar. As hesitações na tomada de decisões criaram incerteza e desconfiança. A Walmart não actua directamente na Índia por condicionalismos legais, operando através da Best Price Modern Wholesale, a Ikea irá abrir a sua primeira loja na Índia, em Hyderabad, no segundo semestre de 2017, pelo que em 2012, nenhuma destas multinacionais ou semelhantes, operavam directamente na Índia.
O governo indiano esperava que essas multinacionais melhorariam o antiquado sector agrícola e ajudassem a aperfeiçoar as pobríssimas infra-estruturas do país, pois cerca de 40 por cento das frutas e legumes danificavam-se a caminho dos mercados, devido ao mau estado das estradas e à falta de cadeias de frio. A história do desenvolvimento do mundo, oferece poucos exemplos de uma economia que cresce tão rapidamente, e por um período tão longo de tempo, com resultados demasiado limitados, quanto à diminuição das carências dos cidadãos, como afirmaram o Prémio Nobel da Economia Amartya Sen e seu colega economista Jean Drèze no seu livro “An Uncertain Glory: India and its Contradictions”. No país do elefante um terço das pessoas, ou seja, mais de quatrocentos milhões de pessoas, não têm electricidade, enquanto no país do dragão apenas 1 por cento das pessoas, carece de electricidade.
A população alfabetizada na Índia é de 74 por cento, enquanto na China é de 95 por cento. Os economistas recorrem à comparação com o Bangladesh, país considerado um caso perdido pelos especialistas em desenvolvimento, até recentemente. A população do Bangladesh tem maior expectativa de vida que a da Índia, as mulheres morrem menos de parto, maior número de crianças do sexo feminino frequenta a escola, os níveis de alfabetização são mais altos e existe menos desnutrição infantil. A sociedade é considerada boa quando o mais idoso e o mais jovem, têm acesso a uma vida digna. A alfabetização, desenvolvimento da condição da mulher, saúde, política ambiental, luta contra a pobreza, programas de liderança para a juventude e projectos para a infância são acções que devem ser implementadas em todos os países, e em particular na Índia.
O Banco da Criança foi uma iniciativa criada em Maio de 2013, na Índia, por crianças e para crianças, com o objectivo de as ensinar a importância da poupança e planeamento financeiro, quer para a sua educação, como para doarem uma parte das suas poupanças, com o fim de ajudarem as crianças mais pobres. Mais de mil e quinhentas crianças, em 2015, pequenos aforradores, participaram no projecto, que é de bem-estar e desenvolvimento para todos, expressando a visão de Mahatma Gandhi, quanto ao futuro da sociedade humana. A Índia celebrou a 15 de Agosto de 2007, com toda a pompa, circunstância e triunfalismo o sexagésimo aniversário da sua independência da Grã-Bretanha.
O segundo país mais populoso do mundo, parecia ter deixado para trás a memória do processo doloroso, que levou à divisão por critérios religiosos da antiga colónia britânica e à criação simultânea da Índia e do Paquistão, que até então incluía o Bangladesh. Estimulado pela expansão económica e pela sua capacidade de inovação tecnológica, o governo indiano convenceu-se de ter encontrado um modelo de desenvolvimento sustentável duradouro. O então primeiro-ministro nas comemorações da memorável data, afirmou, que podia assegurar que para cada um dos cidadãos e para a Índia, o melhor estava para acontecer, destacando as mudanças necessárias de forma a evitar que um terço dos indianos continuasse a sobreviver com menos de um dólar diário.
A Índia efectivamente não pode converter-se num país com ilhas de alto crescimento, paredes meias com vastas áreas que não recebem qualquer benefício do desenvolvimento, tendo o governo indiano anunciado um multimilionário plano de investimentos para incentivar as infra-estruturas, agricultura que é a principal actividade económica e melhorar o nível de educação, que não consegue resolver o analfabetismo, e que afecta uma terça parte da população. O grande sonho da Índia, é o mesmo que tinha o pai da independência, Gandhi, que sempre sonhou e lutou por um país livre, que só conseguiria a sua prosperidade e felicidade com a erradicação total da pobreza. O principal objectivo do Estado é garantir um crescimento equitativo e geral, evitando uma distribuição de rendimentos de forma desigual e opaca.
O sonho de Gandhi era conseguir um país independente, isento de abusos e da exploração indevida. O seu método foi a paz, ou seja, por meio de manifestações não violentas, como as célebres marchas pacíficas, e nunca de uma Índia divida em três países, e menos com conflitos no seu interior, como acontece com o Paquistão sobre Caxemira, ou tendências separatistas em vários grupos étnicos que compõem o país. O sonho de Gandhi era libertar a Índia, e só é possível de realizar pela eliminação da pobreza. Mahatma Gandhi ainda vive na Índia, e não existe cidade alguma do país, onde a sua imagem não seja parte integrante da arquitectura, e o seu retrato decore as paredes dos escritórios de qualquer repartição pública, assim como não há escola alguma, onde a história do pai da nação indiana não seja disciplina obrigatória.
Todavia, as ideias pelas quais morreu há sessenta e oito anos quase desapareceram. Gandhi entrou para a história como um símbolo do pacifismo mundial. Através da sua estratégia da não-violência ou desobediência civil, conseguiu a independência da Índia, mas o objectivo de Gandhi não era só acabar com a colonização britânica, mas incutir o respeito e tolerância entre as diferentes religiões, eliminar a pobreza extrema em que viviam centenas de milhões de cidadãos, e promover o desenvolvimento com base em uma economia rural. Era um retornar à terra, ao elementar. A Índia actualmente é um país muito diferente daquele que o Mahatma (Grande Alma) sonhou. A intolerância entre os hindus e os muçulmanos provocou na curta história independente da Índia e Paquistão, três guerras sangrentas e numerosos conflitos civis, que fizeram centenas de milhares de mortos e mais de 30 por cento da população ainda continua a viver na pobreza extrema, apesar das novas medidas económicas neoliberais adoptadas em 1991, permitirem que apenas 20 por cento dos indianos possam viver de acordo com os parâmetros de uma sociedade de consumo.
O restante da população apenas sobrevive, e o país sangra, vítima da corrupção. O homem Mahatma sentir-se-ia traído pela actual Índia, se acaso estivesse vivo, e é um desrespeito para a sua memória, que a vila portuária na costa noroeste da Índia, onde nasceu, seja um refúgio de traficantes de álcool, jóias, medicamentos e outros produtos, com o beneplácito das autoridades, e apesar do seu nome se encontrar enraizado na memória nacional, para as novas gerações de indianos Mohandas Karamchand Gandhi, com a sua túnica e roca, parece apenas uma figura distante de um livro de história. Os críticos de Gandhi vêm de todas as direcções. Se os nacionalistas hindus o acusam de ter sido a favor dos muçulmanos, as castas mais baixas, que o governo nega existirem, censuram-no de ter pregado a paciência em vez da revolução. Gandhi foi assassinado por um grupo de fundamentalistas hindus que não o perdoou de defender os muçulmanos, e morreu vítima da mesma intolerância que actualmente o crítica e que ameaça o futuro da região.

24 Jun 2016

O sonho africano

“Therefore to allow the African dream to be realised, the respect for national sovereignty of both the rich and poor nations should form the cornerstone of new global institutions for political, economic, social and cultural development.”

The African dream: from poverty to prosperity
B W T Mutharika

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] continente africano é a potência do futuro, a esperança e o fracasso da humanidade, que se impões como um vício e obriga quem o visita a voltar uma e outra vez, e mesmo quem vá para lugares quase ignorados e desconhecidos, o perigo não é a violência, mas a burocracia. A África é dura e difícil, mas apaixonante. O sonho do século XXI, de ser o século africano é poderoso e emocionante, e está a converter-se numa realidade. A realização da primeira “Cimeira entre os Estados Unidos e a África”, e os seus líderes, de 4 a 6 de Agosto de 2014, em Washington, foi o momento propício para uma reflexão, e considerar os fundamentos e limites do progresso do continente.
Apesar de em muitas regiões africanas, a pobreza ser ainda um problema muito grave, o continente africano é mais estável do que no passado, e também apresenta algumas das mais altas taxas de crescimento económico do mundo. É de recordar que durante a última década, dezenas de milhões de pessoas, em toda a África, integraram-se na classe média, as cidades estão a crescer rapidamente e têm a população mais jovem do mundo. Mas, como as palavras as leva o vento, os africanos não devem considerar nada como garantido. Apesar do impulso que mostra o continente, sabem que a história é um caminho de sonhos desperdiçados, e aplica-se especialmente a África.
Assim, os africanos têm muito a fazer, se querem aproveitar esta oportunidade, e uma das tarefas mais urgentes que têm de enfrentar, é a criação de mercados sub-regionais de maior dimensão, mais integrados e que se encontrem profundamente interligados com a economia global. Ao fim e ao cabo, existe uma abundância de exemplos, (União Europeia, Associação de Nações do Sudeste Asiático, Acordo de Livre Comércio da América do Norte) de como a integração das regiões geográficas, pode criar condições para se conseguir o crescimento e a prosperidade em conjunto, através da remoção de barreiras comerciais, harmonização de regulamentos, abertura dos mercados de trabalho e o desenvolvimento de infra-estruturas partilhadas.

A visão para esta região de África, traduziu-se na criação da iniciativa denominada de “Integração dos Projectos do Corredor Norte”. O Quénia, Ruanda e Uganda, (ao qual se juntaram o Sudão do Sul, e a Etiópia) nos últimos três anos, lançaram mais de catorze projectos conjuntos, cujo objectivo é o aprofundamento e a integração da África Oriental, e facilitar o desenvolvimento da actividade económica na região. Os resultados são visíveis. Foi implementado um único visto para o turismo, válido nos três países. Foi criado um único território aduaneiro, reduzindo drasticamente os procedimentos burocráticos e removidas as barreiras não tarifárias. Além disso, foi projectada uma linha ferroviária de bitola padrão, em construção a partir de Mombaça no Quénia e situada no Oceano Índico, passando pelas capitais do Ruanda e do Sudão do Sul, através da capital do Uganda, cujo primeiro trecho foi financiado por parceiros chineses, e cuja obra na sua totalidade, prevê-se estar concluída, em Dezembro de 2017.
Todavia, para se prosseguir com o projecto tiveram que combater más práticas profundamente enraizadas. Infelizmente, em toda a África, as fronteiras nacionais tem sido muitas vezes obstáculo, antes que os mecanismos para a cooperação intercontinentais, em matéria de comércio, segurança para a cooperação no comércio, emprego e ambiente funcionem. É muito comum que as economias africanas, considerem mais fácil, negociar e coordenar políticas com países de outros continentes que os seus vizinhos. Assim, estão determinados a mudar a situação existente, servindo de exemplo, a iniciativa do Corredor Norte, em cujo contexto cada um dos três países é responsável pela realização de vários projectos-base.
O Uganda, por exemplo, está empenhado em encontrar investidores para uma nova refinaria de petróleo, e lidera o desenvolvimento de infra-estruturas regionais em tecnologias da informação e comunicação, pelo qual eliminará a cobrança de itinerância para os serviços de telefone móvel, entre os três países. O Quénia, comprometeu-se a desenvolver um mercado regional de bens, obter melhorias nos recursos humanos por meio de serviços de consultadoria e educação, bem como, construir oleodutos para o transporte de petróleo bruto e refinado. Além disso, está a explorar formas de ampliar a criação e transporte regional de energia.

O Ruanda é responsável pela harmonização das leis de emigração e promover a liberdade de circulação, quer dos seus cidadãos e turistas, bem como a coordenação da segurança regional, através da Força de Reserva da África Oriental, gestão do espaço aéreo e promoção da oferta turística conjunta. O sucesso destas iniciativas será observado em alterações reais, que beneficiam os cidadãos da região, e deve elaborar planos de implementação para o obter.
A solução para o progresso, é o de não erigir monumentos a figuras políticas ou realizar cimeiras, mas reduzir o custo das transacções comerciais e aumentar os rendimentos dos cidadãos. A burocracia, por vezes, torna os processos administrativos demasiado lentos, porque está institucionalmente programada para subverter a mudança. Os projectos de integração do Corredor Norte são projectados para criar e sustentar, a vontade política necessária para a realização das diversas iniciativas.
Os Estados Unidos sempre foram um parceiro importante para os países da região, mas o caminho para a solução dos seus problemas, não se resolve com doações dos contribuintes americanos, e só os países com o seu sector empresarial, poderão realizar tal tarefa. Os países da região, esperam estabelecer um relacionamento mais profundo e normal com os Estados Unidos, concentrando-se no que se pode realizar conjuntamente, ao invés de saber o que a América pode oferecer para os beneficiar. A África sempre teve tudo o que necessita para permanecer de pé, ainda que, muitos sejam os tombos e acidentes de percurso. O sucesso das iniciativas da África Oriental, é possível nas demais regiões africanas, se os países se unirem e terminarem com as guerras fratricidas, que desde logo, é o primeiro e maior sonho africano, seguido da eliminação da pobreza, exploração dos seus recursos naturais que alimentam o desenvolvimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

O “El Sueño de Africa”, é também o título de um dos livros, de uma trilogia dedicada à África Oriental, escrito pelo espanhol Javier Reverte, que narra a sua viagem, durante vários meses, ao Uganda, Tanzânia e Quénia. A viagem inicia-se na capital do Uganda, cujo tema é a cidade e a importância do Lago Vitoria, como o centro da vida da África Oriental. A partir de Kampala visita as nascentes do rio Nilo, que além da sua espectacularidade, têm uma grande importância na história da exploração africana, dado que a sua pesquisa, foi a motivação das primeiras expedições europeias realizadas às zonas dos Grandes Lagos. Javier Reverte conta as grandes histórias do passado e as pequenas do presente, os mitos da exploração, os dias da era colonial e a independência desses três países africanos. As páginas do seu livro revivem os antigos reis africanos, os primeiros exploradores, os caçadores e os grandes escritores que escreveram sobre África. Traça a pintura voraz e colorida da África de hoje, a que ri e a que chora, a amarga e alegre, e transmite-nos a emoção de um sonho demasiado humano.
A grande questão de realização do sonho africano é o de saber como vai a África encontrar a solução, quando se encontra grávida de uma miríade de problemas que vão da pobreza à autocracia. O novo paradigma para o pensamento económico africano irá influenciar a direcção do crescimento e desenvolvimento do continente? O consenso geral, é que para escapar à pobreza, os povos africanos devem assumir o controlo dos seus recursos e reformar as suas prioridades de desenvolvimento e estratégias. Os africanos têm um elo comum e partilham objectivos conjuntos, visando em última análise, unificar o seu continente como um povo digno, como todos os pan-africanistas, desde Henry Sylvester Williams, Nkwame Nkrumah, Julius Nyerere, Nelson Mandela e Thabo Mbeki desejavam.
O sonho de África, gira do afro-pessimismo ao afro-optimismo, postulando que o continente se irá industrializar e desenvolver, usando os seus recursos naturais, habilidades dos seus povos e tomando o controlo total do seu destino, subestimando todas as diferenças culturais que existam e apelando para a solidariedade e resistência à exploração, sem olvidar os legados históricos, culturais, económicos e filosóficos de africanos do passado e presente. O sonho é comum de uma África rica em recursos naturais, apesar da sua história, não ser tão admirável, e alguns desafios sérios, actualmente prevalecentes, alguns países têm demonstrado que a aplicação prática de uma boa reforma política, tem impulsionado claramente as suas economias no caminho da prosperidade, podendo dessa forma, transformar o continente, outrora desprezado.

O poder de governar é um direito fundamental de cada Estado, e que nenhum outro tem o direito de interferir nos seus assuntos internos. É de recordar que a África tem sido marginalizada, na medida em que o Norte global, não percebe que um continente mais industrializado pode servir como uma nova válvula de segurança para a economia global em ebulição. Os africanos não são pobres, porque não acreditam na sua capacidade de saírem da pobreza., mas porque não podem obter benefícios de instituições criadas pelo Norte. Os africanos são classificados como pobres, porque não possuem ou controlam a ciência, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, que permitam a sua transformação económica, que beneficiará o seu povo.
É importante que África defenda a emancipação económica, acentuando o facto de que as nações ricas devem mudar a sua atitude, cessando a exploração do continente, que simplesmente consideram como uma fonte de matérias-primas para o seu desenvolvimento industrial. Os países ocidentais, e outros, em fase adiantada de desenvolvimento usam a estratégia de dividir, para reinar, criando um continente fraco e fragmentado.

A segurança alimentar é a base da transformação e da realização desse sonho continental colorido. O sonho africano não é sobre a esperança ou qualificação para cumprir os critérios e as orientações dos fundos de doadores, mas de definir políticas de crescimento e estar na liderança, aberto e determinado a ir mais longe do que jamais imaginou. A África de um novo começo pode ter chegado, e está a desenvolver-se. É o sonho alcançável? O sonho africano é sobre cada país, possuir boas escolas, hospitais, infra-estruturas públicas, habitações e bons padrões de vida. O sonho é também, sobre a boa governação, democracia participativa, direitos humanos garantidos e Estado de direito.
O problema no concernente não é típico de África, pois tem sido difícil de alcançar esse sonho a comum, em qualquer lugar do mundo, devido aos esforços de alguns líderes para ter e controlar o poder, sem ter em conta, o bem-estar daqueles que lideram. É de relembrar que muitos líderes africanos deram um bom pontapé inicial de governança democrática, e depois regressaram e envergaram as vestes de ditadores, criando o desenvolvimento de um “continuum” político, que permitiu presidentes terem poder absoluto, e sem precedentes em todos os aspectos da vida política, económica, social e cultural, resultando no aperfeiçoamento do culto ao herói, e criando uma forma de arte em alguns países africanos. É preciso não esquecer que a democracia, boa governação e desenvolvimento andam de mãos dadas, e que os relacionamentos humanos adequados dentro de uma sociedade são tão importantes para o sucesso de uma democracia.

A este respeito, o mau julgamento político por parte da liderança pode mergulhar o país em uma profunda crise, em que as pessoas passam a não ter confiança no governo, liderança ou sistema político. Tal como Alexis Kagame ou Alassane, Ndaw realçaram, o abismo intransponível entre a maltratada cultura popular cosmocêntrica e holística e a cultura oficial antropocêntrica e igualitária, está longe de ser resolvida. Essa distância é o fundamento de todas as violências, excessos, rupturas, e do peso da moderna “Aldeia Global” que não parece estar em condições de erradicar a vitalidade tradicional que ainda persiste. Assim, a África é a última trincheira ensanguentada, aberta contra a modernidade, tanto nos actos, como nos pensamentos. Que Deus proteja a África, Nkosi Sikelel’ iAfrika, como expressa o hino nacional sul-africano. A África sobreviverá, como sempre o fez, mas não escapará ilesa, nas palavras de Aimé Césaire.

13 Jun 2016

O sonho europeu

“The American Dream focuses on wealth, the European Dream on quality of life. The American Dream focuses heavily on property rights and civil rights, because they extend our individuality. In Europe, you focus very little attention on property rights and civil rights. You spend a lot of time on social rights, health care, retirement benefits, maternity leave, paid vacations, and what you call universal human rights.”

The European Dream: How Europe’s Vision of the Future Is Quietly Eclipsing the American Dream
Jeremy Rifkin

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s americanos vivem e morrem de acordo com a ética de trabalho, e os ditames da eficiência. Os europeus dão mais valor ao tempo livre, incluindo a ociosidade. A América sempre se viu como um grande caldeirão de culturas. Os europeus, no entanto, preferem preservar a sua rica diversidade cultural. Os americanos acreditam numa presença militar contínua, em todo o mundo. Os europeus, pelo contrário, enfatizam a cooperação e consenso, contra as abordagens de política externa unilaterais. A crise europeia, no fundo, não é uma crise económica.
A crise europeia é uma crise mental, talvez ainda mais, uma crise sobre como imaginar ter boa vida, para além do consumismo. Os críticos que levantam a voz contra a Europa, no seu anti-europeísmo, são prisioneiros de uma nostalgia nacional enferrujada, e nesse sentido argumenta, por exemplo, o filósofo francês Alain Finkielkraut, que a Europa acredita que se pode formar sem as nações, inclusive contra elas. Quer punir as nações pelos horrores do século XX. Mas não existe democracia pós-nacional.
A democracia é monolingue e para funcionar requer uma linguagem, referências vitais e um projecto comum. Não nascemos como cidadãos do mundo. As comunidades humanas têm limites, mas a Europa não toma em conta essa situação, e daí que a opinião pública europeia não se entusiasme com a União Europeia (UE). Esta crítica à Europa é suportada na mentira existencial nacional, de que na sociedade e na política europeias, poderia existir um retorno idílico ao Estado-nação.
Assume-se que o horizonte nacional, é a estrutura para diagnosticar o presente e o futuro da Europa. Quem faz tais críticas, deve abrir os olhos e observar que não apenas a Europa, mas todo o mundo, estão em uma transição, em que as fronteiras que funcionam, deixaram de ser reais. Todas as nações enfrentam uma nova pluralidade cultural, não só através da emigração, mas também, por meios da comunicação por Internet, alterações climáticas, crise do euro e ameaças digitais à liberdade. As pessoas das mais diversas origens, com diferentes línguas, valores e religiões, vivem e trabalham próximas, e os seus filhos frequentam as mesmas escolas, e tentam lutar por uma posição no mesmo sistema político e jurídico.
As nações avançam em plena aceleração, em direcção ao cosmopolitismo, e dois exemplos paradoxais são de realçar, como o da imprensa britânica que está repleta de queixas sobre a UE, ou seja, o eurocéptico Reino Unido, está inundado por uma vaga sem precedentes de opiniões sobre a Europa, e por outro lado, a China, desde há muito, tem sido um membro informal da zona euro, pela sua política de investimentos e as suas dependências económicas. Se o euro fracassar, a China será afectada até ao tutano. Tais casos, evidenciam, quando a globalização dissolve as fronteiras, as pessoas tentam restabelecê-las. A necessidade de fronteiras, tem tendência a ser mais forte, quanto mais cosmopolita se torna o mundo, sendo evidente no triunfo da Frente Nacional nas eleições municipais francesas, e que serve também para entender a máxima do presidente russo, de que a Rússia deve estar, onde vivam os russos.
O agressivo nacionalismo intervencionista do presidente russo, mostra que não é possível projectar o passado das nações sobre o futuro da Europa, sem o destruir. Não servirá, quiçá, o etnonacionalismo do presidente russo como uma saudável terapia de choque, a uma Europa assolada pelo egoísmo nacional? Quem jogue a cartada do nacionalismo extremado, volta a conjurar pelo desmembramento da Europa, e que serve quer ao presidente russo, como também, de outro modo ao Reino Unido e à direita e esquerda anti-europeia. A todas estas situações, Alain Finkielkraut, responde que os europeus estão traumatizados por Hitler, pois desprezava o conceito de nação, e queria substitui-la pela de raça.
Actualmente, são as nações que têm de purgar os excessos racistas. Muitos interrogam, se não será esse trauma devido ao “Holocausto”, que faz que os alemães queiram açambarcar todo o nacionalismo. Certamente não será, pois mais que nunca, o mundo precisa de uma abordagem europeia, para terminar com os males da globalização, como as alterações climáticas, pobreza, desigualdade extrema, guerra e violência. A guerra contra os riscos globais, é uma tarefa hercúlea, e poderia até criar uma nova ideia de justiça, com alcance global. Se a Europa quer verdadeiramente superar a sua crise de convivência, deve seguir outros dos conselhos de Alain Finkielkraut, o de encontrar a sua identidade nas grandes obras europeias, monumentos e paisagens da cultura. Nada há a opor à releitura das obras de Shakespeare, Descartes, Dante e Goethe, ou deixar-se encantar pela música de Mozart e Verdi.
O conceito de literatura mundial de Goethe é politicamente interessante, e referia-se a um processo de abertura ao mundo, em que a alteridade do exterior se converte em parte integrante da nossa consciência. É nesse sentido, que Thomas Mann fala do alemão mundial, a que devia ser adicionado o italiano, o espanhol, o francês mundial, e assim por diante, ou seja, uma Europa de nações cosmopolitas. A partir das costas de África onde nasci, vê-se melhor o rosto da Europa e sabemos que não é bonito, escreveu Albert Camus, Prémio Nobel da Literatura de 1957. A beleza era para Albert Camus, discípulo de Friedrich Nietzsche, um critério de verdade e boa vida, e o segredo da Europa constatava friamente, é de que tinha deixado de amar a vida, pois para ser humanos, a partir do desespero, os europeus acabaram por atirar-se aos excessos desumanos, e como negavam a verdadeira grandeza da vida, tiveram que focar-se no único objectivo, que era a sua própria perfeição. Na falta de algo melhor, deificaram-se, e começou a sua miséria. Eram deuses cegos. Poderia perguntar-se qual é o antídoto, a fórmula idónea para uma UE, distinta da que vive no momento, a alegria apenas do presente? Por exemplo, o sonho de um tálamo mediterrânico, em que o Oriente e Ocidente, Norte e Sul se respeitariam e cooperariam. Surge assim, uma Europa das regiões, digna de ser vivida e querida. O nexo aparentemente entre o Estado, identidade e a língua nacional, é dissolvido.
A UE, os Estados membros e as regiões ocupar-se-iam gradualmente do bem-estar dos cidadãos. Seriam porta-vozes num mundo globalizado, por um lado, e por outro, transmitiriam uma sensação de abrigo e identidade. A democracia adquire múltiplos níveis, tal como a estamos a começar a praticar. O Mediterrâneo, como saber viver, alegria vital, indiferença, desesperança, beleza e fé, ou seja, uma mistura paradoxal que os europeus do norte, imaginam romanticamente e projectam sobre o sul, como esses jardins meridionais, em que florescem os limoeiros de que falava Goethe, e que não podia ser outra que Sevilha. A miragem da dívida também impôs um rosto cinzento e disforme, a essa existência mediterrânica cheia de alegria de viver e cosmopolita. O pensamento regional e com traços confederais do Mediterrâneo, sobreviveu, às grandes ideologias nacionais e políticas, e é talvez a única utopia social do século XXI, que terá futuro.
A cerimónia da entrega do “Prémio Internacional Carlos Magno”, foi a mais atípica até ao momento realizada, não só porque o palco foi Roma, mas também, pelo discurso do vencedor do prémio, o Papa Francisco. A referência a refugiado, não foi proferida uma única vez no seu discurso. Que quis dizer com tal atitude? O de renunciar ao papel que assumiu na crise dos refugiados? O Papa Francisco queria algo mais, pois durante o seu discurso de aceitação do prémio, quis chamar a atenção para o novo humanismo europeu. A questão dos refugiados e a sua percepção na Europa, é muito debatida no Vaticano. O Papa Francisco, trata o tema com acções concretas, como aconteceu na sua visita a Lesbos e, dessa forma, mostra como a Europa e a política europeia não estão a actuar. O Papa Francisco, em abono da verdade, fala como um filho que tem as raízes da sua vida e da sua fé na mãe Europa.
Os seus pais fugiram um dia da pobreza do Piemonte, e o filho nunca esqueceu esse dramático episódio familiar, e durante o seu discurso, falou de forma apaixonada e quase como entoando um hino, do que representa para si a Europa, defensora dos direitos humanos, democracia e liberdade, pátria de poetas, filósofos e artistas. A Europa mãe de povos e nações. O que existe de errado na Europa? O Papa Francisco estruturou o seu discurso com palavras de integração, diálogo e criatividade. Assim, tornou-se na realidade político, uma vez que coloca a Europa, como exemplo, para recordar o que tiveram de passar milhões de jovens, sobretudo dos países europeus do sul, que não têm formação, emprego e futuro, revelando toda a indignidade da situação de uma Europa que se pretende eminentemente social. O Papa no seu discurso, apenas citou o jesuíta polaco Erich Przywara, e sua obra “A ideia da Europa”, cuja leitura recomendou várias vezes. A ideia europeia de um jesuíta nascido na Polónia, realça a notável contribuição do Presidente do Conselho Europeu e ex-primeiro-ministro da Polónia.
O problema é que a Europa apoiou os Estados Unidos na criação e incitamento de conflitos, onde quer que seja, na Síria, Ucrânia e Líbia, e essas pessoas, que são seres humanos, e não se deve esquecer essas acções, fogem de guerras, insegurança, fome e tentam salvar os seus filhos. É a consequência de não ter ajudado, honestamente, muitos países da África subsarianos, a saírem da terrível situação que criaram. É uma grande tragédia humana a vaga de emigração que varre o continente europeu, e que a Europa tem uma grande quota de responsabilidade. O que é absurdo é que podem passar vários anos no limbo, e permanecerem na Europa. É obrigação moral aceitar os emigrantes ou rapidamente, apenas em situações extremas, rejeitá-los e fazê-los regressar aos seus países de origem, sem mais delongas e histórias. A Europa muito irá chorar pelo seu desleixo em matéria de imigração. Quem não é elegível para ser considerado refugiado, deve ser expulso do território da UE.
O Canadá gasta fortunas para expulsar quem não reúne condições para permanecer no seu território, e pode ser o exemplo a seguir, pelo menos, sobre a imigração. A situação é fácil de resumir, pois se lhes concedem asilo, podem permanecer na Europa. Se não obtiverem asilo, podem permanecer na Europa, ou seja, em ambas as situações, recebem benefícios. Aparentemente, a diferença está, em que sendo considerado refugiado, terá maiores benefícios. O sonho europeu, faz que qualquer pessoa que ponha o pé na Europa, despoleta burocracia e a aliança de instituições profissionais de boa vontade, como a ONU, UE e jornalistas especializados, que se encarregam de tornar impossível a sua devolução aos países de origem, e é essa e não outra, a razão de que cheguem cada vez mais emigrantes à Europa, o que curiosamente não ocorre, em nenhum dos riquíssimos países muçulmanos do Golfo. E entretanto, o estado de bem-estar é desfeito, a Europa fica islamizada, e o terrorismo jiadista está cada vez mais presente.

6 Jun 2016

O sonho americano

“Only roughly 4-In-10 (42%) Americans say that the American Dream-that if you work hard, you’ll get ahead-still holds true today, [whereas] nearly half of Americans (48%) believe that the American Dream once held true but does not anymore,” while “most Americans (55%) believe that one of the biggest problems in the country is that not everyone is given an equal chance to succeed in life.”
Our Kids: The American Dream in Crisis
Robert D. Putnam

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sonho americano ou, em inglês, “The American Dream”, também conhecido como o sonho americano na Casa Branca, pode ser definido, em geral, como a igualdade de oportunidades e liberdade, facultado a todos os habitantes dos Estados Unidos para atingirem os seus objectivos na vida, por meio de esforço e determinação. A Estátua da Liberdade foi para muitos imigrantes a primeira visão que tiveram quando chegaram aos Estados Unidos, significativa da liberdade. A estátua é um símbolo dos Estados Unidos e do sonho americano. Todos os anos, mais de um milhão e meio de novos imigrantes, documentados ou indocumentados chegam aos Estados Unidos.
A maioria provêm da América Latina e para chegarem, muitos esperam anos para obter vistos de entrada, e outros correm o risco de atravessar a fronteira, através das montanhas ou deserto. Deixam as suas casas e famílias para irem viver num país desconhecido, em que se fala outra língua, e tem costumes completamente distintos. Apesar de todas as dificuldades, as pessoas continuam a ir. Porque razão? O que os atrai a esse país? A muitos a promessa de viver o sonho americano, que é uma ideia abstracta. É a promessa de riqueza, para alguns e para outros, a possibilidade de dar aos seus filhos uma boa educação e grandes oportunidades. O sonho americano não é uma ideia nova, pois tem uma história tão longa, como a dos Estados Unidos, que de certa forma nasceu desse mesmo sonho.
Os primeiros colonizadores da Nova Inglaterra chegaram à procura de liberdade religiosa. O escritor americano Horatio Alger, escrevia no século XIX, histórias de ficção, muito vendidas, cujos personagens passavam da pobreza à riqueza por meio do trabalho duro, coragem e determinação. O sonho americano, para muitas pessoas, apesar de algum sucesso, não é mais que um sonho. Ao chegarem aos Estados Unidos, muitos partilham pequenos apartamentos com quatro ou cinco pessoas a dormirem no mesmo quarto, permanecem dias nas esquinas à espera de conseguirem trabalho, e passam fome para poderem enviar dinheiro às suas famílias do outro lado da fronteira.
É este o sonho americano? O estudo recente efectuado pela Universidade de Harvard, que entrevistou membros de uma comunidade imigrante, para conhecer as suas experiências, revelou que nas respostas existiam muitas semelhanças, dado todos terem ido para os Estados Unidos à procura de oportunidades económicas, e associavam o país com progresso, dinheiro, segurança e liberdade. Todavia, a maioria afirmou que não tinham realizado os sonhos, pelo qual tinham ido, ainda que os Estados Unidos sejam a primeira potência mundial, não é o que imaginavam. Os americanos permitem que os indocumentados façam o trabalho que rejeitam, sempre marginalizando-os e utilizando-os. Os imigrantes conseguem, apenas, perder a sua juventude e energia. Segundo os entrevistados, o sonho americano, não é o que parece ser. A nova geração de jovens sul-americanos, está a entrar nos Estados Unidos com falsos sonhos que lhes contaram do lado da fronteira mexicana, e não é possível continuar a permitir que percam a sua juventude nessa ilusão.
É melhor dizer-lhes que não venham, ou poder-se-á criar uma comunidade sul-americana nos Estados Unidos que dê apoio e inspiração? O sonho americano está construído sobre as bases da mobilidade social, igualdade e a noção de que todas as crianças, sem importar a sua origem, têm a oportunidade de prosperar. Tal sonho, não é evidente e podia estar em perigo, segundo o politólogo, assessor de três presidentes americanos e professor da Universidade de Harvard, Robert Putnam, que é considerado e escutado pelos seus concidadãos. Quando Robert Putnam fala, os Estados Unidos escuta-o, mas não quer dizer que todos estejam de acordo. O seu livro “Bowling Alone: ​​The Collapse e Revival of American Community”, publicado há quinze anos, tornou-o conhecido mundialmente, e é considerado como uma das melhores obras, sobre política pública. O autor seguiu a trajectória do declive da participação da sociedade civil, ou seja, do número de pessoas que participam em associações e clubes.
As pessoas juntam-se menos em agremiação, e não se tornam membros de quase nada. Embora existam mais pessoas a jogar boliche, por exemplo, há menos pinos de boliche. O seu novo livro, “Our kids”, publicado, a 26 de Março de 2016, Robert Putnam, aborda o tema da desigualdade social, contando uma história familiar da diminuição da mobilidade social, através da visão da sua cidade natal, afirmando que o sonho americano que estava vivo durante a sua juventude, na década de 1950, está muito provavelmente fora do alcance dos cidadãos. Ainda que as pessoas vivam lado a lado, as suas vidas são paralelas e as oportunidades distintas. O velho igualitarismo da era do pós-guerra, já não existe. O livro tem algo para todos, especialmente, para discordar, como por exemplo, a história mais feliz, quando relata as últimas décadas, com a melhoria das condições de vida dos afro-americanos, desde as marchas de Selma a Montgomery de 1965, assim como a situação das mulheres.
O politólogo americano, por vezes parece vestir a roupagem da esquerda, quando culpabiliza a estrutura da economia, particularmente, a perda de bons empregos, para as mãos qualificadas na indústria manufactureira, e outras vezes, parece ser conservador, realçando por exemplo, que 10 por cento dos filhos de pessoas licenciadas, encontram-se em famílias monoparentais, que é similar à taxa da década de 1950. Ao invés, nas famílias de menor instrução, a cifra subiu de 20 por cento para mais de 65 por cento. A sua análise incomoda muitas pessoas, mas não deixa de constituir uma questão que é fulcral para a política moderna em todo o mundo, ou seja, qual a razão pela qual, tantas pessoas estão a ficar marginalizadas.
O aumento das desigualdades sociais é um problema violeta, que é uma expressão política nos Estados Unidos, pois os conservadores são de cor vermelha e os liberais azuis. É um problema, cuja causa deve ser observada, através da lente progressiva azul, pois não se deve considerar apenas o colapso da produção, mas também a estagnação dos salários, do que se habituou por chamar de classe trabalhadora, e que tem quase meio século. As outras causas do problema, podem ser vistas de forma mais clara com lentes vermelhas conservadoras, como o desfalecimento da família da classe trabalhadora, com um enorme aumento no número de jovens das classes mais baixas, a viver com as mães solteiras. Estes factores desempenham um papel, e existe uma outra dimensão, pois não é só o aumento da disparidade de rendimentos, mas também uma crescente segregação das classes sociais, não habitando os ricos e pobres os mesmos espaços das cidades.
O problema é que alguns desses factores são irreversíveis, como o das famílias monoparentais, pois não se pode obrigar que os casais permaneçam unidos. Todavia, deve-se pensar que estes jovens, que são o resultado de uma transformação na parte inferior da hierarquia da socioeconómica americana, são os filhos a que têm de prestar atenção e ajudar. O facto mais importante, é de que os jovens estão cada vez mais separados dos seus vizinhos, parentes, escolas, igrejas, e que algo deve ser feito para solucionar tão sério problema. A outra situação irreversível, vai-se intensificar no ciclo da produção, e nos próximos anos perder-se-á, 85 por cento do mercado laboral, com a tecnologia e os robots. É de considerar que esta não é a primeira vez que os Estados Unidos enfrentam semelhante problema. Há cem anos, com a Revolução Industrial, também fez face a grandes rupturas, entre as pessoas e as mudanças económicas dramáticas que ocorreram, e num curto espaço de tempo, os americanos conseguiram ajudar todos os jovens sem olhar à sua origem e a prepará-los para uma nova era. Foi criada nessa época, a escola secundária gratuita, que incentivou a produtividade americana, e permitiu competir em igualdade de condições.
É necessário que os Estados Unidos descubram um tipo diferente de política, que reveja a situação dos jovens, e encontre formas de resolver o problema, que deve passar por um grande debate nacional, sobre a crescente diminuição de oportunidades. O sonho americano, tal como o definem é impossível de ser atingido, e seis em cada dez americanos, confirmaram na sondagem “American Dream” da CNN Money, realizada de 29 de Maio a 1 de Junho de 2014. Os jovens adultos, entre os dezasseis e trinta e quatro anos têm maiores probabilidades de sentir, que o sonho americano é inalcançável, e 63 por cento dos inquiridos, afirma que é impossível. Este grupo etário tem sofrido, como resultado da “Grande Depressão”, e são pessoas que têm dificuldades, em conseguirem bons empregos. Os jovens americanos são a grande preocupação. Muitos dos entrevistados, disseram que estão preocupados, acerca da sua capacidade de prosperar na próxima geração.
É uma situação séria, apesar de 54 por cento dos entrevistados terem a sensação, de que se encontram em melhor situação que os seus pais. O humor deprimido é surpreendente, segundo os especialistas em mobilidade económica. O pessimismo é um reflexo da realidade financeira que grande quantidade de famílias enfrenta, pois estão activos, mas os seus rendimentos não se traduzem em forte segurança financeira. A grande maioria dos americanos tem rendimentos mais elevados que os seus pais, devido ao facto da maior parte das famílias terem duas fontes de rendimento, apesar de metade terem mais riqueza. A taxa de poupança é baixa e o desemprego elevado. Os custos com a Universidade estão a aumentar mais rapidamente que a inflação, e a dívida dos empréstimos estudantis estão a crescer. As pessoas têm tendência a serem mais pessimistas sobre o futuro da próxima geração, em geral, que a perspectiva dos seus filhos.
As sondagens da “Pew Research Center” e outras organizações revelam que os pais dizem que será mais difícil para os seus filhos terem sucesso, mas acreditam que seja possível. As percepções não são suportadas pelos factos. O sonho americano não está morto e dois importantes estudos publicados no início de 2016, concluíram que a mobilidade é maior nos Estados Unidos que em muitos outros países desenvolvidos, mas não mudou de forma significativa com o tempo. Os investigadores encontraram diferenças expressivas em relação à mobilidade em todo o país. Os que vivem em áreas de maior desenvolvimento económico, melhores escolas e menor número de residentes afro-americanos têm maior oportunidade de ascender na escala económica. A mobilidade é um problema, mas não piorou.

31 Mai 2016

O sonho chinês

“The realization of the Chinese dream needs both constant economic development and progress in all aspects of society. Along with the increase in economic production and improvement in people’s living standards, the key factors for selecting China’s course turn to the constraints of resources and environment and the decrease of the gap between the rich and poor.”

The China Dream and the China Path
Tianyong Zhou

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] sonho chinês seguido por mil e trezentos e sessenta milhões de pessoas é objecto de numerosos estudos. Se falarmos da actual China, poderá parecer um pouco estranho, que não exista nenhuma referência ao sonho chinês. Se falarmos dele a chineses de meia-idade, muitos certamente se recordarão dos sonhos da sua infância, talvez o tenham realizado, se apagaram na bruma do esquecimento, ou enriqueceram com o passar do tempo. Quais teriam sido os sonhos das crianças chinesas há cinquenta anos? Muitos esqueceram, ou talvez não tivessem nenhuns.
Existe um sonho comum a muitas crianças desse tempo perdido, o dos pais insistirem como em qualquer outro país, que estudassem muito, pois assim poderiam arranjar um bom trabalho e terem molho de soja para misturar com o arroz. Era um tempo em que poucas pessoas sabiam ler e escrever, e ninguém sabia o que eram bancos ou editoras. Era a época em que se estabeleceram as comunas populares, por toda a zona rural do país. Os chineses, nem ainda tinham começado a primeira fase da escola secundária, e tinham de trabalhar a terra dos pais.
A comida produzida nas comunas não era suficiente, e mesmo durante as estações sem alterações climatéricas, com colheitas normais, existia carência de alimentos. Na primavera, em geral, ficavam sem comida. Era lógico, que os pais sonhassem que os seus filhos, quando chegassem à idade adulta tivessem a barriga cheia. A soja estava disponível para alguns, mas raras vezes viam nas suas mesas. Só aparecia na “Festa da Primavera”, para uso de alguns convidados importantes.
Era actualmente, como as lesmas, abalones e pepinos-do-mar. As décadas de 1960 e 1970, não foram propícias aos chineses para terem grandes sonhos, pois apenas se importavam em ter comida para o dia seguinte, mas o tempo passou, e em 2009 realizou-se uma grande sondagem na China, sobre os sonhos e sonhar. Os resultados mostraram que antes da reforma e abertura de 1978, o sonho dos chineses era sobretudo, ter suficiente comida e roupa. A aspiração dos pais nesses tempos idos era normal e legítima.
As crianças que nasceram nesse tempo, em algumas pequenas cidades do Norte da China, tiveram a sorte de poder ler a imprensa da capital, mesmo não sendo diariamente, enquanto outras crianças que nasceram em pequenas vilas no sul do país, a primeira vez que viram o que denominavam por diário, foi no ano do falecimento de Mao Tsé-Tung, e apesar da falta de informação e do vazio cultural, nunca renunciaram ao objectivo de estudar conscienciosamente.
O estudo nos últimos mil anos tem sido a referência para que milhões de chineses mudem os seus destinos, e sigam os seus sonhos e muitos matricularam-se nas universidades das grandes cidades, viram o mundo e começaram a conhecer pessoas, que não apenas sonhavam, mas também conseguiam transformar os seus sonhos em realidade. Muitos começaram também a ter os seus sonhos. Falavam deles, e contavam as suas aspirações a outros jovens. O tempo voa e depois de trinta anos de reforma, abertura e acelerado desenvolvimento, produziram-se grandes mudanças no sonho chinês, e assim o demonstram diversas sondagens e estudos efectuados.
Os sonhos chineses actuais, contam com a criação de uma empresa e manter uma boa saúde, que permita viver até aos 100 anos e viajar à volta do mundo. Muitos estrangeiros consideram a China como sua casa, fazendo parte, desse modo, do sonho chinês e são livres de projectar o que desejem, levando à verdadeira essência do sonho chinês, de todos terem o direito a sonhar e a oportunidade de o tornar realidade. A China tem o sonho chinês, os Estados Unidos o sonho americano, A União Europeia, o sonho europeu e a África, o sonho africano.
O sonho dos diferentes países e grupos étnicos têm pontos comuns, mas também, diferenças significativas, que são próprias de um mundo plural. O sonho chinês nunca irá contra o de outros países, e caracteriza-se pela inovação, inclusão e dinamismo, e anda de mãos dadas com o desenvolvimento do mundo. Todavia, existem diversos mal-entendidos, tais como, o facto de alguns meios de comunicação, terem interpretado o sono chinês como sendo o sonho da China, ao invés do sonho do povo chinês, e inclusive ligam a um sonho que se consegue à custa dos interesses do povo chinês, tratando-se de uma interpretação restritiva do termo.
O segundo mal – entendido é de que o sonho chinês irá substituir o sonho americano “american dream”, que é uma parte importante do “soft power” dos Estados Unidos. Muitos consideram as relações sino – americanas, como relações entre o número dois e o número um do mundo, e receiam que o sonho chinês substitua o americano. A China, de facto, não interfere na realização do sonho dos outros países. O terceiro mal-entendido é de que s sonho chinês é uma nova utopia. O termo utopia, no vocabulário chinês, faz referência a um sonho inalcançável, e alguns consideram que o sonho chinês, é como uma droga espiritual, que faz os chineses perderem a consciência reformista. O quarto mal-entendido é de o sonho chinês, significar que a China tenha abandonado o ideal comunista.
A China, na realidade é um país socialista, dirigido pelo Partido Comunista, e procura a prosperidade comum, que é o objectivo principal do sistema socialista. O sonho chinês não só não exclui o ideal comunista, mas dedica-se a alcançar de uma forma mais pragmática, o progresso. Pode-se dizer que o sonho chinês, é um sonho de prosperidade comum, entre os diversos grupos étnicos da China, e dos povos do mundo. O quinto mal-entendido demonstra que a China, deixou a prática de passar o rio apalpando pedras, que é um caminho de reforma. O sonho chinês não afasta a reforma e abertura, e é uma purificação sistemática. O sexto mal-entendido é de que o sonho chinês, é um sonho de constitucionalismo, de direitos humanos e democracia. Trata-se de uma interpretação restritiva, pois o sonho chinês para alguns tem uma conotação muito mais ampla.
O sétimo mal-entendido é de que o sonho chinês é um sonho de modernização. A modernização é um sonho da China moderna, e não obstante, algumas pessoas querem que a China se ocidentalize, totalmente. O sonho chinês, não é só a prática do modelo e dos conceitos modernos ocidentais na China, mas a realização do marxismo, combinando as condições nacionais, com a criação de um caminho socialista com peculiaridades chinesas. O oitavo mal-entendido, é de que o sonho chinês, é um sonho de renascimento, e alguns países temem que a China restaure a prosperidade das dinastias Han e Tang, compreendendo o sistema de tributos e o render homenagens a uma pessoa determinada. Este mal-entendido pode alimentar as teorias sobre uma possível ameaça chinesa.
A China é um país detentor de uma civilização antiga, e o principal significado do sonho chinês, é a revitalização e a renovação da sua civilização, para promover a transformação da civilização humana, e materializar o desenvolvimento sustentável. O nono mal-entendido, é o de alguns pensarem que o sonho chinês é igual à ascensão da China, que apenas dá atenção à posição, preocupações e sentimentos, depois do seu ressurgimento, como potência mundial. O décimo mal-entendido, é de que o sonho chinês, não só não exclui o sonho dos outros países, mas que os ajudará, em particular, os que estão em desenvolvimento, a realizar os seus sonhos.
O sonho chinês é, em primeiro lugar, o sonho do povo chinês, ou seja, o seu objectivo é o bem-estar do povo. Em segundo lugar, a sua meta é consolidar a prosperidade e a liberdade no país. Além disso, o sonho da civilização chinesa, ao conseguir um desenvolvimento económico sem paralelo na história, é o de proporcionar à humanidade um outro tipo de riqueza.
O que é exactamente o sonho chinês no século XXI? Numa só frase, é ter um mundo comum. Actualmente mais de sete mil milhões de pessoas de milhares de grupos étnicos, vivem em duzentos e trinta e nove países e regiões do mundo. Construir uma sociedade modestamente acomodada, um país rico e poderoso e um povo dinâmico e feliz, assim definiu o presidente chinês Xi Jinping, aquando da sua eleição.

22 Mai 2016

Unidade na diversidade

“When the historical decision leading to the banking union was taken at the European Council in June 2012, the declared reason was to “ensure that the supervision of banks in all EU member states is equally effective in reducing the probability of bank failures.” One year later, while stressing that the completion of the banking union had become a priority among the policy objectives of European policymakers, the Council stated that “it is imperative to break the vicious circle between banks and sovereigns.” At the origin of these statements, there are the large amounts of money spent by several European governments to bail out those banks involved in the financial crisis that started in 2007.”

The European Banking Union: A Critical Assessment
Angelo Baglioni

O “Dia da Europa”, comemorado a 9 de Maio de 2016, recorda a paz e a unidade que o continente europeu vive desde o final da II Grande Guerra. A data representa o aniversário da histórica “Declaração Schuman”. O ministro dos negócios estrangeiros francês, Robert Schuman, pronunciou, em Paris, a 9 de Maio de 1950, um discurso em que expôs a sua ideia de uma outra forma de cooperação política na Europa, que tornasse impensável uma nova guerra entre os países europeus, propondo a criação de uma “Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) ”.
Os Estados membros fundadores foram a França, República Federal da Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo, e assinada, a 18 de Abril de 1951, em Paris, sendo a primeira de um conjunto de instituições europeias que levariam à actual União Europeia (UE). A proposta de Schuman é considerada como o começo da UE, e desde então, sucedem-se os actos anuais, nessa data, de celebração. O presidente da Comissão Europeia, conjuntamente com os demais comissários, participaram em eventos nacionais e europeus, incluindo visitas às instituições europeias e actividades da UE, tal como o diálogo com os cidadãos, debates, conferências e diversos eventos culturais nos Estados membros.
O dia 9 de Maio, deveria ser uma oportunidade única para promover, ainda mais, a transparência e incentivar a aproximação entre a UE e os seus cidadãos, quando vive a sua pior crise de sempre de natureza económica, financeira, com profundas e graves clivagens internas, causadas pelo fluxo migratório e assolada por denodados actos de terrorismo. As instituições europeias abriram as suas portas, para dar uma oportunidade aos europeus de descobrir o seu trabalho diário. O tema central, da 24.ª edição de visitas de portas abertas, teve como lema a “Unidade na diversidade”, quando a UE vive exactamente o oposto, pois os seus Estados membros, nunca estiveram mais desunidos e fracturados pela adversidade das situações previsíveis, mas incontornáveis que os tem atingido.
A celebração dos sessenta e seis anos da “Declaração Schuman”, embrião da EU, demonstra o quanto é necessário, que se reinvente uma nova Europa, tal como foi pensada pelos seus fundadores, e reavivada por um conjunto de europeus ilustres, que têm vindo a propor um roteiro, para assegurar o futuro da EU, que a continuar a sofrer os impactos que conhecemos e sem uma liderança forte, que una todos os europeus e que nela se revejam, como garantes da sua identidade, a direcção que leva é de colisão e fractura. Seja qual for o resultado do referendo britânico, a Europa e os europeus necessitam urgentemente de um novo alento.
É demasiado o que está em jogo, como seja evitar a marginalização da Europa, não apenas do ponto de vista económico e político, mas também social, moral e cultural. O desafio comum da Europa é conciliar-se com os seus cidadãos confusos, desorientados e cépticos, para voltar a criar uma Europa influente, que tenha um projecto de futuro e de esperança para todos. A UE terá de deixar a política hipócrita das palavras e passar aos actos, resolvendo os problemas que são imensos e se acumulam, caso contrário, morrerá. Se não for dado um novo impulso político aos cidadãos europeus, os demónios populistas que quase a têm destruído, acabarão por vencer.
A história é distinta nas suas formas, mas o resultado poderá voltar a ser desastroso. A fim de se conseguir uma nova dinâmica devem ser valorizados novos êxitos. A UE é a entidade política, económica e mais solidária, menos injusta, mais democrática, pacífica e mais diversificada que a humanidade conheceu, tendo vindo a perder essas preciosas e únicas características, e ímpeto a cada dia, sendo um dos maiores triunfos políticos e económicos da época moderna. Fazer respeitar os seus valores e convertê-la num motor de progresso para todos os cidadãos europeus, exige a adopção de uma estratégia de vulto.
É necessário urgentemente, um itinerário preciso, devendo tal obra ser iniciada, de imediato, pelas instituições europeias e Estados membros, não devendo ser um grupo de países dominados pela Alemanha e França. É necessário o restabelecimento da confiança, e dar um novo impulso à dinâmica europeia que passam por algumas estratégias, sendo o principal, o fortalecimento da democracia europeia, que não consegue responder aos problemas que atingem os cidadãos, não sendo possível, como peregrinamente muitos defendem, considerarem-se europeus, sem uma cultura de cidadania partilhada.
Os Estados membros devem implementar uma educação cívica comum, que a todos sirva e comprometerem-se que o futuro presidente da Comissão Europeia seja eleito em função dos resultados eleitorais provindos das urnas. A democracia deve chegar à Comissão Europeia. É necessário clarificar as regras, para que os referendos sobre a adesão à EU, não se convertam em meros negócios políticos ou de estratégia duvidosa. A Europa “a la carte” não é uma opção, é um desastre. É indispensável, uma iniciativa estratégica, de segurança e defesa dos cidadãos da UE. Os Estados membros devem cumprir os seus compromissos em matéria de segurança interna, intensificando as cooperações policiais – (Europol, que é a agência responsável por garantir o cumprimento da legislação da UE, ajudando os Estados membros a lutar contra a criminalidade internacional e o terrorismo), judiciais (Eurojust, que é um organismo responsável por ajudar as autoridades nacionais a cooperarem para lutar contra as formas graves de criminalidade organizada, que envolvem mais do que um país da UE) e de informação, bem como no plano externo, implementar uma política de fronteiras moderna, suportada num corpo europeu de polícia de fronteiras e infra-estruturas de controlo e acolhimento, que respeitem os valores europeus.
A UE, deve simultaneamente, implementar uma política de estabilização das regiões vizinhas em todos os domínios, quer seja no económico, cultural e diplomático, como no militar. A UE deve tomar a iniciativa que está relacionada com os refugiados. O “Acordo com a Turquia” não é uma solução a longo prazo. O país está inundado de refugiados e o tráfego de pessoas, prospera utilizando outras rotas. A Europa deve escolher outro caminho, que é o de acolher dentro dos limites possíveis, integrar, formar e preparar as condições para o regresso dos refugiados aos seus países, pois não é uma política de portas abertas, recebendo todos, mas apenas, os que estejam dispostos a integrar-se e a aceitar os valores europeus.
Os cidadãos europeus só aceitariam uma tal política se melhorar a sua vida quotidiana. O desafio da segunda fase do plano do presidente da Comissão Europeia para estimular o crescimento, é investir nos sectores com maior futuro, capazes de promover a criação de empregos de proximidade, modernizar de forma duradoura a economia europeia e consolidar a vantagem competitiva, dentro de uma política industrial comum, que permita recuperar a autonomia europeia, como por exemplo, um plano de desenvolvimento e restauração do “habitat”, com a utilização de novos materiais e tecnologias digitais, que transformaria a vida dos cidadãos e conceder-lhe-ia a liderança mundial no sector. É importante considerar a criação de três planos centrados nos transportes, energias renováveis e nas competências digitais do futuro.
A “zona euro”, terá de reforçar o seu potencial de crescimento, a sua capacidade de fazer face a choques assimétricos e favorecer a convergência económica e social. Tal, exige a necessidade de atribuir novas prerrogativas ao “Mecanismo Europeu de Estabilidade”, ou seja, uma competência orçamental para a “zona euro”, e a rápida implementação da união bancária, aproveitando para reformar e corrigir os defeitos existentes. O “Programa Erasmus” deve ser democratizado, alargando o horizonte cultural de toda a juventude europeia, com o fim de incentivar a igualdade de oportunidades e o sentimento de identidade a um projecto comum. Estas iniciativas pretendem, voltar a colocar o cidadão no centro do projecto europeu, e incentivar o crescimento, emprego e a inovação. É possível pôr em prática, se existir a necessária vontade política nos próximos anos.
O presidente Franklin Roosevelt fez, com o “New Deal”, em 1933. As economias avançadas têm essa capacidade, devido às margens não utilizadas do orçamento europeu e ao emprego de novos recursos. Entre as soluções que terão de ser pensadas, está a disponibilidade de recursos e a solicitação de um empréstimo ao “Banco Europeu de Investimentos (BEI) ”. A médio prazo, a mobilização e a reflexão colectiva dos cidadãos europeus, devem ser as premissas da realização de uma nova “Conferencia Intergovernamental (CIG) ”, ou de um novo “Tratado Europeu”, que converta a Europa, numa grande potência democrática, cultural e económica, que garanta no seu espaço interno, a solidariedade e os direitos fundamentais, actualmente em perigo de vida, e que se dote dos meios essenciais para exercer a sua soberania.
O novo “Tratado” a sair desse debate, aplicar-se-ia, apenas aos Estados membros que desejem uma maior integração, e sempre estiveram convencidos de que o interesse geral europeu, não se limita à soma dos interesses nacionais, o que só será possível, se as dezenas de milhões de europeus, acreditarem que o futuro da Europa se escreve unidos, e começarem a mobilizar-se nesse sentido. Assim, se evitaria que a UE se desintegre em pedaços a um ritmo vertiginoso, e cujo sinal é visível, como por exemplo, a decisão da Hungria, a 22 de Outubro de 2015, de construir uma cerca ao longo da fronteira com a vizinha Croácia, também Estado membro da UE.
A crise da “zona euro” fragmentou os fluxos financeiros, causando divergência entre as economias, debilitando o apoio político às instituições da UE e confrontando os cidadãos europeus. Os governos erigem barreiras e restauram controlos fronteiriços, a crise dos refugiados cria obstáculos à circulação de pessoas e ao comércio internacional, e enquanto a Europa se parece desfazer no medo de ataques terroristas, aumenta o risco de que o Reino Unido vote por a abandonar.

13 Mai 2016

O Brasil e o futuro (I)

“What is Brazil’s strategy to cope with the emerging world order? The question has come up time and again in scholarly writings as analysts try to project whether Brazil is bound to be a “responsible stakeholder” or a spoiler of the emerging system. Brazil is as vibrant and messy a democracy as any other: Brazilian presidents preside over an often-fractured governing coalition and they face the challenge of managing a vast federal state with an unruly set of bureaucracies and semi-independent agencies operating within it.”

Shaper Nations: Strategies for a Changing World Hardcover
William I. Hitchcock, Melvyn P. Leffler and Jeffrey W. Legro

A presidente do Brasil anunciou um crédito extraordinário aos bancos estatais, grupos de agricultores e empresas, a 29 de Janeiro de 2016, de forma a ajudá-los a superar a pior crise que o país atravessa nos últimos cem anos. O ministro das Finanças anunciou, sete medidas para conceder os créditos às diferentes áreas da economia, dado ser obrigação do governo fazer um melhor uso dos recursos existentes. As medidas projectadas e a serem executadas, constam linhas de crédito e o uso de fundos de pensões para incentivar maiores investimentos em habitação e infra-estruturas.
As medidas criaram apreensão entre os investidores, por recearem que o país abrande o seu programa de austeridade e regresse às políticas fiscais frouxas do primeiro governo da presidente brasileira. O país atravessa a recessão mais profunda desde a “Grande Depressão” da década de 1930. Após uma queda de 3 por cento do PIB, em 2015, o FMI prevê outro recuo de 1 por cento para 2016, e adverte do risco de contágio na região. O governo da presidente brasileira, começou a esgotar a sua capacidade de resposta, depois de ter registado um deficit de 6,2 por cento do PIB, em 2014 e uma dívida pública superior a 60 por cento.
A inflação é de cerca de 10 por cento. A dívida das empresas aumentou no equivalente a 15 por cento do PIB, desde 2007. A taxa de inflação é de 10, 2 por cento, equivalente 10,4 milhões de pessoas sem emprego, ou seja, diariamente ficam desempregadas duzentas e oitenta e duas pessoas. A somar à desastrosa situação económica, a presidente do Brasil está a ponto de se ver profundamente envolvida no escândalo denominado de “Petrolão”, pasmando o mundo político internacional.
O Brasil amanheceu a 4 de Março de 2016, surpreendido e conturbado, pois o ex-presidente Lula da Silva, foi denunciado por um senador arrependido, que procurava aliviar a sua condenação no escândalo de corrupção na “Petrobras”, tendo sido detido por ordem judicial, por se recusar a colaborar com a justiça, e submetido a interrogatório, sobre presumíveis dádivas recebidas. É acusado de conhecer profundamente o processo de corrupção desde o seu início. A mesma acusação é feita contra a presidente, ainda em exercício de funções, reavivando a tese do “impeachment” ou julgamento político.
A situação apesar de séria e grave, não obscurece a profunda crise económica que o país vive, continuando a classe média abastada, a praticar o consumo de luxo, enquanto os sectores menos endinheirados diminuíram grandemente a procura de bens e serviços, numa economia que se contraiu 3,8 por cento, em 2015, sofrendo o maior recuo dos últimos vinte e cinco anos. A estrela das economias emergentes vai a caminho de sofrer a sua pior recessão, desde 2010, quando as estatísticas sérias no país apresentaram um crescimento da economia de 7,5 por cento. A previsão para 2016 é de um crescimento de -4 por cento do PIB. Os despedimentos no sector privado, em Janeiro de 2016, foram de cem mil trabalhadores, tendo sido despedidos, um milhão e quinhentos mil trabalhadores, em 2015.
As vendas a retalho diminuíram 7 por cento, e a inflação actual situa-se em 11 por cento, com tendência a subir. O deficit orçamental é imenso e representa 10,8 por cento do PIB, não se atrevendo a presidente brasileira a tomar sérias medidas para o reduzir, com receio da reacção popular poder agravar a recessão. É preciso salientar que a actual situação brasileira se deve à queda mundial dos preços dos produtos básicos e do petróleo, em especial; à total falta de investimento e às tentativas de reduzir o deficit, depois das imensas e desnecessárias despesas dos últimos anos, pelo que a gravidade da sua situação económica terá um forte impacto negativo, sobre as economias dos demais países do continente sul-americano.
O Brasil terminou 2015, no meio de um grande escândalo político, considerando o “impeachment” da presidente, rebaixando o grau de investimento, acumulando uma taxa de depreciação nominal relativamente ao dólar, em cerca de 47 por cento e removendo o ministro da Fazenda, por estar a presidente Dilma contra a política de ajustes fiscais que defendia anteriormente. Esta última situação não apenas mostrou a debilidade política da presidente, que tinha apoiado fortemente o ex-ministro da Fazenda no processo de ajuste, mas também uma falta de apoio do arco político da governação, para continuar com a política de ajuste fiscal. O ex-ministro da Fazenda veio a ser nomeado director financeiro do Banco Mundial.
Os acontecimentos fizeram que o então ministro do Planeamento ganhasse à presidente Dilma, o braço de ferro relativamente à facção mais ortodoxa. Todavia, o facto de o Brasil ter chegado a esta situação faz todo o sentido, para quem tem seguido a evolução da sétima economia mundial e a primeira da região, à qual os demais países vizinhos observam com particular preocupação, por ser o destino principal das suas exportações industriais. A economia brasileira, na primeira presidência de Dilma, de 2011 a 2014, cresceu a um ritmo médio anual de 2,2 por cento, em 2014 paralisou, e em 2015 sofreu uma contracção de 3,2 por cento, em termos reais, ou seja, os cinco anos de Dilma no governo federal, a economia brasileira acumulou uma subida de apenas 5,8 por cento, ou seja de 1,1 por cento anuais
O investimento interno bruto, foi de longe, a componente da procura global que teve o pior desempenho, tendo caído pelo segundo ano consecutivo a um ritmo de 12,7 por cento anuais, superando a enorme contracção de 8,9 por cento, registada em plena crise do real, em 1999, tendo alcançado o nível mais baixo de participação no PIB, desde 2007. Assim, não só foi importante o mau desempenho do sector privado, mas também a paralisação das obras públicas, pelo que o consumo privado se contraiu de forma significativa em cerca de 3 por cento anuais, registando a primeira contracção desde que o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou as eleições, em 2003.

A despesa pública manteve-se relativamente estável em cerca de 0,4 por cento anuais e por consequência, a procura interna contraiu-se 4,5 por cento, em 2014, tendo ultrapassado folgadamente o ritmo de contracção registado durante a crise do real, em 1999. O sector das exportações foi o único amortecedor do ritmo de queda do PIB, apesar do contexto internacional se encontrar, em plena deterioração. A forte depreciação do real, em particular, o volume das exportações de bens e serviços conseguiram atingir um aumento de 4 por cento anuais, e as importações caíram 12,4 por cento, proporcionando una forte melhoria do saldo líquido. Quanto aos sectores produtivos, a indústria teve de longe o pior desempenho, com uma queda média de 5,6 por cento anuais. Foi o segundo ano consecutivo em queda do sector industrial, que acumula um recuo de 1,2 por cento, desde que Dilma assumiu a presidência.
À recessão declarada pelo nível de actividade económica, em geral e industrial, em particular, há que acrescentar a aceleração da subida da taxa da inflação que atingiu 10,7 por cento, em 2015, muito acima do limite máximo da taxa de 6,5 por cento objectivo da politica monetária, tratando-se do maior aumento, desde 2002. A maior parte da causa dos problemas económicos e políticos que o Brasil enfrentou em 2015, deram-se em 2014, pois foram consequência directa da má estratégia eleitoral do PT, para conseguir a reeleição de Dilma Rousseff.
A vertente económica dessa estratégia teve como suporte uma política fiscal super expansiva e como consequência, desde 1997, o sector público não conseguiu ter um superavit primário em 2014 e 2015, tendo o deficit antes do pagamento dos juros da dívida pública, atingido 0,9 por cento do PIB. É de recordar, que apesar de o Brasil ter um “stock” de dívida de 66 por cento do PIB, sendo 13 por cento acima do nível em que Dilma iniciou a sua primeira presidência, a taxa média é de cerca de 14 por cento anual, dado que a maioria da dívida, é de curto prazo, denominada em reais, consumindo 8,5 por cento do PIB para o pagamento dos serviços da dívida.

É de realçar que para entender o mau desempenho da produção e da procura interna, em geral, e do consumo privado, em particular, deve-se ter em conta que na última década, a massa salarial cresceu mais que a produção, a que se acrescentou a disponibilidade de crédito a taxas de juros historicamente mais acessíveis. Esse círculo, então virtuoso, começou a reverter-se nos últimos anos. Os salários têm vindo a cair, em termos reais, desde Março de 2015, a um ritmo de 4,5 por cento anuais e a taxa de desemprego, subiu 3 por cento, atingindo os 8 por cento, o que implica que se perderam mais de um milhão de postos de trabalho, em 2015.

As previsões do mercado, indicam que a taxa de desemprego será de cerca de 10 por cento no final de 2016, e sendo obrigado o governo a implementar o ajuste fiscal, decide não o fazer pela impossibilidade de aumentar os impostos, dado atingirem uma pressão olímpica de 36 por cento do PIB, não tendo o PT melhor ideia que cortar nos subsídios de desemprego e parar as obras públicas. Assim, neste contexto é difícil procurar uma solução pelo lado das exportações. A desaceleração da China, principal destino dos produtos brasileiros não permite ser optimista quanto ao futuro, e daí se prever uma contracção mínima de 1 por cento para o PIB, em 2016, que conjuntamente com o desempenho da economia em 2015, será o pior biénio, desde a crise da década de 1930, e em tais condições, é de crer que o Banco Central não voltará a cumprir a meta inflacionária antes de 2019.

O Brasil não aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida pela calma internacional, não tendo conseguido avançar rapidamente para resolver os problemas estruturais relacionados com o atraso do investimento em infra-estruturas, baixa qualificação da sua mão-de-obra, altíssima pressão fiscal e um complexo emaranhado burocrático que desincentiva os investimentos. O PT, ao contrário, decide entregar assistência, subsidiar tarifas de serviços públicos de má qualidade, empréstimos ao consumo e estabelecer um conjunto de desagravamentos fiscais às indústrias.
Tal política incentivou o consumo, através da despesa pública e empurrou a inflação, conseguindo esconder as debilidades do esquema de política económica até ao ponto de baixar a água e ficarem a descoberto todas as inconsistências. O mercado reagiu, reduzindo o seu nível de exposição e elevando o custo do endividamento, e foi especialmente depois de perder as notas de grau de investimento, que o milagre brasileiro se apagou por algum tempo.

2 Mai 2016